Fios invisíveis num tecido de sentimentos.
Olly e Werner Reinheimer, um breve século XX.
1ª versão
Patricia Reinheimer1
Apresentação do material
Esse material é resultante da pesquisa Olly e Werner Reinheimer: moda, arte e
política. Do arquivo pessoal ao patrimônio nacional, aprovada no edital Universal do
CNPq, em 2013. Trata-se de material em construção.
Apresento aqui a primeira parte da investigação sobre a trajetória do casal, a construção
do acervo e o material visual ali constante. Nessa parte procuro apresentar as famílias de
ambos até o encontro do casal e as primeiras investidas de Olly na experimentação
artística, na década de 1950. Dada a inexistência de uma sistematização anterior dessas
trajetórias, esse trabalho supôs um processo longo e minucioso de cotejamento de
dados, de busca de informações de diversas ordens e o contato com uma série de
pessoas dispersas pelo mundo, muitas vezes no melhor estilo detetivesco, para o qual a
Internet foi uma ferramenta imprescindível. Nesse processo, alguns historiadores
alemães e um brasileiro foram de grande contribuição: Angelika Heider, Monika
Schmidt, Gerhardt Brändle e Fábio Koifman. Há diversas inferências no texto, dada a
impossibilidade de recuperar algumas informações. Todas essas inferências foram
explicitamente indicadas no texto.
O objetivo desse projeto é desvendar as histórias por trás do casal Olly e Werner
Reinheimer, organizando e investigando o acervo por eles construído e mantido por sua
família. De que sentidos estão investidos os documentos ali depositados? Em que trocas
participaram? Qual o propósito de uma guarda tão sistemática quanto a que o casal
efetuou e a família respeitou após suas mortes? Qual o papel que tiveram esses
documentos na elaboração do projeto? O que podemos depreender da “vida social”
desses documentos, assim como do acervo como um todo? Uma vez organizado,
Relatório em construção do projeto Olly e Werner Reinheimer: moda, arte e política. Do arquivo
pessoal ao patrimônio nacional, financiado pelo edital Universal do CNPq, processo n. 483689/2013-0,
coordenado pelaprofessora Patricia Reinheimer, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
UFRRJ.
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1
sistematizado e digitalizado, o acervo será disponibilizado publicamente através de um
banco de dados de acesso público online.
O conjunto é constituído por diversas categorias de documentos: cartões postais, cartas,
artigos escritos sobre eles e/ou por eles, programas de cursos de arte, uma biblioteca de
livros sobre sociologia, arqueologia, antropologia, ciência política e arte, fotografias e
objetos artísticos diversos. As fotos do acervo do casal podem ser divididas em
reproduções do trabalho artístico de Olly, incluindo seu contato com personalidades dos
mundos artísticos nacional e estrangeiros, imagens de viagens e eventos e fotos de
família, algumas remontando ao início do século XX, na Europa.
Os objetos acumulados por Olly são documentos têxteis (roupas, retalhos, tecelagens),
manuscritos diversos, inclusive sobre seu processo criativo e sua vida, “livros de ouro”
e tecidos assinados por ocasião de exposições, contratos para expor ou vender obras,
correspondência referente aos processos de produção e envio de obras, inventário dos
objetos adquiridos, trocados, emprestados ao longo da vida, livros sobre química e
técnicas artísticas, objetos de arte produzidos por Olly ou trocados por ela com agentes
sociais de sua rede de relações, constituída em grande parte, por produtores,
colecionadores, apreciadores e críticos de arte brasileiros e estrangeiros. Werner por sua
vez, guardou artigos que escreveu, assim como cartas recebidas de amigos e conhecidos
que comentavam acerca das condições políticas dos lugares onde viviam (em geral,
Brasil, Europa e EUA).
A riqueza desse acervo vai além das trajetórias individuais dos responsáveis pela
acumulação inicial dos documentos. Trata-se de material que fala acerca de uma nova
categoria social da Alemanha das décadas de 1920 e 1930, os empregados, que no
Brasil ascenderam a uma classe média intelectual individualizada, que acompanhou o
processo de urbanização metropolitana, tanto em Berlim como no Rio de Janeiro. Na
segunda metade do século XX, o casal também participou intensamente da rede de
intelectuais que popularizou as elaborações românticas de brasilidade transformando o
“popular” e o “indígena” em objeto de consumo, a partir da noção de “rusticidade”
entendida como o amálgama entre “primitivo” e “civilizado”, “simples” e “elaborado”.
Os documentos evidenciam o processo de formação de um “estilo de vida” dessa classe
média “intelectualizada” que valorizava a “autenticidade” nacional como produto de
consumo.
2
Acrescido de novos documentos ao longo do projeto, a relevância do acervo ampliou a
já enorme abrangência cronológica e geográfica – do início do século XX até a década
de 1990; da Rússia, passando pela Alemanha até o Brasil e outros países da América
Latina – através de documentos pessoais de membros de uma classe média alemã e
russa-judia da primeira metade do século XX, assim como, pelo bairro de Ipanema na
segunda metade do século.
No primeiro ano do projeto os documentos em papel foram digitalizados depois de
organizados, sistematizados e tombados por Juliana Taboada e Regina Verly. O material
digital e a sistematização foram entregues ao professor Eliezer Silva, do Departamento
de Arquivologia da UniRio. Essa parceria irá, a partir de um projeto de extensão, contar
com alunos de arquivologia para trabalhar no módulo Ica-Atom e tornar as informações
e
os
documentos
públicos,
através
do
endereço
eletrônico
http://r1.ufrrj.br/olly/index.php/
Não digitalizamos os livros, nem os documentos têxteis por falta de recursos. As roupas
que fazem parte do acervo se encontram no Instituto de Artes e Design, onde a
professora Maria Lucia Bueno Ramos vem utilizando-as no curso de moda e design
para formular projetos de pesquisa e extensão visando seu estudo e recuperação. Essas
roupas que estão em Juiz de Fora foram incluídas na sistematização e tombamento,
ainda que preliminarmente e com fotos provisórias. Uma grande parte do material têxtil
ainda se encontra em caixas, sem tratamento. Esses serão objeto de novos projetos.
Esperamos organizar uma exposição no Museu de Arte Murilo Mendes, em 2015, e, ao
longo da pesquisa, depoimentos sobre a trajetória de Olly e Werner vem sendo
registrados em filme para edição de um documentário. A coordenação da produção do
documentário está a cargo de Ana Paula Alves Ribeiro.
A divulgação desse ensaio visa oferecer aos estudantes e professores envolvidos com
esse projeto acesso aos resultados parciais da pesquisa sobre a trajetória do casal. Ao
longo do texto optei por utilizar o formato das notas de rodapé para acrescentar
informações ao texto principal e o formato de notas de fim para informar as referências
dos documentos onde se encontram as informações utilizadas.
Como citar: REINHEIMER, Patricia. Fios invisíveis num tecido de sentimentos. Olly e
Werner Reinheimer, um breve século XX. 1ª versão. Academia.edu. Abril de 2015.
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Introdução ao tema
“(...) de nossos pais sempre sabemos alguma coisa, um
fato, uma distinção. Eles foram soldados ou foram
marinheiros; ocuparam tal cargo ou fizeram tal lei. Mas
de nossas mães, de nossas avós, de nossas bisavós, o
que resta? Nada além de uma tradição. Uma era linda;
outra era ruiva; uma terceira foi beijada pela rainha.
Nada sabemos sobre elas, a não ser seus nomes, as datas
de seus casamentos e o número de filhos que tiveram”
Virginia Woolf, 2014
Olly e Werner Reinheimer eram alemães-judeus que chegaram ao Rio de Janeiro em
1935 e 1936, respectivamente. Para falar de suas trajetórias preciso mencionar, mesmo
que brevemente, algumas implicações relativas aos objetos que puseram em movimento
esse projeto e à transformação da memória perceptível nesse processo.
O estímulo em concretizar esse projeto de investigação e reconstituição das trajetórias
desses dois personagens se deve em grande parte aos objetos, as coisas, à cultura
material. Após a morte de Olly, o ateliê da artista, no apartamento do casal em Ipanema,
foi mantido quase inalterado, ainda que Werner2, que ali continuou residindo, tenha se
desfeito de muitas das obras de arte e coleções que ela acumulou durante principalmente
os últimos dez ou quinze anos de vida3. Após a morte de Werner a família4 manteve o
mesmo tipo de conduta em relação ao apartamento e as coisas que contavam, junto com
a própria residência, a história do casal.
Os dois morreram nesse apartamento. A última vez que abracei Olly, seu corpo ainda
quente, estava deitado no quarto onde escrevo. Parafraseando Duarte e Gomes, o
apartamento “velou seu corpo” (2008: 182). Essa morada foi ao mesmo tempo lugar de
criação artística e morte, duas forças opostas em termos temporais, começo e fim, mas
similares em sua relação com a sacralidade. A moradia do casal aparece assim como um
templo familiar no qual os objetos são relíquias (Heinich, 2009) que não deveriam ser
profanadas. Templo de criação e de finitude, o apartamento é uma entidade, signo e
significado, mas também o invólucro de relíquias às quais podemos atribuir outros
significados.
Como existe mais de um Werner na família, reservo ao Werner Reinheimer o uso exclusivo do primeiro
nome. Quando me referir ao outro usarei sempre acompanhado do sobrenome Hasenberg.
3
Ver o capítulo “A constituição do acervo” sobre como foi constituído e as intervenções que sofreu.
4
Uso a noção de família como definida por Duarte e Gomes, isto é, “um recorte numa rede de
pertencimentos relacionais assim definidos a partir de determinado ego ou determinada unidade
doméstica” (2008: 161) que aqui é sempre Olly e/ou Werner.
2
4
No aniversário de centenário do casal, após um jantar ali oferecido, coroado com um
brinde de nhá Bentas5, três gerações descendentes comentavam o que tinha mudado em
termos de estrutura e de objetos, assim como contavam as relações que mantinham com
essas coisas, histórias do passado e vontades do presente. O poder de evocação dos
objetos, sua insistência na ocupação do espaço e rememoração de tempos e afetos foi o
que levou a essa investigação. Que tempos estão inscritos nesses corpos? Se
assumirmos a indistinção entre objetos e pessoas proposta por Heinich (2009) e
pensarmos a noção de pessoa como uma função e não uma essência, os objetos e seus
corpos cumprem a função pessoa através da capacidade de suscitar a presença daqueles
que um dia os possuíram. Corpos então refere-se tanto aos objetos como às pessoas que
são rememoradas.
Que corpos são esses inscritos no presente? Que circunstâncias fizeram com que
chegassem ali? Que relações mediavam essas circunstâncias? Da Alemanha ao Brasil,
do Brasil ao Peru, à Itália, à Grécia, à Espanha, aos EUA e de volta à Alemanha. Tantos
percursos exigiam ser contados. É assim que proponho aqui uma “arqueologia das
relíquias domésticas” (Perrot, 2011), investigando através dos objetos a trajetória desses
dois atores sociais, mas também através de suas trajetórias os sentidos desses objetos.
As primeiras pessoas procuradas exclamaram: “eu ainda tenho uma toalha feita pela
Olly!”, “aquela floresta ainda existe?”, “você ainda tem as peças pré-colombianas?”. Se
as histórias desses objetos remetem à trajetória de Olly e Werner, essas trajetórias
individuais estão conectadas a diversas coletividades, contextos históricos e sociais;
falam de valores coletivos; morais e comportamentos. É dessas fronteiras entre
memórias individuais e coletivas que tiramos o maior proveito, mas é ai também que
precisamos atenção para compreender como nossas histórias se cruzam com as histórias
de outros.
A relação entre as memórias individuais e coletivas são variáveis de acordo com a
escala do que é lembrado. As reconstruções de nossas memórias passam muitas vezes
por linhas demarcadas e delineadas pelas lembranças de outros. Novas lembranças
enriquecem o quadro anterior sendo apropriadas como parte de nossas memórias
O doce de biscoito wafer, da Kopenhagen, com cobertura de chocolate e recheio de marshmallow era
um dos preferidos do casal. Criado em 1950, por um austríaco, o doce surgiu com o nome de Pão de
Açúcar. Em 1952, virou Sinhá Moça e em 54 assumiu seu nome definitivo, Nhá Benta (Varajão, 2010). O
doce era chamado por Werner de “peitinho de moça” numa referência ao segundo nome. A vida social
desse doce pode ser interessante para pensar gênero e relações interétnicas no Brasil.
5
5
originais. Passamos então a ter dificuldade em distinguir nossas lembranças de outras
incorporadas através de relatos, fotos, documentos etc.
Os objetos através dos quais contamos histórias também são enriquecidos pelas
interpretações de outras pessoas. Erika contou que Clara, mãe de Olly, tinha uma caixa
onde guardava suas memórias. Como ela, todos temos nossos “baús”6. Através dos
objetos ai contidos recontamos histórias e nos reinventamos. Assim, essa pesquisa
reconta e reinventa não somente Olly e Werner, mas todos aqueles que participaram
desse processo de rememoração e invenção do casal e de si mesmos.
Mesmo as pessoas que têm informações precisas sobre datas e endereços e que,
portanto, parecem confiáveis em termos da fidelidade de suas memórias podem, em
questões mais subjetivas, recontar as histórias a partir de novas interpretações. Muitos
dos entrevistados relembraram o passado a partir de diários mantidos ao longo dos anos.
Por serem escritos no calor do momento, os diários são bastante confiáveis em termos
de datas, locais e nomes de pessoas, ainda que a interpretação dos eventos seja sempre
influenciada por diversos fatores.
O fato de ter feito uma primeira investigação acerca da trajetória de Olly em 1998 e
novamente voltar a ela em 2014 colocou algumas situações em que as histórias foram
recontadas com versões modificadas, algumas vezes trazendo como parte da memória
vivida do entrevistado algo que tinha sido acrescentado pela pesquisadora no passado
recente. Por vezes, apresento aqui as distintas versões de um mesmo evento, outras
escolhi uma7.
Quanto mais pessoais as lembranças, mais instáveis elas são. Os arquivos são nesse
sentido, importantes fontes de produção e estabilização de discursos. O arquivo Olly e
Werner Reinheimer foi inicialmente um projeto de Olly8 e pode ser interpretado como
mais uma tentativa de legitimar seu trabalho artístico e dar visibilidade à sua imagem,
imprimindo um sentido à sua trajetória e materializar seu investimento. Werner também
acumulava documentos. No entanto, a única referência ao destino desses documentos é
6
Erika Hasenberg lançou, aos 86 anos, um livro chamado “Os baús” (Hasenberg, 2012) onde conta sua
trajetória de vida.
7
No acervo, todas as versões podem ser encontradas dispersas nos documentos e gravações em áudio e
vídeo. A escolha do que incluir nessa sistematização deveu-se tanto ao cruzamento de dados, quanto à
inteligibilidade do texto, já que o texto escrito não é um formato compatível com a muldimensionalidade
da vida vivida.
8
Em um manuscrito (ver qual), Olly fala explicitamente em “seu arquivo” como o local onde encontrar
determinada informação.
6
sua memória para os netos. Ainda que isto faça parte de um processo de construção de
si, trata-se de uma construção numa dimensão privada e não pública. A organização
desse acervo na forma de um arquivo público, objetivo desse projeto, é um momento de
rearranjo e controle da memória, enquadrando-a em um lugar de memória9.
É uma exigência do CONARQ - Conselho Nacional de Arquivos – sistematizar a
trajetória dos organizadores do arquivo como forma de justificar a relevância do
mesmo. É nesse jogo de seleção e organização dos restos do passado em um relato
sistemático que fazem do arquivo um lugar de memória (Nora,1993). Construir esse
arquivo é engendrar a história de Olly e Werner, cristalizando-a, governando-a,
controlando-a num laboratório onde a memória se constrói. É nesse sentido que
podemos pensar a memória como um espaço de disputas onde símbolos são reificados e
partes do passado são estrategicamente dispostas para elaborar uma síntese. Esse lugar
de memória é uma forma de inserção das trajetórias individuais de Olly e Werner em
uma identidade maior. Nesse lugar cruzamos dados, visualizamos a memória através
das fotos e das criações artísticas e fabricamos um abstrato padronizando relações.
Como em relação à temporalidade, os depoimentos e a investigação documental
desafiam contiguidades. Assim como as pessoas contam suas lembranças num
movimento pendular que vai ao passado e volta ao presente – a laranja italiana conheci
através do menino que era nosso vizinho na Alemanha (década de 1930) ... aliás
consegui comprar semana passada (na Itália, 2014), ainda que não seja época dessa
laranja10–, também a investigação em documentos transita entre espaços não contíguos.
A organização dessas memórias em relatos sistemáticos é então um recorte e colagem
das informações obtidas a partir de idas e vindas a diversos lugares e tempos e, nesse
sentido, uma arbitrariedade que deixa de lado associações, por vezes poéticas, outras
burocráticas. Mas é esse movimento pendular, que desafia os sentidos (e a física), que
reinventa os significados de quem conta e do que é contado.
A memória é em parte articulada pelos indivíduos em função de seus pertencimentos e
também resultado da interação dos indivíduos no presente. Quando decidimos investigar
o passado, colocamos em movimento pessoas e grupos com investimentos, interesses,
POLLAK, M. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p.
206 e lugar de memória
10
Erika Hasenberg falando da Alemanha da década de 1930 e da Itália em 2014 (depoimento em vídeo).
As palavras não foram exatamente essas, mas esse é o sentido de sua fala, aos mais ou menos, 9’ do vídeo
“Olly 2014-03-10 entrevista Erika (1)”.
9
7
gostos e desejos distintos. Para fins desse arquivo, a trajetória de Olly e Werner está
sendo composta das memórias de pessoas dispersas pelo mundo e através de trajetórias
bastante distintas, ainda que todas tenham vínculos mais ou menos estreitos com
experiências de refúgio, migração e manifestações artísticas.
Essas pessoas conviveram com o casal 30, 40 e até 80 anos atrás, com todas as lacunas e
reconstruções que isso acarreta. O período que o casal atravessa conta com duas
Grandes Guerras – ou segundo Hobsbawm 31 anos de conflito mundial, entre a
declaração de guerra austríaca à Sérvia, a 28 de julho de 1914, e a rendição
incondicional do Japão, a 14 de agosto de 1945 – e uma revolução socialista que
destruíram grande parte da história dos cidadãos alemães– os arquivos alemães hoje são
compostos em grande medida pelos documentos guardados pelos indivíduos – e
transformaram profundamente a Rússia, ambos países de origem das famílias Blank e
Reinheimer.
Olly é o pseudônimo de Olga Helene Blank e o nome que a tornou reconhecida no
mundo artístico brasileiro. Falar de sua trajetória é falar também da transformação
subjetiva implícita nessa mudança de nome. Sem abandonar seu passado, Olga inventa
um novo futuro. Werner a acompanha nessa invenção com importante papel nessa
história. Acostumados como estamos a encontrar histórias nas quais as mulheres abrem
mão de seus sonhos para acompanhar seus maridos, vemos aqui os dois caminharem
lado a lado, um apoiando o outro, mas sendo Olly, na segunda metade desse século, a
principal protagonista de um enredo que talvez Werner tivesse vivido diferente, não
fosse o sucesso profissional de sua mulher. Isso não o torna coadjuvante, mas aliado
fundamental para a reconstrução de sua subjetividade.
As trajetórias de Olga Helene Blank e Werner Siegfried Reinheimer começaram na
Alemanha e Rússia, antes deles nascerem. Seus nascimentos e mortes acompanharam
quase à perfeição o século breve XX (Hobsbawm, 2005), de 1914 quando foi declarada
a primeira Grande Guerra a 1991, com a reunificação da Alemanha e a dissolução da
União Soviética. A quantidade e a qualidade de informação disponível acerca de cada
um dos dois, e de suas famílias, é bastante distinta. Isso se deve tanto ao fato de Olly ter
se tornado artista, o que faz com que ao menos a parte profissional de sua trajetória seja
fartamente documentada e sua memória seja cultivada através dos objetos que produziu
e de um círculo ampliado de relações que se nutre em parte dessa memória; o interesse
comum de sua irmã, Erika Hasenberg, na história familiar e sua memória histórica
8
capaz de recontar com detalhes vívidos essa história em vídeo, cartas e e-mails e;
também de depoimentos escritos pela artista ao longo de seu último ano de vida, quando
estava fisicamente debilitada e impossibilitada de trabalhar.
De Werner Reinheimer, ao contrário, discrição era exigida. Sua ativa participação
política nas duas primeiras décadas de sua vida em uma Alemanha que se encaminhava
para um sistema fascista, o obrigou a se refugiar em um país que vivia uma ditadura
quando ele chegou até 1945 e, depois de um breve interregno, ingressou em outra. Seu
posicionamento político à esquerda, assim como sua nacionalidade e sua identidade
étnica exigiu discrição. Werner também não legou-nos nenhum testemunho de si, a não
ser as cartas trocadas com amigos e, mesmo essas, são restritas aos últimos anos de sua
vida, após a morte de Olly. Também não foi encontrado nenhum membro de sua família
que pudesse esclarecer sobre o passado. O que temos desse ramo familiar é então um
conhecimento baseado nos documentos, algumas suposições, testemunhos do filho, de
alguns poucos amigos e nos depoimentos dados ao historiador Gerhard Brändle que
deram origem a livros e uma exposição sobre o grupo político do qual Werner fazia
parte.
A participação mais direta de Werner, além dos poucos artigos que escreveu sobre sua
chegada ao Brasil e sobre contextos específicos, foi em um livroi sobre os judeus de sua
cidade, onde sua família é mencionada. Werner sublinhou ali informações que lhe eram
importantes. As diversas informações marcadas por Werner foram como um caminho
através do qual segui a história que ele, literalmente, delineou.
Talvez a maior tristeza da pesquisa foi chegar à cidade onde nascera Werner e saber que
a família de Klara Schroth, colega de militância política na década de 1930, a proibira
de conversar comigo, apesar de sua disponibilidade e lucidez para tal11. Assim fui
impedida de ter acesso à única pessoa capaz de falar sobre a formação e juventude de
Werner e sua história pessoal certamente contada nas diversas viagens que fez à
Alemanha, principalmente na década de 1980.
Diversas interpretações são possíveis para essa postura da filha e da neta de Klara Schroth, já que não
tive nenhuma explicação plausível. Como se pode perceber a partir do acervo, Klara e seu falecido
marido, Karl Schroth se comunicaram com Werner até 1992, quando da morte deste. Tratava-se de uma
relação intensa mantida ao longo de 60 anos. A neta perguntou por que eu cheguei a elas através do
historiador local que recuperou a história do grupo Kameraden, do qual participaram Werner e Karl.
Talvez alguma interpretação feita por ele tenha desgostado os membros da família Schroth, mas essa é
apenas uma suposição.
11
9
Duarte e Gomes (2008) chamaram atenção para o papel das mulheres na sistematização
das trajetórias familiares. Talvez parte do desequilíbrio de informações em relação ao
casal Reinheimer tenha relação com a presença de tantas mulheres no ramo familiar
vinculado à Olly e à sua inexistência no outro ramo. A memória de Erika é fundada em
um constante armazenamento e sistematização de informações que vão desde fotos e
cartas trocadas por seus ancestrais, passando por diários escritos e mantidos ao longo da
vida, que lhe propiciaram escrever uma autobiografia, até investigações familiares na
intenção de passar essa história à sua filha, e depois para mim. Na semana que passamos
juntas em 2014, Erika contou que fez com sua mãe o que eu estava fazendo com ela,
motivada pelo interesse de sua filha, Mônica. Ciente de seu papel de guardiã, Erika
declara” “Eu sou a última memória histórica da familiar e a única que se interessa
disso”12. A observação de Duarte e Gomes se confirma também nessa família como um
tema de interesse das mulheres, talvez a melhor forma de transmitir a história das
próprias mulheres. Entretanto, contrariando a citação de Virgínia Woolf, nessa história,
a desproporção de informações está a favor de Olly.
A opção por tratar o casal Olly e Werner como uma unidade, ainda que com material
muito distinto acerca de cada um, refere-se ao fato de acreditar que além de terem
passado dois terços de suas vidas juntos, a origem social, étnica e nacional dos dois era
similar, o que faz com que aspectos da vida de um ajudem a compreender dimensões da
vida do outro. Além disso, acredito que Werner, com sua militância e ideologia política,
foi de alguma forma facilitador da inserção de Olly em um grupo de intelectuais de
esquerda que estava definindo uma nova ordem de representações e hierarquias
artísticas no período em que ela se dedicou à arte.
A relevância do casal está no fato de suas trajetórias terem acompanhado intensos
climas políticos desde a Grande Guerra até a reunificação da Alemanha. Entre um e
outro eventos, Olga e/ou Werner testemunharam a Primeira Grande Guerra, se
envolveram com grupos de militância política contra o antissemitismo alemão,
chegaram ao Brasil durante um período de ditadura no qual a elite administrativa do
Estado era simpatizante do nazismo, se aproximaram de políticos socialistas e
E-mail de Erika Hasenberg a Patricia Reinheimer, em 1998 por conta da primeira investigação sobre a
trajetória de Olly (CO-104). Nesse período, seu irmão Egon ainda estava vivo e alguns outros parentes
dispersos pelo mundo também. Em 2014, quando cheguei à Massa Marítima, na Toscana, onde vivia
Erika, seu irmão havia falecido três dias antes. Provavelmente, ainda que triste, essa talvez tenha sido
uma forma de recordar coisas que os dois tinham em comum e se sentir menos só em relação aos parentes
de sua geração.
12
10
comunistas, ingressaram no campo artístico e contribuíram para a construção e
legitimação de um sistema de comunicação no qual o meio e a mensagem eram a
produção popular e indígena brasileira, viveram a ditadura civil-militar, testemunharam
a volta da democracia, a dissolução da União Soviética e a reunificação da Alemanha.
Viram o alvorecer e o apagar desse século marcado pelo impacto da Revolução Russa
que naturalizou a ideia de um mundo “marcado pela oposição entre "capitalismo" e
"socialismo" como alternativas mutuamente excludentes, uma identificada com
economias organizadas com base no modelo da URSS, a outra com todo o restante”
(Hobsbawm, 2005:14). Muitos dos eventos que aconteceram nesse século estão
presentes no acervo do casal a partir de algum tipo de documentação.
Como última observação, devo dizer que selecionei e estabeleci relações entre os
documentos e os depoimentos daqueles que conheceram o casal, procurando me manter
nos limites do mundo factual. Procurei verificar as afirmações e autenticar os fatos.
Quando isso não foi possível, esclareci no texto se tratar de inferência ou suposição.
Feitas as introduções e justificativas, passemos às trajetórias.
11
Na Alemanha sombria e militarizada
Werner Siegfried Reinheimer era filho de Hermann
Reinheimer e Mina Reinheimer. Seu pai nasceu em
Habitzheim, ao norte de Heidelberg, em Hessen, em 20
de Outubro de 1878, no mesmo dia que nasceria seu
filho trinta e quatro anos depois. Tinha dois irmãos e
uma irmã. Um de seus irmãos era Abraham, casado
com Ida, participava do grupo da sinagoga local,
chefiada pelo rabino Salomon Reinheimer. Uma
organização local em Habitzheim publicou sobre a
história dos judeus dessa cidade, mencionando diversos
Reinheimer, a maioria desaparecido durante a Segunda
Guerra, nem todos da família de Werner. A
comunidade
judaica
dessa
cidade
era
bastante
Figura 1: Abraham Reinheimer, irmão de
Hermann e tio de Werner Reinheimer
tradicional e Hermann não era diferente.
Mina Reinheimer, nascida Löwenstein, em 14 de janeiro de 1887, em Weingarten, era
filha de Julchen (nascida Fuchs) e Leopold Löwenstein, açougueiro. Mina tinha três
irmãs (Jenny, Sophia e Bertha), de quem nada sabemos. Hermann Reinheimer e Mina
Löwenstein se casaram em 6 de novembro de 1911. Hermann era “mestre açougueiro”
em Pforzheim, como seu sogro em Weingarten. Seu estabelecimento comercial foi
destruído no progrom de novembro de 1938.
Hermann e Mina nasceram quando o passado ainda era referência para o presente. Esse
mundo estaria completamente transformado no final da segunda guerra. Eles
testemunharam o colapso da civilização (ocidental) do século XIX, aquela que
acreditava na
“civilização capitalista na economia; liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na
imagem de sua classe hegemónica característica; exultante com o avanço da ciência, do
conhecimento e da educação e também com o progresso material e moral; e profundamente
convencida da centralidade da Europa, berço das revoluções da ciência, das artes, da
política e da indústria e cuja economia prevalecera na maior parte do mundo, que seus
soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas populações (incluindo-se o
vasto e crescente fluxo de emigrantes europeus e seus descendentes) haviam crescido até
12
somar um terço da raça (sic)13 humana; e cujos maiores Estados constituíam o sistema da
política mundial” (Hobsbawm, 2005:16).
Um mundo majoritariamente agrário e rural chegaria ao fim no entre guerras depois de
“sete ou oito milênios de história humana iniciados com a revolução da agricultura na
Idade da Pedra” quando a maioria da população mundial vivia plantando alimentos e
pastoreando rebanhos (Hobsbawm, 2005:18). Foi nesse momento de instabilidade, dois
anos antes da Grande Guerra, que nasceu Werner Reinheimer.
Figura 2: Mina, seus pais ou sogros e Werner Reinheimer
O antissemitismo moderno foi ocasionado por (e aprofundou) uma confusão entre as noções de raça,
nacionalidade, religião e cultura. Portanto, sem desmerecer o trabalho de Eric Hobsbawm, é preciso
mencionar o incômodo com a presença do termo raça no seu texto, ainda que esteja referido à totalidade
da espécie humana e não a grupos particulares. Se a antropologia começou se apoiando nessa noção para
construir sua legitimidade como disciplina científica, foi se desvencilhando dela que tem alcançado maior
reconhecimento.
13
13
Werner Siegfried Reinheimer, filho único do casal, nasceu em 20 de outubro de 1912,
em Pforzheim, cidade que fica a 60 km da fronteira com a França. Já bebê parecia um
viking, com cabelo muito ruivo e pele muito branca. Educado no judaísmo ortodoxo,
Werner era incentivado por seu pai a dedicar-se a leitura e ao piano. Quando tinha dois
anos, seu pai se ausentou para participar da guerra. Segundo Hobsbawm, “não muito
mais de um terço dos soldados franceses saiu da guerra incólume” e “um quarto dos
alunos de Oxford e Cambridge com menos de 25 anos que serviam no exército britânico
em 1914 foi morto” (2005: 33-34). Essa foi a primeira guerra de destruição em massa,
“daí a expressão alemã Materialschlacht (batalhas de materiais) para descrever as
batalhas ocidentais de 1914-8”, já que destruição em massa requeria produção em massa
(2005:52).
No entanto, as fotos de Hermann e seus colegas oficiais durante o período de guerra
mostra uniformes limpos que escondem essa destruição. Essa foi também uma guerra
nacionalista em que a propaganda procurava mobilizar a
opinião pública alegando desafios aos valores nacionais e
requisitando da população também o investimento
financeiro na guerra. Lutava-se a favor desses valores,
contra o barbarismo alheio. A fotografia foi parte
importante dessa estratégia. Infelizmente não há registros
de quem foi o autor das fotos de Hermann que chegaram
até nós.
Gisèle Freund (1995) argumenta que, no intuito de
conquistar
as
massas
para
o
empreendimento,
as
fotografias da Guerra Civil americana obliteravam os
horrores. Os soldados eram apresentados em situações
idílicas com sorrisos generosos e poses que salientavam
sua
autoridade.
As
mortes
e
destruições
foram
cuidadosamente apagadas pela grande maioria dos fotógrafos que utilizaram essa
tecnologia. As fotos que vemos de Hermann em uniforme militar devem ter sido
enviadas à família na tentativa de apaziguar os temores da guerra.
Hermann sobreviveu. O final da primeira Grande Guerra marcou na Alemanha o fim do
Império e o início do período conhecido como República de Weimar. Em maio de 1919
surgia em Pforzheim a "Associação Nacional de Cidadãos Alemães de Fé Judaica"
Figura 3: Hermann e mais dois
14 oficiais, todos
uniformizados, durante a primeira guerra mundial
reivindicando a proteção aos direitos civis e igualdade social do povo judeu. Nesse ano,
cartazes espalhados pela cidade diziam “Conheça o verdadeiro inimigo! Estamos sendo
enganados pelos judeus!”.
A partir do início do século XX um fenômeno novo exigiu uma nova categoria de
classificação. Antissemitismo passou a se referir ao preconceito que não é fundado no
tradicional argumento religioso, mas estruturava-se em considerações de ordem política
e “racial” (Motta, 1998). O surgimento dessa associação está relacionado a esse novo
fenômeno e ao processo de formação de um Estado democrático, onde as diversas
minorias passavam a reivindicar o reconhecimento de seus status e seus direitos sociais,
mas também ao judaísmo moderno que buscava integrar a comunidade judaica à
sociedade civil exigindo igualdade de condições.
No entanto, em 1920 o futuro esperado se mostrava ainda distante ao se antecipar o que
em 1933 seria o boicote econômico aos empreendimentos judeus, com o lema "Judeus
fora! Não compre de judeus! "espalhado em cartazes pela cidade de Pforzheim
(Brändle14, s/dii). Em retrospecto, poderíamos dizer que, ao invés do marco para um
futuro de igualdade, aquela associação marcou uma fronteira entre o passado de
preconceito e perseguições contra a religião judaica e o antissemitismo das
manifestações contemporâneas.
Werner Reinheimer estudou em uma escola pública local onde era centroavante do time
de Rugby. Seu professor de educação física, Prof. Dr. Herbert Kraft, era um nazista
ativo desde 1929 (depois de 1933 tornou-se ministro do Interior em Baden e
posteriormente ministro da educação em Remänne). Esse professor fez um comentário
antissemita direcionado a Hans Pollak, colega de classe de Werner, o que causou uma
reação neste último que resultou em sua expulsão da escola. Isso impediu Werner de
fazer o Abitur, exame que encerra o ensino secundário dando direito ao ingresso nas
universidades e escolas técnicas. Ele se voltou então para o comércio de joias, mercado
no qual, junto com a fabricação de relógios, a comunidade judaica da cidade de
Pforzheim se destacava nas primeiras décadas do século XX.
Gerard Brändle é um historiador alemão, natural de Pforzheim, especializado na história dos judeus
daquela cidade. Diversas informações trocadas com ele dizem respeito a mimeos, e-mails e conversas
presenciais, além de suas publicações. Brändle construiu seu conhecimento, desde a década de 1980,
também através do contato direto com o grupo da juventude judaica local Kameraden, do qual Werner
Reinheimer foi parte.
14
15
Após 1917, a Revolução de Outubro oferecera ao mundo uma economia que pareceu ser
capaz de sobrepujar o crescimento econômico capitalista. O comunismo soviético se
proclamava um sistema alternativo e superior ao capitalismo e assim “destinado pela
história a triunfar sobre ele” (Hobsbawm, 2005:63). A revolução alemã “confirmou as
esperanças dos bolcheviques russos, tanto mais porque uma república socialista de curta
vida foi proclamada na Baviera em 1918 e, na primavera de 1919, após o assassinato de
seu líder, uma breve república soviética se estabeleceu em Munique, capital da arte, da
contracultura e da (politicamente menos subversiva) cerveja alemãs” (idem, p.75). A
Revolução de Outubro conquistara simpatias. Praticamente todo os movimentos
socialistas internacionais emergiram da guerra mundial ao mesmo tempo radicalizados e
fortalecidos. Segundo Hobsbawm, “para essa geração, sobretudo os que, embora jovens,
viveram os anos de levante, a revolução foi o acontecimento de suas vidas; os dias de
capitalismo estavam inevitavelmente contados” (2005: 79).
Mais ou menos dez anos depois, a Grande Depressão produziu um efeito global do qual
surgiram vários levantes políticos “num período medido em meses ou num único ano,
do Japão à Irlanda, da Suécia à Nova Zelândia, da Argentina ao Egito” (idem, p. 111).
No período de 1929-1930, três opções competiam pela “hegemonia intelectual-política.
O comunismo marxista era uma. (...) Um capitalismo privado de sua crença na
otimização de livres mercados, e reformado por uma espécie de casamento não oficial
ou ligação permanente com a moderada socialdemocracia de movimentos trabalhistas
não comunistas, era a segunda (...). A terceira opção era o fascismo” (Hobsbawm, 2005:
111-112).
Não me foi possível precisar quando Werner se aliou ao movimento “Kameraden”, mas
em 1930 provavelmente já era membro desse movimento juvenil judeu junto com os
colegas Kurt Baruch, William Blum, Paul Strimpel e Hans Pollak. Um militante do
movimento Juventude Judaica-Alemã Livre (FDJJ), uma das três tendências nas quais
se dividiu o “Kameraden” em 1932, afirma em depoimento ao instituto Leo Baeck que
esse movimento poderia ser descrito como uma “revolução cultural” de cunho
romântico, orientada contra os valores burgueses da virada do século, principalmente o
individualismo e o capitalismo. Depois da Grande Guerra o movimento ganhou ímpeto
contra as aspirações coletivistas. A própria participação da juventude judaica nesse
movimento era uma expressão da assimilação judaica. O movimento estava restrito aos
16
adolescentes e jovens da alta classe média judaica, em geral nas grandes cidades
(Eckstein, 1981).
Um dos motivos do interesse dessa juventude em tal movimento foi o desagrado em
relação às reformas da Sinagoga que vinham ocorrendo desde o século XIX. No
entanto, após a radicalização política durante a Grande Depressão a resposta ao
antissemitismo, o nacionalismo e o anti-intelectualismo foi a formação de três grupos
entre os jovens judeus alemães, dividindo o Kameraden. Uma parte seguiu com o líder
Hermann Gerson para formar o kibutz Hazorea, em Israel; uma parte manteve a ficção
de um movimento apolítico, supostamente neutro em termos ideológicos; e outra, de
viés socialista, rejeitou os ensinamentos judaicos por considerar a ideia de Bund
(comunidade) ameaçadora aos judeus pelo seu potencial de segregação, o que levaria o
povo judeu novamente para o gueto. Esse último era o FDJJ, que considerava a
assimilação judaica tanto inescapável como desejada, ainda que reconhecendo as
particularidades que esse pertencimento lhes dava em termos de formação. É nesse
contexto que se deve entender o excerto do texto de Werner Reinheimer, retirado de um
panfleto do “Kameraden”.
Quando se chega a certa maturidade ... então é tempo de partir, sem lamento para que
isso não o prenda ao círculo no qual um dia você foi formado ou formou outros ...
então se vai a uma festa ou qualquer outro lugar, levando consigo da comunidade algo:
a habilidade de formar certo tipo de ser humano (Reinheimer, 1931 Apud Eckstein,
1981:234).
Para esse grupo, o antissemitismo era resultado de causas econômicas e só poderia ser
eliminado com a solução dessas causas. O caminho era o socialismo, e não o
nacionalismo judeu. Sua nação era a Alemanha. A opção pelo socialismo se deveu à
percepção do controle que o Partido Comunista tentava manter sobre todas as
organizações nas quais estava representado. No entanto, diversos membros tinham
inclinação comunista. Werner era um deles.
A postura de Werner frente ao sionismo, assim como seu engajamento com a
comunidade judaica se transformou ao longo de sua vida. Bernardo Sorj (2008) faz uma
síntese sociopolítica do judaísmo nos tempos modernos apontando marcos desse
judaísmo. Segundo ele, o judaísmo moderno corresponde historicamente ao período que
vai do Iluminismo e a Revolução Francesa até o Holocausto e a criação do Estado de
Israel. Essa reformulação se nutriu do universalismo secular do Iluminismo e da ideia
de cidadania nacional da Revolução Francesa, na tentativa de superar a Idade Média no
17
que ela representou de perseguição aos judeus. Nesse sentido, todas as vertentes do
judaísmo moderno foram estratégias para que os judeus fossem aceitos pelos meios
circundantes como iguais, integrados à vida social e política moderna.
Fundado nos grandes movimentos ideológicos de sua época – liberalismo, socialismo e
nacionalismo –, apesar de sua diversidade, era composto de duas grandes correntes: uma
religiosa e outra nacionalista. No entanto, o sionismo, isto é, a atribuição de uma base
territorial e um Estado ao povo judeu, implicava a negação de grande parte da tradição
judaica. Assim, “no nível individual, (o judaísmo moderno) foi vivido como uma crise
de identidade entre tradição e modernidade, entre lealdade aos laços primários e ao
conjunto da sociedade, entre o privado e o público, entre sentimento e razão” (Sorj,
2008:5)15.
Werner não chegou a fazer parte do FDJJ, por que em 1931, a liderança do movimento
“Kameraden” apoiou a construção de navios de guerra. O apoio ao movimento bélico
definiu seu rompimento, junto com outros membros do grupo radical antimilitarista.
Werner ingressou então no movimento Juventude Socialista Trabalhista (SAJ), braço do
Partido Socialista Trabalhista (SAP), de orientação antimilitarista, do qual participou
também Karl Schroth, de quem foi amigo próximo ao longo de toda sua vida.
Duarte e Gomes analisam a permanência da manutenção do tema da força física e das
vantagens e riscos envolvidos no seu uso através da vida adulta como uma referência à
“permanente ameaça do uso inadequado dessa força como disposição belicosa” (2012:
202). No caso de Werner, a menção ao porte atlético, assim como à reação contra o
comentário antissemita de seu professor de ginástica pode ser uma forma de afirmar a
masculinidade como uma forma de compensação à sua disposição pacifista na política
partidária alemã e ao fato de ter saído da Alemanha antes do início efetivo da guerra.
Essa disposição física para os esportes e o porte atlético voltam a ser mencionados na
década de 1980, quando o historiador alemão Gerhard Brändle entrevista-o sobre o
movimento político do qual foi parte, o fato é mencionado no livro publicado sobre o
assunto e novamente em 2014 quando entrevistado em Pforzheim e foi parte da
construção de si para seu filho, que novamente retoma o tema em seu depoimento, em
2015. Trata-se assim de parte de um sistema de valores que marca certa masculinidade
No Brasil, o movimento de afastamento do sionismo nas primeiras décadas do século XX ficou
conhecido como “judaísmo progressista”, e se manifestou no Rio de Janeiro através de instituições como
a Associação Sholem Aleichem e sua colônia de férias Kinderland, da qual Olly, Werner, seu filho e
netos participaram.
15
18
que atravessou gerações, como forma de se afirmar também frente à personalidade forte
e o sucesso profissional de Olly.
O não alinhamento de Werner com o sionismo não o afastava de atividades políticas de
resistência ao nazismo, nem da comunidade judaica. Werner Reinheimer aproveitava
sua atividade comercial na representação das joias de Pforzheim em outras cidades para
distribuir os panfletos informativos que produzia com Karl Schroth acerca das
atividades do Partido Nacional Socialista e levar as notícias do que vinham acontecendo
na Alemanha. Esses informativos, escritos em papel bíblia e colocados no aro da
motocicleta com a qual Werner viajava, eram distribuídos pelas cidades da Floresta
Negra e algumas cidades francesas como parte de sua militância na SAJ.
Criado em 1875, o Partido Socialista Trabalhista (SAP) teve como principais
influências o pensamento de Karl Marx, Friedrich Engels e Karl Liebknecht. Seu
programa incluía a "emancipação dos trabalhadores", através da abolição da
"propriedade privada dos meios de produção" e a entrada dos mesmos em "propriedade
social". Em 1933 o partido (SAP) foi declarado ilegal, mas continuou suas atividades
clandestinamente. Werner adotou então o pseudônimo Uli.
Preso pela Gestapo, foi acusado de ser o responsável pelo
dinheiro do partido e pela impressão de panfletos ilegais.
Como nenhuma prova foi encontrada, foi liberado. Em 1934,
falou publicamente em uma reunião da SAP e apresentou no
salão paroquial atrás da sinagoga local a peça “Die Röter
Trommler” ("O baterista vermelho"), que escrevera com
Karl Schroth - infelizmente só há o registro de que o texto
existiu. O oficinal da Gestapo presente ouviu versos como
“Wir wandern aus nach Birma und gründen dort eine neue
Firma, gründen eine neue Bank, denn das liegt uns, Gott sei
Dank” - “emigramos para a Birmânia e fundamos uma nova
empresa, fundamos um novo banco, pois é o que nós sabemos
fazer, graças a deus” –, o que o colocou na linha de fogo dos
adversários políticos. Werner passou a receber ameaças de
morte e bilhetes "de ida para a Palestina!".
O comércio das joias se tornara também quase impossível. A
19
Figura 4: Simulação de bilhete
de ida (sem volta) para a
Palestina, o Polo Norte ou o
deserto do Saara para judeus
e estrangeiros de todos os
países. Imagem enviada por
Gerard Brändle.
dificuldade de vender era só um dos problemas. Os hotéis das cidades que visitava
passaram progressivamente a recusar hóspedes judeus. Em 1935, Werner aproveitou os
contatos de negócios e o serviço de correio da SAP em Paris para imigrar para o Brasil.
Questionado sobre o possível motivo da escolha do Brasil, Brändle elencou uma
diversidade de hipóteses, incluindo a de que o próximo navio a partir tivesse aquele país
como destino. Seus pais ficaram em Pforzheim até 1939. A tristeza da despedida no
porto e a incerteza de um reencontro são narrados por ele em um texto escrito em 1983:
Outubro de 1935, despedida da Nagoldstrasse, muito amarga, mas tinha de ser. A
revolta contra os nazis, que escravizaram minha pátria, a certeza absoluta que as novas
estradas estratégicas (Reichsautobahnstrassen) eram a prova que se chega a guerra em
pouco tempo.
Despedida da Nagoldstrasse, a voz não era bem a minha, mas de um homem que tem de
se dominar.
Meu pai acompanhou-me até Kehl (cidade fronteira) e segui só, até Paris, onde fiquei
alguns dias com amigos, os quais já estavam preocupados. Em Bordeaux esperei o
navio da Companhia Chargeur Réunis "Massilia" e partimos da Europa enfrentando o
mar frio e fascinante para longínqua América do Sul. Tenho ∙de confessar, que todos os
meus conhecimentos sobre o Brasil, vinham do escritor Karl May16 e completamente
falsos, e talvez por isso o meu entusiasmo (Reinheimer, 1983)iii.
Sobre os irmãos de Hermann, mortos pelos nazistas, não recuperei outras informações.
Os nazistas mataram as pessoas e apagaram grande parte de suas histórias. Imigrar era
recomeçar, “construir uma nova existência” (Reinheimer, 1983). O que ficou da família
de Werner foram fotografias e documentos oficiais – carteiras de identidade, certidão de
óbito, testamento. Nesse recomeço a fotografia tinha triplo papel. Além de levar do
passado o que era possível nas imagens em papel, segundo Heinz S.17, alemão que
chegou ao Brasil também em 1935, trazer uma Leica era importante recurso econômico.
Assim que chegavam, a venda da máquina fotográfica garantia algum sustento. Após o
estabelecimento na nova pátria, o acúmulo de fotografias era indício da reconstrução da
vida afetiva e profissional. Guardar o passado, permitir o presente e inventar o futuro
tornava a fotografia um tesouro a ser cultivado e, na maioria das vezes, espalhado pela
residência.
Para além das fotos e documentos oficiais dos Reinheimer, não há nenhuma carta ou
relato pessoal de outros parentes. Um primo sobreviveu ao campo de concentração e
Karl May publicava, na Alemanha, supostos relatos de experiências de viagens. Descobriu-se mais
tarde que ele nunca tinha saído de seu país.
17
Apesar de ter gravado depoimento em vídeo e ter dito que eu podia usá-lo na pesquisa, Heinz e sua
esposa Ira não assinaram a autorização formal para tal. Por isso, o anonimato será cultivado nesse caso.
16
20
morava, na década de 1970, na Holanda. Me lembro dele em visita ao Rio de Janeiro.
Figura frágil de quem Werner não falou muito, mas mencionou ter sobrevivido a um
campo de concentração. Talvez seja de sua família a foto constante no acervo do bar
mitzva de Sam Stern (PH-888). Também no acervo, um cartão postal de Hermann para
Gertrude (uma sobrinha?), durante a Primeira Guerra, é outra pista que não segui. Quem
sabe indique que há em algum lugar uma mulher que, como Erika, tenha contado a
filhas e sobrinhas a história dessa família.
***
Olga Helene Blank era filha da russa Chaja – se pronuncia “Raia” – Blank e do
húngaro Ladislau Vamos. Chaja era filha de Micael cujo sobrenome original era Stark.
Provavelmente, por se tratar de uma família não russa Micael adotou o novo sobrenome
para ser liberado do serviço militar na Rússia, tornando-se Micael Blank. A família
vivia em Odessa, onde havia desde o final do séc. XVIII uma grande comunidade
judaica. Devido aos repetidos Pogroms (1821, 1859, 1871, 1881, 1905, 1914),
provavelmente ao longo do século XIX as estatísticas se modificaram radicalmente, mas
no começo do século XX a população de Odessa era constituía de aproximadamente
30% de judeus.
Entre junho e outubro de 1905 centenas de judeus foram assassinados em progroms. Em
agosto do mesmo ano ocorreu o “Domingo sangrento”, que desencadeou a revolução
russa de 1905, “vigoroso prólogo do drama revolucionário de 1917” (Trotsky, 1922).
Micael Blank, pai de Chaja e avô de Olga, morreu nesse ano, aos 47 anos de idade, não
se sabe se em consequência direta de algum desses eventos. A família já tinha fugido
diversas vezes tendo seguidamente suas casas destruídas. A certidão de nascimento de
Chaja Blank foi traduzida para o alemão em outubro de 1905, quando ela adotou a
tradução de seu nome, Clara. Pela coincidência de datas, é possível imaginar que haja
uma conexão entre o preconceito contra judeus, os eventos políticos de Odessa e a ida
da família para Mittweida, na Saxônia.
A razão da imigração da família na árvore genealógica sistematizada por Erika
Hasenberg, irmã de Olga, é atribuída à morte de Micael Blank. O ponto de vista de uma
criança é diferente daqueles usados como marcos históricos. Erika, provavelmente sem
saber do contexto histórico e social do período, situou a justificativa como consequência
da perda afetiva e não das causas sociais e políticas que levaram a essa perda. De fato,
21
na justificativa para uma mudança radical como essa, provavelmente tanto o luto como
as dificuldades sociais devem ter contribuído para a decisão. Essa dimensão de
subjetividade também é parte importante em decisões como esta, mas ficam muitas
vezes de fora das análises de historiadores e cientistas sociais: escalas variadas (Revel,
1998) enriquecem a história reforçando os marcos sociais ao mostrar suas
consequências na vida cotidiana das pessoas comuns.
A imigração da família para o oeste não é um caso individual. Os decretos restritivos, a
pressão administrativa e os Pogroms na Rússia conduziram a uma imigração maciça da
população judaica. Entre 1881 e 1914 deixaram a Europa oriental aproximadamente
dois milhões e meio de judeus (Marrus, 2002). Outro contingente substantivo deixou o
país em 1917. Uma parte da família Blank entretanto permaneceu em Odessa, outra foi
para uma das cidades que conheceu rápido processo de industrialização, propiciando o
surgimento de uma classe média, Baku, capital do Azerbaijão, como indicam cartões
postais do acervo e dados da genealogia familiar feita por Erika Hasenberg.
Sofia Blank, nascida em 1857, em Odessa, era filha de um rabino e tinha 4 irmãs e um
irmão. Teve com Micael nove filhos, Anna (1881-1962), Rosa (1883-1940), Lisa (1885?), Miron (1887-?), Manya (1889-1979), Jasha (1891-1930), Chaja (1893-1985), Mitja
(1895-1941) e um último natimorto. Quando Micael morreu, Sofia mudou-se com sua
sogra – a Babushka18 – e seus oito filhos para Mittweida. Essa cidade alemã era
relativamente importante devido à presença do Instituto Técnico de Engenharia e sua
produção têxtil com teares de tecelagem mecânica, marcante até o final do século XX.
A literatura fala de personagens urbanos que provavelmente compunham uma rica vida
cultural devido aos estudantes e professores de diversos países que frequentavam a
universidade, uma das maiores instituições de ensino técnico da Alemanha. A cidade
vivia dessa relação com a escola, casas de pensão, hospedarias e lojas que serviam
majoritariamente aos alunos, professores e seus visitantes.
Sofia montou lá uma pensão, onde servia refeições para estudantes, numa rua central da
cidade. Seu endereço residencial era Tzschirnerplatz, 13iv. Podemos supor que a pensão
fosse aí também, talvez no andar térreo de um sobrado. Ladislau Vamos, era filho de um
banqueiro húngaro e estudante de engenharia. Frequentava a pensão de Sofia e teve um
envolvimento com Clara, que resultou na gravidez e nascimento de Olga, em 1914.
Erika, não lembrando mais do nome da avó, usa o substantivo em russo para se referir a ela. Por isso
optei pela letra maiúscula para grafá-lo, como se fosse um nome próprio.
18
22
Segundo Erika a diferença de classes foi decisiva para que o pai de Ladislau rejeitasse o
casamento do filho com Clara. Esse começo marca Olga já que a condição moral de
uma mulher com filho, sem marido, na virada do século XX era recriminada. As
mulheres, mesmo casadas, já tinham uma condição como indivíduos inferior aos pais,
maridos, à família e às próprias crianças.
Uma das categorias para se referir a uma mãe solteira era “mãe-ilegítima”, que, assim
como seus filhos, era um risco moral para a família e uma ameaça existencial para a
sociedade. Os filhos também considerados ilegítimos, ou bastardos, eram a prova desse
crime social. Erika fala do eco que essa recriminação moral teve na relação entre Olga e
sua mãe: “Eu sempre tive a impressão (depois de adulta) que Clara, no seu
subconsciente, culpava Olly de ter-lhe roubado parte de vida jogando-a na sombra e
com a aureola de "seduzida e abandonada" porque nunca houve grande afeto entre
elas”v.
Quando realizei em 1998 o primeiro esforço de sistematização da trajetória de Olly a
partir de seu acervo, entrevistei diversas pessoas que tinham feito parte da rede de
relações do casal. Descobri à época que Olga era filha ilegítima de Clara Blank. O
caráter de fabricação contínua do parentesco impacta de formas distintas grupos que
enfatizam ou não a consanguinidade.
Diversos trabalhos em etnologia indígena apontam para a presença de alteridade interna
ao que denominamos consanguinidade, tendo o corpo da criança recém nascida que ser
trabalhado para que esta não se identifique com outros animais não-humanos. Se isso
acontece em sociedades onde não há um predomínio da consanguinidade como
representação privilegiada de parentesco, nas sociedades em que há esse predomínio a
identidade das alianças precisa ser constantemente recolocada.
A informação acerca da paternidade de Olly, que eventualmente veio a conhecer seu pai
biológico, não foi divulgada para as gerações seguintes (filho e netos). Foi graças a
pesquisa que a informação veio à tona. Mas, mais interessante do que a informação em
si, foi o fato dela ter suscitado a interpretação equivocada de que esse padrasto de Olga,
Werner Hasenberg, era na verdade o físico alemão Werner Heisenberg. Se não era filha
de um relacionamento legítimo, ao menos a família compartilhava da notoriedade do
23
físico alemão, padrasto de Olly. Levou algum tempo para que o equívoco fosse
dissipado, por Fayga Ostrower19.
A origem eslava da família Blank deveria ter se prolongado no nome Ilonka (que pode
ser traduzido para Helena) que seria dado à Olga. No entanto, a lei alemã da época
impedia a atribuição de nomes estrangeiros e a criança se chamou Olga Helene Blank.
Mesmo nascida na Alemanha, Olga não tinha cidadania alemã. Ainda que a etimologia
da palavra nacionalidade indique a relação com a nação, que pode ser traduzido no
domínio do idioma, dos costumes e dos símbolos nacionais, ela é sobretudo um vínculo
jurídico entre uma pessoa e o Estado. A nacionalidade pode ser originária ou requisitada
posteriormente. A originária é concedida pelo Estado no nascimento de acordo com as
leis vigentes no país.
Na Alemanha, assim como em todos os países europeus no começo do século XX, o
direito à nacionalidade seguia o princípio de sangue – jus sanguinis –, isto é, tinha
relação direta com a ascendência. Esse princípio estava relacionado com as grandes
migrações europeias dos séculos XIX e visava dar abrigo legal aos filhos de emigrantes
nascidos fora de determinado território. Essa nacionalidade por filiação sanguínea,
entretanto, instituía uma cidadania de segunda categoria para pessoas que, como Olga,
nasceram em determinado país de pais estrangeiros. Para esses “cidadãos” uma série de
regras diferentes se aplicavam, instituindo conjuntos distintos de direitos e deveres20.
Filha de russa, Olga tinha o estatuto de estrangeira. Se graças a isso foi possível para a
pesquisa encontrar os rastros de sua trajetória, esses “rastros” são os indícios do
controle físico e financeiro do governo alemão sobre os estrangeiros. Mais tarde, esses e
outros registros oficiais foram usados para perseguir, prender e assassinar todos aqueles
que não se encaixavam nos padrões arianos do nacional-socialismo.
O controle do Estado sobre a movimentação dos cidadãos estrangeiros tornava
necessário uma autorização para mudar de cidade. Assim, sair de Mittweida para Berlim
Da parte de Erika, filha de Werner Hasenberg, a identificação do físico como parente não era
necessária, mas a atribuição de “genialidade” a seu pai pareceu se confirmar ao ver no museu Alexandre
Volta, em Como, a similaridade das assinaturas de seu pai e do físico.
20
Hanna Arendt analisa a ideia de cidadãos de segunda categoria em seu livro Origens do Totalitarismo.
São Paulo, Companhia das Letras, 1989. A ideia de estrangeiros opostos a uma alma nacional supõe que
só o nacional é cidadão. Os imigrantes são excluídos, pois há uma dimensão inacessível a esses que
mesmo a naturalização é incapaz de torna-los cidadãos completos. A categoria apátrida é nesse sentido a
mais desmoralizadora do período, pois apontava para aqueles que não tinham direitos de nenhuma
espécie.
19
24
exigiu o registro do novo endereço. Desses registros averiguamos datas de saída e
chegada e endereços de residência. Compartimentadas em “regiões morais” (Park,
1979), muito mais segregadas do que as cidades atuais, essas datas e endereços
permitem supor ethos, assim como identidades étnicas e sociais a partir da distribuição
diferencial e do padrão de uso dos equipamentos urbanos.
A crítica que Agier faz à noção de “região moral” (2011), aponta para a importância de
se observar as situações ao invés de naturalizar o espaço a partir de um conjunto de
atores em relação, ignorando transformações no tempo. A cidade passa a ser o cenário
de diversos grupos e ainda que haja relação entre as pessoas e o espaço, a ênfase recai
na transformação dessas relações ao longo do dia, entre os dias da semana e os meses do
ano. O tempo aparece então como categoria tão importante quanto o espaço.
Numa investigação histórica é mais difícil recuperar as mudanças temporais em relação
aos bairros e suas frequentações. Infiro então o ethos dessa família a partir de relatos
históricos sobre a proximidade de grupos mais ou menos ortodoxos, da moradia em
regiões mais ou menos segregadas, mais ou menos operárias e dos testemunhos legados
por Olga, Erika, Rene e pela memória das conversas entreouvidas na infância. Aqui, as
práticas sociais da família são inferidas a partir da localização das escolas que os filhos
frequentavam, a proximidade de espaços de lazer e sinagogas e, com isso, se a prática
do judaísmo era ortodoxa, liberal ou não existia, deduzindo a configuração de alguns
valores morais.
Olga nasceu em 28 de janeiro de 1914, às 14h. Cabelos castanhos e olhos azuis, muito
vivos, chegou seis meses antes da Áustria declarar guerra à Sérvia, dando início à
Grande Guerra. Em 1918, Clara levou Olga a Budapest para conhecer seu pai. Este se
encontrava casado com uma enfermeira que cuidara dele durante a guerra21.
Vinte anos depois, já no Brasil, Clara procurou Ladislau novamente aparentemente para que ele a
ajudasse a trazer Olga da Alemanha. Ladislau Vamos mudara-se para São Paulo em 3 de agosto de 1925.
Filho de Desidério e Thereza Vamos, nasceu em 18 de setembro de 1891. Casou-se com Valéria Kollar
Vamos e teve uma filha, Heda Vamos. Em 1949, o DO (documento DO-58) registrava, em São Paulo, a
abertura de uma empresa de sorvetes em nome de Ladislau e outros sócios, Sorvetes Cremosos Vamos
Ltda, o que indica que sua recusa em ajudar não se devia à condição econômica. Sem ter conseguido,
ainda, acesso a descendentes de Vamos, não sei os motivos de sua imigração para o Brasil.
Provavelmente a família fugiu da ditadura húngara. Entre meados do século XIX e as primeiras décadas
do século XX, as políticas imigratórias brasileiras incentivaram a entrada de imigrantes de origem
europeia não negra no intuito de “encher os espaços vazios” e formar uma população potencialmente
eugênica (Koifman, 2013).
21
25
Clara Blank mudou-se para Berlim, em 1922, onde já morava sua tia Anna22. Foi com
sua mãe, filha e avó – Sofia, Olga e Babushka. Esta última morreu com mais de 100
anos – 103, segundo os depoimentos de Erika em 2014; 106, segundo a árvore
genealógica; 111, segundo os manuscritos de Olly. Olga contavi que Sofia era muito
religiosa, mas não impunha a religião a sua neta, que fugia dessas aulas para brincar no
jardim da casa de Bertold Brecht. Wagner Seixas Mello, ator e diretor de teatro que
trabalhou com Olly na década de 1960, lembra que ela mencionava ter conhecido
Brecht. Ciente das informações que poderiam contribuir para a construção de sua
imagem, Olga parecia tirar o máximo proveito possível desses dados.
Em 1920, a velha Berlim tinha sido integrada aos seus subúrbios e passou de 6.700 para
87.000 hectares, tornando-se a cidade mais vasta do mundo e em número de habitantes a
terceira, após Nova York e Londres. A abertura de novas instalações portuárias e as
reformas nos transportes (o aeroporto de Tempelhof foi construído em 1924, abrindo a
possibilidade de intercâmbio internacional) contribuíram para o crescimento do
comércio em meados dessa década (Richard, 1993). Esse desenvolvimento atraiu
migrantes de todas as partes, mas a promessa de casamento com Werner Hasenberg
certamente foi tão ou mais importante do que as oportunidades que a cidade apresentava
para a decisão de Clara e suas familiares.
No entanto, o florescimento econômico da cidade coexistia com um amontoado de
moradias insalubres. Uma das áreas mais precárias de Berlim foi na década de 1920
constituída pela combinação da imigração dos judeus do leste europeu com a parcela
mais pobre da população (Geisel, 1993). Trata-se de Scheunenviertel (literalmente,
bairro dos celeiros), onde morou Bertold Brecht. Lembrando que Sofia, Babushka e
Olga eram russas e a menção de Olga aos jardins da casa de Brecht, imagino que as três
tenham morado nesse quarteirão, ou próximo a ele.
Clara provavelmente morou com elas até o final de 1922, quando casou-se com o
engenheiro Werner Hasenberg. Hasenberg, como Ladislau Vamos, estudara na escola
técnica de Mittweida. Nessa época frequentava a pensão de Sofia, onde tocava piano
para ganhar um dinheiro extra. Durante a Primeira Guerra, Clara trabalhou numa fábrica
como desenhista técnica. Para um engenheiro elétrico e eletrônico, formação de Werner
Hasenberg, o desenho técnico é a linguagem através da qual apresenta-se os projetos. A
Anna era casada com Grischa que era funcionário de banco e tinha três filhos, Tamara, Nadia e Micha.
Todos imigraram para os Estados Unidos no período anterior à Segunda Guerra.
22
26
capacidade dela em executar essa tarefa pode ter ajudado na aproximação do casal,
estimulada por Sofia que desejava para a filha um casamento que diminuísse o
constrangimento familiar.
Depois do casamento, Clara adotou o sobrenome do marido. Os dois foram morar na
Gosslerstraße, no bairro operário
de Friedrichshain, não muito
longe
de
Scheunenviertel.
Werner Hasenberg pertencia a
uma nova categoria social que
surgia com a expansão do
comércio e do setor terciário, o
empregado. Engenheiro eletroeletrônico
importantes
trabalhou
empresas
para
de
iluminação e comunicação como
Figura 5: Erika Hasenberg em Ostsee, 1930 (PH‐1048)
a Ozram e a Telefunken.
Essa categoria profissional, submetida ao trabalho racionalizado, inaugurou também a
atividade frenética de uma metrópole recente, com uma cultura do prazer que contribuiu
para o surgimento do mito da era de ouro dos anos vinte. Em alguma medida
compensava-se a intensidade crescente do trabalho, mas também reagia-se ao
desaparecimento das estruturas autoritárias
da era imperial e a atenuação dos tabus
sexuais. Os empregados contribuíram assim
para impulsionar a instalação e difusão das
tecnologias da indústria do divertimento: o
fonógrafo, o rádio, o cinema, mas também a
fotografia, as viagens de fim de semana (o
week-end, se tornou uma mercadoria) e o
esporte.
Esse novo ator social, era desprovido do
apoio
que
as
organizações
sindicais
dispensavam à classe operária, não tendo
27
Figura 6: Werner, Clara, Egon e Erika Hasenberg à esquerda. Ostsee,
1930 (PH‐1014).
assim a proteção que o status de funcionário outorgava. Totalmente subordinados aos
cargos que exerciam nas empresas onde trabalhavam, eram submetidos a uma
concorrência rigorosa (Strohmeyer, 1993). Essa concorrência provavelmente contribuiu,
junto com a recessão e a perseguição aos judeus na década de 1930, para a imigração da
família para o Brasil.
Na década de 1920 ainda, o casal teve dois filhos, Egon (1924-2014) e Erika (1927-).
Logo após o nascimento de
Egon, o casal se mudou para a
Jagowstrasse, em Moabit, bairro
industrial onde se localizava a
prisão de onde Olga Benário
libertou Otto Braun, em 1928. A
Figura 7: Crianças da vizinhança de Berlim. A
vulnerabilidade dos judeus era tanta que
qualquer criança podia ir a polícia e conseguir a
prisão de uma família. Na frente, do lado
esquerdo, Egon Hasenberg. Do lado direito, Paul
Schulze, filho do vizinho que denunciou a família
Hasenberg e provavelmente teve impacto na
decisão de fugir da Alemanha (PH‐1057)
sinagoga de viés liberal Levetzowstraße23, que ficava
nesse bairro, não tem registro da frequentação do casal. Erika, não se lembra de ver sua
mãe se dedicar à religião até a morte de Sofia, em 194524, quando “redescobriu o
judaísmo”. Essa flexibilidade com a religião não lhe impediu de expressar fúria quando,
em 1948, Erika lhe contou sobre sua conversão ao catolicismo.
Em 29 de outubro de 1923, às vinte horas, inaugurou-se na Alemanha, no auge da crise
econômica após a Primeira Guerra, o serviço de entretenimento do rádio (Huynh, 1993).
O sucesso da indústria radiofônica pode ser apreendido pela quantidade de revistas
especializadas na área que discutiam questões técnicas e as transmissões. Mesmo os
jornais abriam espaço para discutir os programas de rádio. A área da eletrônica,
Inaugurada em 1914, a sinagoga acomodava mais de 2.000 pessoas. Quando começaram as deportações
em massa, no Outono de 1941, a Gestapo transformou a sinagoga em um campo recolhimento
provavelmente devido à sua capacidade física. A Gestapo prendia famílias judias em seus apartamentos
em bairros vizinhos, principalmente à noite, e os trazia para essa sinagoga. Dali eram deportados para
guetos e campos de concentração. Em 1988 um memorial foi criado no local onde ficava a sinagoga que
foi destruída.
24
Sofia imigrou para a França junto sua filha Manya e família. Sobreviveu ao campo de concentração
graças ao comércio no mercado negro que Manya realizava (sobre algumas estratégias de sobrevivência
em campos de concentração ver Spiegelman, 1995). Logo após a libertação de Paris, Sofia morreu de
câncer.
23
28
formação de Werner Hasenberg, era portanto uma área em ascensão na Alemanha desse
período. Olga relata que, com os conhecimentos do padrasto e uma relação muito
próxima com a música – todos tocavam piano e, mais tarde, seu irmão estudaria violino
–, a família teve o primeiro rádio manufaturado a partir de uma caixa de fósforosvii.
Provavelmente, foi o que fez alguns anos mais tarde com que oferecessem a Werner
Hasenberg uma vaga no Kaiser Wilhelm Institut. Entretanto, sua origem étnica o
impediu de assumir o cargo.
A situação econômica da família pode ser deduzida de algumas informações acerca da
educação dispensada aos filhos do casal Hasenberg e a Olga. As três crianças
frequentaram a escola e tiveram ao menos aulas de piano como atividade extra
curricular – aprender esse instrumento fez parte da formação de todos os parentes
mencionados até agora, Werner Reinheimer tocava também violão. Além disso, a irmã
de Clara, Anna, que já morava em Berlim
quando as quatro Blank se mudaram para lá, era
Figura 8: Na legenda lê‐se: Clara e Werner Hasenberg,
exposição do rádio, setembro de 1927 (PH‐1076)
casada com Grischa, funcionário de banco. Portanto, com uma situação financeira
razoavelmente confortável para o período os Hasenberg e presumivelmente Olga, Sofia
e Babushka também foram poupadas das intensas amarguras da crise econômica pela
qual passou a Alemanha de 1929 até a saída da maioria do país, em 1935.
No ano que os Hasenberg partiram, Erika tinha 8 e Egon 11 anos. Ambos concluíram
seus estudos no Brasil. Olga, com 21 anos, já se interessava por arte, mas essa formação
para uma mulher ainda era considerada moralmente repreensível. A lei que permitiu o
acesso das mulheres ao ensino superior alemão data de 1908, mas elas ainda sofreram
inúmeras resistências por parte das
famílias e do próprio sistema de ensino.
Uma vez que conseguiam se formar, o
mercado não as absorvia. A formação
em arte só onze anos mais tarde, isto é,
em 1919 foi franqueada às mulheres.
Na década de 1920, surgiu para as
mulheres
em
Berlim
novas
representações que exigiam reformas no
sistema jurídico. Para aquelas cujos pais
29
não podiam pagar estudos, o sonho era ser datilógrafa e ingressar no grupo dos
empregados de colarinhos-brancos. Cabelos curtos, independência material e liberdade
sexual eram algumas das características dessa berlinense. A “reforma sexual” passou
nessa época pela reivindicação da criação de cursos de educação sexual nas escolas e a
supressão do parágrafo 218 do código penal alemão, que tratava da penalidade aplicável
à mulher que praticasse aborto. Diversos escritórios de planejamento familiar abriram
em toda a Alemanha, principalmente nos bairros operários. Käthe Kollwitz, cujo marido
era um dos médicos responsáveis pelo planejamento familiar em Berlim, criou para o
partido comunista um cartaz que se tornou célebre, pedindo o fim do artigo 218 (Walle,
1993).
Uma
forma
de
conquistar
alguma
independência financeira sem desafiar os
valores
da
moralidade
Figura 9: “Abaixo o parágrafo 218”. Käthe Kollwitz, Litografia (52,5 x
48,4 cm), 1926, Museu Histórico Alemão, Berlim. Não consta no acervo
Olly e Werner Reinheimer. https://www.bild.bundesarchiv.de/
burguesa,
principalmente por ser feito em casa, era através da costura. Segundo Perrot (2011), a
difusão da máquina de costura, a partir da segunda metade do século XIX, contribuiu
para a racionalização e divisão do trabalho da indústria de confecção no final desse
século. Ter uma Singer, marca mais conhecida que disputava o mercado com diversas
outras alemãs, era uma ambição conseguida muitas vezes a crédito. Outra profissão
feminina, menos rentável, mas também ligada à moda era a produção de flores de tecido
para chapéus e enfeites.
Na busca por registros escolares, Olga Blank não consta no Instituto de Pesquisa em
Educação de Berlim. Portanto, não se tem certeza da escola que frequentou, nem no
ensino fundamental e médio e nem em possíveis escolas técnicas. No entanto, a
qualidade das modelagens das roupas que criou nas décadas de 1960 e 1970 e o fato de
ter lecionado modelagem na Escolinha de Arte do Brasil, no Instituto Pestalozzi e no
Colégio de Crianças com Deficiências Auditivas25 sugere que ela tenha feito um curso
de corte e costura, que pode também ter sido através de revistas especializadas alemãs.
Seu filho e sua irmã não se recordam de um investimento desse tipo nas décadas de
1940, 1950 ou 1960. Em Mittweida ela era muito nova. Assim, é possível supor que isso
Infelizmente ela não menciona o ano nem as condições que isso ocorreu. A aproximação com a arte foi
feita também pelo apagamento de sua formação em moda e design. A menção a essas aulas foi feita no
currículo mais antigo do acervo. Nesse currículo a data mais recente é 1969. É possível supor que esse
tenha sido se não o primeiro, um de seus primeiros currículos. Em todos os seguintes, esses cursos de
modelagem não são mencionados. Documento DE-04-B. Acervo Olly e Werner Reinheimer.
25
30
tenha ocorrido em Berlim, na década de 1930. Duas escolas na área de design e moda
eram célebres na época: Lette-Verein e Reihmannschule. Entre 1932 e 1933, houve
também a Bauhaus. Em nenhuma delas foi encontrado registro de Olga Blank.
A Lette-Verein e a Reihmannschule ficavam no Bayrische Viertel (distrito bávaro), um
bairro elegante no qual moravam além de vários judeus, que frequentavam uma
sinagoga ortodoxa local, intelectuais como Albert Einstein, Erich Fromm, Gisèle
Freund, Erwin Piscator. A Reihmannschule foi fundada por um judeu em 1902, Albert
Reihmann. Tinha oficinas têxteis e treinamento em moda e design. Era na época mais
importante que a Bauhaus.
A Escola Lette-Verein foi fundada em Berlim em 1866 por Wilhelm Adolf Lette como
uma associação para promover a “aquisição de competências pelo sexo feminino”, com
cursos técnicos como Comércio, Ciências Domésticas, Ensino Fotográfico, Telegrafista,
Escola de Tipógrafas, Encadernação de Livros e Metalografia (Cytrynowicz e
Cytrynowicz, 2015). Essa escola tem um arquivo com desenhos e modelagens de vários
de seus alunos que merece ser investigado na possibilidade de encontrar algo assinado
por Olga. Ainda que não se tenha encontrado registros, é possível que ela tenha sido
aluna de um desses cursos.
Em março de 1929, Heinrich Brüning ascendeu ao posto de chanceler e inaugurou o
período de medidas autoritárias. Em outubro desse ano a “Quinta-feira negra”, que
desencadeou a crise econômica nos EUA, atingiu a Alemanha, que tentava se reerguer
da devastação da Primeira Guerra majoritariamente com investimentos norteamericanos. A crise se aprofundou e o desemprego se tornou maciço. Entre 1929 e
1933, a politização das ruas acarretou o aumento da violência através de atentados e
confrontos entre pequenos grupos de ativistas armados, nazistas, comunistas e socialdemocratas.
Provavelmente o crescimento do sentimento antissemita e as dificuldades econômicas
levaram Werner Hasenberg a buscar outras opções. A opção inicial era Paris, como
indicam alguns cartões postais constantes no acervo Olly e Werner Reinheimer e
confirmou Erika Hasenberg. No entanto, o casal e os dois filhos acabaram indo para o
Rio de Janeiro onde a Philips ofereceu um posto a Werner Hasenberg. Nesse mesmo
ano, em setembro, após a partida da família, entraram em vigor as leis raciais de
31
Nuremberg que definiam que eram as relações de parentesco consanguíneo tornavam
alguém judeu ou não-judeu.
Segundo Erika, Olga ficou em Berlim a espera de um noivo que estaria viajando, mas
que nunca voltou. (Também poderíamos imaginar que ela optara por terminar o curso
técnico que fazia antes de mudar de país e), enquanto isso, cuidava de vender o que a
família tinha deixado para trás. Em abril de 1936 Olga partiu para o Brasil.
Um tecido de sentimentos
Ainda existem poucos trabalhos sobre a imigração para o Rio de Janeiro, principalmente
se comparado com os estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo,
Minas Gerais e Espírito Santo, Estados que receberam as maiores porcentagens de
imigrantes de várias nacionalidades (Gomes, 2000).
Os primeiros imigrantes classificáveis como “alemães”26 chegaram no Brasil antes da
independência. Eram comerciantes e artífices atraídos pelas possibilidades econômicas
que surgiram com a abertura dos portos, em 1808. Algumas tentativas de fixar os
imigrantes alemães no sul da Bahia fracassaram nas primeiras décadas desse século. Em
1819, também fracassou a fundação de Nova Friburgo com imigrantes “suíços”.
Seyferth sugere que esses malogros talvez tenham redirecionado a colonização alemã
para o sul do Brasil (Seyferth, 2000).
Aqueles primeiros residentes no Rio de Janeiro tinham pouca expressividade numérica,
mas muita visibilidade entre os outros estrangeiros. Em 1821, fundaram a Sociedade
Germania (Gesellschaft Germania), primeira associação demarcadora de pertencimento
étnico germânico no país (Seyferth, 2000). O fluxo migratório para o Rio de Janeiro
durou um longo período, até a década de 1930, mas o contingente foi relativamente
pequeno. A constituição desse conjunto era heterogênea sendo constituída ao mesmo
tempo de comerciantes ricos e outros imigrantes de classes variadas.
O uso das aspas diz respeito aos distintos sentidos da categoria “alemão” como critério de
inclusão/exclusão. “Antes de 1871, a língua alemã caracterizava a nacionalidade alemã e não
obrigatoriamente a cidadania. Na prática, indivíduos que entravam no Brasil e que pertenciam a minorias
teutas da Rússia, Hungria e Polônia se consideravam “alemães” e tentavam se juntar aos imigrantes dessa
origem. Entre os austríacos e suíços de língua alemã, encontra-se, na bibliografia sobre a colonização,
alemães do Volga, os suábios do Danúbio, os alemães de Lodz, os alemães do Sudeto”. (SEYFERTH,
1988:4). Uma vez esclarecida a historicidade da categoria e o cuidado necessário para não se naturalizar a
condição de “alemão”, passarei ao uso do termo sem aspas. O mesmo cuidado deve ser observado com
todas as categorias de pertencimento étnico aqui citadas, inclusive a noção de “brasileiro”.
26
32
Esses grupos instituíram na cidade associações culturais, esportivas, beneficentes e
religiosas que funcionavam como demarcadores de pertencimento étnico. Segundo
Michahelles (2003:17), “o censo de 1940 indica a presença de 9.475 cidadãos alemães e
945 cidadãos brasileiros residentes na cidade que falavam alemão”. No entanto,
diversos imigrantes voltavam para seus países de origem. Em 1924, 10.000 alemães
residentes no Brasil se repatriaram. Ao mesmo tempo, os teuto-brasileiros do Sul
vinham para a capital federal e São Paulo, em busca de melhor formação escolar e
ascensão social. Portanto, a densidade e constituição desse grupo variavam ano a ano.
A imigração alemã para o Rio de Janeiro teve um caráter distinto da que caracterizou os
núcleos coloniais no sul do país. Ao invés de resultado de uma política específica,
dirigida para famílias de agricultores, a imigração para os centros urbanos não teve
estímulo ou subvenção e teve caráter individualizado (Michahelles, 2003). No entanto,
os imigrantes urbanos mantinham com aqueles que se concentravam na região sul do
país ligações através de uma rede de instituições como a imprensa e as escolas teutobrasileiras e os sínodos da Igreja Evangélica Alemã.
Essa interação leva Seyferth (2000) a falar em uma identidade étnica compartilhada,
construída a partir do século XIX e inspirada nos ideais do romantismo e do
nacionalismo alemão. Por outro lado, essa identidade era atravessada pelos eventos e
conflitos sociais e culturais brasileiros. Portanto, era resultado da experiência de
imigração, da singularidade cultural alemã, mas também do processo histórico e da vida
comunitária no Brasil (Michahelles, 2003).
No caso do Rio de Janeiro, Michahelles aponta características peculiares de uma parte
do grupo de imigrantes alemães de caráter fortemente mercantil, ancorado em grande
medida em interesses de importação e exportação e no capital financeiro e industrial. A
heterogeneidade do grupo entretanto, pode ser percebida pelo conjunto diferenciado de
instituições de fala alemã que agregava essa população na Capital Federal. Trata-se de
uma “espécie de rede territorial na qual circulavam indivíduos de alguma forma
identificados etnicamente”27 (Michahelles, 2003:119)
“Em 1926, um mapa de parte da cidade, distribuído pela Firma Herm. Stolz & Co (representante da
empresa Norddeutsche Lloyd de Bremen), destinado aos imigrantes teutos que aportavam no porto da
capital, assinalava locais de referência para os “alemães”, entre outros endereços úteis para estrangeiros
recém-chegados” (Michahelles, 2003:119).
27
33
O trabalho de Michahelles, ainda que tenha se concentrado em torno da Primeira
Guerra, analisou algumas fontes até o final da década de 1920 e revelou “o
estabelecimento de limites sociais de pertencimento étnico e a existência de uma série
de associações de cultivo da etnicidade, que reuniam a população de fala alemã e
atualizavam tais limites”. Mostrou ainda como era “possível reconhecer a afirmação de
uma identidade que se poderia chamar de teuto-brasileira” (2003:170).
A “colônia alemã”28 tinha uma visibilidade étnica resultante de várias instituições de
cunho comercial, cultural e esportivo, como a Sociedade Beneficente, a Igreja
Evangélica, a Escola Alemã, a Associação de Ginástica, o ambulatório para mulheres, a
associação do Hospital Alemão, a Associação de Mulheres e as diversas associações de
canto, que formavam a comunidade mais ampla dos Rio-Deutsche (alemães do Rio).
Esse conjunto se articulava mediante uma identidade étnica em oposição a um todo
maior, correspondente aos “brasileiros” (Michahelles, 2003).
O Deutsche Rio Zeitung, por exemplo, jornal de grande influência na comunidade teuta,
foi publicado no Rio de Janeiro entre 1921 e 1941 (SEYFERTH, 2000). Esse, e diversos
outros, eram caracterizados por um discurso que ressaltava a contribuição econômica,
política ou cultural dos alemães no Brasil, expressando idealmente o pertencimento à
etnia alemã.
Os trabalhos que lidam com imigração no Brasil em geral ou se dedicam aos grupos
étnicos nacionais, no caso dos alemães tratam majoritariamente dos protestantes, ou aos
judeus como um todo, ainda que reconhecendo as devidas diferenças internas de idioma,
de religiosidade e/ou nacionalidade desses últimos. Não existe um trabalho específico
sobre os imigrantes judeus-alemães para o Brasil ou o Rio de Janeiro, muito menos de
alemães-judeus-progressistas. No entanto, o tema da raça e etnicidade implícita ou
explícita no discurso e legislação sobre imigração é comum a todas as pesquisas sobre
minorias nacionais. Esse tema em geral se remete ao final do século XIX e começo do
XX e a discussão sobre nação no Brasil.
De 1880 a 1920 o intenso fluxo migratório deu margem para que se acreditasse na
nação branca imaginada para o futuro e fizesse com que todos os cientistas discutissem
O termo “colônia” está referido a uma identidade comum, um vínculo cultural que diferencia esse
grupo socialmente. “A categoria é usada pela literatura teuto-brasileira, na intenção de definir a população
de língua alemã residente em núcleos urbanos ou como autodesignação de grupos falantes da língua
alemã, independentemente de estarem ou não localizados nas antigas zonas de colonização” (Michahelles,
2003:16).
28
34
os assuntos da colonização e imigração como uma ‘questão de raça’. O racismo foi
incorporado à pratica de planejamento da nação: “Um Brasil moderno, branqueado
através do amplo incentivo à imigração europeia” (Seyferth, 1993:179). No entanto,
esse projeto de criação de uma “raça” brasileira por vezes considerava o judeu como
positivamente contribuinte, por outras, negativamente. Essas formas distintas de
valorização dos judeus estiveram associadas a diversos sinais diacríticos, incluindo a
nacionalidade, a condição social e cultural e também aos hábitos ortodoxos ou não.
Como a ideia de raça era vaga, ela servia para corroborar, seja os preconceitos positivos
seja os negativos acerca dos distintos grupos sociais. Em relação aos judeus, Lesser fala
de “dois tipos” de judeus que teriam tido recepções diferentes no Brasil: o “verdadeiro”
e o “inimigo”. O “inimigo” seria aquele do estereótipo29 – sempre reducionista –
enquanto o “verdadeiro” seria a realidade, complexa e multifacetada, que se
apresentaria para solicitar visto. Por isso também, muitos judeus conseguiam entrar no
país quando os discursos antissemitas eram hegemônicos na Alemanha e caminhavam
para se tornar política de Estado. Segundo Lesser, chegaram ao Brasil, entre 1929 e
1945, 36 mil judeus de diversas nacionalidades (1995).
Werner descreveu, no mesmo texto em que narrou a tristeza da saída de sua cidade, a
chegada nesse lugar idílico que era o Rio de Janeiro, em 1935:
Após longas semanas, finalmente, ao levantar-se o nevoeiro, lá estava o nosso paraíso.
Quando o sol se levantou, iluminou uma praia que apresentava uma beleza
inacreditável. Ondas suaves brincavam com a areia e mais distantes erguiam-se as
mansões brancas com seus jardins e palmeiras. O navio aproximou-se, os primeiros
automóveis, os primeiros homens e finalmente chegamos. O Rio de Janeiro, era sol, luz,
riso e música. Era o contraponto - exato da Alemanha, sombria e militarizada. As
pessoas eram completamente diferentes, tinham tempo para brincadeiras. Em frente às
lojas que vendiam disco, as pessoas paravam, cantavam e com simples caixas de
fósforos eram capazes de
reproduzir um batuque louco. As
mulheres não marchavam mas
andavam quase que dançando,
O termo estereótipo, nas Ciências Sociais, tem várias definições, mas a maioria o relaciona à
designação de “convicções ou opiniões pré-concebidas acerca de indivíduos ou grupos, e seus elementos
mais óbvios são a simplificação e a contradição. Trata-se, pois, de ‘cognição seletiva’ (Preiswerk e Perrot,
1975), que implica em escolha limitada de características (físicas, mentais e de comportamento) e
omissões – que qualificam ou desqualificam grupos e indivíduos. De acordo com Epstein (1978:14), ‘os
estereótipos servem para reforçar a nossa percepção dos outros, mas por sua própria natureza eles também
implicam numa definição de nós mesmos’, contendo, implicitamente, uma avaliação em dois sentidos.
Em grande parte, podem constituir uma avaliação negativa e reforçar, assim, identidades étnicas
negativas” (Seyferth, 1993:184).
29
35
Figura 10: Werner no navio rumo ao Brasil, 1935 (PH‐01)
nas ruas e nas praias. Tudo aqui era diferente, as cores mais vivas e as pessoas não se
envergonhavam delas e as vestiam. Falavam em tom alto, mas com uma ternura
inacreditável. Amigos e conhecidos se abraçavam e se beijavam quando se
cumprimentavam. Isto tudo me encantava. Eu gostei.
Werner, Clara, Egon e Erika Hasenberg haviam embarcado para o Brasil três meses.
Viajaram de classe turística e tiveram que passar antes pelo porto de Tenerif, onde
ficaram três ou quatro dias, devido a uma pane no navio. A viagem não se configurou
como uma fuga, ao menos para a criança de 8 anos de idade. Erika contou que, a
passagem pela linha do Equador justificava a realização de uma festa à fantasia, para a
qual vestiram-na de “noite”.
Ao contar sobre os figurinos, Erika riu-se lembrando da mãe encenando o estereótipo do
que parecia ser uma figura grega, tendo como acessório o violino do filho, do pai que
pretendia que se imaginasse um “turco” de túnica com chapéu vermelho e do irmão de
índio. Algum tempo depois, vasculhando a caixa de fotografias antigas de Erika, uma
foto dos quatro ao redor de uma mesa redonda mostra esses figurinos, descritos com
tanta vivacidade. Se a foto manteve acesa a memória ou se criou uma fantasia sobre a
festa não saberemos nunca.
A percepção de que essa foi uma viagem de turismo poderia ser contraditória com a
recusa de Erika em falar o alemão e afirmar sua angústia em relação à Alemanha, que só
voltou a visitar em 2008, se não lembrarmos que a memória não se compõe apenas dos
fatos vividos, mas também dos sentimentos e vivências de outros. A história dos
familiares e dos familiares de amigos que sofreram com a guerra compõem assim a
memória afetiva de Erika em relação à Alemanha, que não conseguiu perdoar.
Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, foram recebidos por outra família Hasenberg que,
sabendo da vinda deles, imaginava equivocadamente que seriam parentes. Werner
Hasenberg foi contratado pela Philips para abrir um novo departamento de cinema e
acústica no Rio. A empresa enviou alguém para recebê-los no porto e acomodá-los em
sua casa nova. Sua nova moradia em Ipanema, ficava em uma rua paralela à Lagoa
Rodrigo de Freitas. Ali moraram por quatro anos e tinham um carro, como cortesia da
companhia.
Em 1935 Hasenberg já tinha patentes registradas na Alemanha e, na universidade, tivera
contato com Albert Einstein e Werner Heisenberg – os dois ganharam o prêmio Nobel,
em 1922 e 1932, respectivamente – que Olga lembra ter conhecidoviii. Foi então
36
recebido no Brasil como “pioneiro da eletro-acústica” (Correio de São Paulo, 1937). No
Rio de Janeiro, instalou sistemas acústicos em cinemas, salas de concerto e nos casinos
da Urca e Atlântico.
Olga chegou em 1936 e foi morar com Clara, Erika, Egon e Werner Hasenberg. De
início trabalhou como vendedora em um armarinho, na praça General Osório, onde
vendia as flores de tecido que ela fazia. Olga se envolveu com a comunidade carioca de
judeus refugiados. Werner Reinheimer e Olga se conheceram através desse grupo.
Alguns contatos ao longo da pesquisa indicam que esse envolvimento incluía sair, ir à
praia, namorar e se casar uns com os outros. Ira S.30. e Edith Waitzfelder, por exemplo,
conheceram o casal ainda nas décadas de 1930 e 1940.
Ira, casada com Heinz, chegou ao Rio em 1936. Ela e o marido vieram e “chamaram”
seus pais depois que tinham se assentado no Brasil. Os dois se conheceram em Ipanema,
onde ainda residiam quando entrevistados, em 2014, ela com 99 e ele com 100 anos. A
opção pelo Brasil, da parte de Ira foi por ter um parente aqui. Heinz tentou ir para os
EUA, mas não conseguiu visto. Como lhe deram um de turista para o Brasil, entrou e
ficou.
Ira conseguiu autorização dizendo que vinha trabalhar no campo, ainda que não fosse
camponesa – Jair de Souza Ramos (2004) menciona essa como uma estratégia comum
para conseguir autorização de permanência. Nasceu em Moscou, em 1915, e saiu de lá,
em 1918, por causa da Revolução Russa. Foi com a família para Alemanha, passando
pela Polônia e, em 1936, veio para o Brasil.
Edith Waitzfelder, mulher alta, com ossos largos, voz forte e afirmativa, corrobora o
estereotipo sobre as mulheres alemãs. Sua aparente força, entretanto, não se mantinha
ao mencionar o sofrimento durante a Segunda Guerra, depois de quase setenta anos.
Falar era uma nova tortura e calar uma maneira de ficar com o que se pôde reconstruir
depois.
Rosenfeld quando solteira, Edith nasceu em Karlsruhe cidade vizinha a Pforzheim, em
julho de 1928. Proveniente de uma família abastada, sua mãe fora levada ao campo de
Auschwitz em 1942, onde foi assassinada. Seu pai morreu em dezembro de 1945, após
30
Ira é esposa de Heinz acima mencionado.
37
ter enfrentado a travessia do Lago Genebra para levar sua filha para um abrigo31. Edith,
então com 17 anos de idade, foi para um campo de refugiados em Montreux até que
encontram em São Paulo, no final de 1946, seu tio Ernest que concordou em se
responsabilizar por ela. Depois de perder quase todos os seus parentes, e se encontrar
quase sozinha no mundo, Edith buscou no casamento uma forma de compensação.
No final da década de 1940, constituir uma família pareceu a melhor maneira de recriar
as “raízes” - termo usado em seu depoimento, 2014 – que lhe tinham sido arrancadas.
Assim, seu casamento foi arranjado por conhecidos que lhe disseram haver no Rio um
judeu alemão em busca de parceira. Veio; conheceu Joseph Waitzfelder, em 1949, se
casaram em 1950 e tiveram dois filhos32. Enquanto os filhos eram pequenos, Edith
manteve uma mala com passaportes prontos para qualquer eventualidade. Resquícios de
seu passado. Joseph era parte do grupo de Olga e Werner Reinheimer. Chegou a ser
namorado de Olga, assim que ela chegou ao Rio. Os quatro se tornaram amigos. Edith
frequentou a casa do casal até a morte dos dois.
Todos esses até aqui mencionados foram morar em Ipanema. O bairro recebia levas de
imigrantes europeus desde a década de 1910, com importantes reforços a partir da
década de 1930. Até o começo do século XX, o mar ainda era apenas local para despejo
de dejetos e de tratamento de doentes. Só por volta de 1910 o banho de mar passou a ser
visto como forma de entretenimento, em grande medida, por influência francesa.
Algumas personalidades que moraram no bairro nas primeiras décadas do século
contribuíram para a construção da imagem que foi forjada para Ipanema nas décadas de
1950 a 1970 como um bairro de intelectuais e artistas. Álvaro Alvim se mudou para lá
em 1910, João do Rio, que dizia ter ido à Ipanema pela primeira vez em 1915, mudouse em 1917 e Ernesto de Nazareth, também em 1917 (Castro, 1999).
A avenida Vieira Souto, foi nomeada em homenagem ao engenheiro responsável pelo
projeto de urbanização do bairro no final do século XIX, e ganhou essa denominação
nesse mesmo ano, 1917, na inauguração das obras de alargamento e arborização central.
Mais uma vez, foi Mônica, a filha de Edith que se interessou em reconstituir a história familiar. Parte
dessa história é contada por Monica Waitzfelder no livro que narra como a L’Oréal comprou de um
nazista a casa que a família foi obrigada a abandonar. O livro constará no acervo em formato digital.
Edith entregou também para o acervo uma cópia do diário que seu pai manteve durante seu confinamento
em campos de concentração.
32
Parte da história da família pode ser encontrada no projeto Nomes, à procura de 6 em 6 milhões:
http://projetonomes.weebly.com/uploads/1/4/7/0/14704412/6_em_6_milhoes_final_comp
e
http://projetonomes.weebly.com/ano-2.html
31
38
Em 1910, havia no bairro 175 casas cujos terrenos eram vendidos com um
financiamento de até 10 anos pela Companhia Construtora que encerrou seus trabalhos
no bairro em 1927. Desse ano em diante os terrenos foram progressivamente
valorizando. Em 1936, a Revista Ilustrada fala em um artigo que Ipanema que vinte
anos antes era um areal com poucas casas agora era rival de Copacabana em termos de
urbanização. O bonde que tinha seu ponto final no “Bar 20” passou a ser paulatinamente
substituído a partir de 1927 e parou completamente de circular em 1963 (Koifman,
2005).
Até a década de 1930, o idioma corrente em Ipanema era o inglês. O escritor Théo-Filho
(1895-1973) foi o primeiro a publicar um romance sobre o bairro, em 1927, intitulado
Praia de Ipanema. Na década de 30 fundou o jornal Beira-mar, que falava sobre
Copacabana. Nesse periódico estabeleceu, em 1932, uma coluna fixa sobre Ipanema,
“Observatório de Ipanema”. Ali ficamos sabendo que se pretendeu instalar um
trampolim no Arpoador e que se falava inglês na praia onde as famílias faziam
sardinhas (Castro, 1999).
Enquanto o bairro da Praça Onze aglomerava os judeus do leste europeu no início do
século XX, os alemães tenderam a se concentrar em Ipanema e Copacabana. Conviviam
ali alemães, franceses, italianos e ingleses que chegavam fugindo dos distúrbios
econômicos e políticos da Europa. Além de trazerem ideias das vanguardas das décadas
de 1910 e 1920 em seus países, a experiência de estar longe dos modelos convencionais
dava a esses imigrantes certa liberdade para escolher novos padrões de comportamento.
Na década de 1930 ainda era barato morar em Ipanema, já que os bairros próximos ao
centro ainda eram mais valorizados. O custo aliado ao valor conferido pelos europeus à
praia provavelmente foi o que fez com que muitos imigrantes o escolhessem para
reconstruir aquilo que deixaram para trás33. Assim, famílias como as da alemã Miriam
Etz (que chegou em 1937), o casal Ira e Heinz, os Hasenberg e Werner Reinheimer
(todos em 1935) e os Waitzfelder (Joseph em 1933 e Edith em 1947) moraram – e
alguns continuam – lá. Em 1947, segundo Ruy Castro (1999), a avenida Vieira Souto
era um rendilhado de casinhas em estilo alemão, só interrompido por alguns prédios de
três ou quatro andares.
Até a década de 1920, “os bairros com o maior percentual de cidadãos alemães eram Santa Tereza,
Glória, Lagoa, Copacabana, Gávea, Engenho Velho, Rio Comprido, Tijuca e Andaraí” (Michahelles,
2003:17).
33
39
Na década de 1930, entretanto o debate sobre os descendentes de imigrantes alemães
voltou à cena nacional34 motivado sobretudo pelas investidas nazistas nas áreas de
colonização. O nacional-socialismo apareceu no Brasil através da propaganda e também
do controle de algumas instituições como as sociedades de tiro e parte da imprensa de
língua alemã, criando diretórios do partido nazista. A intenção de assimilar os
descentes, pela força se necessário, através de uma Campanha de Nacionalização por
parte do Estado Novo recrudesceu o debate.
A campanha no entanto era anterior à proibição das atividades nazistas no Brasil. O
Estado Novo produziu uma política de nacionalização para assimilar os descentes de
imigrantes de todas as origens, entre 1937 e 1945, colocada em prática no sul do país.
Essa campanha interferia na vida cotidiana das pessoas visando a assimilação dos
imigrantes em uma suposta identidade nacional (Seyferth, 1995). No entanto, os centros
urbanos foram menos atingidos por essas manifestações xenófobas do Estado e da
população brasileira.
Nos anos que se seguiram até o início da Segunda Guerra na Europa a situação ficou
insustentável para os judeus e outros grupos minoritários como os homossexuais, roma
e estrangeiros em geral, assim como para pessoas com algum tipo de deficiência física
ou mental e pessoas com posições políticas distintas daquela do nacional-socialismo.
Em novembro de 1938, um progrom que ficou conhecido como Kristallnacht, noite de
cristal, destruiu sinagogas, comércios e casas particulares de judeus por toda a
Alemanha. Em Pforzheim, na tentativa de defender a sinagoga local, em 10 de
novembro de 1938, Hermann vestiu seu uniforme da Primeira Guerra e postou-se em
frente ao templo. Atingido por uma coronhada, caiu dentro do canal em frente. O
resultado da agressão foi a perda da visão. Duas famílias Reinheimer tiveram seus
açougues destruídos. Provavelmente o de Hermann foi um deles.
No final do século XIX o caráter étnico alemão ganhou visibilidade nacional com a retórica
expansionista da Liga Pangermânica. O “perigo alemão” foi debatido na imprensa brasileira e no plano
político, sob influência da doutrina Monroe, através da palavra-chave “desnacionalização”. Os alemães
eram acusados de querer formar um Estado dentro do Estado brasileiro, de transformar os três estados do
sul em uma verdadeira colônia alemã ou simplesmente de pretender a emancipação política do sul,
criando um estado independente. “A colonização foi interpretada como “colonialismo” e os colonos
acusados de serem agentes do expansionismo alemão, quando na verdade o que se constituiu em algumas
áreas do sul do país foi uma cultura e um grupo étnico teuto-brasileiro – cidadãos certamente não
assimilados e fortemente identificados com uma ideologia germanista, mas de modo algum dispostos a
assumir o papel de potenciais cidadãos do Reich” (Seyferth, 1988:21). Talvez por isso, ainda hoje o termo
“alemão” seja usado em muitos lugares como uma categoria de acusação aqueles que não pertencem ao
grupo.
34
40
Em outubro desse ano Werner tinha conseguido autorização para trazer os pais para o
Brasil. Mina e Hermann chegaram em 9 de fevereiro de 1939, no porto de Santos. Até
1940, a metade dos judeus da cidade onde Mina nasceu, Weingarten, ou emigraram para
diversos lugares ou foram deportados. Entre eles, os pais de Mina, para Gurs e
Auschwitzs. Os dois irmãos e as duas irmãs de Hermann foram mortos pelos nazistas.
Selma, filha de Abraham, um desses irmãos, conseguiu fugir para os EUA. Só me foi
possível recuperar essas informações sobre a família.
Olga e Werner nunca falaram sobre o que se passara na Alemanha. Werner se irritava
com barulhos repentinos: uma porta que batia com o vento, fogos de artifício, a
campainha que tocava de uma visita inesperada, ou mesmo o som do telefone. O não
dito não doía menos, por ficar no silêncio. Sobreviver não foi simples.
Mina e Hermann desembarcaram no porto de Santos e foram viver em Tremembé, São
Paulo. Distante do centro da cidade, Tremembé atraía imigrantes europeus,
principalmente alemães, pela sua topografia e clima, próximo à Serra da Cantareira. A
presença alemã ainda era marcante na década de 1960, quando o bairro contava com o
periódico “Notícias Alemãs” que divulgava informações sobre o país e dedicava uma
página à memória dos alemães que marcaram o bairro (Bazani, 2008). Hermann morreu
em 1957 e Mina, que viveu até 1966ix foi viver na Sociedade Religiosa e Beneficente
Israelita, fundada em 1937, pela mãe de José Mindlin35.
Ainda na década de 1930, Werner Reinheimer trabalhou no comércio, inicialmente
como representante de relógios – será que produzidos em Pforzheim? – e em agosto de
1937, vinhos. Segundo o DOUx, era sócio de Giannini e Acherinto, imigrantes italianos
que se tornaram fabricantes de vinho no Brasil. Segundo Cytrynowicz (2002), entre
1937 e 1945 os imigrantes em centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro que
tivessem ocupações urbanas como profissões liberais, ofícios especializados e
comerciantes encontraram oportunidades de ascensão econômica diante da acelerada
urbanização, industrialização, as restrições às importações, e às possibilidades de
desenvolvimento abertas na indústria e no comércio locais. Essas possibilidades de
ascensão não estavam condicionadas a características étnicas, mas ao perfil urbano,
formação escolar e profissional dos imigrantes e às oportunidades objetivas de
desenvolvimento industrial e às formas de organização comunitária.
Segundo Olly, Vera Mindlin cunhada de José Mindlin, foi a segunda pessoa a usar uma roupa feita com
seus tecidos. Ver MA-33.
35
41
Um exemplo oferecido pelo autor é o caso do imigrante italiano e judeu Giorgio
Mortara que emigrou para o Brasil para ocupar o cargo de presidente do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e coordenar o censo de 1940, após ter sido
afastado dos cargos que ocupava em 1938, na Itália. Cytrynowicz (2002) argumenta que
um imigrante, refugiado do fascismo, tornar-se coordenador do censo brasileiro, quando
se discutia no Brasil os parâmetros “desejáveis” de povoamento, indica que na prática
cotidiana o antissemitismo no País não pode ser comparado com o que se viu na
Europa.
“O antissemitismo esteve presente nos anos 1930 e 1940 em importantes círculos do
governo, especialmente o Itamaraty, e sua mais grave consequência foram as circulares
secretas que restringiram a imigração de judeus ao Brasil a partir de 1937. Este
antissemitismo produziu episódios terríveis, como a história dos três mil vistos a católicos
não-arianos que o Vaticano solicitou ao governo brasileiro e que, em sua maior parte,
acabaram sendo recusados, conforme o livro do historiador Avraham Milgram, e centenas
de histórias trágicas de refugiados que não puderam entrar, conforme as pesquisas de Maria
Luíza Tucci Carneiro. Neste sentido, não há dúvida de que a política do governo brasileiro
foi conivente com o antissemitismo na Europa. Embora o Estado Novo tivesse núcleos
ideológicos afinados com regimes de extrema direita, como os de Portugal e Polônia, com o
fascismo italiano e mesmo com o nazismo alemão, não se pode, no entanto, defini-lo como
um regime fascista ou nazista, historiograficamente falando” (Cytrynowicz, 2002: 396).
O preconceito esteve presente na atuação da Ação Integralista Brasileira — movimento
e partido fascista –, entre 1933 e 1937. No entanto, a história dos judeus e do
antissemitismo no Brasil não se sobrepõem. Na década de 1930, “a comunidade judaica
manteve pelo menos três programas de rádio no Rio de Janeiro e em São Paulo, em uma
época em que o rádio era o principal meio de comunicação de massa e controlado pelo
governo Vargas” (Cytrynowicz, 2002: 400).
Ainda que ditadura Vargas a partir de 1937 e o movimento integralista tenham dado
visibilidade ao discurso antissemita das elites brasileiras, isso não impediu também a
formação de uma congregação judaica alemã. Até 1936 os judeus alemães no Rio
frequentavam os serviços religiosos da comunidade belga que, mais tarde, deu origem à
Sinagoga de Copacabana. A partir desse ano começaram a se organizar até trazer o
Rabino Heinrich Lemle e sua família, com a ajuda de Lilly Montagu, presidente da
World Union for Progressive Judaism em Londres, para fundar no Rio uma
42
congregação liberal36. A primeira diretoria da congregação foi formada em janeiro de
1942.
Erika lembrou, com saudade, que Werner Hasenberg a levava junto com seu irmão para
assistir aos serviços dessa sinagoga, enquanto Clara tomava o bonde para ir ao Centro
do Rio: quando era época de páscoa, a minha mãe pegava um bonde e ia até a Lapa,
porque lá tinha umas casas que vendiam a Matze. Grandes assim. Eram redondas num
papel azul com, azul como aquele almofada ali. É, um papel grosso, não? Assim. E ela
trazia sozinha essa... Não sei quantos comprava, dois ou três dessa coisa... Para ter
Matze em casa em shabat de páscoa. Isso me lembro também. Sabe como eu gostava da
Matze? Fazia por exemplo uma taça de chocolate, não? Com Nesquik... E chocolate...
Os pedacinhos, né, quebrava todos os pedacinhos e fazia assim (gesticula). Ficava
como um pudim e comia isso37. Dessa maneira também, Olga e Werner ofereciam
Matze ao filho e aos netos.
Em 1939, Olga e Werner se casaram, três semanas antes da chegada de Mina e
Hermann. Com o casamento, ela abandonou o sobrenome e o nome do meio, passando a
assinar Olga Reinheimer. Desde o final de 1938, os dois estavam morando em São
Paulo, Werner na rua Fernando de Albuquerque número 64 e Clara, Olga, Egon e Erika,
no número 68, da mesma rua. Egon estudava no Mackenzie nessa época. Provavelmente
a ida de Werner e Olga foi para preparar a recepção de Mina e Hermann. Receber os
pais com uma nova família – o casamento, autorizado em dezembro de 1938, pelo
Estado de São Paulo, foi realizado em 20 de janeiro de 1939 e Mina e Hermann
chegaram em 9 de fevereiroxi –, era certamente uma forma de minimizar o afastamento
da família e dos amigos, a perda do açougue, da visão e da vida como conheciam até
então. No entanto, não havia atmosfera para festa. O casamento ocorreu apenas no civil.
O fato de Erika se lembrar da relação de Ladislau Vamos com a fabricação de sorvetes,
empresa constituída em 1949, e a presença da família Reinheimer em São Paulo em
1939 leva a crer que o contato com o pai de Olga aconteceu depois da chegada dos pais
de Werner e da constituição da família Reinheimer, com o nascimento de Rene.
http://arirj.com.br/origem/ acessado em 13 de fevereiro de 2015
Mesmo lembrando desses episódios, Erika justifica sua conversão ao catolicismo pela falta de relações
com a comunidade judaica. É importante saber, entretanto, que ela se casou com um italiano, cuja história
pessoal de passagens por orfanatos tem um vínculo forte com a Igreja católica como substituta aos
vínculos familiares.
36
37
43
Seis meses depois de casada, Olga engravidou. Erika narra esse período,
entre o anúncio da gravidez e o nascimento do bebê, como um momento
de paz na família, de volta ao Rio de Janeiro: Lembro que punha a
orelha na sua barriga emocionada de sentir o movimento do filho que
ela levava. Eu tinha 13 anos. Olly tinha os pés inchados pela gravidez e
andar tanto buscando casa foi difícil para ela. Mas encontramos em Ipanema na
parada final do bonde de Ipanema, não lembro o nome da rua, era uma casinha
bonitinha. René nasceu numa clínica, não lembro qual, Werner me levou logo para vêlo, era a cara do seu pai, vermelhinho vermelhinho. Eu era tia a 13 anos. Esta foi uma
época muito boa. Lembro que Olly e Werner se chamavam "matzi" entre eles e
maetzichen era René (vinha da palavra pipmatz, ou passarinho)xii. Daí a assinatura de
Werner ser um passarinho ... fazendo cocô.
O apartamento em que o casal morou assim que se casou ficava no Bar 20 - Rua
Henrique Dumont 114, casa 2, apartamento 101. Uma vila, em Ipanema, com prédios de
dois andares. A rua apresenta a paisagem de uma cidade pequena e acolhedora, antes da
urbanização a partir da década de 1960. Ali ficava o ponto final do bonde, quatro
estações depois da casa dos Hasenberg. Erika estudava no Colégio Andrews, na praia de
Botafogo. O mesmo bonde que a levava para casa, pegava também todas as outras
crianças de outras escolas, que moravam no bairro. Na farra que aprontavam no
caminho, todos os dias, Erika ficou amiga de Billy Blanco, Durga (dona do Oxford) e
outros tantos moradores de Ipanema com os quais manteve contato por cartas, telefone
e, mais tarde, e-mail.
Em 22 de março de 1940, nasceu Rene Renato Reinheimer. Para registro no cartório, as
testemunhas foram Rudolf Rothgiesser38 e Josef Leipziger. A história de seu nome
remete ao passado de Werner. Ao fugir da Alemanha, seu cargo no partido foi ocupado
por alguém de nome Rene, morto logo em seguida. O nome do filho foi uma
homenagem a esse companheiro. No entanto, o tabelião exigiu um nome “nacional” e a
tradução então fez com o bebê tivesse o mesmo nome em dois idiomas, Rene Renato.
Ainda que o nome tenha sido uma homenagem a um colega de militância, o significado
em si não passa despercebido. O nome indica um renascimento, ou dois. De quem ou do
que? Da dispersão das famílias de ambos no Holocausto? Do antissemitismo e da
38
Alemães suíços, Rudolf e sua esposa, Josefina, foram grandes amigos do casal até a morte.
44
guerra? Ao atentado que matou o colega de Werner? Do peso de ser filha “ilegítima”,
redimido na constituição de sua própria família? Duarte e Gomes, a partir da pesquisa
sobre uma família de pescadores de Jurujuba, definem família como “uma rede, mais ou
menos ampla, da qual uns se afastam e outros se aproximam, num jogo complexo em
que o que permanece é o reconhecimento de um fio comum, elástico, unindo família,
localidade e pesca – três dimensões do pertencimento comum” (2008:84).
Na trajetória de Olly e Werner investigo duas famílias que se tornaram uma, mas
também uma outra forma de parentesco não-consanguíneo, um pertencimento cujo fio
comum, para além da noção de rede, com suas aproximações e afastamentos, é o jogo
entre sofrimento, perda e migração. No antissemitismo e nos processos migratórios das
décadas de 1930 e 1940, o conjunto de experiências comuns define cada família em si e
o conjunto das famílias que viveram ou fugiram do Holocausto e depois ainda tiveram
que superar as dificuldades da chegada em um novo país e o impacto dos eventos
políticos internacionais no novo contexto. A experiência do refúgio na imigração como
símbolo de pertencimento, a “diáspora judaica”, passa a identificar todos os imigrantes
judeus que passaram pelas humilhações, perdas e abandonos (de si e de outros).
O refúgio ganha força simbólica de unir através da memória do indizível. Diversos
autores falam do silêncio, da dificuldade das pessoas que viveram os anos de 1933 a
1945 na Alemanha e outros países invadidos por Hitler ou que tiveram relações com o
nazismo. O sofrimento parece se potencializar em identificação coletiva quando o que
importa não é o que cada um viveu, mas o silêncio que materializa em cada um todas as
experiências, inclusive a de ter sobrevivido. É assim que a união de duas famílias
significa o renascimento dessas famílias e da esperança de felicidade na construção de
novas subjetividades.
É assim que o sofrimento vivido pelos judeus desde o início do século XIX,
principalmente (os diversos progroms ocorridos na Rússia e o Holocausto na
Alemanha), constituem talvez a maior força identitária dos judeus. Contraditoriamente,
o que fez com que tantas vidas fossem perdidas é o que une em torno de uma identidade
pessoas com crenças religiosas e políticas distintas, de nacionalidades e gerações
diversas. O sofrimento então, passa a identificar não mais somente as famílias
individuais, mas também a todos que se identificam de alguma forma com esse
pertencimento, étnico ou religioso, judeus ortodoxos e laicos.
45
Essas vivências são transmitidas entre gerações através de diversas instituições de
memória que existem no mundo, mas que talvez tenham ainda maior força na
Alemanha, palco da definição de normas específicas para enquadramento das pessoas na
categoria dos indesejáveis, tornando as perseguições uma política de Estado.
Instituições como o Centro de Documentação do Nacional Socialismo, em Nuremberg,
a Topografia do Terror ou o Museu Judaico em Berlim, apresentam as perseguições (no
último caso, aos judeus e, nos primeiros, aos diversos grupos como sinti e roma,
homossexuais, estrangeiros, deficientes físicos e pessoas com distúrbios mentais) como
uma forma de falar de um passado que não se deve repetir. Entretanto, também pode ser
percebido por quem se identifica com o tipo de pensamento nazi-fascista como uma
celebração de Hitler e sua proposta.
O Topografie des Terrors (Topografia do Terror) é o lugar onde ficavam os quartéis
generais da Gestapo e da SS. No subsolo dos prédios, que não existem mais, restaram as
ruinas de antigas celas de prisão. Uma parte do muro de Berlin também persiste ali e um
prédio moderno conta a história do nacional socialismo através de enormes painéis em
preto e branco e headphones onde se pode ouvir emissões de rádio e discursos da época.
O Centro de Documentação sobre o Nacional Socialismo, em Nuremberg, conta a
história do partido desde a primeira tentativa de golpe de Hitler, em 1923. O Centro fica
no que restou do projeto político-estético nazista de uma estrutura arquitetônica
neoclássica, em dimensões gigantes. A história é contada nas salas em ruínas de um
“coliseu” construído pelo III Reich para abrigar até 50.000 pessoas.
Fotografias em preto e branco em dimensão quase humana são acompanhadas de textos.
Ao longo de corredor que liga duas salas, somos acompanhados de ambos os lados, por
fotos em tamanho real de prisioneiros de campos de concentração mortos e sons de tiros
e correntes. O fim da exposição é dentro do Salão do Congresso. A sensação de
opressão se completa com uma instalação que simula uma linha de trem. Entre os
dormentes e os trilhos 60 mil placas de ferro, cada uma com um nome específico,
representam, 100 mil pessoas mortas no holocausto. Ao fim da visita me sentia
sufocada. No entanto, se as imagens nos tornam insensíveis, será que esse mal deve ser
ainda mais banalizado do que aqueles que o praticaram já fizeram? O que deve ser
lembrado? O que precisa ser esquecido? E como se deve lembrar? A fronteira entre
educação contra o terror e celebração do terror pareceu bem fluída na Alemanha de
2014.
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No entanto, na década de 1940, a experiência do refúgio e o início da Segunda Guerra
provavelmente parecem ter tido alguma influência sobre uma possível revisão das ideias
antissionistas do casal. No álbum de fotografias do filho, que acompanha os dez
primeiros anos de sua vida, há um alfinete de uma associação de arrecadamento de
fundos para a fundação do Estado de Israel.
Em 1944, através dos documentos do acervo, ficamos sabendo que o casal recebeu um
convite para a festa de Shewuot da “mocidade judaica do mundo inteiro” que convocava
a “juventude israelita” para uma “proclamação da mocidade para a mocidade” sobre o
tema “nós e a religião” que aconteceu em 28 de maio, de 1944, no Botafogo Futebol
Club. O apoio moral se expressava na união em torno dos valores culturais e da história
dos judeus.
A Segunda Guerra tinha recém começado. Getúlio Vargas mantinha relações
econômicas com a Alemanha. Diversas associações de imigrantes enfrentaram
restrições impostas pelo Estado Novo. No entanto, os judeus alemães eram o grupo mais
vulnerável. Na década de 1930 tiveram que se refugiar por serem perseguidos por sua
etnia, entre 1939 e 1942 tiveram que encontrar estratégias para burlar as restrições
oficiais e os discursos antissemitas e após 1942, com a declaração de guerra ao Eixo,
eram confundidos com seus algozes, os nazistas.
Ainda assim, havia espaço para reivindicação. Cytrynowicz cita o editorial da revista
semanal do Rio de Janeiro, “Aonde Vamos?”, de março de 1945, que “mostrava uma
postura altiva da comunidade judaica, cobrando posição do governo federal sobre
imigração, sem qualquer constrangimento”. O editorial exaltava a falta de preconceito
no Brasil fazendo referência a suposta “democracia racial”39, mas terminava
argumentando sobre a contradição na atitude das autoridades ao colocar judeus alemães
“na mesma posição dos demais súditos do Reich” (2002: 416).
Para além disso, havia ainda as complicações, que atingiam famílias mistas, numa
guerra entre todos os países europeus. Heinz S. falou de algumas dificuldades nessa
época por ser casado com uma imigrante russa, sendo ele alemão. Estando Rússia e
Alemanha em lados opostos e o Brasil assumindo posições distintas antes e depois de
1942, a solicitação de salvo conduto para idas à Petrópolis, por exemplo, fazia com que
Essa expressão foi inventada por Artur Ramos, em uma palestra oferecida na UNESCO, para classificar
uma determinada linha de pesquisa sobre relações interétnicas no Brasil, financiada por essa instituição na
década de 1950.
39
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apenas aquele cônjuge imigrante do país com qual o Brasil estivesse aliado no momento
recebesse a autorização. Assim, durante a guerra o casal além de ter que pedir permissão
para viajar, ficava impossibilitado de fazê-lo junto. Ao menos essa complicação, Olga e
Werner não tinham.
No entanto, fios invisíveis formavam um tecido de preocupações. Na cidade de Werner,
durante os pogroms de Novembro de 1938, depois da antiga sinagoga ter sido
severamente danificada, a comunidade judaica foi obrigada a assumir os custos da
demolição. A cidade como um todo estava envolvida com a guerra. Em 1944, 18.622
trabalhadores, dos quais ao menos 10.000 no sector da defesa, eram provenientes de
Pforzheim. Sua indústria foi fundamental para o desenvolvimento de inovações
tecnológicas. Em algumas áreas, os rádios de bordo tinham até 50% de peças
produzidas em Pforzheim. Nos arredores da cidade havia uma fábrica para a produção
de escudos antiaéreos. Além disso, a cidade tinha um papel fundamental para o
transporte ferroviário de organizações militares.
Em 23 de fevereiro de 1945, a cidade foi quase completamente destruída durante um
ataque aéreo britânico. Em 22 minutos, 17.600 pessoas foram mortas. As bombas e a
tempestade de fogo se abateu sobre a cidade velha, matando quase um terço da
população. Depois do bombardeio de Hamburgo e Dresden, esse foi o terceiro mais
mortal ataque dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Com 98% do centro da
cidade destruído, Pforzheim foi uma das cidades mais devastadas durante a guerra. Em
maio de 1939, a cidade tinha 78.743 habitantes, em dezembro de 1945, 42.402. Se as
informações sobre os campos de concentração ainda não tinham chegado ao grande
público, esse bombardeio foi suficiente para saber que a maior parte, se não todos, os
conhecidos e parentes de Werner tinham morrido nessa guerra.
Talvez a melhor descrição dos sentimentos que ligavam as pessoas através do Atlântico
seja de Stephan Zweig, escrito durante a Primeira Guerra:
Entre os que estão próximos e os distantes flutuam fios invisíveis de amor e de
preocupação, um tecido de sentimento, infinito, encobre agora o mundo, de noite e de dia.
Quantas palavras são sussurradas, quantas orações ditas ao espaço impassível, quanto amor
saudoso flutua através de cada hora da noite! A atmosfera estremece continuamente em
ondas misteriosas cujos nomes a ciência desconhece e cujas oscilações nenhum sismógrafo
é capaz de registrar: mas quem poderia dizer se esses desejos são impotentes, se esse
incomensurável querer, que irrompe ardente a partir das camadas mais profundas da alma,
48
também não percorre distancias como a vibração dos sons e o estremecimento elétrico?
(Zweig, 2013:199)
Um passeio pelo que foi no passado a área principal da cidade mostra os 5 prédios que
ainda possuem pedaços do que foi sua arquitetura antes do bombardeio. No meio da
Floresta Negra, as ruínas do burgo Liebeneck resistem hoje, com dificuldade, ao verde
da mata que domina.
Os Reinheimer e os Blank testemunharam nos primeiros decênios do século XX a
Alemanha se tornar uma república, o mundo ocidental se dividir entre capitalismo e
comunismo – ainda que posteriormente fosse possível perceber que se tratava de fato de
uma disputa por formas distintas do liberalismo –, a transformação do preconceito
contra os judeus em um novo fenômeno social que passou a ser identificado pelo termo
antissemitismo e tiveram que abandonar o mundo conhecido para se refugiar numa nova
terra, com idioma, costumes, valores, clima completamente diverso.
No Brasil, o contato com pessoas que tinham experiências parecidas devia tornar o
drama e a sensação de perda de identidade, mais amenos. Isso se dava através de
diversas instituições. Nesse período e durante a década de 1950, Werner, Olga e Rene
frequentavam, duas vezes ao ano, uma associação recreativa que ficava em Nova
Friburgo, “Recanto Saudoso”. Os donos eram Henrique e Kätte Witchell e os
frequentadores imigrantes ou descendentes de imigrantes: os Walter, os Roost, os
Brock, Hanzele e Tante Magda. Nas caminhadas, passeios a cavalo, o violão entoado
por Werner com cantoria de todos e as festas à fantasia reforçavam em torno desses
imigrantes o sentimento de pertencimento a um mundo próprio, distinto do universo de
valores cariocas. A sensação de familiaridade era tanta que, em uma carta de 1950xiii,
ficamos sabendo que Rene foi sozinho, pois os pais iam a São Paulo, provavelmente
visitar Mina e Hermann.
Nova Friburgo e Petrópolis são as principais experiências de colonização com
imigrantes no Rio de Janeiro. Segundo Carneiro, a escolha dessa região para o
estabelecimento de uma colônia de imigrantes oriunda de Cantão de Friburg, na Suíça,
se deu devido ao clima, “tido como mais próximo ao da região de origem dos
migrantes” (Carneiro, 2000:45). O convívio com estrangeiros contribuía para a
constituição de redes de solidariedade e sociabilidade entre os imigrantes.
49
No entanto, se a ida à Petrópolis ou Friburgo não era problema para o casal, outra
dificuldade se impunha: a imagem do judeu-comunista, alemão ainda por cima.
Segundo Lesser, a imagem do judeu comunista começou a se construir a partir da
Segunda Guerra. Outro autor, entretanto, situa o surgimento dessa imagem, como um
mito político moderno, a partir da Revolução de 1917 e os movimentos fascistas (Motta,
1998). Segundo Motta, esses foram os marcos temporais tanto da mudança do teor do
preconceito contra os judeus de uma dimensão religiosa para uma dimensão social e
política como do surgimento do “mito”40 da conspiração judaico-comunista pela junção
no discurso conservador de comunismo e judaísmo. Interessa menos questionar esses
marcos temporais, objeto de disputa entre historiadores, do que o fato dessa imagem
contribuir para complexificar a questão do antissemitismo e da xenofobia.
Segundo Motta, esse mito da conspiração dos judeus para a instalação de uma ditadura
comunista foi resultado de uma associação entre a “militância revolucionária e do
comunismo à figura do judeu – apresentado como artífice máximo do “perigo
vermelho” (1998:93)”. O impacto da formação socialista nos judeus foi tão importante
que alguns autores situam a opção política e não a proveniência nacional como principal
marco identitário entre a comunidade judaica formada no Brasil hoje (Lourenço Neto,
2008 e Bahia, 2007). Essa sobreposição de judaísmo e comunismo levou a perseguições
de judeus militantes e não militantes na década de 1930 (Blay, 1989).
Segundo Rene, Werner Reinheimer se filiara ao Partido Comunista no Brasil loog que
chegou. Assim, tinha algum envolvimento com a política local, além de suas atividades
no comércio, ainda que não se saiba exatamente o que ele fazia. Segundo Geny
Marcondes, ele fazia a contabilidade para um grupo de alemães comunistas do Rio de
Janeiro denominado Alemães Livres41. Os entrevistados que o conheceram então,
recentemente contatados, falaram de sua simpatia pelo comunismo e, por contraste, de
suas próprias posturas políticas e do temor de serem associados a essas simpatias, ao
atribuírem-lhe a alcunha de “comunista festivo”. Apesar de sabermos que na década de
1960, após o Golpe civil-militar, ele ter sido preso e questionado por seu envolvimento
político, não temos informação de nenhum reflexo disso durante ou logo após a
Segunda Guerra. Certamente, ser alemão, judeu e comunista durante a Guerra Fria não
A noção de mito supõe para o autor a narrativa fabulosa normalmente relacionada a um tempo
imemorial, portadora de uma explicação para a origem, com ensinamentos morais; uma ilusão oposta à
realidade; e a ideia de uma construção dinâmica que incita à ação. O mito da conspiração judaicocomunista seria um “mito político moderno” dotado de elementos d e todas essas definições.
41
Entrevista concedida em 1998.
40
50
deve ter sido fácil e uma das formas de lidar com isso deve ter sido se envolver com a
esquerda judaica, não apenas alemã. Provavelmente vem daí sua ligação com
instituições como a Kinderland e a Associação Scholem Aleichem.
Em cartas de Rene para os pais, ele faz referência à colônia de férias Kinderland, a
Associação Scholem Aleichem – ASA, e à Casa do Povoxiv. Fundada em 1952, a
Kinderland foi um desdobramento da AFIB – Associação Feminina Israelita Brasileira –
antiga Vita Kempner (luta da vida), criada por um grupo de mulheres imigrantes do
leste europeu. O empreendimento visava dar continuidade ao trabalho com “órfãos de
guerra” a partir de comissões organizadas por bairros, regiões e Estados do Brasil.
O grupo desenvolvia atividades culturais como o Círculo de Leitura e debates sobre a
ordem social vigente e a cultura inspirados em artigos da imprensa nacional e
internacional e da literatura ídish. Existia ainda o “clubinho I Peretz”, onde adolescentes
a partir de 13 anos participavam de atividades culturais (teatros, cinemas, palestras)
seguidas de debate. A Colônia era composta de colonistas, coordenadores e monitores.
Estes passavam por um curso de formação que buscava transmitir conhecimentos sobre
a criança, as atividades que seriam desenvolvidas e o espirito de coletividade e de
convivência grupal, como num shtetl (aldeia) (Bahia, 2010).
Tanto a colônia de férias Kinderland, como a Associação Scholem Aleichem, fundada
em 1964, eram importantes para a consolidação de redes de solidariedade e
sociabilidade judaica. Essas instituições tinham um papel político na sociedade nacional
na formação dos jovens filhos das famílias dos membros em termos de discussão e ação
em causas sociais. Segundo Bahia (2010), principalmente em seu início, essas
organizações lutavam para a preservação do (ídish) e de uma cultura progressista, ao
mesmo tempo que buscavam integração com o povo brasileiro na luta pela emancipação
econômica, política e social. As atividades culturais promovidas por essas associações
tinham como objetivo, além da manutenção da integração à sociedade local, o
aprimoramento do ponto de vista de uma formação socialista.
Como todos os pais e mães fundadores dessas instituições já morreram, não foi possível
descobrir como Werner e Olga chegaram a elas. No entanto, sabe-se tanto por
comunicação pessoal, como pela carta de Rene constante no arquivo que ele fazia parte
do “clubinho I Peretz” e depois do coral da ASA. Nessa carta, ele fala da visita à Casa
51
do Povo, do clube de leitura e do teatro onde assistiriam – De homens e ratos, que “já
estava em cartaz a alguns meses no Teatro de Arena-SP”.
O texto do americano John Steinbeck fala do impacto da Grande Depressão
principalmente nas migrações de trabalhadores das periferias urbanas. Por meio de um
conjunto de valores morais e referências subjetivas, Steinbeck
“construiu uma leitura histórica que buscou interpretar, denunciar e retratar os problemas
postos pela evolução histórica estadunidense, cujos desdobramentos eram, em grande
medida, o gradativo aumento da hegemonia do capitalismo monopolista e suas ramificações
por sobre os mais diversos rincões da vida social do país” (Kölln, 2014).
O texto de Steinbeck fala também de uma solidariedade para com os despossuídos.
Tanto a visita à Casa do Povo, como o teatro e o clube de leitura – que Rene diz não ter
acontecido afinal – são parte do processo de formação da juventude dentro dos valores
morais do socialismo, descrito por Bahia (2010) principalmente em relação ao colégio
Sholem Aleichem de São Paulo. Para Olga e Werner além da formação socialista,
tratava-se de inserir seu filho na comunidade judaica progressista do Rio de Janeiro.
Nessa perspectiva, é preciso concordar com Bahia (2007) e Lourenço Neto (2008)
quando estes argumentam que uma das importantes formas de diferenciação dos grupos
de judeus é o posicionamento político e ideológico, em geral mais importante que a
nacionalidade: liberal ou ortodoxo, progressista ou sionista, comunista ou capitalista são
divisores internos, uns podendo ser atravessados por outros. No entanto, talvez devido
aos casamentos mistos de seu filho42, essas redes de solidariedade cultivadas por
Werner e Olga através da participação nas associações judaicas e de imigrantes,
essenciais principalmente nas primeiras décadas depois de sua chegada ao Brasil, não
tiveram continuidade na geração de seus netos.
42
Rene foi casado três vezes, sempre com mulheres católicas.
52
Tecendo um fio da meia, tecendo um fio da meada, tecendo uma fina e delicada
conversa sobre os assuntos mais variados: meias, meadas e bordadosxv
Em 1950 o casal completou quinze anos de Brasil. Um grupo relativamente estável de
amigos já tinha sido estabelecido, entre imigrantes judeus e não judeus, descendentes de
imigrantes e brasileiros. Em 1952 o casal adquiriu o apartamento na Visconde de Pirajá,
entre a rua Farme de Amoedo e a Montenegro, que seria sua residência pelos próximos
quarenta anos. A mudança do Bar 20 para o meio de Ipanema não é sem importância,
haja vista que os bairros não são homogêneos na distribuição de valores morais.
Parte importante dessa mudança foi o investimento por parte de Olga em uma profissão
e, junto com ela, um nome ao mesmo tempo artístico e jurídico, Olly Tecidos. O
pseudônimo é uma corruptela de seu nome, criado por sua mãe, na infância. Em 2014,
quando durante o depoimento de Erika perguntei por Olga, ela falou o nome e logo
emendou: “sempre a chamei de Olly. Acho estranho falar Olga”. A transformação que
uma mudança de nome acarreta assim, pode ser pensada no caso de Olly, como um
processo que começou na sua mudança de estatuto civil, quando casou, tendo
continuidade na transformação de seu apelido de infância em uma pessoa jurídica,
quando ingressou no campo artístico. Trata-se não tanto de um ritual de passagem, ou
de um conjunto de rituais de passagem, como de um processo de construção de
subjetividade.
Olly já tinha começado a trabalhar com arte, antes de se mudar. Segundo Geny
Marcondes, ela, Olly e Maria Teresa Vieira criaram um Clube de Artes Infantil, que
funcionou aos sábados, de 13 às 17h, entre 1951 e 1953. Em 1951 funcionou na
garagem da casa de Geny, na Nascimento e Silva, em 1952, no Colégio Brasileiro de
Almeida, e, em 1953, na filial do Conservatório Brasileiro de Música, no posto 6.
Enquanto Olly ensinava cerâmica, Geny dava aulas de música e Maria Teresa Vieira de
pintura e desenho43. A mudança para o novo apartamento a aproximava da área onde
residiam a maioria dos intelectuais e artistas do bairro.
O endereço estava situado na altura do Posto 9, uma das referências que alçaria o bairro
a categoria de metonímia do Rio de Janeiro e esse, por sua vez, representante do país
43
Depoimento de Geny Marcondes, 1998.
53
nos próximos decênios44. Alguns dos principais atores sociais dessa construção foram
os arquitetos que tiveram lojas de decoração no bairro, todos parte da rede de relações
do casal Olly e Werner. Em 1955, Sérgio Rodrigues (1927-2014), abriu a loja de móveis
Oca, na praça General Osório. A Oca produziu a premiada “poltrona mole”, que ele
inventou em 1957. Nos anos 40, o português Joaquim Tenreiro, que chegara ao Rio em
1928, abriu uma loja de móveis em Copacabana e transformou-a em galeria de arte,
apresentando nomes como Volpi, Goeldi, Scliar, Dacosta, Serpa e outros. Em 1959, por
sugestão de Sergio Rodrigues, mudou-a para Ipanema, onde teve seu apogeu. Na mesma
região, outras lojas de design de móveis eram a Mobília Contemporânea, de Norman
Westwater e Michel Arnauldxvi, a loja de Emeric Macier, a de Chirstian Roule e a Meiapataca, também de Sérgio Rodrigues, uma versão mais popular da Oca. Todos esses
empreendimentos estavam localizados nos arredores da praça General Ozório, duas
quadras do apartamento de Olly e Werner.
Ruy Castro descreveu em seu livro o que ele chamou do “século clássico” de Ipanema,
isto é, entre os anos de 1910 e 1970, mostrando a construção dos valores de uma
contracultura que começou a se constituir principalmente na década de 1950, teve seu
apogeu na década de 1960 e tornou-se hegemônica no final da década de 1970. Nesse
sentido, é possível ler o livro como um resumo do processo de surgimento de uma nova
mentalidade de classe média intelectual que propunha comportamentos, valores e uma
estética tendo Ipanema ao mesmo tempo como palco e personagem em crônicas, prosas,
músicas, peças de teatro, filmes para cinema e programas para televisão. Esse foi o
período de surgimento da Bossa Nova, do Cinema Novo45, da televisão e de projeção
internacional de Ipanema como espaço de experimentação nos costumes.
O período coberto pelo livro é aquele no qual produziu-se certo folclore sobre o bairro,
através da “visibilidade” (Heinich, 2011) de alguns de seus moradores. Castro mostra
essa produção através de 231 verbetes que falam de pessoas e instituições que
compuseram esse ambiente. Propõe assim pensar o cotidiano de um bairro como
fundador de uma nova representação do Rio de Janeiro.
As informações referentes ao bairro de Ipanema foram retiradas majoritariamente do livro de Ruy
Castro, Ela é carioca, de 1999.
45
Joaquim Pedro de Andrade (filho de Rodrigo Melo Franco de Andrade que lhe deu consultoria para a
criação de alguns de seus filmes, entre eles, Macunaíma), Paulo Cesar Saraceni, Mario Carneiro, Cacá
Diegues, todos residentes em Ipanema.
44
54
O bairro ganhou o apelido de República de Ipanema por causa dos políticos que ali
moravam nos anos 50 e 60: Almirante Carlos Pena Bôto, Ministro da Marinha (1892196?); Filinto Strübling Müller, Senador da ARENA, falecido em 1972; Marechal
Henrique Duffles Teixeira Lott, Ministro da Guerra de Juscelino, morava na Vieira
Souto, (1894-1994); O próprio Juscelino Kubitschek (1902-1976), morava no Arpoador,
depois mudou-se para uma cobertura na av. Atlântica, em Copacabana, entre outros.
Nesse período, o Rio de Janeiro era uma representação em escala menor do Brasil. Não
pelos políticos, mas por ser habitada por inúmeros artistas plásticos, cartunistas,
cronistas,
poetas,
designers,
arquitetos,
compositores,
jornalistas,
fotógrafos,
dramaturgos, roteiristas, cenógrafos, figurinistas, atores, diretores de TV, modelos,
estilistas de moda, cineastas, músicos, escritores e esportistas46. Ali, viu-se o apogeu da
Ana Maria Machado (1941- ), jornalista; Franklin Martins; Ana Maria Magalhães (1950- ), filha de
Sérgio Magalhães; Angelo de Aquino (1945- ), pertence à geração de Antônio Dias, Roberto Magalhães,
Rubem Gerschman, e outros que nos anos 1960 participaram da Opinião 65, no MAM, de onde surgiu o
movimento Nova Figuração; Aníbal Machado (1894-1964), escritor, morador da rua Visconde de Pirajá,
487, produziu de 1945 até morrer, todos os domingos, ao cair da tarde, um encontro com os amigos e
desconhecidos em sua casa, que, na década de 1950, ganhou um estúdio projetado por Oscar Niemeyer.
Rubem Braga, Fernando Sabino, Murilo Mendes, Carlos Lacerda, Drummond, Niemeyer, Paulo Mendes
Campos, Vinicius de Morais, Tonia Carreiro, Carlos Thiré, Orígenes e Elsie Lessa, Otto Lara Resende,
Clarice Lispector, Paulo Autran, Portinari, Di Cavalcanti, Guignard, Carlos Scliar, Heitor dos Prazeres,
entre outros eram os frequentadores dessas domingueiras. Maria Clara Machado, sua filha, levava seus
amigos, Anna Letycia, Albino Pinheiro, Kalma Murtinho, Napoleão Muniz Freire e outros. Aníbal diziase comunista, mas não participava do partido e recebia pessoas de todas as linhas ideológicas; Anna
Letycia (1929- ), artista plástica, escondeu pessoas do regime civil-militar, durante os anos mais duros de
repressão. Ex-aluna de Serpa, Oswaldo Goeldi e Iberê Camargo; Antonio Carlos (Tom) Jobim (19271994) foi um dos paradigmas do bairro de Ipanema. Mais ou menos em 1939, foi aluno do alemão Hans
Joachim Koellreutter (1915-2005) que se refugiou no Brasil em 1937, por estar casado com uma moça
judia. Koellreutter foi casado com Geny Marcondes Ferreira (1916-2011); Arduino Colasanti (1936- ) e
sua irmã, Marina Colasanti, chegaram no Rio em 1948 e foram morar no Parque Lage. Eram
frequentadores de Ipanema, Arraial do Cabo, Cabo Frio e Búzios. Foi ele, amigo de Bob Zagury e da
colônia francesa, que levou Brigitte Bardot a Búzios pela primeira vez, em 1964; Bea Feitler (1938-1982)
artista gráfica. Integrou com Jaguar e Caio Mourão a editoria de arte da revista Senhor, chefiada por
Carlos Scliar e Glauco Rodrigues; Enrico Bianco (1918-2013). Calabrês de Roma, chegou ao Brasil em
1938, conheceu Portinari e tornou-se seu assistente; Caio Mourão (1933- ), joalheiro, começou a produzir
joias em 1957 quando trabalhava com Sérgio Milliet na bienal de São Paulo; Carlinhos (Carlos) Niemeyer
(1920-1999) foi o criador do Cinejornal Canal 100, com o narrador Cid Moreira; Geraldo Casé (19282008) levou ao ar pela primeira vez em 1977, o Sítio do Pica Pau Amarelo, pela TV Globo, no ar até
1986. Esteve na Tv Rio, a partir de 1955, e em 1963, estava na TV Excelsior; Milton Dacosta (19151988) e Maria Leontina (1917-1984), moravam na esquina da rua Redentor com Maria Quitéria; Duda
Cavalcanti (1944) manequim da Rhodia, estudou na Suíça e voltou ao Rio em 1962, aos dezoito anos. Di
Cavalcanti fez dois retratos seus; Fausto Wolff (1940-2008), jornalista e escritor, vinha de família nobre
alemã que perdera tudo em séculos anteriores. Wolff nasceu em Porto Alegre (RS) e veio para o Rio onde
se tornou apresentador da TV Excelsior. Em 1968, exilou-se em Copenhagen, de onde enviava matérias
para o Pasquim; Fernando Sabino (1923-2004) escritor, jornalista que contribuiu para a construção do
“tipo ideal” carioca a partir de suas crônicas sobre o que via e vivia em Ipanema; Rubem Gerschman
(1942-2008) seu pai Mira era russo e estava na Alemanha na década de 1930. Em 1936 veio para o Rio,
onde nasceu Rubem; Giles Jacquard (1944-) francês que chegara ao Rio em 1962, namorou Duda
Cavalcanti, trabalhou na loja Oca, de Sérgio Rodrigues; Antonio Guerrreiro, a partir de 1969 o fotógrafo
de moda do Rio de Janeiro; Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988); Josué de Castro morou no Rio na
década de 1940. Em 1951 deixou seu apartamento na Gomes Carneiro e foi para o Fundo das Nações
46
55
contracultura, ou, como era denominado por aqueles que a estavam vivendo, o
desbunde. Nos verbetes estão presentes personagens conhecidos dos brasileiros nessas
diferentes áreas, mas também pessoas desconhecidas do grande público e instituições
como a Banda de Ipanema, os bares, as butiques da época, as revistas criadas por essas
pessoas e os espaços onde se encontravam e formulavam propostas políticas e culturais.
Os comportamentos apresentados no livro como característicos desses personagens são
a “boemia”, a “ludicidade”, a “excentricidade”, a “liberdade em relação às convenções”
e certa “irresponsabilidade”. Parte desses novos valores também podem ser percebidos
nas novas palavras que acabaram no dicionário ou incorporadas na fala cotidiana dos
cariocas: dica47, pô, sifu, bleargh, pichar48, fossa49, aspone50, algumas delas criadas nas
páginas do Pasquim. Além de nova linguagem gráfica que incluía capas de discos,
livros e revista (a revista Senhor sendo a mais paradigmática – de março de 1959 a
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); Juarez Machado (1941), desenhou joias para Caio
Mourão, vitrines de lojas, selos, roupas, rótulos, embalagens, fez mímica no Fantástico. Tudo isso entre
1965 e 1975; Kalma Murtinho (1920-2013) fundou junto com Maria Clara Machado o Tablado, em 1951;
Leila Diniz (1945-1972) fotografou em 1971 com uma barriga de seis meses de gravidez; Millôr
Fernandes, nascido no Méier, mudou-se para Copacabana em 1943. Lá inventou o frescobol, em frente a
uma praça que leva seu nome. Em 1954, mudou-se para Ipanema. Ali, sob o pseudônimo Emmanuel Vão
Gogo, foi responsável pela página dupla de Pif-paf e dez seções não assinadas em O Cruzeiro. O
pseudônimo E. Vão Gogo era a junção de vão, tolo, com gogó, doença de galinha, com Emmanuel de
Emmanuel Kant, filósofo alemão; Roberto Magalhaes (1940). Morava na rua Prudente de Moraes com
Montenegro; Rubem Braga (1913-1990), cujo último apartamento foi uma cobertura na rua Barão da
Torre, 42; Carlos Scliar (1920-2001) que veio para o Rio em 1956; Cesar Thedim (1930-2000) arquiteto
convidado para calçar a rua das Pedras, em Búzios. Ao final do projeto o prefeito questionou como os
carros passariam na rua e sua resposta foi que o propósito é que não passassem; Carlos Vergara,
apelidado de “Che Vergara” por seu posicionamento político, foi presidente do Conselho de Proteção ao
Patrimônio do Rio de Janeiro, tendo sido decisivo para a preservação do espelho d’água da lagoa Rodrigo
de Freitas e da enseada de Botafogo; Vinicius de Morais (1913-1980) foi uma síntese das influências
opostas que constituíram os anos 1950/1960: formação erudita x as esquinas e o papo-furado; Yllen Kerr
(1924-1981), gravador premiado no Salão Nacional de Belas-Artes, em 1952; Ziraldo (1932), nasceu em
Caratinga (MG) e chegou ao Rio em 1950 e em 1960 tinha uma revista em quadrinhos só para seus
personagens – Pererê. Em 1969 criou Flicts que revolucionou a ideia de livro infantil e, em 1980,
publicou O menino maluquinho; Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1997), foi casado com Márcia
Barrozo do Amaral; Zózimo Bulbul (1937-2013), modelo e ator negro que sentiu na pele o preconceito
carioca por ter sido casado com diversas mulheres brancas da classe média - Lilian Weinberg (irmã de
Marilia Kranz), de 1966 a 1968, Vera Figueiredo, de 1971 a 1974; e Biza Vianna, de 1978 a 1991; Zuzu
Angel (1921-1976), a estilista teve seu primeiro ateliê em sua casa, na rua Barão da Torre (Castro, 1999).
47
A palavra já era usada em 1969 como uma abreviatura de “indicação”, mas foi consolidada ao ser usada
por Olga Savary (1933) em uma seção do Pasquim (Castro, 1999).
48
Cujo sentido era espinafrar com classe. Segundo Castro, seu inventor pode ter sido Ronaldo Bôscoli. Se
não foi ele, era um grande usuário do ato ao qual o verbo aludia.
49
Gíria criada nos anos 50, por Liliane Lacerda de Menezes e Alfredo Ceschiatti com base no filme Na
cova da serpente (1948), no qual Olivia de Havilland sofria uma depressão forte. O título do filme em
italiano se chamou La fossa delle serpente. “Na fossa” então passou a ser usado para significar estar triste,
deprimido. A fossa era o estado de espírito da juventude na época, como o spleen fora em outro período,
talvez embalados pela situação do mundo e o impasse do ser humano no auge do existencialismo.
Enquanto o futuro chamaria esses anos de “dourados”, na época ninguém imaginaria o uso dessa metáfora
(Castro, 1999).
50
“Assessor de p* nenhuma”, inventada por Roniquito de Chevalier, irmão de Scarlet Moon de Chevalier
para se referir ao seu cargo na Globo, na década de 70 (Castro, 1999).
56
janeiro de 196451), mas também o uso dos asteriscos como substituição aos palavrões
que passaram a fazer parte da linguagem corrente no jornalismo como mais uma forma
de fugir às convenções morais de bom comportamento e de ser mais fiel à fala
cotidiana. A aura de futilidade que cercava esses moradores foi em parte o que permitiu
o florescimento ao mesmo tempo de uma oposição armada e outra pacifista através das
novas propostas artísticas e culturais.
Castro atribui o surgimento desse espaço moral distinto do resto do Rio devido às levas
de imigrantes europeus que Ipanema recebeu desde a década de 1910, com importantes
reforços a partir da década de 1930. Parte dos imigrantes alemães do Rio de Janeiro se
encontravam em Ipanema, o que pode ser percebido também por alguns
empreendimentos comerciais do bairro.
O Bar Lagoa, na avenida Epitácio Pessoa, 1674, por exemplo, fundado em 1934 com o
nome Bar Berlim, pertencia a um casal de alemães e tinha um quarteto que tocava
valsas vienenses. Em 1942, com a decisão de Hitler de afundar navios na costa
brasileira, o bar foi atacado pelos cariocas e este, como o bar Rhenania (1935-1995 – na
Visconde de Pirajá, 80), trocaram seus nomes. O Bar Berlim passou a se chamar Bar
Lagoa52 e o Rhenania, Jangadeiro. Só o Zeppelin resistiu e manteve o nome. Ao mesmo
tempo, morava em Ipanema, na década de 1930, Filinto Müller, simpático ao nazismo,
assim como trabalhava no Bar Zeppelin o garçon Orlando, que se suspeitava ter sido
agente da Gestapo. Na Lagoa cuidava dos pedalinhos, entre 1945 e 1951, Herbert
Cukurs, alemão que foi preso no Uruguai, como o “carniceiro de Riga”, responsável
pela morte de 30 mil judeus do Báltico (Castro, 1999). Outro nome que aparece
relacionado a Wiesenthal na década de 1960 é Franz Stangl que foi extraditado do
Brasil em 1967, depois de um longo processo, com a contribuição de um brasileiro –
não se fala o nome – informando a Wiesenthal do endereço do nazista53.
Foi assim que os valores das décadas de 1950 a 1970 se constituíram a partir de uma
mistura de grupos sociais distintos, cada um com sua “arma” e seu espaço de produção
discursiva. A fala de Marilia Kranz, cuja família chegou no bairro em 1937, é ao mesmo
Houve outra revista com o mesmo nome, mas proposta distinta, editada pelo grupo São Paulo, em
meados de 70.
52
Em 1993, último bar legitimamente art decô da Zona Sul, foi tombado pelo Patrimônio Cultural da
prefeitura (Castro, 1999).
53
Ver
Simon
Wiesenthal
Archive
em
http://www.simon-wiesenthalarchiv.at/02_dokuzentrum/02_faelle/e02_stangl.html
51
57
tempo uma constatação e um ato de instituição (Bourdieu, 1982): “quem se mudava
para lá já era meio off de alguma maneira” (Castro, 1999:12).
Contribuiu para a reformulação dos símbolos e valores a modernização da imprensa
brasileira na década de 1950. Segundo Queiroz, o grupo de cronistas que viviam em
Ipanema entre 1950 e 1970 contribuiu para a construção do “tipo ideal” carioca:
“caracterizado por sua dimensão local, mas, ao mesmo tempo, nacional. Isto é, poderia
ser carioca de nascença ou de espírito, aquilo que os identificava como “cariocas” era o
sentimento de pertencer aquela particular “cidadania”. Isso se tornou tão marcante que a
construção da “cidadania carioca” como “estado de espírito” se perpetuou entre diversos
cronistas durante décadas”. Millôr Fernandes, assim como outros cronistas desse
período, consagraram o mito do Rio de Janeiro como “cidade maravilhosa”, ao tomar a
parte pelo todo e exaltar a singularidade de Ipanema como representação do Rio de
Janeiro e este como representação do Brasil (Queiroz, 2012).
“Ipanema, para os cronistas e intelectuais daquele período, era a vanguarda cultural não
só do Rio, mas do Brasil, com o lançamento de sua moda praia, do jogo de frescobol na
areia, de seus hábitos transgressores, da contracultura, da Bossa Nova, do Cinema
Novo, da esquerda festiva, da Banda de Ipanema” (Queiroz, 2012). Os jovens que
frequentavam o Arpoador entre 1955 e 1963, foram definidos como vivendo “crestados
de sol, mergulha[ndo] em busca de peixes perigosos e v[endo] os pescadores mais
antigos como heróis. Ao mesmo tempo, eram rapazes e moças que liam os autores
franceses e americanos modernos, eram amigos dos intelectuais (Lúcio Cardoso, Rubem
Braga, Paulo Mendes Campos), misturavam-se com o pessoal da Bossa Nova,
emocionavam-se com Chet Baker cantando “My funny valentine”, não perdiam os
festivais da Cinemateca do MAM, faziam gravura ou pintura e iam à casa de Djanira ou
de Enrico Bianco, estudavam teatro no Tablado ou com Adolfo Celi. E, claro, 99%
deles faziam análise” (Castro, 1999:41). Havia um culto à beleza, ao conhecimento e à
autenticidade, a liberdade sexual foi algo vivido, sem programas teóricos, e a moda de
aplaudir o pôr do sol, que surgiu no Arpoador por volta de 1962, foi parte desse
folclore.
Essa construção se deu em contraste com outros bairros e suas temporalidades. Daí
Paulo (Paulinho) Mendes Campos (1922-1991) dizer que a cidade do Rio nasceu velha
e foi rejuvenescendo. No espaço, Campos relaciona o Centro com a velhice (morro do
58
Castelo, conventos, prédios burocráticos do reinado), Flamengo e Botafogo a
maturidade, Copacabana a adolescência, e Ipanema e Leblon a meninice. A
reformulação desses símbolos e valores incluía a valorização da juventude como signo
de modernidade. Passado, presente e futuro expressam sistemas de valores, como
antigo/moderno ou progresso/reação e velhice, maturidade ou juventude são a projeção
desses valores. Daí as lojas que começaram a surgir em Ipanema visando esse público,
“jovem”, “displicente”, “hedonista”.
Entre as décadas de 1960 e 1980, Ipanema foi referência para uma forma de
apresentação de si que se fazia em grande medida pelas roupas e acessórios. Até 1961
não havia nenhuma loja de roupas em Ipanema. Ou se ia até o centro, ou se comprava
tecidos na casa Miro, Alberto ou Madame Faria para costurar. Em 25 de agosto de
1961, Mara McDowell e Georgiana Vasconcellos inauguraram ao lado do Cine Astória
a primeira butique de Ipanema, a Mariazinha. Depois dela, outras vieram: Bibba (19661983), Aniki Bobó (1968-1980), Frágil (1969-1973), Blu-blu (1972-1987), Company
(1972). Essas lojas contribuíam para criar atitudes e comportamentos que definiriam os
estilos de vida dos jovens de Ipanema do período.
Com tecidos fornecidos pela tecelagem Nova América, o proprietário da Bibba, Itajahy,
lançou no brasil a Pepsi-cola, no final de 1968: desfilaram o ator Zózimo Bulbul e Vera
Duvivier, sob direção de Flávio Rangel, com uma chuva de papel-higiênico e alto
falantes tocando “Caminhando” de Geraldo Vandré. A Aniki Bobó, com a participação
do artista plástico Gilles Jacquard, apresentava roupas unissex de veludo amassado e
usava como decoração móveis que, cinco anos depois, seriam vistos no cenário de
Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. A Frágil, com participação do artista Adriano de
Aquino, vestia Gal Costa e seria posteriormente incluída por Aquino como uma etapa
de sua obra na qual cada cliente representava uma instalação. A Blu-blu produzia
desfiles com coreografias criadas pelo dançarino Paulo Cesar de Oliveira e Biza Vianna,
com modelos como Beth Lago, Monique Evans, Xuxa Lopes, Isis de Oliveira e Débora
Bloch. Na virada dos anos 1970 surgiram a Richard’s e a Smuggler.
Outras lojas tiveram vida mais efêmera no bairro: Boutique 12, de Leila Diniz e Vera
Barreto Leite; Voom-Voom, de Danuza Leão; Le Truc, de Marilia Carneiro; Obvious,
de Zelinda Lee, Point Rouge, de Inês Kowalscuk; Flash, de Lygia Marina; Flash-Back,
de Luiz Konder e Christina Gurjão; e ainda outras.
59
Nos colégios do bairro – Colégio São Paulo (Vieira Souto, 22), Notre Dame (rua Barão
da Torre, 308), Colégio Brasileiro de Almeida (rua Saddock de Sá, 276 – depois
Faculdade da Cidade), Colégio Mello e Souza feminino (esquina da Teixeira de Mello e
Prudente de Morais) estudaram diversas pessoas que seriam modelos para as roupas de
Olly ou fariam parte do círculo de amigos do casal – Rosamaria Murtinho, Nara Leão,
Ana Maria Machado, Vera Figueiredo e Rossella (que se tornou esposa de Franco
Terranova).
Duas galerias de arte que existiram em Ipanema nesse período e seus fundadores foram
fundamentais para essa transformação de valores: Jean Bogichi (1928) que nascera na
Moldávia, província da Bessarábia, na Romênia, veio para o Rio em 1947 e em 1960
fundou a Galeria Relevo. Em 1965 e 1966, organizou as mostras Opinião 65 e Opinião
66. Junto com Franco Terranova (1923-2013), na Petite Galerie (1954-1988)xvii, os dois
modernizaram o mercado artístico brasileiro. Terranova, italiano de Nápoles, também
chegou no Brasil em 1947 e fixou residência no Rio em 1953. Começou a trabalhar com
arte contemporânea em 1954, em Copacabana, quando comprou a Petite galerie do
artista Mario Agostinelli (1915-2000). Em 1960, associou-se a José de Carvalho, dono
das lojas Ducal e mudou a galeria para a praça General Osório, em um espaço projetado
por Sérgio Bernardes. Nessa época, segundo Castro (1999), a Petite Galerie foi a
primeira a fazer contratos de exclusividade com os artistas. Foi também a primeira a
vender arte em prestações, como se fazia com eletrodomésticos. Em 1971, rompeu a
sociedade e mudou-se para a rua Barão da Torre, 224 (hoje churrascaria Porcão). No
espaço da General Osório, José de Carvalho fundou a Bolsa de Arte, hoje na rua
Prudente de Morais.
A Petite Galerie trabalhava com artistas como Emeric Macier (1916-1990), Milton
Dacosta (1915-1988), Maria Leontina (1917-1984), José Pancetti (1902-1958), Franz
Krajcberg (1921-), Alfredo Volpi (1896-1988), Di Cavalcanti (1897-1976), Guignard
(1896-1962), Glauco Rodrigues (1929-2004), Rubem Valentim (1922-1991), além de
ter lançado nomes como Jac Leirner (1961) e Ernesto Neto (1964). Segundo Terranova,
"A Petite Galerie não tinha uma linha apenas". "Eu tinha simpatia pelos neoconcretos,
mas expus arte popular, como carrancas do rio São Francisco e ex-votos"54. E como as
contradições faziam parte não só do bairro, mas da própria contracultura, em 1980, o
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao217671/petite-galerie-%28rio-de-janeiro,-rj%29,
acessada em 27 de dezembro de 2014.
54
60
aniversário de Mario Pedrosa foi comemorado na galeria de Jean Boghici. Arte e
política caminhavam juntas nesse espaço físico e temporal que fora considerado o
“desbunde” e a “alienação”.
Ipanema, desde a década de 30, já vinha sendo cenário de intensa atuação política. Em
1935, a casa de Luiz Carlos Prestes (1898-1990) e Olga Benário (1908-1942), ficava na
rua Barão da Torre, 636. Ali perto, já estava o casal Harry Berger e Machla Lenczycki,
do Partido Comunista Alemão. Ipanema foi escolhida por conter muitos estrangeiros,
principalmente alemães. Às quintas e domingos os casais se reuniam com Antônio
Maciel Bonfim, secretário do PC brasileiro e o argentino Rodolfo Ghioldi, na casa de
Berger.
Depois de Prestes, Ipanema manteve-se um reduto de militantes do Partido. Alguns
históricos como Valério Konder (1911-1968), que foi senador pelo partido em 1946,
mas que teve seu mandato cassado junto com o registro do partido. Seus filhos, Rodolfo
e Leandro, se tornariam mais tarde também militantes. O arquiteto Silo Costa Leite,
junto com toda sua família era filiada ao Partido desde a década de 1930. Adão Pereira
Nunes também fora deputado pelo partido em 1946. Ele e sua esposa, Alaíde Pereira
Nunes, uma das fundadoras do PDT, foram amigos próximos do casal Olly e Werner,
assim como Leandro Konder.
Outros simpatizantes foram Ferdy Carneiro, Albino Pinheiro, Mânlio Marat e João
Saldanha, que junto com Silo Costa Leite (e outros que nada tinham a ver com o
Partido) foram fundadores da Banda de Ipanema. Ainda na dimensão política do bairro,
na década de 70, a artista plástica Marília Kranz (1937-) transformou sua casa em um
aparelho da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), acolhendo gente ferida nos anos
de chumbo da ditadura. A artista plástica Anna Letycia (1929), ex-aluna de Serpa,
Oswaldo Goeldi e Iberê Camargo, moradora do bairro nessa época, escondeu pessoas do
regime civil-militar, durante os anos mais duros de repressão. Werner Reinheimer
ajudou algumas pessoas a fugirem do país, entre elas Miguel Arraes, com quem
trabalhou.
Os grupos de interesses comuns em política, arte e cultura contavam com espaços de
encontro tanto nos bares, na praia e nas praças, como em casas de intelectuais como
Aníbal Machado, Lúcio Cardoso, Nelson Dantas, Rodrigo Melo Franco de Andrade,
Mário Pedrosa e Werner Reinheimer, todos moradores do bairro.
61
Ainda na década de 1950, Rene Reinheimer se lembra de ter participado de um encontro
em sua casa com o ucraniano Noel Nutels e outros intelectuais para assistir um filme
sobre o holocausto que tinha sido usado durante o processo de Nuremberg. Pedrosa que
ficara exilado do Brasil entre 1937 e 1945, quando foi morar em Ipanema, ajudou a
fundar o Partido Socialista Brasileiro e recebia em sua casa, na Visconde de Pirajá, no
mesmo quarteirão que o casal Olly e Werner, artistas e intelectuais para discussões
acaloradas55. Entre 1953 e 1962, Nelson Dantas, ator e diretor de TV, teatro e cinema,
manteve sua casa aberta, na praça Nossa Senhora da Paz, aos sábados à noite, para
amigos e amigos de amigos.
A partir de 1964, Plinio Doyle também passou a abrir sua casa para debates. O início da
ditadura exigia que as pessoas se mantivessem em contato em seus espaços privados, já
que os espaços públicos eram cada vez mais inseguros. Aos sábados à tarde, desde o
natal de 1964, vários amigos romancistas, historiadores, memorialistas, poetas, e outros
apareciam para conversar na casa de Doyle. Em 1974, Raul Bopp batizou o evento de
sabadoyle e o apartamento que tinha sido no número 62, da rua Barão de Jaguaripe,
transferiu-se para o número 74, mantendo os encontros pelas décadas seguintes, até a
morte de Plínio, em 1988. Todos esses espaços de reuniões, assim como os vernissages
nas galerias de arte que ficavam ou não nas lojas de móveis, eram importantes espaços
de socialização, rituais de comunicação onde se trocavam valores relativos a
comportamentos, ideias, objetos e nomes.
Bourdieu (2004) chama atenção para o valor da residência privada que se define por
referência às características sociais do bairro onde ela se situa e das características
sociais da população dos moradores, como um efeito de clube. Produzem-se, a partir
desses espaços, mapas sociais baseados nas distinções entre bens, aos quais os
consumidores têm ou não acesso privilegiado e das possibilidades de encontros ao
mesmo tempo fortuitos e previsíveis no simples ato de descer para comprar pão, por
exemplo, mas também na frequentação de certos lugares e na apresentação de si na
condição de produtor artístico. A participação nesses espaços se dá principalmente
através do consumo de símbolos apropriados ao seu “estilo de vida” (Miller, 2007)56.
Lygia Clark, Lygia Pape, Aluísio Carvão, Ivan Serpa, Hélio Oiticica, Antonio Candido, Hélio
Pelegrino, Lidia Besouchet, Janio de Freitas, Newton Carlos, José Sanz, Ferreira Gullar, Oliveira Bastos,
Carlinhos Oliveira, Reynaldo Jardim eram alguns dos nomes que ali se reuniam (Castro, 1999).
56
Miller, Daniel. Consumo como cultura material. In Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n.
28, p. 33-63, jul./dez. 2007
55
62
O consumo é uma forma de comunicação, um sistema para troca e controle de
informação (Douglas e Isherwood, 2013). Os objetos da cultura material – roupas,
acessórios, carros, móveis, residências, exposições, peças de teatro, frequentação de
cinemas, equipamentos eletrônicos, entre outros – são comunicadores de valores e
demarcadores de fronteiras e o acesso a eles não é meramente uma questão econômica,
mas também do aprendizado de sua utilidade simbólica. Assim, as escolhas refletem
valores morais e carregam significados relevantes e, nesse sentido, podem comunicar
algo sobre o indivíduo, o grupo, a classe social.
Não é coincidência que a trajetória de Olga e Werner Reinheimer, a partir da década de
1950, tenha tomado um rumo bastante diferenciado do que até então se viu. Ainda que a
simples mudança de endereço não seja suficiente para compreender essa mudança. Não
existem informações precisas sobre como Olga resolveu transformar seu interesse em
arte em atividade prática. Entretanto, certamente, a vizinhança contribuiu para essa
decisão direcionando seu olhar a partir de percepções compartilhadas por sua rede social
incorporando formas de compreender o fenômeno artístico e os valores exaltados por
seus vizinhos. Quase todos os atores sociais que aparecem no livro de Ruy Castro
(1999) fizeram parte da rede de relações de Olly e Werner. Só para citar alguns
mencionados por ela, Olga diz ter convivido na praça Nossa Senhora da Paz, quando
todas levavam seus filhos para brincar, com Thea Schneider, Sara Gerchman, mãe de
Rubem Gerchman, e Bea Feitler (1938-1982)xviii.
A complementaridade do casal Olly e Werner, ele comunista e ela interessada em arte e
detentora de uma sensibilidade condizente com os novos valores artísticos defendidos
pelo grupo de pessoas que comporia o campo artístico das décadas de 1950 a 1970 no
Brasil – isto é, Rio de Janeiro e São Paulo – provavelmente foi o que levou ao incentivo
de sua dedicação à arte e sua aproximação com Franco Terranova, Mário Pedrosa,
Carlos Vergara, Roberto Magalhães, Anna Letycia e tantos outros essenciais para a
formulação dos valores da “juventude carioca”, que representou o Brasil, na segunda
metade do século XX.
No entanto, uma dimensão subjetiva também pode ter tido impacto nessa mudança de
direção: o padrasto de Olga, sendo alemão, não conseguiu renovar seu contrato com a
Philips, empresa holandesa, depois da guerra, o que o fez reemigrar para os EUA.
Werner Hasenberg foi para a universidade de Princeton, para onde a mãe de Olly só
63
pode ir alguns anos depois. As leis migratórias daquele país dividiram o casal, pois as
fronteiras estavam abertas para alemães, mas não para russos, após o fim da guerra. A
irmã de Olly, Erika, casou-se com um italiano que veio ao Rio de Janeiro e os dois se
mudaram para Roma, em 1950. Nesse ano, o filho do casal tinha 10 anos e, aos 36 anos,
Olly provavelmente sentiu-se tentada a buscar novos investimentos. A situação
financeira do casal não era confortável, o que se percebe pela constante reclamação em
suas cartas da dificuldade de Werner em pagar as contas sozinho. Assim, ao contrário
das representações de uma necessidade interior que levaria um artista a se dedicar à arte,
o contexto e as necessidades materiais do casal provavelmente levaram-na a investir em
algo que já lhe despertara interesse antes, o fazer artístico.
Fayga e Heinz Ostrower eram amigos do casal Reinheimer. Ela nasceu na Polônia, em
1920 e imigrou para a Alemanha, em 1921. Ele era alemão e comunista. Ambos judeus,
se refugiaram do nazismo no Brasil na década de 1930. Os dois casais se conheceram
antes de se casarem. Não se tratava propriamente de uma amizade de navio57, mas de
muitas outras vivências semelhantes. A proximidade entre os dois casais, assim como a
distinção entre eles, pode ser percebida na reclamação de Olly em ser convidada para as
festas de aniversário e de fim de ano na casa de Fayga, mas não para as reuniões com
intelectuais e artistas.
Fayga já cursara artes gráficas na Fundação Getúlio Vargas, na década de 1940, onde
estudara xilogravura com o alemão Axl Leskoschek (1889-1975). Na década de 1950, a
artista se engajava no embate artístico adotando a linguagem abstrata. Em 1954
começou a dar aulas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro58. Não cabe aqui
elaborar justificativas para a distância social, mas imaginar que o interesse comum por
arte tanto com Fayga como com outras pessoas que moravam em Ipanema possa ter
levado Olly a tomar contato com Margareth Spencer, sua primeira professora de arte no
Brasil, provavelmente ainda no final da década de 1940 ou em 1950 – haja vista que,
segundo Geny, em 1951 ela já estava ensinando cerâmica para crianças.
O fato de não se saber exatamente quem apresentou Olly a Margareth Spencer ou quem
a estimulou a se dedicar a arte retira o caráter individualista muitas vezes implícito no
Referência ao sentimento de parentesco que se formava entre aqueles que vinham juntos no mesmo
navio
representada
no
filme
de
mesmo
nome
de
Sérgio
Oksman,
http://www.sergiooksman.com/irmaos_eng.htm, de 1997.
58
Sobre Fayga, Instituto Fayga Ostrower e Enciclopédia Itaú Cultural: http://faygaostrower.org.br/aartista/homenagem-aos-90-anos e http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa435/fayga-ostrower
57
64
ingresso no campo artístico. Olga vivia em uma vizinhança cuja linguagem era a da
renovação estética e dos costumes. Sua juventude na Alemanha tinha sido de convívio
com essa mesma linguagem. Os objetos físicos são só uma pequena parte do processo
ritual de reciprocidade que é o consumo enquanto linguagem. Uma outra tão ou mais
importante a ser considerada é o compartilhamento de nomes. Quem indica quem para o
quê é parte de um sistema de controle de informações que tem o poder de direcionar e
definir quem muda de status, de desconhecidos para conhecidos, de dispensáveis para
indispensáveis. Como colocam Douglas e Isherwood,
“De fato o que está sendo transacionado na esfera mais alta é realmente o conhecimento
compartilhado sobre uma rede de confiança mútua. Os bens reais são a ponta visível do
iceberg. O resto é um catálogo submerso classificado de nomes de pessoas, lugares, objetos
e datas. A principal atividade é uma tentativa contínua de padronizar seus valores da
maneira mais precisa possível. O que está sendo mantido na esfera mais alta, e ali contido
na medida do possível, é a criatividade. Maneiras alternativas de fazer as coisas podem ser
vislumbradas, tipos alternativos de conhecimento, sugeridos, mas aqui no círculo
privilegiado dos superconsumidores da mais alta posição tomam-se decisões sobre
patrocínio. Patrocinar é apoiar a canalização de recursos” (2013:205).
A coincidência entre as necessidades, desejos e possibilidades pode ser o que a levou a
ser indicada para oferecer aulas de modelagem na Escolinha de Artes do Brasil e, quase
ao mesmo tempo, buscar formação artística em outras técnicas expressivas como a
pintura em tecidos.
Através dos currículos e de seus manuscritos, sabemos que cerâmica foi a primeira
formação em artes que Olly declarou ter feito no Rio de Janeiro, como aluna particular
de Margareth Spencer. No entanto, anotações em um caderninho do São Christóvão
Athletic Club, sobre corantes vegetais indicam que eu interesse em tecidos podia existir
desde muito antes. O clube existiu com esse nome até 1943, quando passou a se chamar
São Cristóvão de Futebol e Regatas. As notas portanto, podem ser da década de 1940,
indicando seu interesse em outros processos de criação e suas técnicas, notadamente
referentes ao tecido, ou das décadas seguintes, tendo o caderno sido guardado em
branco para uso posteriorxix. A data declarada por ela como o início de seu trabalho com
pintura em tecidos é de 1957, bem posterior ao trabalho com cerâmica. Ainda assim, o
início do trabalho é certamente posterior ao seu aprendizado das técnicas para fazê-lo.
65
Junto com o pernambucano Augusto Rodrigues (1913-1993), Napoleão Potiguara
Lazzaroto – o Poty, Darel Valença e Lúcia Alencastro Valentim59, a norte-americana
Margaret Spencer fundou, em 1948, no Rio de Janeiro, a Escolinha de Arte do Brasil. A
“Escolinha” foi parte de um movimento que tinha relação com a Escola Nova, da
década de 1930, e através dela com Fernando Azevedo e Anísio Teixeira, mas também
com o pensamento de John Dewey, Viktor Lowenfeld e, principalmente do filósofo e
teórico da arte Herbert Read (1893 - 1968)xx. Em 1941, o Conselho Britânico organizou
no Rio de Janeiro uma Exposição dos Desenhos e Pinturas de Crianças Inglesas, cuja
apresentação foi escrita por Read (Sardelich, 2011).
Em 1943, em seu livro “Education through Art”, Read sistematizara seus princípios de
educação através da arte, partindo de um princípio não-intervencionista de ensino,
baseado no estímulo à livre expressão como forma de desenvolver a criatividade e a
imaginação, sem o estabelecimento de regras a priori (Itaú Cultural, 2015). A escola
ensinava distintas expressões artísticas (dança, pintura, teatro, desenho, poesia etc.) e
funcionava inicialmente nas dependências da Biblioteca Castro Alves, do Instituto de
Previdência e Assistência Social dos Servidores de Estado - Ipase, voltada
principalmente para o público infantil (Bacarin e Noma, 2005). Um certificado de que
Werner doou sangue ao Hospital do Ipase em 1950, leva a acreditar que talvez o período
do curso de cerâmica com Spencer possa ter sido esse, quando o casal pode ter ido
conhecer o trabalho na Escolinha. Outra possibilidade é que Olly tenha dado aulas de
modelagem lá esse ano e que o contato com Spencer tenha sido dessa formaxxi.
Olga fez aulas particulares na casa de Spencer e também na fábrica da Klabin. Olly
reclamou da pedagogia não intervencionista que não compreendia na épocaxxii. No
entanto, mais tarde, essa foi a forma como apresentou as diferentes técnicas artesanais
aos seus netos, ou seja, a maneira como mostrava o uso de determinada técnica era
sempre uma dentre outras que deveriam ser descobertas na relação com o material.
As identidades são formadas por processos sociais derivados da dialética entre
indivíduo e sociedade e, apesar de um certo grau de cristalização, elas são mantidas,
modificadas e remodeladas pelas relações sociais (Seyferth, 1995). Douglas e
Isherwood (2013) chamaram atenção para as diferenças de consumo em campos sociais
mais ou menos restritos. O pertencimento a uma comunidade judaica ortodoxa tem
Os três primeiros têm desenhos ou gravuras na coleção de Olly. Lúcia Valentim e Margareth Spencer
podem ter trabalhos entre aqueles que não foi possível reconhecer as assinaturas.
59
66
muito mais restrições em relação às escolhas individuais, ainda que haja mais apoio aos
membros quando estes enfrentam algum tipo de problema. De forma contrária, o
trânsito por um campo social mais amplo deixa os indivíduos mais livres em termos de
suas escolhas, mas também com menos apoio.
O mundo artístico moderno60 é marcado pelos valores da individualidade e da
singularidade, ainda que estes valores possam ser articulados com outros de formas
bastante distintas dependendo da época, local e grupo do qual se fala. Rene ressalta que
uma das mudanças que sentiu ao saírem do Bar 20 foi a perda de laços comunitários em
parte devido à própria estrutura arquitetônica, agora não mais uma vila com várias casas
de dois andares, mas um prédio de 8 andares e quatro apartamentos por andar, sem
espaço para o convívio comum. No entanto, a aproximação cada vez mais intensa de
Olly com o mundo da produção artística deve ter tido enorme contribuição para o
afrouxamento dos laços de pertencimento a comunidades como as judaicas e de
imigrantes e seus descendentes.
Em 1953 Olly participou do II Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com sua
produção em cerâmica. Na edição seguinte do mesmo evento, ganhou o prêmio
aquisição. Seu primeiro atelier foi montado com o apoio financeiro das aulas que deu na
garagem da casa de Geny Marcondes. Um documento em seu acervo atesta 1955 como
o ano de transferência de seu registro para um novo endereçoxxiii.
Segundo artigos de jornalxxiv, uma intoxicação pelas químicas da cerâmica fez com que,
a partir de 1957, se dedicasse à pintura em tecidos. Em 1958, o designer Norman
Westwater já convidava Olly para sua primeira individual na Galeria de Arte
Contemporâneaxxv. Essa galeria ficava dentro de sua loja de móveis Mobília
Contemporânea. A relação entre artes plásticas, design de móveis e design de interior
era intensa e passava pela complementação mútua em termos de apresentação de seus
trabalhos. Portanto, o convite do designer foi mais um passo decisivo na apresentação
de Olly ao círculo restrito de artistas e intelectuais que reformulavam as representações
e valores da modernidade no Rio de Janeiro.
As manifestações artísticas são um universo composto por diversos mundos em
cooperação. São as formas de cooperação entre os diferentes profissionais envolvidos na
produção dos bens que caracterizam esses mundos. A arte aparece então como um
60
Moderno como uma marcação temporal e não “estilística”, portanto do século XX, em diante.
67
fenômeno que é resultado da interdependência de diversas atividades e portanto, restrita
em sua liberdade aos constrangimentos econômicos, políticos e organizacionais de cada
um dos processos que a constituem (Becker, 1982).
A decoração através de sua atividade profissional reconhecida, o desenho industrial, ou
design de interiores segue uma série de convenções muitas vezes determinadas pelas
características do material usado ou pelas técnicas de produção. Nesse sentido,
cooperação não tem sentido apenas positivo, mas também restritivo, denotando a
influência que cada sistema pode ter ao intervir na forma final da produção artística.
Fazer parte desse grupo de pessoas, que estavam instituindo o que viria a ser as novas
convenções modernas, tanto apresentar-se a partir do que aqueles atores sociais estavam
produzindo, como produzir coisas condizentes com os discursos de apresentação de si,
isto é, que “combinassem” com suas propostas.
Uma interessante discussão sobre a multiplicidade de estéticas e formas diferentes de
verbalização destas pode ser encontrada em Campbell (2010). Para realizar essa
discussão, Campbell separa o discurso sobre estética da prática da percepção sensível
aos fenômenos artísticos. A autora chama atenção para a naturalização do discurso que
reifica o conceito relacionando-o à “era de ouro” da filosofia grega clássica. Essa atitude
é o ponto de partida de uma postura etnocêntrica de atribuir ao ocidente a prerrogativa
de uma forma de percepção específica e nega a outras culturas a habilidade para realizar
julgamentos sobre certos fenômenos. Sua crítica é interessante para pensarmos como a
estética em nossa própria sociedade é múltipla e para compreendermos o processo
constante de ampliação do que definimos como arte em cada período histórico.
Investigar as transformações ao longo do tempo, com referências visuais e discursivas,
contribui para a percepção das mudanças no gosto e a influência que as lutas de
classificação têm na instituição de novas formas de apresentação de si que passam pelos
objetos trocados: nomes e coisas.
Norman Westwater foi parte de um conjunto de arquitetos e designers de móveis que
projetou, no duplo sentido de desenhar e imaginar, a modernidade brasileira das décadas
de 1950 a 1970. Desenhou e produziu a decoração de natal, com um presépio e colunas
na forma de árvores de natal estilizadas na Cinelândia, em 1957, e para o carnaval de
1958, balões japoneses na avenida Rio Branco, da Presidente Vargas a Praça Paris.
Escocês, de Edimburgo, Norman viveu no Brasil durante as décadas de 1950 e 1960.
Além de designer de móveis, era cenógrafo, tendo montado diversas peças para o Teatro
68
de bolso, o Teatro da Praça, no Rio de Janeiro e o Teatro de Comédia de São Paulo. Um
de seus espetáculos mais bem sucedidos foi a montagem do cenário, em 1966, para a
peça Alô, Dolly, com Bibi Ferreira.
Em 1963, tornou-se um dos primeiros membros da Associação Brasileira de Desenho
Industrial – ABDI, fundada esse ano, em 1964, recebeu o prêmio Roberto Simonsen
pelo desenho da “Cadeira Ouro Preto” e foi contratado pela Real Standard do Brasil
para desenhar louças sanitárias. As fotos do trabalho de desenho de móveis e decoração
de Norman Westwater revelam o quanto o cotidiano de Olly estava relacionado a um
“estilo de vida” que constituía linguagem corrente entre um grupo do qual Norman era
também parte.
Westwater conheceu sua futura mulher no Teatro da Universidade Federal da Bahia,
onde ela estava com uma bolsa Fullbright e ele administrando seu próprio hotel, Baleia
Branca. Olly produziu o vestido de casamento de Nedra Westwater que contou como
conheceu o casal Olly e Werner, em 1961. Em agosto de 2014, cheguei em Norwich, há
duas horas de Londres, em um retiro para idosos com diversos chalés de coblestones
rodeados por um jardim florido num recanto pacato de uma cidade de médias
proporções. A economia de Norwich gira em torno do mercado de capitais e a maior e
mais antiga empresa da cidade é uma firma de seguro de saúde.
Ali fui recebida por Nedra como se fosse a neta, há muito distante. Fui envolvida em
um abraço efusivo por uma mulher que falava um português com sotaque forte, mas
sem hesitações. Fisicamente ela quase lembrava Olly. Baixa e redondinha, tinha o
cabelo quase no ombro em tonalidades que iam do amarelo claro ao branco e olhos bem
azuis. Sorria muito e estava, como eu, feliz com o encontro.
Montei o equipamento de filmagem e, depois de lutar com os cabos, o adaptador de
energia e o tripé, estava tudo pronto. Estava ansiosa para saber se as perguntas que tinha
preparado seriam o suficiente para que Nedra me dissesse coisas interessantes. Ela tinha
organizado um espaço para a depoimento, quase como um pequeno templo. Seus textos,
fotos, óculos dispostos em sua frente eram como oferendas ao passado, esse poderoso
Deus que recria e rejuvenesce. Escritora, mantivera, ao longo de sua vida, diários que
alimentaram o livro, ainda não publicado, de suas memórias no Brasil. Começou
respondendo a minhas perguntas, mas logo entrou nos assuntos que havia selecionado
desde que mencionei que iria vê-la, alguns meses antes.
69
Estava contente em poder reviver um período em que a vida era festiva, seus sonhos
estavam por acontecer e tudo parecia uma aventura. De seu livro, escolheu os trechos
onde mencionou Olly e Werner e começou ler com entonação teatral as partes
cuidadosamente marcadas com tiras coloridas.
Seu primeiro encontro com o casal foi em uma praia, em Itaparica, com Werner vestido
em bermuda e camisa branca. O encontro tinha sido precedido de uma visita a um
terreiro de candomblé, cuja interpretação da leitora tornava vívido. Nedra descreveu as
roupas, as falas, os gestos, os espaços, trazendo Olly e Werner do passado, em Salvador,
para Norwich. Quase podia ouvir a risada e o sotaque forte de Werner, na praia, ao
cumprimentar o escocês. Achar graça com Olly, convocando Nedra para ser sua modelo
na inauguração de sua exposição, no Museu de Arte Moderna da Bahia.
Mas a riqueza da imagem, que me fazia enormemente feliz, não trazia de volta os
cheiros, os sons e a quentura de meus avós. Felicidade e tristeza, passado e presente,
amor e saudade estavam conosco. Eu com Olly e Werner, Nedra com Norman. Mas
nenhuma informação foi tão chocante como a de que Werner havia trabalhado com
Simon Weisenthal. Sua fala parecia ter saído do filme de Tarantino: “depois que acabou
a guerra, era difícil saber quem havia participado. Seu avô ajudou a encontrá-los no
Brasil”61.
Lembrei do desconforto que tive ao torcer no final do filme para que os nazistas fossem
queimados dentro do cinema. Imaginei o que teria sentido se já tivesse essa informação.
Não foi possível confirmar sua veracidade, mas os arquivos de Simon Wiesenthal estão
em Israel e uma pista possível foi dada por Ruy Castro (1999): Herbert Cukurs, alemão
que cuidou dos pedalinhos na Lagoa, de 1945 a 1951. A ideia de que o vovô guiliguili62,
com seu senso de humor auto-derrisório, continuou, à sua maneira, “na guerra” muito
depois que ela terminou, contribuiu para perceber o quão complexa foi sua relação com
o judaísmo ao longo de sua vida.
A viagem, em 1961, quando houve o encontro na praia de Itaparica com Norman e
Nedra Westwater, teve como objetivo principal organizar a exposição de Olly no Museu
de Arte Moderna da Bahia, em Salvador, a convite de Lina Bo Bardi. No ano anterior
tinha exposto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Pelas fotos em jornais da
Nedra Westwater em depoimento pessoal, filmado em 22 de agosto de 2014, Norwich, Inglaterra.
O termo vem do alemão, como descobri recentemente, e se refere ao som que se emite quando se faz
cócegas em uma criança. A grafia germânica é killekille.
61
62
70
época vemos que essa exposição é que chegou ao museu da Bahia, assim como o de
Belo Horizonte e de Curitiba.
A Continuar ...
71
CONSTITUIÇÃO DO ARQUIVO
Árdua é a tarefa de escrever sobre personagens ao mesmo tempo importantes e comuns.
Ainda que Olly e Werner estejam relacionados às histórias dos países onde nasceram e
viveram, não foram personagens heroicos ou excepcionalmente destacados nas áreas em
que atuaram. Não estiveram vinculados a instituições específicas ou legaram uma obra
monumental. Ainda assim, seu pertencimento étnico aliado a suas participações nas
dimensões ideológicas e artísticas os tornam paradigmáticos para pensar o que Eric
Hobsbawm denominou o “breve século XX”, como atores sociais de um período de
intensas transformações na produção artística e cultural carioca.
Entretanto, Werner e Olly não são apenas ilustrações da história. Aqueles que os
conheceram exaltaram/exaltam deles qualidades éticas e estéticas, intelectuais e
sensíveis, profissionais e pessoais. Para além das impressões daqueles que constituíram
parte de suas trajetórias, o casal deixou uma profusão de documentos, em diferentes
formatos,
que
foi
preservada
pelo
filho
e
netos.
Esse
movimento
de
preservação/construção histórica por parte do casal pode ser relacionado em parte à
necessidade de reconstituir o que foi perdido na fuga da Alemanha, diante da
perseguição de Estado da década de 1930. Pode ainda ter relação com uma valorização
dos processos históricos e da necessidade de contribuir para a preservação de coisas que
permitissem sua posterior reconstituição. Nesse sentido, tinham a percepção de estarem
fazendo parte de um amplo processo histórico só compreensível a posteriori.
Tentar me distanciar da condição de neta para analisar as trajetórias desses dois
personagens implicou em um constante exercício de equilibrar as lembranças afetivas e
o tom laudatório que estas poderiam acarretar/podem ter acarretado com a busca de
informação sobre os contextos nos quais se inseriram suas atuações. Espero que essa
busca pelo equilíbrio tenha permitido relativizar, sem perder de vista, meu apreço diante
de quem foram Olly e Werner, trazendo à tona a riqueza de suas travessias nesse
período histórico, ao mesmo tempo que disponibilizo essa documentação na forma
digital para novas investigações tanto sobre cada um dos dois, como sobre os diversos
temas que o arquivo permite examinar.
Uma das formas de buscar essa relativização é explicitar as intervenções realizadas ao
longo do tempo no acervo aqui organizado. O arquivo do casal Olly e Werner
Reinheimer é constituído majoritariamente por documentos armazenados pelo casal.
72
Esse acervo é composto de diversas categorias de documentos: cartões postais, cartas,
fotografias, artigos escritos por eles e/ou sobre eles, cursos de arte, uma biblioteca de
livros sobre sociologia, arqueologia, antropologia, ciência política e arte. As fotos do
acervo do casal podem ser divididas em reproduções do trabalho artístico de Olly,
incluindo seu contato com personalidades dos mundos artísticos nacional e estrangeiros,
imagens das viagens do casal e fotos pessoais, de família e de amigos, algumas
remontando ao início do século XX, na Europa.
Olhar para os documentos acumulados e reunidos por indivíduos deve levar em
consideração as condições dessa acumulação e guarda, ou seja, quem, como, para que e
em que contextos específicos se tornou possível construir um conjunto documental com
pretensões de se tornar um arquivo pessoal? Aqui apresento as intervenções que
contribuíram para a constituição do acervo na sua forma atual.
Tendo vivido no mesmo apartamento, em Ipanema, de 1952 até suas respectivas mortes,
em 1986 e 1992, esses documentos foram em grande medida ali mantidos. Ainda assim,
aconteceram algumas importantes interferências. Após a morte de Olly, o ateliê da
artista foi mantido quase inalterado, ainda que Werner tenha se desfeito de muitas das
obras de arte e coleções que Olly acumulou durante principalmente os últimos dez ou
quinze anos de vida.
Uma coleção inteira de tecidos Paraca foi entregue aos netos e vendida a um leiloeiro
em Nova Iorque e um quadro de Joaquim Tenreiro, que ficava na entrada do
apartamento foi, no final da década de 1990, visto em uma exposição no Museu de Arte
Contemporânea de Niterói. Outras peças que aparecem em fotos, ou que foram
mencionadas por entrevistados durante a pesquisa para a organização desse arquivo, ou
a pesquisa realizada em 1998, desapareceram. Imaginamos que Werner tenha se
vendido essas peças. O prazer do colecionismo era de ambos, no entanto por motivos e
de coisas diferentes para cada um dos dois. Olly colecionava objetos: desde desenhos
dos netos, cata-ventos, pipas, canetas, até obras de arte. Nada indica que ela colecionava
como investimento, ao menos não na intenção de gerar lucros materiais diretos. Para
Werner interessava colecionar conhecimentos, afetos, experiências e, quando muito,
revistas e livros, não obras de arte. A venda dessas obras após a morte de Olly,
provavelmente, resultou na possibilidade de suas últimas viagens à Europa, assim como
de um relativo conforto quando não mais contava com quem dividir as despesas
domésticas.
73
A menção aos objetos que “se perderam” deve-se ao fato de que penso a composição
desse arquivo como um panorama das trajetórias de Olly e Werner, tomando aquilo que
outros classificariam como resíduos ou dados marginais como reveladores, testemunhos
desses percursos. Concordando com Ginzburg (1989) que é nos pequenos gestos, nos
detalhes aparentemente negligenciáveis que se revela o caráter, mais do que em
qualquer atitude formal, incluímos nesse arquivo não somente aqueles “documentos” já
formalmente aceitos como tais (passaportes, cartas, textos em formatos diversos), mas
diversas outras coisas que possam contribuir para a compreensão da rede de relações
dos dois, do contexto em que se inseriam, dos lugares que visitaram, das referências
intelectuais que os orientavam, dos valores através dos quais se guiaram ou que
contribuíram para construir.
Assim foi incluído, além do que efetivamente foi acumulado pelo casal no intuito
aparente de deixar para a posteridade, o que restou da biblioteca do casal, as produções
artísticas feitas ou armazenadas por Olly, livros e cartões postais das diversas viagens
feitas pelo casal na Europa, na América Latina e no Brasil. Além de acréscimos que
serão comentados mais à frente. Em momento posterior analisarei a construção de si que
eles empreenderam nesse processo e o quanto minha proposta de organização desse
acervo impacta nessa representação.
Portanto, já se pode fazer uma primeira divisão desse arquivo em duas partes: aquela
deixada pelo casal e os acréscimos incluídos ao longo do projeto de pesquisa,
organização do acervo e produção do banco de dados.
Mesmo a parte do arquivo acumulada pelo casal sofreu interferências. As mais
significativas foram ocasionadas após 1995. Ao tornar-se minha residência, o
apartamento onde morava o casal passou por reorganizações diversas como parte do
processo de atribuição de novos sentido à profusão de coisas espalhadas pelo
apartamento63. O ingresso no curso de Licenciatura em Artes Visuais tornou o
apartamento um campo de exploração estética e temática e ao mesmo tempo um desafio
devido à quantidade de coisas que se acumulavam em todos os armários e espaços
(in)disponíveis.
Ainda distante de um projeto como este aqui empreendido, a enorme biblioteca do casal
parecia um desperdício trancada dentro de um apartamento frequentado apenas pela
Daniel Miller (2001) tem um interessante trabalho onde discute as convergências e divergências
possíveis entre as identidades de moradores e as identidades de seus apartamentos.
63
74
família e os amigos. Assim, parte dessa biblioteca foi doada. A coleção de revistas
National Geographic, acumulada desde a década de 1960, foi entregue à biblioteca do
curso de Geografia da UFRJ, em 2001, por intermédio da professora Ana Maria Daou.
Os livros em alemão foram listados (a lista está incluída entre os documentos do
acervoxxvi) e alguns foram dados a professores e amigos, outros doados à biblioteca da
ARI e, no insucesso em encontrar quem aceitasse os que sobraram, foram parar no sótão
e acabaram danificados pelo acondicionamento inapropriado. Para isso, foi criado um
ex-libris, usando um desenho de Olly, que identifica os volumes como tendo pertencido
ao casal. Infelizmente, muitos livros de ficção e poesia foram distribuídos entre
familiares e amigos. Esses foram sem identificação e não foram tratados como possíveis
indícios de suas trajetórias. Eles também portavam as marcas das relações sociais do
casal, seja através das temáticas e autores, seja através de provável dedicatórias.
Tanto o processo de adequação do apartamento a sua nova moradora, como a pesquisa
de conclusão de curso em Licenciatura em artes contribuíram para a perda quase
completa da organização dos documentos feita por Olly e Werner. Ainda que o acúmulo
por parte do casal não tenha se dado de forma sistemática (não havia nenhum tipo de
classificação aparente dos documentos) supomos que os diferentes lugares da casa onde
foram guardados, se fosse possível resgatar essa divisão, pudesse talvez remeter a
tempos ou categorias específicas de eventos, datas e/ou outras dimensões. Ainda assim,
alguns conjuntos foram preservados como uma pasta com os dizeres “Rene e Patricia”
(com a grafia de Olly), ou outra onde foram encontrados fotografias e cartas de Werner,
referentes principalmente aos anos posteriores à morte de Olly.
Um dado importante a diferenciar esses dois conjuntos é o fato de que é a primeira vez
que Werner é objeto de uma investigação. Tendo sido a trajetória de Olly muito mais
visível, a documentação de Werner teve menos intervenções. A caixa de seus últimos
anos é assim mais fiel à sua organização do que as coisas de Olly.
Assim, ao contrário da caixa de Werner que parece remeter a uma vida diferente que se
inicia com a morte de Olly e a abertura política no Brasil, o conteúdo da caixa “Rene e
Patricia” suscita dúvidas. Junto com cartas e desenhos do filho e da neta foram
encontrados outros documentos. Podemos inferir que, com o tempo, a classificação foi
perdendo sua efetividade, ou seja, sendo as classificações arbitrárias, a ideia “Rene e
Patricia” sendo igual a “filho e neta” possa ter se tornado análoga a “coisas
importantes”, “queridas” ou qualquer outra associação de sentidos. Ou talvez, tenham
75
sido documentos acrescentados à caixa por outra pessoa que não Olly. Assim, Esses
dados das classificações feitas pelos autores foram preservados no banco de dados, caso
se queira reconstituir o conteúdo dessas caixas. Ainda que esses dados pouco parecam
acrescentar ao conteúdo caótico de duas vidas relativamente longas e atribuladas e às
intervenções de outros, as informações não foram descartadas.
O conteúdo da caixa que dizia respeito aos últimos anos de Werner parecia bastante
bem circunscrito. Um álbum de fotografias trazia momentos distintos de sua vida, com
ênfase em viagens mais recentes, sem a presença de Olly, ainda que esta aparecesse em
algumas fotos mais antigas. Nessas viagens, Werner aparece com amigos alemães,
visitando cidades nos arredores de sua cidade natal. Nesse mesmo álbum, entre as fotos
está o apartamento de seu filho, onde se vê a decoração dos móveis e a imagem do
televisor com a vinheta de apresentação das notícias sobre a constituinte que se
estabeleceu no Brasil em 1986, ano de falecimento de Olly. Seria a volta da democracia
uma forma de compensar a tristeza da perda de sua companheira de 47 anos? Na caixa
ainda, as cartas trocadas com amigos entre 1989 e 1991 falam das dores da velhice e da
decepção quanto à queda do muro de Berlin e à dissolução da URSSR. Ao contrário do
brincalhão, sempre com uma piada pronta, aparece nessa caixa algumas dores de seus
últimos anos de vida – a solidão, a saúde precária, a saudade dos amigos –, mas também
a alegria de compartilhar com seu filho a proximidade com a natureza. Se não fora
possível voltar a sua Floresta Negra, Teresópolis e a Serra dos Órgãos cumpriram
importante papel no final de sua vida.
Quanto aos documentos de Olly, uma severa interferência diminuiu consideravelmente
as possibilidades de compreensão dos documentos: a eliminação das folhas em branco
dos diversos blocos e cadernos onde Olly produziu inúmeras anotações, provavelmente
após 1983, depois de seu primeiro AVC. A ordem ou desordem da escrita foi perdida
quando os blocos e cadernos foram reduzidos a somente suas folhas escritas. A disputa
da memória com o espaço levou a redução da quantidade de papéis a esse
“documenticídio”. O resultado foi a perda de informações: os silêncios que, nas páginas
em branco, contribuíam tanto quanto na partitura para compor a música. Uma forma de
tentar minimizar essa perda na organização do arquivo foi manter em um único
documento as folhas que compunham blocos ou cadernos similares. Compusemos uma
ordem mais ou menos arbitrária das folhas, pela impossibilidade de resgatar a original,
76
mas procuramos encontrar entre os temas o sentido de algumas delas. Caberá ao
pesquisador interpretar a partir de suposições.
Em relação às fotografias, foram incorporadas ao acervo todas as fotos em papel
encontradas. Dos diapositivos, foram deixados de fora uma enorme quantidade de slides
referentes aos netos do casal. Essa escolha foi, em parte, determinada por limitações
orçamentárias, mas também por serem fotos produzidas a partir do núcleo familiar
composto pelo filho do casal, estando Olly e Werner ausente na enorme maioria delas.
As que foram incluídas eram, em geral, negativos cujos conteúdos somente após
digitalização foram identificados. Essa foram mantidas no arquivo digital.
Ao longo do processo de sistematização do acervo, diversos membros da família de
Olly e Werner entregaram documentos e fotos que tinham feito parte do acervo original
do casal. Essa apropriação dos documentos como “recordação” fala da capacidade dos
objetos de presentificarem ausências. Assim, apesar da morte, as pessoas sobrevivem
nos rastros dos objetos, como metonímias que remetem à ideia da totalidade da vida
daqueles representados por esses objetos.
Alguns documentos foram incorporados ao acervo original. Um conjunto de
documentos da família Hasenberg foi recuperado apenas em formato digital. Os
documentos físicos são propriedade de Erika Hasenberg, irmã de Olly, hoje (2015)
vivendo na Itália. Esses documentos estão referidos à família da mãe de Olly quando de
sua residência em Odessa, no início do século XX e também após sua dispersão
ocasionada pelo nazismo. Pareceram importante acréscimo em referência à dimensão
pessoal de Olly, ausente nos documentos colecionados pela artista. Em relação a
Werner, um livro do historiador alemão Gerhard Brändle, assim como um catálogo de
exposição e reportagens foram incorporados ao que já existia na coleção de Werner.
Esses livros falam da trajetória de Werner antes de se refugiar no Brasil, na década de
1930. Alguns outros documentos referentes à Berlin, Pforzheim e Mittweida foram
incorporados a partir de uma investigação in locu, em 2014, com a contribuição de
Angelika Heider e Monika Schmidt.
O historiador Fábio Koifman enviou diversas imagens referentes ao processo de
autorização de entrada e nacionalização de alguns parentes de Olly e Werner. Edith
Waitzfelder, amiga do casal desde a década de 1950, entregou a cópia em alemão de um
diário de seu pai, escrito em Auschwitz, assim como um livro de autoria de sua filha
77
Monica Waitzfelder mostrando a relação da L’Oréal com o nazismo através da história
da espoliação da casa que havia sido de sua família na Alemanha. Liane Monteiro, que
foi modelo de Olly na década de 1970, enviou documentos digitais sobre Márcio
Mattar, designer de joias e móveis com quem Liane foi casada e com quem Olly
participou de exposições e outros projetos.
Um importante conjunto de documentos – cartas, cartões, caderno de anotações – foi
entregue – alguns fisicamente, outros para serem digitalizados e devolvidos – por Betty
White e Stephen Strauss, amigos do casal desde a década de 1970. As fotos que o casal
enviou para Olly e Werner na década de 1970 solicitando devolução serão finalmente
devolvidas ao casal, restando apenas o formato digital dessas. Todos esses acréscimos
estão sinalizados.
Um último comentário refere-se ao processo de disponibilização desse acervo em
formato digital. Os objetos do acervo incorporam diversas temporalidades,
espacialidades e identidades. As agendas telefônicas trazem pertencimentos étnicos,
crenças religiosas, ideologias políticas, afetos, adultez e velhice. Enquanto manipulava
os documentos para digitalização, folheava as agendas, abria revistas, identificava datas,
pessoas, eventos, passagens. Encontrei ali inúmeras surpresas: folhas e flores secas,
certamente colhidas nas viagens que o casal fazia, indícios de práticas até então
desconhecidas, encontros com personalidades como a presença na agenda de telefones
de Werner do endereço de Jean Baudrillard, em Paris. Ou ainda, o encontro com o nome
e telefone de Leandro Konder, dois dias depois da notícia de seu falecimento.
Muitas dessas surpresas e outras informações se perdem no digital. Nesse mundo, cujo
tempo é impreciso e o espaço virtualmente infinito, a percepção da materialidade, tanto
quanto da temporalidade, dos objetos se modifica. A ampliação do acesso então é feita
sob pena da perda de informação sensorial. A delicadeza do papel de arroz ou de casca
de cebola não é diferenciado da rudez de um bloco promocional de uma empresa de
papel. Páginas escritas na frente e no verso com texto em uma direção de um lado e no
verso, em outra; numa página texto em vermelho e na outra em preto ou azul são
apresentadas como imagens separadas. Cada folha de papel escrita de um e outro lado é
um objeto diferente de duas imagens. Uma imagem em um lado e texto em outro, como
em um cartão postal, é um objeto único, com dois tempos. O mesmo não acontece com
duas páginas em pdf, uma de imagem e outra de texto. As múltiplas camadas que
78
indicam distintas temporalidades e níveis de informação se tornam todas parte de um
arquivo eletrônico sem data, s/d.
A perda dessas sutilezas é compensada pela amplitude de acesso que o banco de dados
digital possibilita. É distribuindo os objetos, disponibilizando digitalmente, que eles
podem dar seu testemunho da memória, do tempo, dos afetos. A distribuição, no
entanto, não se dá sem destruição, mas é dessa destruição que se produzem novos
significados (Goyena, 2012). O arquivo do casal, antes localizado no apartamento em
Ipanema, Rio de Janeiro, envoltório desse mundo de memória e significado (Hecht,
2001), passa a ser substituído pelo cômodo de cada usuário com um computador e
acesso à Internet. A apreensão desses objetos também estará sujeita ao contexto no qual
se dará o contato com os objetos.
Se muda a forma de apreensão dos objetos de acordo com o fato de serem examinados
física ou digitalmente e, no caso digital, do próprio contexto de interação com o objeto;
se os documentos remetem à ausência dos que partiram tornando sua presença ao
mesmo tempo uma realidade e uma fantasia; se ao colecionar, colecionamos a nós
mesmos, o que faz com que os objetos sejam uma sucessão de termos cujo termo final é
a pessoa do colecionador; podemos concordar com Le Goff quando este argumenta que
todo documento é mentira. Sendo as coleções de documentos o resultado do esforço de
sociedades e grupos em impor ao futuro uma determinada imagem de si própria, e é
através deles que apreendemos a memória desse casal, a memória torna-se então uma
coleção de interpretações feitas a partir dos documentos que foram guardados, mas
também dos que foram descartados. Donde não há verdade nos documentos, apenas
possibilidades interpretativas, mais ou menos criativas, mais ou menos interessantes,
mais ou menos relacionadas com outras histórias e trajetórias. Esperamos que a
disponibilização desse arquivo de documentos variados seja a possibilidade de novas e
criativas investigações.
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Anais do VI Congresso Brasileiro de História da Educação, Vitória, ES, 2011
2003. SEYFERTH, Giralda. Nacionalismo e imigração no pensamento de Gilberto Freyre
In Kosminsky, E.V., Lépime, C. e Peixoto, F.A. (orgs) Gilberto Freyre em quatro
tempos. São Paulo, EdUNESP, EDUSC, 2003.
2002. SEYFERTH, Giralda. A singularidade germânica e o nacionalismo brasileiro:
ambigüidade e alotropia na idéia de nação In Bastos, Cristiana; Almeida, Miguel
Vale de; Feldman-Bianco, Bela. (coord.) Trânsitos coloniais:diálogos críticos lusobrasileiros. Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa, 2002.
SEYFERTH,
Giralda. “A Imigração alemã no Rio de Janeiro. In: Gomes, Angela de
Castro (org.): Histórias de Imigrantes e de Imigração no Rio de Janeiro. 7Letras,
2000, pp. 11-43.
1997. SEYFERTH, Giralda. Assimilação dos imigrantes como questão nacional In Mana,
volume 3, número 1, abril de 1997.
1996. SEYFERTH, Giralda. Construindo a Nação: Hierarquias Raciais e o Papel do
Racismo na Política de Imigração e Colonização". In MAIO, Marcos Chor e SANTOS,
Ricardo Ventura (orgs.) Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro,
FIOCRUZ/CCBB, 1996.
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sociais, v.2, n.1, 1995.
1993. SEYFERTH, Giralda. A invenção da raça e o poder discricionário dos estereótipos in
Anuário Antropológico, 1993.
1988. SEYFERTH, Giralda. A imigração alemã para o Brasil: Uma revisão bibliográfica
in BIB, Rio de Janeiro, n.25, PP 3-55, 1988.
82
1977. SEYFERTH, Giralda. Identidade étnica numa comunidade teuto-brasileira do vale
do Itajaí. Revista do Museu Paulista, nova série, volume XXIV, 1977.
Spiegelman, Art. Maus. A história de um sobrevivente. São Paulo, editora Brasiliense,
1995.
Strohmeyer, Klaus. Harmonia aparente e crise latente In Richard, Lionel. Berlim, 19191933. A encarnação extrema da modernidade. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
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Trotsky, Leon. A Revolução de 1905 (prefácio à edição russa). 12 de janeiro de 1922.
https://www.marxists.org/portugues/index.htm. Acessado em 3 de fevereiro de 2015.
Varajão, Alice. NHÁ BENTA 60 ANOS. A Nhá Benta celebra seus 60 anos.
http://alicevarajao.blogspot.com.br/2010/07/nha-benta-60-anos.html. Acessado em
30 de janeiro de 2015
Walle, Marianne. As berlinenses e seus combates. In Richard, Lionel. Berlim, 19191933. A encarnação extrema da modernidade. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro,
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Woolf, Virginia. O valor do riso e outros ensaios: Virginia Woolf. Cosac e Naify, São
Paulo, 2014.
Zweig, Stephan. O mundo insone In O mundo insone e outros ensaios. Zahar, Rio de
Janeiro, 2013.
83
Anexos
Cronologia de eventos políticos
1905 – Progroms na Rússia (Odessa inclusive)
1914 – início da Grande Guerra
1917 – Revolução Russa
1918 – fim da Grande Guerra
1933 – Hitler no poder
1935 – Leis de Nuremberg
1935 – Levante Comunista
1938 – Putsch integralista
1938 – Kristallnachte decreto que proibia oficialmente o sionismo
1939 – início da Segunda Guerra
1943 – Levante do Gueto de Varsóvia
1945 – fim da Segunda Guerra
1948 – Criação do Estado de Israel
1956 – Relatório Kruschev
1961 – julgamento (Adolf Otto) Eichmann
1964 – início da ditadura civil-militar no Brasil
1967 – Massacre dos seis dias
1968 – Marcha dos 100 mil (AI5)
1982 – Massacre de Sabra e Chatila
1986 – início da discussão sobre a Constituinte no Brasil
1988 – primeira eleição direta para presidente do Brasil depois do Golpe
1990 – queda do muro de Berlim
1991 – dissolução da USSR
1992 – reunificação da Alemanha Oriental e Ocidental
Cronologia profissional de Olly (ainda incompleta)
Artigos em livros e periódicos
Cursos ministrados
Cursos assistidos
Exposições individuais ou coletivas e desfiles
Outros diversos
Ano
1952
1953
1954
84
Documento
DO-12
MROW-Li 08
MROW-Li 08
Atividade/Bibliografia
Olly já tinha carteira do MAM, membro 317
II Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro
III Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro
Observações
Prêmio aquisição em
cerâmica. No DE-04-D
1955
DFC-04; DFC11; MA-63
1956
DFC-04
1957
1958
MA-25
1959
DE-04
PAE-04; PAE09; DE-04
DE-04
PAE-09;
MROW-Li 08
MROW-G 19
1960
1961
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
PAE-09
Museu de Arte Moderna da Bahia – abertura da
exposição Tecidos Olly, 30 de Janeiro, Salvador
II Salão anual de Curitiba, no Museu de Arte
Moderna de Curitiba
Museu de Arte Moderna de BH - Exposição
Artesanato Artístico, BH
Exposição Bumba-meu-boi
PAE-09; DEV03
MA-25
PAE-09
DO-07; DO-08;
PAE-09; PAE13
PAE-09
MROW-G 22
1963
PAE-09; PAE13-B; PAE-13C
PAE-09
DO-38; DO-18
85
Montagem da peça teatral O Tartufo, de Molière,
dirigida por Sérgio Cardoso e representada pela
Cia. Nydia Licia-Sérgio Cardoso, no Teatro Bela
Vista, entre 1959 e 1960.
PAE-09; PAE04-B
DO-14-C
PAE-09;
MROW-Li 08
Suponho
1961
1962
Olga teve um atelier de cerâmica na Nascimento
silva, 248. Documento de autorização para a
transferência do atelier de Cerâmica artística
particular e educacional para esse novo endereço.
Esse era o endereço da garagem da casa de Geny
Marcondes, onde Geny também dava aulas de
iniciação musical.
Ainda mantinha seu atelier de cerâmica na
Nascimento Silva, 248
Começou a pintar tecidos
(21 de maio a 4 de junho) Exposição e prêmio na
Galeria de Arte Contemporânea, de Norman
Westwater
3 exposições individuais de cerâmica, RJ
Menção honrosa para artes plásticas aplicadas Bienal Internacional de Punta del Este
Galeria Ambiente de São Paulo
Exposição de tapetes e tecidos no Palácio do
Governo em Brasília
Galeria de Arte contemporâneo de Lima (no
Instituto de Arte Contemporânea, patrocinada
pelo Ministério das Relações Exteriores), Peru
Convidada por Jack Lenor Larsen, do
Smithsonian Institute, como única representante
brasileira para participar de uma exposição têxtil
internacional que percorreu diversos museus dos
EUA
Montagem da peça teatral A gata borralheira Tablado, colaboração de Olly - 1962
The Art Center, Lima, Peru
Lecionou pintura em tecido, a convite, na Escola
Nacional de Belas Artes do Peru, em Lima
diz equivocadamente
que foi em 1959
A transferência talvez
se refira ao atelier ter
sido primeiro em sua
casa
Na Mobília
Contemporânea
A peça não se realizou
devido à separação do
diretor e da atriz, mas
Olly fez os figurinos
dos personagens do
prólogo.
Para receber a
documentação
definitiva da
naturalização, Olga e
Werner foram a
Alemanha esse ano
(já tinha telefone nessa
época – ver DO-08 –
no 54-665)
Werner naturalizou-se
brasileiro em
1965
PAE-06, MA-18
CO-108
MA-50
1966
PAE-09,
MROW-G 92
MROW-G-25,
MROW-G-26,
MROW-G-7
MROW-G 92,
PAE-09
MROW-G 33
DO-35
1967
PAE-09,
MROW-G 86
PAE-09
MROW-G 91
MROW-G 91
PAE-09
PAE-09
MROW-G 03
DE-04
1968
86
PAE-09; PAE07
Primeira Bienal Internacional de artes aplicadas
do Uruguai. Ganha menção honrosa por um
desenho para tecido que ela chamou “de
“evolução” que é um broto de feijão saindo do
solo depois formando duas folhas. Parecem duas
folhas saindo do sol”, nas palavras da artista
(MA-18, p.28).
É convidada a expor no Instituto Nacional de
Belas Artes do México
Faz uma viagem a Cidade do México, Paris,
Londres, Amsterdam, Milão, Nova York,
Madrid, Lausanne.
Trabalhos para cinema e teatro, sem especificar.
Um vestido de Olly foi encontrado no acervo da
produtora L.C.Barreto. Essa produtora lançou
esse ano o filme O Padre e a Moça (1966).
Olly foi muito próxima de Ilo Krugli. Não
encontrei referências ao que ela possa ter feito
com ele, mas é possível (mesmo provável) que
tenha contribuído em suas peças.
O filme Arrastão, produção franco-brasileira, no
qual Duda Cavalcanti fez uma ponta, mostrou 3
roupas produzidas por Olly
Desfile organizado na Pinacoteca do Museu de
Arte de São Paulo, MASP, com 40 roupas de
Olly, todas com motivos inspirados em peças e
desenhos pré-colombianos.
Expõe na Petite Galerie (no currículo de Olly
consta a data de 1967)
Cópia de recorte de jornal sobre Olly o figurino
do filme Arrastão, com foto de Duda Cavalcanti
Citação em revista sobre Olly. "Moda e consumo
de massa". Autora: Mona Gorovitz. Mirante das
artes, etc. Maio e junho de 1967, p. [41]
Petite Galerie
Menciona um desfile no Teatro de Arena, mas
não deixa claro a data
Artigo em periódico sobre Olly. "A moda em
cores de sonho". Correio da Manhã. 9 de abril de
1967. p.6, 6o caderno, Caderno Feminino
Doou obras para leilão na Casa das Palmeiras,
trabalho de Nise da Silveira
Toalhas para a recepção do príncipe real do
Japão, encomenda do Ministério das Relações
Exteriores
Museu de Arte de São Paulo
Roupas para a peça “Meia volta volver”, de
Oduvaldo Viana Filho, no Teatro de bolso
MAM-RJ
Galeria do Copacabana Palace Hotel: junto com:
Márcio Mattar, Cleber Machado, Pedro Correia
fevereiro, Olly em
março
O desenho talvez seja
o PACA-62
Ela viaja esse ano ao
México e expõe no
Uruguai, mas não há
menção em lugar
algum de que tenha
exposto no México
Olly enumera pessoas
e lugares a visitar:
O documento MI-03 é
o Argumento para um
documentário de
Elyseu Visconti
Cavalleiro chamado
Caboclinhos de
Tapirapé, mas para ser
filmado em Recife, em
1978.
O MASP era dirigido
por Pietro Maria
Bardi, que também
editava a revista
Mirante das Artes, etc.
De propriedade de
Franco Terranova
Faleceu Mina
Reinheimer
Editado por Pietro
Maria Bardi, diretor do
MASP
Talvez seja 1966
MROW-G 04
MROW-G 18
PAE-09
MROW-G 03
MROW-G 03
1969
PAE-09; DE04-C
DE-04-D;
MROW-Li-08
PAE-09
PAE-09
MROW-G 30
MROW-G 31
MROW-G 06
MROW-G 34
MROW-G 35
MROW-G 36
MROW-G 37
MROW-G 38
MROW-G 39
MROW-G 60
MROW-G 64-A
MROW-G 64-B
MROW-G 64-C
MROW-G 70
MR-OG 05
87
de Araújo e José Barbosa
Lança pentes de madeiras e formatos diversos.
Jornal do Brasil. 16 de maio de 1968
“Que bons inventos nos levem às Índias". Revista
de domingo, do Jornal do Brasil. 22 de setembro
de 1968.
Festival Internacional da Canção Gávea Golf
Club
Figurinos para a peça Stanislaw Ponte Preta e o
sexo zangado, de Max Frisch, com Neila Tavares
e Adriana Prieto, dirigidas por Wagner Melo
Roupas feitas para o espetáculo musical com o
coral de Roberto de Regina
Desfiles no Rio de Janeiro
"Dicionário das artes plásticas no Brasil". Autor:
Roberto Pontual
Museu de Arte Moderna
Exposição itinerante – Suécia, Finlândia,
Dinamarca, Holanda e Alemanha - patrocinada
pelo Ministério das Relações Exteriores
Artigo de jornal sobre Olly. "Olly no Museu:
happening da nova moda". Autor: Edmundo
Bittencourt, Paulo Bittencourt, Correio da Manhã
Nota de jornal sobre exposição de Olly. Autor:
Geni Marcondes. A Notícia
Artigo sobre Olly. "Arte carajá é motivo para
nova moda". 1º caderno, Jornal do Brasil. 6 de
setembro de 1969
Cópia de recorte de jornal sobre Olly. "Tecidos e
vestidos de Olly". Autor: Quirino Campofiorito.
O Jornal. 14 de agosto de 1969
Cópia de recorte de jornal sobre Olly. "Vestidoobjeto de Olly". Autor: Antônio Bento. Última
Hora. 20 de agosto de 1969
Cópia de recorte de jornal sobre Olly. "Arte
religiosa". Autor: Frederico Morais. Diário de
Notícias. 27 de agosto de 1969
Cópia de recorte de jornal sobre Olly. "Cursos de
Arte no M.AM.". Autor: Quirino Campofiorito.
O Jornal. 02 de setembro de 1969
Cópia de recorte de jornal sobre Olly. "O Brasil
que Olly faz amar". 08 de setembro de 1969
Cópia de recorte de jornal sobre Olly.
Cópia digital de artigo de periódico sobre Olly.
"Olly hoje no museu. Coluna de Artes Plásticas
de Jayme Maurício no Correio da Manhã. 6 de
agosto de 1969
Cópia de artigo de jornal sobre Olly. "Tecidos de
Olly no MAM" Jornal do Brasil. 10 e 11 de
agosto de 1969
Cópia de artigo de jornal sobre Olly. "Olly no
MAM". O Globo. 9 de agosto de 1969
Trecho com continuação de nota de página.
Jornal do Brasil. 7 de agosto de 1969
"Fatos sôbre a relação URSS e a Romênia".
Jornal Correio da Manhã. 23 de fevereiro de
1969
Caderno Feminino do Jornal O Dia. 17 e 18 de
Com dedicatória para a
artista
MROW-G 05
MROW-G 32
MROW-Li 08
MR-OG 05
1970
PAE-09-A
PAE-09-A
DEV-18;
MROW-G 94
1971
DFC-03; DFC07
DE-04-C
DE-04-F; PAE09-A; PAE-15
1973
PAE-09
1974
MROW-G-54,
IN-30
DE 02
PAE-09-A;
PAE-09-B;
MROW-G-9,
MROW-G-10,
MROW-G-55
VIA-22
1975
DE-04-A; PAE08, MROW-G13, MROW-G14, MROW-G15, MROW-G47, MA-37
PAE-12,
MROW-G-49
DE-04; PAE09-C, MROWG-12, MROWG-17, MROWG-42, MROWG-43,
MROW-G-56
DEV-02
1976
1978
1980
88
MROW-G-90
PAO-07; UNI01; UNI-02;
UNI-03
PAE-14
agosto de 1969
Artigo sobre Olly. "Os vestidos-objetos de Olly".
O Dia. 17 e 18 de agosto de 1969. p. 2; caderno
feminino
Cópia de recorte de jornal sobre Olly. "Vestidoobjeto, objeto exportável". Jornal do Brasil. 13 de
agosto de 1969
"Dicionário das artes plásticas no Brasil". Autor:
Roberto Pontual. Com dedicatória do autor para
Olly. 1969
Caderno Feminino do Jornal O Dia,
17 e 18 de agosto de 1969
Americas Maganize – Nov-dezembro
Woman's Wear Daily - 2 jan.
Arrecadou fundos para as vítimas do terremoto
no Peru
Nota de Walmir Ayala sobre a indicação da
qualidade da exposição de Olly do ano anterior
Atelier na rua Visconde de Pirajá, 261/co01
Artigo em periódico
Desfile na galeria de arte do Hotel Copacabana
Palace
Desse ano em diante, colaborou com arquitetos e
decoradores. Fez trabalhos diversos para o City
Bank do Rio e Bahia, Shell no novo prédio do
Rio, entre outros.
O rosto e a obra, Galeria Grupo B, Rio de Janeiro
Membro do júri dos desfiles do grupo 1 das
escolas de samba do carnaval carioca
Executou painéis para o Hotel Porto do Sol,em
Guarapari, ES.
Novembro Galeria Lume, SP. Olly. Três anos de
pesquisa: formas e cores em tecelagem.
Visitou a Feira de Caruaru
17 de Junho inaugurou a exposição na Galeria
Opus, SP. Olly. Formas e cores em tecelagem.
Vestidos e objetos.
Recife. Uma exposição de Olly e Clementina. Foi
um desfile na casa dos arquitetos Clementina
Duarte e Armando de Holanda, às margens do rio
Capibaribe.
Exposição Fundação Cultural de Brasília
Menciona uma exposição de Olly no Museu de
Arte Moderna de Salvador.
Biennale Internationale d’art de Menton
Citação de Olly na revista Vogue
Desenhos seus e de netos são transformados em
cartão de natal da UNICEF
Lança na Galeria Gravura Brasileira, no Cassino
Atlântico, o livro “Uma porção de açúcar, duas
PAE-01-C pode ser
dessa ou das outras
três de 1975
Clementina fazia joias.
PAE-01-C pode ser
dessa ou das outras
três de 1975
PAE-01-C pode ser
dessa ou das outras
três de 1975
PAE-01-C pode ser
dessa ou das outras
três de 1975
MROW-G 93
1981
DE-04-F; PAE01; PAE-11-B
1982
DFC-05
PAE-11-A
1983
PAF-15; DO-19
PAE-11-E
1984
DO-19
PAO-08
DEV-05
1985
PAE-05
CO 21-A, B e C
CO-111
1986
CO-109; CO112
DO016
MROW-Li-09
1990
MROW-Li-07
1992
DO-17
1999
DEV-11; DEV12
DE-04-B; DEV10
DE-04-B
DE-04-B, MA63
89
de amor”, pela editora Antares, com textos de
Henda da Rocha Freire e ilustração Olly
Participa da I Mostra de Mini-têxteis brasileiros,
na Sala Cecília Meireles, de 2 a 30 de junho
Galeria Centro Cultural Cândido Mendes. Cores,
formas, texturas.
Membro da Associação Brasileira de Artistas
Plásticos Profissionais
23 de outubro, abertura da Exposição no show
room da Forma, São Paulo
Viagem à Madrid, Holanda, França, Alemanha,
Itália. Leva a neta Patricia que conhece seus
primos e tia em Roma e Forte dei Marmi.
Exposição na Forma de Ipanema
Viagem à Grécia (Primeiro AVC)
Está produzindo papel artesanal
Evento o papel dos papéis
Novembro exposição na Galeria Candido
Mendes, com a doação de uma das obras exposta
à galeria
Documentos sobre empréstimo de obras da
coleção de Olly para participar da exposição
'Neoconcretismo/1959-1961', 'Grupo Frente' e 'I
Exposição Nacional de Arte Abstrata' na Galeria
de Arte BANERJ, com curadoria de Frederico
Morais
“A oficina de gravura do MAM – 1959/1984”
IV Michoacano Internacional del Textil em
miniatura Argentina/Brasil/México, material
apresentado na Casa de Cultura Michoacan e no
Museo Carillo Gil, realizado na cidade do
México em maio de 1986.
"6. Tempos de guerra: Hotel Internacional:
Pensão Mauá". Catálogo de exposição. Frederico
Morais
"Petite Galerie: uma visão da arte brasileira:
1954-1988". Catálogo comemorativo.
Cotidiano/Arte: O Consumo, Itaú Cultural, São
Paulo, curadoria Adélia Borges
Convidada para a festa Franco-Brasileira “Nuit
de Parfum” em são Paulo com a participação de
Pierre Cardin, onde foram apresentados e
adquirido três quadros da artista.
Lecionou curso de modelagem na Escolinha de
Arte do Brasil
Lecionou curso de modelagem no Instituto
Pestalozzi
Não tenho certeza da
data
Pode não ter
acontecido? O contrato
foi assinado um ano
antes. A artista pode
ter sofrido o segundo
AVC entre a assinatura
do contrato e a data
marcada
A obra emprestada foi
'Aleluia', de Décio
Vieira
não tenho certeza se
ela participou
Olga falece dia 14 de
agosto
Não participou da
expo, mas é citada no
texto
Não participou da
expo, mas aparece em
foto
Werner falece dia 23
de outubro de 1992
Sem data
Sem data
Sem data
DE-04-B
DE-04-B
Ano
1950?
1971?
1974
Lecionou curso de modelagem no Colégio de
Crianças com Deficiências Auditivas.
Encomenda de noventa peças, a pedido do
Presidente do Conselho do Instituto do Cacau,
para o Festival do Cacau em Itabuna – Bahia
Documento Professor
MA-33 ou MA18
PACE-04
Margareth Spencer
Assunto
Cerâmica
Renina Katz
ArtCenter
Cor e forma
Curso de fotografia
PACE-12-G
Fayga Osgtrower
Milton Ribeiro
PACE-18
Kazuko Abe
Composição
História e teoria das
artes gráficas
Tintura-pintura em
tecido a base e cera
Desenho
Pintura
Pintura
Pintura
Pintura
Pintura
Pintura
Gravura
Gravura
CO-97
PACE-06
MA-67
PACE-03
René Leblanc
Ivan Serpa
Milton Golbring
Zélia Salgado
Santa Rosa
Frank Schaefer
Hilda Schulenberg
Roberto Delamonica
Johnny Friedlander
Ver data
Sem data
Observações
Photosessions? – pode ter
sido sessões de fotografias,
mas parece menos provável
e há anotações sobre
fotografias em um bloco,
como se fossem anotações
de aula
Não tem doc. comprovando
Não tem doc. comprovando
Não tem doc. comprovando
Não tem doc. comprovando
Não tem doc. comprovando
Não tem doc. comprovando
Não tem doc. comprovando
Referências dos documentos onde as informações podem ser encontradas
MROW-Li 03
MROW-G 103
iii
MI-14
iv
DO-15
v
CO-104
vi
MA-33
vii
MA-33, p.24
viii
MA-33, p.28
ix
DO-35
x
Diário Oficial da União, no 17437, 18 de agosto de 1937.
xi
Diário Oficial do Estado de São Paulo, no 289, Ano 48º, 39 de dezembro de 1938 e DO-20, do acervo
Olly e Werner Reinheimer.
xii
Erika Hasenberg, 1998 - CO-104.
xiii
CO-81, CO-73, CO-75. Algumas das cartas não mencionam o local de envio. No entanto, a menção a
passeios a cavalo, associadas às fotos do acervo em que Rene aparece a cavalo, com identificação do
Recanto Saudoso, permitem associar cartas e fotos ao local.
xiv
CO-77, CO-01
xv
Variação sobre o poema do documento MI-24
xvi
Inserir foto do cartão de visitas da Mobília Contemporânea Nedra
i
ii
90
MROW-Li 07, "Petite Galerie: uma visão da arte brasileira: 1954-1988". Olly aparece em duas fotos,
uma com uma venda branca em um dos olhos (p. 105) e outra, de costas, conversando com dois homens
(p.113).
xviii
MA-33
xix
MA-06
xx
MR-OLi 78, READ, Herbet. El significado del arte. Buenos Aires: Losada, 1954.
xxi
DE-04-B, MA-33, MA-63
xxii
MA-33
xxiii
DFC-04; DFC-11; MA-63
xxiv
MROW-G-01
xxv
MROW-G 23
xxvi
IN 32
xvii
91