RENNAN GUSTAVO ZIEMER DA COSTA
FOMENTO À CULTURA: ANÁLISE DA LEI ROUANET
Monografia
apresentada
ao
curso
de
Especialização em Direito Administrativo
Aplicado do Instituto de Direito Romeu Felipe
Bacellar.
Orientadora: Profa. Dra. Adriana da Costa
Ricardo Schier.
CURITIBA
2016
I
II
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................................................. IV
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 1
1 CULTURA E DIREITO ..................................................................................................................... 4
1.1 CULTURA ................................................................................................................................... 4
1.2 HISTÓRICO DO DIREITO FEDERAL .................................................................................... 6
1.3 BENS CULTURAIS E CULTURA POPULAR ........................................................................ 9
1.4 EVENTOS E MERCADO CULTURAL.................................................................................. 11
1.5 POLÍTICA NACIONAL DE CULTURA E SISTEMA NACIONAL DE CULTURA ........... 15
2 INTERVENÇÃO DO ESTADO NOS DOMÍNIOS ECONÔMICO E SOCIAL......................... 19
2.1 PLANEJAMENTO .................................................................................................................... 19
2.2 ATUAÇÃO DIRETA E REGULATÓRIA................................................................................ 22
2.3 TERCEIRO SETOR................................................................................................................. 26
2.4 FOMENTO ................................................................................................................................ 30
2.5 REGIME JURÍDICO DAS PARCERIAS E CONVÊNIOS .................................................. 33
3. FOMENTO À CULTURA .............................................................................................................. 39
3.1 LEI ROUANET ......................................................................................................................... 39
3.2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ...................................................................... 43
3.3 FUNDO NACIONAL DE CULTURA: RECURSOS NÃO-REEMBOLSÁVEIS ................ 47
3.4 MECENATO ............................................................................................................................. 50
3.5 FICART’S, EMPRÉSTIMOS REEMBOLSÁVEIS E INVESTIMENTOS .......................... 56
CONCLUSÕES................................................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 64
III
RESUMO
A monografia analisa a legislação federal de fomento à cultura, buscando a definição
jurídica adequada para esta atividade e discorrendo acerca das normas pertinentes.
Para fins de fomento público, as produções culturais podem ser classificadas em bens
culturais, cultura popular, erudita e de massas. A atuação estatal deve ser planejada
para atender cada seguimento e articulada entre os entes federativos e a sociedade.
Aborda-se a questão do planejamento e da intervenção do Estado nos domínios
econômico e social, analisando os três setores da economia. Para tanto, faz-se
considerações gerais sobre a atividade administrativa de fomento, atentando-se para
o instrumento jurídico genericamente designado convênio em suas diversas
denominações e modalidades. Sabendo-se que a liberdade de expressão e a livre
iniciativa imperam na atuação privada na cultura, analisa-se com profundidade a Lei
Rouanet e normas infralegais, discorrendo-se sobre o funcionamento do Fundo
Nacional de Cultura - FNC, dos fundos de investimento cultural e artístico – FICARTs
e do mecenato federal via deduções fiscais. Defendendo o adequado exercício do
poder discricionário na área cultural, que deve sempre buscar o interesse público, são
tecidas críticas à normativa atual e propostas soluções aos problemas encontrados.
Também se procede à comparação das disposições vigentes com as previstas no
projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado
Federal que substituirá a Lei 8.313/1991.
Palavras-chave: Cultura. Planejamento. Fomento. Lei Rouanet.
IV
1
INTRODUÇÃO
A pesquisa tem por objeto o estudo da atividade administrativa de fomento à
cultura. Para tanto, inicialmente buscou-se diversas definições sobre o conceito de
cultura. Destacam-se as concepções sociológica, que tem um viés voltado às artes, e
a antropológica, que é mais ampla e acrescenta as tradições, costumes, línguas,
história e diversas outras expressões.
A definição de cultura é tarefa árdua e de difícil obtenção de consenso.
Contudo, a Administração precisa optar por um dos significados para poder orientar o
cumprimento do dever estatal de incentivo ao setor.
A cultura foi elevada à categoria de direito fundamental pelo artigo 216 da
Constituição e, ainda que não seja garantido mediante prestação de serviço público,
o Estado não pode se abster de disponibilizar a infraestrutura necessária e fomentar
a atuação privada.
A política cultural no Brasil foi marcada historicamente pela ausência de apoio
estatal, autoritarismo e instabilidade dos programas de incentivo. Apenas com a
Constituição de 1988 a cultura alcançou o destaque jurídico equivalente à sua
relevância social.
Optou-se por analisar apenas a legislação federal, com foco específico na Lei
Rouanet, em razão da grande influência exercida pela legislação federal nas demais
esferas, apesar de os estados e municípios possuírem liberdade para criar
mecanismos distintos.
No primeiro capítulo do trabalho são elencadas diversas leis federais de
relevância para a cultura. São traçadas considerações sobre bens culturais, cultura
popular e atividades culturais profissionais.
Recentemente, foram realizadas reformas na Constituição dispondo sobre a
criação do Sistema Nacional de Cultura e instituição da Política Nacional de Cultura,
que dependem de regulamentação legal.
No segundo capítulo, são expostas premissas jurídicas para a análise do
fomento à cultura. Discorre-se sobre a importância e a natureza jurídica do
planejamento estatal e sua importância para a promoção das políticas públicas
culturais.
2
Para tanto, é necessário traçar as atribuições do Estado, a atuação direta
mediante prestação de serviços públicos, o exercício do poder de polícia e a
intervenção em atividade econômica em sentido estrito para se delimitar os limites da
atuação pública na área da cultura.
Aborda-se também o terceiro setor, sua importância para o desenvolvimento
social do país e os diversos instrumentos jurídicos que permitem o apoio estatal. São
tecidas considerações sobre o fomento em geral, tendo em vista que a cultura é
atividade exercida em regime de livre iniciativa e que o Estado tem dever de apoiá-la
das diversas maneiras permitidas pelo ordenamento jurídico.
É estudado o regime jurídico das parcerias com a sociedade civil, os
convênios e os diversos instrumentos jurídicos de variadas denominações, mas que
tem por objetivo fomentar atividade considerada de interesse público.
Os incentivos realizados geralmente mediante repasses de recursos
beneficiam entes estatais menores, órgãos, entidades da administração pública
indireta, terceiro setor, pessoas físicas e jurídicas com fins lucrativos. O apoio estatal
se dá tanto para a preservação de bens culturais quanto para a promoção da cultura
popular, erudita e de massas.
Então, no terceiro capítulo, procede-se à análise com profundidade da Lei
Rouanet, do seu decreto regulamentar e de outras normas infralegais, explicando o
funcionamento do Fundo Nacional de Cultura - FNC, dos fundos de investimento
cultural e artístico – FICARTs e do mecenato federal via deduções fiscais.
Discute-se o poder discricionário e a necessidade de melhor promoção do
interesse público com os recursos disponíveis, tendo sempre por parâmetro as
prioridades e objetivos estabelecidos na lei e a conformidade com o planejamento
estatal.
São analisados cada um dos mecanismos de incentivo à cultura previstos na
Lei Rouanet, tecendo-se críticas à normativa atual e propondo soluções aos
problemas encontrados.
Também se procede à comparação das disposições vigentes com as
previstas no projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados e em tramitação no
Senado Federal que substituirá a Lei 8.313/1991.
Conclui-se que atualmente o setor mais carente de apoio é o das pequenas
empresas que exercem atividade cultural. Por possuírem finalidade lucrativa não
3
conseguem recursos do Fundo Nacional de Cultura. De outro lado, encontram
dificuldades na captação de recursos com patrocinadores, porque não conferem
grande retorno publicitário para as marcas, e em razão da burocracia envolvida na
obtenção do fomento.
4
1 CULTURA E DIREITO
1.1 CULTURA
Cultura não é um conceito unívoco e, portanto, para a adequada compreensão
da expressão é necessário discorrer sobre seu significado. A cultura é direito
assegurado pelo artigo 215 da Constituição Federal, fundamental para a construção
da cidadania, inclusão social e valorização dos costumes populares.
O direito à cultura é um direito fundamental “fora do catálogo”, submetendose ao respectivo regime jurídico de aplicabilidade imediata e protegido como cláusula
pétrea1.
Bernardo Novais da Mata MACHADO explica que há principais correntes
acerca do significado da cultura: “(i) cultura humana, em sentido geral, (modo de vida)
e universal; (ii) culturas humanas em sentido geral, mas referentes a distintos grupos
situados no tempo e no espaço; e (iii) cultura como o conjunto de atividades
intelectuais e artísticas (ciência e arte)”2.
Surgiu na França do século XVIII a concepção universalista de cultura, que
seria um estado de espírito cultivado, “associada às ideias de progresso, educação,
evolução” sob a perspectiva do indivíduo3.
Sob o aspecto sociológico, que mais se aproxima do senso comum, cultura é
vista sob o viés artístico, “...é um circuito organizacional que estimula a produção, o
consumo e a circulação de bens simbólicos e evolve um conjunto variado de
demandas profissionais, econômicas, políticas”4.
1
MARTINS, Natália Luiza Alves; CUNHA FILHO, Francisco Humberto. O pretendido Sistema
Nacional de Cultural (SNC) em contraste ao Sistema Nacional do Meio Ambiente. [Revista Direitos
Culturais. Santo Ângelov. 4, n. 7, p. 185-204, jul./dez. 2009]. Disponível em:
<http://srvapp2s.urisan.tche.br/seer/index.php/direitosculturais/article/view/233>. Acesso em 01 jun.
2016, p. 188.
2 MACHADO, Bernardo Novais da Mata. Os direitos culturais na Constituição brasileira: uma análise
conceitual e política. [In: CALABRE, Lia (org.). Políticas culturais: teoria e práxis. Rio de Janeiro:
Fundação Casa de Rui Barbosa, 2011]. Disponível em: <http://bit.ly/1XJXwUK>. Acesso em 30 maio
2016. p. 104.
3 PEDRA, Layno Sampaio. Democracia e fomento à cultura: uma análise do fundo de cultura da
Bahia. [Salvador, 2013. 188 f. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade) – Instituto de
Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Universidade Federal da Bahia]. Disponível
em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/13261>. Acesso em 15 maio 2016. p. 25.
4 Idem.
5
A noção antropológica, de acordo com Layno Sampaio PEDRA, é mais
complexa e mais democrática. É vista como modo de vida de um povo5.
A cultura, no amplo conceito antropológico, é o elemento identificador das sociedades
humanas e engloba tanto a língua na qual o povo se comunica, conta suas histórias e faz
seus poemas, como a forma como prepara seus alimentos, o modo como se veste e as
edificações que lhe servem de teto, como suas crenças, sua religião, o saber e o saber fazer
as coisas, seu direito. Os instrumentos de trabalho, as armas e as técnicas agrícolas são
resultado da cultura de um povo, tanto quanto suas lendas, adornos e canções. Caracterizam
a cultura carajá as formas simétricas que ornamentam suas estatuetas e seus corpos, assim
como o povo catalão é identificado com Dali, Miró e Gaudy6.
A definição da cultura é uma tarefa difícil, que muitas vezes se faz de maneira
negativa, excluindo de seu âmbito tudo o que é natureza intocada, ciência, tecnologia,
educação, sistemas jurídico e político, religião e esportes. O que sobra, música,
pintura, artesanato, teatro, folclore, é cultura7.
No Brasil, a definição de cultura para o sistema jurídico, segundo Francisco
Humberto CUNHA FILHO deve partir do disposto no artigo 216 da Constituição8, caput
e incisos I a V, sem prejuízo de outras disposições legais.
A cultura é um direito de todos os cidadãos, segundo o conceito de cidadania
cultural de perspectiva antropológica, que “se refere aos direitos de produzir e usufruir
da cultura, de estar informado sobre os serviços culturais, de participar das decisões
do fazer cultural, o direito à informação, à experimentação e à invenção, à formação
cultural e artística, a espaços para reflexão, debate e crítica”9.
Cabe ao Estado garantir aos cidadãos seu direitos fundamentais e condições
para que os particulares exerçam suas atividades econômicas. A formação de
5
Ibidem, p. 26.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e sua proteção jurídica. 3ª ed. Curitiba:
Juruá, 2005, p. 15.
7 CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Cultura e democracia na Constituição Federal de 1988:
representação de interesses e sua aplicação ao Programa Nacional de Apoio à Cultura. Recife, 2004.
233 f. Tese (Doutorado em Direito), Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco,
p. 35.
8 Ibidem, p. 38. Assim dispõe a Constituição: “Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas,
artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.
9 PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 38.
6
6
recursos humanos deve ser facilitada, como maestros, arranjadores, diretores teatrais,
e o acesso a insumos artísticos, como instrumentos musicais, tintas, etc10.
A cultura, além de ser um direito em si, é uma das maneiras de se garantir o
efetivo exercício do direito fundamental ao lazer e ao trabalho, assegurados pelo artigo
6º da Constituição. A finalidade do lazer pode ser entendida como a maneira de
recuperar as forças gastas pelo trabalho, seja pelo ócio quanto pelo divertimento11.
“Com efeito, o direito ao lazer não consiste apenas no descansar do trabalhador, mas
na oportunidade de aquisição de cultura e qualidade de vida, bem como na sua
recuperação física e psíquica”12.
Tratando-se de um direito fundamental ao qual a Constituição atribuiu
aplicabilidade imediata, cabe ao Estado oferecer opções de lazer 13, entre as
possibilidades se destacam na área cultural o teatro, a música, a dança, os museus.
Como se verá no decorrer da pesquisa, a atividade cultural também pode ser
compreendida sob o aspecto econômico, produtora de riquezas e geradora de
empregos para artistas, autores, técnicos, entre outros.
1.2 HISTÓRICO DO DIREITO FEDERAL
SOUZA FILHO afirma que a proteção aos bens culturais no Brasil começou a
ser discutida a partir da Semana de Arte Moderna de 192214. Diversos diplomas
legislativos foram criados após este evento.
O Estado deve garantir as condições para que a sociedade produza cultura,
seja no campo das artes ou na valorização, preservação e sustentabilidade dos bens
culturais15. A cidade de Ouro Preto foi declarada Monumento Nacional pelo Decreto
22.928/1933. Em 1937 foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
10
MELO, Osvaldo Ferreira de. Estado e cultura: notas para uma política cultural. Revista Seqüência
– Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 3, n. 5, p. 25-36, 1982, p. 30.
11 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da intervenção do Estado no domínio social. São Paulo: Malheiros,
2009, p. 128.
12 Ibidem, p. 129.
13 Ibidem, p. 132.
14 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit., p. 128.
15 SILVA, Eduardo Pordeus. Cultura e desenvolvimento humano: O papel do Estado e da sociedade
civil na consolidação da cidadania cultural. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 185,
jan./mar. 2010, p. 110-111.
7
Nacional, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, pela Lei
378/193716.
Outras legislações de importância foram a Lei dos Sambaquis ou do
patrimônio arqueológico (Lei 3.924/1961) e as leis de exportação de bens culturais
(Leis 3.924/1961, 4.845/1965 e 5.471/1968), que regulamentam a exportação bens
arqueológicos, pré-históricos, artísticos, obras de arte do período monárquico,
bibliotecas e acervos documentais17.
Também a Lei 6.513/1977 que protege áreas de interesse cultural e turístico 18.
A partir da Constituição de 1988, a proteção aos bens culturais e naturais ganhou
maior importância19.
RUBIM afirma que a atuação estatal brasileira na área da cultura foi
historicamente marcada pela ausência, autoritarismo e instabilidade. A ausência em
razão do histórico colonial em não se investir na cultura local. “O menosprezo e a
perseguição das culturas indígenas e africanas; a proibição de instalação de
imprensas; o controle da circulação de livros; a inexistência de universidades...” foram
algumas das marcas culturais da colonização que permaneceram por muito tempo
durante a república20.
O autoritarismo se explica porque várias das criações estatais surgiram em
períodos de ditaduras, que instrumentalizavam a cultura como maneira de buscar a
legitimação dos regimes. O próprio IPHAN foi criado em 1937 no governo Getúlio
Vargas.
A instabilidade da atuação política na área da cultura foi recorrente. As
políticas se limitavam a governos, sem a criação de uma efetiva política de Estado de
longo prazo21.
16
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit., p. 58.
Ibidem, p. 71.
18 Ibidem, p. 73.
19 Ibidem, p. 61.
20 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais e sociedade do conhecimento no Brasil. Revista
de Investigaciones Políticas y Sociológicas, Santiago de Compostela, Espanha, v. 7, n. 1, p. 127142, 2008, p. 128.
21 Ibidem, p. 132.
17
8
Apenas a partir da década de 80 começaram as políticas voltadas às culturas
populares, indígena e afro-brasileira22, como no caso da Fundação Cultural Palmares,
criada apenas em 1988, pela Lei 7.668/198823.
Já sob a nova Constituição, as leis de incentivo fiscais foram praticamente a
única política nacional de apoio durante as gestões do presidente Fernando Henrique
Cardoso e do ministro Francisco Weffort24.
A partir da atuação de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, o órgão começou
a dar mais importância à cultura indígena25, assim como à atuação ativa do Estado
“na formulação e implementação de políticas de cultura”26.
A ampliação da atuação se traduz na opção por um conceito grande de
cultura, dito “antropológico”. A assimilação da noção larga permite que o Estado deixe
de estar circunscrito à cultura culta (erudita) e abra suas fronteiras para outras
modalidades de culturas: populares; afro-brasileiras; indígenas; de gênero; de
orientação sexuais; das periferias; da mídia audiovisual; das redes informáticas, etc27.
Foram de grande importância a determinação da elaboração do Plano
Nacional de Cultura, pela Emenda Constitucional 48/2005, regulamentado pela Lei
12.343/2010, e do Sistema Nacional de Cultura, pela Emenda Constitucional 71/2012,
para possibilitar o planejamento de programas de médio e longo prazo 28.
Outras leis de destaque são Lei 12.761/2012, que instituiu o vale cultura,
benefício a ser concedido pelo empregador aos seus empregados mediante
concessão de R$ 50,00 mensais em cartão magnético a ser utilizado com produtos
culturais previamente cadastrados. A lei institui benefício fiscal para as empresas que
aderirem ao Programa de Cultura do Trabalhador.
Lei 12.933/2013 que instituiu em nível nacional o benefício de meia entrada
em espetáculos para estudantes, jovens de baixa renda de até 29 anos e deficientes.
22
Ibidem, p. 130.
Idem.
24 PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 53.
25 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais e sociedade..., p. 132. Apenas a partir da
gestão do Ministro Gilberto Gil que a cultura passou a ser tratada pelo Estado pelo seu viés
antropológico, além das linguagens artísticas. PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 26.
26 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais do governo Lula/Gil: desafios e enfrentamentos.
Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 183-203, jan./jun. 2008,
p. 194.
27 Ibidem, p. 195.
28 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais e sociedade..., p. 133.
23
9
Também são relevantes a Lei do Audiovisual (Lei 8.685/1993) e a Política
Nacional do Cinema (Medida Provisória 2.228-1/2001), que neste setor específico são
mais abrangentes que a Lei Rouanet, pois abarca longas metragens, entre outras
particularidades.
A Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998) que assegura direitos patrimoniais
e morais aos criadores de obras intelectuais e artísticas, transmissão a herdeiros e
cessão de direitos patrimoniais.
A Política Nacional de Cultura Viva (Lei 13.018/2014) que objetiva apoiar
instituições da sociedade sem fins lucrativos para o fim de estabelecer pontos de
referência, principalmente em regiões com menos acesso cultural, mediante
aprovação de projetos e repasse de verbas.
Pela Medida Provisória 726/2016, o Presidente Michel Temer extinguiu o
Ministério da Cultura, transformando-o em secretaria. Porém, após grande comoção
popular, em particular da classe artística, onze dias depois foi recriado pela Medida
Provisória 728/2016.
Na sequência, serão analisados o planejamento das políticas culturais e as
áreas que mais podem se beneficiar do fomento à cultura, quais sejam: manutenção
de bens de valor cultural reconhecido, apoio às manifestações populares e o mercado
cultural.
1.3 BENS CULTURAIS E CULTURA POPULAR
Os estados e a comunidade internacional vêm se organizando para garantir a
proteção do meio ambiente natural e cultural29. A proteção dos bens culturais é
evidentemente uma forma de tutela de interesses coletivos30.
Por vezes, a proteção ao patrimônio cultural implica limitações ao direito à
propriedade, como no caso da Lei do Tombamento (Decreto-Lei 25/1937)31. Ao intervir
neste direito fundamental, a atuação estatal não impede seu exercício, mas apenas
conforma seu uso de maneira a garantir a proteção do bem que a Administração
Pública considera relevante32. Carlos Frederico Marés de SOUZA FILHO defende que
29
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Op. cit., p. 17.
Ibidem, p. 18.
31 Ibidem, p. 19.
32 Ibidem, p. 24.
30
10
o tombamento é uma expressão da função social da propriedade como mecanismo
de proteção ao patrimônio cultural33.
A proteção estatal sobre os bens culturais deve se dar apenas sob
determinados bens, pois se fosse uma proteção generalizada, que impedisse qualquer
tipo modificação, estaria se impedindo o próprio desenvolvimento e evolução cultural
da sociedade, pois a possibilidade de mudanças também integra a cultura34.
O interesse público é que o bem cultural seja preservado35. A proteção pode
se dar por iniciativa do particular, que protege às suas próprias custas determinado
bem ou tradições que entende relevantes, ou por iniciativa estatal.
A preservação de bens materiais de valor cultural se dá tanto quanto a bens
imóveis quanto a bens móveis, como obras de arte ou documentos com valor
histórico36. A coisa móvel tombada não pode ser destruída nem sair do país sem
autorização do órgão responsável37.
Para garantir a fruição desses bens pela população, é importante que prédios
históricos sejam preservados e restaurados e que bens móveis sejam expostos em
museus, por exemplo. Em ambas as hipóteses, a Lei Rouanet oferece benefícios ao
proprietário.
Há também os bens culturais intangíveis, que representem um hábito popular,
como vestimentas e alimentos, que podem ser utilizados e consumidos, ou obras de
arte que independam do suporte físico para merecerem proteção, como obras
literárias ou partituras, que podem ser reproduzidos em papel ou forma eletrônica38.
Dentre os bens socioambientais, destacam-se os culturais, ou históricos, artísticos,
arqueológicos, etnográficos, paisagísticos, bibliográficos. Estes bens tem a característica de
estarem vinculados a fatos da história ou terem excepcional valor arqueológico, etnográfico,
bibliográfico, artístico ou, ainda, serem portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Estes bens, individuados,
formam um conjunto que é o patrimônio cultural, do Município, do Estado, da Nação ou da
Humanidade39.
33
Ibidem, p. 27.
Ibidem, p. 21.
35 Ibidem, p. 23.
36 Ibidem, p. 37.
37 Idem.
38 Sobre esse tema, SOUZA FILHO menciona a Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultural
imaterial da Unesco. Ibidem, p. 41 e 48-49.
39 Ibidem, p. 35.
34
11
Não se desconhece que cabe ainda a entidades estatais a necessária
vigilância no sentido de que seja evitada a apropriação comercial do patrimônio
popular. É dever do Estado apoiar a produção artesanal e manifestação folclórica,
que, além das vantagens culturais, podem trazer imediatos benefícios econômicos
para a vida comunitária40.
A diversidade cultural brasileira é um valor a ser preservado, principalmente
porque o Brasil é um dos poucos países que sente a diferença como vantagem 41. A
primeira vez que as culturas indígenas foram objeto de políticas pelo Ministério da
Cultura foi na gestão Gilberto Gil, destacando-se o Festival do Índio Brasil e a Mostra
Brasil Indígena42.
A cultura popular que forma a identidade cultural de um povo é um processo
natural, é a matéria-prima da arte. Seu contraponto é a cultura erudita, que “é
direcionada a um pequeno grupo designado como elite cultural”43.
1.4 EVENTOS E MERCADO CULTURAL
Além das expressões populares e dos bens de valor histórico, destacam-se
na cultura as manifestações artísticas de música, teatro, dança, festivais, etc,
produzidas de maneira amadora ou profissional, com ou sem finalidade lucrativa.
Cultura de massa e indústria cultural podem sem entendidas como sinônimos
e se desenvolveram principalmente pelo surgimento do rádio, televisão, cinema e pela
invenção de suportes materiais reproduzidos em escala industrial, como livros e
discos44, e imateriais, como a internet. De acordo com MACHADO, a distinção entre
cultura erudita, popular e massiva permanece válida.
entende-se por indústria cultural o campo de produção cujo principal objetivo é obter
rentabilidade econômica (lucro); para tanto, busca atingir o maior público possível. O campo
erudito é aquele cujas obras se destinam prioritariamente aos próprios pares (os intelectuais
e os artistas) e cujo objetivo principal é a obtenção de prestígio e distinção social dos criadores
e de seus consumidores. O campo da cultura popular, por sua vez, reúne as múltiplas
manifestações que objetivam fortalecer a coesão das comunidades às quais são dirigidas 45.
40
MELO, Osvaldo Ferreira de. Op. cit., p.. 32.
MACHADO, Bernardo Novais da Mata. Op. cit., p. 113.
42 PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 46.
43 CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 41-42.
44 Ibidem, p. 42-43.
45 MACHADO, Bernardo Novais da Mata. Op. cit., p. 105.
41
12
Em qualquer dessas modalidades há expressões com potencial econômico,
que preferencialmente devem ser deixadas sob a responsabilidade da iniciativa
privada, e outras que dependem do apoio estatal para sua divulgação e conservação.
É importante que o Estado instituía e mantenha companhias artísticas,
faculdades de artes, museus e teatros. Quando exercidas pelos particulares, sob
regime de liberdade de expressão e criação, eles devem assumir os riscos de
atividade econômica lucrativa ou agir em prol do interesse social.
Assim, o Estado, em parceria com o setor privado, pode dar sua contribuição à política cultural
das seguintes maneiras: i) pela redução das barreiras burocráticas em relação ao
financiamento da arte e da cultura; ii) pela consideração da importância dos mercados
privados na gestão cultural, (sabendo que o ente estatal interage para o fortalecimento desse
sistema, criando os direitos de propriedade e as medidas para melhorar a afirmação do direito
de dispor do bem cultural); iii) pela continuidade de subsídios indiretos, sob a forma de
despesas fiscais; apoio financeiro direto, de forma a estimular a participação e fruição dos
bens e eventos culturais; iv) por meio da promoção de novos talentos, mediante ajuda
financeira direta, de maneira controlada e planejada 46.
Segundo José Luis FERNANDES, “evento é caracterizado basicamente pelo
encontro de pessoas com objetivos comuns em um local específico por um tempo
determinado”47. Eventos culturais promovem a reunião de pessoas, seja como
apreciador da cultura ou como profissional técnico ou artístico.
A indústria cultural promove a massificação e homogeneização da expressão
cultural, alterando inclusive a identidade cultural das comunidades atingidas48. Se ela
é criticável sob este viés, por outro é uma realidade produto da globalização. Caso a
indústria nacional não seja valorizada, mais espaço será ocupado por produção
estrangeira.
No Brasil, este fenômeno se iniciou na década de 20 em razão da instalação
das emissoras de rádio, que “...impulsion[aram] para valer a criação do repertório da
música popular brasileira fazendo cair no gosto dos ouvintes, artistas e estilos
46
SILVA, Eduardo Pordeus. Op. cit., p. 112.
FERNANDES, José Luis. O show business no Brasil nas décadas de 80 e 90: A influência da
Folha de S. Paulo no Marketing Cultural da “Souza Cruz” e no crescimento do Mercado de Eventos
Nacional. [São Paulo, 2012. 202 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade Cásper
Líbero]. Disponível em: <http://casperlibero.edu.br/mestrado/dissertacoes/o-show-business-no-brasilnas-decadas-de-80-e-90-a-influencia-da-folha-de-s-paulo-no-marketing-cultural-da-souza-cruz-e-nocrescimento-do-mercado-de-eventos-nacional/>. Acesso em 27 maio 2016. p. 26.
48 Ibidem, p. 14. No mesmo sentido: MACHADO, Bernardo Novais da Mata. Op. cit., p. 105.
47
13
musicais como o chorinho e o samba, outrora marginalizados e pouco valorizados
pela sociedade”49.
A cultura de massas é uma realidade que não pode ser deixada de lado. Da
mesma forma, não se deve negligenciar a cultura popular e erudita. Cabe ao Estado
apoiar todas as modalidades, fomentando a atuação de maneira eficiente.
Eventos de grande repercussão são importantes para difundir a cultura
nacional no exterior. Em geral, produzem um ambiente favorável para atração de
patrocinadores, pois conferem grande visibilidade às marcas e aos novos produtos50.
MACHADO explica que a partir da década de 1960, as emissoras de televisão
passaram a se afiliar a grandes redes nacionais situadas no Rio de Janeiro e São
Paulo, reduzindo drasticamente a produção local. Esta situação permanece
atualmente, em afronta ao artigo 221 da Constituição51.
A regionalização da produção pode ser uma forma de incentivar a valorização
das culturas locais e promover profissionais do país inteiro. Sabe-se que a
programação de televisão nacional não é integralmente de alta qualidade e que a
programação local é predominantemente de jornalismo, com poucos programas de
entretenimento.
Com a redução da carga horária da programação nacional, as emissoras
locais poderiam criar programas próprios ou transmitir obras de produtores
independentes de audiovisual.
A cultura também pode ser compreendida como atividade econômica,
geradora de empregos e produtora de riquezas, passível de incentivos pelo Estado
pela via do fomento. O aprimoramento das modalidades de fomento é fundamental
para viabilizar pequenas produções, interiorizar o acesso às artes e valorizar a cultura
popular.
Além de gerar empregos, o mercado cultural fomenta o lazer, que “...sob o
enfoque econômico, é um instrumento poderoso de criação de outros setores da
economia, especialmente turismo, pois o desenvolvimento de uma cultura de lazer
viabiliza a exploração econômica de diversos campos...”52
49
FERNANDES, José Luis. Op. cit., p. 17.
Idem.
51 MACHADO, Bernardo Novais da Mata. Op. cit., p. 114.
52 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 131.
50
14
Os produtos culturais possuem grande potencial econômico. Nos Estados
Unidos, a partir da década de 1990 eles assumiram o primeiro lugar nas exportações,
“à frente de aviões, carros, agricultura ou armamentos”53.
Portanto, é de interesse do Estado fomentar a indústria cultural, seja por
fundamentos econômicos, mais principalmente em razão da opção constitucional e
legal, sem descuidar das demais áreas. A cultura em geral depende de investimentos
e patrocínios para se desenvolver.
Esta forma de incentivo possui grande importância, tanto para produções com
fins lucrativos ou sem. O patrocinador obtém importante retorno de publicidade ao
apoiar eventos culturais.
O marketing cultural ganhou grande importância após o surgimento da Lei
Rouanet e demais leis de incentivo. “Ao patrocinar um show, a empresa pode não só
associar sua marca àquele tipo de música e público como pode também oferecer
diversas ações de marketing acopladas ao evento”54.
FERNANDES explica que em muitos megaeventos ocorridos na década de
90, os patrocinadores não tinham uma política de compromisso cultural. O apoio era
utilizado exclusivamente midiático para a marca55.
O marketing cultural é uma das alternativas mais eficientes de comunicação,
pela possibilidade de direcionar a divulgação à públicos específicos e pelo baixo custo.
“Através do patrocínio de eventos culturais, uma empresa consegue projetar de forma
positiva sua marca e alcançar metas de mercado das mais variadas espécies que vão
desde a diferenciação entre marcas de uma mesma categoria de produtos, até a
imagem de uma corporação inteira”56.
Para fins de política cultural, os patrocínios e mecenatos apenas ganham
importância na medida em que aumentam a quantidade de recursos aplicados na
cultura, somando-se às verbas de origem públicas. Não há ilegalidade em se
promover uma marca mediante apoio a algum evento. Ocorre que havendo aplicação
de recursos públicos, a prioridade deve ser a cultura.
53
TOLILA, Paul. Cultura e economia: problemas, hipóteses, pistas. [Tradução de Celso M. Paciornik.
São Paulo: Iluminuras, 2007]. Disponível em: <http://d3nv1jy4u7zmsc.cloudfront.net/wpcontent/uploads/itau_pdf/000577.pdf>. Acesso em 09 jun. 2016. p. 11.
54 FERNANDES, José Luis. Op. cit., p. 22.
55 Ibidem, p. 23.
56 Ibidem, p. 24.
15
1.5 POLÍTICA NACIONAL DE CULTURA E SISTEMA NACIONAL DE CULTURA
O apoio do Estado à cultura mediante políticas públicas é fundamental,
principalmente mediante fomento. A atuação da Administração assume maior
importância quando visa à redução das desigualdades econômicas e sociais e à
promoção de minorias étnicas e sociais57. De qualquer forma, a atuação privada na
produção artística deve ser livre.
A cultura historicamente sempre dependeu de apoio econômico de terceiros,
sejam reis, mecenas ou da Igreja58. A Constituição incumbiu o Estado de incentivar
esta atividade. Assim, a Administração deve exercer papel de planejamento das
políticas públicas culturais e atuar com maior ênfase principalmente em áreas que não
visem o lucro, voltadas à formação da subjetividade democrática59.
O aprimoramento do planejamento deve ser um dos fundamentos do Sistema
Nacional de Cultura, de maneira a incentivar a produção artística de alta qualidade, a
criatividade e inovação e o acesso à cultura à toda a população.
Eduardo Pordeus SILVA aponta as seguintes estratégias políticas para a
cidadania cultural: acesso ao conhecimento por meio da democratização de bens e
serviços culturais; incentivo ao capital cultural gerador de renda e crescimento
econômico; e fortalecimento do papel social da cultura60.
CUNHA FILHO identifica cinco princípios constitucionais culturais pela
interpretação dos artigos 215 e 216 da Constituição61. O princípio do pluralismo
cultural, segundo o qual o Estado não se deve privilegiar ou oficializar nenhum
segmento cultural, pois todas têm a mesma hierarquia.
Princípio da universalidade, para o qual todos os cidadãos têm igual direito
ao acesso às manifestações culturais. Princípio da participação popular, para
possibilitar aos cidadãos às organizações da sociedade civil a colaboração do
desenvolvimento e deliberação da política cultural.
Princípio do respeito à memória coletiva, para assegurar documentação
das manifestações culturais. Por fim, princípio da atuação estatal como suporte
57
SILVA, Eduardo Pordeus. Op. cit., p. 110.
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 106.
59 SILVA, Eduardo Pordeus Op. cit., p. 113.
60 Ibidem, p. 114.
61 CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 74-77.
58
16
logístico, segundo o qual a atuação estatal deve garantir a construção e manutenção
de teatros, centros culturais, acesso a recursos públicos, etc, assegurando à
sociedade civil a primazia na produção artística.
A atuação estatal na área da cultura depende da adoção de estratégias de
maneira a não controlar as expressões culturais nem ser indiferente a elas. MELO
defende que o papel principal deve ser de “planejamento, orientação, coordenação e
estimulação” da atuação privada62.
Para garantir o planejamento adequado do incentivo à cultura, é preciso dados
de qualidade para serem estudados. Segundo TOLILA, “informação útil à decisão
deve ser produzida”63, neste aspecto, é de grande importância a criação do Sistema
Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC pela Lei 12.343/2010 em
seu artigo 9º.
“Por política cultural democrática entendemos aquela na qual a cultura é vista
como um direito de todos – direito de fruir e de produzir – e a todos é permitido a
participação nas suas formulações e deliberações”64. É isso que se espera dos Planos
Nacionais de Cultura. O lançado em 2010 pela referida lei estabelece diretrizes e
estratégias para o Estado e tem duração de dez anos.
Dentre os seus princípios estão o “direito de todos à arte e à cultura” e a “participação e
controle social na formulação e acompanhamento das políticas culturais”. Dentre as suas
diretrizes, duas nos interessam com mais entusiasmo. A primeira é a que propõe a
universalização do acesso à arte e à cultura e também das condições e meios para a
produção cultural. A segunda é a que trata da participação social e propõe estimular a
organização de instâncias consultivas, construir mecanismos de participação da sociedade
civil e ampliar o diálogo com os agentes culturais e criadores 65.
Atualmente existe um planejamento estável para a cultura, que é o Plano
Nacional de Cultura, previsto § 3º do artigo 215 da Constituição e regulamentado na
Lei 12.343/2010. Seu artigo 2º66 estabelece diversos objetivos para o plano. O
62
MELO, Osvaldo Ferreira de. Op. cit., p. 28.
TOLILA, Paul. Op. cit., p. 106.
64 PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 20.
65 Ibidem, p. 45.
66 “Art. 2º São objetivos do Plano Nacional de Cultura: I - reconhecer e valorizar a diversidade cultural,
étnica e regional brasileira; II - proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;
III - valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais; IV - promover o direito à memória por
meio dos museus, arquivos e coleções; V - universalizar o acesso à arte e à cultura; VI - estimular a
presença da arte e da cultura no ambiente educacional; VII - estimular o pensamento crítico e reflexivo
em torno dos valores simbólicos; VIII - estimular a sustentabilidade socioambiental; IX - desenvolver a
economia da cultura, o mercado interno, o consumo cultural e a exportação de bens, serviços e
63
17
planejamento em si consta no anexo, que estabelece diretrizes, estratégias e ações
voltadas ao Estado, à diversidade cultural, ao acesso, ao desenvolvimento sustentável
e à participação social.
A atuação pública e dos conselhos deve ser orientada pelo plano elaborado
pelo Poder Legislativo. Não há vedação à criação de diretrizes complementares,
porém qualquer ato infralegal deve se submeter ao planejamento legislado em caso
de conflito.
Tem grande importância para o Plano Nacional de Cultura o Conselho
Nacional de Política Cultural – CNPC, órgão criado pela Lei 9.649/1998 e atualmente
regulamentado pelo Decreto 5.520/2005, que prevê grande participação da sociedade
civil.
CUNHA FILHO defende que na criação do Sistema Nacional de Cultura, devese atribuir à União competências de interesse nacional e que abranjam mais de um
estado, aos estados ações culturais de interesse regional ou que excedam o território
de um município, e aos municípios ações de interesse local67.
O SNC deve adotar um modelo de gestão compartilhada, com participação
das três esferas da federação e subsistemas setoriais de museus, bibliotecas, etc 68.
O sistema deve valorizar a diversidade cultural, que é uma das grandes riquezas do
Brasil69.
O SNC deve prezar pela participação popular a fim de democratizar as
políticas culturais. Em razão da maior proximidade dos cidadãos, a maioria das
funções incumbirão aos municípios70, cabendo aos estados e à União formulação de
diretrizes regionais e nacionais e financiamento das atividades.
conteúdos culturais; X - reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos
de seus detentores; XI - qualificar a gestão na área cultural nos setores público e privado; XII profissionalizar e especializar os agentes e gestores culturais; XIII - descentralizar a implementação
das políticas públicas de cultura; XIV - consolidar processos de consulta e participação da sociedade
na formulação das políticas culturais; XV - ampliar a presença e o intercâmbio da cultura brasileira no
mundo contemporâneo; XVI - articular e integrar sistemas de gestão cultural”.
67 CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 199.
68 MARTINS, Natália Luiza Alves; CUNHA FILHO, Francisco Humberto. O pretendido Sistema Nacional
de Cultural (SNC) em contraste ao Sistema Nacional do Meio Ambiente. Revista Direitos Culturais.
Santo
Ângelov.
4,
n.
7,
p.
185-204,
jul./dez.
2009.
Disponível
em:
<http://srvapp2s.urisan.tche.br/seer/index.php/direitosculturais/article/view/233>. Acesso em 01 jun.
2016, p. 189.
69 Ibidem, p. 190.
70 Ibidem, p. 198.
18
Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.271/2016
para regulamentar no âmbito federal o Sistema Nacional de Cultura. Outra proposta
apresentada foi o Projeto de Lei Complementar 338/2013, atualmente arquivada.
19
2 INTERVENÇÃO DO ESTADO NOS DOMÍNIOS ECONÔMICO E SOCIAL
2.1 PLANEJAMENTO
Para que a atuação estatal obtenha bons resultados, é fundamental o
planejamento71, que possibilita a escolha das prioridades e a alocação mais eficiente
de recursos públicos.
Historicamente, foi com a passagem do Estado Liberal para o Social que esta
atividade ganhou importância. “o Estado passa a intervir diretamente na economia,
com a criação de suas empresas, bem como indiretamente, através de incentivos e
benefícios”72.
Na Constituição de 1988, o planejamento ficou fortemente ligado ao
orçamento, mediante o plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e orçamento
anual73. A Carta da República determina em seu artigo 174 que o planejamento estatal
é “determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
De acordo com Juliana Sberze Pacheco SILVA, “O planejamento pode ser
definido como um processo organizado que expressa uma série de diretrizes e metas
a serem realizadas dentro de determinado prazo, pelo Estado ou por este em parceria
com a iniciativa privada”74.
Eros Roberto GRAU explica que o planejamento em si não é uma forma de
intervenção na economia, mas apenas uma maneira de tornar a utilização dos reais
instrumentos de intervenção e atuação Estatal mais racional75.
Para ZOCKUN, a atividade administrativa, e por consequência a intervenção
do Estado no domínio econômico e social, pode se dar por meio do poder de polícia,
fomento e serviços públicos76.
A intervenção pode se dar: por absorção ou por participação na atividade
econômica em sentido estrito (seja mediante monopólio ou em regime de
71
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Planejamento econômico e fomento público: instrumentos para
o desenvolvimento nacional. [Curitiba, 2008. 145 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Setor de
Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná]. Disponível em:
<http://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/16829>. Acesso em 15 maio 2015. p. 1.
72 Idem.
73 Ibidem, p. 2.
74 Ibidem, p. 6.
75 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 17ª ed. São Paulo: Malheiros,
2015, p. 146.
76 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 160.
20
concorrência); por direção (estabelecimento de normas de observância obrigatória);
e por indução (mediante manipulação dos instrumentos que regem o mercado)77.
A Administração Pública foi gradativamente aumentando sua atuação com a
implementação do Estado Social, seja diretamente mediante criação de empresas
públicas, ou indiretamente por meio de fomento e incentivos fiscais 78. A intervenção
estatal através do planejamento é resultado da superação do Estado Liberal, que se
mostrou insuficiente para a distribuição justa dos recursos e para a garantia do
equilíbrio econômico, mediante redução de inseguranças79.
A intervenção estatal na economia pode-se justificar por três razões: “a
promoção de uma eficiente afetação dos recursos, a estabilização da economia e a
promoção da equidade, de forma a suprir as falhas de mercado”80.
O planejamento pode ser meramente indicativo, quando o Estado apenas
assinala a direção que pretende que os particulares atuem, ou incitativo, quando
concede incentivos aos particulares que aceitarem as orientações da Administração
Pública.
A estabilidade do planejamento, que deve priorizar decisões de Estado e não
apenas de governo, é fundamental para que os agentes econômicos possam
“visualizar as intenções do Estado e, a partir disso, antecipar cenários econômicos e
se direcionar para a tomada de decisão”81. O planejamento deve ser maleável para se
adaptar às circunstâncias contemporâneas, porém é preciso sempre respeitar os
valores fundamentais da Constituição82.
O planejamento pode ser classificado como global, referente ao sistema
econômico como um todo, ou setorial, direcionado a determinados setores da
atividade econômica83.
Cabe ao Estado garantir aos cidadãos seu direitos fundamentais e condições
para que os particulares exerçam suas atividades econômicas. A Administração atua
77
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 143-144.
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 7.
79 Ibidem, p. 9.
80 POLI, Luciana Costa; HAZAN, Bruno Ferraz. Orçamento Público: desenhando um modelo
democrático de planejamento orçamentário. [Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 266,
p.
187-208,
maio/ago.
2014].
Disponível
em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/32147/30940>. Acesso em 29 maio 2016. p.
191.
81 SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 17.
82 Ibidem, p. 24.
83 Ibidem, p. 18.
78
21
diretamente na economia, seja por monopólios ou serviços públicos. Também
mediante órgãos da administração direta ou indireta (autarquias, fundações públicas,
empresas públicas, sociedades de economia mista). O ordenamento possibilita a
delegação da prestação de serviços públicos aos particulares por concessões,
autorizações e permissões.
O Estado atua em atividades exclusivas e não exclusivas. A cultura se
enquadra na segunda categoria, na qual o ente público pode promover espetáculos
populares, manter museus, teatros, companhias de artes cênicas, dança e orquestras,
etc.
Os particulares também têm liberdade para atuar nestas mesmas atividades,
assumindo os riscos da atividade econômica lucrativa ou por atuação com interesse
em promover o aspecto social.
Sobre a atuação privada incide o fomento, que é a forma que o Estado
incentiva os particulares a atuarem, sem obrigatoriedade ou imposição de sanções,
no desenvolvimento da atividade seja de interesse público.
O terceiro setor também possui grande relevância para a promoção da cultura.
A doutrina o classifica como setor público não estatal, que pode auxiliar o Estado
na atuação nas áreas sociais. Segundo os defensores da reforma do Estado, há
vantagens na delegação da atividade às organizações do terceiro setor, pois seriam
mais eficientes.
Em termos de diretrizes e metas a serem previstas nos planos, a própria Constituição elegeu
alguns setores que merecem proteção e incentivos e que são áreas potenciais da atividade
pública de fomento, entre elas: micro e pequenas empresas, saúde, pesquisas tecnológicas,
agricultura, educação, cultura, entre outros. Isto deixa claro que a intenção do Constituinte
não era conceder uma ampla discricionariedade para o agente fomentador na elaboração do
plano, mas delimitar as áreas que devem ser incluídas em programas de incentivo84.
Cabe ao Estado exercer papel de planejamento de políticas públicas culturais
e atuar com maior ênfase principalmente em áreas que não visem o lucro, voltadas à
formação da subjetividade dos indivíduos.
A cultura é direito assegurado pela Constituição Federal, em seu artigo 215,
que contribui com a cidadania, a inclusão social e a valorização dos costumes
84
Ibidem, p. 39.
22
populares. Deste modo, o Estado tem o dever de incentivar a produção, seja
diretamente ou incentivando a atuação das organizações da sociedade civil.
O fomento é uma das faces do planejamento estatal na área cultural, na qual
a Administração apoia pessoas físicas e jurídicas, com ou sem fins lucrativos. No
âmbito federal se destacam os instrumentos criados pela Lei Rouanet através do
Fundo Nacional da Cultura, dos fundos de investimento cultural e artístico e dos
incentivos a projetos culturais.
Ou seja, como bem conclui Juliana Sberze Pacheco SILVA, o planejamento
estatal deve ser instrumento voltado ao desenvolvimento nacional85. “O incentivo não
pode ser confundido com favorecimento, não é benefício sem a necessidade
contraprestação, mas sim, deve ser demonstrado o retorno para a sociedade, ou seja,
deve ser atingida uma finalidade social”86.
Conclui-se que cabe ao Estado, e não aos particulares, exercer papel
indelegável de planejamento de políticas públicas culturais e atuar com maior ênfase
principalmente em áreas que não visem o lucro.
2.2 ATUAÇÃO DIRETA E REGULATÓRIA
Juliana Sberze Pacheco SILVA pontua que a Constituição determina em seu
artigo 173 que o Estado apenas desempenhará a atividade econômica em caso de
“imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei”, ou seja, apenas em situações excepcionais87.
O Estado atua na economia de diversas formas, entre elas mediante
intervenção econômica, que se caracteriza pela atuação em setor de titularidade da
iniciativa privada. Não há intervenção quando o Estado presta serviço público, mas
mera atuação, pois é uma atividade de sua titularidade88.
Segundo Eros Roberto GRAU, a atividade econômica em sentido amplo pode
ser classificada em duas espécies: atividade econômica em sentido estrito e serviço
público89.
85
Ibidem, p. 49.
Ibidem, p. 91.
87 Ibidem, p. 56.
88 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 90-91.
89 Ibidem, p. 100.
86
23
A noção de serviço público idealizada por Léon Duguit como fundamento do
Direito Administrativo veio a substituir o poder. “Assim, colocou-se o Estado como um
ente que existe para servir, e não para mandar”90. Neste contexto, “...o Estado deixou
de ser o opressor do cidadão para ser o provedor das necessidades e serviços básicos
da coletividade”91.
Os serviços públicos são prestados sob o regime jurídico de direito público.
Esta é a principal distinção eles e as demais atividades econômicas 92. Na definição
de Celso Antônio Bandeira de MELLO,
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material
destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos
administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo
ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de
prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses
definidos como públicos no sistema normativo93.
O serviço público adequado94, a que se refere o artigo 175, parágrafo único,
IV, da Constituição, segundo Adriana da Costa Ricardo SCHIER, é um direito
fundamental. Compõe seu núcleo essencial a prestação sob o regime jurídico de
direito público e os princípios da universalidade, continuidade e modicidade das
tarifas, sem prejuízo de outras garantias estabelecidas por lei95.
Para a caracterização de um serviço público é necessário estar presentes três
elementos: o material, que consiste na comodidade oferecida pelo serviço; o
subjetivo, o serviço deve ser prestado pelo Estado ou por delegação a particular; e
formal, reconhecimento por lei como tal, prestado sob regime de direito público96.
SCHIER entende que não há vedação constitucional aos particulares, a título
próprio, prestarem atividades reconhecidas como serviços públicos, ressalvadas
90
ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 161
Ibidem, p. 164.
92 Ibidem, p. 168.
93 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 659.
94 Conforme artigo 6º, § 1º, da Lei 8.987/1995, “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação
e modicidade das tarifas”.
95 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Regime jurídico do serviço público: garantia fundamental do
cidadão e proibição de retrocesso social. [Curitiba, 2009. 214 f. Tese (Doutorado em Direito) – Setor de
Ciências
Jurídicas,
Universidade
Federal
do
Paraná].
Disponível
em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp143672.pdf>. Acesso em 15 maio 2016. p. 5
96 Ibidem, p. 29-30.
91
24
vedações expressas. Ressalta que “Tal conclusão não autoriza a Administração
Pública a deixar de prestar o serviço”97.
Conclui-se, portanto, que a cultura não é um serviço público, pois não há dever
estatal em prestá-lo sob regime de direito público e porque a atividade é livre à
iniciativa privada. Contudo, isso não afasta o dever estatal de incentivar as
manifestações culturais, conforme determina o artigo 215 da Constituição.
O poder de polícia é outra face típica da atuação estatal, que consiste em
limitações à liberdade e a propriedade, nos termos da lei. Em determinados casos
confere à Administração Pública poderes discricionários, seja porque o legislador não
pode prever todas as hipóteses de incidência, ou porque a aferição da incidência da
norma deve ser melhor analisada no caso concreto.
Em sentido amplo, poder de polícia abrange o condicionamento da liberdade
e da propriedade tanto mediante lei quanto por atos administrativos. Não se incluem
no poder de polícia as chamadas “relações especiais de sujeição”98.
Para Celso Antônio Bandeira de MELLO, polícia administrativa é
...a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de
condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a
propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva,
impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de
conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema
normativo99.
Ao contrário dos serviços públicos, que implicam o fornecimento de uma
utilidade ao cidadão, em geral o poder de polícia administrativa implica uma obrigação
de não fazer, ou seja, uma abstenção. Apenas excepcionalmente gera obrigação de
fazer, como nos casos de edificação ou parcelamento do solo compulsórios100.
REIS explica que como decorrência do princípio da subsidiariedade,
determinadas atividades devem ser deixadas para a atuação na esfera privada.
Outras, que são de competência do Estado, podem ser delegadas aos particulares.
97
Ibidem, p. 55-60.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 809-814.
99 Ibidem, p. 824.
100 Ibidem, p. 817-818.
98
25
De qualquer forma, cabe ao Estado fomentar a atuação do setor privado, sem
simplesmente abandonar estas atividades101.
Entendimento diverso é que, existindo imposição constitucional para atuação
do Estado, como no caso da cultura, não se deve entender que a ação do Poder
Público é dispensável, pois a inércia estatal nestes casos é vedada102.
Outra face da subsidiariedade é a vertical, segundo a qual o que pode ser
realizado com mais eficiência pelos entes menores, estados ou municípios, devem ser
de sua competência. Assim, cabe ao ente maior o fomento à atividade que seja de
interesse público nacional103. Aliás, essa é uma das formas de descentralização
prevista no Decreto-Lei 200/1967, artigo 10, “b”.
Tanto no serviço público quanto no fomento se desenvolvem atividades de
interesse público. No primeiro caso a prestação da atividade é de titularidade do
Estado e é exercida sob regras de direito público; no segundo a atividade é privada e
apenas incentivada pelo Estado104.
O fomento público “representa uma das principais formas de intervenção
regulatória, interferindo no mercado e convencendo o empresário a optar e investir
nos setores contemplados pelas políticas públicas”105.
Portanto, “além do Estado atuar diretamente, através de suas empresas
estatais, cabe ainda intervir indiretamente, com a criação de complexos sistemas de
incentivos e de bloqueios à iniciativa privada, a fim de conciliar o interesse social com
o individual”106.
Além de ser direito do cidadão, a cultura também pode ser compreendida
como atividade econômica, de livre atuação pela iniciativa privada, geradora de
empregos e produtora de riquezas, passível de incentivos pelo Estado pela via do
fomento.
101
REIS, Luciano Elias. Convênio administrativo: instrumento jurídico eficiente para o fomento e
desenvolvimento do Estado. Curitiba: Juruá, 2013, p. 241.
102 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 187.
103 REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 233-235.
104 Ibidem, p. 253.
105 SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 53.
106 Ibidem, p. 60.
26
2.3 TERCEIRO SETOR
A doutrina classifica o terceiro setor como setor público não estatal, auxiliar
do Estado em sua atuação nas áreas sociais. Segundo os defensores da reforma do
Estado, há vantagens na delegação da atividade às organizações do terceiro setor em
razão da sua maior eficiência.
Conforme Carolina Zancaner ZOCKUN, “‘Terceiro Setor’ é a nomenclatura
dada às entidades que não fazem parte do setor estatal, isto é, não se vinculam direta
ou indiretamente à Administração Pública, nem se dedicam às atividades
empresariais, cuja finalidade não é lucrativa e cuja atuação é voltada para a
consecução de objetivos sociais”107.
O Estado não pode se eximir de atuar diretamente na promoção dos direitos
sociais. O fomento ao terceiro setor é uma faculdade, por outro lado a prestação de
serviços públicos é uma obrigação estatal108.
“Nesta seara, cabe salientar que o fomento de entidades beneficentes é
importante instrumento de intervenção estatal na ordem social, pois permite que o
Estado atinja um grande contingente de pessoas necessitadas sem realizar os
mesmos gastos que dependeria se não contasse com o apoio e a estrutura de
particulares”109.
Como a cultura não é atividade exclusiva do estado, o fomento ao setor não
estatal pode ser tão importante quanto a atuação direta. A escolha do modelo das
Organizações Sociais vai ao encontro das necessidades de agilidade e flexibilidade
do cotidiano da área cultural110.
O apoio estatal ao terceiro setor dependia da concessão de títulos. O mais
tradicional era o de utilidade pública, que na esfera federal era regulado pela Lei
91/1935, que foi revogada pela Lei 13.204/2015.
Pela nova regulamentação, as organizações da sociedade civil, conforme
definição conferida pelo artigo 2º111, podem ser beneficiadas, independentemente de
107
ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 186.
Ibidem, p. 188.
109 Ibidem, p. 189.
110 FREITAS, Aline Akemi. Parcerias na área da cultura: o contrato de gestão e a experiência da
Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Revista de Direito do Terceiro Setor. Belo Horizonte,
n. 9, jan./jun. 2011, p. 41-42.
111 “Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se: I - organização da sociedade civil: a) entidade privada
sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores,
108
27
certificação, pelas seguintes vantagens (artigos 84-A e 84-B): recebimento de
doações de empresas beneficiadas com incentivos fiscais; recebimento de bens
móveis administrados pela Secretaria da Receita Federal; e realização de sorteios
com intuito de arrecadação de recursos.
O controle por resultados associado à possibilidade de contratação por meio de regulamento
próprio e de manual de recursos humanos, dispensada a realização de procedimentos
licitatórios e de concurso público para contratação de pessoal, contribuem para o alcance de
coeficientes mais altos de eficiência das ações que são realizadas pelas OS no âmbito do
contrato de gestão112.
Fabrício José KLEIN destaca as seguintes maneiras com as quais as
organizações do terceiro setor podem se beneficiar de recursos federais: deduções
do imposto de renda de doações efetuadas por pessoas jurídicas em prol de
instituições de ensino e pesquisa, entidades sem fins lucrativos; Lei Rouanet e Lei do
Audiovisual; Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica – Funcine; e
Fundo de Direitos das Crianças e dos Adolescentes113.
Atualmente, os instrumentos de maior destaque para o fomento do terceiro
setor são o termo de colaboração, o termo de fomento e o acordo de cooperação
disciplinados pela Lei 13.019/2014, termos de parceria com as Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP’s e contratos de gestão com as
Organizações Sociais – OS’s114.
empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou
líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio,
auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do
respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo
de reserva; b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as
integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por
programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento,
educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e
extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de
cunho social; c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse
público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos”.
112 FREITAS, Aline Akemi. Op. cit., p. 44.
113 KLEIN, Fabrício José. Tratamento tributário do terceiro setor brasileiro como indutor da
responsabilidade social corporativa: um caminho a ser trilhado. Direito Tributário em questão. Porto
Alegre, n. 6, jul./dez. 2010, p. 74.
114 LOPES, Laís de Figueirêdo; SOUZA, Silas Cardoso de; SANT’ANA, Diogo de; HERNANDEZ, Maria
Victória; ARAUJO JUNIOR, Evânio Antônio de; SOUZA, Aline Gonçalves de. Fomento de colaboração:
novas propostas de parcerias entre Estado e organizações da sociedade civil. Revista Brasileira de
Direito Público. Belo Horizonte, n. 46, jul./set. 2014, p. 42.
28
As organizações sociais que atuam em uma das áreas estabelecidas na Lei
9.637/1998115 e que possuam em seu conselho de administração representantes do
Poder Público e da sociedade civil poderão ser beneficiadas por recursos e bens
públicos e cessão de servidores públicos116.
Aline Akemi FREITAS descreve que a utilização do modelo de organização
social para regularizar a contratação de músicos para a Orquestra Sinfônica do Estado
de São Paulo – OSESP ajudou a superar os problemas causados pela atuação da
Administração Pública Direta na atividade artística. Isto porque requer criatividade,
flexibilidade e agilidade na solução das complexidades da atividade artística 117.
Carolina Zancaner ZOCKUN entende que diversos dispositivos da referida lei
são inconstitucionais, entre eles a possibilidade de se firmar um contrato de gestão
independentemente de licitação, por ser ato completamente discricionário a escolha
da OS e pela possibilidade de cessão de servidor, pois a Constituição prevê a situação
de aproveitamento para servidores ocupantes de cargos em extinção118.
Ainda, em razão da participação pública da composição do conselho, apenas
entidades novas preencheriam os requisitos da lei. Outra crítica é que a concessão
do título é atualmente atividade discricionária do Ministro do Planejamento119. Ou seja,
apenas as entidades criadas para serem organizações sociais obtiveram tal
qualificação jurídica120.
No julgamento da ADI 1923/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a
constitucionalidade da Lei 9.637/1998, conferindo interpretação conforme para o fim
de que o procedimento de qualificação, a celebração do contrato de gestão, a
dispensa de licitação para contratação e outorga de bens públicos à organização
social se deem de forma pública, objetiva e impessoal, em observância ao artigo 37
da Constituição, que os contratos celebrados pela organização e a contratação de
“Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao
desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde,
atendidos aos requisitos previstos nesta Lei”.
116 SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 69. No mesmo sentido: ZOCKUN, Carolina Zancaner.
Op. cit., p. 208.
117 FREITAS, Aline Akemi. Op. cit., p. 46.
118 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 209-211.
119 A autora explica que originalmente a competência era do Ministro de Estado da Administração
Federal e Reforma do Estado, cujas funções foram deslocadas para o Ministério do Planejamento.
Orçamento e Gestão pela Medida Provisória 2.216-37/2001. Ibidem, p. 206.
120 Idem.
115
29
pessoal também observe tais disposições constitucionais e afastou qualquer
interpretação que restrinja o controle pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.
No caso das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, os
benefícios são similares, porém não há representante do Poder Público nem
possibilidade de cessão de servidores121. Tal qualificação está prevista na Lei
9.790/1999, devendo a pessoa jurídica requerente ter como atividade uma das
previstas no artigo 3º da Lei122.
Neste caso, não há vedação à remuneração dos dirigentes da OSCIP, desde
que os salários sejam compatíveis com os valores praticados pelo mercado 123. “Os
bens imóveis adquiridos com recursos provenientes do termo de parceria serão
gravados com cláusula de inalienabilidade”. Para ZOCKUN, esta lei não possui os
mesmos vícios de inconstitucionalidade da Lei das OSs, pois a atribuição de tal título
é ato vinculado124.
A Lei nº 13.019/2014 representou importante avanço legislativo ao instituir o
termo de fomento e o termo de colaboração com as organizações da sociedade
civil em geral, sem prejuízo dos termos de parceria e contratos de gestão, próprios de
OS e OSCIP125.
121
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 70.
“Art. 3o A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da
universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será
conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham
pelo menos uma das seguintes finalidades: I - promoção da assistência social; II - promoção da cultura,
defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III - promoção gratuita da educação,
observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; IV promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações
de que trata esta Lei; V - promoção da segurança alimentar e nutricional; VI - defesa, preservação e
conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII - promoção do
voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de
produção, comércio, emprego e crédito; X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos
direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção da ética, da paz, da
cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII - estudos e
pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e
conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. XIII estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a disponibilização e a implementação de tecnologias
voltadas à mobilidade de pessoas, por qualquer meio de transporte. Parágrafo único. Para os fins deste
artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos,
programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros,
ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos
e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins”.
123 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 217-218.
124 Ibidem, p. 222.
125 LOPES, Laís de Figueirêdo. Op. cit., p. 48-49.
122
30
Esta lei prevê as fases de planejamento, seleção, execução e monitoramento
e avaliação das parcerias. O chamamento público passou a ser regra geral de caráter
nacional. “Assim, não sendo mais a contratação totalmente discricionária para o
gestor, a seleção ganha importância e deve ser precedida da fase de planejamento,
privilegiando a transparência e a isonomia na contratação, democratizando o acesso
aos recursos”126.
Quanto às OSs, a Lei 8.666/1993 já dispunha sobre a dispensa de licitação,
no artigo 24, XXIV. Embora de constitucionalidade duvidosa, há expressa previsão
legal de um procedimento a ser adotado.
Na redação original da Lei 13.019/2014, suas disposições eram plenamente
aplicáveis às OSCIPs no que não conflitasse com a Lei 9.790/1999, em especial no
que toca ao chamamento público. Contudo, a Lei 13.204/2015 incluiu na lei geral das
organizações sociais o artigo 3º, VI, que afasta as exigências da nova lei às OSCIPs.
Esta modificação é inconstitucional, por afronta do princípio da impessoalidade, pois
a Lei 9.790/1999 não prevê procedimento de seleção das organizações da sociedade
civil de interesse público e configura evidente retrocesso.
Na fase de execução a nova regulação contribuiu para diminuir a insegurança
jurídica, tanto dos gestores públicos quanto das entidades privadas acerca do uso de
recursos públicos e contratação de pessoal127.
2.4 FOMENTO
O fomento se dá mediante incentivos estatais para a atuação dos particulares
a atuarem, sem obrigatoriedade ou imposição de sanções, em atividades de
reconhecido interesse público, entre elas a cultura.
Uma das mais importantes atribuições do Estado, principalmente em nível
federal, é estimular a ação pública e privada de maneira a contribuir para o
desenvolvimento econômico e social128.
O fomento tem por objetivo a satisfação de necessidades coletivas e promover
o interesse público, mediante promoção de incentivos aos particulares cuja aceitação
126
Ibidem, p. 50.
Idem.
128 REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 241.
127
31
deve ser espontânea. A opção pelas áreas a serem fomentadas é típica questão
política, a ser decidida mediante juízo de conveniência e oportunidade 129.
Difere dos serviços públicos, pois estes são exercidos sob o regime jurídico
de direito público, ao contrário da atividade particular estimulada pela Administração,
que se submete ao direito privado130.
O fomento pode ser positivo ou negativo. O primeiro ocorre quando a
administração incentiva uma conduta dos particulares que considera positiva. O
segundo quando cria obstáculos para tornar menos atrativa a exploração de uma
atividade que não seja de interesse público, sem proibi-la131.
Diferentemente da atuação direta e do aparato repressivo, “...a atividade
pública de fomento [...] traz consigo uma das mais avançadas formas de atuação
estatal: a consensualidade. Assim, o Estado passa a desempenhar o seu papel
estimulador, permitindo ao particular colaborar com a Administração Pública”132.
Duas outras importantes características do fomento são a transitoriedade e a
heterogeneidade. O protecionismo não deve ser por tempo indefinido e as formas de
incentivo não se sujeitam a um rol taxativo133.
Este estímulo pode se dar mediante transferência de recursos a entidades
privadas, tanto para as com fins lucrativos, desde que gerem benefícios públicos,
quanto para sem fins lucrativos134.
A Lei nº 4.320/1964 já previa o fomento no ordenamento jurídico brasileiro,
que se define como “...atividade administrativa que se destina a satisfazer
indiretamente necessidades consideradas de caráter público. Por meio desta
atividade, a Administração protege ou promove, sem empregar coação, as atividades
dos particulares”135.
O fomento estatal pode ser definido como “...uma das formas de intervenção
do Estado na economia, mais precisamente a intervenção por indução, na qual este
129
Ibidem, p. 246-247.
ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 187.
131 REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 249. No mesmo sentido: LOPES, Laís de Figueirêdo. Op. cit., p. 41.
132 SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 2.
133 Ibidem, p. 66-67.
134 REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 247.
135 LOPES, Laís de Figueirêdo. Op. cit., p. 40-41.
130
32
concederá benefícios ou incentivos, com ausência de compulsoriedade, para a
satisfação das necessidades públicas”136.
Entre as modalidades de fomento possíveis, SILVA elenca: os meios
honoríficos, que consiste em reconhecimento público de pessoas que realizaram
atividades de interesse público; meios econômicos, que podem ser diretos
(mediante desembolso efetivo de recursos públicos) ou indiretos (redução da quantia
que a Administração teria direito a receber)137, caso dos incentivos fiscais.
Entre os meios econômicos diretos, se destacam os subsídios, que são
ajudas destinadas à redução do preço final de um produto, e as subvenções que
ocorrem mediante emprego de verbas públicas em determinada empresa ou setor
com prévia aprovação da lei orçamentária, sem obrigação de reembolso138.
A Lei 4.320/1964, que estabelece normas gerais de Direito Financeiro, em seu
artigo 12, distingue subvenções sociais, aquelas “que se destinem a instituições
públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa”, e
subvenções econômicas, “as que se destinem a emprêsas públicas ou privadas de
caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril”.
A outorga de subvenções e subsídios é ato administrativo discricionário,
vinculada ao planejamento estatal, observada as disposições legais e as dotações
orçamentárias139.
ZOCKUN entende que subvenções são destinadas a cobrir despesas de
custeio, sem implicar em contraprestação direta de bem ou serviço por parte da
entidade beneficiada140.
Rocco Antonio Rangel Rosso NELSON ressalta que qualquer espécie de
incentivo fiscal deve estar previsto na lei orçamentária, conforme artigo 165, § 6º, da
Constituição Federal141.
Também se enquadram como meios econômicos os mecanismos de
crédito, que são empréstimos com juros reduzidos e prazos dilatados, e os
136
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 50.
Ibidem, p. 71-72.
138 Ibidem, p. 73.
139 Ibidem, p. 75.
140 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 198.
141 NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. Apontamentos sobre incentivos fiscais no Brasil. Revista
Tributária e de finanças públicas, São Paulo, v. 119, nov./dez. 2014, p. 208.
137
33
incentivos fiscais, mediante imunidades e isenções142. Nesta última modalidade, a
“receita irá proporcionar benefícios generalizados, através dos quais a perda de
receita será neutralizada e, até, superada por novas arrecadações fiscais num futuro
programado”143.
Os incentivos fiscais podem se dar sobre as despesas e as receitas. Sobre as
primeiras destacam-se as subvenções (em que a entidade beneficiada deve prestar
uma contraprestação pela doação recebida), créditos presumidos (ressarcimento
por impostos pagos) e subsídios (incentivos em dimensão macroeconômica sem
contraprestação direta do beneficiado). Sobre as segundas, isenção (forma de
exclusão do crédito tributário), diferimento (alongamento do prazo para cumprimento
da obrigação tributária) e remissão e anistia (extinção do crédito tributário posterior
à sua implementação e perdão de infrações administrativas)144.
A atuação dos particulares e do terceiro setor é facultativa, ou seja, não cabe
ao Estado obrigar os particulares. Porém, ao receberem auxílio público, surge o dever
estatal de fiscalizar a devida utilização dos recursos concedidos na consecução do
interesse público almejado145, tanto pela entidade estatal convenente quanto pelo
Tribunal de Contas146.
A correta destinação do fomento é fundamental para viabilizar pequenas
produções artísticas e para a interiorização das atividades, seja mediante repasses
de recursos a fundo perdido quanto por incentivos fiscais.
2.5 REGIME JURÍDICO DAS PARCERIAS E CONVÊNIOS
A Lei 13.019/2014, regulamentada pelo Decreto 8.726/2016, criou novas
classificações para diversos atos administrativos até então denominados convênios.
A natureza jurídica do instituto não foi modificada. As alterações garantem maior
precisão terminológica quanto ao instituto jurídico analisado.
142
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 77-81.
Ibidem, p. 84.
144 NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. Op. cit., p. 210-219.
145 ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 190.
146 Ibidem, p. 204.
143
34
Até então, muitas regras acerca dos convênios eram previstas nas leis de
diretrizes orçamentárias, o que era criticável, pois, segundo Luciano Elias REIS,
causava insegurança jurídica em razão da revisão anual da lei147.
Pela nova classificação, conforme artigo 84, apenas são convênios os atos
firmados “entre entes federados ou pessoas jurídicas a eles vinculadas” e entre ente
público e instituição privadas integrante do Sistema Único de Saúde, em respeito à
expressão adotada na Constituição Federal, artigo 199, § 1º.
Sobre os atuais convênios, tem destaque o Decreto 6.170/2007 que disciplina
a transferência de recursos oriundos da União. O § 4º do artigo 1º afasta a incidência
deste regulamento para as hipóteses reguladas pela nova lei. Restam, portanto,
disciplinados por este regulamento as transferências de recursos para entidades da
administração indireta e para outras esferas da federação148.
Assim, a nova lei geral de fomento ao terceiro setor, de incidência nacional
por força do artigo 21, XXVII, da Constituição149, é a norma aplicável para a
transferência de recursos ao setor privado sem fins lucrativos através de parcerias
mediante termo de colaboração, termo de fomento e acordo de cooperação.
Ressalvadas as hipóteses reguladas por lei específica, todos os atos
consensuais entre a Administração e organizações da sociedade civil se submetem
às normas gerais de parcerias instituídas por esta lei.
Apesar na nova nomenclatura, parcerias entre a administração pública e
organizações da sociedade civil, a doutrina acerca dos convênios permanece útil para
o entendimento do instituto, bastando ter o cuidado de identificar se o tema abordado
trata de fomento ao terceiro setor ou ao estatal.
Foi instituído o chamamento público como procedimento para a seleção de
organização apta a receber incentivo, a ser publicado com antecedência mínima de
trinta dias (artigo 26). Também há disposição sobre hipóteses de dispensa do
147
REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 126.
“Isto é, caso o convênio seja firmado entre entidades ou órgãos da Administração Pública, visualizase um ato cooperativo, que pode inclusive ser denominado de cooperação federativa, no qual o
convênio serve como instrumento. Já quando for entre um órgão ou uma entidade da Administração
Pública e uma entidade privada, então se qualifica como um convênio colaborativo, visto que o terceiro
afã de um interesse da coletividade celebra a parceria”. Ibidem, p. 97-98.
149 MARRARA, Thiago. Identificação de convênios administrativos no Direito brasileiro. [Revista
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, v. 100, p. 551-571. 2005].
Disponível em <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67683>. Acesso em 14 maio 2016. p.
565.
148
35
chamamento público (artigo 30) ou inexigibilidade (artigo 31), sempre mediante ato
motivado (artigo 32), que possibilita maior controle à atuação pública.
A parceria se dará mediante celebração de termo de colaboração, quando
houver transferência de recursos e a proposta de trabalho partir da Administração
Pública, termo de fomento, com transferência de recursos e iniciativa da organização
social, e acordo de cooperação, sem transferência de recursos (artigo 2º). Para
tanto, devem preencher os requisitos previstos (artigos 33 e seguintes).
Ao se receber recursos públicos, oriundos de prévia autorização orçamentária
(artigo 35, II), há obrigatoriedade de prestar contas, anualmente e ao fim da parceria
(artigo 49)
A parceria é uma modalidade de ato administrativo pautado na
consensualidade. Os interesses dos convenentes devem ser comuns, qual seja, a
promoção do interesse público. Por este motivo dispensa-se licitação para sua
conclusão. Distingue-se dos contratos administrativos comuns, pois nestes os
interesses são distintos e opostos, enquanto nos convênios são comuns e
convergentes150.
No mesmo sentido, MARRARA explica que as parcerias são marcadas por
“uma relação jurídica de coordenação (e não subordinação) e cooperação (interesse
na produção dos mesmos resultados concretos”151. Há benefícios econômicos na
conclusão de um convênio, negar sua existência é mera ilusão, o que não se deve
admitir é a busca pelo lucro mediante recebimento de verba pública 152.
Há três classificações presentes na doutrina acerca da natureza jurídica dos
convênios: “a que considera os convênios uma espécie de contrato administrativo, a
que nega esse posicionamento e a que os designam como atos administrativos
complexos e/ou acordos administrativos”153.
Possivelmente essa divergência decorre da designação de diferentes atos
jurídicos com o mesmo nome de “convênio”. É possível que um convênio seja um ato
administrativo complexo quando firmado entre órgãos de uma mesma pessoa jurídica.
150
REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 49. No mesmo sentido: ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p.
201-202.
151 MARRARA, Thiago. Op. cit., p. 552.
152 Ibidem, p. 554-555.
153 REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 54. No mesmo sentido: MARRARA, Thiago. Op. cit., p. 560.
36
Um exemplo possível seria o firmado entre o Poder Judiciário e o Ministério
Público para o fim de o tribunal disponibilizar acesso à internet para promotores de
justiça. Neste caso, as “partes” são órgãos do mesmo ente estatal, o Estado do
Paraná154.
Quando firmado o convênio
entre pessoas jurídicas
distintas,
há
evidentemente uma modalidade de contrato lato sensu, pois não há a necessidade da
existência de “vontades contrapostas” para a conclusão de um contrato, assim como
ocorre nos contratos de sociedade155.
A pessoa jurídica que firma o convênio com o ente estatal pode ser de direito
público ou privado. Na primeira hipótese, ambas as partes almejam por lei o interesse
público. As vedações à conclusão de um convênio neste caso podem se dar pelo
descumprimento da lei de responsabilidade fiscal, com vedação aos repasses
voluntários, por exemplo.
Na segunda, há que se analisar a existência de verdadeiro contrato
administrativo, sujeito à licitação. Caso contrário, há convênio e deve ser analisado
conforme a legislação pertinente.
Adota-se a posição de que as parcerias públicas com as organizações da
sociedade civil são uma modalidade de contrato administrativo, atualmente sujeitos à
disciplina jurídica própria da Lei 13.019/2014.
Apesar da importância dos convênios, Luciano Elias REIS afirma que este
instrumento é frequente utilizado como forma de transferir recursos públicos para
terceiros sem respaldo no interesse público. Também é comum a designação como
convênio de verdadeiros contratos administrativos, que exigem prévia licitação,
154
Situação similar foi a noticiada no site Consultor Jurídico, referente à convênio firmado entre
Ministério Público de São Paulo e Tribunal de Justiça de São Paulo acerca da digitalização de inquéritos
policiais no momento do ajuizamento da ação penal. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016jul-06/impasse-tj-sp-mp-fecham-acordo-digitalizar-inqueritos>. Acesso em 07 jul. 2016.
155 Sobre a natureza contratual dos convênios, consultar: Ibidem, p. 563. Para o MARRARA, “...não
faria nenhum sentido defender teorias que afastassem a natureza contratual dos convênios para, em
sequência, defender que se lhes deva aplicar a teoria geral dos contratos”. Em sentido contrário,
entendendo que “...os convênios administrativos em sentido lato são atos administrativos unilaterais
complexos introdutores de normas jurídicas infralegais individuais, concretas, obrigatórias para os
sujeitos de uma relação jurídica obrigacional, sendo que necessariamente no mínimo um dos sujeitos
deve ser integrante da administração Pública”, REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 57.
37
conforme diversas decisões dos tribunais de contas156. A utilização de “convênios de
fachada” implica violação ao princípio da isonomia157.
Desta forma, “Toda transferência de bens entre os partícipes que tenha por
finalidade gerar vantagens econômicas sem correlação com o objetivo da cooperação
será ilegal”158.
Eventualmente até entidades que não distribuem lucros entre seus
associados obtém lucros com serviços prestados. Neste caso, é necessária a
realização de licitação, não sendo o convênio o instrumento adequado159.
REIS entende que não há obrigatoriedade de a Administração Pública firmar
um convênio, pois pode ela própria exercer a atividade de interesse público. A opção
pela utilização desta modalidade consensual ao invés de a Administração prestar
diretamente se dá mediante juízo de conveniência e oportunidade160.
Salvo vedações legais, não há proibição a que o convênio se dê com pessoa
jurídica com fins lucrativos, desde que não busque o lucro na atividade objeto do
convênio, mas o interesse público almejado161.
O dinheiro repassado ao particular não perde a natureza de verba pública e
fica sujeito aos controles interno e externo, conforme artigo 70, parágrafo único, da
Constituição162.
Nos termos do artigo 22 da Lei 13.019/2014, o repasse de dinheiro fica sujeito
à prévia aprovação do plano de trabalho a ser exercido, que deve apresentar pelo
menos as seguintes informações: descrição da realidade que será objeto da parceria,
devendo ser demonstrado o nexo entre essa realidade e as atividades ou projetos e
metas a serem atingidas; descrição de metas a serem atingidas e de atividades ou
projetos a serem executados; previsão de receitas e de despesas a serem realizadas
na execução das atividades ou dos projetos abrangidos pela parceria; forma de
execução das atividades ou dos projetos e de cumprimento das metas a eles
atreladas; e definição dos parâmetros a serem utilizados para a aferição do
cumprimento das metas.
156
Ibidem, p. 24.
ZOCKUN, Carolina Zancaner. Op. cit., p. 202.
158 MARRARA, Thiago. Op. cit., p. 554.
159 REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 143.
160 Ibidem, p. 76-77.
161 Ibidem, p. 99. No mesmo sentido: MARRARA, Thiago. Op. cit., p. 559.
162 NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 461.
157
38
Conforme artigos 36 e 37 do Decreto 8.726/2016, não se exige maiores
formalidades nas contratações realizadas pela organização da sociedade civil com
dinheiro público, bastando o registro das despesas realizadas na plataforma
eletrônica, desde que em conformidade com o plano de trabalho, e arquivamento das
respectivas notas fiscais.
Constitui desvio de finalidade na utilização do dinheiro público empregá-lo em
fim diverso do pactuado163. O rompimento de um convênio não implica dever de
indenizar, ao contrário do que acontece com os contratos administrativos 164.
Contudo, tal afirmação não pode ser levada ao extremo, para tanto devem ser
analisadas as cláusulas do convênio. Se o convenente assumiu obrigações com a
finalidade de atender real interesse público objeto do convênio, conforme cronograma
de desembolsos, que não teria se responsabilizado sem o apoio estatal, pode exigir a
respectiva parcela do repasse.
Há que se observar o princípio da confiança entre administrado e
Administração Pública. A resilição unilateral do convênio sem motivação idônea que
gere danos pode implicar responsabilidade civil. Por outro lado, se não for
demonstrado prejuízo patrimonial ao convenente, não há dever de indenizar. Da
mesma forma, uma retirada irresponsável por parte do convenente também não pode
ser admitida165. Além de eventual sanção administrativa ou penal, as partes podem se
sujeitar à sanção contratual prevista no convênio.
Embora a aderência à atividade fomentada seja livre e consensual, após a
aceitação dos incentivos, “o Estado poderá coagir o agente fomentado a cumprir
aquilo que voluntariamente se comprometeu, ou puni-lo, porque não o fez”166,
conforme artigo 73 da Lei 13.019/2014, sem prejuízo da caracterização de ato de
improbidade administrativa.
163
REIS, Luciano Elias. Op. cit., p. 84.
Ibidem, p. 90.
165 Ibidem, p. 103.
166 SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 64.
164
39
3. FOMENTO À CULTURA
3.1 LEI ROUANET
A chamada Lei Sarney (Lei 7.505/1986) ficou marcada por desvios de
finalidade na sua execução, pois eram criadas empresas exclusivamente com o
objetivo de obter incentivo fiscal, sem que executassem qualquer projeto cultural167. A
Lei Rouanet (Lei 8.313/1991), regulamentada pelo Decreto 5.761/2006, surgiu com o
objetivo de corrigir os principais problemas daquela lei, com maior fiscalização na
aplicação do dinheiro público. Apesar dos avanços, ela não é imune a críticas.
A lei vigente atua mediante cinco grandes linhas (artigo 3º): incentivo à
formação artística e cultural; fomento à produção cultural e artística; preservação e
difusão do patrimônio artístico, cultural e histórico; estímulo ao conhecimento dos bens
e valores culturais; e apoio a outras atividades culturais e artísticas definidas pelo
Ministério da Cultura168.
O rol de atividades que podem ser incentivadas é vasto e a lei abre
possibilidade de ampliação da lista169. Na análise dos projetos submetidos, é vedada
a apreciação subjetiva quanto ao valor artístico ou cultural, a qual deve se ater ao
orçamento e aspectos técnicos.
Os projetos culturais somente receberão incentivos se forem abertos ao
público em geral, seja gratuitamente ou com cobrança de ingresso. Veda-se o
incentivo a eventos privados que estabeleçam limitações de acesso, conforme artigo
2º, §§ 1º e 2º, da lei.
O fomento cultural instituído pode beneficiar pessoas físicas, pessoas
jurídicas de direito público e de direito privado, com ou sem finalidade lucrativa. Para
cada hipótese há regras específicas.
167
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 21.
Ibidem, p. 147.
169 Não é objeto deste trabalho discorrer sobre quais atividades podem ser incentivas com fundamento
na Lei Rouanet, mas analisar aspectos jurídicos dos institutos criados pelo diploma legal. As finalidades
da lei estão dispostas no artigo 1º, os objetivos gerais no artigo 3º, os objetivos do Fundo Nacional de
Cultura no artigo 4º, os projetos passíveis de investimento por FICART no artigo 9º e do mecenato nos
artigos 18, § 3º, e 25.
168
40
São três os principais mecanismos criados (artigo 2º): o Fundo Nacional da
Cultura – FNC; os Fundos de Investimento Cultural e Artístico – FICART; e incentivos
a projetos culturais mediante doações e patrocínios (mecenato).
O Fundo Nacional da Cultura atua por incentivos via fundo perdido ou
empréstimos reembolsáveis. A primeira modalidade beneficia apenas entidades sem
fins lucrativos ou instituições públicas. Como não depende de patrocínio de entidades
privadas, viabiliza o apoio a projetos de grande importância, mesmo para os não
atrativos aos patrocinadores170. A segunda se dá mediante contrato de mútuo
intermediado por instituição financeira.
Na doação o contribuinte não pode se promover. Já no patrocínio não há
vedação, podendo inclusive receber até 10% dos produtos ou ingressos do projeto
apoiado para distribuir livremente.
Já os Fundos de Investimento Cultural e Artístico, disciplinados pela
Comissão de Valores Mobiliários, tem por objetivo o investimento em projetos
artísticos com finalidade lucrativa previstos no artigo 9º.
CUNHA FILHO explica que o objetivo da lei é que
...atividades culturais constitucionalmente definidas como importantes para formação da
identidade e da diversidade cultural brasileira, mas de pouco apelo comercial, devem receber
incentivos por meio do Fundo Nacional da Cultura; atividades culturais com possibilidade de
auto-sustentabilidade captam do mecenato; atividades que tipicamente são vinculadas à
indústria cultural fazem uso dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico 171.
A criação de um FICART é livre para a iniciativa privada, atendidas as
formalidades legais. A lei institui benefícios e, por não implicar utilização de verbas
públicas, não há dever de prestação de contas.
Tratando-se de pessoa física ou jurídica com fins lucrativos, não há
possibilidade de se beneficiar de recursos do Fundo Nacional de Cultura, salvo na
hipótese de destinação específica dos recursos orçamentários, mas apenas de
incentivos fiscais, mediante doação e patrocínio, ou FICART. A incidência do
mecenato federal é mais ampla que o FNC por este motivo.
170
171
PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 50.
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 146-147.
41
A lei optou pela criação de benefícios fiscais como forma de incentivar projetos
culturais. Esta é uma expressão da esfera extrafiscal dos tributos172, na qual o objetivo
principal não é arrecadar recursos aos cofres públicos, mas influenciar na atividade
econômica privada.
A Lei Rouanet atua por subvenção ou subsídios ao proponente do projeto
cultural através dos recursos oriundos de incentivos fiscais concedidos às empresas
que patrocinam a cultura ou do Fundo Nacional da Cultura.
O instrumento jurídico utilizado para o repasse de recursos é uma
modalidade de convênio, analisada no capítulo anterior. É um ato administrativo
consensual mediante o qual o ente público repassa verbas públicas ao particular
visando ao atingimento do interesse público.
Essa modalidade de contratação independe de licitação, bastando a
autorização legal para a subscrição do instrumento de convênio, observados os
princípios administrativos, e autorização orçamentária referente a renúncias fiscais
para destinação dos recursos.
Caso o proponente seja pessoa jurídica de direito público há manifestação
característica do federalismo cooperativo, que tem o objetivo de fomentar o
desenvolvimento regional mais equilibrado. Esta modalidade se dá pelo Fundo
Nacional de Cultura.
A Lei Rouanet veda qualquer tipo de intermediação na propositura de projetos,
excetuando “serviços necessários à elaboração de projetos para a obtenção de
doação, patrocínio ou investimento, bem como a captação de recursos ou a sua
execução por pessoa jurídica de natureza cultural” (artigo 28).
Uma das modificações instituídas pela Lei Rouanet em relação à Lei Sarney
foi a vedação ao abatimento do imposto para beneficiar projeto de autoria da própria
entidade agraciada pelo incentivo fiscal (artigo 27173). A lei excepcionou esta proibição
172
NELSON, Rocco Antonio Rangel Rosso. Op. cit., p. 202-203.
“Art. 27. A doação ou o patrocínio não poderá ser efetuada a pessoa ou instituição vinculada ao
agente. § 1o Consideram-se vinculados ao doador ou patrocinador: a) a pessoa jurídica da qual o
doador ou patrocinador seja titular, administrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação, ou
nos doze meses anteriores; b) o cônjuge, os parentes até o terceiro grau, inclusive os afins, e os
dependentes do doador ou patrocinador ou dos titulares, administradores, acionistas ou sócios de
pessoa jurídica vinculada ao doador ou patrocinador, nos termos da alínea anterior; c) outra pessoa
jurídica da qual o doador ou patrocinador seja sócio. § 2o Não se consideram vinculadas as
instituições culturais sem fins lucrativos, criadas pelo doador ou patrocinador, desde que
devidamente constituídas e em funcionamento, na forma da legislação em vigor”. (grifei)
173
42
às de instituição sem fins lucrativos mantidas pelo patrocinador, conforme § 2º daquele
dispositivo. CUNHA FILHO entende que esta possibilidade acaba por anular os efeitos
da referida proibição174.
O mais importante é a fiscalização do uso desses recursos que, no final das
contas, são públicos. Isto porque há muitas instituições sérias que prestam relevante
contribuição à cultura nacional. Cabe ao Estado “separar o joio do trigo”, exigir o
cumprimento dos projetos apresentados para garantir o retorno esperado pela
sociedade com a aplicação dos recursos públicos.
Outras importantes normas estão previstas na Instrução Normativa 1/2013 do
Ministério da Cultura. Após a execução do projeto, as contas prestadas poderão ser
julgadas aprovadas, aprovadas com ressalvas ou reprovadas. Neste último caso, é
aplicada a sanção de inabilitação para apresentar novos projetos, sem prejuízo da
restituição dos valores indevidamente aplicados.
A aplicação sem justa causa ou incorreta dos recursos implica em tomada de
contas especial e registro no Sistema Integrado de Administração Financeira do
Governo Federal – SIAFI.
As despesas efetuadas devem estar previstas no orçamento do projeto e
devem ser realizadas por meio que possibilite a identificação do fornecedor, salvo
despesas inferiores a cem reais.
O proponente deve ter liberdade para contratar quem preste o serviço mais
adequado, desde que respeitados os limites de despesa previsto no orçamento
aprovado pelo Ministério da Cultura.
Violações à lei sujeitam o doador ou patrocinador ao pagamento do imposto
devido como se não houvesse abatimento fiscal, podendo inclusive configurar crime
(artigos 30 e 40). Desvio de finalidade na aplicação dos recursos enseja multa (artigo
38). Discriminação à liberdade de expressão no andamento do projeto também é
tipificado penalmente (artigo 39).
Na questão das punições, vê-se que parte delas somente tem razão de ser
em função da opção pelo fomento mediante dedução tributária de terceiros. O fato do
patrocinador não poder se beneficiar diretamente do projeto só tem justificativa porque
ele aplica recursos próprios que são abatidos dos impostos. Se o dinheiro viesse
174
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 161.
43
diretamente do ente público, não haveria motivação para conluio entre proponente e
patrocinador. Este somente apoiaria o projeto se realmente tivesse interesses lícitos,
pois o imposto continuaria devido, doando ou não.
A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 6.722/2010 para substituir
a Lei Rouanet. Atualmente tramita no Senado Federal como Projeto de Lei da Câmara
93/2014. No decorrer da pesquisa serão tecidos alguns comentários sobre as
modificações propostas aprovadas na Câmara.
3.2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
A alocação de recursos públicos deve ser feita de maneira racional e
democrática. Paul TOLILA defende que há bens culturais que também podem ser
tratados como mercadorias175. Claro, é necessário distinguir projetos com potencial
de retorno financeiro de outros sem essa característica e que, apesar disso, não
perdem a importância para a sociedade.
A discricionariedade administrativa conferida pela lei se justifica, pois, “...o
ordenamento jurídico reserva ao administrador uma certa margem de escolha para
decidir, pois este supostamente possui as capacidades para o julgamento mais
adequado à concretização do interesse público, estando, assim, diante de um ato
discricionário”176.
Segundo Juliana Sberze Pacheco SILVA “o planejamento possui a
característica de limitador da discricionariedade na realização do fomento público”177.
Assim, caso seja necessário priorizar alguma área por insuficiência de recursos, o
Plano Nacional de Cultura é o parâmetro adequado a ser utilizado.
Os recursos originários do Fundo Nacional de Cultura são direcionados aos
projetos por escolha do Ministério da Cultura, o que deveria garantir maior equilíbrio
na distribuição dos recursos entre regiões e áreas culturais178.
Francisco Humberto CUNHA FILHO critica a modificação realizada no § 1º do
artigo 4º da Lei Rouanet que retirou poderes da Comissão Nacional de Incentivo à
Cultura, órgão de composição mista entre representantes do Poder Público e da
175
TOLILA, Paul. Op. cit., p. 18.
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 86.
177 Ibidem, p. 48.
178 PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 50.
176
44
sociedade civil, de aprovação do Programa de Trabalho Anual, limitando-se a emitir
pareceres. Atualmente, o poder de decisão está concentrado nas mãos do Ministro da
Cultura179.
Os critérios de escolha dos projetos devem ser transparentes. “Qualquer
outorga de favores, sem a prévia vinculação a um interesse global materializado na
fonte própria, caracteriza privilégio e discriminação, repudiados pelo princípio da
isonomia”180.
RUBIM critica as leis de incentivo cultural porque davam a impressão que a
atuação estatal estaria esgotada com estes mecanismos de incentivo fiscal, próprios
do modelo neoliberal de Estado. Reconhece avanços, como a política de editais pelo
Fundo Nacional de Cultura e a atuação das empresas estatais181. Defende que deve
ser instituída
...uma política de financiamento, submetida à política pública e nacional de cultura. Ela deve
garantir: 1. papel ativo e poder de decisão do estado sobre as verbas públicas; 2. mecanismos
simplificados de acesso aos recursos; 3. instâncias democráticas de deliberação acerca dos
financiamentos; 4. distribuição justa dos recursos, considerando as regiões, os segmentos
sociais e a variedade de áreas culturais; 5. modalidades diferenciadas de financiamento em
sintonia com os tipos distintos de articulação entre cultura e mercado182.
O poder de alocação dos recursos públicos foi colocado em mãos privadas
pelas leis de incentivo à cultura183. Aqui se encontra o principal problema da lei,
retirando esta atribuição do Estado, situação que não se compatibiliza com a
supremacia do interesse público.
Na modalidade incentivo fiscal é evidente que os recursos são públicos, visto
que o patrocinador tem abatimento proporcional do imposto de renda devido,
conforme dispõe a Lei Rouanet.
De acordo com CUNHA FILHO, “...a lei determina que para a aprovação dos
projetos será observado o princípio da não concentração por segmento e por
beneficiário, a ser aferido pelo montante de recurso, pela quantidade de projetos, pela
179
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 23.
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 48.
181 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Políticas culturais e sociedade..., p. 134.
182 Idem.
183 Ibidem, p. 128.
180
45
respectiva capacidade executiva e pela disponibilidade do valor absoluto de renúncia
fiscal”184.
A sociedade deve participar da escolha dos projetos incentivados mediante
composição de órgãos colegiados competentes para tal análise e para a elaboração
de editais a rubricas para as áreas de cultura185.
De acordo com PEDRA, “no financiamento público, o interesse está em
desenvolver a cultura, o público almejado é toda a comunidade, seu objetivo é
movimentar a economia e democratizar o acesso à cultura, além de buscar a
articulação com outros setores e manter a coerência da política cultural adotada pelas
três esferas do governo”186.
Portanto, a distribuição de recursos deve ser mais regionalizada e compatível
com as necessidades das diferentes expressões culturais. A destinação dos recursos
deve atentar aos dispositivos da Lei Rouanet e ao Plano Nacional de Cultura. Os
recursos públicos devem ser destinados ao incentivo à cultura brasileira, ou ao menos
produzida no país, e que empregue mão-de-obra nacional.
Cabe à Administração Pública elaborar a política de apoio à cultura mediante
diversos mecanismos. Isso não implica afirmar que todo e qualquer projeto mereça
apoio idêntico. Os critérios de distinção devem ser explicitados pelos órgãos
democráticos, seja pelo parlamento (Plano Nacional de Cultura) ou pelo Conselho de
Cultura, com representação da sociedade.
PEDRA explica que “A modalidade de celebração do apoio deve ser
compatível com o tipo de projeto selecionado. Há projetos em que a celebração por
convênio é o mais adequado, mas há também aqueles em que o contrato ou o prêmio
são mais pertinentes”187.
Nas hipóteses de abatimento integral de tributos, previstos no artigo 18, é
completamente desnecessária a intervenção do patrocinador, se não é inclusive
prejudicial. Esta opção legislativa não é a mais adequada, pois como os recursos são
integralmente públicos, a decisão sobre sua destinação deveria incumbir ao Estado.
184
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 159.
PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 123-124.
186 Ibidem, p. 53.
187 Ibidem, p. 123.
185
46
A cultura popular merece tratamento diferenciado, assim como outros ramos
que dependem de apoio estatal. Sempre que possível, deve-se estimular a
“emancipação” dos setores com potencial de financiamento pela iniciativa privada.
“Pensar hoje a economia do setor cultural não constitui de modo algum uma derrota
dos argumentos humanistas a respeito da cultura que todos conhecemos e
defendemos”188. Não é que uma manifestação seja menos importante que outras, mas
porque os recursos são escassos e devem ser utilizados da melhor maneira possível.
Neste ponto, relevante a decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União
determinando que a Secretaria Executiva do Ministério da Cultura se abstenha “...de
autorizar a captação de recursos a projetos que apresentem forte potencial lucrativo,
bem
como
capacidade
de
atrair
suficientes
investimentos
privados
independentemente dos incentivos fiscais...”189
A liberdade de expressão deve ser garantida, não cabendo ao Ministério da
Cultura emitir juízo de valor sobre a qualidade do projeto apresentado. Desta forma, o
órgão apenas aprova o projeto executivo e o orçamento, possibilitando ao proponente
a captação dos recursos necessários.
É preciso distinguir censura de ausência de fomento. Certamente não cabe
ao Estado impedir a criação artística em qualquer nível, salvo situações excepcionais,
como a apologia ao crime ou o discurso de ódio. Ausentes estes desvios, impera a
liberdade. Ocorre que este controle de razoabilidade encontra barreira no crime
tipificado no artigo 39.
Eventualmente tais critérios podem não ser suficientes para a seleção dos
projetos, principalmente quando não houver verba suficiente para todos. Por tal motivo
a discussão sobre a discricionariedade administrativa é relevante. A opção adotada
no projeto de lei em discussão é interessante, pois cria uma classificação por critérios
de ampliação do acesso. Os projetos mais bem colocados têm prioridade na obtenção
de recursos do Fundo Nacional de Cultura.
A proposta estabelece que cada região deve receber no mínimo 10% dos
recursos do fundo e cada estado pelo menos 2%. Também cria fundos setoriais o que
também contribui para a desconcentração dos recursos. São os fundos das artes
188
TOLILA, Paul. Op. cit., p. 19.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Representação nº 034.369/2011-2. Relator Ministro Augusto
Sherman Cavalcanti. Tribunal Pleno. Julgado em 03.02.2016.
189
47
visuais; teatro; circo; dança; música; acesso e diversidade; patrimônio, arqueologia e
memória; livro, leitura, literatura e diversidade linguística; economia criativa, ações
transversais e equalização de políticas culturais; audiovisual; culturas populares;
museus e memórias; e inovação do audiovisual.
Estas reformas garantirão a distribuição mais democrática de recursos entre
os estados e por área cultural. Contudo, não eliminará a necessidade de se optar por
determinados projetos. A lei ou os regulamentos devem dar prioridade a produções
nacionais, de autoria brasileira, que promovam a expansão do acesso à cultura e que
valorizem eventos sem finalidade lucrativa e de empresas de pequeno porte.
3.3 FUNDO NACIONAL DE CULTURA: RECURSOS NÃO-REEMBOLSÁVEIS
Apenas pessoas jurídicas públicas ou privadas sem fins lucrativos podem
obter recursos do Fundo Nacional de Cultura na modalidade recursos nãoreembolsáveis, conforme artigo 10, I, do Decreto 5.761/2006, mediante aprovação do
projeto pelo Ministério da Cultura. Esta é a modalidade mais favorável para
financiamento de projetos do terceiro setor.
A concessão de recursos não-reembolsáveis é a principal forma de atuação
do Fundo Nacional de Cultura. Tais recursos devem ser aplicados nas prioridades
constitucionais definidas para o setor cultural190. CUNHA FILHO defende que o FNC
deve priorizar “projetos em áreas artísticas e culturais com menos possibilidade de
desenvolvimento com recursos próprios”191.
O dinheiro oriundo do FNC destinado a pessoas físicas serve para financiar
bolsas de estudo, passagens, ajudas de custo, prêmios enquanto para pessoas
jurídicas se dá mediante subvenções, auxílios e contribuições192. Apenas pessoas
jurídicas podem apresentar projetos culturais com recursos do fundo 193, conforme
artigo 10 do Decreto 5.761/2006.
190
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 149.
Ibidem, p. 150.
192 Idem.
193 A Política Nacional de Cultura Viva (Lei 13.018/2014) não exige personalidade jurídica para que
coletivos comunitários recebam recursos públicos, desde que desenvolvam atividades culturais na
comunidade e sejam reconhecidos pela União, estado ou município como “ponto de cultura”, mediante
prévia seleção pelo Poder Público.
191
48
Também são oriundos do fundo os recursos para os empréstimos
intermediados por instituição financeira e concessão de bolsas de estudo, prêmios,
passagens, ajuda de custo e outras situações definidas pelo Ministério da Cultura.
Os projetos devem passar por avaliação da Comissão do Fundo Nacional da
Cultura (artigo 14), órgão sem participação da sociedade em sua composição (artigo
15). Os pronunciamentos técnicos e da comissão sempre devem estar voltados ao
interesse público e à melhor alocação dos recursos do FNC.
Apenas serão apoiados eventos que possuam projetos de continuidade e nos
quais haja participação popular. Em geral os recursos públicos apenas financiarão no
máximo 80% dos custos do projeto, inclusive em caso de convênio com estados e
municípios, salvo se um contribuinte destinar doação ou patrocínio ao FNC
direcionando os recursos a um projeto específico194 ou em caso de emenda
parlamentar, conforme artigo 13 do regulamento.
No caso de doação ou patrocínio de projetos enquadrados no artigo 18 da Lei
Rouanet o abatimento do valor despendido é integralmente descontado do imposto
devido. Novamente se retira o poder da Administração de alocação dos recursos, além
da dispensa de prévia manifestação da Comissão do Fundo Nacional da Cultura.
Não é adequado o abatimento integral de impostos convertidos em patrocínio,
tanto na doação, mas principalmente no patrocínio, pois o patrocinador obtém retorno
econômico em publicidade, além de receber 10% dos ingressos para o evento. A
participação de terceiros apenas se justifica quando efetivamente contribuam com a
produção cultural, despendendo recursos próprios.
Da leitura atenta do artigo 4º da Lei Rouanet percebe-se que não há vedação
expressa à aplicação de recursos do FNC em projetos apresentados por pessoas
físicas ou jurídicas com fins lucrativos. Ainda que sem afrontar a lei, neste ponto o
decreto inovou. Contudo, considera-se inconveniente esta vedação, que pode
facilmente ser modificada pelo Presidente da República.
Seria oportuno o incentivo pelos recursos do FNC a pessoas físicas e jurídicas
com fins lucrativos para, nos termos da lei, “estimular a distribuição regional equitativa
dos recursos” e priorizar “projetos em áreas artísticas e culturais com menos
possibilidade de desenvolvimento com recursos próprios”.
194
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 151.
49
Essa ampliação poderia se limitar apenas às empresas de pequeno porte,
pois são merecedoras de tratamento favorecido, conforme previsão do artigo 170, IX,
da Constituição.
O mecanismo do FNC é subutilizado para fins de fomento à projetos culturais.
Em 2015, concedeu recursos para apenas 34 projetos num total de apenas R$
26.582.583,19195, além de outras despesas em editais e próprias de órgãos do
ministério, enquanto a renúncia fiscal aprovada no orçamento foi de R$
1.323.390.560196.
A ampliação do acesso aos recursos do fundo seria mais eficiente para o
incentivo à cultura, pois a captação de recursos por incentivo fiscal exige
conhecimentos mais aprofundados e demanda custos para o proponente.
O critério para seleção do projeto deve ter por parâmetro o interesse público,
não o interesse privado como acontece atualmente com a Lei Rouanet e é reproduzido
em outras legislações estaduais e municipais.
O projeto de lei que visa substituir a Lei 8.313/1991 tem por característica
principal a valorização do Fundo Nacional de Cultura e democratização das decisões.
O projeto cria fundos setoriais, com conselho gestor próprio, objetivando “tornar mais
técnica a avaliação” e destinação de recursos, garantindo uma melhor distribuição
regional de recursos e por área cultural197.
Além dos recursos reembolsáveis e não-reembolsáveis, o fundo contará com
uma terceira modalidade de incentivo, referente a investimentos, na qual o fundo
receberá participação econômica nos resultados do empreendimento cultural198,
mediante intermediação por agente financeiro. O fundo também poderá destinar
recursos aos fundos estaduais e municipais para aplicação em cultura, promovendo
melhor distribuição regional dos recursos.
O projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados permite
expressamente a aplicação de recursos do Fundo Nacional de Cultura para pessoas
Conforme dados obtidos no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura – SALIC, na opção
Projetos,
Convênios,
Projetos
por
ano/área/segmento
no
endereço
http://sistemas.cultura.gov.br/salicnet/Salicnet/Salicnet.php.
196 Informação disponível em: http://www.cultura.gov.br/renuncia-de-receita. Acesso em 07 jun. 2016.
197 RABELO, Cecília Nunes. As mudanças na lei de incentivo à cultura (Lei Rouanet) quanto ao
Fundo
Nacional
da
Cultura.
Disponível
em:
<http://www.direitosculturais.com.br/artigos_interna.php?id=30>. Acesso em 30 maio 2016.
198 Idem.
195
50
físicas, jurídicas de direito público e privado, com ou sem fins lucrativos, solucionando
o problema indicado.
A proposta legislativa também dispõe que os projetos culturais com potencial
de retorno comercial somente serão beneficiados por recursos do FNC pela nova
modalidade de investimento retornável ou por recursos não reembolsáveis,
condicionada à gratuidade dos produtos ou serviços, na forma do regulamento.
Na segunda hipótese, entende-se que a quantidade de ingressos gratuitos
deve ser proporcional aos recursos públicos aplicados em relação ao orçamento do
projeto. Se o fundo custear metade do orçamento aprovado, metade dos ingressos
deverão ser gratuitos e a outra metade colocada à venda.
3.4 MECENATO
O mecanismo de incentivo fiscal a projetos culturais previamente aprovados
pelo Ministério da Cultura se dá mediante abatimento do imposto de renda, limitado a
6% do total devido para pessoas físicas e 4% para pessoas jurídicas.
Nas modalidades previstas no §3º199 do artigo 18 da Lei Rouanet, o
abatimento do imposto devido é integral, ou seja, o doador ou patrocinador não
desembolsa nenhum recurso. Apenas contribui adiantando o valor equivalente ao
imposto que pagaria no futuro. Nesta hipótese é vedado o lançamento do incentivo
como despesa operacional.
A dedução integral de recursos não estimula os investimentos privados em
cultura, pois os recursos são integralmente públicos200. O abatimento fiscal deve ser
apenas parcial, assim, a participação da iniciativa privada provoca efeito multiplicador
para o fomento à cultura201.
199 “§ 3o As doações e os patrocínios na produção cultural, a que se refere o § 1o, atenderão
exclusivamente aos seguintes segmentos: a) artes cênicas; b) livros de valor artístico, literário ou
humanístico; c) música erudita ou instrumental; d) exposições de artes visuais; e) doações de acervos
para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal
e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos; f) produção de obras
cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo
audiovisual; e g) preservação do patrimônio cultural material e imaterial. h) construção e manutenção
de salas de cinema e teatro, que poderão funcionar também como centros culturais comunitários, em
Municípios com menos de 100.000 (cem mil) habitantes”.
200 PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 58.
201 CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Op. cit., p. 206.
51
As modalidades de incentivo com abatimento integral do recolhimento do
imposto não têm nenhuma razão para existir. Como todo o capital no final das contas
é composto por recursos públicos, é mais econômico que o incentivo se dê
diretamente do Ministério da Cultura ao proponente.
Os demais projetos enquadráveis nesta lei podem ser beneficiados por
incentivo fiscal mediante abatimento parcial, conforme artigo 26 da lei, se pessoa
física o abatimento é de 80% em caso de doação e 60% em patrocínio e jurídicas,
40% doação e 30 % patrocínio, com possibilidade de lançar o valor como despesa
operacional se tributada com base no lucro real.
Por este motivo, CUNHA FILHO explica que o valor exato do abatimento não
é precisamente indicado na Lei Rouanet202. A possibilidade de abater tais despesas
como despesa operacional, que tem repercussão na Contribuição Social sobre Lucro
Líquido - CSLL, de alíquota diferente para entidades financeiras e não-financeiras.
Na realidade, o abatimento do imposto para pessoa jurídica é muito superior
aos percentuais previstos na Lei Rouanet, pois a base de cálculo da CSLL é reduzida
com a possibilidade de lançamento do incentivo como despesa operacional
Fábio de Sá CESNIK demonstra que para a alíquota de 9% para empresas
não-financeiras e 15% para as financeiras, prevista na Lei 7.689/1988, o abatimento
total do incentivo fiscal é para as primeiras de 64% para patrocínio e 73% para doação
e para as segundas 70% para patrocínio e 80% para doação203. Com o aumento
temporário das alíquotas até o exercício financeiro de 2018 para as empresas
financeiras pela Lei 13.169/2015, a dedução total de tributos devidos é ainda maior204.
A fração de abatimento do imposto de renda deveria ser aumentada, com a
exclusão da possibilidade de lançamento do incentivo como despesa operacional
como medida desburocratizadora. Aliás, o projeto de lei para substituir a Lei Rouanet
praticamente acaba com essa manobra contábil.
202
Ibidem, p. 158.
CESNIK, Fábio de Sá. Guia do incentivo à cultura. 3ª ed. São Paulo: Manole, 2012, p. 57-59.
204 Embora não seja o objetivo específico deste trabalho, a distorção do incentivo fiscal fica ainda mais
evidente no caso da Lei do Audiovisual (Lei 8685/1993), no benefício do artigo 1°, que permite o
abatimento do valor do patrocínio do valor devido como imposto de renda junto com a contabilização
do valor despendido como despesa operacional na aquisição de cotas de direitos de comercialização
de obras audiovisuais cujos projetos foram aprovados pela Agência Nacional do Cinema. Pelos cálculos
elaborados por Fábio de Sá CESNIK, o “investidor” tem um abatimento do imposto superior ao que
efetivamente despendeu e ainda tem a possibilidade de lucrar com os direitos de comercialização da
obra. Ibidem, p. 110.
203
52
Como se buscou demonstrar no primeiro capítulo, a cultura também possui
expressão econômica. A Lei Rouanet não veda o lucro nos projetos incentivados pelo
mecenato. A prioridade deve ser o retorno à sociedade pela utilização de recursos
públicos, matéria que pode ser alterada por regulamento, visto que a lei não desce a
detalhes acerca das contrapartidas do proponente beneficiado pelos recursos
públicos.
O doador não tem nenhum benefício direto. Equiparam-se à doação a
distribuição gratuita de ingressos de eventos artísticos a empregados e dependentes
e despesas efetuadas para preservação e recuperação de bens de propriedade ou
posse do doador tombados pelo Governo Federal (artigo 24 da lei).
O patrocinador pode divulgar seu nome junto ao projeto e ganhar 10% dos
ingressos, conforme artigo 31 do Decreto 5.761/2006. No caso de abatimento integral
do imposto, a empresa ganha com a promoção da sua imagem na sociedade e ainda
recebe 10% dos ingressos.
Num patrocínio de verdade, o patrocinador não deve lucrar diretamente com
o projeto apoiado. O abatimento do imposto não pode ser integral. Poucos são os
dispêndios privados desmotivados.
PEDRA explica que “O investimento privado tem interesse comercial,
responde a predileções pessoais, tem como público alvo clientes, consumidores,
fornecedores, funcionários e seu objetivo é divulgar o nome da empresa junto a
determinado público, associando seus valores ao produto cultural”205.
Quando uma empresa escolhe o evento como estratégia de comunicação, ela visa alguns
objetivos como a aproximação do público com a empresa ou produto; a associação da marca
ao evento criando um residual de lembrança; a criação de imagem junto à opinião pública, e
a repercussão pelos veículos de comunicação. É comum para muitas empresas associaremse a eventos culturais, pois o retorno dá-se a partir do momento em que a mídia o divulga,
iniciando o trabalho de conhecimento da marca. Esse é um dos muitos motivos que estão
levando as empresas a manifestarem o interesse em patrocinar um evento 206.
Patrocinar uma festa ou evento cultural tem custo muito menor do que veicular
comerciais na televisão207. Portanto, o retorno obtido pelo patrocinador deve ser
levado em conta no momento da criação do incentivo fiscal. FERNANDES também
205
PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 53.
FERNANDES, José Luis. Op. cit., p. 30.
207 Ibidem, p. 36.
206
53
explica que não há muito interesse das empresas em apoiar projetos de menor porte,
ao contrário do que se dá com os supereventos208.
Por outro lado, o setor de eventos ao vivo é marcado por um déficit crônico e
dependem de políticas tributárias e incentivos próprios para a área209. Este tipo de
classificação depende de dados econômicos para se criar uma política que incentive
os setores mais necessitados.
O apoio a um projeto com possibilidade de retorno financeiro não pode ser o
mesmo de uma festa popular. As informações obtidas pelo Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais serão de grande importância para o
aperfeiçoamento da política cultural.
Conclui-se que o abatimento integral do imposto não é a melhor opção
visando ao interesse público, pois os incentivadores decidem com fundamento em
interesses privados de autopromoção, não priorizando a melhor alocação de recursos
para a área da cultura. O patrocinador deve prestar uma contrapartida para se justificar
logicamente a opção legislativa pelo incentivo fiscal.
Não se quer criticar as empresas que se beneficiam com este procedimento.
O problema está na lei em si, que esquece que seu objetivo principal é o fomento à
cultura, não o abatimento dos impostos dos patrocinadores ou doadores.
Projetos com ou sem fins lucrativos devem ser tratados de maneira diversa. A
lucratividade não é empecilho ao fomento, desde que seja respeitado o interesse
público. A atividade econômica cultural não deve ser deixada em segundo plano,
apesar de merecer tratamento diferenciado entre atividade lucrativa ou não.
Tratando-se de projeto apresentado por entidade sem fins lucrativos é
justificado o financiamento integral, porém o poder de decisão deve permanecer com
o Estado através do FNC.
Além do mais, há custos para a captação de recursos, é melhor conceder mais
recursos públicos do que aceitar incluir no orçamento custos de captação. A Instrução
Normativa 1/2013, artigo 22, do Ministério da Cultura permite gastos de até cem mil
reais ou 10% do orçamento do projeto com tais despesas.
Esse é um serviço dentro da legalidade, mas que só existe em razão da opção
legislativa pelo incentivo fiscal. Utiliza-se dinheiro público para captar dinheiro privado
208
209
Ibidem, p. 44.
TOLILA, Paul. Op. cit., p. 34.
54
que na realidade é recurso público, em razão do abatimento do imposto devido. É uma
opção totalmente antieconômica que afronta o princípio da eficiência administrativa.
Empresas de pequeno porte deveriam ser apoiadas pelo FNC. Quando forem
pelo mecenato, merecem tratamento favorecido em relação às maiores empresas.
Não se justifica que empresas de médio e grande porte possam abater despesas de
captação, pois devem exercer essa atribuição por conta própria.
As de pequeno porte em geral não terão funcionários suficientes,
conhecimento técnico e acesso aos grandes patrocinadores, motivo pelo qual é
razoável a manutenção da possibilidade de inclusão no orçamento do projeto dos
custos de captação.
É justificável que as doações abatam mais imposto que os patrocínios e que
pessoas físicas abatam mais que jurídicas. Em razão dos custos para captação de
recursos e da delegação do poder de aplicação dos recursos públicos, as deduções
máximas de doação não deveriam ultrapassar cerca de 80% do valor do imposto
devido. Os menores abatimentos deverão ser de patrocínios por pessoas jurídicas,
mediante escalonamento similar ao vigente, mas sem a dedução de despesa
operacional.
Assim como ocorre com o fomento via FNC, o incentivo não deve arcar com
100% dos custos orçados do projeto, pelo menos dos que tiverem potencial lucrativo
e cobrança de ingresso ou venda do produto final. Quando o projeto for acessível
gratuitamente à população é admissível o apoio integral das despesas pelos
mecanismos de incentivo cultural. Sendo o caso de expressão cultural popular ou sem
possibilidade de retorno financeiro, o apoio estatal deve ser mais intenso que aos
potencialmente lucrativos.
Para os projetos com finalidade lucrativa também é adequado o apoio superior
às pequenas empresas do que às demais, com fundamento na Constituição.
Tratando-se de projeto apresentado por pessoa física, o apoio poderia inclusive ser
menor que o das pequenas empresas com o objetivo de incentivar a formalização da
atividade.
Ainda, a própria opção do fomento pelo incentivo fiscal é criticável. A forma
do incentivo deve ser desburocratizada. Se o dinheiro é público, não tem justificativa
buscar um particular para fornecê-lo. Muitos projetos deixam de ser executados por
falta de captação. Com certeza outros não são sequer apresentados ao Ministério da
55
Cultura. A lei de incentivo à cultura deve incentivar também a formalização das
empresas, exigindo comprovação da regularidade fiscal durante a execução do
projeto.
O incentivo fiscal em regra deve ser para a própria atividade apoiada, ou seja,
a atividade cultural deve ter seus tributos reduzidos. O apoio deveria ser voltado à
atividade cultural em si, mediante redução ou isenção de impostos e contribuições,
concessão de crédito presumido equivalente às contribuições previdenciárias pagas,
etc.
No caso da Lei Rouanet há um fomento às avessas ao conceder recursos
públicos que seriam impostos devidos por outras empresas. Se isso faz sentido em
caso de instituições de caridade, a dedução fiscal de uma empresa para outra de
grande porte da área cultural já não é tão evidente.
Uma lei de incentivo cultural deve incentivar a área da cultura, não o
patrocinador ou o investidor financeiro. Deve-se estimular esta atividade, inclusive
com a possibilidade de se obter lucros, observada a aplicação do dinheiro público com
vistas ao interesse público, como distribuição de ingressos gratuitos à alunos de
escola pública ou redução do valor do ingresso. Este retorno deve ser sempre
proporcional ao montante de dinheiro público aplicado.
A opção pelo abatimento do imposto de renda possui mais desvantagens do
que vantagens. O dinheiro que sairá do erário deveria sair diretamente dos cofres
públicos, condicionado à captação do patrocínio ou doação. O dinheiro privado deve
sair das verbas privadas, sem abatimento fiscal. Assim, a empresa incentiva a cultura
por responsabilidade social ou com o objetivo de se promover publicitariamente. O
modelo atual acaba tornando o incentivo cultural uma operação muito complexa, que
exige a contratação de profissionais especializados em captação de recursos.
Como ficou demonstrado, o abatimento integral do imposto devido não é a
opção mais adequada, o doador ou patrocinador deve desembolsar efetivamente
recursos próprios para o fomento cultural. O ideal seria que o Ministério da Cultura
aprovasse o projeto e que os recursos públicos viessem diretamente do Estado,
ficando condicionada sua liberação à arrecadação da contrapartida privada do
patrocinador ou doador.
Isso diminuiria a burocracia referente ao cálculo da isenção fiscal, simplificaria
o procedimento perante a Receita Federal, já que não haveria qualquer dedução
56
fiscal. O modelo adotado pelo país é típico do neoliberalismo, cuja ideologia é contrária
à intervenção do Estado na economia. Ocorre que a Constituição obriga o Estado a
incentivar a cultura, por isso a opção adotada no Brasil não parece ser a melhor.
O projeto de lei anteriormente mencionado estabelece pontuação mediante
cumprimento de diversas medidas de acessibilidade, difusão cultural e formação
profissional, adequação ao Plano Nacional de Cultura, entre outras. Dispõe sobre a
pontuação mínima para obtenção de autorização para captação de recursos, para fins
de classificação dos projetos que serão beneficiados e graduação do percentual de
imposto a ser abatido.
3.5 FICART’S, EMPRÉSTIMOS REEMBOLSÁVEIS E INVESTIMENTOS
O valor econômico de expressões artísticas não se enquadra em
classificações objetivas. A tentativa de prever o retorno econômico do produto nem
sempre é facilmente previsível210.
O potencial econômico de uma produção artística muitas vezes se afere em
razão da uma convenção da originalidade, que é cada vez mais reforçada em razão
da proteção dos direitos autorais. No setor cultural predomina a lógica da oferta, ao
contrário da maioria dos outros setores que se fundam na da demanda 211.
Ou seja, o mercado se desenvolve em razão dos produtos colocados à sua
disposição, não o contrário. Sem o lançamento de novos produtos, não há a
manutenção do consumo de bens culturais.
TOLILA explica que “os bens e serviços culturais são marcados por uma
relativa desconexão entre seus custos de produção e seus preços de venda [...]
o preço de uma entrada de cinema será o mesmo tenha o filme custado 20 milhões
de dólares ou 10 milhões de dólares”212.
O fomento público não deve ser uma forma de garantir o lucro certo e
socializar os prejuízos. Deve estar ligado ao planejamento estatal como forma de se
garantir a observância do princípio da igualdade213.
210
Ibidem, p. 29.
Ibidem, p. 31-32.
212 Ibidem, p. 32.
213 SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 85.
211
57
...outro princípio da atividade administrativa de fomento e ligado ao princípio da
subsidiariedade, é o princípio da repartição de riscos ou do risco compartido, pelo qual deve
haver o impedimento de considerar o fomento como uma mera transferência de
responsabilidade integral ou liberdade administrativa que exonere o beneficiário de todo o
risco ou da obrigatoriedade de aportar recursos próprios para a atividade fomentada. Este
comentário se mostra imprescindível para a realidade brasileira e principalmente como
recomendação de extremo cuidado para os agentes imbuídos do controle de tais entidades,
a fim de evitar que tais sejam criadas para sobreviver literalmente com o “repasse de custeio”
da Administração Pública ou ainda para possuir uma maior elasticidade na sua administração,
alijando-se de algumas burocracias constitucionais e legais sobre o dinheiro público
imanentes ao caixa de qualquer entidade pública. Denomina-se “repasse de custeio” as
transferências financeiras e vantagens destinadas aos conveniados que simplesmente não
têm, e infelizmente nem buscam, alternativas para a realização de suas atividades 214.
Por outro lado, a iniciativa privada depende da previsibilidade da atuação
estatal, “...pois aquela já possui a instabilidade do mercado em si e não seria correto
estar, também, exposta aos imprevistos do poder estatal”215.
O setor econômico cultural, em especial aquele industrializado, mercado
editorial e audiovisual, merece apoio estatal para fortalecer o setor nacional e valorizar
a produção local. Conforme expõe TOLILA, “na metade dos anos 1990, Estados
Unidos, Alemanha, Grã-Bretanha e Japão totalizavam quase 60% das exportações de
bens culturais no mundo”216.
Os editores, produtores, distribuidores e comerciantes dos produtos possuem
grande importância no sucesso econômico do produto217. O apoio a esses setores é
importante para se conquistar espaço no mercado externo, contudo, é importante que
a lei proteja os direitos dos criadores para que os proveitos financeiros da obra cultural
não se concentrem exclusivamente nas mãos da indústria cultural218.
Novidade recente é a publicação de trabalhos pela internet, que garante fácil
divulgação a preços acessíveis, possibilitando o acesso à expressão artística local em
nível global. A difusão online permite visibilidade para as produtoras independentes
com possibilidade de se desenvolverem sem depender das grandes empresas
culturais.
Feitas estas considerações, a Lei Rouanet prevê para a indústria cultural os
Fundos de Investimento Cultural e Artístico – FICART, constituídos sob a forma de
214
REIS, Luciano Elias. Op. cit.
SILVA, Juliana Sberze Pacheco. Op. cit., p. 92.
216 TOLILA, Paul. Op. cit., p. 38.
217 Ibidem, p. 38-40.
218 Neste aspecto, é relevante a distinção entre direitos autorais, de origem francesa, e o copyright, de
origem americana. Esta modalidade de proteção é voltada aos interesses da indústria, enquanto aquela
tutela os direitos do autor e seus herdeiros. Ibidem, p. 59-60.
215
58
condomínio, sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários, com a finalidade de
formar atividades culturais lucrativas entre as previstas no artigo 9º da lei219. A gestão
do fundo será concedida a uma instituição administradora.
O fundo é isento de imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro,
assim como do imposto sobre renda (artigo 14 da Lei Rouanet). A tributação incide
apenas no momento da distribuição de ganhos de capital, mediante imposto de renda
na alíquota de 25% (artigo 15). Permite-se a compensação de prejuízo com outra
aplicação positiva dentro do mesmo exercício fiscal.
Neste caso, por se tratar de recursos privados, a utilização e escolha dos
projetos é livre ao administrador do fundo. A concessão do tratamento tributário
favorecido está condicionada ao cumprimento dos requisitos previstos na lei.
PEDRA afirma que não há informações quanto ao funcionamento em algum
fundo desta categoria220. Em consulta ao site da Comissão de Valores Mobiliários221,
constata-se que não há nenhum Fundo de Investimento Cultural e Artístico (FICART)
em atividade. Foram criados cinco até a presente data, todos cancelados.
Conclui-se, portanto, que não há interesse econômico em se constituir tais
fundos, ou seja, neste especial aspecto, a atividade de fomento estatal não está
surtindo os efeitos desejados.
A ausência de FICART se deve ao desvirtuamento do mecenato, o que poderá
ser reduzido em razão da decisão do Tribunal de Contas da União que vedou a
concessão de incentivos a projetos com alto potencial lucrativo.
Na atual regulamentação, as disposições sobre os Fundos de Investimento
Cultural e Artístico são letra morta. Se o Estado tem por objetivo fomentar a atividade
econômica cultural mediante criação de valores mobiliários, a tributação sobre estes
fundos deve ser reduzida como forma de estímulo da atividade.
“Art. 9º São considerados projetos culturais e artísticos, para fins de aplicação de recursos do
FICART, além de outros que venham a ser declarados pelo Ministério da Cultura: I - a produção
comercial de instrumentos musicais, bem como de discos, fitas, vídeos, filmes e outras formas de
reprodução fonovideográficas; II - a produção comercial de espetáculos teatrais, de dança, música,
canto, circo e demais atividades congêneres; III - a edição comercial de obras relativas às ciências, às
letras e às artes, bem como de obras de referência e outras de cunho cultural; IV - construção,
restauração, reparação ou equipamento de salas e outros ambientes destinados a atividades com
objetivos culturais, de propriedade de entidades com fins lucrativos; V - outras atividades comerciais
ou industriais, de interesse cultural, assim consideradas pelo Ministério da Cultura”.
220 PEDRA, Layno Sampaio. Op. cit., p. 50.
221 Pesquisa realizada em 30 maio 2016. Fundos em atividade: http://sistemas.cvm.gov.br/?fundosreg.
Fundos cancelados: http://sistemas.cvm.gov.br/?fundoscanc.
219
59
Seria conveniente inclusive conceder isenção tributária por determinado
período de tempo, o que não implicaria renúncias de receitas de início, pois
atualmente não existe fundos tributados nesta modalidade.
No projeto de lei em tramitação, caso aprovado, o incentivo à manutenção do
FICART será maior. Há a proposta de reduzir a alíquota do imposto de renda de 25%
para 15% sobre os rendimentos e ganhos de capital. Também há um benefício
temporário de redução do imposto devido de até 50% dos valores despendidos na
aquisição de cotas de algum fundo, com posterior retorno da importância abatida ao
FNC pelos lucros auferidos.
É difícil prever se a reforma da lei será suficiente para tornar atrativos os
FICARTs, pois haverá a previsão de investimentos com participação do FNC nos
retornos econômicos. De qualquer forma, o projeto concede melhores benefícios com
o objetivo de tornar esses fundos mais atrativos aos investidores.
O fomento a atividades culturais potencialmente lucrativas merece tratamento
diferenciado. A Lei Rouanet prevê a concessão de linha de crédito específico para a
área cultural. São os chamados empréstimos reembolsáveis com recursos do FNC e
operados por instituição financeira.
Nesta altura, merece crítica a legislação que concede meia entrada a
estudantes e jovens de baixa renda, política nacionalizada pela Lei 12.933/2013. São
frequentes as burlas à legislação em razão de ausência de fiscalização na entrada
dos espetáculos dos requisitos legais, promoções de clube de assinantes com
desconto em eventos culturais ou “leve dois, pague um”, fidelidade nas empresas
comercializadoras de ingressos, meia-entrada para doador de sangue. Impera a
criatividade neste aspecto.
A conclusão é que os custos do ingresso são calculados pelo preço da meia
entrada, encarecendo o valor da inteira. Ao invés de tornar mais acessível e incentivar
o acesso à cultura, no final das contas os espetáculos se tornam inacessíveis para
quem deve pagar entrada inteira e não tenta burlar a lei.
Defende-se que a universalização dos bens culturais deveria ser garantida por
recursos públicos, mediante ingresso gratuito a jovens de baixa renda em geral nos
espetáculos apoiados pelo Estado. O valor dos ingressos para estudantes de alta
renda não impede o acesso aos espetáculos e a meia entrada acaba encarecendo o
valor para os demais.
60
Neste sentido, a lei do Vale-Cultura (Lei 12.761/2012) é uma inovação muito
importante, mas que ainda não é muito difundida por ser recente. Provavelmente será
uma política aceita pelo mercado, assim como é o vale-alimentação.
Para os eventos de alto potencial lucrativo, as modalidades adequadas de
fomento atualmente previstas pela Lei Rouanet são os FICARTs e os empréstimos
reembolsáveis, que devem ser oferecidos com juros reduzidos por instituições
financeiras cadastradas.
No caso dos empréstimos, não há dever de prestação de contas, pois o
negócio jurídico é firmado entre a empresa cultural e a instituição financeira operadora
da linha de crédito.
Outra possibilidade de fomento que se sugere, sem recurso às subsunções,
é a isenção ou tratamento tributário favorecido à empresa para projetos pré-aprovados
pelo órgão competente que favoreçam o acesso à cultura. Esse seria um incentivo
fiscal do “lado certo”.
Eventos de grande repercussão ou filmes de grande exibição são de interesse
público, porém o apoio estatal deve ser diferente. Projetos culturais sem viabilidade
econômica mas de importância social devem ser integralmente custeados pelo poder
público. A medida que a viabilidade econômica aumenta, a participação privada
também deve ser maior.
Também se propõe a criação de uma política de seguro ao setor cultural
semelhante ao existente no plano safra, pois, conforme demonstrado, a cultura possui
um enorme potencial econômico, porém é marcada por um quadro de incerteza
quanto à aceitação do público. Neste sentido, as instituições financeiras e
seguradoras saberiam criar mecanismos para seleção dos projetos segurados que
estivessem em conformidade com a legislação aprovada.
O projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados dispõe sobre a
classificação de projetos com potencial de retorno financeiro e tratamento
diferenciado. Neste caso, somente seriam apoiadas propostas com recursos do FNC
com a condição de concessão de gratuidade dos produtos ou serviços ou na nova
modalidade de investimentos, operada por agentes financeiros.
Neste caso, a instituição gestora aplica recursos no projeto aprovado. Em
caso de concretização de lucros, eles serão restituídos proporcionalmente ao FNC.
Ressalte-se que em caso de prejuízo, estes também deverão ser repartidos, pois este
61
mecanismo não deve servir para repartir os lucros e deixar que o Estado arque
sozinho com prejuízos.
São propostas muito interessantes, pois na primeira modalidade garante
acesso sem custos aos eventos, benefício este que deve ser direcionado à população
de baixa renda. Na segunda, reduz os riscos do empresário ao se repartir eventuais
prejuízos, com a contrapartida de se cumprir as condições impostas pela instituição
financeira investidora. Em caso de lucro, promove efeito multiplicador ao determinar o
retorno proporcional dos ganhos ao próprio fundo. Contudo, por ser modalidade mais
onerosa ao Estado, o retorno financeiro para a empresa nesta modalidade de
investimento deve ser menor do que nos FICARTs, que envolvem apenas recursos
privados, ao menos quando estiverem envolvidas empresas de médio e grande porte.
62
CONCLUSÕES
O fomento é um instrumento pouco estudado pela doutrina. Especificamente
sobre o tema deste trabalho, são poucos os textos que tratam sobre o incentivo estatal
à cultura. Destes, alguns são voltados a questões práticas, sem analisar criticamente
as normas vigentes. Assim, a pesquisa teve por objetivo estudar a Lei Rouanet sob a
perspectiva do Direito, sendo possível chegar a várias conclusões, das quais elencamse as principais:
1.
A noção adequada de cultura a ser adotada pelo Estado Brasileiro é a
antropológica, pois engloba toda a diversidade característica da população, contribui
para o fortalecimento da democracia e promoção da dignidade humana.
2.
O reconhecimento da cultura como um direito fundamental foi gradual e
apenas com a Constituição de 1988 alcançou o destaque jurídico equivalente à sua
relevância social.
3.
A promoção adequada da cultura, seja pela proteção de bens de valor
histórico e artístico, expressões populares, eruditas e de massas depende da
elaboração de planejamento estatal voltado ao alcance do interesse público.
4.
A cultura é exercida sob o regime de livre iniciativa e pode ser prestado
pelos três setores da economia, cabendo ao Estado proporcionar o tratamento
adequado para as atividades com ou sem finalidade lucrativa.
5.
A indústria cultural possui importante participação na economia,
devendo ser fomentada de maneira a ampliar o acesso da população a bens culturais
e a gerar riquezas para o país.
6.
O fomento à cultura pode ser aplicado de diversas maneiras. A
transferência de recursos para setores não-estatais deve ser condicionada ao
compromisso de retorno proporcional em benefícios para a sociedade.
7.
O poder de decisão da alocação dos recursos públicos deve observar a
lei, o planejamento estatal e ser compartilhado entre representantes da Administração
Pública e da sociedade civil em conselhos de composição paritária.
8.
O patrocínio ou doação com dedução integral do imposto devido não é
adequado, pois concede ao particular a atribuição de destinar recursos que na
realidade são integralmente públicos.
63
9.
A vedação à emissão de juízo de valor sobre a qualidade artística do
projeto apresentado com fundamento na Lei Rouanet não pode abarcar a apologia a
crime e o discurso de ódio.
10. Não há vedação legal à aplicação de recursos do Fundo Nacional de
Cultura em projetos de pessoas físicas e jurídicas com fins lucrativos. Neste ponto o
decreto regulamentar inovou e pode ser alterado pelo Presidente da República
observando a distribuição equitativa de recursos e o apoio a projetos com menor
possibilidade de se desenvolver com recursos próprios.
11. Seria conveniente o tratamento favorecido às pequenas empresas nos
mecanismos de fomento à cultura, conforme permissivo constitucional.
12. O abatimento fiscal deve ser apenas parcial, assim, a participação da
iniciativa privada provoca efeito multiplicador para o fomento à cultura.
13. Os abatimentos parciais de Imposto de Renda com patrocínio ou doação
não correspondem à efetiva dedução fiscal, que na realidade é maior, pois a
possibilidade de deduzir o valor despendido em patrocínio ou doação como despesa
operacional tem repercussão na Contribuição Social sobre Lucro Líquido, que possui
base de cálculo similar ao Imposto de Renda.
14. A regulamentação atual dos Fundos de Investimento Cultural e Artístico
– FICART não é atrativa para os investidores. A vedação ao mecenato em projetos
com alto potencial lucrativo e a redução da tributação desses fundos pode contribuir
para sua utilização efetiva no apoio a projetos.
15. A política de meia-entrada para estudantes e jovens não é uma boa
opção, pois encarece o valor da inteira. A distribuição de ingressos gratuitos a jovens
de baixa renda em projetos apoiados com recursos públicos e o vale-cultura para
trabalhadores são políticas mais eficientes.
O Projeto de Lei 6.722/2010 da Câmara dos Deputados e a nova orientação do
TCU sobre as propostas de alto potencial lucrativo apontam para importantes avanços
na política de fomento cultural. A indústria cultural terá tratamento adequado, assim
como as instituições sem fins lucrativos já possuem pela Política Nacional Cultura Viva
e com os recursos do Fundo Nacional de Cultura. Contudo, as normas vigentes e a
proposta ainda não conferem tratamento privilegiado para pequenas empresas, que
por sua importância, particularidades e por disposição constitucional demandam
políticas específicas.
64
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