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17. A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NOS ESPAÇOS DE PODER E O FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA Marina de Mello Gama401 Vitor Marques402 Artigo em homenagem ao Professor Dr. Pedro Estevam Alves Pinto Serrano, pessoa fundamental em nossa formação acadêmica. Responsável por lapidar e aprimorar valores democráticos e humanistas, tão fustigados nesta quadra da história, mas ainda assim, insculpidos com primor na Constituição Federal de 1988. 1. Introdução A Democracia é o regime que permite a participação de todos os cidadãos nas escolhas dos assuntos públicos. Revela-se uma resposta, a partir do acúmulo político e social humano, de superação ao regime monárquico, característico dos regimes absolutistas. Mesmo com a existência de alguns regimes que con 401. Advogada. Mestre em Democracia e Bom Governo pela Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (USAL). mamg31@gmail.com 402. Advogado. Mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Professor Assistente em Direito Administrativo na PUC-SP. vitor@cmmadvogados.adv.br 294 tenham a monarquia, a tripartição de poderes encontra-se estruturada e consolidada, restando para os reis e rainhas da atualidade um papel representativo, absolutamente diferente do da Idade Média. Desse modo, o futuro da comunidade não estaria restrito a um número reduzido de pessoas escolhidas a partir de um critério que impeça a ampla participação popular. Para além da possibilidade da comunidade decidir os assuntos públicos, é a democracia representativa que permite e almeja que os mais diversos segmentos da sociedade decidam e, também, participem da vida pública. Logo, para além de escolher, tem-se a possibilidade de ser escolhido para representar seus pares. Numa sociedade diversa e complexa como a atual, a representatividade e a participação política tem um grande desafio de agregar os mais amplos setores sociais, evitando, portanto, que a falta de representatividade enseje a descrença no modelo político. Atualmente, observa-se que a América Latina vive uma das maiores crises democráticas das últimas décadas. Os resultados ao longo de alguns anos parecem temerosos para uma instância fundamental da democracia: sua face representativa. Nesse sentido, foi publicado em novembro de 2018, o Informe Latinobarometro2018403, que demonstrou como os indicadores econômicos, políticos e sociais alcançaram as piores cifras desde o início das medições, em 1995, e confirmam que os latino-americanos estão insatisfeitos com as suas democracias e se inclinam cada vez mais para modelos autoritários. A diretora do instituto afirma que 2018 foi um “annus horribilis” para nossa democracia. Isso porque os dados do estudo surpreendem e podem confirmar que a população está insatisfeita como nunca esteve com seus regimes políticos.404 Um dos pontos que chamam a atenção é a falta de confiança nas instituições públicas: no Brasil somente 12% da população confia no Congresso Nacional e apenas 7% da população confia no governo. 403 O Latinobarómetro é um estudo de opinião pública que é aplicado anuamente em 18 países da América Latina. Investe no desenvolvimento da democracia, da economia e da sociedade em conjunto, usando indicadores da opinião pública. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/lat.jsp. 404 Houve um declínio geral nos indicadores: no ano de 2018, diminuiu para 48% (cinco pontos a menos que no ano anterior) o índice de apoio aos regimes democráticos, ou seja, pouco menos da metade da população prefere a democracia como forma de governo; 15% não têm simpatia por um regime democrático e 28% se mostram indiferentes. Entre os 28%, a maioria não votaria em partidos políticos. 295 Isso demonstra um grave indício de fadiga da democracia e, consequentemente, um descrédito com os partidos políticos, que viram seu protagonismo e sua capacidade de canalizar identidades decaírem, assim como sua capacidade de aglutinar a população e manter a confiança dos cidadãos. Sem a confiança nos partidos, as democracias não funcionam, como afirma Lagos em seu estudo sobre a pesquisa (LAGOS, 2018)405. Nesse sentido de crise nas instituições políticas, de representatividade e da qualidade das democracias, podemos observar um fator que chama a atenção em nossa democracia atual: a falta de mulheres em cargos decisórios em poderes públicos. Em um recorte ainda mais específico: a escassa presença de mulheres em altos cargos do Poder Executivo e o baixo número das mesmas no Congresso Nacional. Os dados da ONU Mulheres e o “Mapa de Mulheres na Política de 2019406” indicam a porcentagem de mulheres desempenhando funções mais altas de seus Estados: 6,6 % como chefes de Estado e 5,2% como chefes de governo. Nesse total mundial, observa-se que, até o mês de janeiro de 2019, não havia nenhuma mulher como chefe de Estado ou de governo na América Latina. Já o número de ministras, chega a 20,7%407. Em relação às mulheres nos parlamentos, a média mundial na câmara é de 24,3%, e nas câmaras altas (senado) o número médio é de 24,1%. 2. Razões que suscitam a baixa representatividade A diferença de tratamento em função do sexo, a falta de oportunidades e os baixos índices de mulheres nas elites parlamentares e do Executivo estão diretamente vinculadas ao desequilíbrio histórico das relações de poder entre homens e mulheres, nos mais diversos âmbitos sociais. Nessa perspectiva, como afirma Clara Araújo, Compreender o cenário atual da presença feminina nas instâncias de representação implica trabalhar com multiplicidade de causas, envolvendo diferentes dimensões de análise, sistêmicas e não sistêmicas, e incorporando o 405 Disponível em: https://static.poder360.com.br/2018/11/Annus_Horribilis.pdf. 406 http://www.unwomen.org/es/digital-library/publications/2019/03/women-in-politics-2019-map. 407 Vale a pena mencionar que dentro desses 20%, a minoria das mulheres está em pastas centrais ou estratégicas: maioria dos assuntos que as ministras chefiam são sociais, de família, juventude, crianças, conforme se observa no mapa. 296 contexto específico a fim de que possam ser identificados traços comuns e particulares de gênero e poder político. Em outras palavras, faz-se necessário contemplar as interseções entre as relações sociais de gênero, com os seus estereótipos e preconceitos que se manifestam nos diferentes espaços públicos, e as características do sistema político e eleitoral ao qual a análise está remetida, e que podem ser mais ou menos favoráveis aos setores que historicamente se encontram excluídos e lutam para ingressar no campo político. Nesta perspectiva, o problema da representação das mulheres envolve dimensões analíticas distintas, que vão desde antecedentes comuns de exclusão histórica, passando pelas suas trajetórias sociais marcadas pela condição de gênero e por aspectos relacionados com as condições socioeconômicas, até aspectos do sistema político tais como a cultura política e os sistemas partidário e eleitoral (ARAÚJO, 2001. p. 239). Observa-se, então, que existem alguns fatores que são capazes de interferir diretamente no acesso das mulheres às esferas de poder: culturais, socioeconômicos e políticos. Os culturais remetem aos valores gerais da sociedade, os socioeconômicos têm relação com os graus de escolaridade e nível social e a questão política tem ligação com o sistema eleitoral, partidário e de representação (ARAÚJO, 2009). Não há consenso sobre a maior ou menor influência desses fatores, mas abordaremos a questão a partir de uma perspectiva histórica, cultural, e considerar-se-á aspectos do sistema eleitoral brasileiro. 2.1. Contexto histórico e cultural O contexto social de participação, no Legislativo e no Executivo, nunca foi favorável à presença de mulheres. Considerado como marco do sufrágio feminino, na Inglaterra408 elas conquistaram esse direito em 1918, ano em que foi aprovada pelo parlamento inglês uma lei de reforma eleitoral que conferia o direito de voto às mulheres britânicas. Porém a igualdade política total só foi alcançada em 1928. 408 De acordo com historiadores, o movimento sufragista inglês surge articulado com outros grupos marginalizados da época, como os escravos e operários, e teve influência nos sufrágios femininos dos Estados Unidos e do Brasil. 297 As mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto no ano de 1932409, porém com algumas restrições em relação aos direitos políticos dos homens. Com a promulgação da Constituição de 1934, no governo de Vargas, as restrições ao sufrágio feminino foram suprimidas, embora a obrigatoriedade fosse um dever masculino. Somente em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres. Esse pode ser considerado como o primeiro fator de relevância para explicar o ingresso tardio de mulheres ao poder. Mesmo com o direito ao voto garantido, as mulheres continuavam excluídas da participação política. Somente em meados da década de 1980, com uma realidade de mais mulheres no mercado de trabalho e no ensino superior410, começa-se a identificar um acesso tímido às esferas de poder. Historicamente, os espaços públicos decisórios são criados para os homens, e os privados, para mulheres. Como afirma Genovese, a política ou a vida pública do Estado costumam ser um espaço masculino, enquanto para as mulheres está reservado o espaço privado como território de sua propriedade (GENOVESE; THOMPSON, 1997). Ora, as mulheres nunca foram convidadas a participar dos processos políticos, a inserção ocorreu principalmente por meio dos movimentos sociais e movimentos feministas que reivindicaram a ocupação de espaços públicos, e mesmo quando finalmente têm acesso ou chegam a cargos decisórios, nem sempre se inserem nesses espaços. Os autores alertam justamente sobre esta questão: El mantenimiento de las distinciones a causa del género resulta más evidente cuando se hace el recuento de los desafíos y oportunidades a los que las futuras líderes se enfrentaron en su ascenso hacia la cumbre. La profundidad y arraigo de los estereotipos sobre el género si evidencian al comprobar que continúan influyendo sobre los individuos, incluso después de alcanzar la posición última (GENOVESE; THOMPSON, 1997. p. 21). 409 Aqui vale mencionar a importância dos movimentos feministas no Brasil para alcance desse direito. As sufragistas brasileiras ao longo das décadas de 1920 e 1930 fortaleceram seu movimento e lutaram por direitos políticos para as mulheres, buscando influenciar a opinião pública e os parlamentares do Congresso da época. Outros métodos de que se valeram foram o uso da imprensa e da publicidade, nas tentativas de convencimento dos políticos e de ganhar o aval da população. 410 Em 1973, mulheres representavam 30% da população economicamente ativa (PEA). Em 2009, essa participação passou para 49,7%. Com relação à educação, em 1970, de todas as pessoas que haviam completado o ensino superior, somente 25,6% eram mulheres. Nos anos 2000 esse número passou para 52, 8% (dados do IBGE). 298 O problema da falta de representatividade é grave, uma vez que não há mulheres eleitas ou nomeadas para cargos de altos postos é mais difícil a inserção de seus interesses nas agendas públicas. Acaba-se criando um “círculo vicioso” de exclusão e marginalização da mulher na vida política e na falta de representantes. 2.2. Partidos políticos e sistema eleitoral O sistema eleitoral de um país é responsável por estabelecer o método de organização e captação de votos para que seja composta a representação política. Sendo assim, é tema de extrema relevância, pois, a depender do método adotado, o resultado poderá ser modificado. Dessa maneira, garantir uma forma de governo que considere as complexidades sociais contemporâneas e os elementos que influenciam o processo eleitoral é o desafio que os países democráticos enfrentam nesta quadra da história. Ocorre que atualmente, no Brasil, temos um cenário complexo, de pouca representatividade, considerando a diversidade da sociedade brasileira e a alta fragmentação política. Logo, o sistema eleitoral é crucial para o processo de escolha e resultado do pleito eleitoral, representando o conjunto de normas que regulamentam o processo eleitoral, envolvendo a escolha a partir do voto pelos cidadãos e influenciando o resultado. Ter, portanto, um sistema eleitoral que identifique as complexidades sociais e permita que o pleito se desenvolva com condições de identificar e traduzir em seu resultado a complexidade cultural, contribuiria para aprimorar o sistema democrático. O quadro de subrepresentação feminina está presente na maioria dos sistemas eleitorais, mas o acesso das mulheres e sua representação podem ser maiores ou menores a depender do sistema. Ao realizar essa análise, Clara Araújo (2009) aponta três principais características que podem afetar a presença de mulheres nas esferas de poder: o tipo de representação, a magnitude do distrito e o sistema de voto e de candidatura. As análises formuladas até hoje concluem, em sua maioria, que os sistemas proporcionais e os distritos de alta magnitude beneficiam mais a presença de mulheres nos cargos eletivos do que os sistemas majoritários. Além da proporcionalidade, a lista fechada bem como a exigência de composição de mulheres faria com que a representatividade pudesse caminhar em busca de maior participação delas. 299 É, portanto, fundamental que as reformas políticas futuras tenham a sensibilidade política para estruturar mecanismos de participação que considerem a complexidade da atual sociedade brasileira e o seu déficit representativo. 3. Alguns instrumentos que fortalecem o regime democrático A presença das mulheres é importante para constituir uma massa crítica para que seus interesses sejam defendidos, porém, somente isso não é suficiente. É necessária uma consciência de gênero, para que, na prática e de maneira formal, se chegue à real implementação de políticas públicas, capazes de dar respostas a todas as necessidades práticas e estratégicas das mulheres. Nesse sentido, como prevê a Declaração da ONU mulheres (ONU Mulheres 2011), o primeiro passo para o alcance da paridade de gênero na sociedade é estabelecer o efetivo direito das mulheres de participar dos governos dos seus países e serem eleitas livremente e com base equitativa aos homens. É evidente que a igualdade formal e material é um dos fatores que contribuem diretamente na qualidade das democracias. Justamente para acelerar essa igualdade na política são necessários instrumentos legais para corrigir esse atraso do sistema social, como, por exemplo, as ações afirmativas ou ações positivas. A ação afirmativa designa todo trato formalmente desigual que tem como objetivo avançar até um patamar de igualdade substancial a favor de grupos historicamente preteridos. A finalidade desse tipo de “discriminação” seria resolver um problema histórico, causado pela falta de oportunidades de determinado grupo social (PICAZO, 2008). Refere-se justamente à busca de iguais oportunidades e também de possíveis estratégicas ou instrumentos para alcançar um maior equilíbrio representativo. No caso do Brasil, esse tipo de medida surge como objetivo de alcançar a igualdade política entre homens e mulheres e foi adotada nacionalmente na década de 1990. As cotas de gênero foram introduzidas no ordenamento brasileiro por meio da Lei nº 9.100/1995. A norma previa que o percentual recomendando era de 20% de candidaturas femininas para o universo total de candidatos. Em 1997, com o advento da Lei nº 9.504/1997, o percentual de cotas recomendado aumenta para 30%, e a medida é ampliada para os demais cargos eleitorais por voto proporcional. 300 Em 2009, a Lei nº 12.034 altera a redação do § 3º do artigo 10411 da Lei Eleitoral nº 9.504/1992 e determina a obrigatoriedade dos partidos preencherem as vagas de acordo com os percentuais mínimos (30%) e máximos (70%) por sexo, tendo por base de cálculo o número de candidatos efetivamente lançados. A expressão “deverá reservar”, passou a ser “preencherá”. 4. Retrato da situação atual das mulheres no poder A falta de representatividade das mulheres nos espaços de poder é um grave problema para a democracia, traz fraqueza para instituições e, como consequência, falta de legitimidade ao sistema político. A distribuição desigual de renda e os aspectos estruturais influenciam nas oportunidades que cada um dispõe nos âmbitos sociais, inclusive na política. Em uma década, de 2003 até 2013: quatro mulheres alcançaram o posto mais alto de seus países na América Latina412. Uma delas foi a presidenta Dilma Rousseff: esse fato, e também o aumento de mulheres em certas instituições públicas foram considerados grandes avanços em comparação às décadas anteriores. Observa-se que isso foi possível graças a um processo amplo de mudanças socioeconômicas e de desenvolvimento em todo continente nos últimos vinte anos. Porém, nesse ano 2019, de fadiga da democracia, observa-se que voltamos à mesma situação de há mais de uma década: todos os países da região presididos por homens. Além disso, a maioria dos nossos parlamentos continua sendo do sexo masculino, o que revela que os resultados de igualdade de gênero não chegaram ao resultado esperado. 4.1. A participação nos Poderes Executivo e Legislativo O acesso ao poder pelas mulheres no Brasil está muito abaixo da média mundial. No último ranking mundial de mulheres no Poder Executivo, medido pela 411 “Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher (...). § 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).” 412 Michelle Bachelet no Chile(2006-2010 e 2014-2018);Cristina Fernández de Kirchner na Argentina (2007- 015), Dilma Rousseff en Brasil (2011-2016) e de Laura Chinchilla na Costa Rica (2010-2014). 301 ONU Mulheres413, o Brasil ficou na 167ª posição em um universo de 174 países. Para elaboração do ranking foi observada a quantidade de ministros de ambos os sexos em cada país. Em janeiro de 2017, entre os 25 ministros do Governo Federal, somente havia uma mulher ministra, ou seja, 4% do total. Em janeiro de 2019, em um governo predominantemente masculino, havia duas mulheres, em um total de 22 ministérios.414 Já a porcentagem de mulheres na Câmara dos Deputados e no Senado Federal é de 15% e 14,8%415, respectivamente. Os números do nosso Poder Legislativo são mais baixos do que a média anual e do previsto pelas Cotas de Gênero (30% previstos na Lei de Cotas). Nesse quesito, Brasil é um dos últimos da América. 4.2. Quadro espanhol É possível asseverar que em países com culturas mais igualitárias e estruturas sociais e econômicas com menos desigualdade de gênero, há uma tendência a se valorizar mais a participação de mulheres no poder e, por isso, a participação política de mulheres é uma realidade cada vez mais sólida. Nesse sentido, daremos um breve exemplo da realidade na Espanha. Em 2019, pela primeira vez se cumpriu em favor das mulheres a paridade prevista na Lei de Igualdade (Ley Orgánica nº 03/2007)416, que fixa a necessidade de ao menos 40% de representação de cada sexo nas esferas do poder público. 413 “Brasil fica em 167º lugar em ranking de participação de mulheres no Executivo, alerta ONU”. Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil-fica-em-167o-lugar-em-ranking-de-participacao-de-mulheres-no-executivo-alerta-onu/. 414 Um dado relevante é que, de 2003 até 2015, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff existia a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que possuía status de ministério. Em outubro de 2015, a pasta foi transformada formalmente em Ministério da Mulher, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Porém sete meses mais tarde a pasta acabou extinta por Temer, voltando a ter status de secretaria. 415 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/01/31/bancada-feminina-no-senado-diminui-em-2019. https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/ comissoes/comissoes-permanentes/comissao-de-defesa-dos-direitos-da-mulher-cmulher/noticias/bancada-feminina-na-camara-sobe-de-51-para-77-deputadas 416 A Lei para Promoção Efetiva de Igualdade entre Homens e Mulheres de 2007 (Ley Organica 03/2007), conhecida como Lei de Igualdade, foi aprovada no governo socialista de Zapatero. Ela prevê a igualdade de gênero em diversos setores da sociedade e identifica algumas das principais áreas de atuação como: emprego, educação e esferas de poder. Prevê paridade (40/60) tanto nas listas eleitorais dos partidos políticos, como nos comitês executivos das empresas privadas. 302 Nas últimas eleições de maio de 2019, o parlamento teve 47,4% de congressistas mulheres eleitas. Além disso, no governo do socialista Pedro Sánchez, em março de 2019, havia um total de 52,4% de mulheres ministras, ou seja, mais da metade das ministras são mulheres417. Tais números converteram esse parlamento da Espanha no mais igualitário e com a maior porcentagem de ministras da história do país, e analisando formalmente esses quesitos, pode ser considerado um dos mais igualitários da Europa. 4.3. Acesso ao poder no Brasil A igualdade de gênero na política é um desafio dos nossos tempos. Pouco mais da metade da população brasileira (51,7%) é composta por mulheres, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE418). Porém, o índice de mulheres em posição de destaque em empresas e o de representação feminina nos parlamentos e no Poder Executivo ainda é muito baixo, o que demonstra grandes desafios das nossas elites políticas. Em outras palavras: observa um desequilíbrio entre a população e seus representantes. Por isso a contribuição das mulheres e sua participação política são temas essenciais que devem ser discutidos e estudados: quanto mais mulheres chegam ao poder, maior a possibilidade de variação na distribuição do poder político. Independentemente dos avanços registrados nas últimas décadas, observa-se a necessidade de fortalecer a participação e a presença de mulheres na política para a realização de políticas públicas e avanço em discussões de gênero. 5. Conclusão A história não se desenrola em linha reta. É feita de avanços e retrocessos, como as ondas do mar. Pudemos observar que a sub-representação nos Poderes Executivo e Legislativo na América Latina não é um fator isolado, nem uma causalidade, mas sim uma consequência da crise da democracia representativa que vivemos. E essa baixa participação política de populações historicamente excluídas apre417 A maioria das onze ministras chefia pastas de grande relevância como: Educação, Saúde, Defesa, Justiça, Fazenda e Economia. Dados de março de 2019. https://elpais. com/politica/2019/03/06/actualidad/1551869959_552156.html 418 Conforme o IBGE e os dados da PNAD-C (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2018, a população brasileira é composta por 48,3% de homens e 51,7% de mulheres. 303 senta-se como um dos fatores determinantes da falta de confiança nas instituições por parte de todos os cidadãos. Um regime democrático estável se faz possível quando se respeita a igualdade e a liberdade de todos. Sem mulheres em cargos eletivos ou políticos decisórios, não é possível alcançar o pleno exercício da democracia representativa e a realização das políticas públicas de maneira efetiva. Por essa razão, nesse momento de crise é urgente a busca de mais instrumentos e mecanismos para a maior presença de mulheres nesses espaços. Realização de agendas e políticas públicas efetivas que motivem um comportamento eleitoral crescentemente autônomo, que possa levar a mudanças estruturais na nossa sociedade. É papel dos atores políticos e das dinâmicas organizativas buscar a inclusão nesse processo, não somente na chegada ao poder, mas a permanência ali em condições igualitárias. Diante de todos os retrocessos vividos, os direitos civis – quem somos – apresentam-se como grande trincheira da resistência, impedindo, portanto, que o retrocesso aniquile por completo o indivíduo. Nesse esteio, o movimento feminista e a sua proposta de intersecção com os mais diversos campos da sociedade, entre eles as esferas de poder, coloca-se como uma necessidade premente e necessária, para que a democracia seja aprimorada e as mulheres possam ser parte das decisões e da condução dos rumos do país. 304 Referências ALCÁNTARA, Manuel. Gobernabilidad, crisis y cambio. Fondo de cultura Económica. México, 2004. ALCÁNTARA, Manuel; GARCIA, Mercedes; SÁNCHEZ, Francisco. Funciones, procedimientos y escenarios: Un análisis del Poder Legislativo en América Latina. 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