Trabalho e Práxis:
novas configurações, velhos dilemas
Vinicius Tomaz Fernandes
Arelys Esquenazi Borrego
Lívia de Cássia Godoi Moraes
(organizadores)
Capitalismo e patriarcado em pauta:
aproximações e distanciamentos entre
feminismo e marxismo 1
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Lívia de Cássia Godoi Moraes 2
Desde a década de 1970, há um debate pungente a
respeito dos “casamentos e divórcios” entre marxismo e feminismo (ou feminismo e marxismo). O sentido dessas aproximações e distanciamentos tem implicações tanto no campo
teórico quanto na práxis política. Aqui, neste capítulo, não
faremos uma historiografia do movimento feminista 3, demonstrando em que momentos o marxismo apareceu como mediação
para lutas das mulheres, ainda que empreendamos um esforço
no sentido de apontar as implicações políticas da relação em
análise.
No que diz respeito ao debate teórico, do nosso ponto de
vista, três autoras são fundamentais para este desenvolvimento:
Heidi Hartmann, com o artigo “El infeliz matrimonio entre
marxismo y feminismo: hacia uma unión más progressista”
(1975-1977 4), Iris Young, com o artigo “Marxismo y feminismo,
más allas del ‘matrimonio infeliz’ (una crítica al sistema dual)”
(1981) e, por fim, Cinzia Arruzza, com o capítulo de livro 5 “Uma
união queer entre marxismo e feminismo?” (2010).
1 Uma primeira versão deste capítulo foi publicada nos anais do Colóquio
Internacional Marx e o Marxismo 2019, com o tema “Marxismo sem tabus –
Enfrentando opressões”, ocorrido em agosto de 2019, na Universidade Federal
Fluminense, em Niterói, Rio de Janeiro.
2Docente do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação
em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo. Coordenadora do
Grupo de Pesquisa Trabalho e Práxis.
3 Para análise neste sentido, ver Arruzza (2019)
4 Os primeiros esboços do referido texto circularam entre 1975 e 1977 e tinham
a coautoria de Amy S. Bridges, que, posteriormente, abandonou o projeto.
5 O livro em questão foi traduzido e publicado no Brasil no ano de 2019, pela
editora Usina, com o título “Ligações perigosas: casamentos e divórcios entre
marxismo e feminismo”.
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É preciso destacar que, apesar dessa temática ter sido
efervescente nas décadas de 1970 e 1980, ela arrefeceu nos anos
1990, especialmente porque, com o fim do chamado socialismo
real, e com a simbólica derrubada do Muro de Berlim, era
comum ouvir que “Marx morreu”, que o capitalismo era o “fim
da história”, que não haveria espaço para qualquer revolução
que não fosse a revolução interior. Tal perspectiva individualista
veio a corroborar com a hegemonia do feminismo liberal.
Entretanto, especialmente depois da crise capitalista na
sua expressão mais financeirizada, iniciada entre 2007 e 2008,
Karl Marx ressurgiu como um relevante teórico para pensar o
tempo presente. A sua importância se expressa, inclusive, pela
forte campanha da extrema direita mundial em negar o
marxismo, com repercussões no Brasil 6.
As feministas marxistas, contudo, não abandonaram o
marxismo e continuaram produzindo ao longo das décadas em
que as críticas ao capitalismo haviam recuado. O fato de que o
texto de Arruzza sobre o tema das controvérsias entre feminismo
e marxismo ter sido publicado em 2010 demonstra que o debate
não foi encerrado, e as aproximações e distanciamentos entre
marxismo e feminismo continuaram a ocorrer. Já é 2020, e
continuamos a analisar a temática, fenômeno reforçado pela
conjuntura econômica e política mundial, de incessante ataque
à classe trabalhadora.
Em resposta à austeridade, surgem expressivos
movimentos de resistência feministas em âmbito internacional.
Podemos destacar: a marcha de mulheres contra Trump
(especialmente as racializadas e imigrantes) nos Estados Unidos,
bem como o movimento viral da internet #MeToo, que denunciou
casos de assédio e abusos sexuais envolvendo poderosos da
indústria estadunidense do cinema, em especial de Holywood; o
#niunaamenos (2015-2016) e a luta pela legalização do aborto
(2018-9), na Argentina; o movimento de mulheres chilenas,
iniciado pelo coletivo “Las Tesis”, de Valparaíso, com a frase que
6No Brasil, representantes do governo do presidente Jair Bolsonaro (2019 –
atual) expressaram claramente em seus discursos o repúdio ao que chamam,
sob influência de Olavo de Carvalho, de “marxismo cultural”. São exemplos, o
Ministro da Educação, Abraham Weintraub (ESTADÃO, 2019) e o Ministro das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo (ESTADÃO, 2018).
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repercutiu em outros países “O violador é você”, com referência
ao Estado liberal que produziu desigualdade social crescente
acompanhada de forte repressão policial; a luta das mulheres
contra Bolsonaro #elenão, no Brasil, em 2018; e outros protestos
de mulheres que também ocorreram no Equador, na Bolívia e na
Colômbia, em torno de demandas sociais, da questão indígena e
em defesa da democracia (PROTESTOS, 2020); por fim, o 8M, o
dia da greve internacional de mulheres, em marcha desde 2017,
e que abarca cada vez mais países, cujo manifesto (ARRUZZA;
BHATTACHARYA; FRAZER, 2019) deixa claro: trata-se de um
feminismo radicalmente anticapitalista.
Mediante esse contexto, nosso objetivo é apresentar as
principais teses, avanços e limites das três mencionadas
publicações, na tentativa de dialogar com as autoras,dado que é
bastante importante que uma base teórica feminista marxista
seja uma arma revolucionária para enfrentar o avanço da
barbárie capitalista do tempo presente.
Em conexão direta com o debate entre feminismo e
marxismo está a relação entre capitalismo e patriarcado, que nos
parece ser o ponto fulcral dos três artigos, especialmente a
polêmica, por um lado, se são sistemas separados que
convergem neste tempo histórico ou se, por outro lado, só faz
sentido pensar uma teoria unitária que reúna capitalismo e
patriarcado como partes do mesmo sistema.
Nessa seara, outro elemento surge como fundamental
para pesquisas que desejam investigar trabalho e gênero, para
além das interfaces entre marxismo e feminismo e capitalismo e
patriarcado: a relação entre produção e reprodução, a qual
também será abordada no presente capítulo, primordial para a
perspectiva a que temos nos dedicado com mais afinco, a da
Teoria da Reprodução Social 7.
7A
Teoria da Reprodução Social é de base marxista, mas pretende avançar na
análise das questões de gênero. Tal teoria parte do princípio de que a produção
de bens e serviços e a produção da vida são parte de um mesmo processo, um
processo integrado (BHATTACHARYA, 2019). As pessoas que produzem coisas,
também são produzidas. No modo de produção capitalista, há particularidades
que exigem uma análise que conecte as relações de classe e gênero, com um
projeto maior de pensar como ontologia integrativa entre classe, gênero, raça e
sexualidade. Por isso, a necessidade de uma “teoria unitária”, conforme ficará
explicitado no capítulo.Destacam-se como importantes pesquisadoras/es nesse
89
Para os objetivos mencionados, organizamos o capítulo
da seguinte forma: a primeira seção trata do sistema dual
materialista proposto por Hartmann (1983 [1977]), em
contraposição ao sistema dual das feministas radicais; a
segunda seção apresenta a proposta de uma teoria unitária
(capitalismo e patriarcado) por Young (1992 [1981]); a terceira
seção apresenta a concepção de união queer entre marxismo e
feminismo, por Arruzza (2019 [2010]), que dialoga com a teoria
unitária de Young, entretanto, tentando pensar os desafios
postos pelo tempo presente, de uma economia global, entrelaçando classe e gênero; por fim, a última seção conta com
apontamentos da autora do capítulo sobre limites e alcances do
debates mencionados, com sugestões por onde marxismo e
feminismo devem caminhar, a partir das contribuições anteriormente apresentadas.
Hartmann e o matrimônio infeliz entre marxismo e
feminismo.
Hartmann (1983 [1975-77]) inicia sua argumentação no
artigo “El infeliz matrimonio entre marxismo y feminismo: hacia
una unión más progressista” dizendo que o casamento entre
marxismo e feminismo se assemelha ao casamento entre esposo
e esposa: marxismo e feminismo são unitários, e essa unidade é
o marxismo, assim como no casamento convencional, a unidade
está no marido. Ela diz que, até então, as tentativas de integrar
marxismo e feminismo foram insatisfatórias para as feministas,
porque subordinaram a luta feminista à luta mais ampla, contra
o capital. Na percepção da estudiosa, ou se constitui um
casamento saudável entre marxismo e feminismo ou seria
melhor o divórcio total entre eles.
O argumento de Hartmann (1983) é o de que, apesar da
análise marxista prover conhecimentos primordiais sobre as leis
do desenvolvimento histórico e do modo de produção capitalista
em particular, as categorias marxistas estão “cegas com relação
campo: Lise Vogel, Martha Gimenez, Johanna Brenner, Susan Ferguson, David
Mc Nally, Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya,
90
ao sexo”. Para essa pesquisadora, contudo, também a análise
feminista estava sendo cega à história, bem como insuficientemente materialista. Sem negar a importância do marxismo,
Hartmann sugere uma nova direção para a análise do feminismo
marxista.
Ao propor um novo direcionamento, Hartmann (1983) se
centrou, especificamente, na relação entre capitalismo e
patriarcado. Para melhor compreensão desse direcionamento,
faz-se necessário diferenciar a noção de patriarcado para
Hartmann e para as feministas radicais, com quem ela dialoga
no artigo.
As feministas radicais surgiram nos Estados Unidos, no
contexto de intensa agitação política dos anos 1960. O american
dream abalado pelo assassinato de Kennedy e a recusa à Guerra
do Vietnã, em uma realidade racista, de exploração da classe
trabalhadora e imperialista, fizeram surgir, nos Estados Unidos,
movimentos sociais radicais. Não somente se constituía uma
Nova Esquerda, como as mulheres, no interior do próprio
movimento, estavam insatisfeitas sobre como eram tratadas,
bem como sobre a forma como a questão da mulher era
abordada em seus escritos e agitações.
Esses movimentos radicais não estavam interessados em
reformas políticas, estavam interessados em criar novas formas
de vida, novas formas de viver. Foi assim que, entre 1967 e 1975,
se desenvolveu o feminismo radical (PEDREIRA, 2008).
Em contraste com a abordagem pragmática tomada pelo
feminismo liberal, o feminismo radical visa remodelar a
sociedade e reestruturar as instituições que enxergam
como eminentemente patriarcais [...] Elas lutaram para
substituir as relações hierárquicas e tradicionais de poder,
que consideravam refletir o viés masculino da sociedade,
com abordagens não-hierárquicas e anti-autoritárias de
política e organização (GHANDI, 2016, p. 32).
É importante ressaltar que as análises são muito
circunscritas ao capitalismo dos países centrais, em especial,
dos Estados Unidos. No feminismo radical, destacaram-se duas
autoras: Juliet Mitchell e Shulamith Firestone, as quais não
negaram completamente o marxismo, mas quiseram colocar seu
91
método à serviço das questões feministas. Inclusive o “radical” é
inspirado nas noções marxistas de tomar as questões pela raiz.
Elas tinham por objetivo encontrar a raiz das opressões.
Firstone (1970) colocou a reprodução, ao invés da
produção, como a força motora da história, com ênfase muito
forte nas motivações biológicas e psicológicas para a condição
da mulher. Já Mitchell, segundo Hartmann (1983), foi incapaz
de analisar a participação dos aspectos materiais no processo de
formação da personalidade e na criação do gênero, ou como o
sexo (biológico) se converte em gênero (social).
No sentido já apontado, de acento nas questões
psicológicas, o principal slogan do movimento feminista radical
era “o pessoal é político”.
‘Lo personal es político’ significa, para las feministas
radicales, que la división de classe original y básica es
entre los sexos, y que la fuerza que motiva esto en la
historia es el esfuerzo de los hombres para dominar y
mantener su poder sobre las mujeresen la dialéctica del
sexo (HARTMANN, 1983, s.p.).
A relação entre homens e mulheres é pensada a partir de
uma relação de poder, de dominação, centrada no ego. “Lo
masculino busca poder y dominación: él es egocêntrico e
individualista; competitivo y pragmático; el ‘modo tecnológico’
según Firestone, es masculino. Lo feminino es artístico,
filosófico, el cuidado y crianza de los niños; el ‘modo estético’ es
feminino” (HARTMANN, 1983, s.p.).
Tal relação de poder colocada pela dialética dos sexos das
feministas radicais, com raízes biológicas, psicológicas e
culturais, definem uma noção de patriarcado que, para
Hartmann (1983), é bastante complicada, para não dizer pouco
rigorosa. O patriarcado referir-se-ia ao sistema social
caracterizado pela dominação masculina sobre as mulheres.
Ocorre, assim, uma universalização histórica do
patriarcado que perde de vista as particularidades. A universalização histórica do patriarcado, ou seja, o fato de que a
dominação dos homens sobre as mulheres existe na maior parte
das sociedades, torna o patriarcado a-histórico.
92
Esta definición de patriarcado del feminismo radical se
aplica a la mayoría de las sociedades que conocemos y no
se puede distinguir entre ellas. El uso de la historia por las
feministas radicales está tipicamente limitado a suministrar ejemplos de la existência del patriarcado em todos
los tempos y lugares (HARTMANN, 1983, s.p.).
Atenta à base histórica das análises marxistas, Hatmann
(1983) buscou recuperar a história do patriarcado. Segundo a
pesquisadora, a concepção de patriarcado hegemônica antes
desse desenvolvimento teórico das feministas radicais, seja para
os marxistas, seja para as demais principais correntes científicosociais do ocidente era:
[...] el patriarcado se referia a um sistema de relaciones
entre hombres que formaban los lineamientos económicos
y políticos de sociedades feudales y de algunas prefeudales, em las cuales la jerarquia seguia ciertas
características adscritas. Las sociedades capitalistas son
entendidas por los científicos sociales burgueses, como
meritocráticas, burocráticas e impersonales. Los
marxistas vem las sociedades capitalistas como sistemas
de dominación de classe (HARTMANN, 1983, s.p.).
O feminismo radical traz uma proposta de definição de
patriarcado nova: sistemas de relações que permitem/
possibilitam a que homens dominem as mulheres. Carece,
entretanto, às feministas radicais, uma explicação das bases
materiais do patriarcado, por exemplo, a divisão sexual do
trabalho e controle que os homens exercem sobre a força de
trabalho das mulheres. Isso tem impacto, inclusive no controle
do corpo e da sexualidade das mulheres.
Ao se centrar na reprodução no lugar da produção social,
as feministas radicais perderam de vista a relação intrínseca
entre produção e reprodução social na sociedade capitalista. Ao
proporem uma espécie de “patriarcado puro”, sem história, sem
materialidade, acabaram por apagar as particularidades do
patriarcado e, em especial, de desvendar quais os determinantes
históricos do patriarcado no modo de produção capitalista.
Esse olhar sobre a particularidade é muito importante,
porque também quebra com leituras teleológicas da história
93
dentro do próprio marxismo, na medida em que possibilita
afirmar que, mesmo no socialismo, uma sociedade pode
permanecer sendo patriarcal. Ou seja, que a revolução em si não
produziria, automaticamente, a superação de outras opressões,
como a de gênero.
Hartmann (1983) concorda com o fato de que o
patriarcado esteve presente na maioria das sociedades que
conhecemos, porém afirma que se modifica em forma e em
intensidade. Bem como “las mujeres de diferente classe, raza,
nacionalidade, estado marital, grupo de orientação sexual, están
sujetas a diferentes grados de poder patriarcal” (HARTMANN,
1983, s.p.).
A centralidade na questão da relação de poder entre
homens e mulheres é tão grande para as análises das feministas
radicais, que essas passaram a rechaçar a luta conjunta entre
homens e mulheres.
Estudantes negros do Studaent Non-violent Coordination
Council (SNCC) (que haviam feito campanha para os
direitos civis para os negros) expulsaram os estudantes
homens e mulheres brancas na Convenção de Chicago,
com a justificativa de que apenas os negros deviam lutar
pela liberação dos negros. Da mesma forma, a ideia de que
a libertação das mulheres é a luta exclusiva das mulheres
ganhou terreno. Neste contexto, as mulheres membros do
Students for a Democratic Society (SDS) exigiram que a
libertação das mulheres seria uma parte de seu conselho
nacional em sua convenção em junho de 1968. Mas foram
vaiadas e votaram contra. Muitas destas mulheres saíram
e formaram a Women’s Radical Action Project (WRAP) em
Chicago. Mulheres de dentro da New University
Conference (NUC) – um corpo a nível nacional de
estudantes universitários, funcionários e professores que
queriam um EUA socialista – formaram um caucus de
mulheres. Marlene Dixon e Naomi Wisstein de Chicago
lideraram este processo. Shulamith Firestone e Pamela
Allen começaram atividades semelhantes em Nova York e
formaram o New York Radical Women (NYRW). Todas elas
rejeitaram a visão liberal que mudanças nas leis e uma
emenda de direitos iguais resolveriam os problemas da
opressão da mulher e acreditavam que toda a estrutura da
sociedade deveria ser transformada. Daí, chamavam a si
94
mesmas de radicais. Sustentaram a opinião que grupos e
partidos mistos (homens e mulheres) como o Partido
Socialista, SDS, New Left não seriam capazes de levar
adiante a luta pela emancipação da mulher e um
movimento de mulheres, autônomo dos partidos, seria
necessário (GANDHI, 2016, p. 26).
Hartmann (1983) não nega a classe social nem a luta
conjunta de mulheres e homens da classe trabalhadora, o que,
para ela, teria repercussões graves à luta anticapitalista. Ao
contrário, sua intenção, com o artigo em análise, diz respeito ao
desafio de aproximar o marxismo e o feminismo. Para tanto,
propõe uma nova concepção de patriarcado:
[...] el patriarcado como um conjunto de relaciones sociales
que tiene uma base material y em la cual hay relaciones
jerárquicas entre los hombres y solidariedade entre ellos,
lo que les permite dominar a las mujeres. La base material
del patriarcado es el control de los hombres sobre la fuerza
de trabajo de las mujeres. Dicho control se mantiene
negando acceso a las mujeres a los recursos productivos
economicamente
necessários
y
restringiendo
su
sexualidade (HARTMANN, 1983, s.p.).
Com essa nova proposta de definição de patriarcado,
Hartmann (1983) buscou tornar mais próxima a relação entre
capitalismo e patriarcado, ao apontar para a base material do
deste último, relacionando a hierarquia entre homens e
mulheres com a divisão do trabalho.
Ao produzir sua crítica, Hartmann (1983) também
assinalou para o interesse, no interior do proletariado, de se
manter uma relação de controle dos homens sobre as mulheres,
principalmente quando esses argumentavam que a entrada das
mulheres no mercado de trabalho reduziria os próprios salários,
de modo que seria melhor que elas continuassem cumprindo
suas tarefas no lar.
Também criticou uma leitura mecanicista marxista que
afirmava que o patriarcado desapareceria frente à necessidade
do capitalismo de proletarizar a todos e todas. Segundo a
estudiosa, os que faziam esse tipo de afirmação subestimaram a
força e a flexibilidade tanto do patriarcado quanto do capital.
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Hartmann (1983) propôs, conclusivamente, a partir de
toda essa análise, uma união mais progressista entre marxismo
e feminismo para, dessa forma, organizar uma prática que se
dirigisse tanto contra o patriarcado como contra o capitalismo.
“[...] mientras que los hombres han luchado por más tiempo
contra el capital, las mujeres sabemos por qué luchar” (s.p.).
Arruzza (2015 [2014]), em análise mais recente, propõe
reabrir o debate entre capitalismo e patriarcado. Em sua
pesquisa, formulou três teses: a “teoria dos sistemas duplos ou
triplos”; a do “capitalismo indiferente” e a “teoria unitária”.
A teoria dos sistemas duplos seria aquele que analisa
capitalismo e patriarcado como dois sistemas diversos, com
estrutura própria.O sistema triplo seria aquele que incluiria,
além de capitalismo e patriarcado, um terceiro sistema, para
tratar a questão racial, de forma autônoma, ainda que
interseccionando-se com os dois primeiros.
Na tese do “capitalismo indiferente”, a opressão de
gênero, expressa no patriarcado, é vista como reminiscente de
formas sociais anteriores ao capitalismo.Este teria uma relação
oportunista com a desigualdade de gênero e poderia superá-la
sem maiores dificuldades. Uma importante teórica do campo
marxista aparece como representante dessa tese: Ellen Wood.
Já a teoria unitária busca dar “uma explicação teórica
única e integrada tanto da opressão às mulheres quanto do
modo de produção capitalista” (FERGUSON; MCNALLY, 2017, p.
33).
Apesar das cobranças que Hartmann faz quanto as
aproximações entre marxismo e feminismo, Arruzza (2015)
adverte que Hartmann (1983) recai na teoria dos sistemas
duplos, porque não colocam capitalismo e patriarcado como
parte de uma mesma unidade. Tal conclusão está em
consonância com a leitura de Young, que analisaremos a seguir.
Young: para além de uma aliança progressista
Se Hartmann (1983) fez grandes avanços no que diz
respeito à relação entre marxismo e feminismo, Young (1992
[1981]) quer ir além. Para a mencionada pesquisadora, apesar
96
de Hartmann ter dado bases materiais ao patriarcado, ainda
tratou capitalismo e patriarcado como um sistema dual. Young
(1992) propõe uma teoria unitária. Diz a autora:
Yo plantearé, sin embargo, que la teoria del sistema dual
no puede reparar el infeliz matrimonio del marxismo y el
feminismo. Hay buenas razones para crer que la situación
de la mujer no está condicionada por dos sistemas
distintos de relaciones sociales que tienen estructuras,
dinâmicas e historias distintas. Es más, el marxismo
feminista no puede contentarse com um mero
“matrimonio” de dos teorias – marxismo y feminismo – que
reflejan dos sistemas: el capitalismo y el patriarcado. Por
el contrarío, el proyecto del feminismo socialista debe ser
el desarrollar uma teoria única, aprovechando lo mejor del
marxismo e del feminismo radical, para compreender el
patriarcado capitalista como um sistema em el cual la
opresión de la mujer es um atributo central (YOUNG,
1992, s.p.).
Young (1992) concorda com as críticas que Hartmann
(1983) faz às feministas radicais, principalmente no que diz
respeito ao acento exagerado nos cuidados dos filhos e no fato
de considerarem o patriarcado um fenômeno psicológico ou
cultural, apartado da materialidade real concreta, portanto,
estático e a-histórico.
Apesar de estar de acordo com Hartmann nos aspectos
mencionados, Young (1992) observa que, mesmo que tendo
proposto bases materiais para o patriarcado, ela ainda posiciona
o capital e o patriarcado como formas distintas de relações
sociais, com conjuntos distintos de interesses. Coexistem,
porém, não necessariamente se relacionam. Para Hartmann,
segundo a leitura de Young (1992), há leis de transformação
específicas do patriarcado, que se diferem das leis gerais do
capitalismo.
Se Hartmann (1983) afirma que as relações sociais
patriarcais dentro do capitalismo contemporâneo não se
restringem ao âmbito da família, mas alcançam o espaço do
trabalho assalariado, bem como outras instituições fora do lar,
torna difícil olhar para o patriarcado e o capitalismo como
sistemas distintos, ou seja,de forma dual. “Parece razonable, sin
97
embargo, admitir que, si el patriarcado y el capitalismo se
manifiestan em estructuras económicas sociales idênticas,
entonces pertenecem a um sistema, y no a dos” (YOUNG, 1992,
s.p.). Corre-se o risco, em se mantendo uma análise dual, de se
propor que o patriarcado seja um modo de produção em si
mesmo, alertou Young (1992).
Sob influência das feministas radicais, também as
feministas materialistas 8 enveredaram para o debate de classe
de sexo, tendo sido um artigo fundante neste sentido o intitulado
“O inimigo principal: a economia política do patriarcado”, de
Christine Delphy, de 1970, no qual ela indica que há um modo
de produção patriarcal em paralelo ao modo de produção
capitalista, e que as mulheres devem se atentar para a
exploração que ocorre dentro dos lares, estabelecida pelo
antagonismo de classe de sexo.
Na verdade, ao pretender que as mulheres pertencem à
classe do marido, mascara-se exatamente que elas
pertencem por definição a uma classe diferente da do
marido. Ao pretender que o casamento pode substituir as
relações de produção no sistema capitalista como critério
de pertencimento de classe nesse sistema, mascara-se
tanto a existência de outro sistema de produção quanto o
fato de que as relações de produção nesse sistema colocam
precisamente maridos e mulheres em classes antagônicas
(em que uns tiram um proveito material da exploração das
outras). Por fim, a “reintegração” das mulheres nas classes
por sua definição como propriedade do marido objetiva
precisamente velar o fato de que elas são uma propriedade
do marido (DELPHY, 2015, p. 114-115, grifos nossos).
A separação do que ocorre no centro da família (trabalho
não pago) do que se passa no âmbito do trabalho pago faz com
que faltem ferramentas de análise para entender a opressão
sexista a essas análises, podendo, no limite, servirem aos
interesses do próprio capitalismo.
8O grupo das feministas materialistas francesas se formou com várias mulheres
reunidas em torno da revista “Questions Féministes”, tais como Christine
Delphy, Colette Guillaumin, Nicole-Claude Mathieu, Monique Wittig e outras, as
quais se debruçaram no debate da desnaturalização do sexo.
98
Young (1992) sugere às feministas, destarte, que não se
“casem” com o marxismo, mas que se apropriem das análises
das relações de produção e das relações sociais do marxismo
para propor uma teoria que tome o trabalho das mulheres como
central, portanto, “[...] um sistema único en el cual la
diferenciación de género es un atributo central” (YOUNG, 1992,
s.p.).
Assim como o sistema de classes é categoria central de
análise para o marxismo tradicional, Young (1992) propõe que a
“divisão do trabalho por gênero” seja categoria central dessa
teoria unitária a ser proposta pelas feministas. Em concordância
com Hartmann (1983), para Young (1992), o conceito de classe
é sem dúvida “cego ao gênero” no marxismo. Segundo a
pesquisadora, a categoria “divisão do trabalho” permaneceu sem
desenvolvimento após importante explanação de Marx e Engels
em “A ideologia Alemã”.
Young (1992) procurou avançar com relação à Hartmann
(1983) ao dizer que as tarefas tradicionais da mulher no lar
também cabem dentro da categoria trabalho, aproximando
produção e reprodução como parte das relações sociais.
As relações de gênero e a posição da mulher devem estar
no centro da análise materialista histórica, de modo a relacionar
a emergência da sociedade de classes à divisão do trabalho por
gênero sem, com isso, repetir o equívoco das feministas radicais
de afirmar que a sociedade de classes deriva da opressão sexual.
Outro elemento que já aparece em Hartmann (1983) e
que é reforçado por Young (1992) é a importância da relação
entre universal e particular, para quem a divisão do trabalho por
gênero evita generalizações de que as mulheres em diferentes
espaços geográficos e tempos históricos sofrem da mesma forma
a opressão sexual. Há variações de graus de subordinação das
mulheres aos homens, inclusive com relação à raça, origem
étnica etc.
Feito esse desenvolvimento teórico, Young (1992)
apresenta sua tese central: “[...] la marginalización de la mujer
y, por conseguiente, nuestro funcionamento como uma fuerza
laboral secundária, es uma característica fundamental e
essencial del capitalismo” (YOUNG, 1992, s.p.).
99
Sem usar o conceito de Marx (2013), Young (1992) diz
que a mulher compõe a superpopulação relativa, que responde
às flutuações em torno da massa empregada. Citando Saffioti,
ela coloca os homens no núcleo central ou como trabalhadores
primários, e as mulheres como trabalhadoras secundárias ou
marginais.
O capital precisa de critérios para absorver ou não uma
determinada quantidade de trabalhadores no mercado de
trabalho, respondendo às suas necessidades. O capitalismo se
utiliza de critérios técnicos e raciais, mas o mais óbvio e
permanente, segundo Young (1992), tem sido a divisão por sexo.
A depender da conjuntura, os trabalhadores homens bem pagos
são trocados por mulheres mal remuneradas.
Ainda assim, mesmo que tidas como secundárias, os
capitalistas continuam a promover a ideologia da “feminilidade
doméstica” para justificar baixos salários, sua indispensabilidade no lar e para impedir que se organizem (YOUNG, 1992,
s.p.).
Para Lerner (2019), estudiosa da história da opressão das
mulheres, esse caráter ideológico é reforçado materialmente:
O sistema do patriarcado só pode funcionar com a
cooperação das mulheres. Assegura-se essa cooperação
por diversos meios: doutrinação de gênero, carência
educacional, negação às mulheres do conhecimento da
própria história, divisão de mulheres pela definição de
“respeitabilidade” e “desvio” de acordo com suas atividades
sexuais; por restrições e coerção total; por meio de
discriminação no acesso a recursos econômicos e poder
político e pela concessão de privilégios de classe a
mulheres que obedecem (LERNER, 2019, p. 267).
Também atenta às bases materiais, e para defender a
teoria unitária em contraposição à teoria dual, Young (1992)
desenvolve sobre as implicações práticas da teoria. Segundo ela,
seria muito difícil fazer uma luta contra o patriarcado (na
definição materialista posta por Hartmann) em separado da luta
contra o capitalismo. No máximo, ela consegue citar a luta por
direitos reprodutivos.
100
Mas, se recorrermos a publicações contemporâneas
àquelas, como a de Guillaumin (2014 [1978]) 9, para quem a
mulher é uma fábrica de fazer filhos, portanto, de produzir força
de trabalho, cuja vida é, não somente explorada e oprimida, mas
também seu corpo apropriado privada e coletivamente, veremos
que nem os direitos reprodutivos seriam exceção.
Assim, para Young (1992), a luta é uma só e urgente:
contra o capital e contra o patriarcado, que compõem um único
sistema.
Arruzza: a união queer entre marxismo e feminismo.
Diante da pergunta inicial de Hartmann sobre o
casamento saudável entre marxismo e feminismo ou o divórcio
total, Arruzza (2019 [2010]), face ao enorme processo de
feminização do trabalho diante da mundialização do capital,
descarta, sem reticências, a possibilidade do divórcio.
No século XXI, nada obstante, Arruzza (2019) continua
constatando a dificuldade da teoria marxista integrar os debates
de divisão sexual do trabalho, do papel da reprodução capitalista
e de como a ideologia patriarcal se relaciona com a dinâmica da
acumulação. A pesquisadora observa que movimentos sociais e
as teóricas do feminismo têm feito a retirada da categoria classe
social de suas análises, em nome de uma sororidade universal
das mulheres.
Em Arruzza (2019), a relação entre capitalismo e
patriarcado também aparece como relevante, em conexão com a
teoria unitária. Contudo, nos parece que outra relação,
conectada à anterior, é primordial no referido capítulo: a relação
entre classe e gênero. “O que interessa não é se a classe vem
antes do gênero ou o gênero antes da classe, mas como o gênero
e a classe se entrelaçam nas relações de produção capitalista
[...]” (ARRUZZA, 2019, p. 140).
Desenvolver uma visão que possa dar sentido às ligações
e decifrar a complexa relação entre os vestígios patriarcais
Ainda que se trate de uma feministas materialista, acreditamos que a
contemporaneidade do debate se faz relevante.
9
101
que se movem como fantasmas em um mundo capitalista
globalizado e estruturas patriarcais que, ao contrário,
foram integradas, usadas e transformadas pelo capitalismo, exige uma renovação do marxismo. Esta renovação
é necessária para ir além da contraposição entre as
categorias cultura e economia, material e ideológico. Um
projeto político que busque construir um novo movimento
de trabalhadores requer uma séria reflexão sobre como
gênero e raça influenciam tanto a composição da força de
trabalho quanto o processo de subjetivação. Além disso,
significa o fim da disputa sobre a “opressão original”
(ARRUZZA, 2019, p. 140).
Segundo explicação de Nancy Fraser (apud Arruzza,
2019, p. 129), a teoria queer 10 não tem por objetivo a
reivindicação de uma identidade homossexual, transexual ou
intersexual, mas desconstruir a dicotomia homossexual/
heterossexual. Portanto, assim como a teoria revolucionária
marxista quer o fim das classes sociais, a teoria queer quer o fim
do gênero.
Quando Arruzza (2019) fala de união queer, ela está se
referindo às tentativas equivocadas de fazer do gênero uma
classe ou da classe um gênero, pulverizando relações pessoais e
as reduzindo a opressões singulares, a esperar um espaço na fila
pela inclusão no projeto de emancipação.
A defesa de uma teoria unitária, por Arruzza (2015;
2019), passa pela necessidade de se olhar o capitalismo como
uma totalidade articulada e contraditória, cuja reprodução é tão
primordial para a sua sustentação quanto a produção, as quais
se movimentam dialeticamente enquanto uma unidade.
Conforme defendido do Huws (2014), vida, trabalho e
valor sustentam esse modo de produção.
10 A teoria queer foi desenvolvida na década de 1990 e tem como principal teórica
a filósofa Judith Butler. Em crítica a leituras deterministas, essencialistas e
biologicistas, a estudiosa ressalta o caráter performativo do gênero, na tentativa
de quebrar com a lógica normativa preponderante. Arruzza (2019) ressalta
importância da análise de Butler por ter conectado elementos da cultura com a
base material. Contudo, enxerga como limite um distanciamento da base
econômica que estrutura as relações de poder.
102
O termo reprodução social, na tradição marxista,
normalmente indica o processo de reprodução de uma
sociedade em sua totalidade [...]. Na tradição marxista
feminista, entretanto, reprodução social significa algo
mais preciso: a manutenção e reprodução da vida, em nível
diário e geracional. Neste contexto, reprodução social
designa a forma na qual trabalho físico, emocional e
mental necessário para a produção da população é
socialmente organizado (ARRUZZA, 2015, p. 55).
É preciso ter claro que, na teoria unitária, o espaço da
reprodução não se restringe ao lar, mas avança para os campos
da educação, saúde, política social em geral, porque valor de
troca está em unidade contraditória com o valor de uso e, apesar
do capital produzir morte 11, ele não existe sem a reprodução da
vida. O desafio, portanto, das feministas marxistas é trabalhar
nessa contradição para formação de uma nova subjetividade e
novas práticas revolucionárias.
Marxismo feminista e feminismo marxista
Essa recuperação do debate demonstra a relevância
política dessa aproximação entre marxismo e feminismo, ao
mesmo tempo em que aponta para algo primordial ao marxismo:
a autocrítica. Karl Marx, até o final da vida, repensou a teoria
que produziu. Musto (2018), em biografia dos dois últimos anos
de vida de Marx, apresentou um pesquisador que ainda fazia
profundas descoberta no campo da antropologia e da propriedade comum nas sociedades pré-capitalistas, por exemplo,
para aprimorar a sua crítica da economia política. Devemos
seguir o exemplo de Marx, que não tinha receio em repensar a
sua teoria e renovar o marxismo, sem desviar de seus
fundamentos, em especial de seu método.
Da década de 1970 aos dias atuais, foram traduzidas e
publicadas muitas obras inéditas de Marx, bem como o próprio
marxismo se desenvolveu, especialmente no que diz respeito à
Desde o trabalho morto no processo de reprodução capitalista até a repressão
de cariz genocida, que elimina força de trabalho excedente.
11
103
crítica dialética a um materialismo histórico economicista 12. Tal
crítica torna muito equivocado tratar a reprodução em separado
da produção social, quanto mais afirmar que o patriarcado é
parte da superestrutura ou apenas uma expressão ideológica da
produção econômica.
Também consideramos que essa (re)visitação à obra de
Marx pode invalidar a afirmação de que o autor e marxismo são
cegos em relação ao sexo/gênero 13. Ao falar de classe e divisão
do trabalho, Marx não ignorou a questão da mulher. Podemos
dizer que são apontamentos não aprofundados, mas
consideramos um tanto quanto exagerado afirmar que era cego
no que diz respeito às mulheres na composição social das
classes. Outros marxistas, como István Meszáros (2002),
dedicaram espaço em suas obras para discutir especificamente
a libertação da mulher 14.
Além de um exercício na utilização do método
materialista histórico dialético, se faz necessária uma análise
ontológica do ser social mulher na sociedade capitalista para
entender o patriarcado em sua intrínseca relação com o modo
de produção capitalista, observando diferentes níveis de
abstração na análise, que deem conta da relação universal,
particular e singular.
As autoras chamam atenção, e estamos de acordo com
elas, para a necessidade de pesquisas empíricas, que nos
permitam melhor nos apropriarmos da materialidade concreta
da sua posição de mulher (em toda a sua heterogeneidade de
classe, raça e orientação sexual), sob opressão patriarcal, na
sociedade capitalista.
Em conclusão ao debate, fazemos a defesa de uma teoria
unitária, que pense capitalismo e patriarcado como uma
totalidade integrada e não como dois sistemas em separado.
Cientes de que o patriarcado existe na história há muito mais
tempo que o modo de produção capitalista, analisamos que o
capitalismo eleva o patriarcado a um novo patamar, cujas
Para este debate, ver Moraes (2017).
O debate em torno do uso dos conceitos sexo e gênero podem ser encontrado
em Cisne (2014) e Scott (1986).
14 Para este debate, ver Mészáros (2002) e Moraes (2018).
12
13
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particularidades e singularidades podem ser expressas em
pesquisas empíricas.
É preciso destacar e fazer a autocrítica para o fato de que
as feministas marxistas têm se centrado nos âmbitos de gênero
e classe, e que a questão racial tem sido marginalizada em boa
parte da produção teórica desse campo. Por mais que se
reivindique que não é possível pensar ontologicamente a mulher
a não ser em sua diversidade concreta –isso significa pensar
tanto raça, quanto classe, quanto sexualidade como fundantes
do que seja o ser social mulher na sociedade capitalista –, ainda
há que se avançar nesse sentido.
O rigor teórico, a observância do método, a análise da
materialidade concreta e proposição política de um feminismo
anticapitalista podem ser fortes instrumentos na luta contra a
barbárie capitalista que se aprofunda velozmente com a
mundialização financeira do capital. Tal arcabouço pode revelar
que uma revolução social só se concretiza se o marxismo for
feminista e se o feminismo for marxista.
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