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Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional ARTIGO https://doiorg/1012957/rep202376088 Management and Social Work: Challenges for Professional Training Geis de Oliveira Benevides* Maria José de Oliveira Lima** RESUMO O artigo traz reflexões sobre a gestão na formação profissional do/a assistente social, a partir das Diretrizes Curriculares da Abepss de 1996. As considerações apresentadas são resultado de pesquisa bibliográfica, documental e de campo. A motivação para o estudo partiu do pressuposto de que muitos profissionais apresentam resistência em reconhecer a gestão no âmbito do trabalho profissional, e isto se deve à compreensão sobre a gestão apreendida no processo de formação profissional. Essa investigação conseguiu abordar os determinantes dessa problemática, apontando argumentos a partir da realidade concreta de discentes e docentes participantes da pesquisa. As análises permitiram entender que, para garantir a apreensão da gestão no trabalho do/a assistente social, os conteúdos da disciplina precisam abordar as diferentes perspectivas de gestão, permitindo a construção de mediações que possibilitem apropriar-se da gestão na perspectiva democrática e emancipadora, condizente com os princípios expressos no Projeto Ético-Político do Serviço Social. Palavras-Chave: gestão; Serviço Social; formação profissional; gestão democrática e emancipadora. ABSTRACT This article brings reflections on management in the professional training of social workers, based on the 1996 ABEPSS Curriculum Guidelines. The considerations presented are the result of bibliographical, documental, and field research. The motivation for the study was based on the assumption that many professionals are resistant to recognizing management within the scope of professional work, and this is due to the understanding of management learned in the professional training process. This investigation was able to address the determinants of this problem, pointing out arguments from the concrete reality of students and teachers, participants of the research. The analyses allowed us to understand that in order to guarantee the grasping of management in the work of the social worker, the contents of the discipline need to address the different perspectives of management, allowing the construction of mediations that make it possible to take ownership of management in a democratic and emancipatory perspective, consistent with the principles expressed in the Social Work Ethical-Political Project. Keywords: management; social work; professional qualification; democratic and emancipatory management. *Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp, Franca, SP, Brasil E-mail: geisb oliveira@ggmailcom **Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp, Franca, SP, Brasil E-mail: maria jose-oliveira-lima@unespbr COMO CITAR: BENEVIDES, G O; LIMA, M J O Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro, v 21, n 52, p 151 - 165, maio/ ago 2023 Disponível em: DOI: 1012957/rep202376088 Recebido em 15 de abril de 2023 Aprovado para publicação em 09 de maio de 2023 © 2023 A Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 Introdução O presente artigo traz reflexões sobre a gestão na formação profissional do/a assistente social, a partir de resultados de pesquisas realizadas com objetivo de compreender os desafios e possibilidades da disciplina de gestão na formação profissional em Serviço Social, por meio da realidade das unidades de formação acadêmica (UFAs), no universo da Microrregional de São José do Rio Preto (Abepss Sul II). O interesse por esta temática justifica-se pela curiosidade científica em descobrir as dificuldades apresentadas por profissionais de Serviço Social no reconhecimento da gestão no trabalho profissional. Essa situação foi percebida pelas autoras com base nas indagações realizadas na dinâmica do cotidiano de trabalho como assistente social e docente. O pressuposto da pesquisa foi construído por meio das problematizações do objeto de estudo, o qual originou-se a partir da realização da pesquisa bibliográfica e reflexões sobre a gestão na formação profissional. O estudo partiu do pressuposto de que muitos profissionais apresentam resistência em reconhecer a gestão no âmbito do trabalho do/a assistente social, e a origem dessa resistência poderia ter como base a compreensão e entendimento sobre a gestão apreendidos no processo de formação profissional. Essa situação se justificaria por dois motivos. O primeiro relaciona-se ao desconhecimento sobre a importância dos conteúdos sobre gestão, conforme apresentado nas Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social, aprovadas pela Abepss, em 1996. Esse fato pode estar relacionado ao direcionamento atribuído à disciplina de “gestão” na graduação. Ou seja, dependendo da forma como a disciplina de “gestão” é ministrada, pode contribuir ou não para o entendimento e a compreensão da gestão no trabalho profissional. O segundo motivo consiste na questão ideológica, que permeia a compreensão das finalidades da gestão no Serviço Social, fato que interfere no reconhecimento da gestão como atividade inerente ao trabalho do/a assistente social, competência profissional e instrumento de trabalho no cotidiano. Pode ser que os/as profissionais apresentem resistência em reconhecer a gestão no Serviço Social por questões ideológicas; pode ser pela apreensão da atividade administrativa sob a perspectiva da área da administração, compreendendo-a apenas como estratégia e instrumento de reprodução das relações sociais capitalistas, a partir da perspectiva ideológica da dominação de classes. Esse posicionamento tende a contribuir para a negação da gestão no Serviço Social, pois entende-se que essa disciplina não condiz com o projeto de sociedade defendido pela profissão. A partir das Diretrizes Curriculares, em 1996, os cursos de Serviço Social, no Brasil, passaram a contar com a gestão no conjunto de disciplinas do trabalho profissional. Na organização curricular, a gestão situa-se no campo das “matérias básicas”, que são compreendidas como expressões de áreas do conhecimento humano, as quais são necessárias à formação profissional. A gestão foi reconhecida como uma exigência no trabalho 152 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 e na formação profissional dos/as assistentes sociais, fato que incumbiu às unidades de formação acadêmica (UFAs), de forma propositiva, a organização e o direcionamento do desenvolvimento da disciplina de gestão nos projetos pedagógicos, possibilitando a fundamentação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa das dimensões da gestão no Serviço Social, no Brasil. Assim, a disciplina de gestão deve subsidiar o reconhecimento e a apropriação dos fundamentos teóricos e práticos da gestão no trabalho profissional do/a assistente social. Em conformidade com o texto das Diretrizes Curriculares da Abepss de 1996, é necessário que o/a assistente social tenha conhecimento sobre: Administração e Planejamento em Serviço Social - As teorias organizacionais e os modelos gerenciais na organização do trabalho e nas políticas sociais. Planejamento e gestão de serviços nas diversas áreas sociais. Elaboração, coordenação e execução de programas e projetos na área de Serviço Social. Funções de administração e planejamento em órgãos da administração pública, empresas e organizações da sociedade civil. (ABESS; CEDEPSS, 1997, p. 71). Para a fundamentação de conhecimento na área da gestão, no Serviço Social, torna-se imprescindível conhecer as teorias organizacionais e os modelos gerenciais adotados para a gestão do trabalho e das políticas sociais, nos espaços sócio-ocupacionais do/a assistente social. Demanda-se compreensão sobre planejamento e gestão de serviços nas diversas áreas e esferas das políticas sociais. Requisita-se, ainda, conhecimento sobre o processo administrativo, a partir de suas funções gerenciais, para elaboração, coordenação e execução de programas e projetos na área de atuação do Serviço Social. Essas funções também compõem o referencial do processo administrativo e de planejamento das ações dos órgãos da administração pública, empresas e organizações da sociedade civil desenvolvidas com o objetivo de alcançarem fins determinados. No âmbito da dimensão técnico-operativa do trabalho, a gestão apresenta-se como atividade inerente ao trabalho profissional e como competência do/a assistente social, conforme ratificado na Lei de Regulamentação da Profissão, no 8.662/1993 (BRASIL, 2012). Ainda, a partir da apropriação dos processos de gestão e funções gerenciais, a atividade administrativa pode apresentar-se como instrumento de trabalho para o planejamento e desenvolvimento de políticas, programas, projetos e ações profissionais, nos diferentes espaços sócio-ocupacionais do/a assistente social. Os princípios e a lógica curricular expressos nas Diretrizes Curriculares são parâmetros para as unidades de formação acadêmica elaborarem o seu Projeto Político-Pedagógico (PPP). A disciplina de gestão, propositivamente, organizada e fundamentada nos PPP dos cursos de Serviço Social, no Brasil, pode contribuir para o reconhecimento e a apropriação da gestão pelos futuros/as assistentes sociais. Para tanto, é necessário que as 153 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 UFAs tenham a compreensão e entendimento propositivo sobre a importância e as possibilidades da gestão na formação e trabalho profissionais. Para a realização da investigação foram realizados estudos bibliográficos sobre as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social no Brasil, sobre os movimentos da profissão para a construção do projeto profissional, além de leitura de autores clássicos e contemporâneos sobre a administração e sobre gestão no Serviço Social. Houve também a necessidade de estudos documentais, considerando as análises dos Projetos Político-Pedagógicos dos cursos de Serviço Social participantes da pesquisa, além da pesquisa de campo. Na investigação de campo foram realizados diversos contatos telefônicos com as coordenações dos cursos de graduação, entrevistas presenciais com docentes responsáveis pelas disciplinas de gestão e aplicação de questionários presencialmente em sala de aula, com perguntas abertas e fechadas, para os/as discentes matriculados no quarto ano do curso de graduação das respectivas unidades de formação acadêmicas. Ressalta-se que o método orientador da pesquisa caracteriza-se pelo materialismo histórico-dialético, visto que a teoria social crítica oferece subsídios teórico-metodológicos para leitura e interpretação da realidade e, desse modo, possibilita a apreensão das diferentes manifestações do objeto estudado. O artigo foi organizado em quatro seções, que vão possibilitar o entendimento da investigação. A primeira seção aponta as reflexões teóricas sobre os fundamentos da gestão a partir das perspectivas administrativa, capitalista, burocrática e democrática e emancipadora. Na segunda seção, apresenta-se a gestão no processo de formação profissional em Serviço Social na Microrregional de São José do Rio Preto (Abepss Sul II – SP), com o detalhadamente do percurso metodológico do estudo junto às unidades de ensino selecionadas e aos participantes da pesquisa. As seções três e quatro apresentam as perspectivas de docentes e discentes entrevistados sobre as respectivas experiências e concepções sobre a gestão na formação e no trabalho profissional em Serviço Social. Enfim, nas considerações finais são apresentadas algumas reflexões que confirmam o pressuposto da pesquisa, apontando as possibilidades para a disciplina de gestão na formação profissional, visando contribuir para a apreensão da perspectiva da gestão democrática e emancipadora, o que colabora para a efetivação do Projeto Ético-Político do Serviço Social. Fundamentos da gestão democrática e emancipadora A partir dos estudos sobre a gestão no Serviço Social, identificaram-se quatro conceitos de gestão: administrativa, capitalista, burocrática e democrática e emancipadora. Embora as três primeiras perspectivas situem-se no mesmo campo de interesses, apresentam particularidades na concepção do processo administrativo. 154 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 A perspectiva administrativa tem como base o conhecimento técnico-científico da administração. A ciência administrativa “fornece um corpo sistematizado de teorias, como ação resultante do ato de administrar, gerir, gerenciar, coordenar, controlar e administrar as organizações ao longo do tempo” (MAXIMIANO, 1997, p. 28). Para Chiavenato (1999, p. 9), os administradores ou gerentes, responsáveis pelo comando das organizações, fundamentam-se nas teorias administrativas para a tomada de decisões, estabelecendo uma prática diária de planejar, organizar, dirigir e controlar (avaliação) e garantir o cumprimento dos objetivos organizacionais. O processo administrativo é desenvolvido com vistas a assegurar a utilização racional dos recursos (materiais, financeiros, tecnológicos, humanos1 e conceituais) disponíveis para alcançar os objetivos das organizações, sejam elas privadas, filantrópicas ou públicas. Todavia, é importante ressaltar que a administração apresenta uma perspectiva funcional da gestão, compreendendo-a como atividade científica a partir da ciência moderna, portanto, enviesada pela racionalidade instrumental, vinculada ao progresso do capitalismo. A administração surge como prática científica a partir da Revolução Industrial. Todavia, a perspectiva administrativa capitalista, que representa a racionalização do pensamento administrativo burguês, “manifesta-se na passagem do capitalismo comercial para sua fase industrial” (BRAVERMAN, 1977, p. 61). Ela nasce do processo de criação da gerência capitalista enquanto estratégia de controle do processo de trabalho, dos trabalhadores e do processo de produção. Nesse contexto, apresenta-se como estratégia para garantir a coordenação do trabalho coletivo e racionalização das atividades produtivas nos moldes do capitalismo. Com a consolidação das relações sociais capitalistas, a administração institucionaliza-se como prática que tem como finalidade a elevação da produção e, consequentemente, as taxas dos lucros do capital. No âmbito da produção e da reprodução social, terá importante papel para a manutenção da dinâmica de exploração e dominação da classe trabalhadora, no modo de produção capitalista (SOUZA FILHO, 2013). Já a perspectiva burocrática da gestão tem como referência os fundamentos da burocracia2 de Max Weber (1864-1820). Segundo Motta e Bresser-Pereira (2004, p. 5), a administração burocrática estrutura-se na racionalidade formal-legal (legalidade das normas, dos regulamentos e da divisão do trabalho, formalismo, previsibilidade, impessoalidade, hierarquia, padronização, competência técnica, profissionalização e especialização da administração) para buscar meios racionais e legais, segundo os objetivos e características institucionais, visando promover o pleno funcionamento da organização. A gestão 1 Na gestão democrática e emancipadora, o ser humano não é concebido como recurso, mas como fim da atividade administrativa, isso porque “considerar o homem como fim, implica em tê-lo como sujeito e não como objeto no processo em que se busca a realização de objetivos” (PARO, 2012, p. 32). 2 Para Weber, a burocracia seria um tipo de poder situado na mesma categoria do patriarcalismo, patrimonialismo, feudalismo e carismatismo. 155 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 burocrática consiste no processo de gerenciamento dos objetivos organizacionais a partir da racionalidade técnica e instrumental. Nessa condição, atuará para afiançar a adequação dos meios aos fins determinados, sempre com a finalidade de garantir a máxima eficiência na realização dos objetivos das organizações, seja no campo da produção ou da reprodução social. Desse modo, na sociedade capitalista, tende a promover processos administrativos que viabilizem as finalidades do capital, a produção, acumulação e apropriação privada da riqueza produzida. A perspectiva de gestão democrática e emancipadora desenvolvida por Paro (2012) vai de encontro com o Projeto Ético-Político do Serviço Social, pois os princípios e valores expressos no projeto profissional implicam o reconhecimento do conceito de gestão que tenha como horizonte a construção de uma nova ordem societária. Isto porque não é possível pensar em uma sociedade isenta de formas de dominação sem se considerar uma perspectiva de gestão que tenha como dimensão ético-finalística os interesses coletivos da classe trabalhadora. As reflexões realizadas sobre administração, construídas por Paro (2012), concebem a gestão como atividade eminentemente humana. O autor observa que, nos diferentes modos de organização social, a atividade administrativa esteve presente, por ser determinante na vida em sociedade. Paro (2012, p. 25) aponta que, identificada a especificidade da atividade administrativa, é possível captar os elementos que em sua existência concreta são determinações históricas e características de um dado modo de produção. Apreende-se a atividade administrativa em seus elementos mais simples e concretos, por considerá-la em seu sentido geral, independentemente de qualquer tipo de sociedade, afirmando que a administração “[...] é a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados” (PARO, 2012, p. 25). Paro (2012, p. 24-25) afirma que situar a administração em uma perspectiva democrática e emancipatória, com fins para a transformação da sociedade, implica uma dimensão ético-finalística, que tenha por objetivo atender aos interesses coletivos da classe trabalhadora. É possível, assim, desenvolver e/ou contribuir propositivamente com processos administrativos cuja finalidade seja direcionada pela perspectiva da gestão democrática e emancipadora. Souza Filho e Gurgel (2016, p. 72) afirmam que o objetivo da gestão democrática e emancipadora é “efetivar e ampliar o acesso da classe trabalhadora aos direitos historicamente conquistados”. A gestão, enquanto atividade administrativa e atividade racional que viabiliza a organização na realização do trabalho para atender às demandas da população trabalhadora, se caracteriza pela sua dimensão ético-política, pois prioriza escolhas e decisões para conduzir o processo de trabalho visando alcançar os fins ou interesses dos/ as sujeitos em ação. A finalidade democrática e emancipadora da gestão garante “sempre aproximar estas finalidades a um processo que amplie e universalize as condições de vida das classes subalternas atingidas pelas ações da organização” (SOUZA FILHO; GURGEL, 2016, p. 74). 156 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 O percurso metodológico da investigação na Microrregional de São José do Rio Preto (Abepss Sul II – SP) A investigação objetivou apreender os desafios e as possibilidades a partir do reconhecimento e da apropriação da gestão como atividade inerente ao trabalho do/a assistente social, competência profissional e instrumento de trabalho. Durante o processo investigatório houve contatos com as coordenações das UFAs selecionadas para a pesquisa, o que possibilitou o acesso ao PPP dos cursos de Serviço Social participantes da pesquisa. Esta etapa objetivou analisar as ementas, conteúdos e bibliografias para as disciplinas de gestão nas UFAs. Ainda, a partir dos contatos com as coordenações foi possível definir e selecionar os/as discentes e docentes participantes desta investigação. O levantamento quantitativo realizado junto às UFAs garantiu obter a totalidade de alunos/as regularmente matriculados/as no quarto ano do curso de graduação em Serviço Social e de docentes responsáveis por ministrarem a disciplina de gestão nos cursos de Serviço Social selecionados na amostra de estudo. O levantamento identificou uma totalidade de 120 alunos/as matriculados/as e regularmente cursando o quarto ano do curso de graduação em Serviço Social. A escolha pelos/as alunos/as do quarto ano do curso justifica-se porque, nesse período, os/as graduandos/as tendem a apresentar-se com maior compreensão sobre a fundamentação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa do trabalho profissional. No tocante aos docentes responsáveis pelo desenvolvimento da disciplina de gestão, a pesquisa identificou quatro professores, dentre esses, um com formação em administração e os demais com formação em Serviço Social. Três dos/as docentes têm pós-graduação em nível de mestrado e um em nível de doutorado, constituindo-se assim: dois mestres em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-São Paulo), um doutor em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (Unesp – Campus de Franca), e um mestre em administração pela Universidade de São Paulo (Campus de Ribeirão Preto). Entretanto, as entrevistas foram realizadas somente com três professores/as, pois, um desses/as docentes não pôde participar da entrevista. Identificados os participantes da pesquisa, a primeira etapa do processo investigatório foi a análise da organização da disciplina de gestão no Projeto Político-Pedagógico de cada UFA. Esta etapa teve como referencial a análise da ementa, os objetivos, a descrição do conteúdo programático e a bibliografia indicada para estruturação da disciplina de gestão nos cursos de Serviço Social. Esse foi um importante momento durante a realização da pesquisa, pois entende-se que a organização curricular da disciplina de gestão e a carga horária estabelecida para o desenvolvimento dos conteúdos propostos na ementa são determinantes para apreender a compreensão de gestão na respectiva UFA, logo, para com157 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 preender a percepção de gestão impressa no processo de formação profissional nos cursos de Serviço Social. Esses fatores podem influenciar o reconhecimento e a apropriação da gestão no trabalho do/a assistente social no processo de formação profissional. Percebeu-se que, na organização curricular dos referidos PPP, as disciplinas de gestão estão distribuídas entre o terceiro e quarto ano do processo de formação profissional nas UFAs pesquisadas. E, de forma geral, são trabalhados os seguintes conteúdos: teorias organizacionais; funções gerenciais; planejamento e gestão estratégica; gestão nos setores público, privado e Terceiro Setor; gestão social e políticas sociais; avaliação, coordenação e execução de programas e projetos sociais; gestão orçamentária; gestão municipal, planos, programas e projetos e; gestão de serviços públicos sociais. A partir da análise dos conteúdos trabalhados na disciplina de gestão nas UFAs, observou-se que estes não coadunam, em sua totalidade, para compreensão e apropriação da perspectiva de gestão democrática e emancipadora. Isso porque a organização curricular da disciplina de gestão privilegia a capacitação técnico-científica fundada na perspectiva administrativa da gestão, conforme apresentado por Maximiano (1997) e Chiavenato (1999). Compreende-se que os conteúdos programáticos privilegiam a fundamentação da dimensão técnico-operativa da gestão, visto que não consta indicação de referenciais teórico-metodológicos que possam contribuir com a compreensão da gestão democrática e emancipadora defendida por Paro (2012) e Souza Filho e Gurgel (2016). Também não consta indicação do Projeto Ético-Político do Serviço Social, que se constitui como o principal subsídio ético-político para o alicerçamento de mediações necessárias para concepção e apropriação da gestão democrática e emancipadora no Serviço Social. Para o/a assistente social conseguir apreender a gestão como atividade inerente ao trabalho profissional, é imprescindível que não ocorra a fragmentação dos conteúdos, de modo que haja articulação entre as dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa da administração. A gestão no processo de formação profissional no Serviço Social: perspectiva dos/as docentes Para a compreensão do entendimento dos/as docentes participantes da pesquisa sobre a gestão na formação profissional, foram estruturadas três questões fundamentais: a concepção dos docentes sobre a categoria empírica gestão, a percepção sobre os desafios e a importância da gestão no Serviço Social, percepção sobre as contribuições e possibilidades da gestão para o trabalho do/a assistente social. A análise dos dados demonstrou que os/as professores não concebem a gestão da mesma forma. Observou-se nas falas dos/as docentes que cada um/a concebe a gestão de 158 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 uma forma específica, como função gerencial, habilidade e competência intelectual para gerir recursos e fins nos espaços de trabalho e gestão social como prática do/a assistente social, nos espaços de planejamento e operacionalização das políticas públicas sociais. Apreendem uma finalidade propositiva da gestão no trabalho profissional, mas de forma específica e conforme sua compreensão da gestão. Não avançam nos fundamentos ético-político da gestão, o que impede a apropriação da gestão na perspectiva democrática e emancipadora, de acordo com os parâmetros ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo fundamentados por Paro (2012) e Souza Filho e Gurgel (2016). Concluiu-se que o direcionamento da disciplina e os conteúdos desenvolvidos estão relacionados ao entendimento específico de cada docente sobre o trabalho e a atuação do/a assistente social no campo da gestão. Compreendem como finalidade da gestão no Serviço Social a capacitação técnico-operativa para atuação profissional no campo da gestão social (formação de gestor, competência e habilidades intelectuais ou capacitação e qualificação para atuar na gestão das políticas sociais). Não concebem, portanto, a gestão como atividade administrativa inerente ao trabalho, competência e atribuição profissional e instrumento propositivo no âmbito técnico-operacional do trabalho do/a assistente social, exigido e requisitado nos diferentes espaços do trabalho profissional. De forma geral, os/as docentes entrevistados expressaram em suas falas as contribuições do conhecimento sobre a gestão no cotidiano de trabalho do/a assistente social e apresentaram argumentos teóricos e práticos para justificar possibilidades propositivas para o trabalho profissional. Todavia, suas concepções restringem-se ao seu campo de compreensão conceitual, expresso pelas teorias gerais da administração científica que garantirá a capacitação do/a profissional enquanto gestor das ações públicas sociais. Desse modo, as percepções coadunam com a perspectiva administrativa da ciência da administração, expressa nas concepções de Maximiano (1997) e Chiavenato (1999). Observa-se, também, embora não expressem diretamente em suas falas, que as percepções apresentadas se aproximam do atendimento da gestão burocrática (MOTTA; BRESSER-PEREIRA, 2004, p. 5), visto que concebem a gestão numa perspectiva racional, formal-legal e instrumental, principalmente porque relaciona-se à atividade administrativa no âmbito do Estado, na gestão das políticas públicas sociais. As concepções teóricas e práticas são respectivamente apresentadas como: o/a assistente social gestor/a e responsável pela gerência de espaços socioinstitucionais, competência e habilidades propositivas para o planejamento e organização de políticas públicas sociais, planejamento das ações e atividades do campo de trabalho e gestor de políticas sociais. Portanto, a percepção dos docentes implica uma fundamentação teórico-metodológica sobre gestão técnico-operacional e o/a profissional de Serviço Social atuando como gestor nos diversos espaços operacionais das políticas sociais. Esse fato exige conhecimento sobre gestão, planejamento e conceitos democráticos e participativos de gestão social. 159 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 Compreendem a gestão como uma atividade importante e relacionada ao trabalho profissional, porém, não a entendem como uma atividade ético-finalística democrática e emancipadora inerente ao trabalho profissional. A concepção de gestão dos/as docentes tem implicações na formação profissional do/as assistente social. O conteúdo proposto para a disciplina de gestão e o modo como é organizada e desenvolvida pelos docentes nas UFAs interferem diretamente na perspectiva, no reconhecimento e na apropriação da gestão no trabalho profissional por parte dos/as discentes. O conceito de gestão desenvolvido por cada professor traduz sua forma própria de entender e, a partir de sua formação acadêmica, portanto, organiza e desenvolve a disciplina de acordo com o seu entendimento sobre gestão. De modo geral, a apreensão e análise dos dados demonstraram que as percepções e entendimentos dos/as docentes não estão equivocados. O equívoco consiste no direcionamento único sobre o conceito e a compreensão de gestão, que termina por limitar a compreensão dos/as discentes. O correto consiste na organização da disciplina de forma que conceba a gestão de forma ampla, direcionando os conteúdos propostos para fundamentar a apropriação da gestão como atividade inerente ao trabalho do/a assistente social, competência e atribuição profissional e instrumento de trabalho, cuja finalidade seja democrática e emancipadora. Desse modo, pode-se contribuir efetivamente com o reconhecimento e apropriação da gestão na perspectiva democrática e emancipadora no processo de formação profissional em Serviço Social. A gestão no processo de formação profissional no Serviço Social: a perspectiva dos/as discentes Esta etapa da pesquisa objetivou conhecer a percepção e compreensão dos/as discentes sobre os conteúdos da gestão na formação profissional do/a assistente social. Para a análise dos dados, considerou-se a composição total dos/as discentes participantes da pesquisa em todas as UFAs pesquisadas. Tal procedimento foi definido porque a tratativa dos dados por UFA poderia expor os discentes e docentes responsáveis pelas disciplinas de gestão nos cursos de Serviço Social. Os dados apresentados na composição final da amostra da investigação, com discentes do quarto ano das UFAs, constituem uma amostragem de 120 alunos, regularmente matriculados nos respectivos cursos pesquisados. Desse total, 61 estudantes participaram da pesquisa, correspondendo a 62% de adesão. Não houve total adesão dos/as discentes, primeiramente, porque a participação na pesquisa era facultativa e o questionário foi entregue a todos/as presentes em sala de aula; segundo, porque alguns alunos regularmente matriculados faltaram à aula no dia agendado para a realização da pesquisa. 160 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 A análise e a interpretação se deram a partir da sistematização de informações quantitativas e da apreensão qualitativa das categorias empíricas apresentadas nas justificativas das respostas fechadas do questionário aplicado. O questionário foi estruturado sobre quatro perguntas, cujas respostas eram fechadas nas opções “sim” e “não” e abertas para justificativa das respostas escolhidas pelos/as discentes. A análise e a interpretação dos dados foram estruturadas em quatro questões fundamentais: percepção dos/as discentes sobre gestão no Serviço Social, percepção sobre a importância de se estudar gestão no Serviço Social, percepção sobre a finalidade de se estudar gestão no Serviço Social, percepção sobre a gestão no cotidiano de trabalho do/a assistente social. As entrevistas realizadas com os/as estudantes evidenciaram que os participantes da pesquisa concebem a gestão de forma diferente. Observa-se que o entendimento sobre o reconhecimento e a apropriação da gestão relaciona-se ao conteúdo que é desenvolvido em sala de aula pelo/a docente. O conhecimento e o entendimento da gestão por parte dos/as discentes são fortemente influenciados pela perspectiva de gestão que o/a docente adota. Destacam-se a compreensão sobre a gestão das políticas sociais, incluindo o planejamento, financiamento e operacionalização, além do aparato racional-legal que legitima e regulamenta as legislações relacionadas às políticas sociais. Pode-se constatar nas falas dos/as discentes percepções sobre a gestão no trabalho profissional a partir da concepção e compreensão dos/as docentes. Conceitos apreendidos no entendimento de que a gestão social é importante no Serviço Social para capacitar e qualificar o/a assistente social para o exercício da função gerencial nos espaços de gestão das políticas sociais, no planejamento e organização racional das atividades profissionais, com vistas a atingir resultados positivos; competência e habilidade intelectual para dirigir, planejar, controlar e organizar recursos para atender a fins determinados; e capacitação e qualificação para atuar nas diversas esferas de gestão das políticas sociais. É importante destacar que as apreensões dos/as discentes, conforme já apontado anteriormente, corroboram para apropriação da perspectiva administrativa da gestão, expressa nas reflexões de Maximiano (1997) e Chiavenato (1999). A partir das percepções acima apresentadas, compreende-se que os/as discentes participantes da pesquisa relacionam a finalidade da gestão no trabalho do/a assistente social com a necessidade de fundamentação teórica e metodológica para o trabalho profissional na gestão das políticas sociais, nas suas diversas funções gerenciais. Isso porque, nas respectivas concepções, o/a assistente social tem como campo de intervenção profissional os espaços sócio-ocupacionais instituídos pelas políticas sociais. Portanto, a finalidade da gestão no Serviço Social relaciona-se à capacitação e à qualificação do/a assistente social 161 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 para ocupar cargos de gestão e, igualmente, para atuar nas diversas áreas que compõem o gerenciamento das políticas públicas. De forma geral, os/as discentes reconhecem a importância da gestão no Serviço Social, embora não como competência e atribuição profissional do/a assistente social, mas uma competência e atribuição dos administradores. Além disso, desconsideram-na como resultado da capacidade humana em produzir e sistematizar conhecimento. E, ainda, não conseguem apreender que a dimensão ético-política da gestão pode se fundamentar em uma direção ético-finalística, cuja perspectiva consiste nos interesses sociais das classes subalternas. Essa forma de compreensão e percepção sobre a administração tende a determinar a resistência em reconhecer a importância, as possibilidades, as contribuições e, especialmente, a finalidade da gestão no Serviço Social. Os/as discentes reconhecem a gestão enquanto atividade propositiva que contribui para a realização do trabalho profissional, mas não apreendem a gestão por meio dos seus elementos mais simples e que estão presentes em todas as atividades humanas organizadas para atingir fins determinados. Aproximam-se do conceito de Paro (2012, p. 25), no qual o educador analisa e apreende a atividade administrativa em seu sentido geral, pontuando que “[...] a administração é a utilização racional de recursos para realização de fins determinados [...]”, em qualquer tipo de estrutura em que seja realizada; contudo, não realizam as mediações necessárias para compreensão da gestão na perspectiva democrática e emancipadora no cotidiano de trabalho do/a assistente social e nos diversos espaços sócio-ocupacionais. Considerando as análises acima apresentadas, constata-se a importância de fundamentação teórico-prática sobre a gestão no trabalho profissional nos diversos espaços sócio-ocupacionais do/a assistente social, para que a concepção não se restrinja apenas ao assistente social que desempenha funções de coordenação e comando. Essa constatação evidencia a necessidade de subsídios teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo para a compreensão do planejamento e organização das atividades profissionais no cotidiano de trabalho, uma vez que a gestão é uma atividade inerente ao trabalho do/a assistente social. Nessa direção, percebe-se a necessidade do entendimento sobre a finalidade da gestão no Serviço Social a partir de fundamentação nas dimensões do trabalho profissional, evitando assim a formação de profissionais com concepções tecnicistas, tecnocráticas e gerencialistas da gestão. Objetiva-se assegurar o fortalecimento da dimensão ético-finalística da gestão na perspectiva democrática e emancipadora no exercício profissional. A finalidade da disciplina de gestão no curso de Serviço Social pode possibilitar a fundamentação crítico-propositiva para apropriação da gestão no trabalho profissional, garantindo subsídios teórico-metodológicos para compreensão sobre as formas em que a gestão se apresenta no cotidiano profissional. Fundamenta-se, assim, a gestão como ativi162 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 dade inerente ao trabalho do/a assistente social, competência profissional e instrumento de trabalho. Reconhecer a gestão como possibilidade propositiva para o trabalho profissional exige que o/a docente e os/as discentes se apropriem de conceitos administrativos que permitam a organização racional do trabalho e cujo “objetivo seja o alcance de resultados qualitativos e, que os fins sejam os interesses coletivos e universais”, conforme pontuado por Souza Filho e Gurgel (2016, p. 72). Sob essa perspectiva, pode-se apreender a gestão como atividade inerente ao trabalho e aos espaços sócio-ocupacionais, como competência e atribuição profissional e, ainda, como instrumental técnico-operativo que, devidamente fundado nas dimensões teórico-metodológica e ético-política, possibilita a construção de processos administrativos estruturados sobre atividades racionalmente planejadas e propositivas. Paro (2012, p. 26-27) esclarece que a atividade administrativa ou gestão, compreendida em seu sentido geral, em sua forma mais simples e abstrata, isto é, como atividade inerente ao processo de trabalho que visa assegurar a racionalização dos meios necessários, na coordenação do trabalho coletivo, para garantir a realização de objetivos previamente planejados e organizados, assegura a racionalização entre meios e fins para melhor atender às necessidades do ser humano. A gestão consiste em uma atividade humana que tem sua finalidade fundada no planejamento e na organização adequada dos recursos para realização de objetivos intencionalmente estabelecidos, para atender especificamente às necessidades determinadas, portanto, condição necessária da vida humana. Entende-se que a perspectiva da gestão democrática e emancipadora perpassa a aquisição de conhecimento, objetivando a qualificação e o aperfeiçoamento técnico-científico sobre os fundamentos da atividade administrativa e suas proposições finalísticas no trabalho profissional. Para tanto, torna-se fundamental conhecer as formas e as manifestações da gestão para apreendê-la sob a dimensão democrática e emancipadora, de forma a desmistificar a sua incompatibilidade com o Serviço Social. Considerações finais Ao longo do processo investigativo, o pressuposto desta pesquisa se confirmou, pois o processo de formação profissional se consolida como importante etapa no entendimento, no reconhecimento e na apropriação da gestão no Serviço Social. O direcionamento e a organização do conteúdo proposto para a fundamentação teórico-prática da gestão nas UFA contribuem com a compreensão e o entendimento que o/a assistente social terá sobre a gestão no trabalho profissional. O modo como os conteúdos são desenvolvidos e organizados pelos docentes determinará a compreensão da gestão no Serviço Social, o que possibilitará formas e perspectivas diferentes de apreender a importância, a finalidade, as 163 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 possibilidades e as contribuições da apropriação da atividade administrativa no âmbito do trabalho profissional. Conforme já apresentado, o estudo da gestão no Serviço Social é permeado por questões ideológicas, que concebem a administração como instrumento e instância de reprodução das relações de dominação de classe no capitalismo. Durante as análises constatou-se que, na concepção dos/as discentes, a questão ideológica permeia a compreensão das finalidades da gestão no Serviço Social, interferindo no reconhecimento da gestão como atividade inerente ao trabalho do/a assistente social, competência profissional e instrumento de trabalho no cotidiano dos espaços sócio-ocupacionais. A questão ideológica termina por impedir o reconhecimento e a apropriação das bases científicas da gestão que, conforme Paro (2012), podem ter suas dimensões depuradas das finalidades vinculadas à exploração e dominação de classe, sendo direcionadas para fins ético-políticos comprometidos com a atividade administrativa na perspectiva democrática e emancipadora. A resistência em reconhecer a gestão no trabalho profissional não foi apreendida nas falas dos/as docentes, pois estes, dentro das especificidades do direcionamento da disciplina, concebem a gestão no trabalho profissional a partir de uma perspectiva propositiva e técnica, a qual poderá contribuir para o alcance dos resultados esperados. Todavia, não compreendem a gestão numa perspectiva crítica, na medida em que não apreendem os desdobramentos e as possibilidades da atividade administrativa democrática e emancipadora na efetivação e ampliação dos direitos da população usuária das políticas sociais Para o/a assistente social conseguir apreender a gestão como atividade inerente ao trabalho profissional, torna-se necessário garantir, durante a formação profissional, a compreensão crítica das perspectivas teóricas da gestão (administrativa, capitalista, burocrática e democrática). Essa compreensão crítica das perspectivas teórico-práticas no processo de formação profissional possibilita a diferenciação entre a gestão voltada para a emancipação e a gestão que corrobora com a dominação de classe. Isto porque a gestão que tem como finalidade a emancipação se materializa na perspectiva democrática e emancipadora, cujos objetivos são alinhavados com os princípios e valores ratificados no Projeto Ético-Político do Serviço Social que, historicamente, se contrapõe ao projeto societário dominante em vigência. O projeto societário da sociedade capitalista impõe uma perspectiva de gestão alinhada com os objetivos da classe burguesa. Essa perspectiva de gestão traduz a realidade da sociedade do capital, a qual o/a assistente social irá encontrar institucionalizada no espaço de trabalho. A fundamentação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa da gestão democrática torna-se necessária para estabelecer processos de gestão comprometidos com o acesso e a ampliação dos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora, visando romper com processos de gestão funcionalistas comprometidos com a reprodução do sistema capitalista. 164 Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea, Rio de Janeiro - maio/ago 2023, n. 52, v. 21, p. 151 - 165 Gestão e Serviço Social: desafios para a formação profissional – BENEVIDES, G. O.; LIMA, M. J. O. https://doi.org/10.12957/rep.2023.76088 Contribuições dos/as autores/as: Ambas as autoras participaram na concep≈¡o, elabora≈¡o e revis¡o Agradecimentos: N¡o se aplica Agência financiadora: N¡o se aplica Aprovação por Comitê de Ética: SIM CAAE: 60602816.2.0000.5408 Número do Parecer: 2.034.228 Conflito de interesses: N¡o se aplica Referências ABESS; CEDEPSS. 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