Rosa Filomena Brás Lopes Monteiro
Universidade de Coimbra
Desafios
políticas
mulheres e
e tendências das
de igualdade de
homens em PPor
or
tugal
ortugal
Resumo
Resumo: Neste trabalho exponho algumas das conclusões acerca do “feminismo de Estado”
em Portugal, tema pouco estudado no país e objeto central da minha investigação de
doutoramento em Sociologia do Estado, Direito e Administração (FEUC/CES). Na pesquisa
interroguei a ação do Estado português na promoção da igualdade de mulheres e homens
desde 1970, concretamente o papel que a atualmente designada Comissão para a Cidadania
e Igualdade de Género (CIG) como mecanismo oficial para a igualdade tem vindo a desempenhar
em articulação com os movimentos de mulheres na promoção de políticas públicas de
igualdade. Explicito, aqui, os principais desafios com que se confrontam a Comissão e as
associações de mulheres, designadamente, o do mainstreaming de género, da politicização
da área, da nova gestão pública, da adoção da linguagem de “género”, da alteração da
relação com as ONGs e da inclusão de novos representantes e novos eixos de desigualdade.
Palavras-chave
Palavras-chave: Portugal; políticas de igualdade; movimentos de mulheres; feminismo de
Estado.
Copyright 2013 by Revista
Estudos Feministas.
Introdução
Neste trabalho exponho algumas das minhas
conclusões acerca do “feminismo de Estado” em Portugal,
tema pouco estudado no país e objeto central da minha
investigação de doutoramento em Sociologia do Estado,
Direito e Administração (FEUC/CES). Na pesquisa interroguei a
ação do Estado português na promoção da igualdade de
mulheres e homens desde 1970, concretamente o papel que
a atualmente designada Comissão para a Cidadania e
Igualdade de Género (CIG, anteriormente CCF, CIDM;
doravante designada apenas por Comissão) como mecanismo oficial para a igualdade tem vindo a desempenhar em
articulação com os movimentos de mulheres na promoção
de políticas públicas de igualdade. Baseando-me no
contributo da abordagem do feminismo de Estado, questionei
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ROSA FILOMENA BRÁS LOPES MONTEIRO
1
Rosa Filomena Brás Lopes
MONTEIRO, 2011.
a efetividade desse mecanismo oficial na produção de
políticas de igualdade e na representação e empowerment
dos movimentos de mulheres num quadro de governação
multiescalar.
Uma das dimensões da investigação centrou-se numa
análise diacrónica dos mais de 30 anos de existência de
feminismo de Estado em Portugal, que permitiu detetar
tendências, marcos na evolução das políticas, da Comissão
e da relação entre o Estado e os movimentos de mulheres.
Essa evolução está, como demonstrarei, associada a episódios
de produção do Estado, a metamorfoses no contexto políticoinstitucional e nas dinâmicas de interação entre atores
institucionais. Defini como principais fases da evolução do
fenómeno no nosso país: feminismo de Estado emergente,
feminismo de Estado potenciado, feminismo de Estado formal
e feminismo de Estado desafiado.1 É sobre esta última fase ou
tipo de feminismo de Estado desafiado (2002-2007) que me
concentrarei aqui, uma vez que nela se expressam com
especial impacto as tendências e os desafios que se colocam
não só para a Comissão, mas também para as políticas de
igualdade e para as associações de mulheres em Portugal.
Objeto e método
A história e o papel que tem mantido como epicentro
das políticas de igualdade em Portugal justificaram a opção
pela Comissão como ponto de ancoragem empírica do
estudo. A atual CIG resulta de uma série de sucessivas reformas
e upgrades orgânicos do Grupo de Trabalho para a Definição
de uma Política Nacional Global acerca da Mulher. Tratou-se
de um grupo criado, logo em 1970, no seio do Ministério das
Corporações e Previdência Social e presidido por Maria de
Lourdes Pintasilgo, durante uma ditadura profundamente
antifeminista. Em 1975, o Decreto-Lei n. 45/75 colocou-o em
instalação e deu-lhe a nova designação de Comissão da
Condição Feminina (CCF), mas, apenas em 1977, o primeiro
Governo Constitucional pós-revolução a institucionalizou
(Decreto-Lei n. 485/77). Em 1991, passou a chamar-se
Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres
(CIDM) e, desde 2007, Comissão para a Cidadania e
Igualdade de Género (Decreto-Lei n. 164, de 3 de maio de
2007). Um dos aspetos mais interessantes desse mecanismo
oficial para a igualdade português, além da sua
precocidade relativamente aos seus congéneres espanhol e
italiano, é que desde muito cedo ele ofereceu um espaço
formal de articulação com as associações de mulheres e
com representantes dos diversos setores governativos, através
do seu Conselho Consultivo (composto de duas seções: a
Seção das ONGs e a Seção Interministerial). Inclusivamente,
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DESAFIOS E TENDÊNCIAS DAS POLÍTICAS DE IGUALDADE DE MULHERES E HOMENS EM PORTUGAL
2
Edward WALKER, 2005.
Definida como “a mudança de
localização dos atores dos movimentos sociais de uma posição
bastante exterior ao Estado, para
uma em que os atores dos movimentos são reconhecidos como
membros, trabalham em estreita
relação com o Estado ou são seus
assistentes na produção política,
ou são diretamente financiados
pelo Estado” (WALKER, 2005, p.
13).
3
às associações representadas no seu Conselho Consultivo foi
proporcionado um subsídio anual para projetos (desde 1991),
inscrito pelo Orçamento de Estado no orçamento da
Comissão, e uma sala na sede da Comissão, na qual se
reuniam e trabalhavam em conjunto (desde os anos 1990 até
2005). Também essas características tradutoras do que Walker2
designou de “institucionalização política”3 dos movimentos
acrescentam relevância a um estudo de caso centrado na
Comissão.
A pesquisa empírica foi, então, realizada com base
num estudo de caso sobre a atualmente designada Comissão
para a Cidadania e Igualdade de Género. O estudo de caso
requereu uma abordagem qualitativa composta, em termos
de fontes de investigação, pela realização de 53 entrevistas
semiestruturadas (a técnicos/as e ex-técnicos/as da Comissão;
ex-presidentes e dirigentes da Comissão; responsáveis
político/as da tutela; peritas; dirigentes de associações de
mulheres; especialistas) e pela análise de material de arquivo
(atas e documentos diversos), de legislação, publicações e
artigos de imprensa. O material foi sujeito à análise de
conteúdo, com recurso ao software NVivo8.
Pressupostos analíticos
4
Joni LOVENDUSKI, 2008; e
Dorothy McBRIDE e Amy MAZUR,
1995 e 2008.
5
McBRIDE e MAZUR, 2008, p. 255.
A análise partiu do papel articulador e facilitador que
se atribui aos mecanismos oficiais para a igualdade na
abordagem do feminismo de Estado. Essa abordagem estuda
o nexo entre os mecanismos oficiais para a igualdade, como
a Comissão, e os movimentos de mulheres na produção de
resultados políticos, assumindo os primeiros como agentes
decisivos de articulação entre movimentos e Estado.4 Dorothy
McBride e Amy Mazur definem feminismo de Estado como “as
ações dos mecanismos para incluir as exigências e atores
dos movimentos de mulheres no Estado com vista à produção
de resultados feministas tanto em termos de processo político
como de impacto societal”.5 Assume-se que os mecanismos
são aliados que podem facilitar a representação descritiva e
substantiva das mulheres e que o sucesso desses resultados
varia segundo características dos próprios mecanismos, mas
essencialmente das características do ambiente sociopolítico,
como a sua abertura, e dos próprios movimentos de mulheres.
As abordagens do feminismo de Estado e das teorias do
processo político que integram nas suas pesquisas advogam
que é necessário introduzir na compreensão da ação política
dos vários atores a dimensão do contexto ou sistema
sociopolítico concretos, já que eles fazem variar as estruturas
de oportunidades políticas. Assim, no estudo das diversas
fases de feminismo de Estado em Portugal mobilizei diversas
dimensões analíticas como estruturas de oportunidades
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6
Karen BECKWITH, 2007.
7
BECKWITH, 2007.
políticas: as mudanças de tipos de regime; o desenhar de
novos arranjos institucionais; as reconfigurações do Estado; o
contexto revolucionário; as mudanças de governo (esquerda/
direita); as mudanças nas estruturas legais ou nos conjuntos
de regras; as mudanças de estruturas eleitorais; as mudanças
legais estabelecendo normas de “igualdade de oportunidades”;6 focusing events nacionais que geraram discussões
públicas (ex.: julgamentos de mulheres nas questões do
aborto); e focusing events internacionais (ex.: Década das
Mulheres da ONU e suas conferências mundiais).
Em cada um desses momentos, portanto, configuraramse estruturas de oportunidades políticas que, juntamente com
características da Comissão e da sua relação com os movimentos de mulheres, as suas “estratégias prevalecentes”,7
“estruturas de mobilização” e formas de institucionalização,
determinaram diversos tipos de feminismo de Estado.
O feminismo de Estado desafiado
A última fase que identifiquei e estudei, em termos de
articulação entre a Comissão e os restantes atores das
políticas de igualdade em Portugal, acolheu a designação
de feminismo de Estado desafiado, que corresponde ao
período que começa em 2002 e se estende aos dias de
hoje, ainda que a minha análise tenha terminado em 2007.
No Gráfico 1 podemos visualizar as características principais
das restantes fases de que esta é o culminar. No gráfico
apresentam-se a “situação da Comissão” e o tipo de relação
entre essa e os movimentos de mulheres em cada fase.
GRÁFICO 1 – Fases do feminismo de Estado em Portugal
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DESAFIOS E TENDÊNCIAS DAS POLÍTICAS DE IGUALDADE DE MULHERES E HOMENS EM PORTUGAL
Globalmente é nesta última fase estudada que se
expressam com especial ênfase e impactos tendências que
ocorrem desde os anos 1990, corporizando desafios não só
para a Comissão, mas também para as políticas de igualdade e para as associações de mulheres. Da análise documental e das entrevistas que realizei, elencaram-se os
seguintes principais desafios:
- intensificação da nova abordagem das políticas
de igualdade – o mainstreaming de género;
- politicização da Comissão e efeitos da diferenciação governativa no domínio da igualdade entre um governo
de coligação centro-direita e um socialista;
- intensificação das tecnologias e retóricas da nova
governação, em especial da nova gestão pública, no
sentido da accountability, eficiência, racionalização,
projetificação;
- adoção da linguagem de “género”;
- alteração do tipo de relação com as ONGs, que
passa a ser de contrato e partenariado, de autonomia
induzida, bem como das formas de financiamento e apoio
(projetificação); e
- inclusão de novos representantes e novos eixos de
desigualdade.
O desafio do mainstreaming de género
(MG)
8
Emanuela LOMBARDO e Petra
MEIER, 2006.
9
CIDM, 1999, p. 25.
A estratégia política do mainstreaming de género
tem sido marcada de limitações e aspetos críticos.8 O MG
prevê uma “reorganização dos processos de decisão e a
colaboração de novos atores políticos, externos como por
exemplo as ONGs, consistindo numa (re)organização,
melhoria, desenvolvimento e avaliação dos processos de
implementação de políticas, por forma a que a perspetiva
da igualdade de género seja incorporada em todas as
políticas, a todos os níveis e em todas as fases, pelos atores
geralmente implicados na decisão política”.9 Ele impõe,
para a sua eficaz operacionalização, alguns requisitos.
Apresento aqui, de forma muito sintética, dois deles e, a
partir da análise que realizei, a forma como têm estado ou
não presentes no contexto português.
1. Implica instrumentos e ferramentas de
planeamento, implementação e monitorização de políticas;
ferramentas de diagnóstico (gender analysis), planeamento
(gender planning) e orçamento (gender budgeting),
formação (gender training).
Os Planos Nacionais para a Igualdade (PNIs) têm sido
o principal instrumento de MG assegurado em Portugal. O
primeiro surgiu em 1997 e, em 2007, estava-se no terceiro.
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10
Virgínia FERREIRA et al., 2007a.
11
Mary BRAITHWAITE, 2005.
540
Como referiu uma entrevistada, “os planos foram o que não
foram” (Entrevistada 47), expressão que traduz a falta de
efetividade e a ineficácia sistematicamente detectada na
implementação dos primeiros PNIs.10 O gender budgeting,
apesar de previsto nos próprios planos, nunca foi
operacionalizado. A desagregação de informação e dados
por sexos nas estatísticas oficiais tem também vindo a
revelar-se inconsistente e insuficiente. A Comissão é quem
tem procurado formar atores setoriais estratégicos como as
conselheiras ministeriais para a igualdade e membros das
equipes interministeriais. No global, dada a inconsistência
e a falta de instrumentos adequados para o MG, alguns
deles apenas criados legislativamente a partir de 2005, o
que está em causa é a própria existência de uma estratégia
para o MG, indicando que ele estará em Portugal ainda na
fase de “medidas preliminares”.11
2. Outro requisito da estratégia de mainstreaming é
uma responsabilização de todas as estruturas de governo e
de todos os atores do sistema político (partidos, parlamentos,
governos, administração pública) com o objetivo de retirar as
questões da igualdade dos “guetos da igualdade”. A
localização dos mecanismos oficiais nas esferas mais centrais
e de coordenação transetorial dos governos – em Portugal, a
Presidência do Conselho de Ministros (PCM) – é extremamente
importante. Porém, esse posicionamento não tem garantido
à Comissão um papel insider na produção de políticas, nem
na transversalização da igualdade em todas as políticas
discutidas e produzidas em sede de Conselho de Ministros.
As razões apontadas nas entrevistas para essa inefetividade
do posicionamento na PCM foram: as resistências dos restantes
ministérios, o departamentalismo, a marginalização das
questões da igualdade, a falta de sensibilidade para a
premência das desigualdades e das discriminações em
razão do sexo. Foram apontadas barreiras burocráticas e
muros de indiferença política que têm colocado a “igualdade
de género” nas margens do processo político. Também a
criação, precoce internacionalmente, da figura das representantes ministeriais da Seção Interministerial do Conselho
Consultivo da Comissão, mais tarde designadas como
Conselheiras, foi uma estratégia da Comissão desde os seus
primeiros tempos para desenvolver a articulação e o
networking necessários com os vários setores governativos.
Contudo, a efetividade dessas figuras tem sido também
reduzida: o seu Estatuto Formal apenas foi publicado em
2008 (Recomendação do Conselho de Ministros 161/2008),
apesar de reclamado desde a década de 1980 pela
Comissão; o seu perfil tem sido de isolamento, desempoderamento, precariedade e forte vulnerabilidade à rotação com
as alterações governativas. Globalmente, as representantes
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(2): 535-552, maio-agosto/2013
DESAFIOS E TENDÊNCIAS DAS POLÍTICAS DE IGUALDADE DE MULHERES E HOMENS EM PORTUGAL
12
FERREIRA et al., 2007a.
ministeriais, quando falavam da sua missão, usavam palavras
como “abandono”, “trabalho solitário”, “voluntarismo”,
“medo”, “sentimento de inexistência”, “sobrecarga”, “prejuízo
na progressão na carreira”, “ave rara”.12
P oliticização da Comissão e efeitos da
diferenciação governativa no domínio da
igualdade
13
FERREIRA et al., 2007b.
14
Magda ALVES et al., 2009.
É nesta fase que mais se acentua a clivagem da
performance política de governos de centro-direita e de
governos de centro-esquerda, constatando-se que em
Portugal as viragens governativas para governos do Partido
Socialista têm tido um impacto diferenciável nas políticas de
igualdade. Nesses cinco anos houve três governos, dois de
centro-direita (o XV e o XVI) e um de centro-esquerda (o XVII).
Os dois primeiros, formados por incidência de um acordo
parlamentar entre o PSD e o CDS-PP, têm sido apontados como
governos de pendor conservador, exemplificados em
retrocessos em matéria de direitos sociais – na introdução de
critérios de diferenciação no acesso a benefícios da
segurança social, de restrições na titularidade de direitos, de
crescente controle burocrático de todo o processo13 – e
também na atitude do governo no incidente com o barco
“Women on Waves”, em torno da agenda da Interrupção
Voluntária da Gravidez, em 2004.14
Outra diferença muito significativa destaca-se quando
analisamos a produção de legislação e políticas de
igualdade pelos vários governos. A contabilização realizada
aponta para uma diferença abismal entre os governos de
centro-direita e o que se lhe seguiria do PS. Assim, no período
entre 2002-2005 correspondente aos dois governos PSD-CDS,
foram lançadas quatro iniciativas legislativas (média de 1,3/
ano), sendo duas delas o II Plano Nacional para a Igualdade
e o II Plano Nacional contra a Violência Doméstica; em
contraponto, no período entre abril de 2005 e abril de 2007,
o governo socialista lançou 19 iniciativas legislativas com
relevância nas questões da igualdade de homens e mulheres
(média de 8,6/ano). Essa prolífica atividade legislativa foi
uma das razões que levaram as pessoas entrevistadas a
apontarem este governo como um dos mais “amigos” da
causa da igualdade. Essas dinâmicas e a importante
legislação produzida contribuíram para assinalar nas
entrevistas a atitude distintiva e mais favorável do PS,
relativamente aos partidos de direita, o que confirma a tese
globalmente encontrada na literatura de que partidos de
esquerda são estruturas facilitadoras e que viragens
governativas à esquerda constituem momentos em que as
estruturas de oportunidades políticas se abrem e são mais
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ROSA FILOMENA BRÁS LOPES MONTEIRO
15
Joni LOVENDUSKI, 2007.
favoráveis às reivindicações dos movimentos de mulheres e
à ação dos mecanismos oficiais para a igualdade.15 Em
Portugal, os partidos têm feito alguma diferença, apesar das
teses de indiferença governativa, num sistema marcado pela
alternância governativa ou majoritan shift entre dois partidos
ao centro, maioritários.
Essas opiniões surgem, no entanto, algumas vezes
moderadas pela consciência de que o formalismo jurídico
não é acompanhado de uma efetividade real e de que os
próprios departamentos estatais e governativos não implementam o legislado, o que reforça a constatação da incapacidade do Estado como traço do nosso sistema políticoadministrativo. A maior proatividade deste governo surgiu
também associada à perceção de que se assiste a uma
progressiva instrumentalização política da área da
igualdade, a sua politicização e à politicização da própria
Comissão.
Os desafios da governação e da nova
gestão pública
16
Joyce OUTSHOORN e Johanna
KANTOLA, 2007.
542
A lógica da nova gestão pública, especificamente o
seu enfoque na eficiência, dita novas regras de orçamentação, monitorização, gestão financeira, accountability que
desafiam e complexificam a gestão interna dos mecanismos
para a igualdade, mas também a sua relação, quer com as
suas fontes de financiamento (nacionais e transnacionais),
quer com as organizações da sociedade civil.
O lado mais visível de uma transformação da
intervenção para a igualdade num sentido mais tecnocrático,
com impactos na Comissão e nas ONGs, surgiu em Portugal
no nível dos financiamentos, nomeadamente a partir da
década de 2000, com a projetificação e os financiamentos
de curto prazo, uma tendência também destacada na
literatura.16 A Comissão passou a se beneficiar, a partir de
2000, da abertura de programas de financiamento, apoiados
pelos fundos estruturais europeus, como o Programa EQUAL, o
Sistema de Apoio Técnico e Financeiro às Organizações Não
Governamentais (POEFDS) e, mais recentemente, o Programa
Operacional Potencial Humano (POPH). Foi inclusivamente
estrutura técnica de coordenação de financiamentos, abertos
às ONGs e a outros tipos de organizações para a promoção
da igualdade, no âmbito do POEFDS (SATFONG) e, agora, do
POPH (Eixo 7).
Esses financiamentos capacitaram a Comissão em
termos de ação, dando-lhe a possibilidade de ampliar o seu
trabalho que os sempre curtos orçamentos limitavam. No seu
reverso, porém, têm implicado o desenvolvimento de um novo
perfil, passando a Comissão a ter de gerir pesados
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(2): 535-552, maio-agosto/2013
DESAFIOS E TENDÊNCIAS DAS POLÍTICAS DE IGUALDADE DE MULHERES E HOMENS EM PORTUGAL
procedimentos administrativos e burocráticos, a ter de
desempenhar novas funções de metarregulação (gere
financiamentos para projetos próprios e para as ONGs, em
articulação com o Estado nacional e as instâncias de
financiamento internacional). Muitas entrevistadas afirmaram
que a Comissão passou a ser um verdadeiro corpo
burocrático, uma verdadeira Direção-Geral, e não o “lugar
de militância” que era no passado; segundo elas, a Comissão
passou a ser mais um corpo técnico do que político, um corpo
mais operacional do que propositor e consultor de políticas.
Essa tendência intensifica-se também com a criação
de novas regras de funcionamento interno, de maior
regulação do próprio funcionamento interno da Comissão
que era pouco formalizado, mas que tem no seu reverso a
perda do cariz militante do organismo:
Mas eu não acho que seja fácil para uma DireçãoGeral, porque no fundo era aquilo que a Comissão
era, funcionar um pouco por impulsos… Mas porque
de alguma forma provavelmente se habituaram a
funcionar assim, portanto aquilo era um pouco por
impulso, o que era importante era o substantivo, a
causa, e esqueciam-se que eram um corpo da função
pública. E como sabe, de há uns tempos para cá, a
gestão pública é uma coisa muito complexa, muito
mais formalizada, temos procedimentos que temos
de cumprir. Temos, por exemplo, o SIADAP que tem
critérios que não são propriamente os da militância,
não é?! (Entrevistada 6, ex-dirigente da Comissão).
17
Nos últimos anos proliferou a
encomenda a universidades e
especialistas de estudos e guias
pela Comissão, potenciada pelos
financiamentos comunitários. Essa
tendência provoca em algumas
técnicas entrevistadas alguma
apreensão por considerarem que
isso pode significar a prazo a perda
de competências na própria
Comissão.
18
Judith SQUIRES 2007, p. 131.
Assim, denota-se uma alteração do perfil da
Comissão, que se burocratiza e funcionaliza; passa a
comprar fora a expertise, desvalorizando a expertise inhouse,17 tendência global também notada por Judith Squire
noutros contextos nacionais;18 perde também a capacidade
de intervir diretamente nos conteúdos políticos, que passam
a ser deliberados com muito maior mediação e controle por
parte das tutelas. Ou seja, se no passado, ainda que de
forma proativa e com grandes esforços de lobby, as técnicas
iam conseguindo integrar as suas perspetivas em algumas
decisões políticas, atualmente a decisão fecha-se mais nos
gabinetes da tutela, que são aqueles que em última análise
filtram os pareceres e as propostas da Comissão. As pessoas
entrevistadas confirmaram essa tendência para um
fechamento no topo da decisão política à produção das
políticas de igualdade e a tendência para se reforçar o
centralismo-estatal no sentido sócio-legal, continuando o
Estado, agora metarregulador interescalas de governação,
a centralizar em si a produção normativa das políticas de
igualdade.
Estudos Feministas, Florianópolis, 21(2): 535-552, maio-agosto/2013
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ROSA FILOMENA BRÁS LOPES MONTEIRO
A adoção da linguagem de “género
“género””
19
Só a partir de 2005 se começa
a destacar no Notícias o uso da
nova terminologia. Até aí no nível
dos Editoriais, por exemplo, a
terminologia usada era ainda a
de “mulheres”, enquadrada
estrategicamente numa lógica de
direitos humanos.
Em Portugal, a entrada da linguagem de género na
Comissão foi tardia relativamente ao que aconteceu
internacionalmente (década de 1990). A título ilustrativo, em
1997, a CIDM elaborou um comentário a pedido do Instituto
da Cooperação Portuguesa relativo à questão da tradução
da palavra “género” e sua utilização em documentos no
âmbito da Cooperação e Desenvolvimento. Embora não me
tenha sido possível conhecer o conteúdo desse comentário,
sei pelas pessoas que entrevistei que a adoção da linguagem
de género pela Comissão foi tardia, continuando-se a usar
as expressões “mulheres” e “mulheres e homens” nos
documentos, nas publicações e no Notícias19 (periódico
publicado pela Comissão). É aliás no II PNI (2003-2006) que,
quanto a mim, se destaca pela primeira vez o uso institucional
e formal da linguagem de género de forma mais sistemática.
As pessoas que entrevistei e às quais coloquei essa
questão fizeram todas um balanço negativo da introdução
da linguagem de género, à exceção de dois responsáveis
políticos. Para as técnicas e ex-técnicas da Comissão e para
as representantes de ONGs de mulheres que entrevistei, o
uso reiterado de “género” em vez de “mulheres” representou
um “tiro no próprio pé” ou um “engodo”. De uma crença
inicial no seu potencial, logo perceberam as suas
desvantagens que se podem sistematizar nas seguintes, a
partir das entrevistas que realizei:
- perda do significado substantivo e conceptual do
conceito de “género” por um uso político, neutralizador e
diluidor do sentido “feminista”;
- fácil integração da retórica política e tecnocrática,
sem que essas percebam o seu significado – tecnocratização;
- associação à abordagem pós-estruturalista das
performatividades e das identidades, o que lhe retira
potencial político, afastando-se o seu significado da
denúncia de relações de poder penosas para as mulheres; e
- o seu alargamento pela adoção pelo movimento
LGBT para significar também a discriminação com base na
orientação sexual, o que, segundo algumas entrevistadas,
introduz confusão de temáticas e de sujeitos de discriminação.
Essas perdas vieram a ser agravadas, segundo as/os
entrevistadas/os, com a alteração da designação da própria
Comissão, que excluiu a expressão “direitos das mulheres”
e passou a veicular as de “igualdade de género” e de
“cidadania”:
[…] olhe, eu contribuí bastante para a entrada da
linguagem de género, estupidamente! [Risos] Ela veio
tarde, a partir de 2003 talvez. É uma grande confusão,
com académicos a dizer que as estatísticas são
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Estudos Feministas, Florianópolis, 21(2): 535-552, maio-agosto/2013
DESAFIOS E TENDÊNCIAS DAS POLÍTICAS DE IGUALDADE DE MULHERES E HOMENS EM PORTUGAL
desagregadas por género! […] O conceito de género
é muito lato, e depois onde estão as mulheres e os
homens? […] Ou seja aquilo é abstrato, e nós estamos
a trabalhar com mulheres e homens. Parece que
estamos a trabalhar com mulheres e homens sem nos
aproximarmos deles. Em termos teóricos ele foi um
avanço importante, mas depois o uso foi tão
indiferenciado, tão generalizado e banalizado. Todo
o mundo usa […] não se fala de sexo, é só género.
Quando eu digo sexo masculino e sexo feminino
sabemos do que estamos a falar. Quando falamos de
identidade de género não sabemos, estamos a falar
de homens, mulheres, transexuais e bissexuais. E sem
darmos conta estamos a dar albergue às questões da
orientação sexual. E damos albergue às pessoas que,
não encontrando mais nenhum sítio, o encontraram
nos feminismos e nos conceitos de género.
(Entrevistada 22, técnica da Comissão).
20 Mieke VERLOO, 2004.
21
VERLOO, 2004.
Não obstante, reconhecem-se as vantagens de uma
linguagem que é mais facilmente aceita e usada social e
politicamente, e que ajuda a enquadrar estrategicamente
a igualdade de mulheres e homens nos quadros
interpretativos que ressoam positivamente à classe política
e sociedade em geral, no que Verloo20 designa de “frame
bridging”, capaz de seduzir políticos/as e funcionários/as
públicos/as, aproximando-se da sua linguagem, dos seus
objetivos e valores. Mas, como a própria Verloo alerta, essa
cedência, através da utilização da linguagem mais
“aceitável” do “género”, é um processo delicado e perigoso,
por tecnocratizar e esvaziar o significado feminista e a leitura
feminista das desigualdades.21
Uma nova relação com as ONGs, no
sentido da autonomia induzida e do
partenariado
A relação entre a Comissão e as associações de
mulheres, que descrevi como tendo evoluído de uma relação
simbiótica, na fase de feminismo de Estado emergente,
sinérgica, na fase de feminismo de Estado potenciado, depois
fusional, na fase de feminismo de Estado formal, alterou-se
nesta nova fase para uma relação de autonomia induzida e
de partenariado que passo a apresentar nos seus traços
principais.
1. Em 2003, o então ministro da tutela procedeu ao
que chamei de “intervenção musculada” sobre a Seção das
ONGs do Conselho Consultivo da Comissão, no sentido de
induzir a sua maior regulação (pela Comissão) e a autonomia
das próprias associações ali presentes, num “corte do cordão
umbilical” que as ligava histórica e institucionalmente à
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João CARDOSO, 2006, p. 136.
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Comissão. As razões foram a intensificação dos conflitos que
se verificavam no funcionamento daquela Seção, entre as
próprias ONGs (motivados por rivalidades na distribuição dos
subsídios e da representação internacional); a confusão nos
limites entre o que era a Comissão e a Seção das ONGs; e o
grande número e a heterogeneidade das associações ali
presentes que dificultavam o funcionamento (mais de 50). As
alterações introduzidas foram as seguintes: novo Regulamento da Seção, em cujo processo as ONGs não participaram;
novo processo de reconhecimento das ONGs que tiveram de
demonstrar reunirem as condições para pertencerem à Seção,
tendo muitas ficado pelo caminho; e os projetos candidatos
a financiamento passaram a ser analisados por um júri
definido pela Presidente da Comissão e avaliados segundo
os critérios definidos pela Comissão. A Comissão reforçava
assim o seu papel metarregulador na relação com a
sociedade civil, regulando de forma mais apertada, formal e
burocrática o funcionamento da Seção das ONGs do CC. Em
2005-2006 foi-lhes retirada a sala de que dispunham no
edifício da Comissão, o que representou um corte simbólico e
físico entre as associações e a Comissão.
2. Esgotamento e descaracterização do espaço físico
e institucional da Comissão, do seu Conselho Consultivo,
como plataforma de sustentação a uma agregação
representativa das associações de mulheres portuguesas, elas
próprias caraterizadas por fraquezas: forte heterogeneidade
temática e estatutária; algumas não serem vocacionadas
para as “questões de género” (ex.: sindicatos, associações
patronais, partidos políticos); centralização geográfica; redes
pouco densas e frágeis; concentração em atividades como
debates, conferências, seminários, publicações; tónica
descendente e não ascendente; e muitas delas assumindo
um papel pedagógico sobre a sociedade.22
Essas características sociológicas que marcavam
ainda as organizações de mulheres em meados da década
de 2000 são, efetivamente, um retrato incisivo das suas
principais fraquezas, às quais nas entrevistas foram
acrescentados:
- a falta de agendas mobilizadoras e promotoras de
coesão do “movimento”;
- lacunas na representatividade e na ligação a
grupos sociais de apoio; e
- o envelhecimento e a pouca renovação das suas
principais figuras.
Em suma, salientaram-se o centralismo e o elitismo, a
fragilidade das redes, a pouca visibilidade, a fragmentação,
a pouca ligação à realidade social e às mulheres e, por
isso, o seu fraco potencial de mobilização de massas.
Relativamente ao Conselho Consultivo:
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[…] nós não reagimos desta forma porque o espaço se
fechou, nós detetámos estrategicamente que o espaço
já não era um espaço privilegiado onde devíamos estar
e que devíamos criar espaços próprios da sociedade,
para além do Conselho Consultivo. Agora o problema
é que esses espaços são difíceis de descobrir. Porque
associações de cariz feminista há poucas, como nós
sabemos, que se identifiquem dessa maneira […]
Aquele Conselho Consultivo, apesar de ser importante,
por dar uma ideia de força, e deu, na altura da paridade
[…], ele dava uma ideia exterior de uma força que
realmente não tinha. Em termos de intervenção
feminista nós começámos a ponderar se nos
interessava estar em conjunto com o grupo da Cruz
Vermelha, com o Grupo das Mulheres Sociais
Democratas etc., nós o que começámos a pensar foi o
seguinte: o CC é importante, ninguém deve tirar o seu
valor, o de plataforma conjunta, mas em termos mesmo
de reivindicação governamental o movimento tem que
ganhar força fora do chapéu-de-chuva institucional.
Foi essa a trajetória que nós começámos a fazer.
(Entrevistada 30, representante de associação de
mulheres).
Essa consciência de esgotamento do Conselho
Consultivo como espaço de empowerment político tem
levado algumas organizações a encontrarem novas estruturas
de mobilização na busca de novos repertórios de ação.
Algumas representantes assinalaram nas entrevistas a
importância de novas articulações com ONGs e redes
feministas transnacionais e outros movimentos sociais globais
(Fórum Social Mundial e Marcha Mundial das Mulheres), com
as peritas e investigadoras nas universidades e com outros
grupos de mulheres, como, por exemplo, as mais jovens.
3. Mudança no perfil do Conselho Consultivo que,
na sequência daquelas dinâmicas reguladoras e
formalistas, e depois de 2005, devido a uma maior presença
da tutela nas reuniões do CC, passou a ser percebido como
um espaço menos potenciador de discussão e participação
e mais como estrutura consultiva de legitimação política.
Aumentaram as queixas de que o CC passou a formalizarse e ser menos participativo, quer pelo grande número de
participantes, pela sua heterogeneidade, quer porque a
comunicação passou a ser mais unilateral e top-down do
que o inverso. Algumas entrevistadas falaram-me do novo
CC como “seminários onde a tutela vai apresentar a sua
propaganda política”.
4. Transformações nas formas de financiamento e
apoio concedidos pelo Estado, por meio da Comissão. Essas
transformações tiveram início ainda durante o período do
XIV governo (1999-2002), que preparou um financiamento
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às ONGs no âmbito do apoio do quadro comunitário. Essa
canalização de verbas e apoios para os financiamentos
dos fundos estruturais, materializada em 2003, foi bastante
contestada pelas ONGs do CC, por anteverem os pesados
procedimentos burocrático-administrativos a que estariam
sujeitas, mas também pelo que significava de transformação
da relação com o Estado e com a Comissão.
Essa forma de financiamento e projetificação inscreve-se na tendência global de instalação de uma nova
cultura de contrato público–privado na relação entre as
ONGs de mulheres, mecanismos de igualdade e o Estado. A
mudança espelhou-se nas entrevistas que realizei em
discursos ambivalentes entre, por um lado, a queixa pela
falta de apoio da Comissão e do Estado às ONGs de mulheres (perversidades do apoio através do financiamento a
projetos, falta de regulamentação do seu Estatuto Legal) e,
por outro, a consciência crescente de que o CC da Comissão
e o apoio estatal não podem mais ser os motores do associativismo das mulheres. Comparam os apoios concedidos às
associações de mulheres e a outros tipos de associações,
antevendo na discrepância a “má vontade pública para
com as associações de mulheres” (Entrevistada 8). Nas
entrevistas as representantes das associações de mulheres
deram conta da tensão crescente entre manterem o seu perfil
de advocacy e as pressões no sentido de estabelecerem
parcerias para a produção de atividades e para o
fornecimento de serviços à comunidade, como é o caso dos
serviços às vítimas de violência contra as mulheres, por
exemplo. Lembro que algumas delas estão a ser convidadas
pelo Estado a transformar-se em Instituições Particulares de
Solidariedade Social.
A abertura a outras desigualdades: o
desafio da diversidade
Em Portugal o Ano Europeu da Igualdade de
Oportunidades para Todos (AEIOT), em 2007, constituiu um
ponto de viragem decisivo para uma adoção clara e explícita
da abordagem da diversidade e das múltiplas
discriminações. A Comissão coordenou a celebração desse
AEIOT, o que teve impactos na revisão da lei orgânica da
Comissão, na mudança de terminologia (inclusão da
expressão “cidadania”) e na tutela de um domínio de
discriminação que não estava ainda assegurado em
nenhuma instituição oficial – a orientação sexual; nas
alterações no Regulamento e na composição da Seção de
ONG do Conselho Consultivo, passando a integrar
associações representativas do movimento LGBT, de minorias
religiosas, da deficiência (em 2007). Essas mudanças foram
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Johanna KANTOLA e Kevät
NOUSIAINEN, 2009.
amplamente criticadas e protestadas pelas associações de
mulheres e foram inclusivamente denunciadas no VI-VII
Relatório Sombra da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).
Essas transformações institucionais numa linha intersecional têm sido olhadas com suspeita e ceticismo, quer
por parte de pessoas ligadas à Comissão, quer pelas associações de mulheres, denotando as “olimpíadas de opressão” em que os grupos competem pelo título de “os mais
discriminados” para obterem atenção e apoio políticos.23
Todas as pessoas que entrevistei, à exceção dos dois
responsáveis políticos pela transformação, que argumentaram com o facto de a “igualdade de género” ser transversal
a todas as outras, foram desfavoráveis à forma como a lógica
diversidade foi incluída nas reestruturações da Comissão
de 2007.
Considerações finais
24
25
SQUIRES, 2007.
Nüket KARDAM e Selma
ACUNER, 2003.
Na primeira metade dos anos 2000, e por ação das
transformações de que dei conta, a Comissão começou a
viver um acentuar do dilema essencial entre perspetivar-se
como mera burocracia, uma unidade da administração
pública, executora de políticas, ou como um organismo
consultivo, mais independente e periférico mas que
representa substantivamente as mulheres e é porta-voz da
sociedade civil, reivindicando políticas. Como concluiu
Squires,24 o pêndulo alternado agora entre a burocracia e a
advocacy, que é no fundo uma alternância entre um modelo
de mainstreaming perício-burocrático/integrativo ou um
participativo-democrático/transformador, deveria reequilibrarse ao meio, estando a solução num equilíbrio entre os dois
polos. Com o mainstreamig de género, a Comissão assumiu
principalmente um papel de coordenação e de implementação de políticas, reduzindo-se a sua possibilidade de ser
insider na decisão política.
A situação da Comissão nesta fase confirma efetivamente o que Nüket Kardam e Selma Acuner25 referem, ou seja,
que os mecanismos enfrentam desafios formidáveis,
confrontados, especialmente desde a Plataforma de Pequim,
com a missão de serem os capacitadores deles mesmos, de
uma série de outras instituições/atores e dos próprios
movimentos de mulheres para alcançar a igualdade de
mulheres e homens. O mainstreaming de género corporiza a
mais desafiante dinâmica política das políticas de igualdade
para os Estados, os mecanismos para a igualdade e as
organizações de mulheres, congregando os efeitos, muitas
vezes dilemáticos, das transformações nos ambientes políticos
e societais no contexto da nova governação multiescalar.
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Relativamente às associações e aos movimentos de
mulheres, o desafio parece ser o de gerir um novo tipo de
relação, entre um passado de relação exclusivista com a
Comissão, e de alianças informais e cumplicidades na
marginalização a que eram votadas pelo poder político, para
um presente em que a Comissão e o campo das políticas de
igualdade se abrem à representação de outros grupos e de
outras desigualdades em que o aumento da visibilidade e
do protagonismo político e social da área cresce, por
imposição dos compromissos internacionais. As associações
de mulheres, reconhecendo a necessidade de autonomia,
reclamam mais apoios da parte do Estado de formas menos
precárias, instáveis e tecnocráticas de financiamento. O
estabelecimento de uma relação de partenariado com a
Comissão para a promoção de políticas de igualdade está
apenas no seu início, em Portugal. O seu grande desafio é a
reinvenção e a ressignificação das associações de mulheres
num ambiente externo altamente desafiante.
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ROSA FILOMENA BRÁS LOPES MONTEIRO
[Recebido em 19 de julho de 2012
aceito para publicação em 3 de dezembro de 2012]
Challenges and TTrends
rends of Gender Equality P
olicies in P
or tugal
Policies
Por
Abstract: In this paper I present some conclusions about “state feminism” in Portugal, a theme
understudied in the country and the central object of my PhD research in sociology from the State
Law and Administration (FEUC / CES). In the study I questioned the action of the Portuguese state in
the promotion of gender equality since 1970, specifically the role of the currently named as
Commission for Citizenship and Gender Equality – CIG, as a formal mechanism for equality, in
articulation with women’s movements, in promoting public policies for equality. I explain the main
challenges facing the Commission and women’s associations, namely, gender mainstreaming,
the politicization of the area, the new public management, the adoption of the language of
“gender”, the change in the relationship with NGOs and the inclusion of new agents and new axes
of inequality.
Key Words
ords: Portugal; Equality Policies; Women’s Movements; State Feminism.
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