http://dx.doi.org/10.5007/1980-3532.2014n11p132
O desmonte da universidade:
O REUNI como política de Estado no PNE (2014-2024)
The dismantling of the university:
The REUNI as a state policy in the PNE (2014-2024)
Alisson Slider do Nascimento de Paula
Mestrando em Educação (Universidade Federal do Ceará)
alisson.slider@yahoo.com
Resumo: Pretende-se no referido trabalho, analisar a política de expansão realizada pelo Programa de
Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), bem como sua nova
configuração no plano da política de Educação Superior brasileira. Destarte, buscamos verificar os novos
traços do Decreto presidencial nº 6.096/07 que estão presentes no novo Plano Nacional de Educação
(2014-2024). Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico, calcando-se em uma abordagem
qualitativa, buscando dessa forma, examinar o processo de transformação do REUNI em uma política de
Estado. Com a nova configuração da educação superior, é possível encontrar novamente a proposta do
REUNI, todavia, agora com alcance maior, indo na contramão dos trabalhadores e dos estudantes, bem
como a estrutura universitária.
Palavras-chave: Política de Estado. Política de governo. Educação superior. PNE (2014-2024). REUNI.
Abstract: It is intended in that work, analyze the policy of expansion carried out by the Support Program
for the Restructuring and Expansion of Federal Universities (REUNI) and its new setting in terms of
Brazilian higher education policy. Thus, we seek to verify the new features of Presidential Decree No.
6,096 / 07 that are present in the new National Education Plan (2014-2024). This is a bibliographic nature
of research, trampling on a qualitative approach, thus seeking to examine the process of transformation of
REUNI in a state policy. With the new configuration of higher education, you can again find the proposed
REUNI, however, now with greater range, going against the grain of workers and students, and the
university structure.
Keywords: State Policy. Government Policy. High education. PNE (2014-2024). REUNI.
Originais recebidos em: 25/03/2015
Aceito para publicação em: 17/06/2015
Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso NãoComercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported License.
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Introdução
O presente ensaio tem por objetivo analisar a política de expansão realizada pelo
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI), bem como sua nova roupagem, tendo em vista que o mesmo teve sua
finalização em 2012, quando o programa atingiu cinco anos de atividade. Com isso,
pretende-se analisar os novos traços do programa que estão novamente circulando nas
estruturas das Instituições de Educação Superior brasileira, por isso, pretendemos,
empreender uma análise acerca do novo Plano Nacional de Educação (2014-2024).
O trabalho está organizado da seguinte forma: primeiro analisaremos a política
educacional do ensino superior no contexto das contradições da crise do capital,
buscando compreender os nexos causais que acarretaram a educação que se trata de um
direito social historicamente conquistado à se tornar um nicho mercadológico na atual
fase de acumulação capitalista. Ainda, no mesmo subtítulo, apresentamos traços da
necessidade do capital em ter o Estado enquanto instrumento de seu dinamismo, para
isso discorreremos de forma passageira sobre a reforma do Estado, como também a
universitária, ressaltando políticas implementadas na gestão do governo Lula da Silva.
Posteriormente, faremos uma análise mais cautelosa do programa REUNI,
especialmente, as metas que estão no escopo de seu documento. Não pretendemos expor
traços do seu impacto na realidade das universidades federais do Brasil, pois
entendemos que apesar de relevante para um balanço crítico, este traço ultrapassa os
limites de nossa proposta, qual seja analisar o PNE 2014-2024 e identificar quais metas
do programa REUNI estão presentes no novo programa. Sendo que este último, em sua
vigência, se tratava de uma política de governo, e na atual conjuntura se mostra como
uma política de Estado, atingindo maior alcance, o que antes se restringia às IFES,
agora passa á atingir as IES de outras instâncias.
A política educacional do ensino superior no contexto das contradições
da crise do capital
O capital acarreta em sua reprodução uma expansão sem controles, em função
dos mecanismos de acumulação, que conduzem o sistema a crises recorrentes. As crises
do sistema de metabolismo de capital têm como propriedades serem crises de
superprodução, consoante a análise empreendida por Marx e Engels (2009, p. 33).
Em Debat: Rev. Dig., ISSNe 1980-3532, Florianópolis, n. 11, p. 132-144, jan-jun, 2014.
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[...] as crises comerciais aniquilam regularmente grande parte não somente
dos produtos existentes, mas também das forças produtivas já criadas. Nas
crises eclode uma epidemia social que teria parecido um contrassenso a todas
as épocas anteriores: a epidemia da superprodução.
Contudo, a crise em vigência apregoa predicados adversos dos que as anteriores,
sendo caracterizada por Mészáros (2002) como crise estrutural do capital e ativa os
limites civilizatórios do sistema sociometabólico do capital, garantido, portanto, seu
caráter regressivo-destrutivo.
Doravante uma análise da história dessa crise é identificada características
ímpares: “caráter universal; alcance global; temporalidade permanente (escala de tempo
extensa); e modo de desdobramento rastejante” (Ibidem, p. 796). Os desdobramentos da
crise se efetivam na expropriação sem precedentes dos recursos naturais, no ataque aos
direitos sociais e na flexibilização dos direitos trabalhistas, como possibilidade de
retocar as taxas de lucro do capital (ANTUNES, 2009).
A crise do sistema metabólico do capital é diagnosticada como componente
intrínseco do capitalismo, que buscou demasiados mecanismos para tentar superá-la ou
amenizá-la: a busca por novas áreas de expropriação que produza lucros e da
intensificação da exploração da força de trabalho.
Os capitalistas sistematizam instrumentos para procurar repor as taxas de lucro
do capital, como a reestruturação produtiva e as contrarreformas do Estado. Na lógica
da produção há uma tendência a uma transição do taylorismo/fordismo, que obteve
aceitação global com a produção em massa, ao toyotismo (identificado como sistema de
organização flexível e de produção por demanda), tendo seu surgimento nas fábricas
japonesas.
No contexto das contrarrreformas, a crise orienta o ideário do capital a buscarem
a realização das políticas neoliberais, assim efetivando metamorfoses na configuração
do Estado. O essencial da lógica neoliberal é averiguado, por Anderson, como:
“disciplina orçamentária, limitação dos gastos sociais, e reparo de uma chamada taxa
natural de desemprego, fomentando a expropriação dos trabalhadores doravante o
engrossamento das fileiras do exército de reserva” (ANDERSON, 1995, p. 11),
indicados como superação da crise.
De uma crise estrutural da acumulação capitalista tenta-se encobrir como
uma crise causada pelo aumento dos gastos sociais do Estado. Inclusive
culpabilizando os sindicatos por promoverem lutas por aumentos salariais e
por outros direitos trabalhistas. (NISHIMURA, 2014, p. 50).
Em Debat: Rev. Dig., ISSNe 1980-3532, Florianópolis, n. 11, p. 132-144, jan-jun, 2014.
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No cenário de crise da economia internacional da década de 1970, fruto da
superprodução de mercadorias; baixos percentuais de investimento e queda da taxa de
lucro, os postulados do Estado do Bem-Estar Social foram severamente criticados,
como também os direitos sociais foram objeto de intenso ataque, pois foram
responsabilizados pela estagflação. O ideário que consubstanciou o ataque da burguesia
internacional aos direitos sociais e aos sindicatos ficou conhecido como neoliberalismo.
Vale destacar que o neoliberalismo foi à resposta do capital diante da crise para
recuperar suas margens de lucro e relançar a economia num novo processo de
acumulação. Daí o surgimento das chamadas “reformas”1 do Estado, que visam
desobstruir o caminho para o mercado (LIMA, 2012).
A política educacional, mais precisamente a política para educação superior, as
modificações provindas da reestruturação produtiva recomendam o domínio do
conhecimento enquanto um diferencial competitivo, e este, deve tornar-se mercadoria
O próprio saber se torna uma mercadoria-chave, a ser produzida e vendida a
quem pagar mais, sob condições que são elas mesmas cada vez mais
organizadas em vases competitivas [..] A produção organizada de
conhecimento passou por notável expansão das últimas décadas, ao mesmo
tempo em que assumiu cada vez mais um cunho comercial. (HARVEY,
1999, p. 151).
No ponto de vista liberal, todos os produtos sociais possuem um elevado grau de
mercantilização. O usufruto de qualquer tipo de serviço – educação, saúde – deve
equivaler a uma contrapartida em forma de pagamento, isto é, deixam de ser direitos
para se tornarem produto. De acordo com Marinho (2006), a universidade expõe um
novo tipo de formação, na qual a procura pela verdade não é mais o objetivo
fundamental da pesquisa, todavia antes a procura do desempenho. A verdade passa a ser
erigida e manipulada, pois, na busca de facilidade o critério científico passa a ser o da
eficácia e do baixo custo.
Uma das estratégias político-ideológicas utilizadas pelos governos no
processo de construção da hegemonia neoliberal tem sido a apropriação de
históricas bandeiras defendidas por setores progressistas. Este é o caso da
crítica ao caráter elitista das universidades públicas brasileiras. Não obstante,
ao aludir aos supostos privilégios do ensino universitário público no Brasil,
os ideólogos neoliberais, longe de buscar sua real democratização, pretendem
ocultar – por meio de ações pretensamente “inclusivas” e
desenvolvimentistas – a natureza perversa e regressiva de suas propostas e,
sobretudo, atrair o apoio dos setores populares. Na luta ideológica e teórica é
preciso decifrar os interesses em jogo e os reais alcances das políticas, sob
pena de apoiarmos mudanças e reformas que justamente reforçam e
No artigo, usaremos os termos “reformas” e contrarreformas para afirmar que na realidade foram
realizadas contrarreformas pois efetivaram a retirada de direitos sociais e não sua ampliação.
1
Em Debat: Rev. Dig., ISSNe 1980-3532, Florianópolis, n. 11, p. 132-144, jan-jun, 2014.
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aprofundam as características mais negativas e perversas que se esperava
superar (TRÓPIA, 2009, p. 01).
Se tratando das recomendações dos organismos internacionais para a política
educacional dos países de capitalismo dependente situam-se a arrefecimento do gastos
públicos; passagem das unidades do setor estatal para o setor privado; avaliação das
instituições; primazia para financiamento público de instituições privadas em prejuízo
da expansão ou criação de novas instituições públicas de ensino superior;
desregulamentação das instituições públicas (VELLOSO apud CASTRO, 2008).
Consoante Netto (1996, p. 100), “as corporações transnacionais, o grande
capital, implementaram a erosão das regulações estatais visando claramente à liquidação
de direitos sociais”. Com isso, o arrefecimento do gasto público advogado pela
perspectiva neoliberal orienta a caracterização e a gestão da política educacional,
fundamentos como a descentralização e a focalização colaboram para qualitativamente
para a educação seja abandonada pelo poder público (CASTRO, 2008). Dessa forma, há
uma diminuição das responsabilidades do Estado na prestação direta de serviços sociais
e um aumento do mercado privado em áreas como a educação.
Junto a isto acontece o “processo de mercadorização” (NOGUEIRA, 2005, p. 8),
isto é, uma evolução do mercado privado em áreas como a educação, metamorfoseando
direitos em serviços.
Destarte, a contrarreforma do Estado acende a contração do espaço público
democrático dos direitos e aumenta o espaço privado não apenas onde isso seria
esperado, nas atividades relacionadas à produção econômica, mas também onde não é
aceitável, no campo dos direitos sociais conquistados (CHAUÍ, 1999). É neste contexto
que se implanta a contrarreforma do ensino superior conduzida por uma perspectiva
liberal de abatimento da esfera estatal e de fortalecimento das iniciativas privadas.
Esta reforma gerou a localização da educação no setor de serviços não
exclusivos do Estado acarretando consigo duas principais implicações:
a) educação deixou de ser concebida como um direito e passou a ser
considerada um serviço; b) a educação deixou de ser considerada um serviço
público e passou a ser considerada um serviço que pode ser privado ou
privatizado (CHAUÍ, 2003, p. 6).
Consideramos que a política educacional, em especial a política para educação
superior, com as metamorfoses advindas da reestruturação produtiva indicam o domínio
do conhecimento como um elemento competitivo que se sobressai de modo diferencial,
e este, deve ser metamorfoseado em mercadoria.
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O próprio saber se torna uma mercadoria-chave, a ser produzida e vendida a
quem pagar mais, sob condições que são elas mesmas cada vez mais
organizadas em vases competitivas [..] A produção organizada de
conhecimento passou por notável expansão das últimas décadas, ao mesmo
tempo em que assumiu cada vez mais um cunho comercial. (HARVEY,
1992, p. 151).
Com as mudanças advindas da crise estrutural do capital, bem como o
movimento empreendido pela lógica neoliberal em que se prevalece o padrão de
acumulação por despossessão, estabelece no Brasil um novo bloco hegemônico
(agronegócio, setor financeiro e o setor de exportador de commodities). Esse novo bloco
hegemônico têm interesse na educação básica em função de ser mais barata e mais
rentável, na concepção do retorno do investimento, consoante o BM (WORLD BANK,
1995). Também afina-se às estratégias com a recusa e desmonte da universidade, isto é,
do denominado “modelo europeu de universidade”, marcado pelo tripé indissociável
(ensino, pesquisa e extensão), além da “ [...]diversificação das fontes de custeio da
educação pública e da diferenciação de instituições, permitindo que o BM encaminhe a
sua agenda como sendo a dos setores dominantes locais e vice-versa” (BARRETO;
LEHER, 2008, p. 431). Nessa acepção, as relações que envolvem a burguesia
internacional e as frações locais empreendem uma investida contra a universidade.
Dessa forma, Conforme os autores,
[...] os marcos normativos mais amplos que vêm reconfigurando a
educação superior brasileira são fortemente congruentes com os
documentos do banco [...] A primeira geração compreende o período de
"reformas" da Constituição Federal brasileira, em particular: a emenda
constitucional n. 19, de 4 de julho de 1998, que dispõe sobre a reforma
administrativa (parte estrutural da reforma do Estado), modificando também
o inciso V do art. 206, e a proposta de emenda constitucional n. 370, que
pretendeu alterar o estatuto da autonomia universitária, deslocando-a para o
nível infraconstitucional. Parte dos objetivos bancomundialistas já fora
obtida na própria Constituição de 1988, em especial no art. 209 ("o ensino
é livre à iniciativa privada"), por ação de uma burguesia de serviços em
ascensão. A segunda geração corresponde ao processo de elaboração da nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei n. 9.394/96) e do
Plano Nacional de Educação (PNE, lei n. 10.172/01), dispositivos que
decididamente incentivam a diferenciação das instituições de ensino superior
e abrem caminho para a proliferação de cursos à distância. Finalmente, a
terceira geração corresponde a um complexo de medidas que articula
avaliação, diretrizes curriculares, competências, empregabilidade, inovação
tecnológica, TIC, sociedade da informação/conhecimento etc., operando a
comodificação da educação de modo orgânico com o padrão de
acumulação que prevaleceu no país. (Ibid.).
Nesse sentido, partimos para uma análise da política do governo Lula para o
ensino superior, a qual teve inicio com a organização de um Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI) designado de analisar o caso do ensino superior no Brasil e
apresentar um plano de ação (Otranto, 2002). A evidência efetivada pelo grupo acerca
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da educação superior, principalmente no que tange as Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES), era catastrofista, dada a crise fiscal do Estado e a suposta incapacidade
do Estado brasileiro de realizar novos investimentos. Esta crise não se limitava somente
às Instituições Federais de Educação Superior, mas também às instituições privadas,
que, em virtude do alargamento inédito ao longo do governo FHC, naquele contexto se
localizavam “ameaçadas pelo risco de uma inadimplência generalizada” (Carvalho,
2006, p. 5) e pela grande desconfiança em face à qualidade da formação e aos diplomas.
A urgência na adoção de medidas justificar-se-ia em função da meta de
expansão de 30% das vagas no ensino superior – expansão acordada pelo
Brasil e os Organismos Internacionais e definida como meta pelo Plano
Nacional de Educação. Assim, sob o discurso de justiça social e de
democratização do ensino superior, o GTI apresentaria as seguintes soluções
para enfrentar a crise: a criação de um programa emergencial de apoio ao
ensino superior, especialmente às universidades federais, e a realização de
uma Reforma Universitária mais profunda. Esta reforma teria que perseguir
quatro objetivos: ampliação do quadro docente e de vagas para estudantes,
educação à distância, autonomia universitária e mudança na política de
financiamento (contenção de gastos com folha de pagamento e a entrada de
recursos privados na IES). (TRÓPIA, 2009, p. 4).
Esta evidência efetivada pelo GTI e as ações indicadas foram, com breves
modificações, inseridas às versões do Anteprojeto de Reforma Universitária. Ao
direcionar os anteprojetos para conhecimento, bem como discussão pública, o governo
Lula da Silva tratou de cumprir um papel crucial no processo de disseminação
ideológica, ao passo que pôde verificar a reação de como as propostas seria recebidas.
Neste processo, alguns temas serviram como uma espécie de termômetro
para o Ministério da Educação, tais como: a redução do papel do Estado a
agente avaliador e regulador do ensino superior, o aumento da participação
da sociedade – leia-se mercado – na definição dos projetos e investimentos
públicos (parceria público-privada), a adoção de medidas afirmativas e de
uma política de cotas para compensar o elitismo do ensino superior, o
financiamento público para IES particulares e a flexibilização do sistema de
ensino superior. Vulgarizada como uma medida democrática pelos seus
proponentes, os anteprojetos de lei ocultariam objetivos conservadores e
regressivos. (Ibidem).
De acordo com o ANDES-SN, os verdadeiros objetivos da Reforma
Universitária – sob o aspecto ilusório de restaurar as IPES, bem como tornar o setor
privado regulamentado e ainda realizar a democratização ao acesso ao Ensino Superior
– seriam:
[...] privatizar o sistema federal de ensino superior; restringir a autonomia das
universidades públicas apenas à liberdade de captar recursos financeiros;
garantir a total autonomia das IES privadas; condicionar o repasse dos
recursos ao desempenho (daí a importância do SINAES); cortar recursos,
transferir aposentados e pensionistas da folha de pagamento das
universidades para o Tesouro Nacional e captar recursos na iniciativa privada
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por meio das Fundações (daí as Parcerias Público-Privadas); e, finalmente,
abrir para o capital internacional o ensino superior brasileiro. (Idem, Ibidem).
Paralelo ao processo em que as pressuposições e as versões do anteprojeto de lei
eram discutidas por setores da sociedade brasileira, a política estatal para a Educação
Superior era concomitantemente executada. As ações políticas essenciais para a
Educação Superior no primeiro mandato de Lula da Silva foram: a implementação do
ProUni, o Sinaes, a Lei de Inovação Tecnológica, a instituição da modalidade EaD e as
Parceria Público-Privadas.
A publicação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com a
decorrente criação do programa REUNI, da Universidade Aberta, e também do Banco
de professores-equivalente consolidam as medidas direcionadas ao desmanche do
padrão da universidade pública brasileira e sua metamorfose por diversas formas de
formação superior.
A partir do ano de 2007, disseminou-se a ideia de que o padrão de universidade,
calcado no tripé indissociável articulado por ensino, pesquisa e extensão, é caro, e está
em estado de falência, portanto, precisando ser diversificado. Tal diversificação teve
consagração através do Decreto 2.207/97, regulamentando, dessa forma, o sistema
federal de educação e engendrou cinco modelos de Instituições de Educação Superior.
Com essas proposições em andamento, os modelos de curso de graduação que possuem
a tendência em se expandir serão os de graduação mais curta, profissionalizante e
generalista (ANDES, 2007). Os condicionantes desta tendência estão alocados na fase
contemporânea de desenvolvimento do modo de produção capitalista, bem como da
divisão internacional do trabalho, que determina, aos países subdesenvolvidos, o lugar
de consumidores ao invés de produtores de ciência e tecnologia (Neves, 1999).
Destarte, passemos agora às ações estatais para o ensino superior. Buscaremos,
deste modo, lançar olhos sobre o programa REUNI, e faremos uma análise do programa
REUNI no tópico subsequente, procurando empreender um balanço de como procedeu
sua implementação no interior das Universidades Federais, bem como seu
ressurgimento no documento do Plano Nacional de Educação 2014-2024.
O programa REUNI2 no PNE 2014-2024 – de decreto presidencial nº
6.096/2007 à lei nº 13.005/2014
2
Programa de Apoio a Panos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais.
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Verificando em linhas diretas o Decreto nº 6096/2007, que institui o Programa
de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI),
alocado para exame das IFES advém “com o objetivo de criar condições para a
ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo
melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas
universidades federais.” (Art. 1º). Em verdade, se trata de um ‘convite’ à expansão e a
reestruturação, com uma solicitação fascinante, resumido no Artigo 6º que estabelece:
“A proposta, se aprovada pelo Ministério da Educação, dará origem a instrumentos
próprios, que fixarão os recursos financeiros adicionais destinados à universidade,
vinculando os repasses ao cumprimento das etapas”. Ressaltando, também que o
programa
Tem como meta global e elevação gradual da taxa de conclusão média dos
cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de
alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao
final de cinco anos, a contar do início de cada plano (BRASIL, 2007, art. 1º,
§ 2º).
As metas estabelecidas não condizem com a realidade dos recursos direcionados
ao programa, “limitado a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal da
universidade, no período de cinco anos de que trata o art. 1º, § 1º.” (BRASIL, art. 3º, §
1º) e condicionado “à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da
Educação.” (BRASIL, 2007, at. 3º, § 3º). Ainda, ao determinar como meta a taxa de
conclusão média dos cursos de graduação em 90%, falseia a realidade, abrindo até uma
significativa distancia dos padrões internacionais, pois a taxa da OCDE é de 70%
(LEHER, 2010).
A meta 18:1 na relação professor e aluno tratou-se de uma meta extremamente
preocupante, pois faz alusão às IES privadas que, em sua ampla maioria, não
desenvolvem pesquisa e extensão, e situa-se em um verdadeiro cenário de precarização
do trabalho docente já instalado nas IFES, de limitada possibilidade novos concursos e
ingressos de docentes (LHER, 2010).
O REUNI também atualizou, bem como realizou a ideia do contrato de gestão,
tão ambicionada por Cardoso e Bresser Pereira, o que representa a interferência direta
na autonomia da universidade e em seu caráter social.
Com a conclusão do programa REUNI em 2012, cenários catastróficos se
estabeleceram nas universidades federais no Brasil. No entanto, o REUNI ressurge com
uma nova roupagem, ele surge como meta do Plano Nacional de Educação 2014-2024,
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em um contexto de corrosão da educação superior brasileira, em que cortes de recursos
para o Ministério da Educação, bem como para as universidades são determinado pelo o
então ministro Cid Ferreira Gomes.
Desde 2011, estava em andamento a proposta do novo PNE – Projeto de Lei
8.035/2010, exposto pelo governo Dilma. Um projeto muito polêmico, que vivenciou
discussões, debates e conferências. Todavia, apenas em 2014 o PNE veio ser
implementado pela Lei nº 13.005/14 (BRASIL, 2014). O atual PNE traça 20 metas e
uma série de estratégias para a educação brasileira nos próximos 10 anos. Uma
apreciação mais meticulosa desvela que este documento procura organizar os principais
projetos educacionais instituídos desde 2004 pelo governo Lula da Silva.
Verificando o PNE 2014-2024, é possível notar a presença de vários senão
todos, os aspectos teórico-metodológicos analisados anteriormente. A compreensão de
avaliação que está subjacente tem possui um cunho de regulação e controle como
também de confirmação à desqualificação dos processos de formação humana ou a sua
minimalização, doravante, o modelo de competências calcado em habilidades e atitudes
solicitadas pelos novos modelos de trabalho e de consumo que se traduz em
instrumentalismo.
Percebemos que as sugestões têm alusão na defesa à sociedade do conhecimento
do século XXI, conferindo à educação novos parâmetros, bem como novos postos para,
possivelmente, possibilitar aos alunos e docentes, seguirem os avanços tecnológicos e
desafios dos “novos tempos”. Tal antecipação foi empregada para encher o imaginário
político, construir consensos sociais e corroborar as metamorfoses propostas doravante
a década de 1990. Aos professores e gestores, não abrem opção a não ser efetivar o
programa centrado na “sociedade de informação” (DELORS, 1996). Esse futuro
abandona o passado e nega o próprio presente. Prevalece nos documentos uma
antecipação irrealista, residida pela certeza de um final feliz, impunemente (SHIROMA;
EVAGELISTA, 2004).
A despeito das metas que tratam especificamente do ensino superior, as metas
12, 13 e 14 abordam, respectivamente,
[...] da elevação da taxa de matrícula neste nível de ensino, da qualificação do
corpo docente e da elevação do número de matrículas na pós-graduação
stricto sensu (mestrado e doutorado). As estratégias para alcançar as metas do
PNE estão relacionadas com as metas de expansão e reestruturação políticopedagógica do REUNI; a expansão do FIES, para a graduação e a pósgraduação stricto sensu, inclusive a distância; o aperfeiçoamento do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes); e a ampliação do
Em Debat: Rev. Dig., ISSNe 1980-3532, Florianópolis, n. 11, p. 132-144, jan-jun, 2014.
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Ensino a Distância/EAD através da Universidade Aberta do Brasil/UAB.
(LIMA, 2015, p. 41-42).
As táticas para atingir as metas da expansão da Educação Superior no novo
Plano Nacional de Educação estão vinculadas com as metas do REUNI. No Plano (Lei
13.005/14), O REUNI deixa de ser uma política de governo e passa a ser uma política
de Estado, ignorando as críticas à precária expansão realizada nas universidades federais
(ANDES/SN, 2013; 2013ª). As metas fundamentais do REUNI estão nas metas do novo
PNE para a Educação Superior, dando ênfase no aprimoramento da capacidade instalada
da infraestrutura; o aumento do índice de conclusão média dos cursos para 90%; o
aumento significativo da relação professor/aluno; e a efetivação de estratégias de
aproveitamento de créditos e de inovações acadêmicas, eixos estruturantes do Decreto
nº 6.096/07 (BRASIL, 2007).
Alegamos que, com o REUNI finalizado, e agora ressurgi enquanto uma política
mais ampla e abrangente, como política de Estado, é possível alertar e questionar sobre
a precarização das universidades públicas brasileira, sendo que as mesmas já se
encontram em cenário de puro descaso, ainda, como fica o financiamento quando o
governo Dilma Rousseff efetivou corte no repasse de verbas para a Educação Superior?
Os professores continuarão no cenário de precarização e intensificação do trabalho?
Tais problemas merecem atenção, pois no cenário de corrosão do ensino superior
brasileiro, é primaz que um contraponto organizado pelos trabalhadores da educação
surja como estratégia oposta ao PNE (2014-2024).
Considerações finais
Com a nova configuração da educação superior a partir do PNE (2014-2024), e
em uma de suas metas globais se encontra novamente a proposta do REUNI, todavia
agora com alcance maior. Assim, é preciso direcionar críticas a esse modelo de
educação que vai na contramão dos trabalhadores e dos estudantes, bem como a
estrutura universitária, pois o REUNI introduziu o contrato de gestão nas instituições
federais de ensino superior, ferindo a autonomia universitária; apostou numa expansão
sem qualidade, em um contexto de precarização do trabalho docente e de liquidação da
herança humboldtiana.
Consideramos que estamos em uma nova fase da histórica disputa entre
concepções antagônicas de educação e de universidade. Fazemos, assim, referência a
reivindicação da professora Kátia Lima, é preciso retomar os princípios do Plano
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Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira; reivindicar o investimento
dos 10% do PIB para a educação pública, já.
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