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Revista Pensamento Jurídico – São Paulo – Vol. 13, Nº 2, jul./dez. 2020 Submetido em: 27/05/2020 Publicado em: 10/07/2020 RESENHA Bezerra Neto, Bianor Arruda. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz? São Paulo, Noeses, 2018. 400p. VERUSKA SAYONARA DE GÓIS1 A tarefa do Poder Judiciário é discutida na obra de Bianor Arruda Bezerra Neto, que é juiz federal e doutor em Direito pela PUC/SP. O livro é uma importante contribuição para o campo da Hermenêutica e da Argumentação Jurídica, estruturando-se em prefácio e sete capítulos. Em curto prefácio, Paulo de Barros Carvalho apresenta a obra no conjunto da Escola do Pensamento do Construtivismo Lógico-Semântico, com foco na Teoria da Decisão. A partir da Introdução, o autor discorre sobre a decisão judicial como instrumento estatal de resolução de conflitos, destacando a questão da funcionalidade da sentença. A discussão é reclamada a partir do Direito Processual Civil, da Filosofia do Direito e da Teoria do Direito. Sugere-se que os métodos hermenêuticos “talvez não sejam hermenêuticos, mas argumentativos, e que o magistrado julga mais a partir de sua vontade do que com observância dos princípios fundamentais” (BEZERRA NETO, 2018, p. 3). Neste ponto, ecoa a teoria kelseniana da interpretação em seu aspecto voluntarista (KELSEN, 2003, 392-395). 1 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e docente do curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Advogada. E-mail: veruskasayonara@uern.br. A tomada de decisão é abordada pelo agir humano, classificando-se os modelos de decisão aristotélico, ético normativista (deontológico) e ético teleológico (utilitarista / pragmático), adotando uma definição analítica a partir do aspecto etimológico do termo “decisão”. Decidir seria escolher ou optar entre duas ou mais alternativas. Rejeitando o apelo à representação do agente da decisão (“homem médio”, “homem comum”, “homem racional”), situa o agente da decisão como o humano, inserido em uma tradição historicamente construída. O seu referencial cultural comum é o conjunto de normas sociais, dogmas, crenças e valores que compõem a visão de mundo de determinada coletividade. Já o critério de decisão seria o elemento capaz de proporcionar a avaliação entre as diferentes opções de ações possíveis, o juízo de validade ou pertencimento delas com o sistema de referência e o juízo de valor ou valoração. O autor considera ainda as condições de possibilidade da decisão e a norma contida na sentença, aprofundando diferentes abordagens de valores, parecendo situar-se na concepção de valor da filosofia da linguagem. A decisão judicial é uma escolha entre duas ou mais possibilidades de ação com base em um critério, critério esse possibilitador da avaliação, valoração e escolha em função de um sistema de referência (no caso específico, o Direito). Levando em consideração os aspectos linguístico e prático-jurídico, a decisão ou deliberação judicial atribui sentidos aos enunciados fáticos e legais que compõem a demanda (construtivismo lógico-semântico), negando o caráter meramente subsuntivo, descritivo ou dedutivo. A decisão judicial é, portanto, linguagem – e trabalha com linguagem. Em sua construção, ocorre um processo de reconstrução da realidade pelo magistrado, decidindo sobre narrativa do autor e contra narrativa do réu. Na medida em que decidir é construir uma narrativa sobre outras narrativas, as teorias da argumentação passam a ter valor superior às teorias hermenêuticas. Assim, mais importante do que fundamentar as decisões judiciais passa a ser justificalas. Mas a fundamentação (exigência constitucional) é o construir o sentido da linguagem, sob a premissa de que a realidade é constituída mediante a linguagem. Opõem-se ao construtivismo lógico semântico, portanto, a metafísica do objeto e a metafísica da consciência. Articulando a discussão com a dimensão hermenêutica, assume-se como objeto de interpretação do Direito o texto da norma jurídica, texto que é formal, vernacular e deôntico. As questões da verdade e da prova também são tratadas, tanto no aspecto dogmático (em especial, no Código de Processo Civil), quanto na dimensão filosófica. Analisando por categorias, o autor define decisão judicial como fato jurídico, constituição da relação jurídica e fixação das providências necessárias para a efetivação do decidido. As limitações decorrem, assim, do sistema de referência adotado. Admite a existência de respostas corretas para determinadas demandas ou questões, mas assume não existir um único sistema de referência correto. A resposta correta e justa, dessa maneira, representaria um compromisso dos juízes e tribunais com a coerência, uniformidade e estabilidade das decisões a partir de um sistema de referência compartilhado na comunidade politicamente organizada e vivida. O livro contribui para a Teoria da Decisão Judicial, e avança em aspectos importantes, estendendo uma ponte entre a Hermenêutica e a Argumentação jurídicas. No entanto, talvez pela amplitude da questão proposta no título, a obra deixa em aberto quais são os limites do juiz, questão assaz importante. Ainda se pode problematizar o sistema de referência para os tomadores de decisão enquanto juízes. Ao admitir que não há um único sistema de referência correto, abre-se possibilidade para que as decisões judiciais sejam tomadas com base na consciência, na moral e na política. Se essa assunção corresponde ao Realismo Jurídico e tem respaldo em importante doutrina; para o sistema civilista brasileiro, pode equivaler ao reconhecimento de que o juiz brasileiro não tem parâmetros de limite. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEZERRA NETO, Bianor Arruda. O que define um julgamento e quais são os limites do juiz? São Paulo, Noeses, 2018. 400p. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003.