Cadernos de Tradução
Florianópolis, v. 41 nº especial, jan./jul. sem. 1. 2021
Publicação quadrimestral da Pós-graduação em Estudos da Tradução - PGET
Universidade Federal de Santa Catarina
ISSN: 2175-7968
Editora Chefe
Andréia Guerini, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Editor Nacional
Walter Carlos Costa, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Editor Associado Internacional
José Lambert, Katholieke Universiteit Leuven. Leuven, Bélgica
Editora Assistente Nacional
Ingrid Bignardi, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Editora Assistente Internacional
Leticia Goellner, Pontificia Universidad Católica de Chile. Santiago, Chile
Comissão Editorial
Álvaro Silveira Faleiros, Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil
Berthold Zilly, Freie Universität Berlin. Berlim, Alemanha
Carlos Rodrigues, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Elizabeth Lowe, New York University. New York, Estados Unidos
Georges Bastin, Université de Montréal. Montreal, Canadá
Germana Henriques Pereira, Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil
José Luiz Vila Real Gonçalves, Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, Brasil
Luana Ferreira de Freitas, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil
Marie-Hélène Catherine Torres, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,
Santa Catarina, Brasil
Mauricio Mendonça Cardozo, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil
Odile Cisneros, University of Alberta. Edmonton, Alberta, Canada
Orlando Alfred Arnold Grossegesse, Universidade do Minho. Braga, Portugal
Paulo Henriques Britto, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Brasil
Philippe Humblé, Vrije Universiteit Brussel. Bruxelas, Bélgica
Conselho Consultivo
Albumita-Muguras Constantinescu, Universitatea Stefan cel Mare. Suceava, Romênia
Alice Leal, University of Vienna. Vienna, Áustria
Anthony Pym, University of Melbourne. Melbourne, Austrália
Arvi Sepp, Vrije Universiteit Brussels. Bruxelas, Bélgica
Christiane Nord, Universität Magdeburg. Heidelberg, Alemanha
Cynthia Beatrice Costa, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil
Dirce Waltrick do Amarante, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Edwin Gentzler, University of Massachusetts. Amherst, Estados Unidos
Else Ribeiro Pires Vieira, University of London. Londres, Reino Unido
José Yuste Frías, Universidade de Vigo.Vigo, Espanha
Juliana Steil, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil
Karine Simoni, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Katia Aily Franco de Camargo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, Rio
Grande do Norte, Brasil
Marcelo Jacques de Moraes, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Brasil
Marcia A. P. Martins, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, Brasil
Maria de Lurdes Nogueira Escaleira, Instituto Politécnico de Macau. Macau, China
Maria Lucia Barbosa de Vasconcellos, Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Maria Paula Frota, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, Brasil
Maria Tymoczko, University of Massachusetts. Amherst, Estados Unidos
Maurizio Babini, Universidade Estadual Paulista. São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil
Michael Cronin, Dublin City University. Dublin, Irlanda
Pablo Cardellino Soto, Universidade de Brasília. Distrito Federal, Brasil
Patricia Odber de Baubeta, University of Birmingham. Birmingham, Reino Unido
Rosario Lázaro Igoa, Universidad de la Republica. Montevidél, Uruguai
Rute Costa, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal
Sandra Bagno, Unversità degli Studi di Padova. Pádua, Itália
Simone Homem de Mello, Casa Guilherme de Almeida. São Paulo, São Paulo, Brasil
Sonia Netto Salomão, Sapienza Università di Roma. Roma, Itália
Steven F. White, Saint Lawrence University. Canton, New York, Estados Unidos
Thomas Sträter, Universidade de Heidelberg. Heidelberg, Alemanha
Valdir Flores, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul,
Brasil
Werner Heidermann, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa
Catarina, Brasil
Revisão Geral
Andréia Guerini, Ingrid Bignardi e Willian Henrique Cândido Moura, Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, Santa
Catarina, Brasil
Publicação e Editoração Eletrônica
Ingrid Bignardi, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Projeto Gráfico
Dorothée de Bruchard, Escritório do Livro, Brasil
Imagem da capa: https://www.google.com/search?q=imagens%2amaz%C3%B4nia%20Creative
%20Commons&tbm=isch&hl=pt-BR&tbs=rimg:Ca7w pcaSDy_1YUoa65MOw0VDsgIGCgIIA
BAA&rlz=1C1JZAP_pt-BRBR911BR911&sa=X&ved=0CBsQuIIBahcKEwjA9M2ZsKTzAhU
AAAAAHQAAAAAQBw&biw=1519&bih=664#imgrc=UD-upZ_IT40v3M
Editoração Gráfica
Ane Girondi, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Endereço para Contato
E-mail: cadernostraducao@contato.ufsc.br
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/traducao
(Catalogação na fonte pela Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina)
Cadernos de Tradução / Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de
Comunicação e Expressão. Pós-graduação em Estudos da Tradução. — no 1 (1996)
Florianópolis: Pós-graduação em Estudos da Tradução.
V.; 21 cm
Semestral
ISSN: 2175-7968
1. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Comunicação e Expressão.
Pós-graduação em Estudos da Tradução.
Sumário
ApresentAção
Traduzindo a Amazônia: os novos argonautas e suas viagens
possessórias, exploratórias e utópicas ao Grão-Pará del
Marañón ................................................................... 8
Andréia Guerini (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq)
Marie Helene Torres (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq)
José Guilherme Fernandes (Universidade Federal do Pará/Procad/Capes)
Artigos
Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Ruiz Blanco,
para o português brasileiro: o comentário da tradução como
experiência metalinguística ...........................................18
Joaquim Martins Cancela Júnior (Universidade Federal do Pará-Soure)
Lilian C. B. Pereira Nascimento (Universidade Federal do Pará)
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios, y un directivo
para que los religiosos puedan cómodamente instruirlos en las
cosas esenciales de la Religión Cristiana (Capítulos II, III, IV,
V) de Matías Ruiz Blanco ................................................30
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior (Universidade Federal do
Pará-Soure) & Lilian C. B. Pereira Nascimento (Universidade Federal
do Pará)
Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage
from the Pacific to the Atlantic (1829), de Henry Lister Maw ....52
Tatiana de Lima Pedrosa Santos (Universidade do Estado do Amazonas/
CNPq)
Samuel Lucena de Medeiros (Universidade do Estado do Amazonas/
NIPAAM)
Walter Carlos Costa (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq)
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII)
(1829) de Henry Lister Maw.............................................65
Tradução de Tatiana de Lima Pedrosa Santos (Universidade do Estado do
Amazonas/CNPq), Samuel Lucena de Medeiros (Universidade do Estado
do Amazonas/NIPAAM) & Walter Carlos Costa (Universidade Federal
de Santa Catarina/CNPq)
Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu
sobre a Amazônia Brasileira ........................................ 101
Alessandra Oliveira Harden (Universidade de Brasília)
Theo Harden (Universidade de Brasília)
Achtes Buch (Kapitel IV) (Seite 1069-1082) de Johann Baptist von
Spix & Carl Friedrich P. von Martius ................................. 110
Tradução de Alessandra Oliveira Harden (Universidade de Brasília) &
Theo Harden (Universidade de Brasília)
A Voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, capítulo
XXI: uma tradução anotada ........................................ 142
Luana Ferreira de Freitas (Universidade Federal do Ceará/CNPq)
Kelvis Santiago do Nascimento (Universidade Federal do Ceará)
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará
(Chapter XXIII) de William H. Edwards ............................ 149
Tradução de Luana Ferreira de Freitas (Universidade Federal do Ceará/
CNPq) & Kelvis Santiago do Nascimento (Universidade Federal do Ceará)
Tradução e ética: a problemática da retroconversão ........... 174
Marie Helene Catherine Torres (Universidade Federal de Santa Catarina/
CNPq)
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine (Capítulos
III e IV) de Alexandrine Langlet-Dufresnoy ......................... 185
Tradução de Marie Helene Catherine Torres (Universidade Federal de
Santa Catarina/CNPq)
Percurso tradutório em textos históricos sobre A viagem de
descobrimento do rio Amazonas.................................... 213
Andrea Cesco (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq)
Mara Gonzales (UNIASSELVI)
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e
XI) de José Toribio Medina ............................................ 231
Tradução de Andrea Cesco (Universidade Federal de Santa Catarina/
CNPq) & Mara Gonzales (UNIASSELVI)
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia
entre a viagem real e a viagem literária .......................... 252
Karine Simoni (Universidade Federal de Santa Catarina)
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia .......... 267
Tradução de Karine Simoni (Universidade Federal de Santa Catarina)
Emilie Snethlage, uma pesquisadora extraordinária em um
universo acadêmico masculino ..................................... 339
Reinhard Michael Eugen Arnegger (Universidade Federal do Pará)
Nelson Sanjad (Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense Emílio Goeldi)
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor KochGrünberg, Zur Ethnographie der Chipaya und Curuhaé de Emilie
Snethlage. ................................................................ 345
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger (Universidade Federal
do Pará) & Nelson Sanjad (Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense
Emílio Goeldi)
As etnias indígenas do Médio Xingu: em especial a Xipaya e a
Curuaya. Assentamento dos indígenas no Médio Xingu, Iriri e
Curuá.................................................................... 398
Cilene Rohr (Universidade Federal do Pará)
Rosanne Castelo Branco (Universidade Federal do Pará)
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die
Chipaya und Curuaya de Emilie Snethlage ......................... 402
Tradução de Cilene Rohr (Universidade Federal do Pará) & Rosanne
Castelo Branco (Universidade Federal do Pará)
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84962
TRADUZINDO A AMAZÔNIA
OS NOVOS ARGONAUTAS E SUAS VIAGENS
POSSESSÓRIAS, EXPLORATÓRIAS E UTÓPICAS AO
GRÃO-PARÁ DEL MARAÑÓN
Seu Sting, meu pajé,
quem já viu faisão dourado
se abraçar com jacaré?
....................................
Por isso, meu caro Sting,
vá de swing pra lá,
não venha botar molho inglês
na goma do meu tacacá.
(Composição musical “Meu Pajé”, cantada por Lucinha Bastos)
1
A fundação da Amazônia é um ato alóctone, posto que o nome
advém da mitologia greco-latina, referente às mulheres guerreiras
que habitavam a ilha de Lemnos, que estava no caminho dos argonautas, heróis gregos em expedição à Cólquida, onde encontrariam e tomariam o velocino de ouro. As amazonas eram tidas como
excelentes arqueiras, manuseando com destreza seus instrumentos
de guerra e enfrentando atrozmente seus inimigos, abatendo-os com
severidade. Portanto, o batismo da região amazônica é um epônimo,
em alusão a essas personagens míticas, o que denota, desde a origem
histórica deste espaço, uma estreita relação entre culturas, primeiro
em viés de aculturação, posteriormente como interculturalidade.
A partir do século XVI, diversos viajantes estrangeiros, desde
militares, religiosos e aventureiros até naturalistas, que na Amazônia
aportaram e viajaram, têm em conta esta narrativa de fundação, que
acreditamos ser, para além de uma explicação de origem, um índice
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes
de riqueza da região, primeiramente a riqueza aurífera, tão buscada
pelos povos da transição do medieval para o moderno, e posteriormente a riqueza natural e de suas populações. Para Gondim,
Os expedicionários reencontraram e sequenciaram o imaginário dos antigos viajantes, cujas histórias sobre fortunas
incríveis – lá Preste João, Grão Khan ou áreas contíguas ao
Éden, aqui o Eldorado, lugar fabuloso e a cidade de Manoa
das lendárias mulheres guerreiras – estão sempre presentes
na invenção da Amazônia (1994, p. 79).
Nesses tempos de fundação da Amazônia, frequentemente as
imagens construídas pelo estrangeiro, ou mesmo o nacional não
egresso de comunidades autóctones, são eivadas de imaginário e
concepções alienígenas, que enfocam em grande parte mais o telúrico – geografia, fauna e flora, com potencialidades exploratórias –
do que o humano, e quando retratam o nativo é com distanciamento
cientificista e objetificação acadêmica. Daí o questionamento da
epígrafe, em letra do saudoso poeta Ruy Guilherme Paranatinga
Barata (1920-1990): “quem já viu faisão dourado se abraçar com
jacaré?”. Ufanismo à parte, a interação do eurocentrismo “faisonesco” com o nativismo “jacarístico” tem sido mote para tantos
estudos científicos e provocações artísticas, já que o limiar entre
a aculturação colonizadora e a interculturalidade decolonial, em
geral, nos leva a cisões, quando, ao fim, se declara: “não venha
botar molho inglês na goma do meu tacacá”.
Este número especial de Cadernos de Tradução, intitulado “Tradução de relatos de viagem sobre a Amazônia”, procura lançar-se,
e lançar-nos, a essa possível e desejada compreensão do Outro,
seja este o narrador/a daquele longínquo momento genético das
traduções aqui apresentadas, seja os tradutores e suas introduções
esclarecedoras, por vezes nem tanto: dadas as limitações temporais
entre o ato de escrever sobre a cultura de origem e o ato de traduzir
para a cultura de chegada, as quase enigmáticas referências espaço-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021.
9
Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias...
temporais de alguns narradores/as estrangeiros/as levaram os/as
tradutores/as a escolhas conforme sua “ética” moderna, como nos
revela Torres em um dos estudos aqui presentes. De todo modo,
o que nos chega aos olhos e ouvidos leitores é um autêntico “velo
de ouro”, revelador talvez mais das idiossincrasias dos/as autores/
es viajantes do que da Amazônia. Compreender essa continental
e diversa região requer que façamos em um conjunto de visões e
ideologias, o que nesta edição da revista somos agraciados.
Dito isso, a proposta deste número de Cadernos de Tradução
inaugura uma série de volumes dedicados à temática da Amazônia, e é um desmembramento do projeto “Indicadores antrópicos:
fatores socioambientais e patrimoniais na tradução de índices de
antropização em povos e comunidades amazônicas” (PROCAD/
CAPES-Amazônia), cooperação acadêmica que congrega a Pósgraduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal
de Santa Catarina, a Pós-graduação em Estudos Antrópicos na
Amazônia da Universidade Federal do Pará (campus Castanhal)
e a Pós-graduação em Ciências Humanas, da Universidade do
Estado do Amazonas, com vigência em 2019-2023, que baseia
sua proposta na produção de índices da presença e transformação
humanas, em seus territórios e ambientes, que considere práticas e valores autóctones de povos e comunidades amazônicas na
compreensão da sustentabilidade e do bom viver/bem-estar da
população, em vista de contatos culturais e possíveis impactos
socioambientais. Por isso, a perspectiva intercultural e interdisciplinar desse projeto, que implica na necessidade de enfoque
que releve identidades, patrimônios e hegemonias culturais e suas
possíveis (inter)traduções, o que solicita o apoio de disciplinas da
antropologia e arqueologia, dos estudos da tradução, da narratologia e análise do discurso, das ciências biológicas e ambientais,
da computação e ciências da informação.
A idealização deste número, pensado por Andréia Guerini e
Marie-Hélène Torres, e que contou com a colaboração de José
Guilherme dos Santos Fernandes, teve o cuidado de publicar as
traduções de textos pouco acessíveis, esgotados, alguns inéditos em
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021.
10
Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes
português, acompanhados de textos introdutórios dos tradutores.
Trata-se, em geral, de textos de autoria de botânicos, etnógrafos,
geógrafos, naturalistas, escritos em línguas estrangeiras por estrangeiros, sobre a Amazônia, em relatos de viagem, diários, discursos
ou correspondência, entre outros. Os textos aqui selecionados foram escritos em alemão, espanhol, francês, inglês e italiano, entre
o século XVII e o início do século XX.
Os textos introdutórios dos tradutores contextualizam as obras
e autores, além de explicitar algumas estratégias de tradução. A
preocupação com o leitor levou os tradutores a contornar o ponto de vista dos autores dos textos de partida com notas explicativas. Esses textos dos tradutores discutem questões fundamentais
de tradução como comentário de tradução enquanto experiência
metalinguística (Nascimento e Cancela); ecotradução (Torres); a
especificidade da tradução de textos históricos (Bezerra, Cesco),
de textos protofeministas (Simoni), de textos científicos (Harden
e Harden; Freitas e Nascimento) e de textos relativos à etnografia
e língua-cultura indígenas como os Xipaya e Kuruaya (Branco e
Rohr ; Arnegger e Sanjad).
2
A diversidade de miradas sobre a Amazônia se concretiza em
traduções de várias nacionalidades e línguas, notadamente dos países colonizadores, como o espanhol, o francês, o alemão e o inglês,
sem mencionar nossa realidade lusófona para a qual as traduções
são direcionadas. De todo modo, carecemos, enquanto falantes do
português, dessas visões outras para além daquelas herdeiras de
Pero Vaz de Caminha, e que podem somar-se a um feito curioso
destes escritores que desembarcaram na Hileia desde o século XVI:
“recriar nas terras do Novo Mundo (...) aquelas histórias que a
literatura grega difundiu” (TOCANTINS, 2000, p. 47).
Isso fez com que muitos relatos corridos e vagos dos nativos
logo fossem adaptados aos desejos dos viajantes e, em alguns casos,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021.
11
Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias...
conquistadores. Essa prática colonial, observada em um primeiro
momento dos contatos e relatos, vem confirmar aos colonizadores
seu direito “legítimo” a uma terra supostamente nula de povos,
unicamente existindo ao natural, sem interveniência de qualquer
“alma” humana, reforçando o jus possidendi romano, direito de
propriedade conferido a quem tem a posse, no caso, os desbravadores europeus das terras ameríndias. Assim, consideramos que
os relatos advindos dessa prática podem ser classificados como
viagens possessórias, ou seja, havia a necessidade de se justificar a
tomada e posse da terra que acreditavam ter achado, ou descoberto,
o que foi legitimado pelos seus relatos.
Neste tipo, enquadra-se a tradução que Andrea Cesco e Mara
Gonzalez Bezerra apresentam da introdução de José Toribio Medina (1852-1930) acerca da Relación, do frei espanhol Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Francisco de Orellana (15111546), em que se ratifica a participação dos espanhóis na história
da Amazônia. E mais, este documento é testemunho do genocídio
impetrado naquele momento contra os indígenas, mas que é visto
como batalha épica da conquista do território, aos moldes dos argonautas gregos, que também tiveram que enfrentar mortandade
frente às intempéries da região, assim como doenças, mosquitos,
frustrações, que os levaram a batizar o atual rio Amazonas como
rio Marañón, ou rio das Marañas, no sentido de desgraças e aflições, segundo as tradutoras.
Na mesma linha de viagens possessórias, encontra-se a tradução
de Joaquim Martins Cancela Júnior e Lilian Cristina Barata Pereira
Nascimento, acerca dos excertos de Conversión de Piritu, de Ruiz
Blanco. Nessa tradução, Blanco, que era missionário nas regiões
de Piritu e Cumaná, na atual Venezuela, trata do período em que
esteve na região, de 1672 a 1708, então como frei, com 27 anos,
quando aprendeu a língua cumanagota, fundou povoados, catequizou os povos e realizou o serviço religioso de catequese para os
demais religiosos, e ainda produziu farta obra sobre as línguas indígenas com as quais teve contato. Se Carvajal trata dos feitos militares e épicos dos espanhóis, na obra Conversión de Piritu existe a
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021.
12
Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes
preocupação de oferecer “metodologia” para a conversão indígena
ao cristianismo. Portanto, são obras em que as bases do processo
colonizatório são lançadas, pautadas na ética do aventureiro, que
“ignora fronteiras” e “vive dos espaços ilimitados, dos projetos
vastos, dos horizontes distantes” (HOLANDA, 1995, p. 44).
Mais interessados, de outro modo, em suceder os ditames colonizadores, o que classificamos como relatos de viagens exploratórias vêm a ser o destaque prioritário da natureza amazônica – fauna
e flora – em quadro barroco delineado pelo hiperbólico e antitético
da paisagem, em que o humano é coadjuvante. Quando muito esta
humanidade “amazoníndia” é vista como objeto de estudo em cenário edênico, merecendo o olhar e as palavras acuradas da etnografia, na busca de compreensão dos passos do processo civilizatório,
que nos levariam da selvageria à civilidade. É o que notamos na
tradução do texto de Journal of a Passage from the Pacific to the
Atlantic (1829), de Henry Lister Maw e nas traduções de textos de
Emilie Snethlage, naturalista e etnóloga alemã que foi Diretora do
Museu Paraense Emílio Goeldi, no período de 1914 a 1921, sendo
pioneira nesta instituição como pesquisadora.
Em um dos textos de Emilie Snethlage, traduzido por Cilene
Trindade Rohr e Rosanne Castelo Branco, apresenta-se um estudo
sobre as etnias Xipaya e Curuaya, no Médio Rio Xingu, em que o
enfoque são as relações sociais e os comportamentos migratórios
das destas etnias indígenas, que habitavam as margens dos rios
Iriri e Curuá, e que, com a chegada do homem branco realizavam
frequentes migrações, conforme este estudo de 1910.
O segundo texto é uma tradução de Reinhard Michael Eugen
Arnegger Nelson Sanjad (Museu Paraense Emílio Goeldi) a partir de ata da Associação Berlinense de Antropologia, Etnologia
e Pré-História, onde constam preciosas informações dos cientistas e naturalistas alemães dedicados aos estudos sobre o Brasil e
a Amazônia. Mme Snethlage constituiu considerável coleção de
artefatos sobre os Xipaya e Kuruaya, sendo ainda hoje a única
coleção no mundo acerca destas etnias, abrigada no Museu de
Etnologia de Berlim.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021.
13
Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias...
Ainda na linha do hiperbólico da natureza, esta edição de Cadernos de Tradução dispõe sobre o texto dos membros da Missão
Bávara, em princípios do século XIX, em que estavam o jovem
botânico Carl Friedrich Philipp von Martius e o zoólogo Johann
Baptist von Spix, membros da Real Academia de Ciências de Munique. A tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden e Theo
Harden apresenta parte da viagem do Rio de Janeiro à região amazônica de Spix e Martius. Segundo a apresentação dos tradutores,
“os dois levaram para a Europa ‘5 espécies de mamíferos, 350 de
pássaros, 130 de anfíbios, 116 de peixes, 2700 de insetos, 80 de
aracnídeos, 80 de crustáceos e 6.500 espécies de plantas, compondo um herbário de 20.000 exemplares’ (Lisboa 91, nota 24) e um
casal de crianças indígenas (originalmente eram quatro crianças,
mas apenas duas sobreviveram à viagem) do Amazonas”. A exemplo de Mme Snethlage, os alemães reuniram grande quantidade de
material botânico e enviaram à Europa, o que certamente fortaleceu a visão de ciências naturais, que passou a ser a referência do
que seria ciência, estabelecida em fins do século XIX e primeira
metade do século XX. Nesse cenário, a Europa torna-se o centro
do conhecimento universal e detentora da palavra final sobre os
povos e suas evoluções: nascia e se fortalecia o evolucionismo, que
tanto legou de estatuto ao etnocentrismo.
Para finalizar os textos das viagens exploratórias, esta edição
apresenta a tradução de Luana Ferreira de Freitas e Kelvis Santiago do Nascimento sobre o capítulo XXI de A voyage up the river
Amazon with a residence in Pará, de autoria de William H. Edwards
(1822-1909), realizada em 1846. Reconhecidamente a posteriori
um entomologista, a importância dessa obra está na revelação de
encontros culturais assimétricos, em deslavada discrepância entre
o mundo de colonizadores e de colonizados culturalmente, particularmente a mestiçagem, que se apresenta como um processo degenerativo da espécie humana, numa incompreensão, para não dizer
discriminação, acerca das fricções interétnicas.
Por fim, temos as viagens utópicas, referentes ao sentido mais
estreito da palavra utopia: lugar ou estado ideal, de felicidade e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021.
14
Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes
harmonia. Nesses textos, encontramos a descrição-narrativa da
poética da Amazônia, onde as autoras imiscuem datações em envolventes cenários e acontecimentos, desde suas impressões sensoriais e memorialistas. Não que inexista a crônica de viagem, mas a
escritura se torna arrebatadora, pois a condução em detalhes acerca
dos movimentos, da natureza e dos seres, inclusive humanos, nos
motiva a entrar em cena, como o “homem na multidão” baudelairiano. E falamos de autoras? Sim, já que são duas escrituras
femininas. A despeito de terem realizado viagens acompanhando
seus maridos, esses são obscurecidos pela originalidade e expressividade das memórias dessas mulheres.
A primeira obra é de Gemma Ferruggia, italiana que esteve no
Brasil em 1898 e 1921, publicando em 1902 o livro Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni e Paesaggi di Amazzonia, do qual
Karine Simoni traduz para esta edição o capítulo VI, intitulado
“Madonna Fantasia”. É importante ressaltar que é uma escritura
para além da crônica de viagem ou de tratado botânico-etnográfico, sendo narrativa de experiência de vida e frutífera imaginação
poética. Para a tradutora, “as paisagens cobertas por florestas
tropicais, campos, igapós, rios e lagoas, e a presença de contingentes humanos de culturas até então nunca vistas, têm provocado
estupor e fascínio, que nutriram e nutrem a ambição e o desejo de
aventureiros e exploradores em conhecer e apossar-se do lugar”,
e a presença feminina, mesmo que rara, imprimiu outro olhar,
descentrado do foco masculino.
A segunda tradução neste tipo de viagem é a de Alexandrine Langlet-Dufresnoy, a primeira europeia a descer o rio Arinos,
no Mato Grosso. Seu relato de viajante originou Quinze ans au
Brésil ou Excursions à la Diamantine [Quinze anos no Brasil ou
excursões em Diamantino], ocorreu de julho de 1837 (capítulo I) a
agosto de 1852 (capítulo IV), sendo que para este edição foram traduzidos os dois capítulos, já referidos. A tradutora Marie-Hélène
Torres enquadra sua tradução como ecotradução ou ecotranslation,
porque entende que Mme Langlet-Dufresnoy fixa a natureza como
tema, personagem e reflexão, vinculada a contextos culturais.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021.
15
Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias...
O êxtase declarado nessas viagens utópicas proporcionou uma
qualidade de escritura, acerca da Amazônia, que ainda hoje insiste
no tratamento hiperbólico e anímico da região, seja por parte dos
literatos, dos jornalistas e até de cientistas sociais. No entanto,
como assinala Fernandes
Não que de todo essas qualidades não possam existir na
compreensão de mundo deste homem (amazônida), mas
daí a dizer que o caboclo vive primordialmente num mundo
de devaneios, contemplações e êxtases face à natureza circundante, numa autêntica “ilha da fantasia”, é no mínimo
negar-lhe a diversidade de pensamento e sua propriedade
de ser histórico e que por isso, também, vive o conflito, as
antíteses de qualquer relação entre culturas e destas com a
natureza (FERNANDES, 2006, p. 75).
3
É inegável que esta edição de Cadernos de Tradução tem a mesma importância, para os pesquisadores e estudiosos da Amazônia,
ou amazonistas, que os gregos relevaram ao velo de ouro: a de
embarcar em nossa Argos mais vozes e discursos que, mesmo não
sendo os dos povos originários apagados pelo genocídio colonial,
podem ecoar o testemunho do encontro entre culturas. Num ato de
espelhamento, acabamos por saber muito mais sobre nossos colonizadores do que os viajantes suporiam no momento de debruçaremse sobre o papel e lançarem-se à faina gráfica.
Em sua tarefa de registrar as belezas e agruras do “grande-rio
das desgraças e aflições”, ou Grão-Pará del Marañón, os viajantes
de antanho realizaram a primeira tradução, ou ficção, na medida
em que colocaram em sua escala de estrangeiro o que para eles seria a Amazônia. Em segunda mão, os tradutores realizam a segunda ficção, a partir de suas opções e modelos éticos e estéticos. Por
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021.
16
Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes
fim, o leitor traz ao seu universo de representação uma Amazônia
de acordo com suas expectativas, ampliadas pelas duas primeiras
operações. Mas não é demais lembrar que a existência e re-existência dos amazônidas tem muito a ver com esse passado, forjado em
trocas, em lutas e em traduções da Amazônia.
Andréia Guerini1
Marie Helene Torres
1
Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq
José Guilherme Fernandes2
2
Universidade Federal do Pará/Procad/Capes
Referências
FERNANDES, José Guilherme dos Santos. Escritura e oralidade: versões e
ficções da Amazônia. FARES, Josebel (org.). Diversidade cultural: temas e
enfoques. Belém: UNAMA, 2006.
GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida. Manaus: Editora Valer, 2000.
Andréia Guerini. E-mail: andreia.guerini@gmail.com. https://orcid.org/00000002-3187-6246.
Marie Helene Catherine Torres. E-mail: marie.helene.torres@gmail.com. https://
orcid.org/0000-0001-9263-0162.
José Guilherme Fernandes. E-mail:mojuim@uol.com.br. https://orcid.org/00000001-9946-4961.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021.
17
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84928
TRADUÇÃO DE CONVERSIÓN DE PIRITU (EXCERTOS),
DE RUIZ BLANCO, PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO:
O COMENTÁRIO DA TRADUÇÃO COMO EXPERIÊNCIA
METALINGUÍSTICA
Joaquim Martins Cancela Júnior1
1
Universidade Federal do Pará-Soure, Soure, Pará, Brasil
Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento2
2
Universidade Federal do Pará-IEMC, Belém, Pará, Brasil
Na atual Venezuela, nos estados de Anzoátegui, Sucre e Monagas, Matías Ruiz Blanco (1643 – 1708), frei franciscano da Ordem
dos Frades Menores (OFM), natural de Sevilha (Espanha), atuou
como missionário nas regiões de Piritu e Cumaná, essas que integravam a Província Nova Andaluzia, fundada por Diego Hernández de Serpa, em 1568, e mais tarde governada pelo catalão Joan
Urpín, ao estabelecer a Província Nova Catalunha, em 1633.
Com apenas 27 anos, Ruiz Blanco se inscreveu na terceira expedição franciscana para atuar na missão venezuelana de Piritu. No
período que esteve em missão, de 1672 a 1708, o frei aprendeu a
língua cumanagota, fundou povoados, catequizou povos indígenas
(Cumanagotos, Palenques e Chaima, principalmente), instruiu religiosos catequistas, escreveu livros, gramática e dicionário bilíngue
em língua espanhola e cumanagota, além de tradução de textos católicos em latim e/ou espanhol para cumanagoto, e fez comentários
de suas traduções. Nesse mesmo período, Ruiz Blanco retornou à
Espanha algumas vezes para resolver questões ligadas às missões e
às publicações de seus livros.
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
O topônimo Piritu estava relacionado ao porto da região, atual cidade Puerto Piritu - Venezuela, onde o fluxo de pessoas e mercadorias
era intenso, e também, onde se encontrava o maior número de falantes
da língua cumanagota, possível língua geral da região (Cernuda).
Atualmente a língua cumanagota, do tronco linguístico caribe,
está extinta, o que hoje existe dela se encontra somente nos registros escritos de missionários franciscanos, principalmente os do
período colonial. O que aconteceu com ela foi o mesmo que ocorreu com as muitas línguas ameríndias, sofreu um longo e complexo
processo no desaparecimento da língua ancestral, que a partir de
uma visão sociolinguística pode estar relacionado à mudança sociocultural e a transculturação, provenientes de sucessivas violências
do período colonial, seja de forma física ou simbólica, pois o desaparecimento de uma língua e/ou a substituição da língua indígena
por línguas europeias (no caso da colonização na América) gera o
aparecimento de populações que são definidas de forma generalizada, como indígenas genéricos, trabalhadores do campo, caboclos,
etc.; sem contar o sentimento de vergonha étnica e linguística principalmente entre os indígenas mais jovens, gerado pela transculturação compulsiva, uma forma de etnocídio. (Castillo).
A obra Conversión de Piritu, de Ruiz Blanco, foi publicada em
1690, em Madri, pela Juan García Infançon. Em 1892, foi publicada a 2ª edição pela Librería de Victoriano Suarez, também em
Madri, com a ortografia atualizada e pequenas modificações no
texto. E em 1965, publicada a 3ª edição, pela Biblioteca de la Academia Nacional de la Historia, em Caracas, que novamente teve a
ortografia atualizada.
De acordo com Cernuda (2014) Conversión de Piritu é uma obra
poliedra, pois apresenta cinco faces: uma introdução histórica (corográfica e etnográfica) da região, textos católicos traduzidos e comentados seguindo o princípio tradutório de São Jerônimo, os mandamentos e os preceitos da Santa Igreja em cumanagoto, uma gramática da
língua cumanagota e um dicionário bilingue espanhol - cumanagoto.
Utilizamos a 1ª edição, de 1690, como texto-fonte na presente
tradução para o português brasileiro de Conversión de Piritu (121
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
19
Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco
- 137) excertos da segunda parte Práctica que hay en la enseñanza
de los indios, y un directivo para que los religiosos puedan cómodamente instruirlos en las cosas esenciales de la religión cristiana
(cap. II, III, IV e V), pois encontramos significativas mudanças
em relação às edições posteriores. O exemplo mais aparente está
no início do capítulo II, no parágrafo 13, quando a edição de 1690
inicia com Supongo (121), e a edição de 1892 muda para Advierto
(169). No entanto, no parágrafo 15, o autor inicia com Supongo
también (1690, 122; 1892, 170) nas duas edições, sugerindo a continuação da “suposição” sobre a tradução de textos católicos para
a língua cumanagota.
Essa segunda parte do livro, sobre a prática que há no ensino
dos indígenas, inicia com os nomes dos frades que autorizaram a
publicação e o ano da autorização (1688), seguida dos motivos da
obra, estes direcionados ao leitor. O capítulo I inicia com a explicação sobre Persignar-se, ou seja, gestos do sinal da cruz feitos
três vezes (na testa, na boca e no peito), as orações (Pai Nosso,
Ave Maria, Credo), Símbolo da Fé etc., tudo escrito em língua
cumanagota, ou seja, a tradução em língua indígena como porta de
entrada, os únicos escritos em espanhol são os títulos das orações.
Do 2º ao 5º capítulo (a tradução propriamente dita deste trabalho para o português brasileiro), Ruiz Blanco apresenta os seus
comentários da tradução, justificando suas escolhas tradutórias,
seguindo a mesma prática tradutória de São Jerônimo (347 - 420)
ao traduzir a Bíblia para o latim (Vulgata), fazendo referência ao
texto Óptimo Genere Interpretandi - Ad Pammachium, Epistula
LVII (396), pois o franciscano espanhol seguia o princípio ad sensum, a partir do sentido da frase completa e não ad literam, que é a
tradução de palavra por palavra, visto que ele se preocupava com o
princípio de equivalência linguística ao traduzir os textos católicos
para a língua cumanagota, na tentativa de recuperar o significado
de toda a frase (Sarion). Assim inicia seu comentário de tradução
no capítulo II parágrafo 13 (1690, 121):
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
20
Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
13. Supongo que en esta traducción
he procurado interpretar las voces del
idioma Castellano, de que inútilmente
se ha usado hasta aquí, con otras
del idioma de los Indios, propias,
o equivalentes en el sentido, y que
explican muy bien lo sustancial de los
misterios, en que es necesario sean
instruidos; porque según notó San
Gerónimo de optim. gen. interprœt.
en las versiones, no tanto se ha de
atender a lo material de las voces,
cuanto a su formal significación, y
sentido: y supuesto que en el nativo
lenguaje hay voces con las cuales se
les puede dar a entender los divinos
misterios, e instruirlos en lo que deben
creer, es cosa irracional entender, que
con términos, y voces del idioma
Castellano, que no saben, ni entienden,
puedan venir en conocimiento de lo
que se les dice, y promulga.
13. Suponho que nesta tradução
procurei interpretar as vozes do
idioma Espanhol, que inutilmente
se usou até aqui, com outras do
idioma dos Indígenas, próprias
ou equivalentes no sentido, e que
explicam muito bem o essencial
dos mistérios, sendo necessário que
sejam instruídos; porque segundo
observou São Jerônimo nas versões
de optm. gen. interproet., nem tanto
atende ao material das vozes, quanto
a sua significação formal e sentido:
e claro que na língua nativa há vozes
com as quais se pode entender os
mistérios divinos e instruir-lhes no
que devem crer, é coisa irracional
entender, que com expressões e
vozes do idioma Espanhol, que não
sabem, nem entendem, possam vir
a conhecer aquilo que lhes é dito e
promulgado.
Outra perspectiva de tradução de textos católicos no final do século XVII, que muitos missionários adotavam era o princípio de tradução ciceroniano, fazendo referência ao prefácio De Optimo Genere
Oratorum, de 46 a.C., texto que Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) reflete
sobre o estilo retórico e a tradução (Sarion), defendendo uma tradução mais livre, ao afirmar que prefere traduzir como um orador.
Há também nos comentários de tradução, de Ruiz Blanco, referência ao Terceiro Concílio Limenho (1583 - 1584), Epístola sobre
a tradução da Doutrina Cristã, que decretou:
[…] hacerse por nuestra orden y comisión una traducción
auténtica del catecismo y Doctrina Cristiana, que todos sigan. […] Pareció a este sancto Concilio Provincial proveer
y mandar con rigor que ninguno use otra traducción, ni
enmiende ni añada en ésta cosa alguna; porque, aunque hu-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
21
Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco
biese cosas que por ventura se pudiesen decir mejor de otra
suerte (que forzoso es que haya siempre en esto de traducción diversas opiniones), pero hace juzgado, y lo es menos
inconveniente, que se pase por alguna menos perfección
que tenga por ventura la traducción, que no dar lugar a que
haya variedad y discordias, como en las traducciones de
la Santa Escritura saludablemente lo ha proveído la Iglesia
Católica. (1583, 17 - 18)
Ruiz Blanco era contrário à política linguística e tradutória decretada pelo supracitado Concílio, não reconhecia como válido na
tradução para a língua indígena o empréstimo de palavras espanholas, neologismos ou a tradução palavra por palavra, como vemos
nos parágrafos 16 e 17 (122 - 123):
16. Mas no obstante que estos
supuestos son tan evidentes, podrá
replicar alguno, y decir, que en
uno de los Concilios Limenses hay
precepto para que en la traducción
de la Doctrina Cristiana, cuando
falten términos de los lenguajes de
los Indios, se suplan con otros de la
lengua Castellana: luego no obsta la
interposición de voces Castellanas
con las de cualquier otro idioma de
los Indios.
16. Mas, a pesar dessas suposições
serem muito evidentes, alguns
podem questionar, e dizer que
num dos Concílios Limenho há
um preceito sobre a tradução da
Doutrina Cristã, que quando faltem
expressões da língua dos Indígenas,
se supram com outras da língua
Espanhola: logo não impede a
interposição de vozes Espanholas
com as de qualquer outro idioma dos
Indígenas.
17. Respondo, que el precepto
del Concilio tiene, en caso que
en cualquiera idioma no se hallen
términos formales, o equivalentes
con que traducir, o explicar los
misterios, y demás cosas tocantes a
la Doctrina Cristiana, y así aunque
no es obstáculo, en caso que no se
17. Repito, que o preceito do
Concílio tem, em qualquer idioma,
no caso de não encontrar expressões
formais ou equivalentes para
traduzir ou explicar os mistérios, e
demais coisas a respeito da Doutrina
Cristã, e mesmo sem dificuldade, no
caso de não encontrem outras, com
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
22
Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
hallen otros, con ellos nunca se elas nunca poderá conseguir que
podrá conseguir el que entiendan entendam os mistérios da Fé, que
los misterios de la Fe, lo cual es são alheios à dúvida.
ajeno de duda.
É importante trazer as referências teóricas do tradutor, para
conhecermos melhor a concepção de tradução de Ruiz Blanco. Seguindo a perspectiva teórica de José Lambert:
[...] nos importa, em primeiro lugar, determinar a concepção das traduções num momento determinado da história. A
tradução se torna assunto de estudo; procura-se saber quem
produz as traduções, para que público, com o auxílio de que
textos, em que gêneros, em que línguas e linguagem, segundo que registros e esquemas literários, em função de que
modos literários, morais, linguísticos, políticos; e ademais,
em função de que concepção de tradução. (Lambert, 196).
A obra Conversión de Piritu estava direcionada aos religiosos
catequistas, para que pudessem ter mais conhecimento e prática na
língua cumanagota, através da gramática e do dicionário bilíngue,
e que conhecessem as orações e os mistérios divinos em língua
nativa. Bastin, Pantin e Duoara (2013) destacam o modo de traduzir, de Ruiz Blanco, que mesmo apresentando as dificuldades de
comunicação com os indígenas de Piritu, traduz, retraduz e analisa
seu processo tradutório, já que seu texto tem caráter filológico pelo
grande número de comentários linguístico. Como um autêntico
tradutor-autor, Ruiz Blanco “produz um outro texto – apesar de
carregar a marca da identidade do texto original –, o texto traduzido transformado em energia criativa. O tradutor é, portanto, um
autor” (Torres, 133).
Recorremos também a análises de outros elementos que julgamos
centrais no processo tradutório, a maior parte deles, inclusive, ressaltados mesmo por Ruiz Blanco, já que seu próprio texto se trata, na
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
23
Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco
verdade, de uma tradução comentada, como já mencionamos. Uma
das principais dificuldades encontradas por ele estava relacionada a
encontrar no idioma nativo um termo que desse conta, ao mesmo
tempo, da ideia de entendimento e aceitação. Como veremos a seguir, havia inicialmente três possibilidades tradutórias para esse fim.
25. La primera decía: ure yehua
man Dios; la segunda: yehua mana
tehui quene Dios mana quaneren;
la tercera: ycatemaze Dios pueque;
la primera no declara más que, yo
sé; porque la palabra Dios, no la
entendían los Indios; la segunda
declara: sé que hay uno sólo de
verdad; la tercera decía: tengo gusto
o complacencia; de las cuales consta,
que aunque los Indios entendieran
la partícula Dios, se infiere, que
sólo podían hacer estos actos, se, o
conozco que hay un Dios, o conozco
que hay un Dios verdaderamente;
y finalmente tengo gusto o
complacencia en Dios, porque la
palabra yechuamana, según su
verdadera significación, no es otra
cosa que conozco o sé; y la palabra
ycatemaze, no significa otra cosa,
que gustar o tener complacencia, y
en todo rigor sólo significa gustar
con el paladar.
25. A primeira dizia: ure yehia
man Dios; a segunda: yehua, man
tehui quene Dios mana quaneren;
a terceira: Ycatemaze Dios pueque;
a primeira não revela mais que
eu sei; porque a palavra Deus,
os indígenas não a entendiam; a
segunda revela: Sei que há uma
só verdade; a terceira dizia: tenho
gosto ou condescendência; do qual
consiste que, embora os indígenas
entendessem a partícula Deus, inferese que só podiam fazer esses atos se,
eu conheço que há um Deus, ou com
toda a verdade eu conheço que há um
Deus; e finalmente tenho gosto ou
condescendência em Deus, porque
a palavra yechuamana, segundo seu
real significado, não é outra coisa
que conheço ou sei; e a palavra
ycatemaze não significa outra coisa
senão gostar ou ter condescendência,
e com todo rigor, significa apenas
sentir com o paladar.
Pelas razões por ele mesmo descritas, nenhuma das acepções em
destaque eram adequadas o suficiente para indicar o assenso do entendimento. A primeira ocorrência indica um conhecimento muito
superficial, a simples noção de tomar ciência da existência. A segunda possibilidade até inclui a ideia de entender de que Deus seria a
única verdade enquanto informação, mas ainda sem o comprometi-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
24
Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
mento pessoal acerca dela. Ora, mesmo um ateu convicto que tenha
algum conhecimento histórico dificilmente negará a existência de Jesus enquanto ser humano, por exemplo, e mesmo algumas religiões
sabem de sua existência, mas não o veem da mesma maneira como
o catolicismo. E finalmente a terceira acepção ficava ainda mais distante do propósito almejado por Ruiz Blanco, pois indicava simplesmente um conhecimento sensorial, mais relacionado ao paladar.
Mais à frente, Ruiz Blanco finalmente indica duas possibilidades para traduzir este assenso de entendimento: ymoromaze e
huecmaze a que chamou de “a margarida escondida” e chegou até
elas após ter reunido “os Indígenas mais capazes e intérpretes de
maior satisfação” (1690, 132). Sobre estes últimos, não podemos
esquecer as motivações do documento que traduzimos: Ruiz Blanco comenta a tradução do Símbolo da Fé com o objetivo de tornar
a evangelização mais eficaz e acaba produzindo como que um manual catequético para futuros missionários de Piritu e Cumaná. Em
alguns trechos de seu texto podemos ver que ele já compreende,
inclusive, a importância de considerar também aspectos culturais.
Vejamos:
42. […] Hubo un Religioso Lego
en esta conversión, llamado Fr.
Juan Villegas, que era un bendito
varón y al parecer inepto y muy
tosco; éste con la costumbre de
andar con los Indios en el monte
y en las demás funciones que se
ofrecían, llegó a comprender tanto
el lenguaje de dichos Indios, que
no se diferenciaba de ellos cuando
hablaba. […]
42. [...] Houve um Religioso Leigo
nesta conversão, chamado Fr.
Juan Villegas, que era um varão
abençoado, e de aparência inapta e
muito tosca; este, com o costume
de andar com os Indígenas no
monte e nas demais funções que o
ofereciam, chegou a compreender
tanto a língua dos referidos
Indígenas que não se diferenciava
deles quando falava. […]
Mesmo que ainda de forma mais empírica e não necessariamente preocupado com a cultura local, Ruiz Blanco já vislumbra os
efeitos da aproximação cultural no comportamento de alguns catequistas. No caso citado, o religioso chega mesmo a se confundir
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
25
Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco
com os indígenas, tendo se inserido no dia a dia da comunidade e
reproduzindo outras dimensões da sua realidade, além da própria
linguagem. Severi e Hanks (2014) compreendem a tradução como
um fenômeno multidimensional no qual a linguagem é o elemento
central. Ao mesmo tempo apontam uma série de outros fatores
como camadas de informações complementares que podem vir da
troca de valores, teorias e, inclusive, aproximações que envolvem
conversão religiosa. De maneira semelhante, Lloyd (2014) vê a
própria realidade como sendo multidimensional e define a tradução
como uma questão de inteligibilidade mútua a partir de diversos
registros. Ruiz Blanco tinha tanta certeza desta importância que
para ilustrar seu entendimento chega mesmo a declarar que utilizar
o idioma espanhol no processo de catequese seria “o mesmo que
falar com surdos” (1690, 133).
O que denominamos no subtítulo o comentário da tradução
como experiência metalinguística faz alusão ao espelhamento do
exercício ao comentar a tradução. No ato de traduzir os comentários de tradução de Ruiz Blanco para o português brasileiro, fizemos o mesmo exercício ao comentar nossas escolhas tradutórias e
analisar as dele, ou seja, uma experiência metalinguística, pois a
questão não é sobre tecer quaisquer comentários, mas reconhecer
que esses comentários são poderosos recursos da língua que o falante experimenta ao falar dela e sobre ela (Flores).
Quando reconhecemos a tradução como objeto da metalinguagem, estamos tratando do exercício metalinguístico do traduzir,
pois o comentário da tradução já é uma metalinguagem da metalinguagem; e a experiência se multiplicou quando fizemos a tradução de um comentário de tradução seguido de outro comentário
de tradução, nesse caso estamos falando da metalinguagem como
experiência metalinguística (Flores).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
26
Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
Referências
Bastin, Georges; Pantin, Jeanette; Duoara, Nawaf. Los franciscanos y la
traducción en Venezuela, 2013. http://www.traduccion-franciscanos.uva.es/
archivos/5.Bastin.Venezuela.pdf. Acesso em 05 de outubro de 2020.
Blanco, Matías Ruiz. Conversion de Piritu. De indios cumanagotos, palenques,
y otros: Sus principios, y incrementos que oy tiene, con todas las cosas mas
singulares del pais, politica, y ritos de sus naturales, practica que se observa en
su reduccion, y otras cosas dignas de memoria. Madri: Juan García Infançon,
1690. Biblioteca online John Carter Brown: https://archive.org/details/
conversiondepiri00ruiz/page/n155/mode/2up. Acesso em 10 de outubro de 2020.
Blanco, Matías Ruiz. Conversión en Piritú (Colombia) de indios cumanagotos
y palenques con la práctica que se observa en la enseñanza de los naturales
en lengua cumanagota. Madri: Librería de Victoriano Suarez, 1892. Biblioteca
Digital Hispánica: http://bdh.bne.es/bnesearch/CompleteSearch.do?showYearIte
ms=&field=todos&advanced=false&exact=on&textH=&completeText=&tex
t=mat%c3%adas+ruiz+blanco&languageView=es&pageSize=1&pageSizeAb
rv=30&pageNumber=2. Acesso em 08 de novembro de 2020.
Blanco, Matías Ruiz. Conversión de Piritu. Serie Fuentes para la Historia Colonial
de Venezuela, vol. 78. Caracas: Academia Nacional de la Historia, 1965.
Castillo, Horacio Biord. “El (re) aprendizaje de una lengua extinta: etnogénesis
entre los Cumanagotos del nororiente de Venezuela”. Revista Antropología
Americana, v.3, nº6, (2018): 35-55: https://www.revistasipgh.org/index.php/
anam/article/view/129. Acesso em 05 de janeiro de 2021.
Cernuda, Miguel Ángel Vega. “La convención de Piritú de Matías Ruiz Blanco,
un texto híbrido de língüística, traducción y etnografía”. Revista In-Traduções, v.
6, (2014): 155-170. http://stat.necat.incubadora.ufsc.br/index.php/intraducoes/
article/view/2770/3301. Acesso em 08 de outubro de 2020.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
27
Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco
Doctrina christiana, y catecismo para instruccion de los indios, y de las de mas
personas, que han de ser enseñadas en nuestra sancta fé: Con un confessionario,
y otras cosas necessarias para los que doctrinan, que se contienen en la pagina
siguiente. Ciudad de los Reyes: Antonio Ricardo,1584. Biblioteca Digital
Hispánica: http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000192416&page=1. Acesso
em 11 de dezembro de 2020.
Flores, Valdir do Nascimento. “A condição tradutória”. Problemas gerais de
linguística. Rio de Janeiro: Vozes, 2019.
Lambert, José. “A tradução”. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres e
Álvaro Faleiros. Literatura e Tradução: textos selecionados de José Lambert. Rio
de Janeiro: 7 letras, 2011.
Lloyd, Geoffrey. “On the very possibility of mutual intelligiblity”. Journal of
Ethnographic Theory, v. 4, nº 2, (2014): 221–235. http://www.haujournal.org/in
dex.php/hau/issue/view/hau4.2. Acesso em 18 de novembro de 2020.
Sarion, Roxana. “Teología de la traducción. Estrategias de adaptación lingüística en
los catecismos de la provincia de Cumaná en Venezuela (siglo XVII)”. Lingüística
misionera: aspectos lingüísticos, discursivos, filológicos y pedagógicos. Lima:
Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú, 2019. https://
munin.uit.no/handle/10037/18463. Acesso em 07 de outubro de 2020.
Sarion, Roxana. Translator proditor. The affirmation of the authorial voice in
Matías Ruiz Blanco. https://hiphilangsci.net/2015/09/30/translator-proditorthe-affirmation-of-the-authorial-voice-in-matias-ruiz-blanco/. Acesso em 07 de
outubro de 2020.
Severi, Carlo; Hanks, William. “Translating Worlds: The epistemological
space of translation”. Journal of Ethnographic Theory, v. 4, nº 2, (2014): 1-16.
http://www.haujournal.org/index.php/hau/issue/view/hau4.2. Acesso em 12 de
novembro de 2020.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
28
Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
Torres, Marie-Hélène Catherine. “O tradutor: perfil e análise”. No horizonte do
provável: ensaios sobre tradução. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.
Joaquim Martins Cancela Júnior. E-mail: jmcj.ufpa@gmail.com. https://orcid.
org/0000-0002-5568-5524.
Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento. E-mail: sralilian@gmail.com. https://
orcid.org/0000-0003-3587-849X.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021.
29
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84930
PRÁCTICA QUE HAY EN LA ENSEÑANZA DE LOS
INDIOS, Y UN DIRECTIVO PARA QUE LOS RELIGIOSOS
PUEDAN CÓMODAMENTE INSTRUIRLOS EN LAS
COSAS ESENCIALES DE LA RELIGIÓN CRISTIANA
(CAPÍTULOS II, III, IV, V)
Matías Ruiz Blanco
Tradução de:
Joaquim Martins Cancela Júnior1
1
Universidade Federal do Pará-Soure, Soure, Pará, Brasil
Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento2
2
Universidade Federal do Pará-IEMC, Belém, Pará, Brasil
CONVENCIÓN DE PIRITÚ
P. Fr. Matías Ruiz Blanco
CONVENÇÃO DE PIRITU1
P. Fr. Matías Ruiz Blanco
1690
1690
Práctica que hay en la enseñanza de
los Indios, y un directivo para que
los Religiosos puedan cómodamente
instruirlos en las cosas esenciales
de la Religión Cristiana.
Prática que há no ensino dos Indígenas, e uma diretriz para que os
Religiosos os possam instruir comodamente nas coisas essenciais da
Religião Cristã.
CAPÍTULO II
CAPÍTULO II
Satisfácese algunas dudas sobre Solucionando algumas dúvidas soesta traducción de la Doctrina.
bre esta tradução da Doutrina.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
30
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
13. Supongo que en esta traducción
he procurado interpretar las voces
del idioma Castellano, de que inútilmente se ha usado hasta aquí, con
otras del idioma de los Indios, propias, o equivalentes en el sentido, y
que explican muy bien lo sustancial
de los misterios, en que es necesario
sean instruidos; porque según notó
San Gerónimo de optim. gen. interprœt. en las versiones, no tanto se
ha de atender a lo material de las
voces, cuanto a su formal significación, y sentido: y supuesto que en
el nativo lenguaje hay voces con las
cuales se les puede dar a entender
los divinos misterios, e instruirlos
en lo que deben creer, es cosa irracional entender, que con términos,
y voces del idioma Castellano, que
no saben, ni entienden, puedan venir en conocimiento de lo que se les
dice, y promulga.
13. Suponho que nesta tradução
procurei interpretar as vozes do
idioma Espanhol, que inutilmente se usou até aqui, com outras do
idioma dos Indígenas, próprias ou
equivalentes no sentido, e que explicam muito bem o essencial dos
mistérios, sendo necessário que
sejam instruídos; porque segundo
observou São Jerônimo nas versões
de optm. gen. interprœt.2, nem tanto
atende ao material das vozes, quanto a sua significação formal e sentido: e claro que na língua nativa há
vozes com as quais se pode entender
os mistérios divinos e instruir-lhes
no que devem crer, é coisa irracional entender, que com expressões e
vozes do idioma Espanhol, que não
sabem, nem entendem, possam vir
a conhecer aquilo que lhes é dito e
promulgado.
14. De que se infiere también por
necesaria consecuencia, que dichas
voces del lenguaje Castellano, era
preciso se tradujesen en otras inteligibles para los Indios, o que hayan estado, y estén con invencible
ignorancia de aquellos misterios de
Fe, que por ellas se les han promulgado. Uno, y otro concluyo con
este dilema; o tiene voces la natural
lengua de Indios propias, o equi-
14. Do que também se infere a necessária consequência de tais vozes
da língua Espanhola, era preciso
que se traduzissem em outras inteligíveis para os indígenas, que estejam, ou tenham estado na invencível
ignorância daqueles mistérios da Fé,
que por elas foram promulgados.
Os dois concluo com este dilema:
ou a língua natural dos Indígenas
tem vozes próprias, ou equivalen-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
31
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
valentes para promulgarles los Divinos misterios, o no las tiene? Si
las tiene, luego se deben promulgar
con ellas. Si absolutamente no las
tiene, luego repugna, que los tales
misterios se les puedan promulgar
sino en lenguaje Castellano; at sic
est, que éste no le entienden (como
lo supongo) luego se sigue por necesaria consecuencia, que es preciso
se traduzcan los misterios de Fe en
su nativo idioma, o que se estén con
ignorancia invencible de ellos.
tes para promulgar os mistérios Divinos, ou não as tem? Se as tem,
então deve promulgar com elas. Se
absolutamente não as tem, então se
contradiz que possam promulgar os
tais mistérios, como em língua Espanhola, at sic est, que não a entendem (como suponho), portanto,
continua a necessária consequência,
que é preciso traduzir os mistérios
da fé em seu idioma nativo, ou que
eles permaneçam na ignorância invencível.
15. Supongo también, que los términos Castellanos entremetidos con
los del lenguajes de los Indios, no
sólo son inútiles, mas también juntos confunden los unos la significación de los otros; a la manera que
si yo en Castilla dijese una oración,
interpolando voces Castellanas con
Mexicanas, Arábigas, o Griegas,
fuera ignorancia intolerable hacer
juicio de que me entendían hablando
a un tiempo en términos de diversos
idiomas; antes sí los unos fueron
obstáculo para la inteligencia de los
otros, en que no hay dudas.
15. Suponho, também, que as expressões Espanholas intrometidas
nas da língua dos Indígenas, não só
são inúteis, mas também juntas confundem o significado uma da outra;
de modo que se eu dissesse, em Castela, uma oração intercalando vozes
Espanholas com Mexicanas, Árabes
ou Gregas, seria ignorância intolerável minha julgar se me compreendiam falando expressões de vários
idiomas ao mesmo tempo; umas são
obstáculos para a compreensão das
outras, antes não há dúvida.
16. Mas no obstante que estos supuestos son tan evidentes, podrá replicar alguno, y decir, que en uno de
los Concilios Limenses hay precepto
para que en la traducción de la Doc-
16. Mas, a pesar dessas suposições
serem muito evidentes, alguns podem questionar, e dizer que num dos
Concílios Limenhos3 há um preceito
sobre a tradução da Doutrina Cristã,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
32
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
trina Cristiana, cuando falten términos de los lenguajes de los Indios, se
suplan con otros de la lengua Castellana: luego no obsta la interposición
de voces Castellanas con las de cualquier otro idioma de los Indios.
que quando faltem expressões da
língua dos Indígenas, se supram com
outras da língua Espanhola: logo
não impede a interposição de vozes
Espanholas com as de qualquer outro
idioma dos Indígenas.
17. Respondo, que el precepto del
Concilio tiene, en caso que en cualquiera idioma no se hallen términos
formales, o equivalentes con que
traducir, o explicar los misterios, y
demás cosas tocantes a la Doctrina
Cristiana, y así aunque no es obstáculo, en caso que no se hallen otros,
con ellos nunca se podrá conseguir
el que entiendan los misterios de la
Fe, lo cual es ajeno de duda.
17. Repito, que o preceito do Concílio tem, em qualquer idioma, no
caso de não encontrar expressões
formais ou equivalentes para traduzir ou explicar os mistérios, e demais coisas a respeito da Doutrina
Cristã, e mesmo sem dificuldade,
no caso de não encontrem outras,
com elas nunca poderá conseguir
que entendam os mistérios da Fé,
que são alheios à dúvida.
18. Lo segundo replicará, que es
caso recio instruir de nuevo una gente ruda, que está ya acostumbrada a
oír la Doctrina Cristiana mixta con
voces de la lengua Castellana que,
aunque no entienden, se les pueden
declarar con términos de su lengua.
18. Segundo, questionará que é
caso doloroso instruir de novo gente
rude que está já acostumada a ouvir a Doutrina Cristã misturada com
vozes da língua Espanhola que, embora não entendem, podem se manifestar com expressões de sua língua.
19. Respondo, que caso más recio
es, que estén toda la vida, y aún se
mueran sin entender algunos misterios, ni creerlos; y aunque se les
puedan explicar, no lo podrá hacer el
que no tuviera bastante comprensión
de las lenguas, ni el que sólo se aplica por cumplimiento, contentándose
19. Repito, o caso mais doloroso é
quando ficam a vida toda, e morrem, sem entender e nem crer em
alguns mistérios; e ainda que possam explicar-lhes, não poderá fazer aquele que não tiver bastante
compreensão das línguas, nem o
que se aplica somente aos cumpri-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
33
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
con que recen lo cotidiano, sin declararles más; y así es muy necesario,
que lo que rezan cotidianamente, sea
de suerte, que lo puedan entender
sin más explicación, siendo posible,
como lo es en esta lengua.
Lo tercero podrá replicar que las
palabras Dios, Jesuscristo, y Santa
María Virgen, de que se ha usado
en las primeras traducciones, no era
inconveniente que se dejasen por no
ocasionar novedad.
mentos, contentando-se que rezem
diariamente sem revelar-lhes mais;
e assim é necessário que rezem cotidianamente, e com sorte, possam
entender sem mais explicação, ainda possível, como é nesta língua.
E terceiro, poderá questionar que as
palavras Deus, Jesus Cristo e Virgem Maria, que foram usadas nas
primeiras traduções, não era inconveniente que permanecessem, por
não causarem novidade.
20. Respondo, que mayor inconveniente es que ignoren los misterios
que por ellas se dan a entender; y
que mayor novedad para los Indios,
es proponerles voces Castellanas,
que no son de su idioma, y que no
entienden, pudiendo, con las que
son de su idioma, darles a entender
lo que con dichas voces Castellanas
no se les puede declarar.
20. Repito, que o maior inconveniente é que ignorem os mistérios
que através delas podem entender;
e que a maior novidade é para os
Indígenas, ao proporcionar-lhes vozes Espanholas, que não são do seu
idioma, e não entendem, podendo,
com as que são do seu idioma, entender o que com ditas vozes Espanholas não podem manifestar.
21. Confirmase esta verdad, porque si lo que significa esta palabra,
Dios, nunca se les propone en términos de su lengua, tampoco podrán tener conocimiento de su significado, y consiguientemente no
podrán tener Fe del primer artículo,
que confiesa hay un Señor que es
Criador de todas las cosas. Lo mismo digo de la palabra Jesuscristo,
cuyo significado es ser Hijo de este
21. Confirma-se esta verdade, porque se o que significa esta palavra,
Deus, nunca se propõe em expressões de sua língua, também não poderão ter conhecimento de seu significado, e consequentemente não
poderão ter Fé da primeira verdade,
que admite haver um Senhor que é
Criador de todas as coisas. O mesmo digo de Jesus Cristo, cujo significado é ser Filho deste Criador, e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
34
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
Criador, y justamente de una Mujer
Virgen: todo lo cual se declara muy
bien con las palabras de mi traducción en el idioma de los Indios, lo
cual no podrá negar el que lo sabe.
justamente de uma Mulher Virgem:
tudo que se revela muito bem com
as palavras de minha tradução no
idioma dos Indígenas, o qual não
poderá negar aquele que sabe.
CAPÍTULO III
CAPÍTULO III
De algunas dudas sobre la primera De algumas dúvidas sobre a primeitraducción, de que consta más claro ra tradução, por consistir mais claro o importante desta última.
lo importante de esta última.
22. En la primera traducción de la
Oración del Pater noster, estaba
traducida la petición que dice: No
nos dejes caer en la tentación, en
esta forma: Amna quemamozpoy
machircom yau, las cuales palabras,
según su legítima significación, dicen: No nos hagas caer en pecados;
porque, quemamozpoy, significa:
No me hagas caer; lo cual así dicho, es absurdo y está condenado, como lo está esta proposición:
Deus est autor mali, y por eso en
mi traducción quité la dicha palabra, quemamozpoy, y en su lugar
puso Capoicac, que sin controversia significa apártame; y en la dicha
petición puse ahora, amna quenota
ptek, imachtapra quivechetcom, que
quiere decir, ampáranos o defiéndenos para que no pequemos, que
es lo mismo que decir: no nos dejes
caeren en la tentación.
22. Na primeira tradução da Oração do Pater noster, estava traduzido o pedido que diz: Não nos deixes cair em tentação, nesta forma:
Amna quemamozpoy machircon
yau, as quais palavras, segundo
sua legítima significação, dizem:
Não nos faças cair em pecados;
porque, quemamozpoy, significa:
Não me faças cair; que dito assim, é absurdo e está condenado,
como já está esta afirmação: Deus
est autor mali, e por isso em minha
tradução tirei a dita palavra, quemamozpoy, e em seu lugar coloquei
Capoicac, que sem controvérsias
significa afaste-me; e no dito pedido coloquei agora, amna quenota ptek, imachtapra quivechetcom,
que quero dizer, ampara-nos ou defende-nos para que não pequemos;
que é o mesmo que dizer: não nos
deixes cair na tentação”.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
35
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
23. En la última petición se puso
esta palabra, amna quetupcak, que
quiere decir: vénganos, en que erró
el intérprete, pues no es lo mismo
decir líbranos, ni en todo el texto
de la oración se halla palabra que
denote venganza, y por eso quité la
dicha palabra quetupcack, y traduje
así capiocak com yaquer temeré curepra poy; lo cual, sin controversia
dice y apártanos de todo lo malo: lo
cual es muy conforme a la última
petición y ajeno de todo escrúpulo.
23. No último pedido foi colocada
esta palavra, amna quetupcak, que
quer dizer: venha a nós, que errou o
intérprete, pois não é o mesmo que
dizer livra-nos, nem em todo o texto
da Oração se encontra palavra que
denote vingança, e por isso tirei a
dita palavra quetupcack, e traduzi
assim: capiocak com yaquer temeré
curepra poy; que, sem controvérsia
diz, e afasta-nos de todo mal; que
está conforme ao último pedido e
alheio de todo escrúpulo.
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO IV
Resuévense algunas dificultades de Resolvendo algumas dificuldades da
la primera traducción del Símbolo primeira tradução do Símbolo da Fé
de la Fe.
24. La primera traducción del Símbolo de la Fe contenía graves dificultades; lo uno, por la falta de palabras, que se suplieron con las del
idioma Castellano; lo otro, por no
haber hallado en el lenguaje de los
Indios la palabra, que formalmente
significase el asenso del entendimiento, que es preciso para intimarles la obligación que tienen de asentir
a los divinos misterios que se les promulgan, y ejercitarlos en que hagan
actos de Fe. Acerca de lo cual es de
notar, que la ignorancia del dicho
verbo, ocasionaba en los Religiosos
24. A primeira tradução do Símbolo
da Fé tinha sérias dificuldades: uma,
pela falta de palavras, que preencheram com as do idioma Espanhol;
e outra, por não ter encontrado na
língua dos Indígenas a palavra que
formalmente significasse o consenso do entendimento, que é preciso
para lhes intimar da obrigação que
têm de aceitar os mistérios divinos
que promulgam, e exercitá-los para
que façam atos de Fé. A respeito
do que é para observar, que a ignorância do dito verbo ocasionava nos
Religiosos conversores discórdia e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
36
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
conversores discordia, y variedad;
y así sobre esta palabra, Credo in
Deum, para declarar la lengua de los
Indios, hubo tres traducciones, que
pondré con toda legalidad.
indiferença, e assim sobre esta palavra, Credo in Deum, para revelar
a língua dos Indígenas, houve três
traduções, que colocarei com toda
legalidade.
25. La primera decía: ure yehua
man Dios; la segunda: yehua mana
tehui quene Dios mana quaneren; la
tercera: ycatemaze Dios pueque; la
primera no declara más que, yo sé;
porque la palabra Dios, no la entendían los Indios; la segunda declara:
sé que hay uno sólo de verdad; la
tercera decía: tengo gusto o complacencia; de las cuales consta, que
aunque los Indios entendieran la
partícula Dios, se infiere, que sólo
podían hacer estos actos, se, o conozco que hay un Dios, o conozco
que hay un Dios verdaderamente;
y finalmente tengo gusto o complacencia en Dios, porque la palabra
yechuamana, según su verdadera
significación, no es otra cosa que
conozco o sé; y la palabra ycatemaze, no significa otra cosa, que
gustar o tener complacencia, y en
todo rigor sólo significa gustar con
el paladar.
25. A primeira dizia: ure yehia
man Dios; a segunda: yehua, man
tehui quene Dios mana quaneren;
a terceira: Ycatemaze Dios pueque;
a primeira não revela mais que eu
sei; porque a palavra Deus, os indígenas não a entendiam; a segunda
revela: Sei que há uma só verdade;
a terceira dizia: tenho gosto ou condescendência; do qual consiste que,
embora os indígenas entendessem a
partícula Deus, infere-se que só podiam fazer esses atos se, eu conheço que há um Deus, ou com toda
a verdade eu conheço que há um
Deus; e finalmente tenho gosto ou
condescendência em Deus, porque
a palavra yechuamana, segundo seu
real significado, não é outra coisa
que conheço ou sei; e a palavra
ycatemaze não significa outra coisa
senão gostar ou ter condescendência, e com todo rigor, significa apenas sentir com o paladar.
26. Los dichos tres modos de explicar o de interpretar la palabra
Creo en Dios, los excluí por las
razones que se siguen; la primera,
26. Os três ditos modos de explicar
ou de interpretar a palavra Creio
em Deus, os excluí pelas razões que
seguem: a primeira, porque a pala-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
37
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
porque la palabra yechuamana, sólo
significa cualquier conocimiento o
simple noticia del objeto, sea cierta o probable; ac sit est, que el tal
conocimiento no es el asenso que
llaman las escrituras acto de Fe actual, como no lo son el conocimiento científico ni opinativo, si son incompatibles, circa idem obiectum,
en un entendimiento: luego la tal palabra no era conveniente, pues por
ella no se expresaba el acto de Fe
necesario en cualquier adulto para
la justificación.
vra yechuamana significa somente
qualquer conhecimento ou simples
informação do obstáculo, seja certo ou provável; ac sit est, que o tal
conhecimento não é o consenso do
que chamam as escrituras ato de
Fé atual, como não o são o conhecimento científico nem dogmático,
se são incompatíveis, circa idem
objectum, num entendimento: a tal
palavra não era conveniente, pois
por ela não se expressava o ato de
Fé necessário para a santificação da
fé de qualquer adulto.
27. Confirmase esta razón; porque
también los gentiles filósofos tuvieron conocimiento de un Dios, y los
Mahometanos de que hay Cristo; y
es cierto que los tales no tuvieron ni
tienen Fe; luego para creer en los
misterios no basta cualquier noticia o conocimiento de ellos sin el
asenso especial; luego no habiendo
término propio que en este idioma
lo signifique, implica que los Indios
puedan hacer actos de Fe acerca de
los divinos misterios que se les promulgan.
27. Confirma-se esta razão; porque
também os filósofos pagãos tiveram conhecimento de um Deus, e
os maometanos da existência de
Cristo; e é certo que esses não tiveram nem tem Fé; pois para crer
nos mistérios não basta qualquer
notícia ou conhecimento sem o
consenso especial; portanto, não
havendo termo próprio significativo neste idioma, implica que os
Indígenas possam fazer atos de Fé
acerca dos divinos mistérios os que
são divulgados.
28. Confirmase lo segundo; porque
también los Indios infieles, y pertinaces, preguntados de los misterios,
responden que los saben mediante el
continuo uso que tienen de oírlos, y
28. Confirma-se o segundo; porque
também os Indígenas infiéis e pertinazes, perguntados sobre os mistérios, respondem que sabem através
da contínua prática ao escutá-los, e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
38
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
dicen yehuamana; at sic est, que los
tales no asienten a ellos, ni tienen
Fe; luego es señal manifiesta de la
tal palabra no significa el tal asenso.
dizem yehuamana; at sic est, pois os
tais mistérios não são aceitos por eles,
nem tem Fé; então é obvio que esta
palavra não significa o tal consenso.
29. Consta de la definición de la Fe,
que pone y explica muy bien Nicolao Turlo: Fides est domun Dei, ac
lumen quo illustratos homo firmiter
assentitur ómnibus quae Deus revelavit, & nobis credenda proposuit,
seva illa scripta sint, sive non sint.
Turlot in Thesaur. I, part. cap. I.
Luego otro conocimiento o noticia
que no sea este indubitable, y firme
asenso de los misterios revelados,
no es acto de Fe; de que se convence que si no se procura indagar en el
idioma de los Indios término o verbo
que lo signifique, ni podrá constar
si lo dan a lo que se les propone, ni
tampoco instruirlos en la obligación
que tienen de creer.
29. Consta da definição da Fé, que
coloca e explica muito bem Nicolao Turlo: Fides est domun Dei, ac
lumen quo illustratos homo firmiter
assentitur ómnibus quœ Deus revelavit, & nobis credenda proposuit,
seva illa scripta sint, sive non sint.
Turlot in Thesaur. I, part. cap. I.
Logo, outro conhecimento ou notícia que não seja este indubitável e
firme consenso dos mistérios revelados, não é ato de Fé; daí se convence que, se não se procura indagar o que significa no idioma dos
Indígenas o termo ou verbo, não
poderá constar se oferecem o que se
propõe, muito menos instruí-los na
obrigação que tem de crer.
30. Contra estas razones hay una réplica fuerte del cap. 17 de San Juan,
que dice: Hoec est vita aeterna ut
cognoscant te solum Deum verum,
& quem missisti Jesum Christum.
Jeann 17, v. 3. Luego el conocimiento de un Dios verdadero, y del
mediador, es lo mismo que el acto
de Fe de que vamos hablando.
30. Contra estes raciocínios há uma
réplica forte do cap. 17 de São João,
que diz: Hoec est vita aeterna ut
cognoscant te solum Deum verum,
& quem missisti Jesum Christum.
Jeann 17, v. 3. Logo, o conhecimento de um Deus verdadeiro, e do
mediador, é o mesmo que o ato de
Fé de que estamos falando.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
39
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
31. Respondo que el conocimiento
de que habla este texto no es cualquiera, sino aquel que se tiene por
la Fe, que es el asenso indubitable y
firme acerca de los misterios revelados. Consta, porque no puede ser
conocimiento opinativo, ni científico, aunque sea sobrenatural, que los
bienaventurados tienen conocimiento intuitivo de los misterios creíbles,
y no tienen Fe de ellos, ni la pueden
tener; y los herejes opinan sobre algunos artículos y dogmas de Fe y
en los tales no hay Fe de ellos, sino
conocimiento dudoso y opinativo, y
así aquella palabra cognoscant del
Texto de San Juan, se debe explicar
con otras muchas que hay en la Escritura Sagrada, que explican más
claramente el asenso de la Fe.
31. Repito que o conhecimento de
que fala este texto não é qualquer outro, senão aquele que se tem pela Fé,
que é o consenso indubitável e firme acerca dos mistérios revelados.
Consta, porque não pode ser conhecimento dogmático nem científico,
mesmo que sobrenatural, que os
bem-aventurados tem conhecimento
intuitivo dos mistérios críveis e não
tem Fé neles, nem poderiam ter; e
os hereges opinam sobre alguns artigos e dogmas de Fé, mas neles não
existe Fé, só conhecimento duvidoso
e dogmático, e assim aquela palavra
cognscant, do Texto de São João,
se deve explicar com outras muitas
que há na Escritura Sagrada que explicam mais claramente o consenso
da Fé.
32. Declaro más mi intento con lo
que sucede en la Fe humana, que
aunque tengamos noticia de algunas
cosas que nos cuentan las historias,
sucede que no asentimos a ellas ni
les damos crédito, o porque tienen
alguna dificultad, o por no comprender su posibilidad, y no repugnancia: luego es cierto y notorio que
no es lo mismo tener noticia de la
cosa, que asentir a ella o creerla.
Parificando ahora nuestro asunto,
digo que los Indios bien pueden tener noticia de los misterios que se
32. Declaro, sem mais, minha intenção sobre o que acontece na Fé
humana, embora tenhamos notícia
de algumas coisas que as histórias
nos contam, acontece que não as
consentimos nem lhes damos crédito, ou porque elas têm alguma
dificuldade, ou por não compreender sua casualidade, e não aversão:
então, é certo e notório que não é
o mesmo ter notícia da coisa que
consentir com ela ou nela crer. Parificando agora nosso assunto, digo
que os Indígenas bem podem ter
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
40
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
les predican, y el conocimiento de
ellos, que se les administra por la
enseñanza cotidiana, y con ésta perseverar incrédulos, y sin asentir a
ellos, como sucede; luego la Fe no
es cualquiera noticia o conocimiento, sino especial, cuya obligación
es preciso dársela a entender en su
idioma.
informação dos mistérios que pregam, e o conhecimento deles, sacramentado pelo ensino cotidiano,
e com este permanecer incrédulos,
sem consentir a eles, como acontece; logo, a Fé não é qualquer notícia
ou conhecimento, senão especial,
cuja obrigação era preciso dar-se a
entender em seu idioma.
33. La necesidad de este asenso
consta claramente de aquellas palabras de San Pablo en la Epístola ad
Hebreos adonde dice: Accedentem
ad Deum oportet credere quia est.
Ad Hebr. II. Adonde es de notar que
no dice oportet, scire, vel cagnoscere; y en esto se fundan los Teólogos con Santo Tomás 2. 2. 9. 6 art.
I, para probar la necesidad de este
asenso, tomado en rigor, no por la
conexión ni orden de las dos potencias, según le pareció á Cayetano,
sino como dijo el sutil Doctor: Quia
Deus hune actum potius quam alium
aceptavit. Scotus in 3. d 24. Que la
necesidad de este asenso de Fe stricto, es porque Dios aceptó este acto y
no otro para la justificación. Y así el
Concilio Tridentino dice que sin él
es cosa imposible agradar a Dios, ni
justificarse el hombre: Sine qua (suple fide) nulli unquam continit iustificatio. Trid. Sess. 6 art. I. Luego
sin el asenso que es rigorosamente
33. A necessidade deste consenso
consta claramente daquelas palavras
de São Paulo na epístola ad Hebreos que diz: Accedentem ad Deum
oportet credere quia est. Ad Hebr.
II. Ao notar que não se diz oportet, scire, vel cagnoscere; e nisto se
fundamentam os Teólogos com São
Tomás 2. 2. 9. 6 art. I, para provar a necessidade deste consenso,
tomado em rigor, não pela conexão
nem pela ordem dos dois potenciais,
segundo pareceu a Cayetano, senão
como disse o sutil Doutor: Quia
Deus hune actum potius quam alium
aceptavit. Scotus in 3. d 24. Que a
necessidade deste consenso de Fé
stricto, é porque Deus aceitou este
ato e não outro para a santificação
da fé. E assim o Concílio Tridentino
disse que sem ele é impossível agradar a Deus, e nem o homem se elevar na fé: Sine qua (suple fide) nulli
unquam continit iustificatio. Trid.
Sess. 6 art. I. Logo, sem o consen-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
41
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
Fe, ningún adulto se puede justificar aunque tenga noticia y conocimiento de los misterios. Es doctrina
de San Agustín, citado del Maestro
de las Sentencias por las siguientes
palabras.
so que é rigorosamente Fé, nenhum
adulto pode se santificar mesmo
que tenha notícia e conhecimento
dos mistérios. É doutrina de Santo
Agostinho, chamado de Mestre das
Sentenças pelas seguintes palavras.
34. Dice así en el lugar de la margen § Post hoc quœri solet. lit. C.
cum fides sit de non aparentibus, &
non visis, otrum etiam sit de incognitis tantum? Si enim est de incognitis tantum, & de his videtur ese tantum que ignorantur, in 3. d. 24. Y
más abajo: Sciendum est quod cum
vissio alia sit interior, ulia exterior,
non est fides de subiectis exterior
visioni, est tomen de his, quœ vissu
exteriori, utumque capiuntur; quia
cum fides sit exauditu non modo exteriori non potest ese de eo, quod
omnimo ignoratur. Y concluye, diciendo: Nemo tamen potest credere
in Deum nisi aliquid intelligat, cum
fides sit ex auditu prœdicationis.
34. Assim disse na nota do texto §
Post hoc quœri solet. lit. C. cum fides sit de non aparentibus, & non
visis, otrum etiam sit de incognitis
tantum? Si enim est de incognitis
tantum, & de his videtur ese tantum
que ignorantur, in 3. d. 24. E mais
abaixo: Sciendum est quod cum vissio alia sit interior, ulia exterior,
non est fides de subiectis exterior
visioni, est tomen de his, quœ vissu
exteriori, utumque capiuntur; quia
cum fides sit exauditu non modo exteriori non potest ese de eo, quod
omnimo ignoratur. E conclui, dizendo: Nemo tamen potest credere
in Deum nisi aliquid intelligat, cum
fides sit ex auditu prœdicationis.
35. De esta doctrina se concluye
con toda claridad, no solo que la Fe
no es cualquier conocimiento, sino
que a ella se supone conocimiento
y noticia del misterio creíble, porque repugna que se crea lo que totalmente se ignora; y también que
si a los Catecúmenos no se les instruye después de darles a entender
35. Conclui-se desta doutrina, com
toda clareza, não apenas que a fé
não seja qualquer conhecimento,
mas que a ela se supõe conhecimento e notícia do mistério crível, porque é contraditório crer naquilo que
se ignora totalmente; e também que
se os Catecúmenos não são instruídos, depois de dar-lhes a entender
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
42
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
las cosas de la Fe, en que asientan a
ellas, no las creerán, como sucede,
habiéndoselas promulgado muchas
veces que aún perseveran dudosos
o incrédulos.
as coisas da Fé, em que consentem com elas, não as crerão, como
acontece, havendo-as promulgado
muitas vezes que ainda permaneçam
duvidosos ou incrédulos.
36. La otra palabra, ycatemaze, es
aún más ajena del intento, porque
solo significa gustar con el paladar,
y aunque significase también la complacencia en los misterios que se les
predican, o la pia afección, no se extiende ni se puede extender a más,
ni a significar el asenso del entendimiento; y no hay duda que muchas
cosas se oyen con gusto, aunque no
se crean ni se les dé crédito: y así
el un modo ni el otro de interpretar
la palabra Credo del Símbolo, no se
puede usar, como bien ajenos de significar el asenso formal.
36. A outra palavra ycatemaze, é ainda mais distante do propósito, porque
somente significa sentir com o paladar, e mesmo que significasse também complacência nos mistérios que
pregam, ou a piedosa afeição, não se
estende nem pode se estender mais,
nem significar o consenso de entendimento; e não há dúvida que muitas
coisas se ouvem com prazer, mesmo
que não creiam nem deem crédito: e
assim, nem de um modo nem de outro se interpreta a palavra Credo do
Símbolo, como longe de significar
consenso formal, não se pode usar.
CAPÍTULO V
CAPÍTULO V
De los verbos que en lengua de los Dos verbos que na língua dos Indígenas de Piritu significam crer
Indios de Piritú significan creer
37. Con la variedad que dejo explicada en el capítulo antecedente,
corrió algunos años la cotidiana instrucción de los Indios, usando cada
Religioso de aquellas voces que le
parecían más aparentes en grave
perjuicio de la conformidad que deben tener en las Doctrinas los Mi-
37. Com a diversidade que deixo
explicada no capítulo anterior, decorreu alguns anos a instrução cotidiana dos Indígenas, e cada Religioso usou daquelas vozes que lhe
pareciam o mais aparente grave
prejuízo em conformidade presente
nas Doutrinas dos Ministros Evan-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
43
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
nistros Evangélicos entre infieles; gélicos entre os infiéis, que é tão
lo cual es tan necesario cuanto da a necessário quanto dá a entender o
seguinte caso.
entender el siguiente caso.
38. Entraron en un reino ciertos Religiosos con ánimo de predicarles la
Fe a los naturales, que eran idólatras,
y como entre los hombres (por timoratos que sean) nunca deja de haber
variedad de dictámenes, parece que
entre los tales le hubo acerca de proponer a los infieles los misterios de
la Fe; y como esta materia ocasionase entre ellos alguna discordia,
y llegase a noticia del Rey, guiado
de la razón natural, los llamó y dijo
que se saliesen de su Reino y que
después que estuviesen conformes
podían volver a predicarles. Caso
cierto bien particular y que persuade
cuán importante es el que haya con
formidad en las Doctrinas entre los
Ministros para evitar sospechas entre
los infieles y que se logre con paz el
fruto de la predicación.
38. Entraram em um reino certos
Religiosos com ânimo de pregar a
Fé aos naturais, que eram idólatras,
e como entre os homens (por hesitantes que sejam) nunca deixa de haver diversidade de opiniões, parece
que entre eles ocorreu a respeito de
propor aos infiéis os mistérios da
Fé; e como este assunto ocasiona
entre eles alguma discórdia, como a
informação sobre o rei, guiado pela
razão natural, os indígenas os chamou e disse-lhes que saíssem de seu
reino e que depois que estivessem
de acordo, poderiam voltar a pregar. Este caso, bem particular, que
induz o quão importante é que esteja
em conformidade com as Doutrinas
entre os Ministros para evitar suspeitas entre os infiéis e que se alcance com paz o fruto da pregação.
39. En atención de lo importante
que es esta materia, la primera vez
que me hicieron Superior de la conversión de Piritú, encargué a todos
los Religiosos encomendasen a Dios
este negocio y después, juntos todos,
y habiendo implorado el divino espíritu en una Misa que se cantó, los
Indios más capaces e intérpretes de
39. Em atenção à importância desta
matéria, na primeira vez que me fizeram Superior da conversão de Piritu, encarreguei a todos os Religiosos
que recomendassem a Deus este empreendimento e depois, todos juntos
e tendo implorado o divino espírito
em uma Missa em que se cantou, os
Indígenas mais capazes e intérpretes
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
44
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
mayor satisfacción, habiendo conferido entre sí este punto, declararon
dos verbos, que formalmente en su
idioma significan creer; el uno es;
ymoromaze, el otro, huecmaze; este
último, dijeron declaraba el asenso
del entendimiento entre la nación de
los Indios Cumanagotos, y que el
primero es más general en aquella
Provincia, y significa lo mismo.
de maior satisfação4, tendo conferido
entre si este ponto, declararam dois
verbos que formalmente em seu idioma significam crer; um é; ymoromaze, o outro, huecmaze; este último,
disseram que declarava o consenso
do entendimento entre a nação dos
Indígenas Cumanagotos, e que o primeiro é mais comum naquela Província e significa o mesmo.
40. Conformes en este sentir y gozosos de haber hallado la margarita escondida, salimos todos de la junta y
después varios lances y pruebas que
cada uno ha hecho, han asegurado
la significación de dichos verbos, y
con especialidad el primero de que
por más común he usado en mi traducción. La primera prueba la tuve
yo en una ocasión que se levantaron
a los montes cantidad de Indios infieles, y compadecido de su miseria
y ceguedad, les envié un mensajero
que les amonestase se volviesen a
oír la palabra de Dios, con aquellas
razones que el Señor me dio a entender, y habiendo vuelto el dicho mensajero sin conseguir nada, me dijo:
ymoromaora metateu maimur. Esto
es, oyeron mi embajada y no la creyeron: no pudo suceder el lance más
a propósito para prueba de la significación del dicho verbo ymaromaze.
40. Resignes neste sentir e júbilo de
ter achado a margarida escondida,
saímos todos da reunião e após vários
casos e provas que cada um fez, asseguraram o significado de determinados verbos, especialmente destes primeiros, que mais comumente uso em
minha tradução. A primeira prova eu
tive quando em uma ocasião em que
se levantaram aos montes quantidades
de Indígenas infiéis, e compadecido
de sua miséria e cegueira, lhes enviei
um mensageiro que lhes admoestasse
para se voltarem a ouvir a palavra de
Deus, com aquelas razões que o Senhor me deu como entendimento, e
tendo voltado o dito mensageiro sem
conseguir nada, me disse: ymoromaora metateu maimur. Isto é, ouviram
minha proposição e não acreditaram
nela: não posso proceder o caso mais
propício como prova do significado
do dito verbo ymaromaze.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
45
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
41. Otro lance se sucedió al venerable Padre Fray Sebastián Delgado,
a quien los Indios Guarives quitaron
la vida por predicarles la Fe, el cual
estando en cierta ocasión predicando, notó haberse levantado un infiel, llamado Guaicai, y dijo en voz
clara estas palabras: Timoromateu
imainur, esto es, no crean su doctrina de éste, y es sin duda, que en la
ocasión no pudo entenderse en otro
sentido la dicha razón; y el mismo
juicio hizo de ella el dicho Padre Fr.
Sebastián, a quien oí el caso, según
queda referido. Otras muchas experiencias omito por la brevedad.
41. Outro caso sucedeu ao venerável Padre Frei Sebastián Delgado, a
quem os indígenas Guarives tiraram
a vida por pregar-lhes a Fé, o qual
estando em certa ocasião pregando,
notou que um infiel tinha se levantado, chamado Guaicai, e disse em
voz alta estas palavras: Timoromateu imainur, isto é, não acreditem
na doutrina dele, e sem dúvida,
na ocasião não pude entender com
outro sentido a referida razão; e o
mesmo juízo fez dela o dito Padre
Fr. Sebastián, de quem ouvi o caso,
como referido. Outras muitas experiências omito pela brevidade.
42. Concluyo esta materia con decir que el Religioso que se ocupare
en la Conversión de los infieles,
debe tener especialísimo cuidado,
y estudio en la inteligencia de los
idiomas, y observar los lances particulares en que los tales se dan más
a entender: es muy importante porque en ellos se suelen comprender
algunas veces muy propias y formales para persuadirlos en las cosas
tocantes a la Fe, y buenas costumbres; y adviertan que es ignorancia
muy crasa presumir que los han de
convencer con razones que no sean
de su idioma, y según su genio y
práctica; y que hablarles en lengua
Castellana será lo mismo que predi-
42. Concluo esta matéria ao dizer
que o Religioso que se ocupar na
Conversão dos infiéis, deve ter especialíssimo cuidado, e estudo na
compreensão dos idiomas, e observar os casos particulares, os que são
mais claros para entender; é muito
importante porque neles se costumam compreender algumas situações muito próprias e formais para
persuadi-los nas coisas tocantes à
Fé e bons costumes; e advirtam que
é ignorância muito crassa presumir
que os convencerão com raciocínios que não sejam de seu idioma,
e segundo sua índole e prática, e
que falar-lhes em língua Espanhola
será o mesmo que falar com surdos;
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
46
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
car á sordos; y cierto, es gravísimo
desconsuelo vivir entre gente cuyo
idioma no se entiende; mas no se
aflija ninguno, aunque pasen algunos años sin poderles hablar, que
con el favor de Dios, poniendo un
poco de cuidado, se consigue y
cada día con el uso de oírlos y hablarles, se hace más fácil. Hubo un
Religioso Lego en esta conversión,
llamado Fr. Juan Villegas, que era
un bendito varón y al parecer inepto
y muy tosco; éste con la costumbre
de andar con los Indios en el monte y en las demás funciones que se
ofrecían, llegó a comprender tanto
el lenguaje de dichos Indios, que no
se diferenciaba de ellos cuando hablaba. Este Santo Religioso padeció
martirio entre los Indios Guarives,
en compañía del Venerable Fray
Sebastián Delgado, de quien hice
mención atrás. Y habiendo ido por
su cuerpo pasadas ya más de treinta
horas que lo mataron, arrojó gran
cuantidad de sangre por una de las
heridas que tenía en el pecho. Glorificado sea Dios en sus siervos.
Brevísima explicación de los Artículos de la Fe, preceptos del Decálogo y Sacramentos de la Santa
Iglesia de los Indios de Piritú.
por certo, é desconsolo gravíssimo viver entre gente cujo idioma
não se entende; mas não se aflija,
mesmo que passe alguns anos sem
poder falar-lhes, pois com a graça
de Deus e tendo um pouco de cuidado, se consegue, e a cada dia com
o hábito de ouvi-los e lhes falar, se
faz mais fácil. Houve um Religioso Leigo nesta conversão, chamado
Fr. Juan Villegas, que era um varão
abençoado, e de aparência inapta e
muito tosca; este, com o costume de
andar com os Indígenas no monte
e nas demais funções que o ofereciam, chegou a compreender tanto
a língua dos referidos Indígenas que
não se diferenciava deles quando
falava. Este Santo Religioso sofreu
martírio entre os Indígenas Guarives, na companhia do venerável Fr.
Sebastián Delgado, a quem fiz menção anteriormente. E tendo passado
seu corpo já mais de trinta horas que
o haviam matado, derramou grande
quantidade de sangue por uma das
feridas que tinha no peito. Glorificado seja Deus em seus servos.
Brevíssima explicação dos Artigos
da Fé, preceitos do Decálogo e Sacramento da Santa Igreja dos Indígenas de Piritu
43. Lo que dejamos traducido hasta 43. O que deixamos traduzido até
aquí es todo lo esencial que toca al aqui é tudo o que é essencial em rela-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
47
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
Catecismo, porque no es otra cosa
Catecismo o Cathechesis que una
declaración, o tradición de los misterios de la Fe, y Religión Cristiana,
propuestos con preguntas y respuestas, y así Catechista es lo mismo
que Maestro que instruye formando
preguntas, y Catecúmeno es el Discípulo que responde a las preguntas
que le hace el Maestro en el Catecismo o instrucción. Esta se usaba en
la primitiva Iglesia, no por escrito,
sino de palabra, porque no viniesen
los misterios de la Fe escritas a manos de los infieles, y con odio que
tenían a la Religión Cristiana, con
irrisión los conculcasen y profranasen. Tráelo así Nicolao Turlot en su
Tesoro núm. I. Turlot in Tesau, núm
I, y se colige de aquellas palabras de
San Pablo: Communicet autem is qui
càteáhiçatur Verbo ei, qui se catechiçat in ómnibus honis. Galat. 6.
ção ao Catecismo, porque não é outra coisa o Catecismo ou Catequese
que uma declaração ou tradição dos
mistérios da Fé e Religião Cristã,
propostos com perguntas e respostas, e assim Catequista é o mesmo
que Mestre, o qual instrui fazendo
perguntas, e Catecúmeno é o Discípulo que responde às perguntas que
o Mestre lhe faz no Catecismo ou
instrução. Isso se usava na Igreja
primitiva, não por escrito, mas por
palavra, para que os mistérios da
Fé não viessem escritas pelas mãos
dos infiéis, e com o ódio que tinham
da Religião Cristã, os violassem e
profanassem com escárnio. Assim o
traz Nicolao Turlot em seu Tesouro
núm. I. Turlot in Tesau, núm I, que
reúne com aquelas palavras de São
Paulo: Communicet autem is qui càteáhiçatur Verbo ei, qui se catechiçat in óminibus honis. Galat 6.
44. Consta lo antiguo del catecismo,
pues se ha usado en la iglesia desde
los tiempos de los Apósteles; y según
refiere el sobredicho Autor, los Sermones de aquellos primeros Maestros de la Fe no tenían más artificio
que el del Catecismo, con que brevemente instruían a los convertidos a
la Religión Cristiana. Imitaron a los
Apósteles San Cirilo Jerosolimitano
en sus Cateheses, San Agustín en su
44. Consta no antigo catecismo, pois
se tem utilizado na igreja desde os
tempos dos Apóstolos; e segundo se
refere o supracitado Autor, os Sermões daqueles primeiros Mestres da
Fé não continham mais recursos que
os do Catecismo, de maneira de brevemente instruíam os convertidos à
Religião Cristã. Imitaram os Apóstolos São Cirilo Jerosolimitano em
suas Catequeses, Santo Agostinho
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
48
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
libro de Catechizandis rudibus. Gregorio Nizeno en su oración magna
Catechistica, San Vicente Ferrer, de
quien escribe el Autor de su vida estas palabras: Neque duntaxat oetate
provectos subltmium rerum capaces,
sed etiam pueris certis horis ad se
vocatos institnebat, docens los quemadmadum se cruce signarent & Surius 5. April.
em seu livro de Cathechizandis rudibus. Gregorio Nizeno em sua oração magna Catequética, São Vicente
Ferrer, de quem escreve o Autor
estas palavras sobre sua vida: Neque
duntaxat œtate provectos subltmium
rerum capaces, sed etiam pueris certis horis ad se vocatos institnebat,
docens los quemadmadum se cruce
signarent & Surius 5. Abril.
Es de llorar, cierto, la miseria de
nuestros tiempos en que vemos a
los más de los Predicadores inventar cada día nuevos artificios en los
Sermones, más para el aplauso que
para la instrucción de sus oyentes,
despreciando el imitar a los Apóstoles, y siguiendo la artificiosa y
humana Sabiduría de que darán sin
duda estrecha cuenta: a los tales llama la Sagrada Escritura Nubes sin
agua: Nubes sine agua quœ á Ventis circumferuntur, Judoe. Epist.
Cathol. Porque así como las Nubes
que son estériles, y faltas de humedad para regar la tierra, no sirven, y con facilidad las desvanece
el viento; así son los Maestros que
su doctrina la componen de artificio mirando al aplauso y estimación
más que al aprovechamiento de las
almas; trabajan y se desvelan en
vano, y son del viento de la vanidad
del mundo arrastrados con facili-
É de chorar, com certeza, a
miséria de nossos tempos em que
vemos a maioria dos Pregadores
inventar cada dia mais artifícios
nos Sermões, mais para o aplauso
do que para a instrução de seus
ouvintes, depreciando a imitação dos
Apóstolos, e seguindo a artificiosa e
humana Sabedoria que, sem dúvida
nenhuma, prestarão conta: a estes a
Sagrada Escritura chama de Nuvens
sem água: Nubes sine agua quœ
á Ventis circumferuntur, Judoe.
Epist. Cathol. Porque assim como
as nuvens que são estéreis, e falta
humidade para regar a terra, não
servem, e com facilidade o vento
as desvanecem, assim são os Mestres que compõe sua doutrina com
artifício, objetivando ao aplauso e
estima mais que ao proveito das almas; trabalham e se revelam em vão
e são arrastados pelo vento da vaidade com facilidade, e assim amal-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
49
Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco
dad, y así malogran sus estudios y
con ellos no aprovechan a sí, ni a
los pueblos, de que nace tanta ignorancia como experimentamos de la
Doctrina Cristiana, y tan poca enmienda en los vicios, que van creciendo cada día más por esta causa.
diçoam seus estudos e com eles não
aproveitam a si nem aos povos, de
onde nasce tanta ignorância quanto
podemos experimentar na Doutrina Cristã, e tão pouco reparo nos
vícios, que vão crescendo cada dia
mais por esta causa.
45. Suponiendo ahora que el Catecismo que dejamos compuesto,
más es para instruir con brevedad a
la gente pequeña en los rudimentos
de la Fe y Doctrina Cristiana, para
explicarla con más extensión a los
Indios adultos, pondré en los párrafos siguientes una breve explicación,
de que se podrá valer el Religioso
conversor en las ocasiones que concurren, así Cristianos como infieles
a oír la palabra del Evangelio, para
explicarles algún misterio, o precepto, y concluirá su plática amonestándoles la obligación que tienen y
necesidad de creer y obrar lo que se
les enseña para que se salven y diga
con ellos el Acto de contrición, según está a la pág. 168, número 12.
45. Supondo agora que o Catecismo
que deixamos composto, é mais para
instruir com rapidez a pessoa pequena na Fé rudimentar e na Doutrina
Cristã; para explicá-la com mais
extensão aos Indígenas adultos, colocarei nos parágrafos seguintes uma
breve explicação, do qual se poderá valer o Religioso conversor nas
ocasiões que ocorrem, assim como
Cristãos e infiéis ao ouvirem a palavra do Evangelho, para lhes explicar
algum mistério, ou preceito, e concluir sua prática admoestando-lhes a
obrigação que têm e a necessidade de
crer e trabalhar no que lhes ensinam,
para que se salvem e digam com eles
o Ato de contrição, segundo está na
pág. 168, número 12.
Notas
1. Localizado na atual Venezuela oriental: estado Anzoátegui.
2. São Jerônimo: Óptimo Genere Interpretandi - Ad Pammachium, Epistula LVII
(396).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
50
Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento
3. Terceiro Concílio Limenho (1583 - 1584), Epistola do Concílio sobre a tradução
da Doutrina Cristã.
4. Satisfacción: “6. f. Rel. Una de las tres partes del sacramento de la penitencia,
que consiste en pagar con obras de penitencia la pena debida por las culpas
cometidas”. Diccionario de la Real Academia Española. https://dle.rae.es/
satisfacci%C3%B3n. Acesso em 10 de janeiro de 2021. E Satisfação: “[Teologia]
Ação de reparar um mal ocasionado a alguém; desculpa por um ato injurioso
direcionado a Deus”. Dicionário Online de Português. https://www.dicio.com.
br/satisfacao/. Acesso em 10 de janeiro de 2021.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021.
51
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84932
UMA TRADUÇÃO A SEIS MÃOS DO CAP. VIII DO
JOURNAL OF A PASSAGE FROM THE PACIFIC TO THE
ATLANTIC (1829), DE HENRY LISTER MAW
Tatiana de Lima Pedrosa Santos1
1
Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil/CNPq
Samuel Lucena de Medeiros2
2
Universidade do Estado do Amazonas/NIPAAM, Manaus, Amazonas, Brasil
Walter Carlos Costa3
3
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/
CNPq
Esta tradução tem origem em uma colaboração anterior entre
o então mestrando Samuel Lucena de Medeiros, sua orientadora
Tatiana de Lima Pedrosa Santos, professora do PPGICH/UEA e
Walter Carlos Costa, que orientou, junto com Andréia Guerini, a
missão de estudo de um mês de Samuel na PGET/UFSC, dentro
do PROCAD Amazônia, que congrega os programas Programa de
Pós-Graduação Em Estudos Antrópicos na Amazônia (PPGEAA/
UFPA/), Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências
Humanas (PPGICH/UEA) e Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET/UFSC).
Nessa missão, Samuel examinou o relato de viagem de CharlesMarie de La Condamine, intitulado Relation abrégée d’un voyage
dans l’intérieur de l’Amérique méridionale, depuis la côte de la mer
du Sud jusqu’aux côtes du Brésil et de la Guiane, en descendant la
rivière des Amazones – Lue à l’assemblée publique de l’Académie
des Sciences, le 28 avril 1745 - avec une carte du Maragnon
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa
ou de la rivière des Amazones, levée par le même e publicado
pelo Senado Federal brasileiro em 2000, sob o título Viagem na
América Meridional descendo o rio das Amazonas, em tradução da
Comissão do Projeto Coleção o Brasil visto por estrangeiros.
A partir do relatório de pesquisa do Samuel, houve uma primeira revisão e acréscimos ligados a questões de arqueologia e história
pela Tatiana e, em seguida, por Walter, com acréscimos em relação a questões de tradução cultural. O resultado final foi um artigo
a seis mãos, intitulado “Un voyage à travers les idées en Amazonie
au XVIIIe siècle: La Condamine, tradução e cultura”, publicado na
Cadernos de Tradução, da PGET/UFSC, v. 40 n. 2 (2020).
Quando soubemos que estavam organizando o número monográfico “Tradução de relatos de viagem sobre a Amazônia” da Cadernos de Tradução, decidimos retomar a parceria, trabalhando de
novo a seis mãos, de novo sobre o texto de um viajante, só que desta vez não apenas comentando mas também traduzindo um texto.
Como se sabe, a literatura de viagem de estrangeiros sobre a
Amazônia é abundante e grande parte dela ainda inédita em português. Assim, procuramos vários livros de viajantes, sobretudo
em inglês e francês. Entre os livros conhecidos da Tatiana e do
Samuel, que atuam juntos no Laboratório de Arqueologia Alfredo
Mendonça, na SEC/AM (Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas) foi Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic: Crossing the Andes in the Northern Provinces of
Peru, and Descending the River Marañon or Amazon, escrito por
Henry Lister Maw e publicado em 1829.
Do livro, que baixamos do site www.archive.org, escolhemos
o Capítulo VIII, por sua representatividade do conjunto e por sua
pequena extensão. Dividimos o trabalho de tradução do texto em
3, a primeira parte ficando com a Tatiana (pp. 214-222), a segunda
com o Samuel (pp. 222-230) e a última com o Walter (pp. 230239). Feitas as traduções, discutimos nossas respectivas escolhas
tradutórias e chegamos a uma solução de consenso.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
53
Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the...
Importância de Henry Lister Maw
Jennifer Speak, organizadora da Literature of travel and exploration an encyclopedia, situa o nosso viajante no contexto de seu
tempo e do gênero literatura de viagem no mundo anglo-americano, de maneira bastante precisa:
Três oficiais navais britânicos escreveram relatos divertidos
sobre a travessia dos Andes descendo para a Amazônia:
Henry Lister Maw em 1829, e William Smyth e Frederick
Lowe em 1835. O capitão da marinha americana William
Herndon fez uma viagem semelhante em 1850. (Speake
2003, 932)1
O relato de Lister Maw se enquadra também em um contexto
mais amplo, o dos viajantes europeus em um momento importante
da expansão colonial de alguns países recentemente industrializados, sobretudo Inglaterra e França. Do ponto de vista brasileiro,
corresponde igualmente a um interesse renovado das potências europeias em relação ao país, com destaque para a Amazônia.
Por seu lado, Mercedes Cárdenas Martín sublinha a importância
de Lister Maw no quadro dos viajantes ingleses ao Peru oitocentista:
Henry Lister Maw. – Marinheiro inglês, chegou a Lima
em 1827 como membro da tripulação do navio Menai, da
Marinha inglesa. Desejava percorrer nosso país a fim de
obter vários dados e observar os costumes. Quando seu
navio estava voltando para a Inglaterra, Maw solicitou uma
licença para ficar alguns meses no Peru.
1
“Three British naval officers wrote entertaining accounts of traversing the
Andes on their way to a descent of the Amazon: Henry Lister Maw in 1829, and
William Smyth and Frederick Lowe in 1835. The American naval captain William
Herndon made a similar journey in 1850.”
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
54
Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa
As autoridades peruanas concederam-lhe permissão para
fazer a viagem que planejara: ir de Lima ao Marañón. O
Arcebispo de Lima lhe pediu relatórios sobre os sacerdotes
e os povos da região, que ia visitar. Ele recebeu a documentação necessária para as autoridades o ajudassem em sua
jornada. Maw partiu de Lima em 27 de novembro de 1827,
quando chegou em Trujillo, um compatriota que falava bem
o espanhol se juntou a ele. A rota seguida foi: Trujillo,
Cajamarca, Chachapoyas, Marañón e Amazonas, no Brasil
embarcaram para a Inglaterra.
Antes de partir para sua pátria, Maw enviou às autoridades
peruanas os relatórios que conseguiu obter. Seu livro intitula-se: Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic
crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru and
descendingthe the River Marañon, publicado em 1829.2
Os detalhes fornecidos por Cárdenas Martín são confirmados
em diversas passagens do livro de Lister Maw e nos ajudaram a
compreender melhor a natureza de sua missão.
2
“Henry Lister Maw. -Marino inglés, llegó a Lima en 1827 como integrante de la
tripulación del barco Menai, de la Armada inglesa. Deseaba recorrer nuestro país
para obtener datos variados y observar las costumbres. Cuando su barco regresaba
a Inglaterra, Maw solicitó licencia para permanecer algunos meses en el Perú.
Las autoridades peruanas le concedieron permiso para hacer el viaje que proyectaba: ir de Lima hacia el Marañón. El arzobispo de Lima leencargó obtener informes sobre los sacerdotes y pueblos de la región, que iba a visitar. Recibió documentación necesaria para que las autoridadeslo ayudasen durante su recorrido.
Maw partió de Lima el 27 de noviembrede 1827, al llegar a Trujillo se le unió un
compatriota que hablaba bien el castellano. La ruta seguida fue: Trujillo, Cajamarca, Chachapoyas, Marañón y Amazonas, en Brasil se embarcaron con destino
a Inglaterra. Antes de partir a su patria, Maw envió a las autoridades peruanas los
informes que él pudo obtener. Su libro se titula : Journal of a passage from the
Pacific to the Atlantic crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru and
descendingthe River Marañón, publicado en 1829.”
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
55
Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the...
Dados biográficos
Não abundam os dados biográficos de Henry Lister Maw (18011874), mas foi possível retraçar alguns dados essenciais de sua vida
e obra através de um verbet do site WikiTree, baseado em uma
entrada despecializado em genealogia. O verbete, bastante completo, contém dados familiares, nascimento, formação e sua carreira
na Royal Navy, a Marinha Real britânica. Essa parte é a que traz
detalhes mais importantes para o nosso entendimento de seu livro
de viagem ao Peru e ao Brasil. Diz, entre outras coisas:
Henry Lister Maw (Tenente, 1825). Este oficial entrou na
Marinha em 11 de maio de 1818 e foi por algum tempo
Midshipman do Liffey 50, carregando o largo pingente nas
Índias Orientais do Comodoro Charles Grant, por quem,
durante a expedição à Ava, foi autorizado a atuar como
Ajudante de Acampamento Naval a Sir Alexander Campbell, Comandante-em-Chefe das tropas.
Enquanto oficiava nessa qualidade, ele parece ter sido empregado guarda do rio Rangoon, e ter realizado a 25 de junho de 1824 a destruição de duas embarcações incendiárias.
Em um ataque subsequente a uma forte estocada no rio
Dalla, foi sua desgraça, enquanto torcia por seus homens,
receber uma bola na cabeça - uma circunstância que o obrigou a retornar à Inglaterra em benefício de sua saúde.
Tendo sempre se distinguido, no entanto, por ‘uma série
de galhardetes’ exibindo a ‘mais conspícua e avançada bravura’ e sendo recomendado nos termos mais fortes pelo
Capitão Marryat, o oficial naval sênior da estação, ele foi
recompensado com uma comissão de tenentes datada de 25
de julho de 1825.
Suas nomeações seguintes foram - 2 de fevereiro de 1826
para o Harrier sloop, Capitão John Pakenham, na costa da
Irlanda - 7 de janeiro de 1827 e 2 de outubro de 1829 para
os Menai 26 e Volage 28, Capitães Michael Seymour e
Lord Colchester, ambos na estação sul-americana - e 3 de
dezembro de 1832 e 16 de julho de 1834 como Segundo
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
56
Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa
Tenente do Vernon 50 e Presidente 52, navios-bandeira de
Sir George Cockburn na América do Norte e nas Índias
Ocidentais. Ele não estava empregado desde 30 de agosto
de 1834.
Em 1830 Lieut Maw recebeu a grande medalha de prata da
‘Society for the encouragement of Arts, Manufactures and
Commerce’ para fragmentos & coletados por ele na América do Sul; e em julho de 1831 ele tirou a patente de uma
invenção de um método melhorado de uso de combustível,
de modo a queimar fumaça.
Em 1832 ele publicou uma Memória das Primeiras Operações da Guerra da Birmânia (WikiTree).3
3
Henry Lister Maw (Lieutenant, 1825). This officer entered the Navy 11 May
1818 and was for some time Midshipman of the Liffey 50, bearing the broad
pendant in the East Indies of Commodore Charles Grant, by whom, during
the expedition to Ava, he was allowed to act as Naval Aide-de-Camp to Sir
Alexander Campbell, Commander-in-Chief of the troops. While officiating in
that capacity he appears to have been employed in surveying the Rangoon river,
and to have effected 25 June 1824 the destruction of two fire-rafts. In an attack
subsequently made on a strong stockade on the Dalla river, it was his misfortune,
while cheering on his men, to receive a ball in the head – a circumstance which
obliged him to return to England for the benefit of his health. Having all along,
however, distinguished himself by “a series of gallantry” exhibitive of the “most
conspicuous and forward bravery” and being recommended in the strongest terms
by Captain Marryat, the senior naval officer on the station, he was rewarded with
a Lieutenant’s commission dated 25 July 1825. His succeeding appointments were
– 2 Feb 1826 to the Harrier sloop, Capt John Pakenham, on the coast of Ireland
– 7 Jan 1827 and 2 Oct 1829 to the Menai 26 and Volage 28, Capts Michael
Seymour and Lord Colchester, both on the South American station – and 3 Dec
1832 and 16 July 1834 as Second-Lieutenant to the Vernon 50 and President 52,
flag-ships of Sir George Cockburn in North America and the West Indies. He was
not employed since 30 August 1834. In 1830 Lieut Maw was presented with the
large silver medal of the “Society for the Encouragement of Arts, Manufactures
and Commerce” for fragments &c collected by him in South America; and in July
1831 he took out a patent for an invention of an improved method of using fuel,
so as to burn smoke. In 1832 he published a Memoir of the Early Operations of
the Burmese War.”
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
57
Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the...
Viajantes e formação de identidade
Cabe destacar a relação dos viajantes com a formação de identidade. Os viajantes, ao fazer as observações da realidade local
passam a interagir com um público cada vez maior que os recepciona como uma leitura obrigatória, já que pretensamente refletiria
as realidades locais. As traduções desses viajantes fazem parte da
leitura obrigatória dos que querem alargar seus conhecimentos em
relação à descrição daqueles que singraram e tiveram a oportunidade de descrever os rios da região pela primeira vez. A literatura
dos viajantes passa a fazer parte de nossas fontes primárias e nos
relegam uma série de “paradigmas incendiários” que são importantes na construção do ambiente amazônico durante o período colonial e imperial.
Henry Lister Maw não é diferente. Seu relato é importante e
representa um marco na literatura pela possibilidade de entrecruzamento interdisciplinar com os estudos desenvolvidos na história
e na antropologia e, principalmente, na arqueologia. Através de
seu relato, é possível encontrarmos descrições pormenorizadas do
ambiente amazônico, das populações que aqui se encontravam e
de seus produtos culturais. Dessa forma, acreditamos que seu manuscrito e sua respectiva tradução e principalmente popularização
possibilitará ferramentas para que se preencha lacunas na história,
antropologia e arqueologia da Amazônia. Henry Lister Maw ao
percorrer toda a Amazônia peruana e adentrar no Brasil em 1828,
dá conta de uma realidade amazônica que era diferente da que figurava simbolicamente como um lugar de prosperidade, de beleza
idealizada e referência de identidade nacional.
Ao destacar o capitulo VIII de seu relato, queremos antes de
tudo, destacar sua passagem por Tabatinga e sua relação com os
locais e o sistema embrionário de coleta e cultivo, bem como sua
descrição das etnias que habitavam a região, com destaque especial
para os Omáguas.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
58
Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa
Visibilidade da Amazônia e reedição de viajantes
A Amazônia está em evidência mundial e o livro de Henry Lister Maw voltou a ser atual. Depois de termos escolhido o livro de
Lister Maw e depois de intensas buscas sem resultado positivo,
concluímos que não havia nenhuma tradução para o português. No
entanto, em outubro de 2020, buscando mais dados sobre Henry
Lister Maw, acabamos encontrando uma tradução integral do texto. Encontramos outro dado, mais surpreendente ainda: essa edição
foi reimpressa recentemente por uma editora especializadas em reprints de raridades e está à venda na Amazon.uk.co, por £19.95,
em capa dura e em edição de bolso por £13.95. Atribuímos o fato
ao aumento do interesse internacional pela Amazônia, sobretudo na
Europa do Norte e nos Estados Unidos, particularmente entre os
meios sensíveis às mudanças climáticas. Continuamos procurando
e encontramos a edição integral original, disponível gratuitamente4.
Nos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, 188118825, encontramos duas referências bem precisas: sobre a obra
original de Henry Lister Maw, publicada em Londres, em 1829
e sua tradução para o português, por Antônio Julião da Costa, e
publicada em Liverpool em 1831.
1143. - Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing the Andes in the northern provinces of Peru,
and descending the river Marañon, or Amazon. By Henry
Lister Maw, &. London, John Murray,
1829, in-8.° (B. N.)
1144. - Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico,
a travez dos Andes nas provincias do Norte do Peru, e
descendo pelo rio Amazonas, até ao Para. Por Henrique
Lister Maw. Traduzida do inglez (por Antonio Julião da
4
Disponível em https://archive.org/details/journalofpassage00mawhrich?q=%22
henry+lister+maw%22+descending.
5
Volume IX, p. 24, disponibilizado on-line pela Fundação Biblioteca Nacional:
http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1881_A00009.pdf).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
59
Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the...
Costa). Liverpool, F. B. Wright, 1831, in-4.° com 1 ch. do
Amazonas. (B. N.)
Cabe assinalar dois fatos: a velocidade da tradução, publicada
apenas três anos depois do original e o nome do tradutor, ausente na
cópia digital que utilizamos. Para este artigo, não aprofundamos a
pesquisa sobre a tradução e o tradutor. No entanto, em uma pesquisa
preliminar, ficamos sabendo que António Julião da Costa foi cônsul
português em Liverpool e que realizou várias traduções, muitas delas,
como no caso do relato de viagem de Lister Maw, de forma anônima6. A própria grafia do nome do tradutor (Antonio, sem acento nos
Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, com acento agudo
no link do blog Escritores Lusófonos) sugere que era grande a comunicação entre autores brasileiros e portugueses durante o século XIX.
Já tínhamos realizado parcialmente a tradução do Cap. VIII da
obra de Lister Maw quando soubemos da existência da tradução
de António Julião da Costa. Resolvemos não fazer nenhum cotejo
nessa etapa. Uma vez finalizada a nossa tradução, procedemos a
um cotejo do Cap. VIII na tradução de Julião da Costa, que nos foi
bastante proveitosa para resolver alguns detalhes.
A escrita de Lister Maw
Henry Lister Maw fez uma importante viagem representando a
academia científica britânica, atravessando a Amazônia do Pacífico
ao Atlântico. Não menos importante foram os extensos registros
que realizou acerca do que viu ao percorrer o trajeto intracontinental. Sua escrita é rica em detalhes, ao mesmo tempo em que não
utilizou rebuscamentos na linguagem, apresentando as observações
de forma simples e, em alguns casos, de forma coloquial.
Para além de um relato puramente técnico e descritivo da viagem, o cronista parece transparecer um genuíno interesse em in6
https://escritoreslusofonos.net/2019/06/02/antonio-juliao-da-costa/.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
60
Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa
vestigar os pormenores de natureza cultural, científica, geográfica,
social, entre outras; aproxima-se do estilo de apreensão do ambiente
utilizado pelos clássicos filósofos naturalistas, quase que uma tentativa de registro geral, no que os sentidos puderam captar. Contudo,
diferente destes últimos, Henry Lister Maw consegue ultrapassar
incumbências da viagem pré-definidas, atentando para deixar registros que, da forma mais aproximada possível, fornecessem ao leitor
os elementos para a construção mental propriamente sua.
Podemos perceber o cuidado do naturalista na utilização de termos locais (seja em espanhol, português ou línguas indígenas) ao
fazer referência a significantes também locais.
Também recolheu o máximo de produções culturais que pôde,
como ferramentas, utensílios, remédios, derivados da flora e fauna
sul-americanas, entre outros, para análises e estudos no Reino Unido.
Em sua escrita, destaca-se a preocupação em traçar panoramas sociopolíticos dos lugares por onde passou, com ênfase no poder exercido por figuras e instituições locais, como a Igreja e as forças militares.
Tais instituições parecem sempre ter tido o domínio da região. Se no
século XIX os sacerdotes poderiam evocar segurança aos habitantes
próximos e atualmente são vistos como ameaça ao modo de vida de
etnias indígenas, como os Tikuna, os militares por ali permanecem
até hoje, sob o enunciado de proteger a porção brasileira da fronteira,
sem, no entanto, deixar de interferir em sua configuração tríplice.
Referindo-se ao Marañon, Pueblos, Alcade, indica que tinha
contato constante com o idioma espanhol; Galatea, Macaws, Maize, a relação mais próxima e confortável com o idioma materno;
Pucuna, Ocopa, Sarayacu, entre outros, mostrando a presença das
línguas indígenas no cotidiano dos fronteiristas de seu tempo, em
especial o Quíchua e o Tikuna.
Pode-se notar pela descrição detalhada de Maw acerca da chegada e partida de pessoas no porto fronteiriço, que a mobilidade
era a principal dinâmica que mantinha tanto o abastecimento de
mercadorias quanto de contato entre povoados distantes. O principal ator nesta dinâmica era o indígena, ainda que diferentes em sua
cultura e localização geopolítica.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
61
Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the...
O uso de termos que se aproximam dos atualmente utilizados,
como Tabitinga (Tabatinga), Havannah (Havana, capital e maior
cidade de Cuba), Tacuna ou Tecuna (Ticuna, ou Magüta, como
chamam a si mesmos), Japura (o Rio Japurá), Viranda (Varanda),
entre outros, registram a tentativa do cronista de transcrever de
forma precisa os vocábulos em idioma estrangeiro que ouvia.
Também recolheu o máximo de produtos que pôde, como ferramentas, utensílios, remédios, derivados de origem na flora e fauna
sul-americanas, entre outros, para análises e estudos na Inglaterra.
O valor dado a esses produtos era tão elevado na região quanto o
inferido pelos viajantes, e prova disso é o registro do autor sobre as
relações de trocas locais e os roubos ocasionais ao longo do curso
dos rios. A transformação da natureza acaba por conceder valor
ao bem derivado, enquanto que a sua origem, a própria natureza,
continua como cenário imutável e habitual ao desenvolvimento dos
fenômenos interativos humanos.
Acreditamos que a tradução que apresentamos a seguir pode
aumentar o interesse dos leitores pela obra de Henry Lister Maw,
cujas observações podem enriquecer o debate sobre a história, o
presente e o futuro da Amazônia.
Referências
Acuña, Cristóbal de. Nuevo Descubrimiento del Gran Río del Amazonas, el ano
de 1639. Iquitos: IIAP – CETA, 1986.
Animal Diversity Web. Chelonoidis carbonaria – Red-footed Tortoise. http://
animaldiversity.org/accounts/Chelonoidis_carbonaria/. Acesso em 04 de março
de 2021.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
62
Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa
Associação Amigos do Peixe-Boi. Peixe-boi-da-Amazônia. http://ampa.org.br/
especies/peixe-boi-da-amazonia/. Acesso em 07 de março de 2021.
L. B. Chetkiewicz, L. B. et al. “Planning to Save a Species: the Jaguar as a
Model”. Conservation Biology, 16 (2002): 58-72, 2002. DOI:10.1046/j.15231739.2002.00352.x. https://web.archive.org/web/20111005211413/http://www.
jaguarresearchcenter.com/The_jaguar.pdf. Acesso em 03 de janeiro de 2021.
Cárdenas Martín, Mercedes. “Tres viajeros ingleses en el Perú del siglo XIX”.
Boletín del Instituto Riva-Agüero nº. 07 (1966). http://repositorio.pucp.edu.pe/
index/handle/123456789/114013. Acesso em 03 de janeiro de 2021.
Daniel, João. “O Tesouro Descoberto do Rio Amazonas”. Separata dos Anais da
Biblioteca Nacional. v. 95, t. 1-2. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1975-76.
González Holguín, D. Vocabulario de la Lengua General de todo el Peru llamada
Lengua Qquichua o del Inca. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos,
1989 [1608]. (Edición facsimilar de la versión de 1952 a cargo de Raúl Porras
Barrenechea).
Henry Lister Maw RN (1801 - 1874). WikiTree https://www.wikitree.com/wiki/
Maw-122. Acesso em 03 de março de 2021.
Maw, Henry Lister. Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing
the Andes in the northern provinces of Peru, and descending the river Marañon,
or Amazon. London: John Murray, 1829.
Maw, Henry Lister. Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico, a travez doa
Andes nas provincias do Norte do Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Para.
Traduzida do inglez (por Antonio Julião da Costa). Liverpool: F. B. Wright, 1831.
Rodrigues, Jovenildo Cardoso; Rodrigues, Jondison Cardoso. “Relação
Sociedade-Natureza no pensamento geográfico: reflexões epistemológicas”.
Revista do Departamento de Geografia, v. 27, (2014): 211-232. https://www.
revistas.usp.br/rdg/article/download/85440/88259/120267. Acesso em 22 de
fevereiro de 2021.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
63
Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the...
Speake, Jennifer (Ed.). Literature of travel and exploration an encyclopedia.
Abingdon/New York: Routledge, 2003.
Way Back Machine Internet Archive. Descrição dos tipos de embarcações.
https://web.archive.org/web/20060719094416/http://www.brasilmergulho.com.
br/port/naufragios/descricao/index.shtml. Acesso em 20 de janeiro de 2021.
Tatiana de Lima Pedrosa Santos. E-mail: tatixpedrosa@yahoo.com.br. https://
orcid.org/0000-0002-4642-0444.
Samuel Lucena de Medeiros. E-mail: samuca_slm@hotmail.com. https://orcid.
org/0000-0002-0455-5877.
Walter Carlos Costa. E-mail: walter.costa@gmail.com. https://orcid.org/00000001-5853-0950.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021.
64
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84940
JOURNAL OF A PASSAGE FROM THE PACIFIC TO THE
ATLANTIC (CAP. VIII) (1829)
Henry Lister Maw
Tradução de:
Tatiana de Lima Pedrosa Santos1
1
Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil/CNPq
Samuel Lucena de Medeiros2
2
Universidade do Estado do Amazonas/NIPAAM, Manaus, Amazonas, Brasil
Walter Carlos Costa3
3
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/
CNPq
Maw, Henry Lister. Journal of
a passage from the Pacific to the
Atlantic, crossing the Andes in the
northern provinces of Peru, and
descending the river Marañon, or
Amazon. London: John Murray,
1829, Chapter VIII, pp. 214-239.
Maw, Henry Lister. Diário de
uma passagem do Pacífico para o
Atlântico, atravessando os Andes
nas províncias do norte do Peru,
e descendo o rio Marañón, ou
Amazonas. Londres: John Murray,
1829, Capítulo VIII, pp. 214-239.
CHAPTER VIII.
CAPÍTULO VIII.
Land at Tabitinga—Present passport
and British Consul’s letter to
Commandante of frontier—Assured
of our passage being facilitated—
Padre Bruno—Inquiries respecting
Aportando em Tabitinga – Apresentação de passaporte e carta do Cônsul
britânico para o Comandante da fronteira – Garantia da nossa passagem
com facilidade – Padre Bruno – In-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
65
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
Peru—Quarters—Conversation
relative to the new Commandante,
and our proceeding—Indian festival—
Drs. Spix and Martius—Canoe and
Indians from the Ucayali—Paths and
chacras in the woods—Indian mode
of clearing ground—Description
of Pueblo and Indians—Pucuna
poison—Commandante’s
equivocation—Visits to Padre—
Peruvian’s engagement with a tigre—
Sarsaparilla—Parrots, land tortoises,
and monkeys —Vaca marina—Skin
of Tapir.
dagações a respeito do Peru – Alojamentos – Conversas em relação ao
novo Comandante e nosso procedimento – Festa indígena - Drs. Spix
e Martius - Canoa e índios do Ucayali – Caminhos e chacras na floresta - Modo indígena de limpar o terreno - Descrição de Pueblo e índios
– Veneno de pucuna — O equívoco
do Comandante– Visitas ao Padre –
Engajamento de um peruano com um
tigre – Salsaparrilha – Papagaios, tartarugas terrestres e macacos – Vaca
marina – Pele de Tapir.
At daylight, on Thursday, 31st
January, we came in sight of
Tabitinga, the frontier post of
Brazil, situated on a high and abrupt
part of the left or northern bank of
the Marañon, where the river runs
in a single channel, about threequarters of a mile broad. We were
hailed by a sentry from a look-out
post that was raised on four piles;
and having answered who we
were, and where from, landed to
communicate with the governor,
or, as he was some-times called,
commandante of the frontier.
Ao amanhecer, na quinta-feira, 31
de janeiro, avistamos Tabitinga1,
o posto de fronteira do Brasil, situado em uma parte alta e abrupta
da margem esquerda ou norte do
Marañon, onde o rio corre em um
único canal, cerca de mil e duzentos
metros de largura. Fomos saudados
por uma sentinela de um posto de
vigia erguido em quatro estacas;
e, respondendo quem éramos e de
onde, desembarcamos para nos comunicarmos com o governador, ou,
como às vezes era chamado, comandante da fronteira.
On reaching the commandante’s
house, I showed him the British
Consul’s letter, with my Peruvian
passport, and Mr. Hinde presented
Ao chegar à casa do comandante,
mostrei-lhe a carta do cônsul britânico, com meu passaporte peruano, e o Sr. Hinde apresentou seu
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
66
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
his passport. When he had read
them, we requested to know
whether there was any obstacle to
our proceeding to Para, and we were
told none; on the contrary, me were
assured that every facility would be
afforded us, and were led to suppose
that the difficulties of the passage
were in a great measure at an end;
in which supposition, however, we
afterwards found ourselves woefully
disappointed. We next inquired
by what means we should be able
to proceed, and were told that a
boat would be got for us; or, if the
commandante’s successor, who was
hourly expected, arrived before we
started, we might accompany the
present commandante in a large
boat or small river craft that was
lying in the port. Some coffee was
then offered to us. Quarters were
to be provided for us; and we were
introduced to a padre who came in,
of whom we afterwards saw much,
and whom we found to possess
more general information than
most persons we had met with on
the passage. His name was Bruno.
He was a native of Havannah, had
left Peru during the disturbances of
the revolution, and had waited at
the frontier to see what would be
the result of the contest. While at
Tabitinga he performed the church
passaporte. Depois que ele os leu,
pedimos para saber se havia algum
obstáculo a prosseguirmos para o
Pará, e nenhum foi informado; pelo
contrário, foi-me assegurado que
todas as facilidades nos seriam concedidas e fui levado a supor que as
dificuldades da passagem estavam
em grande parte terminando; em
cuja suposição, entretanto, ficamos
depois terrivelmente desapontados.
Em seguida, perguntamos por que
meios poderíamos prosseguir e fomos informados de que um barco
seria adquirido para nós; ou, se o
sucessor do comandante, que era
esperado de hora em hora, chegasse antes de partirmos, poderíamos
acompanhar o atual comandante em
um grande barco ou pequena embarcação fluvial que estivesse no
porto. Um pouco de café foi então
oferecido a nós. Deveriam ser providenciados alojamentos para nós; e
fomos apresentados a um padre que
entrou, de quem vimos muito, mais
tarde, e que descobrimos possuir
mais informações gerais do que a
maioria das pessoas que havíamos
encontrado na passagem. Seu nome
era Bruno. Ele era natural de Havannah, havia deixado o Peru durante
os distúrbios da revolução e esperou na fronteira para ver qual seria
o resultado da disputa. Enquanto em
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
67
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
services for the curate of St. Pablo,
to whose parish Tabitinga belongs,
but he received no emolument. He
also acted as agent to the intendente
of Moyobamba and the prefect of
the missions on the Ucayali, and was
said to have made some money by a
traffic in sarsaparilla and ironware.
Tabitinga prestou serviços religiosos ao pároco de San Pablo, a cuja
paróquia Tabitinga pertence, mas
não recebeu nenhum emolumento. Ele também atuou como agente
do intendente de Moyobamba e do
prefeito das missões no Ucayali, e
teria ganhado algum dinheiro com o
tráfico de salsaparrilha e ferragens.
Many questions were asked us
relative to the effects produced by the
revolution in Peru. The opinion here
was, that General Bolivar intended to
make himself master of, and absolute
in the former Spanish colonies,
and that it was not improbable he
would afterwards invade Brazil.
In the meantime quarters had been
got for us; but, on our going to
take possession, we found that they
consisted of a small place parted off
from a smith’s shop, in which some
soldiers were working, and through
which was the entrance. Rude and
exposed as our manner of living had
now become, we did not altogether
admire either the noise or company
of the smiths, and there-fore
determined, if possible, to get some
other place. We had no objection to
pay for shelter, but rather than take
up our abode in the quarters allotted
to us, we would pitch the tent, and
endeavour to weather out in it,
Muitas perguntas nos foram feitas
em relação aos efeitos produzidos
pela revolução no Peru. A opinião
aqui era que o General Bolívar pretendia tornar-se senhor e absoluto
nas ex-colônias espanholas e que
não era improvável que posteriormente invadisse o Brasil. Nesse ínterim, alojamentos foram conseguidos para nós; mas, ao irmos tomar
posse, descobrimos que consistiam
em um pequeno lugar separado
da oficina de um ferreiro, no qual
trabalhavam alguns soldados e por
onde ficava a entrada. Por mais
rude e exposta que fosse nossa maneira de viver, não admirávamos de
todo o barulho ou a companhia dos
ferreiros e, portanto, decidimos, se
possível, conseguir algum outro lugar. Não tínhamos objeções a pagar
pelo abrigo, mas, em vez de morar
nos aposentos que nos foram atribuídos, armaríamos a tenda e nos
esforçaríamos para sobreviver nela,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
68
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
although it was the rainy season.
After some difficulty we got a small
room, without either window or any
other opening than the door and some
rats’ holes, of which the ground was
the floor, and for which we were
to pay three reals per day. The
first point was to get the apartment
cleared out and swept; our baggage,
with some birds we had bought, and
which were also to be stowed in it,
brought up out of the canoes; and
some stages or scaffoldings made
of stakes for our beds. In these
operations we employed the Indians
who had come with us.
embora fosse a estação das chuvas.
Depois de alguma dificuldade, conseguimos um cômodo pequeno, sem
janela nem outra abertura que não a
porta e alguns buracos de rato, cujo
chão era o piso, e pelo qual devíamos pagar três mirréis por dia. O
primeiro ponto era limpar e varrer
o apartamento; nossa bagagem,
com alguns pássaros que havíamos
comprado e que também deviam ser
alojados nela, trazidos das canoas;
e alguns suportes ou andaimes feitos de estacas para nossas camas.
Nessas operações, empregamos os
índios que vieram conosco.
In the evening we were called upon
by the commandante, who was civil
in offering us the use of his table,
as he said it would be difficult
to obtain provisions. Mr. Hinde
returned with him to supper; but as I
felt much fagged, from having been
sounding, &c., during the previous
night, I was glad to get to rest.
À noite, fomos chamados pelo comandante, que foi gentil em nos
oferecer o uso de sua mesa, pois
dizia que seria difícil obter mantimentos. O Sr. Hinde voltou com
ele para o jantar; mas como eu me
sentia exausto, por ter suado etc.,
durante a noite anterior, fiquei feliz
em conseguir descansar.
By the time we were up in the
morning, the canoemen who had
come with us were off, having
started on their return. It had
been my intention to give them
something extra before parting, as
they had worked hard, and had, on
the whole, behaved well; but, from
Quando levantamos pela manhã, os
canoeiros que haviam vindo conosco já haviam partido, tendo iniciado seu retorno. Era minha intenção
dar-lhes algo extra antes de se separarem, visto que haviam trabalhado
muito e, de modo geral, se comportado bem; mas, desde o momento
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
69
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
the time of our arrival, except when
they were employed bringing up our
baggage, making bed-places; &c.,
for us, they had kept close to their
canoes, and there appeared to be an
anxiety about them to get back well
into their own, at least the Peruvian
territory. They had, I believe,
agreed to stay and rest at Loretto,
and it would take them about a
month to get back to Laguna.
de nossa chegada, exceto quando
eles se ocuparam de trazer nossa
bagagem, fazendo camas; etc., para
nós, eles se mantiveram perto de
suas canoas, e parecia haver uma
ansiedade sobre eles para voltarem
bem para os seus, pelo menos para
o território peruano. Eles haviam,
creio eu, concordado em ficar e descansar em Loretto, e levariam cerca
de um mês para voltar a Laguna.
In the forenoon I accompanied
Mr. Hinde to the commandante’s
house. The padre was present,
and the subject of our passage was
again discussed. We were desirous
of gaining information respecting
the passage, more particularly as
to the probable time we should be
going down to Para. We were told
that we might go down in a month,
or less. But the commandante now
began to say, that as he had only
been appointed, in consequence
of the former commandante of the
frontier having gone away ill, to
act until another should arrive, he
wished his successor might reach
Tabitinga before he started; and,
indeed, as he was hourly or daily
expected, it was most probable he
would do so. These observations
sounded ominously, particularly
from the manner in which, and the
Pela manhã acompanhei o Sr. Hinde à casa do comandante. O padre
estava presente e o assunto de nossa
passagem foi novamente discutido.
Tínhamos o desejo de obter informações a respeito da passagem,
mais particularmente quanto à provável hora em que desceríamos para
o Pará. Disseram-nos que poderíamos cair em um mês ou menos. Mas
o comandante começou agora a dizer que, como só tinha sido nomeado, pelo fato do antigo comandante
da fronteira ter partido doente, para
atuar até que chegasse outro, desejava que o seu sucessor chegasse a
Tabitinga antes de partir; e, de fato,
como era esperado de hora em hora
ou diariamente, era muito provável
que o fizesse. Essas observações
soaram ameaçadoras, principalmente pela maneira como e pela pessoa
por quem foram feitas. Já havíamos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
70
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
person by whom, they were made.
We had already been told that the
new commandante had been near a
year on his passage from Para; that
he had met with accidents, and had
been taken unwell; moreover, he
was described as an old man. It was,
therefore, not improbable, that, as
he had been so long in making his
appearance, he never might arrive;
and if we were afterwards to wait
for his successor, we might almost
as well settle at Tabitinga, which did
not much accord with our ideas. I
therefore thought it better, to prevent
any future misunderstanding, by
asking at once, whether, if the new
commandante did not arrive before,
the present one would give us the
means of proceeding on Monday
morning. We had no objection to
see the new commandante; on the
contrary, we should be happy of
his acquaintance, particularly as we
were informed he was an old veteran
who had seen service, and been much
knocked about; but it was evident,
from the time he had been expected,
that his arrival was uncertain, and
it was not convenient for us to
continue at Tabitinga. The governor
assured us, that if his successor did
not arrive before, he would give us
the means of proceeding on Monday
morning; and confidence was thus
sido informados de que o novo comandante havia passado quase um
ano de sua passagem do Pará; que
ele havia sofrido acidentes e ficado mal; além disso, ele foi descrito
como um homem velho. Não era,
portanto, improvável que, como
demorou tanto em aparecer, nunca
chegasse; e se fôssemos depois esperar por seu sucessor, poderíamos
quase muito bem nos estabelecer em
Tabitinga, que não estava muito de
acordo com nossas ideias. Portanto,
achei melhor, para evitar qualquer
mal-entendido futuro, perguntando
de uma vez, se, se o novo comandante não chegasse antes, o atual
nos daria os meios de proceder na
segunda-feira de manhã. Não tínhamos objeções em ver o novo
comandante; pelo contrário, devemos ficar felizes com seu conhecimento, especialmente porque fomos
informados de que ele era um velho
veterano que tinha visto o serviço
militar e foi muito atacado; mas era
evidente, desde o momento em que
ele era esperado, que sua chegada
era incerta, e não era conveniente
para nós continuarmos em Tabitinga. O governador garantiu-nos
que se o seu sucessor não chegasse
antes, dar-nos-ia os meios de proceder na segunda-feira de manhã;
e a confiança foi assim restabeleci-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
71
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
re-established. We added that we
were quite ready and desirous to pay
whatever was right, but were told
that the orders at the frontier were,
that strangers were to be forwarded
free of expense.
da. Acrescentamos que estávamos
prontos e desejosos de pagar o que
fosse certo, mas fomos informados
de que as ordens na fronteira eram,
que os estranhos deveriam ser enviados sem despesas.
During the week we went
frequently to the governor’s and the
padre’s houses, and accompanied
the former to an Indian dance of
festival. These festivals are not
uncommon at Tabitinga, occurring,
I believe, about once a month, when
the Indian, few of whom live in the
pueblo, collect, and dance and drink
chicha for three days to such an
excess, that they become thoroughly
stupefied; and it requires four-andtwenty hours, or one day and night’s
sleep to recover them. The dances
are performed in masks, and there
is much acting in the performance:
that which we saw appeared to me
to relate to some story, but what
the story was I could not learn,
although I made repeated inquiries.
I will, however, attempt to describe
that part of the performance we
witnessed.
Durante a semana, íamos com frequência às casas do governador e do
padre, e acompanhamos o primeiro
a uma festa de dança indígena. Esses festivais não são incomuns em
Tabitinga, ocorrendo, creio eu, cerca de uma vez por mês, quando os
índios, poucos dos quais vivem no
pueblo, reúnem-se, dançam e bebem chicha por três dias em tal excesso, que ficam completamente estupefatos; e são necessárias vinte e
quatro horas, ou um dia e uma noite
de sono para recuperá-los. As danças são encenadas com máscaras, e
há muita atuação na performance:
o que vimos pareceu-me relacionar-se com alguma história, mas o
que era a história eu não consegui
saber, embora fizesse repetidas indagações. Vou, no entanto, tentar
descrever essa parte da performance
que testemunhamos.
At the time we entered, which was
after the dance had commenced on
the first evening, several persons
were collected in a house that had
No momento em que entramos, que
foi depois de o baile ter começado na
primeira noite, várias pessoas foram
reunidas em uma casa que aparente-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
72
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
apparently not been long built,
standing close round the walls
inside, so as to leave the middle of
the apartment clear for the dancers
and their attendants, the latter of
whom were numerous. Seats were
given us near the master of the
ceremonies, an elderly Indian who
stood alone. The dancers, who,
from what we could judge of their
figures when disguised, appeared
to be men, were dressed in shirts
made of bark, stripped off the trees
whole, therefore having no seam,
and marked with rude figures of
different colours, principally red
and yellow. The shirt was continued
over the head, with holes for the
eyes, nose, and mouth, and above
the shirt was a head-dress made
from the stems of Indian corn;
sleeves were made of the bark of
smaller trees or branches, also
without seam, except where they
joined the body of the shirt; and
ears were attached according to the
objects intended to be represented,
some resembling monkeys. On the
legs, particularly on the right ankle,
were tied strings of rattles, made
from the shells of some small hard
nut, the sound of which was loud,
but not disagreeable. The dancers
were usually linked three together,
one principal character supported
mente não havia sido construída há
muito tempo, postando-se em volta das paredes internas, de modo a
deixar o meio do recinto livre para
os dançarinos e seus assistentes, os
últimos dos quais eram numerosos.
Os assentos nos foram dados perto
do mestre de cerimônias, um índio
idoso que estava sozinho. Os bailarinos, que, pelo que pudemos julgar
de suas figuras disfarçados, pareciam
homens, vestiam-se com camisas de
casca de árvore, arrancadas das árvores inteiras, portanto sem costuras, e
marcados com rudes figuras de diversas cores, principalmente vermelho e
amarelo. A camisa era continuada na
cabeça, com buracos para os olhos,
nariz e boca, e acima da camisa havia
um toucado feito de hastes de milho
indígena; as mangas eram feitas de
casca de árvores menores ou galhos,
também sem costura, exceto onde se
juntavam ao corpo da camisa; e as
orelhas foram colocadas de acordo
com os objetos a serem representados, alguns lembrando macacos. Nas
pernas, principalmente no tornozelo direito, havia cordões de guizos
amarrados, feitos da casca de uma
pequena noz dura, cujo som era alto,
mas não desagradável. Os dançarinos eram geralmente ligados em três
entre si, um personagem principal
apoiado por dois outros, um de cada
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
73
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
by two others, one on each side;
and there were generally two sets
dancing at the same time, each
set being followed by women and
children dancing or jumping in a
similar manner. The step was kind
of run, one, two, three, then the
same number of beats with the heel,
jerking the rattles, and the on again,
on, two, three, passing continually
round and across the apartment.
lado; e geralmente havia dois conjuntos dançando ao mesmo tempo, cada
conjunto sendo seguido por mulheres e crianças dançando ou pulando
de maneira semelhante. O passo era
meio que corrido, um, dois, três, depois o mesmo número de batidas com
o calcanhar, sacudindo os chocalhos,
e continuando, ligado, dois, três,
passando continuamente por todo o
apartamento.
After the parties who were dancing
when we entered had gone on for
some time, the arrival of fresh
characters was announced by a
noise, (I think beating a kind of drum
at the door;) room was then made;
the first performers retired, and the
new comers entered, dressed so as
to represent various characters, and
armed with false spears or javelins,
which they darted into the thatch
of the roof inside the house, and
then proceed to dance in a similar
manner to their predecessors. The
conclusion of the festival was, that
the women as well as the men were
all intoxicated, and the day after the
rites terminated, few Indian were
seen out of their hammocks.
Depois que as festas que estavam
dançando quando entramos já se
prolongaram por algum tempo, a
chegada de novos personagens foi
anunciada por um barulho, (acho
que batendo uma espécie de tambor
na porta;) o espaço foi então feito;
os primeiros artistas retiraram-se
e os novos entraram, vestidos de
modo a representar vários personagens e armados com lanças ou dardos falsos, que atiraram na palha do
telhado dentro da casa e, em seguida, começaram a dançar de maneira
semelhante a seus predecessores. A
conclusão do festival foi que tanto as
mulheres quanto os homens estavam
todos embriagados e, no dia seguinte
ao término dos rituais, poucos índios
foram vistos fora de suas redes.
We availed ourselves of the Aproveitamos a oportunidade para
opportunity to obtain some of obter alguns de seus trajes, etc.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
74
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
their costumes, &c. I got two bark
dresses, some necklaces made of
teeth, and a bark belt, which is the
only dress of some of the Tacunas.
I also got a string of the scarlet
macaws, or, as they are there called,
arara’s feathers, resembling the
head-dress described as having been
worn by the Peruvians at the time
of the Spanish conquest. One of the
Indians, who came to the festival,
brought a few birds which he had
shot with his pucuna, and stuffed
with cotton, slung over his shoulder;
these we also got. The commandante
had several string of birds of similar
descriptions, and stuffed in a similar
manner, hanging in the veranda of
his house, which he intended taking
down to Para. He had also got a
young king of the vultures, and some
monkeys of a rare species.
Ganhei dois vestidos de casca de
árvore, alguns colares de dentes e
um cinto de casca de árvore, que é
a única vestimenta de alguns Tacunas. Também ganhei um cordão de
macaws vermelhas, ou, como são
chamadas, penas de arara, lembrando o toucado descrito como tendo
sido usado pelos peruanos na época
da conquista espanhola. Um dos índios, que veio à festa, trouxe alguns
pássaros que havia atirado com sua
pucuna2, e enchido com algodão,
pendurados no ombro; estes também
recebemos. O comandante tinha várias cordas de pássaros de descrições semelhantes, e empalhadas de
maneira semelhante, penduradas na
varanda de sua casa, que pretendia
levar para o Pará. Ele também tinha
um jovem rei dos abutres e alguns
macacos de uma espécie rara.
The accounts given us at Tabitinga
of Dr. Spix, the German naturalist,
who had come up to the frontier,
with particular directions from the
emperor for assistance to be rendered
to him, were considered as little less
than marvellous by the relaters. He
had examined various subjects; and
we were told that there was not a
monkey in the district one or more of
whose species he had not stuffed. The
scientific ability and indefatigable
Os relatos que nos deram em Tabitinga do Dr. Spix, o naturalista
alemão, que tinha vindo até a fronteira, com instruções particulares do
imperador para que lhe fosse prestada assistência, foram considerados
pouco menos que maravilhosos pelos relatores. Ele havia examinado
vários assuntos; e fomos informados de que não havia nenhum macaco no distrito, um ou mais de cujas
espécies ele não havia empalhado.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
75
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
perseverance of this gentleman,
and of his companion, Dr. Martius,
who proceeded up the Japura, and
of whom we afterwards heard much
from Colonel Zany, commandante
of militias at the Rio Negro, who
accompanied Dr. Martius by order
of the government, and obtained his
rank of colonel for having done so,
are too wellknown for me to presume
to say more res pecting them.
A habilidade científica e a incansável perseverança deste senhor, e de
seu companheiro, Dr. Martius, que
subiu o Japurá, e de quem depois
muito ouvimos do Coronel Zany,
comandante das milícias do Rio Negro, que acompanhava o Dr. Martius por ordem do governo, e obteve
seu posto de coronel por tê-lo feito,
são muito bem conhecidos para que
eu ouse dizer mais a respeito deles.
There was a large canoe at Tabitinga
that had come down the Ucayali
with sarsaparilla belonging to the
intendente of Moyobamba, and his
uncle, the prefect of the missions
on the Ucayali. She had been
consigned to the padre, and was
waiting for some goods which the
new commandante was supposed be
bringing up with him. The Indians
who manned the canoe belonged
to the Ucayali missions; they
were savage, that is to say, rude
in their appearance, but quiet and
peaceable in their manner. Their
dress consisted of a single garment,
not much unlike an English carter’s
frock, made of coarse cotton cloth,
and dyed of a brown colour. Their
weapons were bows, made of palm
wood, and about six feet long, and
arrows of strong reeds, as stout as
a man’s finger, without knots, and
Havia uma grande canoa em Tabitinga, que desceu o Ucayali com
salsaparrilha, pertencente ao intendente de Moyobamba e ao seu tio,
o prefeito das missões no Ucayali.
Ela havia sido entregue ao padre e
estava esperando por alguns bens
que o novo comandante deveria trazer com ele. Os índios que pilotavam a canoa pertenciam às missões
do Ucayali; eram selvagens, isto é,
rudes na aparência, mas calmos e
pacíficos nas maneiras. Seus trajes
consistiam em uma única vestimenta, não muito diferente de uma sobrecasaca de carroceiro inglês, feita
de tecido de algodão grosso e tingido de uma cor marrom. Suas armas
eram arcos, feitos de madeira de
palmeira e com cerca de um metro
e oitenta de comprimento, e flechas
de caniços fortes, robustos como
o dedo de um homem, sem nós, e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
76
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
headed, some with bone, others with
a broad hollow cane split in halves,
and pointed. We got several of these
bows and arrows in exchange for
knives, fish-hooks, large needles,
&c. which were valued highly
by these poor beings, and some
of which we distributed amongst
them, but not in such numbers as
to render them valueless. When at
Moyobamba, the intendente assured
us that his uncle, the prefect of the
missions, had seen an arrow headed
with cane, and shot from a Ucayali
bow, enter a man’s chest, and show
itself through the back.
encabeçados, alguns com ossos, outros com uma larga cana oca dividida ao meio e apontada. Obtivemos
vários desses arcos e flechas em troca de facas, anzóis, agulhas grandes
etc. que eram altamente valorizados
por esses pobres seres, e alguns dos
quais distribuímos entre eles, mas
não tantos que os tornassem sem
valor. Quando em Moyobamba, o
intendente nos garantiu que seu tio,
o prefeito das missões, tinha visto
uma flecha com ponta de cana, disparada de um arco Ucayali, entrar
no peito de um homem e aparecer
pelas costas.
The man who had charge of the
canoe was a Peruvian, and spoke
the Spanish language. The account
he gave of the Ucayali was, that
Sarayacu is the highest station of the
missionaries, and the residence of
Padre Plaza, the prefect. The Ucayali
is broad and deep as far as Sarayacu,
but divides into smaller streams
soon afterwards. He had been up the
Ucayali as far as Ocopa, noted as the
college of the missionaries, and only
a few days’ distance by land from
Lima. Some of the Indians between
Sarayacu and Ocopa are dangerous,
but others come down to trade. I do
not suppose that these accounts are
implicitly to be relied upon, although
O homem encarregado da canoa
era peruano e falava espanhol. O
relato que fez do Ucayali foi que
Sarayacu é a estação mais alta dos
missionários e a residência do Padre Plaza, o prefeito. O Ucayali
é amplo e profundo até Sarayacu,
mas se divide em riachos menores logo depois. Ele havia subido
o Ucayali até Ocopa, conhecido
como o colégio dos missionários,
e a apenas alguns dias de distância, por terra, de Lima. Alguns
dos índios entre Sarayacu e Ocopa
são perigosos, mas outros descem
para comerciar. Não suponho que
esses relatos devam ser implicitamente confiáveis, embora eu os dê
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
77
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
I give them as the best we received como os melhores que recebemos
no país.
in the country.
During the time we were at
Tabitinga, when we were not at
the governor’s or padre’s houses,
or employed feeding the birds,
&c., in our own cell, we occupied
ourselves by following such paths
as we could find in the woods, there
being little open ground. These
paths frequently led to patches that
had so far been cleared that the trees
had been cut down, and mandioca
planted, but without much attention
to the niceties of agriculture. There
was, however, some originality and
ingenuity about them. The Indian
mode of clearing ground of wood is
not, as in England, by cutting the
trees down at the roots, but about
four or five feet from the ground,
in consequence of which the
roots decay more rapidly the they
otherwise would do; and the upper
and main parts of the trees being
left until they are dry, fire is applied
to consume them, by which means
a supply of manure is obtained
from the ashes, although, in all
probability, it is not required. Some
of these patches have sheds attached
to them, and are then designated
chacras (farms). We visited a
chacra whilst the proprietors of
Durante o tempo em que estivemos
em Tabitinga, quando não estávamos
na casa do governador ou do padre,
nem nos ocupávamos de alimentar os
pássaros, etc., na nossa própria cela,
ocupamo-nos a seguir os caminhos
que podíamos encontrar na mata,
havendo pouco terreno aberto. Esses
caminhos frequentemente levavam
a trechos que até então haviam sido
derrubados para que as árvores fossem cortadas e a mandioca plantada,
mas sem muita atenção às sutilezas
da agricultura. Havia, no entanto,
alguma originalidade e engenhosidade neles. O modo indígena de limpar
o terreno não é, como na Inglaterra,
cortando as árvores pela raiz, mas a
cerca de um metro ou um metro e
meio do solo, em consequência do
qual as raízes se decompõem mais
rapidamente do que de outra forma
fariam; e as partes superiores e principais das árvores sendo deixadas até
que estejam secas, o fogo é aplicado
para consumi-las, por meio do qual
um suprimento de adubo é obtido das
cinzas, embora, com toda probabilidade, não seja necessário. Alguns
desses trechos têm galpões anexados a
eles e são designados chacras (fazendas). Visitamos uma chacra enquanto
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
78
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
it were attending the Tabitinga
festival. The mansion was a shed,
supported on piles, and thatched
with palm leaves, but open at the
sides. The furniture consisted of a
large clay stove for drying mandioc
farinha, and the broken remains of
some coarse earthen jars. In one
of our walks we met with several
large bundles of palm leaves, tied
and left at about equal distances
on the path. The inference Mr.
Hinde drew was, that some one of
the Indians was going to make a
chacra, by building a shed, and his
friends had contributed the bundles
of palm leaves, and carried them
to given points. We had previously
found that when an Indian is going
to erect a house or rancho, he
obtains the assistance of his friends,
who contribute bundles of palm
leaves, &c., and the whole is soon
completed.
seus proprietários participavam do
festival de Tabitinga. O casarão era
um galpão, apoiado em estacas, e
coberto com folhas de palmeira, mas
aberto nas laterais. A mobília consistia em um grande fogão de barro
para secar a farinha de mandioca e os
restos quebrados de alguns potes de
barro grosso. Em uma de nossas caminhadas, encontramos vários feixes
grandes de folhas de palmeira, amarradas e deixadas em distâncias aproximadamente iguais no caminho. A
inferência que o Sr. Hinde tirou foi a
de que algum dos índios ia fazer uma
chacra, construindo um barracão, e
seus amigos haviam contribuído com
os feixes de folhas de palmeira e os
haviam levado para determinados
pontos. Tínhamos descoberto anteriormente que quando um índio vai
construir uma casa ou rancho, ele
obtém a ajuda de seus amigos, que
contribuem com feixes de folhas de
palmeira etc., e tudo fica logo pronto.
The woods were stocked with
peuries, or curassow birds, that sat
on the highest trees, and, calling to
each other, amused us by their varied
and plaintive but pleasing notes.
A floresta estava repleta de peuris,
que pousavam nas árvores mais altas e, chamando uns aos outros, nos
divertiam com suas notas variadas e
plangentes, mas agradáveis3.
When we did not go into the woods, Quando não íamos para a floresta,
we usually walked towards a wooden geralmente caminhávamos em direfort, between which and the ranchos, ção a um forte de madeira, entre o
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
79
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
or pueblo, is the longest space of
clear ground about Tabitinga. The
piles of the fort had gone to decay,
but there four handsome long six or
nine pounder brass guns monted, on
which we occasionally sat looking
for the new commandante making
his appearance.
qual e os ranchos, ou pueblo, é o
espaço mais longo de terreno aberto
em torno de Tabitinga. As estacas
do forte haviam se deteriorado, mas
havia quatro belos canhões de bronze compridos de seis ou nove libras,
montados, nos quais ocasionalmente
nos sentávamos vendo se o novo comandante fazia sua aparição.
We were told that Tabitinga
was formerly held jointly by the
Portuguese and Spaniards, each of
whom had a garrison there. The
piles that had supported the different
barracks still remained, but neither
were in use. Between the fort,
which stands on a high, steep bank,
higher up the river than the pueblo,
and commands a view of the river
both ways, and the water, is a low
flat, forty of fifty yards broad. The
pueblo consists principally of the
governor’s and padre’s’ houses, anf
of ranchos belonging to the soldiers
who form the garrison. At the time
we were there the garrison consisted
of a sergeant and fifteen soldiers,
most of whom were married to
Indian women: we afterwards met
reinforcements on their way up.
Few Indians live at Tabitinga;
they come in occasionally from the
woods to hold their festivals, and
bring sarsaparilla, birds, skins, &c.,
Disseram-nos que Tabitinga era antigamente mantida conjuntamente por
portugueses e espanhóis, cada um
dos quais tinha uma guarnição ali.
As estacas que sustentavam os diferentes quartéis ainda permaneciam,
mas nenhuma estava em uso. Entre o
forte, que fica em uma margem alta
e íngreme, mais acima do rio do que
o pueblo, e que oferece uma vista
dos dois lados do rio e da água, está
uma planície baixa de quarenta a cinquenta metros de largura. O pueblo
consiste principalmente nas casas do
governador e do padre, e nos ranchos pertencentes aos soldados que
formam a guarnição. Na época em
que estávamos lá, a guarnição era
composta por um sargento e quinze
soldados, a maioria dos quais casados com mulheres indígenas: depois,
encontramos reforços na subida.
Poucos índios vivem em Tabitinga;
eles vêm ocasionalmente da floresta
para realizar seus festivais e trazem
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
80
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
to sell. During our stay the tecuna
we had seen at Loretto came down
in a small canoe with some maize or
Indian corn, but he returned almost
immediately. Even those who had
ranchos in the pueblo were often at
their chacras in the woods; and an
Indian Alcade, who was here on the
same principle as in the Peruvian
pueblos, was almost as much at
this chacra as in the pueblo. The
governor’s house is immediately
above the landing-place, and has
a thatched viranda with a wooden
balustrade in front. Before it were
two small brass guns mounted on
carriages, and which might heave
about a two-pounds shot. There is a
church or chapel which is attached
to the district of the padre of St.
Pablo, but at which Padre Bruno
regularly officiated.
salsaparrilha, pássaros, peles, etc.,
para vender. Durante a nossa estada, o tecuna que vimos em Loretto
desceu numa pequena canoa com um
pouco de maize ou milho indígena,
mas voltou quase imediatamente.
Mesmo aqueles que tinham ranchos
no pueblo costumavam estar em suas
chacras na floresta; e um índio Alcade, que estava aqui com o mesmo
princípio que nos pueblos peruanos,
estava quase tanto nesta chacra quanto no pueblo. A casa do governador
fica imediatamente acima do local de
desembarque e tem uma viranda de
palha com uma balaustrada de madeira na frente. Antes, havia dois pequenos canhões de bronze montados
em carretas e que podiam disparar
cerca de um quilo. Há uma igreja
ou capela anexa ao distrito do padre
de São Paulo, mas na qual o Padre
Bruno oficiava regularmente.
Several cattle belong to the church,
and are occasionally sold when
purchasers can be found for them.
Their milk is not taken, but they
are taught to assemble in front of
the church and the governor’s
house every evening, at sunset, for
protection. We were told that the
Indian killed and lamed the cattle.
There was then a young beast that
Vários bovinos pertencem à igreja e
ocasionalmente são vendidos quando os compradores podem ser encontrados para eles. Seu leite não é
tirado, mas eles são ensinados a se
reunir em frente à igreja e à casa do
governador todas as noites, ao pôrdo-sol, para proteção. Disseram-nos
que o índio matou e aleijou o gado.
Havia então um jovem animal coxo
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
81
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
was lame, and which had probably e que provavelmente havia sido ferido dessa maneira.
been injured in that manner.
One evening as Mr. Hinde and
myself were walking leisurely
towards the fort, an Indian came out
of the wood, but on seeing us rushed
suddenly back again, in a manner
that we could not account for, unless
his intention had been to injure the
cattle. This mischievous cruelty to
the cattle did not bespeak much good
feeling towards the owners. We were
not at that time aware of the general
cause of Indian animosity; but it
was evident that when the Peruvian
Indians came down, they were
always in a hurry to get away again.
Those who came consigned to Padre
Bruno considered themselves safe
under his protection, his influence
being great.
Uma noite, enquanto o Sr. Hinde e
eu caminhávamos despreocupadamente em direção ao forte, um índio
saiu da floresta, mas ao nos ver correu de repente de volta, de uma maneira que não poderíamos explicar, a
menos que sua intenção fosse ferir o
gado. Essa crueldade perversa com
o gado não indicava muitos bons
sentimentos para com os proprietários. Naquela época, não estávamos
cientes da causa geral da animosidade indígena; mas era evidente que
quando os índios peruanos desciam,
eles sempre tinham pressa para fugir
novamente. Os que vinham consignados ao Padre Bruno, consideravam-se seguros sob sua proteção,
sendo grande sua influência.
Some of the Tabitinga Indians have
a preposterous practice of tying
ligatures so tight under the knees
and elbows, that the circulation
of the blood must be in a great
measure stopped; the joints swell
in consequence, and the flesh
and muscle of the limbs entirely
dwindle. Their knowledge and
application of particular herbs is
as remarkable as their ignorance of
others. Whilst we were at Tabitinga,
Alguns dos índios de Tabitinga têm
uma prática absurda de amarrar
ligaduras tão apertadas sob os joelhos e cotovelos que a circulação
do sangue deve ser em grande parte interrompida; as juntas incham
em consequência, e a carne e os
músculos dos membros diminuem
totalmente. Seu conhecimento e
aplicação de determinadas ervas são
tão notáveis quanto sua ignorância
de outras. Enquanto estávamos em
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
82
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
an Indian who had gone into the
woods to collect sarsaparilla, was
bit by one of the deadly snakes of
the country, and was brought back
to the pueblo supposed to be dying.
Being a Christian, Padre Bruno
went to perform the last offices
of the church over him; but the
women took charge, and, by the
application of herbs, cured him in
three days. The poison in which the
Indians dip their wooden spears,
and the small arrows for their
pucunas, has frequently attracted
notice by its power and rapidity of
execution. Its preparation is kept a
mystery confined to certain tribes,
and that manufactured by different
tribes may perhaps differ; but
from its great value amongst the
Indians, the difficulty of procuring
it, and from those by whom it is
manufactured being inferior tribes,
and of the lowest order of savages,
I suspect that the preparation is not
altogether a safe process. I had
endeavoured to get some of this
poison, but without success, until
some men, seeing a large knife of
the same kind as those with which
we had paid the Laguna canoemen,
and which we intended to keep,
as it might be useful, being about
eighteen inches long, brought
several bows, arrows, &c. to obtain
Tabitinga, um índio, que tinha ido
para a floresta para coletar salsaparrilha, foi picado por uma das cobras
mortais do país, e foi levado de
volta ao pueblo, pois achavam que
estava morrendo. Por ser cristão, o
Padre Bruno foi exercer sobre ele
os últimos ofícios da igreja; mas as
mulheres assumiram o comando e,
com a aplicação de ervas, o curaram em três dias. O veneno, em que
os índios mergulham suas lanças de
madeira e as pequenas flechas para
suas pucunas, tem frequentemente
chamado a atenção por sua força e
rapidez de execução. Sua preparação é mantida um mistério confinado a certas tribos, e a manufatura
por diferentes tribos pode talvez
ser diferente; mas pelo seu grande
valor entre os índios, a dificuldade
de obtê-lo e, por aqueles por quem
ele é feito, serem tribos inferiores e
da ordem mais baixa dos selvagens,
suspeito que a preparação não seja
um processo totalmente seguro. Eu
tinha me esforçado para obter um
pouco desse veneno, mas sem sucesso, até que alguns homens, vendo uma grande faca do mesmo tipo
que pagamos aos canoeiros de Laguna, e que pretendíamos guardar,
porque podia ser útil, tendo cerca
de quarenta e cinco centímetros de
comprimento, trazia vários arcos,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
83
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
it; but we had got sufficient bows
and arrows, and would not give the
knife. At last, after various attempts
had been made, a jar of poison was
brought, and the knife was then
given. Yet so much was the poison
coveted, that when we reached
the Rio Negro, it was stolen, and
I am indebted to Colonel Zany for
another jar, which is now in the
hands of Mr. Brodie. Its effects are
rather stupefying than convulsive.
Salt and sugar are both considered
remedies, taken inwardly, and
applied externally.
flechas etc. para obtê-lo; mas tínhamos arcos e flechas suficientes e
não daríamos a faca. Por fim, após
várias tentativas, um frasco de veneno foi trazido e a faca foi dada.
No entanto, o veneno era tão cobiçado que, quando chegamos ao Rio
Negro, foi roubado, e estou em dívida com o Coronel Zany por outra
jarra, que agora está nas mãos do
Sr. Brodie. Seus efeitos são mais
atordoantes do que convulsivos.
O sal e o açúcar são considerados
remédios, ingeridos internamente e
aplicados externamente4.
Sunday having arrived, and there
being no appearance of the new
commandante, after mass, we went
to the governor to request he would
give directions for our proceeding as
early as possible in the morning, in
order that no time might be lost. As I
before supposed he had intended, he
now began to make excuses, urging us
to remain until the new commandante
arrived. It was, however, evident
that if we once consented to such
delays, our proceeding would be
altogether uncertain. The governor
was therefore reminded of the time
the new commandante had been
coming up the river, of his illness,
accidents, the time he had been
expected, and the uncertainty of his
Tendo chegado o domingo, e não
havendo comparecimento do novo
comandante, depois da missa, fomos
ao governador pedir que desse instruções para o nosso procedimento o
mais cedo possível pela manhã, a fim
de não perdermos tempo. Como eu
antes supunha ser sua intenção, começou a dar desculpas, instando-nos
a ficar até a chegada do novo comandante. Era, no entanto, evidente que,
se concordássemos com tais atrasos,
nosso procedimento seria totalmente
incerto. O governador lembrou-se,
portanto, da época em que o novo
comandante subia o rio, de sua doença, dos acidentes, da hora em que era
esperado e da incerteza de sua chegada; também das garantias que ele, o
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
84
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
arrival; also of the assurances which
he, the governor, had given us, and
of the attention due to the letter of
his Britannic Majesty’s consuls. We
again expressed our readiness and
desire to pay for whatever expenses
we might incur: we were also ready
to show every respect and attention
to all and each of the Brazilian
authorities who we might meet; but
we felt it to be our duty as British
subjects, and particularly mine as
an officer in his Britannic Majesty’s
navy, to require a corresponding
consideration. After some further
delay, the governor saw the
impropriety of detaining us, and
gave directions for a galatea, a boat
about the size of a heavy frigate’s
cutter, having a square stem above
water, to be got ready; but as she
required caulking, we could not
start for several days. The governor
had been attentive in inviting us to
his table, and civil in other respects:
his proceeding in this case also
probably arose from an over anxiety
not to do wrong; nevertheless,
having attempted to withdraw his
assurance, we did not continue to
go to his house in the manner we
had previously done.
governador, nos dera, e da atenção
devida à carta dos cônsules de sua
Majestade Britânica. Mais uma vez,
expressamos nossa disposição e desejo de arcar com as despesas que
viéssemos a ter: também estávamos
dispostos a mostrar todo respeito
e atenção a todas e cada uma das
autoridades brasileiras que encontrássemos; mas sentimos ser nosso
dever como súditos britânicos, e particularmente o meu, como oficial da
marinha de sua Majestade Britânica,
exigir uma consideração correspondente. Depois de mais algum atraso,
o governador viu a impropriedade de
nos deter e deu instruções para que
um galatea, um barco do tamanho
de um cúter de fragata pesada, com
uma haste quadrada acima da água,
fosse preparado; mas como ela precisava de calafetagem, demoramos
vários dias para começar. O governador foi atencioso ao nos convidar
para sua mesa, e cortês em outros aspectos: seu procedimento neste caso
também surgiu provavelmente de
uma ansiedade exagerada de não errar; no entanto, tendo tentado retirar
sua confiança, não continuamos a ir
a sua casa da maneira que havíamos
feito anteriormente.
The padre spoke well of the O padre falava bem do governador,
governor, saying that he was just dizendo que era justo e liberal, e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
85
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
and liberal, and did not attempt
to monopolize traffic like some of
the commandantes. The padre was
himself a superior person to any we
met for some months. He possessed
much general information, had the
agreeable politeness of a well-bred
Spaniard in his manner, and was
liberal in his principles, although a
supporter of the old order of things.
To us his society was invaluable at
Tabitinga, and he had no objection
to meet with persons with whom he
could converse on general subjects.
Even religion was not excluded
from our topics of conversation. The
padre, of course, did not express his
approbation of our being Protestants,
still he did not hold out condemnation.
He said that before the reformation,
England had obtained the title of the
flower of religion, and had given
birth to the eleven thousand virgins.
On the whole, had there never
been wider differences between the
followers of the churches of Rome
and of England, than between our
friend Padre Bruno and ourselves,
there would never have been much
violence.
não tentava monopolizar o tráfico
como alguns dos comandantes. O
próprio padre era uma pessoa superior a qualquer um que conhecemos
em vários meses. Ele possuía muitas
informações gerais, tinha a polidez
agradável de um espanhol de boa
educação em suas maneiras e era
liberal em seus princípios, embora
fosse um defensor da velha ordem
das coisas. Para nós, sua sociedade era inestimável em Tabitinga, e
ele não tinha objeções a encontrarse com pessoas com quem pudesse
conversar sobre assuntos gerais.
Mesmo a religião não foi excluída
de nossos tópicos de conversa. O
padre, é claro, não expressava sua
aprovação por sermos protestantes,
ainda assim, ele não nos condenava. Ele disse que antes da reforma,
a Inglaterra havia obtido o título da
flor da religião e dado à luz onze
mil virgens. No geral, se nunca
houvesse diferenças maiores entre
os seguidores das igrejas de Roma
e da Inglaterra, do que entre nosso
amigo Padre Bruno e nós, nunca teria havido tanta violência.
The padre complained of bad health,
proceeding from an affection of the
intestines. He had managed to get
some tea through his commercial
O padre queixava-se de má saúde,
devido a uma afecção dos intestinos. Ele tinha conseguido um pouco
de chá com seus correspondentes
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
86
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
correspondents, and one afternoon,
when we went to call upon him) he
offered us some. It was, as may be
supposed, not of the best quality,
and had neither refined sugar nor
cream to improve its flavour; but I
can scarcely express the delightful
effects of the padre’s small cup of
bad tea; if such an expression were
correct or intelligible, I would say
it appeared to wash the brain. We
also were unwell. The fact was,
the horrible diet on which we
were living, added to the effects of
exposure and fatigue, and the want
of regular exercise, which could
not be got at Tabitinga, acting upon
constitutions previously affected,
produced all kinds of maladies.
comerciais e, uma tarde, quando fomos visitá-lo, ele nos ofereceu um
pouco. Como era de se supor, não
era da melhor qualidade e não tinha
açúcar refinado nem creme para
melhorar o sabor; mas mal posso
expressar os efeitos deliciosos da
pequena xícara de chá ruim do padre; se a expressão fosse correta, ou
inteligível, eu diria que o chá parecia lavar o cérebro. Nós também estávamos indispostos. O fato era que
a péssima dieta que nos mantinha,
somada aos efeitos da exposição e
do cansaço, e a falta de exercícios
regulares, a que não se tinha acesso
em Tabitinga, agindo sobre as constituições previamente afetadas, produziam todo tipo de doenças.
During our daily visits, the padre
related to us various anecdotes
and descriptions of Peru, which
corresponded
generally
with
what we had seen. At his house
we met with a Peruvian, a man
about six feet high, and unusually
stout in proportion, who, amongst
other adventures, had had an
extraordinary engagement with a
tigre, the marks of whose claws and
teeth he still retained on his head
and arm, although several years had
elapsed since the combat.
Durante nossas visitas diárias, o
padre nos relatou várias anedotas e
descrições do Peru, que, em geral,
correspondiam ao que havíamos visto. Em sua casa, encontramos um
peruano, um homem de cerca de um
metro e oitenta de altura e excepcionalmente corpulento, que, entre
outras aventuras, teve um enfrentamento extraordinário com um tigre5,
cujas marcas de garras e dentes ele
ainda conservava na cabeça e no braço, embora vários anos houvessem
transcorrido desde o combate.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
87
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
Repetitions of such recitals are not
easy, inasmuch as the spirit of them
depends greatly on the manner
and peculiarities of the actors,
which are almost indescribable.
As repetições de tais recitais não são
fáceis, já que o espírito delas depende muito da maneira e das peculiaridades dos atores, que são quase
indescritíveis.
The tigre’s antagonist and his
brother were proprietors of a chacra
that was infested by animals coming
under the general denomination of
tigre and which includes a variety
of species, some incomparably
more formidable than others. What
was the particular description
of this animal I do not know; the
reader must endeavour to form
his judgment from the narration.
However, our acquaintance passing
one day through part of his chacra,
saw the tigre lying under a bush or
tree, and according to the Peruvian,
or perhaps his own more peculiar
manner, he addressed it. “Ho, my
friend, you are there, are you? I
have been seeking you for some
time, and we have a long account to
settle. Wait till I get my weapons,
and I will be with you again
quickly.” Accordingly, going to
the house of the chacra, he got his
pucuna and arrows, and returned:
these men always wear a long knife
in a leather sheath, suspended to a
strap that buckles round the waist.
When the tigre saw him coming
O antagonista do tigre e seu irmão
eram proprietários de uma chacra
infestada de animais, conhecidos
pela denominação geral de tigre e
que inclui uma variedade de espécies, algumas incomparavelmente
mais temíveis que outras. Qual era
a descrição particular desse animal
eu não sei; o leitor deve se esforçar para formar seu julgamento pela
narrativa. No entanto, nosso conhecido, passando um dia em uma parte
de sua chacra, viu o tigre deitado em
uma moita, ou árvore, e, de acordo
com o peruano, ou talvez de sua maneira mais peculiar, ele se dirigiu ao
tigre. “Ei, meu amigo, você está aí,
não é? Estou procurando você faz
tempo e temos uma longa conta para
acertar. Espere até eu pegar minhas
armas, e logo estarei com você.”
Assim, indo para a casa da chacra,
ele pegou sua pucuna e flechas, e
voltou: esses homens sempre usam
um facão em uma bainha de couro,
suspensa por uma tira que se ajusta na cintura. Quando o tigre o viu
chegando com sua pucuna, achou
que era hora de ir embora e, pulan-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
88
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
with his pucuna, he thought it time
to be off, and springing up, began to
run. A chase then commenced—the
man’s conversation also proceeding
— What, you are off now, are
you? but you shall not pass quite so
easily; we must have some further
communication before we part.” In
the mean time, the tigre, either not
liking the sound of the man’s voice,
or the appearance of his weapons,
made a spring, and got up into a
tree. A momentary pause ensued,
when the man laying down his
spears, if he had any, (which I really
do not know) began to make use of
his pucuna by blowing poisoned
arrows at the tigre; but either the
poison was old, and not good, or
the tigre’s skin was too tough and
glossy, as no deadly effect was
produced; but the animal was
annoyed, and, after several arrows
had been blown at him, sprung or
fell from the tree, and again started
to run. The chase was renewed,
and the man came up, the tigre
turning on his haunches to defend
himself. The pucuna was now of no
use, and was thrown aside; the left
arm advanced to keep the animal
off, whilst with the right the man
felt for his knife.... The exertion
of running had broke the strap, and
he was without arms. Desperation
do, começou a correr. Então, começou a perseguição - a conversa do
homem também prosseguiu - O quê,
você está caindo fora agora, está?
Mas você não passará tão facilmente; precisamos conversar mais antes
de irmos embora. “Nesse ínterim, o
tigre, não gostando do som da voz
do homem, ou da aparência de suas
armas, deu um salto e subiu em uma
árvore. Uma pausa momentânea se
seguiu, quando o homem largou
suas lanças, se é que ele tinha alguma, (o que eu realmente não sei)
começou a fazer uso de sua pucuna,
soprando flechas envenenadas no tigre; mas ou o veneno era velho e
não era bom, ou a pele do tigre era
muito dura e lisa, já que nenhum
efeito mortal foi produzido; mas o
animal ficou irritado e, depois que
várias flechas foram disparadas contra ele, saltou ou caiu da árvore e,
de novo, começou a correr. A perseguição foi reiniciada e o homem
se levantou, o tigre girando sobre as
patas traseiras para se defender. A
pucuna já não tinha utilidade e foi
jogada fora; o braço esquerdo avançou para manter o animal afastado,
enquanto com o direito o homem tateou em busca da faca... O esforço
da corrida arrebentou a correia, e
ele ficou sem armas. O desespero,
às vezes, dá coragem, e esse ho-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
89
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
sometimes gives courage, and this
man was evidently not deficient in
what at that time was a desirable
quality; moreover his strength was
uncommon. He remained firmly on
his guard. The tigre attempted to
spring; the man struck him with his
fist on the nose, still keeping his left
side forward, and his arm extended,
and continuing his conversation; “I
am without arms; but I am not beat.”
The tigre made another spring, and
was again struck on the nose; some
other remark was made, and in this
manner the combat went on until the
tigre finding himself foiled in his
endeavours to spring, made various
other attacks. On one occasion, he
seized the man’s left arm, and bit it
through, but was again struck on the
nose, and fortunately let go without
injuring the bone: on another
occasion he got one of his paws on
the man’s head, and the claws tore
through the scalp to the skull; the
marks and the man’s height proved
that they were no kitten’s claws. In
the end, the man would probably
have fallen, but his brother hearing
him talk in rather an uncommon
manner, came up with a spear, and
run the tigre through the body.
mem evidentemente não era isento
do que, naquele momento, era uma
qualidade desejável; além disso, sua
força era incomum. Ele permaneceu
firmemente em guarda. O tigre tentou saltar; o homem o golpeou com
o punho no nariz, ainda mantendo
o lado esquerdo à frente e o braço
estendido, continuando a conversa:
“Estou sem armas, mas não estou
derrotado.” O tigre deu outro salto
e foi novamente atingido no nariz;
alguma outra observação foi feita,
e, desta maneira, o combate continuou até que o tigre, frustrado em
seus esforços para saltar, fez vários
outros ataques. Em uma ocasião,
ele agarrou o braço esquerdo do homem e o mordeu, mas foi novamente atingido no nariz e, felizmente,
o soltou sem ferir o osso: em outra
ocasião, ele acertou uma das patas
na cabeça do homem e as garras rasgaram o couro cabeludo até o crânio; as marcas e a altura do homem
provavam que não eram garras de
gatinho. No final, o homem provavelmente teria sido vencido, mas
seu irmão, ao ouvi-lo falar de maneira um tanto incomum, apareceu
com uma lança e atravessou com ela
o corpo do tigre.
After the story was finished the Depois de terminada a história, o papadre asked the man “ what made dre perguntou ao homem “o que o
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
90
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
him go and fight with a wild beast?’’
However, he said, the account was
true, as, indeed, the marks on the
man’s head and arm proved. We
were also told of a Peruvian pueblo
that was infested by an animal of this
denomination, and which I think was
said to be black, that would walk into
the plaza in the middle of the day,
and seize on the first person it could
lay hold off. It carried off about fifty
people before it could be destroyed.
It was at length shot.
fez ir e lutar com uma fera?”. No
entanto, disse ele, o relato era verdadeiro, como, de fato, as marcas
na cabeça e no braço do homem provavam. Também fomos informados
de um povoado peruano que estava
infestado por um animal dessa denominação, e que, acho, diziam ser
negro, que entrava na praça no meio
do dia e atacava a primeira pessoa
que encontrasse. Ele levou umas cinquenta pessoas antes que fosse aniquilado. Foi, finalmente, abatido.
The Indians who were waiting
to convey part of the new
commandante’s cargo up the
Ucayali, were employed by the
padre in repacking sarsaparilla, and,
I believe, in increasing the packages
from Spanish arobas, of twenty-five
pounds each, to Portuguese of thirtytwo pounds each. The roots were
laid together lengthways, making
bundles of about five feet long and a
foot in diameter, bound round with
sogas or creepers the thickness of a
man’s little finger, and so pliant that
they were kept in coils. The turns
were passed tight and close together,
so as to protect the sarsaparilla from
damage. The value of sarsaparilla at
Tabitinga was, on an average, five
dollars the Spanish aroba, if paid in
money; six dollars if paid in knives,
Os índios, que esperavam para transportar parte da carga do novo comandante subindo o Ucayali, foram
empregados pelo padre para reempacotar a salsaparrilha e, acredito,
para aumentar os pacotes de arrobas espanholas, de 11,33 kg cada
para arrobas espanholas, de 14,51
kg cada. As raízes eram colocadas
longitudinalmente, em feixes de cerca de cinco metros de comprimento
e trinta centímetros de diâmetro,
amarrados com sogas, da espessura
do dedo mindinho de um adulto, e
tão flexíveis que eram mantidos em
rolos. As curvas eram colocadas
bem juntas, para evitar que a salsaparrilha se danificasse. O valor da
salsaparrilha em Tabitinga era, em
média, cinco dólares a arroba espanhola, se pagos em dinheiro; seis
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
91
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
hatchets, &c. There was a difference
in the quality; that which was most
pulpy, or as it was called most
fleshy, being the best. Sarsaparilla is
liable to be damaged by insects; and
when bundles are offered for sale it
is customary to let them fall smartly
on the ground, to see whether
much dust or insects are driven
out by the concussion. The padre
was of opinion that persons taking
sarsaparilla as a remedy are apt to
catch colds, and the limbs to become
contracted.
He
recommended
exercise so as to excite perspiration
after taking it. He also mentioned
bathing, but whether as beneficial or
injurious I am not certain.
dólares se pagos em facas, machadinhas etc. Havia uma diferença de
qualidade; a que era mais polpuda,
ou, como se dizia, a mais carnosa,
era a melhor. A salsaparrilha pode
ser danificada por insetos; e quando
os pacotes são colocados à venda, é
comum deixá-los cair com jeito no
chão, para ver quanto cai de poeira
ou insetos. O padre era de opinião
que as pessoas que tomam salsaparrilha como remédio podem se
resfriar e contrair os membros. Ele
recomendava exercícios para provocar transpiração após tomá-los. Ele
também mencionava o banho, mas
se o banho é benéfico ou prejudicial, não tenho certeza.
There were several lads attached
to the padre’s establishment, who
were at all times ready and willing
to obey his directions, but whose
principal occupation appeared
to be amusing themselves. His
table was neither delicately nor
superabundantly supplied, but it
was always open to those who
chose to partake of it. He said he
had not much to offer, but was at
all times ready to share what he
had. We avoided his meals, but
when he got anything that was
better than common, he generally
sent a portion to our quarters. In
Havia vários rapazes ligados ao
estabelecimento do padre, que estavam a todo momento prontos e
dispostos a seguir suas instruções,
mas cuja principal ocupação parecia
se divertir. A mesa do padre não era
delicada nem superabundante, mas
estava sempre aberta para quem quisesse participar dela. Ele dizia que
não tinha muito a oferecer, mas que
estava sempre disposto a compartilhar o que tinha. Evitávamos comer
com ele, mas quando ele conseguia
algo melhor do que o normal, geralmente mandava uma porção para
nossos aposentos. No curral, nos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
92
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
the coral, at the back of his house,
was a tartaruga mud pond. He had
poultry, and a variety of parrots.
Sec. some of which belonged to
the lads. These birds are not, as in
Europe, tied to sticks or confined
to cages, but fly about the pueblo,
and come to the houses to which
they belong to be fed, or when they
are called.
fundos da casa, havia um tanque
para tartarugas. Ele tinha galinhas
e uma variedade de papagaios. Alguns deles pertenciam aos rapazes.
Esses pássaros não são, como na
Europa, amarrados a poleiros ou
confinadas em gaiolas, mas voam
sobre o povoado, e vão às casas a
que pertencem para serem alimentados, ou quando são chamados.
The facility with which the smaller
green Brazilian parrot (not the
paroquet) learns to talk is surprising.
If a child cried in the pueblo half a
dozen parrots would set up the same
strain of lamentation, calling most
piteously on their mothers and the
urchin who commenced the row was
compelled to be silent to avoid the
imitation of these feathered mimics.
They could also be humorous
as well as doleful. If any of the
inhabitants became loudly facetious
it was not improbable that the
parrots would join chorus, and Mr.
Hinde and myself were sometimes
at a loss to know whether they were
the birds that were imitating, or the
persons and animals themselves that
we heard. Nor am I by any means
certain that these birds are so entirely
wanting in capacity or instinct
as they are almost proverbially
supposed to be: some species are
A facilidade com que o papagaio
brasileiro verde menor (não o papagaio normal) aprende a falar
é surpreendente. Se uma criança
chorava no povoado, meia dúzia
de papagaios soltava, no mesmo
tom piedoso, chamando de modo
choroso as mães. e o moleque que
havia começado a briga era obrigado a ficar em silêncio para evitar
a imitação da mímica emplumada.
Eles também podiam ser engraçados, assim como tristes. Se algum
dos habitantes era muito jocoso, não
era improvável que os papagaios se
juntassem ao coro, e o Sr. Hinde e
eu, às vezes, não sabíamos se eram
os pássaros que estavam imitando
ou as próprias pessoas e animais
que ouvíamos. Tampouco estou
certo de que esses pássaros sejam
tão carentes em capacidade ou instinto quanto quase proverbialmente
se supõe que sejam: algumas espé-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
93
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
more mischievous than monkeys.
Their actions shew a knowledge of
the peculiarities of different persons,
and their attachment to each other
is remarkable. I brought several to
England. Two which I had got at
different places became a pair, and
seeing that they were so, I determined
not to separate them, and presented
them to the Zoological Society; but
being much occupied at the time I
neglected to mention the peculiarity
that had been noticed: indeed I
scarcely thought it necessary, as I
was not aware that they would be
separated. One was taken to the
Museum, the other to the Gardens
in the park. One died, although
they had both been healthy. I have
noticed, or fancied I noticed, some
peculiarities, in shewing a small
paroquet, that had been some time
separated from all other parrots, its
own reflection in a mirror the little
animal was at first surprised; then
tried to make acquaintance with the
stranger, and called in the same
shrill note with which they summon
each other in the woods. Finding
it could make no nearer approach,
it became sorrowful, ruffled its
feathers, and made a low chirping
noise, turning and tossing up its
head as if asking for something. But
these remarks may be thought too
cies são mais travessas do que os
macacos. Suas ações mostram um
conhecimento das peculiaridades de
diferentes pessoas, e seu apego mútuo é notável. Trouxe vários para a
Inglaterra. Dois que consegui, em
lugares diferentes, formavam um
par e, percebendo isso, resolvi não
separá-los e apresentá-los à Sociedade Zoológica; mas, estando muito
ocupado na época, esqueci de mencionar a peculiaridade que eu tinha
percebido: na verdade, nem pensei
que fosse necessário, pois não sabia
que eles seriam separados. Um foi
levado para o Museu, o outro para
os Jardins do parque. Um morreu,
embora ambos estivessem saudáveis.
Notei, ou imaginei ter notado, algumas peculiaridades, em mostrar um
pequeno papagaio, que havia estado
algum tempo separado de todos os
outros papagaios, seu próprio reflexo
em um espelho, o pequeno animal,
a princípio, ficou surpreso; depois,
tentou fazer amizade com o estranho
e chamou com a mesma nota estridente com que se convocam na floresta. Ao descobrir que não poderia
se aproximar mais, ele ficou triste,
agitou suas penas e emitiu um chilreio baixinho, virando-se e jogando
a cabeça para cima como se pedisse
alguma coisa. Mas essas observações
podem ser consideradas frívolas de-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
94
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
frivolous to be inserted in a journal, mais para serem inseridas em um diário, ou por fazê-las.
or perhaps to be made.
The padre had some large land
tortoises, which were considered
good to eat, and even preferred
by some people to tartaruga, or
the water tortoises. I cannot say I
admired such diet, but in a country
where monkeys and vaca marina are
considered delicacies, and snakes
and alligators have been eaten, not to
mention human flesh, anything will
go down. I bought a small monkey at
Tabitinga, of an uncommon species.
It had been domesticated, and was a
playmate of the children. The man
to whom it belonged, who was an
Indian, objected at first to parting
with it, but a good price being offered
he at last consented. When he was
receiving payment, supposing we
wanted to make a mess of it, he said
it was not large, but it would be good
to eat. A land tortoise, that stood a
yard high, was said to have been
sent as a specimen to the emperor.
They abound in some parts of the
Montaña. The day before we left
Tabitinga, a fisherman, whom the
padre had sent out, returned with a
vaca marina that he had harpooned;
and as I had repeatedly expressed a
wish to see one, and if possible to
get a skin preserved, the padre sent
O padre tinha algumas tartarugas terrestres grandes6, consideradas boas
para comer, e igualmente preferidas
por alguns às tartarugas aquáticas.
Não posso dizer que admirei essa
dieta, mas em um país onde macacos
e vacas marinas7 são considerados
iguarias, e cobras e crocodilos são
comidos, para não mencionar carne
humana, qualquer coisa serve. Comprei um macaquinho em Tabitinga,
de uma espécie incomum. Ele havia
sido domesticado e brincava com as
crianças. O homem a quem pertencia, que era um índio, não quis se
separar dele, mas, um bom preço
sendo oferecido, ele acabou consentindo. Quando estava recebendo o
pagamento, disse que não era grande, mas que seria um bom alimento. Uma tartaruga terrestre, de um
metro de altura, teria sido enviada
como espécime ao imperador. Eles
são abundantes em algumas partes
de Montaña. No dia anterior à nossa
partida de Tabitinga, um pescador
enviado pelo padre voltou com um
peixe-boi, que ele tinha pego com arpão; e como eu tinha repetidamente
manifestado o desejo de ver um e, se
possível conservar uma pele, o padre
nos mandou antes de permitir que ela
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
95
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
to us before he allowed it to be cut
up. Its shape, with the exception of
the snout, resembled a seal; the skin
that of a whale or porpoise, smooth,
of a dark lead colour on the back,
and with a few occasional hairs. The
snout, and particularly the lips, were
like those of an ox, whence it derives
the Spanish name of vaca marina,
and Portuguese ‘peixe boy.’ The tail
was broad, not thick, and horizontal.
On each shoulder was a fin joined
close to the shoulder, broad, but
not thick, and tapering narrower
and thinner towards the extremity.
The dimensions of this one, which
was full grown, but not considered
fat, were about ten feet long, and
eight round the thickest part of the
body; but as the Indians were not
willing to move it, and I agreed
with the fisherman to buy the skin,
I was not so particular as I otherwise
should have been in measuring.
When cut, on the under part of the
body from the head towards the
tail, immediately under the skin,
a layer of fat covered the ribs and
fleshy part of the body; and this
layer being the part from which oil,
or, as it is there called, ‘manteiga,’ is
extracted, was carefully stripped off
by the fisherman and his assistants.
In its thickest part, immediately
over the intestines, the layer was
fosse cortada. Sua forma, com exceção do focinho, lembrava uma foca;
a pele de baleia ou toninha, lisa, de
cor chumbo no dorso e com alguns
pelos ocasionais. O focinho, particularmente os lábios, eram como os de
um boi, de onde deriva o nome espanhol de vaca marina, e o português
“peixe-boi”. A cauda era ampla, não
espessa e horizontal. Em cada ombro
havia uma barbatana unida perto do
ombro, larga, mas não grossa, e ficando mais estreita e fina em direção
à extremidade. As dimensões deste, já totalmente crescido, sem ser
considerado gordo, tinham cerca de
três metros de comprimento e quase
2,5 metros de comprimento na parte mais grossa do corpo; mas, como
os índios não queriam movê-la, e
eu concordei com o pescador em
comprar a pele, não fui tão exigente
quanto deveria ser na medição. Ao
cortar, na parte inferior do corpo,
desde a cabeça até à cauda, imediatamente por baixo da pele, uma camada de gordura cobria as costelas
e a parte carnuda do corpo; e, sendo
esta camada a parte da qual o óleo,
ou, como é chamado, “manteiga”, é
extraído, foi cuidadosamente removida pelo pescador e seus assistentes.
Em sua parte mais espessa, imediatamente acima dos intestinos, a camada tinha cerca de cinco centímetros
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
96
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
about two inches in diameter. Under
the fat, the flesh resembled that on
the ribs of moderately fat beef, and
was also stripped off in one layer.
The ribs were then divided, and
the intestines taken out. I do not
understand sufficient of anatomy
to describe each of the organs, but
it appeared to have most of those
common to land animals. The lungs
were of large size, extending nearly
the whole length on each side of the
back, protected from the intestines
by a strong diaphragm. There were
two distinct stomachs connected by a
small but long intestine, with a much
larger intestine leading from the
second stomach. On being cut open,
the whole were found to contain
grass or some kind of vegetable,
which the animal had lately eaten;
that contained in the first stomach
was covered with a thick mucous
substance, whilst in the second
stomach and larger intestines it was
of a yellower colour, and appeared
to have undergone a considerable
degree of digestion. Each of the fins
had five long tapering bones, with
joints resembling those of the human
hand. The extremities of both the tail
and fins were gristle.
de diâmetro. Sob a gordura, a carne lembrava a das costelas de carne
moderadamente gorda, e também foi
retirada em uma camada. As costelas
foram divididas e os intestinos retirados. Não entendo de anatomia como
para descrever cada um dos órgãos,
mas parecia ter a maioria daqueles
comuns aos animais terrestres. Os
pulmões eram grandes, estendendose por quase todo o comprimento de
cada lado das costas, protegidos dos
intestinos por um diafragma forte.
Havia dois estômagos distintos conectados por um intestino delgado,
mas longo, com um intestino muito
maior saindo do segundo estômago.
Ao ser aberto, descobriu-se que o
todo continha grama ou algum tipo
de vegetal, que o animal havia comido recentemente; o contido no
primeiro estômago estava coberto
com uma substância mucosa espessa, enquanto no segundo estômago e
no intestino grosso era de uma cor
mais amarelada e parecia ter sofrido
um considerável grau de digestão.
Cada uma das nadadeiras tinha cinco
ossos longos e afilados, com juntas
semelhantes às da mão humana. As
extremidades da cauda das barbatanas eram cartilagens.
The cutting up this vaca marina had O corte do peixe-boi atraiu a atenattracted the attention of a variety of ção de uma variedade de animais.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
97
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
animals. The men were the operators;
a number of women and children were
in attendance with baskets, whilst
several half-starved dogs were on the
look out, and fighting for whatever
might fall to their share; and when
any of the refuse was thrown into the
water, it was instantly snapped at by
what we supposed to be alligators.
As soon as the skin was cleaned, I
wished to have it salted to preserve
it, but was overruled by the
fisherman and others, who thought
they knew more of such matters
than I professed to do, and the
consequence was, that in attempting
to dry it, it became rotten. The skin
in its thickest part was more than
half an inch thick.
Os homens eram os operadores;
várias mulheres e crianças esperavam com cestos, enquanto vários
cães famintos estavam à espreita, e
lutando por qualquer coisa que pudesse cair em sua parte; e quando
qualquer um dos rejeitos era jogado na água, era instantaneamente
atacado pelo que supúnhamos ser
crocodilos. Assim que a pele foi
limpa, eu queria que fosse salgada
para preservá-la, mas fui rejeitado
pelo pescador e outros, que pensaram que sabiam mais sobre tais
assuntos do que eu professava, e a
consequência foi, ao tentar secá-la,
que ele apodreceu. A pele, em sua
parte mais espessa, tinha mais de
um centímetro de espessura.
In the quarters we had hired, was
the skin of an anta or tapir which I
bought. It was considerably larger
and thicker than the ox hides we had
for covering the baggage, although
the extremities had been cut off so
as to make it a broad oval.
Nos aposentos que havíamos alugado,
estava a pele de uma anta, ou tapir,
que comprei. Era bem maior e mais
grossa do que as peles de boi que tínhamos para cobrir a bagagem, embora as extremidades tivessem sido
cortadas para torná-la um amplo oval.
Notas
1. Sabe-se que, desde 1781, o lugar tem por nome registrado Tabatinga, desde a
divulgação do desenho de sua planta, onde é indicado o fortim de São Francisco de
Xavier de Tabatinga. A origem deste termo remonta ao tupi, significando “barro
branco”. Atestando isso, o jesuíta João Daniel escreveu em 1756: “Assim como há
barros no Amazonas mui finos e preciosos, amarelos e vermelhos, assim também
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
98
Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa
os há brancos da mesma fineza a que chamam tabatinga”. Uma das hipóteses que se
pode levantar é a de que Maw tenha escrito a variação “Tabitinga” por se parecer
com a pronúncia herdada do português lusitano, falado no acampamento de fronteira
pelos militares que vinham de Portugal ou colônias.
2. O objeto citado pelo viajante como espécie de arma de caça utilizada pelos
indígenas em Tabatinga, conhecido como pucuna, já havia sido mencionado em
1608 por González Holguín em seu livro sobre a chamada “Língua Geral do
Peru” ou “Língua dos Incas”, o quíchua. Em seu idioma original, quer dizer fole,
instrumento, ou canudo para soprar. Ao reproduzir o termo, Maw fez referência
a um tipo de zarabatana que tanto os Ticuna quanto os povos que migravam
historicamente entre o território do Vice-Reinado peruano, de Nova Granada
(Colômbia), e do Império brasileiro, à época, utilizavam na caça à distância da
fauna, ou mesmo para ataques-surpresa a inimigos.
3. Maw faz referência a certo tipo de pássaro a que chama de peuries. Pode-se
pensar que se referia aos famosos papagaios ou periquitos, muito presentes na fauna
da região fronteiriça. Atualmente, esse termo parece ter se perdido ou entrado em
desuso; parece ser uma transcrição literal da forma aludida pelos nativos ao falar
sobre aqueles pássaros. Certamente, trata-se de espécies de pequeno a médio porte,
capazes de alcançar a copa das árvores, como descrito pelo autor.
4. O costume de se usar o sal e o açúcar como remédios pelos indígenas em
Tabatinga, pode ser entendido como a assimilação de um produto europeu em
práticas do universo nativo. Ora, desde o século XVII, com a expedição de Pedro
Teixeira pelo Rio Amazonas, o padre Acuña já assinalava o conhecimento dos
nativos acerca do uso medicinal da flora e de seus produtos, como as gomas,
resinas, óleos, entre outros. Enxergar o sal e o açúcar como originários de um
processo de transformação do estado natural os equiparava a qualquer outro
preparado para tratar os males da saúde de que dispunham. Para muitos, o que se
utilizava na alimentação era também remédio.
5. O temível tigre citado pelo autor é, na verdade, o termo usado por ele para
se referir à Panthera onca, a conhecida onça-pintada. Semelhante em alguns
aspectos ao tigre, por ser primo do mesmo (porém mais próxima evolutivamente
do leão e do leopardo), difere dele, entre outras características, pelo padrão de
manchas na pele. O “tigre negro”, citado por Maw, é, na verdade, indivíduo da
mesma espécie que os outros, mas com a manifestação do gene melânico, que dá
aos seus pelos a coloração escura (também chamado de pantera). Essa espécie de
felinos habita florestas tropicais e equatoriais das Américas, sempre dependendo
de cursos d’água próximos para sobreviver.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
99
Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw
6. A referida “tartaruga terrestre” é uma possível referência a indivíduos de
duas espécies de répteis providos de carapaça e que se locomovem de modo
terrestre: os jabutis. Muito semelhantes a tartarugas, eles são onívoros e de lenta
locomoção. Na região amazônica, pode-se encontrar duas espécies do gênero: o
jabuti-piranga, que prefere áreas abertas e com menos vegetação, e o jabuti-tinga,
que tem preferência pela mata densa, e é menos comum. Diferente das tartarugas,
não se locomovem pela água.
7. Ao citar a vaca marina, acredita-se que o autor confundiu o peixe-boi-daAmazônia com o peixe-boi-marinho, também chamado de vaca-marinha (ou
manati); esses animais diferem em tamanho, peso e habitat. Enquanto o primeiro
podia ser encontrado na bacia do Orinoco e Amazonas, o segundo vivia nas costas
atlânticas, que se estendem da América do Norte ao Brasil.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021.
100
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84943
UMA VIAGEM PARA NUNCA ESQUECER: TRADUZINDO
O OLHAR EUROPEU SOBRE A AMAZÔNIA BRASILEIRA
Alessandra Ramos de Oliveira Harden1
Theo Harden1
1
Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Em 1817, chegou ao Brasil a Arquiduquesa Carolina Josepha
Leopoldina da Áustria, após seu casamento com o herdeiro D.
Pedro. Já residente no Brasil, a família real portuguesa celebrou
a união dos dois, feita por procuração e com a noiva em Viena,
como a criação de vínculo forte com os Habsburgo, principal casa
nobiliárquica da Europa de então1. O matrimônio possibilitou estreitamento de laços entre dois impérios (português e austríaco) em
diversos níveis: diplomático, artístico e, especialmente, científico.
Para tratar dos muitos interesses envolvidos, nasceu a chamada
Missão Austríaca, na qual pode ser identificada uma Missão Bávara
(Costa e Diener 26), o que nos interessa aqui em particular. Da relação entre Áustria, Baviera e Portugal, forjada por enlaces conjugais e
diplomáticos, resultou, entre outros feitos, na descoberta e descrição
de inúmeras espécies da flora e fauna brasileira, além de relatos acerca dos costumes das populações das diversas regiões do Brasil. Isso
porque, entre os membros da tal Missão Bávara, estavam o jovem
botânico Carl Friedrich Philipp Von Martius e o zoólogo Johann Baptist Von Spix2, membros da Real Academia de Ciências de Munique.
1
Ver sobre D. Leopoldina e o Brasil, por exemplo, Priore e Braga.
Vale lembrar que os dois, Martius e Spix, tornaram-se bávaros em decorrência
dos acontecimentos políticos ocorridos após seus respectivos nascimentos. Martius nasceu em Erlangen, e Spix, in Höchstadt, em região anteriormente prussia2
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
Financiados pelo monarca Maximiliano José I, os dois chegaram vieram ao Brasil para realizar expedições exploratórias em
regiões que ainda eram desconhecidas do público europeu. Tendo
como ponto de partida o Rio de Janeiro, onde desembarcaram em
14 de julho de 18173, viajaram por diversos dos atuais estados
brasileiros: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Pará, Amazonas. Foram cerca de 14 mil
quilômetros de território nacional esquadrinhados cuidadosamente.
Nada escapou ao olhar curioso do dois: espécies animais e vegetais, traços e costumes das diversas populações das cidades e das
florestas, manifestações do folclore, acidentes geográficos. Tudo
foi descrito em detalhe nos relatórios enviados para o rei e patrono
bávaro e nas muitas publicações4 que surgiram posteriormente, aos
quais não faltaram ilustrações e mapas. Só para se ter uma ideia,
os dois levaram para a Europa “5 espécies de mamíferos, 350 de
pássaros, 130 de anfíbios, 116 de peixes, 2700 de insetos, 80 de
aracnídeos, 80 de crustáceos e 6.500 espécies de plantas, compondo um herbário de 20.000 exemplares” (Lisboa 91, nota 24) e um
casal de crianças indígenas (originalmente eram quatro crianças,
mas apenas duas sobreviveram à viagem) do Amazonas5.
na, a Francônia, que foi incorporada à Baviera devido às guerras napoleônicas
(Costa e Diener 18-23).
3
O navio em que Martius e Spix viajaram acabou se separando da embarcação
em que segui a Arquiduquesa e sua comitiva. Assim, os nossos dois viajantes da
Baviera chegaram ao Rio de Janeiro muito antes de D. Leopoldina, que só desembarcou em terras cariocas em 6 de novembro de 1817 por ter feito outras paradas
e enfrentado muitas intempéries.
4
Um dos produtos mais importantes da viagem ao Brasil é admirável Flora Brasiliensis (Martius, Eichler e Urban, 1840-1906) cuja produção foi iniciada por
Martius e finalizada depois de sua morte. A publicação teve início em 1840 e foi
concluida apenas em 1906. São 15 volumes em que são descritas mais de 8.000
espécies e m que se encontram cerca de 1.400 figuras.
5
Quatro crianças indígenas fizeram parte das chamadas “coleções de peças vivas”: três do povo Miranha e um menino Juri. A prática hoje impensável de
“levar indivíduos da população local” na volta para a Europa era “procedimento
comum entre aqueles que realizavam expedições científicas de caráter naturalista”
(Costa, 5).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
102
Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira
Entre essas publicações, Reise in Brasilien6 (Spix e Martius,
1823, 1828, 1831) se destaca. Nos seus três volumes e no Atlas
suplementar, os dois autores, a quem posteriormente foi concedido
o título de Ritter7 devido ao grande sucesso da expedição, oferecem
uma ampla visão do Brasil da época em um texto que representa
bem a perspectiva eurocêntrica e até racista de grande parte dos
pesquisadores que então atuavam sob a profunda influência do Iluminismo.8 Começam descrevendo o mundo novo da América muito
entusiasmados. De fato, a chegado ao Rio de Janeiro os deixou
deslumbrados, como acontece até hoje com qualquer um.
Nota-se no texto que ficaram fascinados pela variedade da natureza tropical e que as experiências com o novo os mergulharam
em certa confusão, uma vez que, no seu arrebatamento, não sabiam
por onde começar o trabalho de descrição e coleta de que haviam
sido incumbidos. No entanto, já nos primeiros dias no Rio, essa euforia foi relativizada pela realidade de uma grande cidade tropical
do século XIX. Particularmente a agitação das ruas e a presença de
tantas pessoas não brancas parecem ter incomodado muito os dois:
“A natureza ignóbil, baixa e grosseira dessas pessoas seminuas,
que não sabem manter distância, ofende a sensibilidade do europeu
6
A obra completa foi traduzida por Lúcia Furquim Lahmeyer para o português em
1938, conforme indicado na seção de referências bibliográficas.
7
O título “Ritter” se refere a camada mais baixa da aristocracia alemã e austríaca
da época. No século XIX, foi usado pelo soberano para condecorar pessoas de alto
mérito e é comparável ao “Sir” da Grã-Bretanha.
8
Ver, por exemplo, a Physische Geographie, de Kant, em que o filósofo, considerado um dos maiores representantes da Aufklärung, cria uma hierarquia de
raças em que os brancos estão no topo e os povos indígenas das Américas ficam
no patamar mais baixo. Na página 316, ele escreve: “Die Menschheit ist in ihrer
größten Vollkommenheit in der Race der Weißen. Die gelben Indianer haben
schon ein geringeres Talent. Die Neger sind weit tiefer, und am tiefsten steht ein
Theil der amerikanischen Völkerschaften” (em português: ‘A humanidade alcança
seu estado de perfeição na raça branca. Os índios amarelos [indianos e orientais]
já têm um talento limitado. Os negros estão em grau ainda inferior, e, no nível
mais baixo de todos, estão os povos americanos’).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
103
Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
que acaba de chegar de sua pátria, onde há boas maneiras e formas
agradáveis”9 (tradução nossa).
Do Rio de Janeiro, Spix e Martius partem para sua longa aventura, que finalmente os leva até a Amazônia. A última parte da viagem é narrada no terceiro volume do Reise, que é fonte do trecho
de cerca de 15 páginas traduzido para esta edição. Como os leitores
da Cadernos de Tradução podem imaginar, a região amazônica era
naquela época, em grande parte, uma verdadeira terra incognita,
apesar de os dois autores encontrarem por lá número considerável
de colonos, personagens citados no texto e, por vezes, vitais para
o sucesso da empreitada.
No trecho selecionado para esta coletânea, os autores fazem
um relato da viagem por segmentos do Amazonas e por alguns dos
seus muitos afluentes e canais. Para além das dificuldades enfrentadas na navegação e da luta contra os terríveis carapanãs, chama
a atenção a descrição, em especial, de encontros com indivíduos
da etnia Mura e Mundurucu. Os Mura, povo nômade que vivia e
grupamentos distribuídos por um enorme território próximo ao rio
Amazonas, recebem nessa parte do texto, atenção considerável dos
autores, que parecem horrorizados com os costumes desses indígenas. Pouca coisa escapa à observação de Spix e Martius e poucos
são os adjetivos com conotação positiva usado em sua narrativa, o
que torna o texto até desconfortável para o leitor brasileiro atual,
para dizer o mínimo. Ainda que consideremos que o texto reflete o
pensamento da época e a visão de dois homens acostumados à vida
numa Europa ‘civilizada’, difícil não questionar a contribuição de
relatos supostamente científicos e neutros para o processo de submissão cultural e extermínio dos povos tradicionais das Américas.
Acerca do texto em si, vale fazer aqui algumas observações.
A narrativa em alemão segue o padrão de narrativa de viagem
estabelecido por Georg Forster (1777, 1778)10 e Alexander Von
9
Reise in Brasilien, v. I, p. 91.
A obra A Voyage Round the World descreve a segunda viagem do capitão inglês
James Cook pelos mares do sul. O autor, Georg Foster, usou os diários de seu
10
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
104
Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira
Humboldt. Ainda que a preocupação fundamental de Spix e Martius fosse apresentar um texto informativo, seguindo princípios do
recém-nascido paradigma científico baseado na observação e objetividade, o relatório de viagem de se dirige também a uma audiência leiga. Assim, busca ao mesmo tempo entreter os frequentadores
dos salões urbanos e informar os membros das academias de ciência. O estilo é, portanto, baseado na oralidade da época e relativamente de facíl leitura. Mesmo assim, claro que traz dificuldades
para o leitor de hoje. O vocabulário é antiquado, e a sintaxe, com
longos períodos e muitas subordinações, é às vezes tão complexa
que precisou ser completamente reestruturada em português. Além
disso, os autores muitas vezes pulam de um assunto para outro, o
que também pode ser um desafio.
Apesar de termos tentado usar estruturas sintáticas e de organização textual para ajudar o leitor, não sucumbimos à tentação de
explicar todos os elementos que, mesmo em alemão, podem ter suscitado dúvidas. Nossa justificativa é dupla: i) os leitores brasileiros,
a quem a tradução se dirige em primeiro lugar, estão razoavelmente
familiarizados com muitos dos tópicos e nomes mencionados; ii) o
texto se caracteriza também pela grande quantidade de informação, o
que significa dizer que há certa exigência por parte do texto quanto à
participação ativa do leitor na sua interpretação. Portanto, tentamos
chegar a um equilíbrio delicado para não entediar o leitor brasileiro
nem lhe roubar a oportunidade de exercitar suas habilidades de leitura. Ainda assim, a tradução tem quantidade razoável de notas.
Além do uso de notas de tradução, decidimos também registrar com inicial maiúscula do substantivo que denomina acidente
geográfico quando seguidos do topônimo que o específica, uma
pai, Johann Reinhold Forster’, que foi quem realmente participou da expedição.
Curiosamente, embora Georg Foster fosse nascido em território prussiano (que
hoje é a Polônia), seu texto foi publicado em inglês (1777) e traduzido para o
alemão em edição de 1779 e 1780 (volume 1 e 2, respectivamente). A versão para
o alemão foi feita pelo próprio Georg Foster e por Rudolf Erich Raspe, autor a
quem são creditadas as conhecidas aventuras do Barão de Munchausen. O livro de
Foster alcançou grande sucesso por apresentar os fatos da expedição para o gosto
popular, para entretenimento, e tornou-se um clássico da literatura de viagem.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
105
Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
vez que a opinião a respeito do uso de maiúscula ou minúscula
nesse caso parece depender do gramático ou do manual de estilo
consultado. Assim, utilizamos ‘Rio Amazonas’ e ‘Lago Silves’,
por exemplo.
Outra decisão foi seguir, para a grafia de nomes de povos indígenas, o estabelecido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em Convenção publicada em 1954. Ressalte-se aqui
a divergência existente entre linguistas e antropólogos não apenas
quanto ao tema, inclusive no que diz respeito ao uso de maiúsculas
(ver Rosa). Em vista disso, utilizamos a letra maiúscula, a grafia
com k e acento no u em “Mundurukú”, e o z e acento em “Pazé”,
conforme listagem preparada por Câmara Jr. a pedido da ABA
(curiosamente, “Mundurukú” não consta dessa lista, mas obedecemos ao padrão indicado).
Finalmente, optamos por inserir informações consideradas relevantes entre colchetes, o que pode incluir um fato, como a explicação de que são leguminosas (“[plantas com vagem]”), uma indicação do referente de um pronome para esclarecer uma ambiguidade,
ou a inserção de variante de grafia de nome de etnia indígena,
quando relevante.
Não podemos deixar de registrar que todos os volumes da Reise
existem em português no Brasil desde 1938. Nesse ano, a Imprensa
Nacional publicou o texto em sua tradução feita por Lúcia Furquim
Lahmeyer, uma edição que infelizmente é de difícil acesso. No
entanto, o mesmo texto traduzido foi objeto de uma edição recente,
publicada em 2017 pelo Senado Federal, e pode agora ser encontrado com facilidade.
Apesar da tradução de 1938, tomamos a decisão de não fazer a
leitura para não nos influenciar pela interpretação dada ao texto por
Lúcia Lahmeyer, a tradutora tão corajosa que enfrentou tarefa de
tanta magnitude quando os meios para consulta eram insignificantes perto do que se tem hoje (parabéns, Lúcia). No entanto, recorremos algumas vezes ao também magnífico trabalho de Maria de
Fátima Costa e Pablo Diener, que transcreveram e traduziram os
muitos relatórios em forma de cartas que Spix e Martius enviaram
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
106
Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira
ao rei da Bavária, e organizaram os textos e as ilustrações. Costa e
Diener informam e que consultaram a tradução de Lahmeyer diversas vezes, como “constante fonte de inspiração” (55). Assim, ainda
que indiretamente, a voz de Lahmeyer também se junta à nossa nas
próximas páginas.
Gostaríamos de terminar esta introdução com uma pequena
adaptação de declaração feita em entrevista dada por Costa e Diener ao jornal Correio Braziliense:
[…] se Martius [e Spix são] muito importante[s] para o Brasil,
sem a menor dúvida,
o Brasil certamente foi importantíssimo para Martius [e Spix]:
foi toda a sua vida.
Para nós também, foi uma viagem inesquecível.
Referências
“Convenção para a grafia dos nomes tribais”. Revista de Antropologia. 2. 2
(1954): 150-152. Acesso em 10 de fevereiro de 2021. http://www.revistas.usp.
br/ra/issue/view/8378/558.
Braga, P. D. “Leopoldina de Habsburgo, rainha de Portugal”. Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor José Marques, v. IV. Porto: Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 233-245.
Câmara Jr., J. M. “A grafia de nomes tribais brasileiros”. Revista de Antropologia.
2. 3, (1955): 125-132. Acesso em 10 de fevereiro de 2021. http://www.revistas.
usp.br/ra/issue/view/8380/560.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
107
Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
Costa, M. F.; Diener, P. (Org.). Spix e Martius: relatórios ao Rei. Rio de Janeiro:
Capivara, 2018.
Costa, M. F. e Diener, P. “Edição reúne novos desenhos e documentos de
viagens de Philipp von Martius. Entrevista concedida a Severino Francisco”.
Correio Braziliense. 02/03/2019. https://www.correiobraziliense.com.br/app/
noticia/diversao-e-arte/2019/03/02/interna_diversao_arte,740725/edicao-reunenovos-desenhos-e-documentos-das-viagens-de-philipp-von-ma.shtml. Acesso em
12 de fevereiro de 2021.
Costa, M. F. “Os ‘meninos índios’ que Spix e Martius levaram a Munique”.
Artelogie. 14, (2019): 1-17. 10/02/2021. DOI: https://doi.org/10.4000/
artelogie.3774. http://journals.openedition.org/artelogie/3774.
Foster, G. A Voyage Round the World in His Britannic Majesty’s Sloop,
Resolution, Commanded by Capt. James Cook, During the Years 1772, 3, 4, and
5. London: Benjamin White, 1777.
Foster, G. Johann Reinhold Forster’s [...] Reise um die Welt. Bd. 1. Berlin:
Haude und Spener, 1778.
Humboldt, A. Von. Relation historique du voyage aux régions équinoxiales du
Nouveau Continent, fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803 et 1804, par A. de
Humboldt e A. Bonpland. Rédigé par Alexandre de Humboldt. Paris: Schoell,
1814-1825.
Kant, I. “Immanuel Kants physische Geographie. Auf Verlangen des Verfassers
aus seiner Handschrift herausgegeben und zum Theil bearbeitet von Dr Friedrich
Theodor Rink”. Kants gesammelte Schriften. Bd. 9. Berlin: Akademie Verlag
Berlin, 1902ff.
Lisboa, K. M. “Viagem pelo Brasil de Spix e Martius: quadros da natureya e
esboöos de uma civilização”. Revista Brasileira de História. 15. 29, (1995): 7391.
Martius, C. P. F.; Eichler, A. G.; Urban, I. Flora Brasiliensis. Monachii et
Lipsiae: 1840-1906.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
108
Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira
Priore, M. D. 1952 – A carne e o sangue: a imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro
I e Domitila, a marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
Rosa, M. C. “Revisitando a Convenção e A grafia de nomes tribais brasileiros”.
Confluência. 59 (2020): 25-46. 13/02/2021. http://llp.bibliopolis.info/confluencia/
rc/index.php/rc/article/view/364.
Spix, J. B. Von; Martius, C. F. Ph. Von. Reise in Brasilien. 3 Bande. und
1 Atlas. M. Lindauer (Band I), I. J. Lentner (Band II), C. Wolf (Band III):
München, 1823, 1828, 1831.
Spix, J. B. Von; Martius, C. F. Ph. Von. Viagem pelo Brasil. 3 vols. e 1 Atlas.
Tradução de Lúcia Furquim Lahmeyer. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938.
Alessandra Ramos de Oliveira Harden. E-mail: oliveira.ales@gmail.com. https://
orcid.org/0000-0003-2473-057X.
Theo Harden. E-mail: theo.harden@ucd.ie. https://orcid.org/0000-0002-56331357.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021.
109
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84946
ACHTES BUCH (KAPITEL IV) (SEITE 1069-1082)
Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
Tradução de:
Alessandra Ramos de Oliveira Harden1
Theo Harden1
1
Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Reise In Brasilien: Auf Befehl Sr.
Majestät Maximilian Joseph I.,
Königs Von Baiern In Den Jahren
1817 Bis 1820 Gemacht Und
Beschrieben, Volume 3.
Johann Baptist von Spix, Carl
Friedrich Philipp von Martius
München, 1831.
Bei dem Verfasser. Leipzig, in
Comm. bei Friedr. Fleischer
Facsimile 2012, Lightning Soursce,
Milton Keynes, p. 1069-1082.
Reise In Brasilien: Auf Befehl Sr.
Majestät Maximilian Joseph I.,
Königs Von Baiern In Den Jahren
1817 Bis 1820 Gemacht Und
Beschrieben, Volume 3.
Johann Baptist von Spix, Carl
Friedrich Philipp von Martius
München, 1831.
Bei dem Verfasser. Leipzig, in
Comm. bei Friedr. Fleischer
Facsimile 2012, Lightning Soursce,
Milton Keynes, p. 1069-1082.
Wir hatten anderthalb Tage von
Villa Nova aus zurückgelegt, ohne
das nördliche Ufer des Stromes
zu erblicken, indem wir stets in
Nebencanälen zwischen niedrigen
Inseln aufwärts ruderten. Die
Sandinseln (Prayas) nahmen von
nun an Ausdehnung immer mehr zu,
Tínhamos viajado um dia e meio
desde Vila Nova sem ver a margem norte do rio, sempre remando
contra a corrente nos canais laterais entre as ilhas baixas. As ilhas
de areia (praias) ficaram cada vez
mais extensas a partir de então, e
os rastros de tartarugas que as visi-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
110
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
und auf ihnen wurden die Spuren
besuchender Schildkröten häufiger.
Wo immer wir an irgend einer von
Wasser unbedeckten Sandbank still
hielten, um Wind zu erwarten, oder
kochen zu lassen, mussten wir die
Leichtigkeit bewundern, womit
unsere Indianer die Spuren der
Schildkröten und ihrer tief im Sande
vergrabenen Eier auffanden.
tavam se tornaram mais frequentes.
Em qualquer lugar que parássemos
em algum banco de areia descoberto
pela água, fosse para esperar pelo
vento fosse para cozinhar, náo podíamos deixar de admirar a facilidade
com que nossos índios encontravam
os rastros das tartarugas e seus ovos
enterrados fundo na areia.
In diesen Gegenden brachten sie uns
häufiger die Eier der Tracaxá (Emys
Dumeriliana, Schweig., E. Tracaxa
Spix, Test. t. 5.), als der grossen
Schildkröte (E. expansa, Schweig.,
E. amazonica, Sp.). Die ersteren,
von elliptischer Gestalt und eines
Zolles Länge, enthalten eine
krümelige Dotter, welche besonders
im Caffe, wo sie uns die Stelle der
Milch ersetzen musste, oder in Fett
gebraten, sehr wohlschmeckend
ist. Aus diesem Grunde werden sie
von den Ansiedlern zu diesem und
ähnlichem Gebrauche den Eiern der
sogenannten grossen Schildkröte
vorgezogen, deren Fett besonders
für die Bereitung der Butter aus
Schildkröteneiern (Mantega de
Tartaruga) verwendet wird.
Nessas áreas, eles nos trouxeram
mais frequentemente ovos de tracaxá (Emys Dumeriliana, Schweig.,2
E. Tracaxa Spix3, Test. [ordem quelônia ou ‘testudines’] t. 5.) do que
da tartaruga grande (E. expansa,
Schweig., E. amazonica, Sp.). Os
primeiros são elípticos e têm cerca
de uma polegada de comprimento;
contêm uma gema friável muito saborosa especialmente ou no café,
com o qual era usada por nós no
lugar do leite, ou frita em gordura.
Por essa razão, os colonos os preferem aos ovos da chamada tartaruga
grande, dos quais retiram a gordura
usada em particular na preparação
de manteiga (manteiga de [ovos de]
tartaruga).
Von der Villa nova aus war uns De Vila Nova, fomos seguidos por
ein, seit längerer Zeit daselbst um índio da tribo Mundurukú, que
angesiedelter Indianer vom Stamme já vivia aí por perto há muito tempo
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
111
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
der Mundrucús in der Absicht
gefolgt, seinen kleinen Kahn mit
Eiern gefüllt zurückzuführen. Dieser
stiess, den Strand der Sandinseln
durchstreifend,
auf
mehrere
Familien Muras-Indianer, und lud
uns ein, sie in ihren wandernden
Hütten zu besuchen. Vielleicht
geschah es in der eitlen Absicht,
sich uns jenen herumschweifenden
Wilden gegenüber als gefürchteter
Besieger
zu
zeigen.
Die
kriegerische Nation der Mundrucús
nämlich, welche 1770, und in den
darauffolgenden Jahren mehrere
verheerende Anfälle gegen die
portugiesischen
Niederlassungen
am Tapajôz gemacht hatte, ist seit
zwanzig Jahren durch Geschenke
und
wohlwollendes
Betragen
den portugiesischen Ansiedlern
befreundet worden, und hat sich,
wenigstens
theilweise,
durch
ein Friedensbündniss so enge
angeschlossen, dass man ihre
Waffenstärke gegen die Muras
richten konnte, die in einzelnen
Trupps einherziehend, als Räuber
und Wegelagerer die Fahrt auf den
Strömen und die Niederlassungen
an denselben gefährlich machten.
e estava voltando com sua pequena
canoa repleta de ovos. Ele, percorrendo as praias das ilhas de areia,
havia encontrado várias famílias
de índios Múras, e nos convidou a
visitá-las em suas cabanas nômades,
talvez com a vaidosa intenção de se
mostrar, aos nossos olhos e perante os selvagens errantes, como um
temido vencedor. A nação guerreira dos Mundurukús, que, em 1770
e nos anos seguintes, havia feito
frequentes e devastadores ataques
aos assentamentos portugueses ao
longo do Tapajós, é amiga dos colonos portugueses há vinte anos,
graças aos presentes recebidos e ao
comportamento benevolente dos colonos, e, pelo menos em parte, se
juntou a eles mediante uma aliança
de paz. É uma pacto tão firme que
as armas desses índios podiam ser
dirigidas contra os Múras, que, em
grupos, agindo como assaltantes e
salteadores, tornaram perigosas as
viagens nos rios e entre os assentamentos ribeirinhos.
Dieser kleine Krieg war von Essa pequena guerra havia sido
den Mundrucús unter Beihülfe mantida durante anos pelos Munduportugiesischer Waffen Jahre lang rukús com crueldade sem preceden-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
112
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
mit
beispielloser
Grausamkeit
fortgesetzt worden, und hatte
die Folge, dass die Macht der
Muras gebrochen und ein Theil
derselben veranlasst wurde, sich
nach Süden gegen die Katarakten
des Madeiraflusses zu wenden; ein
anderer aber in kleineren Haufen an
dem Hauptstrome zurückblieb, wo
er sich nur in kleinen Räubereien
eher lästig, als gefährlich zeigt.
Das Uebergewicht, welches sich
die Mundrucús hiedurch erwarben,
ist so gross, dass die Muras ihren
Todtfeinden überall aus dem Wege
gehen, ja es nicht einmal wagen
sollen, sich gegen sie zur Wehre zu
setzen, wenn sie einzeln zu Hütten
kämen, und ihnen sogar ihre Weiber
wegzuführen versuchten.
tes e com a ajuda de armas portuguesas, e teve como consequência o
fim do poder dos Múras. Isso fez
com que alguns desses últimos se
dirigissem para o sul, rumo às cataratas do Rio Madeira, enquanto
outros permaneceram em grupos
menores ao longo do rio principal.
Aí, devido aos pequenos roubos que
cometiam, provaram ser ser bem
mais um incômodo do que um perigo. A predominância dos Mundurukús é tão acentuada que os Múras
evitam esses seus inimigos mortais
em todos os lugares, nem mesmo
ousando se defender caso um deles
chegasse a suas cabanas e tentasse
levar suas mulheres.
Die Hoffnung einer reichen
Beute hatte gegenwärtig mehrere
Familien der Muras auf die Inseln
und Stromufer herbeigelockt, an
welchen wir vorüberfuhren. In einer
kleinen Bucht sahen wir eine Horde
von etwa dreissig Personen gelagert.
Männer, Weiber und Kinder
standen nackt um ein grosses Feuer,
worauf sie einige Schildkröten
brateten. Auf Sr. Zany’s Zuruf in
ihrer Sprache “Gamara! abutia hey!
Gôbé schurery: dohe pae-tisse”
(Kamerad, komm schnell! Bring
Naquela época, a esperança de fartos butins havia atraído, para as
ilhas e para as margens do rio, várias famílias Múras, as quais vimos
por onde passamos. Em uma pequena baía, vimos uma horda de cerca
de trinta pessoas acampadas. Homens, mulheres e crianças estavam
nus em torno de uma grande fogueira, na qual assavam algumas tartarugas. Com o grito do Sr. ZANY4
na língua deles ― “Gamara! abutia hey! Gôbé schurery: dohe pae-tisse” (Camarada, venha depressa!
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
113
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
Schildkröten! Hier ist Branntwein)
warfen sich Mehrere derselben
in ihre Kähne, um uns zu folgen.
Jedoch, entweder weil wir zu
kräftig ruderten, um bald erreicht zu
werden, oder vielleicht, weil sie des
begleitenden Mundrucú ansichtig
geworden waren, — sie kehrten
nach einiger Zeit wieder um, ohne
uns besucht zu haben.
Traga tartarugas! Aqui tem aguardente) ―, alguns entraram depressa
nas suas canoas para nos seguir. No
entanto, ou porque estávamos remando muito rapidamente e era difícil nos alcançar, ou talvez porque
notaram que um Mundurukú nos
acompanhava, desistiram e deram
meia volta após algum tempo sem
terem chegado a nos visitar.
Am folgenden Tage entdeckten wir
eine andere Horde, die sich auf einem
waldigen Vorsprung des Ufers Hütten
erbaut hatte. Als sie vier Bewaffnete
und einen gravitätischen, mit Bogen
und Pfeil gerüsteten, Mundrucú in
einer Montaria1 auf sich zukommen
sahen, wollte die Mehrzahl die
Flucht ergreifen. Doch gelang es
unserem Zurufe, sie festzuhalten.
Am Lande angekommen, liessen
wir den Mundrucú seine Waffen im
Kahne niederlegen, und wir selbst
suchten sie durch einige Geschenke
von Glasperlen und Angeleisen
zutraulich zu machen, was jedoch
wenig gelang. Man deutete auf eine
entfernter im Walde stehende Hütte,
als dem Wohnorte des Anführers,
welcher eben dort sey.
No dia seguinte, descobrimos outra horda, que tinha construído cabanas em uma ponta arborizada da
margem. Quando os índios [Múras]
viram quatro homens armados e um
imponente Mundurukú armado com
arco e flecha vindo em sua direção
em um barco montaria, a maioria
quis empreender fuga. Mas nossos
gritos de saudação conseguiram
contê-los. Quando chegamos a terra,
fizemos o Mundurukú deixar suas
armas no barco e tentamos ganhar
a confiança dos Múras com alguns
presentes ― contas de vidro e anzóis de pesca ―, mas tivemos pouco
sucesso. Eles apontaram para uma
cabana mais distante na floresta, indicando que essa era a casa de seu
líder, o qual lá se encontrava.
Als wir in die Hütte traten, und der Quando entramos seguidos pelo
Mundrucú uns folgte, mahlte sich Mundurukú, a raiva, a confusão e o
Zorn, Verwirrung und Furcht in medo se mesclaram na cara do Tu-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
114
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
den Zügen des Tuxaua (Anführers),
und er schien froh, dass wir uns
bald aus der niedrigen, rauchigen
Hütte ins Freie zurückzogen. Auch
reichten wenige Minuten hin, um
den ärmlichen und unreinlichen
Hausrath zu überschauen. Noch
nirgends war uns das rohe Elend des
americanischen Wilden so unheimlich
und traurig erschienen. Alles deutete
darauf hin, dass selbst die einfachsten
Bedürfnisse auf eine fast thierische
Weise befriedigt würden.
Die aus kurzen Baumstämmen
errichtete,
mit
Reissig
und
Palmblättern gedeckte Hütte, deren
niedrige Thüre auch als Fenster und
Rauchfang dienet, war kaum länger,
als eine Hangmatte, zu der hier kein
künstliches Flechtwerk, sondern
nur eine kahnförmig abgezogene
Baumrinde benützt war. Ausser
einigen Waffen, fehlte jeglicher
Hausrath.
xaua (líder), e ele pareceu contente
por logo nos retirarmos da choupana baixa e esfumaçada e voltarmos
para o ar livre. Entretanto, bastaram alguns minutos lá dentro para
ver como era pobre e sujo o conteúdo doméstico. Em nenhum outro
lugar, a miséria crua e triste do selvagem americano se manifestou de
forma tão miserável como ali. Tudo
indicava que mesmo as necessidades mais básicas eram satisfeitas de
forma quase animalesca.
A cabana, construída com troncos
curtos e coberta com uma estrutura
de ramos e folhas de palmeira, tinha
uma porta baixa que também servia de janela e chaminé, e não era
mais comprida do que a rede que
em seu interior estava pendurada.
Para a confecção dessa rede, não foi
utilizado nenhum trabalho artesanal
de cestaria, mas apenas uma casca
de árvore com a forma abaulada de
canoa. Com exceção de algumas armas, não havia outros pertences.
Das Weib, welches bei unserem
Eintritte erschrocken aus der
Liegerstatt auffuhr, war eben so
wenig bekleidet, als der Mann, und
die der Horde zugehörigen Kinder.
Der Ausdruck der Physiognomien
war wild, unstät und niedrig.
Selbst das Freiheitsgefuhl konnte
A mulher, que se levantou assustada
do leito quando entramos, não estava mais vestida do que o homem e
as crianças do grupo. A fisionomia
de todos era selvagem, arisca e bruta. Nem mesmo a sensação de liberdade era capaz de animar as feições
largas e confusas escurecidas por
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
115
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
die breiten, verwirrten, von lang
herabhängenden
Haupthaaren
verdüsterten Züge nicht erheitern,
und die Weiber trugen insgesammt
im Antlitze und am übrigen Körper
Spuren erlittener Gewaltthat, was
mit dem verworfenen, sclavischen
Verhältnisse
übereinzustimmen
schien, das sie zu den Männern
hatten. Ihre Körper waren breit,
sehr fleischig und unter mittlerer
Grösse; die Hautfarbe war wegen
fortwährender Nacktheit ein um
so dunkleres Kupferbraun, die
Behaarung fast nur am Kopfe, und
bei einem Manne auf der Oberlippe
bemerkbar, welcher seine finstere
Gesichtsbildung durch drei grosse
Schweinszähne in der Ober- und
Unterlippe
noch
furchtbarer
gestaltet hatte.
(S. die Abbildung desselben und
“den Besuch beim Mura”; im Atlas).
longos cabelos caídos, e as mulheres em geral apresentavam traços de
violência em seus rostos e em outras
partes de seus corpos, o que parecia
corresponder às relações depravadas e submissas que tinham com os
homens. Como padrão, tinham todos corpos largos, muito carnudos
e de tamanho menor que médio; a
cor da pele era de um tom marrom-acobreado bastante escuro, devido
à nudez continua; só tinham cabelos, sem pelos no corpo; e, em um
dos homens, que havia deixado seu
rosto já sinistro ainda mais terrível
ao trespassar três grandes dentes de
porco pelos lábios superior e inferior, podia se perceber uma sombra
de bigode.
(Ver ilustração desse homem e “a
visita aos Múras” no Atlas) 5.
Andere
Männer
trugen
ein
zolldickes Stück Holz in der
Unterlippe, und ein Weib hatte in
dem durchbohrten Nasenknorpel
eipen dünnen Cylinder von
Bambusrohr, den sie bei unserer
Annäherung selbstgefällig mit einem
Stücke gelben Harzes vertauschen
wollte. Um den Hals trugen die
Meisten eine Schnur dichtgereihter
Affen- und Coatízähne, oder zwei
Outros homens usavam um pedaço
de madeira de cerca de uma polegada de espessura em seu lábio inferior, e uma mulher, cuja cartilagem
nasal era atravessada por um cilindro fino de cana de bambu, tentava,
por vaidade, trocar esse adereço por
um pedaço de resina amarela quando nos aproximamos. A maioria
deles usava no pescoço um cordão
feito ou com dentes de macaco e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
116
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
halbmondförmig vereinigte Klauen
eines grossen Ameisenfressers,
mittelst eines Baumwollenfadens
befestigt, und am ganzen Körper
waren sie mit rother und schwarzer
Farbe bemalt.
de quati colocados bem juntos um
do outro, ou com duas garras de
tamanduá-bandeira em forma de
lua crescente e presas por um fio de
algodão. Tinham os corpos inteiros
pintados de vermelho e preto.
Einige Männer mit grossen,
unregelmässigen schwarzen Flecken
auf Brust und Unterleib, hatten
davon ein eckelhaftes Aussehen, das
durch Schmutz und Unreinlichkeit
vermehrt wurde. Zwei junge Weiber
hatten sich am ganzen Körper mit
Flusschlamm überstrichen, um
die Plage der Mosquiten weniger
zu empfinden. Die Horde hatte
sich seit mehreren Wochen hier
niedergelassen, und war von
einer ambulanten Wache verfolgt
worden, welche auf Befehl des
Gouvernements die von Schildkröten
besuchten Prayas begeht, um Unfug
durch zu frühes Ausgraben der Eier
und Verscheuchung der Thiere zu
verhindern. Um diese zu täuschen,
hatten sie ihre kleinen Kähne, an
Lianen festgebunden, in den Strom
versenkt, und sich auf einen Tag
lang in die benachbarten Wälder
vertieft. Diese Nachrichten erzählten
sie mit grinsendem Lachen dem Cap.
ZANY, der die Murasprache gelernt
hat, weil seit mehreren Jahren
eine Niederlassung des Stammes
Alguns homens tinham manchas
pretas grandes e irregulares no peito e no abdomen, o que lhes dava
uma aparência nojenta, a qual era
agravada por sua sujeira e imundície. Duas jovens haviam coberto o
corpo todo com lama do rio para
sofrerem menos com a praga dos
mosquitos. A horda estava instalada ali há várias semanas e era seguida por uma patrulha, que, por
ordem do governo local, fiscalizava as praias visitadas pelas tartarugas para evitar que [os Múras] fizessem a travessura de desenterrar
os ovos precocemente e afugentar
os animais. Para enganara a guarda, [os Múras] haviam afundado no
rio suas pequenas canoas, presas
com cipós, e mergulhado por um
dia na mata vizinha. Eles contaram
essa proeza para o Cap. ZANY
com sorrisos maliciosos. O capitão
havia aprendido a língua Múra porque há vários anos existe um ramo
da tribo perto de sua fazenda, cuja
presença ele tolera. Quando a preguiça caprichosa desses índios per-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
117
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
nächst seiner Fazenda besteht, die mite, ele os utiliza para [o trabalho
er daselbst duldet, und, wenn ihre de] pesca.
launenhafte Trägheit einwilligt, zum
Fischfang benützt.
Die Muras sind einer der
zahlreichsten Stämme, und um
so weiter verbreitet, als sie keine
festen Wohnsitze haben, sondern
nach Laune und Bedürfniss an den
grösseren Strömen umherwandern.
Man nimmt an, dass die Gesammtzahl
aller einzelnen Horden sich auf
sechs bis siebentausend Bögen, d.
h. bewaffnete Männer, belaufe, und
demgemäss dürfte die ganze Nation
aus dreissig bis vierzigtausend
Individuen bestehen. Sie scheinen
ursprünglich an dem unteren Madeira
gewohnt zu haben, von wo aus sie
sich zum Theile vielleicht wegen
der Verfolgung der Mundrucus, in
kleinere Horden zerstreut und an
den Solimões, Rio Negro und den
Amazonas gezogen haben.
Os Múras são uma das tribos mais
numerosas e estão espalhados por
um grande território porque não têm
morada fixa, mas vagueiam pelos
rios maiores de acordo com sua
vontade e necessidade. Acreditase que o número total das hordas
varie entre seis a sete mil arcos, ou
seja, homens armados, e, com base
nessa contagem, a nação inteira
consistiria de trinta a quarenta mil
indivíduos. Parece que eles viviam
originalmente no Baixo Madeira,
de onde uma parte se mudou, talvez
por causa da perseguição dos Mundurukús, formando pequenas hordas
que se espalharam ao longo do Solimões, do Negro e do Amazonas.
So wie die Payagoâs die Geissel des
Paraguaystromes sind, haben die
Muras, seit man sie kennt, entweder
allein, oder mit den befreundeten
Toras (Tarazes), die nördlichen
Ströme unsicher gemacht. Diese
beiden Stämme wurden desshalb
von den europäischen Ansiedlern als
freie Wegelagerer (Indios de Corso)
Assim como os Payaguás6 são o
flagelo do Rio Paraguai, os Múras,
desde que se sabe deles, agindo
sozinhos ou com seus amigos Tóras (Tarazes) [também conhecidos
como Torés, Torerizes ou Turá],
tornaram inseguros os rios do norte. Essas duas tribos [Payaguás e
Múras] foram, portanto, mais do
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
118
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
rücksichtsloser, denn alle übrigen,
verfolgt. Sie pflegten an Stellen
der Flüsse, welche durch stärkere
Strömung die aufwärts Schiffenden
beschäftigen, Ueberfälle zu wagen,
zu welchem Ende sie Wachtposten
auf hohen Bäumen ausstellen. Der
nahende Feind wird durch das Turé,
ein schnarrendes, zinkenartiges
Instrument signalisirt, das sie aus
einem dicken Bambusrohre bereiten,
in dessen durchbohrte Knotenwand
ein dünneres, der Länge nach in eine
Zunge eröffnetes Rohrstückchen
befestigt wird, so dass das Ganze
die einfachste Nachahmung einer
Drossel darstellt.
que todas as outras, impiedosamente perseguidas pelos colonos europeus por sua condição como fora da
lei (índios de corso). Costumavam
invadir e ousar atacar os barcos
em locais nos rios onde, devido a
correntes mais fortes, os navegantes estavam ocupados mantendo
seus barcos em movimento contra a
corrente. Para esse fim, [os índios]
colocavam postos de observação em
árvores altas. Quando o inimigo se
aproximava, sinalizavam com o uso
do toré7. Trata-se de instrumento
parecido com uma haste. Produz
um som raspado e é feito com um
colmo grosso de bambu [taquara
ou taboca], cuja parede é perfurada para que seja inserida uma haste
mais fina na qual é fixada uma lingueta, de modo que, em geral, soa
como uma imitação de um tordo.
Unter der Begleitung dieses
Instrumentes führen sie auch ihre
wilden Tänze auf, welche wir später
in der Fazenda des Senhor ZANY zu
sehen Gelegenheit hatten. Obgleich
gegenwärtig, wenigstens theilweise,
schon
aus
dem
feindseligen
Verhältnisse getreten, verachteten
sie dennoch den Dienst des Weissen,
mehr als irgend ein anderer
Stamm, und nur ihre Neigung zum
Branntweine macht sie bisweilen auf
Acompanhados por esse instrumento, eles realizavam suas danças
furiosas, que mais tarde tivemos a
oportunidade de ver na fazenda do
senhor ZANY. Embora atualmente,
pelo menos em parte, já não existam
mais hostilidades [entre os Múras e
os colonos], tinham ainda mais desprezo pelo trabalho para o homem
branco do que qualquer outra tribo, e apenas sua inclinação para a
aguardente às vezes os faz trabalhar
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
119
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
kurze Zeit dienstbar. Ohne diesen
Talisman würde die Erscheinung
eines Mura unter den Weissen die
grösste Seltenheit seyn.
por um curto período de tempo.
Sem esse talismã, a presença de um
Múra entre os brancos seria ainda
mais rara.
Alle übrigen Lockungen bleiben
ohne Kraft bei Menschen, deren
niedrige Cultur selbst die einfachsten
Bedürfnisse
verschmäht.
Als
geschickte Fischer und Jäger,
und nur mit der Gegenwart
beschäftigt, haben sie gewöhnlich
hinreichende Mittel zur Subsistenz,
und sie prassen im Genusse des
Ueberflusses, während sie in Tagen
des Mangels mit Resignation Hunger
leiden. Man behauptet, dass dieser
Stamm mit mehr Lebhaftigkeit, als
andere, dem schönen Geschlechte
huldige, dasselbe mit sichtlicher
Eifersucht bewache, und von
Untreue oder Misstrauen nicht
selten zum Meuchelmorde und
Kriege zwischen einzelnen Horden
Veranlassung nehme.
Nenhuma das outras tentações tem
apelo sobre essas pessoas, cuja cultura inferior despreza até as necessidades mais básicas. Como hábeis
pescadores e caçadores, e preocupados apenas com o presente, geralmente têm meios de subsistência
suficientes e se refestelam no gozo
durante a abundância, enquanto, em dias de escassez, sofrem a
fome com resignação. Diz-se que
os homens dessa tribo, com mais
disposição do que os de qualquer
outra, são bastante devotados ao
belo sexo e o vigiam com flagrante
ciúme. Por isso, a infidelidade ou a
mera desconfiança frequentemente
levam a assassinatos e guerras entre as hordas.
Gewöhnlich hat jeder Mann zwei
oder drei Weiber, von denen die
schönste oder jüngste am meisten
gilt, während die übrigen als
Dienerinen der Familie zurücktreten.
Diese Weiber sind meistens das
Erwerbniss eines Faustgefechtes,
zu welchem sich alle Liebhaber des
mannbar gewordenen Mädchens
Normalmente cada homem tem duas
ou três mulheres, das quais a mais
bela ou mais jovem é considerada
a mais valiosa, enquanto as outras
devem se contentar com a posição
de servas da família. Em regra, as
mulheres são adquiridas por meio
de uma luta corporal, de punhos, da
qual participam todos os pretenden-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
120
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
unter der Voraussetzung stellen, dass
dieses dem Sieger zu Theil werde.
Ihre ungebändigte Wildheit äussert
sich auch in ihrem Jähzorne und
in einer Raufsucht, welche durch
den Genuss des Branntweins oft
zum Nachtheile der Ansiedler
ausschlägt. So sehr sie übrigens die
Dienstbarkeit der Weissen scheuen,
und so hartnäckig sie sich bisher von
jeder Art von Frohne im Dienste
der Regierung frei gehalten haben,
hat man dennoch Beispiele, dass
Weisse sich bei kluger Aufführung
lange Zeit unangetastet unter ihnen
erhalten konnten.
tes da menina-moça sob a condição
de que ela se entregue ao vencedor.
Sua [dos Múras] ferocidade desenfreada também se expressa em seu
temperamento violento e no vício
de procurar briga, que, muitas vezes, impulsionado pelo consumo de
aguardente, se torna um transtorno para os colonos. Por mais que
tenham evitado trabalhar para os
brancos e por mais que tenham obstinadamente se safado de qualquer
tipo de servidão ao governo, há, no
entanto, exemplos de brancos que,
por mostrarem comportamento prudente, conseguiram permanecer ilesos por muito tempo entre eles.
Ihre Sprache, ganz guttural, und
stets mit Gesticulation der Hände
und mit lebhaftem Mienenspiele
hervorgestossen, lautet höchst
unangenehm, und ist schwer
nachzusprechen.
In
gleichem
Verhältnisse ist auch die Lingua
geral nur wenigen Muras bekannt.
Sua língua, muito gutural, produzida sempre com gesticulação das
mãos e expressões faciais vivas,
é extremamente desagradável aos
ouvidos e difícil de reproduzir.
Proporcionalmente, a língua geral
é conhecida apenas por alguns poucos Múras.
Die wilde und unstäte Gemüthsart
dieses Stammes hat ihn den meisten
Nachbarn befeindet, und der Krieg
mit den Mundrucus, Catauixís und
Mauhés, als erklärten Feinden,
wird ohne Unterlass, mit andern
Stämmen aber nach vorhergängiger
Kriegserklärung geführt, die darin
O temperamento desregrado e indisciplinado dessa tribo rendeu-lhe
a inimizade da maioria de seus vizinhos, e a guerra contra os Mundurukús, os Katawixís e os Mawés,
seus inimigos tradicionais, é incessante. Porém, qualquer guerra, também contra outros povos, é travada
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
121
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
besteht, einige mit der Spitze
nach oben gerichtete Pfeile auf
feindlichen Grund und Boden zu
stecken.
apenas após uma declaração prévia,
que consiste no ato de fincar no solo
do território inimigo algumas flechas apontadas para cima.
Eine höchst seltsame Sitte, welche
unter die Eigenthümlichkeiten des
Stammes gehört, ist der Gebrauch
eines Schnupftabackes (Paricá). Das
Pulver wird aus den gedörrten Saamen
der Parica-axa, einer Art Inga,
bereitet, und wirkt zuerst erregend,
dann narkotisch. Jährlich einmal
gebraucht jede Horde das Paricá acht
Tage lang unter anhaltendem Trinken
berauschender Getränke, Tanzen und
Singen. Das Fest soll (nach Ribeiro
§. 58.) den Eintritt der Jünglinge in
die Mannbarkeit feiern; wir hörten
jedoch, dass es ohne Beziehung hierauf
nach der Reife der Samen gehalten
würde. In einem geräumigen offenen
Hause versammelt sich die ganze
Horde, und wird von den Weibern
mit reichlich gespendeten Cujas des
Cajiri und anderen vegetabilischen
Getränken erhitzt. Die Männer reihen
sich sodann nach gegenseitiger Wahl
paarweise zusammen, und peitschen
sich mit langen Riemen vom Leder
des Tapirs oder Lamantins bis auf das
Blut.
Um costume muito estranho que
faz parte das peculiaridades da tribo
é o uso do rapé (paricá).8 O pó é
preparado a partir das sementes secas do paricá-axa, uma espécie de
ingá, e tem, logo que inalado, um
efeito estimulante, seguido de um
efeito narcótico. Uma vez por ano,
cada horda usa o paricá por oito
dias enquanto consome bebidas inebriantes, dança e canta sem parar.
A festa é para celebrar (segundo
Ribeiro §. 58.)9 a passagem dos jovens rapazes para a masculinidade;
diz-se, porém, que esses festejos
não teriam relação com isso, mas
sim com a maturidade das sementes
usadas. Em uma espaçosa cabana
sem paredes, toda a horda se reúne e é incitada pelas mulheres com
abundantes doses de cajiri [caxiri] e
outras bebidas de base vegetal. Os
homens então se alinham em pares,
por escolha mútua, e chicoteiam-se
uns aos outros com longas tiras de
couro de anta ou de peixe-boi até
sangrarem.
Diese seltsame Geisselung wird Esses estranhos flagelos não são
von ihnen nicht als ein feindseliger, vistos por eles como um ato hostil,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
122
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
sondern vielmehr als ein Act der
Liebe angesehen, und nach allen
uns
gewordenen
Nachrichten
dürfte d.er ganze Excess als
Ausdruck
eines
irregeleiteten
Geschlechtsverhältnisses betrachtet
werden. Nachdem die blutige
Operation mehrere Tage lang
fortgesetzt worden, blasen sich die
paarweise verbundenen Gefährten
das Paricá mittelst einer fusslangen
Röhre, — ge-wöhnlich ist es der
ausgehöhlte Schenkelknochen des
Tapirs, — in die Nasenlöcher; und
diess geschieht mit solcher Gewalt,
und so unausgesetzt, dass bisweilen
Einzelne, entweder erstickt von
dem feinen, bis in die Stirnhöhlen
hinaufgetriebenen Staube, oder
überreizt von seiner narkotischen
Wirkung todt auf dem Platze bleiben.
mas sim como um ato de amor, e,
de acordo com todas as notícias que
chegaram ao nosso conhecimento,
é provável que os excessos possam
ser considerados a expressão de uma
relação sexual mal orientada. Após
a operação sangrenta continuar por
vários dias, os companheiros, ainda
em pares, sopram o paricá nas narinas uns dos outros com um cano
delgado de um pé de comprimento
― geralmente o osso oco da coxa de
uma anta. Isso é feito com tal força, e de forma tão contínua, que às
vezes alguns [dos participantes], ou
sufocados pelo pó fino lançado no
interior das cavidades nasais, ou
excessivamente estimulados por seu
efeito narcótico, caem sem vida ali
mesmo.
Nichts soll der Wuth gleichen,
womit die Paare das Paricá
aus den grossen Bambusröhren
(Tabocas), worin es aufbewahrt
wird, vermittelst eines hohlen
Krokodilzahnes, der das Maass
einer jedesmaligen Einblasung
enthält, in den dazu bestimmten
hohlen Knochen füllen, und es sich,
auf den Knieen genähert, einblasen
und einstopfen. Eine plötzliche
Exaltation, unsinniges Reden,
Schreien, Singen, wildes Springen
Nada se compara à fúria com a qual
os pares tiram o paricá dos grandes
colmos de bambu (tabocas) com um
dente oco de crocodilo [jacaré], que
é a medida de cada sopro, e o colocam no osso oco de anta para então,
aproximando-se de joelhos, soprar
pelo osso e encher com o rapé as narinas uns dos outros. Uma exaltação
repentina, falas desconexas, gritos,
cantos, saltos e danças desvairadas
são o resultado da operação, depois
da qual, entorpecidos pelas bebi-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
123
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
und Tanzen ist die Folge der das e por todo tipo de deboche, os
Operation, nach der sie, zugleich homens caem em uma embriaguez
von Getränken und jeder Art von animalesca.
Ausschweifungen betäubt, in eine
viehische Trunkenheit verfallen.
Ein anderer Gebrauch des Paricá
ist, einen Absud davon sich selbst
als Klystier zu geben, dessen
Wirkung ähnlich, jedoch schwächer
seyn soll. Man kann nicht umhin,
durch diese viehische Lustbarkeit an
die eckelhafte Sitte der Ostiaken und
Kamtschadalen erinnert zu werden,
welche sich bekanntlich durch den
Genuss des Fliegenschwammes
und des Urins Derjenigen, die den
giftigen Absud getrunken, zu einer
ähnlichen Wuth erhitzen.
Outro emprego do paricá é usálo numa decocção e fazer em si
mesmo um clister, o que tem efeito
semelhante, apenas mais fraco.
Não se pode deixar de lembrar,
diante dessa celebração bestial, do
asqueroo costume dos Ostiaques e
Kamchadals10, que, como é sabido,
se inflamam até chegarem a uma fúria similar por meio do consumo do
amanita e da urina dos que bebem
da decocção venenosa feita com
esse cogumelo.
Für den Ethnographen America’s
bleibt es räthselhaft, wie feindlich
gesinnte Völker sich gerade in
solchen excentrischen Gewohnheiten
gleichen können. So ist der Gebrauch
des Paricá auch den Mauhés eigen
und dort von uns selbst beobachtet
worden, wo er jedoch, bei höherer
Bildung des ganzen Stammes,
ebenfalls unter einer feineren Form
erscheinet. Eine ganz ähnliche
Verirrung ist endlich der Gebrauch
des Ypadú pulvers von den Blättern
des Erythroxylon Coca, L., den
Para o etnógrafo interessado na
América, é ainda um enigma que
povos mutuamente inimigos possam ser parecidos logo em hábitos tão excêntricos, pois o uso do
paricá também faz parte dos costumes dos Mawés e foi por nós
testemunhado. No entanto, com a
cultura superior dessa tribo, toma
uma forma mais civilizada. Por
fim, uma aberração muito similar é
o uso do pó ipadu, feito das folhas
do Erythroxylon Coca, L., que observamos entre os Mirânias [Mira-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
124
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
wir bei den Miranhas, und andere nhas] e que outros viajantes enconReisende
bei
peruvianischen traram entre os povos peruanos.
Völkerschaften getroffen haben.
Nachdem wir uns unter den Muras
und in ihren Hütten umgesehen
hatten, wendeten wir uns an die
Untersuchung ihrer Fahrzeuge.
Nur ein einziges war von leichtem
Holze gezimmert, und hatte eine
Länge von zwanzig Fuss; die
übrigen bestanden blos aus einigen
Lagen von Baumrinde, die durch
Sipó verbunden, und an beiden
Enden in die Höhe gebunden,
einen halbcylindrischen Schlauch
von zwölf bis fünfzehn Fuss
Länge bildeten. In solch elendem
Fahrzeuge setzen sich drei oder vier
Muras dem grössten der Ströme aus,
und wenn es zufällig umschlägt,
oder sich allmälig mit Wasser
anfüllt, so schwimmen sie so lange
neben demselben her, bis es wieder
ausgeschöpft und in Stand gerichtet
ist, die Mannschaft einzunehmen.
Bei unserer Abreise von den Muras
liessen wir ihnen einige Flaschen
Branntwein zurück, deren sie sich mit
wahrer Leidenschaft bemächtigten,
indem sie sie mit verschränkten
Armen an sich drückten. Wie es
schien, berathschlagten sie lange,
auf welche Art ihre Dankbarkeit zu
Depois de termos contemplado os
Múras e suas cabanas, voltamo-nos
para a investigação de seus meios
de transporte. Somente uma embarcação, de 20 pés de comprimento,
era feita de madeira leve; as demais
consistiam apenas de algumas camadas de cascas de árvores, atadas por
cipó e amarradas nas extremidades
de maneira a formar um tubo semicilíndrico de 12 a 15 pés de comprimento. Em tais barcos miseráveis,
três ou quatro Múras se expõem
ao maior dos rios e, quando essas
embarcações por acidente viram ou
aos poucos se enchem de água, eles
nadam ao seu lado até conseguirem
esvaziá-las e colocá-las na posição
certa para levar a tripulação.
Na nossa despedida dos Múras,
deixamos algumas garrafas de
aguardente, que eles receberam
com verdadeira paixão, prendendo-as junto ao peito com os braços
cruzados. Pareceu-nos discutirem
por bastante tempo uma forma de
demonstrar sua gratidão, e, quan-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
125
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
beweisen sey; und als wir bereits do já havíamos deixado a margem,
vom Lande gestossen hatten, trouxeram-nos uma grande tartarubrachten sie eine grosse Schildkröte ga como presente.
ab Gegengeschenk nach.
Am Mittag des zweiten Tages nach
unserer Abreise von Topinambarana
erschienen die hohen röthlichen
Lettenwände von Cararau-açú
(grosser Geier) am nördlichen Ufer
des Stromes. Wir setzten zu denselben
in der Montaria über, eine, wegen der
heftigen Strömung im Hauptcanale,
gefahrvolle Unternehmung, die uns
übrigens nicht einmal eine neue
Anschauung verschaffte, indem das
nördliche Ufer, von einem dichten,
unwirthlichen
Walde
bedeckt,
durch nichts von der allgemeinen
Physiognomie
abweicht.
Wir
nahmen uns vor, von nun an ähnliche
Traversen zu vermeiden, wie es die
Schiffenden überhaupt thun, um
nicht unnöthig Zeit zu opfern.
Ao meio-dia do segundo dia após
nossa saída de Topinambarana,11 as
altas paredes de barro avermelhado de Cararau-açú (grande abutre)
surgiram na margem norte do rio.
Atravessamos em sua direção na
montaria, um empreendimento que
se mostrou perigoso devido à forte
corrente no canal principal e que,
a propósito, não nos rendeu nem
mesmo nova perspectiva do lugar,
pois a margem norte, coberta por
uma floresta densa e inóspita, não
se diferenciava da fisionomia da
paisagem como um todo. A partir
de então, decidimos abandonar as
travessias desse tipo, como os capitães também normalmente fazem
para evitar perda de tempo.
Auf dem Rückwege zu der grossen
Canoa begegneten uns zwei
Kähne von Muras, deren einen
sie hoch auf mit abgebälgten und
getrockneten Affen angefüllt hatten.
Sie waren freundlich genug, uns mit
grinsenden Gebärden einige Stücke
des eckelhaften Haufens zum
Geschenke anzubieten. Seit einigen
Wochen waren sie am nördlichen
No caminho de volta à grande canoa,12 encontramos dois barcos dos
Múras, um dos quais estava cheio
de macacos despelados e secos. Os
Múras foram amigáveis o suficiente para nos oferecer, com sorrisos,
alguns itens da sua nojenta pilha
como presente. Por várias semanas, estiveram ocupados na costa
norte para guarnecer sua horda
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
126
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
Ufer beschäftigt gewesen, diese
Provisionen für ihre Horde zu
machen. Die Thiere waren reinlich
abgebälgt, ausgeweidet und auf
einem Roste über dem Feuer
(im Moquem) gedörrt worden.
Ich erinnere mich nicht, einen
unangenehmeren Anblick, als den
dieser Masse menschenähnlicher
Leichen gehabt zu haben, auf der die
Augen der Jäger mit cannibalischer
Freude ruhten.
com essas provisões. Os animais
haviam sido esfolados, eviscerados
com capricho e colocados a secar
em uma grelha sobre o fogo (no
moquém). Não me recordo de ter
visto algo mais desagradável do
que essa massa de cadáveres de
aparência humana na qual os olhos
dos caçadores se fixavam com alegria canibalesca.
Als wir uns eben entfernen wollten,
ruderte ein alter Mura, der einen
gewaltigen Schweinszahn in der
Unterlippe stecken hatte, zutraulich
neben uns, und zog aus dem Kahne
ein sorgfältig zusammengewickeltes
Pisangblatt hervor. Wie erstaunten
wir, als sich nach dessen Entfaltung
einige Dutzend Penes von Affen,
besonders vom sogenannten Prego
(Cebus macrocephalus), zeigten,
die uns der Alte mit Schmunzeln als
ein bewährtes Fiebermittel anbot.
Die Meinung, dass dieser Theil der
Affen eine Herzensstärkung und
Panace gegen allerlei Krankheiten
sey, fanden wir fast überall unter
den Indianern, und wenn sie uns
die erlegten Thiere brachten, war
derselbe oft bereits als Eigenthum
des Jägers abgeschnitten.
Quando estávamos para nos separar
deles, um velho Múra, que tinha um
enorme dente de porco enfiado em
seu lábio inferior, remou confiantemente em nossa direção e se encostou à nossa embarcação. Então tirou
de sua canoa uma folha de bananeira
que fora enrolada com muito capricho. Qual não foi nosso espanto ao
vermos surgirem, após ele desdobrar a folha, dúzias de pênis de macacos, especialmente do chamado
prego (Cebus macrocephalus), que
o velho nos ofereceu com sorrisos
como um eficaz remédio contra febre. A crença de que essa parte dos
macacos é um fortificante para o coração e uma panacéia contra todos
os tipos de doenças está disseminada entre os índios em quase todos os
lugares, e, quando eles nos traziam
os animais que haviam caçado, esse
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
127
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
órgão muitas vezes já havia sido anteriormente decepado [e reservado]
como propriedade do caçador.
Wir brachten auf der Reise von
Topinambarana bis zu der Villa de
Serpa. sechs volle Tage zu, indem
wir uns zwischen den zahlreichen
Inseln, meistens auf der Nordseite
des Stromes, hielten. Die Reise,
wegen Mangels an Wind blos auf das
Ruder und die Zugseile angewiesen,
war langsam und im höchsten Grade
beschwerlich. Wo es die Niedrigkeit
des Ufers erlaubte, ward das
Fahrzeug von den vorgespannten
Indianern gezogen; gewöhnlich
aber waren die Ufer sechs bis zwölf
Fuss hoch steil abgerissen und bis
an den äussersten Rand so dicht
bewachsen, dass Niemand auf ihnen
Fuss fassen konnte.
Na viagem de Tupinambarana até
a Vila de Serpa, passamos seis dias
inteiros entre as numerosas ilhas, a
maioria no lado norte do rio. A viagem, devido à falta de vento e, por
isso, feita apenas com o leme e as
cordas de arrasto, foi lenta e extremamente árdua. Onde o nível baixo da margem permitia, o veículo
era rebocado pelos índios; mas em
geral as margens tinham paredes íngremes de seis a doze pés de altura e
estavam cobertas até a extremidade
de vegetação tão densa que ninguém
conseguia nelas se apoiar.
Mächtige Bäume, von hier aus in den
Strom gefallen, lagen nicht selten in
unserem Wege, und mussten mit
grosser Anstrengung und Zeitverlust
umschifft werden. An andern Orten
drohten sie den Einsturz, so dass wir
mit verdoppelten Kräften an ihnen
vorüber zu eilen trachten mussten.
Wo wir an’s Ufer steigen konnten,
war unser Spaziergang auf wenige
Schritte landeinwärts beschränkt.
Mit fusslangen Stacheln besetzte
Majestosas árvores, caídas dentro do
rio, muitas vezes atrapalharam nossa
passagem, e tivemos que circum-navegá-las com grande esforço e perda de tempo. Em outros lugares, as
margens ameaçavam desmoronar, de
modo que tivemos que nos apressar
com força redobrada para ir adiante.
Quando podíamos escalar o barranco, nossa caminhada se limitava a
alguns passos. Troncos de palmeiras
cobertos de espinhos com cerca de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
128
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
Palmenstamme und ein dichtes
Unterholz von Inga und anderen
Hülsen früchtern, von zahlreichen
Schlingpflanzen
durchzogen,
bildeten eine undurchdringliche
Hecke, und überdiess war der
Wald, den häufigen Spuren im
Sande nach zu schliessen, von
zahlreichen Onzen bevölkert. Zu
diesen Unannehmlichkeiten gesellte
sich eine furchtbare Hitze von 2
bis 4 Uhr Nachmittags, wo wir
einigemale in der Sonne 43,5° R.
im Schatten 33,7° R. beobachteten.
um pé de comprimento e uma densa vegetação rasteira constituída de
ingás e outras leguminosas [plantas
com vagem], intercalados com abundantes trepadeiras, formavam uma
cerca viva impenetrável. Além disso, a floresta, a julgar pelas muitas
pegadas na areia, estava povoada por
numerosas onças. A essas circunstâncias inconvenientes somava-se um
calor terrível entre as 2 e as 4 horas
da tarde, quando algumas vezes medimos 43,5° R. ao sol e 33,7° R. à
sombra13.
Diese hohe Temperatur war um so
empfindlicher, als sie mit feuchten
Nächten wechselte, während denen
wir, um den Stichen unzähliger
Schnacken zu entgehen, auf dem
offenen Verdecke bleiben mussten.
Zu den geflügelten Verfolgern
kamen, damit keine Stunde frei
von ihnen sey, nun noch Schwärme
kleiner Bohrkäfer (Bostrichus)
am Morgen nach Sonnenaufgang,
wenn sich die Carapanás verloren
hatten. Diese Thiere belästigten
zwar nicht durch Stiche, flogen
aber haufenweise in Augen,
Mund und Nase, und liessen uns
Alles für unsere Branntweinfasser
fürchten, denen wir desshalb einen
schützenden Ueberzug von Theer
geben mussten.
Sentiu-se ainda mais agudamente
essa alta temperatura porque ela se
alternava com noites úmidas, durante as quais tínhamos que ficar
no convés para evitar as picadas de
inúmeros pernilongos. Os perseguidores alados eram substituídos
por enxames de pequenos besouros
(bostrichus) nas manhãs, depois
do nascer do sol, quando os carapanás já tinham desparecido, de
forma que nunca estávamos livres.
Esses besouros não nos incomodavam com picadas, mas entravam em
nossos olhos, bocas e narizes, e nos
faziam temer por nossos barris de
aguardente, os quais tínhamos que
cobrir com piche para protegê-los
dos bichos.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
129
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
Im Norden des Stromes liegt der
grosse See von Silves (in der Lingua
geral Saracá), durch sechs, fast
parallel gen Süden herablaufende
Canäle in den Hauptstrom mündend.
An dem ersten von diesen,
wohin wir zwischen zahlreichen
Inseln gelangten, fanden wir eine
indianische Familie, die sich einen
kleinen Rancho aus Blättern erbaut
hatte. Drei Weiber waren damit
beschäftigt, ihre Röcke und kurzen
Camisole, welche kaum die Brust
zu bedecken pflegen, schwarz zu
färben. Sie bedienten sich dazu eines
sehr feinen, schwarzen, eisenhaltigen
Morastes, der nicht selten in den
Buchten des Stromes vorkommt,
und der Früchte von Ilex Macucu,
Aubl. Diese Früchte, von der Grösse
einer Rosskastanie, scheinen eine
bedeutende Menge von Gerbestoff
und Gallussäure zu enthalten, denn
sobald sie mit Wasser fein gerieben
unter den Morast gemengt werden,
ergiebt sich eine dauerhafte Tinte.
Ao norte do rio, fica o grande Lago
Silves (na língua geral, Saracá), que
deságua no rio principal através de
seis canais quase paralelos que correm para o sul. No primeiro deles,
onde chegamos após navegar entre
numerosas ilhas, encontramos uma
família índia que tinha construído
um pequeno rancho com folhas.
Três mulheres estavam ocupadas
tingindo de preto suas saias e suas
camisas14 curtas, as quais mal cobriam seus seios. Usavam para isso
um tipo de barro muito fino, preto e
ferruginoso, que não raro é encontrado nas baías do rio, e as frutas
da Ilex Macucu, Aubl. [macucu;
Ilex macoucoua]15. Essas frutas,
do tamanho de castanhas da índia,
parecem conter uma quantidade significativa de tanino e ácido gálico,
porque, assim que são raladas bem
finamente, misturadas com água e
depois com a lama, produzem uma
tinta durável.
Die gewöhnlichste Weise, diesen
chemischen Process auszuführen,
ist folgende. Die zu färbenden
Stoffe werden einige Tage lang mit
Morast bedeckt, sodann mit Wasser
ausgespült, und auf einige Zeit in
einen Kübel geworfen, worin das
Pulver der Macucufrucht mit Wasser
A maneira mais comum de realizar
esse processo químico é a seguinte.
As peças de tecido a serem tingidas
são cobertas com essa lama por alguns dias; depois, são enxaguadas e
jogadas em um recipiente em que já
está o pó da fruta do macucu com
água e aí são deixadas por algum
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
130
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
angerührt ist; oder umgekehrt, man
beizt die Zeuge mit dem Wasser,
worin die Frucht zerrieben worden,
und bringt sie darauf mit dem Letten
in Berührung. Gelingt die Färbung
das erstemal nicht vollständig, so
wird sie wiederholt.
tempo. Pode se fazer vice-versa:
o tecido é decapado na água com
as frutas moídas e, em seguida, é
colocado em contato com o barro.
Se o tingimento não der totalmente
certo na primeira vez, a operação é
repetida.
Die Indianerinen schätzen auf
solche Weise gefärbte grobe
Baumwollenzeuge höher, als die
ungefärbten, vielleicht auch, weil
sie weniger des Waschens bedürfen.
Der schwarze, knappe Anzug lässt
recht gut, da er zu der dunklen Hautund Haarfarbe besser passt, als die
feinen und weiten weissen Hemde,
worin der Hauptputz der Negerinen
und anderer farbigen Leute in den
südlichen Provinzen besteht. *)
As índias valorizam mais o tecido
de algodão tingido dessa forma do
que o algodão de cor natural, talvez
porque o primeiro requer menos lavagem. Os trajes pretos e justos caem-lhes muito bem, pois combinam
melhor com a cor escura da pele e do
cabelo que as largas camisas finas e
brancas, as quais são a principal vestimenta dos negros e de outras pessoas de cor nas províncias do sul. *)
*
Es ist diess nicht die einzige schwarze
Farbe, welche diese Indianer zu bereiten
verstehen. Eine andere wird aus dem
in Wasser eingeweichten Kraute
der Eclipta erceta, L. und anderer
Korbblüthenpflanzen, eine dritte aus
den Früchten der Genipa americana, L.
gemacht.; Blau färben sie mit den Beeren
eines Cissus, roth mit Brasilienholz und
Urucú (Rocou, Orlean) gelb mit den
Blättern mehrerer Ananas. — Aehnlich
der hier beschriebenen Art zu färben,
ist die mit dem Letten Rovo in Chile,
welchem die dortigen Indianer die
Esta não é a única cor preta que esses
índios sabem preparar. Outra é feita da
erva Eclipta erceta, L.16 e outras plantas dessa família, deixadas de molho na
água, uma terceira é produzida com as
frutas do Genipa americana, L.; a tintura azul, fazem-na com as bagas de um
cissus; a vermelha, com o pau-brasil e
o urucum ([também conhecido como]
rocou, orlean); a amarela, com as folhas
de abacaxi.17 ― Semelhante à forma de
tingimento aqui descrita é a feita com o
barro rovo no Chile, ao qual os índios
de lá adicionam a decocção das folhas
*
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
131
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
Abkochung der Blätter von Coriaria de Coriaria myrtifolia, L., ou da raiz de
myrtifolia, L., oder der Wurzel von Gunnera scabra, R. P.18
Gunnera scabra, R. P. zusetzen.
Auf einer Insel zwischen der
zweiten und dritten Mündung des
Saracá stiegen wir am 11. October
an’s Land, um eine Fazenda zu
besuchen, deren Eigner das Lob
hatte, Meister in der Zubereitung
des Tabackes zu seyn. Diese und
die benachbarten Inseln, so wie
die Gegend um Silves, sollen den
besten Taback im ganzen Estado
hervorbringen.
Ohne
Zweifel
hängt die Güte des Productes
mehr von dem günstigen Klima,
als von Sorgfalt in Anbau und
Zubereitung her. Der Tabacksaame
wird in lockerem, schattenreichem
Erdreiche ausgesäet; die aufgehenden
Pflänzchen werden entweder versetzt,
oder durch Ausjäten gelichtet, und
wachsen nun in wenigen Monaten zu
Mannshöhe auf.
Desembarcamos em uma ilha entre a
segunda e a terceira boca do Saracá,
em 11 de outubro, para visitar uma
fazenda cujo proprietário tinha a boa
fama de ser um mestre na preparação
do tabaco. Diz-se que essa ilha e as
que lhe são vizinhas, como ocorre na
área ao redor do Silves, produzem o
melhor tabaco de todo o estado [província]. Sem dúvida, a qualidade
do produto depende mais do clima
favorável do que do cuidado tomado no seu cultivo e preparação. As
sementes de tabaco são deitadas em
terra afofada e em local protegido do
sol; as mudas são ou transplantadas
ou desbastadas, e chegam à altura de
um homem em poucos meses.
Die Blätter werden gebrochen,
abgeschwelkt, in Cylinder von drei
bis sechs Fuss Länge und einen
Zoll Dicke zusammengedreht,
und darauf mit einem zollbreiten
Bande vom Baste des Castanheiro
(Bertholletia excelsa, Humb.) stark
pressend umwickelt. Nach einigen
Tagen nimmt man das erste Band
As folhas são retiradas do caule,
colocadas para secar, enroladas na
forma de cilindros de três a seis pés
de comprimento e uma polegada de
espessura, e depois enfaixadas com
uma tira de entrecasca de castanheira [castanha do pará ou do brasil]
(Bertholletia excelsa, Humb.)19 atada bem firmemente. Após alguns
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
132
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
hinweg, zieht ein anderes noch
strenger herum, und fährt damit
fort, bis der Taback zu einer fast
gleichartigen
wohlriechenden
Masse zusammengeschnürt ist.
Man umwickelt endlich diese
Würste mit der zähen Rinde
junger Marantastengel, welche viel
Aehnlichkeit mit dem’ ostindischen
Rotang (Stuhlrohr) zeigen.
dias, essa primeira faixa é retirada e
outra, colocada com ainda mais pressão. Isso se repete até que o tabaco
fique como uma massa homogênea
perfumada. Por fim, esses rolos são
cobertos com a casca de hastes de
espécimens bem jovens de um tipo
de maranta, muito semelhante ao
ratã da Índia Oriental.
Dieser Taback erhält sich so versendet
Jahre lang mit trefflichem Geruche.
Er ward bisher vorzugsweise in
die Schnupftabacksfabriken von
Portugal geschickt. Die Einwohner
des Estado pflegen auch ihre
Cigarren daraus, mittelst dünner
Papierstreifen, zu bereiten. Am
12. Mitternachts kamen wir bei
der Villa de Serpa an, die auf einer
der grösseren Inseln zwischen dem
Amazonas und den Bifurcationen
des Sees von Saracá liegt.
O tabaco assim enviado preserva-se
durante anos com excelente aroma.
Até agora, era preferencialmente
mandado para as fábricas de rapé
em Portugal. Os habitantes do estado também o utilizam para confeccionar seus cigarros, feitos com
finas tiras de papel. À meia-noite do
dia 12, chegamos à Vila de Serpa,
localizada em uma ilha das mais extensas entre o Rio Amazonas e as
bifurcações do Lago Saracá.
Der eisenschüssige, rothbraune
Sandstein, welcher sich hier mit
Lagern eines gelben Thones etwa auf
fünfundzwanzig Fuss, eine in diesem
Stromgebiete schon beträchtliche
Höhe, erhebt, gab Veranlassung
zu dem Namen Ita coatíara, d. i.
gemalter Stein, welchen die Gegend
in der Lingua geral führt.
O arenito marrom-avermelhado,
que se eleva aqui com camadas de
argila amarela até cerca de vinte e
cinco pés, uma altura considerável
nessa área do rio, deu origem ao
nome Ita coatiara — ou seja, pedra
pintada —, como é conhecido em
língua geral nessa região.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
133
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
Wir fanden einen elenden, an
Menschen und Industrie gleich armen
Ort von etwa einigen und zwanzig
Hütten. Alles zeigte hier den grössten
Verfall an, eine Bemerkung, welche
dadurch mehr Bedeutung erhält, dass
Serpa einer der ältesten Orte der
ganzen Provinz am Rio Negro ist *),
Encontramos um lugar miserável,
pobre tanto em pessoas como em
atividade, com umas vinte cabanas.
Tudo indicava grande decadência,
uma noção que ganha mais significância pelo fato de Serpa ser uma
das vilas mais antigas de toda a província às margens do Rio Negro *),
*
) Segundo Monteiro (§. 73.),20 os primeiros habitantes dessa vila eram das tribos Ururiz e Apakaxiz21, e instalaram-se
no Rio Mataurá, um confluente do Madeira. A propósito, foram também mencionados os Arawakis [Arauaques], os
Irijus e os Tiarís, sendo que essas duas
últimas tribos haviam sido transferidos
do Rio Purú para cá. Os Arawakis, uma
nação muito numerosa, cujos membros
distinguem-se por terem longos lóbulos
auriculares perfurados, motivo pelo qual
foram chamados de Orelhudos pelos
portugueses, estiveram distribuídos outrora numa área ampla entre o Nhamundá e o Negro. Desse povo, uma parte foi
aldeada e se dissolveu na mistura com
outros. A Missão da Conceição, que os
mercenários22 tinham estabelecido com
eles, desapareceu sem deixar rastro após
o assassinato do missionário (Monteiro
§. 74.). Os poucos Arawakis ainda selvagens que vi haviam chegado à Barra
do Rio Negro para trocar cera e penas.
Ribeiro (§. 9.) menciona, como estabelecidas no Serpa, as seguintes hordas,
provavelmente quase extintas depois
) Nach Monteiro (§. 73.) waren die
ersten Bewohner dieser Villa an dem
Flusse Mataurá, einem Confluenten
des Madeira, angesiedelt, und von den
Stammen Ururiz und Apacaxiz. Wir
hörten übrigens noch die Aroaquis,
Irijus und Tiarís nennen, welche beiden
letzteren von dem Rio Purú hierher
versetzt worden waren. Die Aroaquis,
eine sehr zahlreiche Nation, durch lang
herabhängende durchbohrte Ohrlappen
ausgezeichnet, und desshalh von den
Portugiesen Orelhudos genannt, waren
früherhin weit verbreitet zwischen den
Flüssen Nhamundá und Negro. An dem
letzteren ist ein Theil derselben aldeirt
worden, und in der Vermischung mit den
Uebrigen untergegangen. Die Mission
da Conceição, welche die Mercenarios
mit ihnen errichtet hatten, ist nach
Ermordung des Missionärs ohne Spur
verschwunden. (Monteiro §. 74.). Die
wenigen noch rohen Aroaquis, welche
mir zu Gesichte kamen, hatten sich in
der Barra do Rio Negro eingefunden,
um Wachs und Federn zu vertauschen.
Ribeiro (§. 9.) nennt, als in Serpa
*
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
134
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
angesiedelt, noch folgende, während
der fünf Jahrzehnte, seit er schrieb,
wahrscheinlich
fast
ausgestorbene
Horden: Sará, Baré, Anicoré, Aponariá,
Urupá, Jûma, Juquí, Curuaxiá und
Paraquís. Die Letzten, anfänglich am
Vatuma ansässig, schildert er als schöne
Leute, mit dem nationalen Abzeichen
einer drei Finger breiten Ligutar an den
Füssen, wodurch sie die Farbe ihrer Haut
in eine hellere umzuwandeln versuchten.
Wir sahen keine Spur mehr von ihnen.
das cinco décadas desde que ele escreveu seu relatório: Sára, Baré, Anikoré,
Aponariá, Urupá, Yúma [Juma], Jukí
[Juquí], Kuruaxiá [Curuaxiá], e Parikís
[Paraquís]. Essa última, inicialmente
residente às margens do Uatumã, o autor descreve como pessoas bonitas, que
tinham como insígnia distintiva de seu
povo uma ligatura de três dedos de largura nos pés, com a qual tentavam clarear
a cor da pele. Não encontramos vestígios
deles.
und sogar zur Zeit unserer
Anwesenheit noch Municipalort
für den. westlich gelegenen
Lugar da Fortaleza da Barra do
Rio Negro war, der noch keine
eigene Municipalitat (Senado da
Camara) besass. Die wenigen hier
wohnenden Indianer hatten alle
Spuren ihrer verschiedenartigen
Abkunft verloren, und sprachen die
allgemeine Sprache. Sie schienen ein
träges, unempfindliches Völkchen.
e de, mesmo na época da nossa visita, ainda ser a sede da administração
municipal de Lugar da Fortaleza da
Barra do Rio Negro, que fica a oeste
e ainda não tem sua própria municipalidade (Senado da Câmara23). Os
poucos índios que viviam aqui haviam perdido todos os traços de suas
diferentes origens e falavam a língua
comum. Pareciam ser um povo lerdo
e indolente.
Um so mehr musste uns eine junge
Indianerin vom Stamme der Passé
interessiren, welche vom Yupura,
wie es schien, als Sclavin, hierher
gebracht worden war. Sie war das
vollkommenste
Schwarzgesicht,
welches wir bis jetzt gesehen hatten.
Die Tatowirung bildete eine halbe
Ellipse, welche unter den Augen
Por isso, o que despertou ainda mais
o nosso interesse foi uma jovem índia da tribo Pazé [Pasé ou Passé],
que havia sido levada do Iupura aparentemente como escrava. Ela tinha
uma tatuagem preta no rosto que era
a mais perfeita que já havíamos visto. A figura era uma meia elipse, que
começava com um arco suave sob os
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
135
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
mit einem seichten Bogen anfing,
und sich, den grössten Theil der
Wangen einnehmend, bis in die
Kinngrube verschmälerte. Die Nase
war nicht tatowirt, die langen,
pechschwarzen Haare waren über
die Stirne abgestutzt, und auf dem
Hinterkopfe mit einem breiten
Bastbande zusammengezogen und
mit einem portugiesischen Kamme
geziert (S. im Atlas die Figur
“Passé”). Die gutmüthige Naivität
verlieh dem seltsam verunstalteten
Gesichte einen Ausdruck, der neben
den hässlichen Zügen eines jungen,
ebenfalls
gefangenen
Miranha
mit durchbohrten Nasenflügeln,
doppelt interessant erschien. Es lag
etwas unendlich Rührendes in dem
stummen Gebährdenspiele des so
gänzlich verwaisten Naturmädchens.
olhos e se alongava até a ponta do
queixo, ocupando a maior parte das
bochechas. O nariz não estava tatuado, os cabelos longos e pretos como
breu haviam sido aparados na testa
e, na parte de trás da cabeça, estavam presos com uma larga faixa de
entrecasca e enfeitados com um pente português (ver a ilustração “Pazé”
[Passé] no Atlas). A ingenuidade
bondosa dava àquele rosto enfeado
de forma tão estranha uma expressão que, em contraste com os traços
desagradáveis de um jovem Mirânia [Miranha], também prisioneiro
e cujas narinas eram perfuradas, era
interessante em dobro. Havia algo de
infinitamente tocante na gesticulação muda dessa menina natural que
estava completamente abandonada.
Auf der westlichen Seite von Serpa
erschienen die Ufer des Stromes
meistentheils in einer Höhe von
zwölf Fuss, und die mächtige
Wasserfluth des Jahrganges hatte
grosse Strecken verwüstet und frisch
abgerissen. In einer Mächtigkeit
von sechs bis acht Fuss bestehen
sie aus Sand, mit etwas Dammerde
und Schlamm gemengt, darüber aus
Thon von grauer, gelblicher oder
grünlicher Farbe.
No lado oeste do Serpa, as margens
do rio surgiam a uma altura média
de doze pés, e a poderosa cheia da
época havia há pouco devastado e
arrancado grandes áreas de terra. Essas camadas de terra tinham
entre 1,5 e 2,5 pés de espessura e
consistiam de areia misturada com
um pouco de lama e terra preta, em
cima da qual havia argila de cor cinza, amarela ou verde.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
136
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
Unsere Indianer liessen sich den
letzteren zu der Mandiocca und dem
Pirarucúfisch schmecken, und wir
hatten von nun an oft die Gelegenheit,
uns zu überzeugen, dass der seltsame
Gebrauch des Erdeessens allen
indianischen Anwohnern bekannt,
wenn schon nicht von allen geübt
sey. Ich zweifle nicht, dass. das
Erdeessen aus einer dem Hunger
zwar verwandten, jedoch nicht
mit ihm identischen Sensation
hervorgehe. Unsere Indianer konnten
uns auf die Frage, warum sie ohne
Mangel zweckmässiger und beliebter
Speise diesen feinen Thon gleichsam
als Zuspeise verzehrten, keine
andere Antwort geben, als dass ein
unbestimmtes Wohlbehagen erfolge,
wenn sie sich den Magen mit einer
mehrere Unzen schweren Portion
beladen hätten. Die Gefrässigkeit
dieser Völker, und vor allem der
Mangel eines sorgfältigen Maasses
der Nahrung, welche unentwickelten
Kindern zugetheilt wird, dürfte eine
Erweiterung und Erschlaffung des
Magens zur Folge haben, wodurch
die Sensation eines unbefriedigten
Hungers geweckt wird.
Nossos índios apreciavam muito
essa argila com mandioca e pirarucu, e, a partir de então, tivemos
muitas vezes a oportunidade de
confirmar que o estranho costume
de comer terra era conhecido por
todos os índios, quando não praticado por todos. Não tenho dúvidas
de que esse hábito é resultado de
uma sensação relacionada à fome,
mas não idêntica a ela. Nossos índios não puderam nos dar outra
resposta à pergunta sobre por que,
sem falta de alimentos apropriados e
populares, eles consumiam essa fina
argila como uma espécie de refeição suplementar, por assim dizer,
do que uma sensação indeterminada de bem-estar que nasce quando
enchem seus estômagos com uma
porção pesando algumas onças24. A
voracidade desses povos, e especialmente a falta de uma medida sensata da quantidade de comida dada às
crianças em desenvolvimento, pode
fazer com que o estômago se dilate
e se torne flácido, provocando assim a sensação de fome não saciada.
Andererseits aber ist es mir
wahrscheinlich, dass das heisse
Klima und der dadurch veranlasste
stärkere Andrang des Blutes in die
Por outro lado, porém, acredito
ser provável que o clima quente e
o consequente aumento do fluxo de
sangue para as estruturas periféricas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
137
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
peripherischen Gebilde ein Gefühl
von Leerheit (Inanitas) hervorbringen
könne, welches abzuwenden der
Naturmensch
bewusstlos
nach
solchen unverdaulichen Speisen
greift. Eine dritte Ursache liegt
vielleicht auch in der bei den
Indianern so häufigen Erzeugung
von Würmern (Lumbrici), denen
die Reisenden auf dem Amazonas,
wahrscheinlich
wegen
des
unreinlichen Trinkwassers, in einem
furchtbaren Grade ausgesetzt sind.
do corpo possam produzir uma sensação de vazio (inanitas), que faz o
homem natural inconscientemente
voltar-se para tal alimento indigerível. Uma terceira causa talvez seja
a frequente infestação por vermes
(lumbrici) entre os índios, problema ao qual os que viajam pelo Rio
Amazonas estão expostos em um
grau terrível, provavelmente por
causa da água insalubre.
Uebrigens fehlt es nicht an Beispielen
von
ähnlichen
unnatürlichen
Appetiten auch unter uns; und lange
Weile, oder grillenhafte Neigung, es
Andern gleichzuthun, mag auch dazu
beigetragen haben, das Lettenfressen
am Amazonas eben so häufig zu
machen, als Hr. v. HUMBOLDT es
am Orenoco beobachtet hat.
A propósito, não faltam exemplos
de apetites não naturais semelhantes
entre nós também; e o tédio ou a
vaidosa tendência de imitar o que
os outros fazem podem ter contribuído para tornar o comer argila no
Amazonas tão frequente quanto o é
o mesmo hábito observado pelo Sr.
v. HUMBOLDT25 no Orinoco.
Notas
1. O barco montaria é uma embarcação movida a remo, de pequeno porte, que,
por seu uso disseminado na região, teve papel histórico relevante na colonização
da Amazônia.
2. Segundo as regras da nomenclatura binomial, na primeira referência a uma
espécie feita em um texto, o nome ou “taxon” deve ser seguido do sobrenome
(ou abreviatura padrão) do cientista que primeiro o publicou validamente. Aqui,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
138
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
“Schweig.” Indica que a espécie foi descrita por August Friedrich Schweigger,
naturalista nascido na mesma cidade que Spix, Erlangen, hoje na Baviera.
3. Espécie descrita pelo próprio Johann Baptist Von Spix.
4. Spix e Martius conheceram o Capitão Zany no Pará, e ele os acompanhou a partir
de Santarém (Spix e Martius, 1038, referência à obra em alemão).
5. Imagem de homem Múra constante da p. 26 do Atlas, volume suplementar a
Reise in Brasilien. Imagem disponível no site da Biblioteca Digital Luso-Brasileira,
em <https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/33726>.
6. Os Payaguás são um grupo indígena, atualmente considerado extinto, que
habitava a região do Alto Rio Paraguai.
7. A palavra “toré” aparece aqui para denominar o instrumento indígena que tem
forma de clarineta ou trombeta e utilizado por diversas etnias do norte e centro do
Brasil, entre as quais estão os Múras. Esse também é o nome dado a um conjunto
de práticas (dança, música e rituais religiosos) de povos indígenas do nordeste
brasileiro, como os Pataxó, na Bahia. Mais à frente em seu relato, Spix e Martius
descrevem uma festividade em que há música e canto, mas, aparentemente, não se
trata do toré do nordeste brasileiro.
8. O paricá é o rapé da Amazônia, composto de ervas, cascas de árvores e outras
plantas tradicionalmente usadas por tribos indígenas da América do Sul.
9. Menção feita ao relatório de viagem de Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio,
publicado em 1825. Ver seção de referências bibliográficas.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
139
Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden
10. Trata-se de duas nações siberianas. O povo que os autores chamam de
“Ostiaques” (“Ostiaken” no texto em alemão) são denominados hoje de “Kets”, e
os “Kamchadals” são originários da província Kamchatka.
11. Essa localidade, no leste do estado do Amazonas, era chamada de Topinambarana
(ou Tupinambarana) pelos habitantes locais, mas tinha o nome oficial de Vila Nova
de Rainha. Hoje é o município de Parintins.
12. Os autores falam aqui do barco maior em que viajavam antes de passarem a
navegar na montaria do Capitão Zany, menor e mais ágil.
13. Spix e Martius usam em seu texto a escala Réaumur. No caso, nesse ponto, as
temperaturas mencionadas equivalem a 52oC e 42oC, respectivamente.
14. Os autores usam a palavra “Camisole”, termo francês também usado em alemão
(apesar da existência de “Kamisol”), que designava, à época, peça íntima utilizada por
homens e mulheres como a primeira peça que entrava em contato com o corpo. Em
português, o termo é “camisa” ou “chemise”, também na sua forma francesa (Lopes).
15. “Aubl.” é a abreviatura do nome do botânico e explorador francês Jean Baptiste
Christophore Fusée Aublet.
16. A letra L. após o nome da espécie indica que Carl Nilsson Linnæus (Carlos
Lineu) descreveu a planta.
17. Os autores empregam a palavra “Ananas”, que provavelmente era mais
conhecida à época, embora tanto “ananás” quanto “abacaxi” tenham origem nas
línguas indígenas (ver Maroneze para discussão sobre origem de “abacaxi”).
A parlavra “ananás” aparentemente veio do guaraní e antigo tupí “nana” e seria
conhecido de portugueses e espanhois já a partir do século XVI, o que justifica o
seu uso pelos exploradores alemães.
18. Nesse caso, a descrição botânica foi feita pelos espanhóis Hipólito Ruiz
López e José Antonio Pavón Jiménez.
19. Espécie descrita por Alexander Von Humboldt e Aime Bonpland (Humb. &
Bonpl.), embora o texto em alemão só traga a abreviatura de Humboldt.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
140
Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius
20. Os autores se referem ao Roteiro da Viagem da Cidade do Pará até as Últimas
Colônias do Sertão da Província, de José Monteiro de Noronha, publicado em
1768. Há uma edição de 2006, feita pela Editora da Universidade de São Paulo,
registrada na seção de referências.
21. Provavelmente uma referência ao povo que Câmara Jr. registra como
“Awakatxí”.
22. Vale ressaltar que a palavra “mercenários” é usada aqui e em outros pontos
da Reise para nomear os religiosos da Ordem de Nossa Senhora da Mercê, ou das
Mercês. Era a designação empregada em Portugal com referência àqueles que
também eram conhecidos como “mercedários”.
23. Denominação dada pela lei portuguesa da época para câmara ou assembleia
legislativa municipal.
24. Aqui, a medida é feita com a unidade “onça”, que equivale a 28,34 gramas.
25. Os autores fazem menção à obra de Alexander von Humboldt, Voyage aux
régions équinoxiales du Nouveau Continent, que foi publicado em francês em Paris.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021.
141
https://10.5007/2175-7968.2021.e84947
A VOYAGE UP THE RIVER AMAZON WITH A RESIDENCE
IN PARÁ, CAPÍTULO XXI: UMA TRADUÇÃO ANOTADA1
Luana Ferreira de Freitas1
1
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil/CNPq
Kelvis Santiago do Nascimento2
2
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil
A literatura de viagem nada mais é que um registro de natureza
científica e/ou pessoal de experiências vividas em forma de diários,
livros, artigos. Cabe lembrar que as incursões em território americano vão muito além do caráter meramente científico, envolvendo
questões territoriais e econômicas, pautadas pelo eurocentrismo.
Não é à toa que a coroa portuguesa vá assegurar o domínio da
bacia amazônica em 1712, no Congresso de Utrecht, uma vez que
há registro da presença de holandeses e ingleses no Vale do Xingu
já no final do século XVI e início do XVII, além do estabelecimento da Companhia da Guiana autorizada pelo governo inglês em
1626 e a ameaça francesa de anexação do Amapá2.
A região amazônica é objeto de cobiça há muito, mas, talvez,
seja no século XIX que essa cobiça vai ficar mais clara: a crença em
grandes jazidas minerais, a possibilidade de ligação entre as bacias
do Orinoco, do Amazonas e do Prata e a alegada fertilidade do solo
da região acirraria as pretensões colonialistas norte-americana e eu1
Todas as notas são dos tradutores.
Ver, por exemplo, Abertura do Rio Amazonas à navegação internacional e o
parlamento brasileiro de Paulo Roberto Palm. Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2009.
2
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
ropeia, justificando sua colonização por estrangeiros que pudessem
utilizar plenamente a região. O argumento da incompetência brasileira de gerir a região é, a cada certo tempo, retomada até hoje.
Observa-se, de uma forma geral, na literatura de viagem, narrativas a partir de um olhar que busca, a todo momento, declarar e
justificar a diferença entre o branco civilizado e o selvagem observado. Esses encontros interculturais assimétricos revelam sistemas
de valores e visões de mundo de colonizados e colonizadores. Uma
questão que chama a atenção em vários textos é a apresentação da
mestiçagem como algo repulsivo3.
Nascido no estado de Nova York em 1822, William H. Edwards
escreve A Voyage up the River Amazon with a Residence in Pará
recém-saído da universidade, onde cursara direito, aos 24 anos. Seu
pai tinha um lucrativo curtume e 1200 acres de terra no estado de
Nova York. Depois da viagem à região amazônica, Edwards se muda
para o estado da Virgínia e ali entra no ramo das minas de carvão e
se torna o presidente da Ohio and Kauawha Coal Company. Além de
ter uma grande quantidade de terra nas duas Virgínias, tinha várias
minas de carvão e construía estradas de ferro.4
A viagem em 1846 da qual resultou o livro foi feita com o seu tio,
Armory Edwards, que morava na Argentina onde negociava couro da
empresa da família. Acredita-se que A Voyage up the River Amazon
tenha influenciado Henry Walter Bates e Alfred Russel Wallace, que
citam o texto de Edwards nos seus escritos. Apesar da importância da
narrativa de Edwards, ele seria reconhecido anos depois como entomologista, sobretudo como um grande especialista em borboletas.
Dividido em 22 capítulos, A Voyage up the River Amazon Including a Residence in Pará registra desde a partida de Nova York
até a viagem de volta, “Voyage home”. A cada capítulo, o autor
3
Ver, por exemplo, Representações marajoaras em relatos de viajantes.
Dissertação defendida na UFPA, Programa de Pós-Graduação em Antropologia,
em 2017, de Lucas Monteiro de Araújo.
4
Para informações mais detalhadas, ver “William Henry Edwards” em The
Canadian Entomologist, vol. XLI, n. 08, 1909 e https://pt.findagrave.com/
memorial/119677739/william-henry-edwards, acessado em 05 de março de 2021.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021.
143
A voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, Capítulo XXI: Uma tradução...
descreve em detalhes a vida, os costumes (por exemplo, a preparação da farinha de mandioca e da tapioca), prédios públicos, aldeias
e vilarejos visitados, indígenas, negros e estrangeiros brancos, sobretudo dos Estados Unidos e da Europa ocidental, plantações,
criação e transporte de gado, mas é com a descrição da paisagem
natural, com pouca interferência humana, que a narrativa cresce e
que a fascinação do autor transparece. Edwards parece maravilhado pelos rios5, flora e, sobretudo, fauna amazônicas.
Foi justamente pelo franco interesse na descrição da fauna amazônica, que escolhemos o capítulo 21 para traduzir. Esse capítulo
trata da Ilha de Marajó, o que circunscreve a narrativa a um dado
espaço, e explora desde um cemitério indígena até o carregamento de um navio boiadeiro, com destaque especial à descrição dos
pássaros. Edwards descreve não apenas as aves, mas também seus
ninhos, os ovos, os filhotes, seus hábitos alimentares, reprodução entre outras curiosidades. No capítulo, são descritos patos
selvagens, íbis-escarlate, colhereiro-americano, tuiuiú, cabeças-secas, íbis-preto, garça-azul-grande, socó, garça-branca-grande, garça-branca-pequena, tesourinha, tucano-toco, uirapuru, uirapurude-chapéu-branco, corrupião, beija-flor, beija-flor-brilho-de-fogo,
gavião-tesoura, papagaio, cigana, garça, arapapá, anhinga, biguá,
mutum, gavião, jabiru e urubu, ou seja, 28 pássaros.6
Além do relato minucioso das aves de Marajó, Edwards, nesse
capítulo, desmente Charles-Marie de la Condamine que descreveu
o fenômeno da Pororoca no século XVIII quando atravessou o continente americano, partindo de Quito, pelo rio Orinoco, até chegar
ao Oceano Atlântico. Condamine afirmara que as ondas da Pororoca chegavam a atingir mais que 4 metros e meio de altura. Edwards
afirma que as ondas não passam de um metro e meio de atura.
Nossa edição usada para a tradução está disponível na Biblioteca Brasiliana e é de 1847. Segue abaixo a folha de rosto:
5
Para se ter uma ideia do percurso da viagem, Edwards cita, entre outros, os
rios Amazonas, Guamá, Tapajós, Trombetas, Madeira, Negro, Branco e Xingu.
6
Para pesquisa sobre aves, ver https://www.wikiaves.com.br/.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021.
144
Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
Fonte: Biblioteca Brasiliana.
Para que possamos justificar nossas escolhas, cabe citar a classificação do homem por Lineu7, médico, zoólogo e botânico sueco,
que reforça e justifica a necessidade de posse da região pelo homem branco, civilizado e racional.
De acordo com Lineu, o homem pode ser dividido nos seguintes
tipos:
a) Homem selvagem. Quadrúpede, mudo, peludo.
7
Carl Linnaeus viveu no séc. XVIII e escreveu Sistema Naturae publicado em
1758 de onde essa classificação foi tirada.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021.
145
A voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, Capítulo XXI: Uma tradução...
b) Americano. Cor de cobre, colérico, ereto. Cabelo negro,
liso, espesso; narinas largas; semblante rude; barba rala;
obstinado, alegre, livre. Pinta-se com finas linhas vermelhas. Guia-se por costumes.
c) Europeu. Claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro,
castanho, ondulado; olhos azuis; delicado perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por Leis.
d) Asiático. Escuro, melancólico, rígido, cabelos negros;
olhos escuros; severo, orgulhoso, cobiçoso. Coberto por
vestimentas soltas. Governado por opiniões.
e) Africano. Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros,
crespos, pele acetinada; nariz achatado, lábios túmidos;
Governado pelo capricho (Pratt, 68, apud Araújo, 8).
O racismo de Lineu é explicito se considerarmos principalmente
o que governa cada categoria: costume, leis, opiniões e capricho.
Fica, dessa forma, claro o lugar e o papel civilizatório do branco.
Observamos ao longo de A Voyage up the River Amazon, nosso
texto-fonte, a influência dessa classificação de Lineu em William
Henry Edwards, autor do texto. Citamos a seguir quatro trechos
reveladores da visão de mundo colonialista de Edwards e que encontram eco na classificação de Lineu:
A great proportion of the foreigners in the city are from
the United States and Great Britain; and these form among
themselves a delightful little society. (36).
Esse fragmento exalta a segregação das populações locais, conferindo ao seu grupo (branco e anglófono) status especial. Nas palavras do autor, eles formavam “a delightful little society”. Nesse
caso, o trecho referente ao europeu de Lineu justifica a divisão.
Ora, se para o Lineu, o europeu era delicado, perspicaz, inventivo,
claro, musculoso. Coberto por vestes justas e governados por lei,
não poderia se meter com indígenas, por exemplo, que se guia por
costumes, ou negros guiados pelo capricho.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021.
146
Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
The Indian seems to predominate, however, and it might be
questionable how far his courage would carry him, once led
into action. (35)
Nesse ponto, o autor trata da Guarda nacional em que, de acordo com ele, predominavam indígenas e põe em xeque a coragem
dos povos originários para a função.
We never heard an instance of snakes attacking man, and
the negroes do not fear an encounter with the largest. ( 236)
Aqui a construção frasal nos leva a acreditar em dois tipos de
humanos: os homens, que não são atacados por cobras, e os negros, que não temem os animais.
E, finalmente, o último excerto:
THE want of emigrants from other countries, and of an efficient labouring class among its population, are the great
obstacles to the permanent welfare of Northern Brazil. […]
With the nobler qualities of the old Portuguese, to which
popular history has never done justice, was mingled a narrowness of mind, that was natural enough in the subjects of
an old and priest-ridden monarchy. (246)
É nesse último argumento que a divisão entre colonizadores
e colonizados se faz mais presente. De acordo com Edwards, os
brasileiros não tinham competência para gerir a região; e os portugueses, súditos de uma velha monarquia carola, tinham uma visão
de mundo limitada. Só o que pode salvar a região amazônica são
emigrantes de uma eficiente classe trabalhadora. Surpreendentemente, o autor achou que não havia em solo brasileiro nenhuma
classe trabalhadora capaz. Como já dito anteriormente, essa ideia
de que o brasileiro sozinho não consegue administrar a Amazônia
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021.
147
A voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, Capítulo XXI: Uma tradução...
ou como a variação de Edwards de que precisamos de emigrantes
é recorrente até os dias de hoje
Decidimos como estratégia deixar todas as marcas de xenofobia, racismo e violência do texto ressaltadas como estão no textofonte. Não passou pelas nossas cabeças suavizar o texto, torná-lo
mais palatável para o público de 2021. Acreditamos ser importante
o registro da história da dor e da injustiça como um meio de entendermos nosso passado e de pensar em alternativas.
Luana Ferreira de Freitas. E-mail: luanafreitas.luana@gmail.com. https://orcid.
org/0000-0003-0165-421X.
Kelvis Santiago do Nascimento. E-mail: kelvis_santiago@hotmail.com. https://
orcid.org/0000-0001-5760-4698.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021.
148
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84951
A VOYAGE UP THE RIVER AMAZON INCLUDING A
RESIDENCE AT PARÁ (CHAPTER XXIII)
William H. Edwards
Tradução de:
Luana Ferreira de Freitas1
1
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil/CNPq
Kelvis Santiago do Nascimento2
2
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil
CHAPTER XXI
CAPÍTULO XXI
Description of Marajo – Cattle –
Tigers – Alligators – Snakes – Antas –
Wild ducks – Scarlet Ibises – Roseate
Spoonbills – Wood Ibises – Other
birds – Island of Mixiana – Indian
burial places – Caviana – Macapá –
Bore or Pororoca – Leave Jungcal for
the rookery – A sail among the trees
– Alligators – The rookery – Return –
Na alligator’s nest – Adie uto Jungcal
– Violence of the tide – Loading cattle
– Voyage to Pará.
Descrição de Marajó – Gado – Onças – Jacarés – Cobras – Antas –
Patos selvagens – Ibis-escarlates
– Colhereiros – Tuiuiús – Outros
pássaros – Ilha Mexiana – Cemitérios indígenas – Caviana – Macapá
– Pororoca – De Juncal à colônia
de aves – Navegação por entre as
árvores – Jacarés – Colônia de aves
– Volta – Ninho de jacaré – Adeus
a Juncal – Violência da maré – Embarcando gado – Viagem ao Pará.
The length of the Island of Marajo is
about one hundred and twenty miles;
its breadth averages from sixty to
eighty. Much of it is well wooded,
O comprimento da Ilha de Marajó
é de cerca de 120 milhas1, sua largura varia de 60 a 802. Muito dela
é coberta de floresta, mas a maior
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
149
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
but far the larger part is campo,
covered during the wet season with
coarse, tall grass. At that time, the
whole island is little more than a
labyrinth of lakes. In summer, the
superabundant waters are drained
by numerous igaripés, and, rain
rarely falling, this watery surface is
exchanged for a garden of beauty,
in some parts, and into a desert,
upon the campos. The population
of the island is large, consisting
mostly of Indians and half-breeds.
Some of the towns, however, are of
considerable size, but most of the
inhabitants are scattered along the
coast and upon the igaripés. Four
hundred thousand cattle roam over
the campos, belonging to various
proprietors, the diferente herds
being distinguishable by peculiar
marks, or brands. The estate of
which Jungcal forms part, numbers
thirty thousand cattle, and a great
number of Indians and blacks are
employed in their care, keeping
them together, driving them up at
proper seasons to be marked, and
collecting such as are wanted for
exportation to the city. These men
become extremely attached to this
wild life, and are a fearless, hardy
race, admirable horsemen, and
expert with the lasso. When horses
abounded, it was customary to
parte é pasto, coberto durante a estação de chuvas por mato alto. Durante essa época, toda a ilha é pouco
mais que um labirinto de lagos. Na
seca, a água superabundante é drenada por inúmeros igarapés e, com
a chuva rara, essa superfície encharcada é transformada em um jardim
de beleza, em algumas partes, e em
deserto, no pasto. A população da
ilha é grande, consistindo, em sua
maioria, de indígenas e mestiços.
Algumas vilas, contudo, são de tamanho considerável, mas a maior
parte da população mora ao longo da
costa e nos igarapés. Quatrocentas
mil cabeças de gado vagueiam pelo
pasto, de donos diferentes, os diversos rebanhos são diferenciados por
marcas distintas ou marcações. A
propriedade da qual Juncal faz parte
tem um total de trinta mil cabeças de
gado, e um grande número de indígenas e negros são empregados no
seu cuidado, mantendo o gado junto, guiando-os em épocas propícias
para a marcação e reunindo aqueles
designados para a exportação para a
cidade. Esses homens tornam-se extremamente apegados a esse estilo de
vida selvagem; são de uma raça destemida, resistente, admiráveis cavaleiros e exímios no laço. Quando os
cavalos abundavam, era comum conduzir o gado comercializável ao lado
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
150
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
drive the marketable cattle towards
the Pará side of the island, whence
transmission to the city was easy;
but, at present, they are shipped
from Jungcal, or other places still
more remote, thus causing great
waste of time, and ruining the
quality of the beef. The cattle are of
good size, but not equal to those of
the South. Great numbers of young
cattle, and old ones unable to keep
up with the herd, are destroyed by
the ‘tigres,’ which name is applied
without much precision to different
species. The black tiger is seen
occasionally ; the Felis onça is most
common of all. Neither of these is
known to attack man ; and in their
pursuit, the islanders exhibit great
fearlessness and address, never
hesitating to attack them when
driven to a tree, armed with a
tresádo fastened to a pole. At other
times, they overtake them upon the
campos, running them down with
horses, and lassoing them. Once
thus caught, the tiger has no escape.
He is quickly strangled, his legs are
tied, and, thrown over the horse’s
back like a sack of meal, he arrives
at the hut of his captor. Here a
dash of water revives him, but his
efforts to escape are futile. An Onça
taken in this manner, was brought
to Pará for Mr. Campbell. He was
da ilha próximo ao Pará, de onde a
transferência para a cidade era fácil;
mas, atualmente, os animais são embarcados em Juncal, ou outros lugares ainda mais remotos, causando,
portanto, um grande desperdício de
tempo e comprometendo a qualidade
da carne. O gado é de bom tamanho,
mas não se iguala àquele do sul.
Grande número do gado mais novo,
e do velho incapaz de manter o ritmo
da boiada, é morto pelas onças3, animal cujo nome é aplicado sem muita
precisão a diferentes espécies. A onça-preta é vista de vez em quando;
a onça-pintada é a mais comum de
todas. Nenhuma dessas é conhecida
por atacar o homem, e, em seu encalço, os habitantes da ilha exibem
grande destemor e prontidão, nunca
hesitando em atacá-las com um terçado fincado em uma haste, quando acuadas em uma árvore. Outras
vezes eles apanham-nas nos pastos,
alcançando-as com cavalos e laçando
-as. Uma vez capturada, a onça não
tem escapatória. Ela é rapidamente
sufocada, suas patas amarradas e,
sendo jogada sobre o dorso do cavalo
como uma saca de farinha, ela chega
na cabana de seu caçador. Ali ela é
reanimada com um pouco de água,
mas seus esforços para escapar são
em vão. Uma onça capturada desta
maneira foi trazida ao Pará para o
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
151
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
strangled both on being take non
and off the canoe, and after being
revived, was marched upon his fore
legs through the streets, two men
holding each a hind leg, and others
guiding him by the colar upon his
neck.This animal was afterwards
brought to New-York by Capt.
Appleton. Frequently, young tigers
are exposed for sale in the market,
and one of these was our fellow
passenger in the Undine, upon our
return. We read in works of Natural
History, most alarming accounts
of the fierceness of the Brazilian
felines, but as a Spanish gentleman
remarked to us, of the Jaguar,
‘those were ancient Jaguars, they
are not so bad now-a-days.’
Sr. Campbell4. Ela foi sufocada tanto ao ser colocada quanto retirada
da canoa, e após ser reanimada, foi
conduzida sob as patas dianteiras pelas ruas, com dois homens cada segurando uma pata traseira, e outros
guiando-a pela coleira em seu pescoço. Esse animal foi trazido posteriormente a Nova York pelo capitão
Appleton. Com frequência, onças
jovens são expostas à venda na feira,
e uma dessas foi passageira conosco
na Undine, quando do nosso retorno.
Lemos em livros de História Natural
os mais alarmantes relatos sobre a
agressividade dos felinos brasileiros,
mas, como um cavalheiro espanhol
comentou conosco, “aquelas eram
onças antigas, elas não são tão más
hoje em dia”.
The cattle have another enemy in
the alligators, who seem to have
concentrated in Marajo from the
whole region of the Amazon,
swarming in the lagoons and
igaripés. There are two species of
these animals, one having a sharp
mouth, the other a round one. The
former grow to the length of about
seven feet only, and are called
Jacaré-tingas, or King Jacarés.
This is the kind eaten. The other
species is much larger, often being
seen twenty feet in length, and we
Outro inimigo do gado são os jacarés, os quais, de todas as regiões da
Amazônia, parecem ter se concentrado em Marajó, infestando lagoas
e igarapés. Há duas espécies desses
animais, uma que possui um focinho pontudo e a outra, arredondado. O primeiro cresce apenas até
os sete pés de comprimento5 e são
chamados Jacaretinga ou Jacaré de
óculos6. Esse é o tipo comestível. A
outra espécie é muito maior, sendo
vista com frequência alcançar os
vinte pés de comprimento7, e fomos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
152
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
were assured by Mr. Campbell, that
skeletons of individuals upwards
of twenty-five feet in length are
sometimes encountered.
assegurados pelo Sr. Campbell que
às vezes são encontrados esqueletos
dessa espécie maiores que os vinte e
cinco pés.8
In the inner lakes, towards the close
of the rainy season, myriads of ducks
breed in the rushes, and here the
alligators swarm to the banquet of
young birds. Should an adventurous
sportsman succeed in arriving at one
of these places, he has but a poor
chance of bagging many from the
flocks around him, for the alligators
are upon the alert, and the instant a
wounded bird strikes the water, they
rush en masse for the poor victim,
clambering over one another, and
crashing their huge jaws upon each
others’ heads in their hasty seizure.
Late in the wet season, they lay
their eggs, and soon after, instead
of becoming torpid, as would be
the case in a colder climate, bury
themselves in the mud, which,
hardening about them, effectually
restrains their locomotion, until the
next rains allow their dislodgment.
The inhabitants universally believe,
that the alligator is paralyzed with
a fear at the sight of a tiger, and
will suffer that animal to eat off
its tail, without making resistence.
The story is complimentary to the
tiger, at all events, for the tail of the
Nos lagos do interior, próximo ao
término da estação chuvosa, uma
miríade de patos procria em meio ao
junco, e aqui os jacarés se aglomeram para o banquete de jovens aves.
Se um esportista aventureiro conseguisse chegar a um lugar desses,
ele teria não mais que uma pequena
chance de ensacar as aves do bando
a seu redor, pois os jacarés estão
atentos, e, no instante em que uma
ave ferida cai na água, eles avançam em massa sobre a pobre vítima, montando uns sobre os outros,
uns batendo as mandíbulas enormes
nas cabeças dos outros, em sua
convulsão precipitada. Mais tarde,
na estação úmida, os jacarés põem
seus ovos, e logo depois, em vez
de hibernarem, como seria o caso
em um clima mais frio, eles mergulham na lama, que, quando seca,
efetivamente lhes restringe a locomoção até que as próximas chuvas
permitam seu deslocamento. Todos
os locais acreditam que o jacaré fica
paralisado de medo ao avistar um tigre, suportando que esse coma a sua
cauda sem resistir. Seja como for, a
história pende para o lado do tigre,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
153
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
alligator is the only part in esteem pois a cauda do jacaré é a única parte estimada por bon vivants.
by epicures.
Snakes spend their summers in the
same confinement as alligators, and
upon their issuing forth, are said
to be very numerous, and often
of great size. It was from Marajo,
that the anaconda, now or lately
exhibited at the American Museum,
was brought, and this fellow, as
well as the ‘Twin Caffres,’ we
frequently saw at Pará before
their transportation to New-York.
The largest snake known, of late
years, at Pará, was twenty-two feet
in length. He was captured upon
Fernando’s Island, near the city,
by the negroes, with a lasso, as
he laid upon the shore, basking in
the sun. He had long infested the
estate, carrying off, one time with
another, about forty pigs. Even
after being captured and dragged a
long way to the house, he coiled his
tail around a too curious pig, that
we may suppose, was gloating over
his fallen enemy, and would have
made a forty-one of him, had not
the exertions of the blacks forced
him to let go his hold.
As cobras passam o período da seca
no mesmo confinamento que os
jacarés e, quando surgem, dizem
ser em grande número e frequentemente imensas. Foi de Marajó que
a sucuri, exibida no American Museum, foi levada, e a víamos com
frequência no Pará, bem como aos
“Gêmeos caffres9”, antes de serem
transportados para Nova York. A
maior cobra de que se tem notícia,
nos últimos anos, no Pará media
vinte e dois pés10. Ela foi capturada
na Ilha Fernando, próximo à cidade, laçada pelos negros enquanto repousava na beira-mar banhando-se
ao sol. Já há muito ela importunava
a propriedade, levando consigo, um
após o outro, cerca de quarenta porcos. Mesmo depois de capturada e
arrastada por um longo caminho até
a casa, ela enroscou sua cauda em
um porco curioso demais que, poderíamos supor, se refestelava com
a inimiga caída, e teria feito dele
sua o quarenta e um, não fossem os
esforços dos negros para obrigar a
cobra a soltá-lo.
We never heard an instance of snakes Nunca ouvimos um caso de cobra
attacking man, and the negroes atacando homem, e os negros não
do not fear an encounter with the temem topar com uma das maiores.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
154
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
largest. Snake hunts, doubtless,
have exciting interest, as well as
others less ignoble. As elsewhere
remarked, these reptiles are very
frequently kept about houses in the
city, and may be often purchased in
the market, nicely coiled in earthen
jars. Southey records an old story to
this effect : ‘ that when the anaconda
has swallowed an anta, or any of the
larger animals, it is unable to digest
it, and lies down in the sun till the
carcass putrifies, and the urubus,
or vultures, come and devour both
it and the snake, picking the flesh
of the snake to the back-bone, till
only back-bone, head and tails be
left ; then the flesh grows again
over this living skeleton, and the
snake becomes as active as before.
‘ The march of knowledge in this
department is certainly onward ;
now, gentlemen in Pará believe no
more, than that the whole belly and
stomach fall out, trap-door like,
soon to heal again, and ready for a
repetition. In either case, the poor
snake is much to be pitied.
Sem dúvida há grande interesse nas
caçadas a cobra, assim como em
outras menos desprezíveis. Como
já dito, esses répteis com muita
frequência são mantidos nas casas
na cidade, e por vezes comprados
na feira, perfeitamente enrolados
dentro de jarros de barro. Southey
conta uma velha história nesse sentido: “que quando a sucuri engole
uma anta, ou algum outro animal
de grande porte, ela não consegue
digerir e se deita sob o sol até que a
carcaça apodreça, e os urubus vêm
e devoram tanto a carcaça quanto a
cobra, bicando-lhe a carne e ossos
até restar somente espinha, cabeça e
cauda; então a carne volta a crescer
cobrindo o esqueleto vivo, e a cobra fica tão ativa quanto antes.11” O
conhecimento nessa área certamente
está avançando; agora, os cidadãos
no Pará não acreditam em nada
além de que a barriga caia, como
um alçapão, para logo se curar novamente e ficar pronta para a próxima. Em ambos os casos, há muito
o que se lamentar pela pobre cobra.
The Antas, or Tapirs, are animals
not often found upon the mainland, but occasionally observed
on Marajo, along the igaripés.
They are, by many, considered as
amphibious, but they live upon the
As antas ou tapires não são frequentemente encontrados no continente,
mas de vez em quando são vistos
em Marajó nos igarapés. Muitos os
consideram anfíbios, mas vivem
na terra, recorrendo à água apenas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
155
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
land, merely resorting to the water
for bathing. In size, they resemble
a calf of a few months, and when
old, are of a brown color. They
are remarkable for a proboscislike nose. When tamed, they are
extremely docile, and are allowed to
roam freely, being taught to return
home regularly. One which we saw
in this state was small, and marked
with longitudinal spots of a light
color.
para se banhar. Em tamanho, lembram um bezerro de poucos meses
e, quando adultas, possuem coloração marrom. São notáveis por
seu focinho em formato de tromba.
Quando domesticadas, são extremamente dóceis e podem vagar de
maneira livre, tendo aprendido a
voltar para casa regularmente. Uma
anta que vimos nessas condições era
pequena e marcada por pintas longitudinais de cor clara.
The large Ant Eater is also a dweller O grande tamanduá é também um
habitante de Marajó.
on Marajo.
The Ducks breeding upon this
island are of two kinds, the
commong Musk Duck, and the
Maracas (Anas autumnalis). The
latter are most numerous. By the
month of September, the young are
well grown, and the old birds are
debilitated from loss of their wing
quills. Then, particularly upon
Igaripé Grande, on the Pará side,
people collect the ducks in great
flocks, driving them to a convenient
place, and, catching them, salt them
down by the canoe load.
Os patos que acasalam na ilha são
de dois tipos, o pato-de-papada12 e
a marreca-cabocla (Anas autumnalis). Esta aparece em maior número.
No mês de setembro, as aves jovens
já estão bem crescidas, e as velhas
debilitadas devido à perda de suas
penas. Então, particularmente no
Igarapé Grande, no lado do Pará
continental, as pessoas reúnem os
patos em grandes bandos, conduzindo-os para um lugar conveniente e,
ao capturá-los, salgam-nos junto à
carga da canoa.
Of the water birds frequenting
Marajo, the Scarlet Ibis, and
the Roseate Spoonbill, excel all
in gorgeousness and delicate
Das aves aquáticas habituais em
Marajó, o íbis escarlate e o colhereiro-americano excedem as demais
em deslumbre e delicada coloração.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
156
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
coloring. The Ibises are of the
brightest scarlet, excepting the
black tips of the wings, and their
appearance, when, in serried
ranks, the lenghth of a mile,
they first come to their breeding
place, is described, as one might
well imagine it, as wonderfully
magnificent. They appear, in this
manner, in the month of June,
and at once, set about the forming
of their nests. At this time, they
are in perfect plumage, but soon
commencing to moult, theyy
lose somewhat of their beauty.
The young birds are ready to
depart in December, and then,
the whole family disappear from
the vicinity, excepting a few
individuals here and there. In
Maranham, the breeding season is
in February, and, in that month,
Capt. Appleton found them there
in vast numbers. Sometimes, but
rarely, they are observed in the
Gulf districts of the United States,
but they have never been known
to breed there. The nests are made
of small sticks, loosely formed.
From two to three eggs are laid,
greenish in color, and spotted with
light brown.
Os íbises são de um escarlate intenso, exceto pelas extremidades pretas
das asas, e sua aparição, formando
fileiras cerradas de uma milha13,
ocorre quando de sua primeira visita ao local de reprodução, o que,
como se pode imaginar, é descrito
como maravilhosamente esplendoroso. Eles aparecem dessa maneira
no mês de junho e logo começam
a construir seus ninhos. A essa altura, possuem uma plumagem perfeita, mas logo após começarem a
muda das penas perdem um pouco
da beleza. As aves jovens estão
prontas para partir em dezembro,
e a família toda então desaparece
das proximidades, exceto por uns
poucos indivíduos aqui e ali. No
Maranhão, a época de reprodução
ocorre em fevereiro, e nesse mês o
capitão Appleton pode encontrá-las
em grandes números. Algumas vezes (ainda que de forma rara), essas aves são vistas nos distritos do
Golfo dos Estados Unidos, embora
nunca se tenha sabido de sua reprodução por lá. Os ninhos, feitos de
pequenos gravetos, são frouxamente
construídos De dois a três ovos são
postos, sendo esses de coloração esverdeada e manchados de marrom.
The Roseate Spoonbills do not Os colhereiros não migram como
migrate as do the Ibises, being quite os ibises e são bastante comuns em
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
157
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
common upon the whole coast, and
sometimes being seen far up the
Amazon in summer. The delicate
roseate of their general coloring,
with the rich, lustrous carmine of
their shoulders, and breast tufts,
as well as the singular formation
of their bills, render them objects
of great interest as well as beauty.
They are seen fishing for shrimps
and other small matters allong the
edges of the water, or in the mud
left exposed by the ebbing tide, and
as they eat, grind the food in their
mandibles moved laterally. As well
as the Ibis, they are exceedingly
shy at every season, except when
breeding. They breed in the same
places with the Scarlet Ibises and
the Wood Ibises, and the nests of the
three resemble each other in every
respect, but in size. The eggs of the
Spoonbill are from three to four,
large, white, and much spotted with
brown. The birds are called by the
Brazilians, Colheréiros, meaning
spoonbill. The name of the Ibis is
Guerra, signifying warrior.
toda a costa, sendo vistos muitas
vezes distantes do Amazonas no
verão. O delicado tom rosa de sua
coloração geral, somada ao carmim
vivo e brilhante de seus ombros e
tufos do peito, bem como a forma
única de seus bicos, tornam essa ave
objeto de grande interesse e beleza.
Eles são vistos caçando camarões e
outros pequenos animais na beira da
água ou na lama exposta pela maré
baixa, e, quando comem, trituram
a comida movendo suas mandíbulas de um lado para o outro. Assim
como o íbis, essas aves são extremamente tímidas em qualquer período,
exceto na época de reprodução. Os
colhereiros se reproduzem nos mesmos lugares que os íbises escarlates e os cabeça-secas, e os ninhos
dos três são parecidos em todos os
aspectos exceto tamanho. Os colhereiros põem de três a quatro ovos
grandes, brancos e com marcas
marrons. Elas são chamadas pelos
brasileiros de colhereiros, spoonbill
em inglês. O nome dos íbis é Guerra, warrior em inglês.
Another of the northern birds here
breeding, is the Wood Ibis, Tantalus
loculator, much larger than either
of the above. Its general plumage is
white, the tips of the wings, and the
tail, being a purplish black. By the
Outra ave do norte que se reproduz
aqui é o cabeça-seca (Tantalus loculator), muito maior que os outros
dois anteriormente mencionados.
Sua plumagem geral é branca, com
as extremidades das asas e a cauda
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
158
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
natives, it is called the Jabirú, which
name in Ornithologies is more
generally applied to the Tuyuyu. It
lays two or three eggs, of a dirty
white color.
de um preto arroxeado. Ela é chamada pelos nativos de jabiru, cujo nome
na ornitologia é geralmente mais
aplicado ao tuiuiú. Essa ave põe de
dois a três ovos de cor branca suja.
Besides these, the Glossy Ibis,
Ibis falcinellus; the Great Blue
Heron. A. herodias; Night Heron,
A. nycticorax; Great American
Egret, A. alba; Snowy Heron, A.
candidissima; Least Bittern, A.
exilis; Purple Gallinule, Blacknecked Stilt, and perhaps others
common in the United States breed
pon Marajo; as well as a variety
of the same family peculiar to the
South.
Além desses, o íbis-preto (Ibis falciinellus); a garça-azul-grande (Ardea herodias); o socó dorminhoco
(A. nycticorax); a garça-brancagrande (Ardea alba); a garça-branca-pequena (A. candidíssima); o
socoí-vermelho (A. exilis); o frango
-d’água-azul, o perna-de-pau e talvez outras aves comuns nos Estados
Unidos se reproduzem em Marajó,
da mesma forma que uma variedade
da mesma família peculiar ao sul.
We found here, also, one of the
rarer land-birds of Audubon, the
Fork-tailed Fly-catcher, Muscicapa
forficatus, and were fortunate
enough to discover its nest. This
was near the water, in a low tree,
and was composed of grass and the
down of some plant. The eggs were
two in number, white, and spotted
with brown, at the larger end more
particularly, resembling, except in
size, those of our King-bird.
Também encontramos aqui um dos
mais raros pássaros do Audubon14,
o tesourinha, Muscicapa forficatus,
e tivemos a sorte de descobrir seu
ninho. Este estava perto da água,
numa árvore baixa, e era feito de
grama e partes de alguma planta. Havia dois ovos brancos com
manchas marrons mais especificamente na extremidade mais larga,
lembrando, exceto em tamanho, os
ovos de nosso suiriri-valente.
Generally, the land-birds upon Geralmente os pássaros encontrados
Marajo are of different varieties em Marajó são de variedades difefrom those found about Pará, and rentes daqueles encontrados no Pará
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
159
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
upon the Main. The Chatterers are
not seen there; the Toco Toucan
takes the place of the Red-billed ;
the Cayenne Manikin, whose head
and shoulders are bright red, is
as common as the White-capped
elsewhere; Black-backed Yellow
Orioles, Icterus jububu, are
extremely abundant; as are also the
Mango Humming Bird, T. mango;
the Ruby and Topaz, T. moschitus;
Swallow-tailed, T. fortificatus;
Black-breasted, T. gramineus; and
many other varieties of this family.
e no continente. Os sabiás não são
vistos aqui; o tucano-toco ocupa o
lugar do Tucano-de-peito-branco; o
uirapuru, cuja cabeça e ombros são
de um vermelho vivo, é tão comum
quanto o uirapuru-de-chapéu-branco em outros lugares; os corrupiões, Icterus jububu, são extremamente abundantes, assim como os
beija-flores, T. mango; o beija-flor
-brilho-de-fogo, T. moschitus; o
gavião-tesoura, T. forficatus; papagaio, T. gramineus, e muitas outras
variedades dessa família.
Opposite Jungcal, and in view
from the shore, is the Island of
Mixiana, twenty-five miles in
length, and resembling Marajo in
its characteristics. This is entirely
the property of Srs. Campbell
and Pombo, the proprietors of the
Jungcal estate, and here they have
many thousand cattle.
Em frente ao Juncal, visível da
praia, está a Ilha Mexiana, com vinte e cinco milhas15 de comprimento,
lembrando Marajó em suas características. Este território pertence
inteiramente aos senhores Campbell
e Pombo, os donos da propriedade
Juncal, e aqui eles possuem muitos
milhares de gado.
Upon Mixiana are Indian burial
places, and from these are disinterred
urns of great size, containing bones
and various trinkets. Unfortunately,
our time would not allow us to
visit that island, or we should
have been at the pains of exploring
these interesting remains. We saw,
however, one of the jars at Jungcal.
Similar burying places are found in
Em Mexiana, existem cemitérios indígenas, de onde são desenterradas
grandes urnas contendo ossos e várias bugigangas. Infelizmente o tempo não permite que visitemos essa
ilha, ou teríamos que fazer grande
esforço para explorar esses interessantes artefatos. Vimos, contudo,
alguns desses vasos no Juncal. Sepulturas similares são encontrados
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
160
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
various parts of Brazil and Paraguay, em várias partes do Brasil e Paraand the ancient method of interment guai, e o antigo método de enterrar
in most of the tribes was the same. era o mesmo na maioria das tribos.
Beyond Mixiana, is the much larger
island of Caviana, and many other
islands, of considerable size, are
strewn over the mouth of the river.
Depois de Mexiana, fica a ilha da
Caviana, bem maior que aquela, e
muitas outras, de tamanho considerável, estão espalhadas ao longo da
foz do rio.
Upon the opposite shore is the
town of Macapá, said to contain the
finest fort in Brazil. The situation
is considered unhealthy, and
foreigners rarely visit there. Sailing
from Pará to Macapá, one passes
more than forty islands. Between
Macapá and Marajo is seen in its
perfection the singular phenomenon,
known as the Bore, or Pororoca,
when the flood tide, at the instant of
its turning, rolls back the waters of
the river in an almost perpendicular
wall. Condamine, many years ago,
described the sea as ‘ coming in, in
a promontory from twelve to fifteen
feet high, with prodigious rapidity,
and sweeping away every thing in
its course.’ No one knows of such
terrible phenomena now-a-days.
We inquired of several persons
accostumed to pilotting in the main
channel, and of others long resident
in the city and familiar with the
wonders of the province, but none
Na outra margem fica a cidade do
Macapá, que possuiria o mais belo
forte do Brasil. O atual cenário é considerado insalubre, e os estrangeiros
raramente visitam aquela cidade. No
trajeto do Pará ao Macapá pelo rio
passa-se por mais de quarenta ilhas.
Entre Macapá e Marajó é visto em
sua perfeição o fenômeno conhecido
como Pororoca16, quando a maré
alta, no instante de sua virada, arrasta
as águas do rio quase como se fossem
uma parede perpendicular. Condamine, muitos anos atrás, descreveu o
mar como “vindo, em um promontório de doze a quinze pés17 de altura,
com rapidez prodigiosa, e varrendo
tudo o que encontrasse em seu curso.” Ninguém sabe de tão terríveis fenômenos hoje em dia. Perguntamos a
muitas pessoas acostumadas a pilotar
no canal principal e a outras que residem há muito tempo na cidade e são
familiarizadas com as maravilhas da
província, mas nenhuma delas ouviu
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
161
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
of them had known the water to rise
above the height of five feet, even
at the spring tides. A canoe of any
size is in no danger, her bow being
turned to the flood.
falar de as águas subirem acima de
cinco pés18, mesmo com a mudança
da maré. Nenhuma canoa do tamanho
que for corre perigo, estando sua proa
virada para o fenômeno.
Early in the morning, we
accompanied Mr. Hauxwell to a
tree, upon which a pair of Tuyuyus
were Building their nest. A nimble
Indian climbed the tree, but the nest
was unfinished. It was thirty feet
from the ground, composed of large
sticks ; and looked from below, big
enough for the man to have curled
himself in.
Cedo de manhã acompanhamos o
Sr. Hauxwell até uma árvore na
qual um casal de tuiuius estava fazendo seu ninho. Um indígena veloz
subiu na árvore, mas o ninho estava inacabado. Ficava a trinta pés19
do chão, feito de grandes gravetos;
e, olhando de baixo, era grande o
suficiente para que aquele homem
pudesse se agachar lá dentro.
We left Jungcal for the rookery,
about nine o’clock, with the
flood tide, in a montaria, with a
couple of guides. They were men
of the estate, and looked upon
the adventure as most lucky for
them. Making pleasure subservient
to business, they cararied their
harpoons for fish or alligators,
and baskets for young birds.
Immediately after leaving the
landing, we startled a Cigana from
her nest, in the low bushes by the
water. The stream grew more and
more narrow, winding in every
direction. Tops of tall trees met
over our heads, countless flowers
filled the air with perfume, and the
Partimos do Juncal para a colônia de
aves por volta das nove horas, durante a maré alta, em uma canoa com
um par de guias. Estes eram trabalhadores da propriedade e consideravam
a aventura um golpe de sorte. Pondo
em prática o ditado “primeiro o dever depois o prazer” eles carregavam
arpões para os peixes ou jacarés, e
cestas para pássaros novos. Assim
que partimos da terra, espantamos
uma cigana de seu ninho nos arbustos
baixos junto à água. O rio estreitavase cada vez mais, serpenteando em
todas as direções. O topo de altas árvores encontrava-se por sobre nossas
cabeças, incontáveis flores enchiam o
ar de perfume e a luz e sombra brin-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
162
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
light and shade played beautifully cavam lindamente por entre as verdes
among the green masses of foliage. massas da folhagem.
Upon the trees were perched birds
of every variety, who flew before
our advance, at short distances, in
constantly increasing numbers, or
curving, passed directly over us ;
in either case, affording marks too
tempting to be neglected. Upon
some topmost limb, the Great Blue
Heron, elsewhere shyest of the
shy, sat curiously gazing at our
approach. Near him, but lower
down, Herons, white as driven
snow ; some, tall and majestic as
river naiads, others, small and the
pictures of grace, were quietly
dozing after their morning’s meal.
Multitudes of Night Herons, or
Tacarés, with a loud quack, flew
startled by ; and, now and then,
but rarely, a Boatbill, with his
long plumed crest, would scud
before us. The Snake-bird peered
out his long neck, to discover the
cause of the general commotion ;
the Cormorant dove from the dry
stick, where he had slept away the
last hour, into the water below ;
swimming with head scarcely
visible above the surface, and a
ready eye to a treacherous shot.
Ducks rose hurriedly, and whistled
away ; Curassows flew timidly
Por sobre as árvores havia toda variedade de pássaros empoleirados,
os quais voavam ante nosso avanço, a curtas distâncias, em números
cada vez maiores, ou curvando-se,
passavam diretamente sobre nós;
em ambos os casos, deixando marcas tentadoras demais para serem
ignoradas. Pousada sobre algum
dos galhos mais altos, a grande-garça-azul, em outros lugares a mais
tímida de todas, assistia curiosamente a nossa aproximação. Próximo a ela, mais abaixo, havia garças
brancas como neve; algumas, altas
e majestosas como náiades dos rios,
outras, pequenas e graciosas, cochilavam tranquilamente após a refeição da manhã. Um grande número
de socós dorminhocos, ou taquiris,
voava assustado em meio a altos
grasnidos; e, de vez em quando,
embora raramente, um arapapá,
com sua crista coberta por longas
penas, disparava diante de nós. A
anhinga colocava seu longo pescoço para fora, tentando descobrir a
causa da comoção geral; o biguá
mergulhou do graveto seco em que
tinha dormido na última hora na
água; nadando com sua cabeça quase imperceptível acima da superfície
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
163
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
to the deeper wood ; and fearless e com o olhar atento para um tiro
Hawks, of many varieties, looked traiçoeiro. Os patos levantaram-se
apressadamente e passaram zuninboldly on the danger.
do; mutuns voavam timidamente
para dentro da floresta; e os destemidos gaviões, de variados tipos,
olhavam com ousadia para o perigo.
With a noise like a falling log, an
alligator would splash into the water
from the bank, where she had been
sunning herself, or looking after
her nest ; and often, at once, half
a dozen huge, unsightly heads were
lifted above the surface, offering a
fair, but not always practicable mark
for a half-ounce ball. Occasionally,
a whole family of little alligators,
varying in length from six to
eighteen inches, would start out
of the leaves instinctively, some,
plumping themselves in, as the
examples of their respected mammas
had taught them ; others, in their
youthful innocence, standing gazing
at us, from the top of the bank ; but
with more than youthful cunning,
ready also to plump in at the least
motion towards raising a gun. At
frequent intervals, the beaten track
from the water, disclosed the path
of some of these monsters ; and a
pile of leaves, just seen through the
trees, showed clearly the object of
their terrestrial excursions.
Com um focinho parecido com um
tronco caído, um jacaré pulou da
margem do rio, onde se banhava ao
sol ou cuidava de seu ninho, para
dentro d’água; e, com frequência,
de repente, meia dúzia de cabeças
enormes e desagradáveis emergiam
superfície, oferecendo um alvo promissor, mas nem sempre praticável,
para um tiro. A cada certo tempo,
toda uma família de pequenos jacarés, variando entre seis e dezoito
polegadas20 de tamanho, começariam a sair do meio das folhas instintivamente, alguns submergindo,
como suas respeitáveis mães lhes
haviam ensinado; outros, devido à
inocência da juventude, permaneciam imóveis olhando para nós da
margem, mas com mais que astúcia
juvenil, prontos para submergir na
água ao menor sinal de pegarmos
em uma arma. A frequentes intervalos, a trilha agitada da água revelava
o caminho de alguns desses monstros; e uma pilha de folhas, apenas
vistas através das árvores, mostrava
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
164
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
claramente o objetivo da excursão
terrestre deles.
As we neared the rookery, after
a two hours’ pull, the birds were
more and more abundant ; and the
alligators more and more bold,
scarcely minding our approach, and
only learning caution, by repeated
applications of leaden balls. The
frequent proximity of the King
Jacarés, offered many opportunities
to the harpooner in the bow ; but
we learned, by his ill siccess, that
these autocrats cared verey little for
punches in the ribs.
À medida em que nos aproximávamos da colônia de aves, depois
de duas horas de viagem, as aves se
tornavam mais e mais abundantes,
e os jacarés, mais e mais ousados,
pouco se importando com a nossa
aproximação, aprendendo a ter
cuidado com os repetidos disparos
de balas de chumbo. A frequente
aproximação do jacaretinga oferecia
muitas oportunidades para o
arpoador na proa, mas aprendemos,
pela falta de êxito deste, que aqueles
autocratas não davam a mínima para
golpes em suas costelas.
Turning suddenly, we left the
bordering forest for a canebrake,
and instantly broke full upon the
rookery. In this part, the Scarlet
Ibises, particularly, had nested ;
and the bended tops of the canes
were covered by half-grown birds
in their black plumage, interspersed
with many in all the brilliance of
age. They seemed little troubled
at our approach, merely flying a
few steps forward, or crossing the
stream. Continuing on, the flocks
increased in size ; the red birds
became more frequent, the canes
bent beneath their weight like
Fazendo uma curva repentina, deixamos a floresta das proximidades em
direção a um canavial, e instantaneamente entramos por completo na colônia de aves. Nessa parte, os íbises
-escarlates, particularmente, tinham
se aninhado; e os topos curvados das
canas estavam cobertos por aves quase em idade adulta com sua plumagem preta, intercaladas por muitas
em todo o esplendor da idade. Elas
pareciam pouco preocupadas com a
nossa aproximação, apenas voando
alguns passos à frente ou cruzando
o rio. Seguindo em frente, os bandos
cresciam em tamanho; os pássaros
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
165
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
reeds. Wood Ibises and Spoonbills,
began to be numerous. The nests of
all these, filled every place where
a nest could be placed ; and the
young Ibises, covered with down,
and standing like so many Storks,
their heavy bills resting upon their
breasts and uttering no cry, were in
strong contrast to the well-feathered
Spoonbills,beautiful
in
their
slightly roseate dress, and noisily
loquacious. Passing still onward, we
emerged from the canes into trees ;
and here the White Herons had made
their homes, clouding the leaves
with white. Interspersed with these,
were all varieties mentioned before,
having finished their nesting, and
being actively engaged in rearing
their young. We had sailed above a
mile, and at last, seeming to have
approached the terminus we turned
and went below a short distance
to a convenient landing, where we
could pursue our objects at leisure.
The boatmen, at once, made their
dispositions for basketing the young
birds ; and soon, by shaking them
down from the nests, and following
them up, had collected as many as
they desired. We wandered a long
distance back, but the nests seemed,
if any thing, more plentiful, and
the swarms of young more dense.
At the sound of the gun, the birds
vermelhos tornavam-se mais frequentes, as canas curvavam-se como
junco sob o peso delas. Tuiuiús e
colhereiros começavam a se tornar
numerosos. Os ninhos destes ocupavam todos os lugares possíveis; e os
jovens íbises, cobertos de penugem e
ficando de pé como muitos jabirus,
seus bicos pesados repousando sobre
o peito e sem fazer qualquer barulho, contrastavam fortemente com
os colhereiros cobertos de penas,
belos em seu vestido levemente rosado e ruidosamente loquazes. Ainda seguindo adiante, emergimos do
canavial em meio a árvores, e aqui
as garças-brancas-grandes construíram seu lar, cobrindo as folhas de
branco. Em meio a essas aves havia
todas as variedades mencionadas
anteriormente, as quais terminavam
de construir seus ninhos e empenhavam-se ativamente em cuidar dos
mais jovens. Havíamos navegado
cerca de uma milha21 e, finalmente,
parecendo termos alcançado o ponto
final, viramos e seguimos a uma curta distância em direção a um lugar
conveniente onde poderíamos buscar
nossos objetivos livremente. Os barqueiros imediatamente se dispuseram a capturar as aves mais jovens,
e em pouco tempo, ao sacudi-las dos
ninhos e depois alcançá-las, haviam
recolhido tantas quanto desejavam.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
166
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
in the immediate vicinity, rose in a
tumultuous flock ; and the old ones
circled round and round, as though
puzzled to understand the danger
they instinctively feared. In this
way, they offered beautiful marks
to our skill ; and the shore, near the
canoe, was soon strewed with fine
specimens. Evidently, this place
had been for many years, the haunt
of these birds. Not a blade of grass
could be seen ; the ground was
smooth and hard, and covered with
excrement.
Vagueamos uma longa distância de
volta, mas os ninhos pareciam mais
numerosos, e a massa de filhotes ainda mais densa. Ao disparo da arma,
as aves nas proximidades imediatas
começaram a voar em um bando tumultuado; as mais velhas rodavam e
rodavam, como que confusas para
entender o perigo que instintivamente temiam. Dessa maneira, elas
ofereciam um belo alvo para a nossa
habilidade; e a margem próxima à
canoa em pouco tempo estava coberta de ótimos exemplares. Evidentemente, esse local tinha sido por muitos anos o refúgio dessas aves. Não
se podia ver uma folha de grama e o
chão estava liso e duro, coberto de
excremento.
Occasionally, and not very rarely,
a young heedless would topple into
the water, from which the noses
of alligators constantly protruded.
Buzzards, also, upon the bank,
sunned themselves and seemed
at home ; and not unfrequently, a
hungry Hawk would swoop down,
and away with his prey almost
unheeded.
A cada certo tempo, e não raro, um
filhote desatento tombava dentro da
água, de onde os focinhos de jacarés
constantemente se sobressaíam. Os
urubus tomavam banho de sol nas
margens e pareciam em casa, e com
frequência algum gavião faminto
mergulhava e ia para longe com sua
presa quase que ignorado.
We were amused by the manner of
feeding the young Scarlet Ibises. In
the throat of the old female bird,
directly at the base of the lower
Ficamos maravilhados com a maneira que os filhotes de íbis-escarlate eram alimentados. Na garganta
da fêmea, bem na base da mandí-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
167
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
mandible, is an enlargement of the
skin, forming a pouch, which is
capable of containing about the bulk
of a small hen’s egg. She would
return from fishing on the shallows,
with this pouch distended by tiny
fish, and allowed her young to pick
them out with their bills.
bula inferior, existe um alargamento de pele que forma uma bolsa, a
qual é capaz de conter o volume de
um pequeno ovo de galinha. A ave
voltava da pescaria na parte rasa do
rio com a bolsa cheia de peixes pequenos, os quais os filhotes podiam
pegar usando os próprios bicos.
It was late when the tide turned
and we hastened away, with the
canoe loaded to overflowing. The
birds seemed now collecting for the
night. Squads of bright-colored ones
were returning from the shore, and
old and young were settling on the
canes, over the water, like swallows
in August. An alligator gave us an
opportunity for a last show, and
the air was black with the clouds
of birds that arose, shrieking and
crying. I never conceived of a cloud
of birds before.
Era tarde quando a maré virou e nos
apressamos para partir com a canoa
transbordando de tão cheia. As aves
pareciam agora se recolher para a
noite. Grupos de pássaros com cores vivas retornavam da costa, e
velhos e novos se acomodavam nas
canas acima da água que nem andorinhas em agosto. Um jacaré nos
deu oportunidade para um último
tiro, e o ar ficou tomado de preto
com as nuvens de pássaros que subiram chilreando e grasnando. Eu
nunca tinha concebido uma nuvem
de pássaros antes.
On our way down, we discovered the
nest of a Socco, the Tiger Bittern,
close by the water. The old bird
observed our motions for an ascent
with indifference, when, up through
the feathers of her wing, peered the
long neck of a little fellow, intimating
that we might as well be off ; for it
was of eggs we were greedy.
Em nosso caminho de volta, descobrimos o ninho de um socó perto
da água. A ave, de um ponto alto,
observava nossos movimentos com
indiferença quando, dentre as penas
de sua asa, saiu o longo pescoço de
um pequeno camarada, o que nos
intimou a ir embora, pois estávamos
ávidos por ovos.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
168
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
Soon after, we arrived at the
spot, which we had marked in the
morning, where an alligator had
made her nest, and sans ceremonie,
proceeded to rifle it of its riches.
The nest was a pile of leaves
and rubbish, nearly three feet in
height, and about four in diameter,
resembling a cock of hay. We
could not imagine how or where
the animal had collected such a
heap, but so it was ; and, deep
down, very near the surface of the
ground, from an even bed, came
forth egg after egg, until forty-five
had tolerably filled our basket. We
kept a good look-out that the old one
did not surprise us in our burglary,
having read divers authentic tales
of the watchful assiduity of the
mother. But nothing appeared to
alarm us, and we concluded, that,
like others of the lizard family,
alligators are merely anxious to
make their nests, and trust to the
fermented heat, and to Providence,
for hatching and providing for their
brood of monsters. These eggs are
four inches in length, and oblong ;
being covered with a crust rather
than a shell. They are eaten, and
our friends at the house would have
persuaded us to test the virtues
of an alligator omelette, but we
respectfully declined, deeming our
Logo depois, chegamos ao local que
tínhamos marcado pela manhã, onde
um jacaré tinha feito seu ninho, e sem
cerimônia começamos a revirá-lo em
busca de suas riquezas. O ninho era
uma pilha de folhas e lixo com cerca de três pés de altura e quatro22 de
diâmetro, lembrando com um galo de
palha. Não podíamos imaginar como
ou onde aquele animal tinha reunido
tamanha pilha, mas assim o era; e,
lá no fundo, bem próximo da superfície do solo, de uma cama regular,
foi retirado ovo atrás de ovo, até
que quarenta e cinco destes tivessem
preenchido toleravelmente nossa cesta. Nós nos mantivemos atentos para
que o animal não nos surpreendesse
em nosso roubo, visto termos lido
diversos contos autênticos acerca da
vigilante assiduidade da mãe. Mas
nada aconteceu que nos alarmasse, o
que nos fez concluir que, assim como
outros da família dos lagartos, jacarés apenas ficam ansiosos para construir seus ninhos, confiando ao calor
fermentado e à Providência para que
seus ovos choquem e que seja provida a subsistência de sua ninhada de
monstros. Esses ovos são oblongos
e medem quatro polegadas23 de comprimento, sendo cobertos por uma
crosta em vez de casca. Eles são comestíveis, e nossos amigos em casa
tentaram nos convencer a provar as
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
169
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
reputations sufficiently secured by virtudes de uma omelete de jacaré,
mas respeitosamente declinamos,
a breakfast on the beast itself.
julgando nossas reputações suficientemente seguras pelo café da manhã
com o próprio animal.
Ave Maria had sounded when we
reached Jungcal, and the satisfation
we felt at the close of this, the
greatest day’s sporting we had ever
known, amply compensated for
all our fatigue. The boat in which
we came being obliged to return
immediately, we were under the
necessity of leaving this delightful
spot, where we could have been
content to while away a month. But
one such day as we had passed,
repaid us for the inconveniences of
a week upon the water.
A Ave Maria tinha tocado quando
chegamos ao Juncal, e a satisfação
que sentíamos ao final, os melhores dias desportivos que já tivemos,
compensaram amplamente toda a
fadiga. Como o barco em que viemos foi obrigado a retornar imediatamente, tivemos que nos despedir
desse lugar encantador, onde teríamos nos contentado de passar um
mês. Mas um dia como o que tínhamos passado nos compensou pelos
inconvenientes de uma semana sobre a água.
We bade adieu to our good friends
in the morning, taking the last of
the ebb to arrive at the vessel. But
when quite near, the tide turned, the
flood rushed in, and we were very
likely to revisit Jungcal. However,
by running in shore, and claiming
assistance of the overhanging canes,
after a weary pull, we reached our
goal, almost inclined to credit M.
Condamine.
Nós nos despedimos de nossos bons
amigos pela manhã, aproveitando o
final da maré baixa para chegar até o
navio. Mas quando estávamos bem
perto, a maré virou, as águas voltaram a encher e nós provavelmente
revisitaríamos o Juncal. Contudo,
seguindo pela margem e contando
com canas suspensas, depois de um
esforço exaustivo, alcançamos nosso objetivo, quase propensos a dar
crédito ao Sr. Condamine.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
170
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
The crew were loading with the
cattle, which had been driven
down the day before, and were
now confined in the den. This was
enclosed on every side, but that
toward the water. A dozen men
stood inside and out, some holding
the lasso, others ready to pull, the
instant the animal was caught, and
others, still, were armed with sharp
goads, with which to force him
onward. Some of the cattle showed
good Castilian spirit, and their rage
was several times with difficulty
eluded by a leap to the friendly
fence. Once in the water, their
struggles were over. A rope was
fastened about their horns, and thus
they were hoisted up until they were
above the hole in the deck made
to receive them. Below, they were
secured to side beams, and were
scarcely allowed room to move.
A tripulação fazia o carregamento
do gado, que tinha sido trazido no
dia anterior e agora estava confinado no curral. Este estava fechado por todos os lados, menos na
direção da água. Havia uma dúzia
de homens lá, alguns segurando o
laço, outros prontos para puxar no
instante em que o animal fosse capturado, e outros, parados, estavam
armados com aguilhões afiados,
com os quais forçariam o bicho a
seguir em frente. Alguns animais
mostravam bom espírito castelhano,
e sua fúria era, várias vezes, eludida com dificuldade pela cerca amigável. Quando chegavam na água,
a luta terminava. Uma corda era
amarrada em volta dos seus chifres
e desta maneira eles eram içados em
direção à abertura no convés feita para recebê-los. Por baixo, eles
eram presos por vigas laterais e mal
tinham espaço para se moverem.
Putting out of the igaripé, for two
days we were beating to windward,
anchoring half the time, and being
tossed about in a way to make us
curse all cattle boats. The poor
victims in the hold fared worse
than we, deprived of food and
drink, pitched back and forth with
every motion, and bruised all over
by repeated falls upon the rough
Saindo do igarapé, por dois dias ficamos batendo a barlavento, tendo que
ancorar metade do tempo, e sendo
sacudidos de maneira tal que amaldiçoamos todos os navios boiadeiros.
As pobres vítimas no porão saiam-se
piores que nós; privadas de comida e
água, eram jogadas para frente e para
trás a cada movimento, machucandose por inteiro por conta das repetidas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
171
A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards
floor. We lost all gusto for Pará
beef. From Cape Magoary we had
a fine run, reaching Pará upon the
third night.
quedas no chão duro. Perdemos todo
o gosto pela carne bovina do Pará. A
partir do Cabo Maguari tivemos um
bom percurso, chegando ao Pará na
terceira noite.
Notas
1. Aproximadamente 193 quilômetros.
2. De 96 a 128 quilômetros.
3. No texto de partida, o autor se refere a “tigres”, termo empregado à época
e que não se aplica hoje em dia, visto que não há tigres na Amazônia. A opção
por usar o termo “onça” aqui é para evitar que se fale em “tigre negro” (black
tiger) mais a frente, termo que é imediatamente seguido por “Felis onca” (onçapintada). Assim, de modo a manter um paralelismo de termos, empreguei onça
de forma genérica.
4. Proprietário de terras na região de Marajó, inclusive da fazenda Juncal.
5. Aproximadamente 2.133600m.
6. Na pesquisa realizada, o outro termo popular encontrado para designar o
animal foi jacaretinga. Não foi encontrada nenhuma forma próxima a do inglês
King Jacarés.
7. Aproximadamente 6,096m.
8. Aproximadamente 7,62m.
9. Caffre, do árabe, designa originalmente africano não-muçulmano; contudo,
como consequência da política de colonização, é usado para se referir a africanos
negros de forma ofensiva tanto em português quanto em inglês.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
172
Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento
10. Cerca de 6,7 metros.
11. De fato, Robert Southey nas notas do seu History of Brazil, Part I (1810),
p.629, diz tratar-se de uma fábula e no texto, ele não se refere à cobra como “the
anaconda” mas “this monster”. https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=ucm.5311
13572x&view=1up&seq=649&q1=snake. Acesso em 10 de janeiro de 2021.
12. O texto fonte cita Musk Duck, o que foi mantido na tradução. Contudo,
acreditamos que o autor pode ter trocado os nomes do Muscovy Duck (patoselvagem) nativo do México, América Central e América do Sul com o Musk
Duck (pato-de-papada) nativo do sul da Austrália.
13. Cerca de 1,609 quilômetros.
14. Aqui Edwards parece tratar de John James Audubon, autor de The Birds
of America, publicação seriada de 1827 a 1839. https://www.audubon.org/fieldguide/bird/fork-tailed-flycatcher. Acesso em 16 de janeiro de 2021.
15. Pouco mais que 40 quilômetros.
16. No texto-fonte, Edwards cita: (...) the singular phenomenon, known as the
Bore, or Pororoca. Subtraímos bore, irrelevante para o leitor brasileiro.
17. Aproximadamente de 3,60 a 4,5 metros.
18. Aproximadamente 1,5 metro.
19. Aproximadamente 9,1 metros.
20. De 15 a 45 centímetros, aproximadamente.
21. Aproximadamente 1,6 quilômetro.
22. Cerca de 90 centímetros de altura e 120 centímetros de diâmetro.
23. Pouco mais de 10 centímetros.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021.
173
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84952
TRADUÇÃO E ÉTICA: A PROBLEMÁTICA DA
RETROCONVERSÃO
Marie Helene Catherine Torres1
1
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/
CNPq
Antes de mais nada, gostaria de mencionar que abordo o tipo
de texto traduzido a seguir, isto é, um relato de viagem, sob o
prisma da Ecotradução, termo que emprego pela primeira vez
em português num texto escrito e que crio aqui a partir do inglês
ecotranslation e do francês, éco-traduction. Desenvolverei em
outro momento mais oportuno e propício a teoria da ecotradução
aplicada à literatura brasileira traduzida, mas já posso adiantar
que a ecotradução faz referência a todas as formas de pensamento
e prática de tradução que se envolvem conscientemente nos desafios da mudança do meio ambiente induzida pelo homem (Cronin,
2017). Ainda à luz da ecoliteratura, a ecotradução concerne aos
textos (literários no que me ocupa) que traz de uma forma ou de
outra a natureza como tema, personagem, reflexão. A ecotradução apreende a tradução da relação entre a natureza e a literatura em diversos contextos culturais e examina em que medida
a ficção e/ou a poesia deram um lugar essencial à natureza e às
relações antrópicas com o meio ambiente.
A noção de exploração e descobrimento do ambiente natural
sendo a temática principal de relatos de viagem em geral, e deste
em particular, tentei traduzir de modo a colocar a floresta Amazônica como foco narrativo central e a valorizar certa ética em relação à preservação na narrativa histórica da exploradora francesa
sobre as relações orgânicas entre humano e natureza.
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Marie Helene Catherine Torres
Publicado em Bordeaux em 18611, o relato de viagem a seguir, da autoria de Mme Langlet-Dufresnoy, intitulado em francês
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine [Quinze anos
no Brasil ou excursões em Diamantino], ocorreu de julho de 1837
(capítulo I) a agosto de 1852 (capítulo IV). Alexandrine Langlet-Dufresnoy é a primeira europeia a descer o rio Arinos (Potelet,
49; Broc, 187). O contexto histórico pode explicar, em parte, a
vinda da viajante junto ao seu marido para o Brasil.
Segundo o professor do Departamento de Estudos Portugueses
e Tradução da Universidade polonesa Jagiellonia, em Cracóvia,
Jerzy Brzozowski (25), com a criação da corte portuguesa no Rio
de Janeiro em 1808 e, acima de tudo, a restauração dos Bourbons em 1815, as relações franco-brasileiras mudaram de forma
espetacular. Em 1808, o Brasil abriu seus portos para o livre comércio com os poderes amigos, inclusive a França. A literatura
francesa conquistou a elite culta, com livros vindos cada vez mais
numerosos por navios no Brasil. O ano de 1816 é particularmente
importante para as relações franco-brasileiras, pois é o ano da
chegada da missão artística francesa no Rio de Janeiro e de dois
franceses cuja contribuição para o conhecimento do Brasil do
século XIX foi decisivo: o escritor Ferdinand Denis, que ficará
no Brasil até 1819, considerado como o iniciador dos estudos
portugueses e brasileiros na França, e o naturalista AugustinCésar de Saint-Hilaire, que viajou nas províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul entre 1816 e 1822.
Finalmente, após o reconhecimento da independência do Brasil
em relação a Portugal em 1825, a França, por sua vez, reconheceu
a independência do novo Império em 1826 e assinou com ele o
Tratado de amizade, de navegação e comércio. O Brasil passa terra
de imigração, graças ao decreto que permitiu que os estrangeiros
adquiram terras aráveis.
1
O exemplar com o qual trabalhei para esta tradução inédita em português é do
acervo digital da Biblioteca francesa Gallica.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
175
Tradução e ética: a problemática da retroconversão
Brzozowski (36) relembra ainda que, a partir da década de
1840, iniciaram as viagens na Amazônia e na província do Pará.
A literatura de ficção prevalece sobre os relatos de viagem como
por exemplo os romances de Emile Carrey dos anos 1856-1857.
Brzozowski afirma ainda que o relato de viagem de Mme Langlet
Dufresnoy, realizado na segunda metade da década de 1840, só
é publicado em 1861, seguido, um ano depois, de um artigo do
geógrafo Reclus na Revue des deux Mondes em 1862. Esperava-se um boom nas publicações depois de 1867, data da abertura
da navegação na Amazônia para navios estrangeiros, boom que
só acontecerá a partir da década de 1880, quando a Amazônia se
tornou, de fato, incontornável.
Existe uma única biografia de Alexandrine Langlet-Dufresnoy,
escrita por Gilbert Siou (77-90) onde encontrei dados da sua origem na Nova Aquitânia, em St Jean d”Angely, região de Bordeaux
na França. Siou descreve a autora como uma viajante-aventureira
que seguiu o marido até o Brasil a procura de ouro, diamantes e
outras pedras preciosas ou semipreciosas. Por um lado, graças a
essa biografia, pude desvendar o mistério de alguns topônimos citados pela autora no seu relato de viagem. Por exemplo, quando ela
cita a pequena cidade de “Taillidoules”, Siou situa o lugar em Bom
Jardim na beira do Rio Iriri, que foi acrescentado na tradução. Por
outro lado, os dados fornecidos por Siou não correspondem sempre
àqueles fornecidos pela própria autora, como por exemplo, a data do
embarque do casal Dufresnoy de São Paulo para Itabuna em 1819, o
que é impossível, pois só chegaram no Brasil em 1837. Trato, portanto, a leitura e uso desta biografia com cautela.
Além da biografia de Siou, usei informações do próprio prefácio do livro assinado por Paul Le Gay que avisa o leitor que
a autora não tem nenhuma “pretensão literária”, mas que essa
mulher se aventurou entre Rio de Janeiro e Diamantino, no Mato
Grosso, enfrentando as estações, o clima, as doenças, os animais
ferozes e os índios selvagens e, com uma “coragem viril”, atravessou o Rio Amazonas. Ainda pretende que o leitor seja cativado
e excitado pelo sofrimento alheio, sofrimento moral e de dores
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
176
Marie Helene Catherine Torres
físicas da autora, no meio da floresta infestada de “cobras, tigres
e outros animais”.
De fato, Alexandrine Langlet se casou em 1836, com 16 anos,
com Alexandre Dufresnoy, oficial de justiça, conforme o que ela
afirma na primeira sentença no seu livro. Por dedução, acreditamos que ela nasceu em 1920. O casal embarcou na cidade de Le
Havre, na França, em 06 de julho de 1837 no navio Achille, como
o escreve no seu primeiro capítulo, e chegam no Rio de Janeiro,
quarenta e nove dias depois, no dia 25 de agosto de 1837.
Uma primeira pesquisa rápida no Dictionnaire des Bâtiments de
la Flotte de Guerre Française de Colbert à nos jours sobre o navio
Achille nos levou a constatar que existiu um navio de guerra com o
mesmo nome. Portanto, continuei a pesquisa na hemeroteca digital
da BN, iniciando pelo Jornal do Commercio entre 1830 e 1839.
Na edição 00187 (1) de 1837, na seção “Movimento do Porto”,
entrada no dia 24, encontrei a menção seguinte:
Havre - 49 d., Gal.Franceza Achille, 264 tons, M. Belliard,
equip. 16: carga fazendas a Leuzinger; passags. Os Francezes Gustave Babin e sua mulher, Laurent Christin, Camille
Beral, Jules Lecarpentier, Duboscq, J. Jacqueminot, Jean
Drevon, Filippe Vernier, Jean Feron, Felix Martin, Numa
Lenglet, Honoré Maintigneux, os suissos Jean Leuzinger,
Jacques Joseph Clerc, o Alemão João Chumacher com sua
família, e os sardos M.G. di Intra e Carlo Farinelli.
“Numa Lenglet” deve ter sido transcrito de forma errônea no
lugar de “M. e Mme Langlet.” Os dados do navio e do seu capitão
mencionados por Alexandrine Langlet correspondem. O dia da entrada do navio é 24 de agosto, registrado no seu diário como sendo
dia 25, o que deixa pensar que tripulação e passageiros demoravam a desembarcar no porto do Rio de Janeiro. Essas precisões
se fazem necessárias porque a autora afrancesou quase todos os
nomes próprios, antropônimos e topônimos no seu texto. Situar
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
177
Tradução e ética: a problemática da retroconversão
sua narrativa no tempo e no espaço parece indispensável para tentar
descobrir o percurso que a autora seguiu na floresta amazônica e
localizar saltos, cachoeiras, rios e cidades que atravessou.
O papel de um(a) tradutor(a) é, primeiramente, o de ter uma
certa ética com a tradução, o texto traduzido devendo “reproduzir”
ambiente, estilo, sentidos, poeticidade, dramaticidade etc. em relação ao texto de partida. O texto de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
foi escrito como um diário, ou seja, para ser supostamente lido
somente pela própria autora do texto, sem grande eloquência nem
cuidados estilísticos ou literários. Porém, uma vez publicado, este
texto teve como público-alvo os franceses ou quem lia em francês
na metrópole, o atestam as inúmeras referências ao exotismo e exuberância relativos à Amazônia e aos seus habitantes indígenas ao
longo do texto-testemunha. A autora está deslumbrada pela floresta
e pela fauna. Ela vai naturalizando o que vê ao tentar descrever,
por exemplo, uma anta, como uma “espécie de bezerro com tromba como a do elefante”.
Para Antoine Berman, a ética da tradução parte do texto “original”, o texto primeiro, em direção ao texto traduzido. Ser ético
para o tradutor é ser ético para com a cultura de origem e, ao
mesmo tempo, para com a cultura de chegada. Daí o meu questionamento sobre como seria ser ético com o leitor? O leitor do
texto traduzido, no nosso caso, o texto em português traduzido a
partir de um texto escrito em francês cujas referências toponímicas
não correspondem com lugares conhecidos, ou cuja existência não
consegue ser comprovada, merece uma atenção especial e ética
por parte do tradutor. É pensando no leitor brasileiro que tomei
algumas decisões que considero “éticas” no presente contexto. Decisões que, de repente, não tomaria na tradução de outro texto.
A questão da tradução de topônimos pode ser mais complexa do
que parece. No texto em francês, a autora usa alguns topônimos para
localizar sua viagem. No entanto, o nome que ela atribui às cachoeiras, rios e saltos são nomes afrancesados e transcritos a partir do que
ela ouvia e entendia. A dificuldade para o (a) tradutor(a) é tentar descobrir a que corresponderia na cultura de partida um nome próprio
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
178
Marie Helene Catherine Torres
pertencente à fauna, flora ou outra localidade transcrito, isto é, adaptado foneticamente na língua de chegada ou transliterando uma parte
do “original”. Essa retroconversão dos topônimos do francês para o
português me levou a pesquisar sobre cada um, tomando a decisão,
às vezes da não-tradução dos termos afim de manter uma certa “ética” não somente com o texto de partida, mas principalmente com o
leitor brasileiro. Consegui identificar e localizar muitos topônimos, a
partir de mapas hidrográficos da Biblioteca Nacional e dos arquivos
do Estados do Mato Grosso e do Pará, como “Arinnes” para “Arinos”, “Seira” para “Serra”, “bourachandes” para “borrachudos”,
“Mareigne-en-grand” para “Grande Maranhão”, “Mareigne-en-petit” para “Pequeno Maranhão”, a cachoeira de “Saint Simon” para
“São Simão”, situada no rio Juruena.
A partir da biografia de Siou, consegui decifrar que “Saint-Allin” corresponde “foneticamente” a Santarém. Quanto à cidade
de “Marseillo”, o contexto da viagem de volta para Bordeaux, na
França, que para em Marseilha, indica que esta é a cidade mencionada pela autora.
Outros topônimos não foram localizados por não reconhecer os
locais na retroconversão do francês para o português como “Petra”
(cidade? Porto? Rio?), a cachoeira de “Loupouny”, o “Tetentin”
(Tocantins?), “Taillidoules” (cidade?), “La Prohibe” (será a Proibida? Aldeia, vilarejo?), “La Brèche” (porto?), “Machalle, Bonnin
et Péderive” (Bairros? Sítios? Cidades?). Estas últimas foram citadas pela autora ao comentar uma revolução que localizei como sendo a Insurreição Praieira (modo que escolhi traduzir) que ocorreu
na cidade do Recife entre 1848 e 1849 (Carvalho). Nesses casos,
optei por não repetir nomes sem referências na tradução.
Nos capítulos que traduzi, isto é, III e IV (o livro possui quatro
capítulos), Alexandrine Langlet-Dufresnoy saiu de Diamantino no
atual Mato Grosso, morou alguns anos em Cuiabá e navegou sobre
o Rio Arinos sem que o leitor saiba, na maior parte do tempo, em
que época do ano ou mesmo em que ano isso acontecia. O texto
apresenta, portanto, certo hermetismo quanto aos trajetos e outras
precisões históricas-temporais. Quando a autora se refere a cidades
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
179
Tradução e ética: a problemática da retroconversão
como “Couritisa” ou “Moerie”, ou ainda ao rio “Sainte-Anne”,
a tradução “ética” não permite traduzir “Couritisa” e “Moerie”,
pois não foi encontrado nenhum vestígio histórico de supostas cidades chamadas de “Couritisa” ou “Moerie”. Optei nesse caso pela
não-tradução dos nomes das cidades por serem “inexistentes” em
português sob essa grafia. Quanto ao rio “Sainte-Anne”, trata-se
do Rio Santana na região mato-grossense.
Quando a autora evoca a fruta de “taíb” com a qual pode-se
produzir um licor vinhoso, ela se refere a uma fruta amazônica que
pode ser transformada em bebida com gosto de vinho. Da polpa de
frutas como açaí, abacaba, buriti e patuá pode-se produzir vinho.
“Taíb” poderia corresponder ao açaí, pois se come com farinha de
milho como especificado na narrativa. Se for mais licoroso, poderia
se referir também à aguardente de cupuaçu ou de jambu, licor de
camu-camu, de açaí, de chichuá. Optei por traduzir por açaí, não
por ser uma fruta grande, como descrita no texto, mas sim por ser
uma fruta que “pode” parecer fonologicamente com “taíb” e por ser
principalmente uma fruta amazônica cuja cor se assemelha à cor do
vinho e licoroso quando transformado em bebida (Guerreiro).
Outra fruta mencionada, é o “mouyar” que, segundo a autora,
seria uma espécie de limão. Considerando que para uma francesa
do início do século XIX, um limão é necessariamente amarelo, o
tradutor deve procurar uma fruta parecida com limão siciliano. É a
razão pela qual optei por conservar a ideia de fruta, de cor amarela,
de origem amazônica e com “aproximação” fonológica. Traduzi
por “maracujá” que vem do tupi “mara kuya” segundo o Dicionário de tupi-português (1987).
As referências às tribos ou nações indígenas são pouco inteligíveis, mesmo após ter consultado, entre outros textos, o Quadro
Geral dos Povos. Entre os 256 povos catalogados, encontrei os índios Apiaka ou Apiaca que moravam em aldeias nas margens do rio
Arinos, descrito por Langsdorff na sua expedição pelos rios Arinos
e Juruena em 1828 (1997: 201-207). Pode ser esta última a referência aos índios que a autora menciona quando nomeia a nação
“Géroine” perto de Salto Augusto ou os índios “Piarouracquoi”
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
180
Marie Helene Catherine Torres
na região da cachoeira São Gabriel. Como a presença dos índios
Apiaka é plausível em relação ao lugar e momento da expedição da
autora, optei por traduzir por Apiaka.
No tocante aos índios “Tapouilles”, especulei, após consulta
do site da Funai, que, como a autora tem tendência em afrancesar
topônimos e antropônimos, se trata dos Tapayuna que ocupavam
originalmente terras às margens do Rio Arinos, no Mato Grosso.
A nossa estratégia para a tradução das cachoeiras, pontes e rios
varia conforme a identificação e geolocalização ou não dos topônimos. A Cachoeira dos Dois Gêmeos, que não localizei, foi traduzida literalmente; o rio “Leitterage”, que conforme a autora se
situa à margem esquerda da cidade de Maranhão, corresponderia
ao “rio Mearim”. As cachoeiras “Sainte-Aburse” e “Sainte-Elise”
não foram localizadas nos mapas consultados e, portanto, não as
nomeie na tradução.
A ponte “Dabourif” na cidade do Recife corresponde à Ponte
do Recife, primeiro nome dado à Ponte Mauricio de Nassau e a
“Villa d’Oligne” a Olinda conforme consulta ao Site do Governo
do Estado de Pernambuco. Porém a ponte “Manquine” e a “Porte-de-chaux” não foram localizadas nos arquivos consultados sobre
a cidade de Recife.
Os barcos que a autora pega ao longo do seu périplo são galeotas, vapores e outro bergantim. Procurando novamente nos artigos
e anúncios dos jornais da época na hemeroteca da Biblioteca Nacional, descobri que o vapor “Impératrice du Brésil” era a barca
“Imperatriz do Brasil” (Chaves, 91).
Segundo o texto, apesar das imprecisões de geolocalização, Alexandrine Langlet embarcou em Salvador para a cidade de Le Havre
na França em 22 juin 1852 no navio Léoni que localizei na Hemeroteca da BN (Biblioteca Nacional) como sendo um bergantim francês
cujo nome exato era “Jeune Léonie”. Quanto ao “Lélie”, a autora
embarcou em seguida ao sair de Le Havre em direção a Bordeaux,
supostamente por volta dos dias 29-30 de agosto de 1952. Embora
não localizasse o nome do navio sendo um navio local francês, escolhi manter o nome em francês na tradução para o português.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
181
Tradução e ética: a problemática da retroconversão
A questão da intraduzibilidade poderia ter tomado conta da nossa concepção de tradução, já que não consegui desvendar os referentes de muitos topônimos ou outros nomes próprios brasileiros
na passagem para a cultura brasileira, que ironicamente deveria ser
a origem de todos eles. Contudo, parti da premissa que qualquer
texto pode ser traduzido, pois considero o texto traduzido como
um outro texto, construído e constituído a partir de um texto preexistente, que lhe é, portanto, anterior, o texto de partida, no nosso
caso o relato de viagem de Alexandrine Langlet-Dufresnoy.
Referências
Broc, Numa. Dictionnaire illustré des explorateurs et grand voyageurs français
du XIX siècle. Ed. CTHS, vol.3 Amérique. Paris, 1999.
Brzozowski, Jerzy. Rêve Exotique. Images du Brésil dans la Littérature Française
(1822-1888). Cracovie, Faculté de Lettres de l»Université Jagellonne, 2001.
Carvalho, Marcus J. M. de. “Os nomes da Revolução: lideranças populares na
Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849”. Rev. Bras. Hist. v. 23 nº 45, 2003. https://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882003000100009.
Carvalho, Moacyr Ribeiro de. Dicionário de Tupi (Antigo)-português. Salvador:
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú, 1987. http://etnolinguistica.wdfiles.com/
local--files/biblio%3Acarvalho-1987-dicionario/Carvalho_1987_DicTupiAntigoPort_OCR.pdf.
Chaves, Cleide de Lima, De um porto a outro: a Bahia e o Prata (18501889). Dissertação de Mestrado, UFBA, 2001. https://ppgh.ufba.br/tesesdissertacoes?title=&field_autor_a_value=&field_ano_de_publicacao_
value=&field_modalidade_objetos_value=All&page=4.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
182
Marie Helene Catherine Torres
Cronin, Michael. Eco-translation. Translation and Ecology in the Age ofthe
Anthropocene. London: Routledge, 2017.
FUNAI. http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/4832-livrode-antropologa-reune-mitos-e-lendas-do-povo-tapayuna.
Guerreiro Isaac. “Conheça aguardentes e licores de frutas da Amazônia”. Jornal
Amazônia, 16/07/2016. http://amazonia.org.br/2016/07/conheca-aguardentes-elicores-de-frutas-da-amazonia/.
Hemeroteca Nacional Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. http://
bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/.
Jornal do Commercio (RJ), edição 00187 (1) de 1837, seção
“Movimento
do
Porto”.
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.
aspx?bib=364568_02&pasta=ano%20183&pagfis=9226.
Langlet-Dufresnoy, A. Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine.
Préface par M. Paul Le Gay. Bordeaux : imp . G . Chariol , 1861. https://
data.bnf.fr/10571081/mme_langlet-dufresnoy/. Mapas : https://www.bn.gov.br/
acontece/exposicoes/2015/07/historica-cartographica-brasilis-biblioteca-nacional.
Potelet, Jeanine. Le Brésil vu par les voyageurs français, 1816-1840. Paris,
L”Harmattan, 1993.
Povos Indígenas no Brasil. Quadro geral dos povos. https://pib.socioambiental.
org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos.
Roche, Jean-Michel. Dictionnaire des Bâtiments de la Flotte de Guerre Française
de Colbert à nos jours. Toulon : Impr. Maury, 2005. http://www.netmarine.net/
livres/dico/tome1-a.pdf.
Silva, Danuzio Gil Bernardino da (Org). Os diários de Langsdorff, vol 3, 21 de
novembro de 1826 a 20 de maio de 1828. Trad. Márcia Lyra Nascimento Egg et
alii. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff. Rio de Janeiro:
Editora FIOCRUZ, 1997. Vol. 3.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
183
Tradução e ética: a problemática da retroconversão
Siou, Gilbert. Les Célestes, Histoires de femmes. Ed. du désir, 2017. Site do
Governo do Estado de Pernambuco. “O Recife, Histórias de uma cidade”. http://
www.recife.pe.gov.br/cidade/projetos/historia/cap3/cap3-box5.html
Marie Helene Catherine Torres. E-mail: marie.helene.torres@gmail.com. https://
orcid.org/0000-0001-9263-0162.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021.
184
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
https://10.5007/2175-7968.2021.e84953
QUINZE ANS AU BRÉSIL OU EXCURSIONS À LA
DIAMANTINE
Alexandrine Langlet-Dufresnoy
Tradução de:
Marie Helene Catherine Torres1
1
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/
CNPq
Langlet-Dufresnoy, Mme. Quinze
ans au Brésil ou Excursions à la
Diamantine, Bordeaux : Imprimerie
G. Chariol, 1861.
Langlet-Dufresnoy, Mme. Quinze
anos no Brasil ou Excursões no
Diamantino, Bordeaux : Imprimerie
G. Chariol, 1861.
CHAPITRE III
CAPÍTULO III
[…]
[…]
Les hangars que nous avons établis
autour de notre maison, étant
en paille de cocotier, et ne nous
mettant point à l’abri de la pluie,
nous devînmes tous malades. Je
fus moi-même atteinte d’une fièvre
maligne qui me rendit presque folle.
L’état de faiblesse dans lequel je
me trouvais, ne me permettait pas
seulement de me tenir debout. Un
jour, mon mari tua un Agre, espèce
de veau qui porte une trompe comme
Os galpões que montamos ao redor
de nossa casa, feitos de palha de
coco, e não protegendo da chuva, todos nós ficamos doentes. Eu
mesmo fiquei doente com uma febre maligna que quase me deixou
louca. O estado de fraqueza em que
eu me encontrava não me permitia
ficar em pé. Um dia, meu marido
matou uma Anta, espécie de bezerro com tromba como a do elefante,
foi nesta caça que foi pego por um
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
185
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
l’éléphant, c’est à cette chasse qu’un
violent accès de fièvre le saisit ;
ne pouvant rapporter lui-même cet
animal, il chargea quelqu’un de ce
soin et revint bientôt pour se mettre
au lit. —Un de nos associés, M.
Lalaine, succomba à la fièvre, trois
jours après il fut inhumé, dans le
bois voisin, par nos gens qui nous
laissèrent ignorer cette circonstance
pour ne pas effrayer mon mari qu’on
avait placé dans une chambre séparée
de la mienne. Vu le peu d’espace
que nous avions, nous reçûmes le
conseil de partir, on nous transporta
en conséquence au Couritisa, pour
recevoir les secours que nécessitait
notre malheureuse position. Nous
fîmes le trajet dans un palanquin,
espèce de brancard, porté sur les
épaules, et qui nous fut envoyé par
les bons habitants de la localité.
violento ataque de febre; não sendo
capaz de trazer o animal de volta
ele mesmo, encarregou alguém da
tarefa e logo voltou para ficar acamado. Um de nossos sócios, o Sr.
Lalaine, sucumbiu à febre, e três
dias depois foi enterrado, na floresta próxima, por nossa gente, que
nos deixou ignorar esta circunstância para não assustar meu marido
que estava num quarto separado do
meu. Fomos aconselhados a ir embora devido ao espaço limitado que
tínhamos, por isso fomos levados
para uma cidade próxima, para receber a ajuda de que precisávamos.
Fizemos a viagem num palanquim,
uma espécie de maca, carregada
sobre os ombros, que nos foi enviada pelo bom povo do local.
M. Blanc, l’un des associés, qui nous
accompagnait fut tellement accablé
par la fièvre qu’il pouvait à peine
se tenir à cheval, il mourut au mois
de mars suivant, au Couritisa, petite
bourgade située sur les bords de la
rivière Sainte-Anne. Hélas ! mon
mari succomba, lui aussi, au terrible
fléau, le 28 avril 1844 !...
O Sr. Blanc, um dos sócios, que
nos acompanhava, ficou tão abatido
pela febre que mal conseguia andar
a cavalo, e morreu no mês de março
seguinte numa cidadezinha situada
nas margens do rio Santana. Infelizmente! meu marido também sucumbiu à terrível epidemia em 28 de
abril de 1844!...
En nous transportant dans cette Quando nos trouxeram para esta cibourgade l’on avait pensé que dade, pensaram que o ar puro que
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
186
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
l’air pur qu’on y respirait nous
serait salutaire. Cruelle déception ;
j’étais là, dans la même maison que
mon mari, souffrant horriblement
comme lui, séparé de lui, et sans
pouvoir lui porter aucun secours
!... Dès que je fus convalescente,
on me reconduisit à la Diamantine.
J’ignorais alors le coup fatal qui
venait de me frapper.
respiraríamos nos seria benéfico.
Cruel decepção; eu estava lá, na
mesma casa que meu marido, sofrendo horrivelmente como ele,
separada dele, e sem poder dar-lhe
nenhuma ajuda!... Assim que fiquei
convalescente, fui levada de volta
para Diamantino. Naquela época
não estava ciente do golpe fatal que
acabara de me atingir.
Je fus placée chez un capitaine
espagnol, castillan d’origine, dont les
soins assidus me ramenèrent peu à peu
à la vie. Ce fut là que la mort de mon
mari me fut annoncée... A cette triste
et poignante nouvelle je retombai
dans un état tout-à-fait désespéré.
Dans quelle affreuse position me
trouvai-je tout à coup plongée ;
seule, sans secours, sans appui,
sans famille !... J’envisageai alors
toute la plénitude de mon malheur;
cinq mois s’écoulèrent sans que je
pusse me rétablir. Enfin, les grands
soins dont on m’entoura, les visites
nombreuses et consolantes que me
firent les Dames de La Diamantine,
adoucirent peu à peu mes douleurs ;
douleurs que je suis loin de décrire
dans cette triste narration de mes
infortunes !... La santé me revint
enfin, et je partis pour Couyaba, sous
la conduite d’un Reador, ou nègre
conducteur. Nous fîmes jusqu’à
Fui colocada na casa de um capitão espanhol, de origem castelhana,
cujos cuidados assíduos me trouxeram de volta à vida pouco a pouco.
Foi então que me disseram que meu
marido tinha morrido... Com esta
chocante e triste notícia, cai em estado de desespero. Em que posição
terrível me encontrava de repente;
sozinha, sem ajuda, sem apoio, sem
família... Imaginava toda a plenitude de meu infortúnio; cinco meses
se passaram sem que eu conseguisse
me recuperar. Finalmente, o grande cuidado com que fui cercado, as
numerosas e consoladoras visitas
que as Damas de Diamantino me fizeram, amenizaram pouco a pouco
minhas dores; dores que estou longe de descrever nesta triste narração
dos meus infortúnios!... A saúde
finalmente melhorou, e fui embora
para Cuiabá, sob a direção de um
remador, ou guia negro. Fizemos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
187
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
trente-trois lieues en trois jours ;
j’étais tellement fatiguée, à la fin de
troisième, que mon conducteur se vit
forcé de me déposer dans une Église,
faute de me trouver un local plus
convenable. Cette Église qui affectait
la forme oblongue, avait une large
nef, au fond de laquelle brillait une
lampe funèbre dont la lueur vacillante
et fumeuse, ajoutait-à mes terreurs
sans cesse renaissantes, et montrait à
ma faible imagination des visions et
de fantastiques apparitions.
trinta e três léguas em três dias; ao
final do terceiro dia, eu estava tão
cansada que meu guia foi obrigado
a me deixar numa igreja, pois não
conseguiu encontrar um lugar mais
adequado. Essa Igreja, de forma
oblonga, tinha uma nave ampla, no
fundo da qual brilhava um lampião
fúnebre cujo brilho vacilante e fumegante aumentava os meus terrores sempre recorrentes, e mostrava
à minha fraca imaginação visões e
fantásticas aparições.
A mon départ de la Diamantine,
j’avais laissé, chez un nègre,
nommé Joseph Paya, tous mes
bagages, mes bêtes de somme et
les effets dont je ne pouvais me
débarrasser. Des faibles ressources
pécuniaires ne me permettait pas
de composer une nouvelle troupe,
car dans ces contrées lointaines
où la fièvre décime la plupart des
étrangers, l’une des conditions
essentielles pour réussir et gagner
quel qu’argent est de jouir d’une
excellente santé, sans cela vos fonds
se dépensent en achat de remèdes. —
Je me vis donc forcée de retourner
dans la province de Couyaba; de là,
je devais me rendre à Rio-Janeiro.
Chacun alors songea à s’opposer
à mon départ, et à m’épouvanter
de toutes les manières, les uns me
Quando saí de Diamantino, deixei toda minha bagagem, meus
animais de carga e meus pertences, dos quais não conseguia me
livrar, com um negro chamado
Joseph Paya. Como meus recursos financeiros limitados não me
permitiram montar uma nova tropa, porque nestas terras distantes
onde a febre dizima a maioria dos
estrangeiros, uma das condições
essenciais para o sucesso e ganho
de qualquer dinheiro é gozar de
excelente saúde, caso contrário
seus fundos são gastos na compra
de remédios. Então, fui obrigada a
voltar para a província de Cuiabá;
de lá, devia seguir para o Rio de
Janeiro. Todos então pensaram em
se opor à minha partida, e em me
assustar de todas as maneiras, al-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
188
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
disaient que je serais enlevée par les
sauvages ; d’autres ajoutaient que je
pouvais être assassinée par ceux-là
même qui me conduiraient. Il est
impossible enfin, d’énumérer les
craintes qu’on me suggéra.
guns diziam que seria sequestrada
pelos selvagens; outros acrescentavam que poderia ser assassinada
por aqueles que me conduziriam.
É impossível enumerar os medos
que me foram sugeridos.
Je partis néanmoins. — Un jour,
le Réador, mon conducteur, étant
entré dans un bois, avec son fusil,
je crus un instant qu’il allait charger
son arme pour me tuer et me jeter
ensuite dans quelque précipice. —Je
pressai en conséquence le pas des
mules sur lesquelles étaient placées
mes malles. Mais, bientôt je le vis
accourir vers moi, portant avec lui
un mouyar, espèce de citron, qu’il
me donna. Qu’on ne me blâme pas
de ma peur, car, me trouvant seule
avec ce conducteur, j’étais perdue
s’il eût eu de mauvaises intentions
! Aussi m’étais-je résignée à mon
sort et n’avais-je de véritable espoir
que dans la Providence. Je dois
le dire, cependant, durant le long
voyage que nous fîmes ensemble
(nous parcourions dix lieues chaque
jour) je n’ai eu qu’à me louer de la
conduite de cet homme. – Après
avoir traversé trois fois la grande
rivière du Paraguay, nous arrivâmes à
Couyaba. Je demeurai dix-huit mois,
environ, dans cet endroit, le major
Chavier, portugais de naissance,
No entanto, fui embora. Um dia o
Remador, meu guia, entrou na floresta com seu fúsil, e pensei por um
instante que ia carregar a sua arma
para me matar e me jogar depois em
algum precipício. Apressei o passo
das mulas sobre as quais minhas
malas foram colocadas. Mas logo o
vi correr na minha direção com um
maracujá, espécie de limão, que me
entregou. Que ninguém me culpe
por ter medo, pois, estando sozinha
com o guia, estaria perdida se ele
tivesse alguma má intenção! Portanto, estava resignada com o meu destino e só tinha esperança na Providência. Devo dizer, entretanto, que
na longa viagem que fizemos juntos
(viajávamos dez léguas por dia) eu
só posso elogiar a conduta deste homem. Depois de cruzar três vezes o
grande rio do Paraguai, chegamos
em Cuiabá. Fiquei lá por cerca de
dezoito meses, e lá o Major Chavier, um português de nascimento,
um dos grandes do país, a quem
meu marido e eu fomos recomendados, me deu asilo; fiquei na casa
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
189
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
l’un des grands du pays, auquel mon
mari et moi avions été recommandés,
m’offrit un asile chez lui ; j’y restai
pendant six mois et les plus grands
soins me furent prodigués. Ce temps
expiré, je louai une petite maison et
me livrai aux travaux de la couture,
j’appris à faire des chapeaux et à
empailler, je pourvoyais par ce travail
à mon entretien et j’indemnisais en
même temps l’épouse de M. Chavier,
des nombreuses bontés qu’elle avait
pour moi.
dele por seis meses, onde recebi
os maiores cuidados. Quando esse
tempo acabou, aluguei uma casinha
e comecei a costurar, aprendendo a
fazer chapéus e empalhamentos, e
com esse trabalho, me mantinha e
ao mesmo tempo indenizei a esposa
do Sr. Chavier pelas bondades que
tinha comigo.
C’est dans cette ville que je rencontrai
M. le Comte de Castelnau, envoyé
extraordinaire de S. M. Louis
Philippe, à la cour du Brésil, chargé
d’une mission spéciale et scientifique.
Il était accompagné d’un Vicomte,
d’un docteur et d’un empailleur.
Qu’elle fut leur surprise de rencontrer
une Dame française dans ces parages
; je leur cédai plusieurs oiseaux
empaillés dont ils furent très satisfaits.
Touchés de mes malheurs, ils eurent
l’obligeance de m’offrir de retourner
avec eux. Je les en remerciai avec
reconnaissance. Ils partirent pour
Moerie, où je les rencontrai plus tard
; j’eus encore l’occasion de les revoir
dans plusieurs autres endroits, et de
leur témoigner ma gratitude pour leurs
soins et leurs offres bienveillantes.
Foi nesta cidade que conheci o Conde Francis de Castelnau, o enviado
extraordinário de Sua Majestade
Luís Filipe I, na corte do Brasil, encarregado de uma missão especial e
científica. Era acompanhado por um
Visconde, um médico e um empalhador. Como ficaram surpresos ao
encontrar uma senhora francesa nas
proximidades; lhes dei várias aves
empalhadas com as quais eles ficaram muito satisfeitos. Tocados pelos
meus infortúnios, tiveram a gentileza
de me convidar para voltar com eles.
Fiquei muito agradecida. Foram embora e decidi que os encontraria mais
tarde; ainda tive a oportunidade de
revê-los em vários outros lugares, e
demonstrar-lhes minha gratidão pelos seus cuidados e benevolência.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
190
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
Si je restai aussi longtemps à
Couyaba, c’est que j’espérais savoir
si mes bagages avaient été vendus et
dans le cas contraire, trouver quelques
personnes pour gagner l’endroit où
je les avais laissés. J’avais fait la
connaissance de M. le Président,
il m’avait accordé sa protection,
j’obtins aussi celle de l’Évêque par la
même occasion. Un jour, le Président
me demanda si je voulais partir
avec le major Polipair qui, né d’une
mère française, quoique brésilien de
naissance et de très bonne famille,
était envoyé à Rio Janeiro en qualité
d’Ingénieur pour ouvrir une route.
J’acceptai avec joie, tout était prêt
pour notre départ, lorsque le major
Polipair tomba malade, atteint d’une
fluxion de poitrine ; ce contretemps
dérangea mes projets jusqu’au
jour où je pus adopter une autre
manière de partir. Je fis plus tard des
arrangements avec M. Jouquedaco,
commissionnaire, pour me rendre au
Para, malgré l’avis du Président qui
m’observa que le climat était tout-àfait insalubre, que la navigation était
des plus pénibles à cause des cascades
que l’on rencontrait à chaque instant,
que les Rivières nombreuses et
les accidents de terrain offraient
également des obstacles difficiles à
surmonter. Bref, il fit tous ses efforts
pour m’empêcher de me mettre en
A razão pela qual fiquei tanto tempo
em Cuiabá foi porque esperava descobrir se minha bagagem havia sido
vendida e, caso contrário, encontrar alguém para apanhá-las onde a
havia deixado. Havia conhecido o
Presidente, ele me deu a sua proteção, que também obtive do Bispo
na mesma ocasião. Um dia o Presidente me perguntou se eu queria ir
embora com o Major Polipair que,
nascido de uma mãe francesa, embora brasileiro de nascimento e de
boa família, estava sendo enviado
ao Rio de Janeiro como Engenheiro para abrir uma estrada. Aceitei
de bom grado, tudo estava pronto
para nossa partida, quando o Major
Polipair adoeceu por causa de uma
inflamação do pulmão; este contratempo perturbou meus planos até
o dia em que pude encontrar outra
maneira de ir embora. Mais tarde
tomei providências com o Sr. Jouquedaco, despachante, para ir até
o Pará, apesar da opinião do Presidente que observou que o clima
era bastante insalubre, que a navegação era muito complicada por
causa das cachoeiras encontradas o
tempo todo, que os numerosos rios
e o solo irregular também ofereciam
obstáculos difíceis de superar. Resumindo, fez todos os esforços para
me impedir de ir embora; chegou ao
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
191
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
route ; il alla même jusqu’à refuser de
me viser mon passeport. Mais comme
cette voie était la plus courte pour
moi, et bien que le pays fût sauvage et
le parcours très dangereux, j’insistai
tellement, que j’eus bientôt le plaisir
d’obtenir son adhésion.
ponto de se recusar a me dar o visto
no passaporte. Mas como este era
o caminho mais curto para mim, e
embora o país fosse selvagem e o
percurso muito perigoso, insisti tanto, que logo tive o prazer de conseguir sua aprovação.
Je partis donc en compagnie de deux
cents nègres pour revoir une deuxième
fois la Diamantine, et arriver au port
des Arrines, situé à sept lieues de
là. L’endroit est très mal sain, nous
nous embarquâmes le troisième jour,
et allâmes coucher dans un bois, à
peine étais-je endormie que j’entendis
les hurlements d’un tigre, ce qui
me causa une frayeur impossible
à décrire. Comme par crainte et
répugnance, je m’étais éloignée de
la troupe des nègres pour reposer
tranquillement, je jugeai prudent,
de l’avis du chef, de m’entourer de
quelques gardes et de leur laisser
allumer un grand feu. La lueur de la
flamme empêcha, en effet, le tigre de
nous incommoder davantage.
Fui na companhia de duzentos negros para rever pela segunda vez
Diamantino, e chegar ao porto do
Arinos, localizado a sete léguas de
distância. O lugar é muito insalubre, embarcamos no terceiro dia
e dormimos na floresta, mal tinha
adormecido quando ouvi o berro de
um tigre, o que me deu um susto
impossível de descrever. Por medo
e repugnância, me afastei da tropa
de negros para descansar tranquilamente, achei prudente, na opinião
do chefe, cercar-me de alguns guardas e deixá-los acender uma grande
fogueira. O clarão da chama impediu que o tigre causasse qualquer
inconveniente.
Pendant toute notre pérégrination
sur la rivière des Arrines, nous
fûmes cruellement tourmentés par
les moustiques, les maringouins,
les bourachandes et mille autres
insectes qui nous sucèrent le sang,
et réduisirent notre corps à l’état de
Durante nossa peregrinação no rio
Arinos, fomos cruelmente atormentados pelos mosquitos, pernilongos, borrachudos e mil outros
insetos que sugaram nosso sangue
e reduziram nosso corpo a esqueletos. Enquanto comíamos, tínha-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
192
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
squelette. Il fallait, en mangeant, tenir
sa fourchette d’une main et de l’autre,
chasser les insectes avec un éventail
de plumes d’oiseaux. — Nous
quittâmes cette rivière pour suivre le
cours d’une autre qui nous conduisit
aux cascades.
mos que segurar nossos garfos de
uma mão e afastar os insetos com
um leque de penas de pássaros.
Deixamos este rio para seguir o
leito de outro que nos levou às cachoeiras.
La première cascade que nous
eûmes à franchir fut celle des DeuxJumeaux, elle est très dangereuse
; il faut arriver, juste à force de
rames, entre les deux rochers qui la
bordent, si on veut éviter un accident
; la deuxième fut le Saltauguste, que
l’on ne peut traverser qu’en canot.
L’arrivage au port est très périlleux
à cause du courant qui vous entraîne,
l’on risque fort de se briser sur les
rochers et de périr si les plus grandes
précautions ne sont pas observées
; après avoir pris nos bagages nous
fûmes obligés de les porter nousmêmes, de hâler nos canots à terre et
de les trainer à notre suite. Nous nous
dirigeâmes vers le port voisin, mais,
chemin faisant nous tombâmes dans
une tribu d’indiens, appelée la nation
Géroine; c’est là que je vis le plus
bel aigle que j’aie jamais rencontrer
ainsi qu’un canot formé d’une seule
écaille de tortue, et dans lequel
quatre personnes naviguaient sur le
fleuve. Je remarquai aussi, à l’entrée
des cases une allée de cocotiers
A primeira cachoeira que tivemos
que atravessar foi a dos Dois Gêmeos, é muito perigosa; é necessário chegar, apenas com remos, entre dois penhascos que a cercam,
para evitar um acidente; a segunda
foi a de Salto Augusto, que só se
pode atravessar de canoa. Chegar
ao porto é muito perigoso por causa da corrente que puxa, arriscando-se a quebrar-se nos penhascos
e perecer se as maiores precauções
não forem observadas; após pegar
nossa bagagem, fomos obrigados
a carregá-la nós mesmos, a arrastar nossas canoas para a terra
firme e empurrá-la. Chegamos ao
porto vizinho, mas no caminho encontramos uma tribo de índios da
Nação Apiaka: foi neste lugar que
vi a mais bela águia, e uma canoa
formada de uma única carapaça de
tartaruga na qual quatro pessoas
navegavam no rio. Notei também,
na entrada das ocas, um caminho
de coqueiros cujo alinhamento, regularidade e simetria não deixam
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
193
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
dont l’alignement, la régularité et la
symétrie ne laissent rien à désirer, et
auprès de laquelle ne pourraient se
comparer les plus belles plantations
de l’Europe. Les naturels furent bien
surpris de notre arrivée, et contre
notre attente, ils s’empressèrent de
nous être utiles autant qu’ils le purent,
nous y passâmes la nuit.
nada a desejar, e com o qual as
mais bonitas plantações da Europa não podiam ser comparadas.
Os nativos ficaram muito surpresos com nossa chegada e, fora das
nossas expectativas, se apressaram
para ser úteis o quanto puderam,
passamos a noite com eles.
Nous prîmes des cordes pour passer
la cascade de Salle-le-Grande, et
nous rencontrâmes une autre tribu
d’indiens très curieuse à observer
; je ne sais s’ils connaissent les
blancs, mais ce qu’il y a de certain,
c’est qu’ils voulaient me visiter
entièrement. — Il est impossible de
franchir cette cascade, dont le bruit
de la chute s’entend à plus d’une
lieue à la ronde ; on aperçoit de
loin l’épais brouillard que fait l’eau
en se précipitant avec fracas, ce fut
la plus mauvaise de notre voyage.
Nous fûmes obligés de mettre nos
marchandises à terre et de hisser nos
canots au-dessus de la cascade pour
arriver à un nouveau port.
Usamos cordas para atravessar a
cachoeira Grande, e encontramos
outra tribo de índios que estava
muito curiosa de se observar; não
sei se eles conhecem os brancos,
mas queriam com certeza me visitar
inteiramente. É impossível ultrapassar esta cachoeira, cujo barulho da
queda pode ser ouvido por mais de
uma légua; a densa névoa da água
descendo com estrondo é visível à
distância, foi a pior de nossa viagem. Tivemos que colocar nossas
mercadorias no chão e içar nossas
canoas sobre a queda d’água para
chegar a um novo porto.
Le cours de ces rivières est bordé
de montagnes et de bois; les
malheureuses tribus indiennes qui les
habitent, sont d’autant plus à plaindre,
qu’elles ne vivent que de poissons, de
légumes et de racines ; elles n’ont
Na beira desses rios há montanhas e
florestas; as infelizes tribos indígenas que os habitam estão em triste
situação, pois vivem apenas de peixes, vegetais e raízes; não têm nenhuma noção de civilização, e nada
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
194
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
aucune notion de la civilisation et
rien ne les séduit ni ne les captive;
quant à la religion, ces sauvages
n’en connaissent aucune, ils passent
leurs temps à apprivoiser des oiseaux
qu’ils parent de différents plumages,
les oiseaux sont tellement privés et
familiers, qu’ils partent le matin et
reviennent le soir à leur habitation.
— Ces indiens sont tous dans un état
complet de nudité primitive.
os seduz ou os cativa; quanto à religião, esses selvagens não conhecem
nenhuma, passam o tempo domesticando pássaros que adornam com
diferentes plumagens, os pássaros
são tão particulares e familiares,
que saem pela manhã e retornam à
noite para casa. Esses índios estão
todos em completo estado de nudez
primitiva.
Pour rejoindre l’autre port, nous
fûmes obligés de traverser des terrains
fangeux et marécageux, couverts de
roseaux et de bambous ; nous avions
parfois de la boue jusqu’aux genoux,
j’étais contrainte alors de relever ma
robe et de marcher nu-pieds, au risque
de m’occasionner quelques blessures,
et craignant à chaque instant de
rencontrer un serpent ou tout autre
reptile venimeux.
Para chegar ao outro porto, tivemos
que atravessar campos lamacentos
e pantanosos, cobertos com juncos
e bambus; às vezes estávamos na
lama até o joelho, tinha que levantar meu vestido e andar descalço,
correndo o risco de me machucar e
temendo a cada momento encontrar
uma cobra ou algum outro réptil venenoso.
Arrivés au port, nous prîmes le Canal
d’Enfer, cours de rivière qui va se
jeter dans celle des Amazones. Force
nous fut encore de descendre nos
marchandises à terre, et de transporter
nos canots de l’autre côté de la
cascade. Nous en trouvâmes ensuite
deux autres qui ne présentèrent pas
d’aussi grands dangers, puis nous
passâmes à force de rames, et non
sans quelques difficultés, la cascade
Quando chegamos ao porto, pegamos o Canal do Inferno1, um rio
que vai desaguar no rio Amazonas.
Tivemos novamente que tirar nossas mercadorias e transportar nossas
canoas para o outro lado da cachoeira. Encontramos mais adiante duas
outras cachoeiras que não eram tão
perigosas, e remamos através das
cachoeiras, não sem alguma dificuldade. Uma das cachoeiras, embo-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
195
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
nommée Sainte-Aburse. Celle de
Sainte-Elise, sans être trop périlleuse,
nécessite
néanmoins
beaucoup
d’adresse pour la franchir car
lorsque, les courants sont forts, si le
pilote dévie tant soit peu de sa route,
le canot va donner sur un rocher et se
brise infailliblement.
ra não seja muito perigosa, requer
muita habilidade para cruzá-la, pois
quando as correntes são fortes, se o
piloto desviar do seu curso, mesmo
que ligeiramente, a canoa entrará
num penhasco e quebrará de certo.
La cascade de Saint-Simon présente
également de grands dangers, sa
chute d’eau est de six pieds ; auprès
de ces cascades existent des trous
très profonds, semblables à des
gouffres, les eaux y forment des
tourbillons qui engloutissent les
canots et ceux qui les dirigent. Aussi,
est-on obligé dans les grandes crues
d’eau de les hâler à terre et de les
transporter à bras. — Ces localités
désertes resteront longtemps dans
l’isolement, car jusqu’à présent nulle
voie n’a été encore tracée pour les
parcourir. Tantôt ce sont des déserts
sablonneux, tantôt des montagnes
arides ou couvertes de bois épais, et
souvent des torrents qui forment des
rivières ; de plus vous êtes exposé
à tomber entre les mains de peuples
anthropophages qui peuvent vous
dévorer sans pitié et enfin, vous ayez
à redouter la rencontre des tigres,
des lions, des panthères, da terrible
Boa ou d’autres animaux sauvages
dont le pays est infesté. — Oui,
A cachoeira de São Simão também apresenta grandes perigos, sua
queda d’água mede seis pés; perto
dessas cachoeiras existem buracos
muito profundos, semelhantes a
abismos, as águas formam redemoinhos que engolem as canoas e aqueles que as dirigem. Quando há grandes enchentes de água, é obrigado
colocá-las na terra firma e transportá-las no braço. Estas localidades desertas permanecerão isoladas
por muito tempo, porque até agora
ainda não foi traçada nenhuma via
para percorrê-las. Às vezes são desertos arenosos, às vezes montanhas
áridas ou montanhas cobertas por
espessas florestas, e muitas vezes
por torrentes que formam rios; além
disso, você pode cair nas mãos de
povos antropófagos que podem devorá-lo sem piedade e, finalmente,
você tem que temer o encontro com
tigres, leões, panteras, a terrível
jiboia ou outros animais selvagens
que infestam o país. Sim, muitos sé-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
196
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
bien des siècles s’écouleront encore
avant que ces peuples aient goûté les
douceurs de la civilisation. Berçonsnous cependant du consolant espoir
que le soleil de la foi après avoir
éclairé notre vieille Europe, ira
aussi répandre sur eux sa fécondante
lumière. N’est-ce pas le sort réservé
à toutes les nations, et à un moment
donné, ne sont-elles pas toutes
appelées à jouir des bienfaits du
christianisme et de la civilisation !
culos ainda passarão antes que estes
povos tenham provado a doçura da
civilização. Vamos, entretanto, nos
consolar com a esperança de que o
sol da fé, depois de ter iluminado
nossa velha Europa, também espalhará sua luz fecundante sobre eles.
Não será este o destino reservado
a todas as nações e, em algum momento, não serão todas chamadas a
usufruir dos benefícios do cristianismo e da civilização?
En vue de la cascade de Saint-Simon,
j’y courus le plus grand danger de ma
vie; une dame nommée Lamazone,
m’avait priée, quand je passerais à
cet endroit, d’aller visiter le tombeau
de son mari, décédé depuis un
an (ces personnes avaient voulu,
jadis, entreprendre de civiliser les
sauvages) ; je le lui avais promis;
je me mis donc à la recherche de
cette sépulture, et, accompagnée de
naturels, tous anthropophages, je
marchai résolument avec eux, sans
prévenir les gens de mon absence
après avoir parcouru en tous sens
les collines et les bois, je ne trouvai
point l’objet de mes investigations.
Les sauvages, dont j’ignorais le
langage, me faisaient comprendre
par signes, qu’il fallait aller plus
loin, j’allais, je revenais et faisais
toutes les recherches possibles,
Avistamos a cachoeira de São Simão onde corri o maior perigo da
minha vida; uma senhora chamada
Lamazone, ao passar por ali, me
pediu para visitar o túmulo de seu
marido, falecido fazia um ano (essas pessoas quiseram, no passado,
civilizar os selvagens); prometi que
iria; então, parti em busca deste túmulo e, acompanhada por nativos,
todos antropófagos, caminhei com
eles, sem avisar as pessoas da minha ausência, após ter andado em
toda parte pelas colinas e florestas,
não encontrei o objeto das minhas
investigações. Os selvagens, cuja
língua eu não conhecia, me fizeram entender por sinais, que era
necessário ir mais longe, fui, voltei e fiz todas as buscas possíveis,
mas sempre em vão. Andávamos
desde manhã, e estávamos nos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
197
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
mais toujours sans succès. Nous
marchions à l’aventure depuis le
matin, et nous nous éloignions de
plus en plus de notre campement,
cependant les naturels m’engageaient
toujours à pénétrer plus avant dans
le pays, il était alors quatre heures
du soir environ ; voyant que cette
excursion était sans résultats, je
songeai décidément au retour,
malgré l’insistance de mon escorte à
me faire aller plus loin. Bien m’en
prit, comme je l’ai appris depuis,
car les sauvages cherchaient à
m’entraîner dans leur affreux repaire
pour me tuer et me manger ensuite.
afastando cada vez mais do nosso
acampamento, no entanto, os nativos estavam sempre me incitando
a ir mais longe no interior; eram
cerca de quatro horas da noite, e
vendo que esta excursão estava
sem resultados, pensei seriamente
em voltar, apesar da insistência da
minha escolta. Sábia decisão, como
soube depois, pois os selvagens
tentaram me atrair para seu terrível
covil para me matar e finalmente
me comer.
Dans la nuit mes gens ayant remarqué
mon absence, se mirent en route, les
uns d’un côté les autres d’un autre,
et parvinrent enfin à me retrouver. —
Ce qui me confirma dans cette pensée
que les naturels avaient de mauvaises
intentions à mon égard, c’est qu’à
l’approche des personnes de ma suite,
ils s’enfuirent tous précipitamment,
dans la crainte sans doute qu’on
eut connaissance de leurs sinistres
desseins. — Mes gens m’adressèrent
de sévères remontrances au sujet de
mon imprudence en me dépeignant
le sort qui aurait pu m’être réservé.
Ces craintes et ces dangers, je les
compris alors ; j’en frémis encore
d’épouvante. — Malgré les précipices
Durante a noite, minha gente, tendo notado minha ausência, foi me
buscar, uns de um lado e os outros
do outro, até que me encontraram.
O que confirmou meu pensamento
de que os nativos tinham más intenções comigo; à medida que as
pessoas na minha comitiva se aproximavam, fugiram todos com pressa, temendo, sem dúvida, que suas
intenções sinistras fossem desvendas. Minha gente me criticou severamente pela minha imprudência,
avisando do destino que poderia
ter acontecido. Entendi então esses
medos e perigos; ainda estremeço
de horror. Apesar dos precipícios
e dos terríveis caminhos que tínha-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
198
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
et les chemins affreux que nous
avions à parcourir pour retourner à la
cataracte de Saint-Simon, nous nous
armâmes de courage et y arrivâmes
pendant la nuit. Tout le monde était
dans la plus grande inquiétude mon
sujet, aussi avait-on allumer des feux
de tous côtés pour nous indiquer les
chemins et nous faire connaitre le lieu
de notre campement. — Dès que je
me vis hors de péril et au milieu de
notre troupe, je me mis à réfléchir aux
dangers auxquels mon inconséquence
et mon inexpérience m’avaient
exposée, et, alors je l’avoue, j’en
peur ; la fièvre s’empara de moi, je
ne pus prendre aucune nourriture,
et lorsque je voulus goûter le repos
dont j’avais grandement besoin, mille
images effrayantes vinrent troubler
mon sommeil. Cette nuit fut l’une des
plus mauvaises que je passai dans ces
tristes et désertes solitudes.
mos que percorrer para voltar à
cachoeira São Simão, nos armamos
de coragem e chegamos lá durante
a noite. Todos estavam muito preocupados comigo, por isso foram
acesas fogueiras por todos os cantos para nos indicar o caminho e o
lugar do acampamento. Assim que
estava fora de perigo, e no meio
da nossa gente, comecei a pensar
sobre os perigos que minha inconsequência e inexperiência me colocaram, e confesso que tive medo;
a febre tomou conta de mim, não
pude experimentar nenhuma comida, e quando quis provar a janta de
que tanto precisava, mil imagens
assustadoras vieram perturbar meu
sono. Aquela noite foi uma das piores que passei nessas tristes e desertas solidões.
Le lendemain, ayant remis à l’eau
nos trois canots, nous nous laissâmes
aller au gré du courant jusqu’à la
cascade appelée Sainte-Gabrielle. Là,
de nouveaux malheurs nous étaient
réservés ! — Le canot que je montais
avec une soixantaine de nègres, vint
à toucher sur un récif et s’entrouvrit
; nos noirs, très bons nageurs, se
tirèrent parfaitement d’affaire, quant
à moi, je fus sauvée par quatre
No dia seguinte, tendo colocado
nossas três canoas de volta na água,
nos deixamos levar pela corrente
até a cachoeira São Gabriel. Lá,
novos infortúnios nos aguardavam!
A canoa onde eu estava com cerca
de sessenta negros, tocou um recife e se abriu; nossos negros, muito bons nadadores, escaparam sem
problema; quanto a mim, fui salva
por quatro deles, que, esquecendo
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
199
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
d’entre eux, qui oubliant leurs propres
dangers, coururent à mon secours, me
saisirent par ma robe et me déposèrent
sur un rocher, où ils me prodiguèrent
leurs soins jusqu’à l’arrivée de nos
gens; nous restâmes pendant quatre
heures dans cette situation critique,
après avoir perdu toutes nos vivres.
Cependant nous parvînmes à retirer
de l’eau notre canot brisé, et nous
le portâmes dans une petite île pour
le radouber, cet accident nous y fit
séjourner plus de quinze jours, nous
partîmes en fin un soir, après avoir
allumé des bois résineux pour nous
éclairer jusqu’au lieu de l’embarcation
; deux jours après nous traversions
le camp des Piarouracquoi, peuplade
guerrière et dangereuse ; cependant je
n’eus qu’à me louer de l’obligeance
des femmes de cette tribu.
seus próprios perigos, me socorreram, me agarraram pela roupa e
me depositaram numa rocha, onde
me cuidaram até a chegada da nossa gente; permanecemos por quatro
horas nesta situação crítica, após
termos perdido toda nossa comida. No entanto, conseguimos tirar
nossa canoa quebrada da água, e
a levamos para uma pequena ilha
para que fosse reformada. Este acidente nos levou a ficar lá por mais
de quinze dias, e saímos finalmente
uma noite, após ter acendido uma
madeira resinosa para nos iluminar
até a embarcação; dois dias depois
atravessávamos o acampamento de
um povo guerreiro e perigoso; no
entanto, eu só posso elogiar as mulheres desta tribo pela gentileza.
CHAPITRE IV
CAPÍTULO IV
Suite du voyage des Cascades à Continuação da viagem das Catravers le désert et les tribus sauvages choeiras pelo deserto e pelas tribos
selvagens do interior do Brasil.
de l’intérieur du Brésil.
Nous arrivâmes bientôt à la cascade
de Mareigne-en-grand et Mareigneen-petit, deux passages assez
dangereux ; nous ne fûmes point
obligés néanmoins de hisser nos
canots à terre. Nous vîmes dans ces
parages une quantité considérable de
Logo chegamos à cachoeira Grande Maranhão e Pequeno Maranhão, duas passagens bastante
perigosas; não fomos obrigados,
porém, a içar nossas canoas para
terra firme. Vimos, naquela região, um número considerável de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
200
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
singes qui nous procurèrent le plaisir macacos que cruzaram um estreito
para o nosso prazer.
de les voir franchir un détroit.
Ils se tiennent par la main, et à un
signal de leur chef ils sautent tous sur
l’autre bord, en s’attirant les uns les
autres comme une bande d’oiseaux.
Ils allaitent leurs petits comme les
femmes ; aussi quand ils sont surpris,
la femelle lance son enfant au mâle,
comme une pelote, celui-ci le reçoit
sur une branche, puis laissant à
la guenon le temps de sauter plus
loin, il lui jette à son tour le petit
singe, et ainsi de suite, jusqu’à ce
qu’ils l’aient mis en lieu de sûreté.
– On rencontre également dans cette
contrée beaucoup de tigres, de lions,
de léopards, et plus particulièrement
des andes, espèce de veau, muni
d’une trompe comme l’éléphant. –
Nous avions, à notre départ quatre
chiens que nous ne pûmes garder
qu’un mois, car ils s’enfonçaient à
chaque instant dans l’épaisseur des
bois, et un jour ils ne reparurent plus.
Le dernier qui nous resta, pourtant,
s’est perdu à la cascade d’Enfer, il
est probable qu’il aura été dévoré
par les bêtes sauvages. Rien ne cause
autant de peur aux naturels que les
chiens et les armes à feu ; ces deux
moyens de défense suffisent pour les
mettre en fuite.
Se dão as mãos e, num sinal do líder, todos pulam para a outra margem, atraindo-se uns aos outros
como uma revoada de pássaros.
Amamentam seus filhotes como
as mulheres; assim, quando são
surpreendidos, a fêmea joga seu
filhote para o macho, como uma
bolinha, este a recebe num galho,
dando à macaca o tempo para pular
para mais longe, ele joga de volta
o macaquinho, e assim por diante,
até que esteja num lugar seguro.
Encontram-se também neste país
muitos tigres, leões, onças, e, particularmente, antas, uma espécie
de bezerro, com tromba como o
elefante. Quando saímos, tínhamos
quatro cães que só pudemos manter por mais de um mês, porque
estavam entrando a cada momento
na espessa floresta, até que um dia
não voltaram mais. O último, no
entanto, foi perdido na cachoeira
do Inferno, e foi provavelmente
devorado pelas feras selvagens.
Nada causa tanto medo aos nativos
do que cães e armas de fogo; estes
dois meios de defesa são suficientes para afugentá-los.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
201
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
Nous arrivâmes à la cascade de
Loupouny qui n’offre rien de
remarquable, il en est ainsi de
plusieurs autres que nous traversâmes.
Elles se jettent toutes dans la rivière de
Sommidor, qui est à sec pendant un
certain temps de l’année ; une autre
déviation de cette rivière se perd dans
le Tetentin. — Ce fut vers huit heures
du matin que j’appris enfin que nous
avions franchi toutes les cascades, et
à midi, nous arrivions au port de BonJardine, à une demi-lieue de la petite
ville de Taillidoules, toute la troupe
débarqua et l’on transporte à terre nos
marchandises.
Chegamos à uma cachoeira que
não oferece nada de notável, e foi
assim com muitas outras que passamos. Todas desembocam no rio
Sumidouro, que fica seco durante uma determinada época do ano
cujo desvio se perde em outro rio.
Foi perto das oito horas da manhã
que finalmente soube que tínhamos
atravessado todas as cachoeiras, e
ao meio-dia chegamos ao porto de
Bom Jardim, na beira do Rio Iriri,
a meia légua de uma cidadezinha
onde a tropa inteira desembarcou e
transportou as mercadorias para a
terra firme.
— Une chose qui me surprit
extraordinairement, à mon arrivée,
ce fut de voir les habitants lancer
en l’air une grande quantité de
fusées. J’en demandai le motif à M.
Blin, négociant, auquel j’avais été
recommandée et qui m’accompagnait
; il me répondit que c’était pour
fêter ma qualité d’étrangère que le
peuple agissait ainsi, et que cette
manifestation était un signe de
réjouissance ; il ajouta qu’il regrettait
de n’avoir pas avec lui son fusil,
parce qu’il en eût tiré quelques coups.
Pour témoigner notre sympathie aux
habitants, et pour leur prouver que
leur politesse nous était fort sensible,
nous demeurâmes huit jours dans
Uma coisa que me surpreendeu
muitíssimo, na minha chegada, foi
ver os habitantes lançarem uma
grande quantidade de foguetes no
ar. Perguntei o motivo ao Sr. Blin,
negociante, para quem fui recomendada e que me acompanhava;
respondeu que o povo fazia isso
para celebrar a minha vinda como
estrangeira, e que era sinal de festa; acrescentou que se arrependia
por não ter seu fúsil com ele, porque poderia disparar alguns tiros.
A fim de mostrar nossa simpatia ao
povo e provar-lhes que estávamos
muito sensíveis com sua cortesia,
ficamos oito dias neste cordial e
demonstrativo lugar. O Sr. Bertin
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
202
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
ce cordial et démonstratif pays. M.
Bertin nous avait mis de côté un
très beau porc qu’il se proposait de
nous donner, lorsqu’un jour nous
entendîmes les cris de cet animal sur
le bord de la rivière, nous ne tardâmes
pas à apprendre qu’un énorme caïman
s’était élancé sur lui et l’entraînait
vers la rivière. Nos gens coururent
aussitôt au secours du porc que lâcha
le caïman, à leur approche, non
pourtant sans l’avoir étranglé. Nous
le saignâmes aussitôt et l’employâmes
à notre nourriture.
havia reservado um lindo porco
que queria dar-nos, quando um
dia, ouvimos os gritos deste animal
na margem do rio, logo soubemos
que um enorme jacaré havia pulado nele, arrastando-o para o rio.
Nossa gente correu imediatamente
para resgatar o porco que o jacaré
havia esganado e que soltou quando se aproximaram dele. Sangramo
-lo imediatamente e o usamos para
nossa alimentação.
Dans cet intervalle, les noirs
formèrent le complot de tuer les
blancs : je résolus, après en avoir
référé à M. Blin, de quitter à l’instant
cet endroit. Celui-ci me conseilla
de rester, mais craignant à chaque
instant d’être massacrée, et mettant de
côté tous les prétextes qui m’étaient
allégués, je payai mon voyage et
m’entendis avec sept habitants pour
me rendre à Saint-Allin, résidence
de l’agent consulaire français, M.
Cousin. Nous partîmes vers les quatre
heures du soir ; au moment d’arriver,
il s’éleva une tempête si violente
que notre barque fut jetée à la côte
; nous ne pûmes repartir pour SaintAllin que quinze jours après et par
un temps horrible. Nous gagnâmes
ensuite Rio negro; ma première visite
Enquanto isso, os negros conspiraram para matar os brancos: resolvi, após contar tudo para o Sr.
Blin, ir embora deste lugar. Ele me
aconselhou a ficar, mas temendo
ser massacrada a cada momento, e
esquecendo todos os pretextos que
me foram alegados, paguei minha
viagem e tratei com sete habitantes para me levar a Santarém, residência do agente consular francês,
Sr. Cousin. Saímos por volta das
quatro da tarde, e quase chegando,
houve uma tempestade tão violenta
que nosso barco foi jogado na costa; só pudemos sair novamente para
Santarém quinze dias depois, e com
um tempo horroroso. Chegamos ao
Rio Negro e minha primeira visita
foi para um capitão inglês, que me
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
203
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
fut pour un capitaine anglais, auquel
j’avais été adressée, je rencontrai
dans cette ville deux français : un
boulanger, nommé M. Siroteau et M.
Bouzin, agent consulaire; ce dernier
me loua une maison et déploya à mon
égard, ainsi que son épouse, tous
les soins possibles. J’attendis à Rio
negro qu’un navire fut en partance
pour Petra, j’eus l’occasion dans
cette circonstance de revoir le fils du
général Nina, qui avait fait avec moi
la traversée du Havre au Brésil.
apresentaram. Conheci dois franceses na cidade: um padeiro, chamado Sr. Siroteau, e o Sr. Bouzin,
agente consular. Este último me
alugou uma casa e com sua esposa
cuidaram de mim. Esperei em Rio
Negro que um navio partisse; nesta
circunstância tive a oportunidade de
rever o filho do General Nina, que
tinha feito a travessia do Havre para
o Brasil comigo.
Ce fut dans cette ville qu’on me vola
une somme de 10,000 fr. contenus
dans un portefeuille, ainsi qu’un
rubis d’une rare beauté, estimé 6,000
fr. et dont j’avais refusé la vente.
On pénétra chez moi pendant mon
absence et l’on força mes malles.
M’étant aperçue de cette effraction ;
je me rendis chez le Consul pour lui
faire ma déclaration, car cette perte
était cruelle pour moi ; il m’assura
que les poursuites et diligences qu’il
allait exercer pour connaître l’auteur
du vol, amèneraient probablement la
restitution des objets qui m’avaient été
volés. J’attendis longtemps, mais bien
inutilement. Craignant alors de me
voir privée de toutes mes ressources,
je jugeai prudent de m’embarquer à
bord d’un navire pour traverser la
rivière des Amazones, et de là, gagner
Foi nesta cidade que me roubaram
o valor de 10.000 fr. numa carteira, bem como um rubi de rara beleza, estimado em 6.000 fr. que me
recusava em vender. Entraram na
minha casa enquanto eu estava fora
e arrombaram minhas malas. Fui
até o cônsul para depositar minha
queixa, pois esta perda foi cruel
para mim. Ele me assegurou que
com processos e diligências feitos
para encontrar o autor do roubo,
provavelmente levariam à restituição dos objetos que me haviam
roubados. Esperei muito tempo,
mas foi inútil. Temendo então ficar sem todos meus recursos, achei
prudente embarcar num navio para
atravessar o rio Amazonas, e de lá
chegar até o primeiro estabelecimento comercial brasileiro da cos-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
204
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
le premier comptoir brésilien qui se
trouverait sur la côte. Cette rivière, la
plus longue et la plus large du monde,
offre à la navigation des dangers
imminents, ce fut l’espagnol Ornella
qui lui donna ce nom, en 1539, en
mémoire des combats qui y furent
livrés par les femmes des naturels du
pays. — Indépendamment des rochers
à fleur d’eau qu’on y rencontre, il
existe également d’énormes bancs de
sable sur lesquels on échoue, ainsi
que des iles flottantes, débris errants
du sol, charriés par le courant. Ces
îles sont garnies d’arbres et peuplés
d’une multitude de singes ; la rivière
entraîne aussi avec elle de gros arbres
déracinés qui sont autant d’écueils à
éviter et qui causent tous les jours la
perte d’un grand nombre de bateaux.
— Nous passâmes par Marajo,
endroit réputé dangereux par ses
rochers et ses récifs. Nous vîmes de
très jolis canaux qui se jettent dans les
Amazones, leurs bords sont inhabités,
on trouve dans ces parages un gros
fruit nommé Taïb, que l’on presse
pour en extraire le jus, et qui fournit
une liqueur vineuse, très bonne à
boire ; on le mange également avec la
farine de maïs.
ta. Esse rio, o mais longo e largo do
mundo, oferece perigos iminentes
à navegação. Foi o espanhol Ornella que lhe deu este nome em 1539,
em memória das batalhas contra as
mulheres dos nativos do país. Além
dos penhascos na beira d’água encontrados, há também enormes
bancos de areia sobre os quais se
encalha, bem como ilhas flutuantes,
detritos vagando do solo, transportados pela correnteza. Essas ilhas
são repletas de árvores e povoadas
por uma multidão de macacos;
o rio carrega também consigo
grandes árvores arrancadas que
são armadilhas a serem evitadas
e que causam a perda diária de
um grande número de barcos.
Passamos por Marajó, um lugar
conhecido por ser perigoso por
causa dos seus penhascos e recifes.
Vimos alguns canais muito bonitos
que desembocam no rio Amazonas,
com margens inabitadas. Há uma
fruta chamada açaí, que é prensada
para extrair seu suco, e que fornece
um licor vinhoso muito bom de se
beber; também é consumida com
farinha de milho.
A quarante lieues du Para, nous Quarenta léguas antes do Pará, badonnâmes sur un rocher, notre grand temos num penhasco, nosso grande
mât fut brisé et le navire échoua. mastro quebrou e o navio encalhou.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
205
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
Comme il a fallu rester trop longtemps
dans cette situation, je profitai d’un
canot de passage pour arriver plutôt à
ma destination ; ce bateau était monté
par des Tapouilles, habitants de ces
rivages.
Como fomos obrigados a ficar muito tempo nesta situação, aproveitei
uma canoa de passagem para chegar
mais cedo ao meu destino. Este barco era pilotado por Índios Tapayuna, habitantes destas costas.
A cinq heures du soir nous arrivons
au Para où demeurait M. Chaton,
consul français, chez lequel je me fis
conduire et qui me reçut avec l’accueil
le plus cordial.
Às cinco horas da tarde, chegamos
ao Pará onde morava o Sr. Chaton2,
o Cônsul francês, na casa de quem
fui levada e que me recebeu com a
mais cordial acolhida.
Je demeurai sept mois dans cette ville
où j’employai mon temps à empailler
des oiseaux et à confectionner des
chapeaux. Comptant que je recevrais
quelques nouvelles satisfaisantes
au sujet du vol de mes 10,000
fr., j’établis un petit magasin de
modes, mais, malgré mes lettres
très pressantes, je ne reçus aucune
nouvelle satisfaisante. Je me décidai
alors à prendre passage sur le bateau
à vapeur l’Impératrice du Brésil, pour
me rendre à Pernambouc, passant par
Maraignant, La Siera et La Prohibe,
petits endroits où relâche le vapeur.
Fiquei sete meses nesta cidade,
onde passei meu tempo empalhando
pássaros e fazendo chapéus. Contando que eu receberia algumas notícias satisfatórias sobre o roubo dos
meus 10.000 francos, montei uma
lojinha de moda, mas, apesar das
minhas cartas muito urgentes, não
recebi nenhuma notícia satisfatória. Decidi, portanto, comprar uma
passagem na galera Imperatriz do
Brasil3 para Pernambuco, passando
pelo Maranhão, que fazia algumas
paradas em pequenos lugares.
Maraignant est une fort jolie petite
ville, située sur la rive gauche du
fleuve Leitterage, fleuve qui sur passe
en beauté celui qui baigne la ville de
Bordeaux. On y fait un commerce
considérable avec l’intérieur.
Maranhão é uma cidadezinha muito
bonita, localizada na margem esquerda do rio Mearim, um rio muito
mais lindo que aquele que atravessa
a cidade de Bordeaux. Há um comércio considerável com o interior.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
206
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
La Seiera est également un joli pays,
il y quatre ans le peuple mourrait
presque de faim, mais aujourd’hui la
culture y est très pratiquée. La Brèche
est un petit port assez commerçant
et très fréquenté. De cet endroit,
nous parvînmes à Pernambouc où
je séjournai pendant trois ans. J’y
travaillai activement et j’y fis d’assez
bonnes affaires, ayant obtenu bientôt
la confiance de tout le monde. Le pays
est pittoresque et très bien cultivé, il
fournit en abondance du café, du riz,
du sucre et du coton ; la ville, l’une
des plus grandes du Brésil, est bien
bâtie ; les rues pavées en dalles,
sont longues, larges et bordées de
magnifiques trottoirs ; la rade est
sûre et majestueuse, le port est vaste
et peut contenir plus de 600 navires.
Cette ville est divisée en quatre parties
: le Recif, canal qui la sépare, forme
une île ; le quartier Saint-Antoine, le
pont Dabourif et la villa d’Oligne,
quartier occupé par les étudiants et
la garnison. Au bout de trois ans, en
1849, la révolution éclata à Machalle,
Bonnin et Péderive; et dura plus de
huit mois. — Elle eut lieu à cette même
époque, (2 février), à Pernambouc,
et fit un tort immense au commerce.
— Sur ces entrefaites, j’allai habiter
la campagne, au pont de Manquine,
sur le chemin appelé Porte-de-chaux,
à trois quarts de lieues de la ville. J’y
A serra é também uma linda região. Há quatro anos o povo de lá
quase morria de fome, mas hoje o
plantio é muito praticado. De um
pequeno porto, bastante comercial
e muito movimentado, chegamos a
Pernambuco, onde fiquei por três
anos. Trabalhei lá ativamente e fiz
bons negócios, tendo logo conquistado a confiança de todos. A região
é pitoresca e muito bem cultivada,
fornece abundante suprimento de
café, arroz, açúcar e algodão; a cidade, uma das maiores do Brasil,
é bem construída; as ruas, pavimentadas com pedras, são longas,
largas e com lindas calçadas; a
baia é segura e majestosa, o porto é vasto e pode abrigar mais de
600 navios. A cidade se divide em
quatro partes: o Recife, canal que a
separa, forma uma ilha; o bairro de
Santo Antônio, a ponte do Recife
e a vila de Olinda, bairro ocupado
pelos estudantes e pela guarnição.
Após três anos, em 1849, a Insurreição Praieira irrompeu e durou
por mais de oito meses. Ocorreu
ao mesmo tempo, (2 de fevereiro),
em Pernambuco, e causou imensos
danos ao comércio. Enquanto isso,
fui morar num sítio, fora da cidade. Fiquei lá por seis meses e, ao
final desse tempo, voltei para Pernambuco para ver se os negócios
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
207
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
restai six mois, et au bout de ce temps, estavam melhorando. Mas com a
je retournai à Pernambouc pour voir perda de confiança com a crise cosi les affaires allaient mieux. Mais la mercial, resolvi vender minha loja.
crise commerciale ayant fait perdre
la confiance, je résolus de céder mon
fonds de magasin.
Je
m’embarquai
ensuite
sur
l’Emperador, batiment à vapeur,
en partance pour Baya, passant par
Marseillo et quelques autres petits
endroits dont j’ignore les noms.
Embarquei então no Emperador,
um vapor, com destino à Bahia,
passando por Marselha e alguns outros pequenos lugares cujos nomes
desconheço.
Marseillo est un village très Marseilha é uma vila muito comercommerçant, situé sur le bord de la cial, localizada à beira-mar.
mer.
Nous arrivâmes Baya, cité très
commerçante et maritime, cette
ville, beaucoup plus grande que
Pernambouc, est séparée en deux
parties : la ville haute et la ville basse
; la deuxième partie située au bord de
la mer, a des quais très étendus qui
pourtant sont loin d’égaler ceux de la
localité que je venais de quitter. C’est
là que se trouvent tous les comptoirs,
les magasins, la classe marchande
et le pauvre peuple. La cité est mal
percée ; les rues sont étroites et sales
; les maisons généralement mal bâties
possèdent de deux à quatre étages. La
baie est magnifique. — La ville haute,
construite dans le genre moderne est
fort pittoresque ; elle est assise sur
Chegamos à Bahia, uma cidade
muito comercial e marítima, esta
cidade, muito maior que Pernambuco, se divide em duas partes:
a cidade alta e a cidade baixa; a
segunda parte, localizada na orla
marítima, tem cais muito extensos
que, no entanto, estão longe de
igualar aos da cidade que acabei
de deixar. É lá que se encontram
todos os comércios, lojas, a classe
dos comerciantes e o pobre povo.
A cidade é mal planejada; as ruas
são estreitas e sujas; as casas geralmente mal construídas têm de dois
a quatro andares. A baía é magnífica. A cidade alta, construída no
estilo moderno, é muito pitoresca;
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
208
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
la montagne de la Conception, on y
arrive par une belle rue située en face
du théâtre. — A une demi-lieue, et sur
la route, se trouve le café ou bazar des
étrangers. Plusieurs petites villas ou
maisons de campagne couronnent les
hauteurs et servent de résidence aux
étrangers de toute sorte, notamment
aux anglais. On y voit plusieurs
Églises, couvents ou hôpitaux, très
bien construits. Baya possède aussi
un bagne pour les malfaiteurs, chaque
jour ces malheureux, conduits par
leurs gardiens, circulent en ville
pour vendre leurs petits produits,
consistant en chapelets, bagues ou
autres objets. — La population est de
60,000 habitants dont les deux tiers
sont gens de couleur.
fica na Ladeira da Conceição; se
chega até lá por uma bela frente
ao teatro. A meia legua de distância, na estrada, tem o café ou bazar para dos estrangeiros. Várias
casas ou casarões coroam as alturas e servem de residência para os
estrangeiros de todos os tipos, especialmente os ingleses. Há várias
igrejas, conventos ou hospitais,
muito bem construídos. Bahia também possui uma prisão para criminosos, todos os dias esses infelizes,
conduzidos pelos seus guardas, circulam na cidade para vender seus
pequenos produtos, como rosários,
anéis ou outros objetos. A população é de 60.000 habitantes com
dois terços de pessoas de cor.
Pendant plus de six mois j’eus à
souffrir de la fièvre jaune, ce qui
m’empêche de me livrer à aucun
genre d’industrie, à peine rétablie,
je fus atteinte du choléra ; ce terrible
fléau causa les plus grands ravages
parmi la population et une grande
partie des Européens résidents y
succombèrent.
Durante mais de seis meses sofri
com a febre amarela, o que me impediu de me envolver em qualquer
tipo de comercio, mal me recuperei,
peguei a cólera; esta terrível epidemia causou a maior devastação entre a população e uma grande parte
dos europeus residentes faleceu.
Après tant de peines, de traverses et
de malheurs, je songeai enfin à revoir
mon pays natal. Je résolus auparavant
de mettre en ordre mes affaires, et, à
ce sujet, je remis mes pouvoirs entre
Depois de tanta dor, sofrimento e
desgraça, pensei finalmente em voltar para rever meu país natal. Resolvi antes colocar meus negocios em
ordem e, nesse sentido, entreguei
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
209
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
les mains des autorités locales. Ces
formalités remplies, je m’embarquai
pour la France, à la destination du
Havre, le 22 juin 1852, sur le navire
Léoni.
meus poderes nas mãos das autoridades locais. Cumpridas estas formalidades, embarquei para a França,
com destino ao Havre, em 22 de junho de 1852, no navio Jeune Léonie.
J’arrivai au Hâvre-de-Grâce le 14
août, et y demeurai 15 jours, par
suite de mon état de maladie. Je
m’embarquai de nouveau sur le navire
Lélie faisant route pour Bordeaux, et
je débarquai à Blaye, où je pris la
voiture pour me rendre au sein de ma
famille. — Hélas ! j’arrivai trop tard à
Saint-Jean-d’Angely, et n’y retrouvai
plus que ma pauvre mère, mon frère
et ma sœur. J’avais perdu depuis
mon départ, mon bien aimé père,
un frère et une autre sœur !!!...Leur
sort fut de mourir entourés des soins
touchants de leur famille ; des mains
amies avaient pressé la leur, à cet
instant suprême ; et moi, je n’avais
pas même eu la sainte consolation de
leur fermer les yeux ! — Après quinze
ans d’absence, de souffrances et de
douleurs, je retrouvai le deuil sous le
toit de ma vieille mère ; si les êtres
chéris que je n’ai plus revus peuvent
m’entendre, du fond de leur tombe
où je viens souvent prier, qu’ils me
pardonnent ; car moi aussi j’ai bien
souffert dans mes lointains voyages.
Cheguei em Le Hâvre-de-Grâce em
14 de agosto, e fiquei lá por 15 dias,
por causa do meu estado de doença. Embarquei novamente no navio
Lélie com destino a Bordeaux, e desembarquei em Blaye, onde peguei o
carro para a casa da minha família.
Infelizmente! cheguei tarde demais
em Saint-Jean-d’Angely, e encontrei
lá apenas minha pobre mãe, meu irmão e minha irmã. Eu tinha perdido desde minha partida, meu amado pai, um irmão e outra irmã!!!...
Seus destinos eram morrer cercados
dos cuidados comoventes da família; mãos amigas tinham apertado as
deles, naquele momento supremo; e
eu, nem tive o santo consolo de fecha-lhes os olhos! Após quinze anos
de ausência, de sofrimentos e dores,
encontrei o luto sob o teto de minha
velha mãe; se os entes queridos que
eu nunca mais vi podem me ouvir do
fundo do túmulo, onde eu vou frequentemente para rezar, que me perdoem; pois, eu também sofri muito
nas minhas viagens longínquas.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
210
Tradução de Marie Helene Catherine Torres
FIN
FIM
Je crois devoir ajouter, à la suite de
ces relations de voyage la lettre que
m’écrivit Monsieur le Comte de
Castelnau, consul de France, à Bahia,
le 21 mars 1835.
Acho que devo acrescentar, após
esses relatos de viagem, a carta que
me foi escrita pelo Conde de Castelnau, Cônsul da França, na Bahia,
em 21 de março de 1835.
MADAME
Bahia, le 21 Mars 1853
J’ai reçu la lettre que vous m’avez
fait l’honneur de m’adresser le 3
décembre dernier, Monsieur votre
époux n’étant pas mort dans mon
arrondissement Consulaire, je ne puis
vous envoyer d’acte mortuaire, mais,
je puis déclarer qu’il était, lors de
mon passage à Diamantino de Malto
Grosso, de notoriété publique, que
la mort avait eu lieu peu de temps
avant. Tout le monde, dans cette ville
éloignée, admirait le courage que vous
aviez montré dans des circonstances
telles, que beaucoup de femmes se
fussent livrées au désespoir. Seule,
sans ressources, vous avez descendu
le Rio Arinos, qui n’a encore été
exploré par aucun voyageur ; vous
l’avez fait en affrontant le danger des
tribus sauvages, d’un climat meurtrier
et d’animaux féroces.
MADAME
Bahia, 21 de março de 1853
Recebi a carta que você me fez a
honra de me dirigir em 3 de dezembro, já que seu marido não
morreu em meu distrito consular,
não posso lhe enviar uma escritura
mortuária, mas posso declarar que
foi, no momento de minha visita
a Diamantino de Mato Grosso, de
notoriedade pública, que a morte
havia ocorrido pouco antes. Todos
naquela cidade remota admiraram
a coragem que você demonstrou
em tais circunstâncias que muitas
mulheres foram deixadas em desespero. Sozinho, sem recursos, você
desceu o Rio Arinos, que ainda não
foi explorado por nenhum viajante;
você o fez diante do perigo de tribos selvagens, de um clima assassino e de animais ferozes.
Lorsque plus tard, je vous rencontrerai Quando mais tarde o conheci no
au Para, je ne pouvais croire que vous Pará, não pude acreditar que você
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
211
Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy
eussiez échappé à tant de périls et havia escapado de tantos perigos e
supporté tant de fatigues.
suportado tanta fadiga.
Si je puis, ici, vous servir à quelque
chose, veuillez me le faire savoir, et
croyez, Madame, à mes sentiments
dévoués.
Se eu puder ser de alguma utilidade
para você aqui, por favor me avise,
e acredite, Senhora, em meus devotados sentimentos.
Signé : Cte DE CASTELNAU.
Consul de France à Bahia
Assinado: Cde. DE CASTELNAU.
Cônsul da França na Bahia
Notas
1. O canal do inferno é citado por Langsdorff na sua expedição pelo Brasil entre
de 1824 a 1829. Silva, Danuzio (Org.) AIEL, Os Diário de Langsdorff. Ed.
Fiocruz, 1997 e Komissarov, Boris. Expedição Langsdorff. Acervos e Fontes
Históricas, Editora UNESP, 1994.
2. Prosper Chaton exercera, por alguns anos, as funções de vice-cônsul da França
na cidade de Belém, segundo informação do livro Avenir da la Guyane Française,
escrito por Chaton, em 1864, e publicado em Paris, em 1865.
3. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=094170_01&Pesq=L
eonie&pagfis=37915.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021.
212
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84954
PERCURSO TRADUTÓRIO EM TEXTOS HISTÓRICOS
SOBRE A VIAGEM DE DESCOBRIMENTO DO RIO
AMAZONAS
Andréa Cesco1
1
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/
CNPq
Mara Gonzalez Bezerra2
2
UNIASSELVI, Indaial, Santa Catarina, Brasil
1. Introdução
Os dois capítulos traduzidos por nós — do espanhol ao português — fazem parte de uma extensa introdução (com duzentas e
trinta e nove páginas) escrita pelo renomado historiador chileno
José Toribio Medina (1852-1930), responsável pela edição da obra
Descubrimiento del Río de las Amazonas,1 publicada em 1894, em
Sevilha, Espanha. A obra, que traz na íntegra a Relación, de autoria do cronista espanhol frei Gaspar de Carvajal (1504-1584), considerada uma das principais referências no estudo da conquista das
Américas, oferece um conjunto de relatos documentados sobre a
expedição ao rio Amazonas realizada pelo expedicionário espanhol
1
A obra, disponibilizada em formato pdf, está armazenada na Biblioteca
Digital do Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/518714.
Acesso em outubro de 2020. “Carvajal, Gaspar de, 1504-1584. Outros autores:
Medina, José Toríbio, 1852-1930. Publicador: Sevilla: Imprenta de E. Rasco.
Data de publicação: 1894. Descrição física: ccxxxviii, 278, [1] p.: il., grav.; 24
cm. Responsabilidade: Com introdução histórica e algumas ilustrações de José
Toribio Medina”.
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
Capitão Francisco de Orellana (1511-1546) e por sua tropa.
Salientamos que a obra já foi traduzida e anotada ao português
por C. de Melo-Leitão — Descobrimentos do Rio das Amazonas
—, em 1941, publicada pela Companhia Editora Nacional.2 No entanto, apesar do editor/tradutor (não há como afirmar quem de fato
escreveu), incluir um prefácio de seis páginas e mencionar ou citar
alguns trechos da introdução de José Toribio Medina, ele opta por
excluí-la. Assim, temos na obra (com 298 páginas)3 o seguinte índice: Prefácio (5), Relação que escreveu Frei Gaspar de Carvajal (11),
Descobrimento do Rio de Orellana (13), Descobrimento do Rio das
Amazonas e suas dilatadas províncias [sic] (81) e, por fim, Novo
descobrimento do Grande Rio das Amazonas (125).
Em função dessa exclusão, decidimos selecionar e traduzir dois
capítulos (VIII - A Viagem do Descobrimento e XI - Sobre os nomes do Rio), de um total de onze, da introdução histórica escrita,
de forma crítica, por José Toribio Medina. Esta seleção se deu por
estes serem capítulos que relatam, o cotidiano dos expedicionários,
das descobertas, das dificuldades sofridas e das diversas aventuras
vivenciadas ao longo do curso do rio Amazonas, inclusive, confrontando e esclarecendo informações. Elas são importantes porque ratificam a participação dos espanhóis na história portuguesa e
brasileira e, também, revelam algumas das atrocidades cometidas
pelos expedicionários, não sem receberem, muitas vezes, as represálias dos indígenas. As descobertas durante a navegação ao longo
do rio Amazonas, a polêmica instaurada sobre os nomes do rio e
o debate sobre os diversos nomes pelos quais o rio Amazonas foi
chamado em muitas ocasiões são detalhados por Toribio Medina.
Os demais capítulos tratam mais diretamente de Orellana ou
Gaspar de Carvajal, conforme a relação a seguir: I. Documentação
2
Gaspar de Carvajal, Alonso de Rojas e Cristóbal de Acuña. Descobrimentos
do Rio das Amazonas. Série 2a, Vol. 203, Brasiliana - Biblioteca Pedagógica
Brasileira. Traduzido e anotado por C. de Melo-Leitão. São Paulo, Rio de Janeiro,
Recife, Porto Alegre. Companhia Editora Nacional, 1941.
3
Repositório da Universidade Federal do Rio de Janeiro. http://bdor.sibi.ufrj.br/
handle/doc/287. Acesso em 03 de novembro de 2020.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
214
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
da viagem de Orellana; II. Fr. Gaspar de Carvajal, cronista da
expedição de Orellana; III. Autores que escreveram sobre a viagem de Orellana; IV. Orellana no teatro; V. Dados biográficos de
Francisco de Orellana; VI. Francisco de Orellana na expedição de
Gonzalo Pizarro; VII. A traição de Orellana; IX. Os companheiros
de Orellana; X. Expedição de Orellana à Nueva Andalucía.
A partir desse breve comentário introdutório, a explanação a
seguir está dividida em três momentos: o primeiro, que trata do
cronista da expedição, Gaspar de Carvajal, e da obra Descubrimiento del Río de las Amazonas, a partir da sua Relación; o segundo, que apresenta o historiador José Toribio Medina, editor e autor
da introdução histórica da obra; e o último, que discorre sobre o
processo tradutório.
2. Descubrimiento del Río de las Amazonas: Gaspar de
Carvajal
Gaspar de Carvajal nasceu em Trujillo, Espanha, em 1504, e
faleceu no Peru, em 1584. Recebeu suas ordens eclesiásticas Dominicanas em setembro de 1535. Um ano depois de ser ordenado
como frei, alistou-se para evangelizar os novos súditos no território
do Peru. Sua posição e compromisso como evangelizador da Santa
Fé Católica ajudou-o a se estabelecer como um grande personagem
da conquista Espanhola. Três anos após sua partida da Espanha,
constituiu o primeiro Mosteiro dominicano em Lima. Foi nomeado
Vigário Provincial. Este nível de prestígio em territórios americanos lhe abriu oportunidades para participar em futuras expedições,
como guia espiritual dos expedicionários espanhóis.
Em 1540, Carvajal se une à expedição de Gonzalo Pizarro,
conquistador espanhol e governador de Quito (Equador), como
capelão, que buscava o país da canela, ao leste de Quito e da
Amazônia. A expedição, em condições difíceis, atravessou os
Andes e entrou na selva amazônica, um território inóspito. Mas,
Pizarro, decepcionado por encontrar poucas árvores de canela,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
215
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
e preocupado por seus homens estarem adoecendo e sofrendo
com a fome, decide voltar. Assim, a expedição com Francisco de
Orellana Bejarano Pizarro y Torres de Altamirano (1511-1546),
segundo no comando da embarcação de Pizarro, começa quando este, em 1541, decide continuar a exploração do rio por sua
conta, tendo Carvajal como cronista para realizar os registros.
Após o término da viagem, quando encontra o Oceano, Orellana
retorna à Espanha. Mas, sem demora, em 1544, decide retornar
ao Amazonas em uma nova expedição.
Orellana morreu em 1546, na região norte do Brasil, acometido
de febres, sem ter dado cabo da nova expedição. A sua importância
reside no fato de ter realizado uma navegação bem sucedida e de
ter compilado dados para uma cartografia do rio Amazonas, já que
foi a primeira expedição a realizar um mapa da região do rio Amazonas. Toribio Medina, no primeiro parágrafo do capítulo VIII do
Descubrimiento, enaltece o capitão espanhol:
[...] desde que parte das aldeias de Aparia, sua perseverança nos trabalhos, suas características de chefe prudente e
precavido, sua firmeza e energia, sua coragem a toda prova
naquela perigosa e audaciosa viagem de descobrimento,
tornam-lhe digno de indiscutível glória e por ninguém jamais disputada até agora.4 (Carvajal, 140)
Os relatos publicados em Descubrimiento del Río de las Amazonas, que resultaram em dezenove capítulos, foram escritos, no
período de dezembro de 1541 até 11 de setembro de 1542, pelo
cronista – um dos sobreviventes da expedição – Gaspar de Carvajal. Aqui é importante fazer um aparte para mencionar que Car4
[...] desde que parte del pueblo de Aparia su constancia en los trabajos, sus
condiciones de jefe prudente y precavido, su firmeza y energía, su coraje á toda
prueba en aquel peligroso y atrevido viaje de descubrimiento, le hacen digno de
gloria indiscutible y por nadie hasta ahora disputada.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
216
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
vajal narra os acontecimentos da expedição em sua Relación del
nuevo descubrimiento del famoso río Grande que descubrió por
muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana, que por mais
de 300 anos permanece inédita, até que em 1855 a Real Academia
de Historia de Madrid publica algumas partes desses escritos na
Historia general y natural de las Indias, de Gonzalo Fernández de
Oviedo. Infelizmente a transcrição sofreu inúmeros erros, a ponto
de ter sido considerada por alguns bibliófilos como apócrifa, alterada e deficiente. No entanto, só em 1894 a Relación de Carvajal é
publicada, integralmente, em Descubrimiento del Río de las Amazonas, pelo historiador chileno José Toribio Medina, e amplamente
revisada por H.C. Heaton em 1934. Estas são as informações que
constam na terceira capa da edição de 1894:
Descubrimiento del Río de Las Amazonas, segundo a Relación, até agora inédita, de Fr. Gaspar de Carvajal com
outros documentos referentes a Francisco de Orellana e
seus companheiros, publicados à custa do Excelentíssimo
Sr. Duque De T’serclaes de Tilly, com uma introdução
histórica e algumas ilustrações por José Toribio Medina da
Academia Chilena, Correspondente das Reales Academias
de la Lengua y de la Historia, de Buenas Letras de Sevilha
e do Instituto Geográfico Argentino. Sevilha: Imprensa de
E. Rasco, Bustos Tavera, núm. I. 1894.5
Nos relatos o cronista conta o cotidiano da expedição, onde
foram maiores as dificuldades encontradas no percurso do que as
5
Descubrimiento del Río de Las Amazonas, según la Relación hasta ahora
inédita de Fr. Gaspar de Carvajal con otros documentos referentes á Francisco
de Orellana y sus compañeros, publicados á expensas del Excmo. Sr. Duque
De T’serclaes de Tilly, con una introducción histórica y algunas ilustraciones
por José Toribio Medina de la Academia Chilena, Correspondiente de las Reales
Academias de la Lengua y de la Historia, de la de Buenas Letras de Sevilla y del
Instituto Geográfico Argentino. Sevilla: Imprenta de E. Rasco, Bustos Tavera,
núm. I. 1894.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
217
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
glórias das descobertas. As baixas humanas, os feridos, as frustrações, as relações nem sempre amigáveis com os indígenas, os
mosquitos, as doenças e, muito provavelmente, o calor a que não
estavam acostumados, são alguns dos infortúnios sofridos durante a
navegação pelo rio, tanto que em determinado momento a proposta
foi de chamar o rio de Marañas, palavra que significa “aflições”
ou “desgraças”.
O percurso foi documentado e escrito com as características da
crônica, um gênero comum encontrado no início da expansão espanhola nas Américas, onde o cotidiano e as primeiras impressões
do europeu são retratados e enviados como fonte de informação
para a Espanha. A escrita de Carvajal é uma descrição dos fatos
e das situações vivenciadas, desde o seu ponto de vista; é sensível
e destaca os medos e as angústias sofridos pelos expedicionários.
Dessa forma, o seu registro não só é uma fonte de informações,
como ainda reflete o ponto de vista do invasor europeu. Houve
fome, sede, pragas e os inevitáveis confrontos com os índios, ora
amáveis ora belicosos. E foi em uma dessas batalhas que Orellana,
segundo conta Carvajal, guerreou com um exército encabeçado por
mulheres – tal como as guerreiras da antiga Grécia –, o que deu
origem ao nome Amazonas. O fato é que as viagens eram sofridas
e sem garantia de sobrevivência ou de riquezas e honras posteriores. O grupo expedicionário viveu uma grande aventura e, entre
perdas e ganhos, após meses navegando pelo Amazonas, chegou
ao Oceano Atlântico.
3. José Toribio Medina: editor e autor da introdução
histórica
José Toribio Medina Zavala (1852-1930), importante historiador chileno, bibliógrafo, pesquisador, além de advogado, lexicógrafo, e professor na Universidad de Chile (1899), era aficionado
por documentos antigos e arquivos relacionados à história. Realizou
muitas viagens ao exterior – Estados Unidos, Inglaterra, França,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
218
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
Espanha, México, Argentina, entre outros –, algumas, inclusive, a
trabalho, com o intuito de obter cópias de documentos importantes
referentes ao Chile em bibliotecas e arquivos espanhóis. Segundo
o verbete da Enciclopedia de la literatura en México (2016-2017),
Fundação para as Letras Mexicanas:6
Após alguns anos de exercício da advocacia, [Toribio Medina] ingressou na carreira diplomática, atividade que lhe
permitiu explorar diversos arquivos e bibliotecas da Europa
e América e assim recolher uma vasta quantidade de livros,
brochuras e outros documentos que acabaram por constituir a sua biblioteca (60 mil exemplares) que foi doado à
Biblioteca Nacional do Chile. Por suas atividades em prol
do desenvolvimento humanístico e intelectual, em 1932 a
Universidade Nacional Autônoma do México lhe concedeu
o título de Doutor Honoris Causa.7
O historiador publicou diversas obras, como Historia del Tribunal
del Santo Oficio de la Inquisición de Lima (1887), Biblioteca Hispano-Americana, em sete volumes (publicados entre 1898 e 1907),
Biblioteca Hispano-Chilena (impressa entre 1897 e 1899), em três
volumes, La imprenta en La Habana (1904), Diccionario biográfico
colonial de Chile (1906), La imprenta en Guatemala (1910), Chilenismos: apuntes lexicográficos (1928), entre tantos outros títulos.
Para se aquilatar a dificuldade de análise da obra de Toribio Medina basta que se avalie a sua prodigiosa capaci6
http://www.elem.mx/autor/datos/118854. Acesso em 13 de janeiro de 2021.
[Texto fonte] Después de algunos años de ejercer como abogado, se incorporó
a la carrera diplomática, actividad que le permitió explorar diversos archivos
y bibliotecas de Europa y América y con ello recolectar una vasta cantidad de
libros, folletos y otros documentos que finalmente conformaron su biblioteca (60
mil ejemplares) misma que fue donada a la Biblioteca Nacional de Chile. Por sus
actividades en pro del desarrollo humanístico e intelectual, en 1932 la Universidad
Nacional Autónoma de México le otorga el grado de doctor Honoris Causa.
7
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
219
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
dade de produção cifrada em mais de quatro centenas de
trabalhos de real valor onde, se a história predomina, não
são poucos os que tocam a outras ciências como a bibliografia, a numismática, as ciências naturais, a geografia, a
cartografia, a etnologia, a lingüística e crítica literária, esta,
aliás, a primeira manifestação de seu privilegiado espírito
poligráfico. (Sampaio Garcia, 223)
A Biblioteca Americana José Toribio Medina8 reúne, em 8.431
títulos, boa parte do material recopilado pelo historiador durante
suas viagens, tanto na Europa como na América, reunindo uma
valiosa e abundante documentação inédita. O historiador percorreu
todo o espaço geográfico colonizado pela Espanha desde o século
XVI e, embora os tópicos que inclui sejam variados, seu interesse
especial pela literatura imprensa e pelo Tribunal do Santo Ofício é
evidente. Sampaio Garcia (1953) comenta sobre a biblioteca particular de Toribio Medina que:
Do labor incessante por mais de meio século em contacto
com os meios adiantados da bibliografia de seu tempo, conseguiu Toribio Medina reunir uma preciosa biblioteca em
que se encontravam exemplares raríssimos dos primórdios
da colonização. Além dos 60.000 exemplares impressos,
cumpra notar os 500 tornos de cópias de manuscritos, elaborados com paciência beneditina naqueles tempos em que a
microfilmagem ainda não viera facilitar a tarefa dos investigadores. (Sampaio Medina, 227)
No que se refere à obra Descubrimiento del Río de las Amazonas – não só com relação a esta, mas a várias outras que escreveu,
8
Fontes documentais recopiladas por José Toribio Medina, Memoria Chilena,
Biblioteca Nacional de Chile. http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3article-673.html. Acesso em 24 de janeiro de 2021.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
220
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
de caráter histórico-geográfico9 – Medina, que tinha a vocação
intelectual e a rigidez do método científico, segundo Feliu Cruz
(1933), propôs estabelecer documentalmente todo o processo de
origem da dominação espanhola.
Os livros não eram mais suficientes para certificar os
eventos; era necessário que eles encontrassem suas provas
básicas e concretas nos papéis, cartas, ofícios, relações,
resumos e processos. [...] No século XIX, os quatro maiores americanistas de todos os tempos escrevem sobre isso:
Martín Fernández de Navarrete, Alejandro de Humboldt,
Henry Harrisse e José Toribio Medina. A eles se deve
a aplicação definitiva do método científico na pesquisa
documental, bibliográfica e crítica de nossa história. [...]
O problemático, o inseguro, o duvidoso, nas mãos desses
homens, encontraram os meios de verificação mais diretos
e abriram para a ciência novos e imensos horizontes.10
(Feliu Cruz, 17-18)
Esta citação atesta o que conseguimos verificar na introdução
histórica da obra de Carvajal – Relación –, escrita por Medina e
dividida em onze capítulos, conforme já mencionado e detalhado
anteriormente: um estudo atento e minucioso do texto, com extensa
pesquisa documental e bibliográfica, que confronta os dados forne9
Como Viajes de Diego García de Moguer al Río de la Plata, El veneciano
Sebastián Caboto al Servicio de España, El descubrimiento del Océano Pacífico,
Vasco Núñez de Balboa y sus compañeros e Hernando de Magallanes.
10
Ya no bastaban los libros para la certificación de los sucesos; era menester que
ellos [Harrisse e Medina] encontraran su prueba básica, concreta, en los papeles,
cartas, oficios, relaciones, sumarios y procesos. [...] En el siglo XIX escriben
los cuatro más grandes americanistas de todos los tiempos: Martín Fernández de
Navarrete, Alejandro de Humboldt, Henry Harrisse y José Toribio Medina. A
ellos se les debe la aplicación definitiva del método científico en la investigación
documental, bibliográfica y crítica de nuestra historia. [...] Lo problemático, lo
inseguro, lo dudoso, en las manos de estos hombres, encontró las vías más directas de una verificación, y abrieron a la ciencia nuevos e inmensos horizontes.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
221
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
cidos em inúmeras fontes, e um historiador que se posiciona com
relação à escrita do cronista, acrescentando uma série de novos
dados e questionando, muitas vezes, as informações relatadas por
Carvajal (algumas delas, segundo Medina, até duvidosas porque,
quando confrontadas, não se sustentam). Diz ele, no início do capítulo VIII, selecionado e traduzido por nós: “[...] devemos nos
limitar a contar seus principais incidentes, aclarando o que estiver
dentro do nosso alcance, com relação às datas e aos lugares em que
ocorreram” 11 (140).
Domingo Amunategui Solar comenta, com relação à obra Descubrimiento del Río de las Amazonas, que a memória de Medina
“contém todo o interesse de um expediente de primeira mão, comentado e explicado com sábias notas, que lançam luz sobre uma
região até hoje das mais desconhecidas da terra”12 (31).
3.1 O paratexto da obra
Com relação ao paratexto, a obra, que possui ao todo 525 páginas – das quais 239 fazem parte da introdução histórica de Medina
–, informa, na segunda capa, que a tiragem é de duzentos exemplares (sendo que o exemplar consultado é o de n. 200). Após,
apresenta uma dedicatória (em duas páginas) em homenagem ao
Sr. Duque De T’serclaes de Tilly,13 com data de 6 de dezembro de
1894 (Sevilla), seguida da introdução histórica, composta por onze
capítulos, todos escritos por José Toribio Medina. A introdução
11
[...] debemos limitarnos á contarla aquí en sus principales incidencias, aclarando
en cuanto esté á nuestros alcances las fechas y lugares en que se verificaron.
12
[...] encierra todo el interés de un expediente de primera mano, comentado y
explicado con sabias notas, que arrojan viva luz sobre una comarca hasta hoy de
las más desconocidas de la tierra.
13
Pérez de Guzmán e Boza, Juan Francisco. Duque de T’Serclaes de Tilly (II).
(1852-1934). Historiador, bibliófilo e político espanhol. Foi nomeado acadêmico correspondente da Real Academia de História em 1887 e acadêmico da Real
Academia de Buenas Letras de Sevilha, onde ingressou em 1892 com um discurso
intitulado “Antiquísimo origen de la Ciudad de Sevilla, su fundación por Hércules
Tebano, y posesión de reyes que la habitaron hasta los moros”.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
222
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
possui três imagens de manuscritos, redigidos e assinados, e 228
notas de rodapé explicativas. Na sequência temos a Relación, escrita por frei Gaspar de Carvajal, com dezenove capítulos e, ao final,
uma lista com 27 notas explicativas e o índice.
Com relação à data de publicação da obra, nas páginas iniciais
consta que é 1894 (assim como a dedicatória mencionada). No
entanto, na última página, temos a seguinte informação a respeito
da conclusão da impressão: “Esta obra foi impressa em Sevilha, no
Escritório Enrique Rasco, rua Bustos Tavera, I. Foi concluída no
dia 9 de fevereiro, MDCCCXCV [1895].”14
4. O processo tradutório
A tradução dos dois capítulos (VIII - A Viagem do Descobrimento e XI - Sobre os nomes do Rio), da introdução histórica de
José Toribio Medina, em Descubrimiento del Río de las Amazonas
(1894), adquiriu para nós uma dimensão maior do que a esperada,
ao iniciar a tarefa, que além de ter um viés de documento histórico, também é uma narrativa que permite a análise da diversidade
sociocultural dos povos originários.
Os textos de Medina não ocultam em nada a saga dos espanhóis
em consolidar a conquista, encontrar tesouros de ouro e prata, assim como expandir o reino peninsular em terras americanas, mas,
também, são honestos ao mostrar como a cobiça, imbuída de um
ideal de conquista, quase leva os expedicionários à ruína e à perda
das próprias vidas. Eles compreendem elementos culturais que, ao
serem traduzidos por nós, estão inseridos em um contexto pluricultural, porque nos mostram os procedimentos do colonizador,
da posse da terra – comentando os costumes e o contato com os
povos indígenas desde uma perspectiva eurocentrista – e da imposição de sua própria cultura aos indígenas. Burke (117) comenta
14
Imprimióse esta obra en Sevilla, en la Oficina de Enrique Rasco, calle Bustos
Tavera, I. Acabóse á IX días de Febrero de MDCCCXCV.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
223
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
que “quando um texto é traduzido, ele é extraído da cultura que o
criou e posto em um lugar novo.” Ou seja, traduzir as narrativas
do Novo Mundo, enviadas à Europa, foi para nós um desafio ético
e lexical, já que tivemos que levar em consideração, principalmente, a compreensão das diferenças temporais e socioculturais dos
aspectos linguísticos.
Por isso, houve a necessidade de realizar um planejamento prévio e que também se deu no momento da tradução, com pesquisa
em livros, artigos e sites especializados. Um deles foi a procura de
documentos históricos, como os encontrados no Portal de Archivos
Españoles - PARES,15 que atestam a presença do capitão Orellana
e a defesa dos interesses da coroa espanhola na expansão das colônias do continente americano. Outras fontes importantes também
foram consultadas, como o banco de dados CORDE (Corpus Diacrónico del Español),16 o Nuevo Tesoro Lexicográfico de la lengua
Española,17 que reúne uma ampla seleção de dicionários ao longo
dos últimos quinhentos anos, assim como o Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial (2007), de Antonio Porro, com relação
aos nomes de povos e territórios, aldeias e lugares, entre outros.
Os resultados de toda a pesquisa forneceram subsídios importantes
para evitar a manipulação do texto, no sentido de omitir, acrescentar, abrandar ou mesmo exaltar algumas situações e, igualmente,
para evitar enganos temporais quanto aos significados implicados
nos vocabulários usados.
Quanto às 228 notas de rodapé, já mencionadas, cabe dizer que
no capítulo VIII há nove notas, a maioria delas de caráter explicativo, que confrontam dados da Relación, de Carvajal, com os
trechos publicados na obra de Oviedo e em outros documentos.
Acrescentamos três notas de tradução [N.T], explicativas, para
vocábulos que decidimos manter e que apresentam basicamente a
15
Gobierno de España. Ministerio de Cultura y Deporte. http://pares.mcu.es/
ParesBusquedas20/catalogo/description/315440?nm.
16
https://www.rae.es/banco-de-datos/corde.
17
http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
224
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
mesma grafia no português: uma para falar do tipo de embarcação,
bergantín/bergantim, outra sobre o ofício de “piloto” nas embarcações, e a última sobre a abreviatura “P.” de Provincial. Quanto ao
capítulo XI, há vinte e três notas do autor e nenhuma de tradução.
Mencionamos, na sequência, algumas decisões mais gerais em
relação a algumas escolhas na tradução, para depois entrar em outras questões mais particulares. No caso das datas e meses, que
abundam no texto fonte, decidimos por manter como estavam: em
números romanos (para as datas) quando assim se apresentavam, e
com a 1ª letra em maiúscula para os meses do ano. O substantivo
río/Río, seguido do nome do mesmo, que ora aparece em minúscula ora em maiúscula, também mantivemos tal qual estava. Para
pueblo e poblado, este com o sentido do primeiro, decidimos por
“aldeia” Para provincia/província, mantivemos o termo, baseadas
no que explana Antonio Porro (2007):
As fontes mais antigas (ca. 1540-1640) referem-se amiúde
a províncias e senhorios amazônicos, termos de matriz
românico-medieval que haviam se justificado no mundo andino, de onde, aliás, procediam as primeiras explorações
amazônicas. Sem entrar no mérito da questão, ainda objeto de debate entre os especialistas, de uma provável maior
complexidade sócio-política na Amazônia que os primeiros
exploradores encontraram, bastará lembrar, aqui, que no
decorrer do século XVII aqueles termos foram abandonados pelos cronistas luso-brasileiros em favor das categorias
menos pretensiosas de nações e gentios (Porro 1993; 1996).
Uma vez que o referido silêncio das fontes sobre o assunto
não permite, no atual estágio dos conhecimentos, esclarecer se a grande maioria dos etnônimos registrados neste
Dicionário se refere a tribos, sub-tribos, sipes ou mesmo
grupos locais, optou-se por evitar tais qualificativos, salvo
quando o termo tribo é abonado pela literatura etnográfica
mais recente (Porro, 8).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
225
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
Para os topônimos brasileiros, alguns nomes de rio como Madeira, Tapajós, Solimões, Paranaiba (nome indígena do rio Xingu)
e Amazonas, e nomes de localidades como a ilha do Marajó, aparecem escritos exatamente assim, no texto fonte, mas sem os acentos gráficos. Optamos por acentuá-los. No caso de lugares e rios
estrangeiros, como Cubagua (ilha venezuelana) e Curaray (rio do
Equador e do Peru, e afluente do rio Napo), a grafia foi mantida.
No caso de territórios e províncias – como Aparia, Machiparo e
Omagua – mantivemos a grafia. Segundo o Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial, Aparia é “um dos nomes com que
as fontes quinhentistas se referem àquele que, no século 17, seria
conhecido como o território dos Omagua do alto Amazonas” (Porro, 18); Machiparo “era uma província que ocupava a marg. dir.
do Solimões, desde acima do Tefé até o Coari, identificável com
os Curucirari ou Aisuari do séc. 17” (Porro, 60); e Omagua “é a
grande província de Aparia ou Carari do Amazonas peruano e do
alto Solimões, que já impressionara os viajantes do séc. 16 pela
boa disposição, denso povoamento e aparente civilidade de suas
grandes aldeias, [...] (Porro, 76).
No caso do rio Marañón, a princípio, simplesmente o aportuguesamos – Maranhão. Porém, no decorrer dos textos, principalmente no
capítulo XI (escrito por Toribio Medina), que trata dos vários nomes
do rio – que nem eles sabiam ao certo qual era e de onde procedia esse
nome – percebemos o equívoco:
Se fosse dito que o nome de Marañón ou Maranhão procedia
de algum navegador português, não poderíamos, da nossa parte, contradizer tal afirmação; mas visto que quem dá a notícia
assevera que o nome provém de origem espanhola, é o caso de
negar essa suposição18 (Carvajal, 236).
18
Si se dijese que el nombre de Marañón ó Maranhao procedía de algún navegante
portugués, no podríamos por nuestra parte contradecir semejante aserción; pero
como los que dan la noticia aseveran que el nombre procede de origen español,
estamos en el caso de negar aquella suposición.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
226
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
Outra constatação foi percebida, no capítulo VIII, sobre a abreviatura P. que antecede o nome de Gaspar de Carvajal, que não se
referia à Padre – como a princípio pensamos – e sim à Provincial,
“o religioso que tem governo e superioridade sobre todas as casas
e conventos de uma província”19 (Academia Autoridades, 416,120),
ou seja, um cargo eclesiástico de governo na igreja Católica. A
comprovação se deu através da leitura do capítulo II da introdução
de Toribio Medina, que trata de Carvajal: “na verdade foi o fundador da Ordem de Santo Domingo no Peru e o primeiro vigário provincial que ali teve, até agora”21 (Carvajal, 19). Em função disso,
mantivemos a abreviatura – já que temos o mesmo correspondente
no português – e acrescentamos uma nota de rodapé explicativa.
Essa mesma abreviatura também foi encontrada no final do capítulo XI, em “P. Manuel Rodríguez”.
A tradução de textos, como vimos, implica em escolhas cuidadosas, principalmente com relação ao léxico. É necessário lembrar
que existe toda uma perspectiva histórica envolvida (século XVI)
e que a tradução é dirigida a uma sociedade multicultural do século XXI, onde boa parte dela é consciente no que diz respeito
ao preconceito. Por isso citamos, como exemplo, a palavra “índio”, que é encontrada nos textos tanto em situações de confronto
como em situações amigáveis com os expedicionários. A palavra
foi mantida, na tradução, em detrimento de “indígena”, que seria
a melhor escolha lexical para ratificar o pertencimento e a identidade do autóctone no continente americano. Indígena, como termo
dicionarizado no Priberam é originado no latim, e adverte que se
trata do que é natural do local, “que já estava antes”.22 Manter
19
El religioso que tiene el gobierno y superioridad sobre todas las Casa y
Conventos de una Provincia.
20
Nuevo Tesoro Lexicográfico de la lengua Española. http://ntlle.rae.es/ntlle/Srv
ltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0. Acesso em 28 de janeiro de 2021.
21
en efecto fué el fundador de la Orden de Santo Domingo en el Perú, y el primer
vicario provincial que allí tuvo, hecho hasta ahora.
22
https://dicionario.priberam.org/ind%C3%ADgena. Acesso em 12 de janeiro
de 2021.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
227
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
a palavra “índio” foi uma decisão de tradução para preservar o
vocábulo usado naquele contexto de narrativa e permitir ao leitor
hodierno o estranhamento comumente causado ao ler um texto de
1541, quando apenas era utilizada a palavra “índio”. A entrevista
concedida por Daniel Munduruku,23 mostra essa palavra associada
a uma imagem pré-concebida de preguiça e ignorância em relação
ao autóctone, ainda perpetuada no imaginário popular de muitos.
Assim, por a língua estar sempre em movimento, é importante que
o leitor perceba que mesmo mantendo seu uso, na atualidade, o
significado semântico apresenta diferenças.
Para finalizar, deixamos aqui algumas linhas sobre nós, as tradutoras, e sobre as contribuições dos textos traduzidos. Com relação a nós, destacamos que a tradução se apoiou – além da pesquisa
documental, histórica e lexical, já mencionadas – no conhecimento
da língua espanhola e da cultura dos Séculos de Ouro espanhol por
parte das tradutoras, provenientes das próprias teses desenvolvidas24 e dos estudos e pesquisas realizados no Núcleo Quevedo de
Estudos Literários e Traduções do Século de Ouro,25 um local de
colaboração e diálogo entre vários pesquisadores/tradutores. No
que diz respeito às traduções, ressaltamos que as contribuições dos
textos são significativas, não só porque resgatam fatos históricos
apresentados por Toribio Medina, a partir dos escritos de Carvajal,
que longe de qualquer idealismo, momentos sombrios ou vagueza,
escreveu para informar reis e leitores atemporais, como também
23
Daniel Munduruku: Eu não sou índio, não existem índios no Brasil. Nonada.
Jornalismo Cultural. 21/11/2017. Porto Alegre. http://www.nonada.com.
br/2017/11/daniel-munduruku-eu-nao-sou-indio-nao-existem-indios-no-brasil/.
24
Cesco, Andréa. Sueños y discursos, de Quevedo: barroco, sátira e tradução.
Florianópolis, 2007 (PPGLit/UFSC/CAPES). http://www.tede.ufsc.br/teses/
PLIT0286-T.pdf. Bezerra, Mara Gonzalez. Tradução comentada da peça teatral
Amor es más laberinto de Sor Juana Inés de La Cruz: o emaranhado jogo das
antíteses. 2016 (PGET/UFSC/CAPES). http://www.bu.ufsc.br/teses/PGET0316-T.pdf.
25
Ver pesquisas em andamento e publicações. O Núcleo Quevedo está ligado ao
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Universidade Federal de
Santa Catarina. https://nucleoquevedo.paginas.ufsc.br/.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
228
Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas
evidenciam e trazem ao conhecimento a presença espanhola na formação da identidade social e cultural dos habitantes da região amazônica, no século XVI. Ademais, elas também fornecem subsídios
para os estudos pós-coloniais porque o leitor poderá conhecer um
pouco mais da história e ter elementos étnicos para refletir sobre
a sua identidade e cultura, adquirindo uma formação crítica que
valoriza saberes heterogêneos.
Referências
Amunategui Solar, Domingo. José Toribio Medina. Santiago de Chile (Chile):
Prensas de la Universidad de Chile, 1932. Disponível em Biblioteca del Congreso
Nacional de Chile. Estantería Digital: https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchiv
o?id=documentos/10221.1/54585/2/53964.pdf&origen=BDigital.
Burke, Peter; Po-Chia Hsia, Ronnie (Orgs.). A tradução cultural nos primórdios
da Europa Moderna. Tradução de Roger Maioli dos Santos. São Paulo: Editora
Unesp, 2009.
Carvajal, Gaspar de; Medina, José Toribio. Descubrimiento del Río de las
Amazonas. Introdução histórica e ilustrações de José Toribio Medina. Sevilla:
Imprenta de E. Rasco, 1894. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/518714.
Carvajal, Gaspar de; Rojas, Alonso de; Acuña, Cristóbal de. Descobrimentos
do Rio das Amazonas. Série 2a, Vol. 203, Brasiliana - Biblioteca Pedagógica
Brasileira. Traduzido e anotado por C. de Melo-Leitão. São Paulo, Rio de Janeiro,
Recife, Porto Alegre. Companhia Editora Nacional, 1941.
Feliu Cruz, Guillermo. Medina y la Historiografía Americana. Un ensayo sobre
la aplicación del método. Santiago de Chile (Chile): Imprenta Universitaria,
Estado 63, 1933. 52p. Disponível em Biblioteca del Congreso Nacional de Chile.
Estantería Digital: https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=document
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
229
Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
os/10221.1/54580/2/33633.pdf&origen=BDigital.
Porro, Antonio. Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial. Cadernos do
IEB (Instituto de Estudos Brasileiros). São Paulo: IEB/USP, Gráfica Imprensa
da Fé, 2007. http://www.ieb.usp.br/dicionario-etno-historico-da-amazoniacolonial/.
Sampaio Garcia, Rozendo. “José Toribio Medina, o historiador da América”,
Revista de História. v. 6, nº 13, 1953. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.
v6i13p223-229.
Andréa Cesco. E-mail: andrea.cesco@gmail.com. https:orcid.org/0000-00024708-186X.
Mara Gonzalez Bezerra. E-mail: mara.gonzalez.letras@gmail.com. https://orcid.
org/0000-0001-8390-5910.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021.
230
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84955
INTRODUCCIÓN HISTÓRICA Y ALGUNAS
ILUSTRACIONES (CAPÍTULOS VIII E XI)
José Toribio Medina
Tradução de:
Andrea Cesco1
1
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/
CNPq
Mara Gonzales2
2
UNIASSELVI, Indaial, Santa Catarina, Brasil
MEDINA, José Toribio. “Introdução
histórica e ilustrações” de José Toribio Medina (capítulos VIII e XI),
in CARVAJAL, Gaspar de. Descubrimiento del Río de las Amazonas.
Sevilla: Imprenta de E. Rasco, 1894.
MEDINA, José Toribio. “Introdução
histórica e ilustrações” de José Toribio Medina (capítulos VIII e XI), in
CARVAJAL, Gaspar de. Descubrimiento del Río de las Amazonas. Sevilla: Imprenta de E. Rasco, 18941.
Cap. VIII - El viaje de
descubrimiento
Cap. VIII - A viagem do
descobrimento
Orellana y sus compañeros penetran
en el Río Marañón. –Las poblaciones
de Aparia el Grande. –Construcción
de un nuevo bergantín.2 –Partida de
los expedicionarios. –Combate en
Machiparo. –Hostilidades de los indios. –Muerte de Antonio Carranza
Orellana e seus companheiros penetram no Rio Marañón. – As aldeias
de Aparia o Grande. – Construção
de um novo bergantim. – Partida
dos expedicionários. – Combate em
Machiparo. – Hostilidades dos índios. – Morte de Antonio Carranza
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
231
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
y Pedro de Empudia. –Precauciones
de Orellana. –Cambia el aspecto del
paisaje. –Reparación de los bergantines. –Los expedicionarios se detienen en la desembocadura del Río.
–Aprestos para surcar el Atlántico.
–Viaje y llegada á Cubagua.
e Pedro de Empudia. – Precauções
de Orellana. – Muda o aspecto da
paisagem. – Conserto dos bergantins. – Os expedicionários se detêm
na desembocadura do Rio. – A postos para navegar o Atlântico. – Viagem e chegada a Cubagua.
Si la conducta de Orellana en sus
relaciones con Pizarro ha podido
atraerle las gravísimas inculpaciones que dejamos expuestas, en
cambio, desde que parte del pueblo de Aparia su constancia en los
trabajos, sus condiciones de jefe
prudente y precavido, su firmeza y
energía, su coraje á toda prueba en
aquel peligroso y atrevido viaje de
descubrimiento, le hacen digno de
gloria indiscutible y por nadie hasta
ahora disputada.
Se a conduta de Orellana em suas relações com Pizarro conseguiu atrair
para si gravíssimas incriminações
que deixamos expostas, por outro
lado, desde que parte das aldeias de
Aparia, sua perseverança nos trabalhos, suas características de chefe
prudente e precavido, sua firmeza e
energia, sua coragem a toda prova
naquela perigosa e audaciosa viagem
de descobrimento, tornam-lhe digno
de indiscutível glória e por ninguém
jamais disputada até agora.
Habríamos de copiar aquí punto
por punto la Relación de su cronista Carvajal si quisiéramos entrar en
los pormenores de su famosa expedición; y por eso debemos limitarnos á contarla aquí en sus principales incidencias, aclarando en cuanto
esté á nuestros alcances las fechas y
lugares en que se verificaron.
Teríamos que copiar aqui ponto por
ponto da Relación de seu cronista
Carvajal se desejássemos entrar nos
pormenores da sua famosa expedição; assim, devemos nos limitar a
contar seus principais incidentes,
aclarando o que estiver dentro do
nosso alcance, com relação às datas
e aos lugares em que ocorreram.
Hemos dicho ya que Orellana y sus Já comentamos que Orellana e seus
compañeros partieron del pueblo in- companheiros partiram da aldeia
dígena el día 23 de Febrero de 1542, indígena no dia 2 de Fevereiro de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
232
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
y que luego, á cosa de veinte leguas,
alcanzaron la desembocadura del
Río Curaray, asiento entonces de un
cacique principal de la raza de los
irimaraes, á quien Orellana deseaba
visitar «por ser indio y señor de mucha razón» y haber ido á verle llevándole algunos regalos; mas tuvo
que desistir de su propósito por causa de la violencia de las aguas en la
confluencia de ambos ríos, que era
tanta que con los remolinos que hacían y los maderos que arrastraban
pusieron á las débiles embarcaciones en grave peligro de zozobrar.
1542 e que, em seguida, a mais ou
menos vinte léguas, alcançaram a
desembocadura do Rio Curaray,
local onde vivia, naquele momento,
um cacique principal da etnia dos
Irimaraes, a quem Orellana desejava visitar “por ser índio e senhor de
muita razão”, e porque lhe ofereceria alguns presentes; mas precisou
desistir de seu propósito por causa
da violência das águas na confluência dos dois rios, que era tanta que
com os redemoinhos que faziam e
o madeirame que arrastavam colocaram as frágeis embarcações em
grave perigo de naufragar.
No muy lejos de allí, dos de las canoas en que iban once de los expedicionarios adelantáronse por entre
unas islas y no lograron reunirse al
grueso de sus compañeros sinó al
cabo de dos días, cuando ya se les
creía perdidos y se hallaban todos
con la aflicción que es de suponer.4
Después de un día de descanso, al
siguiente por la mañana encontraron
unas poblaciones de indios que recibieron con agrado á los españoles,
dándoles tortugas y papagayos y
otras provisiones de que tenían gran
necesidad. Pernóctose en otro pueblo inmediato y abandonado, y de
allí temprano en la mañana el campamento trasladóse por causa de los
Não muito longe dali duas das canoas, nas quais onze expedicionários avançavam por algumas ilhas,
não conseguiram se reunir ao grupo
maior de companheiros senão depois
de dois dias, quando já se acreditava
que estavam perdidos; encontravamse todos aflitos, como era de se esperar. Depois de um dia de descanso, na manhã seguinte encontraram
algumas aldeias de índios que deram
as boas-vindas aos espanhóis, oferecendo-lhes tartarugas e papagaios
e outros suprimentos de que precisavam. Pernoitaram em outra aldeia
próxima e abandonada e, de manhã
cedo, mudaram o acampamento, por
causa dos mosquitos, para outro lu-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
233
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
mosquitos á otro mayor que parecía gar maior, que parecia ser mais abaimás abajo, donde estuvieron tres xo, onde permaneceram por três dias
días agasajados de sus moradores. acolhidos pelos moradores.
Por fin, al día siguiente, Domingo
II de Febrero, la pequeña escuadrilla entraba á surcar las aguas del
Marañón.5
Por fim, no dia seguinte, domingo
II de Fevereiro, a pequena esquadra começava a navegar nas águas
do Marañón.
Durante quince días siguieron aguas
abajo á vista de algunos pueblos que
se veían asentados á las orillas: el
Domingo 26 de Febrero por la mañana les salieron á encontrar algunas canoas de indios, llevándoles
de regalo algunas tortugas, aves y
pescados por encargo de Aparia el
Grande, cuyo asiento se hallaba cercano, y adonde, guiado por los indígenas, aportó luego Orellana. Después de una plática en que el capitán
español manifestó á los indios allí
reunidos el propósito que abrigaba
de continuar por el río adelante, y
de como él y sus compañeros eran
hijos del Sol, dios que adoraban
aquellos ribereños, rogáronle que se
quedase allí y que ellos le proveerían de las cosas que necesitase, comenzando por dejarle desocupado el
pueblo para que en él se hospedase.
Por quinze dias seguiram rio abaixo, sob o olhar de algumas aldeias
assentadas e avistadas nas beiras:
no domingo, 26 de Fevereiro, pela
manhã, algumas canoas de índios
vieram encontrá-los, oferecendo de
presente algumas tartarugas, aves e
peixes, em nome de Aparia o Grande, cujo território se encontrava
próximo, e onde, guiado pelos índios, logo aportou Orellana. Depois
de uma conversa, em que o capitão
espanhol manifestou aos índios ali
reunidos sua intenção de continuar
avançando pelo rio, e de como ele
e seus companheiros eram filhos do
Sol, deus que aqueles ribeirinhos
adoravam, os índios imploraram
que ficasse ali e que lhe dariam tudo
que viesse a precisar, começando
por desocupar a aldeia para que nela
se alojasse.
En vista de que la ocasión parecía Como a ocasião parecia favorável,
favorable, Orellana reunió á sus Orellana reuniu seus companheiros
compañeros para significarles la para discutir o conveniente que era
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
234
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
conveniencia de que en aquel punto se fabricase el bergantín, en lo
que todos asintieron gustosos, ya
que comprendían cuánto les importaría de ahí adelante navegar en
embarcaciones que les permitiesen
resistir los futuros ataques de los indios enemigos y desafiar más tarde
el empuje de las olas del mar. Repartió, en consecuencia, el trabajo
entre todos, bajo la inmediata dirección del sevillano Diego Mexía.
Al cabo de una semana, la madera
que se requería estaba ya cortada;
hízose luego el carbón necesario
para continuar la fabricación de los
clavos y otros aparejos de hierro,
valiéndose de una fragua «que un
ingenioso compañero, dice Carvajal, había hecho sin ser herrero»;
utilizóse el algodón como estopa; la
resina de los árboles silvestres, que
los indios se encargaron de buscar,
como brea; y así, con el entusiasmo de todos, en cuarenta y un días6
labróse un bergantín, que resultó
bastante mejor y más grande que el
que traían, al cual hubo también que
reparar, porque venía ya podrido.
aquele local para fabricar o bergantim, ao qual todos concordaram
de bom grado, já que entendiam o
quão importante era, desse ponto
em diante, navegar em embarcações
que permitissem resistir aos futuros
ataques dos índios inimigos e enfrentar, mais tarde, a pressão das
ondas do mar. Dividiu, a seguir, o
trabalho entre todos, sob a supervisão do sevilhano Diego Mexía. Ao
fim de uma semana, a madeira exigida já estava cortada; e o carvão
necessário para continuar a fabricação de pregos e outros artefatos
de ferro foi providenciado, usando
uma frágua “que um engenhoso
companheiro, diz Carvajal, construiu sem ser ferreiro”; o algodão
foi utilizado como estopa e a resina das árvores silvestres, a qual os
índios se encarregaram de buscar,
como piche; e assim, com todos entusiasmados, em quarenta e um dias
um bergantim foi construído, muito
melhor e maior do que o anterior,
que também precisou ser reparado,
porque estava podre.
En los días que allí se pasaron,
Orellana tomó posesión, á nombre
del Rey, de algunos otros caciques;
hizo que el P.7 Carvajal predicara en
las fiestas más solemnes; eligió por
Nos dias ali decorridos, Orellana
apoderou-se, em nome do Rei, de
alguns caciques; fez o P. Carvajal pregar nas festas mais solenes;
elegeu como alferes um fidalgo
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
235
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
alférez á un hidalgo llamado Alonso de Robles, que por su desempeño del cargo acreditó más tarde el
buen acierto de su jefe; confesáronse todos con los dos religiosos de la
expedición; y, por fin, ya listos los
preparativos y descargadas las conciencias, dióse la orden de marcha
para el 24 de Abril.
chamado Alonso de Robles, que
pelo desempenho no cargo provou mais tarde a boa escolha do
seu chefe. Todos se confessaram
aos dois religiosos da expedição.
Finalmente, com os preparativos
prontos e as consciências aliviadas, foi dada a ordem de marcha
para o dia 24 de Abril.
Todavía el día siguiente, Aparia en
persona fué a llevarles bastimentos
en un pueblo suyo de más abajo, y
su buen tratamiento duró por todo
el trayecto de las regiones que le
estaban sujetas. «De allí adelante,
refiere el P. Carvajal, pasamos más
trabajo y más hambre y despoblados
que de antes, porque el río venía de
monte á monte y no hallábamos
adonde dormir, ni menos se podía
tomar ningún pescado, así que nos
era necesario comer nuestro acostumbrado manjar, que era yerbas
y de cuando en cuando un poco de
maíz tostado.»
Ainda no dia seguinte, Aparia em
pessoa foi levar mantimentos a uma
de suas aldeias, rio abaixo; seu
bom trato perdurou por todo o trajeto nas regiões sob seu domínio.
“A partir daí, conta o P. Carvajal,
passamos a ter mais trabalho, mais
fome e mais lugares desabitados do
que antes, porque o rio ficava entre
colinas e não achávamos lugar para
dormir, e menos ainda para pegar
algum peixe, por isso tínhamos que
nos conformar em comer nossa
iguaria de todo dia, que era ervas
e, de vez em quando, um pouco de
milho torrado.”
Con este trabajo iban, cuando el 12
de Mayo avistaron las poblaciones
de Machiparo, de que ya les habían
dado noticia en Aparia, donde los
indios les salieron de guerra, tan á
destiempo, que por venir la pólvora
húmeda no se pudieron valer de los
arcabuces, y sí sólo de las ballestas,
Assim iam, quando no dia 12 de
Maio avistaram as aldeias de Machiparo, das quais tiveram notícia
em Aparia, de onde os índios saíram
em pé de guerra, tão em má hora,
porque com a pólvora ainda úmida
não foi possível usar os arcabuzes,
apenas as balestras, suficientes para
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
236
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
que bastaron para alejar á los enemigos y para permitirles tomar puerto
en un pueblo que todavía defendieron
los indios, pero que en cambio resultó hallarse abastecido en abundancia.
afastar os inimigos e permitir-lhes
atracar em uma aldeia ainda defendida pelos índios, mas que, por outro lado, revelou-se abundantemente abastecida.
Empero, reunir las tortugas que allí
guardaban en albercas, y otras provisiones, no fué cosa fácil. Á Cristóbal de Segovia y algunos otros á
quienes Orellana confió el cuidado
de recogerlas, les dieron un asalto
furioso; atacaron á la vez á los que
se habían quedado en el pueblo y en
los bergantines, y la jornada del día
resultó haber costado á los españoles dieciocho heridos, algunos de los
cuales fueron embarcados envueltos
en mantas como fardos para no envalentonar á los enemigos, uno de
ellos tan grave que murió á los ocho
días, y la pérdida de un arcabucero
que quedó inútil por las heridas que
recibió. Embarcados al fin todos, se
hicieron á lo largo del río, seguidos
por numerosas canoas de indígenas,
que les fueron hostilizando toda la
noche. Al rayar el alba divisaron
muchas y muy grandes poblaciones,
de donde salían indios de refresco á
remudar á sus compañeros que venían fatigados; y como ya al mediodía la situación se hacía insostenible para los españoles, rendidos de
los azares del día anterior, muchos
Contudo, reunir as tartarugas,
mantidas em tanques, e as outras provisões não foi algo fácil.
Cristóbal de Segovia e outros, a
quem Orellana confiou o cuidado
de recolhê-las, foram atacados de
surpresa, furiosamente. Agrediram, ao mesmo tempo, os que haviam permanecido na aldeia e nos
bergantins. A jornada custou aos
espanhóis dezoito feridos, alguns
dos quais foram embarcados enrolados em mantas, como fardos,
para não encorajar os inimigos;
um deles tão grave que morreu
após oito dias, e a perda de um
arcabuzeiro que, pelos ferimentos
recebidos, ficou inutilizado. Por
fim, todos embarcados, navegaram ao longo do rio, seguidos por
inúmeras canoas indígenas, que os
perseguiram a noite toda. Ao amanhecer, avistaram muitas e grandes aldeias, de onde saíam índios
para substituir os companheiros
fatigados. E como ao meio-dia a
situação se tornava insustentável
aos espanhóis, rendidos pela falta de sorte do dia anterior, muitos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
237
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
heridos y cansados todos de tanto
remar, Orellana acordó, para dar
algún descanso á su gente y que pudiera comer, atracar con los bergantines á una isla desierta que aparecía
en medio del río; y comenzaban ya
á guisar cuando se vió que los indios
trataban de atacar á la vez por agua
y tierra, con lo cual hubo de mudar
de propósito y hacerse de nuevo á lo
largo, pensando así defenderse mejor. Seguidos siempre de los indios,
llegaron á una angostura que el río
hacía, donde, apostados muchos de
aquéllos en tierra, dominaban los
bergantines, que allí probablemente
quedaran con sus tripulantes, á no
ser por el acierto de Hernán Gutiérrez de Celis, que de un arcabuzazo
derribó al indio que capitaneaba las
canoas, y á quien, por acudir sus
compañeros á verle, dieron tiempo
á que los barcos de los españoles
saliesen de aquel peligroso paso.
Todavía, sin embargo, les fueron
hostigando los indios dos días y dos
noches, sin darles un punto de reposo, al cabo de los cuales salieron
al fin de los dominios del belicoso
Machiparo.
feridos e todos cansados de tanto
remar, Orellana concordou, para
que pudessem descansar e comer,
em atracar os bergantins em uma
ilha deserta que aparecia no meio
do rio. Já estavam cozinhando
quando viram que os índios tratavam de atacar tanto por água
como por terra, obrigando-os a
mudar de ideia e voltando a navegar, pensando que assim se defendiam melhor. Sempre seguidos
pelos índios, chegaram a uma parte estreita do rio onde muitos dos
posicionados em terra dominariam
os bergantins, e ali seus tripulantes provavelmente ficariam, não
fosse o tiro certeiro do arcabuz
de Hernán Gutiérrez de Celis que,
derrubando o índio que capitaneava as canoas e que precisou ser socorrido pelos companheiros, deu
tempo para que as embarcações
dos espanhóis deixassem aquela
perigosa passagem. Porém, ainda
foram perseguidos pelos índios,
sem ao menos uma trégua, durante dois dias e duas noites, quando,
finalmente, deixaram para trás os
domínios do belicoso Machiparo.
Más adelante encontraron otro
pueblo de distinta tribu, que los
expedicionarios hubieron de tomar
á viva fuerza para procurarse un
Mais adiante encontraram outra aldeia, de uma tribo diferente, que
foi tomada à força pelos expedicionários, para terem o descanso
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
238
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
descanso que tanto necesitaban, y
después de reposar en él tres días
y de proveerse de bizcocho y frutas, continuaron su marcha el 16 de
Mayo,8 huyendo siempre, en cuanto
podían, de encontrarse con los habitantes de los numerosos pueblos
que divisaban en ambas orillas del
río, todos pertenecientes al señorío
de Omagua, hasta llegar á tierra
del cacique Paguana, cuya gente
les recibió de la manera más hospitalaria. El 29 de aquel mes desembarcaron en un pueblo pequeño,
que ocuparon sin resistencia, y el
3 de Junio avistaban la desembocadura del Río Negro. Descansóse
el día siguiente, que era Domingo,
y el Lunes 5 tomaron puerto en un
pueblo mediano, y luego en otros,
en que iban proveyéndose de comida, sin que les ocurrieran otros
incidentes de importancia hasta el
7, en que sostuvieron un combate
nocturno con los indios, á costa
de algunos españoles que salieron
heridos, y de unos cuantos indios
que fueron tomados prisioneros y
ahorcados en seguida.
que tanto necessitavam. Depois de
repousarem no local por três dias
e se alimentarem de biscoitos e frutas, no dia 16 de Maio continuaram
a viagem, fugindo sempre, tanto
quanto podiam, de encontros com
os habitantes das numerosas aldeias
avistadas em ambas margens do
rio, todas pertencentes ao território dos Omagua, até chegarem nas
terras do cacique Paguana, cujo
povo os acolheu com a maior hospitalidade. No dia 29 daquele mês
desembarcaram em uma pequena
aldeia, que ocuparam sem resistência, e no dia 3 de Junho avistaram
a desembocadura do Rio Negro. O
dia seguinte foi para descanso, porque era domingo, e na segunda-feira, dia 5, desembarcaram em uma
aldeia de porte médio, e depois em
outras, nas quais se abasteceram
de comida, sem que incidentes de
importância acontecessem até o dia
7, em que mantiveram um combate noturno com os índios, à custa
de alguns espanhóis feridos e de
alguns índios aprisionados e logo
enforcados.
El 8, día del Corpus Christi, y el
siguiente fueron de descanso. El 10
temprano en la mañana vieron entrar
en el que surcaban un poderoso río,
que bautizaron con el nombre de
O dia 8, de Corpus Christi, e o seguinte foram de descanso. No dia
10, ao amanhecer, viram entrar
onde navegavam um poderoso rio,
ao qual batizaram com o nome de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
239
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
Grande, y que hoy es conocido con el
de Madeira. El 13 divisaron un pueblo considerable y muy fuerte, puesto en alto, que por la hechura de sus
casas «mostraba en sí ser frontera de
otras provincias»; y el 14 avistaron
otro, que tomaron para proveerse de
comida, donde incendiaron una choza grande, en que perecieron abrasadas algunas mujeres y muchachos.
El 24 sostuvieron un nuevo combate
con los indios, capitaneados esta vez
por las llamadas amazonas, de que
resultaron heridos algunos españoles, y entre ellos el padre Carvajal
«con una flecha en la hijada, que, según cuenta, le entró hasta lo hueco,
é si no fuera por los dobleces de los
hábitos, por donde primero pasó la
flecha, me mataran.» Ese día el buen
padre había predicado en honor de
la festividad del Precursor de Cristo; pero estaba de Dios que había de
andar desafortunado, porque en otro
combate que se trabó luego le quebraron también un ojo...9
Grande, e que hoje é conhecido por
Madeira. No dia 13 avistaram uma
aldeia enorme e muito forte, situada no alto, que pelo tipo das casas
“mostrava ser fronteira de outras
províncias”; e no dia 14 avistaram
outra, tomada para o provimento
de alimentos, onde atearam fogo a
uma grande cabana, na qual algumas mulheres e meninos morreram
queimados. No dia 24 travaram
novo combate com os índios, dessa
vez liderado pelas chamadas amazonas, no qual alguns espanhóis
foram feridos, entre eles o padre
Carvajal, “com uma flecha na coxa
que, segundo ele, entrou fundo, e
não fosse pelas pregas do hábito por
onde a flecha passou primeiro, eles
teriam me matado”. Nesse dia, o
bom padre pregou em homenagem à
festividade do Precursor de Cristo;
mas, quis Deus que ele ainda tivesse
azar, porque em outro combate logo
travado perdeu um olho.
Con semejante percance, Orellana
hubo de redoblar sus precauciones y
continuar la marcha sin desembarcar
en pueblo alguno, aunque las provisiones escaseaban mucho, por temor
de que los indios le matasen algunos
de sus soldados; pero todas ellas no
bastaron á impedir que poco después
Diante do contratempo, Orellana
teve que redobrar as precauções e
continuar a expedição sem desembarcar em nenhuma aldeia, embora
as provisões fossem muito escassas,
por medo de que os índios matassem
mais de seus soldados; mas todas
elas não foram suficientes para evi-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
240
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
de finalizar el mes10 muriese de un
flechazo con veneno Antonio Carranza. Para remediar en lo posible que
los indios hiriesen impunemente á sus
soldados, Orellana hizo amarrar los
bergantines á los árboles de una isla
que había en la desembocadura de un
río grande que entraba por la derecha
(al parecer el Tapajos) y ponerles una
especie de barandas para defenderse
de las flechas envenenadas de los salvajes; pero esto tampoco bastó para
que poco después, al pasar por frente
á la desembocadura de uno de los brazos del Paranaiba, flechasen también
á otro soldado llamado García de Soria, que del veneno falleció antes de
las veinticuatro horas.
tar que Antonio Carranza morresse
de uma flecha envenenada pouco depois de finalizar o mês. Para evitar
ao máximo que os índios ferissem
seus soldados impunemente, Orellana mandou amarrar os bergantins às
árvores de uma ilha, na foz de um
grande rio que entrava pela direita
(aparentemente o Tapajós), e construir uma barreira para se defenderem das flechas envenenadas dos selvagens. Mas isso também não bastou
para que pouco depois, ao passar
pela desembocadura de um dos braços do Paranaiba, flechassem outro
soldado chamado García de Soria,
que morreu envenenado em menos
de vinte e quatro horas.
En medio de estos percances, comenzaron sin embargo los expedicionarios á sentirse más alentados cuando
conocieron que ya por aquellos lugares se dejaba sentir el reflujo de la
marea, indicio evidente de que no podían hallarse lejos del Atlántico. Cruzaron entonces á la banda opuesta del
río, siempre huyendo de lo poblado,
y allí, después de andar á lo largo por
espacio de algunas leguas, en que las
poblaciones se veían un tanto alejadas
hacia el interior y la tierra comenzaba
á presentarse despojada de los bosques que cubrían las orillas, descansaron dos días. Desde allí el aspecto
No entanto, em meio a esses contratempos, os expedicionários começaram a se animar, ao saber que
o refluxo da maré já se fazia sentir,
um indício claro de que não poderiam estar longe do Atlântico. Então
cruzaram para a margem oposta do
rio, sempre fugindo das aldeias, e
ali, após navegarem lentamente por
algumas léguas, quando as aldeias
foram avistadas de longe e a terra
começava a aparecer despojada dos
bosques que cobriam as margens,
descansaram por dois dias. A partir daí, a paisagem mudou completamente de aspecto: a planície e os
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
241
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
del paisaje era del todo diverso: á las
sabanas y barrancas altas sucedía la
tierra baja, y el cauce del río se veía
interrumpido por numerosas islas
poco pobladas, entre las cuales comenzaron á remar, procurándose comida donde sin daño se podía, «y por
ser las islas anchas y muy grandes,
expresa el P. Carvajal, nunca pudimos tornar á tomar la tierra firme de
una ni de la otra parte fasta la mar»…
altos barrancos vinham seguidos
por baixadas, e o leito do rio estava
interrompido por numerosas ilhas
pouco povoadas, entre as quais
eles começaram a remar, buscando
alimentos onde podiam, livres de
confrontos. “E por serem as ilhas
largas e bem grandes, diz o P. Carvajal, nunca tornamos a pisar em
terra firme tanto de um lado como
de outro até encontrar o mar”...
«Yendo caminando por nuestro
acostumbrado camino, continúa
luego el cronista, como salíamos
muy faltos y con harta necesidad de
comida, fuimos á tomar un pueblo, el
cual estaba metido en un estero: hora
de pleamar mandó el Capitán enderezar allá el bergantín grande; acertó á tomar el puerto bien, y saltaron
los compañeros en tierra: el pequeño
no vido un palo que estaba cubierto
con el agua, y dió tal golpe que una
tabla se hizo pedazos, tanto que el
barco se anegó. Aquí nos vimos en
muy grandísimo aprieto, tanto que
en todo el río no le tuvimos mayor,
y pensamos todos perecer, porque de
todas partes nos golpeaba la fortuna;
porque como nuestros compañeros
saltaron en tierra, dieron en los indios y los hicieron huir, y creyendo
que estaban seguros comienzan á recoger comida. Los indios, como eran
“Indo pelo nosso caminho de costume, continua o cronista, e como
saímos bem abatidos e com extrema
necessidade de alimentos, fomos
tomar uma aldeia que se encontrava encravada em um estuário: na
hora da maré alta o capitão mandou
aprumar o bergantim grande; os
companheiros conseguiram tomar
o porto e pular em terra. Já o bergantim pequeno, não teve sequer
um pau coberto pela água: um forte
golpe recebido despedaçou uma tábua e o afundou. Vimo-nos, aqui,
em grandíssimo apuro, o pior dos
já passados no rio, e pensamos que
todos nós pereceríamos, porque de
todos os lados o azar nos golpeava:
assim que nossos companheiros pularam em terra, bateram nos índios
e os afugentaram e, acreditando que
estavam seguros, começaram a recolher alimentos. Os índios, como
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
242
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
muchos, revuelven sobre nuestros
compañeros y danles tal mano, que
los hacen volver donde estaban los
bergantines, los indios en su seguimiento; pues en los bergantines poca
seguridad tenían, porque el grande
estaba en seco, que había bajado la
marea, y el pequeño anegado, como
he dicho»…
eram muitos, revidaram e deram
uma surra tão grande nos nossos
companheiros que fizeram todos retornar aos bergantins, com os índios
no encalço; mas, nos bergantins,
pouca segurança tiveram, porque
o grande estava no seco, já que a
maré havia baixado, e o pequeno tinha afundado, como eu disse”...
Para salir de este aprieto, dispuso
Orellana que la mitad de sus hombres hiciesen frente á los indios,
mientras los otros varaban el bergantín y reparaban el daño. Á cargo
del grande, que se apartó de la orilla, quedó sólo el jefe, otro soldado
y los dos religiosos. Por fortuna, al
cabo de tres horas, los indios se retiraban, á tiempo que la avería quedaba salvada.
Para sair desse aperto, Orellana ordenou que metade de seus homens
enfrentasse os índios, enquanto os
outros desencalhavam o bergantim e
consertavam os danos. No comando
do grande, que se afastou da costa,
ficaram apenas o chefe, um soldado e os dois religiosos. Felizmente,
depois de três horas, os índios se retiraram, ao mesmo tempo em que o
reparo das avarias terminava.
Al día siguiente se refugiaron entre
la espesura de un monte y dieron
comienzo á la obra de aderezar el
barco pequeño para que pudiese navegar por la mar, comenzando por
hacer los clavos que todavía faltaban. Estas faenas duraron dieciocho
días, en cuyo tiempo el hambre les
apretó de tal manera que se repartían contados los granos de maíz, y
de cuya necesidad vino á salvarles
la pesca casual de una danta recién
muerta que arrastraba la corriente.
No dia seguinte, refugiaram-se no
matagal de uma colina e deram
início ao conserto da embarcação
pequena para que pudesse navegar
pelo mar, começando pela fabricação dos pregos que ainda faltavam.
O serviço durou dezoito dias, quando a fome os apertou de tal forma
que os grãos de milho eram divididos de forma exata, e de cuja necessidade a pesca casual de uma anta
recém-morta, trazida pela correnteza, veio salvá-los.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
243
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
Quedaba todavía por reparar el bergantín grande, y para ello siguieron
aguas abajo en busca de una playa
donde pudiesen vararlo, y, una vez
hallada, en catorce días «se adobaron de todo entrambos bergantines
y se les hizo sus jarcias de yerbas
y cabos para la mar, y velas de las
mantas en que dormíamos, y se les
pusieron sus mástiles»: «días de
continua y ordinaria penitencia, recuerda el religioso domínico, por la
mucha hambre y poca comida que
había, que no se comía sinó lo que
se mariscaba á la lengua del agua,
que eran unos caracolejos y unos
cangrejos bermejuelos del tamaño
de ranas; y éstos iban á tomar la
mitad de los compañeros, y la otra
mitad quedaban trabajando»...
O bergantim grande ainda precisava
ser consertado, por isso seguiram
rio abaixo em busca de uma enseada onde pudessem ancorá-lo. Uma
vez encontrada, em quatorze dias
“ambos os bergantins foram reconstruídos com todo o necessário para o
mar, seus cabos e cordames, feitos de
plantas, e as velas, dos cobertores em
que dormíamos, sendo que colocaram
os mastros sobre eles”: “dias de contínua e regular penitência, relembra
o religioso dominicano, pela grande
fome e pouca comida que havia, porque só comiam o que se mariscava
flutuando na água, que eram alguns
caramujos e caranguejos avermelhados, do tamanho das rãs; isso requeria
a metade dos companheiros, e a outra
metade ficava trabalhando”...
Por fin, el 8 de Agosto se alejaban
de aquel lugar, andando á la vela
en las horas del descenso de la marea, y dando bordos á un cabo y á
otro; pero como carecían de anclas,
amarraban los barcos á las piedras,
sucediéndoles á veces que garraban
y retrocedían en una hora el camino
que habían andado en un día. Hallaban todavía algunos pueblos de indios mansos que tenían escondidas
sus provisiones, debiendo por esto
contentarse á veces únicamente con
ciertas raíces, «que á no las hallar,
Finalmente, em 8 de Agosto, afastaram-se daquele lugar, navegando com
as velas içadas nas horas em que a
maré estava baixando, bordejando um
ou outro cabo. Mas, como não tinham
âncoras, amarravam as embarcações
às pedras, acontecendo às vezes, quando a âncora se soltava, de recuar em
uma hora o que tinham navegado em
um dia. Encontraram ainda algumas
aldeias de índios mansos que escondiam seus mantimentos; por isso tinham que se contentar, algumas vezes,
apenas com certas raízes, “que se não
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
244
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
todos pereciéramos de hambre», fossem encontradas, teríamos morrido
de fome”, diz o P. Carvajal.
dice el P. Carvajal.
Por fin, el 24 de Agosto llegaban á
la desembocadura del río. De todos
los obstáculos que la naturaleza y
los hombres les habían opuesto hasta entonces sólo les faltó experimentar en ese último tiempo los terribles
aguaceros de aquellas regiones…
Descansaron allí un día y una noche,
si descanso se puede llamar dedicarse á fabricar cables y sogas para la
jarcia de los bergantines; «é como
se habían hecho á remiendos, siempre había que remendar en ellos...
é como las demás cosas de que nos
proveíamos eran contrahechas é por
mano de hombres sin experiencia
é no habituados á tal arte, duraban
muy poco; é como no se hallaban en
cada parte, era necesario venir salvando é proveyendo á saltos. Desta
forma, en una parte se hacía la vela,
en otra el timón, en otra la bomba
y en otra la jarcia, y en cada cosa
déstas, en tanto que no la teníamos,
era estar á mucho peligro.»
Finalmente, no dia 24 de Agosto chegaram à desembocadura do rio. De
todos os obstáculos que a natureza
e os homens apresentaram a eles até
então, só faltava experimentar os terríveis aguaceiros daquelas regiões…
Ali descansaram por um dia e uma
noite, se é que se pode chamar de
descanso o dedicar-se a fabricar cabos e sogas para o cordame dos bergantins; “e como tudo foi feito à base
de remendos, sempre tinha algo neles
para remendar... e como as demais
coisas fornecidas foram mal feitas e
por mãos de homens sem experiência
e não habituados a tal arte, duravam
muito pouco. E como não eram achados em qualquer lugar, era necessário ir salvando e provendo a tranco.
Dessa forma, consertava-se uma parte da vela, ou uma parte do timão,
ou uma parte da bomba ou uma parte
do cordame, e como nenhum desses
consertos ficava completo, estávamos
sempre à mercê de grande perigo.”
«Dejo de decir, continúa el P.
Carvajal, otras muchas cosas de que
carecíamos, así como de pilotos11 é de
marineros é de aguja del navegar, que
son cosas nescesarias, que sin cualquiera dellas no hay ningún hombre,
“Deixo de relatar, continua o P. Carvajal, muitas outras coisas necessárias que nos faltavam, como pilotos,
marinheiros e bússola de navegação,
porque sem qualquer delas não há
nenhum homem, por mais que lhe
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
245
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
por falto que sea de buen juicio, que
ose navegar, sinó nosotros, á quien
esta navegación se ofresció por caso
é no por voluntad nuestra.»
falte o bom senso, que ouse navegar,
a não ser nós mesmos, a quem essa
navegação foi oferecida por acaso e
não por nossa vontade.”
En aquel punto los expedicionarios tomaron agua, «cada uno un
cántaro; y unos á medio almud de
maíz tostado, y otros menos, y
otros con raíces, y de esta manera
nos pusimos á punto de navegar
por la mar por donde la ventura
nos guiase y echase»...
Nesse momento, os expedicionários
beberam água, “cada um recebeu
um jarro; alguns receberam meio
alqueire de milho torrado, outros
menos, e outros com algumas raízes. E assim nos preparamos para
navegar pelo mar, onde a ventura
nos guiasse e lançasse”...
Con tales elementos, el 26 de Agosto, Sábado de mañana, antes del
alba, desplegaban ambos bergantines
sus velas y salían á la mar por entre
la isla grande de Marajo y otra más
pequeña que queda hacia el norte.12
Durante cuatro días navegaron en
conserva, unas veces á vista de tierra
y otras un tanto alejados de la costa;
pero en la noche del 29 «se apartó
el un bergantín de otro,13 que nunca
más nos podimos ver, dice Carvajal,
que pensamos que se hubiesen perdido, y al cabo de nueve días que
navegábamos metiéronnos nuestros
pecados en el golfo de Paria, pensando que aquel era nuestro camino, y
como nos bailamos dentro quisimos
tornar á salir á la mar: fué la salida tan dificultosa, que tardamos en
ella siete días, todos los cuales nun-
Com tais elementos, no dia 26 de
Agosto, sábado pela manhã, antes
do amanhecer, os dois bergantins
içaram as velas e saíram ao mar
navegando entre a grande ilha do
Marajó e outra menor ao norte.
Durante quatro dias navegaram em
comboio, às vezes avistando a terra,
outras vezes um tanto afastados da
costa. Mas, na noite do dia 29, “um
bergantim se afastou do outro e nunca mais conseguimos nos ver, conta
Carvajal, até pensamos que estivessem perdidos. Ao cabo de nove dias
navegando, por conta dos nossos
pecados fomos parar no golfo de
Paria, pensando que aquele era o
nosso caminho; circulamos naquele
lugar, mas com o desejo de retornar
ao mar: foi uma saída tão difícil,
que nela demoramos sete dias, sen-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
246
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
ca dejaron los remos de las manos
nuestros compañeros; y en todos estos siete días no comimos sinó fruta
á manera de ciruelas, que se llaman
hogos; así que con mucho trabajo salimos por las bocas del Dragón, que
tales se pueden llamar para nosotros,
porque por poco nos quedáramos
dentro. Salimos de esta cárcel; fuimos caminando dos días por la costa
adelante, al cabo de los cuales, sin
saber dónde estábamos, ni dónde
íbamos, ni qué había de ser de nosotros, aportamos á la isla de Cubagua
y ciudad de la Nueva Cádiz, donde
hallamos nuestra compañía y pequeño bergantín, que había dos días que
había llegado, porque ellos llegaron
á nueve días de Septiembre y nosotros llegamos á once del dicho mes
con el bergantín grande, donde venía
nuestro Capitán: tanta fué el alegría
que los unos con los otros recebimos, que no lo sabré decir, porque
ellos nos tenían á nosotros por perdidos y nosotros á ellos.»
do que os remos dos nossos companheiros nunca ficaram parados
em suas mãos em todos esses dias.
Não comemos senão frutas como
ameixas, que são chamadas de cogumelos; e depois de muito trabalho
saímos pelas bocas do Dragão, que
podem ser chamadas assim porque
quase ficamos presos dentro delas.
Saímos dessa prisão e navegamos
por mais dois dias, seguindo a costa, quando por fim, sem saber onde
estávamos e para onde iríamos, nem
o que seria de nós, ancoramos na
ilha de Cubagua e na cidade de Nueva Cádiz, onde encontramos nossa
companhia e o bergantim pequeno
que havia chegado há dois dias, porque eles chegaram aos nove dias de
setembro e nós chegamos aos onze
do dito mês com o bergantim grande, onde estava o nosso capitão: foi
tão grande a alegria que recebemos
uns aos outros que não saberei explicar, porque eles nos tinham por
perdidos e nós a eles.”
Así dieron fin á su «navegación
é acaescimiento, que se principió
impensadamente é salió á tanto
efeto, como dice Oviedo, ques
una de las mayores cosas que han
acaescido á hombres.»
Assim, relata Oviedo, foi o final da
“navegação, do acontecimento, que
iniciou precipitadamente e que chegou tão longe como um dos maiores
feitos empreendidos por homens.”
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
247
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
Notas
1. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/518714.
2. [N.T.] Embarcação antiga, a remo (ou à vela), esguia e de convés corrido.
3. [N.A.] En el texto de Oviedo se dice, sin embargo, que fué el primero de ese
mes. Entretanto, no texto de Oviedo, menciona-se que foi o primeiro dia deste
mês.
4. [N.A.] A consecuencia de este incidente, Orellana ordenó allí, bajo graves
penas, que los que iban en las canoas no se apartasen del barco á más de un tiro
de ballesta. Como consequência desse incidente, Orellana ordenou ali, sob severas
penalidades, que os que estivessem nas canoas não se afastassem da embarcação
maior por mais de um tiro de besta.
5. [N.A.] El P. Carvajal en la Relación que hoy publicamos dice que la entrada
en ese gran río, que allí se divide en dos brazos y á primera vista parecen dos
diversos, tuvo lugar en día Domingo, y en la que Oviedo inserta en su Historia de
las Indias se lee «día de Santa Olalla, habiendo ya pasado once días de Hebrero.»
Ambos datos concuerdan así perfectamente, porque, en efecto, el II de Febrero de
1542 fué Domingo. Resulta asimismo de ambas relaciones, que, habiendo partido
los expedicionarios de Aparia el 2 de aquel mes, para llegar al punto que indicamos
sólo emplearon en la marcha siete días, pues descansaron cuatro, y aun el en que
encontraron á los compañeros que se habían adelantado pararon temprano. Damos
todavía de barato el tiempo que perdieron en tratar de subir aguas arriba del río en
que moraba el cacique amigo de que hemos hecho mención, y aun que la partida de
Aparia tuviera lugar el 1º de Febrero y no el 2; con todo lo cual siempre resultaría
que los días de que tratamos no pasaron de ocho. Pues bien: si suponemos que la
partida hubiese tenido lugar, como quiere el señor Jiménez de la Espada, desde
poco más abajo de las juntas del Coca, nos encontraríamos así con el absurdo de
que en siete días, ó en ocho á más tardar, habían andado una distancia tres veces
mayor de la que indica para la primera jornada de nueve días; y no hablamos de
leguas, porque, dadas las revueltas del río, todo cálculo á este respecto es del
todo aventurado: nuevo argumento para creer que el pueblo de Aparia se hallaba
situado en las juntas del Aguarico, ó sea casi en el promedio de la distancia
recorrida por Orellana desde que salió del campamento de Pizarro hasta que
penetró en Marañón. Esto mismo concurren á demostrarlo los días de marcha
gastados en ambas jornadas: nueve en la primera, y siete ú ocho en la segunda.
¿Orellana, ó los que con él iban, sospecharon por acaso que el río en que
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
248
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
acababan de penetrar era el Marañón? En las informaciones de servicios
rendidas por los expedicionarios después del viaje se lee simplemente que «dieron
en el Río Marañón»; pero como entre ellos había algunos hombres de la mar,
y la desembocadura de un gran río llamado ya con el nombre de Marañón ó
de Mar Dulce se sabía existir poco más ó menos en aquella latitud, debieron
comprender desde el primer momento que aquel río que parecía mar por su
imponente grandeza no podía ser otro que el que las cartas geográficas marcaban
con ese nombre de Marañón. O P. Carvajal na Relación, que hoje publicamos,
diz que a entrada naquele grande rio, que ali se divide em dois braços e que, à
primeira vista, parecem dois rios diferentes, deu-se no domingo, e na que Oviedo
insere em Historia de Las Indias se lê “dia de Santa Olalla, onze dias de Fevereiro
já se passaram”. Ambos os dados, portanto, concordam perfeitamente, porque,
efetivamente, II de Fevereiro de 1542 foi domingo. Resulta também de ambas as
relações que, tendo partido de Aparia no dia 2 daquele mês, para chegar ao ponto
que indicamos, passaram apenas sete dias em marcha, pois descansaram quatro,
e mesmo no dia em que encontraram os companheiros que haviam se adiantado
pararam cedo. Ainda descontamos o tempo que perderam tentando subir o rio,
onde morava o cacique, amigo de que falamos, mesmo que a partida de Aparia
tenha ocorrido em 1º de Fevereiro e não no dia 2; sempre se verifica que os
dias em questão não ultrapassaram oito. Pois bem: se supormos que a saída se
deu, como quer o senhor Jiménez de la Espada, logo abaixo da junção do Coca,
estaremos frente ao absurdo de que em sete dias, ou oito no máximo, haviam
andado uma distância três vezes maior do que a indicada para a primeira jornada
de nove dias; e não se trata de léguas porque, dada a agitação do rio, qualquer
cálculo a este respeito é inteiramente arriscado: novo argumento para acreditar
que a aldeia de Aparia se situava nas junções do Aguarico, ou seja, quase na
metade da distância percorrida por Orellana desde que deixou o acampamento de
Pizarro até entrar no Marañón. Os mesmos dias de marcha passados em ambas
as jornadas concorrem para demonstrá-lo: nove no primeiro, e sete ou oito no
segundo. Orellana, ou os que o acompanhavam, desconfiaram que o rio em que
acabavam de entrar era o Marañón? Nas informações sobre os serviços prestados
pelos expedicionários após a viagem, lê-se simplesmente que “atingiram o Rio
Marañón”; mas, como havia entre eles alguns homens do mar, e se sabia que a
foz de um grande rio chamado Marañón ou Mar Doce já existia, mais ou menos
naquela latitude, eles devem ter entendido desde o primeiro momento que aquele
rio que parecia um mar pela sua imponente grandeza, não poderia ser diferente
daquele que as cartas geográficas marcavam com esse nome de Marañón.
6. [N.A] En la Relación de Carvajal que ahora publicamos se dice que fueron
treinta y cinco los días, pero en esto hay un error cuya comprobación nos va
á permitir establecer que los trabajos empezaron al siguiente de la llegada, y
algunas fechas por lo menos curiosas para el caso. Habiéndo aportado Orellana
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
249
Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra
al asiento de Aparia el Domingo 26 de Febrero, y partido el 24 de Abril, resulta
que su permanencia allí duró 57 días. «Tardóse en la obra deste bergantín»,
según la Relación publicada en Oviedo, «y en adobar el barco que traíamos
cuarenta é un días de labor, dejando los Domingos é fiestas y el Jueves é Viernes
Sancto é la Pascua, que no trabajaron los compañeros». Estos días no laborables
fueron, pues, el Domingo, día de la llegada (26 de Febrero), los días 5, 12, 19 y
26 de Marzo, y el 2, 9, 16 y 23 de Abril, que fueron también Domingos; el Jueves
y Viernes Santo (13 y 14 de Abril); los tres de Pascua, 17, 18 y 19 del mismo mes,
y los dos días festivos de Marzo, San José el 19 y la Encarnación el 25: total de
días no laborables, 16, los que descontados de los 57 que allí estuvieron, nos da
la cifra de 41. En el año de 1542 el Miércoles de Ceniza cayó el 1º de Marzo,
la Pascua el 16 de Abril y el Domingo de Cuasimodo, por lo tanto, el 23. ¡Al
día siguiente, 24, Orellana seguía su camino! Na Relación de Carvajal que agora
publicamos diz-se que foram trinta e cinco dias, mas há um erro cuja comprovação
nos permitirá estabelecer que os trabalhos começaram no dia seguinte à chegada e
que algumas datas são curiosas para o caso. Orellana aportou na aldeia de Aparia
no domingo, 26 de Fevereiro, e partiu no dia 24 de Abril, atestando que sua estada
lá durou 57 dias. “Demorou nos trabalhos desse bergantim”, segundo Oviedo
publicou na Relación, “e na reparação da embarcação que trazíamos quarenta
e um dias de trabalho, guardando domingos e feriados, a quinta e a Sexta-Feira
Santa e a Páscoa, em que os companheiros não trabalharam”. Os dias não úteis
eram, então, domingo, dia da chegada (26 de Fevereiro), os dias 5, 12, 19 e 26 de
Março, e 2, 9, 16 e 23 de Abril, que também eram domingos; a quinta e a SextaFeira Santa (13 e 14 de Abril); os três dias da Páscoa, 17, 18 e 19 do mesmo mês,
e os dois feriados de Março, São José no dia 19 e Nossa Senhora da Encarnação
no dia 25: total de dias não úteis, 16, descontados dos 57 que lá estiveram, nos dá
a cifra de 41. No ano de 1542, a Quarta-Feira de Cinzas caiu em 1º de Março,
a Páscoa em 16 de Abril e o Domingo de Quasímodo, portanto, em 23. No dia
seguinte, 24, Orellana continuou seu caminho!
7. [N.T] Sempre que esta abreviatura aparecer no texto, ela se refere a Provincial,
cargo eclesiástico exercido pelo Frade Carvajal.
8. [N.A.] Marzo se lee por equivocación en el relato publicado por Oviedo. No
relato publicado por Oviedo se lê, por engano, Março.
9. [N.A.] «No hirieron sinó á mí, dice Carvajal, que permitió Nuestro Señor por
mis defetos que me diesen un flechazo sobre un ojo, que me pasó la cabeza é sobró
la flecha dos dedos de la otra parte detrás de la oreja, algo más arriba: de la cual
herida, demás de perder el ojo, he pasado mucho trabajo é fatiga, é aún no estoy
libre de dolor»… “Só eu fui ferido, diz Carvajal, porque, pelos meus defeitos,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
250
Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina
Nosso Senhor permitiu que eu fosse flechado no olho; a flecha passou pela minha
cabeça e atravessou, em dois dedos, a outra parte atrás da orelha, um pouco mais
acima: dessa ferida, além de perder o olho, tive muito trabalho e cansaço, e ainda
não estou livre das dores”...
10. [N.A.] El hecho debe haber tenido lugar en la fecha que indicamos. Desde el 25
de Junio en adelante la cronología del viaje se hace difícil de establecer á causa de
que el cronista se limita de ordinario á decir: «desde á pocos días», «había algunos
días», etc. O evento deve ter ocorrido na data que indicamos. A partir do dia 25 de
Junho, torna-se difícil estabelecer a cronologia da viagem porque o cronista se limita
a dizer: “há poucos dias”, “há alguns dias”, e assim por diante.
11. [N.T.] Equivale atualmente, em parte, ao primeiro oficial.
12. [N.A.] Así se deduce del siguiente pasaje de la Relación publicada en Oviedo:
«Esta boca del Río tiene de ancho, de punta á punta, cuatro leguas, é vimos otras
bocas mayores que ésta por donde salimos á la mar; é segúnd razón de hombres
expertos á la muestra quel Río hacia de muchas islas é golfos é bahías, cincuenta
leguas atrás antes que saliésemos, bien se manifestaba quedar otras bocas á la
mano diestra como veníamos... É con toda la diligencia que se puso en buscar
la tierra firme del Río, nunca se pudo ganar: de suerte que nos fué forzado
salir entre islas de una banda é de otra por la boca susodicha.» Assim pode
ser deduzido do seguinte fragmento da Relación, publicada por Oviedo: “Essa
desembocadura do rio tem, de uma ponta a outra, quatro léguas de largura; mas
vimos outras desembocaduras maiores que esta quando saímos ao mar. Segundo
o juízo de homens experientes, ao que parece, quando partimos, cinquenta léguas
atrás, aquele rio tinha muitas ilhas, golfos e baías, o que apontava para a chance
de haver outras desembocaduras à direita quando percorremos... Mas, apesar
de toda a diligência investida em buscar a terra firme do Rio, nunca foi possível
ganhá-la: assim, fomos obrigados a sair entre ilhas de um lado e de outro pela
referida desembocadura.”
13. [N.A.] Al pequeño le habían bautizado con el nombre de San Pedro, y al otro
con el de Victoria. O pequeno foi batizado com o nome de São Pedro e o outro
com o de Vitória.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021.
251
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84956
“TUDO ARDE, TUDO QUEIMA”: O SINCRETISMO DE
GEMMA FERRUGGIA ENTRE A VIAGEM ENTRE A
VIAGEM REAL E A VIAGEM LITERÁRIA
Karine Simoni1
1
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
Desde os primórdios da presença europeia no território hoje
mapeado como Amazônia, as paisagens cobertas por florestas tropicais, campos, igapós, rios e lagoas, e a presença de contingentes
humanos de culturas até então nunca vistas, têm provocado estupor
e fascínio, que nutriram e nutrem a ambição e o desejo de aventureiros e exploradores em conhecer e apossar-se do lugar. Atraídos
por esse cenário, indivíduos de diferentes nacionalidades e com variados objetivos dirigiram-se para a região ao longo dos séculos, e
muitos deles dedicaram-se à narrativa escrita de suas experiências,
imaginações e expectativas de viagem.
A presença de mulheres no espaço da viagem e da sua escrita foi
no geral rara; mesmo com os avanços das lutas feministas que se intensificaram a partir do século XIX, a mulher, grosso modo, até aquele
período permaneceu confinada ao espaço doméstico e à imagem de esposa e mãe, de modo que as mulheres que se destacaram como viajantes-escritoras foram as que predispunham de certo grau de instrução
e de uma posição social que lhes possibilitaram sair da imobilidade e
participar de uma viagem. É o caso de Gemma Ferruggia, que esteve
no Brasil em dois momentos: em 1898 e em 1921, sempre junto com
seu marido, e que, a respeito da primeira viagem, escreveu o relato
Nostra Signora del mar dolce. Missioni e paesaggi dell’Amazzonia,
publicado em Milão em 1902, no qual relata, analisa e (re)cria suas
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Karine Simoni
impressões das experiências vividas, e do qual aqui é apresentado e
traduzido o capítulo VI, intitulado Madonna Fantasia.
Nascida em 1867 em Livorno, cidade portuária da Toscana,
Itália, e falecida em Milão em 1930, Ferruggia participou de modo
bastante ativo das discussões políticas do seu tempo, em especial
no campo do feminismo, da imigração e do nacionalismo. Seus posicionamentos transparecem nos textos literários e ensaísticos que
escreveu e constituem, de alguma maneira, o modus operandi das
suas memórias, análises e escrituras, inclusive no seu relato de viagem, e, portanto, não devem ser negligenciados por quem a traduz.
Romancista, jornalista, conferencista, dramaturga e ensaísta,
embora hoje Ferruggia seja ignorada pelas histórias literárias e
pela crítica1, escreveu os romances Verso il nulla (1890, premiado
em 1894), L’idea (1891), L’enigma soave (1892) e Follie muliebri (1893), todos bem recebidos pela crítica e o último traduzido
para o inglês; a novela Odi et amo (1899), composta após uma
estadia em Paris; uma série de artigos para os jornais La Tribuna,
Corriere della sera, La Stampa, La Donna, tendo ainda atuado
como correspondente de guerra durante a Primeira Guerra para o
jornal Il fronte interno. No campo do teatro compôs o monólogo
Come allora!, o drama Amata Desclée, uma homenagem à atriz
francesa, e La gioia di vivere (1907), com o qual finalmente foi
reconhecida nessa área. Como ensaísta destaca-se Il cervello della
donna: intellettualità femminile (1900), em que dá visibilidade à
atividade intelectual das mulheres ao longo da história.2 É esse,
aliás, o fio condutor da obra de Ferruggia, que desde o primeiro romance manifestou seu pensamento sobre a questão feminista,
que foi constantemente revisto e desenvolvido nos escritos e nas
conferências posteriores. Boa parte da sua obra teve o objetivo de
analisar a presença das mulheres na literatura italiana e de reunir
os triunfos, as dores e as humilhações vividas por elas.
1
Como exceção, destaco os estudos de Marzia Lea Pacella (1997), César Palma
dos Santos (2014) e Chiara Evangelista (2016).
2
As informações biobibliográficas foram extraídas de Lea Pacella (1997).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
253
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real...
As posições de Ferruggia perante as demandas dos movimentos
feministas, porém, foram motivo de controvérsia e por isso criticadas, a ponto de ser definida como antifeminista. Isso porque defendia que, embora à mulher não devesse ser delegado um lugar de
submissão, tampouco deveria ser-lhe dado um papel social igual ao
do homem. Segundo Lea Pacella (1997), Ferruggia retratou analogias e diferenças entre escritores e escritoras, mas absteve-se de
refletir sobre conceitos de inferioridade e superioridade; criticou as
associações e as manifestações públicas das mulheres e defendeu a
ação individual e a educação como motor das esperadas mudanças
sociais. Essas ideias não estão apenas nos textos ficcionais e ensaísticos, como também no seu relato de viagem: ao comentar as leis
de Jurupari sobre as mulheres, e que davam a elas uma condição
de submissão ao homem, ela afirma que essas normas “em grande
parte, deveriam ser seguidas pelas mulheres de todos os países,
diga-se sem maldade.3” (186)
A defesa dos movimentos nacionalistas é outra característica de
Ferruggia, o que pode ser aferido em especial pela constatação da sua
amizade e admiração pelo poeta e romancista Gabriele D’Annunzio,
grande incentivador do nacionalismo na Itália; admiração esta que
se reflete também no texto aqui traduzido, seja através de citações
diretas do autor, seja no partilhamento de suas ideias.
Para melhor traduzir a narrativa de viagem aqui apresentada,
foi preciso considerar tais aspectos da visão de mundo da autora,
pois, como procurarei mostrar, não estão dissociados da sua maneira de enxergar os locais visitados, de lembrá-los e descrevê-los.
Essa é, de fato, uma das teses de César Palma dos Santos, que em
seu trabalho de doutorado “Nostra Signora del Mar Dolce: A (re)
criação da viagem na narrativa de Gemma Ferruggia” (2014), observa que a narrativa de Ferruggia é resultado de um trabalho que
mescla realidade e ficção, num trabalho da memória, pois,
3
Norme che, in gran parte, dovrebbero esser seguite dalle donne di ogni
paese: sia detto senza cattiveria. Essa e todas as traduções citadas são de
minha autoria.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
254
Karine Simoni
levando-se em conta a experiência da viajante como alguém
que já havia produzido quatro romances e, portanto, era
criadora de ficção, percebe-se que a narração dos episódios
não se dá de forma simples e que na sua construção a autora
serviu-se de suas habilidades ficcionais. (Santos, 233)
e, acrescento, com o propósito de defender suas posições políticas.
A esse respeito, a própria autora afirma no seu relato: “A imaginação dos velhos é, sem dúvida, a memória; agora, algumas vezes,
parece que os jovens estão fazendo quase um compilado ideal para
aquela distante fantasia.”4 (83)
Em relação à estrutura, as 417 páginas do texto estão divididas
em nove capítulos, duas dedicatórias, uma carta e um apêndice.
As dedicatórias são endereçadas ao governador do Pará, Paes de
Carvalho, e ao marquês Carlo Ermes Visconti di San Vito, personalidades de influência política nos contextos brasileiro e italiano.
A carta – um elogio da obra – é assinada pelo filósofo italiano
Augusto Conti (1822-1905) para quem, de acordo com uma nota
dos editores, Ferruggia teria enviado os originais. Tais elementos
são indícios do círculo político e intelectual do qual a autora fazia
parte. Os capítulos são assim intitulados: I. Un dolore e una chimera; II. Belem; III. Foreste e colonie; IV. Jambù-Assù e l’Aldeia;
V. Aura Mistica; VI. Madonna Fantasia; VII. L’isola de Marajò
e Marapanin; VIII. Lungo il solenne fiume; IX. Manaos. Cada
capítulo dispõe de um incipit no qual estão dispostos os assuntos
que serão discorridos, de modo que servem como um resumo-guia
para o público leitor. O Apêndice trata de considerações acerca da
notícia de um confronto entre índios e missionários capuchinhos no
Maranhão, que Ferruggia teria conhecido e que teriam sido mortos
pelos índios enquanto ela terminava de escrever o capítulo V.
Alguns dos assuntos tratados por Ferruggia são: motivações e
preparativos da viagem, travessia do Atlântico, primeiras impres4
L’immaginazione dei vecchi è, sensa dubbio, la memoria: ora, qualche volta, pare
ai giovani di far quase um ideale raccolto per quella lontana fantasia.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
255
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real...
sões, angústia com a febre amarela que acometera o marido, visões
da exuberante floresta, contatos com autoridades e imigrantes, hospitalidade e hábitos culinários dos habitantes da região, lendas e
costumes indígenas, africanos e portugueses, relatos sobre a economia e sobre acontecimentos da história do Brasil, festas populares,
encontro com missionários católicos, dificuldades de transporte,
falta de conforto e de higiene, visita ao Teatro de Manaus, e, por
fim, a crise nervosa que a fez trancar-se num hotel por alguns dias,
até que seu marido optasse por acatar o pedido de interromper a
viagem e o casal retorna à Europa. Os capítulos V e VI, dedicados
à religiosidade e às festas populares e ao folclore brasileiro, diferem substancialmente dos demais por terem como principal característica a compilação de textos de outros autores como elemento
catalisador da narrativa, e menos o relato da viagem em si.
Chama atenção o título da obra, que não indica a palavra viagem, relato ou excursão, como costumeiramente faziam outros
viajantes. Além disso, em italiano é mais usual Madonna para se
referir à Virgem Maria, e Nostra Signora, italianização da forma
portuguesa Nossa Senhora, de acordo com Santos, parece ter a
intenção de chamar a atenção para o exótico, o diferente. O Mar
Doce refere-se ao nome já dado às terras do Amazonas e do Pará,
o que indica a alusão da autora a viajantes anteriores, e o subtítulo,
Missioni e Paesaggi di Amazzonia, pode referenciar dois elementos
de destaque na narrativa:
as missões, que podem ser vistas tanto como uma referência às atividades dos padres capuchinhos visitadas durante
a viagem, como à missão econômica dos empreendedores
italianos, e às paisagens, lugar comum dos viajantes, principalmente para aqueles que visitaram as regiões tropicais.
(Santos, 127).
Como se percebe, já o título traz em si mais de uma possibilidade de interpretação da obra, de modo que, retomando a tese
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
256
Karine Simoni
de Santos, Nostra Signora del Mar Dolce não é um simples relato
de viagem, pois
o gênero ‘narrativa de viagem’ não é somente um apanhado
de memórias de viagem ou longos tratados científico-etnográficos, mas sim, uma construção individual que se dá
no âmbito da memória, e que é assentado por determinados objetivos. (172)
Nessa perspectiva, ainda segundo Santos (2014), podemos ler o
relato de Ferruggia a partir da articulação de três níveis de narrativa, ou três viagens, que se alternam e se inter-relacionam: a primeira é a viagem literal, marcada pela saída do vapor Re Umberto
do porto de Gênova em 10 de setembro de 1898 e a chegada em
Belém do Pará no final daquele mês. A viagem foi feita em companhia do seu marido, Agostino Luigi Tettamanzi, jornalista conhecido pelo pseudônimo de Alberto Manzi, e é possível que tenha
sido patrocinada pelo governo italiano, interessado em saber como
viviam os emigrantes italianos em terras brasileiras. A atuação de
Ferruggia na causa imigratória está expressa principalmente nos
artigos de jornais, nos quais defende que o governo italiano apoie
os italianos residentes no exterior, pois, a despeito do incentivo
do Governo brasileiro para a vinda dos italianos ao Brasil a partir
de 1870, pouco tempo depois as notícias sobre as más condições
em que viviam e trabalhavam os emigrantes em solo brasileiro
passaram a ser frequentes nos jornais e nos círculos políticos e
intelectuais italianos.
Vale lembrar que até o final do século XIX o número de viajantes
italianos foi pouco expressivo no Brasil se comparado aos viajantes
de outras nacionalidades. Após a Unificação Italiana, ocorrida em
1861, esse número passa a aumentar e muitos dos que se deslocaram
o fizeram movidos por ambições políticas na disputa colonial que
tinha como vetores a França e a Inglaterra, embora a literatura de
viagem produzida pelos italianos não se compare à daqueles dois
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
257
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real...
países (Scriboni, 306, apud Santos, 96). Há de se notar também o
surgimento da Società Geografica Italiana, em 1867, e o consequente favorecimento de viagens com finalidades políticas, exploratórias
e científicas, bem como de seu financiamento. É o caso, por exemplo, das viagens de personalidades como Giuseppe Raddi, Ernano
Stradelli e Luigi Buscalioni, que ao longo do século XIX estiveram
no Brasil e deixaram contribuições, descritas de modo científico e
ou estético, a respeito da fauna e da flora, dos minerais e do sistema
hidro-geológico, dos habitantes e de suas lendas e costumes.
Ainda que o motivo da viagem de Ferruggia fosse o de acompanhar o marido, e mesmo estando interessada nas questões de imigração que seriam tratadas por ele, Ferruggia coloca-se também como
alguém que busca a “poesia do lugar” (18), as particularidades das
regiões visitadas. A falta de referências cronológicas no relato, que
serviriam para mostrar o percurso do casal, podem ser um indício de
que, para Ferruggia, menos importante eram os fatos em si e mais
as impressões que a paisagem e o encontro com as pessoas provocavam. Daí porque, ainda segundo Santos, podemos pensar em uma
segunda viagem de Ferruggia, a viagem literária, assim chamada
porque, através da memória, sentimentos e emoções – logo, uma
experiência mais subjetiva –, a autora faz surgir ou outro nível de
narrativa, a elaboração pessoal e criativa, muitas vezes até idílica,
em contraste com a viagem literal, em que o estranhamento e a falta
de conforto são constantes. (169) A descrição do Círio de Belém,
encontrada no capítulo aqui traduzido, pode servir como exemplo
desse aspecto da narrativa:
Aquela procissão! Eu a vi passar, e fiquei imóvel, em pé,
sem fôlego, na pequena varanda do Hotel Coelho [...] Cada
vez que meu pensamento se volta para o espetáculo – único
na memória pela originalidade, pelo contraste de luz, sombra, grandeza, miséria – experimento o mesmo sentimento
de espanto e torpor, a mesma apaixonada sensação de admiração, de piedade, que senti enquanto a pessoa estava
parada ao mesmo tempo em que a alma estava em frenesi. E
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
258
Karine Simoni
como um tremor desconhecido até aquela hora, não encontrei outro assim em nenhum outro espetáculo ligado àquela
hora, combinado com aquele sol que incendiava o ar, com
aquele difuso som de sino, enquanto as pessoas desfilavam,
desfilavam, desfilavam; gente branca, gente negra, gente de
cor morena, bronzeada, dourada, amarela, variada e lenta,
lenta e interminável; multidão inspirada e multidão cega,
grandiosa em sua dupla manifestação de amor religioso e
ingênua bestialidade!5 (213-214)
A terceira viagem é chamada por Santos de viagem cultural, ou
seja, um percurso pelas obras que a autora cita, muitas vezes fazendo uso de longos recortes, com o intuito de explicar o país visitado.
Fazem parte desse conjunto relatos de viajantes como Stradelli e
Coudreau, romancistas como Charles Nodier e José de Alencar,
poetas como Baudelaire, além de histórias de santos, narrativas indígenas e africanas, relatos de religiosos, tratados científicos, histórias literárias que, em amálgama com a experiência da memória,
servem para moldar a imaginação e ressaltar, ao público italiano, a
imagem da região e do país como um lugar exótico, repleto de dificuldades, perigos e estranhezas, às quais estavam particularmente
submetidos os conterrâneos imigrantes. (170-171) Ao que parece,
Ferruggia acreditava que, se junto com descrições detalhadas e
análises pessoais o leitor pudesse também contar com obras supos5
Quella processione! Io l’ho vista passare, rimanendomene immobile, in piedi,
senza respiro, nel terrazzino dell’Hôtel Coelho [...]. Ogni volta che il pensiero
ricorre allo spettacolo – unico nella memoria per originalità, per contrasto di luce
di ombra, di grandezza, di miseria – provo la stessa sensazione di sgomento e di
stupore: lo stesso appassionato sentimento di ammirazione, di pietà provato allora,
mentre la persona sostava, immobile, mentre 1’anima era tutta in un fremito. E
quale fremito ignoto sino a quell’ora non ritrovato più per nessun altro spettacolo
legato a quell’ora, congiunto a quel sole che incendiava l’aria, a quel diffuso suono
di campana mentre la gente sfilava, sfilava, sfilava; gente bianca, gente nera, gente
di color morato, bronzino, dorato, giallo, varia e lenta, lenta e interminabile; folla
ispirata e folla cieca, grandiosa nella sua doppia manifestazione di amor religioso
e di ingenua bestialità!
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
259
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real...
tamente familiares, essas referências poderiam auxiliá-lo a reconstruir as situações e sensações por ela vivenciadas. É o caso, por
exemplo, da narrativa do Tamandaré, o pajé que repovoou a terra
depois de uma grande inundação, lenda essa extraída d’O guarani
de José de Alencar e que, pode-se presumir, já estava presente no
imaginário do seu público dado o sucesso da versão operística d’O
Guarani, de 1870, nos círculos italianos. Ferruggia assume, assim,
o papel de narrador-guia, consciente das suas escolhas e ações,
oferecendo a sua versão da viagem, escolhendo o que narrar, o que
destacar, o que excluir.
Como foi dito, o capítulo traduzido para figurar nesse número
especial de Cadernos de Tradução é Madonna Fantasia, no qual
a autora trata dos rituais e festas religiosas do catolicismo, bem
como aborda lendas e mitos das cosmogonias indígena e africana.
Ferruggia faz uso de uma citação de Charles Nodier (1780-1844)
sobre a fantasia, retirada do romance La Fée aux miettes, para
iniciar a sua apresentação e contrapor o que ela chama de “fantasias delicadas”, típicas dos países frios da Europa, e a fantasia, ou
imaginação, característica dos países quentes, onde
Tudo arde, tudo queima, tudo acaba em um explosivo incêndio de passionalidade material. Por isso, festas religiosas,
cerimônias sagradas, ritos de piedade, têm caráter profano,
e estão tão ligadas a invenções de exagerada humanidade,
que eu quis fundir sua descrição com as lendas.6 (171)
Explica assim as razões por ter descrito e mesclado, no mesmo
capítulo, festas populares e do cristianismo com mitos e celebrações indígenas e africanas. Descreve festas e rituais como os do
Dabucuri, do Sairé, do Lundú, da máscara de Jurupari, festivida6
Tutto arde, tutto abbrucia, tutto termina in un divampante incendio di passionalità
materiale: per questo, feste religiose, sacre cerimonie, funzioni di pietà, hanno tal
carattere profano, e sono così allacciate a invenzioni di morbosa umanità, che io ho
voluto fonderne la descrizione con le leggende.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
260
Karine Simoni
des em honra a São Bento, Nossa Senhora e Santo Antônio, dentre
outros; evidencia a lenda de Jurupari e da Cobra Grande, e dá
ênfase à procissão do Círio de Belém, sempre destacando o sincretismo religioso e recorrendo, de modo explícito, à autoridades que
já haviam escrito sobre o assunto, o que, mais uma vez, leva a crer
que seus relatos são o resultado não só das observações de viagem,
como também de fontes bibliográficas e leituras que realizou.
Aspecto importante também presente neste capítulo é a forma
como Ferruggia considera a composição do povo brasileiro e,
de modo especial, das mulheres em seu papel social. A mulher é
descrita primeiramente por sua condição étnica e hierarquizada:
Os diversos tipos femininos do lugar aparecem, nesta ocasião [a procissão do Círio], como marcados por sua beleza
particular: a sedutora mulata, a preguiçosíssima negra, a interessante índia, a brasileira pequena e doce.7 (215-216).
Esta, de fato, é apresentada (e admirada) como uma mulher resignada e subserviente ao marido, dentro do espaço doméstico, como
no caso de sua hospedeira Castorina, “uma mulher que personificava as melhores qualidades do seu país, de uma afetividade profunda, generosidade instintiva [...] falava pouco, sorria sutilmente,
e enquanto os lábios se fechavam um pouco, os olhos se ofuscavam
de tristeza.”8 (102)
Já as mulatas, vistas sob a lente centrada nas diferenças físicas,
são descritas como inspiração para as canções populares, ligadas à
dança e que exalam sedução, como nas barracas da festa do Círio,
em que “A negra tirará a sorte, fará as invocações e o feitiço. A bela
7
i diversi tipi femminili del paese appaiono, in tale occasione, come improntati a una
particolare loro bellezza: la seducente mulatta, la pigrissima negra, la interessante
indiana, la brasiliana piccola e dolce.
8
una donna che personificava le migliori qualità del suo paese: di un’affettività
profonda, di una generosità istintiva [...] parlava poco, sorrideva appena, e mentre
le labbra si schiudevano un poco, gli occhi si offuscavano di tristeza.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
261
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real...
morena irá mostrar suas toilettes de cor branca ou rosa, mostrando
um perfeito decolleté na hora de preparar o haxixe, a ser oferecido
fresco aos degustadores.”9 (212). As negras, por sua vez, são vistas
ora como substitutas das ciganas curandeiras e adivinhas, incapazes
de saírem do estado da inércia e da preguiça, enquanto à mulata,
já detentora do “sangue branco” nas veias, símbolo da mistura das
raças, caberia a tarefa de criar uma nova raça:
Felizmente, o negro não tem nada mais contra ele a não ser
alguns preconceitos, pelos quais vive um pouco à margem,
mas estamos longe dos tempos em que o Papa foi obrigado
a publicar uma bula especial para declarar válido, e não pecaminoso, o casamento de um branco com uma negra, e viceversa. [...] A mulata, fruto do droit du seigneur, passou a ser
admirada e amada, produzindo aquela mistura de sangue que
daria origem a uma nova raça10. (Ferruggia, 181)
Ferruggia mostra ignorar, ou omitir, os resquícios da violência
escravocrata e patriarcal no Brasil, e a maioria das suas análises,
bastante generalistas e marcadas por estereótipos, não são muito
diferentes das visões de outros viajantes e do pensamento cientificista e positivista do final do século XIX que defendia o conceito de
superioridade racial – pode-se lembrar, a esse respeito, a boa aceitação das teorias de antropologia criminal de Cesare Lombroso, em
voga na mesma época, e sua relação com o expansionismo nacio9
La negra dirà buona ventura: farà gli scongiuri, e il feitiço. La bella mora
sfoggierà le sue toilettes bianche, o color di rosa, mostrando un perfetto
decolleté, nel preparare l’ hassay, da offrire fresco ai degustatori.
10
Per fortuna, il negro non ha più contro di sè che alcuni pregiudizii, per i quali
vive un po’ in disparte: ma siamo ben lontani dai tempi in cui il Papa era costretto
a pubblicare una bolla apposita per dichiarare valido, e non peccaminoso, il matrimonio di un bianco con una negra, e viceversa. [...] La mulatta, fruto del droit du
seigneur, è venuta a farsi ammirare ed amare, producendo quel miscuglio di sangue
che doveva dar origine a una nuova razza.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
262
Karine Simoni
nalista e as justificativas para as desigualdades sociais. A narrativa
de Ferruggia, portanto, se por um lado é hoje passível de muitas
críticas, por outro, deve ser vista como depositária das referências
culturais do seu tempo, que nutrem uma espécie de jogo ambíguo
onde o estranhamento em relação ao outro pode comportar rejeição, admiração, exotização, desconhecimento. Buscar compreender esse conjunto simbólico manifesto nas diferentes linguagens
que compõem os relatos de viagem, identificar as conexões entre
os vários níveis da narrativa, articular as experiências individuais
com outras mais amplas torna-se, assim, o primeiro exercício para
empreender a prática da tradução, para a qual, segundo Paulo Rónai, o tradutor deve manter-se atento à “lei psicológica da linguagem” (16), ou seja, à dinâmica inseparável entre o pensamento e
sua forma de expressão, e, ao mesmo tempo, “contentar-se com
aproximações” (25), já que não há como captar o sentido absoluto
das palavras, o tom exato, as intenções ocultas de quem escreve. A
tradução foi realizada com base nessas premissas e, a seguir, apresento algumas considerações pontuais acerca do processo.
Mantive a maioria dos sinais gráficos presentes na edição de
partida, por considerar que estes fazem parte da materialidade do
texto e porque provavelmente a autora tinha o objetivo de utilizá
-los como forma de chamar a atenção do público leitor. O leitor e
a leitora notarão que Ferruggia utiliza-se da ferramenta itálico em
pelo menos cinco momentos: 1. para identificar palavras como cachaça, caxiri, caruatá, lundu, canoa, congo, pajé, taxaua, saúva,
beijú, cuja tradução não seria possível em italiano, e por isso foram
marcadas em itálico no texto italiano, como estrangeirismos; 2.
palavras como sítio, juiz, juíza, festeiros, mordomos, avenida, que,
embora não apresentem grandes desafios de tradução ao italiano,
foram mantidos em português no texto italiano, possivelmente para
proporcionar ao seu público um contato mais próximo com a língua
e a cultura sobre a qual estava escrevendo, ou talvez por acreditar
na “intraduzibilidade” da língua; 3. palavras e expressões como
proposta, riservatezza, altre malattia, rappresentati, que parecem
indicar destaque ou certa ironia no texto; 4. palavras ou expres-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
263
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real...
sões estrangeiras, como droit du seigneur, chalêts, café-chantants,
toilettes, decolleté, brick, buvette; 5. nomes próprios como Jurupary, Ceucy, Uarly, Jacy, Curupira, Caapora, Maty-Tapèrê que,
porém, tiveram sua ortografia atualizada para Jurupari, Ceuci,
Jaci, Caipora, Matim-Taperê. A mesma atualização gráfica deu-se
na tradução de palavras como yaras, tucuman, Cyrio, que se tornaram iaras, tucumã, Círio. Se os itálicos foram mantidos, outros
sinais gráficos presentes na edição foram excluídos, por não serem
usuais no português brasileiro, como o uso de aspas no início de
todas as linhas de citações.
Em relação à pontuação, procurei observar e manter o ritmo
dado pelo texto de partida, embora algumas modificações tenham
sido feitas para não comprometer a legibilidade do texto. O uso de
travessões é bastante perceptível no texto de Ferruggia, mas no texto em português foi suprimido algumas vezes, quando entendeu-se
que seu uso se destinava mais a marcar uma pausa do que um maior
destaque. Para marcar o ritmo do texto, o travessão foi substituído
por vírgula ou ponto final. O mesmo se deu em relação ao uso dos
dois pontos, que em vários momentos foram usados mais de uma
vez na mesma frase, ou em situações que normalmente não seriam
usadas em português. Neste caso, foram substituídos por vírgula ou
ponto final, por terem sido utilizados com a finalidade de dar uma
sequência ao desencadeamento das ideias, o que na tradução foi feita
com vírgula e ponto final, como no exemplo:
– Tu sarai il cujubin (Penelope cumanensis: ha le piume rosee
e la testa bianca: canta allo spuntar del giorno). Così fece il
cujubin: ne dipinse la testa in bianco con argilla: le gambe in
rosso con del roucou (Bixa orellana) e gli disse: (197)
assim traduzido:
– Você será o cujubim (Penelope cumanensis, com penas
rosadas e cabeça branca, canta ao amanhecer). Assim ela
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
264
Karine Simoni
fez o cujubim: pintou a cabeça de branco com argila, as pernas de vermelho com urucum (Bixa orellana). E disse-lhe:
Por fim, Ferruggia faz uso de reticências que também parecem marcar o ritmo do tempo, ou ainda do próprio pensamento
da autora no momento de retomar suas memórias e escrevê-las no
texto, promovendo pausas e reflexões. Nesse sentido, esse tipo de
pontuação foi predominantemente mantido. Importante dizer que a
pontuação é uma das ferramentas para a construção da sintaxe do
texto, então o projeto e a elaboração da tradução procurou observar e manter essas características da obra, assim como a colocação
das palavras na frase, em especial sobre o uso de adjetivos antepostos ao nome, como em “profumate e primitive scodelle” (174)
[perfumadas e primitivas tigelas] “celeste bellezza” (183) [celestial
beldade], “roventi parole” (191) [ferventes palavras]. Para concluir, notas explicativas foram usadas quando entendeu-se que a
compreensão do leitor e da leitora pudesse ficar comprometida pela
ausência de informações disponíveis.
Referências
Ferruggia, Gemma. “Madonna Fantasia”. Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni
e paesaggi di Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice L.F. Cogliati, 1902. pp.
170-236.
Ferruggia, Gemma. Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni e paesaggi di
Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice L.F. Cogliati, 1902. https://archive.org/
details/nostrasignorade00ferrgoog/page/n7/mode/2up. Acesso em 12 janeiro 2021.
Lea Pacella, Marzia. Gemma Ferruggia. Dizionario Biografico degli Italiani.
v. 47. Roma: Treccani, 1997. https://www.treccani.it/enciclopedia/gemmaferruggia_(Dizionario-Biografico)/. Acesso em 08 de janeiro de 2021.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
265
“Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real...
Ronai, Paulo. Escola de tradutores. 7ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2012.
Santos, César Palma dos. Nostra Signora del Mar Dolce: a (re) criação da viagem
na narrativa de Gemma Ferruggia. 2014. 200 f. Tese (doutorado) - Universidade
Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Assis, 2014. http://hdl.handle.net/11449/115631. Acesso em 10 de
janeiro de 2021.
Vangelista, Chiara. “Una viaggiatrice italiana di fine Ottocento: Gemma Ferruggia
in Amazzonia”. Revista de História e Estudos Culturais, v. 13 Ano XIII nº 1 Janeiro-Junho 2016. http://www.revistafenix.pro.br/vol37-a03.php. Acesso em
17 de dezembro de 2020.
Karine Simoni. E-mail: kasimoni@gmail.com. https://orcid.org/0000-00034965-7196.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021.
266
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84957
MADONNA FANTASIA (CAPÍTULO VI)
Gemma Ferruggia
Tradução de:
Karine Simoni1
1
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
FERRUGGIA, Gemma. “Madonna
Fantasia”. In: Nostra Signora del Mar
Dolce. Missioni e paesaggi di Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice
L.F. Cogliati, 1902. pp. 170-236.
FERRUGGIA, Gemma. “Madonna
Fantasia”. In: Nostra Signora del Mar
Dolce. Missioni e paesaggi di Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice
L.F. Cogliati, 1902. pp. 170-236.
VI
MADONNA FANTASIA
VI
NOSSA SENHORA DA
FANTASIA
“Fantasia, madre delle favole ridenti, dei genii e delle fate; incantatrice
dalle menzogne brillanti, tu ti libri
con piede leggero sulle vecchie torri, e ti smarrisci al chiaro di luna col
tuo corteggio di illusioni nei dominii immensi dell’ignoto.”
“Fantasia, mãe dos contos que fazem
rir, dos gênios e das fadas; feiticeira
das mentiras brilhantes, você se equilibra com os pés leves sobre as velhas
torres, e desaparece ao luar com seu
cortejo de ilusões nos domínios imensos do desconhecido”.
Queste parole di Charles Nodier,
nell’adorabile “Fée aux miettes”,
vanno perfettamente per le fantasie
delicate dei nostri nebbiosi e freddi
paesi d’Europa. Ma laggiù! La fan-
Estas palavras de Charles Nodier, no
adorável La Fée aux miettes, combinam perfeitamente com as fantasias
delicadas dos nossos nevoentos e
frios países da Europa. Mas lá em-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
267
Tradução de Karine Simoni
tasia é, in quell’ardore torrido, uno
scatenarsi furioso, piuttosto che sentimentale. Tutto arde, tutto abbrucia, tutto termina in un divampante
incendio di passionalità materiale:
per questo, feste religiose, sacre cerimonie, funzioni di pietà, hanno tal
carattere profano, e sono così allacciate a invenzioni di morbosa umanità, che io ho voluto fonderne la
descrizione con le leggende.
baixo! A fantasia é, naquele ardor
tórrido, um desencadear-se furioso,
ao invés de sentimental. Tudo arde,
tudo queima, tudo acaba em um explosivo incêndio de passionalidade
material. Por isso, festas religiosas,
cerimônias sagradas, ritos de piedade, têm caráter profano, e estão tão
ligadas a invenções de exagerada
humanidade, que eu quis fundir sua
descrição com as lendas.
Madonna Fantasia si sbizzarrisce
sovrana; vera signora di ogni manifestazione, magnifico fiore di intelletti primitivi; fiore dallo snervante
profumo.
Nossa Senhora da Fantasia se satisfaz soberana; verdadeira senhora de
todas as manifestações, magnífica
flor dos intelectos primitivos; flor
de enervante perfume.
Le feste popolari sono tra le cose
più caratteristiche del paese: soprattutto quelle dell’interno dove la civilizzazione non ha ancora tolto loro
il carattere semi–pagano, e le tradizioni indigene si infiltrano attraverso quelle importate. La tradizione
cristiana, lasciata dalle antiche Missioni, raramente avvivata dalla presenza di un sacerdote, si confonde
coi resti delle credenze di razza, e
le litanie sono appena la prefazione
del cachiry e del dabucury... feste
di carattere indiano che celebrano
specialmente gli atti della generazione, e che hanno una parentela
con i saturnali e le feste bacchiche.
As festas populares estão entre os
elementos mais característicos do
lugar, principalmente aquelas do interior, onde a civilização ainda não
lhes tirou o caráter semipagão, e as
tradições indígenas se infiltram através das importadas. A tradição cristã, deixada pelas antigas Missões,
raramente animada pela presença
de um padre, se confunde com os
resquícios das crenças raciais, e as
ladainhas são o prefácio do caxiri e
do dabucuri, festas de caráter indígena que celebram especialmente os
atos da criação, e que têm alguma
parentalidade com as saturnais e as
festas báquicas. As danças religio-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
268
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Le danze religiose e compassate degli indiani sono sostituite dal lundù,
dal caruatà, quando non dalla polka
o dalla quadriglia, comandata in un
francese come questo: “Salé as damas!” (Saluez les dames).
sas e compassadas dos índios são
substituídas pelo lundú, o caruatá,
quando não pela polca ou pela quadrilha, comandada em um francês
como este: “Salé as damas!” (Saluez les dames).
Tutto è pronto: la cera, i fuochi artificiali, le bevande, la baracca per
la danza. I vicini abandonano il sitio
(casa di campagna), e insieme tutta
la famiglia, partecipano alla festa. Il
villaggio, di solito deserto, si anima
di un’ardente festa, rapida e fittizia.
Está tudo pronto: as velas, os fogos de
artifício, as bebidas, a barraca da dança. Os vizinhos deixam o sítio (casa
de campo) e, com toda a família, juntam-se à festa. O vilarejo, geralmente
deserto, ganha vida com uma ardente
festa, movimentada e fictícia.
All’alba il juiz, la juiza, i mordomos
(il giudice, la giudichessa, i maggiordomi), con bandiere e tamburi
percorrono il villaggio, mentre tre
o quattro persone vanno nel bosco
vicino a scegliere un alto e sottile
albero, per piantarlo davanti alla
chiesa, adornarlo di fiori e di frutta,
e pennacchiarlo di una bandiera fatta di un qualunque pezzo di stoffa.
De madrugada, o juíz, a juíza, os
mordomos, com bandeiras e tambores percorrem o vilarejo, enquanto
três ou quatro pessoas vão à mata
próxima escolher uma árvore alta
e fina, para plantá-la na frente da
igreja, enfeitá-la de flores e frutas e
embelezá-la com uma bandeira feita
de um pedaço de tecido qualquer.
L’albero viene innalzato in presenza
dei festeiros e del popolo, salutato
da una fuga di pazzi che scoppiettano allegramente. È il segnale che dà
principio alla festa: quello della fine
sarà fatto all’abbattimento dell’albero e dalla consumazione dei saporosi frutti che lo adornano.
A árvore é levantada na presença
dos festeiros e do povo, saudada por
uma fileira de loucos que crepitam
alegremente. É o sinal que dá início
à festa, o do fim será a derrubada da
árvore e a consumação dos saborosos frutos que a enfeitam.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
269
Tradução de Karine Simoni
Vien tolta dalla chiesa l’immagine del Santo la cui ricorre la festa:
l’immagine è adorna di nastri come
la canoa nella quale si pone la venerata effigie: di più, la canoa è curiosamente inghirlandata di buccie
d’arancia, in forma di scodelle: profumate e primitive scodelle, pronte
per la illuminazione della sera. Altre
bucci d’arancia, egualmente ripiene
di olio di tartaruga, sono pronte per
essere collocate lungo pali infissi sul
piazzale e lungo la strada che, dalla
chiesa, conduce al porto. La spesa
per questa illuminazione è fatta dalla
juiza: quella che riguarda la cera per
la chiesa, è divisa tra il juiz e la juiza.
Retira-se da igreja a imagem do Santo, a qual percorre a festa. A imagem
é adornada com fitas como na canoa
em que é colocada a venerada efígie;
além disso, a canoa está curiosamente
enfeitada de guirlandas feitas de cascas
de laranja em forma de tigelas, perfumadas e primitivas tigelas prontas
para iluminar a noite. Outras cascas
de laranja, igualmente recheadas com
óleo de tartaruga, são preparadas para
serem colocadas ao longo de estacas
fixadas na praça e ao longo da estrada
que vai da igreja ao porto. A compra
dessa iluminação é feita pela juíza; a
que diz respeito às velas para a igreja
é dividida entre o juíz e a juíza.
Calata la notte, si accendono i lumicini, si lanciano nuovi razzi: e
la canoa del santo, rimasta sino
allora nascosta, sembra sorgere
da un lontano punto del fiume,
avvicinandosi con teatrale lentezza al porto. Nella canoa stanno i
festeiros dell’anno precedente, e i
musicisti (un tamburo una viola e
una chitarra). Mentre si svolgono
suoni bizzarri più che armoniosi, e
si elevano canti strani più che belli,
dalla imbarcazione si lasciano cadere nell’ acqua i famosi lumicini
– fiamme azzurre in conche dorate
– che segnano una lunga via stellata
di graziosissimo effetto.
Ao cair da noite são acendidos os
pequenos lumes, são lançados novos
rojões, e a canoa do santo, até então escondida, parece emergir de um
distante ponto do rio, aproximandose do porto com uma teatral lentidão.
Na canoa estão os festeiros do ano
anterior e os músicos (um tambor,
uma viola de arco e um violão). Enquanto são tocados sons mais bizarros do que harmoniosos, e se elevam
canções mais estranhas do que belas,
da embarcação são deixados cair na
água os famosos pequenos lumes –
chamas azuis em conchas douradas
– que marcam um longo caminho estrelado de efeito muito gracioso.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
270
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
L’ultimo razzo è scoppiato: e le
campane (quando ci sono) suonano
a distesa. La canoa abborda. Gli
antichi consegnano ai nuovi juizes
la sacra immagine, che viene processionalmente portata nella chiesa, illuminata con sfarzo. Il Santo
è ricollocato al suo posto: il juiz,
la juiza, i mordomos, e il popolo
si inginocchiano, e cantano le litanie: quindi disposti i lunghi nastri,
in modo da esser facili ai baci dei
devoti, i festeiros vanno alla casa
della festa, a inaugurare le danze.
O último rojão explode, e os sinos
(quando houver) tocam sem parar. A
canoa chega à margem. Os antigos
entregam aos novos juízes a sagrada
imagem, que é carregada em procissão para dentro da igreja, iluminada
com pompa. O Santo é recolocado
em seu lugar: o juíz, a juíza, os mordomos e o povo se ajoelham e cantam
as ladainhas; então as longas fitas são
dispostas de modo que os devotos
possam beijá-las com facilidade, e
os festeiros vão para a casa da festa,
para inaugurar as danças.
Oh, come la cachaça le anima!
Ah, como a cachaça os anima!
Si balla con frenesia, senza interruzione: fino a quando la stanchezza e le ore calde impongono una
sosta... cioè una riduzione della
danza. Nuovi ballerini succedono
ai primi: il sambà (specie di lungo
tamburo) sostituisce l’orchestra...
La sera tutti si recano alla chiesa
per cantare di nuovo le litanie. Poi
la festa riprende entusiasmo sino a
che il juiz offre il pranzo agli accorsi. L’ invito è, naturalmente, esteso
a quanti partecipano alla festa.
Dançam com frenesi, sem interrupção, até que o cansaço e as horas
de calor exijam uma parada, isto
é, uma redução da dança. Novos
bailarinos sucedem aos primeiros:
o samba (espécie de longo tambor)
substitui a orquestra. À noite, todos
se dirigem à igreja para novamente
cantar as ladainhas. Depois a festa
retoma o entusiasmo até que o juíz
ofereça almoço aos presentes. O
convite é, claro, extensivo a quem
participa da festa.
Gli uomini siedono a tavola: le donne si accomodano sulle stuoie, in
cucina: si distribuiscono cibi e bevande con generosità senza pari... E
Os homens sentam-se à mesa; as
mulheres acomodam-se nos tapetes,
na cozinha. São distribuídas comida e bebida com uma generosidade
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
271
Tradução de Karine Simoni
la cachaça scorre. Finito il pranzo,
alla presenza delle autorità, si sorteggiano i festeiros dell’anno prossimo. E finalmente si abbatte l’albero: la festa è terminata.
ímpar... E a cachaça corre. Depois
do almoço, na presença das autoridades, são sorteados os festeiros do
próximo ano. E, finalmente, a árvore é derrubada: a festa acabou.
C’è della gente che lavora tutto l’
anno per far fronte alle spese necessarie a sostenere l’onore di esser juiz o juiza e, spesso, questo
lavoro non basta: si ricorre allora
agli espedienti: si domandano aiuti; si fanno dei debiti… che nessuno
pagherà mai; si ricorre a dei mezzi
illeciti... E, aimè, con indifferenza,
quando non si tratta di vero superstizioso fervore. “Tanto – si pensa e si
crede – è per il Santo: e se il Santo
avrà una bella festa, perdonerà e…
aiuterà: prima... e dopo”.
Algumas pessoas trabalham o ano
todo para fazer frente às despesas
necessárias ao sustento da honra de
ser juíz ou juíza e, muitas vezes,
esse trabalho não é suficiente, então
recorrem aos extras: pedem ajuda;
contraem dívidas que jamais pagarão; recorrem a meios ilícitos... E,
ai, com indiferença, quando não se
trata de verdadeiro fervor supersticioso. “Isso – pensam e acreditam
– é para o Santo: e se o Santo tiver
uma boa festa, vai perdoar e ajudar,
antes e depois”.
La parte religiosa della festa ha carattere di ardente entusiasmo e di
convinzione incrollabile. Giuseppe
Abate, un altro lombardo da noi conosciuto laggiù – che ha tempra di
fine osservatore, e che ha assistito a
parecchie di queste feste nell’ interno del paese – ci scriveva:
A parte religiosa da festa tem um
caráter de ardente entusiasmo e de
convicção inabalável. Giuseppe
Abate, outro lombardo que lá conhecemos – que tem temperamento
de bom observador e já participou
de vários dessas festas no interior
do país – escreveu-nos:
“…quando vi è ballo, le preghiere
sono più numerose: ed è bello, anche per uno che non crede a nulla,
assistere a tali preghiera. Nell’osservare come quella gente frivola
“...quando há dança, as orações são
mais numerosas, e é bonito, mesmo
para quem não acredita em nada,
assistir a essas orações. Ao observar como aquelas pessoas frívolas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
272
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
canta con pietà e fede (gli uomini
fanno la proposta e le donne rispondono) più di una volta mi son sentito
commosso.”
cantam com piedade e fé (os homens fazem a proposta e as mulheres respondem) mais de uma vez me
senti comovido”.
I neri sono specialmente religiosi: o, per meglio dire, superstiziosi. Per i neri, come per gli
indiani il concetto religioso – che
non è ben chiaro – si risolve spesso in invocazione esclusiva di beni
materiali: quando non ottengono la
grazia, insultano, bastonano il Santo, e a Sant Antonio – pure veneratissimo – capita spesso di essere
cacciato sott’acqua! Caso che, del
resto, avviene anche in alcuni paesi
dell’Italia meridionale quando si è
invano portata intorno la pesantissima statua del Santo... Nei negri
la credenza in una vita migliore,
prima del 1889, era un bisogno anche più forte di oggi: la schiavitù
aveva loro tolto tutto.
Os negros são especialmente religiosos, ou, melhor dizendo, supersticiosos. Para os negros, como também
para os indíos, o conceito religioso,
que não é muito claro, muitas vezes
se resolve na invocação exclusiva de
bens materiais: quando não obtêm a
graça, insultam, espancam o Santo,
e a Santo Antônio, também muito
venerado, acontece muito de ser lançado para debaixo d’água! Um fato
que, aliás, acontece também em alguns lugares do sul da Itália quando a pesadíssima estátua do Santo
era carregada em vão. Nos negros,
a crença em uma vida melhor, antes
de 1889, era uma necessidade ainda
mais forte do que hoje: a escravidão
lhes havia tirado tudo.
Malgrado l’assoluta libertà, essi conservano ora la superstizione: le negre
ne fanno anzi commercio, predicandola e adattandola nelle cure di amore, e... delle altre malattie.
Apesar de sua absoluta liberdade, os
negros ainda mantêm a superstição: as
negras na verdade a comercializam,
pregando-a e adaptando-a aos tratamentos de amor, e das outras doenças.
Le divinatrici e le medichesse sono
tutte negre: e sostituiscono largamente le zingare nei paesi in cui
queste non esistono o scarseggiano.
As adivinhas e as médicas1 são todas
negras e substituem em grande parte
as ciganas em países onde estas não
existem ou são raras.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
273
Tradução de Karine Simoni
Predilezione dei negri sono San
Benedetto e la Vergine del Rosario
che invocano con preghiere... non
sempre certo modello di rispetto.
As preferências dos negros são São
Bento e a Virgem do Rosário, que
invocam com orações... nem sempre como um modelo de respeito.
A San Benedetto è dedicato una
specie di auto: una vera e propria
azione chiamata Tayéras, che vien
rappresentata dalle mulatte. Vestite
di bianco, e tutte in fronzoli, vanno
in processione, cantando e ballando
con un “colore” affatto originale. I
versi, dai quali si riconosce l’azione
burlesca di razza negra, dicono così:
A São Bento é dedicada uma espécie
de auto, uma verdadeira ação chamada Tayéras, que é representada pelas
mulatas. Vestidas de branco, e todas
com babados, seguem em procissão,
cantando e dançando com uma “cor”
totalmente original. Os versos, a partir
dos quais se reconhece a ação burlesca
da raça negra, dizem o seguinte2:
Il mio San Benedetto,
È il santo dei neri:
Beve il sugo di canna
E russa nel suo petto.
Meu Sam Benedicto,
È santo de Preto:
Elle bebe garapa
Elle ronca no peito.
Il mio San Benedetto,
Non porta corona (tonsura):
Ha un lino
Venuto da Lisbona.
Meu Sam Benedicto,
Não tem mais corôa:
Tem uma toalha
Vinda de Lisbôa.
Mio San Benedetto,
Vengo a chiedervi
Per amor di Dio
Di suonar il cucumby.
Meu Sam Benedicto;
Venho lhe pedir
Pelo amor de Deus
P’ra tocar cucumby.3
Mio San Benedetto,
Sei venuto di là dal mare;
Sei arrivato di domenica,
Che miracolo hai fatto!
La musica é prettamente brasiliana.
Meu Sam Benedicto,
Foi do mar che vieste,
Domingo chegaste,
Que milagre fizeste!
A música é puramente brasileira.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
274
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Su San Benedetto, e sulla strana
predicazione di quei paesi, si racconta questo aneddoto. Un giorno
fu invitato un celebre predicatore a far l’elogio del Santo. Con
grande contento dei buoni fedeli,
il predicatore accettò. Ecco l’esordio della predica:
Sobre São Bento, e sobre a estranha
pregação naqueles lugares, é contada essa anedota. Um dia, um famoso pregador foi convidado a louvar
o Santo. Com grande satisfação dos
bons fiéis, o pregador aceitou. Aqui
está a abertura do sermão:
– San Benedetto era un negro, una – São Benedito era um negro, um
carogna, un ladro....
desprezível, um ladrão...
Per poco non venne di sotto la Por pouco a igreja não veio abaixo.
chiesa.
– Sì, o fratelli – continuò 1’oratore imperterrito – San Benedetto era
nero... ma solo di pelle: e mai si vide
anima più candida della sua. Era una
carogna... ma si ubbriacò solo di
amor divino. Era un ladro... poichè
ha rapito tutti i nostri cuori...
– Sim, irmãos, continuou o destemido orador. São Bento era negro...
mas só na pele, e nunca se viu uma
alma mais cândida que a dele. Ele
era desprezível... mas se embriagou
apenas com o amor divino. Ele era
um ladrão... pois roubou todos os
nossos corações...
Ai negri è rimasto il congo, altro Aos negros restou o congo, outro
auto curioso, nel quale si rivolgono auto curioso, com o qual se dirigem
alla Vergine del Rosario con questa à Virgem do Rosário nesta oração4:
preghiera:
Vergine del Rosario,
Signora del mondo,
Dammi un cocco d’acqua,
Se no vado al fondo.
Indêrere, rê, rê, rê.
Ah! Gesù di Nazaret !...
Virgem do Rosario,
Senhora do mundo,
Dá-mé un côco d’agua,
Se não vou ao fundo.
Indêré, rê, rê, rê,
Ai Jesus de Nazareth!...
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
275
Tradução de Karine Simoni
Vergine del Rosario,
Signora del nord,
Dammi un cocco d’acqua,
Se no vo nell’orcio.
Virgem do Rosario,
Senhora do norte,
Dá-mé un côco d’agua,
Se não vou ao pote.
Indêreré, rê, rê, rê.
Ah! Gesù di Nazaret !...
Indêré, rê, rê, rê,
Ai Jesus de Nazareth!...
Vergine del Rosario,
Sovrana Maria,
Oggi è il giorno
Della nostra festa.
Virgem do Rosario,
Soberana Maria,
Hoje este dia
è de nossa alegria.
Indêreré, rê, rê, rê, ecc.
Indêré, rê, rê, rê, ecc.
Le feste dei negri sono assai ruinorose; anch’essi eleggono un Re,
una Regina e i festaioli. Il giorno
di San Benedetto o della Virgem
del Rosario, i festaioli si riuniscono nella casa del Re: queso ne esce
con una corona argentata in capo,
seguito dalla musica e da una quantità di negri... coll’ombrello aperto. È preceduto da un’ altra ventina
di negri, vestiti all’usanza del Congo (con dei pennacchi in testa) che
suonano il tamburello basco o altri
istrumenti primitivi. Cantando e
ballando, vanno alla casa della Regina, dove trovano le festaiole che
escono subito accettando il braccio
e l’ombrello dei colleghi.
As festas dos negros são muito impetuosas; eles também elegem um
Rei, uma Rainha e os festeiros. No
dia de São Bento ou da Virgem do
Rosário, os festeiros se reúnem na
casa do Rei. Este sai com uma coroa de prata na cabeça, seguido pela
música e por uma quantidade de
negros com um guarda-chuva aberto. É precedido por cerca de outros
vinte negros, vestidos segundo o
costume do Congo (com plumas na
cabeça), que tocam pandeiro ou outros instrumentos primitivos. Cantando e dançando, vão até a casa da
Rainha, onde encontram as festeiras
que saem imediatamente aceitando o
braço e o guarda-chuva dos colegas.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
276
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Il corteggio si dirige alla chiesa,
mentre si lanciano razzi e si dà fuoco alle bombe. In chiesa, i reali assistono alla cerimonia religiosa su
seggiole speciali, ornate di velluti,
nastri e fiori. Poi, tutti a casa del
Re o della Regina a... far scorpacciate: la parola è brutta: ma anche
il fatto non è bello a vedersi. Alla
sera, processione durante la quale
si svolge un’azione: la Regina della festa è attorniata da una guardia
d’onore che la difende dagli assalti
di alcuni audaci i quali vogliono impadronirsi della corona: conquistar
la corona è aver diritto a un premio;
perderla, è una vergogna per la Regina. I componenti la guardia d’onore, cantano:
O cortejo segue para a igreja, enquanto rojões são lançados e explosivos são acesos. Na igreja, a realeza assiste a cerimônia religiosa em
cadeiras especiais, adornadas com
veludos, fitas e flores. Depois, todos
vão para a casa do Rei ou da Rainha
para... a comilança. A palavra é
feia, mas o fato também não é bonito
de se ver5. À noite, procissão durante a qual se desenrola uma ação: a
Rainha da festa é cercada por uma
guarda de honra que a defende dos
assaltos de alguns ousadosque querem se apoderar da coroa. Conquistar a coroa significa ter direito a um
prêmio; perdê-la é vergonhoso para
a rainha. Os membros da guarda de
honra cantam:
Fogo de terra
Fogo de mar
Que a nossa rainha
Nos ha de ajudar, ecc..
Fogo de terra
Fogo de mar
Que a nossa rainha
Nos há de ajudar, etc
Alla notte, ballo. Prima, alle otto À noite, dança. Tempos atrás, às oito
era tutto finito; e la sferza del pa- horas, tudo acabava, e o chicote do
drone ricominciava a sibilare!
patrão começava novamente a sibilar!
Per fortuna, il negro non ha più
contro di sè che alcuni pregiudizii,
per i quali vive un po’ in disparte:
ma siamo ben lontani dai tempi in
cui il Papa era costretto a pubblicare una bolla apposita per dichia-
Felizmente, o negro não tem nada
mais contra ele a não ser alguns
preconceitos, pelos quais vive um
pouco à margem, mas estamos longe dos tempos em que o Papa foi
obrigado a publicar uma bula es-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
277
Tradução de Karine Simoni
rare valido, e non peccaminoso, il
matrimonio di un bianco con una
negra, e viceversa. II negro si confonde malvolontieri con la razza
bianca: ed é a questa... riservatezza che si deve la quasi perfetta
conservazione del puro tipo africano, attraverso tante generazioni
succedutesi in schiavitù americana.
La mulatta, frutto del droit du seigneur, è venuta a farsi ammirare
ed amare, producendo quel miscuglio di sangue che doveva dar origine a una nuova razza.
pecial para declarar válido, e não
pecaminoso, o casamento de um
branco com uma negra, e vice-versa. O negro se confunde de má vontade com a raça branca, e é a esta...
privacidade que devemos a quase
perfeita preservação do tipo africano puro, através de muitas gerações
que se sucederam em escravidão
americana. A mulata, fruto do droit
du seigneur, passou a ser admirada
e amada, produzindo aquela mistura
de sangue que daria origem a uma
nova raça.
Il caboclo, il mulatto, il meticcio,
conquistano oggi agevolmente i posti
pubblici più elevati, l’educazione li
ha affinati: e l’istruzione li ha intellettualmente redenti, come l’ indipendenza li aveva redenti materialmente.
O caboclo, o mulato, o mestiço, hoje
conquistam facilmente os cargos públicos mais elevados; a educação os
refinou, e a instrução os redimiu intelectualmente, como a independência os havia redimido materialmente.
Gli indiani, anche se divenuti cristiani, conservano le loro tradizioni,
e si ignora a quale delle grandi famiglie dell’umanità si riconnettano,
perché diversificano da regione a
regione, spesso da tribù a tribù: tanto è vero che rimane ancora incerto
quale emigrazione abbia popolata
questa parte del Brasile. In alcune
regioni dell’alto Amazonas, qualcuno ha creduto di ritrovare traccie di
Peruviani, in un culto del sole, assai
incompleto e primitivo.
Os indígenas, mesmo que cristianizados, mantêm suas tradições, e não
se sabe a qual das grandes famílias
da humanidade se reconectam, porque diferem de região para região,
e muitas vezes de tribo para tribo,
tanto que ainda é incerto qual emigração tenha povoado esta parte do
Brasil. Em algumas regiões do alto
Amazonas, alguns acreditaram ter
encontrado vestígios de Peruanos,
em um culto ao sol muito incompleto e primitivo.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
278
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
La stessa leggenda del Jurupary,
mette in imbarazzo gli studiosi, essendo essa composta di elementi assai diversi, e potendo essersi formata
in un lungo spazio di tempo; forse
anche con reminiscence europee.
Taluno vede in questa leggenda un
accenno alle Amazzoni: Sant’Anna
Nery crede sia il nome del guerriero che le vinse. Certo, malgrado la
credenza di osservatori superficiali,
Jurupary non è il demonio indiano:
piuttosto il daimonion greco. In generale ora, in alcune tribù del Rio
Negro, il suo nome indica il genio, lo
spettro “l’anima dell’altro mondo”.
Il conte Stradelli – sui documenti
di Massimiano José Roberto – ha
raccolto alcuni episodii della leggenda del Jurupary che vi appare
come un essere soprannaturale, un
filosofo sentimentale, un legislatore primitivo; quasi l’organizzatore
della società indiana, diguazzante
nella più completa anarchia.
A própria lenda do Jurupari confunde os estudiosos, pois é composta
de elementos muito diferentes que
podem ter se formado em um longo período de tempo, talvez até com
reminiscências europeias. Alguns
veem nesta lenda uma referência às
Amazonas. Sant’Anna Nery6 acredita que Jurupari seja o nome do
guerreiro que as conquistou. Claro,
apesar da crença de observadores superficiais, Jurupari não é o demônio
indígena, ao contrário, é o daimonion
grego. Em geral, agora, em algumas
tribos do Rio Negro, seu nome indica o gênio, o fantasma, “a alma do
outro mundo”. O conde Stradelli7,
nos documentos de Massimiano José
Roberto8, recolheu alguns episódios
da lenda do Jurupari que ali aparece como um ser sobrenatural, um
filósofo sentimental, um legislador
primitivo; quase o organizador da
sociedade indígena, chafurdada na
mais completa anarquia.
Jurupary ha un’ origine divina. È
figlio della Seucy terrena, che è
il ritratto della Seucy celeste, una
stella della costellazione delle pleiadi. Seucy é nata dal misterioso
connubio con un giovane dio, fintosi vecchio per sedurre la celeste
bellezza che, con le compagne era
scesa sulle rive del lago Muypa.
Jurupari tem origem divina. Ele é o
filho da Ceuci terrena, que é o retrato da Ceuci celeste, uma estrela
da constelação das Plêiades. Ceuci
nasceu da misteriosa união com um
jovem deus, que se fingiu de velho
para seduzir a celestial beldade que,
com suas companheiras, havia descido às margens do Lago Muypa.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
279
Tradução de Karine Simoni
Quando Seucy e il vecchio, nell’amplesso amoroso, scomparvero sotto
le acque, queste si copersero di polvere bianca... Era il travestimento
che se ne andava!
Quando Ceuci e o velho, em uma
relação amorosa, desapareceram
sob as águas, estas ficaram cobertas
por uma poeira branca. Era o disfarce que ia embora!
La figlia di Seucy, destinata a rimanere sulla terra, è dalla leggenda
collocata sulle rive del Muypa in
una tribù di donne che si governano
da sè (Amazzoni?) non tollerando
che dei vecchi pajés (sacerdoti) interamente devoti e sottomessi. Seucy, bella di una bellezza celeste, era
tenuta in considerazione grandissima: un giorno, vagando per la foresta, sedotta dalla vista appetitosa
delle frutta di pitycan, ne mangiò...
dimenticando la proibizione fatta
alle ragazze di cogliere e mangiare
tale frutta. Alla decima luna nacque
un bambino di bellezza meravigliosa al quale fu imposto il nome di
Jurupary (generato dalle frutta).
Segundo a lenda, a filha de Ceuci,
destinada a permanecer na terra, foi
colocada às margens do Muypa em
uma tribo de mulheres que se autogovernavam (Amazonas?), não
tolerando homem algum a não ser
velhos pajés (sacerdotes) inteiramente devotados e submissos. Ceuci, bela de uma beleza celestial, era
tida em grande consideração. Um
dia, vagando pela floresta, seduzida pela visão apetitosa das frutas da
pitycan9, ela as comeu, esquecendo
a proibição feita às meninas de colher e comer tal fruta. Na décima
lua nasceu um filho de uma beleza
maravilhosa que recebeu o nome de
Jurupari (gerado a partir da fruta).
Inutile diffondersi sui particolari della
leggenda che assomiglia nei suoi principii a quelle di altri popoli ripetendo
la conquista del mondo per opera di
um nuovo dio, di un profeta, di una
nuova religione. Interessante è invece
conoscere alcune tra le leggi di Jurupary, che vigono ancora in molte tribù, specie in quelle dove non è stata
ascolta l’idea cristiana e costituiscono
É inútil considerar os detalhes de
uma lenda que em seus princípios
se assemelha às de outros povos,
repetindo a conquista do mundo por
obra de um novo deus, um profeta,
uma nova religião. Pelo contrário,
interessante é conhecer algumas das
leis de Jurupari, que ainda valem em
muitas tribos, principalmente naquelas onde a ideia cristã não foi ouvida e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
280
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
una religione: religione che qualche que constituem uma religião, religião
missionario battezzò paurosamente que algum missionário batizou assus“religione del diavolo”.
tadoramente de “a religião do diabo”.
Ecco alcune leggi di Jurupary:
Aqui estão algumas leis de Jurupari:
“È proibito al tuxaua (capo) di una
tribù, che sia ammogliato con una
donna sterile, di continuare a vivere
con lei senza prendere una o più mogli, secondo il caso, sino a che non
abbia successori. Colui che non vorrà conformarvisi sarà sostituito dal
più forte tra i guerrieri della tribù.
“É proibido ao tuxaua (chefe) de
uma tribo, casado com uma mulher
estéril, continuar a viver com ela
sem ter uma ou mais esposas, conforme o caso, até que tenha sucessores. Quem não quiser se conformar
com isso será substituído pelo mais
forte guerreiro da tribo.
Nessuno cerchi sedurre la moglie Ninguém deve tentar seduzir a mualtrui sotto pena di morte, che col- lher de outrem sob pena de morte,
pirà tanto l’ uomo che la donna. que afetará tanto o homem como a
mulher.
Nessuna ragazza, giunta alla pubertà, conservi interi i suoi capelli, sotto pena di non maritarsi
prima dei suoi capelli bianchi.
Nenhuma menina, ao chegar à puberdade, deve manter os seus cabelos compridos, sob pena de não
se casar antes de aparecerem seus
cabelos brancos.
Quando la donna avrà figli, il marito digiuni per lo spazio di una
luna, acciocché il figlio possa acquistare le forze che il padre perderà. Nel tempo di questo digiuno
l’uomo non dovrà mangiare che
sauba, gamberi, beju e peperoni.”
Quando a mulher tiver filhos, o marido deve jejuar pelo espaço de uma
lua, para que o filho possa adquirir
a força que o pai irá perder. Durante o tempo de jejum, o homem deve
comer apenas saúva, camarão, beiju
e pimentão.”
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
281
Tradução de Karine Simoni
Singolari raccomandazioni! Leggi Recomendações únicas! Leis especiais para as mulheres:
speciali per le donne:
“Una donna, per esser buona, non
deve maritarsi che con un solo
uomo, e vivere con lui fino alla
morte, ed essergli fedele, e non tradirlo per nessuna ragione: non deve
desiderare di conoscere i segreti degli uomini; nè ciò che accade in casa
d’altri: non deve desiderare nè esperimentare ciò che le paia appetitoso;
deve digiunare una intera luna, sino a
che Jurupary non le abbia preparato i
cibi che le sono destinati: non cedere
alle ombre che nacquero da Ualry,
e che sempre vanno protette dalla
notte.” (Ualry fu il discepolo infedele che, primo, rivelò alle donne le
leggi di Jurupary e di questi si lamentò. Fù punito esemplarmente).
“Uma mulher, para ser boa, deve
casar-se apenas com um só homem e
viver com ele até a morte, e ser-lhe
fiel, e não traí-lo por motivo algum.
Ela não deve desejar conhecer os segredos dos homens; nem o que acontece na casa dos outros. Ela não deve
desejar nem experimentar o que lhe
parece apetitoso; deve jejuar uma lua
inteira, até que Jurupari tenha preparado os alimentos que são a ela destinados. Não deve se entregar às sombras que nasceram de Ualry e que
sempre devem ser protegidas pela
noite.” (Ualry foi o discípulo infiel
que primeiro revelou às mulheres as
leis de Jurupari e destas se queixou.
Foi punido exemplarmente).
Norme che, in gran parte, dovrebbe- Normas que, em grande parte, devero esser seguite dalle donne di ogni riam ser seguidas pelas mulheres de
todos os países, diga-se sem maldade.
paese: sia detto senza cattiveria.
Jurupary aveva la missione di divulgare le sue leggi e disciplinare
la società. In una delle leggende del
suo ciclo, Jurupary confida al fedele Caryda il segreto suo:
Jurupari tinha a missão de divulgar
as suas leis e regulamentar a sociedade. Em uma das lendas de seu ciclo, Jurupari confia ao fiel Carida o
seu segredo:
“Il Sole, da che nacque la Terra, “O Sol, desde que nasceu a Tercercò una donna perfetta, per chia- ra, procurou uma mulher perfeita,
marla vicino a sè; ma siccome sino para chamá-la para junto de si; mas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
282
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
ad oggi non l’ha incontrata, mi affidò una parte del suo potere per
vedere se in questo mondo potrà
esservi donna perfetta.”
como até hoje ele não a conheceu,
me confiou parte de seu poder para
ver se neste mundo possa existir
uma mulher perfeita.”
La perfezione, desiderata dal Sole, é: A perfeição desejada pelo Sol é:
“Che sia paziente (la donna), che “Que seja paciente (a mulher), que
sappia serbare un segreto, e che saiba guardar segredo e não seja
non sia curiosa.
curiosa.
Nessuna delle donne che oggi esistono sulla terra riunisce queste
qualità: se uma è paziente, non sa
serbare un segreto; se sa conservare un segreto, non è paziente; e
tutte sono curiose: vogliono sapere
tutto, e tutto sperimentare.
Nenhuma das mulheres que existem
hoje na terra reúne essas qualidades; se uma for paciente, não sabe
guardar segredo; se sabe guardar
segredo, não é paciente; e todas são
curiosas, querem saber tudo e tudo
experimentar.
E sino ad ora non é apparsa la don- E até agora não apareceu a mulher
na che il Sole desidera di possedere. que o Sol deseja possuir.
Se un giorno il Sole, tu ed io ci
incontreremo nel medesimo luogo
(l’uno volse ad oriente e 1’altro seguì il cammino del sole) vorrà dire
che sarà apparsa sulla terra la prima
donna perfetta.”
Se um dia o Sol, você e eu nos encontrarmos no mesmo lugar (um voltado para o leste e o outro seguindo
o caminho do sol), isso significará
que terá aparecido na terra a primeira
mulher perfeita.”
È singolare – e sia detto ancora sen- É singular – e diga-se de novo sem
za cattiveria – come le donne di tutti maldade – como as mulheres de toi tempi si rassomiglino...
dos os tempos se assemelham...
Se Jurupary non trovò la donna per- Se Jurupari não encontrou a mulher
fetta per il Sole, nè trovò una che perfeita para o Sol, também não en-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
283
Tradução de Karine Simoni
andava... per lui: in una delle leggende si racconta infatti, che Jurupary capitò una volta presso una
tribù il cui capo era sempre il più
bello, uomo o donna non importava: e in questo strano regno della
Bellezza, trovò la donna che amò.
Non era la tuxaua, e la portò seco,
lontano, poi che nessun altro doveva avere la donna che era stata sua:
la portò vicino al cielo: la lasciò poi
cadere sulla terra, e la trasformò in
montagna. Scese quindi su di essa,
e così parlò:
controu uma que fosse feita para ele.
De fato, em uma das lendas conta-se
que Jurupari uma vez esteve com
uma tribo cujo líder era sempre o
mais belo, não importava se fosse
homem ou mulher, e neste estranho
reino da Beleza, ele encontrou a mulher que amou. Não era a tuxaua, e
ele a levou consigo, para longe, para
que ninguém mais pudesse ter a mulher que tinha sido sua. Ele a trouxe
para perto do céu, e depois a deixou
cair sobre a terra, e a transformou
em montanha. Então ele desceu sobre ela e assim falou:
“Ecco qui la prima ed unica donna “Aqui está a primeira e única mulher
che mi ebbe, deposta con tutta sicu- que me teve, deposta com toda a serezza lungi dalla vista degli uomini. gurança longe da vista dos homens.
Un giorno, quando tutto sarà consumato, verrò a riprenderla per andare
con lei a vivere, ben vicino alle radici del cielo, dove voglio riposare
delle fatiche della mia missione, lontano dagli occhi di tutti.”
Um dia, quando tudo estiver consumado, virei buscá-la para ir com
ela viver muito perto das raízes do
céu, onde quero descansar das fadigas da minha missão, longe dos
olhos de todos.”
E che il vostro buon spirito ve lo E que o seu bom espírito o permita,
ó sábio Jurupari!
consenta, o saggio Jurupary!
Alcune leggi di questo interessante
e sentimentale filosofo, sono rigorosamente rispettate, non solo nelle tribù dell’interno, ma anche nei
grandi centri. Presso gli indiani, se
Algumas leis deste interessante e sentimental filósofo são estritamente respeitadas, não só nas tribos do interior,
mas também nos grandes centros. Entre os índios, se nascem filhos, o nó
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
284
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
nacquero figli, il nodo è dichiarato
indissolubile, anche se tutto accadde
senza la sacra cerimonia del ratto,
e nulla può disfare il legame: presso
i… non indiani la moglie sterile – pur
convivendo col marito – accoglie nella propria casa, e visita nella sua, la
donna dalla quale il marito ebbe figli:
e questi cura e, forse, ama... come se
fossero suoi. Ciò che è eminentemente
e primitivamente biblico, del resto.
é declarado indissolúvel, mesmo se
tudo aconteça sem a sagrada cerimônia religiosa, e nada pode desfazer o
vínculo. Entre os não indígenas, a esposa estéril – mesmo convivendo com
o marido – acolhe na própria casa, e
visita na sua, a mulher com quem seu
marido teve filhos, e aquela cuida
destes e, talvez, ama como se fossem
seus. Isso é eminente e primitivamente bíblico, de resto.
Da questo culto dei figli, osservato Desse culto aos filhos, observado
con rigidità, nasce l’inconveniente com rigidez, surge o grave inconveniente dos filhos ilegítimos.
grave dei figli illegittimi.
Alla religione di Jurupary (sorpasso di proposito l’esposizione di altre calamità... – esposizione inadatta all’indole dei miei ricordi), alla
“religione del diavolo”, dunque,
secondo 1’ espressione di quel
nostro missionario, appartiene un
oggetto sacro; strana e preziosa
curiosità etnografica: la “maschera di Jurupary”. È una specie di
tunica senza maniche, che, dalla
testa, scende sino a mezza vita,
ed è sormontata da un pennacchio
bianco: ha tre fori: due per gli
occhi, uno per la bocca. È interamente fatta di capelli di donna.
À religião de Jurupari (salto de
propósito a exposição de outras calamidades... – exposição inadequada à índole das minhas memórias),
à “religião do diabo”, portanto,
segundo a expressão daquele nosso missionário, pertence um objeto
sagrado, estranha e preciosa curiosidade etnográfica, a “máscara de
Jurupari”. É uma espécie de túnica
sem mangas que, da cabeça, desce
até a metade da cintura, e por cima
é colocada uma pluma branca. Tem
três orifícios: dois para os olhos,
um para a boca. É feita inteiramente
do cabelo de mulher.
Lo Stradelli dice che sa dell’esisten- Stradelli diz que sabe da existência de
za di una sola di queste maschere apenas uma dessas máscaras sagradas,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
285
Tradução de Karine Simoni
sacre, nascosta in Ipanoré. Le altre
sono formate solo in piccola parte
da capelli femminili: il resto è fatto
con peli di scimmia e di jaguar.
escondida em Ipanoré. As demais são
formadas apenas em pequena parte por
cabelos femininos, o restante é feito
com pelos de macaco e jaguar.
Questa maschera è, naturalmente,
simbolica: rappresenta le spoglie
delle donne delle tribù in cui trovavasi Jurupary, le quali, avendo
trasgredito alle leggi nuove, e
tentato di sedurre gli uomini, per
conoscere i misteri di Jurupary,
furono abbandonate.
Esta máscara é, naturalmente, simbólica: representa os restos mortais
das mulheres das tribos onde se encontrava Jurupari, as quais, tendo
transgredido as novas leis e tentado
seduzir os homens para aprender os
mistérios de Jurupari, foram abandonadas.
Quando, dopo moltissimo tempo,
Jurupary e alcuni dei suoi tornarono, non trovarono alcuno. In ogni
casa vi erano ossa di bambini: e in
quella di Jurupary era una camera
piena di capelli di donna.
Quando, depois de muito tempo, Jurupari e alguns dos seus voltaram,
não encontraram mais ninguém. Em
todas as casas havia ossos de crianças, e naquela de Jurupari havia um
quarto cheio de cabelos de mulher.
Disse Jurupary:
Jurupari disse:
“Questa è la notte delle malvagità
della luna, e, prima che essa appaia, bruciate tutte le ossa che stanno
nelle case e portatemi le ceneri per
berle nel cachiry.
“Esta é a noite da maldade da lua,
e antes que ela apareça, queimem
todos os ossos que estão nas casas
e tragam-me as cinzas para bebê-las
no caxiri.
Io vado a fare le nostre vestimenta
(perché le nostre madri non ci conoscano quando andremo a piangere
vicino a loro) coi capelli che le donne ci hanno lasciati, e porterò i due
strumenti musicali da me fatti: essi
Vou fazer nossas vestes (para que
nossas mães não nos conheçam
quando formos chorar ao lado delas) com os cabelos que as mulheres nos deixaram, e trarei os dois
instrumentos musicais que fiz. Estes
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
286
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
dovranno piangere con noi, e saranno
suonati da me e da Caryda – che ho
prescelto ad accompagnarmi per tutta la terra.
terão que chorar conosco, e serão
tocados por mim e por Carida – que
pré-escolhi para me acompanhar
por toda a terra.
Quando la luna starà commovendo
le donne, venite qui per preparare
le nostre bevande e per salire sulla
vetta della montagna.”
Quando a lua estiver comovendo as
mulheres, venham aqui para preparar nossas bebidas e subir ao topo da
montanha.”
Appena tutto fu pronto, Jurupary Assim que tudo ficou pronto, Juruaggiunse:
pari acrescentou:
“È giunta l’ora di compiere la nostra promessa: beviamo le ceneri dei nostri parenti perchè non si
perdano nel seno della terra, e tu,
Caryda, prendi il tuo strumento.
Vestiamoci tutti di queste vesti fatte di capelli, perché le nostre madri
non ci riconoscano, e andiamo là
dove stanno (erano state convertite
in pietra da una potenza misteriosa mentre spiavano i segreti della
legge di Jurupary) a piangere.” E
così fecero.
“É chegado o momento de cumprir
nossa promessa: bebamos as cinzas
dos nossos parentes para que não se
percam no seio da terra, e você, Carida, pegue seu instrumento. Vamos
todos colocar essas vestes feitas de
cabelo, para que nossas mães não
nos reconheçam, e vamos para onde
elas estão chorando” (tinham sido
transformadas em pedra por um
poder misterioso enquanto espionavam os segredos da lei de Jurupari). E assim eles fizeram.
Nelle tribù non ancora tocche dalla
civilizzazione, e presso quelle in
cui la civiltà nostra non ha distrutto completamente le tradizioni, le
feste– cerimonie del cachiry e del
dabucury hanno lo stesso carattere
di difesa, di conservazione, di trasmissione dei principi insegnati o
Nas tribos ainda não atingidas pela
civilização, e naquelas em que nossa civilização não destruiu completamente as tradições, as festas-cerimônias do caxiri e do dabucuri
têm o mesmo caráter de defesa,
conservação,
transmissão
dos
princípios ensinados ou modificados
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
287
Tradução de Karine Simoni
modificati da Jurupary. Anche la
macabra libazione del cachiry, in
cui vi è polvere di ossa di morto –
libazione che si conserva in alcune
tribù – ha carattere religioso. Nelle
feste di cui parliamo si consacrano
i pajés; e si prendono le più importanti deliberazioni riguardanti la tribù o le varie tribù intervenute, se si
tratta del dabucury.
por Jurupari. Também a macabra
libação do caxiri, em que há pó dos
ossos dos mortos – libação que se
conserva em algumas tribos – tem
caráter religioso. Nas festas de que
falamos, os pajés são consagrados,
e são tomadas as mais importantes
deliberações sobre a tribo ou as várias tribos que intervieram, quando
se tratar do dabucuri.
La maschera con capelli di donna
comparisce, di solito, nei grandi
dabucury: naturalmente, l’oggetto
sacro è interdetto alle donne e, in
modo speciale, agli stranieri.
A máscara com cabelo de mulher
aparece, geralmente, nos grandes
dabucuri: naturalmente, o objeto sagrado é proibido às mulheres e, de
maneira especial, aos estrangeiros.
Quando, nel 1883, il padre Coppi
– commettendo uno dei tanti errori
che hanno fin qui compromessa la
diffusione dei principii del cattolicismo – volle abbattere, d’un colpo, le
vecchie, radicate credenze indigene,
mostrando dal pulpito, e fulminandola con roventi parole, una maschera di
Jurupary, per poco non fu massacrato. Dovette la sua salvezza alla fuga
da Ipanoré e al rifugio in Manaos.
Quando, em 1883, o Padre Coppi,
cometendo um dos muitos erros que
até agora comprometeram a difusão
dos princípios do catolicismo, quis
quebrar, de uma vez, as velhas e
enraizadas crenças indígenas, mostrando do púlpito e ferindo com
ferventes palavras uma máscara de
Jurupari, por pouco não foi massacrado. Foi salvo porque fugiu de
Ipanoré e se refugiou em Manaus.
Gli antichi cronisti sono concordi nell’affermare l’assenza di ogni
concetto religioso nei primi indiani.
Il culto degli astri cominciò soltanto quando una qualunque civilizzazione – per quanto rudimentale – si
Os antigos cronistas concordam em
afirmar a ausência de qualquer conceito religioso nos primeiros indígenas. O culto aos astros começou
somente quando uma civilização
qualquer, por mais rudimentar que
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
288
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
insinuò fra di essi. Vero culto essi
avevano, e conservano – come appare anche dalle famose leggi di
Jurupary – per la maternità. La nozione delle cose essi l’hanno esclusivamente attribuita al fenomeno
della maternità. Il De Mattos, studiando i Tupy–Guarany, riproduce
questo dialogo:
fosse, se infiltrou entre eles. Verdadeiro culto tinham, e conservam,
como também aparece nas famosas
leis de Jurupari, pela maternidade.
Atribuíram a noção das coisas exclusivamente ao fenômeno da maternidade. De Mattos10, estudando
os Tupy-Guarany, reproduz este
diálogo:
– Chi ha fatto i viventi?
– Quem fez os seres vivos?
– La mamma Cì.
– A mãe Ci.
– Chi è la madre dei viventi?
– Quem é a mãe dos seres vivos?
– È il sole, Uaracy (il sole diventa
dunque la madre degli animali: ma
una madre... matrigna, sotto la zona
torrida, per le piante che essa consuma col suo fuoco).
– É o sol, Uaraci (o sol torna-se
assim a mãe dos animais, mas uma
mãe... madrasta, sob a zona tórrida, pelas plantas que consome com
o seu fogo).
– Chi ha dunque generato sulla terra – Quem então criou sobre a terra a
verdura refrescante?
questa verdura rinfrescante?
– È la mamma dei vegetali.
– Foi a mãe dos vegetais.
– Chi è la mamma dei vegetali?
– Quem é a mãe dos vegetais?
– La Luna.
– A Lua.
La Luna che, nelle magnifiche notti
equatoriali, versa rugiada sulle foreste vergini. Così l’astro caro...
a tutte le descrizioni, fu chiamato
A Lua que, nas magníficas noites
equatoriais, derrama orvalho sobre as
matas virgens. Assim, o querido astro,
de acordo com todas as descrições, foi
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
289
Tradução de Karine Simoni
Yacì, mamma dei vegetali.
Infine, gli indiani – meglio di un mito
– vedono in tutti i fenomeni della natura la personificazione tangibile della
maternità, o del dominio assoluto.
chamado de Jaci, mãe dos vegetais.
Por fim, os índios, mais do que um
mito, vêem em todos os fenômenos
da natureza a personificação tangível da maternidade, ou do domínio
absoluto.
Così essi giurano sul Caapora, il re
delle foreste, dalla statura colossale,
il cui incontro è inesauribile fonte
di sventure: gli indiani ne odono
la voce nel vento che sibila tra gli
annosi rami, contorti come serpenti: e, nell’ombra che questi rami
proiettano sul suolo, essi vedono il
Curupira, nano piccolissimo, zoppo
e difforme, moso nel far burlette.
Nei sibili dei serpenti, nascosti nelle
alte erbe, che gli indiani abbrucciano per far posto onde costruire la
maloca a preparare la roça, vedono il mboitata, serpente del fuoco,
guardiano della foresta.
Assim juram por Caipora, o rei das
florestas, de estatura colossal, cujo
encontro é fonte inesgotável de desgraças: os índios ouvem sua voz no
vento que assobia entre os galhos
centenários, retorcidos como cobras, e, na sombra que estes galhos
projetam no chão, vêem o Curupira, um anão pequenininho, manco
e deformado, movido por pregar
peças. No sibilar das cobras, escondidas no capim alto que os índios
queimam para abrir espaço onde
construir a maloca e preparar a
roça, vêem o boitatá, cobra de fogo,
guardiã da floresta.
I laghi sono tutti sotto la protezione Os lagos estão todos sob a proteção
de uma cobra.
di un serpente.
Il serpente rappresenta anzi uno degli elementi principali nelle credenze
degli indiani. E quando l’audace ed
eccentrico viaggiatore italiano conte
Stradelli meravigliò alcune di quelle tribù primitive colla fotografia,
lo battezzarono May [...] “figlio del
gran serpente”, dicendo che faceva
Na verdade, a cobra representa um
dos elementos principais nas crenças
indígenas. E quando o audacioso e
excêntrico viajante italiano Conde
Stradelli surpreendeu algumas tribos
primitivas com a fotografia, foi batizado de May [...]11, “filho da Cobra
Grande”, dizendo que ele fazia nas-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
290
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
nascere gli uomini, battendo le mani.
Nel mormorio delle acque che radono le rive dei fiumi, odono la voce
delle yaras ammaliatrici. Se un grido strano li sveglia nel cuor della
notte è il Maty-Tapèrê che vuol essere soddisfatto nelle sue brame.
cer os homens batendo palmas.
No murmúrio das águas que rasgam
as margens dos rios, ouvem a voz
das iaras encantadoras. Se um grito
estranho os acorda no meio da noite, é o Matim-Taperê que quer satisfazer seus desejos.
Hanno dato il nome a varie costellazioni; in esse, vedono figure e fatti
della vita delle foreste: ma non sempre ad esse attribuiscono influenza
sui destini umani.
Deram seus nomes a várias constelações; nelas, vêem figuras e fatos
da vida das florestas, mas nem sempre atribuem a elas influência sobre
os destinos humanos.
Il serpente è parte principalissima
nell’ apparizione della notte, e nella
creazione del mondo. L’indianologo Conto de Magalhaes ne riassume
così la leggenda:
A serpente é uma parte muito importante no aparecimento da noite e
na criação do mundo. O indianólogo
Couto de Magalhães12 resume assim
a lenda:
“Al principio non c’era la notte, il
giorno durava di continuo; la notte
era addormentata in fondo alle acque.
Non c’erano animali. Tutte le cose
parlavano. Si dice che la figlia del
Gran Serpente fosse maritata ad un
giovanotto. Questo giovanotto aveva
tre servitori fedeli. Un giorno, chiamò
i tre servitori, e disse loro: – Andate
a passeggiare perchè mia moglie non
vuol dormire con me.
“No início não havia noite, o dia
durava o tempo todo, a noite estava adormecida no fundo das águas.
Não havia animais. Todas as coisas falavam. Diz-se que a filha da
Cobra Grande era casada com um
jovem. Este jovem tinha três servos fiéis. Um dia, chamou os três
servos e disse-lhes: – Vão passear
porque a minha mulher não quer
dormir comigo.
I servitori se ne andarono: e allora il Os servos foram embora e o jovem
giovanotto chiamò la moglie perché chamou sua esposa para que fosse
dormir com ele.
dormisse con lui.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
291
Tradução de Karine Simoni
La figlia del Gran Serpente gli dis- A filha da Cobra Grande disse-lhe:
– Mas ainda não é noite!
se: – Se non è ancora notte!
Il giovane rispose: – Non ci son O jovem respondeu: – Não existem
noites: há apenas o dia.
notti: non c’è che il giorno.
La giovane donna osservò: – Mio
padre ha la notte: se vuoi dormire
con me, falla cercare al di là del
gran fiume.
A jovem comentou: – Meu pai tem
a noite. Se você quiser dormir comigo, peça-lhes que a procurem
para além do grande rio.
Il giovane chiamò i suoi tre servitori: la giovane li mandò da sua parte perchè le riportassero una noce
di Tucuman. (Frutto di una palma:
quando é maturo é tondo e giallo.
Ricorda’ il cocco).
O jovem chamou seus três servos e a
jovem mandou-os, por sua vez, que
lhe trouxessem uma noz de tucumã.
(Fruto de uma palmeira: quando
maduro é redondo e amarelo. Faz
lembrar o coco).
I servitori partirono e giunsero alla
casa del Gran Serpente. Questi dette
loro la noce di tucuman e disse: –
Eccola, prendetela; e andatevene.
Non l’aprite, perchè, diversamente,
tutto è perduto.
Os servos saíram e chegaram à casa
da Cobra Grande. Este deu-lhes a
noz de tucumã e lhes disse: – Aqui
está, peguem-na; e vão embora.
Não a abram, porque, se isso acontecer, tudo estará perdido.
I servitori partirono. Nell’interno
della noce di tucuman, sentivano un
rumore così: “ten, ten, ten, sci!”
Era il rumore dei grilli e dei rospicini che cantano la notte.
Os servos foram embora. Dentro
da noz de tucumã, eles ouviram um
barulho assim: “ten, ten, ten, sci!”
Era o som dos grilos e dos pequenos
sapos que cantam à noite.
Quando furono lontani, uno dei ser- Quando estavam longe, um dos servitori disse ai compagni: – Vediamo vos disse aos companheiros: – Vamos ver o que é esse barulho.
cos’ è questo rumore.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
292
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
E il pilota: – No, perchè ci perde- E o que estava na frente: – Não,
porque vamos nos perder... Vamos,
remmo... Andiamo, via, rema.
vamos remar.
E se ne andarono, e seguitarono a
sentire lo stesso rumore, nell’interno
della noce di tucuman, e non potevano raccapezzarsi che rumore fosse.
E eles foram embora, e continuaram
a ouvir o mesmo barulho, dentro da
noz tucumã, e não conseguiam entender que barulho era.
Erano già lontanissimi quando si
riunirono ne1 mezzo della barca,
accesero il fuoco, fusero la resina
che chiudeva la noce e l’aprirono. A
un tratto, tutto si fece nero! Il pilota
disse: – Siamo perduti: certo, a casa
sua, la signora sa già che abbiamo
aperto il cocco di tucuman!
Já estavam muito distantes quando se
reuniram no meio do barco, acenderam o fogo, derreteram a resina que
fechava a noz e a abriram. De repente, tudo ficou escuro! O que estava
na frente disse: – Estamos perdidos,
claro que, na sua casa, a senhora já
sabe que abrimos o coco de tucumã!
Seguitarono la loro strada. Nello Seguiram seu caminho. Ao mesmo
stesso momento, a casa sua, la gio- tempo, em sua casa, a jovem disse
ao marido:
vane disse al marito:
– Hanno lasciato andare la notte: – Eles soltaram a noite, esperemos
o amanhã.
aspettiamo il domani.
Allora, tutte le cose che erano sparse per i boschi, si trasformarono in
animali e in uccelli. Le cose che erano sparse sui fiumi si trasformarono
in anitre e in pesci. Dal paniere fu
generata l’onça (per questo l’onça è
macchiata; i buchi del paniere diventarono macchie): il pescatore e la sua
barca furono trasformati in anitra:
dalla testa del pescatore nacquero la
Então, todas as coisas que estavam
espalhadas pela mata se transformaram em animais e pássaros. As
coisas que estavam espalhadas nos
rios viraram patos e peixes. A onça
foi gerada do cesto (por isso a onça
é manchada; os buracos do cesto
se tornaram manchas); o pescador
e seu barco se transformaram em
pato: da cabeça do pescador nasce-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
293
Tradução de Karine Simoni
testa e il becco; dalla barca il corpo; ram a cabeça e o bico, da barca nasceu o corpo, dos remos as pernas.
dai remi le gambe.
Quando la figlia del Gran Serpente
vide la stella dell’alba, disse al marito: – L’alba comincia a spuntare:
ora separerò il giorno dalla notte.
Quando a filha da Cobra Grande viu
a estrela d’Alva, disse ao marido: –
A alvorada começa a romper: agora
irei separar o dia da noite.
Allora arrotolò del filo, e soggiunse: Em seguida, enrolou um fio e acrescentou:
– Tu sarai il cujubin (Penelope cumanensis: ha le piume rosee e la
testa bianca: canta allo spuntar del
giorno). Così fece il cujubin: ne dipinse la testa in bianco con argilla:
le gambe in rosso con del roucou
(Bixa orellana) e gli disse:
– Você será o cujubim (Penelope
cumanensis, tem penas rosadas e
cabeça branca, canta ao amanhecer). Assim ela fez o cujubim: pintou a cabeça de branco com argila,
as pernas de vermelho com urucum
(Bixa orellana). E disse-lhe:
– Tu canterai sempre quando il – Você sempre vai cantar quando o
dia começar a nascer.
giorno comincia a spuntare.
Arrotolò il filo: vi scosse sopra del- Enrolou o fio, sacudiu cinza sobre
ele e disse:
la cenere, e disse:
– Tu sarai il nambù (Pezus niambu
che canta in determinate ore) per
cantare nelle diverse ore della notte
e all’alba.
– Você será o inhambú (Pezus niambu que canta em certos horários),
para cantar em diferentes horas da
noite e ao amanhecer.
Da allora tutti gli uccelli hanno cantato alla loro ora: e tutti insieme
cantano all’ alba per rallegrarsi del
riapparire del giorno.
Desde então, todos os pássaros cantaram na hora certa, e todos cantam
juntos ao amanhecer para se alegrarem com o reaparecimento do dia.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
294
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Quando i tre servitori tornarono, il Quando os três servos voltaram, o
jovem disse-lhes:
giovane disse loro:
– Non siete stati ubbidienti: avete
aperta la noce di tucuman, avete lasciato fuggire la notte: e tutto si è
perduto... anche voi, che sarete mutati in sciminie, e camminerete per
sempre sui rami degli alberi.”
– Vocês não foram obedientes,
abriram a noz de tucumã, deixaram
escapar a noite, e tudo se perdeu...
vocês também vão se transformar
em macacos, e para sempre irão andar sobre os galhos das árvores. ”
E gli indiani raccontano che la bocca nera e le striature gialle delle
scimmie sono appunto i segni della
resina che sgrondò sui servi infedeli, quando essi aprirono la miracolosa noce che racchiudeva la notte.
E os índios dizem que a boca preta
e as listras amarelas dos macacos
são justamente os sinais da resina
que escorreu sobre os servos infiéis
quando abriram a milagrosa noz que
fechava a noite.
Al sorgere della predicaziorie cristiana, le nuove credenze non si
sostituirono alle antiche, ma vi si
sovrapposero. I Gesuiti, sempre
pratici nella loro opera, compresero
che tutto sarebbe andato perduto, se
essi avessero tentato di sradicare le
antiche convinzioni, e non avessero
invece adattate le nuove massime
alle intelligenze e alle consuetudini
dei catecumeni. Così si attribuisce ai
primi missionarii l’ideazione dell’ibake, il paradiso.
Com o surgimento da pregação
cristã, as novas crenças não substituíram as antigas, mas as sobrepuseram. Os Jesuítas, sempre
práticos em seu trabalho, compreenderam que tudo estaria perdido se tentassem erradicar as antigas
convicções e se, em vez disso, não
adaptassem as novas máximas à
inteligência e aos hábitos dos catecúmenos. Assim, se atribuiu aos
primeiros missionários a ideação
do ibake, o paraíso.
Secondo il padre d’Almeida gli indiani credono che i piu valenti dei
due sessi (quelli i quali hanno combattuto, vinto, e magari mangiato più
Segundo o padre De Almeida13, os
índios acreditam que os mais valentes dos dois sexos (os que lutaram,
ganharam e talvez comido mais ini-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
295
Tradução de Karine Simoni
nemici), dopo la morte si riuniscano
nei “campi allegri” situati nelle vallate delle delizie, vicino alle montagne
azzurre. Là... continua festa, mentre
i poveri diavoli – che non hanno ammazzato nessuno – soffrono in compagnia degli spiriti cattivi...
migos), depois da morte se reúnem
nos “campos felizes” localizados
nos vales das delícias, perto das
montanhas azuis. Lá a festa continua, enquanto os pobres diabos,
que não mataram ninguém, sofrem
na companhia de espíritos malignos.
Confusione nella fede della SS. Tri- Confusão na fé da Santíssima Trinnità: confusione nelle rappresenta- dade: confusão nas representações
dos fatos religiosos.
zioni di fatti religiosi.
Il Sairé è una delle introduzioni del O Sairé é uma das introduções ao
Cristianesimo: e ne tolgo la descri- Cristianismo, e tomo a descrição de
Sant’ Anna Néry:
zione a S. Anna Nery:
“Materialmente è un semicerchio di
legno di 1,40 mt di diametro: altri
due piccoli semicerchi sono inscritti
in questo: e riposano sul diametro.
Dal punto di tangenza dei due piccoli
semicerchi, si innalza perpendicolarmente al diametro del grande semicerchio un raggio che oltrepassa la
circonferenza e che termina in una
croce. I due piccoli semicerchi hanno
pure il loro raggio perpendicolare al
diametro, e terminato da una croce.
Questi archi sono circondati da un
cuscinetto di cotone cardato avvolto
in nastri. E cristalli, dolci, frutta in
quantità stanno ad adornare l’apparecchio. Un nastro largo in orifiamma scende dalla croce di mezzo.
“Materialmente é um semicírculo de
madeira de 1,40 metros de diâmetro.
Dois outros pequenos semicírculos
estão inscritos neste, e repousam sobre o diâmetro. Do ponto de tangência dos dois pequenos semicírculos,
um raio sobe perpendicularmente ao
diâmetro do grande semicírculo que
ultrapassa a circunferência e termina
em cruz. Os dois pequenos semicírculos também têm seu raio perpendicular ao diâmetro, e terminado por
uma cruz. Esses arcos estão circundados por uma almofada de algodão
cardado envolta em fitas. E cristais,
doces, frutas em quantidade adornam
o aparelho. Uma larga fita em auriflama desce da cruz do meio.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
296
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Moralmente questo Sairé contiene
la rappresentazione simbolica del
racconto del diluvio biblico. Il gran
cerchio rappresenta l’arca di Noe:
i cristalli rappresentano la luce del
giorno: e i dolci e le frutta l’abbondanza che regnava nell’arca: il
cotone e il tamburello figurano la
schiuma biancastra e il rumore delle
acque. Il movimento che si imprime al Sairé significa il dondolarsi
dell’arca sui flutti. I tre cerchi, nel
loro insieme, sono l’immagine della
Trinità; tre persone distinte, sebbene compenetrantesi. Le tre croci ricordano il Calvario sul quale Cristo
è stato crocifisso tra i due ladroni.
Moralmente, este Sairé contém a
representação simbólica da história
do dilúvio bíblico. O grande círculo
representa a arca de Noé, os cristais
representam a luz do dia, e os doces
e frutos a abundância que reinava na
arca. O algodão e o pandeiro representam a espuma esbranquiçada e o
som das águas. O movimento que
está impresso no Sairé significa o
balanço da arca nas ondas. Os três
círculos, tomados em conjunto, são
a imagem da Trindade; três pessoas
distintas, embora se interpenetrem.
As três cruzes lembram o Calvário
em que Cristo foi crucificado entre
os dois ladrões.
Quando gli indiani catechizzati festeggiano qualche santo di loro particolare devozione, rizzano l’altare
nella capanna, vi mettono sopra l’immagine del Santo, e ai piedi pongono
il Sairé. Davanti alla capanna inalzano una tettoia, dispongono delle
tavole, e preparano tutto per le feste
e le danze che durano varii giorni.
Arrivato il giorno della festa, si trasporta il Sairé dalla casa alla Chiesa.
Viene prima un indiano che porta
una bandiera sulla quale si stacca
la figura del Santo in venerazione.
Vien quindi il Sairé. Tre vecchie indiane, che per la circostanza, si mettono i loro più begli ornamenti, lo
Quando os índios catequizados celebram algum santo de sua particular
devoção, erguem o altar na cabana,
colocam nele a imagem do Santo e a
seus pés colocam o Sairé. Na frente
da cabana erguem um galpão, arrumam algumas mesas e preparam
tudo para as festas e os bailes que
duram vários dias. Quando chega o
dia da festa, o Sairé é transportado
da casa para a Igreja. Primeiro chega
um índio carregando uma bandeira
na qual se destaca a figura do Santo
em veneração. Depois vem o Sairé.
Três velhas índias, que para a ocasião colocaram seus mais belos ornamentos, seguram-no erguido no
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
297
Tradução de Karine Simoni
tengono levato in aria pel diametro.
Una giovinetta agita il nastro, mentre una delle sue compagne scuote il
tamburello sacro, ornato di nastri dai
vivi colori. Seguono le donne; e gli
uomini chiudono la processione.
alto pelo seu diâmetro. Uma jovem
agita a fita, enquanto uma de suas
companheiras sacode o pandeiro sagrado, decorado com fitas coloridas.
As mulheres o seguem; e os homens
fecham a procissão.
Durante il tragitto, le tre vecchie, a
intervalli regolari, inclinano il Sairé
ora in avanti, ora in dietro. Nello
stesso tempo, la ragazza scuote il
tamburello, danzando al ritmo del
suono e dei canti. La melodia è triste e monotona; è una lamentela di
anime in pena. Le parole – dettate
da chi sa quale missionario di tempi
oramai remoti – sono ingenue, ed
esprimono la speranza nella vita futura. Sono scritte in tupy–guarany,
meno il ritornello, che è in portoghese, e dicono:
No caminho, as três velhas, em intervalos regulares, inclinam o Sairé ora para a frente, ora para trás.
Ao mesmo tempo, a jovem sacode
o pandeiro, dançando ao ritmo do
som e dos cantos. A melodia é triste
e monótona; é uma queixa de almas
em sofrimento. As palavras – ditadas
por quem conhece, como os missionários de tempos longínquos – são
ingênuas e expressam esperança na
vida futura. São escritos em tupyguarany, com excessão do refrão,
que é em português, e dizem:
– In fonti battesimali di pietra il – Em pias batismais de pedra Jesus
foi batizado.
bambino Gesù è stato battezzato.
Il coro risponde:
O coro responde:
– Gesù e la Santa Maria.
– Jesus e a Santa Maria.
– Santa Maria è una bella donna:
suo figlio è come Lei: sta nell’alto
dei cieli, sopra una gran croce, per
salvare le anime.
– Santa Maria é uma bela mulher,
seu filho é como Ela, está no alto do
céu, numa grande cruz, para salvar
as almas.
Il coro risponde:
O coro responde:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
298
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
– Gesù e la Santa Maria.
– Jesus e a Santa Maria.
Si trovano traccie dell’antica predicazione dei missionarii anche in racconti come quello del Tamandaré.
Nel suo Guarany (il romanzo nazionale per eccellenza) così lo descrive
José de Alencar:
Vestígios de antigas pregações dos
missionários também podem ser encontrados em histórias como a de Tamandaré. No seu Guarany (romance
nacional por excelência) é assim que
o descreve José de Alencar14:
“È passato molto tempo. Le acque
caddero e incominciarono ad allagare la terra. Gli uomini salirono sulle
alte montagne: uno solo rimase al
piano insieme a sua moglie: Tamandaré – il forte dei forti – il più
sapiente uomo del mondo. Dio gli
parlava nella notte, e lui, di giorno,
parlava ai giovani della tribù, e insegnava loro quanto aveva imparato
da Dio. Quando tutti salirono sulle
montagne, disse: Restate con me:
fate come me: e lasciate che l’acqua
cresca. Non gli dettero retta. Tamandaré prese la moglie tra le braccia, e montò con lei sulla cima di una
palma: e attese che l’acqua venisse.
La palma dava frutti che servivano
loro di nutrimento. L’ acqua venne,
salì: salì sempre... il sole vi si tuffò,
e risorse, due o tre volte. La terra
scomparve: l’albero scomparve, la
montagna scomparve. L’acqua salì
al cielo, e allora Dio ordinò che si
fermasse. Il Sole, guardando, vide
soltanto cielo e acqua: e tra il cie-
“Foi longe, bem longe dos tempos
de agora. As águas caíram, e começaram a cobrir toda a terra. Os
homens subiram ao alto dos montes; um só ficou na várzea com sua
esposa. “Era Tamandaré; forte entre os fortes; sabia mais que todos.
O Senhor falava-lhe de noite; e de
dia ele ensinava aos filhos da tribo
o que aprendia do céu. “Quando
todos subiram aos montes ele disse: ‘Ficai comigo; fazei como eu, e
deixai que venha a água.’ “Os outros não o escutaram; e foram para
o alto; e deixaram ele só na várzea
com sua companheira, que não o
abandonou. “Tamandaré tomou sua
mulher nos braços e subiu com ela
ao olho da palmeira; ai esperou que
a água viesse e passasse; a palmeira dava frutos que o alimentavam.
“A água veio, subiu e cresceu; o
sol mergulhou e surgiu uma, duas
e três vezes. A terra desapareceu; a
árvore desapareceu; a montanha desapareceu. “A água tocou o céu; e o
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
299
Tradução de Karine Simoni
lo e 1’acqua – galleggiante – la
palma che portava Tamandaré e la
sua compagna. La corrente scavò
la terra; scavando la terra strappò
la palma; strappando la palma, salì
con essa; e salì al disopra della valle, al disopra del1’a1bero, al disopra della montagna. Tutti perirono.
L’acqua toccò il cielo per tre soli dì
e per tre notti; poi abbassò, abbassò
finché la terra restò a secco. Quando
il giorno comparve, Tamandaré vide
che la palma era piantata in mezzo
a una pianura, e senti il guanumby
(il colibrì che secondo la tradizione
porta e riporta dall’altro mondo le
anime) il piccolo uccello del cielo,
che batteva le ali. Scese allora con la
sua compagna, e ripopolò la terra.”
Senhor mandou então que parasse.
O sol olhando só viu céu e água, e
entre a água e o céu, a palmeira que
boiava levando Tamandaré e sua
companheira. “A corrente cavou a
terra; cavando a terra, arrancou a
palmeira; arrancando a palmeira,
subiu com ela; subiu acima do
vale, acima da árvore, acima da
montanha. “Todos morreram. A
água tocou o céu três sóis com três
noites; depois baixou; baixou até
que descobriu a terra. “Quando
veio o dia, Tamandaré viu que a
palmeira estava plantada no meio
da várzea; e ouviu a avezinha do
céu, o guanumbi, que batia as asas.
“Desceu com a sua companheira, e
povoou a terra.”
Non meno curiosa è questa giustifi- Não menos curiosa é essa justificativa do pecado original.
cazione del peccato originale.
Un giorno, San Pietro chiese a
Gesù Cristo perché mai Dio avesse
punito tutti gli uomini per il peccato commesso da un solo uomo.
Cristo gli promise di dargli la spiegazione, più tardi.
Um dia, São Pedro perguntou a Jesus Cristo por quê Deus havia punido todos os homens pelo pecado
cometido por um único homem.
Cristo prometeu dar-lhe a explicação mais tarde.
Qualche giorno dopo, mentre passeggiavano insieme, scorsero un
nido di vespe. Gesù Cristo prese il
nido, con cura, e lo dette a San Pietro, dicendogli:
Alguns dias depois, enquanto caminhavam juntos, viram um ninho de
vespas. Jesus Cristo pegou o ninho,
com cuidado, e o deu a São Pedro,
dizendo-lhe:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
300
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
– Mettilo sotto il braccio: conservalo con diligenza, per restituirmelo
poi: sopratutto, bada, non le ammazzare!
– Coloque-o debaixo do braço,
guarde com cuidado, para me devolver depois, acima de tudo, lembre-se, não as mate!
E si separarono.
E eles se separaram.
All’indomani, Gesù Cristo doman- No dia seguinte, Jesus Cristo perdò a San Pietro che cosa avesse fatto guntou a São Pedro o que ele havia
feito com as vespas que lhe foram
delle vespe affidategli.
confiadas.
– Eh, Maestro! Le ho uccise.
– Eh, mestre! Eu as matei.
– Ma non ti avevo raccomandato di – Mas eu não havia recomendado que
você as mantivesse debaixo do braço?
tenerle sotto i1 braccio?
– Sì, ma una mi ha punto: e allora... – Sim, mas uma delas me picou, então... esmaguei-as todas!
le ho schiacciate tutte!
– Vedi ? Il giusti pagano per i1 pec- – Entende? Os justos pagam pelo
pecador.
catore.
Le feste del cattolicesimo sono pure
celebrate come da noi: il Natale,
l’arrivo dei Magi, ecc., sono rappresentati quasi tutti nei modi esposti, resi caratteristici da poesie, da
armonie, da balli speciali: miscuglio
originale di sacro e di profano. La
laude a Dio si confonde con la canzone venuta dal Portogallo: la preghiera religiosa si amalgama con la
storiella senza capo nè coda, reminiscenza di vecchie tradizioni.
As festas do catolicismo também são
celebradas como nós: o Natal, a chegada dos Reis Magos, etc., são quase
todas representadas nas formas expostas, caracterizadas por poemas,
harmonias, danças especiais, uma
mistura original de sagrado e de
profano. Os louvores a Deus confundem-se com a canção vinda de Portugal; a oração religiosa confunde-se
com a historinha sem pé nem cabeça,
reminiscência de antigas tradições.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
301
Tradução de Karine Simoni
Fra gli auto più belli è la Chegança
dos Marujos (arrivo dei marinai).
Ma dove il sentimento religioso si
manifesta con maggior ampiezza, e
la licenza profana esplode con maggior vivacità: dove la superstizione
ha la sua espressione più violenta,
e la tradizione conserva meglio il
suo carattere, è nelle grandi feste
patronali.
Entre os autos mais belos está a
Chegança dos Marujos (chegada dos marinheiros). Mas onde o
sentimento religioso se manifesta
com maior amplitude, e a licença
profana explode com maior vivacidade, onde a superstição tem sua
expressão mais violenta e a tradição
conserva melhor seu caráter, é nas
grandes festas patronais.
La maggior parte di queste feste
sono dedicate alla Vergine: e, nel
nord del Brasile, in special modo
alla Vergine do Desterro, o, come
comunemente si dice, di Nazareth.
A maior parte dessas festas é dedicada à Virgem, e, no norte do Brasil, especialmente à Virgem do Desterro, ou, como se costuma dizer,
de Nazaré.
A Belem, la celebrazione di questa
festa ha un’ importanza grandissima: e la sua eco si spande in tutto il
vastissimo Stato, e negli Stati vicini.
Em Belém, a celebração desta festa
reveste-se de grande importância, e
seu eco espalha-se por todo o vastíssimo estado e nos estados vizinhos.
La festa assume maggiore significato
dal fatto che attualmente il Governo
repubblicano (come negli anni andati
il rappresentante del Governo monarchico di don Pedro di Bragança)
vi participa ufficialmente. La popolazione, in massa, prende parte alla
grandiosa e caratteristica processione della cera: “A Romaria do Cyrio”
che noi abbiamo veduta sfilare in
una delle occasioni più solenni; poichè nel 1808, appunto, l’immagine
della Vergine di Nazareth tornava
A festa adquire maior significado pelo fato de atualmente nela
participar, de modo oficial, o governo republicano (tal como nos
anos passados o representante do
Governo monárquico de D. Pedro de Bragança). A população,
em massa, participa da grandiosa
e característica procissão de cera:
“A Romaria do Círio”, que vimos
desfilar numa das ocasiões mais
solenes, pois em 1808, de fato, a
imagem da Virgem de Nazaré vol-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
302
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
dall’Italia, dove era stata restaurata, tou da Itália, onde foi restaurada, e
e poi benedetta dal Papa.
depois abençoada pelo Papa15.
Era quindi una solennità eccezionale: un’occasione più che mai propizia per sfoggiare gli istinti innati di
munificenza e di liberalità: per dare
forma più appariscente alla devozione, e assumere aspetto più mortificante nel sciogliere il voto.
Era, portanto, uma solenidade excepcional, uma oportunidade mais
do que nunca propícia para exibir
os instintos inatos de munificência
e liberalidade; para dar uma forma
mais conspícua à devoção e assumir
um aspecto mais mortificante ao
dissolver o voto.
Tra le varie leggende – del resto,
molto somiglianti tra loro – che riguardano l’origine del Santuario, e
quindi la festa di Nazareth, mi attengo a quella di Pardua Carvalho.
Entre as várias lendas – aliás, muito semelhantes entre si – acerca da
origem do Santuário e, portanto, da
festa de Nazaré, me detenho à de
Pádua Carvalho16.
Un giorno due cacciatori, stanchi
di correre attraverso la foresta
che circondava la città di Belem,
si fermarono per riposare all’ombra di un albero. Erano entrambi
seccatissimi di non aver trovato
neppure un tucano tra quei boschi
ricchi di cacciagione. I cani, che
pareva cercassero ancora la pista
di un cervo poco prima inseguito,
si sdraiarono anch’essi all’ombra
dello stesso albero.
Um dia, dois caçadores, cansados
de correr pela floresta que cercava
a cidade de Belém, pararam para
descansar à sombra de uma árvore. Ambos ficaram muito aborrecidos por não terem encontrado nem
mesmo um tucano naquelas matas
ricas em caça. Os cães, que pareciam ainda procurar o rastro de um
veado há pouco perseguido, também se deitaram à sombra da mesma árvore.
Vinti dalla fatica, i cacciatori si
addormentarono, e uno di essi
vide in sogno una donna che lo
invitò a frugare in un cespuglio
Vencidos pelo cansaço, os caçadores adormeceram e um deles
viu em sonho uma mulher que o
convidou a vasculhar um arbusto
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
303
Tradução de Karine Simoni
dove avrebbe trovata un’immagine della Vergine di Nazareth.
Svegliatosi, il cacciatore si diede a
cercare il cespuglio misterioso: e
mentre egli ispezionava il bosco, i
cani si misero ad abbaiare, presso
un gruppo di palme. Il cacciatore accorse. Vicino al tronco della
più vecchia palma, con suo grande
stupore, scoprì una bella statua.
onde encontraria uma imagem da
Virgem de Nazaré. Ao acordar,
o caçador começou a procurar o
arbusto misterioso, e enquanto
inspecionava a mata, os cães começaram a latir perto de um grupo
de palmeiras. O caçador correu.
Perto do tronco da palmeira mais
velha, para seu espanto, descobriu
uma bela estátua.
Felici, più che se avessero ammazzati mille cervi, i cacciatori tornarono
in città, e consegnarono la statua
al Governatore, che la fece collocare nella sua cappella.
Felizes, mais até do que se tivessem
matado mil cervos, os caçadores
voltaram à cidade e entregaram a
estátua ao Governador, que mandou
colocá-la em sua capela.
Sparsasi la notizia, i fedeli chiesero al Governatore che fosse esposta l’immagine di Nostra Signora,
patrona della città: e il Governatore promise che all’indomani il popolo sarebbe stato ammesso nella
Cappella del Palazzo: ma il giorno
dopo la statua era scomparsa.
Quando a notícia se espalhou, os
fiéis pediram ao Governador que
exibisse a imagem de Nossa Senhora, padroeira da cidade, e o Governador prometeu que no dia seguinte
seria permitido ao povo entrar na
Capela do Palácio, mas no dia seguinte a estátua havia desaparecido.
I cacciatori, storditi, ebbero paura
di passare per impostori; e tornarono al noto cespuglio, dove, con
loro immensa gioia ritrovarono la
statua. Il Governatore e il popolo,
con grande pompa, trasportarono
di nuovo la statua alla cappella
del palazzo. All’ indoinani, altra
Os caçadores, atordoados, tiveram
medo de se passar por impostores,
e voltaram ao conhecido arbusto,
onde, com imensa alegria, encontraram a estátua. O Governador e
o povo, com grande pompa, levaram a estátua de volta à capela do
palácio. No dia seguinte, outro de-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
304
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
sparizione. L’immagine benedetta saparecimento. A imagem bendita
era tornata a rifugiarsi nel bosco. voltou a se refugiar na mata.
Il miracolo si rinnovò parecchie
volte, sino a che il Vescovo –
d’accordo col Governatore – fece
costruire una cappella nel luogo
prescelto dalla Madonna: e l’altare, dove venne collocata la Vergine, fu eretto appunto sul posto del
famoso gruppo di palme.
O milagre se renovou várias vezes,
até que o Bispo, em acordo com o
Governador, mandou construir uma
capela no local escolhido por Nossa
Senhora, e o altar, onde a Virgem
foi colocada, foi erguido precisamente no local do famoso grupo de
palmeiras.
I fedeli accorsero da ogni parte; i
miracoli divennero così numerosi,
e la devozione crebbe a tal punto
che, quasi subito, la cappellina fu
sostituita da un eremitaggio, con un
vestibolo coperto per i pellegrini.
L’altare rimase allo stesso posto.
Una strada apposita fu costruita
dalla chiesa alla città per comodo
dei devoti, poichè la chiesa era
lontana circa un miglio dall’abitato, in luogo basso e paludoso, in
piena foresta vergine. Ogni anno,
nella prima quindicina di ottobre,
si avviava alla cappella una folla
immensa, recando ex-voti ed offerte per grazie ottenute. Quasi
tutti, per penitenza, vi andavano a
piedi: alcuni, in palanchino.
Os fiéis correram para lá vindos de
todos os lados; os milagres se tornaram tão numerosos, e a devoção cresceu tanto que, quase imediatamente, a
capelinha foi substituída por uma ermida, com um vestíbulo coberto para
os peregrinos. O altar permaneceu no
mesmo lugar. Uma estrada especial
foi construída da igreja até a cidade
para a conveniência dos devotos, pois
a igreja ficava a cerca de um quilômetro da cidade, em um local baixo e
pantanoso, no meio da mata virgem.
Todos os anos, na primeira quinzena
de outubro, uma imensa multidão ia
à capela, trazendo ex-votos e ofertas
pelas graças obtidas. Quase todos,
por penitência, andavam a pé; alguns
iam em palanquins.
La festa aveva il carattere di quelle A festa tinha o caráter das já desgià descritte: solo il juiz e la juiza critas: o juíz e a juíza eram eleitos
erano eletti tra le persone più facol- entre as pessoas mais providas da
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
305
Tradução de Karine Simoni
tose della città, e quindi i balli, i ce- cidade e, portanto, as danças, os
rimoniali, le cene avevano carattere cerimoniais, os jantares tinham um
più sontuoso.
caráter mais suntuoso.
Molti fedeli raccontavano di aver
veduto, andando al romitaggio nelle prime ore del mattino, la tunica
della Vergine, ancora coperta di
rugiada; altri, giuravano di aver
veduta, durante la notte, una fanciulla sui dodici anni, dalla pelle
bianca, dagli occhi luminosi, dai
capelli d’oro, che aveva loro parlato, con voce soavissima. Dei pescatori andavano anche più oltre,
affermando che la Divina apparizione aveva loro consigliato di
vendere il pesce non troppo caro, e
sempre di buona qualità....
Muitos fiéis disseram ter visto, ao
irem ao eremitério nas primeiras
horas da manhã, a túnica da Virgem, ainda coberta de orvalho;
outros juravam ter visto, durante a
noite, uma menina de cerca de doze
anos, de pele branca, olhos brilhantes e cabelos dourados, que lhes falara com uma voz muito doce. Os
pescadores foram ainda mais longe,
afirmando que a Divina aparição os
havia aconselhado a vender peixes
que não muito caros e sempre de
boa qualidade...
In ogni modo, il culto per la Ver- Em todo caso, o culto à Virgem era
gine era […] puro e ardente.
[...]17 puro e ardente.
Scoppiò la crudele guerra da cabanagem: la rivolta dei negri contro i
bianchi; l’insorgere della campagna
contro la città: guerra feroce, senza
tregua, che insanguinò la capitale, e
quasi tutte le città dell’interno.
I cabanos invasero Belem, passando appunto per Nazareth, dove
stabilirono il loro quartier generale. Si dice che penetrassero nella
Chiesa e la profanassero. Da allora nessuno vide più la bellissima
Estourou a cruel guerra da cabanagem, a revolta dos negros contra os
brancos, o insurgir do campo contra
a cidade: uma guerra feroz e implacável que ensanguentou a capital e
quase todas as cidades do interior.
Os cabanos invadiram Belém, passando justamente por Nazaré, onde
instalaram seu quartel general. Dizse que eles entraram na Igreja e a
profanaram. Desde então, ninguém
mais viu a linda moça de cabelos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
306
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
fanciulla dai capelli d’oro: e Belem
che era rimasta sino a quel tempo
immune da alcune epidemie – fu
invasa dalla peste e dal vaiuolo...
dourados, e Belém, que até então
havia se mantido imune a algumas
epidemias, foi invadida pela peste e
pela varíola...
Passato 1’orrore, il culto fu ristabilito: una chiesa fu sostituita
alla primitiva Cappella; una nella
piazza, ornata d’alberi, fu preparata – davanti alla Chiesa – per ritrovo dei fedeli: dei grandi portici
furono fabbricati per accogliere,
durante la notte, i pellegrini, e
perchè questi potessero ricoverarvi le’ loro bestie, e prepararsi da
mangiare. Nel mezzo della piazza,
fu eretto un palco per l’orchestra:
si inalzarono piccole baracche,
e, a scopo di speculazione, vi si
esposero quadri osceni, e vi si stabilì un giuoco curioso.
Depois que o horror acabou, o culto foi restabelecido: uma igreja foi
substituída onde estava a primeira
Capela; uma na praça, adornada com
árvores, foi preparada, em frente à
Igreja, como ponto de encontro dos
fiéis; grandes pórticos foram construídos para receber os peregrinos
durante a noite, e para que eles pudessem abrigar seus animais e prepararem refeições. No meio da praça
foi erguido um palco para a orquestra, ergueram-se pequenas barracas
e, para efeito de especulação, foram
expostos quadros obscenos e ali se
instalou um curioso jogo.
Allora, un nuovo malanno colpì la Então, uma nova doença atingiu a
città: beri-beri, preannunziato da cidade: o beribéri, previsto por um
cometa.
una cometa.
Passò anche questa nuova bufera;
la Vergine implorata, tornò a moltiplicare le sue grazie Ogni anno, la
festa diventava più bella: e più bella
e salubre diventava quella località.
Esta nova tempestade também passou; implorada, a Virgem voltou a
multiplicar suas graças. A cada ano,
a festa ficava mais bonita, e mais bonito e saudável ficava aquele lugar.
Oggi, la foresta vergine non si vede Hoje, a floresta virgem não é mais
più che come un lontano scenario: vista a não ser como um cenário disil quartiere di Nazareth è il più ari- tante, o bairro de Nazaré é o mais
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
307
Tradução de Karine Simoni
stocratico di Belem, unito al largo
da Repubblica da un viale che è,
senza esagerazione, tra le più belle passeggiate del mondo e quindi
alla città. Una vasta piazza, disseminata di alberi colossali, si stende
davanti alla Chiesa, una costruzione
di stile greco-barocco (il tempio di
Vesta) ha preso il posto del primo
palco: degli châlets in ferro hanno
sostituito le prime disusate baracche. Adesso, nei giorni comuni,
Nazareth è un luogo di riposo e
di poesia e nei giorni di festa... un
pandemonio multicolore, assordante, sbalorditivo, indescritibile – anche per noi italiani, che godiamo
fama di vivacità straordinaria.
aristocrático de Belém, unido ao
Largo da República por uma avenida
que é, sem exagero, um dos passeios
mais bonitos do mundo e, logo, da
cidade. Uma grande praça, repleta
de árvores colossais, estende-se em
frente à Igreja, uma construção de
estilo greco-barroco (o templo de
Vesta) substituiu o primeiro cenário; os châlets de ferro substituíram
as primeiras barracas abandonadas.
Agora, em dias normais, Nazaré é
um lugar de descanso e poesia, e nos
dias de festa... um pandemônio multicolorido, ensurdecedor, deslumbrante, indescritível, até para nós,
italianos, que temos fama de vivacidade fora do comum.
E ci rinunzio, tentando, invece (e
insisto sulla parola tentando) di
descrivere la solenne processione
della cera che inizia la festa.
E desisto de descrever isso, tentando, ao invés, (e insisto na palavra
tentando) descrever a solene procissão da cera que dá início à festa.
Molti giorni prima di quello fissato per la Romaria do Cyrio, vi è in
città un’animazione straordinaria.
I romei giungono dalla provincial
dall’Amazonas, dal Maranhao.
I magazzini di abiti fatti mettono
in mostra sin sulla via dei pupazzi
vestiti di candidi abiti di marinai.
Le fabbriche di cera fanno un’esposizione veramente macabra,
di pupazzi anatomici, macchiati
Muitos dias antes daquele fixado
para a Romaria do Círio, acontece
na cidade uma animação extraordinária. Os romeiros chegam da província do Amazonas, do Maranhão.
As lojas de roupas prontas exibem
sobre a própria rua bonecos vestidos
com brancas roupas de marinheiros.
As fábricas de cera fazem uma exibição verdadeiramente macabra de
bonecos anatômicos, manchados
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
308
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
a figurare le più luride piaghe, e
storpiati nelle più ributtanti difformità. Sotto ricchi panneggiamenti,
a colori vivaci, scompariscono le
linee architettoniche della chiesa di
Nazareth: linee che, nella loro semplicità, ricordano lo stile italiano.
Grande profusione di candele, di
fiori, di piante.
para representar as mais sujas feridas, mutilados nas mais repulsivas
deformidades. Sob ricos tecidos dispostos em cores vivas, desaparecem
os traços arquitetônicos da igreja de
Nazaré, linhas que, na sua simplicidade, remetem ao estilo italiano.
Uma grande profusão de velas, flores, plantas.
Sulla piazza, si impiantano carroselli: si improvvisano trattorie e
birrerie: le botteghe si trasformano
in luoghi di convegno e in sale da
giuoco. Vecchie baracche e baracche nuove si convertono in teatri.
Più oltre, in una vicina avenida,
si moltiplicano i baracconi di tela.
Sorgono, come per incanto, rudimentali café-chantants.
Na praça montam-se carrosséis,
improvisam-se tavernas e cervejarias; as oficinas transformam-se em
pontos de encontro e salas de jogos.
Barracas antigas e barracas novas
são convertidas em teatros. Mais
adiante, em uma avenida próxima,
se multiplicam barracões de lona.
Como num passe de mágica, surgem rudimentares café-chantants.
Tra poco, sugli improvvisati palcoscenici, compariranno le negre voluttuose, e le flessuose mulatte per
ballare il tango e il mascich: brasiliane e portoghesi miagoleranno
tanto le caratteristiche quadrinhas
e le modinhias, quanto... le ultime
canzonette francesi. I circhi equestri, nei quali figureranno anche
degli elefanti, troveranno il mezzo
di affittire le loro rappresentazioni
sino a rinnovarle... ogni mezzora.
La negra dirà buona ventura: farà
gli scongiuri, e il feitiço. La bella
Em breve, nos improvisados palcos, aparecerão negras voluptuosas
e flexíveis mulatas para dançar tango e maxixe: brasileiras e portuguesas miarão tanto as características
quadrinhas e modinhas quanto as
últimas canções francesas. Os circos equestres, nos quais elefantes
também poderão ser vistos, encontrarão um meio de avolumar suas
apresentações até que sejam renovadas... a cada meia hora. A negra
tirará a sorte, fará as invocações e o
feitiço. A bela morena irá mostrar
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
309
Tradução de Karine Simoni
mora sfoggierà le sue toilettes bianche, o color di rosa, mostrando un
perfetto decolleté, nel preparare l’
hassay, da offrire fresco ai degustatori. E la birra scorrerà a ruscelli!
suas toilettes de cor branca ou rosa,
mostrando um perfeito decolleté na
hora de preparar o haxixe, a ser oferecido fresco aos degustadores. E a
cerveja fluirá em riachos!
A ogni trattoria, ad ogni buvette dei grandi cartelloni con versi
maccheronici: inviti grotteschi
all’avventore.
Em cada taverna, em cada buvette,
há grandes cartazes com versos macarrônicos, convites grotescos para o
cliente.
Lungo il meraviglioso viale di Nazareth, sorgono archi trionfali, in
cui l’orrore del gusto architettonico non è vinto che dall’orrore del
gusto pittorico.
Ao longo da maravilhosa avenida de
Nazaré erguem-se arcos triunfais,
nos quais o horror do gosto arquitetônico só é vencido pelo horror do
gosto pictórico.
La mattina del gran giorno, la maggior parte della città è deserta: la popolazione si riversa sulla Praça da
Indipendencia dove sorge il palazzo
del Governo, in stile rinascimento
italiano: e dove oggi la ribelle e meravigliosa flora tropicale è costretta
in aiuole elegantemente simmetriche. La statua ai caduti nella guerra del Paraguay parla al popolo di
indipendenza e di libertà. Gli strilloni vendono le edizioni straordinarie dei giornali: le leggende della
Vergine di Nazareth, le immagini
colorate che la raffigurano. Questo
delle immagini a colori è, anzi, un
commercio abbastanza importante
Na manhã do grande dia, a maior
parte da cidade está deserta, a população aglomera-se na Praça da
Independência, onde fica o palácio
do Governo, em estilo renascentista italiano, e onde hoje a rebelde e
maravilhosa flora tropical é forçada a canteiros elegantemente simétricos. A estátua aos tombados na
guerra do Paraguai fala ao povo
sobre independência e liberdade. Os
jornaleiros vendem as edições extraordinárias dos jornais, as lendas
da Virgem de Nazaré, as imagens
coloridas que a retratam. O comércio das imagens coloridas é, de fato,
bastante importante e discretamente
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
310
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
e discretamente costante in tutto lo constante em todo o Estado e durante todo o ano.
Stato e in tutto l’anno.
E le case sono intanto rimaste Enquanto isso, as casas ficaram vazias, abandonadas.
vuote, abbandonate.
Un tempo, esse rimanevano anche
aperte – poiché mai si era verificato il caso di un furto, durante O
Cyrio. Oggi, i ladri infestano quei
luoghi come... in ogni altro paese:
e le case non sono mai abbastanza provvedute di solide porte e di
buone serrature!...
No passado, elas ficavam também
abertas, já que jamais se verificava casos de furto durante o Círio.
Hoje, os ladrões infestam esses lugares como em qualquer outro, e as
casas nunca estão suficientemente
equipadas com portas sólidas e boas
fechaduras!
La folla attende l’uscita della
Vergine dalla cappella del palazzo dove l’immagine venerata
– in memoria dell’antico miracolo – venne trasportata il giorno
prima. Una volta la sacra efigie
era portata a spalla dai devoti:
ora, viene trasportata in una scintillante e barocca berlina, trascinata con lentezza senza pari, causa l’enorme folla.
A multidão aguarda a saída da Virgem da capela do palácio para onde
a venerada imagem, em memória
do milagre ancestral, havia sido
transportada na véspera. Outrora
a sagrada imagem era carregada
nos ombros pelos devotos, agora, é
carregado em uma cintilante e barroca berlinda, arrastada com uma
lentidão incomparável, devido à
grande multidão.
La processione comincia a sfilare,
lenta, maestosa, strana, appena il
segnale è dato da una grande scappata di razzi, e da uno scampanare
alto e festoso.
A procissão começa a desfilar, lenta, majestosa, estranha, assim que o
sinal é dado por uma grande revoada de rojões e por um repicar dos
sinos alto e festivo.
Quella processione! Io l’ho vista Aquela procissão! Eu a vi passar, e
passare, rimanendomene immobi- fiquei imóvel, em pé, sem fôlego, na
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
311
Tradução de Karine Simoni
le, in piedi, senza respiro, nel terrazzino dell’Hôtel Coelho, posto in
angolo tra rua Paes de Carvalho e
la piazzetta dove sorge la chiesa
di Sant’Anna. Ogni volta che il
pensiero ricorre allo spettacolo –
unico nella memoria per originalità, per contrasto di luce di ombra,
di grandezza, di miseria – provo la
stessa sensazione di sgomento e di
stupore: lo stesso appassionato sentimento di ammirazione, di pietà
provato allora, mentre la persona
sostava, immobile, mentre 1’anima era tutta in un fremito. E quale
fremito ignoto sino a quell’ora non
ritrovato più per nessun altro spettacolo legato a quell’ora, congiunto
a quel sole che incendiava l’aria,
a quel diffuso suono di campana
mentre la gente sfilava, sfilava,
sfilava; gente bianca, gente nera,
gente di color morato, bronzino,
dorato, giallo, varia e lenta, lenta e
interminabile; folla ispirata e folla
cieca, grandiosa nella sua doppia
manifestazione di amor religioso e
di ingenua bestialità!
pequena varanda do Hotel Coelho,
situado na esquina entre a rua Paes
de Carvalho e a pequena praça onde
se ergue a igreja de Santa Ana. Cada
vez que meu pensamento se volta
para o espetáculo – único na memória pela originalidade, pelo contraste
de luz, sombra, grandeza, miséria
– experimento o mesmo sentimento
de espanto e torpor, a mesma apaixonada sensação de admiração, de
piedade, que senti enquanto a pessoa estava parada ao mesmo tempo
em que a alma estava em frenesi.
E como um tremor desconhecido
até aquela hora, não encontrei outro
assim em nenhum outro espetáculo
ligado àquela hora, combinado com
aquele sol que incendiava o ar, com
aquele difuso som de sino, enquanto
as pessoas desfilavam, desfilavam,
desfilavam; gente branca, gente negra, gente de cor morena, bronzeada,
dourada, amarela, variada e lenta,
lenta e interminável; multidão inspirada e multidão cega, grandiosa em
sua dupla manifestação de amor religioso e ingênua bestialidade!
Così: vien prima un carro figurante una fortezza nella quale sono
due o tre persone che di tempo in
tempo, lanciano razzi e bombe di
fuochi artificiali; seguono due file
di uomini a cavallo; i cavalieri in-
É assim: primeiro vem um carro
alegórico representando uma fortaleza na qual duas ou três pessoas de vez
em quando lançam rojões e bombas
de fogos de artifício; seguem-se duas
filas de homens a cavalo, os cavalei-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
312
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
dossano quasi tutti costumi vistosi
e fantasiosi: quindi, ecco il rappresentante il miracolo di Don Fuas
Roupinho, della barca del brick S.
Joao Baptista: poi la barca di questo
brick, portata a spalla dalla corporazione dei marinai, e da altri uomini che, pur non essendo marinai,
ne portano il costume – sciogliendo
un voto.... In seguito, sopra cavalli fardati, la splendente schiera degli angeli regiunti orifiamme con le
date dei miracoli e il nome col quale
detti miracoli sono conosciuti. Dopo
le graziose creaturine a cavallo, raffiguranti l’angelica coorte; vengono
numerose vetture in cui sono le principali famiglie della città, le autorità
e il clero in abito di gala: ultima, la
carrozza del Governatore.
ros quase todos vestem trajes vistosos
e fantasiosos; então, eis o representante do milagre de D. Fuas Roupinho18,
da barca do brick São João Batista;
depois a barca deste brick, carregada
nos ombros pela corporação dos marinheiros e por outros homens que,
mesmo não sendo marinheiros, usam
seus trajes, dissolvendo um voto...
Em seguida, sobre cavalos fardados,
a resplandecente horda de anjos em
auriflamas com as datas dos milagres
e o nome pelo qual esses milagres
são conhecidos. Depois das graciosas
criaturinhas a cavalo, representando a
corte angelical, vêm numerosos carros
nos quais estão as principais famílias
da cidade, as autoridades e o clero em
trajes de gala; por último, a carruagem do Governador.
Trascinata da lunghissime corde,
vien quindi la berlina in cui è la
statua della Madonna. La berlina
è fiancheggiata dai direttori della
festa, a cavallo.
Arrastada por cordas muito compridas, chega então a berlinda em que
está a estátua da Virgem Maria. A
berlinda é rodeada pelos diretores
da festa, a cavalo.
La mente, guasta dai ricordi letterarii, pensa alla descrizione
di Zola nel suo libro Lourdes; a
quella di D’Annunzio nel Trionfo
della morte, ma il confronto non
è possibile: e tutto l’interesse si
concentra sullo spettacolo tipico, su
questa processione unica.
A mente, viciada pelas memórias
literárias, pensa na descrição de
Zola em seu livro Lourdes; na de
D’Annunzio no Triunfo da Morte,
mas a comparação não é possível,
e todo o interesse se concentra no
espetáculo típico, nesta procissão
única.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
313
Tradução de Karine Simoni
Dietro la berlina, un’immensa
onda di popolo, poi una rappresentanza delle truppe, e ancora
una fiumana di devoti. Nelle vesti,
domina il color bianco; nella folla
i numerosi volti bruni generano il
contrasto originalissimo: la differenza tra le varie razze è, in quella
confusione, più che mai sensibile,
nè si tratta di un paradosso: i diversi
tipi femminili del paese appaiono,
in tale occasione, come improntati a
una particolare loro bellezza: la seducente mulatta, la pigrissima negra
la interessante indiana, la brasiliana
piccola e dolce. Ogni tanto, la folla
– serpente convulso, interminabile – è presa da un brivido, parte si
avanza, bruscamente, sospinta; parte, bruscamente, retrocede: è una
delle molte barche portate a spalla,
che fa delle evoluzioni: la barca, ripiena di bambini che rappresentano
dei naufraghi salvati, abbandona la
sua posizione orizzontale: a passo
cadenzato, o addirittura danzando,
coloro che la portano vengono spostandola, a poco a poco; ed ecco,
essa è obliqua tra la turba immane
che si precipita innanzi, che retrocede per poco; ecco, la barca descrive
un semicerchio, sempre portata dai
devoti, ebbri di fanatismo e di stanchezza... i piccoli finti naufraghi
cantano a gola spiegata le antiche
Atrás da berlinda, uma imensa onda
de pessoas, depois uma representação
das tropas e novamente uma inundação de devotos. Nas roupas, domina
a cor branca; na multidão, os numerosos rostos morenos geram o contraste
mais original. A diferença entre as várias raças é, naquela confusão, mais
sensível que nunca, mas não se trata
de um paradoxo. Os diversos tipos
femininos do lugar aparecem, nesta
ocasião, como marcados por sua beleza particular: a sedutora mulata, a
preguiçosíssima negra, a interessante
índia, a brasileira pequena e doce.
De vez em quando, a multidão – cobra convulsiva e interminável – é tomada por um tremor, e parte avança
abruptamente, empurrada; outra parte, buscamente, retrocede. É uma das
muitas barcas carregadas nos ombros
que faz evoluções: a barca, cheia de
crianças que representam náufragos
resgatados, abandona a sua posição
horizontal e, com passo cadenciado,
ou mesmo dançando, aqueles que as
carregam o fazem movendo-a pouco a
pouco; e eis que ela fica oblíqua entre
a imensa multidão que avança, que se
retrai por um breve período; eis que
a barca faz um semicírculo, sempre
carregada por devotos, embriagados
de fanatismo e cansaço... os pequenos falsos náufragos cantam a plenos
pulmões as antigas ladainhas... todo
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
314
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
laudi.... tutto un cerchio è descritto
dalla faticosa evoluzione: la barca
ha ripreso il suo posto tra la fiumana che ingigantisce. Tante, tante
barche, piene zeppe di creaturine irrequiete, si elevano così sul gran
mostro semovente, fioritura strana su un’ idra dalle teste infinite.
o círculo é descrito pela cansativa
evolução: a barca retomou seu lugar
entre a inundação que se alarga.
Muitas, muitas barcas, abarrotadas
de criaturinhas inquietas, erguemse assim sobre o grande monstro
autopropulsor, floração estranha sobre
uma hidra com cabeças infinitas.
La fatica di coloro che reggono
le barche è grande: ma la gente che ha fatto il voto affronta
la morte piuttosto che non scioglierlo: e tra quelli che seguono,
soli, o confusi tra la folla, altri
vi sono che resistono a fatiche
più gravi e strane. Uomini e
donne col corpo piegato in due
sotto il peso di grosse e pesanti pietre: donne e uomini che
reggono cassette dalla forma di
casse mortuarie ripiene di altri –
molti altri – mostruosi oggetti di
cera: mostruosi, orrendi. Gambe, braccia, ecc., disseminate di
chiazze raffiguranti le più schifose piaghe: tutta un’esposizione
di malanni, fatta con umiltà brutale e pietosa rivelante le sozzure corporali di una povera massa
fanatica più che credente.
O cansaço de quem segura as barcas é grande: mas as pessoas que
fizeram o voto preferem enfrentar a
morte do que não cumpri-lo, e entre
os que os seguem, sozinhos ou misturados na multidão, há outros que
resistem a cansaços mais graves e
estranhos. Homens e mulheres com
o corpo dobrado sob o peso de grandes e pesadas pedras, mulheres e
homens segurando pequenas caixas
no formato de caixões mortuários
cheias de outros – muitos outros –
monstruosos objetos de cera, monstruosos, hediondos. Pernas, braços,
etc., salpicados de manchas que representam as mais nojentas feridas,
uma exibição de enfermidades, feita
com humildade brutal e misericordiosa, revelando a sujeira corporal
de uma pobre massa mais fanática
do que crente.
Passano le caratteristiche indiane Passam as características índias de
dai lunghi e lisci capelli disciolti: longos e lisos cabelos soltos. Muitas
molte di esse percorrono il lun- delas percorrem o longo caminho de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
315
Tradução de Karine Simoni
go cammino ginocchioni, trascinandosi per forza di suggestione,
semi-svenute, col viso delle creature che non pensano più, che
non potrebbero più pensare. Altre donne, assorte, urtate, urtando, portano sulle amorose braccia
materne dei bambini malati: figurine infantili con la piccola testa
abbandonata, già colpita dalla
Morte. Ma la madre crede alla
guarigione... la madre che cammina, cammina sospinta dalla sua
fede... e qualche volta il bimbo,
già tocco dal destino, spira tra
le carezzose braccia – fulminato
dal sole. Quante deliziose bimbe,
a cavallo, in sfarzosi costumi: e
quanti mori sfiniti, laceri, figure
di terrore e d’amore!
joelhos, arrastando-se pela força da
sugestão, semi-desmaiadas, com o
rosto das criaturas que já não pensam, que já não conseguiriam pensar. Outras mulheres, absortas, esbarradas, esbarrando, carregam nos
amorosos braços maternais crianças
doentes, pequenas figuras infantis
com a cabecinha abandonada, já
golpeada pela Morte. Mas a mãe
acredita na cura... a mãe que caminha, caminha movida por sua fé...
e às vezes o filho, já tocado pelo
destino, morre em seus carinhosos
braços, fulminado pelo sol. Quantas
meninas encantadoras, a cavalo, em
trajes suntuosos, e quantos mouros
exaustos e dilacerados, figuras de
terror e de amor!
Un gruppo di soldati di Canudos, scalzi, in vesti a brandelli:
le stesse riportate da quell’impresa; altre indiane salmodianti:
una nuvola di ex-voto portati a
braccia levate, ondeggianti sulle
onde umane. La lotta per conquistare un posto ai cordoni della
berlina che porta la Madonna è
frenetica. Tutta la città segue la
processione: cento-mila persone
sfidano così il fuoco del sole,
non curanti del pericolo: impos-
Um grupo de soldados de Canudos, descalços, com mantos esfarrapados, os mesmos usados naquela
campanha; outras índias cantarolando; uma nuvem de ex-votos carregados com os braços erguidos,
balançando sobre as ondas humanas. A luta para ganhar um lugar
nos cordões da berlinda que leva a
Virgem Maria é frenética. Toda a
cidade segue a procissão, cem mil
pessoas desafiam assim o fogo do
sol, independentemente do perigo.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
316
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
sibile dubitare della sincerità di É impossível duvidar da sinceridade
quella folla di devoti.
daquela multidão de devotos.
Strano, incredibile: sono gli stessi
brasiliani indolenti che in altra occasione non si muoverebbero neppure per difendere i propri averi:
gli stessi negri che durante il resto
dell’anno, ricompensati sino all’esagerazione, spesso si rifiutano
di prestar servigio – così che, in
realtà nel paese non vi son servi:
sono le creature che già abbiamo
vedute e che rivedremo nella loro
originale immobilità statuaria,
canticchiando le nenie afre con le
labbra appena appena dischiuse,
fisse nel mezzo sorriso, tanto la
voce cantante sembra giungere di
lontano. Ma che gente è questa,
nuova, che per un giorno appare infaticata, infaticabile?... Chi
studierà mai, nella sua interezza,
l’anima multiforme e asconditrice
di una simile folla?... Moltitudine
strabocchevole di gente dissimile
senza spiegazione possibile, senza psicologia determinata: ogni
cuore se ne va, così, come nella vita, condotto dal suo speciale cruccio: ogni corpo se ne va,
così, come nell’esistenza, mortificato da’ una speciale infermità:
l’egoismo personale, come ovun-
Estranho, inacreditável: são os
mesmos brasileiros indolentes que
em outras ocasiões não se mexeriam nem sequer para defender
seus bens; os mesmos negros que
durante o resto do ano, recompensados ao ponto do exagero, muitas
vezes se recusam a servir, de modo
que, na realidade, naquele lugar não
há servos. São as criaturas que já
vimos e que veremos novamente em
sua original imobilidade estatuária,
cantarolando as lamentações africanas com os lábios entreabertos,
fixos no meio sorriso, tanto que a
voz cantante parece vir de longe.
Mas que tipo de gente é essa, nova,
que por um dia parece infatigada,
infatigável? Quem estudará, em
sua totalidade, a alma multifacetada e escondedora de tal multidão?
Transbordante multidão de pessoas
diferentes, sem explicação possível,
sem psicologia determinada: cada
coração vai embora, assim como
na vida, conduzido por sua aflição
especial. Cada corpo vai embora,
assim como na existência, mortificado por uma especial enfermidade:
o egoísmo pessoal, como em toda
parte, sempre. “Ó Santa Virgem,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
317
Tradução de Karine Simoni
que, sempre. “O Vergine Santa, conceda-me a graça! Nossa Senhora
fatemi la grazia! Nostra Signora do Mar Doce, protege-me!”
del Mar Dolce, proteggetemi!”
Dal Palazzo del Governatore a
Nazareth lentissimamente la moltitudine percorre il lungo cammino: appena la berlina col suo sacro
carico è giunta davanti alla Chiesa, il clero ne toglie con solennità
la Madonna che è posta sull’altare splendente di ceri e adorno di
fiori: lunghi nastri di seta partono
dalla Vergine e scendono a portata del bacio dei devoti. Le porte
della Chiesa sono spalancate, e
alla folla orante e devota giunge
il chiasso che si fa sulla piazza: il
contrasto è stridente.
Do Palácio do Governador em Nazaré muito lentamente a multidão
percorre o longo caminho. Assim
que a berlinda com sua carga sagrada chega em frente à Igreja, o clero
remove solenemente a Virgem Maria, que é colocada no altar brilhante de velas e adornado de flores.
Longas fitas de seda partem da Virgem e descem ao alcance do beijo
dos devotos. As portas da Igreja são
escancaradas, e à multidão orante e
devota chega o barulho da praça: o
contraste é impressionante.
La festa dura quindici giorni, A festa dura quinze dias, às vezes
talvolta un mese.
um mês.
Negli ultimi giorni si rinnovano
le ardenti dimostrazioni religiose:
e cresce a dismisura il diavoleto
nei ritrovi, punto malinconici, che
circondano la Chiesa, e si moltiplicano sulla piazza e lungo il viale meraviglioso.
Nos últimos dias renovam-se as ardentes manifestações religiosas, e
o demônio cresce desproporcionalmente nos melancólicos lugares de
encontro que rodeiam a Igreja, e se
multiplicam na praça e ao longo da
maravilhosa avenida.
E finisce... Sarebbe davvero il
caso di dire: “le combat finit faute
de combattants…” I combattenti
sono i soldi, qui: la somma di dena-
E termina... Seria muito apropriado dizer: “le combat finit faute de
combatants...” Os lutadores são o
dinheiro, aqui, a soma de dinheiro
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
318
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
ro che circola in quei giorni di festa
è enorme, come è enorme l’incasso della Chiesa che, qualche giorno
dopo, mette all’asta gli oggetti avuti
in dono e gli ex-voto di cera ricavandone profitti veramente straordinari.
que circula nesses dias de festa é
enorme, assim como a arrecadação
da Igreja que, alguns dias depois, leiloa os objetos recebidos de presente
e os ex-votos de cera, obtendo lucros
verdadeiramente extraordinários.
Rammento l’ultima sera della festa, nell’ottobre del ‘98: avevamo
assistito agli esercizi di due elefanti
giovinetti in un baraccone simile a
quelli che si vedono anche da noi,
in tempo di fiera: ed eravamo saliti a un altro baraccone, in forma
di galleria. Appoggiata alla sottile balaustra in legno, miravo lo
spettacolo più di ogni altro vario:
di lassù, la massa pigiata e confusa – folle nella molteplicità delle
tinte – appariva come una mascherata colossale: sul mio capo una
rete complicata e fitta di palloncini
accesi, leggerissimi, dondolanti,
pieni di seduzione nella loro leggiadra apparenza di stelle barocche e multicolori: più su, le vere e
pure stelle, oro fino su uno sfondo
di introvabile turchese... Mi rasentavano, lievi, le signore brasiliane
col fruscio lento delle costose vesti
seriche: alle mie spalle, il passo
cadenzato e sicuro delle mulatte
danzanti: molto prossimo, il suono
di un organetto scosso dalle note
di un motivo esotico: da un lato il
Lembro-me da última noite da festa, em outubro de 1898. Tínhamos
presenciado os exercícios de dois
elefantes jovens em um barracão
semelhante às que também vemos
aqui, durante as feiras, e subimos
para outro barracão, em forma de
galeria. Apoiada na fina balaústra
de madeira, eu olhava o espetáculo mais que tudo variado; de lá de
cima, a massa esmagada e confusa,
louca na multiplicidade de matizes,
parecia um baile de máscaras colossal. Sobre minha cabeça, uma
complicada e densa rede de balões
iluminados, muito leves, oscilantes,
cheios de sedução em sua graciosa
aparência de estrelas barrocas e multicoloridas. Mais acima, as reais e
puras estrelas, ouro fino sobre um
fundo de inalcançável turquesas...
Me cercavam, levemente, as senhoras brasileiras, com o farfalhar lento
dos custosos vestidos de seda; atrás
de mim, o passo rítmico e seguro
das mulatas dançantes; muito perto,
o som de uma sanfona sacudida pelas notas de um motivo exótico; de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
319
Tradução de Karine Simoni
giro vorticoso di un carrosello –
carrozzine dorate, asilo di signore;
cavallini di legno recanti in groppa
i più seri personaggi della città...
Davanti a me, una delle alte finestre della Chiesa illuminata. Giungeva anche, a tratti, come un’onda
profumata d’incenso: e a poco a
poco, estranea allo spettacolo semibarbaro, completamente staccata
da quanto avveniva intorno a me,
noncurante, immemore, un gomito
appoggiato al parapetto istoriato, il
mento posato su una mano, guardando in alto nello sfondo di introvabile turchese, l’oro luminoso e
biondo delle pure stelle, fui presa da
un godimento ultra spirituale, che
era preghiera.
um lado o rodopio de um carrossel
– carrinhos dourados, refúgio de senhoras; cavalinhos de madeira carregando nas costas os personagens
mais sérios da cidade... À minha
frente, uma das altas janelas da Igreja iluminada. Me alcançava, às vezes, algo como uma onda perfumada
de incenso, e aos poucos, alheia ao
espetáculo semibárbaro, completamente distante do que se passava
ao meu redor, distraída, esquecida,
um cotovelo apoiado no parapeito
manchado, o queixo apoiado sobre
uma mão, olhando para o alto, para
o fundo de inalcançável turquesa, o
ouro luminoso e louro das estrelas
puras, fui tomada por um gozo ultra
-espiritual, que era oração.
Qualcuno mi scosse: e io mi ritro- Alguém me sacudiu, e me vi,
vai, con una sorpresa non scevra com surpresa, não desprovida de
amargura.
di amarezza.
Tra i santi sono in maggior venerazione San Tommaso e Sant Antonio. Una curiosa tradizione indiana vuole San Tommaso il primo
missionario della fede cristiana tra
gli autoctoni del Brasile prima della
scoperta fattane dai viaggiatori europei. Il padre Vasconcellos nella sua
Cronica da Companhia de Jesus fa
menzione di questa leggenda – immaginata senza dubbio come tante
Entre os santos, São Tomé e Santo Antônio são os mais venerados.
Uma curiosa tradição indígena diz
que São Tomé foi o primeiro missionário da fé cristã entre os nativos
do Brasil antes da descoberta do lugar feita pelos viajantes europeus. O
padre Vasconcelos19, na sua Crônica
da Companhia de Jesus, menciona
esta lenda, sem dúvida imaginada,
como tantas outras, depois da des-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
320
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
altre dopo la scoperta, e certo per
opera degli stessi Gesuiti. La leggenda vuol vedere nel Sumè, del quale
parlavano gli indiani, il Thomè dei
portoghesi. L’indianologo Baptista
Caetano crede che Sumè significhi
“il padre straniero” e quindi la versione dei Gesuiti troverebbe un lieve
appoggio: ma l’interpretazione del
linguaggio indiano, per dato e fatto
degli stessi più reputati studiosi della
materia, è troppo vaga e contradditoria per poter basare su di essa
un’asserzione. Naturalmente, San
Tommaso ha la sua festa con canti, processioni e balli. Il Sant’Anna
Nery, narra che, trovandosi presso il
lago Janauary, nell’Amazonas, vide
arrivare all’improvviso una compagnia chiassona, in processione, e
alla questua, in occasione della festa
di San Tommaso: uomini e donne in
vesti cariche di ornamenti. Le donne
agitavano dei tamburelli infioccati:
gli uomini pizzicavano il caracacha,
cantando un inno del quale ecco le
ingenue parole:
coberta, e certamente por obra dos
próprios Jesuítas. A lenda associa
Sumé, do qual falavam os indígenas,
ao Tomé dos portugueses. O indianólogo Baptista Caetano20 acredita
que Sumé significa “o pai estrangeiro” e, portanto, a versão dos Jesuítas encontraria algum apoio, mas a
interpretação da linguagem indígena, pelo que é mostrado e segundo
os mais conceituados estudiosos do
assunto, é muito vaga e contraditória para poder basear sobre ela uma
afirmação. Claro, São Tomé tem
sua festa com cantos, procissões e
danças. Sant’Anna Nery narra que,
estando próximo ao lago Janauari,
no Amazonas, viu chegar repentinamente um grupo barulhento, em procissão, e em mendicância, por ocasião da festa de São Tomé; homens
e mulheres com vestes carregadas
de enfeites. As mulheres agitavam
pandeiros repletos de laços e fitas,
os homens arranhavam o caracaxá,
cantando um hino do qual aqui estão
as ingênuas palavras:
Su, briosa la compagnia,
Su, briosa e allegra;
Ecco l’ora di lodare
I1 glorioso San Tommaso.
Su, svelta la compagnia
Su, svelta con allegria,
Chi ci darà la bella rosa
Vamos, animada companhia,
Vamos, animada e alegre;
Eis a hora de louvar
O glorioso São Tomé.
Vamos, rápida companhia
Vamos, rápida com alegria,
Quem nos dará a linda rosa
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
321
Tradução de Karine Simoni
Pel glorioso San Tommaso?
E ora addio, fior gentile,
Ecco l’ora di lodare
Il glorioso San Tommaso.
Para o glorioso São Tomé?
E agora adeus, flor gentil,
Eis a hora de louvar
O glorioso São Tomé.
Spesso però, durante le feste religiose, le strofe non sono in lode
del santo venerato: i versi hanno allora un profumo amoroso,
un’intenzione di umanità affettuosa espressa con la delicatezza
cavalleresca che ai brasiliani è
stata indubbiamente trasmessa dai
portoghesi. Nelle seguenti strofe,
per esempio, sarebbe ben difficile
scoprire altra cosa che una dichiarazione di amore:
Muitas vezes, porém, durante as
festas religiosas, as estrofes não são
em louvor ao santo venerado, e os
versos têm então um perfume amoroso, uma intenção de humanidade
afetuosa expressa com a delicadeza
cavalheiresca que foi sem dúvida
transmitida aos brasileiros pelos
portugueses. Nas estrofes a seguir,
por exemplo, seria difícil descobrir
outra coisa que não seja uma declaração de amor:
Sul palmo della tua mano,
L’altro dì ho deposto un bacio:
E ne ho avuta profumata la bocca
Come dal fiore di melon d’acqua.
Aniba, Aniba, siri-ganguê
Cajueiro, Cajua,
Aniba, Aniba, siri-ganguê
Io voglio l’amata mia.
Na palma da sua mão,
Outro dia depositei um beijo
E tive então perfumada a boca
Como a flor da melancia.
Aniba, aniba, siri-ganguê
Cajueiro, Cajua,
Aniba, aniba, siri-ganguê
Eu quero a minha amada.
Sant Antonio ha poi l’onore di essere iscritto nei quadri dell’esercito,
e di essere invocato, maltrattato,
adorato e disprezzato in più e varie
occasioni della vita. La sua missione presso il popolo è molteplice
e difficile, e i castighi gli cascano
sulle spalle non meno numerosi
Na sequência, Santo Antônio tem a
honra de estar alistado nos quadros
do exército, e de ser invocado, maltratado, adorado e desprezado em
muitas e várias situações na vida.
Sua missão junto ao povo é múltipla
e difícil, e os castigos recaem sobre
seus ombros não menos numero-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
322
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
delle laudi. Il culto a Sant Antonio
è ancora un’eredita dei portoghesi — che essi dicono Antonio non
da Padova, ma da Lisbona poiché
è nato nella bella Lisbona il 15 di
Agosto 1175, da parenti portoghesi. Il Santo fece parte dell’esercito
portoghese come semplice soldato:
e il Re si ricordava che era figlio di
Martin Bulhoues, distinto ufficiale.
sos que os elogios. O culto a Santo Antônio ainda é um legado dos
portugueses – dizem Antônio não de
Pádua, mas de Lisboa, pois nasceu
na bela Lisboa em 15 de agosto de
1175, de pais portugueses. O Santo fez parte do exército português
como simples soldado, e o rei lembrava que era filho de Martin Bulhões, um ilustre oficial.
Quando nel 1710 il generale Duclerc tentò con la sua squadra di
impadronirsi di Rio de Janeiro, il
Governatore della città, Francesco
de Castro Moraes, non trovando
più alleati sulla terra, pensò di cercarli in cielo e conferì a Sant Antonio il grado e il soldo di capitano.
Quando em 1710 o General Duclerc
tentou com seu esquadrão apropriarse do Rio de Janeiro, o Governador
da cidade, Francesco de Castro Moraes, não encontrando mais aliados
na terra, pensou em procurá-los no
céu e deu a Santo Antonio a patente e
o pagamento de capitão.
Più tardi, quando Don Giovanni
VI fuggì dal Portogallo, accordò
al Santo il brevetto di sergente-mor
di fanteria; e poi il brevetto di luogotenente colonnello; gli assegnò
la paga del grado, e lo decorò del
gran cordone dell’ordine militare di
Cristo. Quando nel 1822 il Brasile
proclamò la sua indipendenza, separandosi dal Portogallo, conserve
a Sant Antonio grado e stipendio!
E la riprova è nel seguente brano
del Journal do Commercio di Rio
de Janeiro del ottobre 1887:
Mais tarde, quando D. João VI fugiu de Portugal, concedeu ao Santo
a patente de sargento-mor de infantaria; e depois a patente de tenente-coronel; atribuiu-lhe o salário da
patente e condecorou-o com o grande cordão da ordem militar de Cristo. Quando o Brasil proclamou sua
independência em 1822, separandose de Portugal, manteve a patente e
o salário de Santo Antônio! E a prova está no seguinte trecho do Jornal
do Commercio do Rio de Janeiro,
de outubro de 1887:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
323
Tradução de Karine Simoni
“La cassa del pagamento delle truppe di questa capitale, ha versato il
I° corrente al Reverendo Provinciale dell’ordine di Sant Antonio,
padre Giovanni do Amor Divino
Costa, la somma di 40,000 reis (allora corrispondente a 571 fr e 35)
importo della paga del trimestre da
luglio a settembre ultimo, alla
quale ha diritto il luogotenente
colonnello onorario dell’esercito,
il glorioso Sant Antonio.”
“O caixa do pagamento das tropas
desta capital pagou o I° corrente
ao Reverendo Provincial da Ordem
de Santo Antônio, Padre Giovanni
do Amor Divino Costa, a soma de
40 mil réis (então correspondendo
a 571 francos e 35), valor do pagamento do trimestre de julho a setembro último, a que tem direito o
tenente-coronel honorário do exército, o glorioso Santo Antonio”.
Ignoro se la Repubblica abbia
conservato al suo soldo il glorioso Colonnello. So però che il
popolo non ha per lui un eccessivo rispetto.
Não sei se a República manteve o
pagamento ao glorioso Coronel.
Mas sei, porém, que o povo não tem
por ele um grande respeito.
Gli mette il volto contro il muro,
lo sospende, lo getta nel pozzo
quando ha perduto qualche cosa,
e non gli restituisce la posizione
normale finché l’ oggetto – per sua
intercessione – non è stato trovato.
Encosta o rosto dele na parede,
suspende-o, joga-o no poço quando
perde algo e não o devolve à posição normal até que o objeto, por sua
intercessão, seja encontrado.
La poesia popolare, spesso fatta
di improvvisi, si è impadronita
di Sant’ Antonio: e una mulattina
così lo chiama in causa in uno di
quei lundús che sono veramente
una delle cose più caratteristiche
del Brasile:
A poesia popular, muitas vezes
feita de improviso, apoderou-se
de Santo Antônio, e uma mulata o
questiona em um daqueles lundus
que são realmente uma das coisas
mais características do Brasil:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
324
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Signor Jouca, andatevene un po’, Sr. Jouca, vá embora um pouco,
Non mi venite a contar storie [bis) Não venha me contar histórias [bis)
Vi siete scordato quel che m’avete Você esqueceu o que fez para mim,
fatto,
Nella notte di San Giovanni.
Ah, Dio mio, signor Jouquigna,
Voi siete i miei peccati:
Andate, ve l’ho già detto!
Non mi date altre noie.
Le astuzie del sor Jouquigna
Son le astuzie del Demonio,
E per liberarmene
Io prego Sant Antonio:
Mi hanno toccato il cuore:
Sant Antonio, Sant Antonio,
Che tentazione di demonio”
Na noite de São João.
Ah, meu Deus, Sr. Jouquigna,
Você é os meus pecados:
Vá embora, eu já lhe disse!
Não me dê mais problemas.
As artimanhas do Sr. Jouquigna
São as artimanhas do Diabo,
E para eu me livrar disso
Eu rezo para Santo Antonio:
Tocaram meu coração
Santo Antônio, Santo Antônio,
Que tentação demoníaca”
Nelle questioni di amore si ricorre
sempre a Sant Antonio; o per scacciare la tentazione, come si è visto:
o... per trovar marito, come in questo altro lundù:
Em questões de amor, recorre-se
sempre a Santo Antônio, ou para
afastar a tentação, como vimos, ou
para encontrar um marido, como
neste outro lundu:
Sant Antonio, mio santino,
Accedete alle mie orazioni:
Vi prometto di avervi sempre
Ben vicino, ben vicino al cuore.
Preservatemi dal trabocchetto,
O mio buon Sant Antonio.
Santo Antônio, meu santinho,
Acesse minhas orações:
Eu prometo sempre ter você
Muito perto, muito perto do coração.
Me mantenha longe da armadilha,
Ó meu bom Santo Antônio.
(ritornello) Perche il diavolo
Non mi venga a tentare
Di farvi prendere un bagno
In fondo al mare.
(refrão) Para que o diabo
Não venha me tentar
Para lhe fazer tomar banho
No fundo do mar.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
325
Tradução de Karine Simoni
Datemi un fidanzato, mio buon Dê-me um namorado, meu bom
santo,
santo,
Fidanzato grasso, o anche magro, Namorado gordo, ou até magro,
Che mi adori e a me renda
Que me adore e para mim dedique
L’amore che a lui porterò.
O amor que a ele vou levar.
Non voglio di quelli che parlano
Solo di balli e di feste
Perché quelli, se bene si guardano,
Hanno di uomini solo la forma.
Eu não quero quem fala
Só de danças e festas
Porque aqueles, se bem olharmos
Têm de homens apenas a forma.
Che non sia di quelli che parlano
Con maniere di bigotti
Di quelli che snocciolano i segreti
Pulendosi le unghie delle mani.
Que não seja daqueles que falam
Com maneiras de maníacos
Daqueles que contam segredos
Limpando as unhas das mãos.
Di quei che guardano facendo Daqueles que olham fazendo caretas,
smorfie,
Con modi studiati di non so che !
Com modos estudados de não sei o
quê!
Di quelli che parlano sempre d’amore Daqueles que sempre falam de amor
O santo mio, non me ne date !
Ó meu santo, não me dê nenhum
desses!
…nè si continua nelle citazioni di
tal genere perchè non sempre i desiderii della difficile ragazza sono
impeccabili per la forma e per il
contenuto. Guai se Sant Antonio
ascoltasse seriamente tante suppliche originali e contradditorie! Egli
si troverebbe in grave imbarazzo....
Não continuo com tais citações
porque nem sempre os desejos
da difícil moça são impecáveis na
forma e no conteúdo. Ai de Santo Antônio se ouvisse seriamente
tantas súplicas originais e contraditórias! Ele ficaria em grande
constrangimento...
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
326
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
In delicate questioni amorose, in
alte lotte sentimentali, pare che
Sant Antonio non abbia rivali: ma
sembra ne abbia quando si tratta di
cose perdute: allora c’é San Campeiro, un santo che non figura nel
calendario e al quale si accendono
candele nei boschi: e San Longuinho, il patriarca degli oggetti
perduti. Quando il cercatissimo
oggetto smarrito riappare, bisogna
esclamare tre volte: “L’ho trovato,
San Longuinho!”
Nas delicadas questões de amor,
nas lutas altamente sentimentais,
parece que Santo Antônio não tem
rival, mas parece que tenha quando se trata de coisas perdidas: então
existe São Campeiro, um santo que
não figura no calendário e a quem
se acendem velas nas matas, e São
Longuinho, o patriarca dos objetos
perdidos. Quando o tão procurado
objeto perdido reaparece, deve-se
exclamar três vezes: “Eu o encontrei, São Longuinho!”
È bene ripetere ed ampliare l’
osservazione fatta: più che di
religione, si tratta di superstizione:
e di lussi, più che di convinzioni. Il
padre Speranza ha scritto un grosso
volume zeppo di aneddoti raccolti a
caso, ed esposti senza alcun ordine,
ma adattatissimi a provare come la
religione sia in quelle regioni più
formale che sostanziale. Si fanno
battezzare perchè è uso: ricorrono
al prete per il matrimonio, perché
si possono far feste maggiori che
non rivolgendosi al municipio. Dei
doveri di religione adempiono,
in generale, a quelli soltanto
che permettono di richiamare
l’attenzione altrui, e pretendono
l’intervento del prete a qualunque
costo. Se l’offerta di denaro non
è, qualche volta, valida, ricorrono
É bom repetir e ampliar a observação
já feita: mais do que religião, é uma
questão de superstição; e mais de
luxos do que de convicções. O padre Speranza escreveu um grande
volume cheio de anedotas coletadas
ao acaso e exibidas sem qualquer
ordem, mas perfeitamente adequadas para provar que a religião é
mais formal do que substancial nessas regiões. Eles são batizados porque é costume, recorrem ao padre
para o casamento, para que possam
fazer festas maiores sem se dirigir
à prefeitura. Sobre os deveres religiosos, cumprem, em geral, apenas
aqueles que lhes permitem atrair
a atenção dos outros, e requerem
a intervenção do sacerdote a qualquer custo. Se a oferta de dinheiro
às vezes não for válida, recorrem
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
327
Tradução de Karine Simoni
alle minacce, e spesso non sono a ameaças, e muitas vezes não são
minacce vane.
ameaças em vão.
Il cattolicesimo esiste di nome e non
di fatto: vive per la superstizione, per
la malia del misterioso, per il fascino
del soprannaturale. Gli uffici divini
di solito non attirano gente, perchè
il cerimoniale non è lussuoso, fantastico, chiassoso. I voti e le penitenze
alle grandi processioni seducono perchè estremamente teatrali.
O catolicismo existe de nome e não
de fato, vive da superstição, do encanto do misterioso, do fascínio do
sobrenatural. Os ofícios divinos geralmente não atraem pessoas, porque
o cerimonial não é luxuoso, fantástico, barulhento. Os votos e as penitências nas grandes procissões seduzem
porque são extremamente teatrais.
Il nome “Papa” esercita una specie
di sbalordimento (si parla sempre
della moltitudine e non di pochi
eletti): i preti devono, da principio,
averlo descritto come un semidio.
O nome “Papa” exercita uma espécie de espanto (falamos sempre da
maioria e não de uns poucos escolhidos): os padres devem, desde o início, descrevê-lo como um semideus.
Forse, non sarà reputato un figlio,
o un nipote di Cobra grande: ma,
senza dubbio, passa per un essere
quasi immortale. Noi ci siamo sentiti domandare se è vero che tocca il
cielo, e se ha veramente mille anni.
Talvez não seja considerado filho
ou neto de Cobra Grande, mas,
sem dúvida, passa por um ser quase
imortal. Perguntaram–nos se é verdade que toca o céu e se tem realmente mil anos.
Menti ingenue, quanto povere, facilmente suggestionabili; deboli,
incolte, spesso si entusiasmano:
l’effondersi tra esse di una specie
di suggestione religioso superstiziosa-collettiva è agevole: e, in
certi casi, approfittandone degli
stupidi o dei tristi, la situazione
diventa grave e pericolosa.
Mentes ingênuas e pobres, facilmente sugestionáveis, fracos, incultos, muitas vezes se entusiasmam:
não é difícil difundir entre eles uma
espécie de sugestão religiosa supersticiosa-coletiva, e, em alguns casos,
aproveitando-se dos estúpidos ou
dos tristes, a situação torna-se grave
e perigosa.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
328
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Si ricordano dei fatti tipici con Eles se lembram de eventos típicos
vivo senso di dolore e di timore. com uma aguda sensação de dor e
medo.
Uno di questi fenomeni pseudo-religiosi si produsse per opera di un
certo Maurer, nel Rio Grande do
Sul, personaggio che, circondandosi di apostoli e di fanatici, iniziò
un vero movimento in suo favore.
Um desses fenômenos pseudo-religiosos foi produzido por um certo
Maurer21, no Rio Grande do Sul,
personagem que, rodeando-se de
apóstolos e fanáticos, deu início a um
verdadeiro movimento a seu favor.
Più grave fu il movimento causato da Pedro Bonita in Pernambuco, che ebbe per risultato odiose
scene di fanatismo e un’orribile
carneficina.
Mais grave foi o movimento causado pelo Pedra Bonita22 em Pernambuco, que teve como resultado
odiosas cenas de fanatismo e uma
horrível carnificina.
Un altro deplorevole fatto avvenne a Carnahyba, nella provincia di
Sergipe. Due vecchi negri, pazzi, si stabilirono in una capanna,
dove era una croce che passava
per miracolosa. I due negri cominciarono a far delle prediche; e
presto si videro circondati da una
enorme moltitudine... Istituirono
il comunismo.... per le donne, e
fecero prediche infamanti. Dovette intervenire la polizia armata per
disperdere le riunioni.
Um outro deplorável fato aconteceu em Carnaíba, na província de
Sergipe. Dois velhos negros, loucos, se estabeleceram em uma cabana, onde havia uma cruz que era
considerada milagrosa. Os dois negros começaram a fazer sermões, e
logo se viram circundados por uma
enorme multidão. Instituíram o comunismo para as mulheres e fizeram sermões inflamados. Foi preciso que a polícia armada intervisse
para dispensar as reuniões.
L’ultimo dei fenomeni ai quali ac- O último dos fenômenos que mencenniamo fu anche il più grave: è cionamos foi também o mais grave,
avvenuto pochi anni or sono nel Ce- ocorreu há alguns anos no Ceará, e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
329
Tradução de Karine Simoni
arà, e l’eco è risuonato lungamente o seu eco ressoou por muito tempo
na Europa.
in Europa.
Un individuo, che aveva commesso alcuni delitti passionali, si mise
a far penitenza, a modo suo, facendo pubbliche prediche. Nelle sue
peregrinazioni capitò a Bahia, e in
Rainha dos Anjos fondò una chiesa.
Si chiamava Antonio, e il popolo lo
denomino O Conselheiro. Passò poi
nello stato di Sergipe e fece adepti.
Chiedeva l’elemosina e accettava
soltanto quanto gli era necessario per
vivere. Non aveva una dottrina sua:
a ogni cosa rimediava con un volume
delle Ore di Maria. La sua scienza
politica, filosofica e religiosa era tutta là dentro. E con così poca cosa fanatizzò le turbe: esaltò, trasportò le
popolazioni che lo presero per Sant
Antonio Apparecido. Predicava
contro gli ornamenti delle donne:
e in special modo contro l’uso dei
pettini e degli scialli; e le donee se
ne disfecero.
Um indivíduo, que havia cometido
alguns crimes passionais, passou a
fazer penitência, à sua maneira, fazendo sermões públicos. Em suas
andanças passou pela Bahia, e em
Rainha dos Anjos fundou uma igreja.
Seu nome era Antônio, e as pessoas
o chamam de O Conselheiro. Ele
então passou para o estado de Sergipe e fez adeptos. Pedia esmolas e
aceitava apenas o necessário para
viver. Ele não tinha uma doutrina
própria, para cada coisa remediava
com um volume das Horas de Maria. Sua ciência política, filosófica e
religiosa estava toda ali. E com tão
pouca coisa fanatizou a multidão,
exaltou, transportou populações que
o tomaram por Santo Antônio Aparecido. Pregava contra os ornamentos das mulheres, e especialmente
contra o uso de pentes e xales; e as
mulheres se livraram disso.
La musa popolare si impadronì A musa popular se apoderou dessa
della cosa improvvisando quarti- experiência improvisando quadras
desse molde:
ne di questo stampo.
Do céo veiu uma luz
Que Jesus Christo mandou ;
Sant Antonio apparecido
Dos castigos nos livrou.
Do céo veiu uma luz
Que Jesus Christo mandou;
Sant Antonio apparecido
Dos castigos nos livrou.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
330
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
Quem ouvir e não aprender
Quem souber e não ensinar,
No dia de Juizo
A sua alma penará.
Quem ouvir e não aprender
Quem souber e não ensinar,
No dia de Juízo
A sua alma penará.
Il movimento prese tali proporzioni
da impressionare. Il Governo mandò delle truppe che furono sconfitte.
Molti soldati facevano causa comune con Conselheiro: e in breve la
folla diventò un esercito di fanatici.
O movimento assumiu proporções
impressionantes. O governo enviou
tropas que foram derrotadas. Muitos
soldados renderam-se ao Conselheiro,
e em pouco tempo a multidão se transformou em um exército de fanáticos.
Al movimento si dette un significato
monarchico (lo aveva realmente?...)
e si credette che la giovanissima repubblica, sorta sulla recente abdicazione imposta a Don Pedro, potesse
correre un serio pericolo. Gli Stati del
nord contribuirono tutti a formare un
esercito per farla finita con la rumoreggiante insurrezione che avrebbe
– naturalmente – potuto giungere ad
essere capitanata dai partigiani della
monarchia, oggi stesso più numerosi
e potenti di quanto non si creda. Nella giornata di Canudos, ricordata con
grande orgoglio negli annali militari
della Repubblica Brasiliana, il movimento rivoluzionario venne definitivamente schiacciato.
Ao movimento foi dado um significado monárquico (teve realmente?)
e acreditou-se que a muito jovem
república, nascida da recente abdicação imposta a D. Pedro, poderia
estar em grave perigo. Os Estados
do norte contribuíram para a formação de um exército para pôr fim
à barulhenta insurreição que poderia, naturalmente, vir a ser liderada pelos partidários da monarquia,
hoje ainda mais numerosos e poderosos do que se acredita. No dia
de Canudos, lembrado com muito
orgulho nos anais militares da República Brasileira, o movimento
revolucionário foi definitivamente
esmagado.
La gioia dei vincitori esplose brutale e rumorosa... tanto da non tornar
davvero a onore dei vittoriosi di un
branco di fanatici male organizzati.
A alegria dos vencedores explodiu
brutal e ruidosamente, a ponto de
não voltar de fato à honra dos vitoriosos de um bando de fanáticos mal
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
331
Tradução de Karine Simoni
Fanatismo contro fanatismo: un pericolo sostituito a un altro. Date le
condizioni attuali dell’ interno degli
Stati brasiliani – in special modo di
quelli del nord – non può esservi
nulla di diverso.
organizados. Fanatismo versus fanatismo, um perigo substituído por
outro. Dadas as condições atuais do
interior dos Estados brasileiros, especialmente os do norte, não pode
haver nada diferente.
La civilizzazione è rudimentale: e
forse ha ragione lo Stradelli: sinora
è, dolorosamente, più che altro agente di fatale corruzione. Se non tutto... si sbagliò molto... moltissimo.
A civilização é rudimentar, e talvez
Stradelli esteja certo: até agora ela
foi, dolorosamente, mais do que
qualquer outra coisa, um agente de
corrupção fatal. Se não tudo... muito se errou, muito.
Ancora un aneddoto, a dimostrare
come la comunione spirituale coi
Santi, con la Vergine, con Dio sia
considerata quale un’agenzia per la
spedizione di commissioni dei signori
devoti. Si attribuisce a un negro (ma
potrebbe trattarsi anche di un bianco) la seguente supplica, messa tra le
mani di una immagine di Cristo:
Outra anedota, para demonstrar
como a comunhão espiritual com os
Santos, com a Virgem, com Deus é
considerada como uma agência para
o envio de comissões dos senhores
devotos. Foi atribuída a um negro
(mas também poderia ser um branco) a seguinte súplica, colocada nas
mãos de uma imagem de Cristo:
“Illustrissimo Signore della Sacra “Ilustríssimo Senhor da Sagrada
Imagem,
Effigie,
II sottoscritto afferma che non vuol
più rimanere addetto all’amministrazione; e se Voi fate in modo che suo
padre lo mandi, come conduttore di
una carovana, a far delle compere a
Rio de Janeiro promette di portarvi
otto libbre di candele di cera. Spera
di ricevere questa grazia.”
O abaixo-assinado afirma que não
deseja mais ser funcionário da administração; e se o Senhor interceder
ao pai dele para que este o mande,
como condutor de uma caravana, às
compras no Rio de Janeiro, ele promete trazer-lhe oito libras de velas de
cera. Ele espera receber esta graça.”
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
332
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
La risposta la scrisse il padre del
supplicante, sempre servendosi delle mani della sacra immagine come
buca delle lettere:
A resposta foi escrita pelo pai do
suplicante, sempre usando as mãos
da imagem sagrada como caixa de
correio:
“Per questa volta il richiedente riceverà tre dozzine di scudisciate; se
persiste nel suo desiderio, lo si arruolerà come tamburino nell’esercito.
“Desta vez, o solicitante receberá
três dúzias de chicotadas; se persistir em seu desejo, será alistado
como tamborileiro do exército.
Il Signore della Sacra Effigie.”
O Senhor da Sagrada Imagem.”
Contro tutto, a dispetto di tutto, pur
constatando gli errori, pur lamentando superstizione e fanatismo, anche
qui, in questo capitolo che ho battezzato Madonna Fantasia – quantunque
più che d’altro, io volessi parlarvi
di Religione – anche da questa sbalorditiva accozzaglia di verità della
Fede e di deplorevoli fantasticherie
pagane, balza fuori l’anima ingenua
di un beato paese di giovinezza. Anima preparata a ricevere un’impronta
preziosa; atta a dimenticare l’errore;
schiusa come uno scrigno ad accogliere gioielli inestimabili.
Contra tudo, apesar de tudo, mesmo
constatando erros, mesmo lamentando superstições e fanatismos, mesmo
aqui, neste capítulo que batizei Madonna Fantasia, mais do que qualquer
outra coisa, queria falar a vocês sobre
Religião. Até mesmo desta espantosa
confusão entre a verdade da Fé e as
deploráveis fantasias pagãs, salta para
fora a alma ingênua de um abençoado
país de juventude. Alma preparada
para receber uma impressão preciosa;
capaz de esquecer o erro; eclodindo
como uma arca pronta a receber joias
de valor inestimável.
E solo da Essi può giungere la luce. E só Deles pode vir a luz.
Essi, gli ispirati, gli eletti: gli uomini chiamati dalla vera voce che Dio
stesso fa udire alle anime da Lui
predilette.
Eles, os inspirados, os escolhidos,
homens chamados pela verdadeira
voz que o próprio Deus permite que
seja ouvida pelas almas que Ele gosta
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
333
Tradução de Karine Simoni
I Missionarii che intendono degnamente, con alto senso di umanità, il
loro compito nelle lontane solitudini
americane, e predicano con l’opera – più che con la parola – senza
inveire e senza abbattere d’un colpo, urtando la consuetudine ed eccitando le già calde fantasie; solo i
Missionarii possono preparare l’avvento tra quella gente sparsa, varia,
vivente a gruppi, non sempre raccolta in tribù regolari.
Os Missionários que compreendem
dignamente, com alto senso de humanidade, sua tarefa nas longínquas
solidões americanas, e pregam com o
trabalho, mais do que com palavras,
sem pesar e sem desmoronar de repente, contrastanto o hábito e estimulando as calorosas fantasias; somente
os Missionários podem preparar o advento entre aquelas pessoas dispersas
e variadas que vivem em grupos, nem
sempre reunidas em tribos regulares.
Si diano pure le pompe del culto ai
popoli che amano la forma come la
si ama in tutti i luoghi che il sole
sembra divorare di un suo particolar
fuoco amoroso: ma siano dirette da
un criterio vantaggiosamente simbolico: siano sensate e sane nella loro
magnificenza, togliendo ad esse le
pratiche barbare ed eccessive che
generano terribili conseguenze per
la salute, e naturali reazioni, prodotto di ignoranza, con gravissimo
scapito dell’idea religiosa.
Que as pompas do culto sejam dadas
também aos povos que amam a forma
como ela é amada em todos os lugares
onde o sol parece devorar de seu fogo
amoroso particular, mas sejam dirigidas por um critério vantajosamente
simbólico. Sejam sensatas e sadias
em sua magnificência, retirando delas
as práticas bárbaras e excessivas que
geram terríveis consequências para a
saúde, e naturais reações, produto da
ignorância, com gravíssimo prejuízo
para a ideia religiosa.
Essi così intendono, così fanno, là
dove possono: ma Essi, che tutto vorrebbero poter fare, sono pochi di numero, come già si è visto, e dispongono di pochissime forze materiali.
Eles assim entendem e assim fazem,
onde podem: mas Eles, que gostariam de poder fazer tudo, são poucos,
como já vimos, e têm pouquíssimas
forças materiais.
Penso ai pochi fratelli dispersi Penso nos poucos irmãos dispersos
nell’intricata, immensa rete di fore- na intrincada e imensa rede de flores-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
334
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
ste dove tanti esseri attendono che
sia loro rivelata l’esistenza della
loro stessa anima; ai pochi fratelli
oranti, ploranti nel divino dolore
della loro insufficienza materiale.
tas onde muitos seres aguardam que
a existência de sua própria alma lhes
seja revelada; nos poucos irmãos de
oração, implorando na divina dor de
sua insuficiência material.
È quasi sempre, un solo frate che si
avventura attraverso i pericoli dello
spazio inesplorato, solo nell’ombra
delle foreste, nel fuoco del giorno,
nel mistero delle indefinibili notti
dell’equatore, sognando una capanna,
un accampamento, un qualunque
temibile segno di vita primitiva.
Quase sempre é um único frade que
se aventura pelos perigos do espaço
inexplorado, sozinho na sombra das
florestas, no fogo do dia, no mistério das indefiníveis noites do Equador, sonhando com uma cabana, um
acampamento, um qualquer sinal de
medo de vida primitiva.
Temibile per chiunque... fuorché
per il solitario fratello che vuole,
davanti a una Croce improvvisata,
e subito benedetta – altare augusto
sotto l’infinito azzurro – dir la prima Messa per chi forse amerà il suo
Signore. E se ne va, così l’illuminato solitario che è un soldato, che è
legione, che è, da sè solo, un esercito di salvezza: e sogna, e vuole.
Temível para qualquer um... exceto
para o irmão solitário que quer, diante de uma cruz improvisada e logo
benzida – um altar augusto sob o azul
infinito –, rezar a primeira Missa para
aqueles que talvez venham a amar seu
Senhor. E vai assim o iluminado solitário que é soldado, que é legião, que
é, por si mesmo, um exército de salvação, e sonha, e quer.
Nella cara figura, vero richiamo di
anime a raccolta, è l’espressione più
appassionatamente casta e generosa
del pensiero cristiano.
Na querida figura, verdadeiro apelo
das almas à colheita, é a expressão
mais apaixonadamente casta e generosa do pensamento cristão.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
335
Tradução de Karine Simoni
Notas
1. Traduzo “medichessa” por “médica”, com a seguinte observação: tanto “medica”
como “medichessa” são termos usados em italiano, mas, segundo a Accademia della
Crusca, medichessa conserva uma conotação ligada às práticas e figuras próprias
da arte médica do passado, mas que hoje estão à margem ou ausentes, como as
sacerdotisas dotadas de poderes mágicos curadores e capacidades divinas. Cf. https://
www.linkiesta.it/2017/02/la-crusca-si-puo-dire-anche-medica-e-medichessa/. Acesso
em 24 de novembro de 2020. [N.T.]
2. Tradução da autora. [N.T.]
3. Instrumento africano. [N.A.]
4. Tradução da autora. [N.T]
5. Em diversos momentos da narrativa, a autora apresenta estranhamento
e resistência à comida local, dizendo inclusive que teria ficado sem comer, e
utilizando expressões como intruglio [gororoba], abbominevole [abominável],
scorpacciate [comer sem controle], strano pasticcio [estranha confusão] ao se
referir aos costumes alimentares. [N.T.]
6. Barão de Santa Anna Néry (Belém do Pará, 1848-1901), intelectual brasileiro,
estudou em Paris e publicou diversos estudos sobre a Região Amazônica, dentre
as quais Le Pays des Amazones, L‘El-dorado, Les Terres a Caoutchouc. (1885)
[N.T.]
7. Ermanno Stradelli (Borgo Val di Taro, 1852 – Manaus, 1926), explorador,
fotógrafo e estudioso da Região Amazônica. Escreveu vários relatos de mitos e da
cultura dos povos indígenas, que foram publicados em 1890 no boletim da Società
Geographica Italiana. [N.T.]
8. Maximiano José Roberto (século XIX (?)), descendente de índios Manaos
e Tarianas, escritor brasileiro dedicado às histórias, mitos e lendas dos povos
amazônicos, reconhecido por ser o primeiro a compilar o mito de Jurupari. [N.T.]
9. Cucura ou purumã (Pourouma cecropiifolia), planta da família das moráceas,
pode alcançar 20 metros de altura e é originária da região amazônica ocidental
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
336
Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia
(Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela). Seus frutos, suculentos e adocicados,
nascem em cachos, daí a alcunha uva-da-amazônia. Na tradição indígena, a
árvore representa o bem e do mal. [N.T.]
10. Possivelmente refere-se a Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839),
militar, político e intelectual, um dos fundadores do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e autor, dentre outras obras, de Itinerário do Rio de Janeiro
ao Pará e Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiás (1836) Corografia
histórica da província de Minas Gerais (1837). [N.T.]
11. Palavra ilegível no texto de partida. [N.T.]
12. José Vieira Couto de Magalhães (Diamantina, 1937 – Rio de Janeiro, 1898),
militar, explorador, político, escritor e estudioso de vários grupos indígenas e
de suas línguas. Publicou, dentre outras obras, O selvagem (1876) e Ensaios de
antropologia (1894). [N.T.]
13. Embora tenha sido utilizado o termo “padre” em italiano, que significa “pai”,
pelo contexto pode-se aferir que provavelmente trata-se de um religioso, por isso
foi traduzido por “padre”. [N.T]
14. O trecho de José de Alencar foi extraído da edição Obra completa: Romance
histórico. Alfarrábios. Vol. 2. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1964. p. 274.
15. Segundo documento elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, as restaurações da imagem foram feitas em Portugal nos anos
de 1773 e 1840. (cf. pp. 84 e 86). http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/
PatImDos_Cirio_m.pdf. Acesso em 09 de janeiro de 2021. [N.T.]
16. Antônio Pádua Carvalho, jornalista, musicólogo, estudioso da cultura dita
popular. [N.T.]
17. Palavra ilegível no texto de partida. [N.T.]
18. Fernão Gonçalves Churrichão (falecido, acredita-se, em 1184) nobre português
alcaide de D. Afonso I, primeiro almirante da esquadra portuguesa, conhecido por
receber o primeiro milagre de Nossa Senhora de Nazaré. [N.T]
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
337
Tradução de Karine Simoni
19. Padre Simão de Vasconcelos (Porto, 1597 - Rio de Janeiro, 1671), jesuíta,
educador. Dentre suas obras estão Chronica da Companhia de Jesus do Estado
do Brazil (1663), Vida do Venerável Padre José de Anchieta (1672), Notícias
Necessárias e Curiosas da Cousas do Brasil (1668). [N.T.]
20. Batista Caetano de Almeida Nogueira (Camanducaia, MG, 1797 – São João d’ElRey, 1839), comerciante e político, desenvolveu, dentre outras atividades, a fundação
da Biblioteca Pública de São João d’El-Rey. [N.T]
21. João Jorge Maurer, agricultor e carpinteiro de ascendência alemã que,
juntamente com sua esposa Jacobina Mentz Maurer, conquistou seguidores para
as suas atividades de cunho espiritual-religioso que culminaram com o episódio
conhecido como a Revolta dos Muckers (1868-1874). [N.T]
22. Nome de uma seita que, com base na crença do retorno de São Sebastião,
promoveu o massacre de mais de 200 pessoas em 1838, no sertão de Pernambuco.
[N.T]
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021.
338
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84958
EMILIE SNETHLAGE, UMA PESQUISADORA
EXTRAORDINÁRIA EM UM UNIVERSO ACADÊMICO
MASCULINO
Reinhard Michael Eugen Arnegger1
1
Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
Nelson Sanjad2
2
Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará, Brasil
Foi traduzido do alemão um texto da pesquisadora Emilia Snethlage (1868-1929) com a seguinte referência bibliográfica: Snethlage, Emilia. «Zur Ethnographie der Chipaya und Curuahé».
Zeitschrift für Ethnologie, 42, 1910: pp. 605-637.
A revisão final dessa tradução é de Nelson Sanjad, pesquisador
do Museu Paraense Emílio Goeldi e grande conhecedor da etnologia alemã na Amazônia. Foi ele que incentivou a escolha desse
texto importante de Emilia Snethlage, argumentando que o texto
merecia muito uma tradução para o português, por ser a primeira etnografia sobre os Xipaya e Kuruaya, os quais nunca tiveram
acesso a esse texto pelo fato de estar em alemão.
O título do artigo foi traduzido como “Sobre a Etnografia dos
Xipaya e Kuruaya”. Sendo o texto incluído integralmente na ata da
sessão de 28 de maio de 1910 da Associação Berlinense de Antropologia, Etnologia e Pré-História, a qual era a editora da referida
revista, abrangendo as páginas 605 a 637, foi decidido traduzir a
referida ata por completo, guiado pelo seguinte motivo: a parte
introdutória da ata, as páginas 605 a 608, onde constam as informações atualizadas para os filiados da Associação, dá uma breve
impressão do contexto histórico da época. Porém, o motivo mais
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
importante é a nota preliminar do renomado etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg (609-611), que apresenta o texto de Emilia
Snethlage em um preâmbulo de três páginas.
Ao final do relato da pesquisadora, consta um glossário das
línguas Xipaya e Kuruaya (627-637), elaborado pela mesma. Para
poder concentrar-se na tradução, não foi incluído o glossário nesse
trabalho, mesmo sendo essa lista de palavras de suma importância
para as duas etnias. O glossário será objeto de um futuro estudo
linguístico separado, com base nas transcrições fonéticas das denominações Xipaya e Kuruaya, escritas em sinais diacríticos.
Theodor Koch-Grünberg (1872-1924) já era, na época, uma
autoridade acadêmica em sua área. O presente relato foi o primeiro texto etnológico publicado pela zoóloga e posterior Diretora
do Museu Emílio Goeldi, Emilia Snethlage, “o qual marcou seu
ingresso no círculo de antropólogos berlinenses, todos homens”
(Sanjad, 07). A existência de pesquisadoras era vista, em geral,
como uma ameaça. Poucas mulheres trabalhavam nessa época no
âmbito acadêmico e em posições destacadas. Sem dúvida, Emilia
Snethlage era uma pessoa insólita na etnologia e antropologia, tanto na Alemanha quanto no Brasil. Em 1914, tornou-se a diretora do
Museu Goeldi, em Belém, sendo a primeira mulher a dirigir uma
instituição científica na América do Sul.
Quanto à escolha de textos alemães sobre a Amazônia, diante
do exposto, Emilia Snethlage foi a primeira opção de uma lista de
exploradores, etnógrafos, botânicos e pesquisadores ilustres, tais
como Karl F. P. Von Martius e Johann B. Von Spix, Barão de Langsdorff, Príncipe Adalbert da Prússia, Robert Avé-Lallemant, Karl
Von den Steinen, Paul Ehrenreich, Princesa Therese da Baviera,
Theodor Koch-Grünberg e Curt Nimuendajú, entre outros.
A tradução dos dois textos de Emilia Snethlage (1910 e 1921),
apresentada nessa edição especial dos Cadernos de Tradução, dará
um panorama mais completo da obra etnológica dela, porque as
duas viagens são conectadas, com significativo ganho para os povos
do Xingu. O texto de 1910 foi publicado depois da primeira viagem
ao Xingu, feita em 1909 sob o patrocínio do Museu Goeldi. O texto
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021.
340
Nota dos Tradutores: Emilie Snethlage, uma pesquisadora extraordinária em um...
de 1921 refere-se à segunda viagem ao Xingu, feita em 1914 sob o
patrocínio do Museu Etnológico de Berlim (o texto só foi publicado
em 1921 devido à I Guerra Mundial, em 1914-1918). Nessa segunda viagem, Emilia Snethlage formou uma coleção de objetos Xipaya
e Kuruaya, que ela levou pessoalmente para Berlim em 1925.
Essa coleção está preservada até hoje e é a única existente no
mundo sobre essas duas etnias. Portanto, os dois textos são de
alta relevância e se complementam, sendo que o primeiro texto
(1910) tem o atrativo de ter sido produzido após a famosa travessia entre o rio Xingu e o rio Tapajós, enquanto o segundo
texto (1921) torna-se importante por ter sido produzido sob a
influência de Karl Von den Steinen e de Eduard Seler. Emilia
Snethlage chegou a viajar para Berlim em 1913 para negociar o
apoio do Museu Etnológico com Karl Von den Steinen. Eduard
Seler, etnólogo e membro de honra da Associação Berlinense de
Antropologia, Etnologia e Pré-História, escreveu as instruções
que ela deveria seguir para formar a coleção.
Mas, voltando para a tradução do relato da primeira expedição
de Emilia Snethlage, de maio a outubro de 1909: optou-se por uma
tradução moderadamente domesticada, no sentido de, por um lado,
atualizar os nomes dos topônimos, das localidades geográficas e das
etnias indígenas, por exemplo, Tapajós por Tapajoz, Jamanxim por
Jamanchim, assim como Xipaya e Kuruaya por Chipaya e Curuahé,
além de Juruna por Yurúna e Karajá por Caraja, sendo a atualização
dos etnônimos de acordo com as regras da nomenclatura antropológica. Eles foram utilizados apenas no singular e com inicial maiúscula quando substantivos que designam povos indígenas; quando
adjetivos, aparecem sempre no singular e com inicial minúscula.
Por outro lado, foram mantidas as denominações da pesquisadora quando se referiu aos indígenas, pois refletem uma perspectiva
absolutamente comum à época, insistindo na diferença cultural dos
brancos (identificados como “civilizados”, “cristãos”, “brasileiros”) e dos indígenas, a quem chama Indianer (“índio”, “índios”)
e, em sua coletividade, Stamm (“tribo”), denominações, atualmente, com uma conotação marcada, para não dizer politicamente
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021.
341
Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
incorreta. A tradução menos polêmica seria hoje “indígena(s)” e
“etnia” ou “povo”. Porém, o texto perderia seu timbre ou teor histórico, se essas denominações fossem modernizadas na tradução.
Nesse contexto, entra certa postura da pesquisadora, que marca
sutilmente as diferenças culturais entre ela e os indígenas (“meus
Kuruaya”, “número de cabeças” (613)), às vezes camuflando dependências mútuas durante uma viagem de meses (“Eu mesma tinha uma posição privilegiada, enquanto vivíamos da minha farinha.” (614)). O texto é um relato que corresponde às expectativas
da comunidade acadêmica e da instituição científica onde Emilia
Snethlage trabalhava. Sua tarefa como pesquisadora, etnóloga e
bióloga tinha como finalidade a descrição dos indígenas, suas estruturas sociais, suas habilidades, sua cultura e sua relação com a
natureza, além da pesquisa de novos animais e plantas, para complementar as coleções naturais abrigadas nas instituições científicas
e nos museus etnológicos e antropológicos na Europa e no Brasil.
A seguir, alguns breves comentários a respeito de particularidades na tradução do texto. Na página 609, Theodor Koch-Grünberg
comenta que “a viajante voltou ao Pará”. Pois, toda a viagem não
aconteceu no Pará? Até o início do século XX, o nome “Pará” era
usado com frequência para designar a cidade de Belém, além do
estado ou da província que fica à leste da Amazônia brasileira.
Em relação à tradução de títulos profissionais e de titulações
acadêmicas, buscou-se soluções aproximadas porque não existem
denominações correspondentes na língua alvo. Foram os casos de
“Geheimer Sanitätsrat” e “Privatdozent” na página 607, ou do título “Kreisphysikus” na página 608. Na mesma página, se mantem os títulos acadêmicos, que são de expressões latinas (studiosus
medicinae; doctor philosophiae; studiosus rerum naturalium), em
vez de traduzi-los. Nesse contexto, há de se mencionar o “falso
amigo” “Professor” (pág. 607), que, em alemão, significa um alto
título acadêmico, enquanto em português “professor” denomina a
profissão de uma pessoa que ensina alunos.
Repetidamente, a pesquisadora coloca a denominação em português junto com a tradução alemã, uma das duas entre parêntesis, por
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021.
342
Nota dos Tradutores: Emilie Snethlage, uma pesquisadora extraordinária em um...
exemplo em pág. 614, “mingau” (Suppe)”; “Kesseln (panellas)”.
Nesses casos foi traduzida a palavra alemã, o que resultou, às vezes, em uma dupla colocação. No caso da página 625, “Manoelsinho o chama de seu “padrão”, manteve-se o original, marcado com
[sic], porque se trata, evidentemente, de um erro ortográfico. Deve
ser um erro ortográfico também “páo”, na pág. 626.
Entre as várias dificuldades de traduzir para a língua portuguesa, destaca-se, para finalizar, somente um caso: a diferença
gramatical, como a língua original e a língua alvo expressam o discurso indireto. No alemão, o modo verbal subjuntivo, em concreto
Konjunktiv I e Konjunktiv II, marca a fala de terceiro(s), tal como
no inglês reported speech, enquanto que, em português, não se tem
uma estrutura semelhante para tal função. Muitas vezes se recorre a verbos dicendi (dizem que; fala-se) ou preposições (segundo;
conforme). Em nosso caso (610; segundo parágrafo) concreto, foi
resolvido usar dois pontos após a fonte da informação, o pesquisador Henri Coudreau, no sentido “conforme Coudreau ....”.
Especiais agradecimentos à professora visitante da UFPA, Katja Hölldampf, leitora do DAAD e coordenadora da Casa de Estudos Germânicos, que contribuiu com importantes sugestões para a
elaboração da presente tradução, além de sua disponibilidade e paciência na hora da formatação dos textos. Outro parceiro importante foi Danrley Ribeiro, estudioso em Tecnologias da Informação,
conseguindo com sua criatividade encontrar soluções para melhor
adequação do texto.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021.
343
Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Referência
Sanjad, Nelson. “Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os ‘etnógrafos berlinenses’:
rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã
na Amazônia no início do século XX”. Asclepio, 71(2), (2019): 273. https://doi.
org/10.3989/asclepio.2019.14.
Reinhard Michael Eugen Arnegger. E-mail: arnegger@ufpa.br. https://orcid.
org/0000-0003-0099-620X.
Nelson Sanjad. E-mail: nsanjad@museu-goeldi.br. https://orcid.org/0000-00026372-1185.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021.
344
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84959
SITZUNG VOM 28. MAI 1910, VORBEMERKUNG VON
THEODOR KOCH-GRÜNBERG, ZUR ETHNOGRAPHIE
DER CHIPAYA UND CURUHAÉ
Emilie Snethlage
Tradução de:
Reinhard Michael Eugen Arnegger1
1
Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
Nelson Sanjad2
2
Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará, Brasil
Sitzung vom 28. Mai 1910.
Sessão de 28 de maio de 1910.
Vorträge:
Palestras:
Hr. H. Virchow: Muskelmarken am
Schädel.
Hr. W. Pastor: Die Musik der
Naturvölker und die Anfänge der
europäischen Musik.
Sr. H. Virchow: Marcas Musculares no Crânio.
Sr. W. Pastor: A Música dos Povos
Antigos e o Início da Música Europeia.
Vorsitzender: Hr. C. Schuchhardt. Presidente: Sr. C. Schuchhardt.
(1) Hr. Karl von den Steinen, der (1) Ausência justificada do Sr. Karl
sich auf einer Reise in Schweden von den Steinen, que está viajando
befindet, lässt sich entschuldigen. pela Suécia.
(2) Hr. Geh. Sanitätsrat Dr. Franz (2) Faleceu em 2 de maio desse ano,
Volborth, einer der angesehensten aos 68 anos, o Sr. Conselheiro de
Ärzte des Berliner Westens, unser Saúde, Dr. Franz Volborth. Era
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
345
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Mitglied seit 1889, ist am 2. Mai d.
J. im Alter von 68 Jahren gestorben.
Hr. Professor Dr. Franz Nikolaus
Finck, Mitglied seit 1905, ist 42jährig
gestorben. Er war Privatdozent für
allgemeine Sprachwissenschaft an
der hiesigen Universität und dozierte
zugleich am Orientalischen Seminar.
Noch vor kurzem hatte er in der
Teubnerschen Sammlung „Aus
Natur und Geisteswelt” die beiden
Bändchen „Die Sprachstämme des
Erdkreises” und „Die Haupttypen
des menschlichen Sprachbaues”
erscheinen lassen.
um dos mais renomados médicos
do oeste de Berlim e nosso filiado
desde 1889.Faleceu aos 42 anos, o
Sr. Prof. Dr. Franz Nikolaus Finck,
filiado desde 1905. Era professor
associado de Linguística Geral da
Universidade daqui e dava aula, ao
mesmo tempo, no Departamento de
Estudos Orientais. Ainda, há pouco
tempo atrás, publicou dois pequenos
volumes “Os Troncos Linguísticos
da Terra” e “Os Tipos Principais
da Sintaxe Humana” na coleção da
editora Teubner, “Da Natureza e do
Mundo Espiritual”.
In Konstantinopel ist, wie kürzlich
schon in der prähistorischen
Fachsitzung erwähnt wurde, der
Direktor
des
Ottonmanischen
Museums Exzellenz Hamdy Bey,
unser korrespondierendes Mitglied
seit 1894, gestorben. Hamdy
war, wie wir sagen würden,
„Generalkonservator der Altertümer”
im Ottomanischen Reiche und hatte
damit die Aufsicht auch über die
Ausgrabungen der fremden Nationen
in Kleinasien, Syrien, Babylonien. Er
war für dieses Amt wie kein Anderer
geeignet, denn von Haus aus Maler,
war er von europäischer Bildung,
hatte in Paris studiert und auch eine
Französin geheiratet. So kam man
mit ihm leicht zu Vereinbarungen,
Faleceu em Constantinopla, o diretor do Museu Otomano, Sua
Excelência Hamdy Bey, filiado de
correspondência desde 1894, notícia já mencionada na reunião do
curso de Pré-História. Hamdy era,
como diríamos, “Conservador Geral das Antiguidades” do Império
Otomano e tinha que fiscalizar
também as escavações das nações
estrangeiras na Ásia Menor, Síria,
Babilônia. Era apto para esse cargo como ninguém, porque era pintor profissional, tinha uma formação europeia, estudou em Paris e
casou também com uma francesa.
Por isso a facilidade em chegar a
acordos com ele, que satisfaziam
as duas partes. A mais importan-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
346
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
die beide Teile befriedigten. Die
bedeutendste Erwerbung, die er
seinem Konstantinopeler Museum
zugeführt hat‚ sind die schönen
Sarkophage von Sidon, unter ihnen
der längst berühmt gewordene
Alexandersarkophag.
te aquisição para seu museu em
Constantinopla foram os belos sarcófagos de Sídon, entre eles o mui
famoso sarcófago de Alexandre.
Schliesslich habe ich noch eine ganz
frische und besonders schmerzliche
Trauernachricht Ihnen mitzuteilen,
die einen ganz Grossen der
Wissenschaft betrifft: Robert Koch
ist gestern Abend in Baden-Baden
67-jährig einem Herzleiden erlegen.
Fallen auch seine klassischen
Leistungen nicht in den Rahmen der
von unserer Gesellschaft gepflegten
Gebiete, so hat doch ein besonderes
Band ihn immer mit ihr verbunden.
Para finalizar, tenho que lhes comunicar uma notícia de luto muito
recente e muito triste, referente a
uma das grandes personalidades da
Ciência: Robert Koch faleceu ontem
à noite em Baden-Baden de uma
doença cardíaca, aos 67 anos. Mesmo que sua obra clássica não esteja
dentro do quadro das áreas de atividades nos quais nossa associação
costuma atuar, sempre houve um
laço especial entre nós.
Er ist ihr Mitglied fast von Anfang an
gewesen. Sein Name tritt in unserer
Zeitschrift zum erstenmal 1876 auf
in der lakonischen Notiz, dass „der
Kreisphysikus Koch zu Wollstein ein
kleines Tongefäss übersendet, das
er in dem benachbarten Burgwall
ausgegraben hat”. In jenen ruhigen
Jahren, wo Koch im Kreise
Bomst sass, hat er sich vielfach
mit
prähistorischer
Forschung
beschäftigt, Skelette ausgegraben
und Scherben studiert. Und auch viel
später hat er weit draussen und mitten
Era filiado da associação quase
desde sua criação. Em 1876, seu
nome apareceu pela primeira vez
em nossa revista, com a notícia lacônica que “o médico do distrito de
Wollstein, Koch, está enviando um
pequeno vaso de barro que escavou
na muralha do castelo vizinho”.
Naqueles anos tranquilos, quando
Koch estava na comarca de Bomst,
pesquisava muitas vezes questões
pré-históricas, escavava esqueletos
e estudava cacos. E mesmo muito mais tarde, sempre valorizava
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
347
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
in grosser Arbeit immer noch gern
auf dergleichen Tätigkeit geachtet. In
Ihrer aller Erinnerung ist der schöne
Vortrag, den er hier vor übervollem
Hause noch 1908 über merkwürdige
Felsenzeichnungen
und
seine
kulturhistorischen Beobachtungen
im Gebiet des Viktoria Nyanza
gehalten hat.
a esse tipo de atividade, longe de
casa e em meio de muito trabalho.
Estão lembrando com certeza da
bela palestra dele, ainda em 1908,
com plateia muito lotada, sobre estranhos desenhos rupestres e suas
observações histórico-culturais na
região do lago Victoria Nyanza.
(3) Novos filiados:
(3) Neue Mitglieder:
Sr. stud. med. Friedrich Schiff,
Hr. stud. med. Friedrich Schiff,
Berlim,
Berlin,
Sr. stud. Phil. Harald Cosak,
Hr. stud. phil Harald Cosak,
Wilmersdorf,
Wilmersdorf,
Sra. Baronesa v. Langen, conFrau Baronin v. Langen, geb.
dessa Schlieffen de nascimento,
Gräfin Schlieffen, Dresden,
Dresden,
Hr. Pastor Johannes Schmidt,
Ketzin a. d. Havel,
Hr. Dr. med. E. Thede,
Augustenburg, Kr. Sonderburg,
Hr. Dr. phil. P. Adloff,
Zahnarzt, Königsberg i. Pt,
Hr. cand. phil. Ludwig Carrière,
Charlottenburg,
Hr. stud. phil. Geza Roheim,
Charlottenburg,
Hr. stud. phil. Morton Jellinek,
Charlottenburg,
Hr. stud. rer. nat. Paul Wernert,
Tübingen,
Hr. Dr. T. Arne, Staatens
Sr. Pastor Johannes Schmidt,
Ketzin a. d. Havel,
Sr. Dr. med. E. Thede,
Augustenburg,
distrito
de
Sonderburg,
Sr. Dr. phil. P. Adloff, Zahnarzt,
Königsberg, Prússia,
Sr. cand. phil. Ludwig Carrière,
Charlottenburg,
Sr. stud. phil. Geza Roheim,
Charlottenburg,
Sr. stud. phil. Morton Jellinek,
Charlottenburg,
Sr. stud. rer. nat. Paul Wernert,
Tübingen,
Sr. Dr. T. Arne, Staatens
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
348
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Historiska Museum, Stockholm,
Frau
A.
Baumann-Seyd,
Hamburg,
Hr. stud. phil. Fritz Rochlitz,
Berlin.
Historiska Museum, Estocolmo,
Sra.
A.
Baumann-Seyd,
Hamburgo,
Sr. stud. phil. Fritz Rochlitz,
Berlim.
(4) Das Unterrichtsministerium hat
uns auch in diesem Jahr gütigst
1500 Mk. als Unterstützung für
unsere Bestrebungen bewilligt,
wofür hier der verbindlichste Dank
ausgesprochen sei.
(5) Der Vorsitzende spricht
Herrn Kiekebusch den Dank der
Gesellschaft aus für die Führung
am 29. April in Buch durch die
von ihm freigelegte germanische
Siedelung und Herrn Sökeland für
die Vermittlung der Besichtigung
der „Alte Leutestadt”.
(4) Também nesse ano, o Ministério de Educação concedeu, de maneira benévola, 1.500 marcos para
apoiar nossas atividades, ao qual
expressamos nossos maiores agradecimentos.
(5) O Presidente agradece em nome
da Associação ao Sr. Kiekebusch
pela visita guiada, em 29 de abril,
à colônia germânica descoberta por
ele em Buch, assim como ao Sr. Sökeland por ter facilitado a visita da
“Alte Leutestadt”.
(6) Unser Mitglied, Herr O. Hauser,
meldet die Wiederaufnahme der
Ausgrabungsarbeiten
auf
den
paläolithischen Stationen von Les
Eyzies und ladet zu ihrem Besuch
ein. Gegen 30 Niederlassungen
in den verschiedenen Tälern der
Dordogne bieten Gelegenheit,
die Entwicklungsgeschichte der
einzelnen Epochen zu studieren.
Das kleine Museum in der Laugerie
Haute ist vergrössert und das ganze
wissenschaftliche
Arbeitsgebiet
zu einem „Internationalen Institut
(6) Nosso filiado, o Sr. O. Hauser,
comunica a retomada das escavações nos sítios paleolíticos de Les
Eyzies, e convida para uma visita.
Aproximadamente 30 colônias em
vários vales da Dordogne oferecem a oportunidade para estudar o
desenvolvimento histórico das diferentes épocas. O pequeno museu
na Laugerie Haute foi ampliado, assim como a inteira área de pesquisa
científica para um “Instituto Internacional de Pesquisa Pré-histórica”.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
349
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
für prähistorische
ausgebaut worden.
Forschungen”
(7) Die sechste Tagung des Congrès
Préhistorique de France findet in
Tours (Indre-et-Loire) vom 21. bis
27. August statt.
(7) A sexta edição do Congrès
Préhistorique de France acontecerá
em Tours (Indre-et-Loire) no período de 21 a 27 de agosto.
(8) Wir erhalten die folgenden
Manuskripte über „die Chipaya und
Curuahé (Pará, Brasilien)”.
I. Th. Koch-Grünberg:
Vorbemerkung.
(8) Recebemos os seguintes manuscritos sobre “Os Xipaya e Kuruaya
(Pará, Brasil)”.
I Th. Koch-Grünberg:
Nota preliminar.
Im Sommer 1909 unternahm
Dr. E. Snethlage, Zoologin des
Goeldi-Museums in Pará, eine
Forschungsreise
vom
unteren
Xingú zum unteren Tapajoz, die
durch bisher gänzlich unbekanntes
Gebiet führte.
Em verão de 1909, a Dra. E. Snethlage, zoóloga do Museu Goeldi
no Pará, fez uma viagem de campo
desde o Baixo Xingu ao Baixo Tapajós, atravessando regiões totalmente
desconhecidas até o momento.
In Begleitung des Coronel Ernesto
Accioly,
des
einflussreichsten
Ansiedlers dieser Gegend, brach
die Reisende am 1. Juli von Forte
Ambé am oberen Ende der grossen
Xingú-Volta auf und fuhr zunächst
den Iriri (Guiriri), den grössten
linken Nebenfluss des Xingú,
der aus SW. kommt und unter
4° südl. Br. mündet, und darauf
seinen westlichen Zufluss Curuá
aufwärts. Am 15. August kam
man zur Maloka1) des Chipaya-
Em companhia do Coronel Ernesto
Accioly, o mais influente colono da
região, a viajante partiu em 1o de
julho, de Forte Ambé, localizado
na extremidade superior da Volta
Grande do Xingu, e subiu primeiro
pelo Iriri (Guiriri), o maior afluente à esquerda do Xingu, vindo do
sudoeste e desembocando em 4º da
latitude sul, e a seguir, subiu pelo
Curuá, afluente à direita. Em 15
de agosto chegaram à maloca1 do
cacique dos Xipaya, Manoelsinho,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
350
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Häuptlings
Manoelsinho,
der,
obwohl aus anderem Stamm, unter
den dortigen Curuahé-Indianern
eine Machtstellung einnimmt. Mit
sieben Curuahé (4 Männern und 3
Frauen) setzte Dr. Snethlage am
28. August die Reise allein fort
und wanderte in neun Tagen über
Land, einen 400 bis 500 m hohen
Granitgebirgszug kreuzend, bis zum
oberen Jamanchim2), einem unter
etwa 4° 40‘ südl. Br. mündenden,
rechten Nebenfluss des Tapajoz.
Am Abend des 7. Septembers wurde
in Rindenbooten die Weiterreise
angetreten, aber erst am Morgen
des 22. Septembers erreichte
man, ohne weitere Indianer
angetroffen zu haben, die erste
von Kautschuksammlern bewohnte
Hütte3). Über den Tapajoz und
Amazonas kehrte die Reisende dann
nach Pará zurück.
que exerce uma posição de poder
no meio dos índios Kuruaya locais,
mesmo sendo de outra tribo. Em 28
de agosto, junto com sete Kuruaya
(4 homens e 3 mulheres), a Dra.
Snethlage continuou a viagem sozinha e caminhou durante nove dias
pelo território, cruzando uma serra
de granito de 400 a 500 m de altura, até chegar ao Alto Jamanxim2,
um afluente à direita do rio Tapajós, que desemboca em 4º 40’ da
latitude sul. Em 7 de setembro, pela
noite, continuaram a viagem em canoas de casca, mas, somente pela
manhã de 22 de setembro chegaram
à primeira cabana3 de seringueiros.
Através do Tapajós e Amazonas a
viajante voltou ao Pará.
Ausser
zoologischen
und
botanischen
Ergebnissen
und
einer Routenkarte brachte diese
Reise auch der Ethnographie einen
Gewinn, besonders durch die
beiden folgenden Wörterlisten, mit
denen sich die Zugehörigkeit der
Stämme Chipaya und Curuahé jetzt
mit Sicherheit feststellen lässt.
Além de resultados zoológicos e botânicos e de um mapa do itinerário,
essa viagem proporcionou também
um ganho para a etnografia, sobretudo pelos dois glossários a seguir,
que permitem comprovar, agora
com certeza, o parentesco das tribos
Xipaya e Kuruaya.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
351
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Beide Stämme sind schon seit
längerer Zeit unter verschiedenen
Namen bekannt, die Chipaya als
„Acipoyas, Axipai, Juaicipoias,
Achipayes,
Achupayes,”
die
Curuahé als „Curiarés, Curiverés,
Curiérai,
Curiaias,
Curuayes,
Curiuayes, Curueyes”.
Ambas as tribos são conhecidas há
muito tempo com diferentes nomes,
os Xipaya como “Acipoyas, Axipai, Juaicipoias, Achipayes, Achupayes”, os Kuruaya como “Curiarés, Curiverés, Curiérai, Curiaias,
Curuayes, Curiuayes, Curueyes”.
Um die Mitte des 18. Jahrhunderts
werden die „Acipoyas” neben den
ihnen damals befreundeten Yurúna
als Anthropophagen erwähnt4).
Zu der Gründung von Porto de
Moz, Pombal, Souzel und anderen
Ortschaften am unteren Xingú durch
die Kapuziner und Jesuiten wurden
neben anderen Stiäimmen auch
„Curiarés” herangezogen5). Prinz
Adalbert von Preussen nennt (1843)
die „Axipai” einen kleinen Stamm,
„zahm, wenig geschickt und feig im
Krieg”. Sie lagen damals mit den
Yurúna und den „Curiérai”, die als
zahlreich und kriegerisch galten,
in beständiger Fehde, wurden
aber „immer zurückgeschlagen”6).
Im Jahre 1859 wurde an dem
linken Nebenflüsschen Tucuruhy,
unterhalb der grossen Volta,
ein bald wieder aufgegebener
Missionsversuch
gemacht.
In
der Liste der oberhalb der alten
Jesuitenmission ansässigen Stämme,
die man aus den Mitteilungen der
Aproximadamente pela metade do
século XVIII, mencionava-se que4
os “Acipoyas” seriam antropófagos,
além dos Juruna, amigos na época.
Para a fundação de Porto de Moz,
Pombal, Souzel e outras localidades
do Baixo Xingu pelos Capuchinhos
e Jesuítas, empregavam “Curiarés”,
além de outras tribos5. O Príncipe
Adalbert da Prússia chama (1843)
de “Axipai” uma tribo pequena,
“mansa, domesticada, pouco hábil e
covarde na guerra”. Na época, estavam em permanente conflito com
os Jurunas e com os “Curiérai”,
que tinham fama de ser numerosos
e guerreiros, porém “sempre recuavam”6. Em 1859 houve uma tentativa de criar uma missão, mas pouco
depois se desistiu, em Tucuruí, um
pequeno afluente à esquerda, abaixo
da Volta Grande. Na lista das tribos que vivem acima da antiga sede
da missão jesuíta, que foi elaborada
com base nas informações dos ín-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
352
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Indianer aufstellte, werden auch dios, constam também os “Juaicidie „Juaicipoias” und „Curiaias” poias” e os “Curiaias.7
aufgezählt7).
Die ersten genaueren Nachrichten
über die Wohnsitze der beiden
Stäimme, mit denen sich diese Arbeit
beschäftigt, verdanken wir Henri
Coudreau. Er gibt die „Achipayes”
oder „Achupayes” am Iriri an,
wo sie von der Niederlassung des
Ernesto Accioly an 15 Tagereisen
flussaufwärts mit der zivilisierten
Bevölkerung gemischt wohnten.
Darüber hinaus und am Curuá lebten
sie noch nach der Väter Weise,
aber friedlich. Die erste Maloka der
Achipayes am Curuá treffe man fünf
Tagereisen oberhalb der Mündung,
die zweite sieben Tagereisen oberhalb
dieser ersten. Die Achipayes
gehörten zu derselben Sprachfamilie
wie die Yurúna, mit denen sie
sich ziemlich leicht verständigen
könnten. Die „Curuayes, Curiuayes
oder Curueyes” hätten ihre Malokas
in den Wäldern auf dem linken
Ufer des Curuá. Wenn sie am Iriri
erschienen, bemerke man bei ihnen
europäische Gerätschaften, die sie
entweder von den Zivilisierten des
Jauamaxim (Jamanchim) durch
die Mundurukú8) oder von den
„Mucambos”9) des Curuá d‘Ituqui10)
durch die Arára11) erhielten. Sie
As primeiras informações mais
detalhadas referentes às aldeias de
ambas as tribos, às quais se dedica o presente trabalho, devemos
a Henri Coudreau: menciona os
“Achipayes” ou “Achupayes” do
Iriri, onde moravam misturados
com a população civilizada, há 15
dias de viagem rio acima, à partir
da propriedade de Ernesto Accioly.
Além disso, vivem na beira do
Curuá, ainda como os ancestrais,
porém pacíficos. Encontra-se a
primeira maloca dos Achipayes do
Curuá, após cinco dias de viagem
acima da embocadura, a segunda
maloca, a sete dias de viagem, acima da primeira. Sendo da mesma
família linguística que os Juruna,
os Achipayes conseguem comunicar-se com bastante facilidade com
eles. Os “Curuayes, Curiuayes ou
Curueyes” tem suas malocas na floresta à margem esquerda do Curuá.
Quando aparecem no Iriri, percebese que possuem utensílios europeus,
que conseguiram dos civilizados do
Jauamaxim (Jamanxim) através dos
Munduruku8, ou dos “Mucambos”9
do Curuá d’Ituqui10 [sic] através dos
Arara11. Às vezes aparecem mesmo
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
353
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
kämen bisweilen an dén Hauptstrom
selbst. Im Jahre 1895 sah man sie
oberhalb Piranhacuara12) in einem
Dutzend Kanus an verschiedenen
Punkten über den Xingú setzen
und einige Zeit später wieder zum
westlichen Ufer zurückkehren13).
no rio principal. Em 1895 foram
vistos acima de Piranhacuara12 em
uma dúzia de canoas, atravessando
o Xingu em diferentes pontos e, algum tempo depois, voltando para a
margem oeste13.
Dr. Snethlage traf die Chipaya und
Curuahé in demselben Kulturzustande
wie Karl von den Steinen im Jahre
1884 die Yurúna, die seitdem an Zahl
sehr zurückgegangen sind, ihre alten
Sitten grösstenteils aufgegeben haben
und in sklavischer Abhängigkeit von
den Kautschuksammlern stehen.
Neben dem vortrefflich gearbeiteten
Einbaum (ubá) gebrauchen die
Chipaya und Curuahé im Gegensatz
zu
diesem
letzteren
Stamme
Rindenboote, die sie in kurzer Zeit
herzustellen wissen. Ihre Waffen sind
der aus dunkelbraunem Holz sorgsam
verfertigte, wohl geglättete, über
mannshohe Bogen und verschiedene
Sorten Pfeile für Jagd, Fischfang
und Krieg. Die Inneneinrichtung
der Wohnungen ist die gleiche wie
bei den Yurúna14). Bei allen drei
Stämmen sind blaue Glasperlen
sehr beliebt und werden in dicken
Schnüren um den Hals, von den
Männern auch in über handbreiten
Gurten um die Taille getragen. Mehr
oder weniger breite Baumwollbänder
A Dra. Snethlage encontrou os Xipaya e Kuruaya no mesmo estado
cultural em que Karl von den Steinen encontrou os Juruna em 1884,
os quais, desde então, diminuíram
muito em número, abandonaram
grande parte de seus antigos costumes e vivem em dependência escrava dos seringueiros. Além da piroga muito bem trabalhada (ubá), os
Xipaya e Kuruaya utilizam canoas
de casca que sabem construir em
pouco tempo, ao contrário da tribo
mencionada acima. Suas armas são
o arco, mais alto que um homem,
talhado com muito cuidado, de madeira marrom-escuro e bem liso,
assim como uma série de diferentes
flechas para a caça, para a pesca e
para a guerra. O interior das moradias é igual ao dos Jurunas14. As
três tribos adoram missangas azuis e
as usam em cordões grossos no pescoço, os homens também em cintos na cintura, da largura de mais
de um palmo. Colocam várias fitas
de algodão, de larguras diferentes,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
354
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
werden an mehreren Stellen um
Arme und Beine gestrickt. Das
Haupthaar lassen beide Geschlechter
lang herabwallen. Die Bekleidung der
Männer und Weiber ist dieselbe, wie
sie Steinen von den Yurúna angibt.
Zum Schutz gegen das Eindringen
von Insekten und anderem kleinen
Ungeziefer dient der Penisstulp15),
der z. B. auch bei den benachbarten
Mundurukú und bei den Kayapó des
Araguaya im Gebrauch ist. Es ist eine
Hülse aus einem Streifen spröden,
gelben Palmstrohs, der in der Form
„eines oben wagerecht, unten schräg
abgeschnittenen Kegels”16) gerollt und
gefaltet wird. Die Frauen haben um
die Hüften ein meist selbstgewebtes,
breites Tuch geschlungen, das „an
einer Seite nachlässig bis obenhin
offen bleibt”17). Das eigenartige
Empfangszeremoniell der Yurúna18)
findet sich ebenso bei den Chipaya
und Curuahé.
nos braços e nas pernas. Ambos os
sexos têm cabelos grandes soltos. A
roupa dos homens e das mulheres é
a mesma que Steinen descreve para
os Juruna. Para se proteger da entrada de insetos e outros parasitas
serve o protetor peniano15, também
usado pelos vizinhos Munduruku,
vizinhos e pelos Kayapo do Araguaya. Trata-se de um estojo feito com
uma tira de palha de palmeira, áspera e amarela, enrolada e dobrada
na forma “de um cone16, em cima
cortada de maneira horizontal, embaixo de maneira transversal“. As
mulheres atam um pano largo pela
cintura, muitas vezes tecido por
elas, que “fica aberto, livremente, à
um lado até em cima”17. O estranho
cerimonial de recepção dos Juruna18
encontramos também entre os Xipaya e Kuruaya.
Ihren Sprachen nach gehören
die Chipaya und Curuahé, wie
ihre Nachbarn, die Yurúna und
Tukunapéua (Péna, Taconhapéz,
Tacanhopès,
Taquanhapès)
zur
Tupigruppe, und zwar ist das Chipaya,
wie schon Coudreau betont, dem
Yurúna eng verwandt, während das
Curuahé dem Mundurukú am nächsten
zu kommen scheint, wenn auch viele
Os Xipaya e Kuruaya pertencem,
conforme suas línguas, ao grupo
Tupi, tais como seus vizinhos, os
Juruna e Tukunapéua (Péua, Taconhapéz, Tacanhopês, Taquanhapês), embora o Xipaya seja muito
similar ao Juruna, como já frisou
Coudreau, o Kuruaya parece ser
mais próximo do Munduruku, mesmo que muitas palavras são total-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
355
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Wörter gänzlich verschieden sind.
Zum Vergleich habe ich für das
Chipaya die entsprechenden YurúnaWörter aus den Vokabularen Karl
von den Steinens19) (St.) und Henri
Coudreaus20) (C.) und für das Curuahé
die entsprechenden MundurukúWörter aus den Vokabularen
Martius‘21)
(M.)
und
Henri
Coudreaus22) (C.) herangezogen.
mente diferentes. Para o Xipaya,
recorri, para fins de comparação, às
palavras correspondentes dos Juruna, que se encontram nos glossários
de Karl von den Steinen19 (St.) e
de Henri Coudreau20 (C.), e para o
Kuruaya, às palavras correspondentes dos Munduruku, que fazem parte dos glossários de Martius21 (M.)
e de Henri Coudreau22(C.).
Beim Aufzeichnen der Wörterlisten
hat Dr. Snethlage mit dankenswerter
Sorgfalt die Aussprache der einzelnen
Laute beachtet und festgelegt, so
dass sich die Wörter leicht in ein
phonetisches Alphabet umschreiben
liessen. c vor a, o, u habe ich
durchweg durch k ersetzt; deutsches
j durch y; deutsches qu durch ku;
deutsches sch durch š; französisches
c vor e und i (z. B. ceá = Auge)
durch z; englisches th durch z des
„Anthropos-Alphabets23).
Na anotação dos glossários, a Dra.
Snethlage reparava e definia com
todo cuidado a pronúncia dos diferentes sons, assim, era fácil transcrever as palavras em um alfabeto
fonético. Eu substituí, geralmente,
c antes de a, o, u por k; o j alemão
por y; o qu alemão por ku; o sch
alemão por š; o c francês antes de e
e i (por exemplo, ceá = olho) por
z; o th inglês por z do “Alfabeto
Anthropos”23.
II. E. Snethlage:
II E. Snethlage:
Zur Ethnographie der Chipaya
und Curuahé.
Sobre a Etnografia dos Xipaya e
Kuruaya
Wohnsitze.
Moradias.
Ich selbst bin nur in einer Maloka Eu mesma estive em uma malogewesen, die dem bereits halb ca, a qual pertencia ao Xipaya
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
356
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
zivilisierten Chipaya Manoelsinho
gehörte. Sie lag etwa 1 1/2
Tagereisen oberhalb der letzten von
Seringueiros bewohnten „barraca”
am oberen Curuá, dem grössten
linken Nebenflusse des Iriri,
und wurde anscheinend nur von
dem Besitzer, seiner Familie und
einigen halb in Abhängigkeit von
ihm lebenden Curuahé bewohnt.
Von hier aus ging Coronel Ernesto
Accioly, der die Freundlichkeit
gehabt hatte, mich mitzunehmen,
noch einige Tagereisen weiter
flussaufwärts und besuchte eine
Familienmaloka der Curuahé, die
einzige dieses Stammes, von der ich
gehört habe. Sie lag nicht am Fluss
selbst, sondern an einem in diesen
mündenden Jgarapé und war noch
nie vorher von Brasilianern besucht
worden. Leider konnte ich den
Coronel nicht begleiten, da ich bei
seiner Abfahrt heftig an Malaria litt.
Manoelsinho, já meio civilizado.
Situava-se, aproximadamente, a 1
½ dia de viagem acima da última
“barraca” dos seringueiros no Alto
Curuá, o maior afluente à esquerda do Iriri. Na maloca moravam,
aparentemente, o proprietário, sua
família e alguns Kuruaya, que meio
dependiam dele. O Coronel Ernesto Accioly, que teve a gentileza de
levar-me, continuou a subir o rio
a partir de lá, durante alguns dias
de viagem, e visitou uma maloca
familiar dos Kuruaya, a única dessa tribo, da qual ouvi falar. Não
se situava à margem do rio, mas à
margem de um igarapé que desembocava nele, e nunca foi visitada
antes por brasileiros. Infelizmente
não pude acompanhar o Coronel,
porque adoeci fortemente de malária quando ele partiu.
Früher scheinen die Curuahé auch
weiter abwärts gewohnt zu haben,
wenigstens passierten wir einige
Tage vor der Ankunft in der Maloka
die Mündung eines jetzt nicht mehr
bewohnten Igarapé dos Curuahés.
Pelo visto, antes os Kuruaya também moravam mais abaixo, pois,
alguns dias antes de chegar à maloca, passamos pela desembocadura de um Igarapé dos Kuruaya não
mais habitado.
Bei der Rückkehr begleiteten den Na volta, o Coronel Ernesto estava
Coronel Ernesto, ausser einer acompanhado por muitos Xipaya do
Anzahl Curuahé aus der eben Alto Curuá, além de alguns Kurua-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
357
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
erwähnten
Maloka
(darunter
meine späteren Begleiter zum
Jamanchim), auch viele Chipaya
vom oberen Curuá. Ausserdem
soll dieser Stamm sich noch am
oberen Iriri finden, aber erst weit
oberhalb der Curuámündung. Acht
Tage oberhalb von letzterer wohnen
jedenfalls noch Seringueiros.
ya da mencionada maloca (entre
eles, meus futuros acompanhantes
para o Jamanxim). Dizem que, além
disso, essa tribo encontra-se ainda
no Alto Iriri, porém, muito acima
da desembocadura do Curuá. Em
todo caso, seringueiros ainda vivem
a oito dias de viagem rio acima.
Sowohl am Iriri wie am Jamanchim
hörte ich, dass die verlassenen
„malokas” am letzteren Flusse
(soweit ich sie gesehen habe, nur
alte Lichtungen) früher von Curuahé
bewohnt gewesen seien, die sich erst
ganz kurz vor Ankunft der ersten
Seringueiros von dort zurückgezogen
hätten. (Der untere Jamanchim ist seit
etwa 20, der obere bis zu den grossen
Fällen erst seit 6 Jahren besiedelt.)
Ob das mehr ist als eine willkürliche
Kombination, entstanden aus dem
Vorhandensein alter Pflanzungen
aus Jamanchim einerseits und
andererseits aus dem Umstande,
dass tatsächlich Curuahé (übrigens
auch Chipaya) noch heute bis zu
diesem Flusse streifen, kann ich nicht
sagen. Jedenfalls sind wohl nicht,
wie mir gleichfalls erzählt wurde, die
Curuahé erst vom Jamanchim aus an
den Curuá eingewandert24), da ausser
Coudreau bereits Prinz Adalbert von
Preussen einen Stamm Curiérai aus
Ouvi falar que, tanto no Iriri como
no Jamanxim, as “malocas” abandonadas no último rio foram ocupadas antes pelos Kuruaya (vi delas
somente clareiras antigas), que se
retiraram pouco antes da chegada dos primeiros seringueiros. (O
Baixo Jamanxim foi colonizado
há mais ou menos 20 anos, o Alto
Jamanxim, até as grandes cachoeiras, há somente 6 anos). Não posso afirmar, se isso é mais do que
uma combinação arbitrária, resultado, de um lado, da existência de
antigas plantações no Jamanxim e,
por outro lado, do fato de que, até
hoje, os Kuruaya (aliás também os
Xipaya) perambulam por esse rio.
Em todo caso, acho que os Kuruaya
não imigraram a partir do Jamanxim para o Curuá,24 tal como me
foi contado, porque, além de Coudreau, o Príncipe Adalbert da Prússia menciona uma tribo Curiérai da
região do Xingu. No máximo, po-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
358
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
dem Xingúgebiet erwähnt. Höchstens
könnte es sich wohl um einen am
Jamanxim ansässigen Zweig dieses
Stammes handeln, der sich bei
Annäherung der Kautschuksammler
zu seinen Genossen zurückgezogen
hätte. An dem von mir befahrenen,
bisher unerforschten Teil des Flusses
fand sich keine Spur von alten
Niederlassungen, geschweige denn
von bewohnten Malokas, und meine
Curuahé (darunter ein alter Mann)
kannten den Fluss selbst offenbar gar
nicht. Sie schienen früher höchstens
bis zu seinem Ufer gekommen
zu sein. Dagegen zeichnete mir
Manoelsinho, der am Jamanchim
fälschlich für einen Curuahé gilt,
eine Skizze des Curuá sowie des
Jamanchim (mit seinen Nebenflüssen
Arurý und Tocantins) und des Tapajoz
in den Sand, die im wesentlichen den
wirklichen Verhältnissen entsprach.
Er soll vor zwei Jahren selbst am
Jamanchim gewesen sein und dort
einen Brasilianer ermordet haben.
Vielleicht weigerte er sich deswegen
so hartnäckig, mich selbst zu
begleiten.
deria muito bem ter sido um ramo
dessa tribo residente no Jamanxim,
que se retirou para perto de seus
companheiros, quando os coletores
de borracha se aproximaram. No
trecho do rio ainda desconhecido,
por onde viajava, não havia nenhum
vestígio de assentamentos antigos,
muito menos de malocas habitadas,
e meus Kuruaya (entre eles, um
idoso), pelo visto, não conheciam
absolutamente nada sobre o rio.
Parece que, antigamente, chegavam, quando muito, até sua margem. Por outro lado, Manoelsinho,
o qual, no Jamanxim, identificam
por engano como um Kuruaya,
desenhou, na areia, um esboço do
Curuá para mim, assim como do Jamanxim (com seus afluentes Arury
e Tocantins) e do Tapajós, o que
correspondeu, a grosso modo, às
relações verdadeiras. Dizem que
ele próprio esteve no Jamanxim há
dois anos e que assassinou, por lá,
um brasileiro. Talvez fosse por isso
que recusou persistentemente a me
acompanhar.
Ich kann weder über die Kopfzahl,
noch über die Zahl der Malokas
beider Stiämme näheres angeben;
doch scheinen mir die Chipaya
zweifellos der bedeutend stärkere, wie
Não tenho maiores informações sobre o número de cabeças nem de
malocas de ambas as tribos; mas,
me parece que os Xipaya são, sem
dúvida, a tribo consideravelmente
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
359
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
auch bedeutend angesehenere Stamm
zu sein. Die Bewohner der CuruahéMaloka, aus der meine Begleiter
stammten, schienen Manoelsinho
direkt als ihren Führer zu betrachten.
Es hiess, sie wollten ihn an Stelle
ihres verstorbenen Oberhauptes zum
„Tuschaua” machen.
mais forte, e com mais prestígio.
Parece que os habitantes da maloca
dos Kuruaya, de onde vieram meus
acompanhantes, consideravam Manoelsinho diretamente como seu líder. Falavam que queriam nomeá-lo
de “Tuchaua” no lugar do seu cacique falecido.
Kulturverhältnisse.
Relações culturais.
Manoelsinhos Maloka, die einzige,
die ich, wie gesagt, gesehen habe,
machte einen etwas provisorischen
Eindruck. Sie war rechteckig,
hatte keine geschlossenen Wände,
sondern bestand einfach aus einem
riesigen, auf Pfosten ruhenden Dach.
Auf einer Art Hängeboden, der
sich über ein knappes Viertel der
Grundfläche ausdehnte, befanden
sich Körbe mit Farinha und anderen
Nahrungsmitteln, und wurden Waffen
u. dgl, aufbewahrt. Ein kleineres
Gestell beherbergte Manoelsinhos
Kulturschätze, vor allem einige Koffer
mit europäischen Kleidungsstücken.
Unmittelbar neben dem Haupthause,
so dass Giebel an Giebel stiess, befand
sich ein zweites, gleich primitives
Haus, dem sogar der Hängeboden
fehlte. Eine Scheidewand im Innern
war nicht vorhanden; es sah so aus,
als ob das ursprüngliche Haus nur
durch einen Anbau hätte vergrössert
A maloca de Manoelsinho, a única
que vi, como já falei, dava a impressão de ser um pouco provisória.
Era retangular, sem paredes fechadas, mas com um telhado enorme,
apoiado em cima de postes. Em um
tipo de sótão, que se estendia por
quase um quarto da base, havia cestas com farinha e outros alimentos,
e onde guardavam também armas e
coisas parecidas. Uma pequena estante abrigava os tesouros culturais
de Manoelsinho, sobretudo algumas
malas com roupas europeias. Logo
ao lado da casa principal, tinha uma
segunda casa, igualmente primitiva, onde as cumeeiras se tocavam,
faltando inclusive o sótão. Dentro
não havia uma divisória; dava a impressão que tinham planejado só um
anexo para ampliar a casa original.
Uma barraca menor, também aberta, ficava um pouco mais para trás.
O conjunto, logo acima da margem
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
360
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
werden sollen. Ein kleinerer,
gleichfalls offener Schuppen stand
etwas zurück. Das Ganze befand sich
unmittelbar über dem hohen Ufer auf
einem ziemlich schmalen Damm,
der in einer Ausdehnung von 100 m
Länge von Vegetation gesäubert war.
alta, estava situado em um dique
bem estreito, que havia sido limpo
de vegetação em uma extensão de
100 m de comprimento.
Der dem Ufer abgewendete Abhang
sowie eine kleine anschliessende
Lichtung waren erst ganz kürzlich
entwaldet worden. Noch schwelte
das Feuer in den wild übereinander
liegenden
Stämmen.
Dagegen
befand sich am anderen Ufer des
Flusses eine ältere Pflanzung, die
bereits Bananen, Mandioca usw.
lieferte Auch während unserer
Reise den Curuá aufwärts hatten
Manoelsinho und seine Leute, die
dem Coronel bis Bocca do Curuá
entgegengekommen waren und
uns begleiteten, verschiedene Male
alte, im Walde versteckt liegende
Pflanzungen aufgesucht und von
dort Bananen, Mandioca, Iniam
geholt. Ich denke mir, es handelte
sich auch hierbei um Wohnsitze, die
bei der Annäherung der Seringueiros
verlassen worden waren. Doch
habe ich keine dieser Pflanzungen
selbst besucht, da die Indianer
aus leicht begreiflichen Gründen
die betreffenden Stellen geheim zu
halten suchten. Die Chipaya sollen
A encosta oposta à margem, assim
como uma pequena clareira anexa,
foram desmatadas há muito pouco
tempo atrás. O fogo ardia ainda,
sem chamas, nos troncos espalhados, um em cima do outro, desordenadamente. Por outro lado, na
outra margem do rio, havia uma
plantação antiga, que fornecia bananas, mandioca, etc. Também durante nossa viagem, subindo o rio
Curuá, Manoelsinho e seu pessoal,
o que conheceu o Coronel na Bocca
do Curuá e que nos acompanhava,
procuraram várias vezes plantações
antigas, escondidas na floresta, para
pegar bananas, mandioca, inhame.
Penso que se tratava também de
habitações, que foram abandonadas
quando os seringueiros se aproximaram. Porém, não fui ver pessoalmente nenhuma das plantações,
porque os índios, por motivos bem
óbvios, tentavam ocultar os referidos lugares. Dizem que os Xipaya
se deslocam bastante e trocam muitas vezes o lugar de residência; tal-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
361
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
viel wandern und oft die Wohnsitze vez assim se explique o caráter priwechseln; vielleicht erklärt sich mitivo da maloca do Manoelsinho.
daraus der primitive Charakter von
Manoelsinhos Maloka.
Das Hausgerät bestand aus wenigen
niedrigen und kleinen Schemeln, einer
Anzahl Kalabassen ohne Malerei und
Verzierung, geflochtenen Körben und
ein
paar
Kesseln
(panellas)
europäischen Ursprungs. Gekocht
wurde sehr primitiv zwischen ein paar
Steinen auf dem Boden inmitten der
Maloka. Die Hauptgerichte waren
„mingau” (Suppe) aus
a
Os utensílios domésticos consistiam
em alguns poucos banquinhos pequenos e baixos, uma série de cabaças sem pintura e adorno, cestas
entrançadas e algumas panelas (panellas) de origem europeia. Cozinhavam de maneira bem primitiva,
entre algumas pedras no chão, no
meio da maloca. Os pratos principais eram “mingau” (sopa) de
b
Abb. 1. Chipaya und Curuahé.
Ilustr. 1. Xipaya e Kuruaya.
a Curuahé João (mit Bogen und Vogelpfeilen). a Kuruaya João (com arco e flechas para
b Curuahé Topa (mit Fischpfeil).
caçar pássaros).
b Kuruaya Topa (com flecha para pescar).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
362
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
verkochten Bananen oder „farinha”
(Mandiocamehl) und gekochter
oder am offenen Feuer gebratener
Fisch. Zur Mahlzeit hockte man
sich gewöhnlich direkt um die
Feuerstelle. Bestimmte Tageszeiten
wurden dabei nicht eingehalten;
man kochte, briet und ass je nach
der Rückkehr der Jäger. Nur
der Morgenmingau wurde von
Manoelsinhos Frau mit einer
gewissen Zeremonie vor der Hütte
verteilt, und zwar der Reihe nach,
anscheinend nach der Vornehmheit
der gerade Anwesenden, erst
Männer, dann Frauen. Übrigens
hielten auch meine CuruahéBegleiter auf der Reise beim Essen
eine ganz bestimmte Reihenfolge
ein; erst erhielten, dem Alter nach,
die Männer ihren Anteil, danach die
Frauen. Ich selbst hatte anfangs eine
Art Ausnahmestellung, so lange wir
nämlich von meiner Farinha lebten.
bananas cozidas ou “farinha” (farinha de mandioca) e peixe cozido
ou frito, no fogo à lenha. Para a
refeição, sentava-se geralmente ao
redor da fogueira. Não seguiam nenhum horário fixo; de acordo com
a hora da volta dos caçadores, eles
cozinhavam, fritavam e comiam.
Somente o mingau da manhã era
distribuído, pela esposa de Manoelsinho, com certa cerimônia, em
frente da maloca, um após o outro,
pelo visto, conforme a importância dos que estavam presentes nesse momento, primeiro os homens,
depois as mulheres. A propósito,
meus acompanhantes Kuruaya também seguiam, ao longo da viagem,
uma certa ordem nas refeições; primeiro eram os homens, conforme a
idade, que recebiam sua parte, depois as mulheres. Eu mesma tinha
uma posição privilegiada, enquanto
vivíamos da minha farinha.
Die
Hängematten
waren
selbstgewebt oder -geflochten, ob
aus Baumwolle oder Fasern wage
ich jetzt nicht mehr mit Sicherheit
zu sagen. Ich sah zwei verschiedene
Arten, beide sehr schwer und von
schmutzig brauner Farbe, nicht
gemustert. Die eine, kleinere, war
lose geknüpft, die andere, grössere,
ziemlich fest gewebt.
As redes eram tecidas ou trançadas
por eles mesmos, se eram de algodão ou de fibras, não ouso dizer
agora com certeza. Vi dois tipos
diferentes, ambos muito pesados e
de cor marrom-sujo, sem desenho.
A rede menor era tecida com tramas
mais soltas, a outra, maior, era tecida com firmeza.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
363
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Der sehr schlecht gehaltene staubige
und schmutzige Fussboden der
Maloka wurde, je nach Bedarf‚ mit
hübsch geflochtenen Matten aus
Assahy (Euterpe)-Blättern bedeckt.
Einmal sah ich einige Frauen
Baumwolle spinnen vermittels einer
kleinen, einfach auf dem Boden
herumschnurrenden Spindel.
a
Cobriam o chão da maloca, muito
mal cuidado, poeirento e sujo, conforme a necessidade, com esteiras
de folhas de açaí (Euterpe) bonitas
e bem trançadas.
Vi, em uma ocasião, algumas mulheres fiando algodão, com a ajuda
de um fuso pequeno, que chiava
pelo chão.
b
c
Abb. 2.
Curuahé, die Führer von E. Snethlage.
a Topa. b João. c Maitumá.
Ilustr. 2.
Kuruaya, os guias de E. Snethlage.
a Topa. b João. c Maitumá.
Die Kleidung beider Geschlechter,
sowohl der Chipaya als der
Curuahé, erinnerte mich sehr an die
Beschreibungen und Abbildungen,
die sich von den Xingú-Yurúna bei
As roupas de ambos os sexos, tanto dos Xipaya como dos Kuruaya,
me lembram muito das descrições e
ilustrações, que temos do Príncipe
Adalbert e de Karl von den Stei-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
364
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Prinz Adalbert und Karl von den
Steinen finden. Die Frauen trugen
zum grössten Teil selbstgewebte,
zum Teil jedoch schon aus Kattun
hergestellte Schurze, die nicht in
der Taille, sondern etwas über der
Oberschenkelbeuge
anschlossen
und bis an die Knie reichten.
Diese wurden nur oben, auf der
Seite geschlossen (eingeschlagen
und gerollt), so dass beim Gehen
und Sitzen das eine Bein sichtbar
wurde.25) Der Oberkörper war
nackt, aber oft mit ungeheuren
Mengen von Schmuck behangen,
und zwar sowohl mit Schnüren
von Glasperlen als mit Ketten von
kleinen Früchten, Zähnen, auch
wohl Kombinationen von beiden. An
den Hand- und Fussgelenken trugen
einige junge Frauen eng anliegende,
etwa handbreite „Pulswärmer” von
Glasperlen, die auf blauem Grunde
weiss gemustert waren.
nen sobre os Juruna do Xingu. As
mulheres vestiam aventais, em sua
maioria tecidos por elas mesmas,
mas alguns já feitos de chita, não
fechados na cintura, mas sim na dobra da coxa, estendidos até o joelho.
Na parte de cima fechavam somente
de um lado (dobrados e enrolados),
assim, ao andar e ao sentar, ficava
visível uma das pernas.25 A parte superior do corpo era nua, mas
penduravam uma quantidade enorme de adornos, seja de cordões de
missangas, seja de colares de frutos
pequenos, de dentes, ou mesmo da
combinação de ambos. Nos pulsos
e tornozelos, algumas mulheres jovens tinham “protetores de pulso”
bem apertados, com a largura de um
palmo de mão, feitos de missangas,
com desenhos brancos em fundo azul.
Die Männer trugen fast sämtlich
breite, eng anliegende blaue
Perlgurte um die Hüften und häufig
armdicke, aus zusammengedrehten
blauen Perlschnüren hergestellte
Halsbänder, oft auch Ketten aus
Jaguar-,
Schweinsoder
Affenzähnen. Halbwüchsige Jungen
hatten manchmal ein schmales, mit
Fransen verziertes blau-weisses
Quase todos os homens tinham cintos de missangas azuis, apertados na
cintura, e muitas vezes colares de
cordões de missangas azuis com a
largura de um braço, também muitas vezes colares de dentes de onça,
de porco ou de macaco. Meninos
adolescentes tinham, às vezes, no
braço uma fita estreita de missangas
azul-e-brancas, com franjas como
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
365
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Perlenband um einen Oberarm
gebunden. Seltener hatten ähnliche,
aber breitere Armbänder auch
Männer und Frauen. Kleinere
Kinder trugen entweder gar keinen
Schmuck oder nur um den Hals
Ketten und oft schwere Lasten von
Perlschnüren.
a
decoração. Poucas vezes homens
e mulheres tinham fitas parecidas,
porém mais largas. Crianças menores não tinham adorno nenhum ou
só tinham colares, e muitas vezes
cordões de missangas pesadas.
b
c
Abb. 3. Curuahé, die Führer von E.
Snethlage.
a Topa. b João. c Maitumá.
Ilustr. 3.
Kuruaya, os guias de E. Snethlage.
a Topa. b João. c Maitumá.
Reichtum und Ansehen eines
Indianers scheinen direkt in der
Menge von Perlen, mit denen er
selbst und seine Familie behangen
ist, zum Ausdruck zu kommen. Als
Farbe wurde hell- oder dunkelblau,
Pelo visto, a riqueza e o prestígio
de um índio se expressam diretamente pela quantidade de missangas
penduradas nele e em sua família.
A cor preferida era azul-claro ou
azul-escuro, enquanto branca era
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
366
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
bei Halsketten oder den gemusterten
Armbändern der Frauen und Knaben
auch weiss bevorzugt. Die Perlen,
welche ich zur Bezahlung bei mir
hatte, waren weder der Farbe noch
der Form nach richtig, wurden
jedoch, wenn auch ohne grosse
Begeisterung, von meinen Führern
als Abschlagszahlung angenommen
und vom alten Maitumá und seiner
Frau sogar einige Tage getragen.
a cor preferida nos colares e nas
fitas de braço das mulheres e dos
meninos. As missangas que levava
comigo como forma de pagamento,
não eram as corretas na cor nem na
forma, porém, meus guias as aceitaram sem muito entusiasmo como
entrada, e o velho Maitumá e sua
esposa até andaram com elas durante alguns dias.
Um Oberarme und Fussknöchel fast
stets, um Handgelenk und unterhalb
des Knies meistens, trugen sowohl
Männer als Frauen etwa zweifingerbis handbreite Baumwollbänder,
die hin und wieder mit einer in
einem Beutelchen auf bewahrten
Farbmasse feuerrot aufgefärbt
wurden. Als Herkunftspflanze der
Farbe wurde mir „Banana braba”
(?) genannt. Dem Tone nach schien
es Urucú zu sein. Diese Bänder
lagen sehr fest an, besonders am
Oberarm, so dass die Muskeln auf
beiden Seiten hervorquollen.
Tanto os homens como as mulheres
tinham fitas de algodão da largura de
um palmo, quase sempre nos braços
e tornozelos, muitas vezes no pulso
e abaixo do joelho, tingidas, de vez
em quando, com uma massa de cor
vermelho-fogo que guardavam em
uma bolsinha. Contaram que a planta que fornece a tinta era “banana
braba” (?). De acordo com a tonalidade parecia ser urucum. Essas fitas
eram bem apertadas, na parte superior do braço, de modo que os músculos sobressaiam nos dois lados.
Das Haar trugen beide Geschlechter
lang, bis etwa zum Gürtel
herabhängend, meistens in der
Mitte gescheitelt. Auf der Mitte des
oberen Stirnrandes war bei allen
ein etwa markstückgrosser, runder
Fleck ausgeschnitten, der mit einer
Ambos os sexos tinham cabelos longos, chegando mais ou menos até
a cintura, quase sempre repartidos
no meio. No meio da testa superior,
todos tinham uma marca redonda,
cortada co o tamanho de uma moeda, coberta por uma camada fina,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
367
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
dünnen, etwas flockigen, feuerroten algo fofa e de cor vermelho-fogo.
Schicht bedeckt war. Es sah aus, als Aparentemente aplicavam a tinta em
sei die Farbe auf eine dünne Lage uma camada fina de algodão cru26.
von Rohbaumwolle aufgetragen26).
Federschmuck sah ich nur bei zwei
Männern, und auch von ihnen
wurde er nur zeitweilig angelegt.
Ein älterer Chipaya trug morgens
manchmal einen Kranz aus gelben
Ararafedern. Diese fielen nach
abwärts, so dass das ganze etwa wie
eine kopflose, breite Hutkrempe
wirkte (vgl. auch Abb.4). Ein
anderer noch sehr junger Indianer,
gleichfalls Chipaya, trug eine lange,
aufrechtstehende Schwanzfeder des
Araras durch das Ohr gesteckt.
Só vi cocares em dois homens, e
mesmo eles os colocavam somente
de vez em quando. Um velho Xipaya usava pelas manhãs, às vezes,
um cocar de penas amarelas de arara. Essas ficavam viradas para abaixo, de modo que dava a impressão
de ser uma aba larga de chapéu,
sem a parte da cabeça (cf. Ilustr. 4).
Um outro índio ainda bem jovem,
também Xipaya, usava uma longa
pena de cauda de arara, que perfurava a orelha.
Abb. 4. Chipaya-Ehepaar.
(Der Mann war im Gesicht bemalt; seine
Körperhöhe betrug 161 ¾ cm.)
Ilustr. 4. Casal de Xipaya.
(O homem estava com pintura facial; sua
altura era de 161 ¾ cm)
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
368
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Tatauierung habe ich nicht gesehen;
dagegen waren alle mehr oder
weniger bemalt. Durchgehends
hatten Männer sowohl wie Frauen
düster bläulich (mit Genipapo?)
gefärbte Lippen; viele hatten breite
Ringe von derselben Farbe um Fussund Handgelenke, einer (der mit
der Federkrone) war im Gesicht,
besonders auf der Stirn und unter
den Augen mit zierlichen Ringelund Bogenmustern bemalt, die
jedoch nicht sehr stark hervortraten.
Não vi nenhuma tatuagem; por outro lado, todos estavam pintados,
alguns mais, outros menos. Sem
exceção, tanto os homens como as
mulheres, pintavam os lábios de
azul escuro (com jenipapo?); muitos
tinham anéis largos, da mesma cor,
nos tornozelos e nos pulsos, um
deles (aquele com o cocar) estava
pintado no rosto, sobretudo na testa
e debaixo dos olhos, com finos desenhos circulares e arqueados, sem
que eles se destacassem muito.
An selbstgefertigten Waffen sah
ich nur Bogen und Pfeile, ersterer
etwa mannslang, aus dunklem Holz
gefertigt. Von den Pfeilen gab es
drei verschiedene Arten, über deren
nähere Beschaffenheit ich leider nur
wenig angeben kann. Am besten
lernte ich den Fischpfeil kennen,
der aus einem langen, ungefiederten
Rohr bestand, an welches vermittelst
einer vielfach umwickelten Schnur
ein etwa fusslanges Stück aus
festem dunklem Holz mit einfacher,
kurzer Spitze angefügt wurde. War
ein Fisch getroffen, so löste sich
das Spitzenstück vom Rohr, blieb
aber vermittelst der Schnur mit der
Spitze vereinigt, so dass man den
getroffenen Fisch mit Leichtigkeit
aus dem Wasser ziehen konnte. Bei
der Jagd auf die mächtigen Trahiras
De armas feitas por eles, só vi arco
e flechas, os primeiros feitos de madeira escura, mais ou menos da altura de um homem. Das flechas havia
três tipos diferentes, mas, infelizmente, pouco posso informar sobre
suas caraterísticas. Conheci melhor
a flecha de pesca, que consistia em
um cano comprido sem penas, ao
qual, através de um barbante que o
embrulhava várias vezes, estava ligado um pedaço de madeira escura
e forte, com ponta simples e curta,
do tamanho de um pé. Quando atingia um peixe, a ponta se desprendia
da haste, mas ficava ligada através
do barbante, de modo que era fácil
de retirar o peixe da água. Durante
a pesca das fortes traíras (Macrodon), que não eram incomuns no Jamanxim, às vezes a ponta quebrava.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
369
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
(Macrodon), die im Jamanchim nicht
selten waren, zerbrach die Spitze
manchmal. Doch fand sich das nötige
Ersatzholz ziemlich häufig am Ufer.
Dagegen soll das Rohr, aus dem
die Schäfte gemacht werden, nicht
überall wachsen, sondern nur an
bestimmten Stellen vorkommen. So
schickte Manoelsinho von der letzten
Venda am Curuá aus seine Leute
zur Rohrernte an einen Igarapé.
Am oberen Jamanchim trafen wir
es nicht, obgleich die Indianer
öfter danach suchten, da die Pfeile
sehr knapp geworden waren. Wir
besassen schliesslich nur noch einen
Fischpfeil. Ein einfacher, langer,
gewöhnlich mit Federn des Mutum
(Crax fasciolata) gefiederter Pfeil
dient zur Vogel- und Affenjagd.
Von dieser Sorte hatten die Indianer
stets mehrere bei sich, da im Walde
jeder Fehlschuss einen Pfeil kostet.
Eine dritte Art, besonders gross
und kräftig, mit Schwanzfedern der
Harpyie (H. destructor) gefiedert
und mit starkem Widerhaken an der
weissen Spitze (ich kann nicht sagen,
ob diese aus Holz oder aus Knochen
bestand), zeigte mir Manoelsinho
einmal ziemlich geheimnisvoll.
Er bemerkte dabei: „esta serve
para matar gente” („dieser dient
dazu,
Leute
totzuschiessen”);
wahrscheinlich aber wird dieser Pfeil
Porém, a madeira para substituí-la
era encontrada com facilidade na
beira do rio. Por outro lado, dizem
que a vara, matéria prima das hastes, não cresce em toda parte, só
em certos locais. Aconteceu que na
última venda do Curuá, Manoelsinho enviou seu pessoal para colher
essa vara em um igarapé. Pois, no
Alto Jamanxim não a encontraríamos, embora os índios, às vezes,
a buscassem porque houve muita
falta de flechas. Ao final, restava
somente uma flecha de pesca. Uma
flecha mais simples e longa, geralmente com penas do mutum (Crax
fasciolata), serve para caçar pássaros e macacos. Desse tipo, os índios
sempre levavam várias, porque na
floresta cada tiro fracassado custa
uma flecha. Uma vez, Manoelsinho
mostrou-me uma de um jeito bastante misterioso, um terceiro tipo, bem
grande e forte, com penas de cauda
da harpia (H. destructor) e com um
gancho resistente na ponta branca
(não posso afirmar, se a ponta era
feita de madeira ou de osso). Nessa
ocasião comentou: “esta serve para
matar gente”; provavelmente esse
tipo de flecha serve também para
caçar animais selvagens maiores.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
370
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
auch zur Jagd auf grösseres Wild
benutzt.
Von Tauschartikeln waren ausser
Perlen und Spiegeln sehr begehrt
terçados (Waldmesser), machados
(Äxte), grössere Angelhaken und
starke Angelschnur; doch habe ich
nie einen Indianer angeln sehen.
Vielleicht werden sie im Winter,
bei hohem Wasserstande gebraucht.
Auch panellas (eiserne Kessel und
Kasserolen) waren bei den Frauen
beliebt, während die Männer
sich zum Teil nach europäischer
Kleidung und vor allem nach
Hüten sehnten. In dieser Beziehung
schienen die Frauen konservativer
zu sein. So trug Manoelsinho
bereits kurzgeschnittene Haare und
die gewöhnliche Seringueirotracht
nebst schwarzem Filzhut; seine Frau
dagegen, eine Yurúnaindianerin
vom Xingú, und seine Kinder
unterschieden sich in keiner Weise
von den aus dem Innern gekommenen
Chipayafrauen und Kindern.
De artigos de troca, além de missangas e espelhos, eram muito procurados terçados, machados, anzóis
grandes e linha de pesca resistente;
porém, nunca vi um índio pescando dessa maneira. Pode ser que no
inverno precisem deles, quando o
nível da água esteja alto. Também
eram procuradas panelas de ferro e
caçarolas pelas mulheres, enquanto
os homens, uma parte deles, eram
ansiosos para ter roupas europeias,
e sobretudo chapéus. Nesse sentido, as mulheres pareciam ser mais
conservadoras. Manoelsinho usava
já o cabelo bem curto e a roupa tradicional dos seringueiros, além do
chapéu de feltro preto, enquanto sua
mulher, uma índia Juruna do Xingu,
e seus filhos não se distinguiam em
nada das mulheres e das crianças
Xipaya vindas do interior.
Chipaya sowohl als Curuahé gelten
für vorzügliche Bootbauer, und
die von ihnen gefertigten Ubas,
die sie manchmal für nur ein
Waldmesser verhandeln sollen,
werden von den Seringueiros am
Curuá und Iriri viel gebraucht
Tanto os Xipaya como os Kuruaya tinham fama de ser excelentes
construtores de barcos, e as ubás
feitas por eles, as quais deviam
negociar, às vezes, apenas por um
terçado, são muito utilizadas pelos
seringueiros das margens do Curuá
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
371
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
und spielen eine grosse Rolle im
Flussverkehr, unterscheiden sich
auch sehr vorteilhaft von den
schlecht balancierten Fahrzeugen
der gleichen Art, die letztere selbst
hin und wieder bauen.
e do Iriri. Elas exercem um importante papel no transporte fluvial e se
distinguem, de maneira vantajosa,
das embarcações mal equilibradas
do mesmo tipo, que os seringueiros
constroem, de vez em quando.
Als wir nach neuntägiger Wanderung
über Land am Jamanchim eintrafen,
verfertigten meine vier männlichen
Begleiter (sämtlich Curuahé) in
verhältnismässig ganz kurzer Zeit,
etwa 1½ Tagen, zwei Rindenboote,
mit denen wir den Fluss hinabfuhren.
Allerdings waren dieselben recht
plump und bewegten sich sehr
langsam. Da ich bei unserer Ankunft
wieder an Malaria litt, hatte ich den
Bootsbau, der ziemlich weit von
unserem Lagerplatz vor sich ging,
nicht verfolgen können. Doch erwies
sich eins von unseren Kanus schon
nach ein paar Tagen als unbrauchbar,
und der alte Maitumá verfertigte
im Laufe eines Nachmittags und
in den ersten Morgenstunden des
folgenden Tages ein neues, wobei
ich ihm aus nächster Nähe zusehen
konnte. Die Rinde einer mächtigen
Leguminose wurde in der passenden
Länge eingeritzt, wozu Maitumá
ein 5-6 m hohes, recht primitives,
nur aus etwa armdicken, mit Lianen
zusammengebundenen
Stämmen
bestehendes Gerüst um den Stamm
Quando chegamos ao Jamanxim,
após nove dias de viagem por terra, meus quatro acompanhantes
masculinos (todos Kuruaya) construíram, em relativamente pouco
tempo, cerca de um dia e meio,
duas canoas de casca, com as quais
descemos rio abaixo. No entanto,
estas eram bastante pesadas e lentas, sem agilidade. Como adoeci
novamente de malária, na chegada,
não pude acompanhar a construção
dos barcos, que aconteceu bastante
longe de nosso acampamento. Resultou que, após alguns dias, uma
de nossas canoas já não servia mais,
e o velho Maitumá construiu uma
nova, no decorrer de uma tarde e
das primeiras horas da manhã do
dia seguinte, e agora sim, pude
acompanhá-lo bem de perto. Para
cortar a casca de uma leguminosa
imponente, na medida vertical certa, Maitumá construiu um andaime
bem simples de 5-6 m de altura, feito de troncos finos da largura de um
braço, amarrados com cipós, que
rodeavam o tronco. (Andaimes des-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
372
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
baute. (Ebensolche Gerüste errichteten
die Indianer hin und wieder, wenn sie
Bäume fällen wollten, um sich in den
Besitz der honigreichen, von ihnen
áto genannten Bienennester hoch in
den Wipfeln mancher Mongubas zu
setzen).
se tipo eram montados pelos índios,
às vezes, quando queriam derrubar
árvores para alcançar as colmeias
fartas de mel, chamadas áto, no alto
das copas de algumas mongubas).
Auf diesem Gerüst stehend, trieb
er vorsichtig mit der umgekehrten
Axt einen Stab zwischen Rinde und
Stamm, lockerte erstere, setzte den
Stab ein Stückchen entfernt wieder
ein und so fort, von oben nach
unten weitergehend, aber so, dass
sich stets nur ein kleines Stück auf
einmal löste. Später wurde das oben
bereits abgelöste Stück durch eine
locker um den Stamm gelegte Liane
am Herabklappen verhindert. Das
endgültige Abnehmen der Rinde
vom Stamm geschah ganz besonders
behutsam, unter Beihülfe aller
Anwesenden, um jegliches Brechen
und Knicken zu vermeiden. Danach
wurde das Rindenstück, von etwa
5 m Länge und 2 m Breite, flach
auf den Boden gelegt und auf zwei
Querlinien, etwa 1 m von jeder der
Schmalseiten entfernt, vermittelst
glühender Asche und brennender
Holzscheite angekohlt. An den so
entstandenen schwächeren Stellen
wurde der Rindenrand scharf in
die Höhe geknickt, die Längsseiten
Enquanto estava nesse andaime,
enfiava com cuidado um pau entre
a casca e o tronco, usando o machado como martelo, afrouxava a
casca, enfiava o pau novamente um
pouquinho mais distante e assim por
diante, continuava de cima para baixo, mas de tal maneira, que só um
pedacinho se soltava por vez. Depois, colocava um cipó levemente
ao redor do tronco, o que impedia,
que a peça já solta em cima, dobrasse. A retirada definitiva da casca
do tronco, aconteceu com toda a
delicadeza, com o auxílio de todos
os presentes, para evitar quaisquer
quebra e dobra. Depois esticaram o
pedaço de casca no chão, com cerca
de 5 m de cumprimento e 2 m de largura. Em duas linhas transversais, a
mais ou menos 1 m de cada um dos
lados estreitos, queimaram a casca
com ajuda de cinzas e lenha ardente. Nas partes mais delicadas, dobraram para cima a borda da casca e
levantaram os lados longitudinais na
distância oportuna, e depois amarra-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
373
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
wurden in passender Entfernung
aufgebogen, und alsdann die
Enden des entstandenen, länglich
rechteckigen Troges mit einer Liane
zusammengebunden.
Vermittelst
an den Seitenrändern befestigter
Stangen und dicht über dem Boden
eingeklemmter Querhölzer wurde
dem Ganzen etwas mehr Halt
gegeben. Grosse Paddelruder mit
kurzem Stiel, kurzer Krücke als
Handgriff und länglichem Blatt,
die Maitumá unterwegs schnitzte,
dienten zum Steuern. Vorwärts
bewegt wurden unsere Boote
durch Stossen mit der „vára”, der
langen Stange, die auch auf den
Igarités gebräuchlich ist. Kamen
wir in tieferes Wasser, wo die vára
nicht mehr Grund fasste, was zum
Glück nur selten der Fall war, so
verlangsamte sich der ohnehin
nicht rapide Gang unserer plumpen
Boote noch ganz bedeutend, da die
Indianer kaum ruderten, und wir
dann eigentlich nur auf die träge
Strömung des Flusses angewiesen
waren. An den verkohlten Stellen
brach die Rinde sehr bald. Die
Indianer verstopften zwar die Löcher
mit einem feinen, weissen, hin und
wieder am Ufer anstehenden Ton,
den sie schichtweise auf dem Boden
der Boote, besonders an den beiden
Enden, ausbreiteten; aber trotzdem
ram com cipó as extremidades dessa
tina retangular alongada. Através de
varas presas nas laterais e de paus
entalados no chão, toda a construção ganhou mais estabilidade. Grandes remos com cabo curto serviram
para navegar, sendo o punho curto
e a pá alongada, entalhados no caminho por Maitumá. Nossos barcos
foram movimentados empurrando
com a “vara” comprida, que usam
também nas igarités. Quando passávamos por águas profundas, onde a
vara não alcançava o fundo, o que
aconteceu, por sorte, poucas vezes,
o movimento de nossos barcos pesados diminuía consideravelmente,
ainda mais porque os índios remavam muito pouco, assim dependíamos unicamente da correnteza lenta
do rio. Nas partes carbonizadas, a
casca quebrou rapidamente. Mesmo
que os índios tapassem os buracos
com uma argila branca fina, que encontravam, de vez em quando, na
margem do rio, espalhando-a em
camadas no fundo dos barcos, sobretudo nos dois extremos; apesar
de tudo, pelo menos uma pessoa ficou encarregada quase permanentemente de retirar água das saliências
da casca, e cada vez mais, porque
em outros trechos se abriram fendas
e rachaduras.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
374
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
war mindestens eine Person fast
beständig damit beschäftigt, das in
den Beulen der Rinde angesammelte
Wasser auszuschöpfen, um so mehr,
als diese bald auch an anderen
Stellen Spalten und Risse bekam.
Ausserordentlich
gewandt
benahmen sich meine Curuahé
in den vielen kleinen, aber
manchmal
recht
stürmischen
Cachoeiras (Stromschnellen), die
wir zu passieren hatten. Im Wasser
watend, das sie oft bis über den
Gürtel umschäumte, leiteten sie
die Boote, liessen sie an geeigneten
Stellen schiessen und fingen sie
wieder auf, ohne dass, ausser dem
unvermeidlichen Durchnässen von
Gepäck und Insassen, der geringste
Unfall vorgekommen wäre.
Meus Kuruaya atuavam com grande
agilidade quando tínhamos que atravessar muitas pequenas cachoeiras,
às vezes bastante turbulentas. Andando dentro da água, que muitas
vezes espumava até a cintura, eles
conduziam os barcos, os soltavam
em pontos oportunos e os pegavam
de novo, sem que tenha acontecido
o menor acidente, exceto o de ter
molhado inevitavelmente a bagagem
e os passageiros.
Am neunten Tage unserer fast vier
Wochen dauernden Reise durch
die Wildnis, gerade als wir am
Jamanchim ankamen, ging uns
die Farinha aus, und wir waren
bezüglich der Nahrung ganz auf
die eigene Findigkeit angewiesen.
Die mitgenommenen Affenpfeile
waren bereits im Walde sämtlich
verschossen
worden,
ohne
weitere Beute zu liefern als einen
Mutum (Crax fasciolata) und ein
Jacamim (Psophia obscura). Das
No nono dia de nossa viagem, de
quase quatro semanas pela selva,
justo no momento de nossa chegada
no Jamanxim, acabou a farinha, e
ficamos inteiramente dependentes
da nossa própria engenhosidade
para conseguir comida. Na floresta já tinham sido usadas todas
as flechas de macacos, sem terem
conseguido outras presas além de
um mutum (Crax fasciolata) e um
jacamim (Psophia obscura). O rifle (espingarda Winchester) que
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
375
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
mitgenommene rifle (WinchesterBüchse), war vollkommen nutzlos,
da die Indianer offenbar noch nie
mit einer solchen Waffe geschossen
hatten, sie aber trotzdem nie aus den
Händen gaben.
levavam com eles não servia para
nada, porque, pelo visto, os índios
nunca tinham atirado com tal arma,
entretanto, não a largavam da mão,
nunca para nada.
Dafür erwies sich an fischreichen
Stellen, die wir nicht gerade häufig
trafen, João, einer von meinen
Begleitern, als ein recht leidlicher
Bogenschütze. Die gefangenen Fische
wurden sofort gekocht und gebraten,
oder, wenn wir mehr hatten, als auf
einmal verzehrt werden konnten,
auf einer Art Rost über langsamem
Feuer geräuchert (muqueado). So
hielten sie sich bis zum nächsten
Tage.
Einen
Hauptbestandteil
unserer Nahrung in dieser Zeit
bildeten die in Trauben an der
Wurzel einer Marantacee sitzenden
Knöllchen, von den Indianern
hoz̯in—á27) genannt. Sie fanden sich
ziemlich häufig an gewissen felsigen
Stellen des Ufers und wurden roh,
geröstet oder auf einem rauhen
Stein zerrieben und mit Wasser zu
Mingau verkocht genossen. Der
Geschmack
war
kartoffelartig.
Wirklich ausgezeichnet erschien
mir eine andere Wurzel, hámai-pin,
die man an ähnlichen Stellen, aber
leider seltener fand, und über deren
botanische Zugehörigkeit ich nicht ins
Em compensação, João, um de
meus acompanhantes, revelou-se
um arqueiro com habilidade razoável em locais com abundância de
peixes, porém muito raros em nossa
viagem. Cozinhavam ou fritavam
imediatamente os peixes capturados, ou, quando tínhamos mais do
que se podia consumir na hora, os
defumavam em um tipo de grelha
com fogo baixo (moqueado). Dessa
maneira, se conservavam até o dia
seguinte. Um elemento principal
de nossa alimentação, nessa época,
eram os cachos de pequenos bulbos
ligados à raiz de uma marantaceae,
chamados pelos índios de hoz̯in-á27.
Encontravam-se com bastante frequência em certos locais rochosos
às margens do rio e eram comidos
de forma crua, tostada ou triturada
em uma pedra áspera, para depois
serem fervidos com água para fazer mingau. O sabor lembrava a
batata. Hámai-pin era outra raiz
que eu achava excelente e que se
encontrava em locais semelhantes, mas infelizmente raras vezes,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
376
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
klare gekommen bin, da wir immer
nur die Wurzel, nicht zweifellos
dazu gehörige Schossen fanden. Im
Aussehen erinnerte sie an Mandioca,
war von einer schwarzen, rauhen
Schale umschlossen und enthielt ein
schneeweisses, sehr saftiges, geröstet
sehr mehliges Fleisch. Mingau von
Hámai-pin mit áto oder apá, den
beiden Arten von wildem Honig, die
wir uns unterwegs öfters verschaffen
konnten, gesüsst, war wirklich eine
Delikatesse und ist mir noch jetzt
in angenehmster Erinnerung. - An
einem Honigbaum vorüberzugehen
oder zu fahren, war meinen Curuahé
anscheinend unmöglich. Ich traute
erst meinen Augen nicht, als ich
sah, dass sie mit der einzigen Axt‚
die wir mitführten, Bäume von über
1 m Durchmesser in Angriff nahmen
und nach stundenlanger Arbeit auch
wirklich fällten.
e cuja classificação botânica não
consegui esclarecer porque encontrávamos sempre as raízes, mas não
os correspondentes brotos, para ter
certeza. Na aparência, lembrava a
mandioca, com casca preta e áspera
que cobria um miolo de cor branco-neve, muito suculento e bem farinhoso quando tostado. Mingau de
hámai-pin adoçado com áto ou apá,
os dois tipos de mel silvestre que
encontrávamos, às vezes, no caminho, era uma verdadeira delícia, e
ainda hoje me lembro dele com todo
prazer. – Passar por uma árvore
com mel e não parar parecia impossível para meus Kuruaya. A princípio não pude acreditar nos meus
olhos quando os vi derrubando árvores com mais de 1 m de diâmetro
com o único machado que tínhamos
e que, após horas de trabalho, eles
realmente as derrubavam.
Die Honigmenge war ja bisweilen
ganz bedeutend, und wir konnten,
nachdem wir uns an dem süssen
Zeug tüchtig gesättigt hatten,
manchmal noch einen Vorrat davon
mitnehmen; dies stand aber doch in
meinen Augen in keinem Verhältnis
zu der aufgewandten Mühe und
Arbeit. Der übrigbleibende Honig
wurde in leeren Castanhaschalen
(Bertholletia excelsa) aufbewahrt,
Às vezes, a quantidade de mel era
considerável e conseguíamos levar
uma reserva após nos saciarmos
bastante dessa coisa doce; no meu
ponto de vista, porém, o esforço e
o trabalho para conseguir o mel não
se justificavam. O mel que sobrava,
guardavam em ouriços de castanha
(Bertholletia excelsa) vazios, cujas
aberturas vedavam com uma rolha
de cera. Os índios chamavam tais
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
377
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
deren
Öffnung
mit
einem recipientes de é-ití (em todo caso,
Wachspfropfen geschlossen wurde. tem uma relação com ïtí, água).
Solche Gefässe nannten die Indianer
é-iti (jedenfalls mit ïti, Wasser, in
Zusammenhang stehend).
Während der Überlandtour trafen
wir in den fast trockenen Betten
der Igarapés (es war Hochsommer)
öfters auf tiefe Wasserlöcher,
von der Art, die die Brasilianer
„poços” nennen, in denen es von
kleinen Fischen (Characiniden,
seltener Chromiden und Siluriden)
wimmelte. An solchen Stellen
fischten die Indianer mit timbó. Es
wurde dazu eine Liane mit rotem
Holz benutzt, die in Stücke gehauen
und zu Bündeln vereinigt wurde. Die
Indianer zeigten mir, als ich nach
der Herkunft des Holzes fragte, die
Liane; es ist aber möglich, dass sie
nur die Wurzel benutzten.
Durante a viagem por terra encontramos, às vezes, nos leitos dos igarapés, quase ressecados (em pleno
verão), buracos de água profundos, desse tipo que os brasileiros
chamam de “poços”, nos quais os
peixinhos (Characinideos, poucas
vezes Chromideos e Silurídeos) se
debatiam. Em tais lugares, os índios
pescavam com timbó. Usavam para
isso um cipó de madeira vermelha, o qual cortavam em pedaços e
amarravam como um feixe. Os índios me mostraram o cipó, quando
lhes perguntei a origem da madeira;
porém, é possível que usassem apenas a raiz.
Mit einem solchen Bündel stieg
einer von ihnen in den Tümpel,
hackte mit dem Waldmesser einige
Male kräftig in das Holz und spülte
es dann im Wasser ab. Hin und
her gehend hackte und spülte er
abwechselnd, eine Stunde oder
länger, je nach der Grösse des
T ümpels, bis die Fische an die
Oberfläche kamen und schliesslich
betäubt ans Ufer getrieben wurden.
Com um desses feixes, um deles entrou no charco, bateu algumas vezes com o terçado na madeira, com
toda a força, e a enxaguou na água.
Andando para cá e para lá, batia e
enxaguava, alternando durante uma
hora ou mais, conforme o tamanho
do charco, até os peixes subirem à
tona e, finalmente, boiarem atordoados até a beira. A seguir, as mulheres os recolhiam, embrulhavam
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
378
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Dann lasen sie die Frauen auf,
wickelten sie bündelweise in
Palmblätter und legten sie ins
Feuer. Sie schmeckten gar nicht
übel. Das Wasser nahm nach der
Prozedur
eine
undurchsichtig
graublaue Färbung an, hatte aber
keinen bemerkbaren Beigeschmack.
em folhas de palmeira e colocavam
na fogueira. O sabor não era ruim.
Após o procedimento, a água apresentou uma coloração cinza-azul
opaca, mas sem nenhum ressaibo
perceptível.
Die von mir gesehenen Chipaya und
Curuahé waren eher klein als gross;
nur wenige von ihnen, z. B. meine
Begleiter Maitumá und Topá, hätte
man als mittelgross bezeichnen
können.
Os Xipaya e Kuruaya que vi eram
bem pequenos e não muito altos; só
alguns poucos, por exemplo meus
acompanhantes Maitumá e Topá,
podiam ser considerados de altura
média.
Ich konnte die Mitglieder beider
Stämme nicht ohne weiteres
unterscheiden; doch schien mir
unter den Curuahé, besonders
unter den Männern, ein mehr oder
weniger lockenhaariger Typus,
mit starker, gebogener Nase
häufiger vorzukommen, als unter
den Chipaya. Von meinen sieben
Begleitern hatten João und die drei
Frauen schlichtes Haar und eine
mehr japanische Gesichtsbildung.
Die drei anderen Männer hatten
lockiges Haar und gebogene Nasen.
Die Vertreter dieses Typus waren
meistens grösser als die anderen.
Não conseguia distinguir, com facilidade, os membros das duas tribos;
mas parecia que, entre os Kuruaya,
era mais frequente um certo tipo de
cabelo mais ou menos cacheado, especialmente entre os homens, com
nariz mais forte e recurvo, sendo
esse tipo menos frequente entre os
Xipaya. Dos meus sete acompanhantes, João e as três mulheres tinham cabelos lisos e uma expressão
facial mais japonesa. Os demais três
homens tinham cabelos cacheados
e nariz recurvo. Os representantes
desse tipo eram, em geral, mais altos que os outros.
Die Einehe schien Regel zu sein. A monogamia parecia ser a norma.
Doch hatte der alte Maitumá zwei Porém, o velho Maitumá tinha duas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
379
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Frauen bei sich. Eine davon war
Joãos Mutter. In welchem Verhältnis
die andere eigentlich zu meiner
Gesellschaft stand, habe ich nicht
herausbekommen. Ich bin nicht
sicher, ob sie wirklich Maitumás
zweite Frau war. Sie war viel krank
und wurde von den anderen nicht
besonders gut behandelt. Es fiel mir
überhaupt auf, wie teilnahmlos sich
die Indianer oft gegen Kranke, sogar
gegen nahe Angehörige verhielten.
Wir waren unterwegs alle zeitweise
elend, die Indianer an Husten und
schwerem Katarrh, der bei ihnen
leicht zum Tode führen soll, ich an
Malaria. Der alte Maitumá wurde in
solchem Fall ausreichend, aber nicht
gerade liebevoll gepflegt. João wurde
von seiner Frau Parimarú, mit der er
offenbar erst kurze Zeit verheiratet
war, mit heissem Honigwasser
behandelt. Sie sorgte auch stets
dafür, dass das Feuer nachts neben
der (gemeinschaftlichen) Hängematte
nicht ausging. Um die anderen
kümmerte sich niemand, wenn sie
krank waren, obwohl sie manchmal
stunden-, ja tagelang stöhnend und
hustend umherlagen. Topá sollte
ein pagé (Zauberarzt) sein; so war
mir wenigstens am Curuá gesagt
worden. Doch hat er unterwegs nie
einen Versuch gemacht, jemanden
zu behandeln. Dagegen konnte ich
mulheres. Uma delas era a mãe de
João. Não consegui averiguar a relação da outra com minha comitiva.
Não tenho certeza se ela era, mesmo, a segunda esposa de Maitumá.
Adoecia muitas vezes e os demais
não a tratavam muito bem. Reparei
que, em geral, os índios se comportavam muitas vezes de maneira
indiferente a respeito dos doentes,
mesmo sendo parentes próximos.
Durante a nossa viagem, todos ficaram doentes algumas vezes, os
índios tinham tosse e catarro pesado, que facilmente podiam levar
à morte, diziam, eu tinha malária.
Nestas ocasiões, cuidavam do velho Maitumá suficientemente, mas
sem muito carinho. Era a esposa de
João, Parimarú, pelo visto casada
com ele há pouco tempo, que tratava dele com água e mel quente.
Se responsabilizava o tempo todo
para que a fogueira ao lado da rede
(comunitária) não apagasse durante
a noite. Dos outros ninguém cuidava quando estavam doentes, mesmo
quando ficavam deitados, gemendo
e tossindo, por vezes durante horas ou até mesmo dias. Diziam que
Topá era um pajé (médico-mago);
isso, pelo menos, me contaram lá
no Curuá. Mas, durante a viagem,
nunca tentou curar alguém. Por
outro lado, em uma ocasião, pude
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
380
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
einmal in Manoelsinhos Maloka einen
durchreisenden alten Pagé, den der
Coronel Tabão nannte, bei der Arbeit
beobachten. Die Kranken, zwei
Männer, eine Frau, ein Kind, die teils
an Katarrh, teils (einer von unseren
Bootsleuten) an Leberschmerzen
litten, lagen in ihren Hängematten
und wurden von dem sich über sie
beugenden Alten angeblasen und
mit einer Hand geknetet. Mit der
anderen hielt er ein weissliches
Bündel, anscheinend Bastfasern,
unter die Hängematte. Dabei stiess
er ein ziemlich ununterbrochenes,
taktmässiges, dumpfes Heulen aus,
das mich zuerst auf den Vorgang
aufmerksam machte. Von Zeit
zu Zeit lief er fort, um an einer
abgelegenen Stelle, übrigens nicht
weit von der Maloka, das Bündel,
in das er anscheinend die Krankheit
hineingetrieben hatte, fortzuwerfen.
Er strengte sich bei der Behandlung,
die sich in Abständen einen
ganzen Tag hindurch wiederholte,
beträchtlich an, besonders mit
Heulen, und war schliesslich ganz
heiser. Ich habe nicht gesehen, dass er
den Kranken irgendetwas eingegeben
hat. Übrigens wurden alle vier wieder
gesund.
observar um velho pajé que estava
de passagem, trabalhando na maloca do Manoelsinho, a quem o Coronel chamava de Tabão. Os doentes, dois homens, uma mulher, uma
criança, que padeciam uns de catarro e outros de dores no fígado (um
de nossos barqueiros), deitaram em
suas redes e foram soprados e apalpados pelo velho com uma mão,
que se inclinou sobre eles. Com a
outra mão, segurou um maço esbranquiçado por debaixo da rede,
provavelmente de fibras de líber.
Acompanhava o procedimento com
um uivo abafado, bastante contínuo,
com certo compasso, o qual primeiramente me chamou a atenção. De
vez em quando, saía para um lugar
afastado, aliás, não muito longe da
maloca, para jogar fora o maço, no
qual, pelo visto, prendia a doença.
Se esforçava bastante nesse tratamento, que se repetiu ao longo de
um dia, em especial quanto ao uivo,
até o ponto em que ficou totalmente
rouco. Não vi se ministrou alguma
coisa para os doentes. A propósito,
todos os quatro se curaram.
Gegen Kälte waren alle Indianer sehr Todos os índios eram muito sensíempfindlich. Von 2 Uhr morgens an veis ao frio. A partir das 2 horas da
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
381
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
wurden die Feuer geschürt, und die
Leute sprangen alle Augenblicke
aus den Hängematten, um sich zu
wärmen, wobei sie Hände und
Füsse fast in die Flammen steckten.
Die Mindesttemperatur, die ich am
Curuá notiert habe, war 16,3° C.
Meine männlichen Begleiter zogen
zum Schlafen alte Anzüge an, die
sie unterwegs in einem verlassenen
Lager entflohener Seringueiros
gefunden hatten. Das Anziehen
machte ihnen allerdings viele
Schwierigkeit; man sah deutlich, dass
sie noch nie derlei unbequeme Sachen
auf dem Leibe gehabt hatten. Drei
von ihnen hatten überhaupt vorher
noch nie einen „christão” gesehen.
madrugada acendiam as fogueiras
e as pessoas pulavam o tempo todo
das redes para se aquecer, estendendo as mãos e os pés quase dentro
das chamas. A temperatura mínima
que anotei no Curuá foi de 16,3º
C. Meus acompanhantes homens
vestiam velhos trajes para dormir,
os quais tinham encontrado em um
acampamento abandonado por seringueiros que tinham fugido. No
entanto, tinham muitas dificuldades
ao vestir-se; ficava patente que nunca tinham sentido no corpo tais coisas desconfortáveis. Três deles nunca tinham visto antes um “cristão”.
Sämtliche Indianer (Curuahé und
Chipaya), die ich gesehen habe,
waren noch Heiden, mit Ausnahme
von Luiz, dem kleinen Diener
des Coronel. Auch Manoelsinho
war noch nicht getauft. Über ihre
religiösen Ansichten habe ich nichts
erfahren können, ausser dass Cor.
Ernesto gerüchtweise gehört hatte,
es befinde sich in einer Maloka
die Bildsäule eines Götzen??
Manoelsinho erzählte etwas verlegen
von einem rauchenden Mann, der in
einem Wasserfall des oberen Curuá
sitzen solle.
Todos os índios (Kuruaya e Xipaya)
que vi eram ainda pagãos, exceto
Luiz, o pequeno criado do Coronel.
Manoelsinho também não era batizado. Não consegui averiguar nada
sobre suas opiniões religiosas, exceto que o Cel. Ernesto tinha ouvido
rumores de que, em uma das malocas, havia uma escultura de um ídolo?? [sic] Manoelsinho contou, um
pouco envergonhado, sobre um homem fumando, que estaria sentado
em uma cachoeira do Alto Curuá.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
382
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Als
Coronel
Ernesto
und
Manoelsinho von ihrem kurzen
Besuch in der Curuahé-Maloka
zurückkehrten, brachten sie eine
Flotille von über 20 Ubas, mit
Indianern und ihren Familien besetzt,
mit, und es entwickelte sich nun ein
sehr lebhaftes Treiben. Bananen
und Farinha lieferte der Hausherr;
die Männer gingen auf Jagd und
Fischfang, die Frauen kochten
und buken fast den ganzen Tag.
Abends wurden kleine Cachaçafeste
veranstaltet, bei denen es, da
Coronel Ernesto sparsam mit dem
Feuerwasser war, ganz anständig
herging. Nur wenige Indianer habe
ich bei solchen Gelegenheiten leicht
berauscht gesehen.
Quando Coronel Ernesto e Manoelsinho voltaram de sua breve visita à
maloca dos Kuruaya, vieram acompanhados de uma flotilha de mais de
20 ubás, tomada por índios e suas
famílias, o que resultou em um movimento bem animado. O dono da
casa fornecia bananas e farinha; os
homens iam caçar e pescar, as mulheres cozinhavam e assavam quase
o dia todo. À noite, organizavam
pequenas festas com cachaça, nas
quais mantinham uma postura relativamente decente, porque o Coronel Ernesto economizava com a
água ardente. Nessas ocasiões, vi
poucos índios levemente bêbados.
Am letzten Abend vor meiner Abreise
wurde ein Tanzfest improvisiert.
Unsere Leute fingen mit Negertänzen
an; hierdurch erwachte die Tanzlust
anscheinend auch in den Indianern,
und sie waren nun ganz unermüdlich.
Erst nach Mitternacht ging die
„Festa” zu Ende. Ich sah mindestens
15 verschiedene Tänze, die sämtlich
mit Tiernamen bezeichnet wurden,
Anta, Onça, Guariba, Maracanã,
Cobra usw. (Tapir, Jaguar, Brüllaffe,
Ast Papagei, Schlange; die Namen
wurden mir portugiesisch gesagt). Zu
jedem Tanz gehörte ein besonderer
Na última noite antes de minha partida, improvisaram uma festa para
dançar. Nosso pessoal começou
com danças de negro; pelo visto,
isso também despertou nos índios
a vontade de dançar, mostrandose incansáveis. Só após meia-noite
a “festa” acabou. Vi, pelo menos,
15 danças diferentes, todas designadas por nomes de animais, anta,
onça, guariba, maracanã, cobra etc.
(falavam-me os nomes em português). A cada dança correspondia
um canto específico, que consistia
em inúmeras repetições de uma ou
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
383
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Gesang,
der
aus
unzähligen
Wiederholungen von einer oder zwei
kurzen Strophen bestand. Den Text
habe ich mir von keinem merken
können, da Manoelsinho sich genierte
und zu dieser Zeit überhaupt die
Sprachstudien sehr satt hatte; doch
spielte bei vielen die Nachahmung
der Stimme des betreffenden Tieres
eine grosse Rolle. Die Männer
fassten sich bald reihenweise - bei
den Reihentänzen befanden sich
gewöhnlich zwei Reihen einander
gegenüber - oder paarweise bei der
Hand oder der Schulter, bald tanzte
jeder für sich, oder (beim GuaribaTanz)
zwei
gegenüberstehende
Partner tanzten aufeinander zu,
wobei sie mit Palmblättern ein
Scheingefecht ausführten. Bei dem
Tanz der „Cobra” hockten alle
hinter einander auf der Erde, jeder
die Hände auf die Schultern des
Vordermannes gelegt, und hüpften
in dieser Stellung in Schlangenlinien
vorwärts. Sehr charakteristisch wurde
in einem Tanz das Geschrei des
Arara wiedergegeben (aráu, aráu,
entsprechend dem Chipayanamen des
Tieres). Zwei Bewegungen kehrten
in allen Tänzen wieder: es wurde
entweder mit beiden Beinen zugleich
gehüpft, wobei der eine Fuss vor dem
andern stand, oder der Takt wurde,
bei schreitender Vorwärtsbewegung,
duas estrofes curtas. Não consegui
memorizar o texto de nenhum deles
porque Manoelsinho tinha vergonha
e, na época, estava farto dos estudos
de língua; sem dúvida, em muitos
casos, a imitação da voz do referido
animal tinha um papel primordial.
Os homens se seguravam pela mão
ou pelo ombro, ora em filas ou em
duplas – nas danças em fila, havia
geralmente duas filas opostas uma à
outra –, ora cada um dançava sozinho ou (na dança do guariba) em
par, um em frente do outro e em direção ao outro, simulando uma luta
com folhas de palmeira. Na dança
da “cobra”, todos se agacharam, um
atrás do outro, cada um com as mãos
nos ombros do homem da frente, e
nessa posição pulavam para a frente
em linhas sinuosas. Em uma dança,
reproduziram, de maneira muito caraterística, o grito da arara (aráu,
aráu, que corresponde ao nome Xipaya do animal). Dois movimentos
se repetiram em todas as danças: ou
pulavam ao mesmo tempo com ambos os pés, estando um pé em frente
ao outro, ou marcavam o compasso
batendo forte com um pé ao avançar
no movimento. Todas as danças se
caracterizaram por um ritmo muito
firme, tanto dos movimentos como
do canto. Algumas moças também
participaram; no entanto, dançaram
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
384
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
durch scharfes Aufstampfen des separadamente, seja em dupla ou
einen Fusses markiert. Alle Tänze em uma fila atrás dos homens.
zeichneten sich durch sehr straffen
Rhythmus sowohl der Bewegungen
als des Gesanges aus. Auch einige
Mädchen beteiligten sich daran; sie
tanzten jedoch für sich, entweder
paarweise oder in einer Reihe hinter
den Männern.
In der Unterhaltung miteinander
beobachteten die Indianer stets
ein gewisses Zeremoniell. Am
feierlichsten war dieses, soweit ich
zu beobachten Gelegenheit hatte,
bei der Ankunft von Fremden.
Als wir z. B. in Bocca do Curuá
ankamen, fanden wir dort ein
anscheinend
vornehmes,
aber
noch absolut im Naturzustande
befindliches
Chipaya-Ehepaar
vor, das mit Manoelsinho, der
gerade abwesend war, zusammen
zur Begrüssung des Coronel den
Curuá herabgekommen war. Unter
unseren Leuten befanden sich zwei
Indianer, ein junger Chipaya Ain
und ein älterer Yurúna Paidé. Von
diesen erschien zuerst Ain, ging
scheinbar achtlos an dem bei uns
vor der Venda stehenden „wilden”
Chipaya vorbei, blieb nach einigen
Schritten stehen und erwartete,
ohne sich umzudrehen, die Anrede
des andern. Dieser sprach in hastig
Em suas conversas, os índios sempre observavam certo cerimonial. O
mais solene ocorria quando chegavam forasteiros, tanto quanto tive
a oportunidade de assistir. Quando
chegamos, por exemplo, em Bocca
do Curuá, encontramos lá um casal
Xipaya, aparentemente elegante,
mas ainda no estado absolutamente
natural, que descera do Curuá junto com Manoelsinho, ausente nesse momento, para cumprimentar o
Coronel. Entre nosso pessoal, havia
dois índios, um jovem Xipaya, Ain,
e um mais velho Juruna, Paidé.
Primeiramente, apareceu Ain, que
passou ao largo, pelo visto, distraído dos Xipaya “selvagens”, que
estavam em frente da venda, parou
após alguns passos e, sem se virar,
esperou que o outro lhe dirigisse a
palavra. Este disse frases curtas,
articuladas de maneira apressada e
aparentemente indiferentes. Após
cada frase, Ain respondeu no mes-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
385
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
und
anscheinend
gleichgültig
hervorgestossenen, kurzen Sätzen.
Nach jedem Satz warf Ain in
demselben gleichgültigen Ton ein
paar Silben, etwa wie enä oder dgl.
klingend, ein. Nach einer Weile
kehrte sich die Sache um. Ain
erzählte und der Chipaya hörte zu,
indem er jeden Satz des anderen
mit enä quittierte. Während der
ganzen Unterredung drehte Ain
dem andern den Rücken zu und
schaute starr geradeaus, während
dieser ebenso gleichgültig an ihm
vorbeisah. Bald danach erschien
Paidé und setzte sich auf die Bank
vor der Venda. Sofort drehte ihm
der Chipaya den Rücken, liess sich
anreden, antwortete oder gab seine
Teilnahme zu erkennen, sprach
dann seinerseits, während Paidé die
obligaten
Zwischenbemerkungen
machte. Ganz so förmlich ging es
nicht immer zu, doch wurde auch
in der vertraulichsten Unterhaltung,
die meine Curuahé später im Walde
hatten, stets jeder Satz des einen
durch kurze, ein- oder zweisilbige
Bemerkungen von Seiten des oder
der anderen beantwortet. Eine Art
Zeremoniell herrschte auch beim
Essen, insofern, als es Pflicht der
Frauen war, die Männer nach Alter
und Würden zuerst zu bedienen
und ihnen den Mingau solange
mo tom indiferente, com algumas
sílabas, soando como enä ou algo
semelhante. Após algum tempo, a
coisa se inverteu. Ain falava e o Xipaya ouvia, confirmando cada frase
do outro com enä. Durante toda a
conversa, Ain virou as costas ao outro e firmou o olhar para a frente,
enquanto este olhava para o lado
com a mesma indiferença. Logo a
seguir, Paidé apareceu e se sentou
no banco em frente da venda. Imediatamente, o Xipaya lhe virou as
costas, aceitou a conversa, respondeu ou deu a entender sua participação, depois falou, enquanto Paidé
fazia os comentários obrigatórios.
Não havia sempre tanta formalidade, porém, mesmo nas conversas
mais íntimas que meus Kuruaya tiveram depois na floresta, cada frase
de um era sempre respondida com
comentários curtos, mono- ou bissilábicos, por parte do outro ou dos
outros. Havia também, durante as
refeições, certo tipo de cerimonial,
na medida em que era obrigação das
mulheres servir o mingau primeiro
aos homens, escalonados por idade
e autoridade, e vertê-lo e soprar até
que chegasse à temperatura conveniente. Em geral, a caça, a pesca,
a construção de barcos, a derrubada
de árvores e o trabalho com a vara
(de barco) eram tarefas dos homens,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
386
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
umzugiessen und zu pusten,
bis er die passende Temperatur
erreicht hatte. Im allgemeinen
war Jagd, Fischfang, Bootbau,
Baumfällen und Arbeit mit der vara
(Bootstange) Aufgabe der Männer,
doch verstanden sich, abgesehen
vom Bootbau und Baumfällen, auch
einzelne jüngere Indianerinnen (z.
B. Parimarú) ausgezeichnet darauf.
Gesteuert wurde sehr oft von Frauen.
Von den Lasten trugen sie während
unserer Überlandtour den Hauptteil.
Kochen und Wurzelsuchen war
ausschliesslich ihre Arbeit. Am
Suchen von Tracajáeiern beteiligten
sich beide Geschlechter mit gleicher
Begeisterung.
porém, exceto na construção de barcos e na derrubada de árvores, algumas jovens índias (por exemplo,
Parimarú) eram muito boas nessas atividades. Muitas vezes eram
mulheres que pilotavam. Durante
nossa viagem por terra, eram elas
que carregavam a maior parte das
cargas. Cozinhar e procurar raízes
eram tarefas exclusivas delas. Da
busca de ovos de tracajá, ambos os
sexos participavam com o mesmo
entusiasmo.
Beziehungen zu anderen Stämmen
A relação com as outras tribos
Die Chipaya verkehren nach
allem, was ich hörte und sah,
freundschaftlich, aber wohl nicht
gerade häufig mit den Yurúna des
Xingú, können sich auch mit ihnen
gut verständigen, da die Sprachen
sehr ähnlich sind. Doch scheint
im Gegensatz zu den Yurúna noch
der grösste Teil der Chipaya völlig
im Naturzustand zu leben. Von
allen Chipaya und Curuahé, die
ich sah, hatten nur Manoelsinho,
Aín und Luiz, einer der Jäger des
Coronel, europäische Kleidung
Após tudo o que vi e ouvi, os Xipaya convivem com os Juruna do
Xingu de maneira amigável, não
que isso seja muito frequente, mas
conseguem comunicar-se bem porque as línguas são muito semelhantes. Porém, parece que a maior
parte dos Xipaya, ao contrário dos
Juruna, vivem ainda completamente em estado natural. De todos os
Xipaya e Kuruaya que vi, somente
Manoelsinho, Ain e Luiz, um dos
caçadores do Coronel, tinham se
adaptado à roupa e ao corte de cabe-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
387
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
und Haartracht angenommen. Eine
Vorliebe für abgelegte Jacken,
Hosen und Hüte unserer Bootleute
sprach sich allerdings leider schon
bei vielen anderen aus.
lo europeus. Entre muitos outros já
se manifestava, infelizmente, uma
preferência para casacos, calças e
chapéus desprezados por nossos
barqueiros.
Die Curuahé hatten eine eigentümliche
Stellung.
Manoelsinhos
Leute
gehörten alle diesem Stamme an.
Sie machten fast den Eindruck von
Dienstboten, und auch die Curuahé
aus der Maloka schienen sich mehr
oder weniger abhängig von ihm zu
fühlen. Auf die übrigen Chipaya
waren sie aber nicht gut zu sprechen.
Mein Begleiter João versicherte mir
in seinem gebrochenen Portugiesisch
sehr nachdrücklich: „Chipaya não
é bom; só Manoelsinho.” („Die
Chipaya taugen nichts, ausser
Manoelsinho.”) Im ganzen machten
die Curuahé einen ärmlicheren,
weniger kriegerischen Eindruck als
die Chipaya. Mir scheint, die Notiz
beim Prinzen Adalbert, dass die
Curiérai (falls damit die Curuahé
gemeint sein sollten) kriegerisch,
die Axipai dagegen feig und wenig
zahlreich seien, beruht auf einer
Verwechslung; oder es haben sich
die Verhältnisse seitdem gerade
umgekehrt.
Os Kuruaya tinham uma postura estranha. Todo o pessoal do Manoelsinho pertencia à essa tribo. Davam
quase a impressão de serem seus
criados, e parecia que também os
Kuruaya da maloca se sentiam mais
ou menos dependentes dele. Mas,
não simpatizavam com os demais
Xipaya. Meu acompanhante João
afirmou com ênfase, em seu português arranhado: “Xipaya não é bom;
só Manoelsinho.” (“Os Xipaya não
prestam, exceto Manoelsinho.”).
Em geral, os Kuruaya davam uma
impressão mais pobre, menos guerreira que os Xipaya. Acho que a
nota do Príncipe Adalbert, segundo
a qual os Curiérai (caso se referisse
aos Kuruaya) seriam guerreiros, enquanto os Axipai seriam covardes e
pouco numerosos, se baseia em um
equívoco; ou, desde então, a situação se inverteu.
Meine Curuahé lebten während Meus Kuruaya viveram, durante a
des zweiten Teils unserer Reise segunda parte da nossa viagem, em
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
388
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
in beständiger tötlicher Angst vor
den Karayá. Auf diese führten sie
nämlich die Spuren zurück, die
eine versprengte, ihrer Waffen und
Geräte zum grössten Teil beraubte
Horde von entflohenen Seringueiros
des Curuá kurz vor meiner Ankunft
am oberen Jamanchim hinterlassen
hatte. (Vielleicht streifen die
auch am Xingú gefürchteten
Karaya wirklich bisweilen bis an
den Iriri und Curuá.) Von den
Tapajozindianern schienen sie
dagegen nichts zu wissen. João
fragte mich, ob es auf der anderen
Seite (linkes Ufer) des Jamanchim
Indianer gäbe, indem er alle ihm
bekannten Stämme namentlich
aufführte: „Tem Chipaya lá? Tem
Yuruna lá? Tem Caraja lá?” usw.
permanente medo mortal dos Karajá. Atribuíram a eles os rastros dispersos de um bando de seringueiros
fugitivos do Curuá, na maior parte,
roubados de suas armas e equipamentos, deixados pouco antes de
minha chegada ao Alto Jamanxim.
(Talvez os Karajá, também temidos
no Xingu, perambulem mesmo por
lá de vez em quando, até o Iriri e o
Curuá.). Por outro lado, parecia que
não sabiam nada sobre os índios do
Tapajós. João me perguntou se havia índios no outro lado (na margem
esquerda) do Jamanxim, especificando todas as tribos que conhecia
pelo nome: “Tem Xipaya lá? Tem
Juruna lá? Tem Karajá lá?” etc.
Verhältnis zu den Weissen
A relação com os brancos
Der Verkehr der Brasilianer mit
Chipaya und Curuahé wurde fast
ausschliesslich durch den Coronel
Ernesto vermittelt, der jährlich
einmal bis zu Manoelsinhos Maloka
geht, um dort gegen Perlen,
Äxte, Messer usw. Ubas von den
Indianern
einzutauschen.
Das
Verhältnis zwischen letzteren und
ihm ist anscheinend ein recht gutes.
Manoelsinho nennt ihn seinen
„padrão”, etwa in dem Sinne von
A comunicação dos brasileiros com
os Xipaya e Kuruaya acontecia quase exclusivamente através do Coronel Ernesto, que vai uma vez por
ano até a maloca do Manoelsinho
para trocar missangas, machados,
facas etc. por ubás dos índios. A relação entre estes e ele é, pelo visto,
muito boa. Manoelsinho o chama de
seu “padrão” [sic], mais ou menos
no sentido de protetor, com a sensação muito correta de que, enquanto
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
389
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Schutzherrn, in dem ganz richtigen
Gefühl, dass, solange der Coronel
der massgebende Mann am Flusse
ist, er und seine Landsleute schwere
Übergriffe der Seringueiros nicht
zu fürchten haben. Später wird es,
fürchte ich, anders werden, teils
wegen der lächerlichen Furcht
der Brasilianer vor den „wilden”
Indianern, teils aus einfacher Lust
an Gewalttat und übermütigem
Verletzen
der
indianischen
Empfindlichkeit. Der Hochmut, mit
dem die Seringueiros, besonders
die eben erst aus den Südstaaten
eingewanderten,
verlumpten
und verkommenen Schwarzen
und Mulatten, die sich voll Stolz
„civilizados” nennen, auf die
nackten Indianer herabsehen, ist
ebenso auffallend als lächerlich.
o Coronel for o homem dominante
do rio, ele e seus compatriotas não
devem temer graves ataques dos
seringueiros. Tenho receio de que,
mais tarde, seja diferente, em parte pelo medo ridículo que os brasileiros têm dos índios “selvagens”,
em parte pelo simples prazer do ato
violento e da ofensa arbitrária à sensibilidade dos índios. A arrogância
com que os seringueiros, especialmente os pretos e mulatos miseráveis e decadentes, recém imigrados
dos estados do Sul e que se denominam com todo orgulho de “civilizados”, olham com desprezo para
os índios nus é tão evidente quanto
ridícula.
Sprache
Língua
Die Sprache der Curuahé war sehr
verschieden von der Sprache der
Chipaya; nur ganz wenige Worte
waren ähnlich oder stimmten
überein. Auch die Art und Weise der
Aussprache des Curuahé war anders,
noch schneller hervorgestossen und
vor allem viel undeutlicher und
schwerer nachzusprechen. Die
Curuahé-Worte wurden gewöhnlich
auf der letzten Silbe betont. Die
A língua dos Kuruaya era muito diferente da língua dos Xipaya;
somente muito poucas palavras
eram semelhantes ou coincidiam.
Também a pronúncia do Kuruaya
era diferente, articulada com mais
rapidez e, sobretudo, muito pouco
nítida e mais difícil de repetir. As
palavras do Kuruaya tinham, em
geral, o acento na última sílaba.
Pelo visto, a língua está em fase de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
390
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
Sprache scheint im Aussterben zu
sein. Fast alle Curuahé sprachen
nebenbei Chipaya; aber kein
Chipaya verstand, wie Manoelsinho
mit Stolz sagte, das Curuahé.
extinção. Quase todos os Kuruaya
falavam também, paralelamente,
o Xipaya; porém, nenhum Xipaya
compreendia o Kuruaya, como dizia
Manoelsinho com orgulho.
Die Chipaya-Worte habe ich
sämtlich
mit
Manoelsinho
aufgenommen, in der Weise, dass
ich oder manchmal der Coronel
portugiesisch fragte. Gewöhnlich
las ich ihm gleich danach oder
vor Anfang der nächsten Lektion
die aufgeschriebenen Worte noch
einmal vor und korrigierte, wenn
es nötig war. Auf den Wortakzent
habe ich immer besonders geachtet,
doch schien mir, dass die Leute
hin und wieder dasselbe Wort
verschieden betonten, z. B. beim
zusammenhängenden
Sprechen
anders, als wenn sie nur die Worte
einzeln vorsprachen. Manoelsinho
entwickelte bei diesen Sprachstudien
anfangs grossen Eifer, der leider
später recht erlahmte.
Registrei as palavras do Xipaya com
Manoelsinho, da maneira que eu
perguntava em português ou, às vezes, o Coronel. Geralmente, lia em
voz alta para ele as palavras anotadas, logo depois ou ao início de uma
lição, corrigindo-as se necessário.
Sempre prestei muita atenção no
acento tônico, mas me parecia que
as pessoas, de vez em quando, acentuavam a mesma palavra de maneira
diferente, por exemplo, na fala contínua e ao dizê-la separadamente.
Manoelsinho desenvolveu grande
entusiasmo no início desses estudos
linguísticos, o qual foi diminuindo
bastante mais tarde, infelizmente.
Die Curuahé-Worte rühren teils von
einem von Manoelsinhos Leuten
her, teils von meinen Begleitern
auf der Überlandtour. In dem
Wörterverzeichnis sind die letzteren,
soweit sie irgendwie abwichen,
gesperrt
gedruckt.
Schwierig
war es oft, die Aussprache der
As palavras Kuruaya vêm, em parte, de um índio do pessoal do Manoelsinho, em parte de meus acompanhantes na viagem por terra. No
glossário, essas são impressas em
itálico quando são divergentes de
uma ou de outra maneira. Muitas
vezes era difícil reproduzir a pro-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
391
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
Konsonanten wiederzugeben. Es
existierte ein Laut, z. B. in hóz̯in-á,
der bald wie ein gelispeltes f, bald
wie das englische th (z̯) klang. L
und th verwechselten die Curuahé
häufig. João konnte letzteren Laut
überhaupt nicht aussprechen; er
sagte auch portugiesisch stets
selinga statt „seringa”, falinya statt
„farinha” usw. Das naturgemäss
häufig gebrauchte Curuahé-Wort
für Farinha sprach er stets mŏlinŏm,
seine Begleiter häufig auch mŏrinŏm
(das r in der schlechten, gaumigen,
norddeutschen Aussprache) aus.
Die o in diesem, wie in vielen
anderen Worten klangen an ein sehr
kurzes ŭ an. In den auf der letzten
Silbe betonten Worten wurden
überhaupt die ersten Silben ganz
besonders kurz ausgesprochen. Die
Bedeutung mancher Worte, die ich
auf der Überlandtour hörte, wurde
mir erst allmählich, manchmal
überhaupt nicht mit Sicherheit klar,
da Joãos portugiesischer Wortschatz
sich auf wenige Hauptwörter und
die allergemeinsten Verben und
Adjektiva beschränkte und meine
anderen
Begleiter
überhaupt
kein Wort portugiesisch kannten
ausser „tabacco” und „palito”
(Streichholz). So kam ich bei
dem sehr häufig mir gegenüber
gebrauchten Wort „adyúdya”,
núncia das consonantes. Havia um
som, por exemplo em hóz̯in-á, que
soava ora como um f em ceceio, ora
como o th (z̯) inglês. Os Kuruaya
confundiam muitas vezes l e r. João
não conseguia pronunciar este som
de maneira nenhuma; em português, falava sempre selinga em vez
de “seringa”, falinya em vez de “farinha” etc. A palavra Kuruaya que
ele naturalmente usava muitas vezes
para farinha era mŏlinŏm, seus companheiros muitas vezes também usavam mŏrinŏm (o r da ruim pronúncia palatal do norte da Alemanha).
Os o nessa palavra, tal como em
muitas outras palavras, lembravam
um ŭ muito breve. Aliás, nas palavras com o acento tônico na última
sílaba, as sílabas iniciais eram pronunciadas de forma extremamente
breve. O significado de algumas palavras que ouvi na viagem por terra
somente aos poucos compreendi, às
vezes sem ter muita certeza, porque
o vocabulário português do João se
limitava a poucos substantivos e aos
verbos e adjetivos mais comuns,
e meus outros acompanhantes
não falavam nenhuma palavra
em português, exceto “tabaco” e
“palito” (fósforo). Assim, descobri
mais tarde que a palavra “adyúdya”, que usavam muitas vezes na
comunicação comigo, a qual de iní-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
392
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
das ich anfangs einfach für
einen Anruf, etwa „hör‘ mal!”,
hielt, später dahinter, dass seine
Bedeutung ungefähr „wie heisst?”
sein muss. Die Indianer wollten
das portugiesische Wort für den
Gegenstand, den sie mir zeigten und
in ihrer Sprache nannten, wissen.
cio interpretei simplesmente como
um vocativo, no sentido de “escute!”, deve significar mais ou menos
“como chama?”. Os índios queriam
saber a palavra portuguesa para o
objeto que me mostravam e haviam
nomeado em sua língua.
Aya-bik sagte man, wenn man Halt
machte und sich setzte. Ob der Sinn
aber „ausruhen” oder „sich setzen”
war, wurde mir nicht klar. Für
„Wasser” sagte mir Manoelsinhos
Diener das Wort uágua (bei
den Sprachaufnahmen mit ihm
dolmetschte Manoelsinho). Meine
späteren Begleiter nannten „Wasser”
stets íti oder títi, was sich etwa
so unterschied wie „eau” und „de
l‘eau”. Ich musste títi sagen, wenn
ich in einer Kalabasse Wasser zum
trinken haben wollte; das Wasser
im Igarapé war dagegen einfach íti.
Einmal gebrauchten meine Curuahé
aber auch das Wort uágua, als wir
an der Mündung eines grösseren
Jamanchimzuflusses vorüberfuhren.
Während wir noch im Walde waren,
sagte mir João einmal: „Amanhã
vem Oyapóc” („Morgen kommt der
Oyapok”), während er nach Westen
deutete, und nickte bejahend, als ich
fragte: „O outro rio?” („Der andere
Fluss?”) (so sprach Manoelsinho
Aya-bik se falava quando havia uma
parada e nos sentávamos. Mas não
ficou claro para mim se o significado era “descansar” ou “sentar-se”.
Para “água”, o criado de Manoelsinho me disse a palavra uágua (nas
gravações linguísticas com ele, era
Manoelsinho quem interpretava).
Meus acompanhantes posteriores
sempre chamaram “água” de íti ou
títi, com a diferença mais ou menos
tal como em “eau” e “de l’eau”. Tinha que falar títi se quisesse tomar
água em uma cabaça; a água do igarapé era simplesmente íti. Mas, uma
vez meus Kuruaya usaram também
a palavra uágua quando passamos
pela foz de um grande afluente do
rio Jamanxim. Ainda dentro da floresta, João me falou um dia: “Amanhã vem Oyapóc” (”Amanhã vem o
Oiapoque”), apontando em direção
oeste, e confirmou acenando a cabeça quando perguntei: “O outro rio?”
(”O outro rio?”) (Manoelsinho sempre falava assim do rio Jamanxim).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
393
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
immer vom Jamanchim). Er meinte
zweifellos diesen Fluss; ob aber
oyapóc ein Name ist oder überhaupt
die Bedeutung von „Fluss” hat‚
konnte ich nicht feststellen.
Sem dúvida, se referia a esse rio;
não pude verificar se oyapóc é um
nome ou se tem, de algum modo, o
significado de “rio”.
Für „Erde” (oder „Land”) habe
ich einmal ïpi aufgeschrieben,
was, wie ich jetzt glaube, auf einer
Verwechslung beruht. Manoelsinhos
Curuahé sagte mir das Wort ïp für
„Holz”, und meine Waldführer
nannten ipi-put-put das Unterholz
(oder nur die Lianen). Vielleicht
habe ich, auf die Erde deutend,
„chão” (Erdboden) gefragt, und
João hat „páo” (Baum) verstanden.
Es liegen ja immer alte Stämme u.
dgl. auf dem Boden umher. Auf
einem ähnlichen Missverständnis
beruht
vielleicht
das
Wort
wadírara, das ich einmal für
„Himmel” notierte. „Stern” heisst
nämlich adirava. Idík nannten die
Indianer die Talglichte, von denen
ich einige bei mir hatte. Sie hatten
solche noch nie gesehen; vielleicht
bezog sich der Name eigentlich auf
ein gewisses Harz, das sie selbst
manchmal als Kerze verwendeten.
Streichhölzer hatten die Indianer
auch noch nicht in Gebrauch,
kannten sie aber schon und sahen
den Nutzen davon schnell ein.
Trotzdem nahmen sie fast immer
Para “terra” (ou “terreno”), anotei
uma vez ïpi, mas acho agora que se
tratou de um engano. O Kuruaya
do Manoelsinho me falou a palavra ïp para “madeira” e meus guias
florestais chamavam o sub-bosque
(ou somente os cipós) de ipi-put-put. Apontando para a terra, perguntei “chão” e talvez João tenha
entendido “pau”. Sempre há velhos troncos e coisas semelhantes
no chão. Talvez a palavra wadírara, que anotei uma vez para “céu”,
tenha surgido também de um mal
-entendido semelhante. É que “estrela” se chama adírava. Os índios
chamavam de idík as velas de sebo,
algumas das quais eu tinha comigo. Nunca as tinham visto antes;
talvez o nome se referisse a uma
certa resina que eles usavam às
vezes como vela. Os índios ainda
não usavam fósforos, mas os conheciam e entenderam rapidamente
sua utilidade. No entanto, quase
sempre levavam na viagem um pedaço de madeira fumegante usada
no acampamento noturno ou na
última refeição, que se conservava
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
394
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
ein glimmendes Stück Holz vom
Nachtquartier oder von der letzten
Mahlzeit mit auf die Reise, was bis
zur nächsten Station vorhielt. Auf
die vielfache Bedeutung des Wortes
inǐá machte mich Manoelsinho
selbst aufmerksam (tot, sterben,
Paranuss, Mörser in Chipaya).
até a próxima parada. O próprio
Manoelsinho me chamou a atenção
para os múltiplos significados da
palavra
(morto, morrer, castanha-do-pará, morteiro em xipaya).
Alphabet zu den Vokabularen
Chipaya und Curuahé.
Alfabeto dos glossários de Xipaya
e Kuruaya.
Noten
Notas
1) Grössere Hütte, die gewöhnlich von
mehr als einer Familie bewohnt wird.
2) Auch „Jauan-Xim, Jauamaxim,
Jananixim” genannt.
3) Über die nahe Verbindung des Iriri
und Jamanchim vgl. auch Karl von
den Steinen: Durch Central-Brasilien.
Leipzig, 1886. S. 13. Henri Coudreau:
Voyage au Xingú. Paris, 1897. S. 32.
4) Daniel in Revista trimensal, III, 172;
nach C. Fr. Ph. von Martius: Beiträge
zur Ethnographie und Sprachenkunde
Amerikas zumal Brasiliens. Leipzig,
1867. Bd. I, S. 381.
5) Spix und Martius: Reise in Brasilien.
München, 1831. Bd. III, S. 1049.
6) Reise des Prinzen Adalbert von
Preussen nach Brasilien, bearbeitet und
1) Uma cabana maior que abriga normalmente mais de uma família.
2) Chamado também “Jauan-Xim,
Jauamaxim, Jananixim”.
3) A respeito da estreita conexão do Iriri
com o Jamanxim veja também Karl von
den Steinen: Durch Central-Brasilien.
Leipzig, 1886, p. 13. Henri Coudreau:
Voyage au Xingú. Paris, 1897, p. 32.
4) Daniel em Revista trimensal, III,
172; segundo C. Fr. Ph. von Martius:
Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens.
Leipzig, 1867, Vol. I, p. 381.
5) Spix und Martius: Reise in Brasilien.
Munique, 1831. Vol. III, p. 1049.
6) Reise des Prinzen Adalbert von
Preussen nach Brasilien [Viagem do
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
395
Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad
herausgegeben von H. Kletke. Berlin,
1857. S. 685.
7) K. v, d. Steinen: a. a. O. S 6.
8) Tupistamm des Tapajoz-Gebietes.
9) Nachkommen flüchtiger
Negersklaven, die sich zu
Niederlassungen vereinigt haben. Man
trifit sie auch am Trombetas, Urubú
und anderen nördlichen Nebenflüssen
des Amazonas.
10) Nebenfluss des Amazonas, der
zwischen Xingú und Tapajoz östlich
vom Kanal Ituqui mündet.
11) Karaibenstamm auf dem Westufer
des unteren Xingú.
12) Felsecke und Hügelkette auf dem
linken Xingú-Üfer, etwa 4° 10‘ südl.
Br., Endpunkt der Reise des Prinzen
Adalbert.
13) H. Coudreau: a. a. O. S. 38-34.
14) K. v. d. Steinen: a. a 0. S. 240.
15) Vgl. die Abbildungen.
16) K. v. d. Steinen: a. a. 0. S. 239.
17) Ebenda.
18) Ebenda, S. 252, 259.
19) Ebenda, S. 362-363.
20) H. Coudreau: a. a. 0. S. 165-198.
21) C. Fr. Ph. v. Martius: Beiträge
usw. Bd. II, S. 18-20.
22) H. Coudreau: Voyage au Tapajoz.
Paris, 1897. S. 192-202.
23) Anthropos. Bd. II (1907). S. 10581
ff.
Príncipe Adalbert da Prússia para o Brasil], redigido e editado por H. Kletke.
Berlim, 1857, p. 685.
7) K. v. d. Steinen: op.cit., p. 6.
8) Tribo Tupi da região do Tapajós.
9) Descendentes de escravos negros
refugiados, que se juntaram em estabelecimentos. Encontram-se também
no Trombetas, no Urubu e em outros
afluentes do norte do rio Amazonas.
10) Afluente do Amazonas que desemboca entre o Xingu e o Tapajós, à leste
do canal Ituqui.
11) Tribo Karib à margem oeste do Baixo Xingu.
12) Rocha e serra à margem esquerda
do Xingu, a aproximadamente 4° 10’
de latitude sul, ponto final da viagem do
Príncipe Adalbert.
13) H. Coudreau: op.cit., pp. 33-34.
14) K.v.d. Steinen: op.cit., p. 240.
15) Veja as ilustrações.
16) K.v.d. Steinen: op.cit., p. 239.
17) Ibid.
18) Ibid, pp. 252, 259.
19) Ibid, pp. 362-363.
20) H. Coudreau: op.cit., pp. 165-198.
21) C. Fr. Ph.v. Martius: Beiträge usw.
Vol. II, pp. 18-20.
22) H. Coudreau: Voyage au Tapajoz.
Paris, 1897, pp. 192-202.
23) Anthropos. Vol. II (1907), pp. 1058
et seq
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
396
Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage
24) Die Wahrscheinlichkeit der
Einwanderung in älterer Zeit ist
doch nicht ganz von der Hand zu
weisen, da die Sprache der Curuahé
dem Mundurukú des Tapajoz näher
verwandt ist. K.-G.
25) Ebenso bei den Yurúna; vgl.
K. v. d. Steinen: a. a. O. S. 239.
K.-G.
26) Nach K. v. d. Steinen (a. a.
O. S. 239) sollen es Pollen der
sogenannten „Banana brava” sein.
K.-G.
27) z̯ = englisch th.
24) Não se pode negar totalmente a
probabilidade da imigração em tempos
antigos, porque a língua dos Kuruaya é
mais próxima da língua dos Munduruku
do Tapajós. K.-G.
25) Da mesma maneira nos Juruna;
cf. K.v.d. Steinen: op.cit., p. 239.
K.-G.
26) Conforme K.v.d. Steinen (op.cit.,
p. 239), deve ser pólen da chamada “banana brava”. K.-G.
27) z̯ = inglês th.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021.
397
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84960
AS ETNIAS INDÍGENAS DO MÉDIO XINGU: EM
ESPECIAL A XIPAYA E A CURUAYA
ASSENTAMENTO DOS INDÍGENAS NO MÉDIO XINGU,
IRIRI E CURUÁ
Cilene Trindade Rohr1
1
Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
Rosanne Castelo Branco2
Universidade Federal do Pará, Campus Marajó – Soure, Pará, Brasil
2
Como uma das pioneiras em frequentar a universidade na
Alemanha, a ornitóloga e escritora naturalista alemã Emilie
Snethlage (1868-1929) deslocou-se para o Norte do Brasil para
pesquisar sobre a flora e a fauna na Amazônia. Antes disso, foi
assistente de zoologia no Museu de História Natural em Berlim
e exerceu a função de Diretora do Museu Natural Emilio Goeldi, no Pará, no período de 1914 a 1921. Entre 1914 e 1915,
escreveu o Catálogo das Aves Amazônicas e tornou-se membro
honorário do British Ornithologists Union (BOU) e recebeu o
prêmio da Academia Brasileira de Ciências. Em 1921, foi para
o Museu Nacional do Rio de Janeiro e desenvolveu pesquisas
em outros Estados brasileiros. Morreu de insuficiência cardíaca
em Porto Velho, Rondônia em 1929. Snethlage registrou em
suas pesquisas um tipo de macaco que só existe no Pará e no
Mato Grosso. Em homenagem à pesquisadora denominou-se o
animal de Sagui da Emília (Mico Emilae).
O texto científico encontra-se na revista alemã sobre Etnologia, com
publicação da Organização de Ciência de Berlim para Antropologia,
Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY:
https://creativecommons.org/lice
Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Etnologia e Pré-História [Zeitschrift für Ethnologie – Organ der Berliner Gesellschaft für Antropologie, Ethnologie und Urgeschichte].1
O artigo apresenta as relações sociais e comportamentos migratórios das duas etnias indígenas, Xipaya e Curuaya, que viviam às
margens dos rios Iriri e Curuá e que, em virtude da frequente chegada de brasileiros, trocavam de moradia e de lugar com frequência.
O processo tradutório do texto exigiu aprofundamento crítico
sobre palavras relativas à linguagem étnica indígena e sua localização no espaço temporal e regional da Amazônia. Na Biblioteca
Digital Curt Nimuendajú tivemos acesso a pesquisas sobre a constituição histórica e linguística e cultural dos Xipaya e dos Curuaya
atualmente. Isso ajudou na compreensão de expressões utilizadas
por Snethlage à época de suas expedições à região do Xingu.
Um dos grandes desafios foi traduzir as descrições detalhadas que
Snethlage faz de rituais, pinturas, objetos e paisagens. A construção
de frases e orações com muitos adjetivos consecutivos produz parágrafos muito longos e por se tratar de uma marca do estilo de escrita
de Snethlage evitamos desmembrar o mínimo possível os extensos
parágrafos, principalmente os que descrevem adereços, cerâmicas,
pinturas etc. O olhar perspicaz da autora conduz o leitor a um retrato
realista do panorama, das pessoas e coisas e revela um conhecimento
profundo da cultura dos povos Xipaya e Curuaya muito bem mostrados por essa notável etnóloga de fôlego e coragem.
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú (wikidot.com). Acesso em 01 de outubro de
2020.
1
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 398-401, jan/jul, 2021.
399
As etnias indígenas do Médio Xingu: em especial a Xipaya e a Curuaya...
Bibliografia
Fargetti, Cristina Martins; Rodrigues, Carmen L. Reis. “Consoantes do Xipaya
e do Juruna – uma comparação em busca do proto-sistema.” Alfa, 52 (2), (2008):
535-563.
Junghans, Miriam E. Avis rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emília
Snethlage (1868-1929) no Brasil. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso
de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo CruzFIOCRUZ. 2009.
Nimuendajú, Curt. “Os índios Xipaya: cultura e língua”. Tradução de Curt
Nimuendajú. Campinas: Editora Curt Nimuendajú, 2019.
Nimuendajú, Curt. “Fragmentos de religião e tradição dos índios Sipáia:
contribuições ao conhecimento das tribos de índios da região do Xingu, Brasil
Central.” Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: Tempo e Presença/São Paulo:
Cortez, nº 7, (1981): 3-47.
Nimuendajú, Curt. “Textos indigenistas: relatórios, monografias, cartas”. São
Paulo: Loyola, 1982.
Nimuendajú, Curt. “Tribes of the lower and middle Xingu river”. Handbook of
South American Indians. Steward, Julian H. (Ed.). v. 3. Washington: Smithsonian
Institute, 1948.
Rodrigues, C. L. R. Etude morphosyntaxique de la langue Xipaya (Brésil).
1995. 274f. Thèse (Doctorat en Linguistique) - U.F.R. Lettres, Arts et Cinéma,
Université Paris VII, Paris, 1995.
Snethlage, Emilie. Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die
Chipaya und Curuaya. Zeitschrift für Ethnologie. Berlin: s. ed., nº 45,(1910):
395-427.
Snethlage, Emilie. A travessia entre o Xingu e o Tapajós. Manaus: Governo do
Estado do Amazonas; SEC, 2002. (Documentos da Amazônia, 98).
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 398-401, jan/jul, 2021.
400
Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Snethlage, Emilie. Zur Ethnographie der Chipaya und Curuaya. Zeitschrift für
Ethnologie, Berlin: s. ed., nº 42, 1910.
Snethlage, Emilie. “Die Flüsse Iriri und Curuá im Gebiet des Xinghú : Mit einer
Karte.” [nach S. 384]. Snethlage, E. in: Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde
zu Berlin : zugl. Organ d. Deutschen Geographischen Gesellschaft / Zeitschrift
der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin - 1925 / Vorträge und Abhandlungen 27
Page(s) (328 - 354).
Cilene Trindade Rohr. E-mail: cilene.rohr@gmail.com. https:// orcid.org/00000003-4524-8045.
Rosanne Castelo Branco. E-mail: castelobranco.rosanne@gmail.com. https:// orcid.org/0000-0001-70348748.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 398-401, jan/jul, 2021.
401
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84961
DIE INDIANERSTÄMME AM MITTLEREN XINGU: IM
BESONDEREN DIE CHIPAYA UND CURUAYA
Emilie Snethlage
Tradução de:
Cilene Trindade Rohr1
1
Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
Rosanne Castelo Branco2
Universidade Federal do Pará, Campus Marajó – Soure, Pará, Brasil
2
SNETHLAGE,
Emilie.
“Die
Indianerstämme
am
mittleren
Xingu: im besonderen die Chipaya
und Curuaya.” Zeitschrift für
Ethnologie, Berlin: s. ed., n. 45,
1910, pp. 395-427.
SNETHLAGE, Emilie. As etnias
indígenas do Médio Xingu: em especial a Xipaya e a Curuaya. Berlin:
Behrend & CO.,1921, pp. 395-427.
Wohnsitze der Indianer am Assentamento dos indígenas no
mittleren Xingú, Iriri und Curuá Médio Xingu, Iriri e Curuá
1. Chipaya:
Die Wohnsitze der Chipaya haben
sich im Laufe der etwa 25 —30 Jahre,
in denen die heutigen brasilianischen
Ansiedler des Iriri von ihnen Kunde
haben, mannigfach verschoben.
Accioly, der erste Besiedler des
Flusses, fand bei seiner Ankunft
1. Xipaya
Segundo relatos dos atuais colonos
brasileiros do Iriri, as áreas de assentamento dos Xipaya mudaram
por diversas vezes, no período de
25 a 30 anos. Accioly, o primeiro
colono do rio, encontrou alguns Xipaya assentados logo acima da atual
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
402
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
einen Teil von ihnen wenig oberhalb
des heutigen Santa Júlia seßhaft. Von
dort zogen sie, anscheinend infolge
der Ankunft weiterer Brasilianer,
an den Curuá. An letzterem Flusse
scheinen sie ziemlich lange die
Gegend oberhalb des Igarapé do
Limão, bis einige Tagereisen über die
Mündung des heutigen Igarapé dos
Curuayas hinaus, bewohnt zu haben.
Weiter aufwärts sind sie nach ihrer
eigenen Aussage nur ausnahmsweise
gegangen. Dies geht auch aus der
Abwesenheit aller alten Wohnstätten
am oberen Curuá hervor.
Santa Júlia. De lá, mudaram-se
para o Curuá, aparentemente em razão da chegada de mais brasileiros.
Eles parecem ter vivido, por muito
tempo, no rio Curuá, na região acima do Igarapé do Limão que fica
há alguns dias de viagem da foz do
atual Igarapé dos Curuaya. Segundo
os próprios Xipaya, eles só se locomoviam em casos excepcionais.
Isso se comprova pela ausência de
evidências de moradias antigas no
alto Curuá.
Am Iriri haben wir oberhalb
Bocca do Curuá keine Spuren von
Chipayamalokas gefunden. Auch die
Indianer selber bestätigten, daß sie
hier nie gewohnt hätten. Vielleicht
hat sie Furcht vor den Carajás vom
oberen Teil dieses Flusses fern
gehalten. Das rechte Ufer desselben
steht heute noch in sehr schlechtem
Rufe. Kein Chipaya würde auf ihm
übernachten, und die Seringueiros
nennen es geradezu die „Terra do
Carajá“, im Gegensatz zu der „Terra
do Meio“ (Mittelland), dem Gebiet
zwischen Iriri und Curuá.
Não encontramos vestígios de malocas de Xipaya no Iriri, acima da
Boca do Curuá. Os próprios indígenas confirmaram que nunca viveram ali. Talvez o medo dos Carajás
os tenha afastado da parte alta do
rio Curuá. Hoje em dia, a margem
direita desse mesmo rio tem, ainda,
uma fama ruim. Nenhum Xipaya
pernoitava ali, e os seringueiros a
chamavam de “Terra do Carajá”
em contraponto à “Terra do Meio”,
área entre o Iriri e o Curuá.
1913 holte Accioly nach der Em 1913, após o assassinato de
Ermordung Manoelsinhos die Chipaya Manoelzinho, Accioly trouxe os
in ihre ältesten (bekannten) Wohnsitze Xipaya de volta às suas moradias
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
403
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
zurück. Sie lebten zur Zeit meiner
Anwesenheit in mehreren zum Teil
neuerbauten Malokas etwas oberhalb
von Santa Júlia, während die schon
früher in Acciolys Dienste getretenen
Indianer — zum größten Teil Chipaya
— ihre Hütten weiter unterhalb hatten.
Außer diesen in der Nähe von Santa
Júlia angesiedelten Indianerfamilien
findet man einzelne andere in fast
jeder bedeutenderen Ansiedlung des
Iriri und unteren Curuá. Letztere kann
man, obwohl sie kaum portugiesisch
sprechen, heute fast schon als Indios
mansos bezeichnen. Sie haben die
Ursprüngliche Tracht und den größten
Teil ihrer früheren Sitten vollständig
aufgegeben,
wahrscheinlich
für
immer.
mais antigas (conhecidas). Na época da minha estadia, eles viviam em
várias malocas parcialmente construídas um pouco acima de Santa
Júlia, enquanto os indígenas que já
haviam trabalhado antes para Accioly – principalmente os Xipaya
– tinham suas cabanas mais abaixo. Além dessas famílias indígenas,
assentadas perto de Santa Júlia, há
outras em quase todo grande assentamento do Iriri e do baixo Curuá.
Os últimos podem ser denominados
quase como “índios mansos”, embora pouco falem o português. Eles
desistiram completamente do uso
dos trajes originais e da maior parte
de seus costumes anteriores, provavelmente para sempre.
Die Kopfzahl der wirklich noch
unabhängigen und in einem gewissen
Stammesverband lebenden Chipaya
scheint schon seit Jahren nicht mehr
sehr hoch gewesen zu sein und
ist in letzter Zeit wohl noch mehr
zürückgegangen, durch den Übertritt
so vieler Indianer in die Dienste
der brasilianischen Ansiedler. Die
Horde des Joaquin Velho, die wohl
nicht mehr als ein Dutzend Männer
umfaßte, schien, mir noch am meisten
am alten Chipayatum festzuhalten und
sogar mit einer gewissen Verachtung
auf die kurzhaarigen Renegaten ihres
O número de Xipaya independentes
que vivem em determinado grupo
tribal parece não ter aumentado há
anos e, provavelmente, diminuiu
ainda mais recentemente com tantos indígenas ingressando nos serviços dos colonos brasileiros. O
grupo de Joaquim Velho que, provavelmente, não passava de uma
dúzia de homens, parecia-me ser a
que mais se apegava à velha origem Xipaya e tratava com desprezo
os renegados de cabelos curtos da
sua etnia. Se somarmos os Xipaya
que estão em plena transição para o
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
404
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Stammes herabzublicken. Rechnet
man die in vollem Übergang in das
Stadium der Indios mansos (zahmen
Indianer) begriffenen, aber noch
ganz reinblütigen Chipaya hinzu, so
dürfte man immerhin noch auf eine
Gesamtzahl von mehreren hundert
Köpfen kommen. Die Leute leben
als Fischer und Jäger, manchmal
auch als Barqueiros, kaum jemals
als Gummisammler in Diensten der
Brasilianer, vollständig, oder nur
zeitweilig, wenn sie gerade Bedürfnis
nach gewissen Handelswaren haben.
Zu letzteren gehörte zum Beispiel der
mir bereits von meiner ersten Reise
her bekannte „Coronel“, den ich
damals mit seiner Frau im reichsten
Nationalkostüm
photographierte.
Beide hatten jetzt ganz die
Seringueirotracht angenommen, so
daß ich sie im ersten Augenblick,
als sie mich bei einem zufälligen
Zusammentreffen im Nachtlager
sehr freundlich begrüßten, gar nicht
wiedererkannte.
estágio dos indígenas mansos (indígenas domesticados), porém de
sangue puro, ainda assim chegaremos a um total de centenas de cabeças. As pessoas vivem como pescadores e caçadores, às vezes como
barqueiros, quase nunca como coletores de borracha a serviço dos
brasileiros, integralmente, ou apenas temporariamente, quando precisam de certas mercadorias. Estes
últimos incluíam, por exemplo, o
“Coronel”, que eu já conhecia desde a minha primeira viagem, o qual
fotografei com sua esposa em traje
nacional suntuoso. A essa altura,
ambos tinham adotado roupas de
seringueiro, de maneira que eu não
os reconheci no primeiro momento, quando me cumprimentaram
muito gentilmente em um encontro
casual no acampamento à noite.
1909 fürchteten alle Indianer sehr
den „catarrho“, den sie sich vielfach
bei Berührungen mit den Civilizados
holten, und der große Verheerungen
unter ihnen anrichtete. Bei meinem
letzten Aufenthalt sah und hörte ich
dagegen wenig von dieser oder von
irgendwelcher andern Krankheit
Em 1909, os indígenas temiam o
“catarro”, que muitas vezes contraíam no contato com os civilizados, e que causava grandes danos
entre eles. Durante minha última estada, porém, vi e ouvi pouco sobre
esta ou qualquer outra doença entre
eles. Na verdade, todos pareciam
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
405
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
unter ihnen. Sie sahen eigentlich alle bem alimentados e prósperos.
wohlgenährt und blühend aus.
Im ganzen scheint mir, dürfte
die Stunde der Chipaya als eines
unabhängigen, freien Indianerstammes
bald geschlagen haben. Sie können
sich als ausschließliche Flußbewohner
zu wenig der Berührung mit den
zivilisierten Brasilianern entziehen.
Dagegen werden sie sich hoffentlich
als bedeutender, friedlicher und
brauchbarer Teil der Flußbevölkerung,
vorläufig rein indianischen, späterhin
wohl gemischten Blutes, noch lange
erhalten.
No geral, parece-me que a hora
dos Xipaya, como uma tribo indígena independente e livre, poderia ter soado em breve. Como
moradores exclusivos do rio, eles
não podem evitar o contato com os
brasileiros civilizados. Espera-se,
no entanto, que sejam preservados por um bom tempo como uma
parte importante, pacífica e útil da
população ribeirinha, inicialmente, puramente indígena e mais tarde provavelmente mestiça.
2. Curuaya:
Die erste mir bekannte ganz sichere
Wohnstätte der Curuaya war die
Aldeia (nicht Familienmaloka, wie
ich mich seinerzeit ausausdrückte), in
der Accioly diese Indianer bei seinem
Besuche vor meiner Überlandreise
zum Jamauchim traf. Doch deutet,
wie ich bereits früher erwähnte, der
Name des 1909 Igarape dos Curuayas,
heute
Curuasinho
genannten
Flüßcheus darauf hin, daß die ersten
brasilianischen Ansiedler auch dort
auf Curuaya gestoßen sind, und mein
Begleiter, der Curuaya Raymundo,
stammte vom Igarapé do Bahú.
2. Curuaya:
O primeiro lugar seguro para viver
dos Curuaya foi a aldeia (não a maloca familiar, como me expressei
à época), onde Accioly conheceu
esses indígenas durante sua visita,
antes da minha viagem à terra dos
Jamanxim1. Contudo, como mencionei anteriormente, o nome do
Igarapé dos Curuaya de 1909, hoje
conhecido como Curuazinho, indica
que os primeiros colonos brasileiros
passaram por Curuaya. Meu acompanhante, o Curuaya Raimundo, é
originário do Igarapé do Baú.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
406
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Alle drei Flüßchen fallen von rechts,
d. h. von der Iririseite her, in den
Curuá, und das Gebiet zwischen
den beiden Flüssen, die sogenannte
Terra do Meio, dürfte wohl lange
das Hauptwohngebiet des Stammes
gewesen sein. Vielleicht ist sie es
heute noch in größerem Umfange, als
den Seringueiros bekannt ist.
Todos os três rios correm pela direita, ou seja, do lado do Iriri para
o Curuá e a área entre os dois rios,
a chamada Terra do Meio, deve ter
sido, por muito tempo, a principal
área de moradia da etnia. Talvez ela
seja mais conhecida hoje do que na
época dos seringueiros.
Ob früher einmal die Curuaya auch
auf dem linken Ufer des Flusses ihre
Wohnsitze hatten, darüber habe ich
nichts erfahren können, ebensowenig
habe ich irgend eine Erinnerung an
die hypothetischen alten Wohnsitze
des Stammes am Jamauchim gehört,
es sei denn, daß eine Erzählung
Raymundos auf diesen Fluß sich
bezogen hätte und nicht auf den
Iriri, auf welchen sie absolut nicht
paßte. Raymundo behauptete nämlich
plötzlich, gerade ehe wir in das
unbekannte Gebiet am oberen Laufe
dieses Flusses eindrangen, sein
Vater sei einmal weit in demselben
aufwärts gefahren, und gab mir
eine ziemlich ins Einzelne gehende
Beschreibung von Wasserfällen,
die er getroffen habe, und anderen
Einzelheiten, welche jedoch mit dem
wirklichen Iriri in keiner Weise in
Übereinstimmung zu bringen waren.
Ich hielt seine Erzählung daher
damals für reine Erfindung, muß
Não consegui saber se também os
Curuaya já tiveram morada permanente à margem esquerda do rio.
Tão pouco ouvi qualquer lembrança
de possíveis moradas antigas da etnia no Jamanxim, a menos que uma
das histórias de Raimundo se refira
a esse rio e não ao Iriri que absolutamente não se encaixa na descrição.
Pouco antes de entrarmos na área
desconhecida no curso acima do Iriri, Raimundo afirmou que seu pai
certa vez se dirigiu à parte de cima
desse rio e me deu uma descrição
bastante detalhada das cachoeiras
que conheceu e outros pormenores.
Entretanto, observei que não se adequariam, de forma alguma, com as
reais características do Iriri. Naquela época, eu considerei sua história
pura invenção, mas devo dizer, no
entanto, que, ao refletir melhor e
descobrir sobre sua forma de pensar, ou seja, sua imaginação – talvez melhor dizendo sua falta de fan-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
407
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
aber doch bei näherer Überlegung
sagen, daß ich nach dem, was ich
von ihren seelischen Eigenschaften,
ihrer Phantasie — vielleicht richtiger
ihrem Mangel an Phantasie — kennen
gelernt habe, diese Indianer eigentlich
zum Erfinden eines vollständigen
Reiseberichts für unfähig halte. Es
wäre ja aber möglich, daß Raymundo
die beiden Flüsse, von denen er selber
persönlich keinen kannte, verwechselt
hätte, und daß die von ihm gegebene
Beschreibung des von seinem Vater
befahrenen Flusses auf den oberen
Jamauchim paßte.
tasia – considero, de fato, que esses
indígenas são incapazes de inventar
um relato de viagem completo. É
possível, porém, que Raimundo tenha confundido os dois rios que ele
pessoalmente não conhecia, e que a
descrição que deu do rio por onde
seu pai viajou correspondeu ao alto
Jamanxim.
Als heutiges Wohngebiet der Curuaya
ist den Brasilianern ausschließlich
das Igarapé dos Curuayas bekannt,
und zwar zur Zeit meiner Reise
hauptsächlich das linke Ufer des
Flüßchens, während die von Accioly
seinerzeit besuchte, jetzt nicht mehr
existierende Aldeia auf dem rechten
Ufer lag.
A aldeia que ficava à margem direita do igarapé, e que era conhecida pelos brasileiros como área de
moradia dos Curuaya, não existe
mais. Durante minha viagem, conheci principalmente a margem
esquerda desse rio que, à época,
Accioly visitou.
Ich besuchte persönlich zwei
Flußmalokas und eine Aldeia,
sämtlich auf dem linken Ufer,
und die letztere etwa 2 Meilen
landeinwärts gelegen. Sie waren
etwa 4-6 Bootstagereisen von der
Mündung entfernt. Von einer
zweiten, neu errichteten Aldeia hörte
ich sichere Nachrichten. Sie sollte
Visitei pessoalmente duas malocas
ribeirinhas e uma aldeia, todas na
margem esquerda, e a última cerca de duas léguas no interior. Os
Curuaya estavam por volta de quatro a seis dias de barco do estuário.
Ouvi notícias fidedignas sobre uma
segunda aldeia recém-construída
para substituir a aldeia mais antiga
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
408
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
an Stelle des von mir besuchten
älteren, schon etwas baufälligen
Dorfes treten. Der größere Teil von
Caruremas Horde war bereits dahin
übergesiedelt. Noch eine weitere
Aldeia- sollte weiter flußaufwärts,
landeinwärts, zwischen den beiden,
Flußmalokas
existieren.
Die
Berichte über sie waren jedoch
ziemlich schwankend. Keiner von
den Seringueiros oder den mich
begleitenden Indianern hatte sie
selbst gesehen. Möglicherweise war
einfach die neue Aldeia gemeint, die
mir andererseits aber wieder als viel
weiter südlich liegend geschildert
wurde. Auf dem Rückweg zeigte
mir außerdem Raymundo, als ich
einmal mit ihm und seiner Familie
allein fuhr, an einer weithin öden
Strecke des rechten Ufers des
Curuá, nicht allzuweit von Bom
Futuro, eine Stelle, wo nach seiner
Aussage eine im Innern lebende,
den Brasilianern nicht bekannte
Horde seiner Landsleute hin und
wieder an den Fluß kommen soll.
que visitei e estava bastante arruinada. A maior parte do grupo de Carurema já havia se deslocado para
lá. Devia existir outra aldeia mais
rio acima, no interior, entre as duas
malocas ribeirinhas. Os relatos sobre elas, entretanto, eram bastante
imprecisos. Nenhum seringueiro ou
indígena que me acompanhava as
tinha visto. Possivelmente, alguém
me contou sobre a nova aldeia que
me foi descrita como sendo muito
mais ao sul. Na volta, Raimundo
também me mostrou, quando eu
viajava com ele e sua família, em
um trecho bastante árido da margem
direita do Curuá, não muito longe
de Bom Futuro, um lugar onde, segundo ele, um grupo de seus conterrâneos vivia no interior, não conhecido pelos brasileiros, e chegava ao
rio de tempos em tempos.
Die Kopfzahl seiner Horde gab mir
Carurema auf 93 an, die er alle
namentlich aufführte. Es waren 31
Männer, 42 Frauen, 14 Knaben und
6 Mädchen. Die kleineren Kinder
schienen dabei nicht mitgezählt zu
sein. Ich glaube nicht, daß diese
Carurema me deu o número de pessoas de seu grupo, 93, todas listadas pelo nome. Havia 31 homens,
42 mulheres, 14 meninos e 6 meninas. As crianças menores não entravam nessa contagem. Não acho
que essa lista estava completa, pois
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
409
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Liste vollständig war, denn er wurde,
während er sie mir angab, von einem
dabei sitzenden Curuaya ein paarmal
an vergessene Namen erinnert und
hatte wahrscheinlich nicht alle seine
Untertanen namentlich im Kopfe.
Eine Kopfzahl von 150 dürfte kaum
zu hoch gegriffen sein. Ich glaube
auch, wie gesagt aus Andeutungen,
hauptsächlich von selten Raymundos,
schließen zu dürfen, daß auf der
Terra do Meio noch mindestens
eine andere Curuayahorde existiert,
die den Ansiedlern unbekannt ist.
Von den größeren, rechtsseitigen
Zuflüssen des Curuá ist das Igarapé
dos Curuayas das einzige, das von
den Seringueiros wenigstens in
einem beträchtlichen Teil seines
Laufes — etwa 6 Tagereisen weit
— befahren worden ist. Von all den
übrigen, z. Teil nicht unbedeutenden
Nebenflüssen des rechten Curuáufers,
dem Igarapé do Bahú, Ig. Do
Barbado, dem Curuasinho, ist ihnen
nur die Mündung bekannt. Da die
Curuaya der Schiffahrt viel weniger
kundig und ihr viel weniger zugetan
sind als die Chipaya — was man
schon aus ihrer Ungeschicklichkeit im
Bootbau ersehen kann — vielmehr mit
wenigen Ausnahmen den Aufenthalt
im Festlande des Innern dem an
den Ufern der größeren Flüsse
vorzuziehen scheinen, wäre es nicht
ele foi lembrado algumas vezes de
nomes esquecidos por um Curuaya
sentado junto, e provavelmente não
tinha todos os seus subordinados na
cabeça pelo nome. É improvável
que uma contagem de 150 pessoas
seja exagerada. Diante das suposições de Raimundo, acredito também
que há pelo menos um outro grupo
Curuaya na Terra do Meio desconhecido pelos colonos. Dos afluentes maiores e à direita do Curuá, o
Igarapé dos Curuaya é o único que
tem sido utilizado pelos Seringueiros pelo menos em uma parte significativa de seu curso, cuja duração
é de aproximadamente seis dias de
viagem. Dos demais afluentes, em
parte não menos importantes, que
estão à margem direita do Curuá
– Igarapé do Baú, do Barbado e
do Curuazinho – eles só conhecem
o estuário. Os Curuaya são menos
conhecedores de navegação e muito
menos devotados a ela do que os Xipaya. Isso pode ser visto por sua falta de jeito na construção de barcos
com algumas exceções nas estadias
das festas do interior que acontecem
às margens dos rios maiores. Não
é de admirar que parte deles tenha
escapado à atenção dos seringueiros
que só vivem à margem dos rios e
das ilhas.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
410
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
wunderbar, wenn ein Teil von ihnen
der Aufmerksamkeit der ausschließlich
Ufer und inselbewohnenden entgangen
sein sollte.
3. Araras:
Über die Araras, die am linken Xingú
Ufer, (wo Accioly noch einige ihrer
Überfälle, wegen derer der Teil des
Xingú am Fuße der Serra dos Araras
eine Zeitlang vollständig von den
brasilianischen Ansiedlern verlassen
worden war, miterlebt hatte), jetzt
ganz verschollen sind, konnte ich
folgendes in Erfahrung bringen:
Gummisammler des Herrn Lopes da
Costa in Curambi, etwa eine Tagereise
oberhalb Sta. Júlia auf dem linken
Ufer des Iriri, haben diesem erzählt,
daß sie einige Tagereisen landeinwärts
nicht selten auf deutliche Spuren eines
umherstreifenden Indianerstammes
trafen, ohne daß es ihnen jedoch
gelungen sei, mit den Wilden, die auf
sehr niedriger Kulturstufe zu stehen
schienen, in Verbindung zu treten
oder sie überhaupt nur zu Gesicht zu
bekommen. Glücklicher waren, wie
mir Coronel Jose Julio de Andrade
bald nach meiner Rückkehr vom
Xingú mitteilte, dessen Leute am
oberen Curuá de Ituqui (zwischen
Xingú und Tapajoz). Sie haben eine
Niederlassung: der zwischen Curuá
der Ituqui und dem unteren Iriri
3. Araras:
Sobre os Araras que hoje estão
completamente perdidos na margem
esquerda do Xingu pude descobrir
algumas informações. Nessa localidade, Accioly presenciou alguns
ataques devido ao interesse por parte do Xingu que fica ao pé da Serra
dos Araras e que foi completamente
abandonada pelos colonos brasileiros por algum tempo. Segundo os
coletores de borracha do Sr. Lopes
da Costa, eles se depararam, muitas vezes, com uma etnia indígena
errante e de traços claros. Esse fato
se deu em Curambi que fica a cerca
de um dia de viagem acima de Santa
Júlia, à margem esquerda do Iriri,
alguns dias de viagem em direção ao
interior. Eles contaram, ainda, que
não conseguiram estabelecer contato
com os selvagens que pareciam ter
um nível cultural muito baixo para
se comunicar verbal e visualmente.
Como me informou o Coronel José
Júlio de Andrade, logo após meu retorno do Xingu, seu povo era mais
feliz no alto Curuá de Ituqui (entre o
Xingu e o Tapajós). Eles buscavam
um assentamento selvagem entre o
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
411
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
hausenden Wilden aufgesucht und sind
mit letzteren in friedliche Berührung
getreten, bei der sie erfuhren, daß sie
in der Tat mit Araras zu tun hatten.
Näheres über den Besuch konnte ich
jedoch bisher nicht erfahren, auch
nicht meine Absicht, diese Wilden so
bald wie möglich selbst aufzusuchen,
zur Ausführung bringen.
Curuá de Ituqui e o baixo Iriri, e
com estes últimos entraram em contato pacífico até descobrirem que
se tratava, de fato, dos Araras. Até
aquele momento da minha visita,
não pude obter mais informações e
nem realizei minha intenção de visitar pessoalmente esses selvagens.
4. Assurinis:
Auch die Assurinis sollen sich
seit langer Zeit ganz vom rechten
Xingú Ufer zurückgezogen haben
und heute landeinwärts, hinter den
nach ihnen benannten Hügeln,
leben. Sie sollen nur sehr geringe
Verbindung mit den Ansiedlern des
Xingú unterhalten, ohne ihnen jedoch
feindlich gegenüberzutreten. Einige
ihrer früheren Bekannten sollen sie
sogar noch hin und wieder besucht
haben. Einen der letzteren nannte mir
Accioly, dem ich diese Nachrichten
verdanke, mit Namen und meinte, es
sei durch ihn vielleicht möglich, mit
ihnen in Verbindung zu treten.
4. Assurinis:
Há muito tempo, os Assurinis também teriam se retirado da margem
direita do Xingu. Vivem agora no
interior, atrás das colinas que levam
seu nome. Diz-se que eles têm muito pouco contato com os colonos do
Xingu, sem serem, contudo, hostis
com eles e que alguns de seus antigos conhecidos os visitavam de vez
em quando. Accioly passou-me o
nome de um desses conhecidos, por
meio do qual é possível entrar em
contato com os Assurinis.
In Altamira sah ich im Geschäftshaus
der Herren Bitar Irmãos einige sehr
zierlich gearbeitete, mit Flechtarbeit
geschmückte Waffen, die von
Assurinis herrühren sollten. Sie waren
von Barqueiros mitgebracht worden.
Näheres konnte ich nicht erfahren.
No gabinete dos irmãos Bitar, em
Altamira, vi algumas armas muito
delicadas e adornadas com vime.
Diz-se que são originárias dos Assurinis e foram trazidas pelos barqueiros. Isso é tudo que consegui
descobrir.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
412
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
5. Die am Iriri „Carayá“ genannten
Indianer:
Das rechte Ufer des Iriri, etwa von
Bocca do Curuá aufwärts, heißt bei
den Ansiedlern Terra do Carajá,
und aufregende Gerüchte von in
diesem Teil des Flusses von wilden
Indianern verübten räuberischen
und mörderischen Überfällen sind
am ganzen Iriri verbreitet. Kein
Brasilianer oder Iriri -Indianer wird
auf dem rechten Ufer übernachten,
und ich selbst wurde, als wir in diesen
Teil des Iriri kamen, sehr ernstlich
vor dem Jagen auf dem rechten
Ufer, sogar bei Tage, gewarnt. Die
Überfälle werden allgemein den
Carajás zugeschrieben. Ich hatte
mir eigentlich die Ansicht gebildet,
daß sie, wenn auch nicht direkt
abzuleugnen, doch keineswegs von
den Indianern aus dem TocantinsAraguaya- Gebiet herrühren könnten,
sondern wohl eher einzelnen,
besonders waghalsigen Indianern aus
der Curuábevölkerung zuzuschreiben
seien, von denen zur Zeit meiner
ersten Reise einige für ,,muito
valente“ (etwa: sehr gewalttätig)
galten. Wirkliche Augenzeugen
solcher Überfälle hatte ich damals
nie gesprochen. Unter meinen
Begleitern war auch niemand, der
mir irgendeinen stichhaltigen Grund
angeben konnte, warum er diese
5. Os indígenas chamados de
“Caraiá”, no Iriri:
A margem direita do Iriri, pouco
acima da boca do Curuá, é chamada
pelos colonos de Terra do Carajá.
Rumores chocantes de ataques com
saques e assassinatos cometidos
nesta parte do rio, por indígenas selvagens, são difundidos em todo Iriri. Nenhum brasileiro ou indígena
Iriri pernoita na margem direita e,
quando ali chegamos, fui veementemente advertida para não caçar no
local, mesmo durante o dia. Os ataques são geralmente atribuídos aos
Carajás. Eu já havia me convencido
de que esses ataques não poderiam
ter sido cometidos pelos indígenas
da região Tocantins-Araguaia, ainda que essa informação não tenha
vindo à tona. Assim, esses ataques
só poderiam ser provenientes de
indígenas ousados da população de
Curuá, alguns dos quais – à época
de minha primeira viagem – eram tidos como “muito valente” (ou seja,
muito violentos). Na verdade, nunca falei com testemunhas oculares
de tais ataques na época. Também
não havia entre meus acompanhantes ninguém que pudesse me dar
um motivo válido para considerar
esses indígenas como Carajás. Foi
somente no igarapé dos Curuaya
que conheci o primeiro brasileiro:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
413
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Indianer gerade für Carajás hielte.
Erst im Igarapé dos Curuayas traf ich
in dem sehr ruhigen und verständigen
Cavalcante den ersten Brasilianer,
der, 4 Jahre vorher, in dem
berüchtigten Teil des Iriri wirklich ein
Zusammentreffen mit den Räubern
gehabt hatte, wobei zwei von ihnen
getötet worden waren. Er beschrieb
ihr Aussehen, Haartracht, Ausrüstung
usw: ziemlich genau, und aus der
Schilderung ging deutlich hervor,
daß es sich nicht um Curuáindianer
handeln konnte, wohl aber paßte
sie auf die Indianer vom TocantinsAraguaya, welche Flüsse Cavalcante
übrigens nie besucht hatte. Als er
zufällig das Buch von Krause: „In
den Wildnissen Brasiliens“ sah, das
ich bei mir hatte, und das Raymundo
seinen Landsleuten zu zeigen liebte,
sagte er sofort, ohne zu wissen wovon
es handelte, auf die Abbildungen
deutend, so hätten seine Indianer auch
ausgesehen, gerade so hätten sie die
Haare geschnitten gehabt. Ferner
erzählte mir der gleichfalls sehr
nüchterne und zuverlässige Coronel
Adolpho Castello Branco in Bocca do
Curuá, daß tatsächlich im Besitz von
Araguayaindianern Sachen gefunden
worden sind, die zweifellos vom Iriri
stammen, ja die zum Teil noch die
Marke seines Hauses getragen haben.
Ob es sich gerade um den Carajá
o muito calmo e discreto Cavalcante. Há quatro anos, ele havia se
encontrado com os ladrões na parte
mais visível do Iriri quando dois
deles foram mortos. Ele descreveu
sua aparência, arranjos e cortes
de cabelos, armamentos etc., com
bastante precisão. Ficou claro na
descrição que não podia se tratar
dos indígenas Curuá, mas se adequava aos dos rios Tocantins-Araguaia, que, aliás, Cavalcante nunca
havia visitado. Quando, por acaso,
Cavalcante viu o livro In den Wildnissen Brasiliens [“Nas Selvas do
Brasil”], de Krause, que eu trazia
comigo –, e que Raimundo adorava mostrar aos seus conterrâneos
– disse ele imediatamente apontando as fotos, sem saber do que se
tratava, que seus indígenas também
tinham essa aparência e seus cortes
de cabelos eram exatamente assim.
Além disso, o sóbrio e confiável
Coronel Adolpho Castello Branco disse-me, em Boca do Curuá,
que, na verdade, foram encontrados objetos na posse de indígenas
araguaios que, sem dúvida, eram
do Iriri e que, em parte, levavam a
marca de sua casa. A partir dos relatos dos dois senhores citados, não
consegui determinar com precisão
se se tratava da etnia chamada
Carajá, pois os habitantes do Iriri
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
414
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
genannten Stamm handelte, konnte
ich aus den Berichten der beiden
erwähnten Herren nicht mit Sicherheit
entnehmen, da die Iriribewohner alle
Stämme des Araguayagebiets unter
diesem Namen zusammenfassen.
Aber an dem zeitweiligen Auftauchen
von Indianern aus letzterer Gegend
auf dem rechten Iririufer zweifle
ich nicht mehr. Wie sie dorthin
gelangen, darüber machte sich
niemand, den ich fragte, Gedanken.
Ich möchte annehmen, daß sie wohl
kaum das ganze riesige Gebiet zu
Fuß durchqueren, sondern bei ihren
Streifzügen entweder den Rio Fresco,
der dem Araguaya so nahe kommt,
daß ein großer Teil des Gummis
aus diesem Flusse über ihn nach
dem Xingú abgeführt wird, oder
einen andern rechtsseitigen Zufluß
des letzteren benutzen. Von dort bis
zum Iriri könnten sie leichter über
Land streifen, da derselbe dem Xingú
gerade in diesem Teile seines Laufes
sehr nahe kommt. Merkwürdig ist
immerhin, daß die im Araguaya so
gut beleumundeten Carajás hier im
Xiugúgebiet eine solche Kehrseite
aufweisen.
agrupam todas as etnias da região
do Araguaia com este nome. Não
duvido mais do aparecimento temporário de indígenas desta última
região na margem direita do Iriri.
Como eles chegaram lá, ninguém a
quem perguntei parecia se importar. Suponho que dificilmente eles
cruzavam toda a imensa área a pé.
Usavam o Rio Fresco, que chega
bem perto do rio Araguaia – de
onde grande parte da borracha é
levada até o rio Xingu – ou usavam outro afluente à direita deste
último. De lá para o Iriri poderiam
andar mais facilmente por terra, já
que se localiza muito próximo do
Xingu nesta parte do seu curso. É
estranho, porém, que os Carajás,
tão conceituados em Araguaia, tenham essa desvantagem aqui na região do Xingu.
6. Die Indianer des Salto do
Cashimbo:
Während wir am oberen Iriri keine
Spuren fanden, die darauf schließen
6. Os indígenas do Salto do Cachimbo:
Embora não tenhamos encontrado
no alto Iriri quaisquer evidências
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
415
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
ließen, daß hier in neuerer Zeit
Indianer auch nur vorübergehend sich
aufgehalten hätten, fanden wir am
Fuße des großen Curuáfalles, dem
ich den ihm von seinen indianischen
Entdeckern gegebenen Namen des
Cashimbo gelassen habe, deutliche
Reste von Indianerlagern und
einen Fußpfad, der am Bergabhang
hinauf zum oberen Plateau führte.
Die Spuren waren anscheinend
bereits einige Monate alt und hätten
schließlich auch für die von Curuaya
oder Chipaya‘ gehalten werden
können. Doch fanden sie sich auch
oben auf dem Plateau, und außerdem
erzählte Raymundo nach Berichten
seiner Landsleute, die mit den“
Wilden vom oberen Flusse hier
einmal zusammengetroffen waren,
eine Reihe von Einzelheiten über
deren Aussehen und Benehmen, die er
unmöglich erfunden haben konnte. Es
seien sehr häßliche Indianer gewesen,
mit kurzen Haaren, Lippen pflöcken
und ganz nackt. Doch hätten sie außer
Bogen und Pfeilen auch Vorderlader
bei sich gehabt. Er meinte, sie
wohnten nicht am Cashimbo selbst,
sondern seien nur des Pfeilrohrs
wegen, das hier ungemein häufig ist,
dahingekommen. Spuren dauernder
Wohnsitze haben wir denn auch nicht
gefunden, doch läßt der ziemlich
gut ausgetretene Fußpfad darauf
da presença de indígenas mesmo
que temporariamente, nos últimos
tempos, encontramos vestígios de
acampamento e uma trilha. Esta subia pela encosta da montanha até a
planície superior, ao pé da grande
queda do Curuá – o qual deixei o
nome de Cachimbo que lhe foi dado
por seus descobridores, os indígenas. As pegadas tinham aparentemente alguns meses e poderiam ter
sido confundidas com as de Curuaya ou de Xipaya, mas também foram encontradas no planalto. Baseado no relato de seus compatriotas
– que certa vez encontraram os
“selvagens do alto rio” – Raimundo
narrou uma série de detalhes que ele
não poderia ter inventado sobre sua
aparência e comportamento. Seriam
indígenas muito feios, com cabelos
curtos, lábios grossos e completamente nus. Além de arcos e flechas,
traziam consigo armas de fogo carregáveis. Raimundo achava ainda
que eles não moravam propriamente
no Cachimbo e só chegaram ali por
causa da flecha que é extremamente
comum nessa região. Não encontramos vestígios de residência permanente, mas uma trilha bem pisada
sugere que eles iam ao Cachimbo
regularmente, e suas malocas deviam se localizar por aquela região.
Eu teria tentado alcançá-los, caso
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
416
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
schließen, daß sie ziemlich regelmäßig
an den Cashimbo kommen, und daß
ihre Malokas nicht allzuweit entfernt
sein dürften. Wäre die Jahreszeit nicht
so weit vorgeschritten und unsere
Vorräte fast zu Ende gewesen, so
hätte ich gern einen Versuch gemacht,
sie zu erreichen. Doch konnte ich mit
Rücksicht auf meine Begleiter hieran
nicht denken.
a temporada não tivesse avançado
tanto e nossos suprimentos não estivessem quase no fim. Mas em consideração aos meus acompanhantes,
sequer pensei nessa possibilidade.
Zwei Jahre später erzählte mir Accioly
bei einem Besuch in Pará, daß die
Indianer des Cashimbo neuerdings
aufgetaucht und sogar ein Stück
den Curuá herabgekommen seien,
wobei sie sich sehr freundschaftlich
benommen hätten. Ein einzelner von
ihnen fand sich später ganz bei den
Seringueiros ein und lebt noch heute
dort. Durch Herrn C. N. Unkel,
welcher hoffentlich bald in der Lage
sein wird, über seine Erlebnisse
unter den Iriri-Curuá-Indianern zu
berichten, ist zweifellos festgestellt
worden, daß diese Indianer Caiapós
sind, die im Quellgebiet dieser Flüsse
zu hausen scheinen.
Dois anos depois, em visita ao Pará,
Accioly me contou que os indígenas
do Cachimbo haviam aparecido
recentemente e até desceram um
pouco do Curuá, comportando-se
de maneira muito amigável. Mais
tarde, um deles se juntou aos seringueiros e ainda vive lá hoje. Através do senhor C. N. Unkel, que,
tomara, em breve possa relatar suas
experiências entre os índios IririCuruá, não resta dúvida que esses
índios são caiapós e vivem nas cabeceiras desses rios.
7.
Spuren
älterer 7. Vestígios de populações indígeIndianerbevölkerungen am Iriri- nas mais antigas no Iriri-Curuá:
Curuá:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
417
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
I. Felsritzungen.
I. Esculturas em pedra
In der Terra do Carajá, aber noch
in dem von Seringueiros bewohnten
Teile, fanden wir einmal an steiler
Granitwand
eine
Felsritzung,
bestehend aus zwei großen Spiralen
dicht nebeneinander so angeordnet,
als ob sie Augen darstellen sollten.
Meine Leute hielten sie auch dafür,
und eine in der Mitte darunter
befindliche Vertiefung, die aber auch
natürlichen Ursprungs hätte sein
können, für den dazugehörigen Mund
oder die Nase. Ich habe die Spiralen
mit besonderer Berücksichtigung der
Windungen, ihrer Zahl und Richtung
an Ort und Stelle abgezeichnet, so gut
es ging. Ihr Durchmesser betrug etwa
einen Meter (für jede von ihnen).
Na Terra do Carajá, na parte ainda habitada pelos seringueiros, encontramos, certa vez, uma fenda
rochosa em um paredão de granito
íngreme, composta por duas grandes espirais dispostas juntas como
se representassem olhos. Meu pessoal também teve a mesma impressão, ou seja, visualizaram uma depressão no meio abaixo que também
poderia ser de origem natural e que
condizia à boca e ao nariz. Desenhei as espirais no local, o melhor
que pude, dando atenção especial às
curvas, seu número e direção. Seu
diâmetro era de cerca de um metro
para cada um deles.
Später sagte mir Accioly, daß auf
einem Felsen in der Iririmündung
sich gleichfalls Felsritzungen, oder
sogar Malereien finden sollen. Er
war seiner Sache ganz sicher und
behauptete, sie selbst gesehen zu
haben. Meine Begleiter auf der
Rückfahrt jedoch hatten nie von ihnen
gehört und konnten sie nicht finden.
Mais tarde, Accioly me disse que
deveriam existir gravuras rupestres
ou mesmo pinturas em uma rocha
na foz do Iriri. Ele afirmava, com
toda certeza, ter visto pessoalmente.
Contudo, no caminho de volta, meus
acompanhantes disseram nunca ter
ouvido falar delas e não conseguiram
encontrar tais gravuras ou pinturas.
II. Reste von Töpfereien.
Bei
einem
zufälligen
Zusammentreffen im Iriri, wo er
mich mit seinem Motor überholt
II. Restos de cerâmica
Encontrei Accioly no Iriri, quando, eventualmente, passava por
mim com seu transporte motori-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
418
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
hatte, schenkte mir Accioly einige
kleine aus Ton gebrannte Tierköpfe
und Scherben, die ihm ein etwas
oberhalb von Sta. Júlia wohnender
Seringueiro gegeben hatte. Auf dem
Rückweg suchte ich selbst die Stelle
auf, um womöglich Grabungen zu
veranstalten, doch mußten wir uns
des steinharten Bodens wegen, darauf
beschränken, die an der Oberfläche
einer Roça herumliegenden, nicht
zahlreichen und größtenteils schlecht
erhaltenen Bruchstücke zu sammeln.
Es sind Scherben verschiedener Art,
Tierköpfe geringer Größe, Füße
u. dgl., welche sehr an die auf den
Campos des unteren Amazonas so
häufigen Töpfereireste erinnern. Die
Chipaya und Curuaya betrachteten
sie mit demselben Erstaunen wie
wir. Unter den von ihnen verfertigten
Töpfereien findet sich nichts, was
daran erinnert.
zado. Ele me presenteou algumas
pequenas cabeças de animais e cacos feitos de argila recebidos de
moradores seringueiros que viviam
um pouco acima de Santa Júlia. No
caminho de volta, eu mesma fui ao
local para organizar escavações.
Contudo, devido ao solo duro, tivemos que nos limitar a recolher
os fragmentos que não eram numerosos e, na sua grande maioria,
mal conservados e espalhados pela
superfície de uma roça. São cacos
de vários tipos, pequenas cabeças
de animais, pés e afins, que lembram muito restos de cerâmica tão
comuns nos campos do baixo Amazonas. Os Xipaya e Curuaya viam
esses objetos com o mesmo espanto que nós, pois não enxergavam
qualquer semelhança com a cerâmica que produziam.
III. Muirakitás.
Der von Carurema in einer
Cachoeira des oberen Igarapé dos
Caruayas
gefundene
Muirakitä
dürfte gleichfalls von einer früheren
Bevölkerungsschicht
herrühren.
Derselbe ist aus rötlichem Stein
sorgfältig in Form eines Käfers
geschnitten und poliert. Die Indianer
hielten ihn für eine einfache
Merkwürdigkeit und verbanden
III. Muiraquitãs
O Muiraquitã encontrado por Carurema em uma cachoeira no alto do
Igarapé dos Caruaias advém, certamente, de uma antiga camada dos habitantes. Ele é uma pedra avermelhada, cuidadosamente cortada e polida
em forma de besouro. Os indígenas
o consideravam uma simples curiosidade e aparentemente não tinham
lembranças próprias associadas ao
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
419
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
offenbar keine eigenen Erinnerungen
damit. Herr Unkel hat aus der Nähe
desselben Fundorts ein zweites
Stück derselben Art, aber bedeutend
kleiner, erhalten.
objeto. O senhor Unkel recebeu da
vizinhança do mesmo local uma segunda peça do mesmo tipo de pedra,
porém significativamente menor.
Kultulrverhältnisse.
Chipaya:
Maloka:
Die in Sta. Júlia schon längere Zeit
bestehenden sowie neugegründeten
Malokas unterschieden sich wenig
von
derjenigen
Manoelsinhos,
oder überhaupt von der Bauart der
einfacheren Seringueirowohnungen.
Einzelne hatten sogar schon einen
vollständig geschlossenen Raum,
der etwa ein Viertel der Grundfläche
einnahm. Alle enthielten Gestelle zur
Aufbewahrung des Hausgeräts und
etwaiger Vorräte. Das Material waren
aus Baumstämmen grob zugehauene
Pfosten und Sparren für das Gerüst,
Palmstroh für das Dach, und Lianen
Çipos mit denen Pfosten und Sparren
verbunden waren. Der Fußboden war
stets der mehr oder weniger sorgfältig
festgestampfte Erdboden. Die Wände
des geschlossenen Raumes, soweit
ein solcher vorhanden, bestanden
entweder aus mit Lehm gefüllten
Pfostengitterwerk, oder aus an
den Eckpfosten quer befestigten
Palmwedeln. Ähnliche Wände sind
vielfach auch bei den Seringueiros,
Relações culturais: Xipaya e malocas
As malocas de Santa Júlia, as de
longa data e as recém-fundadas,
pouco diferiam das de Manoelzinho, ou mesmo da concepção dos
alojamentos mais simples dos seringueiros. Algumas até tinham um
cômodo completamente fechado que
ocupava cerca de um quarto do espaço. Todos continham prateleiras
para guardar utensílios domésticos
e quaisquer suprimentos. Os materiais eram feitos grosseiramente de
troncos de árvores e caibros cortados para o andaime, palha de palmeira para o telhado e cipós usados
para amarrar os postes e caibros. O
chão era sempre de terra, às vezes,
bem batida, outras não. As paredes
do espaço fechado, quando havia,
eram feitas de treliças preenchidas
com barro ou folhas de palmeira
presas transversalmente aos postes
de canto. Esses tipos de paredes são
frequentemente utilizados pelos seringueiros não só aqui, mas em toda
a Amazônia.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
420
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
nicht nur hier, sondern in ganz
Amazonien in Gebrauch.
In dem ursprünglichen Wohngebiet
der Chipaya im Curuá hatten
diese vor ihrem Abziehen ihre
Malokas größtenteils verbrannt. Die
stattlichste der stehengebliebenen
war die des Joaquim Velho, ganz
ähnlich wie die seinerzeit von mir
beschriebene des Manoelsinho, auch
in den Größenverhältnissen. In der
linken hinteren Ecke befand sich ein
Farinhaofen nach brasilianischer Art,
der einzige, den ich in einer Maloka
gesehen habe. Eine andere Maloka,
welche wir der in ihr enthaltenen
Gräber willen aufsuchten, war seit
Jahren verlassen und infolgedessen
halb verfallen. Nur das Pfostengerüst
und die Dachsparren standen noch
zum größten Teil, und auf letzteren
hingen noch Reste des Palmdaches.
Die Maloka war viel kleiner als die
des Joaquim Velho, obwohl in ihr
drei aufeinanderfolgende Tushauas
gewohnt haben sollen. In der Bauart
unterschied sich auch diese Hütte,
soviel man von ihr noch sehen konnte,
nicht von den bisher geschilderten.
Na área residencial original dos Xipaya em Curuá, eles haviam queimado grande parte de suas malocas
antes de partir. A maior área das
que ficaram foi a de Joaquim Velho,
muito semelhante à de Manoelzinho
que descrevi naquela época também
em termos de dimensão. No canto
esquerdo ao fundo havia um forno
de fazer farinha no estilo brasileiro,
o único que vi em uma maloca. Outra maloca que visitamos por causa
dos túmulos que continha, estava
abandonada há anos e, por isso,
meio arruinada. Apenas a estrutura
do poste e as vigas estavam de pé,
e os restos do telhado de palmeira
ainda estavam pendurados. A maloca era muito menor do que a de
Joaquim Velho, embora se diga que
nela viveram, consecutivamente,
três Tuxauas2. Até onde se via, esta
cabana não diferia no desenho das
descritas anteriormente.
Am oberen Curuá, wo vor der
Übersiedelung nach Sta. Júlia der
Hauptteil des Stammes gewohnt
zu haben scheint, war fast alles vor
No alto Curuá, onde antes do deslocamento para Santa Júlia, a parte
principal da etnia parece ter vivido,
foi quase tudo queimado antes da
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
421
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
dem Abzüge verbrannt worden. Die
Ansiedelungen schienen hier alle
auf dem rechten Ufer des Flusses
gewesen zu sein, im Gegensatz zu
denen am unteren Flusse, wo sie
links, oder auf Inseln lagen. Dagegen
befanden sich hier auf der linken Seite
verschiedene noch wohl erhaltene
Pflanzungen, und in der einen oder
der andern von diesen mag auch eine
Maloka gestanden haben. Doch habe
ich keine solche gesehen.
retirada. Todos os assentamentos
pareciam ter existido na margem
direita do rio, em contraste com
aqueles do rio mais abaixo que ficavam à esquerda ou em ilhas. Por
outro lado, havia várias plantações
bem preservadas à esquerda e, em
uma ou outra delas, pode ter existido uma maloca, porém, não vi nenhuma.
Eine fast neue Maloka stand auf
dem rechten Ufer, vollständig wohl
erhalten, und sie war weitaus die
interessanteste von allen von mir
am Curuá oder Iriri gesehenen, da
sie einen vollständig abweichenden
Bautypus aufwies. Sie hatte keine
gerade, das Dach stützenden
Wände wie die andern, sondern
bestand, wenn man so will, nur
aus einem tunnelförmig gewölbten,
bis zum Boden herabreichenden
Palmblattdach. Der Grundplan war
rechteckig, der Boden gestampfte
Erde, eine der Schmalseiten war
zum Teil durch eine Wand aus
Palmblättern
geschlossen.
Ein
Traggerüst fehlte. Hinter der ersten
Maloka stand eine zweite, kleinere,
mit dem gewöhnlichen Schrägdach
gedeckt, sonst vollständig offen.
Ich habe die größere Maloka an Ort
Na margem direita, havia uma maloca bastante conservada, quase
nova. Ela era de um tipo de construção completamente diferente e,
de longe, a mais interessante de
todas que vi no Curuá ou no Iriri. Não tinha paredes retas sustentando o telhado como os outros.
Consistia, por assim dizer, em um
telhado arqueado de folha de palmeira em forma de túnel que descia
até o solo. A planta era retangular, o solo era de terra batida. Um
dos lados estreitos era parcialmente fechado por uma parede feita de
folhas de palmeira. Faltava uma
estrutura de suporte. Atrás da primeira maloca havia uma segunda,
menor, coberta com o telhado inclinado como de costume e o restante completamente aberto. No
local fiz um esboço do desenho da
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
422
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
und Stelle skizziert, mit besonderer
Berücksichtigung des Gerüstes.
Letzteres bestand aus 3, wohl
5—6 m hohen Pfosten, die auf der
mittleren Längslinie in gleichen
Abständen angeordnet und am oberen
Ende sowie in Mittelhöhe durch
Querbalken verbunden waren. Rechts
und links von ihnen befanden sich
je zwei etwa halb so hohe Pfosten
(es fehlte der dem Mittelpfeiler der
Maloka entsprechende), gleichfalls
durch Querbalken verbunden. Am
Grunde der beiden Längswände zog
sich je eine weitere Pfostenreihe hin,
die aus zahlreichen niedrigen Pfosten
von kaum ½ m Höhe bestand, welche
gleichfalls durch Querstäbe verbunden
waren. Zwischen letzteren und dem
hohen Mittelquerbalken waren in etwa
1 m Abstand von einander zahlreiche
starke, sehr elastische Sparren
befestigt, die von den Querbalken
der halbhohen Pfosten mit gestützt
wurden und durch Çipos mit ihnen
verbunden waren. Sie bildeten das
eigentliche Tunnelgewölbe. Bedeckt
war dasselbe mit einer dicken Schicht
auf allen Seiten herabhängender
Palmblätter. Das eine Ende des
Tunnels war durch eine leichte
Wand aus Palmwedeln zum Teil
geschlossen, eine schadhafte Stelle
der letzteren durch eine geflochtene
Matte verstärkt.
maloca maior com ênfase na estrutura que consistia em três postes,
provavelmente de cinco a seis metros de altura, dispostas em linha
longitudinal central em intervalos
iguais e conectadas na extremidade superior e no meio por vigas
transversais. À direita e à esquerda
delas havia dois postes com cerca
da metade da altura, que correspondia ao pilar central que estava
faltando, também conectados por
vigas transversais. Na parte inferior das duas longas paredes havia
uma outra fileira que consistia em
uma sequência de postes baixos de
apenas meio metro de altura e que
também eram conectados por varas
transversais. Entre estas duas últimas e a viga central superior foram
fixadas numerosas vigas resistentes
e muito flexíveis, com aproximadamente de um metro de distância, as
quais eram sustentadas pelas vigas
dos postes de meia altura e amarradas com cipós. Elas formavam
a abóbada do túnel, coberta com
uma espessa camada de folhas de
palmeira pendurada em todos os
lados. Uma das extremidades do
túnel foi parcialmente fechada por
uma fina parede de folhas de palmeira, cuja parte danificada foi reforçada por uma esteira trançada.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
423
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Vor wenigen Jahren noch haben die
Chipayas in einer Aldeia beieinander
gewohnt, die später verbrannt wurde.
Wir besuchten die Dorfstelle, an
welcher von der größten Maloka
noch soviel Pfosten stehen geblieben
waren, daß man einen Schluß auf
ihre Bauart ziehen konnte. Hier
war die Grundfläche oval gewesen
und ihre Umrißlinie noch deutlich
durch niedere Pfosten von etwa
1/2 m Höhe bezeichnet. Einwärts
von diesen standen höhere Pfosten
von etwa 2 m Höhe, in geringerer
Anzahl, im Mittelpunkt war ein
noch höherer Holzpfeiler vorhanden.
Diese hatten offenbar das bis zum
Erdboden reichende Dach getragen.
Die Anordnung der Pfosten ähnelte
durchaus der in den später zu
erwähnenden Hütten der Curuaya, nur
daß letztere bedeutend kleiner waren.
In der Mitte der einen Längswand
befanden sich, etwas von ihr entfernt,
zwei weitere Holzpfosten von etwas
über 1 1/2 m Höhe, deren oberer
Teil Kopf und Brust menschlicher
Personen darstellte, ähnlich denen,
die ich in einer Curuaya Malöka vor
dem Kashiriboot stehend gefunden
hatte, aber besser ausgeführt. Mit
dem eigentlichen Hausgerüst hatten
diese nichts zu tun. Andere, sehr
schlecht erhaltene Reste gehörten
2 oder 3 kleineren Malokas an,
Há alguns anos, os Xipaya viviam
juntos em uma aldeia que foi posteriormente incendiada. Visitamos
o lugar da aldeia onde muitos dos
postes mais altos das malocas ainda
estavam de pé, o que possibilitou
ter uma ideia do tipo de construção.
A base era oval e o contorno claramente marcado por postes baixos de
cerca de meio metro de altura. Na
abertura para o interior havia postes
semelhantes a esses, porém, mais
altos com cerca de dois metros de
altura, em menor número, com uma
pilastra de madeira ainda mais alta
no centro. Aparentemente, eles sustentavam o telhado que chegava até
o solo. A disposição dos postes era
bastante semelhante às das cabanas
dos Curuaya que mencionarei, a seguir, só que estas últimas eram significativamente menores. No meio de
uma parede longitudinal, um pouco
afastado dela, havia mais dois postes
de madeira com um pouco mais de
um metro e meio de altura. A parte
superior deles representava a cabeça
e o busto de um ser humano e eram
semelhantes aos que eu havia visto na
proa do barco Caxiri3 em uma maloca Curuaya, porém melhor talhado.
Não tinham absolutamente nada a
ver com a estrutura real da casa. Outros vestígios muito mal preservados
pertenciam a duas ou três malocas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
424
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
welche gleichfalls einen elliptischen menores que também pareciam ter
Grundplan gehabt zu haben schienen. um plano básico elíptico.
Hausgerät:
Während die verlassenen Malokas
am unteren Curua kaum noch Reste
von Hausgerät enthielten, war in
den bei St. Júlia neu entstandenen
noch nicht Zeit gewesen, die eigene
Industrie wieder aufzunehmen,
während in den an letzterem Orte
schon länger bestehenden wiederum
eine Menge Artikel europäischer
oder amerikanischer Herkunft an
Stelle der früher selbst gefertigten
getreten waren. Mein Besuch fiel
in dieser Hinsicht in eine besonders
ungünstige Periode, und die von mir
gesammelten Gegenstände geben
sicher nur einen schwachen Begriff
von dem, was die kunstfertigen
Chipaya
wirklich
zu
leisten
vermögen.
Utensílios domésticos:
Enquanto as malocas abandonadas
no baixo Curuá mal continham vestígios de utensílios domésticos, os
novos, em Santa Júlia, ainda não
tinham tido tempo de absorver sua
própria funcionalidade. Havia muitos utensílios europeus ou americanos que substituíram o trabalho
manual. Minha visita ocorreu em
um período particularmente desfavorável a esse respeito e os objetos
que colecionei dão apenas uma vaga
ideia do que os habilidosos Xipaya
são realmente capazes de fazer.
Um mit den aus Holz hergestellten
Gegenständen zu beginnen, so
fehlten z. B. Schemel, wie sie zum
regelmässigen Hausmobilar der
sonst viel weniger vorgeschrittenen
Curuaya gehören, vollständig. In
den oberen Malokas waren sie
wahrscheinlich mit verbrannt, bei St.
Júlia wurden sie nach Seringueirositte
durch leere Kisten, Holzklötze u.
dergl. ersetzt. In länger bewohnten
Para começar com os objetos feitos
de madeira, por exemplo, banquinhos que fazem parte da mobília
comum do Curuaya, muito menos
avançado, simplesmente não existiam. Provavelmente foram queimados junto com as malocas da parte
superior do Curuá. Em Santa Júlia
foram substituídos por caixas vazias,
blocos de madeira e afins, conforme
o costume dos seringueiros. É prová-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
425
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
und nicht in so unmittelbarer Nähe
von Ansiedlungen gelegenen Malokas
dürften Schemel sich wohl auch
vorfinden.
vel que ainda se encontre banquinhos
em malocas que foram habitadas por
um período mais longo e não estão
tão perto de assentamentos.
An Flechtarbeiten war sowohl in
den alten als in den neuen Malokas
wenig vorhanden, und dieses
wenige, wie mir schien, wies keine
charakteristichen Merkmale auf. Es
fehlten die hübschen Muster und
Verzierungen, womit die Indianer im
Norden des Amazonas oder die aus
dem Tocantinsgebiet die von ihnen
hergestellten Flechtgegenstände zu
schmücken pflegen. Auch in diesem
Falle halte ich für möglich, daß die
besonderen Umstände, unter denen
die Chipaya gerade lebten, ihnen noch
keine Zeit zur Herstellung künstlicher
Flechtarbeiten gelassen hatten.
Nas antigas e nas novas malocas
havia pouco trabalho com vime e,
esse pouco, pareceu-me não possuir
traços característicos. Faltavam os
lindos padrões e ornamentos com os
quais os indígenas do norte da Amazônia ou os da região do Tocantins
costumavam enfeitar os objetos de
vime que produzem. Neste caso
penso que é possível que as circunstâncias especiais em que viviam os
Xipaya não lhes tivessem dado tempo de produzir trabalhos artísticos
com o vime.
Etwas mehr kann ich über die
für den indianischen Haushalt so
wichtigen Cuias (Trinkschalen und
Wasserbehälter) sagen, welche
teils aus den Früchten des Cuieiro
(Crescentia cujete), teils aus
Kürbisschalen hergestellt werden,
Sie fanden sich in allen Größen und
Gestalten, meist aber unverziert.
In Ains Mäloka, einer der ältesten
am unteren Iriri, erhielt ich jedoch
ein Paar große, über und über mit
Mustern bedeckte Cuias, und bei
Destaco também as cuias (tigelas de
beber e recipiente de água) tão importantes para a casa indígena. Elas
são feitas ou dos frutos da Cuieira
(Crescentia cujete) ou de cascas
de abóbora. Tem em todos os tamanhos e formatos, mas a maioria
sem decoração. Na maloca de Ain,
uma das mais antigas no baixo Iriri, ganhei um par de cuias grandes
cobertas de padrões repetidos. Em
uma das malocas abandonadas no
alto Curuá encontrei os frutos ain-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
426
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
einer der verlassenen Malokas am
oberen Curuä fand ich die noch
grünen Früchte einer Kürbispflanze
mit eigentümlichen eingeritzten
Linien überzogen, welche mir
über die Herstellung der äußeren
Verzierungen
meiner
Cuias
Aufschluß gaben. An andern noch
unverzierten Früchten derselben
Staude zeigten mir meine indianischen
Begleiterinnen, wie man vermittelst
eines spitzen Stäbchens die Muster
in die noch weiche Schale der Frucht
einritzt. Diese bleibt an der Staude
sitzen und entwickelt sich weiter.
Bei der Reife treten die eingeritzten
Muster als gelbliche Linien hervor,
die meist noch mit schwarzer Farbe
nachgezogen werden. Sie bestehen
gewöhnlich
aus
labyrinthisch
verschlungenen
Linien.
Eine
Abbildung dürfte den besten Begriff
davon geben. Wie die Außenseite
ist auch die Innenseite der beiden
erwähnten Cuias vollständig bemalt,
und zwar mit einem gleichartigen
roten Muster auf schwarzem Grund,
und bei der einen ist sie außerdem
von drei etwa 2 cm breiten Linien,
einer geraden in der Mitte und zwei
schlangenartig gewundenen an den
Seiten, durchzogen.
da verdes de uma planta de abóbora
coberta com linhas incisas peculiares que me deram uma ideia sobre
a produção dos ornamentos da parte
externa das minhas cuias. Em outras frutas do mesmo cacho, ainda
não ornamentadas, minhas acompanhantes indígenas me mostraram
como usar uma vara pontiaguda
para esculpir os padrões na casca
ainda macia da fruta que permanece no cacho até que se desenvolva.
Quando maduros, os padrões incisos
emergem com linhas amareladas,
entrelaçadas de forma labiríntica,
que são geralmente traçadas com
tinta preta. Uma imagem daria, certamente, uma ideia melhor. Tanto o
exterior quanto o interior das cuias
mencionadas são pintados por completo com um padrão semelhante
ao vermelho sobre um fundo preto,
sendo um destes constituído por três
linhas com cerca de dois centímetros de largura, uma reta ao meio e
duas serpentinas ao redor listradas.
Eigengemachte Töpferei habe ich Durante minha primeira estada em
während meines ersten Aufenthalts Santa Júlia, não percebi a feitura de
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
427
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
in Sta. Júlia nicht in den Malokas
bemerkt. Zum Teil hatte dies
wohl dieselben Gründe, die ich
schon oben anführte, daß nämlich
die neu hinzugezogenen Indianer
ihre Handfertigkeiten erst in
einem geringen Umfange wieder
aufgenommen hatten. Doch glaube
ich, daß ich bei näherem Nachsuchen in
den schon länger bestehenden Hütten
wohl neben den glühend geliebten
und begehrten bunten Steingutschalen
paraenser Ursprungs auch noch
die
unscheinbaren
nationalen
Töpferwaren
gefunden
haben
würde. In den verlassenen Malokas
waren fast überall halb oder ganz
zerschlagene Töpfe und Schüsseln in
großer Menge vorhanden. Dieselben
bestanden im all- gemeinen aus sehr
grobem Material und waren zum
Teil mit einer Art Glasur überzogen.
In einer Ecke des bereits erwähnten
verlassenen Dorfplatzes standen drei
Riesentopfe, die teils unverletzt, teils
wenig beschädigt waren. Sie waren
aus demselben groben scharfsandigen
Material gefertigt wie die andern und
unglasiert. An Größe übertrafen sie
alles sonst von mir Gesehene. Die
Öffnung des größten, eines bauchigen
Gefäßes mit eingezogenem Rande,
hatte einen Durchmesser von 69 cm,
seine größte Weite (Durchmesser
des bauchigen Teiles) war etwa 88
cerâmicas nas malocas. Isso se deu,
em parte, pela mesma razão que já
mencionei antes, ou seja, que os
indígenas recém-chegados haviam
retomado suas habilidades manuais
apenas em menor proporção. Mas
creio que se tivesse olhado mais
atentamente nas cabanas que existem há muito tempo, provavelmente teria encontrado a insignificante
olaria nacional, junto com as cobiçadas e adoradas tigelas de barro
coloridas de origem paraense. Nas
malocas abandonadas, havia panelas
e tigelas parcial ou completamente
quebradas em grandes quantidades
em quase todos os lugares. Elas
eram feitas, geralmente, de um material muito grosseiro e eram cobertas parcialmente com uma espécie
de esmalte. Em um canto da já mencionada praça da aldeia abandonada, havia três potes gigantes, alguns
dos quais estavam intactos; outros,
ligeiramente danificados. Eram feitos do mesmo material grosseiro de
areia áspera como os outros e não
estavam esmaltados. Em termos
de tamanho, eles excediam tudo o
que eu já havia visto. A abertura do
maior, um vaso abaulado com borda
recuada, tinha um diâmetro de sessenta e nove centímetros. Sua maior
largura (diâmetro da parte abaulada)
era de cerca de oitenta e oito centí-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
428
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
cm und ebensoviel betrug die Höhe.
Diese Töpfe hatten zur Aufnahme
von Cashiri gedient, wie mir meine
Begleiter sagten. Leider war es mir
nach meiner Rückkehr nach Sta.
Júlia wegen Fieber nicht möglich,
die Malokas in der Nähe von neuem
aufzusuchen. Es sprachen aber
Anzeichen dafür, daß die Chipaya
sich nunmehr eingelebt und mit
dem Seßhaftwerden manche ihrer
früheren Beschäftigungen wieder
aufgenommen hatten. Bei einem
feierlichen Besuch — sie wollten mir
einen Karia vorführen — überreichten
sie mir als Geschenk ein rotes
Tongefäß aus viel feinerem Material
als sonst üblich, welches außen und
innen mit schwarzer Farbe bemalt
war. Außer dem schon bei den Cuias
erwähnten Labyrinthmuster, das im
Innern zwei kleinere, außen zwei
größere viereckige Felder bedeckt,
finden sich zwischen diesen je drei fast
1cm breite Streifen, von eigentümlich
gebogenen Linien (etwa einer 5
ohne Haken gleichend) eingerahmt.
Die Form dieser Schale ist sehr
eigenartig: Über dem einer flachen,
rundgewölbten Schale gleichenden
Unterteil erhebt sich ein steiler nach
außen geschweifter Rand von mehr
als doppelter Höhe, auf welchem
sich die Malerei befindet. Das Gefäß
ist ganz neu und scheint besonders
metros e a altura era igual. Segundo
meus acompanhantes, esses potes
eram usados para armazenar caxiri. Infelizmente, por causa de uma
febre, após meu retorno a Santa Júlia, não pude visitar as malocas próximas de novo. No entanto, havia
indícios de que os Xipaya haviam
se estabelecido e, com o sedentarismo, haviam retomado algumas
de suas ocupações anteriores. Durante uma visita cerimonial – eles
queriam me mostrar uma Caria4 – e
me presentearam com um vaso de
argila vermelha feito de um material
muito mais fino do que o habitual
e pintado com tinta preta por fora
e por dentro. Além do padrão labiríntico já mencionado nas cuias, que
cobre duas áreas quadradas menores
por dentro e duas quadradas maiores por fora, há três faixas de quase um centímetro de largura entre
elas, emolduradas por linhas curvas
peculiares semelhantes ao número cinco (5) sem gancho. A forma
dessa tigela é muito singular: acima
da parte inferior, que se assemelha
a uma tigela plana e arredondada,
ergue-se uma borda íngreme e curvada para fora com mais do que o
dobro da altura em que a pintura
está localizada. A vasilha é nova e
parece ter sido feita especialmente
como um presente para mim.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
429
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
als Geschenk für mich angefertigt
worden zu sein.
Eins der wichtigsten Hausgeräte
der Indianer, da es Bett und Stuhl
zu gleicher Zeit vertritt, ist die
Hängematte. Die Chipaya rühmten
sich, daß sie gewebte Hängematten
verfertigten, im Gegensatz zu den
Curuaya, welche nur zu knüpfen
verständen, und dies fand ich später
insofern bestätigt, als die wenigen
gewebten Hängematten, die ich in
den Malokas der Curuaya fand, von
Chipayafrauen angefertigt worden
waren. Eine befand sich gerade auf
dem primitiven Webstuhl, einem
einfachen, aus geraden, mit Çipo
zusammengebundenen
Aesten
gefertigten viereckigen Rahmen.
Die Weberin hatte mit bunten Fäden
ein Muster eingewirkt, wozu sie
die Fäden einer alten Hängematte
aus Ceara entnommen hatte. Alle
übrigen Hängematten, die ich sah,
waren von graubräunlicher Farbe und
ungemustert.
Um dos utensílios domésticos mais
importantes dos indígenas, por representar cama e cadeira ao mesmo tempo, é a rede. Os Xipaya se
gabavam de fazer redes tecidas, ao
contrário dos Curuaya que só sabiam dar nós. Isso eu confirmei,
mais tarde, quando descobri que
as poucas redes tecidas que encontrei nas malocas dos Curuaya eram
feitas por mulheres Xipaya. Havia uma no tear primitivo em uma
moldura quadrada simples feita de
hastes retas amarradas com cipó. A
tecelã havia trabalhado com um padrão de fios coloridos, os quais ela
havia retirado de uma velha rede do
Ceará. Todas as outras redes que vi
eram marrom-acinzentadas e sem
padrão.
Meine Begleiterinnen auf der Reise
— fast sämtlich Chipaya — hatten
Spindeln bei sich, ziemlich grobe
Holzstäbe mit einer Knochenscheibe
an einem Ende, mit denen sie
geschickt und schnell spannen. Das
Garn war von verschiedener Stärke,
Minhas acompanhantes de viagem,
quase todas Xipaya, carregavam
fusos de tear: bastões de madeira
bastante grosseiros com um disco
de osso em uma extremidade com
os quais elas hábil e rapidamente
teciam. O fio era de resistências va-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
430
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
feiner und gleichmäßiger als das von
den Curuaya eingetauschte. Es wurde
in runden Knäulen von etwa 10 cm
Durchmesser aufbewahrt. Obgleich
sie selbst ein genügend feines und
dauerhaftes Garn spannen, waren
meine Begleiterinnen doch ganz
versessen auf das Nähmaschinengarn,
welches ich bei mir hatte, für ihre
Perlenarbeiten, wahrscheinlich seiner
größeren Gleichmäßigkeit wegen.
riadas, mais fino e mais uniforme
do que o trocado pelo Curuaya. Era
armazenado em novelos de cerca de
dez centímetros de diâmetro. Embora as mesmas fiassem um fio suficientemente fino e durável, minhas
acompanhantes estavam bastante
obcecadas com os fios da máquina de costura que eu tinha comigo,
para fazerem seu trabalho com as
miçangas, provavelmente por causa
da sua maior uniformidade.
Kleidung, Haartracht, Schmuck:
Roupas, arranjos e cortes de cabelos e adereços:
Embora as roupas dos brasileiros
civilizados estejam se tornando cada
vez mais populares, os Xipaya ainda eram frequentemente vistos em
traje tradicional, especialmente nas
malocas. No que se refere a peças
de roupas usuais destaca-se somente a tanga feminina. Quando tecida,
é geralmente de cor marrom clara,
padronizada com listras escuras e
quadriláteros, feita de um tecido
quadrado e grosseiro de cerca de
um metro quadrado. É presa por um
barbante enrolado e amarrado abaixo da cintura e na lateral permanece
aberta. Além dos produtos tecidos
pelos próprios indígenas costuma-se
usar aqueles já comercializados pelos seringueiros. Na época da minha
primeira estada em Iriri-Curuá, o te-
Wenn auch die Kleidung der
zivilisierten Brasilianer mehr und
mehr Eingang findet, so traf man
doch, besonders in den Malokas, die
Chipaya noch häufig genug in ihrer
nationalen Tracht. An eigentlichen
Kleidungsstücken ist allerdings nur
die Tanga der Frauen zu nennen.
Dieselbe ist, wenn selbst gewebt,
gewöhnlich von hellbräunlicher
Farbe, mit dunkleren Streifen und
Karos gemustert, und besteht aus
einem groben viereckigen Tuch
von etwa 1 m im Quadrat. Sie
wird durch einen unterhalb der
Taille umgeschlungenen Bindfaden
festgehalten; an der Seite bleibt sie
offen. Außer den Selbstgewebten
Stoffen kommen jetzt häufig bereits
von den Seringueiros eingehandelte
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
431
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
zur Verwendung. Zur Zeit meines
ersten Aufenthalts im Iriri-Curua war
der derbe blaue Stoff, aus dem die
gewöhnlichen Seringueiro-Anzüge
hergestellt werden, hierzu besonders
beliebt. Neuerdings schien sich aber
der Geschmack auch dem Feuerrot
zugewandt zu haben, und es war
große Nachfrage nach so gefärbten
Stoffen. Die Frauentracht der unteren
Stände Brasiliens, aus langem Rock
und loser Jacke bestehend, sieht man
jetzt schon häufig, besonders bei den
zwischen den Seringueiros ansässig
gewordenen Indianern, und einige
besondere Schützlinge Acciolys
stolzierten sogar in hochmodernen,
aus Pará mitgebrachten Toiletten
umher, schienen sich aber nicht sehr
glücklich darin zu fühlen. Einige
der Indianerinnen, vor allem Maria,
Raymundo Curuayas Frau, waren
wirklich gewandt im Schneidern.
Letztere fertigte aus den Stoffen, die
ich bei mir hatte, im Handumdrehen
für sich und ihre Begleiterinnen
Kleider an. Die langen Nähte wurden
in irgend einer Seringueirohütte,
wo wir ein paar Stunden Halt
machten, schnell mit der Maschine
heruntergenäht, das übrige mit der
Hand im Boot. Nur Pedro Marques
Frau blieb durchweg, auch auf der
Bootfahrt, der Tanga treu.
cido cru azul, com o qual são feitos
os habituais ternos dos seringueiros,
era particularmente popular. Recentemente, também, o gosto parece
ter migrado para o vermelho fogo
e havia grande demanda por tecidos
tingidos nessa cor. Os trajes femininos das classes populares brasileiras, saia longa e jaqueta folgada são
vistos com frequência, principalmente entre indígenas que se juntaram aos seringueiros, em especial
aqueles protegidos por Accioly e
que desfilam em toaletes ultramodernas trazidas do Pará. Contudo,
não pareciam muito confortáveis
e felizes com isso. Algumas das
índias, principalmente Maria, esposa do Curuaya Raimundo, eram
adeptas da alfaiataria. Num piscar
de olhos, Maria fez suas próprias
roupas e as de suas companheiras
com os materiais que eu carregava
comigo. A parte mais trabalhosa da
costura foi feita rapidamente com
a máquina em alguma cabana de
seringueiro, onde paramos por algumas horas. O restante foi feito à
mão no barco. Apenas a mulher de
Pedro Marques permaneceu fiel ao
uso da tanga durante todo o tempo,
mesmo na viagem de barco.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
432
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Noch mehr als bei den Frauen ist
die ursprüngliche Tracht bei den
Männern bereits verdrängt worden.
Man traf einen großen Teil von ihnen
selbst bei unvermuteten Besuchen
in den Malokas, schon in Hosen,
und wenn sie nach Sta. Júlia kamen,
hatten sie fast sämtlich ausserdem
Hemd oder Jacke angelegt. Darunter
trugen allerdings viele noch den
Perlengürtel, und dem letzteren
Kleidungsstück wurde noch so viel
Wert beigelegt, daß es mir nicht
gelang, eins davon einzuhandeln.
O traje original dos homens já havia sido rejeitado bem mais do que
o das mulheres. Mesmo em visitas
inesperadas às malocas, já se via um
grande número deles usando calças
e quando iam a Santa Júlia, quase
todos vestiam camisa ou jaqueta.
Por baixo, porém, muitos ainda
usavam o cinto de miçangas e essa
peça de roupa era tão valorizada que
não consegui pegar uma.
Einige Indianerinnen „frisierten“ sich
bereits, und ebenso hatten einige der
Männer die Haare abgeschnitten.
Doch waren dies Ausnahmen. Auch
die schon mit Kleidung versehenen
Chipaya trugen fast sämtlich die
Haare lang herabhängend, manchmal
gescheitelt, und die ausgeschnittene
runde Marke auf der Stirn, die von
Zeit zu Zeit mit Urucu rot gefärbt
wird, war in solchem Falle stets
vorhanden. Merkwürdige Zöpfchen
und steif gedrehte, Hörnern gleich
abstehende Löckchen sah ich
manchmal bei Kindern im Festschmucke, nie aber bei Erwachsenen.
Ich hatte eine große Menge Kämme
mitgebracht, und diese fanden großen
Absatz. Außerdem besaßen aber
alle Indianer noch selbst hergestellte
Algumas mulheres indígenas já
faziam “penteados” nos cabelos
e alguns homens já os cortavam.
Mas eram exceções. Quase todas
as Xipaya que já estavam vestidas
tinham os cabelos soltos e às vezes
repartidos. Sempre esteve presente
o desenho redondo marcado na testa
que, de vez em quando, é tingido
com o vermelho urucum. Algumas
vezes, em festividades decorativas,
vi crianças com tranças estranhas e
cachos firmemente dobrados como
chifres enrolados. Eu havia levado
muitos pentes que eram bem populares, mas os indígenas já tinham
pentes que eles mesmos produziam
e que mais tarde eu os troquei pelos
dos Curuaya.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
433
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Kämme, wie ich solche später auch
von den Curuaya eintauschte.
Mit Ausnahme des Kopfhaares und
der Wimpern entfernen die Chipaya
sämtliche stärkeren Gesichts- und
Körperhaare (einschließlich des
Bartes und der Augenbrauen) mit
der größten Sorgfalt. Auf unserer
Reise wurde die Prozedur des
Haarausreißens – ein Dienst, den man
sich gegenseitig erweist — immer von
Zeit zu Zeit vorgenommen, wenn wir
an Stellen kamen, wo eine gewisse
Palme wuchs, aus deren Blättern man
die feinen, zähen, etwas rauhen Fasern
gewann, die zum Haarausreißen
dienten. Zwei solcher Fasern werden
mit den Enden umeinandergedreht,
so daß in der Mitte eine kleine
Schlinge offen bleibt, in welcher das
zu entfernende Haar eingefangen und
durch plötzliches Straffziehen der
beiden Enden sicher und schmerzlos
entfernt wird. Dies war natürlich eine
zeitraubende Arbeit, da jedes Haar
einzeln entfernt werden mußte.
Für Schmuckzwecke werden bei
den Chipaya auch heute noch
„Missanga“,
Porzellanoder
Glasperlen verschiedener Form und
Größe besonders geschätzt. Die
Hauptfarbe ist immer noch Blau in
verschiedenen Tönen und Schwarz,
Os Xipaya removem cuidadosamente todos os pelos do rosto e do corpo, incluindo barba e sobrancelhas,
com exceção do cabelo da cabeça
e dos cílios. Em nossa jornada, o
procedimento de retirada dos pelos,
que eles faziam uns nos outros, era
realizado sempre que chegávamos
a lugares onde crescia um determinado tipo de palmeira. Desta eram
extraídas folhas, cujos filamentos
finos e duros, um tanto ásperos,
eram usados para puxar os pelos.
Dois desses filamentos são unidos e
enrolados nas pontas de modo que
no meio um pequeno laço permanece, no qual o pelo é preso e removido com segurança e sem dor ao se
puxar rapidamente, as duas pontas.
Evidentemente, isso demorava, pois
removia-se pelo por pelo.
Para fins ornamentais, “missangas”, contas de porcelana ou vidro de várias formas e tamanhos,
ainda são muito valorizadas pelos
Xipaya. A cor principal ainda é
o azul em vários tons diferentes
e o preto que parece ser um tom
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
434
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
das als eine Schattierung von Blau
zu gelten scheint. An zweiter Stelle
steht Weiß, wirkliches Kreideweiß
— durchscheinende oder gar
durchsichtige Sorten werden wenig
geschätzt. — Die Indianer zeigten
mir einmal eine undurchsichtige
gelbe Perle und fragten, ob ich ihnen
nicht mehr von dieser verschaffen
könne. Sie schienen ihr besondern
Wert beizulegen. Ich sah die
Farbe aber kaum jemals in ihrem
Schmuck. Eine mattrosa Perle war
etwas häufiger. Alle möglichen
Arten der augenblicklich in Para
gangbaren Perlen wurden ziemlich
reichlich verwendet, es war aber nie
Nachfrage danach. Man nahm sie
wohl als Geschenk, aber nur ungern
als Tauschartikel. Getragen wurde
der Perlenschmuck von den Männern
vor allem in Form der Gürtel, die
ich zwar bereits bei der Kleidung
erwähnt habe, die aber doch wohl
eher dem Schmuck zuzurechnen sind.
Sie werden in der Weise angefertigt,
daß man eine lange, einfache
Perlenschnur solange um den Körper
windet, bis die gewünschte Breite des
Gürtels erreicht ist und die Windungen
vermittelst senkrecht verlaufender
Fäden in einigen Zentimetern Abstand
miteinander verbindet. Ein solcher
Gürtel kann natürlich nur schwierig
wieder abgenommen werden, und
de azul. Em segundo lugar, está o
branco, ou seja, o branco giz real,
e não as variedades translúcidas ou
transparentes que são pouco apreciadas. Certa vez, os indígenas me
mostraram umas miçangas amarela
fosca e me perguntaram se eu poderia lhes conseguir mais. Pareciam atribuir um valor particular
a essas miçangas. Quase não vi
cor em suas joias. Uma miçanga
rosa fosca era mais comum. Todos
os tipos de miçangas disponíveis
atualmente no Pará foram usados
em abundância, mas nunca houve
demanda por elas. Provavelmente
eram usadas como presente, mas
relutantemente como um item de
troca. Os adereços de miçangas
eram usados pelos homens principalmente na forma de cintos,
como já mencionei ao falar sobre
as roupas e são mais considerados
joias. Eles são feitos de tal forma
que um longo e simples cordão de
miçangas é enrolado ao redor do
corpo até que a largura desejada do
cinto seja alcançada e as voltas se
conectem entre si por meio de fios
verticais separados a uma distância
de alguns centímetros. Evidentemente é difícil de remover esse
cinto e leva muito tempo para colocá-lo. Por essa razão, os indígenas
que o usavam e até o momento a
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
435
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
sein Anlegen erfordert beträchtliche
Zeit, weswegen man die Indianer,
die ihn benutzen — und das sind bis
jetzt noch die Mehrzahl — nie ohne
den Perlengürtel sieht. Dieser ist
stets blau, oft in zwei Schattierungen
dieser Farbe gehalten, oder blau mit
schmalem, weißem Rand. Ich habe
nie andere Farben, wie sie wohl bei
dem übrigen Schmuck vorkamen,
daran bemerkt.
maioria deles ainda o usam, nunca
são vistos sem o cinto que é sempre em azul e em dois tons dessa
cor. Ou, em azul com uma borda
estreita branca. Nunca notei outras
cores nele como apareciam nas outras joias.
Wie die Gürtel der Männer so
gehörten die dicken Perlenhalsschnüre
sowie die Arm- und Fußbänder zu
dem Schmuck, der ständig — Tag
und Nacht — getragen und nur
ausnahmsweise, gewöhnlich nur,
wenn er zerrissen ist, abgelegt wird.
Die mühsame Art des Anlegens
erklärt dies ohne weiteres. Einige
Armbänder, die nicht gerade sehr
häufig- sind, und die von einigen
Männern und Frauen oberhalb des
Handgelenks getragen wurden, sind
genau in derselben Art angefertigt,
wie die Gürtel; auch sie sind stets
blau und weiß. Die Arm- und
Beinbänder aus Baumwolle sind
um das betreffende Glied gewebt
und werden daher gleichfalls nur
ausnahmsweise abgenommen. Oft ist
dies überhaupt nicht möglich, stets
sehr mühsam und eine wahre Quälerei
für den Träger. Davon konnte ich
Como os cintos dos homens, as gargantilhas grossas de miçangas, as
pulseiras e as tornozeleiras faziam
parte dos adereços que são constantemente usados – dia e noite – e
só são retirados em casos excepcionais, geralmente quando arrebentam. A maneira trabalhosa dessa
criação explica isso sem mais delongas. Algumas pulseiras, que não são
muito comuns, e que eram usadas
por alguns homens e mulheres acima do pulso, são feitas exatamente
da mesma forma que os cintos; elas
também são sempre azuis e brancas.
As faixas de braço e perna feitas de
algodão são tecidas em volta desses
membros e só são removidas em
casos excepcionais. Muitas vezes
não é possível retirá-las. É sempre
muito trabalhoso e um verdadeiro tormento para o portador. Pude
me convencer disso ao coletar, pois
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
436
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
mich beim Sammeln überzeug-en,
wo wir die gewünschten Bänder oft
genug herunterschneiden mußten.
Diese Baumwollbänder werden
von Zeit zu Zeit mit Urucúmasse,
welche die Indianer in besonderen
Schälchen oder Beutelchen bei sich
führen, aufgefärbt. Erwachsene
beider Geschlechter tragen sie
stets um die Oberarme und die
Fußknöchel und meist auch unterhalb
des Knies. Frauen tragen manchmal
auch ähnliche Bänder um das
Handgelenk. Die Fußknöchel- und
Handgelenkbänder sind gewöhnlich
bedeutend breiter als die um Knie
und Oberarm. Hin und wieder sind
diese Bänder, besonders die um den
Oberarm, noch mit Perlengehängen
verziert.
tínhamos que cortar as faixas desejadas muitas vezes. Essas faixas
de algodão são tingidas de tempos
em tempos com massa de urucum
que os índios carregam em tigelas
ou bolsas especiais. Adultos de ambos os sexos as usam sempre, na
parte superior do braço e tornozelo
ou abaixo do joelho. Por vezes, as
mulheres também usam faixas parecidas ao redor dos pulsos. As do
tornozelo e do punho são significativamente mais largas do que aquelas
ao redor do joelho e do braço. Às
vezes, elas são decoradas com pingentes de miçangas especialmente
aquelas ao redor do braço.
Der leicht abnehmbare Schmuck der
Chipaya, der infolgedessen nicht
immer, sondern nur bei bestimmten
Gelegenheiten getragen wird, ist nach
Form und Material sehr mannigfacher
Art. Man kann ihn etwa in Stirn-,
Ohr-, Hals-, Brust- und Armschmuck
einteilen, und das Material dazu
besteht aus Glasperlen, Federn,
Früchten, Zähnen u. a.
As joias dos Xipaya que são facilmente removíveis e diversas em
formas e materiais, nem sempre
são usadas, apenas em certas ocasiões. Podem ser divididas em joias
para a testa, orelha, pescoço, peito
e braço, e o material é feito de contas de vidro, penas, frutas, dentes
dentre outros.
Aus Perlenschnüren in eigenartiger Fitas trançadas de cordões de contas
Weise geflochtene Bänder dienen als e miçangas de porcelana e vidro de
diademartiger Kopfschmuck (oder uma forma peculiar servem como
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
437
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
als Halsketten). Auf beiden Seiten
der roten Stirnmarke werden von
den Frauen manchmal Quästchen aus
Perlen getragen, welche vermittelst
einer klebenden Masse (Wachs?)
befestigt werden. Die Federkronen,
die man gewöhnlich nur bei den Tänzen
anlegt, trägt man an einem Strohreif
befestigt, der sie stützt und aufrecht
erhält. Fehlt der Strohreif, so klappt
die Federkrone — besonders wenn sie
schon viel gebraucht ist — herab und
bildet eine Art Schirm, wie auf dem
Bilde des „Coronel“, den ich 1909
am -Curuá photographierte, sichtbar.
Die Kronen selbst bestehen aus einem
aufrechten Kranz größerer Federn,
welcher gewöhnlich einfarbig weiß,
gelb oder grün ist. In ersterem Falle
rühren die Federn von Waldstörchen
(Tantalus luculator), in letzterem
von Ära- oder Papageienarten her.
Diesen Hauptkranz umschließt unten
ein kleinerer, aus mehreren Reihen
glänzender schwarzer Tucan- und
feuerroter Arafederchen bestehender.
Die Herstellung gerade dieses unteren
Federrandes ist sehr mühsam und
zeitraubend. Nachdem das Maß des
betreffenden Kopfes genommen ist,
werden zwei Baumwollfäden von der
nötigen Länge straff zwischen in die
Erde gesteckten Stäben aufgespannt
und an ihnen die Federchen einzeln
oder in kleinen Büscheln befestigt.
um cocar semelhante a diadema ou
como colares. Em ambos os lados
da marca vermelha na testa, as mulheres, às vezes, usam quadradinhos
de contas e miçangas de porcelana
e vidro que são colados com uma
massa adesiva (cera?). As coroas de
penas, usadas normalmente durante
as danças, são presas a um aro de
palha que as sustenta e as mantém
eretas. Sem o aro de palha, a coroa
de penas dobra-se – especialmente
se já é muito usada – e forma uma
espécie de guarda-chuva, como
pode ser visto na foto do “Coronel”
que fotografei em 1909 no Curuá.
As coroas são feitas de uma grinalda ereta de penas maiores, normalmente monocromáticas, brancas ou
amarelas ou verdes. As penas das
coroas são de cegonha-do-mato
(Tantalus luculator) e da grinalda
de uma espécie de papagaio. Essa
grinalda principal é redonda na parte inferior por uma menor que consiste em várias fileiras de penas de
tucano, de um preto-brilhante e de
penas de arara de um vermelho-fogo. A confecção dessa borda inferior feita de pena é muito trabalhosa
e demorada. Depois que a cabeça
em questão é medida, dois fios de
algodão, do comprimento necessário, são firmemente esticados entre
duas varas inseridas na terra e as
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
438
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Die so erhaltenen Kränzchen
werden dann wieder an einem
2-3 cm breiten Baumwollbande
befestigt, gewöhnlich in 4 Reihen, 2
aufwärts und 2 abwärts gerichteten.
Manchmal sind die unterste und
die oberste Federreihe direkt an
das Baumwollband geknüpft, was
noch mühsamer zu sein scheint. Die
großen Federn werden dann mit den
unten umgeknickten Kielen am obern
Rande des Bandes und manchmal
noch an der obern Reihe Federchen
befestigt. Das Band endet jederseits
in Schnüren, mit denen die Krone
auf dem rinnenförmig ausgehöhlten
Strohreifen
festgebunden
wird.
Solche Kronen werden hauptsächlich
von Männern getragen, doch sah
ich in Ausnahmefällen auch Frauen
mit ihnen geschmückt, und meine
Begleiter wollten eine solche auch für
mich anfertigen. Sie kam aber nicht
über das Stadium des Federkranzes
hinaus. Ein Kopfputz dagegen,
den ich nur bei Frauen sah (und
zwar nur bei den Tänzen) waren
hutkrempenartige, aus Palmfiedern
geflochtene Schirme, vorn breit, nach
hinten schmäler werdend, und mit
einem herabfallenden Schwanz von
Fiedern geziert. Diese dienten nur zu
je einem Tanzabend und wurden dann
fortgeworfen. Einen sehr hübschen,
doppelten, aus weißen Flaumfedern
penas são presas a elas uma-por-uma ou em pequenos tufos. As pequenas grinaldas confeccionadas
desse modo são então recolocadas
em uma faixa de algodão de dois
a três centímetros de largura, geralmente em quatro carreiras, duas
para cima e duas para baixo. Às
vezes, as fileiras de pena inferior e
superior são amarradas diretamente
na faixa de algodão, o que parece
ser ainda mais trabalhoso. As penas grandes são então presas com
as quilhas dobradas na borda superior e, às vezes, ainda na fileira
superior de penas. A faixa termina
em cordões de cada lado, com os
quais a coroa é amarrada ao aro de
palha oco em forma de sulco. Essas
coroas são usadas principalmente
por homens e, em casos excepcionais, vi mulheres enfeitadas com
elas. Meus acompanhantes queriam
fazer uma para mim também, mas
não passaram da etapa da grinalda
de penas. Por outro lado, cocares,
que só vi nas mulheres (e apenas
durantes as danças) eram em forma
de chapéu com aba feito de fibras
trançadas de palmeira como uma
proteção, larga na frente, estreita
atrás e adornada com uma cauda de
fibras. Eles eram usados apenas por
uma noite de dança e depois descartados. A esposa de Pedro Marques
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
439
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
gefertigten Kranz trug bei einem
Karia die Frau des Pedro Marques.
Leider konnte ich mir denselben nicht
verschaffen und kann daher nichts
näheres über ihn angeben, als was
man auf der Photographie sieht.
usou uma grinalda dupla muito bonita de penugens brancas em uma
Caria. Infelizmente não consegui
obter um desses para mim e por
isso não posso dar mais detalhes
além do que se pode ver na foto.
Ohrfedern trugen nur junge Männer,
und auch diese nicht immer.
Ohrstäbchen dagegen sah ich nur
bei Frauen. Diese waren etwa 6 —
8 cm lang und bestanden aus einem
Stäbchen, welches eine große weiße
oder blaue Perle als Abschluß hatte
und zur Hälfte mit einem zierlichen
Fadenmuster umwunden war. An
diesen Stäbchen wurden bei festlichen
Gelegenheiten noch quastenförmige
Perlengehänge befestigt.
Apenas os homens jovens usavam
penas de orelha, porém não todo
tempo. Bastões de orelhas vi apenas
em mulheres. Eles tinham cerca de
seis a oito centímetros de comprimento e uma grande miçanga branca
ou azul como acabamento. No meio,
eram envoltos com um delicado padrão de linha. Em ocasiões festivas
eram anexados pingentes de contas
e miçangas de porcelana e vidro em
forma de esfera nesses bastõezinhos.
Hals- und Brustschmuck bestand
außer den bereits erwähnten
Perlenwülsten aus Ketten aller Art
und Länge. Manche waren bandartig,
hübsch aus Glasperlen gearbeitet,
andere bestanden aus ein- oder
mehrfachen Schnüren von Perlen
der mannigfachsten Art, Größe und
Farbe, obwohl, was letztere betrifft,
auch hier blau und weiß vorherrschte.
Interessanter waren mir jedoch die
aus Fruchtschalen oder Früchten
gefertigten Ketten. Zu einigen waren
die weißglänzenden, erbsengroßen
Samen einer Graminee (Coix?)
Além dos relevos de contas e miçangas já mencionados, as gargantilhas
e colares eram feitos de correntes
de todos os tipos e comprimentos.
Alguns eram em forma de fita, lindamente confeccionadas com contas
de vidro e outras de um ou mais fios
de contas dos mais variados tipos,
tamanhos e cores, embora, predominassem o azul e o branco. Mais interessante para mim, no entanto, eram
as correntes feitas de frutas ou cascas
de frutas. Na confecção de algumas
foram usadas sementes brancas e brilhantes do tamanho de uma ervilha
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
440
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
verwendet, die man durchbohrt
und perlenartig an einer Schnur
aufgereiht hatte. Das Hauptmaterial
lieferte jedoch eine kleine, von den
Indianern Tucumã genannte Palme,
(eine Art Bactris, sie hatte mit der
hier in Pará tucumã genannten
Astrocarium tucuman nichts zu tun).
Die schwarz- oder braunglänzenden
ausgehöhlten Fruchtschalen derselben
werden in verschiedene Formen
geschnitten, welche bald stilisierte
Tiere darstellen, bald nur mit
Mustern bedeckt oder durchlöchert
sind, und dann in großer Menge
an einer einfachen Perlenschnur
aufgereiht. Andere Ketten bestehen
aus zahlreichen, gleichfalls aus
tucumã hergestellten, an Perlschnüren
aufgehängten Ringen. Ketten aus
Zähnen wurden hauptsächlich von
Männern und Knaben getragen.
Affen-, Capivara-, Wildschwein-,
Tigerkatzen- und Jaguarzährie sah
ich hierzu verwendet. Die letzteren
trugen ausschließlich Männer. Dem
Tierreich entstammte auch ein
niedliches Kettchen, mit dem mich
meine Begleiterin Maria während
der Reise beschenkte: Schalen von
einer Anastomaart (Schneckenhäuser)
in regelmäßigen Abständen an
einer
einfachen
Perlenschnur
aufgereiht. Auch Fischwirbel fanden
Verwendung.
de uma gramínea (Coix?) que foram
perfuradas e amarradas como miçangas em um cordão. Contudo, o material principal era proveniente de uma
palmeira indígena chamada Tucumã
(uma espécie de Bactris que não tinha nada a ver com o Astrocarium
tucuman, chamado aqui no Pará de
tucumã). As cascas de frutas côncavas pretas ou marrons brilhantes dessas palmeiras são cortadas em várias
formas. Algumas retratam animais
estilizados e outras são apenas cobertas com padrões ou perfuradas.
Em seguida, são alinhadas em grandes quantidades em um simples colar
de contas e miçangas de porcelana e
vidro. Outras correntes são feitas de
vários anéis e de tucumã, pendurados por fios de contas e miçangas.
As correntes eram feitas de dentes de
macaco, capivara, javali, jaguatirica
e onça-pintada e eram usados principalmente por homens e adolescentes. As de onça-pintada eram usadas
apenas pelos homens. Um gracioso colar que minha acompanhante
Maria me deu de presente durante
a viagem era proveniente também
do reino animal. Era confeccionado
com conchas de anastomose (conchas de caracol) alinhadas em intervalos regulares em um simples colar
de miçangas. Também eram usadas
vértebras de peixes.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
441
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
An den Armen schmückten sich
Männer
sowohl
wie
Frauen
außer mit den bereits erwähnten
roten
Baumwollbändern,
Perlenmanschetten u. s. w., mit
mannigfachem
Kettenschmuck,
ähnlich dem eben beschriebenen
Hals- und Brustschmuck. Ein
originelles Armband, das ich erhielt,
bestand aus zierlichen, gleichfalls
an einer Perlenschnur aufgereihten
Fischwirbeln.
Kinder
trugen
auch feste Armreifen, aus harten
größeren Fruchtschalen gearbeitet.
Die Finger wurden mit zahllosen,
sehr zerbrechlichen Ringen aus
tucumã, wie solche auch zu Ketten
Verwendung fanden, bedeckt. Hin
und wieder waren diese mit einem
zierlichen, eingeschnittenen oder
eingeritzten Muster verziert.
Tal como as mulheres, os homens
adornavam os braços com várias
joias semelhantes às gargantilhas
e colares descritos anteriormente,
com exceção das faixas vermelhas
de algodão e braceleiras. Recebi
uma pulseira original feita de delicadas vértebras de peixe alinhadas
da mesma forma que um colar de
miçangas. As crianças também usavam pulseiras fixas feitas de cascas
de frutas duras e maiores. Os dedos
eram cheios de vários anéis, muito frágeis, feitos de tucumã e que
também serviam como correntes.
De vez em quando eram decorados
com um padrão delicadamente esculpido.
Bemalung:
Für gewöhnlich begnügten sich
die noch an den alten Sitten
festhaltenden Chipaya mit einem
mittelst Genipaposaft hergestelltem
schwarzblauen Ring um die Lippen,
von dem zwei gleichfarbige Streifen
in die Ohrgegend verliefen, und der
von Zeit zu Zeit einer Auffrischung
bedurfte. Bei den Festen wird aber
reiche und oft zierliche Malerei
nicht nur im Gesicht sondern auch
am ganzen Körper angebracht. Ich
Pintura:
Normalmente os Xipaya, que ainda mantinham os antigos costumes,
contentavam-se com o desenho de
um anel preto-azulado em volta dos
lábios feito de tinta de jenipapo, do
qual duas faixas da mesma cor corriam em direção às orelhas e precisavam ser reavivadas de tempos
em tempos. Nas festas, no entanto,
as pinturas mais refinadas e, muitas
vezes, delicadas são aplicadas não
somente no rosto, mas também em
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
442
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
habe von einigen der Malereien, die
bei dem mir zu Ehren veranstalteten
Karia zu Tage kamen, Skizzen
gemacht die wenigstens einen Begriff
von ihrer Art geben mögen. Auch die
von meiner Chipayaindianerin Maria
bei dem Feste in der Curuayaaldeia
ausgeführten Malereien gehören
hierher und nicht zu letzterem
Stamme, der in diesen Dingen eine
viel geringere Kunstfertigkeit besitzt.
Das Labyrinthmuster, das ich bei
der Töpferei und den Cuias bereits
erwähnt, kommt auch bei dieser
Malerei vor, ich sah es z. B. auf dem
Bein eines der in Sta. Júlia tanzenden
Männer. Sonst waren die Motive sehr
manigfaltig aus einer Kombination
von Bogen, Punkten und Streifen
bestehend und individuell nach dem
Geschmack der einzelnen wechselnd,
immer aber von einem Sinn für
Ornamentik zeugend.
todo o corpo. Para dar uma ideia,
fiz esboços de algumas das pinturas
feitas durante a Caria organizada
em minha homenagem. Também
as pinturas feitas na minha indígena
Xipaya, Maria, no festival da aldeia
Curuaya, pertencem também a este
lugar e não à última etnia que possui uma habilidade muito menor. O
padrão labiríntico que já mencionei
nas cerâmicas e nas cuias ocorre
também nessa pintura que vi, por
exemplo, na perna de um dos homens que dançavam em Santa Júlia.
Fora isso, os motivos eram muito
diversos, consistindo em uma combinação de arcos, pontos e listras e
alternado, individualmente de acordo com o gosto de cada um, mas
sempre testemunhando um senso de
ornamentação.
Feststehend schien die Gesichtsmalerei
zu sein. Sie bestand aus je drei
Schrägstreifen rechts und links von
der Stirnmarke. Von dem oberen
Ende des äußeren dieser Streifen ging
ein anderer ge- rader Strich quer über
die Kopfseite zum oberen Ohrrande.
Vom unteren Ohrrande verlief ein
anderer Streifen zum Mundwinkel
und ging dort in den Lippenkreis
über. Ueber den Augen war ein oben
A pintura do rosto parecia ser permanente. Consistia em três listras
diagonais à direita e à esquerda da
marca da testa. Da extremidade
superior da parte externa dessas
listras, outra linha reta atravessava
da cabeça até a borda superior da
orelha. Da borda inferior da orelha,
outra listra corria para o canto da
boca e passava lá para o círculo labial. Acima dos olhos havia um pe-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
443
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
offenes Doppelhäkchen angebracht
und quer über die Nasenwurzel
verliefen zwei Streifen. In einigen
Fällen sah ich die Linien an Mund und
Ohren von zwei Reihen Pünktchen
oder von zwei feinen Linien
eingefaßt, was einen sehr zierlichen
Eindruck machte. Oberarme und
Unterschenkel waren oft mit auf
schwarzem Grunde aus- gesparten
Kreuzoder
Schnörkelmustern
verziert, die Füße ganz schwarz
bemalt mit Ausnahme des mit
Mustern geschmückten Fußrückens.
Auf
der
Reise
beschmierten
meine Indianerinnen sich und ihre
Genossinnen und Genossen (mich
eingeschlossen) zum Scherz über
und über mit Genipaposaft, wenn wir
auf diese Bäume trafen. Aus einem
andern Bäumchen gewannen sie eine
wundervolle Eosinfarbe, und dann
strahlten wir alle wie die Morgenröte.
Doch waren dies nur Spielereien, in
denen sich allerdings die jüngeren
Indianerinnen, Tayady und Maria
chichi, gar nicht genug tun konnten.
queno gancho duplo aberto e duas
listras corriam oblíquas até a base
do nariz. Em alguns casos, vi as linhas na boca e orelhas contornadas
por duas fileiras de pontos ou duas
linhas finas que pareciam muito delicadas. Antebraços e pernas eram
frequentemente desenhados com padrões de cruz ou floreados sobre um
fundo preto. Os pés eram pintados
de preto com exceção da parte de
trás do pé decorada com padrões.
Durante a viagem, minhas indígenas se divertiam fazendo suas pinturas corporais em si próprias, em
suas companheiras e companheiros,
inclusive em mim, com suco de
jenipapo, sempre que nos deparávamos com as árvores desse fruto.
De outra árvore pequena, eles ganharam uma cor eosina maravilhosa
e todos brilhávamos como o amanhecer. Essas pinturas que as jovens
indígenas Tayady e Maria Chichi
não conseguiam fazer bem eram, na
verdade, apenas brincadeiras.
Musikinstrumente:
Bei
den
Tänzen,
welchen
ich
beiwohnte,
wurden
nie
Musikinstrumente gebraucht, was
natürlich nicht ausschließt, daß
sie bei bestimmten Gelegenheiten
doch verwendet werden. Die
Instrumentos musicais:
Nas danças que participei, nunca
foram usados instrumentos musicais, o que, evidentemente, não
significa que não sejam usados em
outras ocasiões. As flautas maiores
que coletei parecem ser usadas prin-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
444
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
größeren von mir gesammelten
Flöten scheinen hauptsächlich zum
Anmelden der Boote in der Nähe
von Malokas zu dienen, wenigstens
bezeichneten sie die Indianer
selbst als Businas, wie die diesem
Zwecke dienenden Signalhörner
in den Seringueirobooten genannt
werden. Die kleineren Pan- und
Knochenflöten dienten anscheinend
nur zur Unterhaltung. Tabaya flötete
eine Zeitlang allabendlich während
unserer Reise zu seinem und unserem
Vergnügen, doch zog er sich dabei
unter sein Mosquiteiro zurück und
tat geheimnisvoll, so daß ich nicht
einmal mit Sicherheit sagen kann,
welches Instrument er benutzte.
Nach der Mannigfaltigkeit der
hervorgebrachten Töne zu urteilen,
schien es aber eine Panflöte zu sein.
cipalmente para anunciar os barcos
nas proximidades das malocas. Os
indígenas as chamavam de buzinas
com a mesma finalidade dos chifres
usados pelos seringueiros. As flautas menores de Pã e de osso eram
aparentemente apenas para o entretenimento. Tabaya tocava todas
as noites, para seu e nosso deleite,
durante toda nossa viagem. Ele ficava escondido secretamente em
seu mosquiteiro que não sei dizer
ao certo que instrumento ele usava.
A julgar pela variedade das notas
produzidas, parecia ser uma flauta
de Pã.
Waffen und Jagd:
Die Hauptwaffe der Chipaya ist
noch immer der Bogen. Daneben ist
neuerdings die Büchse amerikanischer
Herkunft, das rifle, wie es die
Seringueiros führen, ein ersehnter
Besitzgegenstand geworden. Doch
haben bis jetzt nur wenige Indianer
es zu einiger Fertigkeit in dessen
Handhabung gebracht, wie z. B. mein
Begleiter Pedro Marques.
Armas e caça:
A principal arma do Xipaya ainda
é o arco. Além disso, a espingarda
de origem americana, o rifle, como
os que os seringueiros carregam,
tornou-se um objeto desejado. Até
agora, poucos indígenas desenvolveram as habilidades de uso dessa arma como, por exemplo, meu
acompanhante Pedro Marques.
Der Bogen besteht aus schwarzem, O arco é feito de madeira preta, for-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
445
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
starkem,
elastischem
Holz,
wahrscheinlich vom pau d‘arco
herrührend, obwohl es sich im
Aussehen von dem helleren, im
Norden üblichen Holze dieses
Baumes (einer Tecoma -Spezies)
wesentlich unterscheidet. Jedenfalls
scheint der Baum von dem es
herrührt, am Iriri-Curuä nicht sehr
häufig vorzukommen, und die
Bearbeitung desselben ist schwierig.
Daher trennen sich die Chipaya auch
nur ungern von ihren vorzüglich
gearbeiteten Waffen. Die Sehne wird
aus den Fasern einer aloeähnlichen
Pflanze hergestellt, wenigstens sah ich
aus solchen Raymundo Curuaya einst
eine Bogensehne drehen. Auch das
Pfeilrohr ist nicht überall häufig am
Curuá, und die Indianer unternehmen
seinetwegen Reisen, die sie manchmal
weit an den Flüssen hinauf in ganz
unbewohnte Gebiete führen, wie
z. B. an den Salto do Cashimbo im
Curuá. Die Pfeile sind je nach ihrer
Bestimmung von verschiedener Länge
und Stärke, und auch die Spitzen
wechseln dementsprechend. Die für
die Landjagd sind gewöhnlich mit
Widerhaken aus Knochen bewehrt,
oder mit lanzettförmigen, flachen, auf
allen Seiten messerartig zugeschärften
Bambusspitzen. Häufiger und für den
Chipaya, der fast ausschließlich von
Fisch lebt, wichtiger sind jedoch die
te e flexível, provavelmente derivada do pau d’arco. Ele se diferencia,
consideravelmente, do pau d’arco,
pois tem a aparência mais clara –
uma espécie de tecoma comum
no Norte. Em todo caso, a árvore
da qual provém o arco não parece
ser muito comum no Iriri-Curuá e
é difícil de ser cultivada. Por essa
razão, os Xipaya relutam em se
desfazer de suas armas primorosamente fabricadas. O tendão é feito
de fibras de uma planta parecida
com o Aloe vera. Certa vez, vi
Raimundo Curuaya dobrar uma
corda de arco dessa planta. A haste
da flecha também não é comum em
todo o Curuá, por isso os indígenas
empreendem viagens que, às vezes,
os levam rio acima até áreas totalmente desabitadas como, por exemplo, para o Salto do Cachimbo em
Curuá. As flechas têm comprimento
e resistência diferentes, dependendo
de sua finalidade e as pontas também mudam de acordo com sua
utilidade. As destinadas ao uso da
caça são geralmente montadas com
farpas de osso ou com pontas de
bambu planas, em forma de lanças
afiadas como uma faca por todos os
lados. As flechas de peixe são mais
comuns e mais importantes para os
Xipaya que vivem quase exclusivamente de peixe. Sua ponta consiste
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
446
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Fischpfeile. Ihre Spitze besteht aus
einem drehrunden, zugespitzten Stab
aus Palmholz. Ihre Länge und Stärke
wechselt, doch sieht man hauptsächlich
zwei Arten^ eine mittelstarke, welche
für die meisten der mittelgroßen
Eßfische, Pacú, Piranha, Tucunare
usw. ausreicht, und eine besonders
starke für die mächtigen Sorubims
und Traíras, die trotzdem dem Jäger
oft noch entkommen, und in denen
manche Pfeilspitze zerbricht. Den
Harpunenpfeil, welchen der Curuaya
Joao Padreco auf meiner ersten Reise
im Jamauchim gebrauchte, sah ich
diesmal nicht, weder bei Chipaya
noch Curuaya. Für die Fischjagd ist es
des sichern Zielens halber besonders
wichtig, daß der Pfeil so gerade wie
möglich ist. Man sieht daher auf den
Flüssen die Indianer fortwährend
damit beschäftigt, prüfend von oben
an ihren Pfeilen herabzusehen und sie
auszurichten. Neuerdings sollen die
Indianer auch gern eiserne Pfeilspitzen
einhandeln, doch habe ich keine
solche in Gebrauch gesehen, so wenig
wie die Angelhaken, welche sie sich
verschiedene Male eintauschten. Ob
sie auch mit Timbo fischen, wie die
Curuaya, konnte ich nicht erfahren.
em um bastão pontudo e giratório
feito de madeira de palmeira. Seu
comprimento e força variam, mas
pode-se ver, principalmente, duas
espécies. Uma de força média que
é suficiente para a maioria dos peixes comestíveis de tamanho médio,
como pacu, piranha, tucunaré etc.
E outra, bastante forte, para os poderosos surubins e traíras que, às
vezes, escapam ao caçador, quando
a ponta da flecha se quebra. Desta
vez, não vi a flecha do arPão que o
Curuaya João Padreco usou na minha primeira viagem ao Jamanxim,
nem com os Xipaya e nem tampouco com os Curuaya. Para a pesca
é principalmente importante que a
flecha esteja o mais reta possível
para mirar com segurança. Por isso,
vemos os indígenas nos rios conferindo constantemente suas flechas,
de cima para baixo e alinhando-as.
Nos últimos tempos, dizem que os
indígenas também gostam de negociar pontas de flechas de ferro,
porém nunca vi nenhuma em uso,
além dos anzóis que trocam várias
vezes. Não consegui descobrir se
também pescam com o timbó, como
os Curuaya.
Alle größeren Landtiere werden von Os Xipaya caçam todos os grandes
den Chipaya zu Nahrungszwecken animais terrestres para alimentação,
gejagt,
außer
den
Jaguaren, exceto onças, felinos selvagens e
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
447
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Wildkatzen und Veados (Rehen),
welche letztere sie nicht essen
dürfen. Am beliebtesten sind Affen,
vor allem der Spinnenaffe und in
zweiter Linie der Brüllaffe, Aras,
Tukane, die großen Hühnervögel
und Steißhühner sind die beliebtesten
Jagdobjekte aus der Vogelwelt.
Von Reptilien sind vor allem die
Tracajás zu nennen (die Tartaruga,
die große Amazonasschildkröte
kommt im Iriri-Curuá nicht vor),
welche in jeder Gestalt und Größe,
möchte ich sagen, gegessen werden,
als erwachsene Tiere, eben ausgeschlüpfte Junge, Embryonen und
frische Eier. Demnächst kommen
Jabotys (Landschildkröten), ferner
die beiden kleinen Krokodilarten
und seltener Jacruarús (Tupinambis
nigropunctata).
veados que não têm permissão para
comer. Os preferidos são os macacos, especialmente o macaco-aranha
e o bugio. Também as araras, os tucanos, as aves grandes e as galináceas que são o objeto de caça mais
popular do mundo das aves. Entre
os répteis, destacam-se os tracajás
(a grande tartaruga-amazônica que
não aparece no Iriri-Curuá), que são
comidos de todas as formas e tamanhos, como por exemplo, adultos,
filhotes recém-nascidos, embriões e
ovos frescos. Finalmente, os jabotis (tartarugas), bem como as duas
pequenas espécies de crocodilos e
consumiam, raramente, jacuruarus
(Tupinambis nigropunctata).
Boote:
Die Chipaya sind im Gegensatz zu den
Curuaya sehr geschickte Bootbauer,
und ihre Ubás und Cashiris (so heissen
bei ihnen die kleinsten Fahrzeuge)
im ganzen Iriri-Curuä berühmt und
ein geschätzter Handelsartikel. Sehr
große Ubás sieht man selten, und
ich konnte mich selbst überzeugen,
daß solche in den verhältnismäßig
seichten Flüssen unpraktisch und
besonders in den Cachoeiras schwer
zu handhaben sind. Die am häufigsten
Barcos:
Diferente dos Curuaya, os Xipaya
são habilidosos construtores de barcos. Suas Ubás5 e Caxiris (nomes
dos veículos menores) são itens comerciais valiosos e muito famosos
em todo o Iriri-Curuá. As Ubás
muito grandes são vistas raramente.
Fiquei convencida de que é impossível usá-los em rios muito rasos e
difíceis de manejar, sobretudo nas
Cachoeiras. Os tamanhos mais comuns são canoas de cerca de quatro
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
448
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
vorkommende -Größe sind etwa 4
—5 m lange Einbäume mit mäßig
verschmälerter Spitze, hinten breit
auslaufend, die gerade bequem
zur Aufnahme einer mittelstarken
Indianerfamilie nebst Gepäck (die
Indianer pflegen auf längeren Reisen
den größten Teil ihrer Besitztümer mit
sich zu führen) ausreichen. Außerdem
sieht man kleinere Boote in allen
Abstufungen, für 3, 2, 1 Personen
ausreichend, ja es gibt wenig über ein
Meter lange Boote für kleine Kinder,
aber alle, selbst die kleinsten, sind
gleich vorzüglich gebaut.
a cinco metros de comprimento com
uma ponta moderadamente estreita,
afinando amplamente na parte traseira. Elas são suficientes para acomodar apenas uma família indígena
de tamanho médio e sua bagagem
(os indígenas tendem a levar consigo, a maioria de seus pertences em
viagens mais longas). Além disso, há
barcos menores em todos os tamanhos para uma, duas ou três pessoas.
Há poucos barcos com mais de um
metro de comprimento para crianças
pequenas e todos são primorosamente construídos, inclusive os menores.
Ich habe nur eine Form von Ubá, die
eben beschriebene gesehen und leider
nie dem Bau einer solchen beigewohnt.
Auch kann ich nicht angeben, ob die
Chipaya Rindenboote anfertigen wie
die Curuaya. Fortbewegt wurden die
Úbás meist mit der Vara, welche viel
schwächer als die bei den Barqueiros
übliche, aber äußerst elastisch ist.
Zum Steuern benutzte man das
gewöhnliche
Indianerruder
mit
langem Stiel und rundem Blatt. Doch
fertigten die Indianer auch solche mit
kurzen Stielen und langem, schmalem
Blatt an, welche sie in bestimmten
Fällen vorzogen. Eine Tolda wird
wenn nötig (in der Regenzeit) aus
einer Palmblattmatte improvisiert.
A única forma de Ubá que vi, foi
a que descrevi acima. Infelizmente
nunca vi nenhuma sendo construída. Também não posso afirmar se
os Xipaya fazem barcos de casca de
árvore como os Curuaya. As ubás
costumavam ser movidas com uma
vara muito mais fraca do que a comum usada pelos barqueiros, porém extremamente flexível. O remo
indígena usual tem um cabo longo
e a folha arredondada e era usado
para conduzir o barco. Em certos
casos, os indígenas preferiam fazer
uso de remos com cabo curto e a
folha comprida e estreita. Quando
necessário, na estação das chuvas,
improvisam um toldo com um tapete de folhas de palmeira.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
449
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Ackerbau:
Die Chipaya sind als gute
Ackerbauer am Iriri und Curuá
berühmt, und die Roças, welche
ich sah, konnten sich in der Tat mit
denen der meisten Brasilianer sehr
wohl messen. Hauptsächlich bauen
sie Mandioka, in zweiter Linie Mais,
Zuckerrohr und Bananen, ferner
verschiedene Knollengewächse wie
Iniam, Cará, Batata doce usw. Auch
Früchte fehlen nicht: ich fand in
ihren Roças sowohl Mamão (Carica
papaya) als Ananas, Melonen,
Wassermelonen u. a. Dagegen
habe ich sehr selten wirkliche
Obstbäume gesehen, was wohl mit
dem häufigen Wohnungswechsel
zusammenhängt.
Der
Boden
scheint sich auch hier, trotz aller
anfänglichen Fruchtbarkeit, meist
nach einiger Zeit zu erschöpfen, und
dann zieht der Chipaya von dannen
und errichtet bei der neu angelegten
Roça auch die neue Maloka. In der
alten Roça gedeihen aber einige
der angepflanzten Gewächse, vor
allem Bananen und Knollen noch
eine ganze Weile weiter, und die
Indianer merken sich die Stellen
wohl, um sich im Vorüberfahren
dort mit Vorräten zu versehen.
Auch mir und meinen Gefährten
sind auf der Reise im Curuá diese
alten Roças, die uns bereitwillig
Agricultura:
Os Xipaya são conhecidos por serem bons agricultores no Iriri e no
Curuá e as roças que presenciei
podiam competir com as da maioria dos brasileiros. Eles cultivam
principalmente mandioca, milho,
cana-de-açúcar e banana, além de
vários tubérculos como inhame,
cará, batata doce etc. Também não
faltam frutas, pois encontrei em
suas roças mamão, abacaxi, melão,
melancia e semelhantes. Raramente
vi plantações de árvores frutíferas,
talvez em virtude da frequente mudança de moradia. Após um tempo, o solo parece se esgotar apesar
de toda a sua fertilidade. Por isso,
os Xipaya se afastam e constroem
nova maloca na recém-criada roça.
Na antiga roça, algumas plantações
como banana e raízes continuam a
crescer por muito tempo. Provavelmente, os indígenas, ao passarem
por essas roças, recordam os lugares e se abastecem. Essas roças nos
foram mostradas durante a viagem
ao Curuá. Elas ficam quase sempre
escondidas na mata. Meus companheiros e eu nos servimos muito
delas durante o caminho e nos abastecemos de raízes e frutas que duraram quase até a chegada ao Salto do
Cachimbo.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
450
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
gezeigt wurden (sie liegen fast stets
im Walde wohl versteckt) sehr
zustatten gekommen.
Sie versorgten uns mit einem Vorrat
von Wurzeln und Früchten, der fast
bis zum Salto do Cashimbo vorhielt.
Die Werkzeuge, welche die Chipaya
für den Ackerbau benutzen, sind heute
ganz allgemein von den Brasilianern
eingehandelte Beile (machados) und
Waldmesser (terçados), mit deren
Hilfe die Roça angelegt und die Ernte
eingebracht wird. Doch kann die
Steinzeit für sie noch nicht allzuweit
zurückliegen. Ich schließe das aus
der großen Menge von Steinbeilen
aller Art, die ich erhielt und teilweise
selbst in den verlassenen Malokas
fand, z. B. in der des Joaquim Velho,
und daraus, daß noch allen Indianern,
auch den jüngeren, wie Raymundo,
ihre Handhabung und die Art, wie
das Beil am Stiel befestigt wird —
vermittelst çipo — bekannt war. Der
Zeitpunkt für die Anlegung der Roça
richtet sich nach dem Eintritt der
Winterregen und kommt am untern
Iriri z. B. einige Wochen später als
am mittleren Curuá. Die Bäume
schlägt man im Laufe des Sommers
und zündet sie am Ende desselben
an. Sowie die ersten Regen gefallen
sind, beginnt die Bestellung, an der
As ferramentas que os Xipaya utilizam para a agricultura são hoje em
geral machados e terçados comercializados pelos brasileiros usados
para a plantação e a colheita nas
roças. Mas não estão tão distantes
da Idade da Pedra. Chego a essa
conclusão pelo grande número de
machados de pedra de todos os tipos
que recebi e alguns que encontrei
nas malocas abandonadas como na
de Joaquim Velho. Isso se justifica
pelo fato de que todos os indígenas,
incluindo os mais novos como Raimundo, conheciam o manuseio e a
forma como o machado é preso com
cipó. A época de fazer roça depende do início das chuvas de inverno
e chega no baixo Iriri algumas semanas depois de chegar no médio
Curuá. As árvores são cortadas durante o verão e incendiadas no final
dele. Assim que caem as primeiras
chuvas, começam os trabalhos e
ambos os sexos parecem participar.
Pelo menos foi assim que descobri
com os Curuaya.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
451
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
sich beide Geschlechter zu beteiligen
scheinen. So fand ich es wenigstens
bei den Curuaya.
Nahrung und Genussmittel:
Die Hauptnahrung der Chipaya
besteht aus Farinha und Fischen.
Hierzu kommen mehr oder weniger
häufig, je nach der Jahreszeit, alle
möglichen Erzeugnisse der Jagd und
Roça. Unter den Nährpflanzen dürfte
nächst der Mandioka die Banane die
wichtigste sein. Ihre Früchte werden
roh gegessen, oder in noch unreifem
Zustande geröstet oder gekocht als
sogenannter Mingau zubereitet.
Die Knollen wie Batata doce, Cara,
Iniam etc., werden geröstet oder
gekocht. Fleisch und Fische werden
ganz allgemein für sofortigen
Gebrauch auf Stäbchen am offenen
Feuer gebraten, oder für längere
Aufbewahrung auf dem sogenannten
Moquem (einem niedrigen Rost, unter
dem stundenlang, gewöhnlich die
ganze Nacht hindurch, ein langsam
schwelendes Feuer unterhalten wird)
geräuchert. In letzterem Zustande
halten sie sich einige Tage lang ohne
weiteres gut. Will man sie länger
aufbewahren, so müssen sie von
neuem auf den Moquem gebracht
werden, verkohlen dabei aber immer
mehr, so daß meine Barqueiros
so behandelte Stücke spottend als
Alimentos e especialidades:
O principal alimento dos Xipaya é
a farinha e os peixes. Além disso,
com maior ou menor frequência,
dependendo da época, existem todos os tipos de produtos da caça e a
colheita da roça. Junto com a mandioca, a banana é provavelmente a
planta nutricional mais importante.
A fruta pode ser consumida crua,
assada ou cozida quando ainda está
verde como o chamado mingau. Os
tubérculos como batata doce, cará,
inhame etc. são torrados ou cozidos. Carnes e peixes são geralmente
assados em espetos em fogo aberto
para o consumo imediato, ou defumados no chamado Moquém (uma
grelha baixa sob a qual um fogo de
combustão lenta é mantido por horas, geralmente a noite toda) para
armazenamento mais longo. Nessa
condição, eles ficam bem conservados por alguns dias. Se houver
necessidade de mantê-los por mais
tempo, é preciso colocá-los de volta
no Moquém. Depois de muitas vezes
eles ficam sempre mais carbonizados, de modo que meus barqueiros
costumavam chamar, zombeteiramente, de carvão de pedra. Os ovos
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
452
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Carvão de pedra (Steinkohle) zu
bezeichnen pflegten. Auch die
Tracajáeier werden, um sie längere
Zeit haltbar zu machen, auf diese
Weise geräuchert und sind in diesem
Zustand besonders wohlschmeckend.
Manchmal sah ich die Chipaya
Fleisch und Fische kochen, doch
schienen sie diese Zubereitungsweise
erst nachträglich von den Seringueiros
angenommen zu haben. Affen oder
kleinere Säugetiere werden vor dem
Braten oder Räuchern nicht enthäutet,
sondern nur abgesengt und dann
ausgeweidet. Besonders erstere Tiere
bieten in diesem Zustande einen sehr
scheußlichen Anblick.
de Tracajá também são defumados
desta forma, a fim de serem preservados por mais tempo e ficam bastante saborosos. Certas vezes, vi os
Xipaya cozinharem carne e peixe,
mas pareciam ter adotado esse método de preparo depois do contato
com os seringueiros. Macacos ou
mamíferos menores não são esfolados antes de serem assados ou defumados. Eles são apenas tostados
e estripados. A imagem é horrível,
principalmente dos macacos.
Außer den von ihnen gepflanzten
Früchten kennen und genießen
die Indianer manche Waldfrüchte,
besonders Beeren, welche sie
ohne Unterschied Torupá nennen.
Die wichtigste von diesen war
zur Zeit meiner Reise eine
Sapotacee mit kleinen, gelben,
abiuartigen, säuerlichen, aber ganz
wohlschmeckenden
Früchten.
Wilder Cacao war sehr beliebt,
dann der mir schon von meiner
ersten Reise her wohlbekannte Isari,
eine Leguminosenhülse mit fadsüßlichem, mehligem, gelbem Mark.
Aus allen diesen Früchten stellen sie
durch Vermischen des Fruchtfleisches
Além das frutas que plantam, os
indígenas conhecem e apreciam
alguns frutos da floresta, principalmente as bagas que eles chamam de
torupá sem distinção. O mais importante deles na época da minha
viagem era uma sapotácea com frutas pequenas, amarelas, um tipo de
abiu, azedas, mas muito saborosas.
O cacau selvagem era muito popular, seguido do isari, uma leguminosa de polpa amarela, pouco doce
e farinhenta, que eu já conhecia da
primeira viagem. Saborosas limonadas eram feitas com todas essas frutas, misturando a polpa com água e
adoçando com mel ou açúcar. Meus
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
453
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
mit Wasser und Versüßen mit Honig
oder Zucker recht wohlschmeckende
Limonaden her. Auf Honig waren
meine Begleiter ganz versessen, und
jeden halben oder ganzen Rasttag
auf unserer Reise verbrachten sie auf
der mühsamen und oft erfolglosen
Honigsuche. Sie benutzen ihn zum
Versüssen der Speisen, oder rein
oder mit Wasser vermischt als
Getränk. Das Hauptgetränk ist jedoch
der Cashisi. Für die Feste wird
dieser anscheinend auf besonders
komplizierte Weise hergestellt, aber
auch auf der Reise bereiteten meine
Begleiterinnen fast allabendlich eine
Portion des köstlichen Trankes, wozu
einfach die zur Verfügungstehende
Farinha, Iniam, oder was sonst gerade
an Knollen und Früchten vorhanden
war, gut durchgekaut und dann mit
frischem Wasser vermischt wurde.
Alle verfügbaren Gefäße wurden mit
dieser Mischung gefüllt und dann gut
zugedeckt. Am nächsten Morgen war
der Cashiri trinkfertig. Er war nur
schwach oder gar nicht alkoholisch,
wenigstens habe ich weder an meinen
Indianern noch an den Barqueiros
je eine von ihm hervorgerufene
berauschende Wirkung bemerkt.
companheiros gostavam muito de
mel. Durante a viagem, nos intervalos da metade ou de um dia inteiro,
eles saíam em busca de mel e, na
maioria das vezes, não obtinham
sucesso. Eles o usam para adoçar os
alimentos ou o consomem como bebida, puro ou misturado com água.
Contudo, a bebida principal é o
caxiri. Aparentemente, seu processo de elaboração é complexo para
as festividades. No entanto, meus
acompanhantes também preparavam
uma porção dessa deliciosa bebida
quase todas as noites da viagem. O
inhame ou qualquer outro tubérculo
ou frutas eram bem mastigados com
a farinha que estava disponível e depois misturava-se com água doce.
Todos os recipientes disponíveis
eram preenchidos com essa mistura
e depois bem cobertos. Na manhã
seguinte, o caxiri estava pronto para
beber. Tinha pouco ou nada de álcool, pelo menos nunca percebi um
efeito intoxicante nos meus indígenas ou nos barqueiros.
Ein Hauptgenußmittel ist natürlich O tabaco é, obviamente, uma das
der Tabak. Zu meiner Zeit waren principais especialidades. Na minha
Cigaretten, welche sie sich selbst aus época, os cigarros eram enrolados
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
454
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Tabak und Cigarettenpapier nach Art
der Barqueiros drehten, schon sehr
beliebt, und ich selbst habe keine
andern gesehen. ursprünglich sollen
sie den Tabak aber in Form großer
Tauarycigarren geraucht haben.
com tabaco e papel de cigarro, à
maneira dos barqueiros. Essa prática era muito popular e não vi outro
tipo. Originalmente, devem ter fumado o tabaco na forma de grandes
charutos tauari.
Tägliches Leben in der Maloka und
auf Reisen:
Sein Leben im Hause verbringt der
Chipaya, wenn er nicht gerade mit
Essen oder der Anfertigung oder
Pflege seiner Waffen beschäftigt ist,
in der Hängematte, kann man sagen.
Bei Besuchen findet man stets den
größten Teil der Männer einzeln oder
zu mehreren in diesem wichtigsten
ihrer Möbel liegend oder sitzend,
schlafend oder plaudernd. Die
Frauen sieht man dagegen häufiger
an der Arbeit. Sie kochen, spinnen
oder weben, machen Perlarbeiten
oder unterhalten sich mit Betrachten
ihres
in
Palmblattschachteln
oder großen Cuias aufbewahrten
Schmuckes. Auch das Herbeiholen
der Nahrungsmittel aus der Roça liegt
ihnen ob, wie den Männern Jagd und
Fischfang. Bei beiden Geschlechtern
spielt das Baden eine große Rolle und
das daran anschließende Säubern,
Putzen, Kämmen und Durchsuchen
der Haare nach Läusen, ein
Liebesdienst, den sie sich gegenseitig
erweisen. Feststehende Eßzeiten
O dia a dia na maloca e ao viajar:
Pode-se dizer que quando o Xipaya não está ocupado com a comida
ou com a elaboração e o cuidado
de suas armas, ele passa a vida
em casa na rede. Durante as visitas, sempre se vê a maioria dos
homens sozinhos ou em grupos,
deitados ou sentados, dormindo ou
conversando na rede que é o objeto
mais importante da casa. Ao contrário, as mulheres são vistas com
mais frequência no trabalho. Elas
cozinham, fiam e tecem, fazem
trabalhos de contas de miçangas
de porcelana e vidro ou conversam
enquanto contemplam seus adereços guardados em caixas de folhas
de palmeira ou em cuias grandes.
Elas são também responsáveis por
buscar os alimentos na roça, assim
como os homens são responsáveis
por caçar e pescar. O banho desempenha um papel importante em
ambos os sexos, assim como, o asseio, a limpeza, o ato de pentear e
catar piolhos nos cabelos. Trata-se
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
455
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
schienen sie nicht zu haben. Ist vom
vorigen Tage genug übriggeblieben,
so wird der folgende sofort mit einer
Hauptmahlzeit begonnen, und dann
verschiebt sich dementsprechend der
Jagdausflug der Männer. Im andern
Falle begeben sich diese sofort auf
die Jagd oder den Fischfang, und
erst nach der Rückkehr wird die
Hauptmahlzeit ein- genommen.
Eine zweite Mahlzeit wird fast stets
am Spätnachmittage oder Abend
gehalten. Einzelne Gruppen von
Essern sieht man in der fetten
Jahreszeit (im Sommer) aber stets um
irgendein Feuer herumsitzen, wobei
sich die unverheirateten Männer,
die Sanapús, selbst ihren Fisch oder
ihr Stück Fleisch rösten müssen,
während das bei den Verheirateten
die Frau übernimmt.
de um ato de amor que prestam um
ao outro. Eles não parecem ter horários fixos para as refeições. As
sobras do dia anterior são consumidas logo no dia seguinte numa
refeição principal e, com isso,
a saída dos homens para caçar é
adiada. Caso não sobre nada, eles
saem imediatamente para caçar ou
pescar e a refeição principal só é
servida quando retornam. Uma segunda refeição é quase sempre realizada no final da tarde ou à noite.
Na estação da fartura (no verão) é
possível ver grupos isolados, comendo sentados ao redor de uma
fogueira, onde os homens solteiros, os Sanapús, têm que assar eles
próprios seu peixe ou o seu pedaço
de carne, enquanto para os casados, é a mulher que assa.
Auf meiner Reise richteten sich die
Indianer naturgemäß mehr nach
unseren Eßzeiten, immer aber
suchten sie dabei anstatt unseres
ersten Frühstücks, das nur aus Kaffee
mit Farinha oder Mingau bestand,
eine stärkere Mahlzeit aus den Resten
des vergangenen Tages einzuschieben
und sich in ihren Booten so mit
Vorräten zu versehen, daß sie essen
konnten, wann sie Lust hatten.
Na minha viagem, os indígenas
seguiram naturalmente mais os
nossos horários de alimentação,
mas em vez do nosso primeiro
desjejum, que consistia apenas de
café com farinha ou mingau, eles
sempre faziam uma refeição mais
forte com as sobras do dia anterior
e levavam suprimentos consigo nos
seus barcos para comerem quando
tivessem vontade.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
456
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Auf der Reise übernachteten sie,
auch wo keine Carajás zu befürchten
waren, nur ungern im Walde. Am
liebsten waren ihnen mit Bäumen
licht bestandene Sandbänke (Praias).
Im Notfalle schliefen sie lieber auf der
bloßen Erde, auf kleinen baumlosen
Sandbänken mitten im Flusse, als im
Hochwalde, in dem die Barqueiros
ihr Lager aufgeschlagen hatten.
Na viagem, eles dormiam na floresta
mesmo a contragosto, pois temiam
os Carajás. Preferiam os bancos de
areia (praias) repletos de árvores.
Em caso de emergência, preferiam
dormir no solo descoberto, em pequenos bancos de areia sem árvores no meio do rio, ao invés de na
mata alta onde os barqueiros haviam
montado seu acampamento.
Stammverfassung, Familie:
Ich versuchte natürlich, so viel wie
möglich über die Stammverhältnisse
der Chipaya in Erfahrung zu bringen,
doch war dies nicht ganz leicht, da
kein einziger von ihnen genügend
portugiesisch verstand, um sich
über verwickeltere Dinge mit mir
unterhalten zu können, und ich auf
das wenige, was die Brasilianer über
diese Dinge wußten, angewiesen
war. Der Stamm scheint doch schon
durch den längeren Verkehr mit
den Civilisados etwas in Auflösung
geraten zu sein.
Constituição étnica, família:
Evidentemente, tentei saber o máximo possível sobre a origem dos
Xipaya. Contudo, não foi muito fácil, pois nenhum deles entendia suficientemente o português para falar
de assuntos mais complexos. Tive
de me contentar com o pouco que
os brasileiros sabiam sobre eles. A
etnia parece ter se desfeito devido
ao longo relacionamento com os civilizados.
So gibt es z. B. keinen eigentlichen
Tushaua der Chipaya mehr. Vor
nicht allzulanger Zeit gab es noch
solche, von denen zwei — deren
Gräber ich in ihrer Maloka an der
Cachoeira do Anacuiú aufsuchte —
bald nacheinander gestorben sind.
Das Datum konnte mir niemand
Por exemplo, não existe mais um
Tuxaua genuíno dos Xipaya. Pouco tempo atrás ainda existiam dois,
mas morreu um após o outro. Cheguei a visitar seus túmulos em suas
malocas, em Cachoeira do Anacuiú. Ninguém soube me dizer a
data exata da morte deles, mas pode
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
457
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
genauer angeben; es mögen etwa 10
Jahre her gewesen sein. Diese beiden
scheinen die letzten rechtmäßigen
Häuptlinge gewesen zu sein; bei
ihrem Tode standen die Chipaya
bereits in regelmäßigem Verkehr
mit den Seringueiros. Manoelsinho,
obwohl sehr angesehen und wegen
seiner Kenntnis der portugiesischen
Sprache der Vormittler des Verkehrs
mit den Christoes, war nicht Tushaua.
Er schien übrigens bei den Curuayas
mehr Einfluß gehabt zu haben als bei
seinen eigenen Stammesgenossen.
ter sido há dez anos. Eles parecem
ter sido os últimos chefes legítimos.
Antes deles morrerem, os Xipaya
já faziam contato constante com os
seringueiros. Manoelzinho não era
um Tuxaua, embora fosse muito
respeitado por conhecer bem o português e por intermediar as relações
com os cristãos. A propósito, ele
parecia ter tido mais influência com
os Curuaya do que com os membros
de sua própria etnia.
Unter den heutigen Chipaya dürfte die
Stellung des Joaquim Velho der eines
Tushaua am nächsten kommen, ja, er
wurde mir von einigen Seringueiros
geradezu als solcher bezeichnet. Doch
scheint er die Rechte eines solchen nur
in seiner allerdings großen Familie,
der als Schwiegersöhne mehrere der
angesehensten Stammesmitglieder,
Pedro Marques und der Coronel
angehören, auszuüben. Auch ein
Chipaya-Page existiert nicht mehr.
Schon Tabão, den ich auf meiner
ersten Reise in dieser Stellung fand,
war ein Juruna, lebte aber ganz unter
den Angehörigen des nahe verwandten
Stammes und wurde von ihnen als der
Stammespage angesehen.
Entre os Xipaya de hoje, Joaquim
Velho ocupa a posição que, provavelmente, mais se aproxima da
de um Tuxaua. Assim, ele me foi
descrito por alguns seringueiros.
No entanto, parece que só exerce
essa função na sua numerosa família que tem como genros vários dos
mais respeitados membros da etnia:
Pedro Marques e o Coronel. Pajés
Xipaya também não existem mais.
Na minha primeira viagem, conheci
Tabão que ocupava tal posição. Ele
era juruna, mas vivia absolutamente
entre os membros da etnia de parentesco mais próximo e era considerado por eles como o pajé tribal.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
458
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Sämtliche Chipaya, mit denen ich
in nähere Berührung kam, lebten in
Einehe, mit Ausnahme von Tabaya,
(einem jüngeren Sohn des Joaquim
Velho). Dieser hatte auf der Reise
im Iriri-Curua, auf der er mich
begleitete, zwei Frauen bei sich, eine
ältere, Tacuradi, und eine jüngere,
im Alter zu ihm passende, Tayadi
mit Namen welche letztere er im
ganzen vorzog. Tacuradi war bereits
ziemlich bejahrt. Sie war früher mit
einem Curuaya verheiratet gewesen
und hatte aus dieser Ehe einen etwa
12jährigen Sohn, der bei ihr lebte,
obwohl ihr erster Mann noch am
Leben war und in einer der Malokas
am Igarape dos Curuayas wohnte.
Ob sie ihm davongelaufen war, oder
ob sie sich gütlich getrennt hatten,
konnte ich nicht erfahren. Doch
erhoben die Curuaya während meines
Aufenthaltes bei ihnen Anspruch
auf den kleinen Payaum, der nur
durch Cavalcantis Dazwischentreten
seiner Mutter erhalten wurde. Man
sagte mir als Erklärung für Tabayas
Doppelehe, es sei bei den Chipayas
Sitte, die jungen Männer erst mit
einer „Witwe“, zu verheiraten; später
dürften sie aber eine junge Frau
dazu nehmen. Die „Witwe“ scheint
später einfach zu den Stammesalten
verwiesen zu werden, Tabaya
erschien bei seinen späteren
Todos os Xipaya com quem tive
mais contato viviam em monogamia, com exceção de Tabaya, filho
mais novo de Joaquim Velho. Na
viagem ao Iriri-Curuá, em que me
acompanhou, ele tinha duas mulheres consigo: uma mais velha, Tacuradi, e outra mais jovem, Tayadi
que tinha sua idade e era sua preferida. Tacuradi já era bastante velha. Ela já havia se casado com um
Curuaya e desse casamento tinha
um filho de mais ou menos 12 anos
e morava com ela. No entanto, seu
primeiro marido estava vivo e morava em uma maloca no igarapé dos
Curuaya. Não consegui descobrir se
ela havia fugido dele ou se eles se
separaram amigavelmente. Durante
minha estada com eles, o Curuaya
reclamou o pequeno Payaum. A reclamação, porém, só chegou à mãe
pela intervenção de Cavalcanti. Sobre o duplo casamento de Tabaya,
disseram-me que era costume entre
os Xipaya casar os rapazes primeiro com uma “viúva” e, mais tarde,
recebiam permissão para ter uma
segunda esposa mais jovem. Mais
tarde, a “viúva” parecia ser tratada como simples anciã da etnia. Em
suas visitas posteriores a Santa Júlia, Tabaya apareceu somente com
uma mulher, a jovem Tayadi.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
459
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Besuchen in Sta. Júlia immer nur mit
einer Frau, der jungen Tayadi.
Ich
sah
in
den
meisten
Chipayafamilien nicht mehr als 1
— 2 Kinder. Nur Joaquim Velho
bildete eine Ausnahme. Er hatte
mindestens 5 Kinder; 2 verheiratete
Töchter, 2 verheiratete Söhne und
einen Sanagú, wie alle größeren
Knaben bis zu ihrer Heirat genannt
werden. Ich versuchte ihn einmal
über
Verwandtschaftsverhältnisse
auszufragen, doch erwies sich sein
Portugiesisch als zu mangelhaft,
und auch Acciolys Versuche, mir zu
helfen, blieben ziemlich erfolglos.
Die kleineren Kinder wurden, soviel
ich sah, von beiden Eltern zärtlich
behandelt, ja sogar verwöhnt. Sie
werden von den wasserliebenden
Chipaya fast amphibisch erzogen; ihre
Schwimm- und Tauchfähigkeit, selbst
im zartesten Alter, ist erstaunlich.
Não vi mais que duas crianças na
maioria das famílias Xipaya, com
exceção da de Joaquim Velho. Ele
tinha pelo menos cinco filhos. Quatro casados, duas mulheres e dois
homens e um sanagú6, como são
chamados todos os rapazes antes do
casamento. Certa vez, tentei perguntar sobre relações familiares,
mas seu português era muito precário e as tentativas de Accioly de me
ajudar foram sem sucesso.
Pelo que pude ver, as crianças mais
novas eram tratadas com ternura
por ambos os pais e eram até mesmo mimadas. Elas são criadas quase como anfíbios, uma vez que os
Xipaya são amantes da água. Sua
capacidade de nadar e mergulhar,
mesmo em idades mais tenras, é impressionante.
Der
Verkehr
der
Chipaya
untereinander
ist
ruhig
und
förmlich. Außer einer Prügelei
zwischen Tabayas Frauen habe ich
nie Lärm oder Streit unter ihnen
wahrgenommen. So umständliche
Begrüßungszeremonien, wie sie
1909 bei den Chipaya gebräuchlich
waren, habe ich dieses Mal nicht
bemerkt; aber vielleicht werden sie
nur im Beisein der cristões nicht mehr
A relação entre os Xipaya é calma
e formal. Exceto por uma briga entre as mulheres de Tabaya, nunca
ouvi outro barulho ou discussão.
Desta vez, não constatei as trabalhosas cerimônias de boas-vindas
como as que costumavam fazer em
1909. Talvez somente na presença
dos cristãos é que não são mais praticadas. O Xipaya, em particular, é
muito sensível a piadas sobre eles.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
460
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
ausgeübt. Gerade der Chipaya ist sehr
empfindlich, wenn man sich über ihn
lustig macht.
Feste, Zauberei:
Ein Karia, welchen ich in Sta.
Júlia bald nach meiner Ankunft
sah, war wenig charakteristisch.
Wir kamen durch Zufall auf einem
Naclimittagsbesuch
in
Joaquim
Velhos Maloka dazu. Es schien eine
einfache Trinkerei zu sein, und alle
Teilnehmer daran waren bereits in
ziemlich seliger Stimmung. Vielleicht
war am Abend vorher getanzt
worden, doch waren die Leute
weder bemalt noch außergewöhnlich
geschmückt. Der Cashiri war aber
in dem Festboot, welches in einem
besonderen Verschlage in der Maloka
stand, angerichtet.
Cerimonias, feitiçaria:
Logo após a minha chegada, a Caria que vi em Santa Júlia era pouco peculiar. Aconteceu ao final da
tarde, numa visita à maloca de Joaquim Velho. Parecia uma simples
bebedeira e todos já estavam bem
alegres. Talvez tivessem dançado
na noite anterior, mas as pessoas
não estavam pintadas ou adornadas como de costume. O caxiri7 foi
preparado no barco de festa, cujo
revestimento era de uma tábua especial e ficava na maloca.
Nach meiner Rückkehr von den
oberen Flüssen besuchte mich eines
Tages Joaquim Velho mit seinem
ganzen Anhange, um mir einen
Karia vorzuführen, an dem jedoch
nur die jüngeren Familienmitglieder
teilnahmen. Es tanzten nur vier
Paare, aber diese waren wirklich nach
Kräften bemalt und geschmückt, wie
ich bereits geschildert habe. Tabaya,
mit einem einfachen weißen Stab in
der Hand, machte den Vortänzer. Es
wurden Tierpantomimen vorgeführt,
Um dia após meu retorno dos rios
de cima, Joaquim Velho e todos
os seus agregados vieram me ver
para mostrar-me uma Caria da qual
participavam apenas os familiares
mais novos. Somente quatro casais
dançaram e foram verdadeiramente pintados e enfeitados da melhor
maneira possível, como já descrevi.
Tabaya carregava um bastão branco
simples na mão e era o dançarino
principal. Eles faziam mímicas de
animais, semelhantes às que eu ha-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
461
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
ähnlich denen, die ich 1909 am
Curuá gesehen hatte. Eine tiefere
Bedeutung schienen sie nicht zu
haben. Ich glaube jedoch, daß auch
bei den Chipaya solche Feste tieferen
Sinnes in Gebrauch sind, oder noch
vor kurzem im Gebrauch waren,
wie ich sie bei den Curuaya sah und
später beschreiben werde. Zu dieser
Annahme veranlaßt mich ein Fund,
den ich in der bereits erwähnten,
abgebrannten Chipaya-Aldeia am
mittleren Curuá machte. Dort waren
in der Hauptmaloka 2 etwas über
anderthalb Meter hohe Pfosten stehen
geblieben, deren oberes Ende grob in
Form eines Kopfes zugehauen war.
Die Gesichter dieser Köpfe waren
genau in derselben Weise bemalt, wie
die Indianer sich zu ihren Festen zu
bemalen pflegen, und wie ich dies
bereits geschildert habe. Auf der
Brust befand sich, von gebogenen
Linien eingefaßt, das bei den Chipaya
so beliebte Labyrinthmuster und
seitlich von diesem einige Reihen
übereinanderstehender menschlicher
Figuren und Figürchen, in schwarzer
Farbe ausgeführt. Der Hinterkopf der
Figuren war ganz schwarz.
via visto em Curuá, em 1909. Não
pareciam ter um significado profundo. No entanto, acredito que os
Xipaya faziam tais festas com significado mais profundo ou só começaram a praticá-las, recentemente,
como eu os vi com os Curuaya e os
descreverei mais adiante. Essa suposição é baseada na descoberta que
fiz na já mencionada aldeia-Xipaya
incendiada no médio Curuá. Havia
na segunda maloca principal, postes
com um pouco mais de um metro
e meio de altura, cuja ponta era
grosseiramente talhada em forma
de uma cabeça. Conforme descrevi anteriormente, os rostos dessas
cabeças foram pintados exatamente
como os indígenas costumavam se
pintar durante suas festas. No peito,
emoldurado por linhas curvas, viase o padrão labiríntico tão popular
entre os Xipaya e ao lado havia algumas fileiras de figuras humanas e
estatuetas, postas em pé, umas sobre as outras, finalizadas em preto.
Die Figurenpfosten, hinter denen
jedenfalls das Cashiriboot gestanden
hatte, haben nichts mit dem
Malokagerüst zu tun, sondern stehen
A parte de trás da cabeça das figuras
era toda preta. Os postes de figuras,
atrás dos quais ficava o barco com
caxiri, não tinham nada a ver com
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
462
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
anscheinend in einem gewissen
Zusammenhang
zu
manchen
Tänzen. So war dies wenigstens bei
den Curuaya, bei denen ich mehr
hierüber zu sagen haben werde.
Vielleicht waren diese Figuren der
„Götze“, von dem mir Accioly
bereits auf meiner ersten Reise
erzählt hatte. Die Barqueiros nannten
sie das Caruára der Chipaya. Mit
demselben Ausdrucke, von dem ich
nicht weiß, ob er von den Chipaya
selbst herrührt, bezeichneten sie aber
auch merkwürdige, an langen Fäden
von der Decke herabhängende, mit
Wattebäuschen gefüllte Schälchen
oder Tellerchen in der augenblicklich
von Joaquim Velho bewohnten
Maloka bei Sta. Júlia, in der ich
das Cashirifest erlebte. Über diese
Caruaras wurde mir das folgende
erzälht: in die Watte habe Tabão
gewisse Krankheiten hineingezaubert,
die von ihm behandelten Kranken
seien aber trotzdem gestorben. Auf
meine Bitte wurden mir die Caruaras
bereitwillig überlassen, doch wollte
sich niemand, weder von den
Indianern noch von Acciolys Leuten,
dazu verstehen, sie herabzuholen,
weil, wer sie anfasse, sterben müsse.
Mit einigen Schwierigkeiten holte ich
mir schließlich selbst die Caruaras
herab und fand, daß sie aus drei
Teilen bestanden, einem langen Stab
a estrutura da maloca. Pareciam estar relacionados a algumas das danças. Ao menos, era assim para os
Curuaya, sobre os quais falarei mais
adiante. Talvez essas figuras fossem
os “ídolos” dos quais Accioly havia
me falado na minha primeira viagem. Os barqueiros as chamavam de
Caruáras dos Xipaya. Eles também
usavam a mesma expressão para se
referir a estranhos longos fios, pendurados no teto com chumaços de
algodão na ponta, embebidos em pequenos pratos ou tigelas na maloca
perto de Santa Júlia, onde vivenciei
o festival do Caxiri. No entanto,
não sei se a expressão “caruáras”
vem dos próprios Xipaya. Sobre
as Caruáras, disseram-me que Tabão exorcizava a doença do doente
para o algodão, porém os doentes
que ele tratava morriam assim mesmo. A meu pedido, as caruaras me
foram dadas de boa vontade, mas
nem os indígenas e, muito menos, o
pessoal de Accioly, ousou tirá-las,
pois quem as tocasse morreria. Com
certa dificuldade, consegui tirar as
Caruáras e descobri que consistiam
em três partes: a primeira, tratavase de uma longa haste de flecha que
era colocada entre a palha da palmeira do telhado; a segunda era um
fio grosso de algodão com mais de
um metro de comprimento preso no
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
463
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
aus Pfeilrohr, welcher der Länge nach
zwischen das Palmstroh des Daches
geschoben war, einem starken, über
1 m langem Baumwollfaden, in der
Mitte des Stabes befestigt, und dem
an letzterem hängenden eigentlichen
Caruara, das verschiedene Gestalt
hatte, immer aber etwas Watte
enthielt. In letzterer schien nach
Annahme der Chipaya die tödliche
Krankheit zu stecken. In zwei Fällen
bestand der Caruara aus einem
viereckigen, flachen Kästchen aus
Rohrstäbchen, in einem aus einem
runden, unten spitz zulaufenden
Körbchen aus Palmstroh, das letzte
war ein aus Blättern bestehendes
Ameisennest.
meio da haste; e a terceira era a própria Caruára pendurada ao fio. Elas
possuíam formas diferentes, mas
sempre tinha algodão. A primeira
caruara era uma caixa feita de palitos de cana, em formato quadrado e
plano. A segunda, era uma cesta de
palha de palmeira em forma de cone
e a última um formigueiro feito de
folhas, na qual a doença mortal parecia ter estagnado, pois o Xipaya
havia sido desenganado.
Tabão war erst vor kurzem in Sta.
Júlia gestorben. Die Caruaramaloka
schien früher die seinige gewesen zu
sein. In Ains Maloka schenkte man
mir bei einem Besuche seine Maracá.
Ein
fünftes
Chipaya-Caruara
sammelte ich in der verlassenen
Maloka des Joaquim Velho am
mittleren Curuá. Es war in gleicher
Weise wie die oben beschriebenen
an der Decke befestigt und bestand
aus einem wagerecht hängenden,
mit roten und schwarzen Federn
bekleideten Kreuz aus Stäben.
Pouco antes de morrer, Tabão esteve em Santa Júlia. A maloca Caruára parece ter sido sua antes. Em
uma visita na maloca de Ain fui presenteada com seu maracá.
No médio Curuá, na abandonada
maloca de Joaquim Velho, coletei
uma quinta Caruára de Xipaya. Estava presa ao teto da mesma forma
que as descritas acima e consistia
em uma cruz feita de varas, revestida com penas vermelhas e pretas e
estava pendurada horizontalmente.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
464
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Kulturverhältnisse.
Curuaya:
Malocas:
Die beiden, am linken Ufer des
Igarape dos Curuayas gelegenen
Flußmalokas dieses Stammes,
welche ich auf meiner Reise
kennen lernte, wiesen keine
besondern Eigentümlichkeiten auf.
Die erste, welche von Carurema,
seinem Bruder Antonio und seinem
Schwager João Padreco bewohnt
wurde, hätte man einfach für eine
Seringueirohütte halten können. Sie
war rechteckig und zum größten
Teil offen, enthielt aber ein durch
Palmblattwände
vom
übrigen
Hause getrenntes Zimmer, Die
zweite, etwas größere Maloka war
ganz offen und glich vollständig der
Manoelsinhos; auch in der Größe
kam sie dieser etwa gleich. Sie
wurde damals außer von Curuayas
auch von zwei Seringueiros
bewohnt, und auf deren Einfluß
war es vielleicht zurückzuführen,
daß sie inmitten einer ziemlich
großen und gut gehaltenen Roca
lag. Bei allen andern Flußmalokas,
die ich gesehen, befand sich die
Roça nie in unmittelbarer Nähe
der Wohnung, sondern in einiger
Entfernung, gewöhnlich sogar am
andern Ufer und so versteckt, daß
Relações culturais
Malocas Curuaya:
Durante minha viagem, conheci
duas malocas ribeirinhas dessa etnia. Elas estavam localizadas à margem esquerda do igarapé dos Curuaya e não possuíam características
específicas. A primeira, que era
habitada por Carurema, seu irmão
Antônio e seu cunhado João Padreco, poderia ser facilmente confundida com uma cabana de seringueiro.
Era retangular e quase toda aberta,
mas possuía um cômodo separado
do resto da casa por paredes de folha de palmeira. A segunda maloca, um pouco maior, era totalmente
aberta e lembrava em tudo a de Manoelzinho, até no tamanho. Naquela
época, elas eram habitadas não só
por Curuaya, mas também por dois
seringueiros. Talvez pela influência
desses últimos, as malocas se localizavam no meio de uma roça grande
e bem cuidada. Em todas as outras
malocas ribeirinhas que conheci, a
roça nunca ficava nas imediações
da moradia e sim, com uma certa
distância, ou seja, às vezes ficava
na outra margem, tão escondida que
não se podia vê-la ao passar por ela.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
465
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
man beim Vorbeifahren nichts von
ihr wahrnahm.
Die Bauart der Malokas in dem
Curuayadörfchen, welches etwa 2
deutsche Meilen von Caruremas
Hütte entfernt mitten im tiefen
Urwalde lag, war ganz verschieden.
Es befanden sich dort zwei größere
und drei kleinere Malokas, die
unregelmäßig um einen freien Platz
gruppiert waren, doch so, daß die
beiden größeren auf der einen, die
drei kleineren auf der andern Seite
standen. Von den beiden größeren
war die erste die Wohnung des Page.
Sie war rechteckig und auf allen
Seiten offen, nur in der Mitte befand
sich ein vollständig durch große flache
Rindenstücke abgeschlossener Raum,
in welchen sich, wie mir gesagt
wurde, der Page bei Vornahme von
Krankenbeschwörungen zurückzog.
Die zweite Maloka stand im rechten
Winkel zu dieser ersten und war
etwa von gleicher Größe. Sie war
gleichfalls rechteckig, aber allseitig
durch Rindenwände (aus dem gleichen
Material wie der Verschlag des Page)
geschlossen, bis auf zwei Türen, eine
an jeder Schmalseite. In ihr stand
der Caruara (das Festcashiriboot),
und sie wurde von João Padreco
und seiner Familie bewohnt, woraus
mir hervorzugehen schien, daß hier
O estilo de construção das malocas
na pequena aldeia Curuaya era bem
diferente e estava a cerca de duas
léguas da cabana de Carurema, no
meio da densa floresta primitiva.
Havia ali duas malocas maiores e
três menores agrupadas irregularmente em torno de um espaço livre,
de tal forma que as duas maiores
ficavam de um lado e as três menores do outro. Das duas maiores,
a primeira era a moradia do pajé.
Ela era retangular e aberta em todos
os lados. No meio havia um quarto
todo fechado por paredes feitas de
grandes pedaços de casca de árvore achatados. Alguns me contavam
que, nesse quarto, o pajé exorcizava
os enfermos. A segunda maloca se
encontrava em ângulo reto com a
primeira e era quase do mesmo tamanho dela. Era, também, retangular, porém fechada em todos os lados por paredes de casca de árvore,
revestidas do mesmo material que
a do pajé, exceto por duas portas,
uma em cada lado. Nessa maloca ficava o caruara, o barco do festival
do caxiri, e era habitada por João
Padreco e sua família que, a princípio, me deu a impressão de ser ainda considerado Tuxaua na aldeia.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
466
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
in der Aldeia dieser noch für den
eigentlichen Tushaua galt.
Die kleinen Malokas waren alle
drei nach demselben Plan gebaut.
Ihr Grundriß war elliptisch und
sie glichen von außen länglichen,
oben abgerundeten Heuschobern.
Das Innengerüst bestand aus einer
Reihe hoher Mittelpfeiler, und zwei
Reihen halbhoher sowie zwei Reihen
niedriger Pfosten, welche durch
Längs-, die mittleren z. T. auch durch
Querbalken miteinander verbunden
waren. An den Längsbalken waren
elastische Sparren, welche Wände
und Dach bildeten, so befestigt, daß
eine ziemlich gleichmäßig gerundete
Wölbung entstand und auf den
Sparren wieder das Palmstroh des
eigentlichen Daches. An beiden
Enden befand sich je eine Tür, die
durch eine besondere Strohmatte
geschlossen werden konnte.
As três pequenas malocas foram
construídas com o mesmo plano.
De planta baixa elíptica e semelhante a montes de feno alongados com
um topo arredondado. A estrutura
interna consistia em uma fileira de
pilares centrais, altos, duas fileiras
de postes de meia altura e duas fileiras de postes baixos que estavam,
em parte, conectados uns aos outros
por barras transversais, de forma
longitudinal. Caibros flexíveis, que
formavam as paredes e o telhado,
foram fixados às vigas longitudinais, de tal modo que se formava
um arco arredondado bastante uniforme e, novamente, nos caibros,
fixadas as palhas de palmeira do
próprio telhado. Em ambas as extremidades havia uma porta que poderia ser fechada por uma esteira de
palha especial.
Hausgerät:
An Kunstfertigkeit stehen die
Curuaya offenbar weit hinter
den
Chipaya
zurück.
Was
ihre
Gebrauchsgegenstände
an
Verzierungen aufwiesen, war nur eine
ungeschickte und wenig sorgfältige
Nachahmung derer, die sich bei den
Chipaya finden, mit einer Ausnahme.
Utensílios domésticos:
Em termos de habilidade artística,
os Curuaya estão obviamente muito
atrás dos Xipaya. A ornamentação
de seus objetos cotidianos revela
apenas uma imitação desajeitada e
não muito cuidadosa da que se encontrava entre os Xipaya, com exceção de dois belos barcos de caxi-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
467
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Letztere bestand in zwei schönen,
sorgfältig und hübsch in bunten, aber
nicht sehr lebhaften Farben bemalten
Cashiribooten, von denen das eine
als sogenannter Caruara hinter den
als Menschenfiguren zugehauenen
Pfosten in João Padrecos Hütte stand,
das andere einfach in der Pagehütte
auf der Erde lag. Sonst sah ich in der
Aldeia an Holzgeräten nur ein paar
Löffel mit langen Stielen und einige
plumpe, zum Teil ungeschickt bemalte
Schemel aus schwerem Holz, die mir
ohne weiteres überlassen wurden.
ri, lindos e cuidadosamente pintados
em cores, porém não muito vivas.
Um deles ficava atrás das chamadas
caruaras, poste com figuras humanas, na cabana de João Padreco. O
outro estava no chão da cabana do
pajé. Fora isso, vi na aldeia apenas
utensílios de madeira como algumas
colheres de cabo comprido e alguns
tamboretes grosseiros, por vezes
mal pintados e que foram prontamente dados para mim.
Flechtarbeiten, Feuerfäclier, Matten,
flache Schalen, Körbe und dergleichen
waren
in
ziemlicher
Menge
vorhanden, aber wenigsorgfältig
gearbeitet oder schlecht behandelt
und lange in Gebrauch, daher
schmutzig und schadhaft. Man hatte
den Eindruck, daß die Leute keinen
Wert auf das gute Aussehen ihrer
Sachen legten. Was ich an Cuias
und Kalebassen sah, war ganz
schlicht, ohne jede Verzierung. Die
Töpferwaren, sowohl in der Aldeia
als in den Flußmalokas reichlich
vorhanden, waren fast sämtlich
eigengemacht,
aus
demselben
groben Material hergestellt wie die
der Chipaya, von verhältnismäßig
geringer Größe, ohne Bemalung
oder sonstigen Zierrat, aber zum
Havia em abundância, trançados de
fibras, abanos, esteiras, tigelas rasas, cestos, entre outros, que foram
feitos sem zelo ou eram mal cuidados. Estavam sujos e danificados devido ao longo tempo de uso.
Davam-me a impressão de que as
pessoas não se importavam com a
aparência de seus objetos. As cuias
e cabaças que vi eram muito simples, sem qualquer decoração. As
panelas que eram abundantes tanto
na aldeia quanto nas malocas ribeirinhas, eram quase todas da mesma
matéria prima da Xipaya. Tinham
dimensões relativamente pequenas,
sem pintura ou outra ornamentação, mas algumas eram bonitas e
de formas agradáveis. Uma parte
dos pequenos potes abaulados pa-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
468
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Teil hübsch und gefällig geformt.
Ein Teil der kleinen, weitbauchigen
Töpfchen sah aus, als ob ihnen die
Castanhaschalen (der Paránuss,
Bertholletia excelsa), welche meine
Begleiter auf der Überlandreise 1909
als Wassergefäße benutzten, als
Vorbild gedient hatten.
recia com a casca de castanha do
Pará (Bertholletia excelsa) que
meus acompanhantes usavam como
recipiente para água na viagem por
terra, em 1909.
Die eigentlichen Curuayahängematten
waren klein, aus Palmfasern geknüpft
und meist schmutzig und schadhaft,
was bei der starken Beanspruchung
durch oft 3—4 Menschen zu gleicher
Zeit auch kein Wunder ist. Gewebte
Hängematten
besaßen
einige
Frauen von Chipayaherkunft in den
Flußmalokas. Die Spindeln waren
ähnlich denen der Chipaya, das damit
gesponnene Garn aber im allgemeinen
gröber und von schmutziger Farbe.
Die größere Schmutzigkeit aller
Gegenstände in der Aldeia ist
natürlich auch durch den Mangel
an Wasser zu erklären. Das kleine
Igarape, an dem sie liegt, war zur
Zeit unseres Aufenthalts dort nur ein
dünnes, stellenweise ganz versiegtes
Rinnsal, was Baden und Waschen
sehr erschwerte.
As redes Curuaya originárias eram
pequenas e feitas de fibras de palmeira, quase todas sujas e danificadas. O que não surpreende, uma
vez que suportava o peso de três a
quatro pessoas ao mesmo tempo.
Algumas mulheres de ascendência
Xipaya, que viviam nas malocas ribeirinhas, possuíam redes de tecido.
Os fusos eram semelhantes aos dos
Xipaya, mas o fio tecido era geralmente mais grosso e de cor suja.
A sujeira dos objetos pode ser explicada pela falta de água. O pequeno
igarapé, onde se localizava a aldeia,
era apenas um filete ralo que secou
em alguns pontos, durante o tempo
que lá estivemos. Isso dificultava
muito o banho e a limpeza.
Vestimentas, arranjos e cortes de
cabelos e adereços:
Daß den Curuaya ursprünglich jede É correta a tradição que corre do
Art von Kleidung, selbst Gürtel Curuá ao Iriri sobre os Curuaya
Kleidung, Haartracht, Schmuck:
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
469
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
und Tanga, fremd gewesen sei
und sie diese erst von den Chipaya
angenommen hätten, diese am Curuä
und Iriri umlaufende Tradition
möchte ich für richtig halten, denn
während sich die Bewohner der
Flußmalokas in ihrer Tracht nicht
von den Chipaya unterschieden,
fanden wir in der Aldeia die
Einwohnerschaft sowohl wie den aus
der Umgegend eingetroffenen Besuch
zum allergrößten Teil vollständig
nackt. Die Frauen kamen allerdings
erst zum Vorschein, nachdem sie
sich mit Hilfe meiner BegleiterinnenTangas verschafft hatten, die Männer
dagegen, den Page an der Spitze,
erschienen selbst bei dem feierlichen
Karia am zweiten Abend zum weitaus
größten Teil vollständig unbekleidet.
Das lange, häufig etwas lockige,
bei einer unter ihnen lebenden
Cafuzofamilie sogar krause und
abstehende Haar wurde auf der
Stirn abgeschnitten, hinten einfach
herabfallend oder gescheitelt getragen.
Die runde Stirnmarke war stets
vorhanden, wenn auch oft ziemlich
überwachsen und im gewöhnlichen
Leben anscheinend nur selten mit
urucú gefärbt. Vielleicht ist auch sie
eine Entlehnung- von den Chipaya,
keine alteingewurzelte Stammessitte.
Komplizierte Haartrachten, wie sie
einige Chipayafrauen und -kinder bei
serem, originalmente, avessos a
qualquer tipo de roupa, até mesmo
a cintos e tangas, e eles os teriam
adotado dos Xipaya. Os habitantes
das malocas ribeirinhas não se
distinguem dos Curuaya em seus
trajes tradicionais, pois na aldeia
encontramos tanto a população
como os visitantes da região, na
sua grande maioria, completamente
nus. No entanto, as mulheres
só apareceram depois de terem
conseguido tangas com as minhas
acompanhantes. Os homens, por
outro lado, principalmente o pajé,
se apresentaram, em sua maioria,
completamente despidos, mesmo na
festiva Caria, na segunda noite.
Os cabelos longos muitas vezes cacheados ou até mesmo crespos e
espessos das famílias cafuzas, que
viviam entre eles, eram cortados na
testa e simplesmente caídos ou repartidos nas costas. A marca redonda da
testa estava sempre presente, mesmo
que, às vezes, estivesse imperceptível pelo cabelo crescido ou pela coloração feita raramente com urucum
no dia a dia. Talvez isso seja, também, um empréstimo dos Xipaya e
não um costume étnico há muito estabelecido. Não vi nas Curuaya penteados difíceis como os usados por
algumas mulheres e crianças Xipaya
em cerimonias. Tal como os Xipaya,
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
470
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
den Festen trugen, habe ich bei den
Curuaya nicht gesehen. Körperund
Gesichtshaare werden wie bei den
Chipaya sorgfältig entfernt. Ihre
Kämme waren mit einer gewissen
Sorgfalt hergestellt und manchmal
sogar mit Verzierungen versehen,
aber stets außerordentlich schmutzig.
os Curuaya retiravam, cuidadosamente, os pelos do corpo e da face.
Seus pentes eram feitos com muito
cuidado e, às vezes, até decorados,
mas sempre muito sujos.
Der Schmuck war zum Teil
eigenartig, und ich glaubte auch einige
den Curuaya allein zukommende
Besonderheiten wahrzunehmen. Daß
im allgemeinen der Perlschmuck,
der sich nicht von dem der Chipaya
unterschied, zurücktrat gegen den
aus Früchten (insbesondere den
aus Tucuma) gefertigten, ist wohl
hauptsächlich aus der größeren
Abgeschlossenheit und Armut der
Curuaya zu erklären. Dafür spielten
die Ketten aus Coco (wie die Schalen
der bereits oben erwähnten BactrisArt, der Tucuma der Indianer, wohl
auch genannt wurden) eine um so
größere Rolle. Sie waren meist
hübsch geschnitzt, meist in Form
mehr oder weniger stilisierter Tiere,
und für jede Art Schnitzerei hatten sie
einen besonderen Namen, den mir die
Stammesalte — Caruremas Mutter
— mit großem Eifer und großer
Zungenfertigkeit erklärte, leider nur
so schnell, daß ich keine Notizen
machen konnte.
Algumas das joias eram peculiares
e acredito ter notado alguma característica especial dos Curuaya. De
fato, em geral, as joias de miçangas
que não diferiam das dos Xipaya, retrocederam na qualidade em relação
às feitas com frutas, principalmente
do Tucumã. Isso se explica principalmente pelo isolamento e pela pobreza dos Curuaya. Assim, as correntes de coco, como provavelmente
eram chamadas as conchas da espécie Bactris já mencionada, o tucumã
dos indígenas, passaram a ter um
valor muito maior. A maioria deles
era bem entalhada, principalmente
na forma de animais, mais ou
menos estilizados e para cada tipo
de entalhe havia um nome especial
que a ancestral da etnia, a mãe de
Carurema, me explicou com tanto
afã e eloquência e, infelizmente,
não tive como tomar nota.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
471
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
Die Curuaya trugen fast alle
gewebte Arm-, Fuß- und Beinbänder
wie die der Chipaya, auch oft
wie diese mit Perlen verziert,
ebenso der Ohrschmuck. Auch
die Federkronen glichen gänzlich
denen der Chipaya, selbst in der
Farbenzusammenstellung. Nur bei
dem Karia in der Aldeia hatte sich
Antonio aus dem Balg eines kurz
vorher geschossenen Arara preto
(Anadorhynchus
hyacinthinus)
einen höchst phantastischen und
eigenartigen, etwas an einen
Walkürenhelm
erinnernden
Kopfputz hergestellt, der freilich nur
improvisiert zu sein schien und noch
während des Festes fortgeworfen
wurde aber vielleicht doch auf
einem alten Muster beruhte. Nur
den Curuaya eigentümlich zu sein
schienen kleine vogelartige, aus
trockenen Fruchtkolben und blauen
und gelben Federchen hergestellte
Figuren, welche, wie man mir
sagte, bei gewissen Tänzen getragen
wurden und besondere Namen
haben. Dergleichen habe ich nie bei
den Chipaya gesehen.
Quase todos os Curuaya usavam
pulseiras trançadas, tornozeleiras e
faixas nas pernas como as dos Xipaya. Muitas vezes, eram decoradas com miçangas assim como os
brincos. As coroas de pena eram
totalmente parecidas com as do Xipaya, mesmo no padrão de cores.
Apenas em uma Caria, na aldeia,
Antônio fez um cocar com a pele de
uma arara preta que acabara de ser
abatida a tiros (Anadorhynchus hyacinthinus). O cocar era fantástico e
singular, algo como um capacete de
Valquíria que, obviamente, parecia
improvisado e foi jogado fora ainda
durante a festa. Talvez fosse baseado em um modelo antigo. Pequenas figuras semelhantes a pássaros
pareciam ser características apenas
dos Curuaya. Como me contaram,
elas eram feitas de espigas de frutas secas e penas azuis e amarelas
que eram usadas em certas danças
e tinham nomes especiais. Nunca vi
nada parecido entre os Xipaya.
Musikinstrumente:
Ich sah kleine Panflöten, kleine
Knochenflöten und zwei Arten großer
Zungenflöten derselben Art wie die
der Chipaya, aber weniger sorgfältig
Instrumentos musicais:
Vi pequenas flautas de Pã, pequenas
flautas de osso e dois tipos de flautas grandes feitas de junco do mesmo tipo da dos Xipaya, porém feitas
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
472
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
gearbeitet. Darauf spielen hören
habe ich nicht. Ein Korb mit sieben
großen Holzflöten, einem Holzlöffel
und verschiedenen Strohreifen zum
Stützen des Federschmucks hing
in der Pagémaloka von der Decke
herab und wurde mir auf meine Bitte
bereitwillig überlassen.
com menos cuidado. No entanto,
não ouvi seus sons. Fiz um pedido e
recebi de bom grado uma cesta com
sete grandes flautas de madeira, uma
colher de pau e vários aros de palha
para apoiar os enfeites de pena pendurados no teto da maloca do pajé.
Waffen, Boote:
Bogen und Pfeil unterscheiden
sich nicht von den bei den Chipaya
üblichen. Die Curuaya gelten bei
den Seringueiros für schlechtere
Jäger, insbesondere Fischjäger als
die Chipaya, was aber vielleicht nur
auf den durch das Leben im Innern,
fern vom Flusse, zu erklärenden
Mangel an Uebung zurückzuführen
ist. Einzelne von ihnen, z. B. meine
Begleiter Marau und Raymundo
Curuaya, waren recht leidliche
Bogenschützen. Letzterer schoß
auch gut mit der Flinte, konnte sich
aber als Büchsenschütz mit Pedro
Marques nicht messen.
Armas e barcos:
O arco e a flecha dos Curuaya não
são diferentes dos usados pelos Xipaya. Os seringueiros consideram
os Curuaya como caçadores inferiores aos Xipaya, principalmente no
que se refere à pesca. Isso se deve,
possivelmente, à falta de prática,
uma vez que os Curuaya vivem no
interior longe do rio. Alguns deles,
por exemplo, meus acompanhantes
Marau e Raimundo Curuaya, eram
muito bons arqueiros e Raimundo sabia disparar bem com a espingarda,
embora não pudesse competir com
Pedro Marques no quesito atirador.
Als Bootbauer halten die Curuaya
keinen Vergleich mit den Chipaya
aus. Selbst dem Laien fällt sofort
die plumpe Bauart der von ihnen
hergestellten Ubás auf. Im Igarape
dos Curuayas lagen eine ganze
Menge solcher, als vollständig
unbrauchbar erfundener Boote an
Como construtor de barcos, o
Curuaya não se compara ao Xipaya.
Qualquer leigo percebe, de imediato, o desenho mal feito das Ubás
que eles fazem. No igarapé dos
Curuaya, um grande número desses
barcos, totalmente inutilizáveis, repousavam às margens do rio. Bar-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
473
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
den Ufern. Rindenboote scheinen nur
als Notbehelf in solchen Fällen wie
auf meiner Überlandreise zu dienen.
Ruder wie bei den Chipaya.
cos de cascas de árvores parecem
servir apenas como uma emergência em casos como na minha viagem
para atravessar territórios e são usados como remo pelo Xipaya.
Ackerbau:
Caruremas Roça, die nach ChipayaSitte am andern Ufer des Flusses
versteckt im Walde lag, habe ich
nicht selbst besucht, doch kehrten
bei meiner Ankunft dort gerade die
Frauen mit gefüllten Tragkörben aus
ihr zurück. Mandioka, Bananen und
Knollen verschiedener Art schienen
auch hier die Haupterzeugnisse zu
sein. Eine recht vernachlässigte, nur
ganz oberflächlich von Stämmen und
Ästen gereinigte Roça in der Nähe
der Aldeia schien nur mit Mandioka
bepflanzt gewesen zu sein.
Agricultura:
Não visitei a roça de Carurema, na
outra margem do rio, que ficava
escondida na floresta, conforme o
costume Xipaya. No entanto, quando cheguei ao local, vi mulheres que
voltavam de lá com cestos cheios.
Mandioca, banana e vários tipos de
tubérculos pareciam ser, também,
os principais produtos ali. Perto
da aldeia, havia uma roça bastante
abandonada. Limparam-na, superficialmente, tirando-lhes troncos e
galhos e parecia ter sido usada somente para o plantio de mandioca.
Die meisten Seringueiros waren der
Ansicht, daß auch im Ackerbau die
Curuaya weit hinter den Chipaya
zurückstünden, doch stellte ihnen
Cavalcante, der sie weitaus am
besten kannte, ein besseres Zeugnis
aus. Er schätzte sie so, daß er sie bei
der Anlage seiner eigenen sehr gut
gehaltenen Pflanzungen stets um ihre
Hilfe bat.
A maioria dos seringueiros achava que os Curuaya estavam muito
aquém dos Xipaya, também na agricultura. No entanto, Cavalcante que
os conhecia de longa data, fez um
relato melhor. Ele gostava tanto dos
Curuaya que sempre pedia a ajuda
deles para fazer suas plantações tão
bem cuidadas.
Alimentos e especialidades:
Nahrungs und Genussmittel:
Was Nahrungs- und Genußmittel Sobre a alimentação e as especiali-
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
474
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
der Curuaya betrifft, so kann ich im
wesentlichen das bei den Chipaya
Gesagte wiederholen, doch hatte ich
den Eindruck, daß neben den in den
Roças gezogenen Früchten, Knollen
usw. und den landläufigen Jagdtieren
in ihrem Küchenzettel auch die von
den Chipaya weniger beachteten
und geschätzten Erzeugnisse des
Urwaldes eine nicht unbedeutende
Rolle
spielen.
Verschiedene
wildwachsende Wurzeln und Knollen,
Castanhas (Paránüsse) aus denen sie
allein oder mit andern Bestandteilen
gemischt alle möglichen Gerichte
zu bereiten verstehen, Jabotys
(Landschildkröten), Jacaré tinga (das
kleine Brillenkrokodil), die kleinen
Fische der Poços (im Sommer in
den sonst trockenen Wasserläufen
zurückbleibende tiefe Pfützen) und
oberen Igarapeläufe werden gern,
und wo immer man ihrer habhaft
werden kann, von ihnen gegessen.
Parimarú erinnerte sich offenbar
noch gut an meine Vorliebe für die
aus der Hamai-pin genannten Wurzel
und wildem Honig bereitete Suppe
und setzte sie mir aus freien Stücken
wieder vor, obwohl es uns diesmal an
Nahrung nicht fehlte.
dades dos Curuaya é, basicamente,
o que já foi dito sobre os Xipaya,
mas tive a impressão de que, além
das frutas, tubérculos etc., cultivados nas roças, e os animais de caça
comuns em suas listas de cozinha,
os produtos da selva, que eram menos notados e apreciados pelos Xipaya, desempenham também um papel significativo. Com várias raízes,
tubérculos silvestres e castanhas do
Pará pode-se preparar todo tipo de
pratos, sozinhos ou misturados com
outros ingredientes: jabotis (tartarugas), jacaré tinga (o crocodilo de
olhos pequenos), peixinhos de poço
(nas poças secas dos cursos de água
remanescentes, no verão) que estão
nos igarapés de cima ou onde quer
que possam ser apanhados. Todos
servem de alimento. Parimarú lembrou-se de minha preferência pela
sopa da raiz chamada Aipim com
mel silvestre que ele me preparou
de muito boa vontade, embora dessa
vez não nos faltasse comida.
Auch beim Aufsuchen und Gewinnen Os Curuaya parecem ser mais perdes wilden Honigs scheinen die sistentes e engenhosos do que os
Curuaya noch ausdauernder und Xipaya na busca e na extração do
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
475
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
findiger zu sein als die Chipaya. Alles
dies hängt wohl mit ihrem Leben im
Innern des Urwaldes zusammen.
Dem Cashiri scheinen auch sie
leidenschaftlich zugetan zu sein.
Eine
besonders
komplizierte
Zubereitungsart dieses Getränks
sah ich am Vorabend des Festes in
der Aldeia und habe sie in meinem
Reisebericht ausführlich geschildert.
Erwähnenswert erscheint mir noch,
daß die Curuaya kein Jacamié (Psophia
obscura, ein etwa hühnergroßer, mit
den Kranichen verwandter Vogel)
essen, wahrscheinlich aus demselben
Grunde, aus dem die Chipaya auf das
Reh verzichten.
mel silvestre. Isso provavelmente
está relacionado à vida no interior
da floresta. Também parecem ser
apaixonados por caxiri. Na véspera da festa da aldeia, vi uma forma
bastante complexa de preparar essa
bebida e a descrevi, detalhadamente, no meu relato de viagem. Vale
mencionar ainda que os Curuaya
não comem jacamin-de-costas escuras (Psophia obscura, ave do
tamanho de uma galinha e parente dos grous) provavelmente pelo
mesmo motivo que os Xipaya não
comem veado.
Vida doméstica:
Häusliches Leben:
Wie bei den Chipaya, soweit ich A vida doméstica dos Curuaya, pelo
que pude observar, é como a dos
beobachten konnte.
Xipaya.
Stammverfassung, Familie:
Während die Chipaya gar keinen
richtigen Tushaua mehr hatten,
besaßen die Curuaya deren zwei,
nämlich Carurema und seinen
Schwager João Padreco. Ursprünglich
scheint die Würde erblich gewesen zu
sein, und danach wäre Joao, als Sohn
eines Häuptlings, der rechtmäßige
Tushaua
gewesen.
Carurema,
Parimarùs Bruder, verdankte seine
Stellung wohl seiner Intelligenz und
Constituição étnica e família:
Enquanto os Xipaya não tinham mais
um Tuxaua autêntico, os Curuaya tinham dois: Carurema e seu cunhado
João Padreco. A dignidade parece
ser hereditária. Assim, João, por ser
filho de um cacique, torna-se o legítimo Tuxaua. Carurema, irmão de
Parimarú, recebeu a posição por sua
inteligência e, sobretudo, pelo excelente domínio da língua portuguesa
que o tornava o único mediador das
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
476
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
vor allem auch seiner vorzüglichen
Beherrschung der portugiesischen
Sprache, die ihn zum alleinigen
Vermittler des Verkehrs mit den
Seringueiros machte. Uns gegenüber,
und überhaupt am Flusse entlang,
spielte er entschieden die größere
Rolle, während in der Aldeia wieder
João mehr in den Vordergrund trat.
comunicações com os seringueiros.
Em relação a nós, Parimarú desempenhava o papel principal no curso
do rio, enquanto na aldeia, João tinha mais destaque.
Die Stellung des Pagé war
offenbar eine sehr angesehene und
anscheinend unabhängige, auch
Carurema und Joao gegenüber. Er
leitete die Tänze und das Ceremoniell
beim Karia. Dabei war Antonio,
Caruremas jüngerer Bruder, aber
stets an seiner Seite (vielleicht als
späterer Nachfolger?), und auch
Carurema nahm einen gewissen
Anteil — er meldete z. B. das
Sichtbarwerden des Siebengestirns
—, Joao dagegen nur insoweit, als
in seiner Maloka das Festcashiri
stand. Wenn ein, mir gegenüber
in keiner Weise zutage getretenem
Gegensatz zwischen den beiden
Tushauas bestand, wie manche der
Seringueiros behaupten wollten, so
schien der Page auf Caruremas Seite
zu stehen. Kraukenbehandlungen in
unserer Gegenwart oder gar an uns
selbst vorzunehmen, weigerte er sich
hartnäckig. Er schien nichts dagegen
zu haben, daß wir in seiner Maloka
A posição do pajé era evidentemente muito respeitada e independente. Ele estava à frente de
Carurema e João e comandava
as danças e cerimoniais de Caria. Carurema anunciava também
a formação das sete estrelas visíveis, e João, por outro lado, fazia
o mesmo somente quando o caxiri da festa estava na sua maloca.
Antônio estava sempre ao lado de
Carurema, seu irmão mais velho
(talvez por que seria seu sucessor?). Os seringueiros afirmavam
que quando havia discordância
entre os dois Tuxauas, o pajé parecia ficar do lado de Carurema.
De forma alguma me foi revelado
o motivo do desentendimento. O
pajé recusava-se, categoricamente, a tratar as doenças na nossa
presença e até em nós mesmos.
Ele não parecia se importar que
ficássemos em sua maloca. No entanto, não nos permitia entrar na
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
477
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
wohnten;
den
abgeschlossenen
Mittelraum, in dem er angeblich
seine
Krankenbehandlungen
vornahm, ließ er uns jedoch nicht
betreten. Wie die meisten seiner
Landsleute aus der alten und neuen
Aldeia war er vollständig- nackt und
fast ohne Schmuck, sogar während
der Tänze, wo alle andern sich nach
Kräften herausgeputzt hatten.
sala central fechada, onde, supostamente, realizava os tratamentos
aos doentes. Como a maioria dos
seus compatriotas da velha e nova
aldeia, ele estava completamente
nu e quase sem adereço, mesmo
durante as danças, quando todos
se adornavam da melhor maneira
possível.
Auch bei den Curuayas lebten die
meisten Männer in Einehe. Doch
hatte Antonio, Caruremas Bruder,
zwei stattliche, rundliche, junge und
— wenigstens nach Indianerbegriffen
— hübsche Frauen, die übrigens
miteinander im bestem Einvernehmen
zu leben schienen. Carurema war mit
einer Chipaya-Indianerin verheiratet,
stand aber oben im Begriff eine
zweite Frau zu nehmen, und zwar
die Tochter seines Stammesgenossen
Tamacuã und einer Chipaya, die für
eine große Schönheit galt, mit deren
Vater er jedoch in heftiger Feindschaft
lebte. Näheres hierüber in meinem
Reisebericht. Das, was ich sah und
von den Indianern hörte, läßt mich
zu dem Schluße kommen, daß die
Einehe nur dem Frauenmangel oder
der Mittellosigkeit zuzuschreiben
ist, wenigstens bei den jüngeren
Leuten, daß der Ehrgeiz der Indianer
aber dahingeht, mehrere Frauen zu
Entre os Curuaya, a maioria dos
homens também era monogâmica.
No entanto, Antônio tinha duas mulheres imponentes, rechonchudas,
jovens e bonitas, segundo o conceito indígena. Elas pareciam viver em
melhores condições. Carurema era
casado com uma índia Xipaya, mas
estava para desposar uma segunda
mulher de sua etnia, com cujo pai
mantinha uma violenta inimizade.
Ela era filha de Tamacuã e de uma
Xipaya considerada de grande beleza. Mais sobre esse assunto, encontra-se em meu relato de viagem.
Pelo que vi e ouvi dos indígenas,
pude concluir que a monogamia se
deve à falta de mulheres ou à pobreza, pelo menos entre os mais
jovens. No entanto, a ambição dos
indígenas é ter várias esposas. Também parece haver disputas frequentes por causa das crianças, especialmente aquelas que estão, em parte
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
478
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
besitzen. Auch wegen der Kinder
scheint es häufig Streitigkeiten zu
geben, insbesondere wegen solcher,
die halb oder ganz verwaist sind, oder
deren Eltern sich wieder getrennt
haben. So wollten die Curuaya unsern
Pagaúm, der bei seiner Mutter, einer
Chipaya, lebte und mich auf, meiner
Reise begleitete, dessen Vater aber zu
ihrem Stamme gehörte, mit Gewalt
bei sich zurückhalten, was nur durch
Cavalcantes Dazwischentreten (ich
selbst war gerade am obern Curuá)
verhindert wurde.
ou totalmente, órfãs ou cujos pais
se separaram novamente. Assim, os
Curuaya tentaram agarrar à força o
nosso Pagaúm, cujo pai pertencia à
etnia Curuaya, mas a criança morava com sua mãe, uma Xipaya que
me acompanhava em minha viagem.
Só com a intervenção de Cavalcante é que foram impedidos. Naquele
momento, eu estava no alto Curuá.
Es gab eine ganze Anzahl Kinder in
der Aldeia und in den Flußmalokas.
In verschiedenen Familien sah ich
deren drei oder mehr, alle noch in
zartem Alter.
Havia muitas crianças na aldeia e
nas malocas ribeirinhas. Vi três ou
mais delas em famílias diferentes,
todas ainda muito jovens.
Feste, Zauberei:
Den von mir in der Aldeia
miterlebten Karia habe ich in meinem
Reisebericht ausführlich geschildert.
Ich möchte nochmals betonen, daß
sich derselbe von den gewöhnlichen
Tierpantomimen unterschied und
anscheinend zu dem Kult der Curuaya
in
irgendwelchen
Beziehungen
stand. Ob die beiden Figuren vor
dem Festcashiri in Joao Padrecos
Maloka wirklich Sonne und Mond
darstellten, möchte ich, obgleich die
Indianer meine dahin gerichtete Frage
Festas, feitiçaria:
Em meu relato de viagem, descrevi
detalhes da Caria que vivenciei na
aldeia. Mais uma vez, gostaria de
enfatizar que era diferente das habituais pantomimas de animais e aparentemente tinha alguma ligação com
o culto dos Curuaya. Na maloca de
João Padreco, os indígenas responderam afirmativamente a minha pergunta se as duas figuras do festival
do caxiri representavam o sol e a lua.
Contudo, não posso garantir que essa
informação esteja correta, pois, uma
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
479
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
bejahten, dahingestellt sein lassen, da resposta negativa a uma pergunta feiein Nein auf eine direkt gestellte Frage ta diretamente a eles é considerada
muita indelicadeza.
bei ihnen als sehr unhöflich gilt.
Näheren Aufschluß über ihre
religiösen Ansichten konnte ich
mir leider nicht verschaffen, da sie
Fragen hierüber sorgfältig aus dem
Wege gingen, oder vorgaben, sie
nicht zu verstehen, wohl den Spott der
Seringueiros fürchtend. Daß jedoch
die Gestirne bei ihnen eine große
Rolle spielen, darauf läßt mich, außer
der Szene auf dem Höhepunkt des
Karia, auch der Umstand schließen,
daß sie ein so ganz besonderes
Interesse für meinen Theodolithen an
den Tag legten.
Infelizmente, não consegui obter
informações mais detalhadas sobre
as suas concepções religiosas, pois
eles se esquivavam das perguntas
ou fingiam não as compreender.
Provavelmente por temor ao deboche dos seringueiros. Isso me leva a
concluir que, além da cena no ponto
máximo da Caria, as estrelas desempenhavam um papel importante
nas suas crenças pelo simples fato
de terem demonstrado um interesse
especial pelo meu teodolito.
Caruaras (Krankenheitsträger):
In der Maloka des Pagé hing
ein solcher, der mir bereitwillig
überlassen wurde. Er war in
derselben Weise am Dach befestigt
wie die bei den Chipaya gesammelten
und besteht aus einem, aus dicken
Baumwollschnüren
geknüpften
Körbchen mit roten Federquästchen
geziert. In diesem lag ein dicker,
unsauberer Klumpen Baumwolle.
Die Curuayas bezeichneten diese
Caruaras als „Marau“, was auch
Fledermaus bedeutet.
Caruaras (portadores de doenças):
Na maloca do pajé foi pendurada
uma caruara deixada de boa vontade
para mim. Ela estava presa ao telhado da mesma forma que as recolhidas na aldeia dos Xipaya e consiste
em uma pequena cesta feita de cordas grossas de algodão, adornadas
com quadrados de penas vermelhas.
Dentro havia um pedaço de algodão
grosso e sujo. Os Curuaya chamavam essas Caruáras de “Marau”
que também significa morcego.
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
480
Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco
Verkehr mit den Brasilianern:
Interessant war mir, daß die Curuaya,
soweit sie mit den Seringueiros in
Arbeitsbeziehungen treten, dies im
allgemeinen nicht als Fischer, Jäger
oder Bootsleute tun, sondern als
Gummisammler und Ackerbauer. Sie
sammelten unter Caruremas Leitung
schon ganz eifrig Caucho (Gummi
aus dem Milchsaft der nur im Innern,
auf der Terra Firme vorkommenden
Castilloa ulei) und halfen, wie
ich bereits erwähnte, Cavalcante
regelmäßig bei der Anlage seiner
Roça. Auf unserer Rückkehr zu des
letzteren Barracão begleitete uns
ein großer Teil des Stammes und
verweilte fast drei Wochen, um beim
Pflanzen behilflich zu sein.
Relações com os brasileiros:
Achei interessante que os Curuaya, na medida em que se relacionam com os seringueiros, não o
faziam como pescadores, caçadores ou barqueiros, mas sim como
seringueiros e agricultores. Sob
o comando de Carurema, eles já
se ocupavam da coleta de caucho
(goma de seiva leitosa da Castilloa
ulei que só ocorre no interior, em
terra firme). Como já mencionei,
ajudavam Cavalcante na elaboração
de sua roça regularmente. Na volta ao último barracão, uma grande
parte da etnia nos acompanhou e
ficou quase três semanas ajudando
no plantio.
Notas
1. Os dicionários dizem se tratar de um cesto triangular, trançado que os indígenas
penduram no ombro ou na testa, preso por uma alça, no entanto, trata-se, também,
de um rio pertencente à bacia amazônica, cuja nascente se encontra perto da Serra
do Cachimbo. (N. das Ts.)
2. Cacique. Do tupi tuwi’xawa. Mburovixá para os guaranis. Para os tupis, morubixaba,
murumuxaua, muruxaua, tubixaba e Tuxaua. (N. das Ts.)
3. Caxiri: sempre preparado pelas mulheres, é uma bebida fermentada indígena,
um tipo de cerveja, à base de mandioca. O caxiri é preparado em grandes
quantidades durante as festas indígenas e os mutirões, ou trabalhos coletivos,
na derrubada ou plantio das roças. Além disso, é uma bebida que permite ao
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
481
Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage
pajé o acesso ao mundo do sobrenatural, durante os rituais do Turé e da tocai.
Nestas ocasiões, tanto o pote quanto o caxiri transformam-se em “entidades
sobrenaturais”, presentes também na cosmologia indígena. (N. das Ts.)
4. Caria significa tanto o substantivo dança ou verbo dançar. (N. das Ts.)
5. Canoa geralmente feita de uma só peça de madeira. (N. das Ts.)
6. Nas línguas indígenas não se encontrou um referencial para a palavra “sanagú”
que, pelo contexto, significa homens indígenas solteiros. Supõe-se que tenha ocorrido
um erro de ortografia e que o correto seja “sanapú” que aparece, anteriormente,
com o mesmo significado, ou seja, homens não casados. (N. das Ts.)
7. A palavra “cashiri” foi grafada com “sh” no texto em alemão. Supõe-se que tenha
sido um engano na digitação, uma vez que nas demais ocorrências o termo se mantém
na grafia correta, caxiri, conforme o registro em Fargetti & Rodrigues (2008, p. 542)
Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021.
482