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Agonísticas cosmológicas: Jésio Zamboni1 Universidade Federal do Espírito Santo Pablo Ornelas Rosa2 Universidade Vila Velha Aknaton Toczek Souza3 Universidade Católica de Pelotas Pedro Augusto Costa Bordallo4 Universidade Vila Velha Resumo: A partir da noção nietzscheana de genealogia, mobilizada por meio da analítica foucaultiana para tratar de um campo agonístico caracterizado por duas cosmologias em embate, propomos uma análise dos discursos proferidos por representantes das forças armadas brasileiras contra os povos Yanomami. Para isso, adotamos a perspectiva de Davi Kopenawa e Bruce Albert na compreensão do feitiço capitalista. Palavras-chave: perspectivismo; cosmologia; feitiçaria; Jair Bolsonaro; militares. Professor adjunto no Departamento de Psicologia e professor permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do Espírito Santo. Possui Graduação em Psicologia (2008), mestrado em Psicologia Institucional (2011) e doutorado em Educação (2016) pela Universidade Federal do Espírito Santo. 2 Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com estágio pós-doutoral em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Saúde Coletiva e em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professor permanente nos Programas de Pós-Graduação em Sociologia Política e em Segurança Pública da Universidade Vila Velha (UVV). 3 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estágio pós-doutoral em Sociologia Política pela Universidade Vila Velha (UVV) e doutorando em Direito (UFPR). Professor do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas. 4 Graduado em Relações internacionais pela Universidade Vila Velha - UVV, tendo sido bolsista de Iniciação Científica com pesquisa sobre a relação entre o governo Bolsonaro e os povos Yanomami. 1 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 ZAMBONI, Jésio, et al. Agonísticas cosmológicas: uma genealogia do feitiço capitalista lançado pelos militares aos povos Yanomami. Aceno – Revista de Antropologia do Centro-Oeste, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 uma genealogia do feitiço capitalista lançado pelos militares aos povos Yanomami Cosmological agonistics: a genealogy of the capitalist spell cast by the military on the Yanomami peoples Abstract: Based on the Nietzschean notion of genealogy, mobilized through Foucault’s analysis to address an agnostic field characterized by two clashing cosmologies, we propose an analysis of the speeches given by representatives of the Brazilian armed forces against the Yanomami peoples. For this, we adopted the perspective of Davi Kopenawa and Bruce Albert in understanding of the capitalist spell. Keywords: perspectivism; cosmology; witchcraft; Jair Bolsonaro; military. ACENO, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 Dossiê Temático: Feitiços e Encantamentos do Contemporâneo Agonismos cosmológicos: una genealogía del hechizo capitalista lanzado por los militares sobre los pueblos Yanomami Resumen: A partir de la noción nietzscheana de genealogía, movilizada a través del análisis de Foucault para abordar un campo agonista caracterizado por dos cosmologías enfrentadas, proponemos un análisis de los discursos pronunciados por representantes de las fuerzas armadas brasileñas contra los pueblos Yanomami. Para ello, adoptamos la perspectiva de Davi Kopenawa y Bruce Albert en la comprensión del hechizo capitalista. Palabras clave: perspectivismo; cosmología; brujería; Jair Bolsonaro; militar. 152 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 A violência e a opressão promovidas contra os povos originários no Brasil é uma questão que remonta aos tempos da invasão portuguesa em 1500, perpassando por toda a história do país. Isso ocorre porque esse tipo de conduta foi sendo paulatinamente perpetrado pelos colonizadores desde a sua chegada a este território, principalmente a partir da mobilização de certo pensamento etnocêntrico, que compreendia os povos originários como seres inferiores por comparação àqueles que eram orientados por uma cosmologia cristã, patriarcal e mercantilista, necessitando, portanto, que estes fossem convertidos em brancos5, para que pudessem superar sua suposta condição de inferioridade econômica, política, racial, cultural e espiritual. Nesse sentido, é importante destacar que a noção de cosmologia utilizada em nossas ponderações se fundamenta na compreensão de Philippe Descola (2016), que a concebe enquanto uma visão de mundo, ou seja, situando-a como a maneira como pensamos que o mundo que tomamos como referência está devidamente organizado. Segundo o autor, A partir deste apontamento proferido por Davi Kopenawa e Bruce Albert (2015), encontramos a persistência de duas cosmologias conflitantes no Brasil do século XXI, que assumem perspectivas distintas acerca dos direitos dos povos Yanomami existirem e terem suas terras devidamente demarcadas. De um lado, temos uma cosmologia ocidental, que foi atualizada por representantes das forças armadas brasileiras e que se reconhece conservadora, cristã, liberal e evolucionista (PAIVA e CAMPOS, 2022; MENNA BARRETO, 1995); caracterizando-se pela atualização de certa herança colonial, que ainda se faz presente por meio de seus três principais modos de dominação: o patriarcado, o racismo e o capitalismo (SANTOS, 2022). De outro lado, temos uma crítica contumaz à série de violências perpetradas historicamente por essa cosmologia colonial contra os povos originários, na iminência de impor um padrão existencial com viés patriarcal, cristão, racista, sexista, cisheteronormativo e capitalista, que nega a diversidade de formas de ser e modos de existir que escapem à sua dominação religiosa, política, econômica, racial, cultural e de gênero. O ideal do “branqueamento” teria surgido como “teoria peculiar ao Brasil” (SKIDMORE, 1976: 81) ou, ainda, como um processo mais abrangente, envolvendo “muitos outros países latino-americanos nos séculos XIX e XX” (STEPAN, 2014: 113), produzindo um pensamento eugenista, visando “melhoria da raça”, próprio às problemáticas das elites intelectuais do sul global preocupadas com as questões da afirmação nacional e da miscigenação racial. Esta, no contexto brasileiro, resolve-se como solução: articula-se uma série de debates teóricos e estratégias políticas no sentido de orientar a miscigenação no sentido do embranquecimento como afirmação nacional. ZAMBONI, Jésio, et al. Agonísticas cosmológicas quando afirmamos que o mundo se compõe de entidades naturais, de humanos e de objetos artificiais, enunciamos os princípios de uma cosmologia particular, isto é, da nossa. Outros povos não estabelecem tais distinções e veem o mundo segundo outras cosmologias. (DESCOLA, 2016: 47) 5 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 153 No entanto, antes de darmos continuidade às nossas ponderações, é necessário destacar que a emergência de certo conservadorismo tecnopolítico à brasileira, capitaneado por Olavo de Carvalho a partir dos anos 1990, produziu um alinhamento entre integrantes das forças armadas, institutos liberais, grupos religiosos de tradição cristã etc., conduzindo discursos de caráter político, econômico e cultural, que forjaram o governo de Jair Bolsonaro (ROSA 2022), retomando em muitos aspectos o legado da ditadura civil-empresarial-militar iniciada no Brasil em 1964, incluindo os discursos anti-indigenistas. Esse declínio das pautas que envolvem a garantia de direitos fundamentais aos povos indígenas, e que foi agravado neste governo, é algo extremamente preocupante, pois coloca em risco a vida material e imaterial de uma parte significativa da população brasileira, tendo em vista os seus efeitos genocidas, ecocidas e etnocidas. Segundo Pierre Clastres (2004: 83), ACENO, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 Dossiê Temático: Feitiços e Encantamentos do Contemporâneo o termo etnocídio aponta não para a destruição física dos homens (caso em que se permaneceria na situação genocida), mas para a destruição de sua cultura. O etnocídio, portanto, é a destruição sistemática dos modos de vida e pensamento de povos diferentes daqueles que empreendem essa destruição […]: os outros são maus, mas podese melhorá-los obrigando-os a se transformar até que se tornem, se possível, idênticos ao modelo que lhes é proposto, que lhes é imposto. Adentrando na questão da relação entre os povos ameríndios e os governos militares, é importante destacar que a ditadura não foi nada amistosa com essa parcela da população. Isso ocorre porque, durante aquele período, houve uma expansão do agronegócio e da mineração em terras indígenas resultando em conflitos territoriais, assim como na intensificação de violações dos direitos destes povos. Os militares também implementaram políticas de integração forçada, buscando suprimir suas identidades, rituais, tradições etc. Isso fica evidente no reaparecimento do Relatório Figueiredo, que não apenas apurou as mais diversas formas de corrupção ocorridas durante o período militar no Serviço Nacional do Índio, órgão que antecede a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como também mostrou as matanças de povos inteiros, torturas e toda a sorte de crueldades que foram cometidas contra indígenas no país, principalmente pelos grandes proprietários de terras e por agentes do Estado6. Sendo assim, não há como deixar de reconhecer que a relação entre governo Bolsonaro e os povos indígenas foi fortemente marcada por uma retórica antiindigenista, voltada à promoção da exploração comercial de suas terras 7. O expresidente e membros do seu governo fizeram diversas declarações públicas que diminuíam a importância dos direitos indígenas, na defesa veemente da exploração dessas terras sob a justificativa de que sua adesão ao capitalismo beneficiaria economicamente o país. Desse modo, talvez a pergunta que mais evidencie a cosmologia colonial fomentada na paixão pela mercadoria em sua relação com o feitiço do capitalismo seja: “O que fazem os brancos com todo esse ouro? Por acaso, eles o comem?” (KOPENAWA e ALBERT, 2015: 407). Para responder à questão a partir de uma perspectiva orientada pela cosmologia Yanomami, é importante compreender que No começo, a terra dos antigos brancos era parecida com a nossa. Lá eram tão poucos quanto nós agora na floresta. Mas seu pensamento foi se perdendo cada vez mais numa trilha escura e emaranhada. Seus antepassados mais sábios, os que Omama criou e a O Relatório Figueiredo encontra-se disponível em: https://www.ufmg.br/brasildoc/temas/5-ditadura-militar-e-populacoes-indigenas/. Acesso em 10/05/2023. 7 Em relação a exploração das terras indígenas no governo Bolsonaro, sugerimos o documento que se encontra disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/634893-projeto-do-governo-viabiliza-exploracao-de-minerios-em-terras-indigenas. Acesso em 10/05/2023. 6 154 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 quem deu suas palavras, morreram. Depois deles, seus filhos e netos tiveram muitos filhos. Começaram a rejeitar os dizeres de seus antigos como se fossem mentiras e foram aos poucos se esquecendo deles. Derrubaram toda a floresta de sua terra para fazer roças cada vez maiores. […] Puseram-se a desejar o metal mais sólido e mais cortante, que ele tinha escondido debaixo da terra e das águas. Aí começaram a arrancar os minérios do solo com voracidade. […] Isso os fez esquecer a beleza da floresta. Pensaram: “Haixopë! Nossas mãos são mesmo habilidosas para fazer coisas! Só nós somos tão engenhosos! Somos mesmo o povo da mercadoria! Podemos ficar cada vez mais numerosos sem nunca passar necessidade! Vamos criar também peles de papel para trocar!”. […] Visitando uns aos outros entre suas cidades, todos os brancos acabaram por imitar o mesmo jeito. E assim as palavras das mercadorias e do dinheiro se espalharam por toda a terra de seus ancestrais. É o meu pensamento. Por quererem possuir todas as mercadorias, foram tomados de um desejo desmedido. Seu pensamento se esfumaçou e foi invadido pela noite. Fechou-se para todas as outras coisas. Foi com essas palavras da mercadoria que os brancos se puseram a cortar todas as árvores, a maltratar a terra e a sujar os rios. Começaram onde moravam seus antepassados. Hoje já não resta quase nada de floresta em sua terra doente e não podem mais beber a água de seus rios. Agora querem fazer a mesma coisa na nossa terra. (KOPENAWA e ALBERT, 2015: 407, grifos dos autores) É por meio dessa paixão pela mercadoria que o feitiço capitalista atualizado pelos militares pôde ser fabricado e direcionado aos povos Yanomami, motivando a intensificação da exploração de recursos naturais através do garimpo em suas terras, que culminou com o agravamento da contaminação dos rios, peixes, plantas e demais animais. Nesse sentido, foi a fragilização da saúde deste povo em decorrência do contágio da água dos rios com o mercúrio utilizado na extração de minérios como o ouro, que acabou levando o ex-presidente Jair Bolsonaro a ser investigado, por meio de um inquérito que foi aberto pela Polícia Federal com o objetivo de verificar se, de fato, houve crime de genocídio e omissão aos povos Yanomami8. A proposta desse artigo é apresentar uma genealogia (FOUCAULT, 2010) do campo agonístico formado pela cosmologia do feitiço capitalista, lançado pelos militares como um saber oficial ou saber das instituições que se impõe destrutivamente — com viés patriarcal, cristão, evolucionista, racista, sexista, cisheteronormativo e capitalista — sobre os saberes sujeitados ou saberes das pessoas — expressos na defesa da pluralidade de modos de ser e formas de existir presentes na cosmologia Yanomami, principalmente por meio de sua crítica contundente sobre a paixão pela mercadoria (KOPENAWA e ALBERT, 2015) e sua consequente feitiçaria (STENGERS, 2003; STENGERS e PIGNARRE, 2005; VANZOLINI, 2018; SZTUTMAN, 2018). Em seu curso proferido no Collège de France em 1976, intitulado “Em defesa da sociedade”, Foucault (2010: 9) tratou da genealogia como “o acoplamento dos conhecimentos eruditos e das memórias locais, acoplamento que permite a constituição de um saber histórico das lutas e da utilização desse saber nas táticas atuais”, propondo que os saberes sujeitados deveriam ser tratados por meio de perspectivas em embate. Primeiramente, designando os conteúdos históricos que foram sepultados, soterrados e até mesmo ocultados por meio de coerências funcionais ou mesmo por sistematizações formais. Em nosso quadro de análise, a formação dessas coerências estrutura uma cosmologia colonial, atualizada por meio da perpetuação de um pensamento sedentário e metafísico, proferida por ZAMBONI, Jésio, et al. Agonísticas cosmológicas Uma genealogia do feitiço capitalista 155 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-64458119#:~:text=A%20Pol%C3%ADcia%20Federal%20anunciou%20a,de%20Jair%20Bolsonaro%20(PL). Acesso em 10/05/2023. 8 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 ACENO, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 Dossiê Temático: Feitiços e Encantamentos do Contemporâneo representantes do alto escalão das forças armadas brasileiras que se reconhecem como conservadores, evolucionistas e liberais. Tal cosmologia opera obstruindo a formação, a passagem e a existência de saberes divergentes da sua retórica unificadora. Esses saberes divergentes apresentam-se como sujeitados e desqualificados, como “saberes não conceituais, como saberes insuficientemente elaborados: saberes ingênuos, saberes hierarquicamente inferiores, saberes abaixo do nível do conhecimento ou da cientificidade requeridos” (FOUCAULT, 2010: 8), e se encontram materializados na cosmologia Yanomami, defensora da diversidade, do pensamento nômade, da pluralidade de modos de ser e formas de existir, mas que padece de um processo de desqualificação, justamente por ser tratada como se fosse constituída por meio de um saber primitivo, bárbaro, atrasado, precário e, no limite, miserável do ponto de vista econômico, político, cultural, existencial e espiritual. Ao apresentar a noção de conhecimento a partir de uma perspectiva nietzscheana, Foucault (2005: 24) afirma que ele seria um efeito ou um acontecimento. Segundo o autor, o conhecimento não seria uma faculdade, tampouco uma estrutura universal, por mais que se utilize de certos elementos que poderiam se passar por universais. Sendo assim, 156 Quando fala do caráter perspectivo do conhecimento, Nietzsche quer designar o fato de que só há conhecimento sob a forma de um certo número de atos que são diferentes entre si e múltiplos em sua essência, atos pelos quais o ser humano se apodera violentamente de um certo número de coisas, reage a um certo número de situações, lhes impõe relações de força. Ou seja, o conhecimento é sempre certa relação estratégica em que o homem se encontra situado. É essa relação estratégica que vai definir o efeito de conhecimento e por isso seria totalmente contraditório imaginar um conhecimento que não fosse em sua natureza obrigatoriamente parcial, oblíquo, perspectivo. O caráter perspectivo do conhecimento não deriva da natureza humana, mas sempre do caráter polêmico e estratégico do conhecimento. (FOUCAULT, 2005: 25) A compreensão de que a atividade genealógica não propõe uma oposição entre a unidade abstrata da teoria e a multiplicidade concreta dos fatos, tampouco desqualifica o especulativo em detrimento de um cientificismo qualquer, levou Foucault (2010: 10) a afirmar que “as genealogias não são, portanto, retornos positivistas, a uma forma de ciência mais atenta ou mais exata. As genealogias são, muito exatamente, anticiências”. Isso ocorre, não porque elas reivindiquem o direito lírico à ignorância e ao não saber, não que se tratasse da recusa de saber ou pôr em jogo, do pôr em destaque os prestígios de uma experiência imediata, ainda não captada pelo saber. Não é disso que se trata. Trata-se da insurreição dos saberes. (FOUCAULT, 2010: 10) Para Foucault (2010), este enfrentamento reativaria os saberes locais contra aqueles materializados nos saberes oficiais ou saberes das instituições. Nessa disputa, nos posicionaremos aliados à perspectiva cosmológica Yanomami; sobretudo, a partir de sua crítica acerca da paixão pela mercadoria que nos permite compreendê-la pelo prisma do feitiço do capitalismo lançando pelos militares a estes povos. Isso porque, segundo Isabelle Stengers (2003), os discursos sobre magia, feitiço e feitiçaria não são redutíveis a uma metáfora, já que o que conta é justamente como as palavras agem. Ademais, para a autora, a linguagem não seria uma propriedade exclusiva dos seres humanos, tampouco um simples veículo na transmissão da informação. Ao contrário, as palavras nos fazem pensar e sentir. _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 Se o que caracteriza o capitalismo é a sua capacidade de capturar nossa imaginação, condenando-nos a aceitar a “evidência” das alternativas infernais impostas pelo capital, nomeá-lo feitiçaria nos obriga a desenvolver técnicas de proteção ou de desenfeitiçamento que permitam a concepção de novas maneiras de viver neste mundo. Essencial a essas técnicas de resistência é a recusa do jogo da verdade contra o erro, aliada do capitalismo em seus rumos aparentemente inelutáveis. Resistir ao capitalismo é admitir que não há questão econômica, científica, ou de outra ordem que possa ser colocada fora da política, fora de debate; que nenhuma razão pode justificar uma decisão sem que se dê ouvidos às questões colocadas por cada um daqueles que serão afetados por ela. O desenfeitiçamento proposto por Stengers e Pignarre implica uma nova relação com a verdade, inclusive aquela dos revolucionários. É preciso complicar cada questão, não simplificar, dizem os autores. Não há resposta definitiva, nem critério universal. (VANZOLINI, 2018: 334-5) Ao compreender que “a feitiçaria só pode ser reconhecida através de discursos e vestígios” (VANZOLINI, 2018: 335), o livro A Farsa Ianomami (MENNA BARRETO, 1995) surge como um indício germinal de discursos militares históricos que passaram a circular por toda a direita a partir da década de 1990, articulando-se como cosmologia colonial. Além de negar a existência dos povos Yanomami, foi justamente esta perspectiva política que ensejou a ascensão do presidente Jair Bolsonaro em 2018 e do escritor Olavo de Carvalho que, em resposta a uma carta enviada por uma estudante, disse: Quanto aos índios, ligue para a Biblioteca do Exército (021 519-5707, 516-2366) e peça um exemplar do livro “A Farsa Yanomami”. É um depoimento escrito por um major do Exército, ex-secretário de Segurança de Roraima, quando estava para morrer de câncer, e tem o peso das palavras dos moribundos. Esse livro lhe dará uma ideia de coisas _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 ZAMBONI, Jésio, et al. Agonísticas cosmológicas As sociedades ditas primitivas — melhor definidas como sociedades contra o Estado (CLASTRES, 2003) — são configuradas em torno de códigos e territórios que se articulam em torno do corpo (DELEUZE e GUATTARI, 1996; 2010). A importância da terra e das florestas, bem como das palavras e do ensinamento de Omama, para os povos Yanomami, remetem à função central do corpo em sua constituição como sociedade. Pelo contrário, a sociedade capitalista na qual se formam a ditadura civil-empresarial-militar e o governo Bolsonaro é caracterizada fundamentalmente por movimentos de desterritorialização (“trilha escura e emaranhada”, “roças cada vez maiores”) e descodificação (“as palavras das mercadorias e do dinheiro se espalharam por toda a terra”, “pensamento se esfumaçou e foi invadido pela noite”) que estabelecem um “um desejo desmedido” (KOPENAWA e ALBERT, 2015: 407) como principal processo-produto do capital. É por isso que o feitiço capitalista busca, em seu processo etnocida, eliminar os povos Yanomami por uma transformação incorporal ou linguageira que nega seus corpos, visando-os como mera ficção discursiva nos jogos de poder, ao mesmo tempo que desterritorializa suas existências concretas pela invasão e destruição de territórios. Mas a desterritorialização — que, no feitiço capitalista, necessita do Estado como regulador nos terminais dos seus processos; seja apoiada na linha dura totalitária da ditadura, seja convulsionando através do olavismobolsonarismo — não pode ser avaliada em termos morais de bem ou mal, absolutos e transcendentes (DELEUZE e GUATTARI, 1996). A desterritorialização é também nossa chance de inventar novos corpos, codificações e territorialidade, em agenciamentos propiciadores da invenção de novos mundos. Stengers (2003) propõe que “usar deliberadamente termos como magia, feitiçaria e animismo seria insistir numa desterritorialização” (SZTUTMAN, 2018: 343-4). Portanto, nossa análise também visa uma desterritorialização das noções de feitiço e feitiçaria, acompanhando Stengers. 157 abismantes que se passam dentro do território nacional com a cumplicidade do governo e da imprensa. (CARVALHO, 1999)9 Diante do quadro exposto, parece ser necessário não apenas conhecer os discursos que se fazem presentes no feitiço do capitalismo lançado pelos militares do mais alto escalão das forças armadas brasileiras, como também é necessário mobilizar certo desenfeitiçamento que intensifique a contracolonialidade presente na cosmologia Yanomami. Isso, tendo em conta os efeitos da colonialidade do poder que parecem ficar bastante evidentes no discurso proferido pelo general Hamilton Mourão10 - que atuou como vice-presidente de Jair Bolsonaro e coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal -, afirmando que “temos uma cultura da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem? Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é nosso cadinho cultural”. Importante mencionar que, quando tratamos das noções de colonialidade e contracolonialidade, tomamos como referência as análises apresentadas por Aníbal Quijano (2005) considerando-as como efeito ou atualização do colonialismo que, juntamente com o capitalismo e o eurocentrismo, caracterizariam os três elementos centrais que afetam a vida cotidiana da totalidade da população mundial. Nesse caso, consideraremos a cosmologia colonial sustentada sob uma base patriarcal, cristã, racista, sexista, cisheteronormativa e capitalista, como efeito atualizado da colonialidade. ACENO, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 Dossiê Temático: Feitiços e Encantamentos do Contemporâneo A farsa militar Quando analisamos as condições dos povos Yanomami, sobretudo em um contexto anti-indigenista conforme evidenciamos no governo de Jair Bolsonaro, é imprescindível conhecermos os discursos proferidos pelos militares e todo o feitiço capitalista atualizado nesta cosmologia colonial que se reconhece como conservadora, liberal e evolucionista11, tendo como referência civilizacional um padrão europeu etnocêntrico. Isso fica evidente quando o general Hamilton Mourão12 afirma que “é lógico que tem índio que apoia garimpo. Você acha que o índio quer viver o resto da vida na floresta? Índio quer celular, índio quer caminhonete. Quer conforto, ar-condicionado”. Tal lógica se sustenta na do próprio capital como feitiço, instaurando “um mundo perverso enfeitiçado” (DELEUZE e GUATTARI, 2010: 23), no qual tudo encontra significação no equivalente geral — que propõe como boa cópia do modelo abstrato, vazio e significante, o homem branco, liberal, europeu, cristão, cisgênero, heterossexual. Assim, o feitiço capitalista transforma os corpos, os códigos, os territórios, as cosmologias Yanomami em fantasia narcísica de colonizador, que encontra a justificativa do seu desejo consumista no delírio de um índio (sic) que nunca existiu, nem pode existir, pois teria que ser o mesmo que nós para poder existir no Estado sob o signo da equivalência. Disponível em: https://olavodecarvalho.org/carta-de-uma-estudante/ Acesso em 15/05/2023. em: https://exame.com/brasil/general-mourao-liga-indio-a-indolencia-e-negro-a-malandragem/ Acesso em 15/05/2023. 11 Nesse caso, é importante destacar que a leitura feita pelos militares acerca do que compreendem por evolucionismo, será apresentada por nós a partir de uma perspectiva foucaultiana, compreendendo-o não tanto como a própria teoria de Darwin, mas como um conjunto de noções tais como hierarquia das espécies, árvore comum da evolução, luta pela vida entre as espécies, seleção que elimina os menos aptos, dentre outras (FOUCAULT, 2010). 12 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/02/5070941-mourao-sobre-ianomamis-indioquer-celular-caminhonete-e-ar-condicionado.html Acesso em 15/05/2023. 9 10Disponível 158 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 ZAMBONI, Jésio, et al. Agonísticas cosmológicas Essa cosmologia manifesta pelo general Mourão, que tem sido compartilhada por outros demais integrantes das forças armadas brasileiras de alta patente, encontra-se expressa em um plano discursivo caracterizado por uma rede altamente articulada por sujeitos, grupos e empresas que se reconhecem como conservadores, compartilhando a defesa veemente do capitalismo. Dentre muitas de suas vertentes, há conservadores no Brasil que ora posicionam-se como evolucionistas e positivistas tributários da meritocracia, ora como cristãos tradicionalistas e, eventualmente, monarquistas — que, em muitos casos, parecem aderir paradoxalmente a ambas as perspectivas (ROSA, 2022). “O Estado central não se constituiu pela abolição de uma segmentaridade circular, mas por concentricidade dos círculos distintos ou por uma ressonância dos centros.” (DELEUZE e GUATTARI, 1996: 87). É assim que os vários posicionamentos e discursos que constituem a multiplicidade do tecnoconservadorismo brasileiro podem coexistir em um meio comum, sofrendo mútuas interferências, mas sempre no sentido de definir uma orientação única, apesar das divergências incansáveis, como uma “caixa de ressonância” (DELEUZE e GUATTARI, 1996: 105). Sendo assim, embora compartilhem certo posicionamento conservador, é possível encontrarmos divergências entre as abordagens apresentadas pelos militares e monarquistas, dentre outros. Isso ocorre não apenas por ser comum entre os defensores da monarquia acusarem os militares de terem capitaneado o golpe de 1889, mas principalmente pela perspectiva positivista ancorada em uma base evolucionista e tecnocrata que norteia as condutas dos militares desde o século XIX (SEIDL, 1990: 119); em contraposição aos argumentos cristãos, operados a partir de um plano metafísico e transcendente que acredita na existência de uma verdade sagrada a ser encontrada, orientada pela crença em uma natureza humana universal e inata. Nesse caso, é possível constatar que, enquanto uma parcela significativa dos militares sustenta suas perspectivas evolucionistas a partir de uma base pretensamente científica e tributária do positivismo, os monarquistas geralmente tomam como referência epistemológica o pensamento escolástico. Embora a tradição positivista, pretensamente científica e tecnocrata, faça-se presente entre os militares desde o século XIX, também é possível localizar entre eles ainda hoje uma dimensão moral orientada por grupos religiosos cristãos. O encontro destas forças conservadoras associadas ao positivismo, presente entre os militares, e ao catolicismo, vinculado aos monarquistas, não apenas resultou na negação da existência dos povos Yanomami, conforme evidenciamos no livro de Menna Barreto (1995), como ainda desqualifica e persegue aqueles que são tratados como ambientalistas radicais por defenderem o meio ambiente e o direito dos povos originários, conforme demonstrou Dom Bertrand de Orleans e Bragança (2022) em seu livro intitulado “Psicose ambientalista: Os bastidores do ecoterrorismo para implantar uma “religião” ecológica, igualitária e anticristã” — publicado pelo Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, conhecido por fundar o movimento de extrema direita chamado Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (ZANOTTO, 2001). O argumento apresentado pelo descendente da família real portuguesa se fundamenta na tese de que estes supostos ambientalistas radicais, “independentemente da preservação ambiental, defendem uma ordem de coisas miserabilista e igualitária, ao extremo de igualar o homem aos animais e à natureza inerte” (ORLEANS E BRAGANÇA, 2022: 169), o que evidencia uma perspectiva etnocêntrica, assim como uma incapacidade de compreender e aceitar outras visões de mundo que escapem à lógica colonial e sua persistente colonialidade (QUIJANO, 159 2005). Desse modo, ao associarem distintos grupos e lutas visando sua eliminação em detrimento da crença e defesa da existência de uma ordem natural perpetuadora de privilégios, Dom Bertrand sugere que Essa investida ambientalista, indigenista e socialista vem somar-se a outras investidas já antigas, como a fracassada Reforma Agrária socialista e confiscatória, que persegue impiedosamente os fazendeiros, e ainda outras mais recentes, como a nova legislação trabalhista, que normatiza o trabalho no campo sem levar em consideração a realidade rural, demarcação de áreas para falsos quilombolas e um projeto de regularização fundiária estapafúrdio. Se for permitido que seja levado às últimas consequências, esse processo conduzirá à eliminação da propriedade privada no campo. As primeiras vítimas do processo são esses verdadeiros desbravadores que, nas pegadas dos bandeirantes, se embrenharam mata adentro para tornar produtivas as imensas riquezas que Deus favoreceu ao Brasil. E, trabalhando assim para o progresso próprio, geraram evidente e inapreciável benefício para toda a nação. (ORLEANS E BRAGANÇA, 2022: 167) ACENO, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 Dossiê Temático: Feitiços e Encantamentos do Contemporâneo A tentativa de desqualificar as diferentes visões de mundo, a exemplo da cosmologia Yanomami, dentre outros saberes sujeitados que se recusam a reiterar toda a violência promovida pela cosmologia colonial atualizada tanto pelos militares quanto pelos monarquistas, também pode ser encontrada em A verdade sufocada, escrito pelo general Carlos Alberto Brilhante Ustra (2018) que, a partir de sua interpretação acerca do Foro de São Paulo, afirma que 160 os dirigentes do Foro decidiram adotar formalmente os seguintes movimentos para descaracterizar suas intenções: - O indigenismo – quando afirmam defender os direitos dos indígenas, na verdade estão estimulando a formação de grupos guerrilheiros (Exército Zapatista de Libertação Nacional); - O separatismo – ao argumentarem que os territórios ocupados pelas tribos indígenas pertencem a eles e não ao Estado; - O ecologismo radical – ao alargarem a proteção ao meio ambiente, justificam a ação de terroristas, criando obstáculos a obras públicas de infra-estrutura como rodovias e energia elétrica; - A Teologia da Libertação – com o objetivo de dividir a Igreja Católica e justificar a violência cometida com argumentos supostamente cristãos. (USTRA, 2018: 596) Assim, essa asserção mencionada por Ustra (2018) articula o indigenismo, separatismo, ecologismo radical e Teologia da Libertação a partir da perspectiva de “comunidades de semelhantes” (MBEMBE, 2020: 75), que implica estabelecer “um conjunto de pessoas que, de uma forma ou de outra, sempre foram percebidas como parcela estrangeira, populações excedentes, indesejáveis, das quais se sonha em se livrar”. Para tanto, elabora-se não apenas uma gramática de desqualificação, mas também a persecução e eliminação daqueles que, segundo Orleans e Bragança (2022: 168), buscariam a “destruição do resto da civilização cristã substituída por um tribalismo indígena comuno-missionário”. Isso porque, segundo ele, essas forças encarnariam o “ideal comuno-indigenista disfarçado de verdade. Por detrás da ecologia surge o marxismo de sempre, com características próprias da Teologia da Libertação” (ORLEANS E BRAGANÇA, 2022: 170). Não obstante, ao ler “A verdade sufocada”, escrito por Carlos Alberto Brilhante Ustra (2018), e “A nova era e a revolução cultural”, redigido por Olavo de Carvalho (2014) e publicado pela primeira vez em 1994, é possível encontrar diagnósticos semelhantes àqueles apresentados tanto por Menna Barreto (1995) quanto por Orleans e Bragança (2022). Situar os inimigos políticos como desdobramentos do pretenso marxismo cultural firmou-se como eixo articulador do tecnoconservadorismo brasileiro (ROSA, 2022). Pois, para compreender o processo revolucionário brasileiro é preciso conhecer o desenvolvimento do Foro de São Paulo, que não opera apenas por meio da Revolução Cultural. _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 Há ali uma proposta militar também, apoiada pelo narcotráfico. A organização e instrumentalização do banditismo é um dos elementos fundamentais do Foro. Neste ínterim, as FARC conseguiram desmantelar todos os outros cartéis concorrentes e conquistaram o monopólio absoluto do tráfico de cocaína no continente [...] as FARC são a força principal do Foro de São Paulo, que por sua vez é a única força política que existe no Brasil. (CARVALHO, 2014: 237) Tomando como diagnóstico os discursos proferidos por Olavo de Carvalho sobre diferentes acontecimentos ocorridos no Brasil, e partindo de seus escritos e cursos ministrados em diversos segmentos das forças armadas brasileiras desde a década de 1990 (LEIRNER, 2020), na iminência de recontar a história do país por meio do projeto Orvil (ROCHA, 2021), o general Carlos Alberto Brilhante Ustra (2018: 598) deixa evidente a influência exercida por este escritor conservador brasileiro acerca de sua perspectiva anticomunista, argumentando que “De acordo com o filósofo Olavo de Carvalho, em entrevista ao Jornal de Brasília, de 28/05/2005, cada capitalista no Brasil, quanto mais ganha, mais dinheiro terá de dar ao governo e mais dinheiro para a máquina que amanhã vai estrangulá-lo”. No entanto, embora Olavo de Carvalho (2014) tenha proferido uma crítica aos militares, sugerindo que eles perseguiram equivocadamente os comunistas que atuavam na guerrilha, ao invés de conterem aqueles intelectuais esquerdistas que operavam nas universidades e meios de comunicação corporativos, apresentando-os como pretensos inimigos, Brilhante Ustra (2018: 599) direciona o seu ataque à esquerda, sugerindo que Todavia, é importante compreender que foi por meio da influência direta de Olavo de Carvalho, iniciada na década 1990 (LEIRNER, 2020; ROCHA, 2021; ROSA, 2022), que o ex-coronel do DOI-CODI condenado por tortura parece ter assumido como verdade inquestionável o pretenso diagnóstico acerca do marxismo cultural e de seus supostos desdobramentos, a partir da persecução de movimentos sociais, tais como os movimentos negro, feministas, LGBTQIA+ e indígenas, que passaram a serem atacados pela extrema direita através da tradução e publicação de textos anticomunistas. Estas editoras contaram com a curadoria deste escritor conservador brasileiro que selecionou textos publicados pelo Moderno movimento conservador dos Estados Unidos (SOUZA, 2021), bem como por outros demais escritores com viés tradicionalista e neoliberal (ROSA, 2022). Além de situar essas articulações operadas por sujeitos, grupos e empresas que se reconhecem como conservadores, compartilhando perspectivas semelhantes acerca de questões que envolvem o meio ambiente e os povos originários, é importante mencionar não apenas a relevância da tradição familiar na reprodução social que caracteriza o recrutamento de militares no Brasil desde o século XVIII (SEIDL, 1999), como também é necessário enfatizar a violência perpetrada historicamente por estes representantes das forças armadas contra os povos originários, conforme encontramos no Relatório da Comissão Nacional da Verdade que mostra como o Estado brasileiro oficializou uma política de assimilação e integração forçada dos povos indígenas, resultando em milhares de mortes e casos de genocídio (BRASIL 2014). Todavia, ao adentrarmos na leitura do livro A farsa Ianomâmi (MENNA BARRETO, 1995), parece ser importante situarmos a relação entre a família _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 ZAMBONI, Jésio, et al. Agonísticas cosmológicas Conquistada a Presidência da República, o PT, membro fundador do foro de São Paulo, deveria, até por coerência, se pautar pelas decisões preconizadas pelo Foro (...) [O MST] é considerado o braço armado do PT. Para entrar em combate só lhes faltam as armas de fogo, o que, com o apoio das FARC, facilmente serão adquiridas. 161 Menna Barreto e as forças armadas brasileiras. Ao analisar os mecanismos objetivos utilizados na seleção e formação da elite do Exército no Rio Grande do Sul, visando compreender o fenômeno da reprodução de grandes famílias no interior da instituição militar, Seidl (1999) reconheceu certa tendência no recrutamento dos familiares de oficiais na composição das mais altas patentes do exército. Como exemplo, apresenta a família Menna Barreto, que desde a segunda metade do século XIX possui integrantes ocupando este tipo de cargo. Isso fica evidente tanto no livro “Os Menna Barreto: seis gerações de soldados”, publicado em 1950 pelo general João de Deus Menna Barreto (1950), quanto em seu manuscrito intitulado “Ainda os Menna Barreto”, de 1969. ACENO, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 Dossiê Temático: Feitiços e Encantamentos do Contemporâneo Sem dúvida alguma o grupo familiar que forneceu maior quantidade de oficiais ao Exército brasileiro em toda sua história, os Menna Barreto constituem um fenômeno impressionante de reprodução social de um grupo familiar no seio de uma instituição fazendo parte da estrutura governamental de um país. (SEIDL, 1999: 139) Nesse sentido, a compreensão de que os discursos sustentados pelo general Menna Barreto (1995), em “A farsa Ianomâmi”, reproduzem crenças ancoradas nesta cosmologia colonial articulada por sujeitos, grupos e empresas que se reconhecem como conservadoras, nos permite situar a concatenação de diferentes camadas de subjetivação instrumentalizadas por meio das plataformas digitais, constituindo-se em um diagrama do conservadorismo tecnopolítico à brasileira (ROSA 2022). Este encontra-se composto por uma: i) imprensa alternativa – constituída por empresas como a Jovem Pan, Gazeta do Povo, Revista Oeste, Brasil Paralelo, Brasil Sem Medo, Burke Instituto Conservador, Instituto Mises Brasil, Instituto Borborema, dentre muitos outros que compartilham um sentimento de pertencimento a uma comunidade que se encontraria supostamente imune ao contágio ideológico progressista e revolucionário capitaneado por intelectuais, pesquisadores e jornalistas profissionais (ESPÓSITO, 2017); ii) editoras – como a Record, LVM Editora, É Realizações, Millenium Editora, Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, Biblioteca do Exército Editora etc.; e, até mesmo, iii) redes de editoras — a exemplo da Faro Editorial e do Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico (CEDET) — que contou com a curadoria do escritor conservador Olavo de Carvalho na seleção, tradução e publicação de livros com o propósito de legitimar os seus discursos13. Não obstante, temos ainda as iv) editoras parceiras que, apenas no caso da CEDET, opera em diferentes cidades do país, fomentando a criação de v) livrarias virtuais, organizadas em sociedade com vi) influenciadores digitais, como Rodrigo Constantino, Ernesto Lacombe, Ana Caroline Campagnolo, Ítalo Marsili, Guilherme Freire, Antonia Fontenelle, Livraria E.D.A., dentre muitos outros, que contam com centenas de milhares ou mesmo milhões de vii) seguidores, que visam difundir esta cosmologia. Também há viii) congressos nacionais e internacionais como CPAC14, ix) grupos religiosos de tradição cristã, x) empresários, dentre outros segmentos da sociedade, tais como xi) as forças armadas brasileiras, que passou a se articular politicamente através do Clube Militar, Clube Naval, Disponível em: https://www.intercept.com.br/2021/08/28/cedet-vendas-sites-olavo-de-carvalho-extrema-direita/ Acesso em 15/05/2023. 14 Atualmente a Conferência de Ação Política Conservadora - CPAC é o maior evento conservador do mundo, tendo ocorrido não apenas nos Estados Unidos, mas pela primeira vez no Brasil em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, conforme encontramos disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/maior-evento-conservador-do-mundocpac-reune-bolsonaristas-em-brasilia/ Acesso em 12/06/23. 13 162 _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 Clube da Aeronáutica, Academia Militar das Agulhas Negras (AMAM), dentre outras. Diante disso, é necessário mencionar que o general Carlos Alberto Lima Menna Barreto (1995), apresenta-se como gaúcho natural de Porto Alegre, oriundo de tradicional família de militares, o que aparentemente lhe confere uma suposta legitimidade, principalmente quando inicia o primeiro capítulo de “A farsa Ianomâmi”, destacando que atuou como Comandante da Fronteira em Roraima nos idos de 1969, 1970 e 1971. Tal situação o levou a desprezar a existência dos povos Yanomami, tendo em vista que, segundo o general, “No período em que lá estive, empenhado em reconhecimentos, experiências e estudos necessários ao planejamento operacional, não ouvi jamais qualquer menção a uma tribo com esse nome” (MENNA BARRETO, 1995: 17). Logo, podemos conjecturar que a análise do general Menna Barreto presumiu que se, nas três vezes em que sobrevoou as montanhas cobertas de “florestas que queriam dar aos ianomâmis” entre 1969 e 1971, só encontrou índios nos famosos postos dos missionários estadunidenses que não chegavam a quinhentos, sua conclusão se fundamentou na ideia de que “para saber que os ianomâmis não existiam, teria bastado consultar as memórias de Rondon, ou, simplesmente, procurar o vocábulo no Aurélio” (MENNA BARRETO, 1995: 19-20). Esse gesto mágico que instala, circunscreve o efeito discursivo a uma rede calculadamente firmada com falas e agentes desde já reconhecidos e legitimados que produz o discurso como “palavra de ordem”, ou palavra ordenada/ordenadora (DELEUZE e GUATTARI, 1996) que busca concomitantemente legitimar e difundir essa cosmologia colonial atualizada. Em seu texto “Sobre a reciprocidade e a capacidade de juntar o mundo”, Ailton Krenak (2021: 64) enfatizou a importância de reconhecer a existência de uma mentalidade encravada na América Latina que insiste em se fazer presente, tendo em vista que “no quadro de povos que habitam cosmovisões, o debate sobre política se enquadra num molde, a priori, colonial. A episteme que instituiu o debate político é em si colonial”. Isso implica em reconhecer que esse molde conceitual foi “estabelecido por uma lógica que nós, hoje, somos capazes de identificar como uma lógica Ocidental” (KRENAK, 2021: 64) que imprime sentido em outros mundos, “criando sujeitos que vão ser a imagem e semelhança dessa racionalidade que se instituiu na América Latina, a política” (KRENAK, 2021: 64-5). Ao trazer para o debate o romance “Garabombo, o invisível”, redigido pelo escritor peruano Manuel Scorza (1990), que trata de histórias de pessoas em lugares em que não são reconhecidas, tampouco vistas pelo olhar colonialista/colonial que incide de forma a cegar a vista — conforme também encontramos no livro de Menna Barreto (1995) sobre a negação da existência dos povos Yanomami —, Ailton Krenak (2021: 77-8) conclui que o nosso desejo é que possamos nos abrir para outros mundos onde a diversidade e a pluralidade também estejam presentes, sem serem caçadas, sem serem humilhadas, sem serem caladas. E que possamos também experimentar viver em um mundo no qual ninguém precise ficar invisível, ninguém precise ser Garabombo, o invisível. Nesse caso, tanto os militares brasileiros que deram o golpe civil-militar em 1964 quanto outros demais castrenses, que atuaram de forma semelhante em pa_____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 ZAMBONI, Jésio, et al. Agonísticas cosmológicas Considerações finais 163 ACENO, 10 (24): 151-166, setembro a dezembro de 2023. ISSN: 2358-5587 Dossiê Temático: Feitiços e Encantamentos do Contemporâneo íses da América Latina a partir da segunda metade do século XX sob forte influência do governo estadunidense (RAPOPORT e LAUFER, 2000), não apenas apostaram na invisibilidade e ausência do reconhecimento da existência destes povos, como ainda procuraram erradicar suas tradições e saberes. A eles, se impôs certa adesão ao capitalismo e sua consequente conversão em trabalhadores que eventualmente poderão explorar os recursos naturais das terras que têm por direito, conforme sugere o “Projeto de Nação: Cenários Prospectivos Brasil 2035” (PAIVA e CAMPOS, 2022), documento produzido por diferentes instituições que compõem as forças armadas brasileiras. Além de defender o “estímulo à produção de insumos, defensivos e sementes agrícolas brasileiras, como meios de garantir a soberania no Agronegócio e ao mesmo tempo reduzir a grande dependência estrangeira atualmente observada” (PAIVA e CAMPOS, 2022: 56), o documento sugere que as Áreas Indígenas e de Proteção Ambiental “poderiam ser aproveitadas com retorno para as comunidades locais” (PAIVA e CAMPOS, 2022: 58), fomentando, portanto, a exploração da floresta amazônica. Não obstante, é necessário destacar que os integrantes que compõem este segmento das forças armadas se reconhecem como conservadores, afirmando que 164 Ser Conservador significa defender a manutenção daquilo que dá efetivo vigor às instituições sociais tradicionais, transmitindo a cada geração o que há de melhor em termos de experiências e contributos humanos, no contexto da cultura e da civilização. Seus principais valores são a liberdade e a ordem, com destaques para a liberdade política e econômica e a ordem social e moral. O Conservador evolucionista não é imobilista, porque advoga que as mudanças e o contínuo desenvolvimento são necessários e saudáveis para as nações, mas a progressiva complexidade conjuntural exige que essas mudanças sejam prudentes e graduais, levando em consideração a experiência, a História e as tradições. Vale dizer que, em uma sociedade dinâmica, a permanência e a evolução são reconhecidas e conciliadas. (PAIVA e CAMPOS, 2022: 15) Ao reconhecer que “a raça, o racismo, é a condição de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização” (FOUCAULT, 2010: 215), é possível entendermos não apenas as violências promovidas pelos tributários da cosmologia colonial encarnada nos discursos conservadores proferidos por parte dos militares brasileiros, como também nos ajuda a compreender todo o processo de naturalização do etnocídio e ecocídio, para além do extermínio físico do genocídio, que foi denunciado por meio do relatório Yanomami sob ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo, evidenciando que “de 2016 a 2020 o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3350%” (ISA, 2022: 9). Assim, ao compreender o evolucionismo não tanto como a própria teoria de Darwin, mas como um conjunto de noções tais como hierarquia das espécies, árvore comum da evolução, luta pela vida entre as espécies, seleção que elimina os menos aptos, dentre outras, Foucault (2010: 216) mostrou como essa racionalidade foi ganhando espaço a partir do século XIX, tornando-se “não simplesmente uma maneira de ocultar um discurso político sob uma vestimenta científica, mas realmente uma maneira de pensar as relações da colonização, a necessidade das guerras, a criminalidade, os fenômenos da loucura e da doença mental” etc. Nesse sentido, para compreender os efeitos dos discursos promovidos pelos militares que se reconhecem como conservadores, liberais e evolucionistas contra os povos Yanomami é necessário situar suas pretensões voltadas à erradicação daqueles modos de vida que não se adequem ao livre mercado concorrencial, bem como a crença em perspectivas que escapem ao evolucionismo, ao positivismo e _____________________________ DOI: 10.48074/aceno.v10i24.15639 ao cristianismo, já que “o racismo vai se desenvolver primo com a colonização, ou seja, com o genocídio colonizador” (FOUCAULT, 2010: 216). Recebido em 31 de maio de 2023. Aceito em 1 de agosto de 2023. Referências BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório da Comissão Nacional da Verdade (v. 1; v. 2). Brasília: CNV, 2014. CARVALHO, O. A nova era e a revolução cultura: Fritjof Capra & Antonio Gramsci. Campinas: Vide Editorial, 2014. CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac Naify, 2003. CLASTRES,P. Arqueologia da violência. São Paulo: Cosac Naify, 2004. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, v. 3. São Paulo: Ed. 34, 1996. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia 1. São Paulo: Ed. 34, 2010. DESCOLA, P. Outras naturezas, outras culturas. São Paulo: Ed. 34, 2016. ESPÓSITO, R. Termos da política. Curitiba: UFPR, 2017. FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU, 2005. FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2010. KOPENAWA, D.; ALBERT, B. 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