Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 ἅτινά ἐστιν ἀλληγορούμενα (Gl 4,24) Os Filhos de Sara e Agar: “Alegoria” e Hermenêutica cristã primitiva das Escrituras na Carta aos Gálatas ἅτινά ἐστιν ἀλληγορούμενα (Gl 4,24) The Children of Sara and Hagar: “Allegory” and Early Christian Hermeneutics of Scripture in the Letter to the Galatians Pedro Paulo Alves dos Santos Resumo Em Gl 4, 21-31 encontra-se a intrigante expressão ἅτινά ἐστιν ἀλληγορούμενα (v.24: “Nestes fatos há uma alegoria”) sobre o texto do Gênesis em relação às profundas diferenças entre os filhos de Sara e de Agar. Esta unidade parece indicar que Paulo interpreta personagens e textos do AT através da “alegoria” ou “tipologia”. Em sua argumentação, através de uma operação hermenêutica arriscada, Paulo quer desmontar os argumentos dos “judaizantes” e trazer os gálatas à serenidade do “Evangelho” de Cristo, que ele lhes anunciara no início da trajetória da Comunidade. Mas esta leitura “cristã” das Escrituras do Antigo Testamento parece testemunhar algo mais profundo que uma discussão sobre as técnicas de exegese de Paulo em seu contexto, no Cristianismo primitivo. Estaria em jogo, talvez, o desenvolvimento de uma precisa cristologia apostólica que organizaria não só a argumentação paulina no contexto da “lei”, mas um inteiro sistema de interpretação das Escrituras, que pode ser denominada de “cristã”? O presente artigo, por meio do exame de questões de ordem literária, como a composição da carta, seu gênero e a exegese de conceitos básicos, como “alegoria” e mistério, procurou iluminar na unidade ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 88 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 de Gl 4,21-31 a problemática dos primeiros passos na elaboração de uma hermenêutica judaico-cristã primitiva no âmbito da literatura paulina. Palavras-chave: Literatura Paulina. Carta aos Gálatas. Sara e Agar. Alegoria e metáfora no NT. Escravo e livre. Abstract In Gl 4,21-31 there is the intriguing expression ἅτινά ἐστιν ἀλληγορούμενα (v.24: “In these facts there is an allegory”) about the Genesis’s text in relation to the profound differences between the children of Sara and Hagar. This unit seems to indicate that Paul interprets persons and texts from OT through “allegory” or “typology”. In his argument, through a risky hermeneutic operation, Paul wants to dismantle the arguments of the “Judaizers” and bring the Galatians to the serenity of the “Gospel” of the Grace of Christ, which that he had announced to them at the beginning of the Community’s trajectory. But this christian’s reading of the Old Testament Scriptures seems to bear witness to something more profound than a discussion of Paul’s exegesis techniques in its context in the early Christianity. Could the development of a precise apostolic Christology be at stake, which would organize not only Pauline argumentation in the context of the “law”, but an entire system of interpretation of the Scriptures, which can be called “Christian”? This article, through the examination of literary issues, such as the composition of the Letter, its genre, and the exegesis of basic concepts, such as “allegory” and Mystery, sought to illuminate in the unit of Gl 4,21-31 the problem of the first steps in the elaboration of a primitive Judeo-Christian’s hermeneutics within the sphere of Pauline literature. Keywords: Pauline Literature. Letter to the Galatians. Sarah and Hagar. Allegory and Metaphor in the NT. Slave and free. Introdução O argumento da carta é exposto em 1,6: Θαυμάζω ὅτι οὕτως ταχέως μετατίθεσθε ἀπὸ τοῦ καλέσαντος ὑμᾶς ἐν χάριτι Χριστοῦ εἰς ἕτερον ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 89 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 εὐαγγέλιον,1 no qual chama a atenção a expressão ἕτερον εὐαγγέλιον (vd. Vulg. aliud Evangelium). O verbo Θαυμάζω2 indica admiração indignada. Houve forma de μετατίθεσθε, de transferência ou mutação da “Graça de Cristo” (χάριτι Χριστοῦ) para um “evangelho estranho”. Paulo avalia “energicamente” esta transposição. Parece que os Gálatas estariam deslocando-se do âmago do Kérygma salvífico (χάριτι Χριστοῦ) de Cristo para outra realidade. A espantada acusação de Paulo é que as comunidade da Galácia se afastaram (μετατίθεσθε) da genuína fonte da identidade eclesial, a “pregação apostólica” (de Paulo: ἀπὸ τοῦ καλέσαντος ὑμᾶς) para uma aventura danosa que envolveria a opção “judaizante”3 da prioridade da Lei sobre o Evangelho (da Graça). Não se pode “abandonar” a pregação apostólica (de Paulo) sem perder a “identidade cristã e eclesial”. Mesmo que essa hipótese fosse sugerida por um ser celeste (ἀλλὰ καὶ ἐὰν ἡμεῖς ἢ ἄγγελος ἐξ οὐρανοῦ) seria “anátema” (ἀνάθεμα ἔστω). Paulo reage com veemência sobre a “indiferença” dos Gálatas, diante da verdade (a Graça de Cristo anunciada), que igualaria todos os conceitos (um outro evangelho), como uma forma aparente de respeito alheio (os judaizantes e a lei mosaica). No artigo em questão, embora de escopo limitado, buscar-se-á examinar as questões mais pertinentes no debate acadêmico, no que diz respeito a esta seção da carta de Paulo às igrejas da Galácia. Serão pontuadas algumas questões gerais introdutórias, como a forma ou o gênero literário epistolar e a estruturação da unidade para determinar onde a perícope se encaixa na lógica do argumento de Paulo na carta, como um todo. Com as questões teológicas acerca da interpretação paulina da alegoria de Sara e Agar e a questão da Lei (νόμος), além do “Evangelho de Cristo”, concluiu-se esta pesquisa. Trad. livre: “Estou muito admirado que rapidamente vos transferistes, daquilo que vos foi anunciado na Graça de Cristo para um outro evangelho!”. Segunda a Vulgata: Miror quod sic tam cito transferimini ab eo qui vos vocavit in gratiam Christi in aliud Evangelium. 2 BAILLY, A., Θαυμάζω, p. 918. 3 BARCLAY, J. M. G., Mirror-Reading a Polemical Letter, p. 73-93; BRINSMEAD, B.-H., Galatians as Dialogical Response to Opponents, p. 551-553; SUMNEY, J. L., Studying Paul’s opponents, p. 23-34. 1 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 90 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 1. O Gênero literário da Carta aos Gálatas O pressuposto de uma boa interpretação literária não se alcança somente a partir da configuração ou estruturação de um texto, ou da exegese de vocábulos-chave, mesmo sendo a abordagem diacrônica4 indispensável, em particular, em textos antigos. É necessário também um bom enquadramento do seu “gênero literário” e portanto, da “forma” que se escolheu para a transmissão de um determinado conteúdo (mensagem).5 A Carta aos Gálatas dadas as suas características literárias (emissor e destinários nomeados, saudação…) pertence ao gênero epistolar, que se pode detectar na antiguidade tardia.6 Porém, a abrangência deste conhecido gênero gerou certa discussão, dado que a forma epistolar ‘per se’ não determina o conteúdo de uma epístola. Este conteúdo pode pertencer a (sub)gêneros diversos, pois em uma carta podemos encontrar dados confidenciais, demonstrações filosóficas, informações administrativas, etc… A qual tipo de “discurso” pertenceria a Carta aos Gálatas? A exegese contemporânea tem buscado nos métodos retóricos, nos antigos tratados, respostas a esta questão.7 Para Vanhoye8 trata-se de um discurso “apostólico”, da pregação cristã, de fundo doutrinal, um discurso original em relação às tipologias clássicas da retórica.9 Esta carta constitui um discurso de intervenção apostólica em um momento de crise da Fé. Na concepção de Vanhoye,10 as três partes da carta possuem uma relação livre com os três gêneros da retórica clássica. A primeira parte (1,1–2,21) traz elementos analógicos com o gênero judiciário, pois Paulo defende a si mesmo contra algumas insinuações maliciosas; a segunda parte (3,1–5,12) identificase com o gênero deliberativo, porque Paulo se esforça em reconduzir os Gálatas a uma firme adesão à liberdade cristã; a terceira parte (5,13–6,10) assemelha4 HONG, K. P., Synchrony and Diachrony in Contemporary Biblical Interpretation, p. 521-539. KÖSTENBERGER, A., Invitation to biblical interpretation. 6 KLAUCK, H.-J; BAILEY; D. P., Ancient Letters and the New Testament; DOERING, L., Ancient Jewish Letters and the Beginnings of Christian Epistolography. 7 ALETTI, J.-N., Galates 1-2, p. 305-323; ALETTI, J.-N., New Approaches for Interpreting the Letters of Saint Paul. 8 VANOYE, A., Lettera ai Galati, p. 18. 9 ENOS, R. L., Classical Rhetoric, p. 361-365; WATSON, D. F.; HAUSE, A. J., Rhetorical Criticism of the Bible. 10 VANOYE, A., Lettera ai Galati, p. 18. 5 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 91 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 se ao gênero demonstrativo, pois Paulo fala-lhes de vícios e virtudes. Contudo estas relações analógicas com aspectos dos antigos gêneros retóricos não invalidam a intuição de se estar diante de um gênero “original”. 2. A estrutura literária (plano) da Carta Na perspectiva de Vanhoye11 três elementos se destacam na estrutura discursiva da carta: primeiro, a “autobiografia” paulina (1,11–2,21), uma operação ‘historiográfica’ de Paulo, vista por muitos autores como estratégia narrativo-argumentativa, bem difusa no âmbito do Cristianismo antigo;12 segundo, a exposição doutrinal sobre a “Justificação exclusiva pela fé em Cristo”,13 como se lê também em Romanos; terceiro, o teor psicológico da narração, diante do contexto da ‘crise’ de fé e dos oponentes, a narrativa parece destacar o ‘caráter’ de Paulo14 como um fator de pressão argumentativa em relação aos fiéis da Galácia. A discussão sobre a organização literária da Carta aos Gálatas é extensa. Muitas hipóteses se debatem neste cenário.15 Segue-se neste artigo aquela disposição escolhida por Vanhoye.16 Para ele, a disposição literária é uma escolha em se que adota tanto aspectos de conteúdo e mudança de temática, como também estratégias retórico-discursivas, que sugeririam uma tríplice divisão: 11 VANOYE, A., Lettera ai Galati, p. 14-16. SINISCALCO, P., Il senso della storia; SARDELLA, T., La fine del mondo antico e il problema storiografico della Tarda Antichità; NORELLI, E., Gli atti degli Apostoli sono una storia del Cristianesimo?; GAVENTA, B. R., Galatians 1 and 2, p. 309-326; KOPTAK, P. E., Rhetorical identification in Paul’s autobiographical narrative, p. 97-113; HARDIN, J. K., Galatians 1-2 without a mirror, p. 275-303; PHILIPS, T. E., When Did Paul Become a Christian?, p. 179-200. 13 GARLINGTON, D., Paul’s “Partisan ἐκ” and the Question of Justification in Galatians, p. 567589; LEE, C. C., The Blessing of Abraham, the Spirit, and Justification in Galatians; SCHLIESSER, B., ‘Christ-Faith’ as an Eschatological Event (Galatians 3.23-26), p. 277-300; SCHELLENBERG, R. S., οἱ πιστεύοντες, p. 33-42. 14 ROBERTSON, P., Paul’s Letters and Contemporary Greco-Roman Literature. 15 Um bom cenário encontra-se em PITTA, A., Disposizione e messaggio della Lettera ai Galati, p. 82-151; BETZ, H. D., The Literary Composition and Function of Paul’s Letter to the Galatians, p. 353-379. 16 VANOYE, A., Lettera ai Galati, p. 19. 12 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 92 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 2.1. 1a parte (1,11–2,21) Nesta seção observa-se o uso estratégico da “autobiografia”. De fato, no prólogo da carta (1,6-10) Paulo apresenta-se como Παῦλος ἀπόστολος não por designação humana, mas da parte de Jesus Cristo e de Deus Pai, que O ressuscitou dos mortos (οὐκ ἀπ’ ἀνθρώπων οὐδὲ δι’ ἀνθρώπου ἀλλὰ διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ καὶ θεοῦ πατρὸς τοῦ ἐγείραντος αὐτὸν ἐκ νεκρῶν). A autoridade apostólica que outorga à sua mensagem (εὐαγγέλιος) radica-se na origem divina de sua própria vocação (διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ). É o mesmo Evangelho de Cristo, aquele anunciado pelo Apóstolo. Ele ensina o que aprendeu diretamente de Cristo (v.12: οὔτε ἐδιδάχθην, ἀλλὰ δι’ ἀποκαλύψεως Ἰησοῦ Χριστοῦ), por Revelação, (apokalypsis)17 e esta “Revelação de Cristo” é fonte absoluta da autenticação da verdade e da autoridade do anúncio de Paulo. 2.2. 2a parte (3,1–5,12) Nesta seção Paulo desenvolve uma intensa defesa de “seu” Evangelho. O v.3 inicia-se com uma expressão muito forte, um juízo de valor em relação à tresloucada decisão de (muitos) Gálatas: Ὦ ἀνόητοι Γαλάται (Vulg. O insensati Galatae). Insensatez. Ao mesmo tempo a argumentação paulina volta-se contra a falsidade dos fundamentos deste “outro evangelho”. A unidade 3,1-5 contêm os seguintes argumentos: a. Escolher a carne (v.3: οὕτως ἀνόητοί ἐστε; ἐναρξάμενοι πνεύματι νῦν σαρκὶ ἐπιτελεῖσθε), concluir na carne depois de ter começado no Espírito? b. A experiência de Cristo foi inútil/vã? (v.4. τοσαῦτα ἐπάθετε εἰκῇ; εἴ γε καὶ εἰκῇ18). c. A concessão do Espírito pelo retorno às obras da carne? (v.5: ὁ οὖν ἐπιχορηγῶν ὑμῖν τὸ πνεῦμα καὶ ἐνεργῶν δυνάμεις ἐν ὑμῖν ἐξ ἔργων νόμου ἢ ἐξ ἀκοῆς πίστεως19). DE BOER, M. C., Paul, Theologian of God’s Apocalypse, p. 21-33; STILL, T. D., ‘Once upon a Time’, p. 133-141; CHAMBERS, C., ‘Before I Was Born’, p. 257-269; JUNG, J. J., Separated from My Mother’s Womb. 18 Bíblia de Jerusalém: “Ter feito tais experiências em vão! Se é que foi em vão!”. 19 Bíblia de Jerusalém: “Aquele que vos dá o Espírito e realiza milagres entre vós, acaso o faz pela prática da Lei, ou pela aceitação da fé?”. 17 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 93 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 Também da unidade 4,12-20 extraem-se elementos de argumentação contra a mudança insensata dos Gálatas: 1. A auto-referência na Fé: Γίνεσθε ὡς ἐγώ (Vulg. Estote sicut ego), sejam como Eu. E descreve as condições fraternas, em que enfermo, foi acolhido pelos gálatas, criando assim, em meio à tensa discussão, uma forma de empatia com seus leitores/ouvintes. 2. Os “oponentes”, como na literatura joanina (1Jo)20 constituem um grupo influente, talvez uma maioria, mas não a totalidade da Comunidade. Paulo constrói estrategicamente uma contraposição entre os “verdadeiros” e “eles”, aqueles que querem separar Paulo da (sua) igreja, gerada por ele (meus filhos: v.19: τέκνα μου, οὓς πάλιν ὠδίνω μέχρις οὗ μορφωθῇ Χριστὸς ἐν ὑμῖν21). A tese fundamental desta secunda parte se encontra na seção final da seção precedente, 2,16, em um trecho doutrinal que permeia toda a argumentação da Carta: ninguém é “justificado” (δικαιοῦται) pelas “obras da lei” (ἐξ ἔργων νόμου) senão pela “Fé em Jesus Cristo” (διὰ πίστεως Ἰησοῦ Χριστοῦ). 2.3. 3a parte (5,13–6,10) Esta seção constitui-se em uma refutação ao falso modo de conceber e viver a “liberdade cristã”22 “Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade”: (Ὑμεῖς γὰρ ἐπ’ ἐλευθερίᾳ ἐκλήθητε, ἀδελφοί). A vivência da liberdade cristã em relação ao sistema legal mosaico não significa “libertinagem”. Outra marca de limites desta unidade é a mudança na confecção final da carta, não mais ditada (um amanuense), mas agora escrita por seu próprio punho (v.11: Ἴδετε πηλίκοις ὑμῖν γράμμασιν ἔγραψα τῇ ἐμῇ χειρί). 3. Gl 4,21-31: Introdução Neste sentido o estudo da unidade 4,21-31 oferece uma excelente ocasião para compreender alguns elementos da retórica paulina23 contra este processo 20 STREETT, D. R., They Went Out from Us: The Identity of the Opponents in First John. Bíblia de Jerusalém: “Filhinhos meus, por quem de novo sinto dores de parto, até que Cristo seja formado em vós”. 22 CIMALA, P., ‘Do Not Submit Again to a Yoke of Slavery’, p. 168-191. 23 SAMPLEY, P.; LAMPE, P. (Eds.), Paul and Rhetoric; ALETTI, J.-N., The Rhetorical Approach, p. 105-116. 21 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 94 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 de “conversão eclesial” a um grupo que crê estar obedecendo às “Escrituras” impondo aos outros que a adesão aos preceitos de uma “lei” (νόμος) seria o propedêutico indispensável à verdadeira eficácia do “Evangelho de Cristo”. De que maneira os fundamentos escriturísticos, segundo a visão dos “judaizantes”, justificariam que a identidade eclesial cristã dependesse exclusivamente de uma (certa) leitura rabínico-farisaica da “lei”? Paulo, em sua argumentação, teria desenvolvido uma visão cristã da “lei” em suas relações com a “Graça de Cristo” ou se trataria de mera recusa das “origens” judaicas da fé cristã? Qual seria o papel inovador do “Mistério de Cristo” na nova identidade judaico-cristã?24 Parecem ser as questões que norteiam a força da linguagem retórica de Paulo aos Gálatas. A unidade Gl 4,21–5,1, situada dentro da segunda parte da Epístola (3,1–5,12),25 evoca questões interessantes para a compreensão da Carta no seu conjunto. Por exemplo, o uso da “alegoria”26 em relação à Gn 16, Sara e Agar. Mas em particular o uso desta alegoria na unidade 4,21-31,27 onde atenção é dada aos filhos da “livre” (ἐκ τῆς ἐλευθέρας) e da escrava (ἐκ τῆς παιδίσκης). Também será relevante para a argumentação paulina sobre a lei, o fato que ele utiliza na carta, o termo “νόμος” em duas formas, ora o substantivo sem artigo (indefinido), “uma lei”, ora o termo é utilizado com o artigo definido “a lei”. Uma tal utilização parece proposital em sua argumentação contra a mentalidade “judaizante” que quer se apoderar das comunidades dos Gálatas. Esta unidade encontra-se dentro da moldura “doutrinal” da carta, em sua segunda parte. Paulo expõe sua “exegese” acerca das escolhas equivocadas dos Gálatas. Abraão, já fora indicado como horizonte hermenêutico para o entendimento das relações entre a lei mosaica e a “Graça de Cristo”. Paulo 24 Interessante localizar esta discussão em torno das interpretações desta Carta ao longo da história da interpretação cristã: EGGER, J. A., A Most Troublesome Text. 25 VANHOYE, A., Lettera ai Galati, p. 14-16. 26 Como ponto de partida para discussão é preciso perceber as implicações literárias e semânticas do uso da ‘alegoria’: WITHMANN, J. (Ed.), Interpretation and Allegory antiquity to the modern period; TAMBLING, J., Allegory. 27 Mais particularmente na unidade Gl 4,21-31: JOBES, K. H., Jerusalem, Our Mother, p. 299320; PUNT, J., Revealing Rereading, p. 87-100; CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured, p. 50-77; EMERSON, M. Y., Arbitrary Allegory, Typical Typology, or Intertextual Interpretation?; STARLING, D. I., Justifying Allegory, p. 227-245; BRYANT, A., The Slave Woman and the Free; WALLAKER, D. R., Promise and Freedom, Flesh and Slavery; ZURAWISK, J. M., Mosaic Torah as Encyclical Paideia, p. 283-309. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 95 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 expõe em 4,21-31 sua interpretação (cristã) do AT, a partir de Gn 16–21, a estória de Sara e Agar. A promessa abraâmica (τὴν ἐπαγγελίαν) pela fé, não pode ser anulada pela lei mosaica.28 É o que se lê em Gl 3,6-18, especialmente o v.17: τοῦτο δὲ λέγω διαθήκην προκεκυρωμένην ὑπὸ τοῦ θεοῦ ὁ μετὰ τετρακόσια καὶ τριάκοντα ἔτη γεγονὼς νόμος οὐκ ἀκυροῖ, εἰς τὸ καταργῆσαι τὴν ἐπαγγελίαν.29 Tudo isso parece retornar nesta perícope sob a égide da “alegorização” que enfatiza o argumento já colocado antes: os filhos representam em suas diversas naturezas (por causa das mães) diversas alianças (v.24: δύο διαθῆκαι!). Assim, de fato, Paulo conclui sua argumentação no v.31: διό, ἀδελφοί, οὐκ ἐσμὲν παιδίσκης τέκνα ἀλλὰ τῆς ἐλευθέρας. Não sois filhos da escrava, mas da livre. 4. A exegese de Gl 4,21-31 4.1. Delimitação A unidade 4,21–5,1 insere-se perfeitamente no conjunto da Carta. Paulo começa no capítulo três uma nova seção, implorando aos Gálatas fidelidade ao “Evangelho” que lhe fora revelado, e que eles receberam no Espírito (3,1-5). Este Evangelho está de acordo com a bênção de Abraão (3,6-9). Isso entra em contraste com a lei de Moisés, pois traz uma maldição que Cristo teve que assumir em seu lugar (3,10-14), e que foi dada apenas como um parêntese até que todos atingissem a maturidade e pudessem se tornar uma única família (3,15-29). Visto que foram amadurecidos pela obra redentora de Cristo, agora existem como filhos e herdeiros (4,1-7), mas mesmo assim, alguns Gálatas continuam a querer sujeitar-se a um pedagogo severo, rejeitando o ensino de Paulo (4,8-20). Com base na analogia dos filhos e no uso de Abraão em sua história da Salvação, o apóstolo interpreta “alegoricamente” a história de Abraão: Agar e Sara. Aqui ele explica que embora haja filhos de Abraão destinados à escravidão (Agar), aqueles que são filhos da promessa são realmente livres 28 LAMBRECHT, J., Abraham and His Offspring, p. 525-536; NOVENSON, M. V., The Messiah ben Abraham in Galatians, p. 163-169; DEBBIE, H., Galatians 3:6-9, p. 500-514. 29 Gl 3,17: “Afirmo, portanto: a Lei, que veio quatrocentos e trinta anos mais tarde, não pode anular o testamento feito por Deus em boa e devida forma e não pode tornar sem efeito a promessa”. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 96 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 (Sara). Pois, na verdade, eles foram libertados por essa razão, para que pudessem viver como pessoas libertas (4,21–5,1)! Do 5,2 em diante, Paulo fala de maneira específica e prática sobre a maneira como eles deveriam viver como filhos livres, pelo Espírito, não segundo a carne (5,2–6,10). Eles vivem no presente escatológico da (nova) criação de Deus a que devem se conformar (6,11-18). No entanto, 4,21–5,1 também se apresenta como uma nova unidade, por uma distinta visão do problema “abraâmico” da salvação. Em 4,8-10, Paulo relaciona a observância do antigo calendário, uma agenda do passado inserido na atual vida cristã. Em 4,11-20 surge um apelo pessoal baseado em seu relacionamento anterior com os Gálatas. É neste ponto, no versículo 21 do capítulo quatro, que Paulo volta a apresentar argumentos bíblicos, depois de se separar por um curto período de tempo. Quanto à estruturação da carta percebe-se uma certa variedade de posicionamentos por parte dos comentadores. Em particular no que se refere ao encaixe de 5,1 no contexto literário.30 Muitos o anexam ao final desta seção, enquanto outros afirmam que funciona como uma introdução à próxima seção. A dificuldade é que este é um verso sintaticamente independente, sem nenhuma partícula conectiva para marcar sua relação com o que precede ou segue. Assim, ele parece funcionar tanto como um resumo de 4,21-31 (se não dos capítulos 3–4), como uma introdução às exortações que se seguirão no capítulo cinco. Por causa do “motivo da escravidão”, particularmente em jogo no capítulo 4, mas retomado no 5,1, faz mais sentido entender sua função literária como “resumo” de tudo que fora afirmado antes e deixá-lo anexado a 4,21-31. Além disso, do ponto de vista retórico o trópos Agar-Sara de Gl 4,21-31 é o argumento final de uma seção que começa em 3,1. Betz31 identifica esta seção como a probatio do discurso de Paulo, usando um termo da retórica clássica. A probatio era aquela seção de uma oração deliberativa (em uso no primeiro século cristão) em que se encontrava o cerne da questão ou do argumento. Paulo desenvolve sua argumentação contra a 30 BETZ, H. D., A Commentary on Paul’s Letter to the Churches in Galatia; BRUCE, F. F., Commentary on Galatians; FUNG, R. Y. K., The Epistle to the Galatians; PITTA, A., Disposizione e messaggio della Lettera ai Galati; CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured. 31 BETZ, H. D., A Commentary on Paul’s Letter to the Churches in Galatia. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 97 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 necessidade da circuncisão, conforme proposto pelos judaizantes. Em 3,1 e 4,2122 ele começa e termina a probatio com uma referência a Abraão. Portanto, Gl 4,21-31 é o golpe de misericórdia no argumento de Paulo contra os judaizantes. 4.2. ἅτινά ἐστιν ἀλληγορούμενα (v.24): Alegoria e “Mistério” na Leitura do AT Este cabeçalho é o significado da palavra ἀλληγορούμενα. Segundo os dicionários, é simplesmente “usar analogia ou semelhança para expressar algo”, ou “falar alegoricamente”.32 Esta discussão se arrasta desde a disputa das escolas cristãs de hermenêutica das “Escrituras”, sendo que a de Capadócia tendia a recusar a hipótese, que como Filão de Alexandria, Paulo entendia o texto do Gn como uma alegoria.33 A maioria dos estudiosos acredita que Paulo usa o particípio ἀλληγορούμενα para significar algo entre alegoria e tipologia.34 Na tipologia, pessoas, eventos e instituições da Escritura e da Tradição são tomados como protótipos de pessoas, eventos e instituições presentes e deste modo explicados como cumprimento, repetição ou conclusão dentro de uma estrutura da história da salvação. Tratar-se-ia de um exemplar único dentro dos recursos exegético-hermenêuticos da inaugural interpretação apostólica dos textos da Escritura35 e no Cristianismo Antigo?36 BAILLY, A., ἀλληγορέω, p. 83: proviria de ἄλλος + ἀγορέω: falar de modo diverso. Traduzido em Gal 4:24, como ‘o que é uma alegoria’ “Quais coisas são ditas alegoricamente”. É formado com alos, outro e agoreuo, falando em um ponto de encontro (ágora ou o mercado). Passou a significar falar, não de acordo com o sentido primário ou material da palavra, mas os fatos declarados são aplicados para ilustrar princípios. O significado alegórico não anula o significado literal da narrativa. Pode haver mais de um significado alegórico, embora, é claro, haja apenas um único significado literal. As histórias das Escrituras representam ou incorporam princípios espirituais, e estes passam a ser conhecidos não pelo voo da imaginação, mas pela correta aplicação das doutrinas das escrituras. 33 KEPPLE, R. J., ‘An Analysis of Antiochene Exegesis of Galatians 4,24-26’, p. 239-249; vale a pena referir-se à história mais ampla da Interpretação: EGGER, J. A., A Most Troublesome Text, p. 103-165. 34 Um artigo interessante sobre as fronteiras entre alegoria e tipologia: GUINOT, J.-N., La fronteire entre allegorie et Typologie, p. 207-228; CANEDAY, A. B., Convenant Leneage Allegorically Prefigured, p. 50-77. 35 LONGNECKER, R. N., Biblical Exegesis in the Apostolic Period, p. 126-129, 218-220. Um artigo já clássico mas bem atual: COLLINS, J. J., Rabbinic Exegesis and Pauline, p. 15-26; COHN-SHERBOK, D., Paul and Rabbinic Exegesis, p. 117-132; COLLINS, C. J., Galatians 3:16, p. 75-86. 36 RAMELLI, I. L. E., The Role of Allegory, p. 130-157. 32 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 98 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 O fato que Paulo concebesse seu evangelho como simultaneamente prometido há muito tempo, “pregado de antemão a Abraão” (3,8), com a promessa agora sendo cumprida (3, 16), e, oculta por muito tempo, mas agora revelada (1,12ss; 3,23ss; Rm 16,25-27), isso exige que se localize as garantias do apóstolo para seu uso da narrativa Abraâmica em dois locais:37 1. Dentro de sua visão reveladora transmitida por meio sua cristofania na estrada de Damasco; 2. No interior do próprio texto do Antigo Testamento em que o próprio ato de revelar o Evangelho com antecedência, implicava ocultação do Evangelho para sua completa divulgação na “plenitude do tempo” (Gl 4,4). O uso alegórico referido no v.24 enquadra-se dentro daquela Revelação “teofânica” de Jesus em Damasco. O esquema “teológico” desta leitura do AT em Paulo refletiria uma concepção cristológica do “Mistério”. Esta palavra não se encontra nesta carta, mas seu sentido é claro quando Paulo referencia a mensagem (Evangelho) de seu Apostolado a partir de noção de Revelação de Jesus Cristo (1,12: ἀποκαλύψεως Ἰησοῦ Χριστοῦ).38 O parágrafo culminante de Paulo consiste em três segmentos: Primeiro, o apóstolo resume os destaques dos elementos da narrativa de Abraão. Segundo, Paulo explica aquelas coisas que ele cita das Escrituras. Ele anuncia, “Estas coisas são escritas alegoricamente”, de modo a afirmar: nestas mulheres existem duas alianças. Paulo fornece então, suporte bíblico à sua explicação ao citar Is 54,1. Terceiro, o apóstolo aplica a alegoria ao enfatizar seu significado sobre os Gálatas. Na perspectiva de Caneday39 pode-se estabelecer um paralelo deste conceito subscrito nas entrelinhas de Gálatas através do famoso relato pascal de Lc 24, os discípulos de Emaús. Talvez a epifania de Jesus ao longo de outra estrada, a estrada para Emaús, seja instrutivo a respeito daquela de Damasco, em sua Cristofania. 37 CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured. Há alguns estudos sobre esta concepção no pensamento Paulino, em particular na Carta aos Romanos: NANOS, M. D., The Mystery of Romans. Mas também em outras cartas: GRINDHEIM, S., What the OT Prophets Did Not Know, p. 531-553; CARSON, D. A., Mystery and fulfillment, p. 393-436. 39 CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured, p. 52. 38 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 99 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 A narrativa de Lc 24,13-35 dramatiza o conceito bíblico de Mistério.40 Isto envolve o ato de Jesus revelar as Escrituras sobre o Messias acompanhado pelo gesto de esconder sua identidade à vista de todos, mantendo seus olhos longe de reconhecê-lo. Tudo isso é seguido pela bênção de Jesus e a “fractio panis”, um ato que intencionalmente remete ao mesmo ocorrido durante a última ceia (Lc 22,19), e que revela a identidade de Cristo, até então escondida aos dois discípulos, abrindo-lhe os olhos para reconhecê-lo como o Cristo revelado nas Escrituras.41 O que permanecera escondido à vista de todos, objetivamente na Escritura (24,25-27) e subjetivamente diante de suas vistas (24,16), foi agora revelado claramente (24,31) a ponto de exclamarem entre si: “Não ardiam nossos corações enquanto Ele falava conosco pela estrada, enquanto nos explicava as Escrituras?” (24,32). Deste modo o conceito (implícito) de “mistério” revelado a Paulo autoriza a sua compreensão do AT e o uso “alegórico” em Gl 4,24. Segundo Caneday, a lógica do relato lucano ilumina a dimensão hermenêutica do Mistério de Cristo: Este relato envolve ocultar e revelar em duas esferas ou âmbitos distinguíveis. Estes dois atos e as duas dimensões são cruciais para compreender o conceito bíblico de Mistério, como Paulo o retrata. Tanto ocultar quanto revelar envolvem duas esferas: uma objetiva (conhecimento velado embora simultaneamente tornado conhecido) e uma subjetiva (conhecimento contido de apreensão, ainda com culpabilidade, mas depois com compreensão). Assim, tanto a vinda de 40 BAILLY, A., μυστήριον, ου, τό, p. 1308. Em geral: um mistério ou doutrina secreta. Um mistério, segredo, do qual a iniciação é necessária; no NT: os conselhos de Deus, outrora ocultos, mas agora revelados no Evangelho ou em algum fato dele; a revelação cristã em geral; verdades particulares ou detalhes da revelação cristã. Na Bíblia, um “mistério” não é algo incognoscível. Em vez disso, é o que só pode ser conhecido por meio da Revelação, ou seja, porque Deus o revela. 41 É decisivo o léxico do v. 27: ‘καὶ ἀρξάμενος ἀπὸ Μωϋσέως καὶ ἀπὸ πάντων τῶν προφητῶν διερμήνευσεν (grifo é nosso) αὐτοῖς ἐν πάσαις ταῖς γραφαῖς τὰ περὶ ἑαυτοῦ’: ‘E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava dito em todas as Escrituras’. Destaca-se o termo ‘διερμήνευσεν’ (Vulg. interpretabatur) da palavra “hermenêutica”. Jesus é “exegeta” das Escrituras, aliás, seu “seu Mistério” é que “abre” o sentido profundo das Escrituras. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 100 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 Cristo para cumprir as Escrituras, quando da abertura dos olhos dos discípulos, criando a fé que traz compreensão, são reveladores.42 Por fim, este uso “mistérico” nas antigas Escrituras justifica-se da parte de Paulo e de certa maneira do Cristianismo primitivo, no qual ele imerge com sua conversão (Damasco).43 O que agora é revelado é o que sempre esteve lá à vista de todos para ser visto por todos os que têm olhos. Tal é a forma como o Antigo Testamento foi escrito. Tal é a maneira como a Escritura dá testemunho de Cristo Jesus. É assim que Jesus revela seu reino (Mc 4,10-12). É isso o que Paulo se deu conta por meio de seu encontro com o Cristo Ressuscitado na estrada para Damasco, como se lê em Rm 16,25-27? As mesmas Escrituras que ocultaram o Mistério por muito tempo são os meios pelos quais o Mistério agora é revelado. Assim, o enigmático, ocultando características dentro do enredo das Escrituras, não menos do que as promessas e previsões diretas, é essencial para o cumprimento do Evangelho e da Revelação, embora reconhecida mais completamente apenas do ponto de vista de seu cumprimento. 44 Após analisar a relevante questão da “alegorização” em suas relações com o poder hermenêutico do “Myterium Christi”, como expressão de fundo na exegese Paulina do Gn, cabe examinar um outro termo chave em toda a Carta e que justifica a alegorização dos filhos da escrava (Agar) e da livre (Sara): Lei (νόμος). 4.3. “Uma” Lei e o valor da Justificação cristã Gl 4,21: “Dizei-me, vós que quereis estar sujeitos a uma Lei, não ouvis a Lei?” Paulo enquadra sua interrogação com conotações negativas e sarcasmo, envolvendo referências a ambos os tempos e status. A expressão “estar sob a lei” (ὑπὸ νόμον) ocorre três vezes anteriores na carta (3,23; 4,4.5). Esses usos mostram que desejar estar sob a lei é uma regressão à infância, sob a imposição de um pedagogo (παιδαγωγὸς);45 regredir para uma era antes da 42 CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured, p. 52. CHURCHILL, T. W. R., Divine Initiative and the Christology of the Damascus Road Encounter. 44 CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured, p. 53. 45 BIBLE HUB, παιδαγωγὸς: ‘ὥστε ὁ νόμος παιδαγωγὸς ἡμῶν γέγονεν εἰς Χριστόν, ἵνα ἐκ πίστεως δικαιωθῶμεν’: ‘Assim a Lei se nos tornou pedagogo encarregado de levar-nos a Cristo, 43 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 101 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 “plenitude dos tempos” (Gl 4,4). Viver na escravidão, estar confinado sob a custódia de uma lei. Seria como habitar sob a maldição de uma lei, em uma condição grave e indesejável, em que se precisa exclusivamente da redenção Cristo. Por isso, o desejo de estar sob a lei é equivalente a repudiar o Filho de Deus, que nasceu sob a lei com o propósito de tornar-se maldição para redimir aqueles que estavam sob a lei (3,13), e por isso, podem receber adoção como filhos (4,5), um ponto que Paulo mais tarde ressaltará (5,4). Vanhoye46 observa que Paulo provoca seus leitores/ouvintes ao jogar com dois significados bíblicos da palavra “lei”, aquele da legislação e o da Revelação divina. Como se percebe em Rm 3,21.47 Em relação ao primeiro significado Paulo não usa o substantivo com artigo (definido), simplesmente “(uma) lei”, ao contrário, coloca o artigo na segunda citação da lei (a Lei). Se os Gálatas querem de fato submeter-se à legislação mosaica deveriam estar mais atentos à “tôrah” como revelação divina. Entenderiam assim que não era o caso de renunciar à liberdade cristã, já que a “tôrah” enquanto revelação do projeto divino anunciava o fim do sistema legislativo mosaico. Paulo discerne este sentido “profético” em alguns fatos da “história de Abraão”, que se referem à descendência do Patriarca e são expostos com uma certa insistência em Gn 16–21. 4.4. A Jerusalém, nossa Mãe (v.26) ‘ἡ δὲ ἄνω Ἰερουσαλὴμ ἐλευθέρα ἐστίν, ἥτις ἐστὶν μήτηρ ἡμῶν’. Uma Jerusalém “livre” (ἐλευθέρα), do alto (ἄνω)48 e nossa Mãe (μήτηρ ἡμῶν). Estas afirmações no v.26, decorrem da argumentação anterior, dos vv.22-24, sobre para sermos justificados pela fé.’ Paidagōgós. Pais: ‘uma criança em desenvolvimento por instrução estrita’ - propriamente, um superintendente legalmente constituído, autorizado a treinar (educar) uma criança administrando disciplina, castigo e instrução, ou seja, fazendo o que fosse necessário para promover desenvolvimento. (paidagōgos) é usado também para o papel da Lei (AT), especialmente a ‘letra’ (fundamento, detalhes técnicos) necessária para estabelecer as doutrinas da salvação, graça, fé, etc… 46 VANHOYE, A., Lettera ai Galati, p. 123-124. 47 HÜBNER, H., Law in Paul’s Thought; THIELMAN, F., From plight to solution; WARE, J. P., Law, Christ, and Covenant, p. 513–540; YOUNG, S. L., Paul’s Ethnic Discourse on “Faith”, p. 30-51. 48 BAILLY, A., ἄνω, p. 193. Sobre a dimensão apocalíptico-escatológica da Cidade de Jerusalém no livro do Apocalipse: SANTOS, P. P. A., ‘A (Nova) Jerusalém Celeste’ (Ap 21,9-22,5), p. 357-386. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 102 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 os filhos da liberdade e da escravidão. Também há uma cidade escrava (v.25) e uma liberta. A qual delas quereis pertencer? Esta imagem é corroborada pela leitura de Is 54,41: ‫י־ר ִּ֧בים‬ ַ ‫ֵי־שֹומֵ ָ֛מה ִּֽכ‬ ִּֽ ‫מבנֵ ֵ֥י ִּֽבנ‬ ‫יהֹ וִּֽה א ַ ֵ֥מר בעּולָ֖ה‬:‫ֹא־חלה ו ַ ִּֽצהֲלי ר ָּ֚נה פצ ִ֨חי ילָ֑דה ֹ֣ל ֹא עֲק ָ֖רה רנֵ֥י‬ ָ֔ ‫ל‬.49 A sintaxe do v. 27 indica que Paulo esperava que a citação de Isaías 54,1 apoiasse seu argumento. A cotação é introduzida pela fórmula “pois está escrito” (γέγραπται γάρ). A conjunção “gar” insinua que Paulo pretende usar a citação para de alguma forma avançar, explicar ou fundamentar seu pensamento anterior, que inclui pelo menos o v.26. J. Bligh50 discute longamente a questão específica de como Paulo entendeu Is 54,1 e porque ele o cita aos Gálatas. De acordo com Bligh, Paulo viu que as palavras de Isaías estão sendo cumpridas em um sentido ultra-literal. A velha Jerusalém permanece “sob um marido”, isto é, sujeita à lei. A nova Jerusalém, sendo “desolada”, não está sujeita à lei do marido, mas é livre. Para apoiar a ideia de que Jerusalém que tem marido é Jerusalém sob a lei, Bligh evoca Romanos 7,2: “A mulher casada está sujeita à lei de seu marido enquanto ele viver”. Além disso, há duas palavras semanticamente importantes na passagem, ἀλληγορούμενα e συστοιχεῖ51 que são “hapax legomena” no NT. Conclusão “Typos” constitui um ponto de partida natural para uma discussão com a exegese histórico-crítica. Visto que a interpretação histórico-gramatical encontrará o mesmo significado simbólico e tipológico dentro da profecia, o que mostra como a profecia também tem uma relação organicamente unificada com os crentes do Novo Testamento. Relações tipológicas não podem ser simplesmente rejeitadas como um recurso secundário. A principal fraqueza de teoria interpretativa crítica clássica, 49 ‘Dá gritos de alegria, estéril, tu que não tens filhos; entoa cânticos de júbilo, tu que não dás à luz, porque os filhos da desamparada serão mais numerosos do que os da mulher casada, declara o Senhor’. GIGNILLIAT, M. S., Isaiah’s Offspring, p. 205-223. 50 BLIGH, J., Galatians, p. 51. 51 συστοιχέω/στοιχέω: para ficar ou marchar na mesma fila (fila) com: então, uma vez corretamente, de soldados (Políbio 10, 21,7), portanto, para ficar contra, ser paralelo com; topicamente, responder a, assemelha-se a (τίνι), assim, uma vez é ‘typos’ do AT que responde ao antítipo no Novo: Gal 4,25. BAILLY, A., συστοιχέω/στοιχέω, p. 1795; CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured, p. 140. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 103 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 neste ponto, tem sido a negligência da integração da interpretação tipológica com aquela interpretação histórico-gramatical.52 O exame da leitura hermenêutica de Paulo em Gl 4,21-31, em destaque o v.24, em que ele dispõe às comunidades cristãs da Galácia a explorar o significado das “Escrituras” com a lente de uma “alegoria”, possibilitou a percepção das estratégias de uma árdua discussão: a adesão a um “outro evangelho” da parte da Comunidade, não mais aquele de Cristo, outrora anunciado por Paulo. Neste contexto, na unidade 4,21–5,1 Paulo explorou uma hermenêutica bíblica do evento abraâmico como foco central na argumentação contra as teses “judaizantes”. Somente a fé em Cristo, como aquela de Abraão pode salvar, não as “obras da carne”, como se lê em Gl 3. O que Paulo está dizendo em Gálatas 4 é semelhante ao que ele escreve em 1 Coríntios 10, onde afirma: Haec autem omnia in figura contingebant illis: scripta sunt autem ad correptionem nostram, in quos fines saeculorum devenerunt (10,11).53 Sob a Providência de Deus, os patriarcas e suas experiências estão imbuídos de significados figurativos que prenunciam as coisas que estão por vir. Tal como aconteceu com o escritor da Carta aos Hebreus, Paulo reconhece que os assuntos domésticos dentro da casa de Abraão são parabólicos. Eles representam simbolicamente eventos vindouros de vasto significado futuro do Redentor (Hb 11,19).54 Em 1 Coríntios 10,11 Paulo usa o advérbio tipologicamente (τυπικῶς) para descrever como Deus providencialmente trouxe “para nós” os discretos eventos das experiências de Israel, que estão inscritos dentro das Escrituras (10,1-11). Da mesma forma, em Gálatas 4, o apóstolo usa o particípio, escrito alegoricamente, (ἀλληγορούμενα v.24) para representar como Deus imbuiu as características da narrativa do Gênesis a respeito de Abraão e sua família 52 CANEDAY, A. B., Biblical Types, p. 140. Vulgata: ‘in figure’. ‘Ora, todas essas coisas lhes aconteceram como exemplos; e foram escritas para nossa admoestação, para quem é chegado o fim dos tempos’. SANER, A. D., Of Bottles and Wells, p. 199-215. 54 v. 19: ‘Estava ciente de que Deus é poderoso até para ressuscitar alguém dentre os mortos. Assim, ele conseguiu que seu filho lhe fosse devolvido. E isso é um ensinamento para nós!’. SWETNAM, J., Isaac as promise. Acerca da perspectiva paulina em Gálatas: WILLIAMS, S. K., Promise in Galatians. 53 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 104 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 como representação simbólica “para nós”, que somos “filhos” da promessa de acordo com Isaac. É certo que a revelação teofânica de Jesus Cristo a Paulo na estrada de Damasco, altera como ele lê e ensina a Lei e os Profetas. Pois, envolvia sua conversão de fariseu em cristão e expressou a mudança de advogado rabínico da lei para a nova dimensão apostólica, o “véu” que cobria seu coração foi removido. Assim, a Encarnação de Cristo e a experiência de revelação a Paulo constituíram um dos dois “locus” cruciais que garantem a compreensão do apóstolo e o uso do AT. Estas categorias fundamentaram sua proclamação de Jesus Cristo como cumprimento das promessas de Deus feitas a Abraão, reafirmadas aos patriarcas, e por todos os profetas. Sua visão do Cristo ressuscitado marca não apenas o início de sua fé cristã, mas também seu papel como Apóstolo de Cristo. Paulo, no entanto, nunca força o texto para fundamentar seu evangelho, adquirido exclusivamente em sua visão reveladora de Damasco. Na verdade, o raciocínio de Paulo a partir das Escrituras às vezes é difícil de entender (2Pd 3,16), como seu apelo à alegoria da Escritura em Gl 4,21-31 prova ser. Isso se deve em grande parte à natureza da revelação do Antigo Testamento, que no próprio ato de revelar o Evangelho com antecipação envolveria a ocultação do mesmo para aguardar claramente a sua divulgação na plenitude dos tempos. Paulo utiliza o método alegórico para servir como a pedra angular de seu argumento em Gl 3,1–5,1, esperando assim que seus leitores rastreiem seu raciocínio a partir do AT. Sara e Agar com seus respectivos filhos nascidos de maneiras muito diferentes, prefiguram alegoricamente duas alianças distintas. Porque os judaizantes traçam sua linhagem até a aliança do Sinai, eles são filhos da escrava com Ismael. Filhos do Sinai, herdeiros do pacto da lei mosaica. Sua linhagem é de acordo com a carne (v.29: κατὰ σάρκα γεγέννηται). Ao contrário, os crentes em Cristo, de acordo com Isaac, nasceram por meio da promessa, nasceram segundo o Espírito (v.29: κατὰ πνεῦμα) Eles são filhos da promessa, a verdadeira semente de Abraão, porque pertencem a Cristo, a quem as promessas foram feitas.55 55 CANEDAY, A. B., Covenant Lineage Allegorically Prefigured, p. 67. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 105 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 Referências bibliográficas ALETTI, J.-N. Galates 1-2: Quelle fonction et quelle démonstration? Biblica, v. 86, n. 3, p. 305-323, 2005. ALETTI, J.-N. New Approaches for Interpreting the Letters of Saint Paul: Collected essays. Rome: GBP, 2012. (Subsidia biblica, 43). ALETTI, J.-N. The Rhetorical Approach: A Better Method for Interpreting the Letters of Paul?: Rom 1,18-3,20 as a Test Case. Biblica, v. 100, n. 1, p. 105116, 2019. BAILLY, A. ἀλληγορέω. In: BAILLY, A. Dictionnaire de Greq-Français. Paris: Hauchette, 1963. p. 83. BAILLY, A. ἄνω. In: BAILLY, A. Dictionnaire de Greq-Français. Paris: Hauchette, 1963. p. 193. BAILLY, A. μυστήριον, ου, τό. In: BAILLY, A. Dictionnaire de GreqFrançais. Paris: Hauchette, 1963. p. 1308. BAILLY, A. Θαυμάζω. In: BAILLY, A. Dictionnaire de Greq-Français. Paris: Hauchette, 1963. p. 918. BAILLY, A. συστοιχέω/στοιχέω. In: BAILLY, A. Dictionnaire de GreqFrançais. Paris: Hauchette, 1963. p. 1795. BARCLAY, J. M. G. Mirror-Reading a Polemical Letter: Galatians as a Test Case. JSNT, v. 31, n. 2, p. 73-93, 1978. BETZ, H. D. A Commentary on Paul’s Letter to the Churches in Galatia. Philadelphia: Hermeneia Fortress, 1979. BETZ, H. D. The Literary Composition and Function of Paul’s Letter to the Galatians. New Testament Studies, v. 2, n. 3, p. 353-379, 2009. BIBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1995. BIBLE HUB. παιδαγωγὸς. Disponível <https://biblehub.com/greek/3807.htm>. Acesso em 18 fev. 2021. em: BLIGH, J. Galatians. A Discussion of St. Paul’s Epistle. London: St Paul Publications, 1969. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 106 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 BRINSMEAD, B-H. Galatians as Dialogical Response to Opponents. Journal of Biblical Literature, v. 104, n. 3, p. 551-553, 1985. BRUCE, F. F. Commentary on Galatians. Grand Rapids: Eerdmans, 1982. BRYANT, A. The Slave Woman and the Free: The Role of AGAR and Sara in Paul’s Galatians 4:21-5:1 Allegory. Tennessee, 2019. 43p. PhD. The Department of Religious Studies and to the Chancellor’s Honors Program. Tennessee, 2019. Disponível em: <https://trace.tennessee.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3335&context=utk_c hanhonoproj>. Acesso em: 10 fev. 2021. CANEDAY, A. B. Biblical Types: Revelation Concealed in Plain Sight to be Disclosed – “These Things Occurred Typologically to Them and Were Written Down for Our Admonition”. In: BURK, D.; HAMILTON JR., J. M.; VICKERS, B. (Eds.). God’s Glory Revealed in Christ. Essays on Biblical Theology in Honor of Thomas R. Schreiner. Nashville: B&H Publishing Group, 2017. p. 135-155. CANEDAY, A. B. Covenant Lineage Allegorically Prefigured: “Which Things Are Written Allegorically” (Galatians 4:21–31). SBJT, v. 14, n. 3, p. 50-77, 2010. CARSON, D. A. Mystery and fulfillment: Toward a more comprehensive paradigm of Paul’s understanding of the old and the new testament. In. CARSON, D. A; O'BRIEN, P. T. et al. (Eds.) Justification and variegated nomism. p. 393-436, 2004. v.II. CHAMBERS, C. ‘Before I Was Born’: Time in Paul’s Autobiographical Reflection in Galatians 1 and 2. Journal for the Study of Paul and His Letters, v. 5, n. 2, p. 257-269, 2015. CHURCHILL, T. W. R. Divine Initiative and the Christology of the Damascus Road Encounter. Eugene: Pickwick Publications, 2010. CIMALA, P. ‘Do Not Submit Again to a Yoke of Slavery’: Liberation in Christ as a ‘New Exodus’ in Paul’s Letter to Galatians. Interactions in Interpretation, n. 185, p. 168-191, 2020. COHN-SHERBOK, D. Paul and Rabbinic Exegesis. Scottish Journal of Theology, v. 35, n. 2, p. 117-132, 1982. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 107 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 COLLINS, C. J. Galatians 3:16: What Kind of exegese was Paul? Tyndale Bulletin, v. 54, n. 1, p. 75-86, 2003. COLLINS, J. J. Rabbinic Exegesis and Pauline: Part I Rabbinic Exegesis. The Catholic Biblical Quarterly, v. 3, n. 1, p. 15-26, 1941. DE BOER, M. C. Paul, Theologian of God’s Apocalypse. A Jornal of Bible and Theology, v. 56, n. 1, p. 21-33, 2002. DEBBIE, H. Galatians 3:6-9: Abraham’s Fatherhood and Paul’s Conclusions. The catholic biblical quarterly, v. 78, n. 3, p. 500-514, 2016. DOERING, L. Ancient Jewish Letters and the Beginnings of Christian Epistolography. Tübingen: M. Siebeck, 2012. EGGER, J. A. A Most Troublesome Text: Galatians 4:21–5:1 in the History of Interpretation. Toronto, 2015. 367p. Tese. Faculty of Emmanuel College and the Biblical Departament, University S. Michel’College. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1807/71011>. Acesso em: 10 fev. 2021. EMERSON, M. Y. Arbitrary Allegory, Typical Typology, or Intertextual Interpretation? Paul’s Use of the Pentateuch in Galatians 4:21–31. Biblical Theology Bulletin: Journal of Bible and Culture, v. 43, n. 1, p. 14-22, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/0146107912470332>. Acesso em: 10 fev. 2021. ENOS, R. L. Classical Rhetoric and Rhetorical Criticism Rhetoric. Review, v. 25, n. 4, p. 361-365, 2006. FUNG, R. Y. K. The Epistle to the Galatians. Grand Rapids: Eerdmans, 1988. GARLINGTON, D. Paul’s “Partisan ἐκ” and the Question of Justification in Galatians. Journal of Biblical Literature, v. 127, n. 3, p. 567-589, 2008. GAVENTA, B. R. Galatians 1 and 2: Autobiography as Paradigm. Novum Testamentum, v. 28, n. 4, p. 309-326, 1986. GIGNILLIAT, M. S. Isaiah’s Offspring: Paul’s Isaiah 54:1 Quotation in Galatians 4:27. Bulletin for Biblical Research, v. 25, n. 2, p. 205-223, 2015. GRINDHEIM, S. What the OT Prophets Did Not Know: The Mystery of the Church in Eph 3,2-13. Biblica, v. 84, n. 4, p. 531-553, 2004. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 108 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 GUINOT, J.-N. La fronteire entre allegorie et Typologie. École Alexandrine, École antiochene. RSR, v. 99, n. 2, p. 207-228, 2011. HARDIN, J. K. Galatians 1-2 without a mirror: reflections on Paul's conflict with the agitators. Tyndale Bulletin, v. 65, n. 2, p. 275-303, 2014. HONG, K. P. Synchrony and Diachrony in Contemporary Biblical Interpretation. The Catholic Biblical Quarterly, v. 75, n. 3, p. 521-539, 2013. HÜBNER, H. Law in Paul’s Thought. London: T&T Clark, 1984. JOBES, K. H. Jerusalem, Our Mother: Metalepsis and Intertextuality in Galatians 4:21-31. Westminster Theological Journal, v. 55, n. 2, p. 299-320, 1993. JUNG, J. J. Separated from My Mother’s Womb: An Appraisal of Paul’s Testimony in Galatians 1:15. Biblical Theology Bulletin: Journal of Bible and Culture, v. 48, n. 1, p. 26-33, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/0146107917746579>. Acesso em: 11 fev. 2021. KEPPLE, R. J. ‘An Analysis of Antiochene Exegesis of Galatians 4,24-26’. Westminster Theological Journal, v. 39, n. 2, p. 239-249, 1977. KLAUCK, H.-J; BAILEY, D. P. Ancient Letters and the New Testament: A Guide to Context and Exegesis. Waco: Baylor, 2006. KOPTAK, P. E. Rhetorical identification in Paul’s autobiographical narrative: Galatians 1.13-2.14. Journal for the Study of the New Testament, n. 40, p. 97-113, 1990. Disponível em: <https://doi.org/10.1177/0142064X9001304007>. Acesso em: 11 fev. 2021. KÖSTENBERGER, A. Invitation to biblical interpretation: Exploring the hermeneutical triad of history, literature, and theology. Michigan: Kregel, 2021. LAMBRECHT, J. Abraham and His Offspring. A Comparison of Galatians 5,1 with 3,13. Biblica, v. 8, n. 4, p. 525-536, 1999. LEE, C. C. The Blessing of Abraham, the Spirit, and Justification in Galatians. Their Relationship and Significance for Understanding Paul’s Theology. Eugene, Oregon: Pickwick Publishing, 2013. LONGNECKER, R. N. Biblical Exegesis in the Apostolic Period. Grands Rapids: Eerdmans, 1975. ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 109 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 NANOS, M. D. The Mystery of Romans: The Jewish Context of Paul’s Letter. Minneapolis: Augsburg, 1996. NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. 28th Revised ed. Edition. Münster: Deutsche Bibelgesellschaft, 1975. NORELLI, E. Gli atti degli Apostoli sono una storia del Cristianesimo? RSCr, v. 12, n. 1, p. 13-50, 2015. NOVENSON, M. V. The Messiah ben Abraham in Galatians: A Response to Joel Willitts. Journal for the Study of Paul and His Letters, v. 2, n. 2, p. 163169, 2012. PHILIPS, T. E. When Did Paul Become a Christian? Rereading Paul’s Autobiography in Galatians and Biography in Acts. In: FROELICH, M.; KOCHENASH, M.; PHILIPS, T. E.; PARK, I. (Eds.). Christian Origins and the New Testament in the Greco-Roman Context – Essays in Honor of Dennis R. McDonald. Claremont: Claremont Press, 2016. p. 179-200. PITTA, A. Disposizione e messaggio della Lettera ai Galati. Roma: PIB, 1992. PUNT, J. Revealing Rereading. Parte I. ‘Pauline Allegoryin Galatians 4:215:1’. Neotestamenica, v. 40, n. 1, p. 87-100, 2006. RAMELLI, I. L. E. The Role of Allegory, Allegoresis and Metaphor in Paul and Origen. JGRChJ, v. 14, p. 130-157, 2018. ROBERTSON, P. Paul’s Letters and Contemporary Greco-Roman Literature: Theorizing a New Taxonomy. Leiden/Boston: Brill, 2016. SAMPLEY, P.; LAMPE, P. (Eds.) Paul and Rhetoric. London: Clark&Clark, 2019. SANER, A. D. Of Bottles and Wells: AGAR’s Christian Legacy. Journal of Theological Interpretation, v. 11, n. 2, p. 199-215, 2017. SANTOS, P. P. A. ‘A (Nova) Jerusalém Celeste’ (Ap 21,9-22,5): Sobre a Cidade Escatológica. Uma Topografia da Salvação na tradição joanina do Livro do Apocalipse. Atualidade Teológica, v. 20, n. 53, p. 357-386, mai./ ago. 2016. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/27083/27083.PDF>. Acesso em: 11 fev. 2021. DOI: 10.17771/PUCRio.ATeo.27083 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 110 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 SARDELLA, T. La fine del mondo antico e il problema storiografico della Tarda Antichità: il ruolo del cristianesimo. Chaos e Kosmos, n. 14, 2013. Disponível em: <www.chaosekosmos.It>. Acesso em: 12 fev. 2021. SCHELLENBERG, R. S. οἱ πιστεύοντες: An Early Christ-Group SelfDesignation and Paul’s Rhetoric of Faith. New Testament Studies, v. 65, n. 1, p. 33-42, 2019. SCHLIESSER, B. ‘Christ-Faith’ as an Eschatological Event (Galatians 3.2326): A ‘Third View’ on Πίστις Χριστοῦ. Journal for the Study of the New Testament, v. 38, n. 3, p. 277-300, 2016. SINISCALCO, P. Il senso della storia: studi sulla storiografia cristiana antica. Soveria Manelli: Rubbettino, 2003. STARLING, D. I. Justifying Allegory: Scripture, Rhetoric, and Reason in Galatians 4:21–5:1. Journal of Theological Interpretation, v. 9, n. 2, p. 227245, 2015. STILL, T. D. ‘Once upon a Time’: Galatians as an Apocalyptic Story. Journal for the Study of Paul and His Letters, v. 2, n. 2, p. 133-141, 2012. STREETT, D. R. They Went Out from Us: The Identity of the Opponents in First John. Berlin/New York: Gruyter, 2011. SUMNEY, J. L. Studying Paul’s opponents: Advances and challenges. In: PORTER, S. E. (Ed.) Paul and his opponents. Leuven/Boston: Brill, 2005. p. 7-58. SWETNAM, J. Isaac as promise: a study of the symbolism in Hebrews 11,19. Melita Theologica, v. 55, n. 1, p. 65-74, 2004. TAMBLING, J. Allegory. London/New York: Routledge, 2010. THIELMAN, F. From plight to solution: A Jewish framework for understanding Paul's view of the law in Galatians and Romans. Leuven: Brill, 1989. VANOYE, A. Lettera ai Galati. Nuove Versione, introduzione e commento. Milano: Paoline, 2000. WALLAKER, D. R. Promise and Freedom, Flesh and Slavery: Paul’s Hermeneutical Key in Galatians 4:21-5:1 in Light of the Themes and the Structure of Galatians. Louisville, 2017. 195p. Dissertação. Faculty of The ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 111 ISSN 2596-2922 DOI: 10.46859/PUCRio.Acad.ReBiblica.2596-2922.2021v2n3p88 Southern Baptist Theological Seminary. Disponível <http://hdl.handle.net/10392/5466>. Acesso em: 11 fev. 2021. em: WARE, J. P. Law, Christ, and Covenant: Paul’s Theology of the Law in Romans 3:19–20. The Journal of Theological Studies, v. 62, n. 2, p. 513–540, 2011. WATSON, D. F.; HAUSE, A. J. Rhetorical Criticism of the Bible: A Comprehensive Bibliography With Notes on History and Methods. Leuven: Brill, 1994. WILLIAMS, S. K. Promise in Galatians: A Reading of Paul’s Reading of Scripture. Journal of Biblical Literatur, v. 107, n. 4, p. 709-720, 1988. WITHMANN, J. (Ed.). Interpretation and Allegory antiquity to the modern period. Leuven/Boston/ Koln: Brill, 2000. YOUNG, S. L. Paul’s Ethnic Discourse on “Faith”: Christ’s Faithfulness and Gentile Access to the Judean God in Romans 3:21-5:1. The Harvard Theological Review, v. 108, n. 1, p. 30-51, 2015. ZURAWISK, J. M. Mosaic Torah as Encyclical Paideia. Reading Paul’s Allegory of AGAR and Sarain Light of Philo of Alexandria’s. In: HOGAN, K. M.; GOFF, M.; WASSERMAN, E. (Eds). Pedagogy in Ancient Judaism and Early Christianity. Atlanta: SBL Press, 2017. p. 283-309. v.41. Pedro Paulo Alves dos Santos Doutor em Teologia Bíblica pela Pontificia Universitá Gregoriana Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro / RJ – Brasil E-mail: pedosantos@gmail.com Recebido em: 08/03/21 Aprovado em: 24/06/21 ReBiblica, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 88-112, jan./jun. 2021 112