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View metadata, citation and similar papers at core.ac.uk brought to you by CORE provided by Repositório Institucional da UFSC ISBN:978-85-68618-05-9 UNIVERSIDADE FEDERAL: OS CAMINHOS DA TERCEIRIZAÇÃO EM UMA INSTITUIÇÃO SOCIAL GABRIEL NASCIMENTO KINCZESKI1 Universidade Federal de Santa Catarina gabriel.nk@ufsc.br RAFAEL PEREIRA OCAMPO MORÉ2 Universidade Federal de Santa Catarina rafael.more@ufsc.br RESUMO A universidade é uma instituição social à medida que se constituiu na oposição e legitimação da sociedade, na transformação e lutas contra suas divisões. Diferentemente da organização social que se volta à competição com seus iguais. Partindo desse pressuposto, pretende-se analisar a inserção dos trabalhadores terceirizados em IES federais sob a ótica das questões de identidade e pertencimento, além da precarização laboral. A metodologia adotada para descrever e criticar o fenômeno foi o ensaio-teórico, pois se baseou nos relatos bibliográficos. Verificou-se que os terceirizados têm dificuldade em se identificar com a universidade devido à discriminação pelos servidores, exclusão de acessos (ex.: BU, RU), desconhecimento da história e objetivos da universidade moderna (ensino/pesquisa/extensão). Quanto à precarização, citam-se o descumprimento de obrigações trabalhistas, a alta rotatividade e baixa escolaridade média (menores salários e benefícios). Como alternativas, propôs-se o fomento à educação, com vagas de EJA e cursos pré-vestibulares; acesso a todos os ambientes universitários; palestras de sensibilização sobre a universidade na contratação, e; investimento na gestão e fiscalização dos contratos terceirizados. Conclui-se que essas medidas podem gerar despesas, porém uma instituição social deve se nortear no bem-estar da sociedade. Palavras chaves: Terceirização; precarização; identidade. 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Ao abordar o tema da terceirização de serviços em universidades federais brasileiras, pretende-se analisar o fenômeno sob a ótica da inserção dos empregados terceirizados no cotidiano da IES federais. Para tal, partirá de duas premissas principais: as questões de pertencimento e identificação desses profissionais como atores ativos da instituição e a precarização do trabalho terceirizado. Busca-se na vocação social das universidades, voltar-se mais às pessoas contratadas via terceirização e apontar os principais problemas enfrentados. Para assim, procurar propor medidas ao fomento de melhores condições de trabalho, de transformação social, de integração aos grupos sociais existentes e de promoção ao reconhecimento do passado e do futuro a ser trilhado pelas IES brasileiras onde estão inseridas. Com vistas à função social da universidade, há de se destacar as correntes que pregam a existência de dois tipos de universidades: a instituição social e a organização social. Nesse ponto, evoca-se a figura de Marilena Chauí, reconhecida pesquisadora da temática. De acordo com Chaui (2003, p. 5), a universidade é caracterizada por ser “uma instituição social e como tal exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo”. A instituição social universidade é uma prática social pautada no reconhecimento e legitimação pública, autônoma, estruturada com ordenamento, regras e valores republicanos, democráticos e laicos (CHAUI, 2013). Assim, ALPERSTEDT et al. (2006), percebem que a responsabilidade social da universidade não se esgota apenas na investigação e no ensino, como previa o modelo alemão de Humboldt. Em uma concepção mais ampla, envolve tanto a valorização das comunidades, quanto a intervenção reformista dos problemas sociais, papel reforçado principalmente em períodos históricos de transição ou de aprofundamentos democráticos como a humanidade tem vivenciado no início deste século. Por outro lado, uma organização social, segundo Chaui (2003), defini suas práticas sociais pautadas na instrumentalidade, ou seja, no conjunto de artefatos administrativos voltados ao atingimento de um objetivo particular. É regida sob o “guarda-chuva” da gestão, do planejamento, do controle e do êxito. Suas estratégias seguem os princípios da eficiência e eficácia, aceitando os polos da divisão social ao não responder as contradições imposta por essa divisão, à medida que a vitória na competição com seus iguais é o seu propósito. Em meio às discussões sobre universidade instituição ou organização social está a terceirização de serviços e como os trabalhadores são percebidos de acordo com essas duas concepções. Sob o viés de organização social, a terceirização pode ser vista como uma prestação de serviços impessoais considerados de apoio às atividades principais da universidade, executados por intermédio de uma empresa contratada. Já, sob o viés de instituição social, pode-se entender como serviços essenciais realizados por trabalhadores que dividem os mesmos espaços dos servidores efetivos e merecem o tratamento, cuidados e oportunidades semelhantes a estes. A principal problematização referente à crescente incorporação da terceirização na esfera pública e nas universidades federais é a natureza precária do trabalho. Para Carvalho e Bridi (2015, p. 101) “os terceirizados fazem parte de um estrato da classe trabalhadora que apresenta índices elevados de precariedade em relação a outras formas de contrato”. Lima (2010, p. 25) complementa: “[...] flexibilização e terceirização vêm juntas com a precarização das condições de trabalho, dos contratos, da possibilidade de organizar a vida, criando novas hierarquias e segmentando o coletivo de trabalho.”. Os fatores de precarização defendidos por diversos autores serão mais amplamente abordados ao longo do artigo; contudo, ciente que “o trabalho tem um papel social relevante 2 na constituição do sujeito trabalhador e na construção do seu reconhecimento social” (BRITO et al., 2012), a possível precarização das condições laborais dos terceirizados é motivo contundente para a investigação acadêmica. Outra questão inerente ao processo de terceirização é a identificação desse trabalhador com a cultura organizacional da tomadora, à medida que o vínculo empregatício está relacionado à outra empresa “de fora” dessa relação. Para Valença e Barbosa (2002), o indivíduo identificado com a cultura da entidade a que pertence, somará esforços para alcançar os seus objetivos e o inverso, provoca inconsciente ou conscientemente em esforços negativos para o atingimento dos resultados. Na terceirização, existem duas organizações diferentes a qual o trabalhador se reporta, podendo gerar conflito de pertencimento a culturas distintas, no caso de universidades federais, de um lado está uma instituição publica social e de outro uma empresa com fins lucrativos. Em meio às polêmicas discussões sobre as faces da terceirização, aprova-se a Lei nº 13.429/17 que autoriza repassar a terceiros as atividades fins das empresas (irrestrita), até então proibidas. Segundo (SANTOS, 2017), essa lei veladamente vai dar um cheque em branco ao empresariado ao possibilitar uma terceirização desenfreada e sem amarras, incluindo também o setor público. O que irá exigir ainda mais preparo das universidades para lidar com as questões inerentes a esse processo. O mesmo autor ainda faz um retrato da atual situação do terceirizado no Brasil: “[...] um trabalhador invisível, abstrato, sem identidade própria em seu ambiente laboral, sem plano de carreira, que não incorpora conhecimento técnico, que no quadro atual não tem condições de evoluir profissionalmente e materialmente”. (SANTOS, 2017, p.57) Considerando que o fenômeno da terceirização esta cada vez mais presente no ambiente das universidades federais, considerando os relatos na literatura de precarização das condições de trabalho, considerando as questões de identificação dos trabalhadores como sujeitos das IES, questiona-se quais seriam as ações que uma universidade federal poderia realizar para garantir os direitos sociais dos trabalhadores terceirizados e o seu reconhecimento como parte de uma instituição social diferenciada? 2 A UNIVERSIDADE E A TERCEIRIZAÇÃO Antes de se pensar nos rumos da universidade é preciso revisitar o contexto do seu surgimento e as interações com a sociedade que a transformaram e influenciaram sua práxis durante os séculos. A criação da universidade é marcada pela luta entre o poder monárquico e papal, que reivindicavam a soberania sobre o povo. As universidades foram criadas para disseminar o ensino da Teologia e reforçar a hegemonia da Igreja. Nesse sentido, Oliveira (2007, p. 120) afirma que no início do século XIII, os dois polos dominantes encaravam essas instituições “como importantes pontos de apoio político e cultural. Em função disso, editaram leis e bulas com o objetivo de instituí-las, protegê-las e nelas intervir tanto no ensino, como nas relações entre estudantes e mestres e entre estes e a comunidade.”. A partir do movimento do Renascimento e Iluminismo nos séculos XVI e XVII, ocorre uma ruptura do status quo que predominava a época, ocorre “o enfraquecer do teocentrismo, com o ascender do antropocentrismo; e com o domínio hegemônico de uma nova classe – em que a burguesia se afirma, em termos econômicos e geopolíticos na conhecida fase comercial do capitalismo” (BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2017, p .23). Entretanto, para Bianchetti e Sguissardi (2017), essa mudança não refletiu em uma libertação da tutela na qual a universidade era submetida, pois o controle apenas mudou de 3 mãos, passando naquele momento para a burguesia, que necessitava da formação de mão de obra para geração de capital. O modelo de universidade tutelada somente começou a mudar a partir do século XIX, principalmente em face à fundação da Universidade de Berlim em 1810, com Guillermo de Humboldt. Para De Paula (2002), Humboldt destacava a importância da pesquisa e do ensino como função primordial da universidade, tendo na autonomia o requisito do trabalho científico. Foi também no século XIX que emerge a questão social, caracterizada pelo desencontro e a negação das promessas da burguesia (BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2017). Considerando o papel social assumido a partir desse século e a intrínseca relação entre universidade e sociedade, Sobrinho (2015, p. 583) afirma que “a universidade justifica a sua existência ao cumprir suas responsabilidades sociais, isto é feito por meio da vivência de valores existenciais e humanos e, por vocação e demanda, pela produção e socialização de conhecimentos”. O autor acredita que a aprendizagem, a produção e disseminação de conhecimentos são os alicerces da construção social, pois “contribuem para a construção das bases de uma nação socialmente justa, culturalmente elevada, politicamente democrática e economicamente desenvolvida” (SOBRINHO, 2015, p. 583). A universidade se transformou e hoje sob o olhar de Burigo e Ramos (2014, p. 48), entende-se: “como espaço institucional histórico de formação humana, de reflexão crítica, de produção e socialização de conhecimento voltado para a construção da cidadania, numa globalização da vida e da dignidade humana”. As a universidade sustenta e opõe a ideologia da sociedade, como um espaço de criação, de expressão de pensamentos livres, que pode desestabilizar o status quo. É regida sob o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão. Quanto ao ensino, Freire (1979) defendia que a educação transforma realidades. Através do processo de formação e da busca por conhecimentos, o homem se conscientiza e a consciência vai para o mundo, ele passa a se conhecer e tende a se comprometer com a sua própria realidade, passando a ser sujeito da sua própria ação. A conscientização crítica somente ocorre com um processo educativo de conscientização. Quanto a pesquisa e a extensão, Pivetta et al. (2010) enuncia que a extensão transcende a transmissão, divulgação ou aplicação do conhecimento pelo conhecimento. A extensão é expressa na academia através da articulação do ensino e pesquisa no cerne da universidade e sociedade, voltada às continua procura em problematizar demandas sociais emergentes. Boaventura Santos (2005) afirma que as atividades de extensão nas universidades tem o objetivo do apoio solidário na resolução dos problemas da exclusão e da discriminação sociais, dando-se voz aos grupos excluídos e discriminados. Nessa perspectiva, Burigo (2016, p. 16) trata da indissolubilidade do ensino, pesquisa e extensão universitária: A pesquisa, distante do ensino e da extensão, torna-se individualizada. Por outro lado, a extensão perde sua finalidade, se não estiver associada ao ensino e à pesquisa. E o ensino perde a sua essência de construção e reconstrução do conhecimento, se não estiver associado à pesquisa como campo de investigação e à extensão como campo de socialização do saber e revitalização desse ensino e dessa pesquisa. A partir desse momento se propõe conhecer também as bases históricas da terceirização. Terceirização, que segundo Giosa (2017), pode ser definida como um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades a terceiros, ficando a empresa tomadora concentrada apenas nas tarefas essencialmente voltadas ao mercado em que atua. Para Silveira (2013) na administração pública terceirizar licitamente é transferir a terceiros as atividades que não constituam o objeto principal da entidade, denominadas de atividades-meio, que, 4 segundo a doutrina, são voltadas ao apoio operacional. Conceito que pode ser ampliado no caso da lei de terceirização irrestrita ser institucionalizada. A Terceirização surgiu nos Estados Unidos por volta de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, vista a necessidade da sobrecarregada indústria bélica norte americana em focar seus esforços na produção de armas, de forma a suprir seus exércitos e os aliados, transferindo a outras empresas as atividades de suporte (QUEIROZ, 1998). No Brasil, o modelo foi importado na década de 50, com a chegada das multinacionais do ramo automobilístico (JEREMIAS; BEUREN, 1997). Todavia, a presença da terceirização na Administração Pública brasileira ocorreu de forma mais acentuada na década de 90, durante o governo neoliberalista de FHC, legitimada pela Reforma Gerencial de 1995 que previa o enxugamento da máquina estatal em termos de pessoal (CASTRO JUNIOR; SILVA, 2011). Os autores salientam que “o mecanismo da terceirização ancorou-se no discurso depreciativo do servidor público, adicionado à bandeira da modernização, qualidade e redução do Estado” (CASTRO JUNIOR; SILVA, 2011, p. 3). Entre as universidades federais não foi diferente. Desde os anos 90 a terceirização tem feito parte da rotina dessas instituições. Intensificou-se ainda mais com a implantação do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a partir de 2007, onde houve uma expansão de investimentos nas IES visando o incremento no número de vagas nos cursos de graduação, criação de novos cursos e construção de novos Campi. Todavia, o plano não previa uma proporcional ampliação nos quadros de servidores, principalmente Técnicos Administrativos em Educação. A solução foi de recorrer à terceirização (SILVA; PREVITALI, 2016). Nesse contexto, corrobora Manarino (2017) ao destacar a influência do REUNI na Universidade Federal de Juiz de Fora. De 2010 a 2014 as contratações terceirizadas aumentaram em 40%, passando de 560 para aproximadamente 790 funcionários terceirizados. Há de se salientar, que o gestor público federal, mesmo que discricionariamente optasse pela contratação de servidores estatutários para certos cargos, não o poderia em razão da extinção de cargos disposta pela Lei nº 9.632/98, citam-se os serviços de manutenção, limpeza, vigilância, conservação entre outros. E a Instrução Normativa MPDG nº 05/2017, art. 5, § 1º, prevê a possibilidade de terceirizar esses cargos (BRASIL, 2017). 2.1 IDENTIDADE E PERTENCIMENTO DO TRABALHADOR TERCEIRIZADO Com relação à IN 05/2017, a própria definição legal das características da terceirização já carrega certa contradição, ao determinar à Administração que a terceirização: “não gera vínculo empregatício entre os empregados da contratada e a Administração, vedando-se qualquer relação entre estes que caracterize pessoalidade e subordinação direta.” (grifo nosso) (BRASIL, 2017). Embora, o legislador tenha demonstrado preocupação quanto ao uso dos recursos públicos, no sentido de possíveis favorecimentos influenciados por inter-relações informais, o fato é que o serviço é prestado por pessoas e a conotação de impessoalidade pode influenciar a indiferença, se interpretada de forma equivocada. A preocupação com a pessoa (trabalhador) por de trás do serviço terceirizado foi observado por LAPA (2015, p. 29) em um estudo na Universidade Federal de Santa Catarina: A terceirização traz em seu processo facetas que merecem um estudo mais aprimorado, uma vez que nele estão inseridos indivíduos. Estes não devem ser percebidos apenas como bens ou serviços descartáveis, atrelados à utilidade que exercem para as demandas de atividades consideradas secundárias nas organizações formais públicas ou privadas. 5 De acordo com Moccellin (2016), o fato do terceirizado não possuir vínculo empregatício com a tomadora do serviço, gera a descaracterização da relação de emprego, causando sofrimento, perda de direitos trabalhistas e falta de qualidade nos serviços prestados, “é como se o empregado terceirizado simplesmente não existisse em seu ambiente de trabalho” (MOCCELLIN, 2016, p. 263). A autora reforça seu posicionamento quando menciona que essa “invisibilidade” pode ser constatada pela falta de cordialidade ao deixar de cumprimentá-los, alguns recados são esquecidos de ser repassados e a impossibilidade de frequentar certos lugares. E credita essa indiferença ao critério de impessoalidade trazido na lei: “tudo isso decorrência do medo de que o reconhecimento do terceirizado como pessoa no ambiente em que trabalha possa caracterizar a pessoalidade, reconhecendo- se, assim, o vínculo de emprego com a tomadora de seu serviço” (MOCCELLIN, 2016, p. 264). Trabalhadores estáveis e terceirizados, apesar de dividirem os mesmos espaços, não se sentem parte do mesmo coletivo, à medida que possuem sindicatos diferentes, realizam greves separadas, implicando na não construção de solidariedades e estranhamentos entre as duas categorias (LIMA, 2010). Essa segregação gera perda de identidade do terceirizado para com a tomadora de serviço e seu grupo social. Brito et al. (2011) observa que os trabalhadores efetivos se identificam com a organização, diferenciam-se e são diferenciados pelos gestores em relação aos terceirizados, desde a cor dos uniformes, uso dos espaços nos restaurantes, transportes e festas da empresa. Nesse ponto, verificam-se várias universidades federais brasileiras que não consideram os terceirizados como usuários dos seus restaurantes universitários, citam-se algumas, por exemplo, a Universidade Federal de Mato Grosso: “Público alvo: universitários, servidores e visitantes” (UFMT, 2018), Universidade Federal do Espirito Santo: “Os restaurantes universitários da UFES atendem prioritariamente a comunidade acadêmica (estudantes e servidores)” (UFES, 2018), Universidade Federal de Minas Gerais: “Estudantes assistidos pela Fump, demais alunos da UFMG, professores, servidores técnicos e administrativos em educação e menores da Cruz Vermelha” (UFMG, 2018), Universidade Federal de Uberlândia: “Estudante / Professor / Técnico Administrativo / Comunidade Externa” (UFU,2018). Os temporários são vistos como menos qualificados que os efetivos, ao passo que lhes faltaram “competência” para serem admitidos diretamente pela empresa: “estabelece-se, assim, uma divisão entre eles, como se existissem trabalhadores de primeira e de segunda categoria, dificultando a convivência social e a identidade de classe entre o grupo, desestruturando o coletivo no trabalho” (BRITO et al. 2011, p. 81). Em universidades federais, essa discriminação tende a ficar mais evidente levando em consideração os melhores salários ofertados, a via de acesso por concurso público e a pouca quantidade de vagas de trabalho, o que acaba por selecionar os candidatos mais escolarizados e habilitados (cursos preparatórios); logo, perpassando aí por uma questão de renda. Identidade e trabalho tem uma relação intrínseca na natureza humana, pois “através do trabalho, o ser do homem se distingue do ser dos animais e do ser das coisas: o sujeito humano passa a poder se assumir como sujeito em contraposição ao objeto.” (KONDER, 1996, p. 11). Machado (2003) estabelece a existência da identidade pessoal e a social. Enquanto, a identidade pessoal está relacionada a uma constituição individual do conceito de si, no contexto social e organizacional, perpassa por um processo de construção e trocas: “ela orienta a ação dos indivíduos e é dinamicamente construída por meio de interações sociais, identificações e afiliações” (MACHADO, 2003, p. 63). Silva, Hall e Woodward (2000) reforçam a ideia de construção da identidade, ou seja, é mutável, se transforma com o tempo tanto pelos símbolos quanto fruto de interações. 6 De acordo com QUINTINO (2008), o sentimento de identidade se materializa mediante a sensação de pertencimento, a identidade não é descoberta e sim vivenciada e construída, a partir do empenho, da avaliação e crítica da identidade no seu ser e no seu fazer ser. Rego e Souto (2004) afirmam que bem-estar psicológico dos indivíduos depende da satisfação de necessidades sociais, de significado, de identidade, de apoio e de pertencimento. Os trabalhadores que se sentem identificados e pertencentes a uma organização demonstram em troca lealdade e comprometimento. Freire (1979) defendia que a primeira condição para um ato comprometido é a capacidade de ação e reflexão do homem, consciente que está no mundo e saber-se nele. Ele se identifica com sua própria ação, objetiva o tempo, temporaliza-se, faz-se homem-história. Nesse sentido, QUINTINO (2008, p. 61), que acredita que a relação “engessada” de trabalho do terceirizado, extremamente fiscalizado, sem a possibilidade de opinar, refletir, dialogar no seu ambiente de trabalho é “incompatível com o surgimento de um trabalho comprometido, consequentemente, com a gênese de um pertencimento, de uma identidade com a instituição.”. A identificação, o pertencimento e o comprometimento de um funcionário com a sua organização são fundamentais para o atingimento dos objetivos de ambos nessa relação. A identidade organizacional é essencialmente constituída pela transmissão dos sistemas interrelacionados de crenças e símbolos verbais e visuais, das suas memórias e sua historia. (RIBEIRO; BARBOSA, 2007). Para Santos (2014) a narrativa da historia institucional evidencia suas raízes e seus princípios, é o fio condutor que liga o passado, presente e o futuro, dando coerência às suas ações em uma perspectiva temporal. A história e a memória organizacional são verdadeiros elementos de legitimação, possibilita singularidade frente aos diferentes públicos que podem, assim, identificar-se. Revisitar as origens “[...] não apenas recupera seu legado, mas coloca em evidência e legitima discursivamente seus feitos, seus atos, suas decisões, reforçando sua existência por meio de uma comunicação afirmativa que ressalta sua função social” (SANTOS, 2014, p. 63). Quando, a organização é uma universidade pública, a identificação dos seus trabalhadores com o seu passado, presente e os seus objetivos futuros, se torna ainda mais importante devido a todo o contexto histórico e o papel de transformação da sociedade, principalmente em países como o Brasil que enfrenta sérios problemas de desigualdades sociais. 2.2 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO TERCEIRIZADO Em termos da precarização, a literatura elenca uma série de motivos quando compara os terceirizados aos efetivos: a remuneração é menor em 27,1%; a jornada se estende em 3 horas a mais semanalmente; morrem mais de acidente de trabalho em pelo menos três setores (energia elétrica, petróleo e construção civil); as empresas terceirizadas abrigam as populações mais vulneráveis do mercado de trabalho (mulheres, negros, jovens, migrantes/imigrantes), não pelo caráter social, mas em razão da situação mais desfavorável, que força a submeterem a certas condições (ALVES, 2017) Rodrigues (2016), analisando os dados da terceirização no Instituto Federal de São Paulo, evidenciou que há uma concentração de trabalhadores nas faixas etárias entre 20 e 30 anos, mas também entre a de 51 a 55 anos. Quanto à escolaridade dos terceirizados, a maioria possui ensino médio completo, porém funções ligadas à limpeza concentram os funcionários com escolaridade mais baixa, entre o ensino fundamental incompleto e completo; com remuneração até dois salários mínimos. O autor destaca ainda as principais falas dos fiscais de contratos terceirizados em relação à gestão da prestadora com seus funcionários: 7 Negligente, há atrasos de salário e benefícios, há alta rotatividade. Não existe seleção, falta competência para vários funcionários. É distante, com pouca participação, percebo a intenção somente de redução de custos pelas empresas. A empresa não dá o apoio necessário ao funcionário. O funcionário terceirizado tem dificuldade de esclarecer dúvidas com seu RH (RODRIGUES, 2016, p. 80). Monteiro et al. (2004), em um levantamento do perfil de empregados terceirizados de um hospital universitário identificou que 8% da população estudada não frequentou a escola e 64% tinha escolaridade entre a 1ª e a 7ª série fundamental, além de cerca de 44% destes trabalhadores são funcionários da empresa há menos de um ano. As altas de taxas de rotatividade também são apontadas nos estudos. De acordo com Alves (2017) a permanência no trabalho é de 5,8 anos para os trabalhadores diretos, enquanto, os terceiros são de 2,6 anos. Carvalho e Bridi (2015) constaram que 63,9% dos trabalhadores amostrados já trabalharam em mais de uma empresa terceirizada, ou seja, uma realidade duradoura em suas vidas. No setor público a rotatividade tem uma peculiaridade, pois os contratos de serviços não podem se estender além de cinco anos pela Lei nº 8.666/93, então é comum que eles sejam demitidos ao final do prazo ou sejam recontratados por outra empresa e permaneçam no mesmo local. Para Carvalho e Bridi (2015) se já não bastasse a rotatividade inerente à terceirização, o sistema de licitação pelo menor preço da administração pública fomenta a garantia de que os terceirizados dificilmente almejarão mais direitos e melhores remunerações, à medida que vencer uma licitação significa, via de regra, um aperto nos custos da mão de obra. A alta rotatividade e o processo de flexibilização das relações de trabalho tem sido responsável pela geração do medo do desemprego, sentimento de insegurança e fragmentação dos vínculos indivíduo-organização (BRITO et al., 2011). O grande número de desempregados no Brasil incentiva os baixos salários e a perda de direitos trabalhistas. Os empresários se beneficiam da lei da oferta e da procura e os governos praticam reformas trabalhistas para incrementar a geração de empregos. Bauman (2005, p.11) explica esse mecanismo ao analisar o impacto do medo na sociedade moderna, quando menciona que o “posterior crescimento da sensação de insegurança, com a “corrosão do caráter” que a insegurança e a flexibilidade no local de trabalho têm provocado na sociedade” provoca o colapso do Estado de bem-estar social. As relações de trabalho são frágeis na modernidade liquida, causando o medo da perda do emprego e “Essa característica líquida do medo faz com que ele seja explorado política e comercialmente”. Nessa perspectiva, não são poucos os casos de descumprimento dos direitos trabalhistas dos terceirizados por parte das suas empresas; todavia, devido à fragilidade da relação empregatícia e o medo do desemprego, além do desconhecimento da CLT e de outras leis do trabalho; acabam sendo tolerados pelos funcionários. A prova é o elevado número de ações na justiça do trabalho contra as empresas de prestação de serviços (ABDALA, 2008). O que reflete na própria tomadora do serviço que acaba respondendo subsidiariamente. Dentre as quais se encontram as universidades federais, cujo tamanho e complexidade demandam um grande volume de contratações terceirizadas. Entre 2010 e 2014 houve um aumento de 3.000% no número de ações trabalhistas movidas a Universidade Federal de Juiz de Fora (MANARINO, 2017). As principais causas das reclamatórias judiciais são: o adicional e a disponibilização de férias; o pagamento de décimo terceiro salário, do vale transporte e alimentação, dos vencimentos mensais, do recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e da contribuição previdenciária (INSS), além de atrasos na quitação dessas verbas. Somam-se ainda as questões de saúde e proteção como os adicionais de insalubridade e periculosidade e 8 a disponibilização de equipamentos de segurança individual (EPI) obrigatórios (SILVA; PREVITALI, 2016). 3 METODOLOGIA Para a construção dessa pesquisa se aplicou a metodologia do ensaio teórico-científico. De acordo com Severino (2007), um ensaio se trata de um estudo lógico e reflexivo, caracterizado pela argumentação, interpretação dos fatos e julgamentos do autor e que não exige uma forte instrumentalização documental para alcançar seus resultados. Quanto aos objetivos, pode estar interessado em prover uma opinião; apresentar uma solução alternativa a um problema polêmico; criticar uma atitude de ação social, política ou econômica; comentar sobre uma minoria ideológica, discutir um acontecimento que não se pode corrigir ou demonstrar vieses não percebidos aparentemente (CARMO-NETO, 1992). Apresenta ainda caráter descritivo e bibliográfico, por descrever as características dos fenômenos estudados através dos relatos e das abordagens realizadas na literatura correlata. (MARCONI E LAKATOS, (2011) Em suma, este ensaio procurou realizar uma análise reflexiva sobre a realidade da terceirização em universidades publicas federais, com enfoque nas condições vividas pelos seus trabalhadores. Descrevendo, interpretando e buscando alternativas para os problemas levantados, com base nas informações trazidas em artigos, dissertações e teses científicas. A limitação se encontra na essência teórica do ensaio, uma vez que ao se partir de uma generalização, pode não representar integralmente a realidade de todas as universidades. 4 POLÍTICAS DA UNIVERSIDADE FRENTE À TERCEIRIZAÇÃO Primeiramente, cabe ressaltar que a terceirização não pode ser vista apenas sob uma perspectiva negativa. Independente das questões apontadas até então, sabe-se que o Brasil possui números expressivos de desempregados. Em abril de 2018 a taxa de desocupação chegou a 12,9% ou 13.4 milhões desempregados (IBGE,2018). Então, para muitos trabalhadores a inserção no mercado formal de renda ocorre através da terceirização. Afirmativa constatada pelos resultados do IBGE (2017), onde segundo pesquisa, foram empregadas 9,8 milhões de pessoas por contratação intermediária, da qual inclui os terceirizados, ou 18,9% do total de empregos gerados em 2015. As estatísticas de empregos gerados com a terceirização são relevantes principalmente quando se revela que majoritariamente são compostos por pessoas com menores oportunidades de escolarização. O que implica em uma maior dificuldade de acesso ao mercado e ao trabalho em órgãos públicos onde a prática do concurso público tende a selecionar os mais instruídos. Entretanto, reconhecer que a terceirização ocupa um grande número de brasileiros não significa fechar os olhos aos problemas enfrentados. Dada essas considerações iniciais e partindo do ponto da escolarização, fica evidente que uma instituição social sabedora da discrepância de formação dos seus funcionários efetivos e terceirizados (MONTEIRO et al. 2004; ALVES, 2017; RODRIGUES, 2016), não reflita em alguma ação na seara educacional. Para enfrentar essa problemática, com ciência das estruturas das universidades federais, propõe-se a promoção ou disponibilização de vagas aos terceirizados em projetos de extensão no campo do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e de cursos preparatórios para o vestibular e ENEM. Esses cursos poderiam ser coordenados por professores e ministrados por alunos de licenciatura, mestrandos ou doutorandos de diversas áreas, como parte da sua formação acadêmica. No campo da pesquisa, poderiam ser estimulados mais estudos sobre a identificação do perfil socioeconômico, cultural e instrução desses trabalhadores; com vistas a estimular novas políticas institucionais. 9 A educação é responsável pelo processo de transformação social, onde o homem se conscientiza criticamente do seu papel no mundo e se faz sujeito nele (FREIRE, 1979; QUINTINO, 2008). Então não há lugar melhor que a universidade, com todo seu histórico de luta contra a opressão e divisões sociais e, ainda mais no Brasil, que possui intensas fragilidades no ensino fundamental; para incentivar essas pessoas à conclusão dos seus estudos e oportunizar melhores chances para ingresso ao nível superior público e a pósgraduação (elitizados). Com melhores níveis de escolarização é possível almejar melhores salários ou novas e distintas oportunidades de emprego, já que a pesquisa revelou que a terceirização é uma realidade permanente para muitas pessoas, passando por várias empresas de serviços ao longo da vida (ALVES, 2017; CARVALHO; BRIDI, 2015). Com aumento da escolaridade dos trabalhadores, o empresariado é forçado a contratar candidatos mais qualificados, ao contrario do que acontece hoje onde se prioriza a mão de obra barata para otimizar os lucros. A discriminação também é sustentada pela desinformação. Foi trazido que os funcionários ou servidores efetivos mantêm certo distanciamento dos terceirizados a fim de afastar as hipóteses de impessoalidade previstas em lei (MOCCELLIN, 2016). Sugere-se nesse caso que seja considerado nos programas de capacitação dos servidores, cursos de acolhimento e tratamento e que também se abordem os aspectos legais envolvidos na terceirização. Permitindo aos servidores quebrar certos mitos e possibilitando uma interação com os terceirizados da mesma forma que interagem entre si. Sabe-se que os trabalhadores terceirizados carregam consigo sentimentos de inferiorizarão e preconceitos, adquiridos de experiências passadas e da própria cultura da sociedade (BRITO et al., 2011). Assim, o acolhimento por parte da tomadora dos serviços é crucial na adaptação e nos processo de identificação e pertencimento desses funcionários. Fazer parte dos grupos sociais estabelecidos, das rodas de conversas, das festas dentro e fora da instituição, permite-os se sentirem em pé de igualdade com os demais e reduzem as barreiras e estranhamentos. A construção da identidade e pertencimento em uma universidade não se restringe apenas aos aspectos relacionais. Deve-se discutir conjuntamente a necessidade de se disponibilizar o acesso aos espaços que os servidores públicos e toda a comunidade possuem. De uma maneira mais descentralizada, pode-se citar a livre utilização das cozinhas e copas dos setores, dos banheiros, dos estacionamentos dos centros de ensino e departamentos administrativos. No contexto mais amplo, liberar o uso das bibliotecas universitárias (BU) e dos empréstimos de livros, permitir entrada nos restaurantes universitários (RU) e possíveis priorizações nos hospitais universitários (HU), tais quais os funcionários estatutários. Como algumas dessas medidas podem implicar em aumento de custos à universidade e a proporcional redução às empresas prestadoras, cabe a discussão sobre a reformulação das licitações e contratos no sentido de prever a compensação. Na planilha de formação de preço dos contratos terceirizados com dedicação exclusiva (funcionário fica somente na tomadora), o percentual de lucro dos empresários é calculado sobre todos esses custos (alimentação, saúde, uniforme), logo a ausência de uma compensação geraria em lucro dobrado. Ainda sobre os problemas de identidade e pertencimento, propõe-se a formulação de palestras iniciais oferecidas antes do início das atividades dos terceirizados, objetivando a sensibilização e divulgação da história das universidades; da importante função social que representa com o ensino, pesquisa e extensão; das estruturas e funcionamento da instituição. Em contratações com grande volume de pessoas, haveria a possibilidade de ministrar as palestras de forma presencial. As demais poderiam ser fornecidas no formato de um vídeo institucional. Quando se conhece o passado, os valores, a missão e a visão da universidade pública, seja um funcionário efetivo ou temporário, ele tende a se comprometer, a empregar seus 10 esforços na qualidade do seu serviço que refletirá naqueles prestados à sociedade (RIBEIRO; BARBOSA, 2007; SANTOS, 2014). A construção de uma identidade, dos sentimentos de pertencimentos, da ação comprometida; reduz a taxa de rotatividade, pois o inverso leva a um funcionário não realizado, que não executa suas atividades a contento e resulta na sua “substituição”, em um ciclo continuo. Em relação à precarização do trabalho terceirizado, muitos fatores possuem raízes mais profundas na economia e na legislação brasileira, sendo de pouca gerência por parte da universidade. Contudo, vislumbram-se iniciativas administrativas que podem reduzir as condições laborais deficitárias; portanto, exigem um responsável investimento institucional. Nesse sentido, a gestão e fiscalização de contratos tem uma função social primordial, que será evidenciada em seguida, A gestão envolve as funções da administração em planejar, coordenar, controlar e avaliar uma contratação. Na etapa de planejamento ocorre a elaboração do termo de referência (TR), esse documento vai antever todas a normas que regerão uma futura prestação de serviços, como os as sanções (advertências, multas, rescisão) as empresas que descumprem obrigações trabalhistas; bem como as medidas de contingência para essas hipóteses, como é o caso das garantias contratuais, conta vinculada e pagamento por fato gerador. A conta vinculada é uma conta aberta pela administração para resguardar valores de 13º salários, férias, FGTS e verbas rescisórias; no pagamento por fato gerador a empresa só recebe os montantes integrais se comprovar a quitação das suas obrigações trabalhistas (BRASIL, 2018). Na etapa de coordenação deverão ser selecionadas as prestadoras inidôneas, cujo histórico não apresente litígios na justiça do trabalho ou notificações na receita federal, previdência social, caixa econômica (FGTS). De certa forma, ao selecionar empresas que cumprem com seus deveres, as que não o fazem tendem a desaparecer. A coordenação também direciona as tarefas de controle, representadas principalmente pela fiscalização de contratos. A fiscalização se desdobra tanto na verificação da execução de serviços com qualidade, quanto no fiel cumprimento dos direitos trabalhistas dos terceirizados. Esta última função, conforme destaca Viana, Delgado e Amorim (2011) coaduna com a efetivação dos preceitos constitucionais que consagram a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho. As universidades federais possuem o poder do interesse público e o poder econômicocontratual, permitindo-lhe aplicar sanções e retenções de pagamento. Essa “vantagem” deve ser levada como um princípio basilar das atividades de fiscalização, as quais exigem responsabilidade e dedicação na proteção do trabalhador, que é o partícipe mais frágil no modelo de terceirização. Todavia, a realidade da administração pública em termos de fiscalização de contratos terceirizados é deficiente, a tal ponto que Almeida (2009, p.53) considera a fiscalização contratual o “Calcanhar de Aquiles da execução dos contratos administrativos”. Nas universidades federais a situação não é diferente. Pesquisas apontam para a falta de treinamento dos servidores designados como fiscais; falta de normatização e padronização de procedimentos internos e; fiscais com dupla função: atribuições normais inerentes ao cargo de carreira, mais as tarefas de fiscalização (MEDEIROS, 2014; LAPA, 2015). Nesse ponto, sugere-se a criação de setores ou estruturas nas universidades que sejam voltadas especificamente à gestão e fiscalização de contratos. Onde sejam elaboradas e implantadas políticas voltadas aos programas de capacitação dos servidores; à criação de manuais internos; à composição de equipes multidisciplinares para executar as atividades, haja vista que a complexidade da legislação trabalhista é uma dificuldade enfrentada; ao desenvolvimento de softwares e bancos de dados para o controle da situação de cada terceirizado. 11 As boas práticas de fiscalização permitem a verificação das condições de saúde, higiene e proteção no trabalho: uniformes, EPI, questões de insalubridade/periculosidade, jornada de trabalho; e a condições financeiras: salários condizentes com as convenções coletivas, pagamento do INSS, FGTS, alimentação, transporte, 13º salário, férias, horas-extras entre outros. No instante da repactuação (reajuste) dos contratos, a planilha de custos da mão de obra pode ser confrontada eventuais erros ou fraudes detectadas. Por fim, na avaliação todos os passos anteriores devem ser revistos para que os problemas a as empresas que não cumprirem com suas obrigações, em especial as relacionadas aos trabalhadores, sejam eliminadas para os próximos planejamentos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalhador terceirizado é elo mais fraco do vínculo entre as universidades públicas e empresas, por isso essas instituições sociais, com todo seu histórico, sua missão social e seu aparato estrutural não pode considerar essas pessoas como meros instrumentos descartáveis da prestação de um serviço contratado. Muito menos deve se abster de zelar pelo bem estar desse sujeito perante a sociedade e do sujeito que trabalha para universidade e em prol dela. Buscou-se nesse estudo, levantar os principais problemas que os trabalhadores terceirizados enfrentam na sua prática, em especial os que laboram em universidades públicas federais, e procurar soluções aplicáveis dentro das limitações legais e estruturais dessas instituições. Verificou-se que há possibilidades de melhorias na vida dessas pessoas, sobretudo com o fomento da educação, combate a discriminações e exclusões, na construção de identidades e na proteção da dignidade humana e do trabalho que os mecanismos de gestão e fiscalização de contratos proporcionam. Algumas dessas propostas podem resultar em algumas despesas adicionais, porém são irrelevantes em comparação ao orçamento das universidades públicas federais. Contudo, diferentemente de uma organização social, a redução de custos não pode ser o norteador de todas as políticas institucionais e sim o combate às desigualdades e ao desenvolvimento social. 6 REFERÊNCIAS ABDALA, Vantuil. Terceirização: normatização, questionamentos. Terceirização: normatização, questionamentos. Rev. TST, Brasília, vol. 74, n. 4, out/dez 2008. ALMEIDA, Carlos Eellington Leite. Fiscalização contratual:“Calcanhar de Aquiles” da execução dos contratos administrativos. República Federativa do Brasil, p. 53, 2009. 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