Danielle S. Macedo; Camila M. M. Fonseca; Adriano F. Holanda
“EU VIM PARA QUE TODOS TENHAM VIDA E VIDA
EM ABUNDÂNCIA”. UM ESTUDO COMPARATIVO DE
ACONSELHAMENTO RELIGIOSO EM TRÊS VERTENTES
RELIGIOSAS BRASILEIRAS
A Comparative Study of Religious Counseling in Three Religious Contexts in Brazil
Un Estudio Comparativo de Asesoramiento Religioso en Tres Vertientes Religiosas Brasileñas
danielle soares de MaCedo
CaMila Mariana Mesquita e FonseCa
adriano Furtado holanda
Resumo: Embora o acolhimento de demandas psicológicas em seio religioso não seja, em geral, realizado por psicólogos, pode-se
falar de Aconselhamento Religioso como uma modalidade de Aconselhamento Psicológico. O objetivo deste trabalho foi comparar o aconselhamento realizado em três contextos religiosos (protestantismo, catolicismo e kardecismo). Para isso, foram entrevistados dois membros de cada vertente religiosa. As três religiões comungam do apreço pelo ouvir em vez do falar e julgar, da
existência de horários marcados para o atendimento e do papel do sigilo como princípio ético. As principais diferenças referemse à maneira como os tabus sociais são abordados, devido ao posicionamento moral subjacente. A tendência ao acolhimento em
co-existência com a função educativa e ética da religião, o descompromisso da psicologia com a dimensão espiritual do ser humano, a possibilidade de incorporação dos “profissionais religiosos” no esforço de atendimento humanizado e holístico e a necessidade de pesquisas futuras são temas de discussão.
Palavras-chave: Aconselhamento Psicológico; Aconselhamento Religioso; Psicologia da Religião.
Abstract: Even so the shelter of psychological demands in religious environment is not, in general, carried through for psychologists, can be spoken of Religious Counseling as a modality of Psychological Counseling. The objective of this work was to compare counseling carried through in three religious contexts (protestantism, catolicism and kardecism). For this, two members of
each religious source were interviewed. The three religions have in common the appraise for hearing instead of the speech and
the judgement, the existence of schedules marked for the attendance and the paper of the secrecy as an ethical principle. The
main differences are related to the way that the social taboos are boarded, depending of the underlying moral positioning. The
trend to the shelter in coexistence with the educative and ethical function of the religion, the unconcern of psychology with the
human being’s spiritual dimension, the possibility of incorporation of the “religious professionals” in the effort of humanistic
and holistic attendance and the necessity of future research is quarrel subjects.
Keywords: Psychological Counseling; Religious Counseling; Psychology of the Religion.
Resumen: A pesar del recibimiento de demandas psicológicas en el seno religioso no sea, en general, realizado por psicólogos,
se puede decir que el Asesoramiento Religioso es una modalidad de Asesoramiento Psicológico. El objetivo de este trabajo fue
comparar el asesoramiento realizado en tres contextos religiosos (protestantismo, catolicismo y kardecismo). Por eso, fueron
entrevistados dos miembros de cada vertiente religiosa. Las tres religiones comulgan del aprecio por oír en vez de hablar y juzgar, de la existencia de horarios marcados para la atención y del rol del sigilo como principio ético. Las principales diferencias
se refieren al modo como los tabúes sociales son abordados, debido a la postura moral subyacente. Son temas de discusión: la
tendencia al recibimiento en coexistencia con la función educativa y la ética de la religión, el no comprometimiento de la psicología con la dimensión espiritual del ser humano, la posibilidad de incorporación de los “profesionales religiosos” en el esfuerzo
de la atención humanizada y holística y la necesidad de investigaciones futuras.
Palabras-clave: Asesoramiento Psicológico; Asesoramiento Religioso; Psicología de la Religión.
Artigo
Aconselhamento Psicológico: Primeiros Passos...
Etimologicamente, o verbo “aconselhar” tem suas raízes fincadas no latim. Segundo Houaiss & Villar (2001),
“aconselh-” é um antepositivo que remete a consult-, do
verbo latino consulo, “reunir para uma deliberação, delibe-
Revista da Abordagem Gestáltica – XIII(2): 206-215, jul-dez, 2007
rar, discutir, examinar”. A palavra Consilium é da mesma
origem e significa “conselho, julgamento”, no sentido de
uma reunião (Cunha, 1991). No grego antigo, aconselhar
é synvoulevo: syn (junto) + voulevo (considerar, determinar) (Spanoudis, 1997). Porém, o uso comum do termo
foi ganhando conotações referentes a dar conselhos e/ou
206
“Eu vim para que Todos Tenham Vida e Vida em Abundância”. Um Estudo Comparativo de Aconselhamento Religioso em Três
Vertentes Religiosas Brasileiras
207
Podem ser apontadas algumas semelhanças entre o
aconselhamento religioso, em princípio, e o aconselhamento descrito por Rogers, entre eles a necessidade de
consideração positiva e incondicional, de compreensão
empática e de autenticidade por parte do aconselhador
(Rogers, 1942). Entretanto, os princípios éticos e educativos que estão no cerne das diversas religiões por vezes
dificultam esse tipo de postura dos aconselhadores religiosos. Por outro lado, algumas semelhanças se sustentam na prática e não podemos afirmar se a semelhança
se deve à própria sabedoria cultural-religiosa ou à influência direta ou indireta de Rogers.
De qualquer modo, a questão sobre a qual nos alicerçamos envolve a correlação entre o aconselhamento pastoral (aqui tomado genericamente, no sentido de abarcar as modalidades anteriormente apontadas) e a clínica
psicológica (Bulkeley, 2000; Becker, 2003; Olsen, 2005;
Moran, Flannelly, Weaver, Overvold, Hess, & Wilson,
2005; Morrison, 2005). Estas relações envolvem igualmente discussões relacionadas às formas como as noções de saúde e religião se entrelaçam (Cerqueira-Santos,
Koller, & Pereira, 2004; Gall & Grant, 2005), bem como
discussões acerca da própria religiosidade contemporânea (Esperandio, 2004).
Religião, Ser Humano e Psicologia
A religião acompanha a busca de um sentido para a
existência, do universo e do homem. Os pressupostos religiosos estão acima do conhecimento comum e da racionalidade pura. O homem religioso busca constante relação com o sagrado, dotando as coisas do mundo de significado simbólico (Eliade, 1965; Benkö, 1981; Macedo,
1989). As religiões estão presentes em todas as culturas
e civilizações, diferindo entre si pelas formas de encarar o dito mundo superior e sua relação com os homens.
Embora seja difícil encontrar um elemento comum entre
as diversas religiões, pode-se dizer que todas elas trazem
a idéia do sagrado.
Este caráter do “sagrado” – e do “profano” (Eliade,
1965) – remete-nos à definição clássica de Rudolf Otto
com respeito à experiência do numinoso, descrita em sua
obra Das Heilige (“O Sagrado”). Benkö (1981, p. 16) a descreve como “algo exterior a nós que pressentimos de certo modo, e que não podemos desenvolver plenamente em
conceitos”, e acrescenta dizendo que esta experiência se
manifesta em dois sentimentos: “o mistério do tremendo
e o mistério do fascinante”. Outro elemento comum é a
combinação de intelectualidade (que a torna inteligível)
e a intensidade emocional (que proporciona o colorido
vivencial de seus adeptos).
A crença em níveis de existência superiores à vida material, que explicariam ou dariam sentido à vida, e a regulamentação de práticas individuais ou coletivas para, de
alguma forma, alcançar esse mundo superior e por meio
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Artigo
orientações, sendo – na maioria das vezes – rejeitado e
visto pejorativamente devido a seu caráter diretivo.
Definido inicialmente como “uma conversa profissional” por Garret (citado por Scheeffer, 1977), com Rogers,
em 1941, o aconselhamento psicológico é concebido como
uma série de contatos profissionais e diretos com um indivíduo, objetivando lhe oferecer assistência no trato de
aspectos pessoais e/ou relacionais, bem como na modificação de suas atitudes e comportamentos, ganhando assim um caráter mais dinâmico.
Por muito tempo, o aconselhamento permaneceu
como sendo uma mera aplicação de técnicas, constituindo-se num “campo de prática ambígua, originário
na demanda social e crescendo a serviço dela” (Morato,
1999, p. 77).
No Brasil, o curso do aconselhamento psicológico
também seguiu roteiro semelhante. Apesar de estar vinculado à perspectiva clínica inicial – através dos Serviços
de Aconselhamento Psicológico (SAP) universitários – foi
sendo paulatinamente associado à questão técnica, especificamente da “entrevista psicológica”, nas disciplinas de TEAP, ou Técnicas de Exame e Aconselhamento
Psicológico, estando – portanto – associado ao desenvolvimento das metodologias de avaliação psicológica (Santos,
1982; Schmidt, 1987).
Esta perspectiva vem mudando na direção de uma
aplicação clínica para além do setting psicoterapêutico,
onde o aconselhamento passa a ser uma alternativa viável de uma clínica contextualizada em situações diversas,
tais como a prevenção em saúde (como o aconselhamento em DST-Aids, por exemplo), o aconselhamento jurídico (como em Varas de Infância e Juventude, p. ex.), ou o
aconselhamento em escola, dentre outros.
Rogers (1942) aponta como características necessárias ao aconselhador, sensibilidade às relações humanas, atitude receptiva, respeito pelo indivíduo e pela sua
expressão de sentimentos (primando pela liberdade de
qualquer tipo de coerção e pressão), “firme compreensão
de si mesmo, dos seus modelos afetivos dominantes e das
suas próprias limitações” (p.214), habilidade para tornar
a relação terapêutica possível e afetivamente profunda,
e amplos conhecimentos da Psicologia.
Uma modalidade que vem ganhando espaço, notoriedade e grande expansão é o aconselhamento religioso, principalmente a partir do desenvolvimento de um
número considerável de novas igrejas, em especial do
ramo pentecostal e neopentecostal, o que acabou por gerar necessidades novas, incluindo-se aqui a perspectiva
do acolhimento de demandas psicológicas no seio de um
ambiente religioso (Collins, 1995; Friesen, 2000; Navarro,
2004; Holanda, 2005). É nesta perspectiva que se insere o
“aconselhamento pastoral” ou “aconselhamento religioso”
(também chamado de “aconselhamento cristão”), como
se pode observar na literatura recente (Eliason; Hanley &
Leventis, 2001; Belcher, 2004; Oppenheimer, Flannelly &
Weaver, 2004; Turton, 2004).
Artigo
Danielle S. Macedo; Camila M. M. Fonseca; Adriano F. Holanda
dessa conexão extrair benefício, seja ele material ou espiritual, são aspectos caracterizadores das religiões.
As ciências da religião, que atualmente desenvolvemse sobremaneira, envolvem – dentre outras – a sociologia, a antropologia, a psicologia, a filosofia da religião e a
fenomenologia religiosa. Florescendo no século passado,
surgiram em decorrência da elaboração das “Ciências do
Espírito” (Geisteswissenschaften), no esteio da sistematização dos conhecimentos sobre cultura e sociedade recémadquiridos sobre os povos primitivos e das culturas tradicionais (Benkö, 1981). Os cientistas da religião tratam
o fenômeno religioso como possuindo estrutura independente, embora esteja ligado a elementos de natureza social
e psicológica (Hellern, Notaker & Gaarden, 2000).
Embora haja um número imenso de religiões pelo
mundo, as três principais religiões no Brasil são o catolicismo, o protestantismo e o espiritismo, com maior quantidade de adeptos e vasta literatura para consulta.
O catolicismo foi religião oficial do Brasil por quase
quatro séculos, desde a sua descoberta. Apenas no fim
do século XIX, quando o regime republicano passou a
vigorar, a Igreja Católica foi separada do Estado Nacional
e a liberdade de culto foi instituída. Entretanto, o catolicismo continua sendo a religião majoritária no Brasil e é
professado por 88% da população, de acordo com o censo de 2000, que aponta para uma população de católicos
em torno de 125,5 milhões no país (Jacob, Hees, Waniez,
& Brustlein, 2003).
O protestantismo chega ao Brasil por meio da influência de alemães, britânicos e norte-americanos. Há diversas
formas de protestantismo, com subdivisões importantes.
No Brasil, o último censo do IBGE agrupou os “protestantes” em duas categorias: os “evangélicos de missão”
(que corresponderiam aos protestantes ou evangélicos
tradicionais, englobando as igrejas Batista, Adventista,
Luterana, Presbiteriana, Metodista, Congregacional,
Menonita e Anglicana) e os “evangélicos pentecostais”
(englobando denominações como a Assembléia de Deus,
Congregação Cristã do Brasil, Igreja Universal do Reino
de Deus, Evangelho Quadrangular, Deus é Amor, dentre
outras). O primeiro grupo – dos “tradicionais” ou “de missão” – somam 8.477.068 de pessoas no Brasil; enquanto o
segundo grupo – dos “pentecostais” – somam 17.733.477
fiéis declarados, perfazendo um total de 26.510.545 pessoas (Jacob, Hees, Waniez, & Brustlein, 2003).
O sistema filosófico-religioso denominado Espiritismo/
Kardecismo tem como base a crença na reencarnação, a
possibilidade de comunicação com os mortos (espíritos
desencarnados) por meio da mediunidade e uma ética
da caridade como caminho para a evolução espiritual,
além da consideração dos homens como seres livres e absolutamente responsáveis por seus atos. Representando
para Allan Kardec uma união entre ciência, religião e filosofia, o espiritismo não se ocuparia de questões dogmáticas como ocorre em outras religiões cristãs (Kardec,
1859/1998). No Brasil, os espíritas kardecistas perfazem
Revista da Abordagem Gestáltica – XIII(2): 206-215, jul-dez, 2007
um total de mais de 2.200.000 praticantes (Jacob, Hees,
Waniez, & Brustlein, 2003).
Os dados do Censo de 2000, realizado pelo IBGE, trouxeram ainda algumas conclusões interessantes acerca da
religiosidade do brasileiro. Houve uma diminuição do
percentual de católicos (embora tenha havido crescimento em números absolutos), o que significou um aumento
no percentual de evangélicos e dos declarados “sem religião” (Antoniazzi, 2003).
A pesquisa que ora apresentamos optou por trabalhar
com estas três grandes vertentes, dado que estas representam uma parcela significativa da população brasileira e
reflete suas mais significativas afiliações religiosas.
Aconselhamento Religioso
Utilizaremos o termo “aconselhamento religioso” neste
trabalho, visto que, embora o termo “pastorear” possa ser
encontrado em todas vertentes cristãs, “aconselhamento
pastoral” é, geralmente, referente ao atendimento realizado nas igrejas protestantes.
Segundo Leloup (2004), “therapeutes”, no grego antigo, podia apresentar dois sentidos: “servir, cuidar, render
culto” e “tratar, sarar”. O autor afirma que, segundo a literatura da época, a figura do terapeuta era multifacetada,
cuidando do corpo, da alma, dos deuses, das palavras e
da ética. Entretanto, o terapeuta não cura, ele cuida e ajuda o vivente a tratar-se e curar-se. Em um sentido particular desta descrição, o terapeuta navega pelas paragens
da espiritualidade: “é também um ser ‘que sabe orar’ pela
saúde do outro, isto é, chamar sobre ele a presença e a
energia do Vivente, pois só ele pode curar toda dor nela e
com o qual ele ‘coopera’” (Leloup, 2004, p. 26).
Assim, o aconselhamento religioso nasce da conjunção
entre a figura de um terapeuta, que auxilia na resolução de
problemas, e a figura do orientador religioso, que insere o
fiel no caminho da espiritualidade. Essa forma de aconselhamento surge em campo não-psicológico, retoma a visão
holística de homem e acolhe a dimensão religiosa do ser
humano, muitas vezes preterida em psicoterapia.
A seguir, apresentaremos um breve apanhado sobre
o aconselhamento religioso, nas três principais vertentes religiosas do Brasil (Catolicismo, Protestantismo e
Espiritismo), conforme descrito pela própria literatura
religiosa.
O aconselhamento religioso no protestantismo é denominado, em geral, por “aconselhamento pastoral”.
Friesen (2000, p. 19), pastor e psicólogo, afirma sobre o
Aconselhamento Pastoral, que é antes de tudo a comunicação da palavra de Deus, o seguinte: “Não é psicoterapia, nem psicanálise, nem tampouco a tentativa de resolver problemas apenas através de conselhos”. (...) “é um
relacionamento interpessoal em que o conselheiro assiste
ao indivíduo em sua totalidade no processo de ajustar-se
melhor consigo mesmo e com seu ambiente”.
208
Uma outra definição deste procedimento pode ser
encontrada em Farris (2005, p. 162): “De modo geral, o
aconselhamento pastoral é o processo pelo qual um pastor, ou outro representante da igreja, trabalha com indivíduos, grupos ou famílias, num contexto relativamente estruturado, com um programa de conhecimento emocional,
psicológico e espiritual, tentando lidar com os problemas
práticos da vida, geralmente as crises”.
Friesen (2000) discorre sobre a relação entre a
Psicologia e o Aconselhamento Pastoral, marcando a importância daquela ao afirmar que a falta de conhecimento profissional e técnico do conselheiro pastoral não é
compensada pela fé. A principal diferença estaria no fato
de que o “aconselhamento pastoral baseia-se primordialmente sobre princípios bíblicos/teológicos” (p. 32). Além
disso, o aconselhamento pastoral “mantém em seu rol de
funções o confronto com ações pecaminosas, o convite ao
arrependimento e mudança de atitudes, e a reformulação
de princípios de vida de acordo com os preceitos bíblicos”
(p. 33), o que difere dos objetivos da psicoterapia.
De acordo com Friesen (2000), “o aconselhamento pastoral não pode ter como único objetivo levar a pessoa a
romper com Satanás e buscar a comunhão completa com
Deus. O indivíduo que já possui a certeza de salvação
deve ser ajudado a crescer na santificação, no viver bem,
em ‘plenitude e abundância de vida” (p. 26). O pastor há
sempre que se questionar sobre suas motivações para o
exercício do aconselhamento e sobre o objetivo de relatar
experiência pessoal e sobre reações autoritárias.
Por fim, sobre a escolha do aconselhador por uma postura, Friesen (2000) entende que se deve usar uma abordagem não-diretiva até que o aconselhando tenha conquistado a certeza da aceitação incondicional e até que suas
dificuldades estejam suficientemente explicadas para ele
mesmo e também para o conselheiro.
O aconselhamento religioso no espiritismo, baseado no Evangelho Segundo o Espiritismo, é chamado de
“Atendimento Fraterno”. O objetivo é atender individualmente e de maneira personalizada aqueles que sofrem,
utilizando para isso, o diálogo espontâneo, confidencial e
privativo (Azevedo, Neves, Ferraz & Calazans, 2000).
O aconselhador deve ter como ponto de partida para
seu trabalho terapêutico o conhecimento sobre a imortalidade do espírito, sua sobrevivência ao túmulo e suas
múltiplas oportunidades reencarnatórias.
Evitando dar às sessões a conotação de confessionário,
o aconselhador procura dar à conversação um tom agradável e despido de julgamentos. O “atendimento fraterno”, segundo Azevedo, Neves, Ferraz & Calazans (2000),
é um encontro com aquele que tem qualquer tipo de carência. A proposta não é a de resolver os desafios e dificuldades daqueles que buscam atendimento, mas sim
o de bem receber e orientar o aconselhando de maneira
que este adquira as habilidades necessárias à sua recuperação e reestruturação, visto que o êxito da intervenção dele depende.
209
Juntamente ao trabalho de aconselhamento, a pessoa atendida submete-se à influência de ações fluídicas
(como os passes, por exemplo), auxílio bioenergético e
inspiração espiritual, para a transformação interior e harmonização da alma. A presença de bons espíritos ao longo do tratamento ajuda na modificação da estrutura psíquica dos pacientes (Azevedo, Neves, Ferraz & Calazans,
2000, p. 17).
Quanto ao aconselhador, é necessário preparo psicológico e doutrinário, capacidade de ouvir, além de uma
postura de amor incondicional por aqueles a quem atende. Os limites da atuação do aconselhamento são reconhecidos, assim como o papel que a medicina e a psicologia podem desempenhar na manutenção e restauração
da saúde orgânica e psíquica. Em casos de desequilíbrio
orgânico e psicológico há a recomendação para que profissionais dessas áreas da saúde sejam consultados (Azevedo,
Neves, Ferraz & Calazans, 2000).
A função do espiritismo e do atendimento fraterno seria o de facilitar uma auto-cura espiritual, tendo sempre
em vista a noção de saúde como conseqüência de uma
transformação moral. Propõe-se um despertar de consciência, para que não se repitam os episódios de insensatez, os erros e os eventos causadores de sofrimento e
para que se aproveite a adversidade para aprendizado e
aprimoramento espiritual.
No catolicismo encontramos o aconselhamento vinculado à idéia de “direção espiritual” que consiste, sobretudo, em acolher de maneira delicada, terna e amorosa
aquele que necessita de ajuda, iluminando os pensamentos, incentivando o perdão e a reconciliação, a exemplo de
Jesus Cristo (Comunidade Católica Shalom, 2005).
Dessa forma, é essencial manter, para com o aconselhando/orientando, uma postura misericordiosa, visto que
ele por vezes traz consigo a ferida dos pecados, as cegueiras espirituais, a fé ignorante e uma compreensão limitada
da realidade humana e suas adversidades (Comunidade
Católica Shalom, 2005).
A literatura encontrada sobre aconselhamento no catolicismo aponta a necessidade da experiência pessoal de
Deus por parte do aconselhador. Assim, recomenda-se
uma rotina diária de orações, estudo da palavra de Deus (a
Bíblia), vida sacramental em ordem, e participação freqüente (se possível diária) da missa e da comunhão, assim como
a confissão mensal ou quando houver necessidade.
Segundo o que diz a Comunidade Católica Shalom
(2005), é indispensável que o trabalho de aconselhamento
seja pautado pela palavra de Deus e a doutrina da Igreja.
Além disso, o aconselhador deve ter plena convicção de
carrega consigo o Espírito Santo, que dirige seus dons e
o orienta nas escolhas e palavras.
Nesta perspectiva, muitas problemáticas com as quais
o aconselhador vai lidar são percebidas pela ótica puramente espiritual (semelhante a outras denominações),
como podemos observar no exemplo do tratamento da
depressão. Segundo Aquino (2004, p. 6), “embora a de-
Revista da Abordagem Gestáltica – XIII(2): 206-215, jul-dez, 2007
Artigo
“Eu vim para que Todos Tenham Vida e Vida em Abundância”. Um Estudo Comparativo de Aconselhamento Religioso em Três
Vertentes Religiosas Brasileiras
Danielle S. Macedo; Camila M. M. Fonseca; Adriano F. Holanda
pressão tenha também causas biológicas, as causas principais parecem ser de fundo emocional, psicológico e espiritual”, e conclui dizendo que “a psicoterapia, embora
necessária, não está ao alcance de todos”. Neste contexto surge o que chama de “terapia espiritual”, cujo objetivo – para os que a procuram – seria que “abandonados
em Deus, tenham força para redescobrir o valor da vida e
vencer o problema” (p.6).
O objetivo maior seria ajudar a discernir, dentre as coisas que o mundo oferece, aquilo que é bom e cristão. Isso
se aplica às atividades de lazer, nas leituras, nos meios de
comunicação, no trabalho, nos estudos. É discernimento
que auxilia na tomada de decisões e na resolução dos diversos problemas da vida.
Um dos aspectos que se destaca nestas perspectivas é
a convicção de que podem ser utilizadas teorias e técnicas psicológicas para ajudar o indivíduo ou o grupo. Esta
relação entre Psicologia e Religião, embora ainda pouco
elaborada no seio das diversas denominações, merece um
destaque maior. Tanto a Psicologia quanto a espiritualidade podem ser entendidas como dois universos simbólicos que usam conceitos diferentes para descrever um
processo bem parecido: a construção, a percepção ou a
criação de significados. Diante disto, vamos destacar a
compreensão que sujeitos atuantes destas denominações
têm desta relação.
Objetivos: o Caminho Aberto
Este trabalho teve como objetivo geral comparar o serviço de aconselhamento de três vertentes religiosas por
meio de depoimentos decorrentes de entrevistas com alguns de seus membros.
b) no segundo bloco, temos da questão 7 à 12, que tratam
de questões de procedimento geral; c) no terceiro bloco,
da questão 13 à 17, que estão mais próximas à interface
religião-aconselhamento.
1.º Bloco
Todos afirmaram que realizavam aconselhamento. Os
padres definiram sua prática como “aconselhamento espiritual” ou “direção espiritual”, os pastores nomearam
como “aconselhamento pastoral” e os espíritas disseram
prestar “atendimento fraterno”.
Quanto ao que seria aconselhamento, trechos importantes das respostas seguem:
Padre 1: “O aconselhamento é uma ajuda espiritual,
uma direção espiritual para a pessoa que procura, diante
de uma questão, um problema no qual ela não consegue
encontrar uma saída. (...) A gente ajuda ela entender que
aquele mesmo problema que pode ser que seja enfocado
de uma forma unifocal apenas, nós passamos a estudar
aquele problema de uma forma mais ampla para entender
outras formas de direção para aquele mesmo fato, para
que ela mesma perceba.”
Padre 2: “É a ajuda, o conforto que damos às pessoas
quando elas têm um problema e não sabem o que fazer.
Recomendamos a oração, a confiança em Jesus e paciência para lidar com as dificuldades”.
Pastor 1: “Aconselhamento inclui ouvir aquilo que
está incomodando ou até o que seja uma razão de prazer. Nessas ocasiões as pessoas querem uma orientação e
essa orientação é o que efetivamente caracteriza o aconselhamento pastoral.”
Método
Participantes: Participaram seis membros das referidas religiões, sendo dois pastores da Igreja Batista, dois
padres católicos e duas atendentes espíritas.
Instrumento: Elaborou-se um roteiro de entrevista com
17 questões, que serviu de norteadora para a tomada dos
depoimentos, que se encontra em anexo (Anexo 1).
Procedimento: Todos os participantes foram entrevistados de forma semi-estruturada, com duração aproximada de 1 hora. Todas as entrevistas foram gravadas em
fita K7. Todos os participantes assinaram um Termo de
Consentimento Informado.
Artigo
Resultados
Para melhor apresentação dos resultados, preferiu-se
agrupar as perguntas do roteiro em 3 blocos: a) um primeiro bloco composto pelas seis primeiras questões (1 a
6), que abordam questões técnicas do aconselhamento;
Revista da Abordagem Gestáltica – XIII(2): 206-215, jul-dez, 2007
Pastor 2: “Aconselhamento é você receber pessoas necessitadas em várias áreas da vida e ajudá-las a se encontrarem, encontrarem seu caminho, sua direção (...)
Aconselhamento é você se permitir ouvir as pessoas e na
hora certa, você tentar conduzi-las a um porto seguro, a
uma direção que elas estão precisando porque ela está
meio desnorteada”
Espírita 1: “O aconselhamento nas casas espíritas, nós
temos uma atividade que nós chamamos de atendimento
fraterno, que é uma conversa, na verdade, em que você
reservadamente conversa com uma pessoa que em geral
procura a casa porque tem algum problema, alguma dificuldade. Então aconselhamento seria esse diálogo, que
é um diálogo fraterno, em que você tenta orientar a pessoa, claro, dentro dos postulados, no nosso caso, da doutrina espírita.”
Espírita 2: “É levar a pessoa para o auto-conhecimento, para ampliar a compreensão do momento que ela está
210
vivenciando. Isso para que ela fique livre de estigmas e
do misticismo e para que ela veja o problema como uma
oportunidade de crescimento, sem culpabilizar o outro
pela situação por que está passando. Não há convencimento de que a doutrina espírita é a verdade absoluta,
existe a tentativa de ampliar a consciência da necessidade de auto-melhoramento”.
Quanto ao local de realização do atendimento, os padres afirmaram ser na igreja, os pastores afirmaram realizar no gabinete pastoral e os espíritas disseram realizar
em salas do centro espírita. Entretanto, há certa flexibilidade por parte dos padres e dos pastores, visto que o
aconselhamento pode ocorrer em outro local (casa do
aconselhando, por exemplo) em ocasiões especiais. Em
relação à duração do atendimento, todos disseram ser variável, dependendo do caso, havendo atendimento prolongado para “casos mais graves”. Todos também disseram possuir um horário de atendimento, sendo que, um
dos pastores e um dos padres, afirmaram não serem tão
rígidos quanto a isso.
Em geral, todos atendem individualmente, mas há
casos em que casais e familiares são atendidos conjuntamente, dependendo da natureza do problema. Os padres
afirmaram que a dinâmica grupal é utilizada em outras
ocasiões.
2.º Bloco
Em relação às estratégias utilizadas, os depoentes foram unânimes em se referir à escuta. O sentido da escuta,
ou seja, de “muito mais ouvir que falar” foi diversas vezes dito pelos diferentes representantes. Um dos pastores
(pastor 2) também foi veemente em dizer “como nós temos
a Bíblia, a palavra de Deus, o livro que nos indica tudo,
a oração e a orientação do Espírito Santo. A gente recorre
a isso aí...À oração, conversando com a pessoa e ás vezes
a gente pede que a pessoa espere...”, referindo-se ao fato
de que pede, às vezes, que a pessoa reze e pense melhor
antes de tomar alguma atitude.
O segundo padre diz ser essencial “acolher a pessoa
com carinho, sustentar uma posição humilde e sincera,
sem querer mostrar que se é melhor ou pior. O maior exemplo é o de Jesus Cristo, que mesmo sendo filho de Deus não
se escandaliza, não julga e não acha nada impossível”.
Um dos espíritas (espírita 1) afirmou a importância de
se mostrar interessado pela pessoa que é atendida. A outra diz ser importante levar a pessoa a se questionar, e ver
que o sofrimento às vezes funciona como uma “assepsia
espiritual”, mas que viemos ao mundo para sermos felizes
e isso nós conseguiremos por meio da reforma íntima.
Quanto ao sigilo, todos afirmaram que esta é importante questão ética no aconselhamento. Um dos pastores (pastor 2) afirmou: “Esse é o grande peso que o pastor carrega. Porque isso é fundamental, faz parte da ética
pastoral (...) É fundamental para que ele ganhe confian-
211
ça(...) Há uma ligação muito grande, ele chega se emocionar”. O outro (pastor 1) disse que apenas quando o caso
possa servir de edificação e com a permissão da pessoa,
sem citar nomes, é que ele torna pública a história. As
aconselhadoras espíritas afirmaram que quando o caso é
muito grave, comunicam ao diretor do departamento de
orientação mediúnica. Ambos os padres disseram manter sigilo absoluto.
Todos disseram que encaminham para profissionais de
saúde quando percebem a necessidade e relataram casos
de encaminhamentos bem-sucedidos. Quanto à situação
em que percebe a necessidade do encaminhamento, o padre 1 afirmou que o faz “quando a pessoa nos dá certos
indícios de problemas neurológicos, problemas emocionais
muito graves, muito sérios, de depressão profunda...(...)
Muitas pessoas chegam lá achando que seu problema é
espiritual, mas seu problema não é espiritual, o problema
é psicológico, a gente faz com que a pessoa perceba.”.
O pastor 1 afirma que percebe os limites da autoridade
do ministério pastoral no aconselhamento (“A humildade é
o reconhecimento do limite pessoal ou do limite da função
em que se está”). Já o pastor 2 disse: “Quando vejo que a
coisa não é só espiritual, sintomas de esquizofrenia, distúrbios que são psicológicos...Você nota, você também não
consegue sucesso, não vai conseguindo sucesso...”.
A espírita 1 exemplificou falando de casos com depressão. A espírita 2 faz o encaminhamento quando a
pessoa mostra vontade de se tratar e acredita na eficácia
do método terapêutico. Procura mostrar às pessoas que
há situações que fogem a seu controle e que não somos
auto-suficientes e muitas vezes precisamos de ajuda profissional para corrigirmos algum distúrbio emocional, orgânico ou espiritual.
Todos disseram recorrer a serviços de orientação. Um
dos pastores (pastor 2) evidenciou a necessidade pessoal:
“Quando você tem um problema que você acha difícil de
solucionar com membros da igreja. Sobretudo, quando o
problema é com um colega. Eu tenho pedido e me sinto
feliz em fazer isso”. O outro pastor e a espírita 1 referiram
ao serviço de supervisão, isto é, aconselhamento relativo
à dificuldades na execução do aconselhamento.
A segunda espírita diz que “quando o orientador faz o
curso é orientado a periodicamente reequilibrar suas energias, se afastar do trabalho quando estiver espiritualmente
desequilibrado. Para cada grupo há um dirigente capacitado para resolver os problemas que os orientadores não
se sentem aptos a resolver”.
De acordo com o segundo padre, “um sacerdote procura outro para as suas confissões e aos formadores e profissionais de psicologia quando há problemas de ordem
emocional, ligados ou não à direção espiritual”. Segundo
ele, é comum a busca de aconselhamento para ajudar os
padres a lidarem melhor com a questão da sexualidade
e do celibato.
Os casos mais comuns foram semelhantes para todos
os participantes, incluindo problemas de relacionamen-
Revista da Abordagem Gestáltica – XIII(2): 206-215, jul-dez, 2007
Artigo
“Eu vim para que Todos Tenham Vida e Vida em Abundância”. Um Estudo Comparativo de Aconselhamento Religioso em Três
Vertentes Religiosas Brasileiras
Danielle S. Macedo; Camila M. M. Fonseca; Adriano F. Holanda
tos conjugais, dificuldades com os filhos, problemas ligados à homossexualidade, indecisão vocacional, alcoolismo, drogadicção em geral, problemas de administração
financeira, depressão, estresse. A espírita 1 relatou que,
de acordo com a Federação Espírita Brasileira e com a
União Espírita do Estado de São Paulo, “de 70 a 80% das
pessoas que procuram os centros espíritas têm problemas
familiares”. A segunda espírita acrescenta, ainda, casos de
perda de entes queridos e rompimento de relações amorosas como freqüentes.
Artigo
3.º Bloco
Tanto os padres quanto as espíritas afirmaram que a
demanda vem do aconselhando. Os pastores disseram que
a demanda é via de mão dupla, isto é, tanto as pessoas
procuram quanto os pastores podem ir ao seu encontro. O
pastor 1 disse que “é mais comum as pessoas procurarem
o pastor. Entretanto se percebe a necessidade e a pessoa
não procura, eu tomo essa iniciativa porque a visão que
um pastor tem do seu rebanho permite a ele muitas vezes
identificar a necessidade.” O pastor 2 afirmou: “O pastor
vai atrás da ovelha, é a ovelha ferida que nós chamamos,
está doente, carente por causa das pressões do mundo. Ele
vai atrás da ovelha ferida, da ovelha caída”
No que se refere ao suicídio, o padre 1 relatou fazer
uma “oração de libertação” e considerou que “o suicídio
é uma doença da alma”. Já o segundo padre diz que nesses casos tenta, com carinho e paciência, convencer a
pessoa de que “ela tem valor, de que ela tem algo de bom,
que ela tem virtudes”.
O pastor 1 afirmou não ter tido nenhuma experiência como essa, mas “caso tivesse, não me apavoraria, não
me mostraria surpreso (...) pessoa está em um extremo de
desprezo pela vida ou de abalo emocional e talvez tenha
procurado um conselheiro em busca de uma referência de
firmeza.”. Já o segundo pastor disse que já teve experiência
e que “não tem um método, pode até ser que do ponto de
vista psicológico haja alguma forma, mas gente ora, conversa, a gente tenta dissuadi-lo, tentando aconselhar”.
A espírita 1 disse que já teve algumas experiências
neste sentido e que “tenta orientar dentro dos postulados
da doutrina espírita (...) A gente conversa, tenta encaminhar para o tratamento ou para o acompanhamento psicológico porque a pessoa precisa de um acompanhamento
(...). Como a gente não sabe se a aquela pessoa vai voltar,
o que vai acontecer, eu particularmente, falo para ela as
conseqüências do suicido no plano espiritual que é um
dos sofrimentos mais terríveis que existe.”.
A espírita 2 procura conscientizar a pessoa de que os
problemas não desaparecem após a morte, que eles precisam ser enfrentados de maneira que possamos evoluir.
Além disso, ela encaminha a pessoa para um grupo de
apoio psicológico, que existe na própria casa (Comunhão
Espírita). Com exceção do pastor 2, que relatou questões
de assassinato, e da espírita 2, que apontou o problema
Revista da Abordagem Gestáltica – XIII(2): 206-215, jul-dez, 2007
de drogadicção como de difícil intervenção, os outros afirmaram que não havia nenhuma questão de difícil abordagem. O padre 1 disse: “ao se deparar com um problema muito grave, depois a gente recorre à oração, pede a
Deus, quando menos a gente percebe vem uma resposta
diante de nós”. E o pastor 1 afirmou que não poderia haver tabus porque “a igreja está aberta para todos, embora não para tudo”.
Quanto à literatura suporte para a prática, o padre 1
disse: “quando nós sacerdotes somos formados, nós estudamos também essa matéria do aconselhamento. Então
nós estudamos psicologia.”. E que a psicologia era importante em casos, por exemplo que “uma pessoa vem
contar caso que a outra pessoa fez, mas ela não entende
também que tem um fator de influência na situação”. O
pastor 1 reclamou da escassez de literatura, enquanto o
pastor 2 mostrou diversos livros, inclusive o livro de Ruth
Scheeffer (Aconselhamento Psicológico), bastante conhecido dos alunos de graduação em Psicologia.
A espírita 1 disse que “existe um livro editado pela
Federação Espírita Brasileira que chama ‘Orientação aos
Centros Espíritas’ e dentro deste livro tem a orientação de
como fazer este atendimento fraterno” e que há também
cursos específicos sobre o atendimento fraterno nas casas
espíritas. Além disso, a espírita 2 apontou a necessidade
que o orientador tem de ler o máximo possível das obras
espíritas e tudo o que se relacione a aconselhamento, de
estar sempre estudando e se capacitando para o exercício
de sua tarefa (cita os livros de Joana de Ângelis, que faz
uma ponte entre o espiritismo e a psicologia).
E, por fim, com relação aos tabus sociais, o primeiro padre afirmou: “nós tratamos na ótica cristã, nós procuramos visualizar na forma que Cristo nos pediu que
fizéssemos (...) Jamais marginalizá-los ou recriminá-los
[homossexuais] ou oprimi-los, mas fazer que ele veja esta
questão de outro lado (...) Nós orientamos para que eles
possam ter uma vida sexual de forma ser o mais santa.”
Com relação à “vida sexual santa”, ele afirmou que não
deveria ser exclusividade dos homossexuais, mas também
prática dos heterossexuais.
O segundo padre afirmou que “tratar dessas questões é
complicado, porque não sabemos suas causas. Não podemos tomar a posição de condenação. Quando as pessoas
são conscientes da necessidade de mudar encaminhamos
para um tratamento. Quando elas não querem, não impomos nada. Mas nesse caso é mais grave, porque é até
falta de humildade se a pessoa não reconhece que precisa
mudar. A igreja não deve tratar mal nem discriminar essas
pessoas, mas não pode apoiar movimentos a favor porque
seria tratar como normal algo que não é normal”.
Já o pastor 1 disse: “qualquer desvio moral como o
homossexualismo, a pedofilia tem cura sim. E eu entendo
que a educação começa em fazer com que a pessoa se sinta valorizada.”, enquanto o pastor 2 relatou dificuldades
em relação à homossexualidade e um caso de conversão,
isto é, de “ex-homossexual”.
212
A espírita 1 disse: “nós tratamos do conflito da pessoa,
não da homossexualidade porque homossexualidade não
é doença, é uma tendência que a pessoa apresenta, dentro
da doutrina espírita explicada por outros motivos. Então,
como o espírito não tem sexo, nós não temos muitos problemas com a homossexualidade (...) assim, casos graves
como prostituição, nós tratamos mais os conflitos das pessoas, sem julgar a pessoa. Nós não estamos lá para julgar
ninguém, nós estamos lá para esclarecer e consolar, que
são os objetivos da doutrina espírita”.
Segundo a segunda espírita “essas pessoas são encaminhadas a um apoio psicológico, mas apenas quando se
sentem perturbados ou em conflito existencial. A doutrina
espírita não vê a homossexualidade como desvio, pois assim como você nasceu moça nesta vida, pode nascer rapaz na próxima e carregar fortes tendências da vida anterior. Algumas vezes essas pessoas têm uma moral sexual
de certa forma mais correta que pessoas heterossexuais”.
Discussão
A partir dos resultados encontrados foi possível perceber que existem mais semelhanças que diferenças entre as
práticas do aconselhamento no contexto religioso. Dentre
as convergências podemos apontar: a utilização de horários e locais razoavelmente fixos de atendimento, o fato
de todos atenderem individualmente (de preferência) e a
manutenção do sigilo como pressuposto básico (em casos
extremos, as espíritas recorrem à supervisão dos dirigentes do trabalho). Todos afirmaram que encaminham casos
para atendimento médico-psicológico quando percebem
estarem fora de seu campo de atuação e que recorrem a
serviços de orientação (por questões pessoais e/ou para
supervisão do trabalho) e por fim, a primazia da escuta e
do acolhimento, ou seja, a preferência pelo ouvir e acolher
em detrimento do falar e julgar (grifo nosso).
A flexibilidade de horário e local, que poderiam ser
indicadores da prática de aconselhamento psicológico
como alternativa à psicoterapia tradicional não foram
totalmente confirmadas pelos relatos dos participantes.
Isto talvez porque o aconselhamento religioso já foi institucionalizado e incorporado ao rol de atividades realizadas nas diversas religiões.
Uma das divergências encontradas relaciona-se ao fato
de que para padres e espíritas a demanda é externa, enquanto que para os pastores a situação de aconselhamento pode
surgir tanto do aconselhando quanto do aconselhador.
As outras diferenças situam-se principalmente em relação aos tabus sociais e ao suicídio. Embora todos apontem para uma postura de não-julgamento e não-condenação, o aconselhamento difere muito nestas questões. Os
pastores defendem a conversão dos homossexuais (considerando a homossexualidade como desvio moral) e a
possibilidade de cura, alegando que “a igreja está aberta
para todos e não para tudo”.
213
Já os católicos demonstraram uma posição mais flexível, considerando inclusive a permanência da orientação
sexual e vida religiosa concomitante. A perspectiva moral
subjacente, no entanto, se expressa sutilmente. Podemos
percebê-la na fala do padre 2, em que apresenta a sexualidade no mesmo plano dos vícios morais: “Quando elas
não querem, não impomos nada. Mas nesse caso é mais
grave, porque é até falta de humildade se a pessoa não reconhece que precisa mudar. A igreja não deve tratar mal
nem discriminar essas pessoas, mas não pode apoiar movimentos a favor porque seria tratar como normal algo que
não é normal” (grifos nossos).
Por fim, parece que pelo fato das espíritas atribuírem explicações à homossexualidade que transcendem
a vida presente, essa manifestação da sexualidade pode
ser percebida com mais naturalidade e menos culpabilização do indivíduo.
Em relação ao suicídio, as espíritas sustentaram um
discurso mais moral e diretivo, apontando qual comportamento seria adequado. Enquanto os pastores e padres
disseram rezar pela pessoa, acolher o sofrimento e conscientizar a pessoa de seu valor no mundo, as espíritas
posicionaram-se no sentido de informar, dentro da doutrina espírita, as conseqüências negativas do suicídio e de
tentar levar o aconselhando a enfrentar seus problemas
de outra forma que não essa.
É peculiar a este tipo de serviço, um híbrido entre psicologia e religião, conforme visto nos relatos, a co-existência da tendência de acolhimento e amparo, inclusive seguindo o modelo de “pastor de ovelhas” do próprio
Cristo, onde sua figura é associada à idéia de “médico das
almas” (Aquino, 2004) e a função educativa e ética da religião e direcionamento espiritual. Para Hellern, Notaker &
Gaarder (2000), as religiões, portanto, não fazem distinção
entre a dimensão ética e religiosa. Isto pode ser percebido
com relação à homossexualidade, para os pastores e padres, em que uma orientação sexual é vista como desvio
moral ou doença passível de cura.
Já no espiritismo esse conflito ficou mais claro em relação ao suicídio, em que a não-diretividade vai até onde
começa a possibilidade de auto-extermínio. Há, neste sentido, expressão clara da função educativa da religião.
Assim, embora todos afirmem indiretamente os pressupostos de um aconselhamento do tipo rogeriano (com
a presença de elementos tais como escuta ativa, empatia,
consideração incondicional, etc.), na prática, talvez seja
mais difícil a sua realização plena, em virtude da atmosfera religiosa e moral que caracteriza o atendimento.
Este campo, em plena expansão, pode estar se nutrindo do descaso e descompromisso da psicologia científica
e até mesmo da psicologia clínica, com a dimensão espiritual do ser humano. O psicólogo parece evitar ou esquecer que o ser humano é em essência espiritual, além de
biopsicossocial. Na ausência da Psicologia, líderes espirituais com alguma perspicácia psicológica atendem uma
demanda que, embora não se restrinja ao campo de ação
da Psicologia, é também de sua alçada.
Revista da Abordagem Gestáltica – XIII(2): 206-215, jul-dez, 2007
Artigo
“Eu vim para que Todos Tenham Vida e Vida em Abundância”. Um Estudo Comparativo de Aconselhamento Religioso em Três
Vertentes Religiosas Brasileiras
Danielle S. Macedo; Camila M. M. Fonseca; Adriano F. Holanda
Como a interdisciplinaridade se fortifica tendo como
objetivo a atenção global a todas as dimensões humanas,
a inclusão de mais uma dimensão, a espiritual, incitanos a pensar na incorporação dos “profissionais religiosos” no esforço de atendimento humanizado e holístico
ao ser humano.
O estudo mais aprofundado da Psicologia por parte
dos aconselhadores religiosos poderia auxiliar na distinção entre a simples utilização de critérios diagnósticos
socialmente difundidos pela mídia e pelo conhecimento popular (p.ex: sinais de hiperatividade, depressão, estresse, etc.) e os indicadores de transtornos clínicos reais, severos ou não. Assim, a prática do encaminhamento poderia tornar-se mais eficiente e coerente com as necessidades dos aconselhandos. Um dos pastores relatou
a necessidade de encaminhamento em casos de esquizofrenia, mas não se sabe ao certo o que seria considerado
– por estes aconselhadores – como sinal patognomônico
desta síndrome e qual o limite entre fenômeno espiritual
e doença mental.
Sendo assim, o aconselhamento religioso aparece
como uma prática importante a ser considerada, dentro
de um contexto de saúde mental. Uma maior aproximação
da ciência psicológica destes contextos religiosos surge
como possibilidade real para a compreensão de inúmeros
fenômenos psicopatológicos. Além disso, a forma como as
diversas denominações religiosas lidam com o fenômeno
psicopatológico ainda é uma incógnita. A relação entre
psicopatologia e vivência religiosa é objeto de um projeto
de pesquisa mais amplo, em desenvolvimento, por uma
equipe que inclui os autores deste trabalho.
Sugere-se para pesquisas futuras a comparação da literatura de aconselhamento com a prática que vem sendo exercida e a comparação da atuação inter-religiosa, ou
seja, entre membros de uma mesma religião. Além disso, é
de fundamental importância maior conhecimento sobre a
distinção entre quadros psicopatológicos e fenômenos espirituais, tanto na ótica religiosa quanto na psicológica.
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Anexo
01. Você faz aconselhamento?
02. O que é aconselhamento?
03. Em qual local o aconselhamento é realizado?
04. Qual a duração do aconselhamento?
05. Há algum horário reservado para o aconselhamento?
06. O aconselhamento é feito individualmente ou em
grupo?
07. Que estratégias você utiliza na condução do aconselhamento?
08. Como é a questão do sigilo?
09. Você encaminha a pessoa que busca o aconselhamento
para profissionais da saúde (p. ex. psicólogos)?
10. Se encaminha, quando você percebe que o encaminhamento se faz necessário?
11. Existe serviço de aconselhamento para o aconselhador?
12. Quais são os casos mais comuns?
13. De onde vem a demanda: do aconselhador ou do
aconselhando?
14. Houve algum caso em que a pessoa que buscou o
aconselhamento estivesse pensando em suicidar? Se
sim, o que você fez?
15. Há alguma questão que você não se sente à vontade
para tratar no aconselhamento?
16. Há literatura de orientação para a prática?
17. Como são abordados tabus sociais como homossexualidade e pedofilia?
Danielle Soares de Macedo - Graduada em Psicologia pela Universidade
de Brasília. Email: danis_macedo@yahoo.com.br.
Camila Mariana Mesquita e Fonseca - Aluna de Graduação da Universidade de Brasília. Email: camilamarianam@yahoo.com.br.
Adriano Furtado Holanda - Doutor em Psicologia, Professor da Universidade Federal do Paraná. Email: aholanda@yahoo.com.
Recebido em 20.04.2007
Aceito em 15.08.07
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p. 507-517.
215
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