Museu de Arte da Pampulha
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
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M986
Museu Revelado/ organização Museu de Arte da Pampulha. – Belo Horizonte: Museu
da Pampulha, 2013. 100 p.: Il. Col. 14 x 21 cm. Idiomas: Português
ISBN:9788598964119
1.Museu de Arte da Pampulha – Acervo - Belo Horizonte(MG) – Exposições.
3.Exposições – Museu de Arte da Pampulha - Belo Horizonte(MG) – Crítica e interpretação.
CDD: 709.81511
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Catalogação na fonte: Celeste Meire Martins Fontana – CRB 6/1907
Índice para catálogo sistemático:
1.Museu de Arte da Pampulha: Belo Horizonte(MG): Exposições
Exposição do acervo do Museu de Arte da Pampulha
10 de novembro de 2012 a 00 de janeiro de 2013
Dentre as preciosidades de Belo Horizonte, distingue-se indubitavelmente o
Conjunto Arquitetônico da Pampulha. Pioneiro na forma, teve como artífices três
nomes que, trazidos a Minas Gerais no início dos anos 1940 pelo visionário prefeito
Juscelino Kubitschek, ganharam fama internacional: o arquiteto Oscar Niemeyer, o
paisagista Roberto Burle Marx e o artista plástico Cândido Portinari. Respirando esse ar
histórico e cultural, apresentamos a exposição Museu revelado, que mostra à cidade e
aos seus visitantes as obras pertencentes ao Museu de Arte da Pampulha.
Ao longo do tempo, o MAP adquiriu coleção considerável de obras de artistas
mineiros, brasileiros e estrangeiros, algumas verdadeiras raridades, que são mostradas
ao público, nesta ocasião. Os Salões de Arte, que fizeram história, aumentaram
significativamente o acervo do Museu, ao qual ainda se incorporaram várias doações.
O Museu de Arte da Pampulha abre suas portas para receber visitantes da
cidade e de outras terras e aproveita a ampla mostra do seu acervo para iniciar reflexão
profunda sobre as artes plásticas em Belo Horizonte, unindo o passado cultural às
expressões artísticas das últimas décadas do século XX, sem perder de vista a instigante
produção de nossos dias.
MARCIO ARAUJO DE LACERDA
Prefeito de Belo Horizonte
As últimas décadas do século XIX e XX foram marcadas, ambas, por manifestações
artísticas com fortes pontos de ruptura como não se havia produzido em vários
séculos. Nos anos finais do século XIX, a pintura impressionista e, mais ainda, o pósimpressionismo de Van Gogh, Gauguin ou Cézzane propunham uma nova forma
de ver a realidade, distanciando-se da mesma. Na escultura, Rodin havia feito outra
revolução, ao romper com a tradição neoclássica. Na arquitetura, o aparecimento de
novos materiais e de necessidades funcionais dos espaços determinou, na sua medida,
as novas propostas estéticas de arquitetos como os da Escola de Chicago, os da bela
Bauhaus e, como não, o inusitado modernismo tropical do Rio de Niemeyer, expandido
em sua máxima originalidade na Pampulha da qual este Cassino, transformado em
Museu de Arte, é filho consanguíneo.
Apresentar à cidade esta exposição de acervo, este Museu desvelado com um dos
mais ricos do país em qualidade e significado, quer dizer mostrar também a Pampulha
modernista, a paisagem mineira, seus símbolos e ícones representados nas mãos
ferozes dos artistas e arquitetos do século XX. Revelar o acervo do Museu é completar
o conjunto arquitetônico da Pampulha modernista, lugar e movimento em que arte e
arquitetura nunca se afastaram. É ainda potenciar esta bela Pampulha nossa, candidata
a Patrimônio da Humanidade.
Esse ato significa ainda um novo olhar da Prefeitura de Belo Horizonte e sua
Fundação Municipal de Cultura sobre a cidade - um olhar que abriga a memória que
um acervo histórico traz e que, no entanto, jamais abandonará a Pampulha como lugar
do fomento do contemporâneo, porque é sua vocação primeira, original. Mostrar a
arte é sempre forma de construir o futuro pelas mãos proféticas que só a arte pode
dar. Esta pausa para o acervo significa, portanto, também isso, olhar a Pampulha
como Patrimônio Cultural da Humanidade e o acervo como memória desse tempo
histórico. Pampulha: lugar da metáfora, da abstração, onde as formas da arquitetura,
assim como a arte do século XX e XXI, de forma bem especial, mesmo sendo reais, se
conjugam com uma completa irrealidade.
LEONIDAS JOSÉ DE OLIVEIRA
Presidente da Fundação Municipal de Cultura
ÍNDICE
MUSEU REVELADO: Introdução .......................................................
13
Sergio Rodrigo Reis
Rodrigo Vivas
MUSEU REVELADO: O fardo da história não revelada .............
Rodrigo Vivas
26
CONSULTORIA PARA A EXPOSIÇÃO MUSEU REVELADO ........
Cayo Honorato
54
REVELANDO PRÁTICAS ..........................................................
Fernanda Maziero
Renata Bernet
64
M USEU REVELADO
A história da grande maioria dos museus de artes visuais brasileiros é recente.
O Museu de Arte de São Paulo (MASP) é de 1947, ele foi fundado por iniciativa do
jornalista Assis Chateaubriand, na sede dos Diários Associados, na Rua 7 de abril,
com a exposição “ Do Figurativismo ao Abstracionismo” . Seu objetivo inicial foi
expor obras de artistas brasileiros e oferecer um roteiro da modernidade do país em
abordagens diversas. Já o Museu de Arte Moderna(MAM) do Rio de Janeiro foi aberto
em 20 de janeiro de 1949, no último andar do Banco Boa Vista, com 32 obras da
significativa exposição Pintura Europeia Contemporânea. A trajetória do Museu de
Arte da Pampulha (MAP), não é diferente da das demais instituições nacionais. Ele
surgiu em 1957, com uma pequena coleção, num edifício que, originalmente, foi
feito para sediar um cassino.
Projetado entre 1942 e 1944 por Oscar Niemeyer (1907-2012), na orla da Lagoa
da Pampulha, o edifício espelhado, também conhecido como “ Palácio de Cristal” , foi
fechado à visitação com a proibição do jogo no Brasil, e, dez anos depois, ressurgiu
como Museu de Arte. Desde o início, os desafios foram inúmeros, pois ele não
possuía paredes onde fixar as obras, nem espaço adequado para a reserva técnica
receber o acervo, nem, tampouco, uma área ideal para a administração. O MAP foi se
transmutando às situações adversas, tornando os desafios estimulantes.
Nem sempre a intenção foi bem-sucedida. O acervo um é exemplo. Como não foi
possível expor recortes da coleção de maneira permanente, as obras, adquiridas em
doações, durante as premiações dos salões ou como contrapartida aos investimentos
do poder público em mostras inéditas e exclusivas, têm sido pouco exibidas ao longo
da história da instituição.
O acervo do MAP, desde as origens, em 1957, é peça-chave para o entendimento da
história das artes visuais em Belo Horizonte, assim como das diferentes manifestações
que delas se apresentam no cenário brasileiro. A publicação do Livro Inventário, em
2010, foi a primeira tentativa das de revelar o rico legado às novas gerações. Há várias
maneiras de interpretá-lo: a começar pela forma de aquisição das obras. Uma parte
significativa do acervo foi constituída a partir dos Salões de Arte da Prefeitura de Belo
Horizonte. Os salões cumpriram uma função fundamental no processo de divulgação,
discussão e formação de público e artistas. Nas palavras de Ângela Ancora da Luz:
“ A história dos salões se confunde com a história da arte.” Os salões possuíam a
capacidade de concentrar “ a produção artística de um período, emoldurar valores
que se materializam em obras” , e também de levar os artistas à consagração “ com a
mesma naturalidade com que condena ao ostracismo artistas renomados” , explica a
especialista no livro Uma breve história dos Salões de Arte - da Europa ao Brasil.
13
Os salões de arte, historicamente, estiveram associados à academia, tendo as
primeiras reivindicações modernas sido sentidas nos anos 1930. O então diretor
da Escola Nacional de Belas Artes (Enba) de Belo Horizonte, Lúcio Costa, que havia
acabado de assumir o cargo em 1931, decidiu manter antigos professores acadêmicos,
mas também contratar artistas de tendências renovadoras, como Gregori, Leo Putz
Celso Antônio. O próprio diretor supervisionou a comissão de organização da 37ª
Exposição Geral de Belas Artes daquele ano, composta por Manuel Bandeira, Anita
Malfatti, Candido Portinari e Celso Antônio. A comissão aceitou todas as obras
inscritas e provocou a desistência dos acadêmicos.
O primeiro Salão Municipal de Belas Artes da capital mineira foi inaugurado em
1937. Atendeu, em parte, aos pedidos dos participantes do Salão Bar Brasil, realizado
no ano anterior. Desse primeiro evento participaram os artistas como José Augusto
Rocha, Indiana Belgrano Simoni, Climone Simoni, João de Almeida Ferber, Guilhermino
Ferber, Rita Lotti, Nazareno Altavilla, Carnino Provenzano, Délio Delpino, Raul Tassini,
Amelia Rubião, Renato Lima, Aníbal Mattos, Delpino Jr., Pedro Braga, Ângelo Biggi,
Amílcar Agretti, Helena Apetti, Torásio Silva. Foram 139 trabalhos enviados, o que, já
naquele instante, demonstrou o alcance da iniciativa que, a cada edição, acrescentava
novas aquisições ao acervo do MAP.
Os Salões Municipais de Belas Artes abandonaram o viés regional a partir dos
anos 1960 e passaram a contar com a participação de artistas e críticos especialmente
do Rio de Janeiro e de São Paulo, o que possibilitou um debate público mais amplo
sobre os destinos da arte moderna e contemporânea. As obras de arte adquiridas
nesse período estavam inseridas nesse debate, ilustrando as questões inerentes à
história da arte daquele tempo. A realização do concurso mudou radicalmente em
2002, quando o antigo modelo foi extinto e um programa voltado para as tendências
contemporâneas das artes visuais foi criado como forma de colocar o Museu de Arte
da Pampulha, em sintonia com as tendências mais atuais da visualidade. Esse modelo
permanece até a presente data.
Ao considerar uma coleção tão relevante reunida nos últimos 50 anos, o
questionamento que se coloca é: como propor um recorte que, à luz da atualidade,
possa trazer contribuições? A exposição Museu Revelado, que ocorreu no MAP e na
Casa do Baile entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, foi gestada a partir desse
desafio. Questões diversas foram levantadas pelos diversos núcleos da mostra; dentre
elas: o entendimento das coleções que formaram o Museu (salões de arte, Bolsa
Pampulha, doações e exposições de arte contemporânea); o diálogo das linguagens –
as obras escolhidas possuem um valor em si, mas ganham uma dimensão de abertura
de sentido ao serem relacionados no espaço expositivo da exposição; e a cronologia
– do atual ao contemporâneo.
14
O percurso visual da exposição revisitou vários momentos fundamentais na
história da arte nacional que deixaram marcas profundas na visualidade mineira.
Partiu da apresentação de obras que exemplificam as questões e poéticas
contemporâneas, seguiu de maneira cronológica e decrescente pela produção visual
das últimas décadas, passando por movimentos como a “ Geração 80” , por obras
representativas dos Salões de Arte, até chegar ao “ Modernismo Brasileiro” . A Coleção
Assis Chateaubriand, parte curiosa do acervo, foi pela primeira vez exibida em sua
totalidade, assim como todos os quadros de Alberto da Veiga Guignard pertencentes
à instituição. O desafio proposto pela exposição panorâmica foi solidificar um debate
anteriormente suscitado sobre a identidade dessa importante instituição que abriga
discursos e práticas múltiplas que caracterizaram a ideia de arte nas últimas décadas.
Nesse sentido, a relevância da instituição não inclui apenas as obras nele
depositadas, mas também o magnífico prédio projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer,
os jardins de Burle Marx no entorno, com suas esculturas e obras contemporâneas
instaladas, e os diálogos com outras edificações modernistas, como a Casa do Baile instituição que se abriu à proposta da exposição Museu Revelado e abrigou um recorte
contemporâneo do acervo do MAP, com obras de arte e instalações que ensaiam
aproximações com o universo do design, da arquitetura e da própria memória do
Complexo da Pampulha.
O MAP exibiu esse recorte da história da arte brasileira em conexão com a arte
produzida nas terras mineiras. Foram apresentadas manifestações artísticas recentes
na era do pluralismo até os momentos de consolidação do modernismo, na década
de 1950. A exposição trouxe, por exemplo, trabalhos modernistas de Volpi (18961988), Burle Marx (1909-1994) e Goeldi (1895-1961), em diálogo contínuo com um
pintor que teve uma importância fundamental no estado, seja como artista, seja como
formador de uma geração: Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). Ao revelar um
conjunto significativo do acervo, o MAP, que nasceu como um espaço para receber
e premiar as propostas de estéticas das novas gerações e, assim, consolidar o projeto
inaugurado em Belo Horizonte na década de 1940, se abriu aos questionamentos
do presente. E mais: ofereceu uma contribuição importante para a reflexão e a
compreensão das artes plásticas em Minas Gerais e no Brasil.
Sérgio Rodrigo Reis e Rodrigo Vivas
Texto curatorial
15
M USEU REVELADO: O fardo da história não revelada
Rodrigo
Vivas1
A história da pesquisa2 do Museu Revelado confunde-se com a pesquisa que
desenvolvo nos últimos anos sobre o acervo do Museu de Arte da Pampulha.3 O
interesse parece ter iniciado com indagações óbvias: como a próspera capital
mineira não possuía um acervo permanente exposto ao público? Nenhum
registro artístico sobreviveu nestes últimos cem anos? Mas o que se produziu nas
Escolas de Arte? As obras desses artistas foram vendidas para colecionadores
particulares ou para museus fora do estado? Como artistas significativos
tiveram sua produção direcionada para Belo Horizonte, mas não possuíam obras
disponíveis para consulta? Não existiria uma história da arte em Belo Horizonte?
Essa curiosidade inaugural me levou a buscar na reserva técnica do Museu de Arte
da Pampulha, em 2003, parte desse acervo “ perdido” . Mas encontrar o magnífico
acervo foi apenas o início do problema, pois não existiam fichas técnicas consistentes
ou sistema de organização efetivo daquele conjunto de obras. O Museu também
não possuía um espaço para consulta das obras e dos documentos disponíveis.
O objetivo passou a ser localizar as obras em jornais, catálogos de
exposição e o contato direto com os artistas. Mas por qual razão desde a
sua fundação nenhuma gestão se interessou pelo estudo do acervo? As
exposições realizadas sobre o acervo tinham uma característica temática.
Escolher entre obras do acervo que poderiam ilustrar um determinado tema.
O acervo parece sempre estar submetido ao fardo do antigo Cassino. A suntuosa
edificação de traços modernistas de Oscar Niemayer, que foi transformado em Museu,
em 1957, demonstra nunca corresponder ou ter correspondido às necessidades de
exposição de um acervo museológico permanente. Nesse caso são dois princípios que
se tornaram incongruentes: a estrutura do prédio não possibilita a utilização de seu
espaço para exposição permanente de obras e as alterações necessárias acabariam
por descaracterizá-lo e as já realizadas sempre parecem insuficientes para abrigar
as dinâmicas de crescimento e de modificações do perfil do acervo e seu público.
Mas a pergunta que ninguém buscou responder ou mesmo levantar seria:
o que é o Museu de Arte da Pampulha? Um prédio que carrega o fardo de
parte significativa da história da arte de Belo Horizonte e por vezes do Brasil?
1 Doutor em História da Arte (UNICAMP). Professor do Curso da Escola de Belas Artes da UFMG e do
Programa de Pós-Graduação em Artes-UFMG.
2 Meus sinceros agradecimentos a Sérgio Rodrigo Reis pelo trabalho compartilhado.
3 Agradeço a leitura atenta dos membros do Grupo de Pesquisa em História da Arte: Nelyane Santos, Ana
Luiza Neves, Leíner Hoki, Márcia Georgina Assis, Gisele Guedes, Júlia Guimarães e Joana Alves.
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Apesar disso, em todas as gestões sempre existiriam soluções para o “ futuro”
do acervo. Nesse caso, parece correta a argumentação da existência de um prédio
que possui sua autonomia deslocada de sua história. Enquanto a maior parte dos
museus possui sérios problemas para adquirir seus acervos, em Belo Horizonte, a
dificuldade está em aceitar sua própria história.
Existem inúmeros discursos que foram produzidos sobre o Museu desde a sua
fundação. Um bastante recorrente seria a necessidade de vender algumas obras para
a compra de outras mais “ significativas” da história da arte moderna brasileira. Ora,
não existe história correta e muito menos formas de substituir uma história por outra.
Dizer que Lygia Clark é melhor para fazer parte do acervo que um Guignard ou um José
Ronaldo Lima é um equívoco primário. Não existe nenhuma obra que possua um valor
pela sua “ natureza” ; o que transforma uma superfície de metais articulados ou uma
superfície de tinta em uma obra de arte é um processo de valoração histórica. Caso o
acervo de qualquer museu nacional ou estrangeiro tivesse o mesmo “ azar histórico”
ocorrido no MAP nunca teríamos ouvido falar nas grandes obras que fazem parte da
cultura artística mundial. Neste sentido, ocorreu a exposição Museu Revelado, que
partiu da coragem de uma nova gestão que visa aceitar, conviver e divulgar a história
do Museu na integração contínua entre arte-arquitetura e história-arte-patrimônio.
A proposta do Museu Revelado
O conceito da exposição foi construído visando caracterizar um “ perfil da
coleção” . Para uma pesquisa desse gênero seria fundamental a existência de vários
estudos sobre o acervo. Partimos, então, do entendimento das inúmeras fontes
que contribuíram para a criação do Museu. Historicamente, o acervo do Museu foi
formado pelas seguintes fontes: 1) Salões de Arte da Prefeitura; 2) Doações diversas;
3) Programas de Arte Contemporânea.
Partindo desse cenário construímos o seguinte percurso: 1) Poéticas
Contemporâneas; 2) Décadas de 1980 a 2000; 3) Salões – Década de 1970 – Arte de
Contestação, Arte como visualidade; 4) Coleção: Assis Chateaubriand; Guignard; 5)
Modernismo Brasileiro.
Os caminhos propostos podem ser sintetizados nos seguintes:
Visualidade: o visitante poderia percorrer os espaços do Museu sem o compromisso
com um roteiro. O conceito que permearia sua visita seria o da visualidade individual
e as possíveis relações estabelecidas com outras obras e o espaço do Museu.
Cronológico: o Museu permitia aos visitantes uma única entrada o que favorecia
um caminho cronológico. O espectador poderia percorrer a exposição consciente da
organização cronológica da exposição.
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Constituição artística: as obras foram apresentadas em consonância às relações
artísticas. Não foi considerado apenas o “ suporte” , mas possíveis associações com
o debate artístico. O que pode ser relacionado ao tipo de material utilizado e os
problemas artísticos suscitados.
História do M useu: O visitante ao percorrer o Museu conhecia também parte
de sua história, pois as obras foram organizadas pelas coleções: programa Arte
contemporânea, Salões de Arte, Doações destacando a de Assis Chateaubriand.
Poéticas Contemporâneas:
O fato que caracterizou a produção contemporânea foi a substituição progressiva
de propostas artísticas finalizadas pela incorporação da arte como processo. Além
disso, os artistas foram motivados a articular sua produção com a especificidade do
espaço do Museu. O prédio abandona uma visão “ neutra” como um “ cubo branco”
e passa a atuar diretamente com o diálogo com as obras apresentadas.
Destaca-se nessa proposta Damian Ortega com Ordem, Réplica, Acaso [FIG.1]
do Projeto Arte Contemporânea de 2008. O artista constrói estruturas cúbicas que
replicam a forma dos espelhos que fazem parte da construção do prédio. Cria-se,
portanto, um olhar expandido permitindo um olhar infinito. O Museu com sua
estrutura “ singular” se vê replicado nas formas e o conceito de “ obra” passa a
integrar arte-arquitetura. O Museu caracterizado pela sua dificuldade de integrar as
propostas artísticas contemporâneas deixa de ser um espaço expositivo e transformase em parte da obra.
A obra de Leon Ferrari apesar de sua inquestionável proposta contemporânea,
foi doada após a realização do XIV Salão Nacional de Arte da Prefeitura de 1982. Esse
Salão foi caracterizado pela renúncia de uma exposição temática, voltando à tradição
do tema livre em que o artista não teria a necessidade de se submeter a propostas
temáticas. O então diretor do Museu Lúcio Portella afirma:
[...] a ideia do Salão temático surgiu como a melhor fórmula para que se
evidenciassem tendências e se comparassem a partir de um mesmo núcleo, as
linguagens mais ricas da atualidade artística. Era preciso transformar os Salões, era
preciso renovar os seus objetivos. De igual forma, ficou evidente que a abertura
da mostra se fazia indispensável, cumprido o ciclo de temas e caracterizada a
liberdade conceitual que voltou a dominar o panorama da criatividade.4
4 SAMPAIO, Márcio. In: Entre salões: Salão Nacional de Arte de Belo Horizonte 1969-2000. Belo Horizonte:
Museu de Arte da Pampulha, 2010. p. 94.
FIGURA 01
28
O Salão contou com a temática: “ A Cidade Faz” . E como informa Márcio
Sampaio:
O panorama do XIV Salão foi enriquecido ainda mais com a presença do
artista argentino León Ferrari, então radicado em São Paulo, convidado
para apresentar sua obra Percanta, uma estrutura de filamentos metálicos que baliza uma performance sonora, em uma sessão memorável no
Auditório do MAP. 5
Percanta [FIG.2] foi apresentada na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no
catálogo consta uma explicação do próprio artista que considero fundamental para
a análise da obra. Ferrari explica que “ Percanta é um instrumento destinado a criar
fatos o (sic) somas de fatos musicais táteis” . Utiliza o princípio do pêndulo invertido e
se constrói com algumas centenas de barras verticais, presas em seu extremo inferior
e formando uma espécie de prisma de faces ondulantes. 6
Ferrari aborda sua obra como “ um instrumento musical” que “ permite
multiplicar notas, tons, timbres e intensidades, modificando-se altura, flexibilidade,
dureza, elasticidades, diâmetros, qualidade do aço de suas barras” . A sonoridade
seria produzida pelo choque das barras vizinhas formando uma sequência musical
complexa no momento em que
duas barras vizinhas, ou alternadas, ou de três barras de um lado ou de
quatro de um lado com uma do lado oposto, ou de uma cada esquina
ou de todas de um lado, ou de uma das grossas com uma fina do lado
oposto, ou de dez finas apertadas em uma mão, ou com duas mãos, ou
só com a palma da mão, ou das duas mãos, ou de duas das médias com
uma das finas e duas grossas do mesmo lado, ou de lados contíguos, ou
opostos, ou duas finas do lado norte com uma grossa do lado sul, uma
fina do norte com uma fina do oeste com duas médias do leste, ou todas
as finas do sul golpeadas uma por uma com uma grossa do norte ou de
leste ou do oeste, por exemplo, permitem obter um grupo de sons que
podemos chamar governados ou primários, que terão diferentes matizes
e intensidades segundo a força do golpe e segundo o lugar onde o
choque se produz.7
5 SAMPAIO, Márcio. In: Entre salões: Salão Nacional de Arte de Belo Horizonte 1969-2000. Belo Horizonte:
Museu de Arte da Pampulha, 2010. p. 94.
6 Ferrari, León. Percanta
7 Ferrari, León. Percanta
FIGURA 02
30
31
A proposta de Leon Ferrari estaria na aproximação da música com o desenho,
além da incorporação do mecanismo cinético. Para os que “ sintam necessidade de
alimento visual conjugarão a música com o desenho que traçam no ar as varas usadas
agora também como linhas móveis, como penas carregadas de nanquim sonoro” .8
Uma pergunta que o “ instrumento” visa responder seria “ quais as leis que
vinculam um desenho com a música resultante ou a música com os riscos e choques
e cruzes que ela requer? É uma das perguntas que este instrumento se propõe
responder. Que tipo de estética visual produzirá determinada estética sonora?” 9
O instrumento de Ferrari visaria ampliar o conceito de obra material acabada
possibilitando sensações táteis. “ Ao se tomar uma das barras mais grossas, ou
uma das médias, e sacudi-la, se sentirá uma resposta do aço e o tremor da dor do
choque” . E movendo-se um grupo de barras finas, suas vibrações, que se contagiam e
se compensam reciprocamente, “ se transformam em uma carícia com que podemos
presentear a amada que nos acompanha” .10
A década de 1980 a 2000
A década de 1980 ficou conhecida como o “ retorno à pintura” . Como informa
Frederico Morais: “ Os anos 80, no Brasil, foram marcados por uma forte e envolvente
revitalização da pintura, que significou um reencontro do artista com a emoção e o
prazer, após quase duas décadas de predomínio de uma arte fria e hermética” .11
Em Belo Horizonte, entretanto, talvez não se possa afirmar que o “ retorno à
pintura” conviveu com outras formas artísticas. O desenho ainda se mantém forte em
grande parte da produção dos mineiros. Nesse sentido, Márcio Sampaio foi enfático
ao escrever ainda na década de 1980 que “ os artistas reunidos nesta exposição, na
qual se pretende exemplificar aspectos significativos da pintura em Minas Gerais nos
anos 80, têm em comum o fato que suas carreiras se iniciaram a partir da prática do
desenho” .12
A principal característica deste período é o fim do “ enquadramento” ou o fim
de um modelo capaz de explicar as mais diversas formas de produção. Na década de
1960 já tínhamos perdido a ideia geral de um duopólio entre pintura e escultura.
Neste momento todas as formas de expressão artística podem conviver sem
uma escala tradicional de “ valor” . Assim, é possível observar uma pintura vigorosa de Niura Bellavinha [FIG.3] em “ seu estado provisório de matéria” como
a artista costuma se definir convivendo com a fragilidade de um papel Kraft,
grafite e tinta acrílica de Orlando Castãno.
8 Ferrari, León. Percanta
9 Ferrari, León. Percanta
10 Ferrari, León. Percanta
11 MORAIS, Frederico. BR 80. Pintura Brasil década 80. p.13.
12 SAMPAIO, Márcio. BR 80. Pintura Brasil década 80. p. 21.
32
FIGURA 03
33
Salões – Década de 1960 a 1970
Os salões de arte cumpriram uma importante função no processo de divulgação,
discussão e formação de público e artistas. Nas palavras de Ângela Ancora da Luz: “ A
história dos salões se confunde com a história da arte” .13
Os salões possuíam a capacidade de concentrar “ a produção artística de um
período, emoldurar valores que se materializam em obras” como também levar os
artistas à consagração “ com a mesma naturalidade com que condena ao ostracismo
artistas renomados” .14
Especificamente no Brasil o salão ainda possibilitava ao artista a complementação
da sua formação através do Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, “ que concedia ao
artista nacional a realização do sonho de conhecer a Europa de Van Gogh e Munch,
de Mondrian e Matisse, no contato direto com a produção exposta nos museus,
diametralmente oposto à reprodução conhecida” .15 Apesar da relevância do tema,
poucos estudos foram realizados sobre os salões. No Brasil o estudo inaugural foi
realizado por Ângela Ancora Luz.16 O estudo dos salões de arte é um caminho
profícuo e capaz de relacionar os mais variados componentes da produção artística
sejam eles institucionais (o museu, a crítica de arte e o público); artísticos (as obras
artísticas consideradas nos seus aspectos técnicos e estéticos) ou sociais (significado
das premiações, a valorização dos artistas).
No Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, ainda no século XIX, já é possível
perceber os embates entre conservadores e progressistas ocupando os salões de
artes plásticas. Em Belo Horizonte, essas disputas iniciam-se a partir de 1944, ano
marcado pelas medidas de modernização instauradas por Juscelino Kubitscheck
como a realização da Exposição Moderna de 1944, no entanto, os primeiros salões
que teoricamente teriam surgido para representar a arte moderna não possuem
esse caráter. A partir de 1957 os Salões Municipais passam a se alocar no Museu de
Arte da Pampulha, então edificação de um antigo cassino. A partir daí, o concurso
incorpora um perfil de instituição museológica que reordena a classificação dos artistas
premiados e passa a funcionar como cenário de efervescência do principal evento de
arte da capital. É claro que além dos salões, o Museu abrigou outros eventos, tais
como mostras individuais e coletivas, exposições temáticas, festas e banquetes da
elite mineira.
Destes outros eventos vieram também contribuições para a formação do acervo,
por meio de doações de artistas e/ou de personagens desse meio social mais elitizado.
A coleção Assis Chateaubriand é um exemplo emblemático de empenho para
contribuir com a formação de acervo do museu recém-inaugurado. O jornalista,
13 LUZ, Ângela Ancora da. Uma breve história dos salões de arte. p. 19.
14 LUZ, Ângela Ancora da. Uma breve história dos salões de arte. p. 19.
com influência sociopolítica em todo o Brasil e até mesmo no exterior, encabeçou
uma campanha fazendo pedidos de obras de arte aos grandes magnatas para serem
doadas ao Museu e assim contribuírem para a formulação de um repertório visual
que vai desde exemplares da arte moderna, passando por figuras populares porém
alijadas do mundo da arte, até artistas que por interesse em se promover doaram suas
próprias obras.
Na década de 1960, os SMBAs abandonam o viés regional e passam a contar
com a participação de artistas e críticos fundamentalmente do Rio de Janeiro e São
Paulo.
Teresinha Soares. Guerra é Guerra – Vamos Sambar
Teresinha Soares, formada em Letras pela Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-MG), começa sua atuação no teatro na peça O sonho de Teodora, apresentada
em Belo Horizonte em 1966. Aluna do curso livre da Universidade de Arte, estuda
com Frederico Morais, Maria Helena Andrés e Herculano Campos. No Rio de Janeiro,
ao frequentar o curso de gravura de Fayga Ostrower no MAM-Rio, conhece Rubens
Gerchman, Lygia Clark e Ivan Serpa.
A primeira exposição de Teresinha Soares é realizada em 1967 na Galeria
Guignard. Nela são apresentados os trabalhos Auto-retrato, Ele Tocou as Cordas
do meu Violão, o Triângulo Amoroso na Paisagem do Cotidiano e a Caixa de fazer
amor. A exposição transforma-se em um evento, pois a artista convida críticos como
Frederico Morais, Jayme Maurício, Quirino Campofiorito e Harry Laus.
A galeria Guignard funcionava na Avenida Augusto de Lima e segundo o
depoimento de Sálvio Oliveira, concedido à Marília Andrés Ribeiro, a exposição de
Soares foi um sucesso social.
Ela era muito louca e sabia se promover - na noite da inauguração, o
trânsito da avenida foi interrompido por causa de sua badalação. A
visitação foi intensa durante todo o período da exposição. (...) Havia uma
portinha de madeira que você abria e via um casal fazendo sexo.17
Teresinha Soares recebe o segundo prêmio de pintura no XXIII SMBA. Nenhuma
matéria foi encontrada publicada em Minas Gerais comentando a premiação da
artista. Como se sabe, o SMBA passava por um processo de modificação resultante
da reclamação dos artistas mineiros que não estavam sendo premiados no salão.
Tal debate é realizado durante, fundamentalmente, o período de 1964 até 1968,
momento em que os jurados tentam buscar alternativas para apaziguar os conflitos
existentes no SMBA. Walmir Ayala, membro do júri do salão, escreve um artigo sobre
a premiação do SMBA em que se referia rapidamente a Teresinha Soares. O artigo,
escrito no Jornal do Brasil, recebe o título “ Da abstração ao erotismo: salão mineiro” .
15 LUZ, Ângela Ancora da. Uma breve história dos salões de arte. p. 19.
16 LUZ, Ângela Ancora da. Uma breve história dos salões de arte. p. 20.
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17 RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas. p.127.
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Se o termo abstração na matéria referia-se a Eduardo, o erotismo fica a cargo
de Soares. Assim, o segundo prêmio cabe à “ controvertida Teresinha Soares” . Para
o crítico, a artista seria a “ Missionária do sexo, pitonisa do erotismo desbragado” .18
O termo pitonisa faz referência à “ serpente monstruosa morta por Apolo” e, na
Antiguidade, ao “ adivinho que previa o futuro” . Soares então seria a “ pitonisa do
erotismo” descomedido ou indecoroso.
A obra Guerra é Guerra – vamos sambar [FIG.4] é composta por uma base
vermelha em que se desenvolvem duas narrativas. Enquanto a base vermelha é
realizada com tinta, as duas narrativas são feitas comrelevo em madeira.
Na primeira narrativa, à esquerda do quadro, existem três subdivisões nas cores
amarelo, preto e branco. Essas subdivisões aproximam-se da representação de frames
de cinema, sendo que apenas a do meio, apesar de também fragmentada, pode ser
vista em sua integridade. A sensação é a de acompanhar a movimentação de um
negativo que torna a cena mais visível, à medida que encontra o ângulo de visão do
observador.
Soares não utiliza apenas fragmentos de imagens para construir a ideia de frame.
Coloca, também, inúmeros relevos de madeira para representar as perfurações, geralmente situadas nas extremidades do filme, que são usadas para prendê-lo à máquina
fotográfica.
A noção de movimento é construída tanto nas superfícies em alto-relevo dos
desenhos em madeira, como também nas variações das cores: preto, amarelo e
branco. Soares consegue reproduzir o efeito provocado quando se olha um negativo
contra a luz e as imagens são formadas à medida que a luz atravessa o material.
Mas o que é possível ver neste movimento do filme contra a luz? E por que a artista
exige tanto esforço do espectador? Por que a imagem não pode ser “ revelada” ?
Talvez porque o evento exija discrição. A cena retrata alguns corpos espalhados pelo
chão, enquanto um homem retira um deles da cena com uma maca. É necessário,
então, que o evento ocorra sem que possa ser “ revelado” . O homem responsável por
transportar a maca é apresentado apenas no essencial que caracteriza sua função:
suas pernas em movimento e o braço que transporta a maca.
Enquanto na primeira narrativa tudo parece se omitir, na segunda, existe uma
super exposição. Também subdivido em três quadros, o movimento é construído não
mais nas oposições entre branco e preto, mas com as cores verde, amarelo, azul e
branco. As cores da bandeira do Brasil são fartamente distribuídas na tela criando
a movimentação e a expressividade das formas: rostos, peitos, nádegas e sorrisos
ocupam a cena. Se antes não era possível ver o rosto dos agentes, agora os mesmos
são representados em close. Mas o que une duas narrativas tão distintas? Ambas
emergem da mesma base: o vermelho, que parece simbolizar tanto a paixão como o
sangue. Mas não parece existir contradição, pois ambos parecem pertencer à mesma
esfera de significado.
FIGURA 04
O título talvez ofereça um caminho importante para a análise: Guerra é
Guerra – vamos sambar. Parece-me uma perspectiva irônica da artista ao estampar
o comportamento de uma sociedade que, na escuridão, retira seus mortos anônimos
para que de dia o carnaval possa acontecer. A situação estampada pela artista é
constrangedora, pois demonstra a escolha de uma sociedade apática que, em um
período de guerra, opta por sambar. Mas o vermelho, que é a base das duas cenas,
demonstra que não existe neutralidade. Não se pode ter dúvida: sambar também
é uma escolha política.Soares também problematiza a naturalidade com que as
informações podem ser veiculadas na mídia, perdendo a força à medida que cenas de
violência, sexo e carnaval são transmitidos no mesmo formato.
A crítica a imagens televisivas também aparece em outras obras pertencentes à
série Vietnã. Apesar de em todas elas ser possível aproximar da reprodução de uma
imagem televisiva, não existe nessas imagens nenhuma passividade. Tecnicamente, a
artista experimenta tanto as possibilidades das variações cromáticas como também
dos relevos de madeira sobrepostos na tela.
18 AYALA, Da abstração ao erotismo: salão mineiro.
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Yo Yoshitome
Yo Yoshitome nasce no Japão em 1925. Na década de 1940, estuda na Escola
de Navegação e na Escola de Belas Artes, em Tóquio. Em 1948, recebe o prêmio
em Tóquio, com a exposição do Nippon Suisaigakai. Transfere-se para o Brasil, São
Paulo, em 1961 e integra o Grupo Seibi e o Grupo Austral, em 1964, ligado ao Grupo
Phases. No XX SMBA é premiado com a pintura Dramaturgia. [FIG. 5].
A obra de Yoshitome é realizada com uma base branca e dividida com traços
pretos em carvão. Aparentemente, tal recurso é utilizado como guia para a feitura da
obra. A primeira questão talvez seja entender o porquê do título Dramaturgia, uma
“ arte ou técnica de escrever e representar peças de teatro” , como informa o dicionário.
No primeiro contato com a obra, observada à distância, o que mais se destaca é uma
estrutura abstrata preenchida com as cores azul, vermelho e amarelo. A utilização
de tais cores produz um efeito decorativo que convida o espectador a aproximarse da tela. Mas o efeito decorativo assume novo significado ao perceber-se que as
formas azuis parecem estruturas orgânicas que envolvem pequenas embarcações.
Uma perspectiva semelhante pode ser encontrada em outra obra também intitulada
Dramaturgia 1, de 1966, e que pertence ao Museu de Arte Contemporânea de
Campinas, caracterizada por um produto “ orgânico, com uma profusão de cores
dialogando com as produções do Surrealismo e da Abstração Lírica” .
Coleção Assis Chateaubriand: o gabinete de curiosidades
Nas décadas de 1940 e 1950 o Brasil assiste a criação de vários Museus de
Arte. Destaca-se o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e a iniciativa de Francisco de
Assis Chateaubriand Bandeira de Mello. A proposta de Chateaubriand não estava
circunscrita à criação do MASP, tendo sido doadas quinze obras para a coleção do
Museu de Arte da Pampulha. O objetivo de Chateaubriand era incentivar a criação de
Museus Regionais. Essa coleção comporta os mais diferentes artistas: João Baptista da
Costa, Winston Churchill, Bernard Cid, Eliseu Visconti, Willian Brooker, dentre outros.
Foi a primeira vez que a “ coleção” foi mostrada em sua integridade. O objetivo foi
reuni-la como um “ gabinete de curiosidades” , revelador de um tipo de prática de
doações sem um sistema organizado.
Guignard e o M odernismo Brasileiro
A partir de 1944, Juscelino Kubitscheck inicia suas medidas de modernização
na cidade de Belo Horizonte e busca resgatar o sentido progressista, que se iniciara
no século XVIII com os Inconfidentes, rompendo com o século XIX, que teria
transformado Minas em uma sociedade “ decadente e pobre, tornando-se ruralista e
imobilista” . Niemeyer, Portinari, Burle Max, Alfredo Ceschiatti, Santa Rosa e Alcides
da Rocha Miranda são alguns dos artistas convidados para fazer parte dos ideais de
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FIGURA 05
modernização de Juscelino. Cabe a Alberto da Veiga Guignard a responsabilidade da
criação de uma Escola de Belas Artes em Belo Horizonte.
Essas medidas são materializadas na Exposição Moderna de 1944, inaugurada
pelo prefeito Juscelino Kubitschek no dia 6 de maio, às 17 horas, no segundo andar
do edifício Mariana. Nesta sala o visitante terá oportunidade de conhecer uma parte
significativa dos artistas que figuraram nesta exposição: Di Cavalcanti, Candido
Portinari, Alfredo Volpi, Burle Marx além de outras artistas que dialogam com esta
geração: Iberê Camargo e Mary Vieira.
Guignard ganha um destaque especial nesta sala. A história da arte brasileira
possui um débito inestimável com este artista, que além de ter produzido uma obra
que figura com uma das mais representativas, também foi fundamental para a
formação de uma geração de artistas mineiros.
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Alberto da Veiga Guignard
As representações das cidades históricas são carregadas de lirismo por
conseguirem materializar ao mesmo tempo o que individualiza, por exemplo, Ouro
Preto, Mariana, Sabará e o que as conduz ao universal.
As paisagens de Guignard parecem representar uma categoria especial tanto
para o público em geral como para os pesquisadores. Como não se lembrar de suas
construções imaginárias, com espaços flutuantes e monumentais? Existiria mesmo
uma tristeza guignardiana como afirma Rodrigo Naves? “ Sempre tão tristes as noites
de São João de Guignard” .19 Essa ideia parece também ter convencido parcialmente
Olívio Tavares: “ A meu ver, pode não ser verdade para todas – mas é verdade
indiscutível para muitas” .20
Uma das características das paisagens de Guignard seria o movimento de linhas
em contínuas ondulações na direção horizontal não permitindo que o espectador
produza um olhar de centralização e racionalização do sentido da paisagem. Alguns
pesquisadores preferem aproximar as paisagens de Guignard aos mestres italianos, mas
uma tese faz ressoar uma nova interpretação: não estaria Guignard se aproximando
da visualidade das pinturas chinesas?
A tese que interessa mais diretamente a essa exposição encontra-se nas
conexões entre as paisagens de Guignard e a pintura da Dinastia Song. Carlos Zílio,
em 1982, parece ter sido o primeiro a estabelecer tais conexões, ao afirmar que
“ existe na obra de Guignard, como em algumas das Noites de São João, uma inegável
presença da arte chinesa” .21
Uma das aproximações fundamentais estaria em uma ideia de profundidade
“ diferente da perspectiva linear que supõe um ponto privilegiado de fuga, enquanto
que a perspectiva oriental é qualificada tanto de aérea quanto de cavaleira” .22
O espectador tem a chance de se situar tendo uma visão global da paisagem,
além de uma concepção de espaço associados aos cheios e vazios. “ A pintura oriental
é pensada a partir da uma relação entre a montanha e a água, que constituem os dois
polos entre os quais circula o vazio representado pela nuvem.” 23
O contato de Guignard com a arte chinesa teria ocorrido na coleção Castro
Maya do Rio de Janeiro, composta por objetos artísticos da China, Japão, dentre
outros países. Marcos Rodrigues Aulicino explica que no
abastados. O artista frequentou muitas vezes a residência de Castro
Maya e admirava a sua coleção de louças, mobiliário e outros objetos
de arte.24
Na obra Noite de São João, [FIG. 7] encontra-se outra representação em que
o tema continua sendo as cidades históricas de Minas Gerais. Constrói-se, na obra,
a divisão da cena em inúmeras camadas. O termo “ camada” é mais apropriado que
“ plano” por não ser possível definir exatamente como as divisões se evidenciam.
Em alguns momentos da cena, Guignard parece utilizar o mesmo efeito provocado
pela colagem, produzindo uma percepção tridimensional em uma representação
bidimensional.
início dos anos 40, fase em que adoeceu e fez tratamento em Itatiaia,
quando ia ao Rio de Janeiro era hospedado pelas famílias de intelectuais
19 NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira.
20 ARAÚJO, Olívio Tavares de. O olhar amoroso: textos sobre arte brasileira. p. 220.
21 ZÍLIO, Carlos. A modernidade em Guignard. p. 20.
22 ZÍLIO, Carlos. A modernidade em Guignard. p. 20.
23 ZÍLIO, Carlos. A modernidade em Guignard. p. 20.
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FIGURA 07
24 AULICINO, Marcos. O distante próximo. p. 150.
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A cena é composta por igrejas, pontes, pessoas, trem de ferro, montanhas e
balões que possuem uma ligação que forma o conjunto da imagem e, ao mesmo
tempo, fazem parte do mesmo universo. Todavia, como “ colagens” , assumem
autonomia representativa. O distanciamento, por sua vez, corresponderia muito mais
a uma situação psicológica que uma ausência de fato.
O estudo das paisagens de Guignard tem como objetivo ressaltar o significado
de alguns aspectos encontrados nas representações paisagísticas e demonstrar a
importância da formação artística fornecida pelo pintor aos artistas mineiros. Sua
atuação na década de 1950 coincide com importantes modificações no cenário
artístico brasileiro, em diálogo permanente com as produções internacionais.
LUZ, Ângela Ancora da. Uma breve história dos salões de arte. Da Europa ao Brasil. Rio de
Janeiro: Caligrama Edições, 2005.
MORAIS, Frederico. Anos 80: a pintura resiste. In: _____. BR 80. Pintura Brasil década 80. São
Paulo: Instituto Cultural Itaú, 1991.
NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Ática, 1996.
SAMPAIO, Márcio. BR 80. Pintura Brasil década 80. São Paulo: Instituto Cultural Itaú, 1991.
SAMPAIO, Márcio. Entre salões: Salão Nacional de Arte de Belo Horizonte 1969-2000. Belo
Horizonte: Museu de Arte da Pampulha, 2010.
ZÍLIO, Carlos. Com a cabeça nas nuvens. In: _____. (Org.). A modernidade em Guignard. Rio
de Janeiro: PUC-RJ, 1982
A CASA DO BAILE:
Relação das obras
A Casa do Baile foi outro espaço que integrou a exposição Museu Revelado.
Parte integrante do mesmo projeto arquitetônico, caberia ao Cassino abrigar a elite
mineira e à Casa do Baile a população mais simples. Este ideal popular nunca se
cumpriu, mas é interessante pensar nos usos atuais dos dois espaços: Museu de Arte
e Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e Design.
Figura 1: Damian Ortega. Ordem, Réplica, Acaso. 2004. Aço inoxidável colorido. Político (8
partes); 60 x 60 x 60 cm (em cada parte).
Figura 2: Leon Ferrari. Percanta. 1982. Compensado, madeira de peroba e aço. 1982.
Figura 3: Niura Bellavinha. Sem título. 1990. Pigmento, tinta acrílica, tinta a óleo e água sobre
tela.
A Casa do Baile no projeto inicial, havia sido construído para ser uma
ilha que flutuaria na lagoa em diálogo com as outras obras do Projeto da Lagoa e
principalmente o Museu de Arte. A exposição visa recuperar esta noção investindo
no dialogismo ao manter a especificidade de cada espaço, mas reconhecendo que
ambos fazem parte da mesma origem e do mesmo desejo construtivo. A relação
também pode ser percebida em parte do acervo do Museu de Arte da Pampulha.
Inúmeros artistas mesmo produzindo obras para o MAP se sentiram provocados a
relacionar direta ou indiretamente a Casa do Baile. Destaca-se, por exemplo, Laura
Belém ao selecionar um ponto de vista da Casa do Baile e Marcia Xavier, ao fornecer
um olhar expandido para a Lagoa da Pampulha.
Figura 4: Teresinha Soares. Guerra é Guerra – Vamos Sambar. 1968. Tinta vinílica sobre compensado sobre relevo de suporte tipo Duratex.
Figura 5: Yo Yoshitome. Dramaturgia II. 1965. Tinta a óleo sobre tela
Figura 6: Alberto da Veiga Guignard. Noite de São João. 1961. Tinta a óleo sobre tela.
Referências
ARAÚJO, Olívio Tavares de. O olhar amoroso: textos sobre arte brasileira. São Paulo: Momesso, 2002.
AULICINO, Marcos. O distante próximo, o próximo distante: a elaboração de um espaço
imaginário nas paisagens de Guignard. Campinas: Programa de Pós-Graduação em Artes da
Universidade Estadual de Campinas, 2007.
AYALA, Da abstração ao erotismo: salão mineiro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 dez. 1968.
RIBEIRO, Marília Andrés. Neovanguardas. Belo Horizonte – anos 60. Depoimento de Sálvio
Oliveira à Marília Andrés Ribeiro. Belo Horizonte: C/Arte, 1997.
FERRARI, León. O nascimento de Percanta. In: _____. Percanta: esculturas sonoras, musica
não figurativa. Exh. cat., São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1980.
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