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1 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E IGUALDADE DE GÊNERO: A IMPORTÂNCIA DE MAIS MULHERES NOS PARTIDOS POLÍTICOS1 Marina de Mello Gama2 RESUMO A igualdade de gênero é um pilar fundamental de nossa democracia representativa e essencial para possibilitar o acesso a uma cidadania adequada, inclusiva e igualitária. O objetivo do presente trabalho é demonstrar que a garantia e a efetividade da igualdade de gênero nas instâncias políticas e nos espaços decisórios são fundamentos essenciais para o pleno funcionamento da democracia. Dessa forma, realiza-se uma breve análise da recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que traz uma nova interpretação à legislação das cotas de gênero, dando mais protagonismo aos partidos políticos e agremiações partidárias. Realizase uma descrição sobre a atual subrepresentação feminina na Câmara dos Deputados e nos órgãos internos dos partidos políticos, além de uma exposição da decisão do TSE, a qual impõe aos partidos políticos o cumprimento das cotas internamente, ou seja, pelo menos 30% dos cargos de seus órgãos diretivos devem ser reservados para as mulheres. Conclui-se que a recente decisão pode ser considerada como uma extensão da política de cotas de gênero e, além disso, que o papel dos partidos políticos será imprescindível e fundamental para a concretização desse atual entendimento. Partidos Políticos. Igualdade. Cotas de Gênero. Representação. Resumo expandido apresentado no “I Congresso Internacional de Direito Partidário” em julho de 2020, organizado pela Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Partidário (ABRADEP), avaliado com menção honrosa e selecionado para publicação como artigo. 2 Advogada e mestre em Direito Público pela Universidade de Salamanca (USAL). Atualmente Secretária Adjunta de Assuntos Jurídicos e da Justiça da Prefeitura de Cotia/SP. Pesquisadora do Grupo “Gênero y Política” da Associação Espanhola de Ciência Política e Administração (AECPA), membro da Associação Visibilidade Feminina. Pesquisadora do Grupo “Sistema de Justiça e Estado Exceção” da PUC/SP. E-mail: mamg31@gmail.com 1 2 RESUMEN La igualdad de género es un pilar fundamental de nuestra democracia representativa y esencial para permitir el acceso a una ciudadanía adecuada, inclusiva e igualitaria. El objetivo del presente resumen es demonstrar que la garantía y la efectividad de la igualdad de género en las instancias políticas y en los espacios decisorios son fundamentos esenciales para el pleno funcionamiento de la democracia. De esa manera, se realiza un breve análisis de la reciente decisión del Tribunal Superior Electoral (TSE), la que aporta una nueva interpretación para la ley de cuotas de género y les dará más protagonismo a los partidos políticos y órganos partidarios. Se realiza una descripción de la actual subrepresentación femenina en el Congreso de los Diputados y en los órganos internos de los partidos, además de la exposición de la reciente decisión del TSE, la que impone a los partidos políticos el cumplimiento de la ley de cotas internamente, es decir, por lo menos 30% de los cargos de los órganos directivos deben ser reservados para las mujeres. Se concluye que la reciente decisión de Tribunal puede ser considerada como una ampliación de la política de las cuotas de género y, además de eso, el papel de los partidos políticos será imprescindible y fundamental para la concretización de ese actual entendimiento. Partidos Políticos. Igualdad. Cuotas de Género. Representación. 1. INTRODUÇÃO O acesso aos cargos de representação é um fator decisivo para a participação, negociação e tomada de decisões nas democracias contemporâneas. O princípio da igualdade política é fundamento central das democracias representativas, não apenas ao direito de votar, mas também ao direito de ser votado para participação dos processos decisórios que afetam toda a sociedade. As mulheres encontram-se subrepresentadas no âmbito público e nas elites políticas, razão pela qual é necessária a adoção de medidas de promoção de igualdade de gênero na política, para que todos e todas sejam destinatários das decisões que dizem respeito a toda sociedade. Assim, os mecanismos consagrados na legislação há mais de duas décadas devem 3 ser cumpridos e aperfeiçoados, para a garantia da participação de mulheres de maneira paritária, não somente de forma minoritária, como ocorre atualmente3. O papel do legislador deve ser combinado com o de outros atores políticos, como os partidos políticos, que são instituições essenciais para a efetividade da democracia e aplicabilidade da igualdade de gênero, além de importantes canais que proporcionam o exercício da disputa política e da representação parlamentar e governamental. Nesse sentido, uma recente decisão do TSE fixou entendimento de que os partidos devem aplicar as cotas de gênero para candidaturas também nas eleições internas na escolha de dirigentes de seus órgãos partidários. Assim, o trabalho se propõe a realizar uma breve análise da situação da representatividade feminina na política brasileira e da atual interpretação da legislação que prevê as cotas, que parece dar mais protagonismo aos partidos políticos na busca por democracia de gênero. Em relação à metodologia para a realização deste trabalho, foram combinadas aproximações quantitativas e qualitativas para analisar e qualificar a presença das mulheres nos processos formais de participação, a política de cotas de gênero e seus recentes avanços no Brasil. Os dados são apresentados de maneira descritiva, mas objetivam contextualizar as informações dentro do processo democrático para busca de igualdade. 2. A SUBREPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NOS ESPAÇOS DECISÓRIOS Após mais de 25 anos do surgimento da legislação das cotas de gênero no Brasil, o número de mulheres eleitas para os parlamentos segue muito baixo. Na última legislatura da Câmara dos Deputados, em 2018, foram eleitas 77 deputadas federais, que representam 15% do total de deputados. Esse número foi o mais alto da história do parlamento, porém, ainda muito abaixo do previsto nas legislações nacionais e nos tratados internacionais4. Em 2020 o Brasil ficou na 141ª colocação no ranking da Inter-Parliamentary Union sobre a participação 3 Cabe mencionar que o conceito de minoria que será desenvolvido aqui não parte de um pressuposto numérico, ou seja, não pretende revelar uma relação numérica entre o número de componentes de um grupo social. A definição de mulheres como minoria nesse estudo, baseia-se nas relações de exclusão social, simbólica e material que se estabelecem, historicamente, entre homens e mulheres. Dessa forma, os termos “maioria” e “minoria” descrevem a situação de distribuição desigual dentro da estrutura de poder político, entre grupos sociais femininos e masculinos. política. KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural: una teoría liberal de los derechos de las minorías. Tradução Carme Castells Auleda. Barcelona: Paidós Ibérica, 1996 4 Dados obtidos do Tribunal Superior Eleitoral. 4 das mulheres na política, entre os 193 países avaliados, sendo o país mais desigual da América Latina5. Esses dados revelam que a subrepresentação prevalece e as medidas institucionais de incentivo à igualdade na política ainda não foram suficientes para corrigir o desequilíbrio histórico existente ou para implementar a igualdade de gênero na política. Entretanto, como já mencionado, uma das razões observadas por esse estudo é que o preenchimento das candidaturas depende também da competitividade eleitoral das mulheres. Assim, condição fundamental é a disponibilização de recursos financeiros, tempo de propaganda e acesso aos órgãos decisórios dos partidos. Dessa forma, os tribunais federais têm adotado uma postura que busca efetivar a atual política das cotas e melhorar sua aplicabilidade, realizando algumas alterações na interpretação da lei. Destacamos aqui o entendimento do TSE, que visa ao fortalecimento na aplicabilidade das cotas femininas e impacta diretamente nos partidos, responsáveis em grande medida, pela autenticidade do sistema democrático e para o acesso ao poder 6. 3. A RECENTE DECISÃO DO TSE E O PAPEL DOS PARTIDOS POLÍTICOS NA EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA DE GÊNERO Trata-se de uma resposta afirmativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à consulta referente à necessidade de observação das cotas de gênero para candidaturas também nas eleições internas para a escolha de dirigentes dos órgãos partidários7. O Tribunal, portanto, fixou entendimento de que o parágrafo 3º do artigo 10 da Lei nº 9.504/1997, também deverá ser aplicado nas disputas que tenham a finalidade de compor os órgãos internos, as comissões executivas e os diretórios dos partidos políticos Assim, devem ser reservados ao menos 30% dos cargos às mulheres. Tal decisão é de grande importância no contexto atual de déficit de participação político-eleitoral e de baixa presença de mulheres na direção dos partidos. Observa-se que um levantamento realizado pelo Estadão em 2018, revela que na maioria das siglas que elegeram deputados federais em 2018, as mulheres representam menos de 1/3 da composição das 5 INTER-PARLIAMENTARY UNION. Mujeres en la política: 2020. NICOLAU, Jair. Sistemas eleitorais. 6ª Ed. Ver. e atual. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. 7 Consulta – CTA nº 0603816-39.2017.6.00.0000, sob a relatoria da ministra Rosa Weber, julgada pelo TSE no dia 19 de maio de 2020. 6 5 executivas nacionais. E na maioria das legendas, elas ocupam os postos de menor relevância8. Nesse sentido, mesmo correspondendo a 44% do número total de filiadas, as mulheres não conseguem influenciar nas estratégias eleitorais nos órgãos decisórios dessas agremiações partidárias. Essa decisão deve se somar a outras medidas que os partidos já incorporam ou devem incorporar, como a obrigatoriedade de distribuição proporcional dos recursos do fundo eleitoral, garantia das campanhas eleitorais em igualdade de condições e coibição de candidaturas laranjas e fraudulentas. Assim, o entendimento é considerado como uma extensão da política de cotas e torna-se um importante instrumento para assegurar a concretização da participação feminina na vida democrática do partido. Com mais mulheres nos partidos, a chance de prevalecerem candidaturas reais e efetivas também é muito maior, já que os mecanismos que garantem o acesso ao poder e aos espaços públicos serão ampliados. Ressaltamos que não foi prevista pelo Tribunal a determinação de punição para os partidos que descumprirem a decisão, assim os pedidos de anotação dos órgãos de direção partidária daqueles que não tenham aplicado a reserva do percentual serão analisados, caso a caso, pela Justiça Eleitoral. Contudo no dia 07 de julho de 2020 foi apresentado para análise da Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que determina aos órgãos municipais, estaduais, e nacional de cada partido político, a composição de pelo menos 30% de mulheres em suas direções9. 4. CONCLUSÃO A legislação que implementou as cotas foi aprovada com a pretensão de efetivar o principio da igualdade e garantir o equilíbrio entre homens e mulheres no âmbito da representação política, além da finalidade de melhorar a qualidade da democracia. Assim, o acesso igualitário aos direitos políticos eleitorais é uma condição necessária para que a dita participação alcance a todos os setores da sociedade, incluindo as mulheres. 8 Dados do levantamento do Estadão. O ESTADO DE SÃO PAULO. Mulheres são Minorias nas cúpulas dos partidos. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,mulheres-sao-minoria-nas-cupulas-dospartidos,70002881815. Acesso em 02 de julho de 2020. 9 O PL foi apresentado no dia 07 de julho de 2020 e pela proposta, o cumprimento da regra da destinação da cota para as mulheres observará tanto o número quanto a hierarquia dos cargos a preencher. Os partidos enviarão ao TSE, a cada ano, relatório detalhado da composição por sexo nos órgãos e os partidos terão um ano para adaptar seus estatutos às determinações. 6 Concluímos que, para o alcance e a tutela da igualdade material essa proteção tem maior relevância em sujeitos sobre os quais recai a função de assegurar a autenticidade do sistema representativo e defesa dos direitos fundamentais. Assim, além da importância dos poderes públicos, os partidos são canais fundamentais para a efetividade do recente entendimento da lei. Caberá a eles o protagonismo na aplicabilidade das medidas para diminuição da atual exclusão das mulheres em suas políticas internas e nos espaços decisórios, gerando um aprofundamento da democracia. Por fim, observa-se que as cotas de gênero e as novas interpretações são fundamentais na busca de uma sociedade mais igualitária, justa e democrática, além de ampliar as diversas vozes no debate político e fortalecer a igualdade do acesso aos cargos públicos.A discussão abordada é essencial , pois somente com a promoção da democracia de gênero é possível falar em qualidade democrática, afinal a igualdade de gênero é um desafio de nossos tempos! 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Clara. Gênero e acesso ao poder legislativo no Brasil: as cotas entre as instituições e a cultura. Revista Brasileira de Ciência Política, vol.2, 2009, pg. 23-59. DAHL, Robert. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: UNB, 2001. INTERPARLAMENTARIA (UIP) Y ONU MUJERES. Mapa Mujeres en la política 2020. [Baseado na cartografía das Nações Unidas, mapa Nº 4170]. Nova York: sede da oficina da ONU Mulheres. Disponível em: https://www.ipu.org/resources/publications/infographics/2020-03/women-in-politics-2020. KYMLICKA, Will. Ciudadanía multicultural: una teoría liberal de los derechos de las minorías. Tradução Carme Castells Auleda. Barcelona: Paidós Ibérica, 1996. MARTÍNEZ, María Antonia. La representación política y la calidad de la democracia. Revista mexicana de sociologia- versión on-line ISSN 2594-0651versión impresa ISSN 0188-2503 Rev. Mex. Sociol vol.66 no.4 México oct./dic. 2004. MARTÍNEZ-PALACIOS, Jone. ¿Qué significa participar? Reflexiones sobre la construcción de las imágenes de la participación. Papers. Revista de Sociologia, [S.l.], v. 103, n. 3, p. 367393, abr. 2018. Disponível em https://papers.uab.cat/article/view/v103-n3-martinez-palacios 7 Marenghi, Patricia. (2009). La representación territorial en los legisladores iberoamericanos: qué intereses defienden y qué políticas impulsan (thesis). Universidad de Salamanca, España. NICOLAU, Jair. Sistemas eleitorais. 6ª Edição. Ver. e atual. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. PORCARO, Gondim Nicole e SANTOS, Polianna Pereira dos. A importância da igualdade de gênero e dos instrumentos para a sua efetivação na democracia: análise sobre o financiamento e representação feminine. Constitucionalismo Feminista: expressão das políticas públicas voltadas à igualdade de gênero. Christine O. P. Silva; Estefânia M.Q. Barbosa; Melina G. Fachin. (Org.). 1ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 285-305. SALGADO, Eneida Desiree; PÉREZ HUALDE, Alejandro. A democracia interna dos partidos políticos como premissa da autenticidade democrática. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 15, n. 60, p. 63-83, abr./jun. 2015. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5617/DF. STF. Relator: Min. Edson Fachin, julgado em 15 de março de 2018. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 23 mar. 2018. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. TSE entende ser aplicável reserva de gênero para mulheres nas eleições para órgãos partidários. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Maio/tse-entende-ser-aplicavel-reserva-degenero-para-mulheres-nas-eleicoes-para-orgaos-partidarios. Acesso em 03 de julho de 2020. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE). Fundo Eleitoral e tempo de rádio e TV devem reservar o mínimo de 30% para candidaturas femininas, afirma TSE. Recuperado de: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Maio/fundo-eleitoral-e-tempo-de-radio-e-tvdevem-reservar-o-minimo-de-30-para-candidaturas-femininas-afirma-tse. WUCHER, Gabi. Minorias: proteção internacional em prol da democracia. São Paulo: Editora Juarez Oliveira, 2000.