RELATO DE CASO
Br J Pain. São Paulo, 2018 jan-mar;1(1):80-6
Orofacial myofunctional disorder, a possible complicating factor in the
management of painful temporomandibular disorder. Case report
Distúrbio miofuncional orofacial, um possível fator complicador no manuseio da disfunção
temporomandibular dolorosa. Relato de caso
Melissa de Oliveira Melchior1, Laís Valencise Magri1, Marcelo Oliveira Mazzetto1
DOI 10.5935/2595-0118.20180017
ABSTRACT
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The clinical association between painful temporomandibular disorder and orofacial
myofunctional disorders is frequent and requires attention. The
objective of this study was to describe a clinical case of painful temporomandibular disorder in association with orofacial
myofunctional disorders that evidence the importance of dental
and speech therapy approaches involving myofunctional orofacial limits, as well as to discuss whether the presence of orofacial
myofunctional disorders can be a comorbidity that hinders the
temporomandibular disorder management.
CASE REPORT: Female patient, 35 years old, complaining of
pain in the orofacial region and joint noises during high amplitude mandibular movements for 17 years. She was diagnosed
with myofascial pain and arthralgia (RDC/TMD) and orofacial
myofunctional disorders (phonoarticulation with deviations and
lingual interposition, atypical swallowing, oromandibular incoordination and mandibular hyperexcursion with eminence noise). Complementary tests (electromyography and electrovibratography) were performed in the pre- and post-treatment moments
(1 year after). The treatment consisted of self-management and
mindfulness orientations, stabilizing occlusal splint and speech
therapy. After the treatment, there was an improvement in pain
and mandibular range of motion, with consequent reduction of
noise, better electromyographic balance and reduction of orofacial myofunctional disorders scores.
CONCLUSION: The case report has suggested that the presence
of orofacial myofunctional disorders in association with painful
temporomandibular disorder could interfere in the management
of pain and the balance of the stomatognathic system because
it seems to act as a worsening factor to the temporomandibular
1. Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Departamento
de Odontologia Restauradora, Área de Oclusão, Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Apresentado em 25 de outubro de 2017.
Aceito para publicação em 29 de janeiro de 2018.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
Endereço para correspondência:
Avenida do Café, s/n, Monte Alegre
Faculdade de Odontologia
14040-904 Ribeirão Preto, SP, Brasil.
E-mail: laisvmagri@gmail.com
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor
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disorder signs and symptoms. In this sense, the importance of
dental and speech therapy interventions in patients with orofacial myofunctional disorders as possible comorbidity to painful
temporomandibular disorder is highlighted.
Keywords: Comorbidity, Speech therapy, Temporomandibular
joint dysfunction syndrome.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A associação clínica da disfunção temporomandibular dolorosa com distúrbios miofuncionais orofaciais é bastante frequente e requer atenção. O objetivo
deste estudo foi mostrar um caso de disfunção temporomandibular dolorosa com associação de distúrbios miofuncionais orofaciais
que evidenciou a importância do manuseio terapêutico odontológico e fonoaudiológico, com abordagens que envolveram limites
miofuncionais orofaciais, bem como discutir se a presença de distúrbios miofuncionais orofaciais pode ser uma comorbidade que
dificulta o manuseio da disfunção temporomandibular.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 35 anos, com
queixa de dor na região orofacial e ruídos articulares durante movimentos mandibulares de grande amplitude há 17 anos. Diagnosticada com dor miofascial e artralgia (RDC/TMD) e distúrbios miofuncionais orofaciais (fonoarticulação com desvios e interposição
lingual, deglutição atípica, descoordenação oromandibular e hiperexcursão mandibular com ruído de eminência). Foram realizados
exames complementares (eletromiografia e eletrovibratografia) nos
momentos pré e pós-tratamento (1 ano após). O tratamento consistiu de orientações de automanuseio e de atenção plena nas funções
orofaciais (mindfulness), placa oclusal estabilizadora e terapia fonoaudiológica. Após o tratamento, houve melhora da dor e da amplitude dos movimentos mandibulares, com consequente redução dos
ruídos, maior equilíbrio eletromiográfico dos músculos e redução
dos escores dos distúrbios miofuncionais orofaciais.
CONCLUSÃO: O presente caso sugere que a presença dos distúrbios miofuncionais orofaciais em associação com a disfunção temporomandibular dolorosa pode interferir no manuseio
da dor e no equilíbrio do sistema estomatognático, pois parece
atuar como fator de piora dos sinais e sintomas da disfunção
temporomandibular. Neste sentido, ressalta-se a importância de
intervenções odontológicas e fonoaudiológicas em pacientes que
apresentem os distúrbios miofuncionais orofaciais como possível
comorbidade à disfunção temporomandibular dolorosa.
Descritores: Comorbidade, Fonoaudiologia, Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular.
Distúrbio miofuncional orofacial, um possível fator complicador no
manuseio da disfunção temporomandibular dolorosa. Relato de caso
INTRODUÇÃO
As disfunções temporomandibulares (DTM) são atualmente compreendidas como um conjunto de sinais e sintomas que designam
uma síndrome dolorosa musculoesquelética associada a alterações
multissistêmicas, além de mudanças no comportamento, no estado
emocional e nas interações sociais, reconhecidas como manifestações de uma desregulação do sistema nervoso central1-3. Dentre os
principais preditores para o desenvolvimento da DTM estão a presença de comorbidades, sintomas orofaciais não dolorosos (como
por exemplo autorrelato de parafunções), a frequência de sintomas
somáticos, a pobre qualidade de sono, além de fatores genéticos e
epigenéticos1,2. Os sinais e sintomas mais comuns são dor na região
orofacial, ruídos articulares e alterações na mobilidade mandibular4.
A presença de comorbidades associadas à DTM dolorosa dificulta
o diagnóstico e o manuseio, em especial na presença de outras síndromes disfuncionais, como por exemplo, cefaleias, fibromialgia e
cervicalgias5,6. Tais comorbidades podem ser um enorme desafio em
casos clínicos específicos, já que os mecanismos patofisiológicos e o
local de acometimento ou de percepção da dor podem ser muito
similares à DTM6. A sensibilização central, o comprometimento dos
sistemas inibitórios descendentes de dor e a convergência neuronal
são fenômenos que contribuem para essa sobreposição de condições
na região orofacial5,6.
Os distúrbios miofuncionais orofaciais (DMO) são definidos como
qualquer alteração que envolva a musculatura orofacial, que geram
forças desfavoráveis ao equilíbrio do sistema estomatognático7. Alguns quadros de DTM manifestam dor que é desencadeada ou que
piora com os movimentos mandibulares. Nesse sentido, o desempenho de funções orofaciais que respeitem o equilíbrio funcional é
de suma importância para um prognóstico favorável de seus sinais e
sintomas8,9. A presença concomitante dessas duas condições clínicas
(DTM e DMO), apesar de independentes, pode manifestar sinais e
sintomas sobrepostos que caracterizam um desafio para o diagnóstico e manuseio de ambas.
O objetivo deste estudo foi apresentar uma possível associação clínica entre DTM dolorosa e a presença de DMO e discutir se podem
atuar como fatores complicadores no manuseio das DTM, por meio
da descrição de um caso clínico. Além disso, abordar a importância
do manuseio terapêutico odontológico e fonoaudiológico com estratégias que envolvam limites miofuncionais orofaciais.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 35 anos, percussionista, com queixa de
fortes ruídos articulares e dores na região orofacial há 17 anos, que
pioraram nos últimos 3 meses. Relatou também forte incômodo
com mordidas acidentais que ocorriam frequentemente nas bochechas e na língua ao mastigar e ao falar; história de ranger de dentes
(bruxismo de sono) e dores nos ombros relacionadas às atividades
ocupacionais. Foi realizada a avaliação clínica odontológica. Durante o exame oclusal, notou-se mordida cruzada bilateral posterior e
ligeiro apinhamento dental na região anterior inferior; e na avaliação
muscular verificou-se dor intensa à palpação de acordo com escala
numérica de zero (ausência de dor) a 10 (a pior dor possível). Houve presença de pontos-gatilho que reproduziam a dor relatada (dor
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familiar) nos músculos masseteres e temporais anteriores e dor localizada nas articulações temporomandibulares (ATM).
Em avaliação fonoaudiológica constatou-se desvio mandibular grave
na fala para o lado direito, juntamente com o ceceio, interferindo
na inteligibilidade da fala e coincidindo com o lado de maior ocorrência de dor espontânea (direito). Além desse, outros distúrbios
miofuncionais foram constatados, como mastigação preferencial à
direita, deglutição atípica, descoordenação oromotora para movimentos isolados, repouso mandibular sem espaço funcional livre,
além de hábitos orais deletérios. O quadro encontrado caracterizou
a presença do diagnóstico de DMO.
O diagnóstico da DTM foi realizado por cirurgiã-dentista experiente com base no protocolo revisado Research Diagnostic Criteria for
Temporomandibular Disorders (RDC/TMD)10 e o fonoaudiológico,
por especialista em motricidade orofacial, com base no protocolo
AMIOFE (Avaliação Miofuncional Orofacial com Escores)11, que
possibilitou quantificar a avaliação perceptiva (exame clínico) e
comparar a evolução obtida após o processo terapêutico. A avaliação
instrumental foi realizada a fim de complementar o diagnóstico e foi
composta por eletromiografia de superfície (EMG) e eletrovibratografia (EVG).
O plano inicial de tratamento incluiu instalação de placa oclusal,
terapia fonoaudiológica e orientações de automanuseio. A terapia
fonoaudiológica, como descrita previamente12, incluiu estratégias
para eliminação de hábitos orais deletérios, para o automanuseio da
dor (etapa 1), para coordenar e fortalecer a musculatura orofacial e
mastigatória e permitir movimentos mandibulares flexíveis e simétricos, evitando as mordidas acidentais nas bochechas e língua (2ª
etapa-mioterapia)12. Conforme o avanço das sessões e as melhores
condições da paciente foram ocorrendo, estratégias para equilibrar
a mastigação e a deglutição e promover uma fonoarticulação mais
inteligível foram sendo incluídas e treinadas, além do repouso mandibular com espaço funcional livre preservado (etapa 3 - terapia
miofuncional orofacial) (Tabela 1).
Após 13 sessões semanais, outras 10 sessões foram realizadas ao longo de 6 sessões quinzenais e 4 mensais, nas quais foram incluídas
ao processo terapêutico práticas complementares de atenção plena
(práticas baseadas em mindfulness), que constituem um grupo importante de práticas meditativas utilizadas como instrumento para
diminuição do estresse e da ansiedade, tendo sido referenciado
também para contribuir na redução de quadros álgicos2,13. Como
o enfoque fonoaudiológico foi para os aspectos do sistema estomatognático, as práticas, guiadas pela terapeuta, foram ancoradas no
ritmo da respiração e na atenção às estruturas orofaciais (âncora da
prática de atenção plena: aspecto ou objeto ao qual é exercitado o
direcionamento - ou foco - da atenção). O planejamento terapêutico
detalhado pode ser visto na tabela 1.
A tabela 2 expõe os dados das avaliações clínicas nos momentos da
avaliação inicial e após o tratamento. Segundo os critérios diagnósticos do RDC/TMD, a paciente apresentava dor miofascial sem
limitação de abertura bucal (Ia) e artralgia (IIIa). A intensidade da
experiência global de dor inicial foi 9 (escala analógica visual, EAV)
e após o tratamento foi 2. Houve também redução da dor à palpação
no masseter, temporal anterior e região da ATM, que inicialmente foi relatada com uma intensidade forte (variação entre 8 e 10) e
após o tratamento foi referida como uma dor leve/moderada. Com
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Melchior MO, Magri LV e Mazzetto MO
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Tabela 1. Planejamento terapêutico fonoaudiológico: alvo da intervenção, objetivo, conduta e estratégias/ações8
Alvo da
intervenção
Objetivo
Conduta
Estratégias/ações
Dor
Remissão/diminuição
da dor;
Redução de aspectos emocionais relacionados (ansiedade)
Orientações de automanuseio
Práticas de Atenção
Plena
Termoterapia por 20 a 30 minutos seguida por automassagem, conscientização
quanto aos hábitos e comportamentos que contribuem com a manutenção dolorosa, orientações sobre higiene do sono e exercícios físicos regulares.
Práticas de atenção plena ancoradas na respiração e nas estruturas orofaciais, realizadas de forma guiada pela terapeuta.
Músculos
mastigatórios
Coordenar/fortalecer Exercícios mandibulares
movimentos mandibulares
Abaixar e elevar a mandíbula suavemente com apoio do ápice da língua
no palato duro, visando um movimento retilíneo (3 sequências de 10 movimentos cada); apertar suavemente uma tira de borracha de garrote (látex)
de 5mm de diâmetro, colocada entre os dentes posteriores, variando, a
cada mordida, entre os dentes pré-molares e molares (3 sequências de 10
mordidas cada). 1 a 3 vezes ao dia.
ATM
Lubrificar
Exercícios mandibulares Movimentos excursivos mandibulares de abertura bucal, como já descrito,
associados ao uso da lateralidade direita e esquerda, protrusão. (Treinos com placa oclusal).
placa oclusal
Língua
Coordenar
Estimular a sensibilidade, a mobilidade, aumentar a tensão, favorecer a posição habitual
Fala
Eliminar
desvios
res
Mastigação
Equilibrar
Conscientização
do
modo utilizado, ampliação da atenção e
percepções
durante
esta função para com
os diferentes alimentos,
estabelecer mastigação
sem dor e sem agravar o
problema (Mindfulness)
Exercícios de mastigação habitual de diferentes alimentos de forma consciente, ampliando suas percepções sobre as sensações provocadas,
como dor, facilidade, dificuldade, diferença entre os lados, características
físicas e gustativas dos alimentos; treino da mastigação de forma bilateral simultaneamente, ou seja, mastigar uma porção de alimentos de cada
lado da boca de forma simultânea.
Deglutição
Eliminar compensa- Exercícios de língua e
ções
treino da deglutição
Exercícios de língua já descritos e treino da deglutição de água e de alimentos, com a orientação de posicionar o ápice da língua em contraposição à região anterior do palato duro, realizando movimento ondulatório do
corpo da língua no sentido anteroposterior para promover a propulsão do
bolo alimentar à faringe.
Repouso
Manutenção do espaço funcional livre/
evitar apertamento
dental
Ampliar a atenção (Mindfulness) no dia a dia para percepção e conscientização dos eventos de apertamento dental, utilizando estratégias de reforço para a lembrança por meio de notas autoadesivas coladas em diferentes locais em casa e no trabalho; passar o ápice da língua de forma suave
e contínua em movimentos de “vai e vem” por aproximadamente 5 minutos (RLPM)* e após, permanecer em repouso mantendo esse contato da
língua contra o palato duro de forma consciente por tempo indeterminado,
sem que houvesse interposição da mesma entre os arcos dentais (várias
vezes por dia)**; apertar suavemente uma tira de borracha de garrote (látex) de 5mm de diâmetro, colocada entre os dentes posteriores, variando,
a cada mordida, entre os dentes pré-molares e molares (3 sequências de
10 mordidas cada), 1 a 3 vezes ao dia.
Estímulo mecânico nas laterais da língua concomitantemente, utilizando
escovas dentais, passando suas cerdas de forma ligeira e leve no sentido
posteroanterior por aproximadamente 15 segundos repetindo-se 5 vezes
em sequência, com intervalos de 3 a 5 segundos;
Movimentos linguais para as laterais, para cima e para baixo, de forma
lenta, com orientação de tocar o ápice da língua nas comissuras labiais,
no centro do lábio superior e no centro do lábio inferior respectivamente;
Utilização do exercitador lingual pró-fono® de acordo com o protocolo sugerido no manual de instruções;
Passar o ápice da língua de forma suave e contínua em movimentos de
“vai e vem” por aproximadamente 5 minutos* e após, permanecer em
repouso mantendo esse contato da língua contra o palato duro de forma
consciente por tempo indeterminado, sem que houvesse interposição da
mesma entre os arcos dentais (várias vezes por dia)**.
ceceio e Exercícios mandibula- Abaixar e elevar a mandíbula suavemente com apoio do ápice da língua
mandibula- res, de língua e treino no palato duro, visando um movimento retilíneo (3 sequências de 10 mofonoarticulatório
vimentos cada); lateralidade direita e esquerda treinando para que ocorressem de forma simétrica, protrusão treinando para ocorrer sem desvios.
(Treinos com placa oclusal); exercícios de língua já descritos; repetição de
sílabas, palavras, textos, balanceados foneticamente com fonemas onde
o ceceio e os desvios mandibulares ocorriam.
Conscientização e relaxamento, posicionar
adequadamente a língua, fortalecer os músculos elevadores da
mandíbula
*(Esse exercício foi descrito previamente para o relaxamento dos músculos elevadores da mandíbula, denominado de reflexo línguo-papilo-mandibular - RLPM)8; **(treino foi realizado também com a placa oclusal, que apresentava um orifício de memorização na região palatina correspondente à descrita na tabela 1)8.
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Distúrbio miofuncional orofacial, um possível fator complicador no
manuseio da disfunção temporomandibular dolorosa. Relato de caso
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Tabela 2. Resultados iniciais e pós-tratamento da intensidade da experiência global de dor no último mês (escala visual analógica), dor à palpação (EAV), amplitude dos movimentos mandibulares (mm), ruídos articulares e diagnósticos pelo Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD)
Intensidade da experiência global de dor no último mês (EAV)
Dor à palpação (EAV)
Inicial
Pós-tratamento
9
2
Masseter
D - 10 / E - 10
D - 6 / E -8
Temporal anterior
D - 10 / E - 10
D -6 / E - 4
Articulação temporomandibular
D - 8 / E - 10
D -4 / E -2
Abertura
52
45
Lateralidade D
8,5
10
Lateralidade E
10
11
Protrusão
8
7,5
Total integral
D - 45,5 / E - 43,9
D - 4,2 / E - 3,9
>300 Hz
D - 4,2 / E - 6,3
D - 0,8 / E - 0,5
<300 Hz
D - 41,3 / E - 37,6
D - 3,4 / E - 3,4
Movimentos mandibulares
(mm)
Ruídos articulares
Diagnóstico pelo RDC/TMD
Dor miofascial sem limitação de abertura bucal (Ia) e artralgia (IIIa).
Fonte: Elaboração própria. D = lado direito; E = lado esquerdo; Hz = Hertz (unidade de medida); Ia e IIIa = categorias do RDC/TMD.
relação aos movimentos mandibulares, a abertura bucal foi treinada
para que sua amplitude fosse diminuída, a fim de evitar o estalo de
eminência, que resultou em uma variação de 52 para 45 mm. Dessa forma, intensidade dos ruídos articulares foi reduzida, conforme
verificado pelo EVG.
A atividade eletromiográfica dos músculos temporal anterior e masseter na mastigação com uva passa foi analisada por meio da relação
entre o lado de trabalho e balanceio, e entre os pares de músculos
citados. Inicialmente, na mastigação esquerda, havia maior atividade
no lado de trabalho e nos temporais anteriores; enquanto que na
mastigação direita, o lado de balanceio era mais ativo e os temporais
também tinham maior atividade. Após a terapia fonoaudiológica,
para ambas as mastigações, a atividade eletromiográfica no lado de
balanceio foi ligeiramente maior que o lado de trabalho, e houve
redução da atividade dos temporais e um aumento dos masseteres,
tendendo a um maior equilíbrio (Figura 1).
Atividade eletromiográfica (mv)
Lado de trabalho
Lado de balanceio
Pré
Pós
Mastigação esquerda
Pré
Pós
Mastigação direita
Atividade eletromiográfica (mv)
Temporal anterior
Masseter
Pré
Pós
Mastigação esquerda
Pré
Pós
Mastigação direita
Figura 1. Atividade eletromiográfica na mastigação da uva passa
83
Melchior MO, Magri LV e Mazzetto MO
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A EMG de superfície estática mostrou que após o tratamento
houve redução da atividade elétrica dos músculos temporal anterior e masseter nas provas de repouso, deglutição, apertamento
com algodão e apertamento em máxima intercuspidação habitual (MIH). Além de uma tendência de maior equilíbrio entre os
lados direito e esquerdo, bem como entre os pares de músculos
avaliados (Figura 2).
Na avaliação inicial todos os escores do protocolo AMIOFE se
encontravam abaixo dos valores de corte de normalidade. Após a
terapia fonoaudiológica, os escores relativos à aspecto/postura, mobilidade, bem como o escore total, alcançaram os cortes de normalidade. A análise das funções orofaciais também revelou melhora após
o tratamento, alcançando os valores dos padrões de normalidade
(Figura 3).
Pré
Pós
TE
TD
ME
Atividade eletromiográfica (mv)
Deglutição
Atividade eletromiográfica (mv)
Repouso
MD
Pré
Pós
TE
Pós
TD
ME
MD
Atividade eletromiográfica (mv)
Pré
TE
ME
Apertamento MIH
Atividade eletromiográfica (mv)
Apertamento com algodão
TD
MD
Pré
Pós
TE
TD
ME
MD
Figura 2. Eletromiografia estática no repouso, deglutição, apertamento com algodão e apertamento em máxima intercuspidação habitual
MIH = Máxima Intercuspidação Habitual; TE = Temporal Esquerdo; TD = Temporal Direito; ME = Masseter Esquerdo; MD = Masseter Direito.
Pré
Pós
Normalidade
Escore AMIOFE
Escore máximo
Aspecto/Postura
Mobilidade
Funções
Escore total
Figura 3. Escores da avaliação miofuncional orofacial com escores para aspecto/postura, mobilidade, funções e escore total
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Distúrbio miofuncional orofacial, um possível fator complicador no
manuseio da disfunção temporomandibular dolorosa. Relato de caso
DISCUSSÃO
As abordagens de tratamento da DTM dolorosa têm se voltado cada
vez mais para ações educativas em dor, exercícios mandibulares, além
de estratégias de automanuseio e de redução de componentes emocionais14. A associação de tratamentos entre exercícios, placa oclusal e
orientações de automanuseio favoreceu a nova amplitude de abertura
bucal para um limite funcional que não provocasse o ruído característico de estalo de eminência articular, e ampliação de movimentos
laterais da mandíbula com mais simetria. Apesar do tratamento para
DTM e dor orofacial não mais estar totalmente centrado nos aspectos
oclusais, a placa oclusal continua sendo um bom instrumento odontológico, seja devido aos mecanismos de ação, seja por seu efeito cognitivo e de melhora dos aspectos emocionais15.
A identificação dos ruídos articulares nas ATM é baseada no relato
do paciente e no exame de palpação durante o protocolo de avaliação clínica. Os ruídos mais frequentemente verificados são o click e
a crepitação, porém outros tipos de ruídos podem ser identificados,
como por exemplo o click de eminência. Esse tipo de click ocorre
no final da abertura bucal e/ou no início do fechamento. Ele é detectado quando o complexo côndilo-disco translada para além da
eminência articular, acompanhado por uma mudança na posição da
mandíbula. Quando a abertura de boca se encontra limitada, não é
possível identificar click de eminência, já que esse tipo de ruído está
associado a movimentos amplos de abertura de boca16. Apesar de
ser frequentemente encontrado, inclusive em pacientes saudáveis, o
click de eminência não é um critério clínico de diagnóstico da DTM
e não é registrado no mais recente protocolo de diagnóstico, o RDC/
TMD16, porém pode trazer grande incômodo e comprometimento
das funções orofaciais.
A hiperexcursão do côndilo mandibular pode refletir uma descoordenação dos movimentos da boca e uma fraqueza muscular, que
gera uma amplitude de movimento maior do que a necessidade funcional do indivíduo. A terapia fonoaudiológica é capaz de trabalhar
no aprendizado de uma nova posição neuromuscular, dentro de limites funcionais que não necessitem de movimentos mandibulares
máximos, evitando a ocorrência de ruídos articulares de eminência8.
O principal motivo para se encaminhar um paciente com DTM
para um fonoaudiólogo é a presença de sobrecarga musculoesquelética advinda de DMO e de parafunções, ou hábitos orais deletérios.
Nesse sentido, a terapia fonoaudiológica proposta para o presente
caso foi elaborada a fim de diminuir a sobrecarga sobre o sistema trigeminal relacionada às funções estomatognáticas, gerada por compensações musculares inadequadas adquiridas mediante diferentes
eventos ao longo do tempo, e pelos hábitos orais deletérios.
Também foram abordadas em algumas sessões fonoaudiológicas,
práticas de atenção plena na respiração e nas estruturas orofaciais,
que foram bem aceitas pela paciente, com relatos de melhora da
sensação de ansiedade e aumento do relaxamento global. O termo
mindfulness, (atenção plena na versão em português) refere-se a um
estado de atenção constante a algum objeto, de forma a observar,
momento a momento, as variações sofridas por esse objeto no decorrer do tempo. Esse objeto é denominado âncora da atenção, que
pode ser o ritmo respiratório, estruturas corporais ou faciais por
exemplo, cujo treino em seu foco reduz estados de ansiedade17. Essa
prática, porém, foi introduzida neste momento com o intuito de
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contribuir com a percepção e execução consciente dos movimentos
e funções orofaciais, o que favorece a educação sobre as capacidades e limites funcionais. Não apresentou como objetivo primário a
diminuição de estados de ansiedade, mas foi possível obter relatos
favoráveis da paciente com relação a esse aspecto a partir desta técnica, despertando para a possibilidade de novas investigações que
tragam contribuição ao tratamento fonoaudiológico para pessoas
com DTM.
Os escores encontrados para o AMIOFE após as 23 sessões de terapia alcançaram os valores de normalidade previamente estabelecidos11. Isso indica que a abordagem fonoaudiológica, associada às
demais modalidades odontológicas e de automanuseio, mostrou-se
eficaz para o equilíbrio miofuncional orofacial e consequentemente
para a diminuição da sobrecarga musculoesquelética, para a percepção e educação da paciente quanto às mudanças de hábitos e de
comportamentos miofuncionais orofaciais e, portanto, contribuiu
com o tratamento/manuseio da DTM da maneira como preconiza
a literatura atual.
A quantidade de sessões fonoaudiológicas foi superior ao relatado na
literatura, que normalmente inclui um total de 12 ou 13 sessões18,19.
Neste caso, o DMO apresentou aspectos importantes relacionados
ao quadro de DTM, como os desvios mandibulares acentuados
durante a fala acompanhados de ceceio exagerado, deglutição com
muitas compensações cervicais e de língua, repouso mandibular sem
espaço funcional livre, ou seja, em estado de apertamento dental
com língua comprimida na maior parte do tempo; em alguns momentos com língua interposta entre as arcadas, ocasionando marcas
fortes em suas laterais. A dificuldade em se instalar e automatizar
padrões miofuncionais que favorecessem o equilíbrio do sistema estomatognático levou a um maior número de sessões terapêuticas,
porém foi possibilitado a partir da boa adesão da paciente à proposta
realizada. Estudiosos da área de motricidade orofacial afirmam que o
DMO pode não ser a causa de um quadro de DTM, porém quanto
mais grave o DMO, mais difícil pode se tornar sua resolução sem
abordagens que visem especificamente a reeducação, ou reequilíbrio,
miofuncional orofacial8.
Um dos fatores de complicação ou de não resolução de um quadro
de DTM após realizado o tratamento, pode ser a presença de comorbidades, ou seja, um outro problema que pode ocorrer paralelamente ao que se está tratando, mas que, existindo, guarda relação
com o mesmo, influenciando sua gravidade2,3,20,21. Assim, o DMO
neste caso parece ter atuado como uma comorbidade da DTM presente, pois não se pode afirmar que foi ele o fator desencadeante,
mas sua presença contribuiu para o agravamento e manutenção da
DTM. E o trabalho de reequilíbrio dos aspectos miofuncionais orofaciais alterados contribuiu, em associação com as demais modalidades terapêuticas, com a resolução da DTM, como os limites dos
movimentos mandibulares, a diminuição da dor orofacial, remissão
da dor referida no exame de palpação, diminuição dos estalos articulares e de sua intensidade.
Esses resultados refletiram ainda em uma atividade eletromiográfica
mais baixa e mais equilibrada dos músculos masseteres e temporais
anteriores nas provas de repouso, deglutição e apertamento dental
máximo (máxima contração voluntária). Alguns estudos demonstraram um aumento da atividade para provas de alta demanda de
contração muscular após o tratamento e diminuição para as pro-
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Melchior MO, Magri LV e Mazzetto MO
vas de baixa demanda, como o repouso e a deglutição8,11. O rebaixamento da atividade eletromiográfica neste caso clínico pode ter
ocorrido por excesso de cuidado da paciente ao apertar os dentes, já
que foi um aspecto muito abordado durante o tratamento. Porém,
mais importante do que aumentar ou diminuir a atividade, foi abordar o equilíbrio entre os pares de músculos e entre os lados. Isso pode
ser observado no exame eletromiográfico durante a função mastigatória de uva passa, no qual observou-se mudanças com tendência
de equilíbrio entre os lados de trabalho e balanceio e diminuição da
atividade dos temporais anteriores, aproximando-a da atividade dos
masseteres. Após o tempo e as abordagens de tratamento realizadas
para se alcançar o equilíbrio miofuncional, entendeu-se que os resultados eletromiográficos foram satisfatórios para este caso, constituindo seu limite individual8.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
CONCLUSÃO
O manuseio dos DMO em conjunto com as terapias odontológicas
e de automanuseio é fundamental não apenas para a melhora da
dor, mas também para a modificação da condição funcional que vise
o equilíbrio do sistema estomatognático, específico para cada caso
clínico de DTM dolorosa. Neste sentido, ressalta-se a importância
de intervenções odontológicas e fonoaudiológicas em pacientes que
apresentem os distúrbios miofuncionais orofaciais como possível comorbidade à disfunção temporomandibular dolorosa.
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