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Portugal, um longo caminho para a igualdade… No passado dia 14 de maio, várias foram as plataformas de comunicação social portuguesa a noticiar o mais recente estudo da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), sobre a discriminação e crimes de ódio contra pessoas LGBTI+. Nas diferentes manchetes soava um regozijo de orgulho da liberdade sexual, que nos transportara para uma espécie de onda de segurança e confiança face às liberdades de género e sexual em Portugal. Num país que demorou décadas a construir um caminho de visibilidade para o género e minorias sexuais, este estudo vem de alguma forma parabenizar-nos pelo bom exemplo que os portugueses são para a Europa em determinadas matérias. Não só pela excelsa reputação enquanto destino turístico, pelo celebre e mitificado futebol, mas agora ao nível do respeito pela universalidade dos direitos humanos, do respeito de todos independentemente das suas diferenças. No entanto, é preciso fazer uma reflexão acerca deste estudo de forma a entender que, infelizmente, nem tudo é assim tão cor-de-rosa. Como sabemos, a visibilidade da comunidade LGBTI+ na Europa é bastante difusa, assim como são as múltiplas realidades sociais, políticas e económicas dos 27 países que a compõem. Em matéria de legislação LGBTI+, a União Europeia oferece aos EstadosMembros uma série de recomendações que regulam a igualdade de oportunidades e direitos vigiando o princípio de não-discriminação com base na orientação sexual ou identidade de género, no entanto, fica à discricionariedade de cada Estado em implementá-las e abrir de forma mais alargada o espetro de liberdades e direitos à comunidade civil.1 Face a isto, o cenário da União Europeia ao nível do respeito pela comunidade LGBTI+ não podia ser mais nebuloso, mostrando uma divisão no reconhecimento de medidas positivas bifurcadas no reconhecimento geral do género e integridade física; no acesso ao espaço da sociedade civil; ao direito à família, igualdade e não discriminação; do direito a asilo e proteção contra crimes e discursos de ódio. FRA: “Direitos das pessoas lésbicas, homossexuais, bissexuais e transexuais (LGBT) na União Europeia” https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/1757-FRA-Factsheet-Homophobia-Study-2010FS1_PT.pdf 1 1 Neste estudo, a FRA apresenta-nos dados de pesquisa do ano de 2019, contando com quase 140.000 participantes de pessoas LGBTI+ da UE, Macedónia do Norte e Sérvia, mostrando ser a maior pesquisa do género seguindo a anterior realizada em 2012.2 Apesar dos resultados parecerem ser positivos no que toca à visibilidade e abertura das pessoas para com a comunidade LGBTI+, o estudo revela poucos progressos nos últimos sete anos, mostrando ainda uma série de dificuldades e certo desconforto no que toca à visibilidade de género/sexual em espaços públicos. Casais do mesmo sexo, por exemplo, mostram grande relutância em assumirem a sua relação em público por medo do assédio, físico ou sexual percebido, como 40% dos inquiridos confirmaram. O preconceito e a intolerância em detrimento da orientação sexual ou identidade de género persistem. 40% dos entrevistados acredita que estes indicadores tenham baixado “um pouco” ou “muito” no seu país, em contraste com os 36% que acreditam que o preconceito tenha aumentado, uma diferença que merece a nossa reflexão. Entre pessoas da comunidade LGBTI+ também existe uma desigualdade ao nível da perceção do preconceito. Entre os entrevistados, os gays (42%), bissexuais (45%) e as mulheres (42%) são quem diz sentir uma melhoria ao nível da intolerância, estando as pessoas trans e intersexuais em desvantagem face aos primeiros (31% e 29% respetivamente). A discriminação por base nas características sexuais, identidade de género, expressão de género e características sexuais (SOGIESC), é entendida em diferentes campos da vida dos inquiridos. Relativamente à discriminação no local de trabalho, dois em cada entrevistados (21%) diz ter sofrido essa distinção, sendo que Portugal não foge à média Europeia, com 20% dos inquiridos ter experienciado o mesmo. Assim como 37% dos entrevistados diz ter sido discriminado em outras esferas da vida como a habitação, serviços sociais ou saúde, na escola ou universidade, em espaços de lazer como cafés, restaurantes, bares e boates, continuando os índices percentuais sendo mais altos em pessoas trans (55%) e intersexo (59%). Com isto, um em cada três entrevistados (33%) diz evitar com frequência determinados lugares ou por medo de serem agredidos, ameaçados ou assediados por serem LGBTI+. 2 FRA: A long way to go for LGBTI equality - Sex, sexual orientation and genderEquality, nondiscrimination and racism https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/fra-2020-lgbtiequality_en.pdf 2 Relativamente a ataques físicos ou sexuais sentidos pela comunidade LGBTI+ na EU, é aqui que Portugal se destaca pela positiva, mostrando-nos que (5%) dos inquiridos, à frente de Malta (6%), dizem ter percebido este tipo de violência, em contraponto com a realidade de países como a Polônia (15%), Romênia (15%), Bélgica (14%) e França (14%), onde se regista um valor percentual de violência mais elevado. Em países vizinhos da Europa, como a Macedônia do Norte (19%) e Sérvia (17%), encontramos as taxas mais altas de violência sexual como nos propõe a observação do mapa Rainbow Europe 2020. Resultados do Rainbow Map, um ranking europeu que classifica os países em função das respetivas leis e políticas de igualdade LGBTI. Fonte: ILGA Europa. Portugal surge em 7º lugar num ranking de 49 países. (Estudo divulgado a 14 de Maio). A análise dos dados apresentados nesta pesquisa está intimamente relacionada com a adoção de medidas de ação positiva pela lei e política de cada país. A deterioração da segurança e qualidade de vida dos entrevistados relaciona-se de grosso modo com um discurso político conservadorista que ridiculariza a identidade de género e a orientação sexual, descredibilizando a aplicação de políticas protecionistas já existentes (UE, Conselho Europa, Nações Unidas). O apoio por parte de figuras públicas, líderes 3 comunitários e sociedade civil no que toca à visibilidade dos direitos LGBTI+, assim como o ativismo e divulgação de informação relativa à educação sexual e estudos de género, são meios de desconstrução de uma ignorância que perpetua comportamentos discriminatórios, mas que sem o apoio de uma legislação mais protetora não tem pernas para andar. Portugal, pelo que a pesquisa indica, é alvo de atenção, mostrando que o preconceito é sentido como descendente no país por (68%) dos inquiridos. Considerado dos países mais hospitaleiros e gayfriendly do mundo em 2019, é de reconhecer o reflexo do avanço das leis criadas no reconhecimento da universalidade dos direitos humanos no qual a comunidade LGBTI+, sem exceção, se insere.3 No entanto, o caminho para igualdade LGBTI+ é longo. O cenário do ponto de vista da realização jurídica e política das pessoas LGBTI+, está longe de ter sido alcançado. Ainda hoje, em Portugal, a desinformação relativamente aos temas da sexualidade e de género fundamenta o preconceito. Ainda hoje, passados 30 anos da OMS ter retirado a homossexualidade da lista internacional de doenças, existem profissionais de saúde no país que consideram a homossexualidade como doença, como distúrbio psicológico, passível de ser curado através das terapias de conversão sexual. Quantos de nós, não se lembra da polémica em torno de Maria José Vilaça, psicóloga visionária, que em 2016 colocava a homossexualidade como patologia passível de tratamento e conversão dos seus doentes ditos “infelizes”.4 A dádiva de sangue por pessoas LGBTI+ é também outra pescadinha de rabo na boca, na medida em que a lei não proíbe a dádiva de sangue por homossexuais ou bissexuais, mas no entanto, as queixas de pessoas que são impedidas de dar sangue pela sua orientação sexual mesmo sem terem comportamentos de risco, tem aumentado, mesmo com as reservas para grupos sanguíneos A e O em falência. Aparentemente a Publico: Portugal é o destino mais gay friendly do mundo, “mas ainda há muita homofobia” https://www.publico.pt/2019/03/01/p3/noticia/portugal-destino-gay-friendly-mundo-ha-homofobia1863917 4 Publico: Ordem vai analisar disciplinarmente "caso" da psicóloga que equipara homossexualidade a "surto psicótico" https://www.publico.pt/2019/01/11/sociedade/noticia/assfs-1857494 3 4 decisão destas dádivas estará sujeita à sensatez dos profissionais de saúde em estigmatizar ou não grupos da sociedade civil.5 Para finalizar, e ainda de acordo com as medidas de alcance positivo sugeridas pela ILGA, é sugerido a Portugal uma introdução de ´políticas públicas de asilo que contenham os fundamentos da SOGISC (orientação sexual, identidade de género, características sexuais). A homossexualidade sendo condenada sobe pena de prisão ou morte em países como Afeganistão, Irão, Nigéria, Sudão e Emirados Árabes, tornam em refugiados aqueles que para fugir a perseguições ou ameaças por meio da sua orientação sexual e identidade de género são obrigados a migrar. Sendo reconhecidas a perseguição em razão da orientação sexual e identidade de género para a concessão de asilo em Portugal, é necessário continuar a promover o debate público para que mais pessoas não corram riscos de atentado à sua liberdade quando chegam aos países de asilo, sendo que muitas das vezes leva a que sejam reencaminhadas e expulsas para os seus países de origem.6 Tendo em conta a revisão da visibilidade dos direitos LGBTI+ na Europa, do estagnamento político e jurídico de muitos dos países da EU face a estas matérias, da violência e da vergonha sentida por milhares de pessoas que todos os dias se esforçam para alcançar uma igualdade perpetuamente desigual, por todos aqueles que são perseguidos e mortos por serem considerados “desviantes” ou “doentes”, por todas as gerações que enfrentam bullying na escola por manifestarem uma identidade de género ou orientação sexual não heteronormativa, por todos os olhares de lado e comentários depreciativos na via pública, por toda a ignorância e resistência aos valores da democracia, por todo o reconhecimento ainda não alcançado às várias franjas da sociedade, da visibilidade de pessoas trans e intersexo em particular, por tudo isto e muito mais não nos devemos dar ao luxo de dar um urro de vitória, de considerar que estamos seguros, aqui, em Portugal e na Europa. Expresso: Dádiva de sangue por homens gay está num “limbo” https://expresso.pt/sociedade/202002-27-Dadiva-de-sangue-por-homens-gay-esta-num-limbo.-Grupo-que-estuda-periodo-de-abstinenciaso-deve-apresentar-conclusoes-em-junho 6 ILGA Europe: Annual Review of the Human Rights Situation of Lesbia, Gay, Bisexual, Trans and Intersex People in Europe and Central Asia https://www.ilga-europe.org/annualreview/2020 5 5 Esta pesquisa mostra-nos não só o caminho por cumprir para a execução de igualdade de direitos e oportunidades, do reforço e cooperação política face ao cumprimento dos direitos humanos mas também da pertinência e contributo do conhecimento científico para a visibilidade das desigualdades sociais e luta contra as diferentes formas de opressão disseminadas pelas tradicionais representações sociais que nos subjugam muitas vezes para uma medievalidade do ser e sentir. Bibliografia FRA: “Direitos das pessoas lésbicas, homossexuais, bissexuais e transexuais (LGBT) na União Europeia” https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/1757-FRA-Factsheet- Homophobia-Study-2010-FS1_PT.pdf [14 de Maio de 2020] FRA: A long way to go for LGBTI equality - Sex, sexual orientation and genderEquality, nondiscrimination and racism https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/fra-2020-lgbtiequality_en.pdf [14 de Maio de 2020] ILGA Europe: Annual Review of the Human Rights Situation of Lesbia, Gay, Bisexual, Trans and Intersex People in Europe and Central Asia https://www.ilga-europe.org/annualreview/2020 [14 de Maio de 2020] Webgrafia Expresso: Dádiva de sangue por homens gay está num “limbo” https://expresso.pt/sociedade/2020-02-27-Dadiva-de-sangue-por-homens-gay-esta-numlimbo.-Grupo-que-estuda-periodo-de-abstinencia-so-deve-apresentar-conclusoes-em-junho [15 de Maio de 2020] ILGA Europe: Rainbow Europe https://rainbow-europe.org/ [14 de Maio de 2020] Publico: Ordem vai analisar disciplinarmente "caso" da psicóloga que equipara homossexualidade a "surto psicótico" https://www.publico.pt/2019/01/11/sociedade/noticia/assfs-1857494 [15 de Maio de 2020] 6 Publico: Portugal é o destino mais gay friendly do mundo, “mas ainda há muita homofobia” https://www.publico.pt/2019/03/01/p3/noticia/portugal-destino-gay-friendly-mundo-hahomofobia-1863917 [15 de Maio de 2020] 7