STADLER ET AL. (2012)
ANÁLISE DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS EM LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA DO ENSINO
MÉDIO DO PNLD 2012
2
3
4
J. P. STADLER¹, F. S. SOUSA JÚNIOR , M. J. F. GEBARA e F. R. G. S. HUSSEIN
1,3,4
Universidade Federal Rural do Semiárido,
Universidade Tecnológico Federal do Paraná
1
E-mail: jp.stadler@gmail.com
2
Artigo submetido em março/2012 e aceito em maio/2012
RESUMO
Tendo em vista a grande importância dos livros didáticos
no cotidiano da prática docente, esse artigo visa avaliar
quatro livros indicados pelo PNLD 2012 quanto à
presença dos obstáculos epistemológicos estudados por
Bachelard, uma vez que esses não são analisados pelos
examinadores do PNLD e podem gerar dificuldades de
aprendizagem durante o processo de ensino. A análise
foi feita considerando a obra como um todo e, então,
pode-se perceber que todos os livros apresentaram
obstáculos, em sua maioria verbal, cuja causa foi
atribuída à tentativa de simplificar termos científicos ou
abstratos. Por outro lado nenhum texto apresentou o
obstáculo animista, o que pode indicar maior
preocupação com a inserção da linguagem científica no
cotidiano escolar.
PALAVRAS-CHAVE: livro didático, PNLD 2012, Bachelard, epistemológico, obstáculo.
EPISTEMOLOGICAL OBSTACLES ANALYSIS IN HIGH SCHOOL CHEMISTRY TEXTBOOKS BY PNLD
2012
ABSTRACT
Considering the great importance of textbooks in
everyday teaching practice, this article aims to evaluate
four books indicated by PNLD 2012 as the presence of
epistemological obstacles studied by Bachelard, since
these are not analyzed by the examiners PNLD and can
generate learning difficulties during the teaching
process. The analysis was done considering the book as
a whole and then we can see that all books presented
obstacles, mostly verbal, whose cause was attributed to
an attempt to simplify scientific or abstract terms, and
that the texts do not contain animist obstacles, which
may indicate greater concern with the inclusion of
scientific language in everyday school life.
KEY-WORDS: textbook, PNLD 2012, Bachelard, epistemological, obstacle
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ANÁLISE DE OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS EM LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA DO ENSINO
MÉDIO DO PNLD 2012
INTRODUÇÃO
Segundo Melzer e colaboradores (2008), o livro didático apresenta-se como um
importante instrumento, não só de apoio, mas de uso cotidiano da vida escolar por servir como
base teórico-metodológico para os professores e de base teórica importante para os alunos.
Diante dessa importância, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) regulamentado
pelo Decreto nº 91.542, de 19/8/1985, promove uma extensa avaliação de nove parâmetros,
apresentados resumidamente a seguir, que são apresentados no Guia do Livro Didático para o
PNLD 2012 para a componente curricular Química (BRASIL, 2011), são eles:
1) Apresentar a Química como ciência que se preocupa com a dimensão ambiental dos
problemas contemporâneos [...] levando em consideração os processos humanos adjacentes às
transformações químicas; 2) Romper com os conteúdos maniqueístas relacionados à Química [...];
3) Mostrar a Química como ciência de natureza humana de caráter provisório, mostrando as
condições que regem as leis e a possibilidade de mudanças;
4) Abordar características das
substâncias e dos materiais; 5) Apresentar o pensamento químico construído com uma linguagem
marcada por representações e símbolos pedagógicos necessários ao desenvolvimento dessa
ciência; 6) Desenvolver conhecimentos e habilidades para a leitura e a compreensão de fórmulas
nas suas diferentes formas, equações químicas, gráficos, esquemas e figuras a partir do conteúdo
apresentado; 7) Não apresentar atividades didáticas que enfatizem exclusivamente
aprendizagens mecânicas, com a mera memorização de fórmulas, nomes e regras, de forma
descontextualizada; 8) Propor experimentos adequados às práticas de sala de aula e
devidamente seguros; 9) Trazer uma visão de experimentação que se afine com uma perspectiva
investigativa, que leve os jovens a pensar a ciência como campo de construção de conhecimento
permeado por teoria e observação, pensamento e linguagem.
Todos esses aspectos são importantes e devem ser abordados nos livros didáticos de
Química, por desmitificarem-na como uma ciência distante da realidade do aluno, como sinônimo
de desastres ambientais, toxicidade e poluição e, também, por promoverem o pensamento
crítico, relacionado à mesma, nos alunos, de modo a evitar que esses decorem somente conceitos
e não saibam aplicá-los ao seu próprio contexto, o que deve ser o objetivo do ensino de Química
no Ensino Médio, tanto de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
(PCNEM) (BRASIL, 1999) quanto de acordo com as Diretrizes da Educação Básica do Estado do
Paraná (PARANÁ, 2008).
Contudo, um aspecto que não á avaliado é a presença, nos livros didáticos, de obstáculos
epistemológicos, que podem aparecer sob várias formas e prejudicar ou dificultar a
aprendizagem dos conteúdos pelos alunos (LOPES, 1992).
De acordo com Gomes e Oliveira (2007), esses obstáculos são inerentes ao processo de
ensino-aprendizagem e podem ser descritos como uma acomodação frente ao novo
conhecimento. Mas é preciso evitar que, com essas ocorrências, sejam criadas concepções
alternativas que impeçam o correto entendimento de conceitos e fenômenos pelos alunos
(PINTÓ e colaboradores, 1996).
A importância da linguagem utilizada no livro didático foi baseada na análise de Lôbo
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(2001) sobre esse fenômeno de forma a enfatizar a necessidade de uma transposição de
concepções no processo de aquisição da nova ciência, indicando similaridade entre esse processo
a descrição do obstáculo da experiência primeira (BACHELARD, 1996).
“O trabalho de Mortimer sobre o perfil conceitual levanta uma das
questões mais importantes para quem lida com o ensino de Ciências: a
linguagem. A alfabetização científica requer a aquisição de uma nova
linguagem. No entanto, para Cobern (1996), assim como para Vygotsky
(1979), há uma forte interação entre a linguagem e o pensamento, de
forma que a aquisição de uma nova linguagem implica adquirir uma nova
estrutura de pensamento, uma nova cultura, uma nova visão do mundo.”
(LÔBO, 2001).
A contextualização presente nas obras foi considerada uma possível causa para o
obstáculo da experiência primeira descrito por Bachelard (1996), baseando-se na análise da
contextualização de conteúdos em livros didáticos realizada por Wartha & Alário (2005) que
sugere que a problematização ligada ao contexto auxilia no processo de conhecimento:
“[...] o papel da problematização na compreensão dos alunos sobre os
temas, ou seja, a cultura primeira é ressaltado e de algum modo se
relaciona aos fatores que configuram o contexto [...] o processo de
construção do conhecimento, no sentido da superação dessa cultura
primeira [conhecimento prévio, (grifo dos autores)], passa pela codificação
problematização-descodificação, para assim superar obstáculos do
conhecimento empírico, oriundo de sua vivência.” (WARTHA & ALÁRIO,
2005).
CATEGORIZAÇÃO DOS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS
Os obstáculos epistemológicos, passíveis de ocorrer no processo de ensino-aprendizagem,
foram amplamente estudados pelo pensador francês Gastón Bachelard (LOPES, 1992), sendo
divididos no livro A formação do espírito científico (BACHELARD, 1996) em cinco categorias: 1)
Obstáculo da Experiência Primeira: descrito como o obstáculo relacionado com o conhecimento
já adquirido pelo aluno acerca dos temas estudados, ou seja, como as ideias e explicações
populares entendem os fenômenos. É um dos mais importantes uma vez que, segundo o próprio
autor, o conhecimento científico só é criado quando contraposto ao conhecimento prévio
(BAHCERALD, 1996). O obstáculo da experiência primeira, de acordo com o artigo de Leite e
colaboradores (2006) está relacionado com impressões prévias no campo concreto colocadas
antes e acima da crítica de determinados assuntos. 2) Obstáculo Animista: esse obstáculo surge
quando são atribuídas características próprias de seres vivos a objeto de estudos, não-vivos,
abordados pela química (MELZER e colaboradores, 2008). Como a descrição de catálise,
apresentada por Lopes (1992), que afirmava que “o catalisador acelerava o processo, pois
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despertava, devido a sua presença, afinidades adormecidas”, descrição que delega aos
compostos características inerentes de seres vivos. 3) Obstáculo Realista: essa dificuldade surge
quando o aluno se contenta com a explicação concreta de um fenômeno, não conseguindo
promover a abstração necessária para obter uma explicação completa. De maneira mais aplicada,
esse fenômeno ocorre, como cita Lopes (1992), quando não se consegue abstrair as explicações
microscópicas dos fenômenos, somente as macroscópicas. Como, por exemplo, o caso a seguir
que mostra uma representação de distorções conceituais e representacionais relativas aos
modelos atômicos cientificamente aceitos, pois, segundo a qual, o átomo pode ser segurado,
visto a olho nu e ainda perfurada com uma furadeira (LEITE e colaboradores, 2006); 4) Obstáculo
Substancialista: esse obstáculo pode ser observado quando, na explicação dos fenômenos,
substitui-se a explicação correta do fenômeno pela análise das características substanciais, por
exemplo, atribuir a acidez somente à presença de hidrogênios ionizáveis na molécula (LOPES,
1993). Ou quando se tenta explicar um fenômeno de forma simplificada, mas incoerente. A título
de exemplo, a situação seguinte na qual se explica a acidez dos compostos exclusivamente pela
presença de hidrogênios ionizáveis (prótons), o que não é correto, pois existem outros tipos de
interações com o ânion e com a água, por exemplo, que determinam a força do ácido (LOPES,
1993). 5) Obstáculo verbal: esse obstáculo aparece quando são utilizados termos do senso
comum, do cotidiano ou analogias, para tentar facilitar a compreensão de um fenômeno. Essa
prática, além de impedir que o conceito seja aprendido da forma correta, por ir contra ao
obstáculo da experiência primeira, pode levar à elaboração de concepções alternativas por parte
do aluno, como dito por MELZER e colaboradores (2008), que utiliza um exemplo que considera
que uma metralhadora lançaria a radiação alfa sobre os átomos de ouro durante o experimento
de Rutherford.
Esse trabalho pretende, então, avaliar a estrutura dos cinco livros destinados à primeira
série do Ensino Médio das escolas públicas, para o período 2012-2015, aprovados pelo PNLD
2012.
A avaliação dos livros foi restringida ao primeiro volume de cada coleção, destinados à
primeira série do Ensino Médio, por se tratar do primeiro contato aprofundado do estudante com
a Química – diferente da visão superficial apresentada na oitava série (nono ano) do Ensino
Fundamental – que pode ocasionar um obstáculo de experiência primeira em relação à
componente curricular, caso o processo de ensino-aprendizagem nessa etapa inicial for mal
conduzido, gerando mais um problema na continuação do ensino da Química
METODOLOGIA
Foram realizadas duas avaliações distintas sendo que a primeira visou perceber se a
estrutura geral da obra, como um conjunto, promovia a integração entre a linguagem do
cotidiano e a científica, minimizando a ocorrência do obstáculo da experiência primeira.
Enquanto, na segunda avaliação, procedeu-se com a contagem, discussão e proposta de correção
dos fragmentos do texto que sejam considerados possíveis causas para o desenvolvimento dos
outros obstáculos estudados.
A Tabela 1 apresenta os livros-texto estudados, os quais foram aprovados pelo PNLD 2012.
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Tabela 1: Dados Bibliográficos dos Livros Analisados
Sigla*
Título
Autor
Química na Abordagem do
Eduardo Leite do Canto e Francisco
TC
Cotidiano
Miragaia Peruzzo
Química – Meio Ambiente –
MR
Martha Reis
Tecnologia – Cidadania
Andréa Horta Machado e Eduardo
MM
Química
Fleury Mortimer
JL
Ser Protagonista – Química
Julio Cesar Foschini Lisboa
Wilson Santos e Gerson Mól
SM
Química Cidadã
(coordenadores – PEQUIS)
* As siglas serão usadas para a referência aos livros durante o texto.
Editora
Moderna
FDT
Scipione
SM
Nova
Geração
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Apresenta-se, a seguir, a análise qualitativa que consistiu na observação de como o
conteúdo era exposto aos alunos como a linguagem e as contextualizações, tendo em vista que,
tanto a linguagem como a contextualização, segundo Oliveira e colaboradores (2009), pela sua
simplificação e subjetividade inerente podem transformar-se num obstáculo epistemológico,
determinando fatores que afetam o conhecimento científico, desviando-o das teorias e dos seus
conteúdos racionais). Essa análise foi feita com o intuito de indicar as possíveis causas para o
aparecimento dos obstáculos no material, com comparações entre os livros e apresentação de
possíveis soluções para os casos apresentados, seguida da análise quantitativa, na qual é
apresentada a contagem dos obstáculos presentes nas obras.
O livro TC possui uma linguagem mais simplificada, que pode ser causa de possíveis
obstáculos verbais. O conteúdo não aparece de forma muito fragmentada, mas a
contextualização e as práticas não aparecem muito integrados ao texto. Podemos destacar nesse
livro um caso de obstáculo verbal, como discutido por Melzer e colaboradores (2008),
caracterizado pela grande quantidade de analogias usadas quando o autor discute o átomo de
Rutherford, descrito a seguir:
“O raciocínio de Rutherford foi relativamente simples. Imagine que ele
atirasse com uma metralhadora em um caixote de madeira fechado com
conteúdo desconhecido. Se as balas ricocheteassem, não atravessando o
caixote, concluiríamos que dentro dele deveria conter algum material
como concreto ou ferro maciço. Mas se as balas o atravessassem,
chegaríamos à conclusão de que ele estaria vazio ou então que conteria
materiais menos densos como algodão, serragem ou similares [...] A
‘metralhadora usada’ por ele lançava pequenas partículas [...] para saber
se essas ‘balas’ atravessavam em linha reta [...]. ” (PERUZZPO & CANTO,
2010, p. 86)
Para esse caso, uma possível solução é a apresentação dos componentes, tanto do átomo
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quanto do experimento, como realmente são definidos e, se houver necessário, que seja feito o
uso de analogias devidamente explicadas, pois, a utilização da generalização anteriormente à
explicação científica do fenômeno pode impedir a abstração, por parte do aluno, da analogia para
realidade, gerando um obstáculo verbal, pois, como dito por Lopes (1993), não é científico o que
é ensinado, resultando em um conhecimento incompleto.
Na obra MR são apresentadas notícias no início dos capítulos como estratégia para
prender a atenção dos alunos por meio de contextualização, mas, no corpo do texto, o conteúdo
pareceu mais fragmentado que em TC, o que acaba por dificultar a integração dos assuntos.
Nesse livro, é utilizada uma linguagem mais científica, o que pode ser a causa da diminuição dos
obstáculos relacionados ao substancialismo e à generalização (obstáculos verbais), de acordo
com a discussão feita por Lopes (1996).
Ainda nessa obra, houve um caso de obstáculo substancialista, de acordo com as ideias
apresentadas por Melzer e colaboradores (2008), no qual, para demonstrar a veracidade da lei de
proporção de volume nas reações com gases, a autora utiliza o número de galões equivalentes ao
coeficiente estequiométrico do composto na reação (Figura 1), por exemplo, para a reação da
síntese da amônia (Equação 1):
N2 + 3H2 2NH3
(Equação 1)
Na qual dois reagentes, a representação e dada por um galão do primeiro mais três do
segundo reagente, antes da seta, e, depois da mesma, dois galões do produto, sem, contudo,
fazer qualquer menção de que é necessário misturar as quantidades corretas dos reagentes,
podendo proporcionar o entendimento de que não é necessário que os reagentes entrem em
contato para que haja a reação química e, também, de que os produtos são obtidos
separadamente e não no mesmo compartimento da reação. A apresentação da reação em um
mesmo recipiente, com quantidades de moléculas representadas em proporção pode diminuir a
simplificação e promover o entendimento correto de que é necessário o contato entre os
reagentes para que haja a reação, por exemplo.
Figura 1: Representação, por frascos, as quantidades dos componentes (REIS, 2010)
MM apresenta o conteúdo de forma a incluir, durante a explicação, pesquisas
investigativas e projetos que promovem a contextualização dos assuntos e uma imersão mais
contínua dos alunos na linguagem científica, o que diminuiu consideravelmente, em comparação
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com as outras obras, a quantidade de texto explicativo, causando, como consequência, uma
diminuição dos obstáculos no livro. Esse livro, contudo, apresenta uma proposta de abordagem
do conteúdo que pode levar à ocorrência de concepções alternativas, por permitir que o aluno
construa suas próprias conclusões durante realização dos projetos e dos experimentos. No
entanto, para evitar que isso ocorra, é de fundamental importância a mediação do professor.
Destacou-se, nessa obra, um obstáculo verbal, recorrente também nas outras obras, que
consiste em comparar o átomo a um grão. Mesmo que o átomo em questão não seja o da teoria
atomística de Demócrito e Leucipo, mas de Aristóteles, essa denominação se torna inadequada
tendo em vista que pode gerar concepções como, por exemplo, o átomo se desenvolver ou
brotar, já que essas são propriedades comumente conhecidas dos grãos, o que, de acordo com o
abordado por Melzer e colaboradores (2008), se caracterizaria como obstáculo. “[...] as menores
partículas seriam grãos de matéria, que exibiriam todas as suas propriedades[...].” (Machado &
Mortimer, 2011). A solução para esse caso é semelhante à proposta para o livro MR, que é geral,
tendo em vista que a apresentação das definições, cientificamente aceitas, anteriormente às
analogias é essencial para o correto entendimento.
O livro JL apresentou-se bastante similar ao de MR, contendo uma linguagem mais
científica e apresentando textos longos, diminuindo a quantidade de obstáculos verbais, como
mencionado, em outro contexto, por Lopes (1996). Contudo, a contextualização e os
experimentos não aparecem de forma claramente integrada ao conteúdo, que se mostra
bastante fragmentado. Nesse livro, aparecem átomos de sódio e cloro, no estado fundamental,
com o mesmo tamanho (Figura 2), resultando em um obstáculo substancialista, pois mesmo que
o tema de estudo não seja o raio atômico, a característica observada de que os o raio atômico
diminui, no período, em direção dos átomos não-metálicos, devido ao aumento da carga nuclear,
naturalmente, devendo-se respeitar esse fato nas representações dos átomos no livro didático,
propondo características diferenciadas da realidade aos objetos de estudo, determinando o
obstáculo como dito por Melzer e colaboradores (2008).
Figura 2: Representação dos átomos de sódio (Na) e cloro (Cl) do mesmo tamanho,
desconsiderando as variações de raio atômico (LISBOA, 2010).
Quanto ao livro de SM, a estrutura é parecida com a do MR, há um texto de abertura para
contextualizar o assunto, mas além do contexto não ser tratado no decorrer da explicação, não
há a aplicação do conteúdo aprendido ao contexto apresentado. A linguagem do livro é
predominantemente científica e há casos de uso de palavras (jargões) sem que haja previa
explicação.
Foram observados muitos obstáculos verbais, identificados por serem utilizados de
maneira incoerente pra explicar o fenômeno, como por exemplo, a citação de que “temperatura
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é a quantidade de calor do corpo” (p. 138) ou a utilização da palavra “incrustado” para descrever
os elétrons no átomo de Thompson (p. 178), entre outros. Quanto ao primeiro obstáculo, definir
temperatura como o grau de agitação das moléculas (constituintes) do composto químico seria o
mais adequado e no caso do segundo, a palavra incrustado leva ao entendimento de que os
elétrons estão na crosta (superfície) do átomo (parte positiva) e, o que é, de certo modo,
evidenciado pelo uso do panetone como analogia, no quais as frutas estão contidas no interior da
massa e não somente na casca.
A avaliação quantitativa resultou na tabela 2 que apresenta a contabilização dos
obstáculos epistemológicos presentes nas obras em função do tipo.
Tabela 2: Tipos de obstáculo epistemológico por livro
Tipos de Obstáculo Epistemológico
Sigla
Experiência Primeira Animista Realista Substancialista
TC
1
0
0
1
MR
1
0
0
2
MM
0
0
0
0
JL
1
0
0
1
SM
1
0
0
0
Verbal
5
1
2
1
6
O obstáculo de experiência primeira foi relacionado à inserção da linguagem científica no
cotidiano de sala de aula. Segundo Mortimer e Machado (2011), a linguagem científica apresenta,
em sua característica, o fato de condensar o conteúdo de uma frase e utilizar termos particulares,
o que tende a dificultar o entendimento do aluno quando não há a correta inserção desse tipo de
informação na prática escolar. Desse modo, os livros que não apresentaram fácil relação entre as
duas linguagens ou eram muito sobrecarregados de termos científicos, sem a devida explicação,
foram considerados como possíveis causadores do obstáculo de experiência primeira por não
promover a substituição do conhecimento científico em detrimento do conhecimento prévio,
fenômeno essencial à aquisição de conhecimento (BACHEALRD, 1996). .
Observou-se que nenhuma das obras apresentou o obstáculo animista, o que denota
maior preocupação dos autores quanto a não atribuição de características de seres vivos aos
objetos não vivos de estudo da Química, apoderando-se da linguagem científica para explicar tais
fenômenos e, em alguns casos, aplicando analogias que não se configuraram como animismo,
como pode ser observado analisando-se a quantidade desse tipo de obstáculo (LOPES, 1992), que
apresenta tais obstáculos em análises de livros didáticos mais antigos.
Um exemplo desse tipo de obstáculo foi observado no livro “Química e Sociedade”,
apresentado por Melzer e colaboradores (2008), na qual se pode observar a tentativa de atribuir
uma propriedade inerente de ser vivo, como uma faculdade que determina um padrão de
comportamento à entidade: “O átomo não é mais uma esfera, como pensavam, mas uma
entidade que tem um padrão de comportamento difuso...” (MELZER e colaboradores, 2008).
A não percepção de obstáculos realistas pode ser causa da utilização de linguagem
científica adequada e do pequeno número de analogias, de modo geral, o que promove o
conhecimento correto dos fenômenos na sua forma completa, evitando problemas posteriores
que poderiam ser causados de uma explicação mal sucedida ou simplificada.
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Os obstáculos substancialistas apareceram relacionados com a tentativa de relacionar os
conceitos científicos de maneira simplificada, com exemplos ou explicações que não condizem
com a explicação cientificamente aceita, a fim de facilitar o entendimento do fenômeno pelo
aluno (LOPES, 1992), ao se apresentar situações que sejam mais fáceis de serem compreendidas,
mas que podem acomodar o estudante impossibilitado a abstração, por parte desse, para a
compreensão do fenômeno completo (BACHELARD, 1996).
CONCLUSÃO
Pôde-se constatar que os obstáculos epistemológicos estão presentes nas obras
destinadas aos alunos da primeira série do Ensino Médio, indicando que a análise desses deveria
ser realizada quando da avaliação dos livros pelo PNLD e faz-se necessário uma pesquisa que vise
os livros destinados as outras séries do Ensino Médio para minimizar e até eliminar a ocorrência
desses nos materiais didáticos.
Observou-se que a maioria dos livros apresentou o obstáculo da experiência primeira, no
sentido de não incluir a linguagem cientifica de modo a incluí-la na linguagem dos alunos, e que
nenhuma obra apresentou o obstáculo animista, o que pode significar maior preocupação com a
correta explicação dos fenômenos, utilizando a definição mais aceita.
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