Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
Cadernos de Tradução Florianópolis, v. 41 nº especial, jan./jul. sem. 1. 2021 Publicação quadrimestral da Pós-graduação em Estudos da Tradução - PGET Universidade Federal de Santa Catarina ISSN: 2175-7968 Editora Chefe Andréia Guerini, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Editor Nacional Walter Carlos Costa, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Editor Associado Internacional José Lambert, Katholieke Universiteit Leuven. Leuven, Bélgica Editora Assistente Nacional Ingrid Bignardi, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Editora Assistente Internacional Leticia Goellner, Pontificia Universidad Católica de Chile. Santiago, Chile Comissão Editorial Álvaro Silveira Faleiros, Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil Berthold Zilly, Freie Universität Berlin. Berlim, Alemanha Carlos Rodrigues, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Elizabeth Lowe, New York University. New York, Estados Unidos Georges Bastin, Université de Montréal. Montreal, Canadá Germana Henriques Pereira, Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil José Luiz Vila Real Gonçalves, Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto, Brasil Luana Ferreira de Freitas, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil Marie-Hélène Catherine Torres, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Mauricio Mendonça Cardozo, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil Odile Cisneros, University of Alberta. Edmonton, Alberta, Canada Orlando Alfred Arnold Grossegesse, Universidade do Minho. Braga, Portugal Paulo Henriques Britto, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil Philippe Humblé, Vrije Universiteit Brussel. Bruxelas, Bélgica Conselho Consultivo Albumita-Muguras Constantinescu, Universitatea Stefan cel Mare. Suceava, Romênia Alice Leal, University of Vienna. Vienna, Áustria Anthony Pym, University of Melbourne. Melbourne, Austrália Arvi Sepp, Vrije Universiteit Brussels. Bruxelas, Bélgica Christiane Nord, Universität Magdeburg. Heidelberg, Alemanha Cynthia Beatrice Costa, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil Dirce Waltrick do Amarante, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Edwin Gentzler, University of Massachusetts. Amherst, Estados Unidos Else Ribeiro Pires Vieira, University of London. Londres, Reino Unido José Yuste Frías, Universidade de Vigo.Vigo, Espanha Juliana Steil, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil Karine Simoni, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Katia Aily Franco de Camargo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil Marcelo Jacques de Moraes, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil Marcia A. P. Martins, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil Maria de Lurdes Nogueira Escaleira, Instituto Politécnico de Macau. Macau, China Maria Lucia Barbosa de Vasconcellos, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Maria Paula Frota, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil Maria Tymoczko, University of Massachusetts. Amherst, Estados Unidos Maurizio Babini, Universidade Estadual Paulista. São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil Michael Cronin, Dublin City University. Dublin, Irlanda Pablo Cardellino Soto, Universidade de Brasília. Distrito Federal, Brasil Patricia Odber de Baubeta, University of Birmingham. Birmingham, Reino Unido Rosario Lázaro Igoa, Universidad de la Republica. Montevidél, Uruguai Rute Costa, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal Sandra Bagno, Unversità degli Studi di Padova. Pádua, Itália Simone Homem de Mello, Casa Guilherme de Almeida. São Paulo, São Paulo, Brasil Sonia Netto Salomão, Sapienza Università di Roma. Roma, Itália Steven F. White, Saint Lawrence University. Canton, New York, Estados Unidos Thomas Sträter, Universidade de Heidelberg. Heidelberg, Alemanha Valdir Flores, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil Werner Heidermann, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Revisão Geral Andréia Guerini, Ingrid Bignardi e Willian Henrique Cândido Moura, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Publicação e Editoração Eletrônica Ingrid Bignardi, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Projeto Gráfico Dorothée de Bruchard, Escritório do Livro, Brasil Imagem da capa: https://www.google.com/search?q=imagens%2amaz%C3%B4nia%20Creative %20Commons&tbm=isch&hl=pt-BR&tbs=rimg:Ca7w pcaSDy_1YUoa65MOw0VDsgIGCgIIA BAA&rlz=1C1JZAP_pt-BRBR911BR911&sa=X&ved=0CBsQuIIBahcKEwjA9M2ZsKTzAhU AAAAAHQAAAAAQBw&biw=1519&bih=664#imgrc=UD-upZ_IT40v3M Editoração Gráfica Ane Girondi, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Endereço para Contato E-mail: cadernostraducao@contato.ufsc.br http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/traducao (Catalogação na fonte pela Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina) Cadernos de Tradução / Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Comunicação e Expressão. Pós-graduação em Estudos da Tradução. — no 1 (1996) Florianópolis: Pós-graduação em Estudos da Tradução. V.; 21 cm Semestral ISSN: 2175-7968 1. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Comunicação e Expressão. Pós-graduação em Estudos da Tradução. Sumário ApresentAção Traduzindo a Amazônia: os novos argonautas e suas viagens possessórias, exploratórias e utópicas ao Grão-Pará del Marañón ................................................................... 8 Andréia Guerini (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq) Marie Helene Torres (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq) José Guilherme Fernandes (Universidade Federal do Pará/Procad/Capes) Artigos Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Ruiz Blanco, para o português brasileiro: o comentário da tradução como experiência metalinguística ...........................................18 Joaquim Martins Cancela Júnior (Universidade Federal do Pará-Soure) Lilian C. B. Pereira Nascimento (Universidade Federal do Pará) Práctica que hay en la enseñanza de los Indios, y un directivo para que los religiosos puedan cómodamente instruirlos en las cosas esenciales de la Religión Cristiana (Capítulos II, III, IV, V) de Matías Ruiz Blanco ................................................30 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior (Universidade Federal do Pará-Soure) & Lilian C. B. Pereira Nascimento (Universidade Federal do Pará) Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (1829), de Henry Lister Maw ....52 Tatiana de Lima Pedrosa Santos (Universidade do Estado do Amazonas/ CNPq) Samuel Lucena de Medeiros (Universidade do Estado do Amazonas/ NIPAAM) Walter Carlos Costa (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq) Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw.............................................65 Tradução de Tatiana de Lima Pedrosa Santos (Universidade do Estado do Amazonas/CNPq), Samuel Lucena de Medeiros (Universidade do Estado do Amazonas/NIPAAM) & Walter Carlos Costa (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq) Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira ........................................ 101 Alessandra Oliveira Harden (Universidade de Brasília) Theo Harden (Universidade de Brasília) Achtes Buch (Kapitel IV) (Seite 1069-1082) de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius ................................. 110 Tradução de Alessandra Oliveira Harden (Universidade de Brasília) & Theo Harden (Universidade de Brasília) A Voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, capítulo XXI: uma tradução anotada ........................................ 142 Luana Ferreira de Freitas (Universidade Federal do Ceará/CNPq) Kelvis Santiago do Nascimento (Universidade Federal do Ceará) A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará (Chapter XXIII) de William H. Edwards ............................ 149 Tradução de Luana Ferreira de Freitas (Universidade Federal do Ceará/ CNPq) & Kelvis Santiago do Nascimento (Universidade Federal do Ceará) Tradução e ética: a problemática da retroconversão ........... 174 Marie Helene Catherine Torres (Universidade Federal de Santa Catarina/ CNPq) Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine (Capítulos III e IV) de Alexandrine Langlet-Dufresnoy ......................... 185 Tradução de Marie Helene Catherine Torres (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq) Percurso tradutório em textos históricos sobre A viagem de descobrimento do rio Amazonas.................................... 213 Andrea Cesco (Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq) Mara Gonzales (UNIASSELVI) Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina ............................................ 231 Tradução de Andrea Cesco (Universidade Federal de Santa Catarina/ CNPq) & Mara Gonzales (UNIASSELVI) “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real e a viagem literária .......................... 252 Karine Simoni (Universidade Federal de Santa Catarina) Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia .......... 267 Tradução de Karine Simoni (Universidade Federal de Santa Catarina) Emilie Snethlage, uma pesquisadora extraordinária em um universo acadêmico masculino ..................................... 339 Reinhard Michael Eugen Arnegger (Universidade Federal do Pará) Nelson Sanjad (Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense Emílio Goeldi) Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor KochGrünberg, Zur Ethnographie der Chipaya und Curuhaé de Emilie Snethlage. ................................................................ 345 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger (Universidade Federal do Pará) & Nelson Sanjad (Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense Emílio Goeldi) As etnias indígenas do Médio Xingu: em especial a Xipaya e a Curuaya. Assentamento dos indígenas no Médio Xingu, Iriri e Curuá.................................................................... 398 Cilene Rohr (Universidade Federal do Pará) Rosanne Castelo Branco (Universidade Federal do Pará) Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die Chipaya und Curuaya de Emilie Snethlage ......................... 402 Tradução de Cilene Rohr (Universidade Federal do Pará) & Rosanne Castelo Branco (Universidade Federal do Pará) https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84962 TRADUZINDO A AMAZÔNIA OS NOVOS ARGONAUTAS E SUAS VIAGENS POSSESSÓRIAS, EXPLORATÓRIAS E UTÓPICAS AO GRÃO-PARÁ DEL MARAÑÓN Seu Sting, meu pajé, quem já viu faisão dourado se abraçar com jacaré? .................................... Por isso, meu caro Sting, vá de swing pra lá, não venha botar molho inglês na goma do meu tacacá. (Composição musical “Meu Pajé”, cantada por Lucinha Bastos) 1 A fundação da Amazônia é um ato alóctone, posto que o nome advém da mitologia greco-latina, referente às mulheres guerreiras que habitavam a ilha de Lemnos, que estava no caminho dos argonautas, heróis gregos em expedição à Cólquida, onde encontrariam e tomariam o velocino de ouro. As amazonas eram tidas como excelentes arqueiras, manuseando com destreza seus instrumentos de guerra e enfrentando atrozmente seus inimigos, abatendo-os com severidade. Portanto, o batismo da região amazônica é um epônimo, em alusão a essas personagens míticas, o que denota, desde a origem histórica deste espaço, uma estreita relação entre culturas, primeiro em viés de aculturação, posteriormente como interculturalidade. A partir do século XVI, diversos viajantes estrangeiros, desde militares, religiosos e aventureiros até naturalistas, que na Amazônia aportaram e viajaram, têm em conta esta narrativa de fundação, que acreditamos ser, para além de uma explicação de origem, um índice Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes de riqueza da região, primeiramente a riqueza aurífera, tão buscada pelos povos da transição do medieval para o moderno, e posteriormente a riqueza natural e de suas populações. Para Gondim, Os expedicionários reencontraram e sequenciaram o imaginário dos antigos viajantes, cujas histórias sobre fortunas incríveis – lá Preste João, Grão Khan ou áreas contíguas ao Éden, aqui o Eldorado, lugar fabuloso e a cidade de Manoa das lendárias mulheres guerreiras – estão sempre presentes na invenção da Amazônia (1994, p. 79). Nesses tempos de fundação da Amazônia, frequentemente as imagens construídas pelo estrangeiro, ou mesmo o nacional não egresso de comunidades autóctones, são eivadas de imaginário e concepções alienígenas, que enfocam em grande parte mais o telúrico – geografia, fauna e flora, com potencialidades exploratórias – do que o humano, e quando retratam o nativo é com distanciamento cientificista e objetificação acadêmica. Daí o questionamento da epígrafe, em letra do saudoso poeta Ruy Guilherme Paranatinga Barata (1920-1990): “quem já viu faisão dourado se abraçar com jacaré?”. Ufanismo à parte, a interação do eurocentrismo “faisonesco” com o nativismo “jacarístico” tem sido mote para tantos estudos científicos e provocações artísticas, já que o limiar entre a aculturação colonizadora e a interculturalidade decolonial, em geral, nos leva a cisões, quando, ao fim, se declara: “não venha botar molho inglês na goma do meu tacacá”. Este número especial de Cadernos de Tradução, intitulado “Tradução de relatos de viagem sobre a Amazônia”, procura lançar-se, e lançar-nos, a essa possível e desejada compreensão do Outro, seja este o narrador/a daquele longínquo momento genético das traduções aqui apresentadas, seja os tradutores e suas introduções esclarecedoras, por vezes nem tanto: dadas as limitações temporais entre o ato de escrever sobre a cultura de origem e o ato de traduzir para a cultura de chegada, as quase enigmáticas referências espaço- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021. 9 Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias... temporais de alguns narradores/as estrangeiros/as levaram os/as tradutores/as a escolhas conforme sua “ética” moderna, como nos revela Torres em um dos estudos aqui presentes. De todo modo, o que nos chega aos olhos e ouvidos leitores é um autêntico “velo de ouro”, revelador talvez mais das idiossincrasias dos/as autores/ es viajantes do que da Amazônia. Compreender essa continental e diversa região requer que façamos em um conjunto de visões e ideologias, o que nesta edição da revista somos agraciados. Dito isso, a proposta deste número de Cadernos de Tradução inaugura uma série de volumes dedicados à temática da Amazônia, e é um desmembramento do projeto “Indicadores antrópicos: fatores socioambientais e patrimoniais na tradução de índices de antropização em povos e comunidades amazônicas” (PROCAD/ CAPES-Amazônia), cooperação acadêmica que congrega a Pósgraduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, a Pós-graduação em Estudos Antrópicos na Amazônia da Universidade Federal do Pará (campus Castanhal) e a Pós-graduação em Ciências Humanas, da Universidade do Estado do Amazonas, com vigência em 2019-2023, que baseia sua proposta na produção de índices da presença e transformação humanas, em seus territórios e ambientes, que considere práticas e valores autóctones de povos e comunidades amazônicas na compreensão da sustentabilidade e do bom viver/bem-estar da população, em vista de contatos culturais e possíveis impactos socioambientais. Por isso, a perspectiva intercultural e interdisciplinar desse projeto, que implica na necessidade de enfoque que releve identidades, patrimônios e hegemonias culturais e suas possíveis (inter)traduções, o que solicita o apoio de disciplinas da antropologia e arqueologia, dos estudos da tradução, da narratologia e análise do discurso, das ciências biológicas e ambientais, da computação e ciências da informação. A idealização deste número, pensado por Andréia Guerini e Marie-Hélène Torres, e que contou com a colaboração de José Guilherme dos Santos Fernandes, teve o cuidado de publicar as traduções de textos pouco acessíveis, esgotados, alguns inéditos em Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021. 10 Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes português, acompanhados de textos introdutórios dos tradutores. Trata-se, em geral, de textos de autoria de botânicos, etnógrafos, geógrafos, naturalistas, escritos em línguas estrangeiras por estrangeiros, sobre a Amazônia, em relatos de viagem, diários, discursos ou correspondência, entre outros. Os textos aqui selecionados foram escritos em alemão, espanhol, francês, inglês e italiano, entre o século XVII e o início do século XX. Os textos introdutórios dos tradutores contextualizam as obras e autores, além de explicitar algumas estratégias de tradução. A preocupação com o leitor levou os tradutores a contornar o ponto de vista dos autores dos textos de partida com notas explicativas. Esses textos dos tradutores discutem questões fundamentais de tradução como comentário de tradução enquanto experiência metalinguística (Nascimento e Cancela); ecotradução (Torres); a especificidade da tradução de textos históricos (Bezerra, Cesco), de textos protofeministas (Simoni), de textos científicos (Harden e Harden; Freitas e Nascimento) e de textos relativos à etnografia e língua-cultura indígenas como os Xipaya e Kuruaya (Branco e Rohr ; Arnegger e Sanjad). 2 A diversidade de miradas sobre a Amazônia se concretiza em traduções de várias nacionalidades e línguas, notadamente dos países colonizadores, como o espanhol, o francês, o alemão e o inglês, sem mencionar nossa realidade lusófona para a qual as traduções são direcionadas. De todo modo, carecemos, enquanto falantes do português, dessas visões outras para além daquelas herdeiras de Pero Vaz de Caminha, e que podem somar-se a um feito curioso destes escritores que desembarcaram na Hileia desde o século XVI: “recriar nas terras do Novo Mundo (...) aquelas histórias que a literatura grega difundiu” (TOCANTINS, 2000, p. 47). Isso fez com que muitos relatos corridos e vagos dos nativos logo fossem adaptados aos desejos dos viajantes e, em alguns casos, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021. 11 Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias... conquistadores. Essa prática colonial, observada em um primeiro momento dos contatos e relatos, vem confirmar aos colonizadores seu direito “legítimo” a uma terra supostamente nula de povos, unicamente existindo ao natural, sem interveniência de qualquer “alma” humana, reforçando o jus possidendi romano, direito de propriedade conferido a quem tem a posse, no caso, os desbravadores europeus das terras ameríndias. Assim, consideramos que os relatos advindos dessa prática podem ser classificados como viagens possessórias, ou seja, havia a necessidade de se justificar a tomada e posse da terra que acreditavam ter achado, ou descoberto, o que foi legitimado pelos seus relatos. Neste tipo, enquadra-se a tradução que Andrea Cesco e Mara Gonzalez Bezerra apresentam da introdução de José Toribio Medina (1852-1930) acerca da Relación, do frei espanhol Gaspar de Carvajal, cronista da expedição de Francisco de Orellana (15111546), em que se ratifica a participação dos espanhóis na história da Amazônia. E mais, este documento é testemunho do genocídio impetrado naquele momento contra os indígenas, mas que é visto como batalha épica da conquista do território, aos moldes dos argonautas gregos, que também tiveram que enfrentar mortandade frente às intempéries da região, assim como doenças, mosquitos, frustrações, que os levaram a batizar o atual rio Amazonas como rio Marañón, ou rio das Marañas, no sentido de desgraças e aflições, segundo as tradutoras. Na mesma linha de viagens possessórias, encontra-se a tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior e Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento, acerca dos excertos de Conversión de Piritu, de Ruiz Blanco. Nessa tradução, Blanco, que era missionário nas regiões de Piritu e Cumaná, na atual Venezuela, trata do período em que esteve na região, de 1672 a 1708, então como frei, com 27 anos, quando aprendeu a língua cumanagota, fundou povoados, catequizou os povos e realizou o serviço religioso de catequese para os demais religiosos, e ainda produziu farta obra sobre as línguas indígenas com as quais teve contato. Se Carvajal trata dos feitos militares e épicos dos espanhóis, na obra Conversión de Piritu existe a Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021. 12 Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes preocupação de oferecer “metodologia” para a conversão indígena ao cristianismo. Portanto, são obras em que as bases do processo colonizatório são lançadas, pautadas na ética do aventureiro, que “ignora fronteiras” e “vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes” (HOLANDA, 1995, p. 44). Mais interessados, de outro modo, em suceder os ditames colonizadores, o que classificamos como relatos de viagens exploratórias vêm a ser o destaque prioritário da natureza amazônica – fauna e flora – em quadro barroco delineado pelo hiperbólico e antitético da paisagem, em que o humano é coadjuvante. Quando muito esta humanidade “amazoníndia” é vista como objeto de estudo em cenário edênico, merecendo o olhar e as palavras acuradas da etnografia, na busca de compreensão dos passos do processo civilizatório, que nos levariam da selvageria à civilidade. É o que notamos na tradução do texto de Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (1829), de Henry Lister Maw e nas traduções de textos de Emilie Snethlage, naturalista e etnóloga alemã que foi Diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, no período de 1914 a 1921, sendo pioneira nesta instituição como pesquisadora. Em um dos textos de Emilie Snethlage, traduzido por Cilene Trindade Rohr e Rosanne Castelo Branco, apresenta-se um estudo sobre as etnias Xipaya e Curuaya, no Médio Rio Xingu, em que o enfoque são as relações sociais e os comportamentos migratórios das destas etnias indígenas, que habitavam as margens dos rios Iriri e Curuá, e que, com a chegada do homem branco realizavam frequentes migrações, conforme este estudo de 1910. O segundo texto é uma tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger Nelson Sanjad (Museu Paraense Emílio Goeldi) a partir de ata da Associação Berlinense de Antropologia, Etnologia e Pré-História, onde constam preciosas informações dos cientistas e naturalistas alemães dedicados aos estudos sobre o Brasil e a Amazônia. Mme Snethlage constituiu considerável coleção de artefatos sobre os Xipaya e Kuruaya, sendo ainda hoje a única coleção no mundo acerca destas etnias, abrigada no Museu de Etnologia de Berlim. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021. 13 Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias... Ainda na linha do hiperbólico da natureza, esta edição de Cadernos de Tradução dispõe sobre o texto dos membros da Missão Bávara, em princípios do século XIX, em que estavam o jovem botânico Carl Friedrich Philipp von Martius e o zoólogo Johann Baptist von Spix, membros da Real Academia de Ciências de Munique. A tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden e Theo Harden apresenta parte da viagem do Rio de Janeiro à região amazônica de Spix e Martius. Segundo a apresentação dos tradutores, “os dois levaram para a Europa ‘5 espécies de mamíferos, 350 de pássaros, 130 de anfíbios, 116 de peixes, 2700 de insetos, 80 de aracnídeos, 80 de crustáceos e 6.500 espécies de plantas, compondo um herbário de 20.000 exemplares’ (Lisboa 91, nota 24) e um casal de crianças indígenas (originalmente eram quatro crianças, mas apenas duas sobreviveram à viagem) do Amazonas”. A exemplo de Mme Snethlage, os alemães reuniram grande quantidade de material botânico e enviaram à Europa, o que certamente fortaleceu a visão de ciências naturais, que passou a ser a referência do que seria ciência, estabelecida em fins do século XIX e primeira metade do século XX. Nesse cenário, a Europa torna-se o centro do conhecimento universal e detentora da palavra final sobre os povos e suas evoluções: nascia e se fortalecia o evolucionismo, que tanto legou de estatuto ao etnocentrismo. Para finalizar os textos das viagens exploratórias, esta edição apresenta a tradução de Luana Ferreira de Freitas e Kelvis Santiago do Nascimento sobre o capítulo XXI de A voyage up the river Amazon with a residence in Pará, de autoria de William H. Edwards (1822-1909), realizada em 1846. Reconhecidamente a posteriori um entomologista, a importância dessa obra está na revelação de encontros culturais assimétricos, em deslavada discrepância entre o mundo de colonizadores e de colonizados culturalmente, particularmente a mestiçagem, que se apresenta como um processo degenerativo da espécie humana, numa incompreensão, para não dizer discriminação, acerca das fricções interétnicas. Por fim, temos as viagens utópicas, referentes ao sentido mais estreito da palavra utopia: lugar ou estado ideal, de felicidade e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021. 14 Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes harmonia. Nesses textos, encontramos a descrição-narrativa da poética da Amazônia, onde as autoras imiscuem datações em envolventes cenários e acontecimentos, desde suas impressões sensoriais e memorialistas. Não que inexista a crônica de viagem, mas a escritura se torna arrebatadora, pois a condução em detalhes acerca dos movimentos, da natureza e dos seres, inclusive humanos, nos motiva a entrar em cena, como o “homem na multidão” baudelairiano. E falamos de autoras? Sim, já que são duas escrituras femininas. A despeito de terem realizado viagens acompanhando seus maridos, esses são obscurecidos pela originalidade e expressividade das memórias dessas mulheres. A primeira obra é de Gemma Ferruggia, italiana que esteve no Brasil em 1898 e 1921, publicando em 1902 o livro Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni e Paesaggi di Amazzonia, do qual Karine Simoni traduz para esta edição o capítulo VI, intitulado “Madonna Fantasia”. É importante ressaltar que é uma escritura para além da crônica de viagem ou de tratado botânico-etnográfico, sendo narrativa de experiência de vida e frutífera imaginação poética. Para a tradutora, “as paisagens cobertas por florestas tropicais, campos, igapós, rios e lagoas, e a presença de contingentes humanos de culturas até então nunca vistas, têm provocado estupor e fascínio, que nutriram e nutrem a ambição e o desejo de aventureiros e exploradores em conhecer e apossar-se do lugar”, e a presença feminina, mesmo que rara, imprimiu outro olhar, descentrado do foco masculino. A segunda tradução neste tipo de viagem é a de Alexandrine Langlet-Dufresnoy, a primeira europeia a descer o rio Arinos, no Mato Grosso. Seu relato de viajante originou Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine [Quinze anos no Brasil ou excursões em Diamantino], ocorreu de julho de 1837 (capítulo I) a agosto de 1852 (capítulo IV), sendo que para este edição foram traduzidos os dois capítulos, já referidos. A tradutora Marie-Hélène Torres enquadra sua tradução como ecotradução ou ecotranslation, porque entende que Mme Langlet-Dufresnoy fixa a natureza como tema, personagem e reflexão, vinculada a contextos culturais. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021. 15 Apresentação: Traduzindo a Amazônia. Os novos argonautas e suas viagens possessórias... O êxtase declarado nessas viagens utópicas proporcionou uma qualidade de escritura, acerca da Amazônia, que ainda hoje insiste no tratamento hiperbólico e anímico da região, seja por parte dos literatos, dos jornalistas e até de cientistas sociais. No entanto, como assinala Fernandes Não que de todo essas qualidades não possam existir na compreensão de mundo deste homem (amazônida), mas daí a dizer que o caboclo vive primordialmente num mundo de devaneios, contemplações e êxtases face à natureza circundante, numa autêntica “ilha da fantasia”, é no mínimo negar-lhe a diversidade de pensamento e sua propriedade de ser histórico e que por isso, também, vive o conflito, as antíteses de qualquer relação entre culturas e destas com a natureza (FERNANDES, 2006, p. 75). 3 É inegável que esta edição de Cadernos de Tradução tem a mesma importância, para os pesquisadores e estudiosos da Amazônia, ou amazonistas, que os gregos relevaram ao velo de ouro: a de embarcar em nossa Argos mais vozes e discursos que, mesmo não sendo os dos povos originários apagados pelo genocídio colonial, podem ecoar o testemunho do encontro entre culturas. Num ato de espelhamento, acabamos por saber muito mais sobre nossos colonizadores do que os viajantes suporiam no momento de debruçaremse sobre o papel e lançarem-se à faina gráfica. Em sua tarefa de registrar as belezas e agruras do “grande-rio das desgraças e aflições”, ou Grão-Pará del Marañón, os viajantes de antanho realizaram a primeira tradução, ou ficção, na medida em que colocaram em sua escala de estrangeiro o que para eles seria a Amazônia. Em segunda mão, os tradutores realizam a segunda ficção, a partir de suas opções e modelos éticos e estéticos. Por Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. p. 08-17, jan/jul, 2021. 16 Andréia Guerini, Marie Helene Catherine Torres & José Guilherme Fernandes fim, o leitor traz ao seu universo de representação uma Amazônia de acordo com suas expectativas, ampliadas pelas duas primeiras operações. Mas não é demais lembrar que a existência e re-existência dos amazônidas tem muito a ver com esse passado, forjado em trocas, em lutas e em traduções da Amazônia. Andréia Guerini1 Marie Helene Torres 1 Universidade Federal de Santa Catarina/CNPq José Guilherme Fernandes2 2 Universidade Federal do Pará/Procad/Capes Referências FERNANDES, José Guilherme dos Santos. Escritura e oralidade: versões e ficções da Amazônia. FARES, Josebel (org.). Diversidade cultural: temas e enfoques. Belém: UNAMA, 2006. GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994. HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida. Manaus: Editora Valer, 2000. Andréia Guerini. E-mail: andreia.guerini@gmail.com. https://orcid.org/00000002-3187-6246. Marie Helene Catherine Torres. E-mail: marie.helene.torres@gmail.com. https:// orcid.org/0000-0001-9263-0162. José Guilherme Fernandes. E-mail:mojuim@uol.com.br. https://orcid.org/00000001-9946-4961. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 08-17, jan/jul, 2021. 17 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84928 TRADUÇÃO DE CONVERSIÓN DE PIRITU (EXCERTOS), DE RUIZ BLANCO, PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO: O COMENTÁRIO DA TRADUÇÃO COMO EXPERIÊNCIA METALINGUÍSTICA Joaquim Martins Cancela Júnior1 1 Universidade Federal do Pará-Soure, Soure, Pará, Brasil Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento2 2 Universidade Federal do Pará-IEMC, Belém, Pará, Brasil Na atual Venezuela, nos estados de Anzoátegui, Sucre e Monagas, Matías Ruiz Blanco (1643 – 1708), frei franciscano da Ordem dos Frades Menores (OFM), natural de Sevilha (Espanha), atuou como missionário nas regiões de Piritu e Cumaná, essas que integravam a Província Nova Andaluzia, fundada por Diego Hernández de Serpa, em 1568, e mais tarde governada pelo catalão Joan Urpín, ao estabelecer a Província Nova Catalunha, em 1633. Com apenas 27 anos, Ruiz Blanco se inscreveu na terceira expedição franciscana para atuar na missão venezuelana de Piritu. No período que esteve em missão, de 1672 a 1708, o frei aprendeu a língua cumanagota, fundou povoados, catequizou povos indígenas (Cumanagotos, Palenques e Chaima, principalmente), instruiu religiosos catequistas, escreveu livros, gramática e dicionário bilíngue em língua espanhola e cumanagota, além de tradução de textos católicos em latim e/ou espanhol para cumanagoto, e fez comentários de suas traduções. Nesse mesmo período, Ruiz Blanco retornou à Espanha algumas vezes para resolver questões ligadas às missões e às publicações de seus livros. Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento O topônimo Piritu estava relacionado ao porto da região, atual cidade Puerto Piritu - Venezuela, onde o fluxo de pessoas e mercadorias era intenso, e também, onde se encontrava o maior número de falantes da língua cumanagota, possível língua geral da região (Cernuda). Atualmente a língua cumanagota, do tronco linguístico caribe, está extinta, o que hoje existe dela se encontra somente nos registros escritos de missionários franciscanos, principalmente os do período colonial. O que aconteceu com ela foi o mesmo que ocorreu com as muitas línguas ameríndias, sofreu um longo e complexo processo no desaparecimento da língua ancestral, que a partir de uma visão sociolinguística pode estar relacionado à mudança sociocultural e a transculturação, provenientes de sucessivas violências do período colonial, seja de forma física ou simbólica, pois o desaparecimento de uma língua e/ou a substituição da língua indígena por línguas europeias (no caso da colonização na América) gera o aparecimento de populações que são definidas de forma generalizada, como indígenas genéricos, trabalhadores do campo, caboclos, etc.; sem contar o sentimento de vergonha étnica e linguística principalmente entre os indígenas mais jovens, gerado pela transculturação compulsiva, uma forma de etnocídio. (Castillo). A obra Conversión de Piritu, de Ruiz Blanco, foi publicada em 1690, em Madri, pela Juan García Infançon. Em 1892, foi publicada a 2ª edição pela Librería de Victoriano Suarez, também em Madri, com a ortografia atualizada e pequenas modificações no texto. E em 1965, publicada a 3ª edição, pela Biblioteca de la Academia Nacional de la Historia, em Caracas, que novamente teve a ortografia atualizada. De acordo com Cernuda (2014) Conversión de Piritu é uma obra poliedra, pois apresenta cinco faces: uma introdução histórica (corográfica e etnográfica) da região, textos católicos traduzidos e comentados seguindo o princípio tradutório de São Jerônimo, os mandamentos e os preceitos da Santa Igreja em cumanagoto, uma gramática da língua cumanagota e um dicionário bilingue espanhol - cumanagoto. Utilizamos a 1ª edição, de 1690, como texto-fonte na presente tradução para o português brasileiro de Conversión de Piritu (121 Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 19 Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco - 137) excertos da segunda parte Práctica que hay en la enseñanza de los indios, y un directivo para que los religiosos puedan cómodamente instruirlos en las cosas esenciales de la religión cristiana (cap. II, III, IV e V), pois encontramos significativas mudanças em relação às edições posteriores. O exemplo mais aparente está no início do capítulo II, no parágrafo 13, quando a edição de 1690 inicia com Supongo (121), e a edição de 1892 muda para Advierto (169). No entanto, no parágrafo 15, o autor inicia com Supongo también (1690, 122; 1892, 170) nas duas edições, sugerindo a continuação da “suposição” sobre a tradução de textos católicos para a língua cumanagota. Essa segunda parte do livro, sobre a prática que há no ensino dos indígenas, inicia com os nomes dos frades que autorizaram a publicação e o ano da autorização (1688), seguida dos motivos da obra, estes direcionados ao leitor. O capítulo I inicia com a explicação sobre Persignar-se, ou seja, gestos do sinal da cruz feitos três vezes (na testa, na boca e no peito), as orações (Pai Nosso, Ave Maria, Credo), Símbolo da Fé etc., tudo escrito em língua cumanagota, ou seja, a tradução em língua indígena como porta de entrada, os únicos escritos em espanhol são os títulos das orações. Do 2º ao 5º capítulo (a tradução propriamente dita deste trabalho para o português brasileiro), Ruiz Blanco apresenta os seus comentários da tradução, justificando suas escolhas tradutórias, seguindo a mesma prática tradutória de São Jerônimo (347 - 420) ao traduzir a Bíblia para o latim (Vulgata), fazendo referência ao texto Óptimo Genere Interpretandi - Ad Pammachium, Epistula LVII (396), pois o franciscano espanhol seguia o princípio ad sensum, a partir do sentido da frase completa e não ad literam, que é a tradução de palavra por palavra, visto que ele se preocupava com o princípio de equivalência linguística ao traduzir os textos católicos para a língua cumanagota, na tentativa de recuperar o significado de toda a frase (Sarion). Assim inicia seu comentário de tradução no capítulo II parágrafo 13 (1690, 121): Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 20 Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento 13. Supongo que en esta traducción he procurado interpretar las voces del idioma Castellano, de que inútilmente se ha usado hasta aquí, con otras del idioma de los Indios, propias, o equivalentes en el sentido, y que explican muy bien lo sustancial de los misterios, en que es necesario sean instruidos; porque según notó San Gerónimo de optim. gen. interprœt. en las versiones, no tanto se ha de atender a lo material de las voces, cuanto a su formal significación, y sentido: y supuesto que en el nativo lenguaje hay voces con las cuales se les puede dar a entender los divinos misterios, e instruirlos en lo que deben creer, es cosa irracional entender, que con términos, y voces del idioma Castellano, que no saben, ni entienden, puedan venir en conocimiento de lo que se les dice, y promulga. 13. Suponho que nesta tradução procurei interpretar as vozes do idioma Espanhol, que inutilmente se usou até aqui, com outras do idioma dos Indígenas, próprias ou equivalentes no sentido, e que explicam muito bem o essencial dos mistérios, sendo necessário que sejam instruídos; porque segundo observou São Jerônimo nas versões de optm. gen. interproet., nem tanto atende ao material das vozes, quanto a sua significação formal e sentido: e claro que na língua nativa há vozes com as quais se pode entender os mistérios divinos e instruir-lhes no que devem crer, é coisa irracional entender, que com expressões e vozes do idioma Espanhol, que não sabem, nem entendem, possam vir a conhecer aquilo que lhes é dito e promulgado. Outra perspectiva de tradução de textos católicos no final do século XVII, que muitos missionários adotavam era o princípio de tradução ciceroniano, fazendo referência ao prefácio De Optimo Genere Oratorum, de 46 a.C., texto que Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) reflete sobre o estilo retórico e a tradução (Sarion), defendendo uma tradução mais livre, ao afirmar que prefere traduzir como um orador. Há também nos comentários de tradução, de Ruiz Blanco, referência ao Terceiro Concílio Limenho (1583 - 1584), Epístola sobre a tradução da Doutrina Cristã, que decretou: […] hacerse por nuestra orden y comisión una traducción auténtica del catecismo y Doctrina Cristiana, que todos sigan. […] Pareció a este sancto Concilio Provincial proveer y mandar con rigor que ninguno use otra traducción, ni enmiende ni añada en ésta cosa alguna; porque, aunque hu- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 21 Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco biese cosas que por ventura se pudiesen decir mejor de otra suerte (que forzoso es que haya siempre en esto de traducción diversas opiniones), pero hace juzgado, y lo es menos inconveniente, que se pase por alguna menos perfección que tenga por ventura la traducción, que no dar lugar a que haya variedad y discordias, como en las traducciones de la Santa Escritura saludablemente lo ha proveído la Iglesia Católica. (1583, 17 - 18) Ruiz Blanco era contrário à política linguística e tradutória decretada pelo supracitado Concílio, não reconhecia como válido na tradução para a língua indígena o empréstimo de palavras espanholas, neologismos ou a tradução palavra por palavra, como vemos nos parágrafos 16 e 17 (122 - 123): 16. Mas no obstante que estos supuestos son tan evidentes, podrá replicar alguno, y decir, que en uno de los Concilios Limenses hay precepto para que en la traducción de la Doctrina Cristiana, cuando falten términos de los lenguajes de los Indios, se suplan con otros de la lengua Castellana: luego no obsta la interposición de voces Castellanas con las de cualquier otro idioma de los Indios. 16. Mas, a pesar dessas suposições serem muito evidentes, alguns podem questionar, e dizer que num dos Concílios Limenho há um preceito sobre a tradução da Doutrina Cristã, que quando faltem expressões da língua dos Indígenas, se supram com outras da língua Espanhola: logo não impede a interposição de vozes Espanholas com as de qualquer outro idioma dos Indígenas. 17. Respondo, que el precepto del Concilio tiene, en caso que en cualquiera idioma no se hallen términos formales, o equivalentes con que traducir, o explicar los misterios, y demás cosas tocantes a la Doctrina Cristiana, y así aunque no es obstáculo, en caso que no se 17. Repito, que o preceito do Concílio tem, em qualquer idioma, no caso de não encontrar expressões formais ou equivalentes para traduzir ou explicar os mistérios, e demais coisas a respeito da Doutrina Cristã, e mesmo sem dificuldade, no caso de não encontrem outras, com Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 22 Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento hallen otros, con ellos nunca se elas nunca poderá conseguir que podrá conseguir el que entiendan entendam os mistérios da Fé, que los misterios de la Fe, lo cual es são alheios à dúvida. ajeno de duda. É importante trazer as referências teóricas do tradutor, para conhecermos melhor a concepção de tradução de Ruiz Blanco. Seguindo a perspectiva teórica de José Lambert: [...] nos importa, em primeiro lugar, determinar a concepção das traduções num momento determinado da história. A tradução se torna assunto de estudo; procura-se saber quem produz as traduções, para que público, com o auxílio de que textos, em que gêneros, em que línguas e linguagem, segundo que registros e esquemas literários, em função de que modos literários, morais, linguísticos, políticos; e ademais, em função de que concepção de tradução. (Lambert, 196). A obra Conversión de Piritu estava direcionada aos religiosos catequistas, para que pudessem ter mais conhecimento e prática na língua cumanagota, através da gramática e do dicionário bilíngue, e que conhecessem as orações e os mistérios divinos em língua nativa. Bastin, Pantin e Duoara (2013) destacam o modo de traduzir, de Ruiz Blanco, que mesmo apresentando as dificuldades de comunicação com os indígenas de Piritu, traduz, retraduz e analisa seu processo tradutório, já que seu texto tem caráter filológico pelo grande número de comentários linguístico. Como um autêntico tradutor-autor, Ruiz Blanco “produz um outro texto – apesar de carregar a marca da identidade do texto original –, o texto traduzido transformado em energia criativa. O tradutor é, portanto, um autor” (Torres, 133). Recorremos também a análises de outros elementos que julgamos centrais no processo tradutório, a maior parte deles, inclusive, ressaltados mesmo por Ruiz Blanco, já que seu próprio texto se trata, na Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 23 Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco verdade, de uma tradução comentada, como já mencionamos. Uma das principais dificuldades encontradas por ele estava relacionada a encontrar no idioma nativo um termo que desse conta, ao mesmo tempo, da ideia de entendimento e aceitação. Como veremos a seguir, havia inicialmente três possibilidades tradutórias para esse fim. 25. La primera decía: ure yehua man Dios; la segunda: yehua mana tehui quene Dios mana quaneren; la tercera: ycatemaze Dios pueque; la primera no declara más que, yo sé; porque la palabra Dios, no la entendían los Indios; la segunda declara: sé que hay uno sólo de verdad; la tercera decía: tengo gusto o complacencia; de las cuales consta, que aunque los Indios entendieran la partícula Dios, se infiere, que sólo podían hacer estos actos, se, o conozco que hay un Dios, o conozco que hay un Dios verdaderamente; y finalmente tengo gusto o complacencia en Dios, porque la palabra yechuamana, según su verdadera significación, no es otra cosa que conozco o sé; y la palabra ycatemaze, no significa otra cosa, que gustar o tener complacencia, y en todo rigor sólo significa gustar con el paladar. 25. A primeira dizia: ure yehia man Dios; a segunda: yehua, man tehui quene Dios mana quaneren; a terceira: Ycatemaze Dios pueque; a primeira não revela mais que eu sei; porque a palavra Deus, os indígenas não a entendiam; a segunda revela: Sei que há uma só verdade; a terceira dizia: tenho gosto ou condescendência; do qual consiste que, embora os indígenas entendessem a partícula Deus, inferese que só podiam fazer esses atos se, eu conheço que há um Deus, ou com toda a verdade eu conheço que há um Deus; e finalmente tenho gosto ou condescendência em Deus, porque a palavra yechuamana, segundo seu real significado, não é outra coisa que conheço ou sei; e a palavra ycatemaze não significa outra coisa senão gostar ou ter condescendência, e com todo rigor, significa apenas sentir com o paladar. Pelas razões por ele mesmo descritas, nenhuma das acepções em destaque eram adequadas o suficiente para indicar o assenso do entendimento. A primeira ocorrência indica um conhecimento muito superficial, a simples noção de tomar ciência da existência. A segunda possibilidade até inclui a ideia de entender de que Deus seria a única verdade enquanto informação, mas ainda sem o comprometi- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 24 Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento mento pessoal acerca dela. Ora, mesmo um ateu convicto que tenha algum conhecimento histórico dificilmente negará a existência de Jesus enquanto ser humano, por exemplo, e mesmo algumas religiões sabem de sua existência, mas não o veem da mesma maneira como o catolicismo. E finalmente a terceira acepção ficava ainda mais distante do propósito almejado por Ruiz Blanco, pois indicava simplesmente um conhecimento sensorial, mais relacionado ao paladar. Mais à frente, Ruiz Blanco finalmente indica duas possibilidades para traduzir este assenso de entendimento: ymoromaze e huecmaze a que chamou de “a margarida escondida” e chegou até elas após ter reunido “os Indígenas mais capazes e intérpretes de maior satisfação” (1690, 132). Sobre estes últimos, não podemos esquecer as motivações do documento que traduzimos: Ruiz Blanco comenta a tradução do Símbolo da Fé com o objetivo de tornar a evangelização mais eficaz e acaba produzindo como que um manual catequético para futuros missionários de Piritu e Cumaná. Em alguns trechos de seu texto podemos ver que ele já compreende, inclusive, a importância de considerar também aspectos culturais. Vejamos: 42. […] Hubo un Religioso Lego en esta conversión, llamado Fr. Juan Villegas, que era un bendito varón y al parecer inepto y muy tosco; éste con la costumbre de andar con los Indios en el monte y en las demás funciones que se ofrecían, llegó a comprender tanto el lenguaje de dichos Indios, que no se diferenciaba de ellos cuando hablaba. […] 42. [...] Houve um Religioso Leigo nesta conversão, chamado Fr. Juan Villegas, que era um varão abençoado, e de aparência inapta e muito tosca; este, com o costume de andar com os Indígenas no monte e nas demais funções que o ofereciam, chegou a compreender tanto a língua dos referidos Indígenas que não se diferenciava deles quando falava. […] Mesmo que ainda de forma mais empírica e não necessariamente preocupado com a cultura local, Ruiz Blanco já vislumbra os efeitos da aproximação cultural no comportamento de alguns catequistas. No caso citado, o religioso chega mesmo a se confundir Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 25 Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco com os indígenas, tendo se inserido no dia a dia da comunidade e reproduzindo outras dimensões da sua realidade, além da própria linguagem. Severi e Hanks (2014) compreendem a tradução como um fenômeno multidimensional no qual a linguagem é o elemento central. Ao mesmo tempo apontam uma série de outros fatores como camadas de informações complementares que podem vir da troca de valores, teorias e, inclusive, aproximações que envolvem conversão religiosa. De maneira semelhante, Lloyd (2014) vê a própria realidade como sendo multidimensional e define a tradução como uma questão de inteligibilidade mútua a partir de diversos registros. Ruiz Blanco tinha tanta certeza desta importância que para ilustrar seu entendimento chega mesmo a declarar que utilizar o idioma espanhol no processo de catequese seria “o mesmo que falar com surdos” (1690, 133). O que denominamos no subtítulo o comentário da tradução como experiência metalinguística faz alusão ao espelhamento do exercício ao comentar a tradução. No ato de traduzir os comentários de tradução de Ruiz Blanco para o português brasileiro, fizemos o mesmo exercício ao comentar nossas escolhas tradutórias e analisar as dele, ou seja, uma experiência metalinguística, pois a questão não é sobre tecer quaisquer comentários, mas reconhecer que esses comentários são poderosos recursos da língua que o falante experimenta ao falar dela e sobre ela (Flores). Quando reconhecemos a tradução como objeto da metalinguagem, estamos tratando do exercício metalinguístico do traduzir, pois o comentário da tradução já é uma metalinguagem da metalinguagem; e a experiência se multiplicou quando fizemos a tradução de um comentário de tradução seguido de outro comentário de tradução, nesse caso estamos falando da metalinguagem como experiência metalinguística (Flores). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 26 Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento Referências Bastin, Georges; Pantin, Jeanette; Duoara, Nawaf. Los franciscanos y la traducción en Venezuela, 2013. http://www.traduccion-franciscanos.uva.es/ archivos/5.Bastin.Venezuela.pdf. Acesso em 05 de outubro de 2020. Blanco, Matías Ruiz. Conversion de Piritu. De indios cumanagotos, palenques, y otros: Sus principios, y incrementos que oy tiene, con todas las cosas mas singulares del pais, politica, y ritos de sus naturales, practica que se observa en su reduccion, y otras cosas dignas de memoria. Madri: Juan García Infançon, 1690. Biblioteca online John Carter Brown: https://archive.org/details/ conversiondepiri00ruiz/page/n155/mode/2up. Acesso em 10 de outubro de 2020. Blanco, Matías Ruiz. Conversión en Piritú (Colombia) de indios cumanagotos y palenques con la práctica que se observa en la enseñanza de los naturales en lengua cumanagota. Madri: Librería de Victoriano Suarez, 1892. Biblioteca Digital Hispánica: http://bdh.bne.es/bnesearch/CompleteSearch.do?showYearIte ms=&field=todos&advanced=false&exact=on&textH=&completeText=&tex t=mat%c3%adas+ruiz+blanco&languageView=es&pageSize=1&pageSizeAb rv=30&pageNumber=2. Acesso em 08 de novembro de 2020. Blanco, Matías Ruiz. Conversión de Piritu. Serie Fuentes para la Historia Colonial de Venezuela, vol. 78. Caracas: Academia Nacional de la Historia, 1965. Castillo, Horacio Biord. “El (re) aprendizaje de una lengua extinta: etnogénesis entre los Cumanagotos del nororiente de Venezuela”. Revista Antropología Americana, v.3, nº6, (2018): 35-55: https://www.revistasipgh.org/index.php/ anam/article/view/129. Acesso em 05 de janeiro de 2021. Cernuda, Miguel Ángel Vega. “La convención de Piritú de Matías Ruiz Blanco, un texto híbrido de língüística, traducción y etnografía”. Revista In-Traduções, v. 6, (2014): 155-170. http://stat.necat.incubadora.ufsc.br/index.php/intraducoes/ article/view/2770/3301. Acesso em 08 de outubro de 2020. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 27 Tradução de Conversión de Piritu (Excertos), de Matías Ruiz Blanco Doctrina christiana, y catecismo para instruccion de los indios, y de las de mas personas, que han de ser enseñadas en nuestra sancta fé: Con un confessionario, y otras cosas necessarias para los que doctrinan, que se contienen en la pagina siguiente. Ciudad de los Reyes: Antonio Ricardo,1584. Biblioteca Digital Hispánica: http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000192416&page=1. Acesso em 11 de dezembro de 2020. Flores, Valdir do Nascimento. “A condição tradutória”. Problemas gerais de linguística. Rio de Janeiro: Vozes, 2019. Lambert, José. “A tradução”. Tradução de Marie-Hélène Catherine Torres e Álvaro Faleiros. Literatura e Tradução: textos selecionados de José Lambert. Rio de Janeiro: 7 letras, 2011. Lloyd, Geoffrey. “On the very possibility of mutual intelligiblity”. Journal of Ethnographic Theory, v. 4, nº 2, (2014): 221–235. http://www.haujournal.org/in dex.php/hau/issue/view/hau4.2. Acesso em 18 de novembro de 2020. Sarion, Roxana. “Teología de la traducción. Estrategias de adaptación lingüística en los catecismos de la provincia de Cumaná en Venezuela (siglo XVII)”. Lingüística misionera: aspectos lingüísticos, discursivos, filológicos y pedagógicos. Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú, 2019. https:// munin.uit.no/handle/10037/18463. Acesso em 07 de outubro de 2020. Sarion, Roxana. Translator proditor. The affirmation of the authorial voice in Matías Ruiz Blanco. https://hiphilangsci.net/2015/09/30/translator-proditorthe-affirmation-of-the-authorial-voice-in-matias-ruiz-blanco/. Acesso em 07 de outubro de 2020. Severi, Carlo; Hanks, William. “Translating Worlds: The epistemological space of translation”. Journal of Ethnographic Theory, v. 4, nº 2, (2014): 1-16. http://www.haujournal.org/index.php/hau/issue/view/hau4.2. Acesso em 12 de novembro de 2020. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 28 Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento Torres, Marie-Hélène Catherine. “O tradutor: perfil e análise”. No horizonte do provável: ensaios sobre tradução. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013. Joaquim Martins Cancela Júnior. E-mail: jmcj.ufpa@gmail.com. https://orcid. org/0000-0002-5568-5524. Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento. E-mail: sralilian@gmail.com. https:// orcid.org/0000-0003-3587-849X. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 18-29, jan/jul, 2021. 29 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84930 PRÁCTICA QUE HAY EN LA ENSEÑANZA DE LOS INDIOS, Y UN DIRECTIVO PARA QUE LOS RELIGIOSOS PUEDAN CÓMODAMENTE INSTRUIRLOS EN LAS COSAS ESENCIALES DE LA RELIGIÓN CRISTIANA (CAPÍTULOS II, III, IV, V) Matías Ruiz Blanco Tradução de: Joaquim Martins Cancela Júnior1 1 Universidade Federal do Pará-Soure, Soure, Pará, Brasil Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento2 2 Universidade Federal do Pará-IEMC, Belém, Pará, Brasil CONVENCIÓN DE PIRITÚ P. Fr. Matías Ruiz Blanco CONVENÇÃO DE PIRITU1 P. Fr. Matías Ruiz Blanco 1690 1690 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios, y un directivo para que los Religiosos puedan cómodamente instruirlos en las cosas esenciales de la Religión Cristiana. Prática que há no ensino dos Indígenas, e uma diretriz para que os Religiosos os possam instruir comodamente nas coisas essenciais da Religião Cristã. CAPÍTULO II CAPÍTULO II Satisfácese algunas dudas sobre Solucionando algumas dúvidas soesta traducción de la Doctrina. bre esta tradução da Doutrina. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 30 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento 13. Supongo que en esta traducción he procurado interpretar las voces del idioma Castellano, de que inútilmente se ha usado hasta aquí, con otras del idioma de los Indios, propias, o equivalentes en el sentido, y que explican muy bien lo sustancial de los misterios, en que es necesario sean instruidos; porque según notó San Gerónimo de optim. gen. interprœt. en las versiones, no tanto se ha de atender a lo material de las voces, cuanto a su formal significación, y sentido: y supuesto que en el nativo lenguaje hay voces con las cuales se les puede dar a entender los divinos misterios, e instruirlos en lo que deben creer, es cosa irracional entender, que con términos, y voces del idioma Castellano, que no saben, ni entienden, puedan venir en conocimiento de lo que se les dice, y promulga. 13. Suponho que nesta tradução procurei interpretar as vozes do idioma Espanhol, que inutilmente se usou até aqui, com outras do idioma dos Indígenas, próprias ou equivalentes no sentido, e que explicam muito bem o essencial dos mistérios, sendo necessário que sejam instruídos; porque segundo observou São Jerônimo nas versões de optm. gen. interprœt.2, nem tanto atende ao material das vozes, quanto a sua significação formal e sentido: e claro que na língua nativa há vozes com as quais se pode entender os mistérios divinos e instruir-lhes no que devem crer, é coisa irracional entender, que com expressões e vozes do idioma Espanhol, que não sabem, nem entendem, possam vir a conhecer aquilo que lhes é dito e promulgado. 14. De que se infiere también por necesaria consecuencia, que dichas voces del lenguaje Castellano, era preciso se tradujesen en otras inteligibles para los Indios, o que hayan estado, y estén con invencible ignorancia de aquellos misterios de Fe, que por ellas se les han promulgado. Uno, y otro concluyo con este dilema; o tiene voces la natural lengua de Indios propias, o equi- 14. Do que também se infere a necessária consequência de tais vozes da língua Espanhola, era preciso que se traduzissem em outras inteligíveis para os indígenas, que estejam, ou tenham estado na invencível ignorância daqueles mistérios da Fé, que por elas foram promulgados. Os dois concluo com este dilema: ou a língua natural dos Indígenas tem vozes próprias, ou equivalen- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 31 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco valentes para promulgarles los Divinos misterios, o no las tiene? Si las tiene, luego se deben promulgar con ellas. Si absolutamente no las tiene, luego repugna, que los tales misterios se les puedan promulgar sino en lenguaje Castellano; at sic est, que éste no le entienden (como lo supongo) luego se sigue por necesaria consecuencia, que es preciso se traduzcan los misterios de Fe en su nativo idioma, o que se estén con ignorancia invencible de ellos. tes para promulgar os mistérios Divinos, ou não as tem? Se as tem, então deve promulgar com elas. Se absolutamente não as tem, então se contradiz que possam promulgar os tais mistérios, como em língua Espanhola, at sic est, que não a entendem (como suponho), portanto, continua a necessária consequência, que é preciso traduzir os mistérios da fé em seu idioma nativo, ou que eles permaneçam na ignorância invencível. 15. Supongo también, que los términos Castellanos entremetidos con los del lenguajes de los Indios, no sólo son inútiles, mas también juntos confunden los unos la significación de los otros; a la manera que si yo en Castilla dijese una oración, interpolando voces Castellanas con Mexicanas, Arábigas, o Griegas, fuera ignorancia intolerable hacer juicio de que me entendían hablando a un tiempo en términos de diversos idiomas; antes sí los unos fueron obstáculo para la inteligencia de los otros, en que no hay dudas. 15. Suponho, também, que as expressões Espanholas intrometidas nas da língua dos Indígenas, não só são inúteis, mas também juntas confundem o significado uma da outra; de modo que se eu dissesse, em Castela, uma oração intercalando vozes Espanholas com Mexicanas, Árabes ou Gregas, seria ignorância intolerável minha julgar se me compreendiam falando expressões de vários idiomas ao mesmo tempo; umas são obstáculos para a compreensão das outras, antes não há dúvida. 16. Mas no obstante que estos supuestos son tan evidentes, podrá replicar alguno, y decir, que en uno de los Concilios Limenses hay precepto para que en la traducción de la Doc- 16. Mas, a pesar dessas suposições serem muito evidentes, alguns podem questionar, e dizer que num dos Concílios Limenhos3 há um preceito sobre a tradução da Doutrina Cristã, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 32 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento trina Cristiana, cuando falten términos de los lenguajes de los Indios, se suplan con otros de la lengua Castellana: luego no obsta la interposición de voces Castellanas con las de cualquier otro idioma de los Indios. que quando faltem expressões da língua dos Indígenas, se supram com outras da língua Espanhola: logo não impede a interposição de vozes Espanholas com as de qualquer outro idioma dos Indígenas. 17. Respondo, que el precepto del Concilio tiene, en caso que en cualquiera idioma no se hallen términos formales, o equivalentes con que traducir, o explicar los misterios, y demás cosas tocantes a la Doctrina Cristiana, y así aunque no es obstáculo, en caso que no se hallen otros, con ellos nunca se podrá conseguir el que entiendan los misterios de la Fe, lo cual es ajeno de duda. 17. Repito, que o preceito do Concílio tem, em qualquer idioma, no caso de não encontrar expressões formais ou equivalentes para traduzir ou explicar os mistérios, e demais coisas a respeito da Doutrina Cristã, e mesmo sem dificuldade, no caso de não encontrem outras, com elas nunca poderá conseguir que entendam os mistérios da Fé, que são alheios à dúvida. 18. Lo segundo replicará, que es caso recio instruir de nuevo una gente ruda, que está ya acostumbrada a oír la Doctrina Cristiana mixta con voces de la lengua Castellana que, aunque no entienden, se les pueden declarar con términos de su lengua. 18. Segundo, questionará que é caso doloroso instruir de novo gente rude que está já acostumada a ouvir a Doutrina Cristã misturada com vozes da língua Espanhola que, embora não entendem, podem se manifestar com expressões de sua língua. 19. Respondo, que caso más recio es, que estén toda la vida, y aún se mueran sin entender algunos misterios, ni creerlos; y aunque se les puedan explicar, no lo podrá hacer el que no tuviera bastante comprensión de las lenguas, ni el que sólo se aplica por cumplimiento, contentándose 19. Repito, o caso mais doloroso é quando ficam a vida toda, e morrem, sem entender e nem crer em alguns mistérios; e ainda que possam explicar-lhes, não poderá fazer aquele que não tiver bastante compreensão das línguas, nem o que se aplica somente aos cumpri- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 33 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco con que recen lo cotidiano, sin declararles más; y así es muy necesario, que lo que rezan cotidianamente, sea de suerte, que lo puedan entender sin más explicación, siendo posible, como lo es en esta lengua. Lo tercero podrá replicar que las palabras Dios, Jesuscristo, y Santa María Virgen, de que se ha usado en las primeras traducciones, no era inconveniente que se dejasen por no ocasionar novedad. mentos, contentando-se que rezem diariamente sem revelar-lhes mais; e assim é necessário que rezem cotidianamente, e com sorte, possam entender sem mais explicação, ainda possível, como é nesta língua. E terceiro, poderá questionar que as palavras Deus, Jesus Cristo e Virgem Maria, que foram usadas nas primeiras traduções, não era inconveniente que permanecessem, por não causarem novidade. 20. Respondo, que mayor inconveniente es que ignoren los misterios que por ellas se dan a entender; y que mayor novedad para los Indios, es proponerles voces Castellanas, que no son de su idioma, y que no entienden, pudiendo, con las que son de su idioma, darles a entender lo que con dichas voces Castellanas no se les puede declarar. 20. Repito, que o maior inconveniente é que ignorem os mistérios que através delas podem entender; e que a maior novidade é para os Indígenas, ao proporcionar-lhes vozes Espanholas, que não são do seu idioma, e não entendem, podendo, com as que são do seu idioma, entender o que com ditas vozes Espanholas não podem manifestar. 21. Confirmase esta verdad, porque si lo que significa esta palabra, Dios, nunca se les propone en términos de su lengua, tampoco podrán tener conocimiento de su significado, y consiguientemente no podrán tener Fe del primer artículo, que confiesa hay un Señor que es Criador de todas las cosas. Lo mismo digo de la palabra Jesuscristo, cuyo significado es ser Hijo de este 21. Confirma-se esta verdade, porque se o que significa esta palavra, Deus, nunca se propõe em expressões de sua língua, também não poderão ter conhecimento de seu significado, e consequentemente não poderão ter Fé da primeira verdade, que admite haver um Senhor que é Criador de todas as coisas. O mesmo digo de Jesus Cristo, cujo significado é ser Filho deste Criador, e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 34 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento Criador, y justamente de una Mujer Virgen: todo lo cual se declara muy bien con las palabras de mi traducción en el idioma de los Indios, lo cual no podrá negar el que lo sabe. justamente de uma Mulher Virgem: tudo que se revela muito bem com as palavras de minha tradução no idioma dos Indígenas, o qual não poderá negar aquele que sabe. CAPÍTULO III CAPÍTULO III De algunas dudas sobre la primera De algumas dúvidas sobre a primeitraducción, de que consta más claro ra tradução, por consistir mais claro o importante desta última. lo importante de esta última. 22. En la primera traducción de la Oración del Pater noster, estaba traducida la petición que dice: No nos dejes caer en la tentación, en esta forma: Amna quemamozpoy machircom yau, las cuales palabras, según su legítima significación, dicen: No nos hagas caer en pecados; porque, quemamozpoy, significa: No me hagas caer; lo cual así dicho, es absurdo y está condenado, como lo está esta proposición: Deus est autor mali, y por eso en mi traducción quité la dicha palabra, quemamozpoy, y en su lugar puso Capoicac, que sin controversia significa apártame; y en la dicha petición puse ahora, amna quenota ptek, imachtapra quivechetcom, que quiere decir, ampáranos o defiéndenos para que no pequemos, que es lo mismo que decir: no nos dejes caeren en la tentación. 22. Na primeira tradução da Oração do Pater noster, estava traduzido o pedido que diz: Não nos deixes cair em tentação, nesta forma: Amna quemamozpoy machircon yau, as quais palavras, segundo sua legítima significação, dizem: Não nos faças cair em pecados; porque, quemamozpoy, significa: Não me faças cair; que dito assim, é absurdo e está condenado, como já está esta afirmação: Deus est autor mali, e por isso em minha tradução tirei a dita palavra, quemamozpoy, e em seu lugar coloquei Capoicac, que sem controvérsias significa afaste-me; e no dito pedido coloquei agora, amna quenota ptek, imachtapra quivechetcom, que quero dizer, ampara-nos ou defende-nos para que não pequemos; que é o mesmo que dizer: não nos deixes cair na tentação”. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 35 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco 23. En la última petición se puso esta palabra, amna quetupcak, que quiere decir: vénganos, en que erró el intérprete, pues no es lo mismo decir líbranos, ni en todo el texto de la oración se halla palabra que denote venganza, y por eso quité la dicha palabra quetupcack, y traduje así capiocak com yaquer temeré curepra poy; lo cual, sin controversia dice y apártanos de todo lo malo: lo cual es muy conforme a la última petición y ajeno de todo escrúpulo. 23. No último pedido foi colocada esta palavra, amna quetupcak, que quer dizer: venha a nós, que errou o intérprete, pois não é o mesmo que dizer livra-nos, nem em todo o texto da Oração se encontra palavra que denote vingança, e por isso tirei a dita palavra quetupcack, e traduzi assim: capiocak com yaquer temeré curepra poy; que, sem controvérsia diz, e afasta-nos de todo mal; que está conforme ao último pedido e alheio de todo escrúpulo. CAPÍTULO IV CAPÍTULO IV Resuévense algunas dificultades de Resolvendo algumas dificuldades da la primera traducción del Símbolo primeira tradução do Símbolo da Fé de la Fe. 24. La primera traducción del Símbolo de la Fe contenía graves dificultades; lo uno, por la falta de palabras, que se suplieron con las del idioma Castellano; lo otro, por no haber hallado en el lenguaje de los Indios la palabra, que formalmente significase el asenso del entendimiento, que es preciso para intimarles la obligación que tienen de asentir a los divinos misterios que se les promulgan, y ejercitarlos en que hagan actos de Fe. Acerca de lo cual es de notar, que la ignorancia del dicho verbo, ocasionaba en los Religiosos 24. A primeira tradução do Símbolo da Fé tinha sérias dificuldades: uma, pela falta de palavras, que preencheram com as do idioma Espanhol; e outra, por não ter encontrado na língua dos Indígenas a palavra que formalmente significasse o consenso do entendimento, que é preciso para lhes intimar da obrigação que têm de aceitar os mistérios divinos que promulgam, e exercitá-los para que façam atos de Fé. A respeito do que é para observar, que a ignorância do dito verbo ocasionava nos Religiosos conversores discórdia e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 36 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento conversores discordia, y variedad; y así sobre esta palabra, Credo in Deum, para declarar la lengua de los Indios, hubo tres traducciones, que pondré con toda legalidad. indiferença, e assim sobre esta palavra, Credo in Deum, para revelar a língua dos Indígenas, houve três traduções, que colocarei com toda legalidade. 25. La primera decía: ure yehua man Dios; la segunda: yehua mana tehui quene Dios mana quaneren; la tercera: ycatemaze Dios pueque; la primera no declara más que, yo sé; porque la palabra Dios, no la entendían los Indios; la segunda declara: sé que hay uno sólo de verdad; la tercera decía: tengo gusto o complacencia; de las cuales consta, que aunque los Indios entendieran la partícula Dios, se infiere, que sólo podían hacer estos actos, se, o conozco que hay un Dios, o conozco que hay un Dios verdaderamente; y finalmente tengo gusto o complacencia en Dios, porque la palabra yechuamana, según su verdadera significación, no es otra cosa que conozco o sé; y la palabra ycatemaze, no significa otra cosa, que gustar o tener complacencia, y en todo rigor sólo significa gustar con el paladar. 25. A primeira dizia: ure yehia man Dios; a segunda: yehua, man tehui quene Dios mana quaneren; a terceira: Ycatemaze Dios pueque; a primeira não revela mais que eu sei; porque a palavra Deus, os indígenas não a entendiam; a segunda revela: Sei que há uma só verdade; a terceira dizia: tenho gosto ou condescendência; do qual consiste que, embora os indígenas entendessem a partícula Deus, infere-se que só podiam fazer esses atos se, eu conheço que há um Deus, ou com toda a verdade eu conheço que há um Deus; e finalmente tenho gosto ou condescendência em Deus, porque a palavra yechuamana, segundo seu real significado, não é outra coisa que conheço ou sei; e a palavra ycatemaze não significa outra coisa senão gostar ou ter condescendência, e com todo rigor, significa apenas sentir com o paladar. 26. Los dichos tres modos de explicar o de interpretar la palabra Creo en Dios, los excluí por las razones que se siguen; la primera, 26. Os três ditos modos de explicar ou de interpretar a palavra Creio em Deus, os excluí pelas razões que seguem: a primeira, porque a pala- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 37 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco porque la palabra yechuamana, sólo significa cualquier conocimiento o simple noticia del objeto, sea cierta o probable; ac sit est, que el tal conocimiento no es el asenso que llaman las escrituras acto de Fe actual, como no lo son el conocimiento científico ni opinativo, si son incompatibles, circa idem obiectum, en un entendimiento: luego la tal palabra no era conveniente, pues por ella no se expresaba el acto de Fe necesario en cualquier adulto para la justificación. vra yechuamana significa somente qualquer conhecimento ou simples informação do obstáculo, seja certo ou provável; ac sit est, que o tal conhecimento não é o consenso do que chamam as escrituras ato de Fé atual, como não o são o conhecimento científico nem dogmático, se são incompatíveis, circa idem objectum, num entendimento: a tal palavra não era conveniente, pois por ela não se expressava o ato de Fé necessário para a santificação da fé de qualquer adulto. 27. Confirmase esta razón; porque también los gentiles filósofos tuvieron conocimiento de un Dios, y los Mahometanos de que hay Cristo; y es cierto que los tales no tuvieron ni tienen Fe; luego para creer en los misterios no basta cualquier noticia o conocimiento de ellos sin el asenso especial; luego no habiendo término propio que en este idioma lo signifique, implica que los Indios puedan hacer actos de Fe acerca de los divinos misterios que se les promulgan. 27. Confirma-se esta razão; porque também os filósofos pagãos tiveram conhecimento de um Deus, e os maometanos da existência de Cristo; e é certo que esses não tiveram nem tem Fé; pois para crer nos mistérios não basta qualquer notícia ou conhecimento sem o consenso especial; portanto, não havendo termo próprio significativo neste idioma, implica que os Indígenas possam fazer atos de Fé acerca dos divinos mistérios os que são divulgados. 28. Confirmase lo segundo; porque también los Indios infieles, y pertinaces, preguntados de los misterios, responden que los saben mediante el continuo uso que tienen de oírlos, y 28. Confirma-se o segundo; porque também os Indígenas infiéis e pertinazes, perguntados sobre os mistérios, respondem que sabem através da contínua prática ao escutá-los, e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 38 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento dicen yehuamana; at sic est, que los tales no asienten a ellos, ni tienen Fe; luego es señal manifiesta de la tal palabra no significa el tal asenso. dizem yehuamana; at sic est, pois os tais mistérios não são aceitos por eles, nem tem Fé; então é obvio que esta palavra não significa o tal consenso. 29. Consta de la definición de la Fe, que pone y explica muy bien Nicolao Turlo: Fides est domun Dei, ac lumen quo illustratos homo firmiter assentitur ómnibus quae Deus revelavit, & nobis credenda proposuit, seva illa scripta sint, sive non sint. Turlot in Thesaur. I, part. cap. I. Luego otro conocimiento o noticia que no sea este indubitable, y firme asenso de los misterios revelados, no es acto de Fe; de que se convence que si no se procura indagar en el idioma de los Indios término o verbo que lo signifique, ni podrá constar si lo dan a lo que se les propone, ni tampoco instruirlos en la obligación que tienen de creer. 29. Consta da definição da Fé, que coloca e explica muito bem Nicolao Turlo: Fides est domun Dei, ac lumen quo illustratos homo firmiter assentitur ómnibus quœ Deus revelavit, & nobis credenda proposuit, seva illa scripta sint, sive non sint. Turlot in Thesaur. I, part. cap. I. Logo, outro conhecimento ou notícia que não seja este indubitável e firme consenso dos mistérios revelados, não é ato de Fé; daí se convence que, se não se procura indagar o que significa no idioma dos Indígenas o termo ou verbo, não poderá constar se oferecem o que se propõe, muito menos instruí-los na obrigação que tem de crer. 30. Contra estas razones hay una réplica fuerte del cap. 17 de San Juan, que dice: Hoec est vita aeterna ut cognoscant te solum Deum verum, & quem missisti Jesum Christum. Jeann 17, v. 3. Luego el conocimiento de un Dios verdadero, y del mediador, es lo mismo que el acto de Fe de que vamos hablando. 30. Contra estes raciocínios há uma réplica forte do cap. 17 de São João, que diz: Hoec est vita aeterna ut cognoscant te solum Deum verum, & quem missisti Jesum Christum. Jeann 17, v. 3. Logo, o conhecimento de um Deus verdadeiro, e do mediador, é o mesmo que o ato de Fé de que estamos falando. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 39 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco 31. Respondo que el conocimiento de que habla este texto no es cualquiera, sino aquel que se tiene por la Fe, que es el asenso indubitable y firme acerca de los misterios revelados. Consta, porque no puede ser conocimiento opinativo, ni científico, aunque sea sobrenatural, que los bienaventurados tienen conocimiento intuitivo de los misterios creíbles, y no tienen Fe de ellos, ni la pueden tener; y los herejes opinan sobre algunos artículos y dogmas de Fe y en los tales no hay Fe de ellos, sino conocimiento dudoso y opinativo, y así aquella palabra cognoscant del Texto de San Juan, se debe explicar con otras muchas que hay en la Escritura Sagrada, que explican más claramente el asenso de la Fe. 31. Repito que o conhecimento de que fala este texto não é qualquer outro, senão aquele que se tem pela Fé, que é o consenso indubitável e firme acerca dos mistérios revelados. Consta, porque não pode ser conhecimento dogmático nem científico, mesmo que sobrenatural, que os bem-aventurados tem conhecimento intuitivo dos mistérios críveis e não tem Fé neles, nem poderiam ter; e os hereges opinam sobre alguns artigos e dogmas de Fé, mas neles não existe Fé, só conhecimento duvidoso e dogmático, e assim aquela palavra cognscant, do Texto de São João, se deve explicar com outras muitas que há na Escritura Sagrada que explicam mais claramente o consenso da Fé. 32. Declaro más mi intento con lo que sucede en la Fe humana, que aunque tengamos noticia de algunas cosas que nos cuentan las historias, sucede que no asentimos a ellas ni les damos crédito, o porque tienen alguna dificultad, o por no comprender su posibilidad, y no repugnancia: luego es cierto y notorio que no es lo mismo tener noticia de la cosa, que asentir a ella o creerla. Parificando ahora nuestro asunto, digo que los Indios bien pueden tener noticia de los misterios que se 32. Declaro, sem mais, minha intenção sobre o que acontece na Fé humana, embora tenhamos notícia de algumas coisas que as histórias nos contam, acontece que não as consentimos nem lhes damos crédito, ou porque elas têm alguma dificuldade, ou por não compreender sua casualidade, e não aversão: então, é certo e notório que não é o mesmo ter notícia da coisa que consentir com ela ou nela crer. Parificando agora nosso assunto, digo que os Indígenas bem podem ter Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 40 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento les predican, y el conocimiento de ellos, que se les administra por la enseñanza cotidiana, y con ésta perseverar incrédulos, y sin asentir a ellos, como sucede; luego la Fe no es cualquiera noticia o conocimiento, sino especial, cuya obligación es preciso dársela a entender en su idioma. informação dos mistérios que pregam, e o conhecimento deles, sacramentado pelo ensino cotidiano, e com este permanecer incrédulos, sem consentir a eles, como acontece; logo, a Fé não é qualquer notícia ou conhecimento, senão especial, cuja obrigação era preciso dar-se a entender em seu idioma. 33. La necesidad de este asenso consta claramente de aquellas palabras de San Pablo en la Epístola ad Hebreos adonde dice: Accedentem ad Deum oportet credere quia est. Ad Hebr. II. Adonde es de notar que no dice oportet, scire, vel cagnoscere; y en esto se fundan los Teólogos con Santo Tomás 2. 2. 9. 6 art. I, para probar la necesidad de este asenso, tomado en rigor, no por la conexión ni orden de las dos potencias, según le pareció á Cayetano, sino como dijo el sutil Doctor: Quia Deus hune actum potius quam alium aceptavit. Scotus in 3. d 24. Que la necesidad de este asenso de Fe stricto, es porque Dios aceptó este acto y no otro para la justificación. Y así el Concilio Tridentino dice que sin él es cosa imposible agradar a Dios, ni justificarse el hombre: Sine qua (suple fide) nulli unquam continit iustificatio. Trid. Sess. 6 art. I. Luego sin el asenso que es rigorosamente 33. A necessidade deste consenso consta claramente daquelas palavras de São Paulo na epístola ad Hebreos que diz: Accedentem ad Deum oportet credere quia est. Ad Hebr. II. Ao notar que não se diz oportet, scire, vel cagnoscere; e nisto se fundamentam os Teólogos com São Tomás 2. 2. 9. 6 art. I, para provar a necessidade deste consenso, tomado em rigor, não pela conexão nem pela ordem dos dois potenciais, segundo pareceu a Cayetano, senão como disse o sutil Doutor: Quia Deus hune actum potius quam alium aceptavit. Scotus in 3. d 24. Que a necessidade deste consenso de Fé stricto, é porque Deus aceitou este ato e não outro para a santificação da fé. E assim o Concílio Tridentino disse que sem ele é impossível agradar a Deus, e nem o homem se elevar na fé: Sine qua (suple fide) nulli unquam continit iustificatio. Trid. Sess. 6 art. I. Logo, sem o consen- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 41 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco Fe, ningún adulto se puede justificar aunque tenga noticia y conocimiento de los misterios. Es doctrina de San Agustín, citado del Maestro de las Sentencias por las siguientes palabras. so que é rigorosamente Fé, nenhum adulto pode se santificar mesmo que tenha notícia e conhecimento dos mistérios. É doutrina de Santo Agostinho, chamado de Mestre das Sentenças pelas seguintes palavras. 34. Dice así en el lugar de la margen § Post hoc quœri solet. lit. C. cum fides sit de non aparentibus, & non visis, otrum etiam sit de incognitis tantum? Si enim est de incognitis tantum, & de his videtur ese tantum que ignorantur, in 3. d. 24. Y más abajo: Sciendum est quod cum vissio alia sit interior, ulia exterior, non est fides de subiectis exterior visioni, est tomen de his, quœ vissu exteriori, utumque capiuntur; quia cum fides sit exauditu non modo exteriori non potest ese de eo, quod omnimo ignoratur. Y concluye, diciendo: Nemo tamen potest credere in Deum nisi aliquid intelligat, cum fides sit ex auditu prœdicationis. 34. Assim disse na nota do texto § Post hoc quœri solet. lit. C. cum fides sit de non aparentibus, & non visis, otrum etiam sit de incognitis tantum? Si enim est de incognitis tantum, & de his videtur ese tantum que ignorantur, in 3. d. 24. E mais abaixo: Sciendum est quod cum vissio alia sit interior, ulia exterior, non est fides de subiectis exterior visioni, est tomen de his, quœ vissu exteriori, utumque capiuntur; quia cum fides sit exauditu non modo exteriori non potest ese de eo, quod omnimo ignoratur. E conclui, dizendo: Nemo tamen potest credere in Deum nisi aliquid intelligat, cum fides sit ex auditu prœdicationis. 35. De esta doctrina se concluye con toda claridad, no solo que la Fe no es cualquier conocimiento, sino que a ella se supone conocimiento y noticia del misterio creíble, porque repugna que se crea lo que totalmente se ignora; y también que si a los Catecúmenos no se les instruye después de darles a entender 35. Conclui-se desta doutrina, com toda clareza, não apenas que a fé não seja qualquer conhecimento, mas que a ela se supõe conhecimento e notícia do mistério crível, porque é contraditório crer naquilo que se ignora totalmente; e também que se os Catecúmenos não são instruídos, depois de dar-lhes a entender Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 42 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento las cosas de la Fe, en que asientan a ellas, no las creerán, como sucede, habiéndoselas promulgado muchas veces que aún perseveran dudosos o incrédulos. as coisas da Fé, em que consentem com elas, não as crerão, como acontece, havendo-as promulgado muitas vezes que ainda permaneçam duvidosos ou incrédulos. 36. La otra palabra, ycatemaze, es aún más ajena del intento, porque solo significa gustar con el paladar, y aunque significase también la complacencia en los misterios que se les predican, o la pia afección, no se extiende ni se puede extender a más, ni a significar el asenso del entendimiento; y no hay duda que muchas cosas se oyen con gusto, aunque no se crean ni se les dé crédito: y así el un modo ni el otro de interpretar la palabra Credo del Símbolo, no se puede usar, como bien ajenos de significar el asenso formal. 36. A outra palavra ycatemaze, é ainda mais distante do propósito, porque somente significa sentir com o paladar, e mesmo que significasse também complacência nos mistérios que pregam, ou a piedosa afeição, não se estende nem pode se estender mais, nem significar o consenso de entendimento; e não há dúvida que muitas coisas se ouvem com prazer, mesmo que não creiam nem deem crédito: e assim, nem de um modo nem de outro se interpreta a palavra Credo do Símbolo, como longe de significar consenso formal, não se pode usar. CAPÍTULO V CAPÍTULO V De los verbos que en lengua de los Dos verbos que na língua dos Indígenas de Piritu significam crer Indios de Piritú significan creer 37. Con la variedad que dejo explicada en el capítulo antecedente, corrió algunos años la cotidiana instrucción de los Indios, usando cada Religioso de aquellas voces que le parecían más aparentes en grave perjuicio de la conformidad que deben tener en las Doctrinas los Mi- 37. Com a diversidade que deixo explicada no capítulo anterior, decorreu alguns anos a instrução cotidiana dos Indígenas, e cada Religioso usou daquelas vozes que lhe pareciam o mais aparente grave prejuízo em conformidade presente nas Doutrinas dos Ministros Evan- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 43 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco nistros Evangélicos entre infieles; gélicos entre os infiéis, que é tão lo cual es tan necesario cuanto da a necessário quanto dá a entender o seguinte caso. entender el siguiente caso. 38. Entraron en un reino ciertos Religiosos con ánimo de predicarles la Fe a los naturales, que eran idólatras, y como entre los hombres (por timoratos que sean) nunca deja de haber variedad de dictámenes, parece que entre los tales le hubo acerca de proponer a los infieles los misterios de la Fe; y como esta materia ocasionase entre ellos alguna discordia, y llegase a noticia del Rey, guiado de la razón natural, los llamó y dijo que se saliesen de su Reino y que después que estuviesen conformes podían volver a predicarles. Caso cierto bien particular y que persuade cuán importante es el que haya con formidad en las Doctrinas entre los Ministros para evitar sospechas entre los infieles y que se logre con paz el fruto de la predicación. 38. Entraram em um reino certos Religiosos com ânimo de pregar a Fé aos naturais, que eram idólatras, e como entre os homens (por hesitantes que sejam) nunca deixa de haver diversidade de opiniões, parece que entre eles ocorreu a respeito de propor aos infiéis os mistérios da Fé; e como este assunto ocasiona entre eles alguma discórdia, como a informação sobre o rei, guiado pela razão natural, os indígenas os chamou e disse-lhes que saíssem de seu reino e que depois que estivessem de acordo, poderiam voltar a pregar. Este caso, bem particular, que induz o quão importante é que esteja em conformidade com as Doutrinas entre os Ministros para evitar suspeitas entre os infiéis e que se alcance com paz o fruto da pregação. 39. En atención de lo importante que es esta materia, la primera vez que me hicieron Superior de la conversión de Piritú, encargué a todos los Religiosos encomendasen a Dios este negocio y después, juntos todos, y habiendo implorado el divino espíritu en una Misa que se cantó, los Indios más capaces e intérpretes de 39. Em atenção à importância desta matéria, na primeira vez que me fizeram Superior da conversão de Piritu, encarreguei a todos os Religiosos que recomendassem a Deus este empreendimento e depois, todos juntos e tendo implorado o divino espírito em uma Missa em que se cantou, os Indígenas mais capazes e intérpretes Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 44 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento mayor satisfacción, habiendo conferido entre sí este punto, declararon dos verbos, que formalmente en su idioma significan creer; el uno es; ymoromaze, el otro, huecmaze; este último, dijeron declaraba el asenso del entendimiento entre la nación de los Indios Cumanagotos, y que el primero es más general en aquella Provincia, y significa lo mismo. de maior satisfação4, tendo conferido entre si este ponto, declararam dois verbos que formalmente em seu idioma significam crer; um é; ymoromaze, o outro, huecmaze; este último, disseram que declarava o consenso do entendimento entre a nação dos Indígenas Cumanagotos, e que o primeiro é mais comum naquela Província e significa o mesmo. 40. Conformes en este sentir y gozosos de haber hallado la margarita escondida, salimos todos de la junta y después varios lances y pruebas que cada uno ha hecho, han asegurado la significación de dichos verbos, y con especialidad el primero de que por más común he usado en mi traducción. La primera prueba la tuve yo en una ocasión que se levantaron a los montes cantidad de Indios infieles, y compadecido de su miseria y ceguedad, les envié un mensajero que les amonestase se volviesen a oír la palabra de Dios, con aquellas razones que el Señor me dio a entender, y habiendo vuelto el dicho mensajero sin conseguir nada, me dijo: ymoromaora metateu maimur. Esto es, oyeron mi embajada y no la creyeron: no pudo suceder el lance más a propósito para prueba de la significación del dicho verbo ymaromaze. 40. Resignes neste sentir e júbilo de ter achado a margarida escondida, saímos todos da reunião e após vários casos e provas que cada um fez, asseguraram o significado de determinados verbos, especialmente destes primeiros, que mais comumente uso em minha tradução. A primeira prova eu tive quando em uma ocasião em que se levantaram aos montes quantidades de Indígenas infiéis, e compadecido de sua miséria e cegueira, lhes enviei um mensageiro que lhes admoestasse para se voltarem a ouvir a palavra de Deus, com aquelas razões que o Senhor me deu como entendimento, e tendo voltado o dito mensageiro sem conseguir nada, me disse: ymoromaora metateu maimur. Isto é, ouviram minha proposição e não acreditaram nela: não posso proceder o caso mais propício como prova do significado do dito verbo ymaromaze. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 45 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco 41. Otro lance se sucedió al venerable Padre Fray Sebastián Delgado, a quien los Indios Guarives quitaron la vida por predicarles la Fe, el cual estando en cierta ocasión predicando, notó haberse levantado un infiel, llamado Guaicai, y dijo en voz clara estas palabras: Timoromateu imainur, esto es, no crean su doctrina de éste, y es sin duda, que en la ocasión no pudo entenderse en otro sentido la dicha razón; y el mismo juicio hizo de ella el dicho Padre Fr. Sebastián, a quien oí el caso, según queda referido. Otras muchas experiencias omito por la brevedad. 41. Outro caso sucedeu ao venerável Padre Frei Sebastián Delgado, a quem os indígenas Guarives tiraram a vida por pregar-lhes a Fé, o qual estando em certa ocasião pregando, notou que um infiel tinha se levantado, chamado Guaicai, e disse em voz alta estas palavras: Timoromateu imainur, isto é, não acreditem na doutrina dele, e sem dúvida, na ocasião não pude entender com outro sentido a referida razão; e o mesmo juízo fez dela o dito Padre Fr. Sebastián, de quem ouvi o caso, como referido. Outras muitas experiências omito pela brevidade. 42. Concluyo esta materia con decir que el Religioso que se ocupare en la Conversión de los infieles, debe tener especialísimo cuidado, y estudio en la inteligencia de los idiomas, y observar los lances particulares en que los tales se dan más a entender: es muy importante porque en ellos se suelen comprender algunas veces muy propias y formales para persuadirlos en las cosas tocantes a la Fe, y buenas costumbres; y adviertan que es ignorancia muy crasa presumir que los han de convencer con razones que no sean de su idioma, y según su genio y práctica; y que hablarles en lengua Castellana será lo mismo que predi- 42. Concluo esta matéria ao dizer que o Religioso que se ocupar na Conversão dos infiéis, deve ter especialíssimo cuidado, e estudo na compreensão dos idiomas, e observar os casos particulares, os que são mais claros para entender; é muito importante porque neles se costumam compreender algumas situações muito próprias e formais para persuadi-los nas coisas tocantes à Fé e bons costumes; e advirtam que é ignorância muito crassa presumir que os convencerão com raciocínios que não sejam de seu idioma, e segundo sua índole e prática, e que falar-lhes em língua Espanhola será o mesmo que falar com surdos; Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 46 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento car á sordos; y cierto, es gravísimo desconsuelo vivir entre gente cuyo idioma no se entiende; mas no se aflija ninguno, aunque pasen algunos años sin poderles hablar, que con el favor de Dios, poniendo un poco de cuidado, se consigue y cada día con el uso de oírlos y hablarles, se hace más fácil. Hubo un Religioso Lego en esta conversión, llamado Fr. Juan Villegas, que era un bendito varón y al parecer inepto y muy tosco; éste con la costumbre de andar con los Indios en el monte y en las demás funciones que se ofrecían, llegó a comprender tanto el lenguaje de dichos Indios, que no se diferenciaba de ellos cuando hablaba. Este Santo Religioso padeció martirio entre los Indios Guarives, en compañía del Venerable Fray Sebastián Delgado, de quien hice mención atrás. Y habiendo ido por su cuerpo pasadas ya más de treinta horas que lo mataron, arrojó gran cuantidad de sangre por una de las heridas que tenía en el pecho. Glorificado sea Dios en sus siervos. Brevísima explicación de los Artículos de la Fe, preceptos del Decálogo y Sacramentos de la Santa Iglesia de los Indios de Piritú. por certo, é desconsolo gravíssimo viver entre gente cujo idioma não se entende; mas não se aflija, mesmo que passe alguns anos sem poder falar-lhes, pois com a graça de Deus e tendo um pouco de cuidado, se consegue, e a cada dia com o hábito de ouvi-los e lhes falar, se faz mais fácil. Houve um Religioso Leigo nesta conversão, chamado Fr. Juan Villegas, que era um varão abençoado, e de aparência inapta e muito tosca; este, com o costume de andar com os Indígenas no monte e nas demais funções que o ofereciam, chegou a compreender tanto a língua dos referidos Indígenas que não se diferenciava deles quando falava. Este Santo Religioso sofreu martírio entre os Indígenas Guarives, na companhia do venerável Fr. Sebastián Delgado, a quem fiz menção anteriormente. E tendo passado seu corpo já mais de trinta horas que o haviam matado, derramou grande quantidade de sangue por uma das feridas que tinha no peito. Glorificado seja Deus em seus servos. Brevíssima explicação dos Artigos da Fé, preceitos do Decálogo e Sacramento da Santa Igreja dos Indígenas de Piritu 43. Lo que dejamos traducido hasta 43. O que deixamos traduzido até aquí es todo lo esencial que toca al aqui é tudo o que é essencial em rela- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 47 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco Catecismo, porque no es otra cosa Catecismo o Cathechesis que una declaración, o tradición de los misterios de la Fe, y Religión Cristiana, propuestos con preguntas y respuestas, y así Catechista es lo mismo que Maestro que instruye formando preguntas, y Catecúmeno es el Discípulo que responde a las preguntas que le hace el Maestro en el Catecismo o instrucción. Esta se usaba en la primitiva Iglesia, no por escrito, sino de palabra, porque no viniesen los misterios de la Fe escritas a manos de los infieles, y con odio que tenían a la Religión Cristiana, con irrisión los conculcasen y profranasen. Tráelo así Nicolao Turlot en su Tesoro núm. I. Turlot in Tesau, núm I, y se colige de aquellas palabras de San Pablo: Communicet autem is qui càteáhiçatur Verbo ei, qui se catechiçat in ómnibus honis. Galat. 6. ção ao Catecismo, porque não é outra coisa o Catecismo ou Catequese que uma declaração ou tradição dos mistérios da Fé e Religião Cristã, propostos com perguntas e respostas, e assim Catequista é o mesmo que Mestre, o qual instrui fazendo perguntas, e Catecúmeno é o Discípulo que responde às perguntas que o Mestre lhe faz no Catecismo ou instrução. Isso se usava na Igreja primitiva, não por escrito, mas por palavra, para que os mistérios da Fé não viessem escritas pelas mãos dos infiéis, e com o ódio que tinham da Religião Cristã, os violassem e profanassem com escárnio. Assim o traz Nicolao Turlot em seu Tesouro núm. I. Turlot in Tesau, núm I, que reúne com aquelas palavras de São Paulo: Communicet autem is qui càteáhiçatur Verbo ei, qui se catechiçat in óminibus honis. Galat 6. 44. Consta lo antiguo del catecismo, pues se ha usado en la iglesia desde los tiempos de los Apósteles; y según refiere el sobredicho Autor, los Sermones de aquellos primeros Maestros de la Fe no tenían más artificio que el del Catecismo, con que brevemente instruían a los convertidos a la Religión Cristiana. Imitaron a los Apósteles San Cirilo Jerosolimitano en sus Cateheses, San Agustín en su 44. Consta no antigo catecismo, pois se tem utilizado na igreja desde os tempos dos Apóstolos; e segundo se refere o supracitado Autor, os Sermões daqueles primeiros Mestres da Fé não continham mais recursos que os do Catecismo, de maneira de brevemente instruíam os convertidos à Religião Cristã. Imitaram os Apóstolos São Cirilo Jerosolimitano em suas Catequeses, Santo Agostinho Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 48 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento libro de Catechizandis rudibus. Gregorio Nizeno en su oración magna Catechistica, San Vicente Ferrer, de quien escribe el Autor de su vida estas palabras: Neque duntaxat oetate provectos subltmium rerum capaces, sed etiam pueris certis horis ad se vocatos institnebat, docens los quemadmadum se cruce signarent & Surius 5. April. em seu livro de Cathechizandis rudibus. Gregorio Nizeno em sua oração magna Catequética, São Vicente Ferrer, de quem escreve o Autor estas palavras sobre sua vida: Neque duntaxat œtate provectos subltmium rerum capaces, sed etiam pueris certis horis ad se vocatos institnebat, docens los quemadmadum se cruce signarent & Surius 5. Abril. Es de llorar, cierto, la miseria de nuestros tiempos en que vemos a los más de los Predicadores inventar cada día nuevos artificios en los Sermones, más para el aplauso que para la instrucción de sus oyentes, despreciando el imitar a los Apóstoles, y siguiendo la artificiosa y humana Sabiduría de que darán sin duda estrecha cuenta: a los tales llama la Sagrada Escritura Nubes sin agua: Nubes sine agua quœ á Ventis circumferuntur, Judoe. Epist. Cathol. Porque así como las Nubes que son estériles, y faltas de humedad para regar la tierra, no sirven, y con facilidad las desvanece el viento; así son los Maestros que su doctrina la componen de artificio mirando al aplauso y estimación más que al aprovechamiento de las almas; trabajan y se desvelan en vano, y son del viento de la vanidad del mundo arrastrados con facili- É de chorar, com certeza, a miséria de nossos tempos em que vemos a maioria dos Pregadores inventar cada dia mais artifícios nos Sermões, mais para o aplauso do que para a instrução de seus ouvintes, depreciando a imitação dos Apóstolos, e seguindo a artificiosa e humana Sabedoria que, sem dúvida nenhuma, prestarão conta: a estes a Sagrada Escritura chama de Nuvens sem água: Nubes sine agua quœ á Ventis circumferuntur, Judoe. Epist. Cathol. Porque assim como as nuvens que são estéreis, e falta humidade para regar a terra, não servem, e com facilidade o vento as desvanecem, assim são os Mestres que compõe sua doutrina com artifício, objetivando ao aplauso e estima mais que ao proveito das almas; trabalham e se revelam em vão e são arrastados pelo vento da vaidade com facilidade, e assim amal- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 49 Práctica que hay en la enseñanza de los Indios..., de Matías Ruiz Blanco dad, y así malogran sus estudios y con ellos no aprovechan a sí, ni a los pueblos, de que nace tanta ignorancia como experimentamos de la Doctrina Cristiana, y tan poca enmienda en los vicios, que van creciendo cada día más por esta causa. diçoam seus estudos e com eles não aproveitam a si nem aos povos, de onde nasce tanta ignorância quanto podemos experimentar na Doutrina Cristã, e tão pouco reparo nos vícios, que vão crescendo cada dia mais por esta causa. 45. Suponiendo ahora que el Catecismo que dejamos compuesto, más es para instruir con brevedad a la gente pequeña en los rudimentos de la Fe y Doctrina Cristiana, para explicarla con más extensión a los Indios adultos, pondré en los párrafos siguientes una breve explicación, de que se podrá valer el Religioso conversor en las ocasiones que concurren, así Cristianos como infieles a oír la palabra del Evangelio, para explicarles algún misterio, o precepto, y concluirá su plática amonestándoles la obligación que tienen y necesidad de creer y obrar lo que se les enseña para que se salven y diga con ellos el Acto de contrición, según está a la pág. 168, número 12. 45. Supondo agora que o Catecismo que deixamos composto, é mais para instruir com rapidez a pessoa pequena na Fé rudimentar e na Doutrina Cristã; para explicá-la com mais extensão aos Indígenas adultos, colocarei nos parágrafos seguintes uma breve explicação, do qual se poderá valer o Religioso conversor nas ocasiões que ocorrem, assim como Cristãos e infiéis ao ouvirem a palavra do Evangelho, para lhes explicar algum mistério, ou preceito, e concluir sua prática admoestando-lhes a obrigação que têm e a necessidade de crer e trabalhar no que lhes ensinam, para que se salvem e digam com eles o Ato de contrição, segundo está na pág. 168, número 12. Notas 1. Localizado na atual Venezuela oriental: estado Anzoátegui. 2. São Jerônimo: Óptimo Genere Interpretandi - Ad Pammachium, Epistula LVII (396). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 50 Tradução de Joaquim Martins Cancela Júnior & Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento 3. Terceiro Concílio Limenho (1583 - 1584), Epistola do Concílio sobre a tradução da Doutrina Cristã. 4. Satisfacción: “6. f. Rel. Una de las tres partes del sacramento de la penitencia, que consiste en pagar con obras de penitencia la pena debida por las culpas cometidas”. Diccionario de la Real Academia Española. https://dle.rae.es/ satisfacci%C3%B3n. Acesso em 10 de janeiro de 2021. E Satisfação: “[Teologia] Ação de reparar um mal ocasionado a alguém; desculpa por um ato injurioso direcionado a Deus”. Dicionário Online de Português. https://www.dicio.com. br/satisfacao/. Acesso em 10 de janeiro de 2021. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 30-51, jan/jul, 2021. 51 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84932 UMA TRADUÇÃO A SEIS MÃOS DO CAP. VIII DO JOURNAL OF A PASSAGE FROM THE PACIFIC TO THE ATLANTIC (1829), DE HENRY LISTER MAW Tatiana de Lima Pedrosa Santos1 1 Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil/CNPq Samuel Lucena de Medeiros2 2 Universidade do Estado do Amazonas/NIPAAM, Manaus, Amazonas, Brasil Walter Carlos Costa3 3 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/ CNPq Esta tradução tem origem em uma colaboração anterior entre o então mestrando Samuel Lucena de Medeiros, sua orientadora Tatiana de Lima Pedrosa Santos, professora do PPGICH/UEA e Walter Carlos Costa, que orientou, junto com Andréia Guerini, a missão de estudo de um mês de Samuel na PGET/UFSC, dentro do PROCAD Amazônia, que congrega os programas Programa de Pós-Graduação Em Estudos Antrópicos na Amazônia (PPGEAA/ UFPA/), Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UEA) e Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET/UFSC). Nessa missão, Samuel examinou o relato de viagem de CharlesMarie de La Condamine, intitulado Relation abrégée d’un voyage dans l’intérieur de l’Amérique méridionale, depuis la côte de la mer du Sud jusqu’aux côtes du Brésil et de la Guiane, en descendant la rivière des Amazones – Lue à l’assemblée publique de l’Académie des Sciences, le 28 avril 1745 - avec une carte du Maragnon Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa ou de la rivière des Amazones, levée par le même e publicado pelo Senado Federal brasileiro em 2000, sob o título Viagem na América Meridional descendo o rio das Amazonas, em tradução da Comissão do Projeto Coleção o Brasil visto por estrangeiros. A partir do relatório de pesquisa do Samuel, houve uma primeira revisão e acréscimos ligados a questões de arqueologia e história pela Tatiana e, em seguida, por Walter, com acréscimos em relação a questões de tradução cultural. O resultado final foi um artigo a seis mãos, intitulado “Un voyage à travers les idées en Amazonie au XVIIIe siècle: La Condamine, tradução e cultura”, publicado na Cadernos de Tradução, da PGET/UFSC, v. 40 n. 2 (2020). Quando soubemos que estavam organizando o número monográfico “Tradução de relatos de viagem sobre a Amazônia” da Cadernos de Tradução, decidimos retomar a parceria, trabalhando de novo a seis mãos, de novo sobre o texto de um viajante, só que desta vez não apenas comentando mas também traduzindo um texto. Como se sabe, a literatura de viagem de estrangeiros sobre a Amazônia é abundante e grande parte dela ainda inédita em português. Assim, procuramos vários livros de viajantes, sobretudo em inglês e francês. Entre os livros conhecidos da Tatiana e do Samuel, que atuam juntos no Laboratório de Arqueologia Alfredo Mendonça, na SEC/AM (Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas) foi Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic: Crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru, and Descending the River Marañon or Amazon, escrito por Henry Lister Maw e publicado em 1829. Do livro, que baixamos do site www.archive.org, escolhemos o Capítulo VIII, por sua representatividade do conjunto e por sua pequena extensão. Dividimos o trabalho de tradução do texto em 3, a primeira parte ficando com a Tatiana (pp. 214-222), a segunda com o Samuel (pp. 222-230) e a última com o Walter (pp. 230239). Feitas as traduções, discutimos nossas respectivas escolhas tradutórias e chegamos a uma solução de consenso. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 53 Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the... Importância de Henry Lister Maw Jennifer Speak, organizadora da Literature of travel and exploration an encyclopedia, situa o nosso viajante no contexto de seu tempo e do gênero literatura de viagem no mundo anglo-americano, de maneira bastante precisa: Três oficiais navais britânicos escreveram relatos divertidos sobre a travessia dos Andes descendo para a Amazônia: Henry Lister Maw em 1829, e William Smyth e Frederick Lowe em 1835. O capitão da marinha americana William Herndon fez uma viagem semelhante em 1850. (Speake 2003, 932)1 O relato de Lister Maw se enquadra também em um contexto mais amplo, o dos viajantes europeus em um momento importante da expansão colonial de alguns países recentemente industrializados, sobretudo Inglaterra e França. Do ponto de vista brasileiro, corresponde igualmente a um interesse renovado das potências europeias em relação ao país, com destaque para a Amazônia. Por seu lado, Mercedes Cárdenas Martín sublinha a importância de Lister Maw no quadro dos viajantes ingleses ao Peru oitocentista: Henry Lister Maw. – Marinheiro inglês, chegou a Lima em 1827 como membro da tripulação do navio Menai, da Marinha inglesa. Desejava percorrer nosso país a fim de obter vários dados e observar os costumes. Quando seu navio estava voltando para a Inglaterra, Maw solicitou uma licença para ficar alguns meses no Peru. 1 “Three British naval officers wrote entertaining accounts of traversing the Andes on their way to a descent of the Amazon: Henry Lister Maw in 1829, and William Smyth and Frederick Lowe in 1835. The American naval captain William Herndon made a similar journey in 1850.” Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 54 Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa As autoridades peruanas concederam-lhe permissão para fazer a viagem que planejara: ir de Lima ao Marañón. O Arcebispo de Lima lhe pediu relatórios sobre os sacerdotes e os povos da região, que ia visitar. Ele recebeu a documentação necessária para as autoridades o ajudassem em sua jornada. Maw partiu de Lima em 27 de novembro de 1827, quando chegou em Trujillo, um compatriota que falava bem o espanhol se juntou a ele. A rota seguida foi: Trujillo, Cajamarca, Chachapoyas, Marañón e Amazonas, no Brasil embarcaram para a Inglaterra. Antes de partir para sua pátria, Maw enviou às autoridades peruanas os relatórios que conseguiu obter. Seu livro intitula-se: Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru and descendingthe the River Marañon, publicado em 1829.2 Os detalhes fornecidos por Cárdenas Martín são confirmados em diversas passagens do livro de Lister Maw e nos ajudaram a compreender melhor a natureza de sua missão. 2 “Henry Lister Maw. -Marino inglés, llegó a Lima en 1827 como integrante de la tripulación del barco Menai, de la Armada inglesa. Deseaba recorrer nuestro país para obtener datos variados y observar las costumbres. Cuando su barco regresaba a Inglaterra, Maw solicitó licencia para permanecer algunos meses en el Perú. Las autoridades peruanas le concedieron permiso para hacer el viaje que proyectaba: ir de Lima hacia el Marañón. El arzobispo de Lima leencargó obtener informes sobre los sacerdotes y pueblos de la región, que iba a visitar. Recibió documentación necesaria para que las autoridadeslo ayudasen durante su recorrido. Maw partió de Lima el 27 de noviembrede 1827, al llegar a Trujillo se le unió un compatriota que hablaba bien el castellano. La ruta seguida fue: Trujillo, Cajamarca, Chachapoyas, Marañón y Amazonas, en Brasil se embarcaron con destino a Inglaterra. Antes de partir a su patria, Maw envió a las autoridades peruanas los informes que él pudo obtener. Su libro se titula : Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic crossing the Andes in the Northern Provinces of Peru and descendingthe River Marañón, publicado en 1829.” Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 55 Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the... Dados biográficos Não abundam os dados biográficos de Henry Lister Maw (18011874), mas foi possível retraçar alguns dados essenciais de sua vida e obra através de um verbet do site WikiTree, baseado em uma entrada despecializado em genealogia. O verbete, bastante completo, contém dados familiares, nascimento, formação e sua carreira na Royal Navy, a Marinha Real britânica. Essa parte é a que traz detalhes mais importantes para o nosso entendimento de seu livro de viagem ao Peru e ao Brasil. Diz, entre outras coisas: Henry Lister Maw (Tenente, 1825). Este oficial entrou na Marinha em 11 de maio de 1818 e foi por algum tempo Midshipman do Liffey 50, carregando o largo pingente nas Índias Orientais do Comodoro Charles Grant, por quem, durante a expedição à Ava, foi autorizado a atuar como Ajudante de Acampamento Naval a Sir Alexander Campbell, Comandante-em-Chefe das tropas. Enquanto oficiava nessa qualidade, ele parece ter sido empregado guarda do rio Rangoon, e ter realizado a 25 de junho de 1824 a destruição de duas embarcações incendiárias. Em um ataque subsequente a uma forte estocada no rio Dalla, foi sua desgraça, enquanto torcia por seus homens, receber uma bola na cabeça - uma circunstância que o obrigou a retornar à Inglaterra em benefício de sua saúde. Tendo sempre se distinguido, no entanto, por ‘uma série de galhardetes’ exibindo a ‘mais conspícua e avançada bravura’ e sendo recomendado nos termos mais fortes pelo Capitão Marryat, o oficial naval sênior da estação, ele foi recompensado com uma comissão de tenentes datada de 25 de julho de 1825. Suas nomeações seguintes foram - 2 de fevereiro de 1826 para o Harrier sloop, Capitão John Pakenham, na costa da Irlanda - 7 de janeiro de 1827 e 2 de outubro de 1829 para os Menai 26 e Volage 28, Capitães Michael Seymour e Lord Colchester, ambos na estação sul-americana - e 3 de dezembro de 1832 e 16 de julho de 1834 como Segundo Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 56 Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa Tenente do Vernon 50 e Presidente 52, navios-bandeira de Sir George Cockburn na América do Norte e nas Índias Ocidentais. Ele não estava empregado desde 30 de agosto de 1834. Em 1830 Lieut Maw recebeu a grande medalha de prata da ‘Society for the encouragement of Arts, Manufactures and Commerce’ para fragmentos & coletados por ele na América do Sul; e em julho de 1831 ele tirou a patente de uma invenção de um método melhorado de uso de combustível, de modo a queimar fumaça. Em 1832 ele publicou uma Memória das Primeiras Operações da Guerra da Birmânia (WikiTree).3 3 Henry Lister Maw (Lieutenant, 1825). This officer entered the Navy 11 May 1818 and was for some time Midshipman of the Liffey 50, bearing the broad pendant in the East Indies of Commodore Charles Grant, by whom, during the expedition to Ava, he was allowed to act as Naval Aide-de-Camp to Sir Alexander Campbell, Commander-in-Chief of the troops. While officiating in that capacity he appears to have been employed in surveying the Rangoon river, and to have effected 25 June 1824 the destruction of two fire-rafts. In an attack subsequently made on a strong stockade on the Dalla river, it was his misfortune, while cheering on his men, to receive a ball in the head – a circumstance which obliged him to return to England for the benefit of his health. Having all along, however, distinguished himself by “a series of gallantry” exhibitive of the “most conspicuous and forward bravery” and being recommended in the strongest terms by Captain Marryat, the senior naval officer on the station, he was rewarded with a Lieutenant’s commission dated 25 July 1825. His succeeding appointments were – 2 Feb 1826 to the Harrier sloop, Capt John Pakenham, on the coast of Ireland – 7 Jan 1827 and 2 Oct 1829 to the Menai 26 and Volage 28, Capts Michael Seymour and Lord Colchester, both on the South American station – and 3 Dec 1832 and 16 July 1834 as Second-Lieutenant to the Vernon 50 and President 52, flag-ships of Sir George Cockburn in North America and the West Indies. He was not employed since 30 August 1834. In 1830 Lieut Maw was presented with the large silver medal of the “Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce” for fragments &c collected by him in South America; and in July 1831 he took out a patent for an invention of an improved method of using fuel, so as to burn smoke. In 1832 he published a Memoir of the Early Operations of the Burmese War.” Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 57 Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the... Viajantes e formação de identidade Cabe destacar a relação dos viajantes com a formação de identidade. Os viajantes, ao fazer as observações da realidade local passam a interagir com um público cada vez maior que os recepciona como uma leitura obrigatória, já que pretensamente refletiria as realidades locais. As traduções desses viajantes fazem parte da leitura obrigatória dos que querem alargar seus conhecimentos em relação à descrição daqueles que singraram e tiveram a oportunidade de descrever os rios da região pela primeira vez. A literatura dos viajantes passa a fazer parte de nossas fontes primárias e nos relegam uma série de “paradigmas incendiários” que são importantes na construção do ambiente amazônico durante o período colonial e imperial. Henry Lister Maw não é diferente. Seu relato é importante e representa um marco na literatura pela possibilidade de entrecruzamento interdisciplinar com os estudos desenvolvidos na história e na antropologia e, principalmente, na arqueologia. Através de seu relato, é possível encontrarmos descrições pormenorizadas do ambiente amazônico, das populações que aqui se encontravam e de seus produtos culturais. Dessa forma, acreditamos que seu manuscrito e sua respectiva tradução e principalmente popularização possibilitará ferramentas para que se preencha lacunas na história, antropologia e arqueologia da Amazônia. Henry Lister Maw ao percorrer toda a Amazônia peruana e adentrar no Brasil em 1828, dá conta de uma realidade amazônica que era diferente da que figurava simbolicamente como um lugar de prosperidade, de beleza idealizada e referência de identidade nacional. Ao destacar o capitulo VIII de seu relato, queremos antes de tudo, destacar sua passagem por Tabatinga e sua relação com os locais e o sistema embrionário de coleta e cultivo, bem como sua descrição das etnias que habitavam a região, com destaque especial para os Omáguas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 58 Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa Visibilidade da Amazônia e reedição de viajantes A Amazônia está em evidência mundial e o livro de Henry Lister Maw voltou a ser atual. Depois de termos escolhido o livro de Lister Maw e depois de intensas buscas sem resultado positivo, concluímos que não havia nenhuma tradução para o português. No entanto, em outubro de 2020, buscando mais dados sobre Henry Lister Maw, acabamos encontrando uma tradução integral do texto. Encontramos outro dado, mais surpreendente ainda: essa edição foi reimpressa recentemente por uma editora especializadas em reprints de raridades e está à venda na Amazon.uk.co, por £19.95, em capa dura e em edição de bolso por £13.95. Atribuímos o fato ao aumento do interesse internacional pela Amazônia, sobretudo na Europa do Norte e nos Estados Unidos, particularmente entre os meios sensíveis às mudanças climáticas. Continuamos procurando e encontramos a edição integral original, disponível gratuitamente4. Nos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, 188118825, encontramos duas referências bem precisas: sobre a obra original de Henry Lister Maw, publicada em Londres, em 1829 e sua tradução para o português, por Antônio Julião da Costa, e publicada em Liverpool em 1831. 1143. - Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing the Andes in the northern provinces of Peru, and descending the river Marañon, or Amazon. By Henry Lister Maw, &. London, John Murray, 1829, in-8.° (B. N.) 1144. - Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico, a travez dos Andes nas provincias do Norte do Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Para. Por Henrique Lister Maw. Traduzida do inglez (por Antonio Julião da 4 Disponível em https://archive.org/details/journalofpassage00mawhrich?q=%22 henry+lister+maw%22+descending. 5 Volume IX, p. 24, disponibilizado on-line pela Fundação Biblioteca Nacional: http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1881_A00009.pdf). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 59 Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the... Costa). Liverpool, F. B. Wright, 1831, in-4.° com 1 ch. do Amazonas. (B. N.) Cabe assinalar dois fatos: a velocidade da tradução, publicada apenas três anos depois do original e o nome do tradutor, ausente na cópia digital que utilizamos. Para este artigo, não aprofundamos a pesquisa sobre a tradução e o tradutor. No entanto, em uma pesquisa preliminar, ficamos sabendo que António Julião da Costa foi cônsul português em Liverpool e que realizou várias traduções, muitas delas, como no caso do relato de viagem de Lister Maw, de forma anônima6. A própria grafia do nome do tradutor (Antonio, sem acento nos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, com acento agudo no link do blog Escritores Lusófonos) sugere que era grande a comunicação entre autores brasileiros e portugueses durante o século XIX. Já tínhamos realizado parcialmente a tradução do Cap. VIII da obra de Lister Maw quando soubemos da existência da tradução de António Julião da Costa. Resolvemos não fazer nenhum cotejo nessa etapa. Uma vez finalizada a nossa tradução, procedemos a um cotejo do Cap. VIII na tradução de Julião da Costa, que nos foi bastante proveitosa para resolver alguns detalhes. A escrita de Lister Maw Henry Lister Maw fez uma importante viagem representando a academia científica britânica, atravessando a Amazônia do Pacífico ao Atlântico. Não menos importante foram os extensos registros que realizou acerca do que viu ao percorrer o trajeto intracontinental. Sua escrita é rica em detalhes, ao mesmo tempo em que não utilizou rebuscamentos na linguagem, apresentando as observações de forma simples e, em alguns casos, de forma coloquial. Para além de um relato puramente técnico e descritivo da viagem, o cronista parece transparecer um genuíno interesse em in6 https://escritoreslusofonos.net/2019/06/02/antonio-juliao-da-costa/. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 60 Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa vestigar os pormenores de natureza cultural, científica, geográfica, social, entre outras; aproxima-se do estilo de apreensão do ambiente utilizado pelos clássicos filósofos naturalistas, quase que uma tentativa de registro geral, no que os sentidos puderam captar. Contudo, diferente destes últimos, Henry Lister Maw consegue ultrapassar incumbências da viagem pré-definidas, atentando para deixar registros que, da forma mais aproximada possível, fornecessem ao leitor os elementos para a construção mental propriamente sua. Podemos perceber o cuidado do naturalista na utilização de termos locais (seja em espanhol, português ou línguas indígenas) ao fazer referência a significantes também locais. Também recolheu o máximo de produções culturais que pôde, como ferramentas, utensílios, remédios, derivados da flora e fauna sul-americanas, entre outros, para análises e estudos no Reino Unido. Em sua escrita, destaca-se a preocupação em traçar panoramas sociopolíticos dos lugares por onde passou, com ênfase no poder exercido por figuras e instituições locais, como a Igreja e as forças militares. Tais instituições parecem sempre ter tido o domínio da região. Se no século XIX os sacerdotes poderiam evocar segurança aos habitantes próximos e atualmente são vistos como ameaça ao modo de vida de etnias indígenas, como os Tikuna, os militares por ali permanecem até hoje, sob o enunciado de proteger a porção brasileira da fronteira, sem, no entanto, deixar de interferir em sua configuração tríplice. Referindo-se ao Marañon, Pueblos, Alcade, indica que tinha contato constante com o idioma espanhol; Galatea, Macaws, Maize, a relação mais próxima e confortável com o idioma materno; Pucuna, Ocopa, Sarayacu, entre outros, mostrando a presença das línguas indígenas no cotidiano dos fronteiristas de seu tempo, em especial o Quíchua e o Tikuna. Pode-se notar pela descrição detalhada de Maw acerca da chegada e partida de pessoas no porto fronteiriço, que a mobilidade era a principal dinâmica que mantinha tanto o abastecimento de mercadorias quanto de contato entre povoados distantes. O principal ator nesta dinâmica era o indígena, ainda que diferentes em sua cultura e localização geopolítica. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 61 Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the... O uso de termos que se aproximam dos atualmente utilizados, como Tabitinga (Tabatinga), Havannah (Havana, capital e maior cidade de Cuba), Tacuna ou Tecuna (Ticuna, ou Magüta, como chamam a si mesmos), Japura (o Rio Japurá), Viranda (Varanda), entre outros, registram a tentativa do cronista de transcrever de forma precisa os vocábulos em idioma estrangeiro que ouvia. Também recolheu o máximo de produtos que pôde, como ferramentas, utensílios, remédios, derivados de origem na flora e fauna sul-americanas, entre outros, para análises e estudos na Inglaterra. O valor dado a esses produtos era tão elevado na região quanto o inferido pelos viajantes, e prova disso é o registro do autor sobre as relações de trocas locais e os roubos ocasionais ao longo do curso dos rios. A transformação da natureza acaba por conceder valor ao bem derivado, enquanto que a sua origem, a própria natureza, continua como cenário imutável e habitual ao desenvolvimento dos fenômenos interativos humanos. Acreditamos que a tradução que apresentamos a seguir pode aumentar o interesse dos leitores pela obra de Henry Lister Maw, cujas observações podem enriquecer o debate sobre a história, o presente e o futuro da Amazônia. Referências Acuña, Cristóbal de. Nuevo Descubrimiento del Gran Río del Amazonas, el ano de 1639. Iquitos: IIAP – CETA, 1986. Animal Diversity Web. Chelonoidis carbonaria – Red-footed Tortoise. http:// animaldiversity.org/accounts/Chelonoidis_carbonaria/. Acesso em 04 de março de 2021. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 62 Tatiana de Lima Pedrosa Santos, Samuel Lucena de Medeiros & Walter Carlos Costa Associação Amigos do Peixe-Boi. Peixe-boi-da-Amazônia. http://ampa.org.br/ especies/peixe-boi-da-amazonia/. Acesso em 07 de março de 2021. L. B. Chetkiewicz, L. B. et al. “Planning to Save a Species: the Jaguar as a Model”. Conservation Biology, 16 (2002): 58-72, 2002. DOI:10.1046/j.15231739.2002.00352.x. https://web.archive.org/web/20111005211413/http://www. jaguarresearchcenter.com/The_jaguar.pdf. Acesso em 03 de janeiro de 2021. Cárdenas Martín, Mercedes. “Tres viajeros ingleses en el Perú del siglo XIX”. Boletín del Instituto Riva-Agüero nº. 07 (1966). http://repositorio.pucp.edu.pe/ index/handle/123456789/114013. Acesso em 03 de janeiro de 2021. Daniel, João. “O Tesouro Descoberto do Rio Amazonas”. Separata dos Anais da Biblioteca Nacional. v. 95, t. 1-2. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1975-76. González Holguín, D. Vocabulario de la Lengua General de todo el Peru llamada Lengua Qquichua o del Inca. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 1989 [1608]. (Edición facsimilar de la versión de 1952 a cargo de Raúl Porras Barrenechea). Henry Lister Maw RN (1801 - 1874). WikiTree https://www.wikitree.com/wiki/ Maw-122. Acesso em 03 de março de 2021. Maw, Henry Lister. Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing the Andes in the northern provinces of Peru, and descending the river Marañon, or Amazon. London: John Murray, 1829. Maw, Henry Lister. Narrativa da passagem do Pacifico ao Atlântico, a travez doa Andes nas provincias do Norte do Peru, e descendo pelo rio Amazonas, até ao Para. Traduzida do inglez (por Antonio Julião da Costa). Liverpool: F. B. Wright, 1831. Rodrigues, Jovenildo Cardoso; Rodrigues, Jondison Cardoso. “Relação Sociedade-Natureza no pensamento geográfico: reflexões epistemológicas”. Revista do Departamento de Geografia, v. 27, (2014): 211-232. https://www. revistas.usp.br/rdg/article/download/85440/88259/120267. Acesso em 22 de fevereiro de 2021. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 63 Uma tradução a seis mãos do Cap. VIII do Journal of a Passage from the Pacific to the... Speake, Jennifer (Ed.). Literature of travel and exploration an encyclopedia. Abingdon/New York: Routledge, 2003. Way Back Machine Internet Archive. Descrição dos tipos de embarcações. https://web.archive.org/web/20060719094416/http://www.brasilmergulho.com. br/port/naufragios/descricao/index.shtml. Acesso em 20 de janeiro de 2021. Tatiana de Lima Pedrosa Santos. E-mail: tatixpedrosa@yahoo.com.br. https:// orcid.org/0000-0002-4642-0444. Samuel Lucena de Medeiros. E-mail: samuca_slm@hotmail.com. https://orcid. org/0000-0002-0455-5877. Walter Carlos Costa. E-mail: walter.costa@gmail.com. https://orcid.org/00000001-5853-0950. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 52-64, jan/jul, 2021. 64 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84940 JOURNAL OF A PASSAGE FROM THE PACIFIC TO THE ATLANTIC (CAP. VIII) (1829) Henry Lister Maw Tradução de: Tatiana de Lima Pedrosa Santos1 1 Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil/CNPq Samuel Lucena de Medeiros2 2 Universidade do Estado do Amazonas/NIPAAM, Manaus, Amazonas, Brasil Walter Carlos Costa3 3 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/ CNPq Maw, Henry Lister. Journal of a passage from the Pacific to the Atlantic, crossing the Andes in the northern provinces of Peru, and descending the river Marañon, or Amazon. London: John Murray, 1829, Chapter VIII, pp. 214-239. Maw, Henry Lister. Diário de uma passagem do Pacífico para o Atlântico, atravessando os Andes nas províncias do norte do Peru, e descendo o rio Marañón, ou Amazonas. Londres: John Murray, 1829, Capítulo VIII, pp. 214-239. CHAPTER VIII. CAPÍTULO VIII. Land at Tabitinga—Present passport and British Consul’s letter to Commandante of frontier—Assured of our passage being facilitated— Padre Bruno—Inquiries respecting Aportando em Tabitinga – Apresentação de passaporte e carta do Cônsul britânico para o Comandante da fronteira – Garantia da nossa passagem com facilidade – Padre Bruno – In- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 65 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw Peru—Quarters—Conversation relative to the new Commandante, and our proceeding—Indian festival— Drs. Spix and Martius—Canoe and Indians from the Ucayali—Paths and chacras in the woods—Indian mode of clearing ground—Description of Pueblo and Indians—Pucuna poison—Commandante’s equivocation—Visits to Padre— Peruvian’s engagement with a tigre— Sarsaparilla—Parrots, land tortoises, and monkeys —Vaca marina—Skin of Tapir. dagações a respeito do Peru – Alojamentos – Conversas em relação ao novo Comandante e nosso procedimento – Festa indígena - Drs. Spix e Martius - Canoa e índios do Ucayali – Caminhos e chacras na floresta - Modo indígena de limpar o terreno - Descrição de Pueblo e índios – Veneno de pucuna — O equívoco do Comandante– Visitas ao Padre – Engajamento de um peruano com um tigre – Salsaparrilha – Papagaios, tartarugas terrestres e macacos – Vaca marina – Pele de Tapir. At daylight, on Thursday, 31st January, we came in sight of Tabitinga, the frontier post of Brazil, situated on a high and abrupt part of the left or northern bank of the Marañon, where the river runs in a single channel, about threequarters of a mile broad. We were hailed by a sentry from a look-out post that was raised on four piles; and having answered who we were, and where from, landed to communicate with the governor, or, as he was some-times called, commandante of the frontier. Ao amanhecer, na quinta-feira, 31 de janeiro, avistamos Tabitinga1, o posto de fronteira do Brasil, situado em uma parte alta e abrupta da margem esquerda ou norte do Marañon, onde o rio corre em um único canal, cerca de mil e duzentos metros de largura. Fomos saudados por uma sentinela de um posto de vigia erguido em quatro estacas; e, respondendo quem éramos e de onde, desembarcamos para nos comunicarmos com o governador, ou, como às vezes era chamado, comandante da fronteira. On reaching the commandante’s house, I showed him the British Consul’s letter, with my Peruvian passport, and Mr. Hinde presented Ao chegar à casa do comandante, mostrei-lhe a carta do cônsul britânico, com meu passaporte peruano, e o Sr. Hinde apresentou seu Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 66 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa his passport. When he had read them, we requested to know whether there was any obstacle to our proceeding to Para, and we were told none; on the contrary, me were assured that every facility would be afforded us, and were led to suppose that the difficulties of the passage were in a great measure at an end; in which supposition, however, we afterwards found ourselves woefully disappointed. We next inquired by what means we should be able to proceed, and were told that a boat would be got for us; or, if the commandante’s successor, who was hourly expected, arrived before we started, we might accompany the present commandante in a large boat or small river craft that was lying in the port. Some coffee was then offered to us. Quarters were to be provided for us; and we were introduced to a padre who came in, of whom we afterwards saw much, and whom we found to possess more general information than most persons we had met with on the passage. His name was Bruno. He was a native of Havannah, had left Peru during the disturbances of the revolution, and had waited at the frontier to see what would be the result of the contest. While at Tabitinga he performed the church passaporte. Depois que ele os leu, pedimos para saber se havia algum obstáculo a prosseguirmos para o Pará, e nenhum foi informado; pelo contrário, foi-me assegurado que todas as facilidades nos seriam concedidas e fui levado a supor que as dificuldades da passagem estavam em grande parte terminando; em cuja suposição, entretanto, ficamos depois terrivelmente desapontados. Em seguida, perguntamos por que meios poderíamos prosseguir e fomos informados de que um barco seria adquirido para nós; ou, se o sucessor do comandante, que era esperado de hora em hora, chegasse antes de partirmos, poderíamos acompanhar o atual comandante em um grande barco ou pequena embarcação fluvial que estivesse no porto. Um pouco de café foi então oferecido a nós. Deveriam ser providenciados alojamentos para nós; e fomos apresentados a um padre que entrou, de quem vimos muito, mais tarde, e que descobrimos possuir mais informações gerais do que a maioria das pessoas que havíamos encontrado na passagem. Seu nome era Bruno. Ele era natural de Havannah, havia deixado o Peru durante os distúrbios da revolução e esperou na fronteira para ver qual seria o resultado da disputa. Enquanto em Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 67 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw services for the curate of St. Pablo, to whose parish Tabitinga belongs, but he received no emolument. He also acted as agent to the intendente of Moyobamba and the prefect of the missions on the Ucayali, and was said to have made some money by a traffic in sarsaparilla and ironware. Tabitinga prestou serviços religiosos ao pároco de San Pablo, a cuja paróquia Tabitinga pertence, mas não recebeu nenhum emolumento. Ele também atuou como agente do intendente de Moyobamba e do prefeito das missões no Ucayali, e teria ganhado algum dinheiro com o tráfico de salsaparrilha e ferragens. Many questions were asked us relative to the effects produced by the revolution in Peru. The opinion here was, that General Bolivar intended to make himself master of, and absolute in the former Spanish colonies, and that it was not improbable he would afterwards invade Brazil. In the meantime quarters had been got for us; but, on our going to take possession, we found that they consisted of a small place parted off from a smith’s shop, in which some soldiers were working, and through which was the entrance. Rude and exposed as our manner of living had now become, we did not altogether admire either the noise or company of the smiths, and there-fore determined, if possible, to get some other place. We had no objection to pay for shelter, but rather than take up our abode in the quarters allotted to us, we would pitch the tent, and endeavour to weather out in it, Muitas perguntas nos foram feitas em relação aos efeitos produzidos pela revolução no Peru. A opinião aqui era que o General Bolívar pretendia tornar-se senhor e absoluto nas ex-colônias espanholas e que não era improvável que posteriormente invadisse o Brasil. Nesse ínterim, alojamentos foram conseguidos para nós; mas, ao irmos tomar posse, descobrimos que consistiam em um pequeno lugar separado da oficina de um ferreiro, no qual trabalhavam alguns soldados e por onde ficava a entrada. Por mais rude e exposta que fosse nossa maneira de viver, não admirávamos de todo o barulho ou a companhia dos ferreiros e, portanto, decidimos, se possível, conseguir algum outro lugar. Não tínhamos objeções a pagar pelo abrigo, mas, em vez de morar nos aposentos que nos foram atribuídos, armaríamos a tenda e nos esforçaríamos para sobreviver nela, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 68 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa although it was the rainy season. After some difficulty we got a small room, without either window or any other opening than the door and some rats’ holes, of which the ground was the floor, and for which we were to pay three reals per day. The first point was to get the apartment cleared out and swept; our baggage, with some birds we had bought, and which were also to be stowed in it, brought up out of the canoes; and some stages or scaffoldings made of stakes for our beds. In these operations we employed the Indians who had come with us. embora fosse a estação das chuvas. Depois de alguma dificuldade, conseguimos um cômodo pequeno, sem janela nem outra abertura que não a porta e alguns buracos de rato, cujo chão era o piso, e pelo qual devíamos pagar três mirréis por dia. O primeiro ponto era limpar e varrer o apartamento; nossa bagagem, com alguns pássaros que havíamos comprado e que também deviam ser alojados nela, trazidos das canoas; e alguns suportes ou andaimes feitos de estacas para nossas camas. Nessas operações, empregamos os índios que vieram conosco. In the evening we were called upon by the commandante, who was civil in offering us the use of his table, as he said it would be difficult to obtain provisions. Mr. Hinde returned with him to supper; but as I felt much fagged, from having been sounding, &c., during the previous night, I was glad to get to rest. À noite, fomos chamados pelo comandante, que foi gentil em nos oferecer o uso de sua mesa, pois dizia que seria difícil obter mantimentos. O Sr. Hinde voltou com ele para o jantar; mas como eu me sentia exausto, por ter suado etc., durante a noite anterior, fiquei feliz em conseguir descansar. By the time we were up in the morning, the canoemen who had come with us were off, having started on their return. It had been my intention to give them something extra before parting, as they had worked hard, and had, on the whole, behaved well; but, from Quando levantamos pela manhã, os canoeiros que haviam vindo conosco já haviam partido, tendo iniciado seu retorno. Era minha intenção dar-lhes algo extra antes de se separarem, visto que haviam trabalhado muito e, de modo geral, se comportado bem; mas, desde o momento Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 69 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw the time of our arrival, except when they were employed bringing up our baggage, making bed-places; &c., for us, they had kept close to their canoes, and there appeared to be an anxiety about them to get back well into their own, at least the Peruvian territory. They had, I believe, agreed to stay and rest at Loretto, and it would take them about a month to get back to Laguna. de nossa chegada, exceto quando eles se ocuparam de trazer nossa bagagem, fazendo camas; etc., para nós, eles se mantiveram perto de suas canoas, e parecia haver uma ansiedade sobre eles para voltarem bem para os seus, pelo menos para o território peruano. Eles haviam, creio eu, concordado em ficar e descansar em Loretto, e levariam cerca de um mês para voltar a Laguna. In the forenoon I accompanied Mr. Hinde to the commandante’s house. The padre was present, and the subject of our passage was again discussed. We were desirous of gaining information respecting the passage, more particularly as to the probable time we should be going down to Para. We were told that we might go down in a month, or less. But the commandante now began to say, that as he had only been appointed, in consequence of the former commandante of the frontier having gone away ill, to act until another should arrive, he wished his successor might reach Tabitinga before he started; and, indeed, as he was hourly or daily expected, it was most probable he would do so. These observations sounded ominously, particularly from the manner in which, and the Pela manhã acompanhei o Sr. Hinde à casa do comandante. O padre estava presente e o assunto de nossa passagem foi novamente discutido. Tínhamos o desejo de obter informações a respeito da passagem, mais particularmente quanto à provável hora em que desceríamos para o Pará. Disseram-nos que poderíamos cair em um mês ou menos. Mas o comandante começou agora a dizer que, como só tinha sido nomeado, pelo fato do antigo comandante da fronteira ter partido doente, para atuar até que chegasse outro, desejava que o seu sucessor chegasse a Tabitinga antes de partir; e, de fato, como era esperado de hora em hora ou diariamente, era muito provável que o fizesse. Essas observações soaram ameaçadoras, principalmente pela maneira como e pela pessoa por quem foram feitas. Já havíamos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 70 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa person by whom, they were made. We had already been told that the new commandante had been near a year on his passage from Para; that he had met with accidents, and had been taken unwell; moreover, he was described as an old man. It was, therefore, not improbable, that, as he had been so long in making his appearance, he never might arrive; and if we were afterwards to wait for his successor, we might almost as well settle at Tabitinga, which did not much accord with our ideas. I therefore thought it better, to prevent any future misunderstanding, by asking at once, whether, if the new commandante did not arrive before, the present one would give us the means of proceeding on Monday morning. We had no objection to see the new commandante; on the contrary, we should be happy of his acquaintance, particularly as we were informed he was an old veteran who had seen service, and been much knocked about; but it was evident, from the time he had been expected, that his arrival was uncertain, and it was not convenient for us to continue at Tabitinga. The governor assured us, that if his successor did not arrive before, he would give us the means of proceeding on Monday morning; and confidence was thus sido informados de que o novo comandante havia passado quase um ano de sua passagem do Pará; que ele havia sofrido acidentes e ficado mal; além disso, ele foi descrito como um homem velho. Não era, portanto, improvável que, como demorou tanto em aparecer, nunca chegasse; e se fôssemos depois esperar por seu sucessor, poderíamos quase muito bem nos estabelecer em Tabitinga, que não estava muito de acordo com nossas ideias. Portanto, achei melhor, para evitar qualquer mal-entendido futuro, perguntando de uma vez, se, se o novo comandante não chegasse antes, o atual nos daria os meios de proceder na segunda-feira de manhã. Não tínhamos objeções em ver o novo comandante; pelo contrário, devemos ficar felizes com seu conhecimento, especialmente porque fomos informados de que ele era um velho veterano que tinha visto o serviço militar e foi muito atacado; mas era evidente, desde o momento em que ele era esperado, que sua chegada era incerta, e não era conveniente para nós continuarmos em Tabitinga. O governador garantiu-nos que se o seu sucessor não chegasse antes, dar-nos-ia os meios de proceder na segunda-feira de manhã; e a confiança foi assim restabeleci- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 71 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw re-established. We added that we were quite ready and desirous to pay whatever was right, but were told that the orders at the frontier were, that strangers were to be forwarded free of expense. da. Acrescentamos que estávamos prontos e desejosos de pagar o que fosse certo, mas fomos informados de que as ordens na fronteira eram, que os estranhos deveriam ser enviados sem despesas. During the week we went frequently to the governor’s and the padre’s houses, and accompanied the former to an Indian dance of festival. These festivals are not uncommon at Tabitinga, occurring, I believe, about once a month, when the Indian, few of whom live in the pueblo, collect, and dance and drink chicha for three days to such an excess, that they become thoroughly stupefied; and it requires four-andtwenty hours, or one day and night’s sleep to recover them. The dances are performed in masks, and there is much acting in the performance: that which we saw appeared to me to relate to some story, but what the story was I could not learn, although I made repeated inquiries. I will, however, attempt to describe that part of the performance we witnessed. Durante a semana, íamos com frequência às casas do governador e do padre, e acompanhamos o primeiro a uma festa de dança indígena. Esses festivais não são incomuns em Tabitinga, ocorrendo, creio eu, cerca de uma vez por mês, quando os índios, poucos dos quais vivem no pueblo, reúnem-se, dançam e bebem chicha por três dias em tal excesso, que ficam completamente estupefatos; e são necessárias vinte e quatro horas, ou um dia e uma noite de sono para recuperá-los. As danças são encenadas com máscaras, e há muita atuação na performance: o que vimos pareceu-me relacionar-se com alguma história, mas o que era a história eu não consegui saber, embora fizesse repetidas indagações. Vou, no entanto, tentar descrever essa parte da performance que testemunhamos. At the time we entered, which was after the dance had commenced on the first evening, several persons were collected in a house that had No momento em que entramos, que foi depois de o baile ter começado na primeira noite, várias pessoas foram reunidas em uma casa que aparente- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 72 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa apparently not been long built, standing close round the walls inside, so as to leave the middle of the apartment clear for the dancers and their attendants, the latter of whom were numerous. Seats were given us near the master of the ceremonies, an elderly Indian who stood alone. The dancers, who, from what we could judge of their figures when disguised, appeared to be men, were dressed in shirts made of bark, stripped off the trees whole, therefore having no seam, and marked with rude figures of different colours, principally red and yellow. The shirt was continued over the head, with holes for the eyes, nose, and mouth, and above the shirt was a head-dress made from the stems of Indian corn; sleeves were made of the bark of smaller trees or branches, also without seam, except where they joined the body of the shirt; and ears were attached according to the objects intended to be represented, some resembling monkeys. On the legs, particularly on the right ankle, were tied strings of rattles, made from the shells of some small hard nut, the sound of which was loud, but not disagreeable. The dancers were usually linked three together, one principal character supported mente não havia sido construída há muito tempo, postando-se em volta das paredes internas, de modo a deixar o meio do recinto livre para os dançarinos e seus assistentes, os últimos dos quais eram numerosos. Os assentos nos foram dados perto do mestre de cerimônias, um índio idoso que estava sozinho. Os bailarinos, que, pelo que pudemos julgar de suas figuras disfarçados, pareciam homens, vestiam-se com camisas de casca de árvore, arrancadas das árvores inteiras, portanto sem costuras, e marcados com rudes figuras de diversas cores, principalmente vermelho e amarelo. A camisa era continuada na cabeça, com buracos para os olhos, nariz e boca, e acima da camisa havia um toucado feito de hastes de milho indígena; as mangas eram feitas de casca de árvores menores ou galhos, também sem costura, exceto onde se juntavam ao corpo da camisa; e as orelhas foram colocadas de acordo com os objetos a serem representados, alguns lembrando macacos. Nas pernas, principalmente no tornozelo direito, havia cordões de guizos amarrados, feitos da casca de uma pequena noz dura, cujo som era alto, mas não desagradável. Os dançarinos eram geralmente ligados em três entre si, um personagem principal apoiado por dois outros, um de cada Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 73 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw by two others, one on each side; and there were generally two sets dancing at the same time, each set being followed by women and children dancing or jumping in a similar manner. The step was kind of run, one, two, three, then the same number of beats with the heel, jerking the rattles, and the on again, on, two, three, passing continually round and across the apartment. lado; e geralmente havia dois conjuntos dançando ao mesmo tempo, cada conjunto sendo seguido por mulheres e crianças dançando ou pulando de maneira semelhante. O passo era meio que corrido, um, dois, três, depois o mesmo número de batidas com o calcanhar, sacudindo os chocalhos, e continuando, ligado, dois, três, passando continuamente por todo o apartamento. After the parties who were dancing when we entered had gone on for some time, the arrival of fresh characters was announced by a noise, (I think beating a kind of drum at the door;) room was then made; the first performers retired, and the new comers entered, dressed so as to represent various characters, and armed with false spears or javelins, which they darted into the thatch of the roof inside the house, and then proceed to dance in a similar manner to their predecessors. The conclusion of the festival was, that the women as well as the men were all intoxicated, and the day after the rites terminated, few Indian were seen out of their hammocks. Depois que as festas que estavam dançando quando entramos já se prolongaram por algum tempo, a chegada de novos personagens foi anunciada por um barulho, (acho que batendo uma espécie de tambor na porta;) o espaço foi então feito; os primeiros artistas retiraram-se e os novos entraram, vestidos de modo a representar vários personagens e armados com lanças ou dardos falsos, que atiraram na palha do telhado dentro da casa e, em seguida, começaram a dançar de maneira semelhante a seus predecessores. A conclusão do festival foi que tanto as mulheres quanto os homens estavam todos embriagados e, no dia seguinte ao término dos rituais, poucos índios foram vistos fora de suas redes. We availed ourselves of the Aproveitamos a oportunidade para opportunity to obtain some of obter alguns de seus trajes, etc. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 74 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa their costumes, &c. I got two bark dresses, some necklaces made of teeth, and a bark belt, which is the only dress of some of the Tacunas. I also got a string of the scarlet macaws, or, as they are there called, arara’s feathers, resembling the head-dress described as having been worn by the Peruvians at the time of the Spanish conquest. One of the Indians, who came to the festival, brought a few birds which he had shot with his pucuna, and stuffed with cotton, slung over his shoulder; these we also got. The commandante had several string of birds of similar descriptions, and stuffed in a similar manner, hanging in the veranda of his house, which he intended taking down to Para. He had also got a young king of the vultures, and some monkeys of a rare species. Ganhei dois vestidos de casca de árvore, alguns colares de dentes e um cinto de casca de árvore, que é a única vestimenta de alguns Tacunas. Também ganhei um cordão de macaws vermelhas, ou, como são chamadas, penas de arara, lembrando o toucado descrito como tendo sido usado pelos peruanos na época da conquista espanhola. Um dos índios, que veio à festa, trouxe alguns pássaros que havia atirado com sua pucuna2, e enchido com algodão, pendurados no ombro; estes também recebemos. O comandante tinha várias cordas de pássaros de descrições semelhantes, e empalhadas de maneira semelhante, penduradas na varanda de sua casa, que pretendia levar para o Pará. Ele também tinha um jovem rei dos abutres e alguns macacos de uma espécie rara. The accounts given us at Tabitinga of Dr. Spix, the German naturalist, who had come up to the frontier, with particular directions from the emperor for assistance to be rendered to him, were considered as little less than marvellous by the relaters. He had examined various subjects; and we were told that there was not a monkey in the district one or more of whose species he had not stuffed. The scientific ability and indefatigable Os relatos que nos deram em Tabitinga do Dr. Spix, o naturalista alemão, que tinha vindo até a fronteira, com instruções particulares do imperador para que lhe fosse prestada assistência, foram considerados pouco menos que maravilhosos pelos relatores. Ele havia examinado vários assuntos; e fomos informados de que não havia nenhum macaco no distrito, um ou mais de cujas espécies ele não havia empalhado. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 75 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw perseverance of this gentleman, and of his companion, Dr. Martius, who proceeded up the Japura, and of whom we afterwards heard much from Colonel Zany, commandante of militias at the Rio Negro, who accompanied Dr. Martius by order of the government, and obtained his rank of colonel for having done so, are too wellknown for me to presume to say more res pecting them. A habilidade científica e a incansável perseverança deste senhor, e de seu companheiro, Dr. Martius, que subiu o Japurá, e de quem depois muito ouvimos do Coronel Zany, comandante das milícias do Rio Negro, que acompanhava o Dr. Martius por ordem do governo, e obteve seu posto de coronel por tê-lo feito, são muito bem conhecidos para que eu ouse dizer mais a respeito deles. There was a large canoe at Tabitinga that had come down the Ucayali with sarsaparilla belonging to the intendente of Moyobamba, and his uncle, the prefect of the missions on the Ucayali. She had been consigned to the padre, and was waiting for some goods which the new commandante was supposed be bringing up with him. The Indians who manned the canoe belonged to the Ucayali missions; they were savage, that is to say, rude in their appearance, but quiet and peaceable in their manner. Their dress consisted of a single garment, not much unlike an English carter’s frock, made of coarse cotton cloth, and dyed of a brown colour. Their weapons were bows, made of palm wood, and about six feet long, and arrows of strong reeds, as stout as a man’s finger, without knots, and Havia uma grande canoa em Tabitinga, que desceu o Ucayali com salsaparrilha, pertencente ao intendente de Moyobamba e ao seu tio, o prefeito das missões no Ucayali. Ela havia sido entregue ao padre e estava esperando por alguns bens que o novo comandante deveria trazer com ele. Os índios que pilotavam a canoa pertenciam às missões do Ucayali; eram selvagens, isto é, rudes na aparência, mas calmos e pacíficos nas maneiras. Seus trajes consistiam em uma única vestimenta, não muito diferente de uma sobrecasaca de carroceiro inglês, feita de tecido de algodão grosso e tingido de uma cor marrom. Suas armas eram arcos, feitos de madeira de palmeira e com cerca de um metro e oitenta de comprimento, e flechas de caniços fortes, robustos como o dedo de um homem, sem nós, e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 76 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa headed, some with bone, others with a broad hollow cane split in halves, and pointed. We got several of these bows and arrows in exchange for knives, fish-hooks, large needles, &c. which were valued highly by these poor beings, and some of which we distributed amongst them, but not in such numbers as to render them valueless. When at Moyobamba, the intendente assured us that his uncle, the prefect of the missions, had seen an arrow headed with cane, and shot from a Ucayali bow, enter a man’s chest, and show itself through the back. encabeçados, alguns com ossos, outros com uma larga cana oca dividida ao meio e apontada. Obtivemos vários desses arcos e flechas em troca de facas, anzóis, agulhas grandes etc. que eram altamente valorizados por esses pobres seres, e alguns dos quais distribuímos entre eles, mas não tantos que os tornassem sem valor. Quando em Moyobamba, o intendente nos garantiu que seu tio, o prefeito das missões, tinha visto uma flecha com ponta de cana, disparada de um arco Ucayali, entrar no peito de um homem e aparecer pelas costas. The man who had charge of the canoe was a Peruvian, and spoke the Spanish language. The account he gave of the Ucayali was, that Sarayacu is the highest station of the missionaries, and the residence of Padre Plaza, the prefect. The Ucayali is broad and deep as far as Sarayacu, but divides into smaller streams soon afterwards. He had been up the Ucayali as far as Ocopa, noted as the college of the missionaries, and only a few days’ distance by land from Lima. Some of the Indians between Sarayacu and Ocopa are dangerous, but others come down to trade. I do not suppose that these accounts are implicitly to be relied upon, although O homem encarregado da canoa era peruano e falava espanhol. O relato que fez do Ucayali foi que Sarayacu é a estação mais alta dos missionários e a residência do Padre Plaza, o prefeito. O Ucayali é amplo e profundo até Sarayacu, mas se divide em riachos menores logo depois. Ele havia subido o Ucayali até Ocopa, conhecido como o colégio dos missionários, e a apenas alguns dias de distância, por terra, de Lima. Alguns dos índios entre Sarayacu e Ocopa são perigosos, mas outros descem para comerciar. Não suponho que esses relatos devam ser implicitamente confiáveis, embora eu os dê Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 77 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw I give them as the best we received como os melhores que recebemos no país. in the country. During the time we were at Tabitinga, when we were not at the governor’s or padre’s houses, or employed feeding the birds, &c., in our own cell, we occupied ourselves by following such paths as we could find in the woods, there being little open ground. These paths frequently led to patches that had so far been cleared that the trees had been cut down, and mandioca planted, but without much attention to the niceties of agriculture. There was, however, some originality and ingenuity about them. The Indian mode of clearing ground of wood is not, as in England, by cutting the trees down at the roots, but about four or five feet from the ground, in consequence of which the roots decay more rapidly the they otherwise would do; and the upper and main parts of the trees being left until they are dry, fire is applied to consume them, by which means a supply of manure is obtained from the ashes, although, in all probability, it is not required. Some of these patches have sheds attached to them, and are then designated chacras (farms). We visited a chacra whilst the proprietors of Durante o tempo em que estivemos em Tabitinga, quando não estávamos na casa do governador ou do padre, nem nos ocupávamos de alimentar os pássaros, etc., na nossa própria cela, ocupamo-nos a seguir os caminhos que podíamos encontrar na mata, havendo pouco terreno aberto. Esses caminhos frequentemente levavam a trechos que até então haviam sido derrubados para que as árvores fossem cortadas e a mandioca plantada, mas sem muita atenção às sutilezas da agricultura. Havia, no entanto, alguma originalidade e engenhosidade neles. O modo indígena de limpar o terreno não é, como na Inglaterra, cortando as árvores pela raiz, mas a cerca de um metro ou um metro e meio do solo, em consequência do qual as raízes se decompõem mais rapidamente do que de outra forma fariam; e as partes superiores e principais das árvores sendo deixadas até que estejam secas, o fogo é aplicado para consumi-las, por meio do qual um suprimento de adubo é obtido das cinzas, embora, com toda probabilidade, não seja necessário. Alguns desses trechos têm galpões anexados a eles e são designados chacras (fazendas). Visitamos uma chacra enquanto Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 78 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa it were attending the Tabitinga festival. The mansion was a shed, supported on piles, and thatched with palm leaves, but open at the sides. The furniture consisted of a large clay stove for drying mandioc farinha, and the broken remains of some coarse earthen jars. In one of our walks we met with several large bundles of palm leaves, tied and left at about equal distances on the path. The inference Mr. Hinde drew was, that some one of the Indians was going to make a chacra, by building a shed, and his friends had contributed the bundles of palm leaves, and carried them to given points. We had previously found that when an Indian is going to erect a house or rancho, he obtains the assistance of his friends, who contribute bundles of palm leaves, &c., and the whole is soon completed. seus proprietários participavam do festival de Tabitinga. O casarão era um galpão, apoiado em estacas, e coberto com folhas de palmeira, mas aberto nas laterais. A mobília consistia em um grande fogão de barro para secar a farinha de mandioca e os restos quebrados de alguns potes de barro grosso. Em uma de nossas caminhadas, encontramos vários feixes grandes de folhas de palmeira, amarradas e deixadas em distâncias aproximadamente iguais no caminho. A inferência que o Sr. Hinde tirou foi a de que algum dos índios ia fazer uma chacra, construindo um barracão, e seus amigos haviam contribuído com os feixes de folhas de palmeira e os haviam levado para determinados pontos. Tínhamos descoberto anteriormente que quando um índio vai construir uma casa ou rancho, ele obtém a ajuda de seus amigos, que contribuem com feixes de folhas de palmeira etc., e tudo fica logo pronto. The woods were stocked with peuries, or curassow birds, that sat on the highest trees, and, calling to each other, amused us by their varied and plaintive but pleasing notes. A floresta estava repleta de peuris, que pousavam nas árvores mais altas e, chamando uns aos outros, nos divertiam com suas notas variadas e plangentes, mas agradáveis3. When we did not go into the woods, Quando não íamos para a floresta, we usually walked towards a wooden geralmente caminhávamos em direfort, between which and the ranchos, ção a um forte de madeira, entre o Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 79 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw or pueblo, is the longest space of clear ground about Tabitinga. The piles of the fort had gone to decay, but there four handsome long six or nine pounder brass guns monted, on which we occasionally sat looking for the new commandante making his appearance. qual e os ranchos, ou pueblo, é o espaço mais longo de terreno aberto em torno de Tabitinga. As estacas do forte haviam se deteriorado, mas havia quatro belos canhões de bronze compridos de seis ou nove libras, montados, nos quais ocasionalmente nos sentávamos vendo se o novo comandante fazia sua aparição. We were told that Tabitinga was formerly held jointly by the Portuguese and Spaniards, each of whom had a garrison there. The piles that had supported the different barracks still remained, but neither were in use. Between the fort, which stands on a high, steep bank, higher up the river than the pueblo, and commands a view of the river both ways, and the water, is a low flat, forty of fifty yards broad. The pueblo consists principally of the governor’s and padre’s’ houses, anf of ranchos belonging to the soldiers who form the garrison. At the time we were there the garrison consisted of a sergeant and fifteen soldiers, most of whom were married to Indian women: we afterwards met reinforcements on their way up. Few Indians live at Tabitinga; they come in occasionally from the woods to hold their festivals, and bring sarsaparilla, birds, skins, &c., Disseram-nos que Tabitinga era antigamente mantida conjuntamente por portugueses e espanhóis, cada um dos quais tinha uma guarnição ali. As estacas que sustentavam os diferentes quartéis ainda permaneciam, mas nenhuma estava em uso. Entre o forte, que fica em uma margem alta e íngreme, mais acima do rio do que o pueblo, e que oferece uma vista dos dois lados do rio e da água, está uma planície baixa de quarenta a cinquenta metros de largura. O pueblo consiste principalmente nas casas do governador e do padre, e nos ranchos pertencentes aos soldados que formam a guarnição. Na época em que estávamos lá, a guarnição era composta por um sargento e quinze soldados, a maioria dos quais casados com mulheres indígenas: depois, encontramos reforços na subida. Poucos índios vivem em Tabitinga; eles vêm ocasionalmente da floresta para realizar seus festivais e trazem Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 80 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa to sell. During our stay the tecuna we had seen at Loretto came down in a small canoe with some maize or Indian corn, but he returned almost immediately. Even those who had ranchos in the pueblo were often at their chacras in the woods; and an Indian Alcade, who was here on the same principle as in the Peruvian pueblos, was almost as much at this chacra as in the pueblo. The governor’s house is immediately above the landing-place, and has a thatched viranda with a wooden balustrade in front. Before it were two small brass guns mounted on carriages, and which might heave about a two-pounds shot. There is a church or chapel which is attached to the district of the padre of St. Pablo, but at which Padre Bruno regularly officiated. salsaparrilha, pássaros, peles, etc., para vender. Durante a nossa estada, o tecuna que vimos em Loretto desceu numa pequena canoa com um pouco de maize ou milho indígena, mas voltou quase imediatamente. Mesmo aqueles que tinham ranchos no pueblo costumavam estar em suas chacras na floresta; e um índio Alcade, que estava aqui com o mesmo princípio que nos pueblos peruanos, estava quase tanto nesta chacra quanto no pueblo. A casa do governador fica imediatamente acima do local de desembarque e tem uma viranda de palha com uma balaustrada de madeira na frente. Antes, havia dois pequenos canhões de bronze montados em carretas e que podiam disparar cerca de um quilo. Há uma igreja ou capela anexa ao distrito do padre de São Paulo, mas na qual o Padre Bruno oficiava regularmente. Several cattle belong to the church, and are occasionally sold when purchasers can be found for them. Their milk is not taken, but they are taught to assemble in front of the church and the governor’s house every evening, at sunset, for protection. We were told that the Indian killed and lamed the cattle. There was then a young beast that Vários bovinos pertencem à igreja e ocasionalmente são vendidos quando os compradores podem ser encontrados para eles. Seu leite não é tirado, mas eles são ensinados a se reunir em frente à igreja e à casa do governador todas as noites, ao pôrdo-sol, para proteção. Disseram-nos que o índio matou e aleijou o gado. Havia então um jovem animal coxo Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 81 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw was lame, and which had probably e que provavelmente havia sido ferido dessa maneira. been injured in that manner. One evening as Mr. Hinde and myself were walking leisurely towards the fort, an Indian came out of the wood, but on seeing us rushed suddenly back again, in a manner that we could not account for, unless his intention had been to injure the cattle. This mischievous cruelty to the cattle did not bespeak much good feeling towards the owners. We were not at that time aware of the general cause of Indian animosity; but it was evident that when the Peruvian Indians came down, they were always in a hurry to get away again. Those who came consigned to Padre Bruno considered themselves safe under his protection, his influence being great. Uma noite, enquanto o Sr. Hinde e eu caminhávamos despreocupadamente em direção ao forte, um índio saiu da floresta, mas ao nos ver correu de repente de volta, de uma maneira que não poderíamos explicar, a menos que sua intenção fosse ferir o gado. Essa crueldade perversa com o gado não indicava muitos bons sentimentos para com os proprietários. Naquela época, não estávamos cientes da causa geral da animosidade indígena; mas era evidente que quando os índios peruanos desciam, eles sempre tinham pressa para fugir novamente. Os que vinham consignados ao Padre Bruno, consideravam-se seguros sob sua proteção, sendo grande sua influência. Some of the Tabitinga Indians have a preposterous practice of tying ligatures so tight under the knees and elbows, that the circulation of the blood must be in a great measure stopped; the joints swell in consequence, and the flesh and muscle of the limbs entirely dwindle. Their knowledge and application of particular herbs is as remarkable as their ignorance of others. Whilst we were at Tabitinga, Alguns dos índios de Tabitinga têm uma prática absurda de amarrar ligaduras tão apertadas sob os joelhos e cotovelos que a circulação do sangue deve ser em grande parte interrompida; as juntas incham em consequência, e a carne e os músculos dos membros diminuem totalmente. Seu conhecimento e aplicação de determinadas ervas são tão notáveis quanto sua ignorância de outras. Enquanto estávamos em Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 82 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa an Indian who had gone into the woods to collect sarsaparilla, was bit by one of the deadly snakes of the country, and was brought back to the pueblo supposed to be dying. Being a Christian, Padre Bruno went to perform the last offices of the church over him; but the women took charge, and, by the application of herbs, cured him in three days. The poison in which the Indians dip their wooden spears, and the small arrows for their pucunas, has frequently attracted notice by its power and rapidity of execution. Its preparation is kept a mystery confined to certain tribes, and that manufactured by different tribes may perhaps differ; but from its great value amongst the Indians, the difficulty of procuring it, and from those by whom it is manufactured being inferior tribes, and of the lowest order of savages, I suspect that the preparation is not altogether a safe process. I had endeavoured to get some of this poison, but without success, until some men, seeing a large knife of the same kind as those with which we had paid the Laguna canoemen, and which we intended to keep, as it might be useful, being about eighteen inches long, brought several bows, arrows, &c. to obtain Tabitinga, um índio, que tinha ido para a floresta para coletar salsaparrilha, foi picado por uma das cobras mortais do país, e foi levado de volta ao pueblo, pois achavam que estava morrendo. Por ser cristão, o Padre Bruno foi exercer sobre ele os últimos ofícios da igreja; mas as mulheres assumiram o comando e, com a aplicação de ervas, o curaram em três dias. O veneno, em que os índios mergulham suas lanças de madeira e as pequenas flechas para suas pucunas, tem frequentemente chamado a atenção por sua força e rapidez de execução. Sua preparação é mantida um mistério confinado a certas tribos, e a manufatura por diferentes tribos pode talvez ser diferente; mas pelo seu grande valor entre os índios, a dificuldade de obtê-lo e, por aqueles por quem ele é feito, serem tribos inferiores e da ordem mais baixa dos selvagens, suspeito que a preparação não seja um processo totalmente seguro. Eu tinha me esforçado para obter um pouco desse veneno, mas sem sucesso, até que alguns homens, vendo uma grande faca do mesmo tipo que pagamos aos canoeiros de Laguna, e que pretendíamos guardar, porque podia ser útil, tendo cerca de quarenta e cinco centímetros de comprimento, trazia vários arcos, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 83 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw it; but we had got sufficient bows and arrows, and would not give the knife. At last, after various attempts had been made, a jar of poison was brought, and the knife was then given. Yet so much was the poison coveted, that when we reached the Rio Negro, it was stolen, and I am indebted to Colonel Zany for another jar, which is now in the hands of Mr. Brodie. Its effects are rather stupefying than convulsive. Salt and sugar are both considered remedies, taken inwardly, and applied externally. flechas etc. para obtê-lo; mas tínhamos arcos e flechas suficientes e não daríamos a faca. Por fim, após várias tentativas, um frasco de veneno foi trazido e a faca foi dada. No entanto, o veneno era tão cobiçado que, quando chegamos ao Rio Negro, foi roubado, e estou em dívida com o Coronel Zany por outra jarra, que agora está nas mãos do Sr. Brodie. Seus efeitos são mais atordoantes do que convulsivos. O sal e o açúcar são considerados remédios, ingeridos internamente e aplicados externamente4. Sunday having arrived, and there being no appearance of the new commandante, after mass, we went to the governor to request he would give directions for our proceeding as early as possible in the morning, in order that no time might be lost. As I before supposed he had intended, he now began to make excuses, urging us to remain until the new commandante arrived. It was, however, evident that if we once consented to such delays, our proceeding would be altogether uncertain. The governor was therefore reminded of the time the new commandante had been coming up the river, of his illness, accidents, the time he had been expected, and the uncertainty of his Tendo chegado o domingo, e não havendo comparecimento do novo comandante, depois da missa, fomos ao governador pedir que desse instruções para o nosso procedimento o mais cedo possível pela manhã, a fim de não perdermos tempo. Como eu antes supunha ser sua intenção, começou a dar desculpas, instando-nos a ficar até a chegada do novo comandante. Era, no entanto, evidente que, se concordássemos com tais atrasos, nosso procedimento seria totalmente incerto. O governador lembrou-se, portanto, da época em que o novo comandante subia o rio, de sua doença, dos acidentes, da hora em que era esperado e da incerteza de sua chegada; também das garantias que ele, o Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 84 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa arrival; also of the assurances which he, the governor, had given us, and of the attention due to the letter of his Britannic Majesty’s consuls. We again expressed our readiness and desire to pay for whatever expenses we might incur: we were also ready to show every respect and attention to all and each of the Brazilian authorities who we might meet; but we felt it to be our duty as British subjects, and particularly mine as an officer in his Britannic Majesty’s navy, to require a corresponding consideration. After some further delay, the governor saw the impropriety of detaining us, and gave directions for a galatea, a boat about the size of a heavy frigate’s cutter, having a square stem above water, to be got ready; but as she required caulking, we could not start for several days. The governor had been attentive in inviting us to his table, and civil in other respects: his proceeding in this case also probably arose from an over anxiety not to do wrong; nevertheless, having attempted to withdraw his assurance, we did not continue to go to his house in the manner we had previously done. governador, nos dera, e da atenção devida à carta dos cônsules de sua Majestade Britânica. Mais uma vez, expressamos nossa disposição e desejo de arcar com as despesas que viéssemos a ter: também estávamos dispostos a mostrar todo respeito e atenção a todas e cada uma das autoridades brasileiras que encontrássemos; mas sentimos ser nosso dever como súditos britânicos, e particularmente o meu, como oficial da marinha de sua Majestade Britânica, exigir uma consideração correspondente. Depois de mais algum atraso, o governador viu a impropriedade de nos deter e deu instruções para que um galatea, um barco do tamanho de um cúter de fragata pesada, com uma haste quadrada acima da água, fosse preparado; mas como ela precisava de calafetagem, demoramos vários dias para começar. O governador foi atencioso ao nos convidar para sua mesa, e cortês em outros aspectos: seu procedimento neste caso também surgiu provavelmente de uma ansiedade exagerada de não errar; no entanto, tendo tentado retirar sua confiança, não continuamos a ir a sua casa da maneira que havíamos feito anteriormente. The padre spoke well of the O padre falava bem do governador, governor, saying that he was just dizendo que era justo e liberal, e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 85 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw and liberal, and did not attempt to monopolize traffic like some of the commandantes. The padre was himself a superior person to any we met for some months. He possessed much general information, had the agreeable politeness of a well-bred Spaniard in his manner, and was liberal in his principles, although a supporter of the old order of things. To us his society was invaluable at Tabitinga, and he had no objection to meet with persons with whom he could converse on general subjects. Even religion was not excluded from our topics of conversation. The padre, of course, did not express his approbation of our being Protestants, still he did not hold out condemnation. He said that before the reformation, England had obtained the title of the flower of religion, and had given birth to the eleven thousand virgins. On the whole, had there never been wider differences between the followers of the churches of Rome and of England, than between our friend Padre Bruno and ourselves, there would never have been much violence. não tentava monopolizar o tráfico como alguns dos comandantes. O próprio padre era uma pessoa superior a qualquer um que conhecemos em vários meses. Ele possuía muitas informações gerais, tinha a polidez agradável de um espanhol de boa educação em suas maneiras e era liberal em seus princípios, embora fosse um defensor da velha ordem das coisas. Para nós, sua sociedade era inestimável em Tabitinga, e ele não tinha objeções a encontrarse com pessoas com quem pudesse conversar sobre assuntos gerais. Mesmo a religião não foi excluída de nossos tópicos de conversa. O padre, é claro, não expressava sua aprovação por sermos protestantes, ainda assim, ele não nos condenava. Ele disse que antes da reforma, a Inglaterra havia obtido o título da flor da religião e dado à luz onze mil virgens. No geral, se nunca houvesse diferenças maiores entre os seguidores das igrejas de Roma e da Inglaterra, do que entre nosso amigo Padre Bruno e nós, nunca teria havido tanta violência. The padre complained of bad health, proceeding from an affection of the intestines. He had managed to get some tea through his commercial O padre queixava-se de má saúde, devido a uma afecção dos intestinos. Ele tinha conseguido um pouco de chá com seus correspondentes Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 86 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa correspondents, and one afternoon, when we went to call upon him) he offered us some. It was, as may be supposed, not of the best quality, and had neither refined sugar nor cream to improve its flavour; but I can scarcely express the delightful effects of the padre’s small cup of bad tea; if such an expression were correct or intelligible, I would say it appeared to wash the brain. We also were unwell. The fact was, the horrible diet on which we were living, added to the effects of exposure and fatigue, and the want of regular exercise, which could not be got at Tabitinga, acting upon constitutions previously affected, produced all kinds of maladies. comerciais e, uma tarde, quando fomos visitá-lo, ele nos ofereceu um pouco. Como era de se supor, não era da melhor qualidade e não tinha açúcar refinado nem creme para melhorar o sabor; mas mal posso expressar os efeitos deliciosos da pequena xícara de chá ruim do padre; se a expressão fosse correta, ou inteligível, eu diria que o chá parecia lavar o cérebro. Nós também estávamos indispostos. O fato era que a péssima dieta que nos mantinha, somada aos efeitos da exposição e do cansaço, e a falta de exercícios regulares, a que não se tinha acesso em Tabitinga, agindo sobre as constituições previamente afetadas, produziam todo tipo de doenças. During our daily visits, the padre related to us various anecdotes and descriptions of Peru, which corresponded generally with what we had seen. At his house we met with a Peruvian, a man about six feet high, and unusually stout in proportion, who, amongst other adventures, had had an extraordinary engagement with a tigre, the marks of whose claws and teeth he still retained on his head and arm, although several years had elapsed since the combat. Durante nossas visitas diárias, o padre nos relatou várias anedotas e descrições do Peru, que, em geral, correspondiam ao que havíamos visto. Em sua casa, encontramos um peruano, um homem de cerca de um metro e oitenta de altura e excepcionalmente corpulento, que, entre outras aventuras, teve um enfrentamento extraordinário com um tigre5, cujas marcas de garras e dentes ele ainda conservava na cabeça e no braço, embora vários anos houvessem transcorrido desde o combate. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 87 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw Repetitions of such recitals are not easy, inasmuch as the spirit of them depends greatly on the manner and peculiarities of the actors, which are almost indescribable. As repetições de tais recitais não são fáceis, já que o espírito delas depende muito da maneira e das peculiaridades dos atores, que são quase indescritíveis. The tigre’s antagonist and his brother were proprietors of a chacra that was infested by animals coming under the general denomination of tigre and which includes a variety of species, some incomparably more formidable than others. What was the particular description of this animal I do not know; the reader must endeavour to form his judgment from the narration. However, our acquaintance passing one day through part of his chacra, saw the tigre lying under a bush or tree, and according to the Peruvian, or perhaps his own more peculiar manner, he addressed it. “Ho, my friend, you are there, are you? I have been seeking you for some time, and we have a long account to settle. Wait till I get my weapons, and I will be with you again quickly.” Accordingly, going to the house of the chacra, he got his pucuna and arrows, and returned: these men always wear a long knife in a leather sheath, suspended to a strap that buckles round the waist. When the tigre saw him coming O antagonista do tigre e seu irmão eram proprietários de uma chacra infestada de animais, conhecidos pela denominação geral de tigre e que inclui uma variedade de espécies, algumas incomparavelmente mais temíveis que outras. Qual era a descrição particular desse animal eu não sei; o leitor deve se esforçar para formar seu julgamento pela narrativa. No entanto, nosso conhecido, passando um dia em uma parte de sua chacra, viu o tigre deitado em uma moita, ou árvore, e, de acordo com o peruano, ou talvez de sua maneira mais peculiar, ele se dirigiu ao tigre. “Ei, meu amigo, você está aí, não é? Estou procurando você faz tempo e temos uma longa conta para acertar. Espere até eu pegar minhas armas, e logo estarei com você.” Assim, indo para a casa da chacra, ele pegou sua pucuna e flechas, e voltou: esses homens sempre usam um facão em uma bainha de couro, suspensa por uma tira que se ajusta na cintura. Quando o tigre o viu chegando com sua pucuna, achou que era hora de ir embora e, pulan- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 88 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa with his pucuna, he thought it time to be off, and springing up, began to run. A chase then commenced—the man’s conversation also proceeding — What, you are off now, are you? but you shall not pass quite so easily; we must have some further communication before we part.” In the mean time, the tigre, either not liking the sound of the man’s voice, or the appearance of his weapons, made a spring, and got up into a tree. A momentary pause ensued, when the man laying down his spears, if he had any, (which I really do not know) began to make use of his pucuna by blowing poisoned arrows at the tigre; but either the poison was old, and not good, or the tigre’s skin was too tough and glossy, as no deadly effect was produced; but the animal was annoyed, and, after several arrows had been blown at him, sprung or fell from the tree, and again started to run. The chase was renewed, and the man came up, the tigre turning on his haunches to defend himself. The pucuna was now of no use, and was thrown aside; the left arm advanced to keep the animal off, whilst with the right the man felt for his knife.... The exertion of running had broke the strap, and he was without arms. Desperation do, começou a correr. Então, começou a perseguição - a conversa do homem também prosseguiu - O quê, você está caindo fora agora, está? Mas você não passará tão facilmente; precisamos conversar mais antes de irmos embora. “Nesse ínterim, o tigre, não gostando do som da voz do homem, ou da aparência de suas armas, deu um salto e subiu em uma árvore. Uma pausa momentânea se seguiu, quando o homem largou suas lanças, se é que ele tinha alguma, (o que eu realmente não sei) começou a fazer uso de sua pucuna, soprando flechas envenenadas no tigre; mas ou o veneno era velho e não era bom, ou a pele do tigre era muito dura e lisa, já que nenhum efeito mortal foi produzido; mas o animal ficou irritado e, depois que várias flechas foram disparadas contra ele, saltou ou caiu da árvore e, de novo, começou a correr. A perseguição foi reiniciada e o homem se levantou, o tigre girando sobre as patas traseiras para se defender. A pucuna já não tinha utilidade e foi jogada fora; o braço esquerdo avançou para manter o animal afastado, enquanto com o direito o homem tateou em busca da faca... O esforço da corrida arrebentou a correia, e ele ficou sem armas. O desespero, às vezes, dá coragem, e esse ho- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 89 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw sometimes gives courage, and this man was evidently not deficient in what at that time was a desirable quality; moreover his strength was uncommon. He remained firmly on his guard. The tigre attempted to spring; the man struck him with his fist on the nose, still keeping his left side forward, and his arm extended, and continuing his conversation; “I am without arms; but I am not beat.” The tigre made another spring, and was again struck on the nose; some other remark was made, and in this manner the combat went on until the tigre finding himself foiled in his endeavours to spring, made various other attacks. On one occasion, he seized the man’s left arm, and bit it through, but was again struck on the nose, and fortunately let go without injuring the bone: on another occasion he got one of his paws on the man’s head, and the claws tore through the scalp to the skull; the marks and the man’s height proved that they were no kitten’s claws. In the end, the man would probably have fallen, but his brother hearing him talk in rather an uncommon manner, came up with a spear, and run the tigre through the body. mem evidentemente não era isento do que, naquele momento, era uma qualidade desejável; além disso, sua força era incomum. Ele permaneceu firmemente em guarda. O tigre tentou saltar; o homem o golpeou com o punho no nariz, ainda mantendo o lado esquerdo à frente e o braço estendido, continuando a conversa: “Estou sem armas, mas não estou derrotado.” O tigre deu outro salto e foi novamente atingido no nariz; alguma outra observação foi feita, e, desta maneira, o combate continuou até que o tigre, frustrado em seus esforços para saltar, fez vários outros ataques. Em uma ocasião, ele agarrou o braço esquerdo do homem e o mordeu, mas foi novamente atingido no nariz e, felizmente, o soltou sem ferir o osso: em outra ocasião, ele acertou uma das patas na cabeça do homem e as garras rasgaram o couro cabeludo até o crânio; as marcas e a altura do homem provavam que não eram garras de gatinho. No final, o homem provavelmente teria sido vencido, mas seu irmão, ao ouvi-lo falar de maneira um tanto incomum, apareceu com uma lança e atravessou com ela o corpo do tigre. After the story was finished the Depois de terminada a história, o papadre asked the man “ what made dre perguntou ao homem “o que o Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 90 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa him go and fight with a wild beast?’’ However, he said, the account was true, as, indeed, the marks on the man’s head and arm proved. We were also told of a Peruvian pueblo that was infested by an animal of this denomination, and which I think was said to be black, that would walk into the plaza in the middle of the day, and seize on the first person it could lay hold off. It carried off about fifty people before it could be destroyed. It was at length shot. fez ir e lutar com uma fera?”. No entanto, disse ele, o relato era verdadeiro, como, de fato, as marcas na cabeça e no braço do homem provavam. Também fomos informados de um povoado peruano que estava infestado por um animal dessa denominação, e que, acho, diziam ser negro, que entrava na praça no meio do dia e atacava a primeira pessoa que encontrasse. Ele levou umas cinquenta pessoas antes que fosse aniquilado. Foi, finalmente, abatido. The Indians who were waiting to convey part of the new commandante’s cargo up the Ucayali, were employed by the padre in repacking sarsaparilla, and, I believe, in increasing the packages from Spanish arobas, of twenty-five pounds each, to Portuguese of thirtytwo pounds each. The roots were laid together lengthways, making bundles of about five feet long and a foot in diameter, bound round with sogas or creepers the thickness of a man’s little finger, and so pliant that they were kept in coils. The turns were passed tight and close together, so as to protect the sarsaparilla from damage. The value of sarsaparilla at Tabitinga was, on an average, five dollars the Spanish aroba, if paid in money; six dollars if paid in knives, Os índios, que esperavam para transportar parte da carga do novo comandante subindo o Ucayali, foram empregados pelo padre para reempacotar a salsaparrilha e, acredito, para aumentar os pacotes de arrobas espanholas, de 11,33 kg cada para arrobas espanholas, de 14,51 kg cada. As raízes eram colocadas longitudinalmente, em feixes de cerca de cinco metros de comprimento e trinta centímetros de diâmetro, amarrados com sogas, da espessura do dedo mindinho de um adulto, e tão flexíveis que eram mantidos em rolos. As curvas eram colocadas bem juntas, para evitar que a salsaparrilha se danificasse. O valor da salsaparrilha em Tabitinga era, em média, cinco dólares a arroba espanhola, se pagos em dinheiro; seis Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 91 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw hatchets, &c. There was a difference in the quality; that which was most pulpy, or as it was called most fleshy, being the best. Sarsaparilla is liable to be damaged by insects; and when bundles are offered for sale it is customary to let them fall smartly on the ground, to see whether much dust or insects are driven out by the concussion. The padre was of opinion that persons taking sarsaparilla as a remedy are apt to catch colds, and the limbs to become contracted. He recommended exercise so as to excite perspiration after taking it. He also mentioned bathing, but whether as beneficial or injurious I am not certain. dólares se pagos em facas, machadinhas etc. Havia uma diferença de qualidade; a que era mais polpuda, ou, como se dizia, a mais carnosa, era a melhor. A salsaparrilha pode ser danificada por insetos; e quando os pacotes são colocados à venda, é comum deixá-los cair com jeito no chão, para ver quanto cai de poeira ou insetos. O padre era de opinião que as pessoas que tomam salsaparrilha como remédio podem se resfriar e contrair os membros. Ele recomendava exercícios para provocar transpiração após tomá-los. Ele também mencionava o banho, mas se o banho é benéfico ou prejudicial, não tenho certeza. There were several lads attached to the padre’s establishment, who were at all times ready and willing to obey his directions, but whose principal occupation appeared to be amusing themselves. His table was neither delicately nor superabundantly supplied, but it was always open to those who chose to partake of it. He said he had not much to offer, but was at all times ready to share what he had. We avoided his meals, but when he got anything that was better than common, he generally sent a portion to our quarters. In Havia vários rapazes ligados ao estabelecimento do padre, que estavam a todo momento prontos e dispostos a seguir suas instruções, mas cuja principal ocupação parecia se divertir. A mesa do padre não era delicada nem superabundante, mas estava sempre aberta para quem quisesse participar dela. Ele dizia que não tinha muito a oferecer, mas que estava sempre disposto a compartilhar o que tinha. Evitávamos comer com ele, mas quando ele conseguia algo melhor do que o normal, geralmente mandava uma porção para nossos aposentos. No curral, nos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 92 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa the coral, at the back of his house, was a tartaruga mud pond. He had poultry, and a variety of parrots. Sec. some of which belonged to the lads. These birds are not, as in Europe, tied to sticks or confined to cages, but fly about the pueblo, and come to the houses to which they belong to be fed, or when they are called. fundos da casa, havia um tanque para tartarugas. Ele tinha galinhas e uma variedade de papagaios. Alguns deles pertenciam aos rapazes. Esses pássaros não são, como na Europa, amarrados a poleiros ou confinadas em gaiolas, mas voam sobre o povoado, e vão às casas a que pertencem para serem alimentados, ou quando são chamados. The facility with which the smaller green Brazilian parrot (not the paroquet) learns to talk is surprising. If a child cried in the pueblo half a dozen parrots would set up the same strain of lamentation, calling most piteously on their mothers and the urchin who commenced the row was compelled to be silent to avoid the imitation of these feathered mimics. They could also be humorous as well as doleful. If any of the inhabitants became loudly facetious it was not improbable that the parrots would join chorus, and Mr. Hinde and myself were sometimes at a loss to know whether they were the birds that were imitating, or the persons and animals themselves that we heard. Nor am I by any means certain that these birds are so entirely wanting in capacity or instinct as they are almost proverbially supposed to be: some species are A facilidade com que o papagaio brasileiro verde menor (não o papagaio normal) aprende a falar é surpreendente. Se uma criança chorava no povoado, meia dúzia de papagaios soltava, no mesmo tom piedoso, chamando de modo choroso as mães. e o moleque que havia começado a briga era obrigado a ficar em silêncio para evitar a imitação da mímica emplumada. Eles também podiam ser engraçados, assim como tristes. Se algum dos habitantes era muito jocoso, não era improvável que os papagaios se juntassem ao coro, e o Sr. Hinde e eu, às vezes, não sabíamos se eram os pássaros que estavam imitando ou as próprias pessoas e animais que ouvíamos. Tampouco estou certo de que esses pássaros sejam tão carentes em capacidade ou instinto quanto quase proverbialmente se supõe que sejam: algumas espé- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 93 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw more mischievous than monkeys. Their actions shew a knowledge of the peculiarities of different persons, and their attachment to each other is remarkable. I brought several to England. Two which I had got at different places became a pair, and seeing that they were so, I determined not to separate them, and presented them to the Zoological Society; but being much occupied at the time I neglected to mention the peculiarity that had been noticed: indeed I scarcely thought it necessary, as I was not aware that they would be separated. One was taken to the Museum, the other to the Gardens in the park. One died, although they had both been healthy. I have noticed, or fancied I noticed, some peculiarities, in shewing a small paroquet, that had been some time separated from all other parrots, its own reflection in a mirror the little animal was at first surprised; then tried to make acquaintance with the stranger, and called in the same shrill note with which they summon each other in the woods. Finding it could make no nearer approach, it became sorrowful, ruffled its feathers, and made a low chirping noise, turning and tossing up its head as if asking for something. But these remarks may be thought too cies são mais travessas do que os macacos. Suas ações mostram um conhecimento das peculiaridades de diferentes pessoas, e seu apego mútuo é notável. Trouxe vários para a Inglaterra. Dois que consegui, em lugares diferentes, formavam um par e, percebendo isso, resolvi não separá-los e apresentá-los à Sociedade Zoológica; mas, estando muito ocupado na época, esqueci de mencionar a peculiaridade que eu tinha percebido: na verdade, nem pensei que fosse necessário, pois não sabia que eles seriam separados. Um foi levado para o Museu, o outro para os Jardins do parque. Um morreu, embora ambos estivessem saudáveis. Notei, ou imaginei ter notado, algumas peculiaridades, em mostrar um pequeno papagaio, que havia estado algum tempo separado de todos os outros papagaios, seu próprio reflexo em um espelho, o pequeno animal, a princípio, ficou surpreso; depois, tentou fazer amizade com o estranho e chamou com a mesma nota estridente com que se convocam na floresta. Ao descobrir que não poderia se aproximar mais, ele ficou triste, agitou suas penas e emitiu um chilreio baixinho, virando-se e jogando a cabeça para cima como se pedisse alguma coisa. Mas essas observações podem ser consideradas frívolas de- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 94 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa frivolous to be inserted in a journal, mais para serem inseridas em um diário, ou por fazê-las. or perhaps to be made. The padre had some large land tortoises, which were considered good to eat, and even preferred by some people to tartaruga, or the water tortoises. I cannot say I admired such diet, but in a country where monkeys and vaca marina are considered delicacies, and snakes and alligators have been eaten, not to mention human flesh, anything will go down. I bought a small monkey at Tabitinga, of an uncommon species. It had been domesticated, and was a playmate of the children. The man to whom it belonged, who was an Indian, objected at first to parting with it, but a good price being offered he at last consented. When he was receiving payment, supposing we wanted to make a mess of it, he said it was not large, but it would be good to eat. A land tortoise, that stood a yard high, was said to have been sent as a specimen to the emperor. They abound in some parts of the Montaña. The day before we left Tabitinga, a fisherman, whom the padre had sent out, returned with a vaca marina that he had harpooned; and as I had repeatedly expressed a wish to see one, and if possible to get a skin preserved, the padre sent O padre tinha algumas tartarugas terrestres grandes6, consideradas boas para comer, e igualmente preferidas por alguns às tartarugas aquáticas. Não posso dizer que admirei essa dieta, mas em um país onde macacos e vacas marinas7 são considerados iguarias, e cobras e crocodilos são comidos, para não mencionar carne humana, qualquer coisa serve. Comprei um macaquinho em Tabitinga, de uma espécie incomum. Ele havia sido domesticado e brincava com as crianças. O homem a quem pertencia, que era um índio, não quis se separar dele, mas, um bom preço sendo oferecido, ele acabou consentindo. Quando estava recebendo o pagamento, disse que não era grande, mas que seria um bom alimento. Uma tartaruga terrestre, de um metro de altura, teria sido enviada como espécime ao imperador. Eles são abundantes em algumas partes de Montaña. No dia anterior à nossa partida de Tabitinga, um pescador enviado pelo padre voltou com um peixe-boi, que ele tinha pego com arpão; e como eu tinha repetidamente manifestado o desejo de ver um e, se possível conservar uma pele, o padre nos mandou antes de permitir que ela Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 95 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw to us before he allowed it to be cut up. Its shape, with the exception of the snout, resembled a seal; the skin that of a whale or porpoise, smooth, of a dark lead colour on the back, and with a few occasional hairs. The snout, and particularly the lips, were like those of an ox, whence it derives the Spanish name of vaca marina, and Portuguese ‘peixe boy.’ The tail was broad, not thick, and horizontal. On each shoulder was a fin joined close to the shoulder, broad, but not thick, and tapering narrower and thinner towards the extremity. The dimensions of this one, which was full grown, but not considered fat, were about ten feet long, and eight round the thickest part of the body; but as the Indians were not willing to move it, and I agreed with the fisherman to buy the skin, I was not so particular as I otherwise should have been in measuring. When cut, on the under part of the body from the head towards the tail, immediately under the skin, a layer of fat covered the ribs and fleshy part of the body; and this layer being the part from which oil, or, as it is there called, ‘manteiga,’ is extracted, was carefully stripped off by the fisherman and his assistants. In its thickest part, immediately over the intestines, the layer was fosse cortada. Sua forma, com exceção do focinho, lembrava uma foca; a pele de baleia ou toninha, lisa, de cor chumbo no dorso e com alguns pelos ocasionais. O focinho, particularmente os lábios, eram como os de um boi, de onde deriva o nome espanhol de vaca marina, e o português “peixe-boi”. A cauda era ampla, não espessa e horizontal. Em cada ombro havia uma barbatana unida perto do ombro, larga, mas não grossa, e ficando mais estreita e fina em direção à extremidade. As dimensões deste, já totalmente crescido, sem ser considerado gordo, tinham cerca de três metros de comprimento e quase 2,5 metros de comprimento na parte mais grossa do corpo; mas, como os índios não queriam movê-la, e eu concordei com o pescador em comprar a pele, não fui tão exigente quanto deveria ser na medição. Ao cortar, na parte inferior do corpo, desde a cabeça até à cauda, imediatamente por baixo da pele, uma camada de gordura cobria as costelas e a parte carnuda do corpo; e, sendo esta camada a parte da qual o óleo, ou, como é chamado, “manteiga”, é extraído, foi cuidadosamente removida pelo pescador e seus assistentes. Em sua parte mais espessa, imediatamente acima dos intestinos, a camada tinha cerca de cinco centímetros Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 96 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa about two inches in diameter. Under the fat, the flesh resembled that on the ribs of moderately fat beef, and was also stripped off in one layer. The ribs were then divided, and the intestines taken out. I do not understand sufficient of anatomy to describe each of the organs, but it appeared to have most of those common to land animals. The lungs were of large size, extending nearly the whole length on each side of the back, protected from the intestines by a strong diaphragm. There were two distinct stomachs connected by a small but long intestine, with a much larger intestine leading from the second stomach. On being cut open, the whole were found to contain grass or some kind of vegetable, which the animal had lately eaten; that contained in the first stomach was covered with a thick mucous substance, whilst in the second stomach and larger intestines it was of a yellower colour, and appeared to have undergone a considerable degree of digestion. Each of the fins had five long tapering bones, with joints resembling those of the human hand. The extremities of both the tail and fins were gristle. de diâmetro. Sob a gordura, a carne lembrava a das costelas de carne moderadamente gorda, e também foi retirada em uma camada. As costelas foram divididas e os intestinos retirados. Não entendo de anatomia como para descrever cada um dos órgãos, mas parecia ter a maioria daqueles comuns aos animais terrestres. Os pulmões eram grandes, estendendose por quase todo o comprimento de cada lado das costas, protegidos dos intestinos por um diafragma forte. Havia dois estômagos distintos conectados por um intestino delgado, mas longo, com um intestino muito maior saindo do segundo estômago. Ao ser aberto, descobriu-se que o todo continha grama ou algum tipo de vegetal, que o animal havia comido recentemente; o contido no primeiro estômago estava coberto com uma substância mucosa espessa, enquanto no segundo estômago e no intestino grosso era de uma cor mais amarelada e parecia ter sofrido um considerável grau de digestão. Cada uma das nadadeiras tinha cinco ossos longos e afilados, com juntas semelhantes às da mão humana. As extremidades da cauda das barbatanas eram cartilagens. The cutting up this vaca marina had O corte do peixe-boi atraiu a atenattracted the attention of a variety of ção de uma variedade de animais. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 97 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw animals. The men were the operators; a number of women and children were in attendance with baskets, whilst several half-starved dogs were on the look out, and fighting for whatever might fall to their share; and when any of the refuse was thrown into the water, it was instantly snapped at by what we supposed to be alligators. As soon as the skin was cleaned, I wished to have it salted to preserve it, but was overruled by the fisherman and others, who thought they knew more of such matters than I professed to do, and the consequence was, that in attempting to dry it, it became rotten. The skin in its thickest part was more than half an inch thick. Os homens eram os operadores; várias mulheres e crianças esperavam com cestos, enquanto vários cães famintos estavam à espreita, e lutando por qualquer coisa que pudesse cair em sua parte; e quando qualquer um dos rejeitos era jogado na água, era instantaneamente atacado pelo que supúnhamos ser crocodilos. Assim que a pele foi limpa, eu queria que fosse salgada para preservá-la, mas fui rejeitado pelo pescador e outros, que pensaram que sabiam mais sobre tais assuntos do que eu professava, e a consequência foi, ao tentar secá-la, que ele apodreceu. A pele, em sua parte mais espessa, tinha mais de um centímetro de espessura. In the quarters we had hired, was the skin of an anta or tapir which I bought. It was considerably larger and thicker than the ox hides we had for covering the baggage, although the extremities had been cut off so as to make it a broad oval. Nos aposentos que havíamos alugado, estava a pele de uma anta, ou tapir, que comprei. Era bem maior e mais grossa do que as peles de boi que tínhamos para cobrir a bagagem, embora as extremidades tivessem sido cortadas para torná-la um amplo oval. Notas 1. Sabe-se que, desde 1781, o lugar tem por nome registrado Tabatinga, desde a divulgação do desenho de sua planta, onde é indicado o fortim de São Francisco de Xavier de Tabatinga. A origem deste termo remonta ao tupi, significando “barro branco”. Atestando isso, o jesuíta João Daniel escreveu em 1756: “Assim como há barros no Amazonas mui finos e preciosos, amarelos e vermelhos, assim também Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 98 Tradução de Tatiana de L. Pedrosa Santos, Samuel L. de Medeiros & Walter Carlos Costa os há brancos da mesma fineza a que chamam tabatinga”. Uma das hipóteses que se pode levantar é a de que Maw tenha escrito a variação “Tabitinga” por se parecer com a pronúncia herdada do português lusitano, falado no acampamento de fronteira pelos militares que vinham de Portugal ou colônias. 2. O objeto citado pelo viajante como espécie de arma de caça utilizada pelos indígenas em Tabatinga, conhecido como pucuna, já havia sido mencionado em 1608 por González Holguín em seu livro sobre a chamada “Língua Geral do Peru” ou “Língua dos Incas”, o quíchua. Em seu idioma original, quer dizer fole, instrumento, ou canudo para soprar. Ao reproduzir o termo, Maw fez referência a um tipo de zarabatana que tanto os Ticuna quanto os povos que migravam historicamente entre o território do Vice-Reinado peruano, de Nova Granada (Colômbia), e do Império brasileiro, à época, utilizavam na caça à distância da fauna, ou mesmo para ataques-surpresa a inimigos. 3. Maw faz referência a certo tipo de pássaro a que chama de peuries. Pode-se pensar que se referia aos famosos papagaios ou periquitos, muito presentes na fauna da região fronteiriça. Atualmente, esse termo parece ter se perdido ou entrado em desuso; parece ser uma transcrição literal da forma aludida pelos nativos ao falar sobre aqueles pássaros. Certamente, trata-se de espécies de pequeno a médio porte, capazes de alcançar a copa das árvores, como descrito pelo autor. 4. O costume de se usar o sal e o açúcar como remédios pelos indígenas em Tabatinga, pode ser entendido como a assimilação de um produto europeu em práticas do universo nativo. Ora, desde o século XVII, com a expedição de Pedro Teixeira pelo Rio Amazonas, o padre Acuña já assinalava o conhecimento dos nativos acerca do uso medicinal da flora e de seus produtos, como as gomas, resinas, óleos, entre outros. Enxergar o sal e o açúcar como originários de um processo de transformação do estado natural os equiparava a qualquer outro preparado para tratar os males da saúde de que dispunham. Para muitos, o que se utilizava na alimentação era também remédio. 5. O temível tigre citado pelo autor é, na verdade, o termo usado por ele para se referir à Panthera onca, a conhecida onça-pintada. Semelhante em alguns aspectos ao tigre, por ser primo do mesmo (porém mais próxima evolutivamente do leão e do leopardo), difere dele, entre outras características, pelo padrão de manchas na pele. O “tigre negro”, citado por Maw, é, na verdade, indivíduo da mesma espécie que os outros, mas com a manifestação do gene melânico, que dá aos seus pelos a coloração escura (também chamado de pantera). Essa espécie de felinos habita florestas tropicais e equatoriais das Américas, sempre dependendo de cursos d’água próximos para sobreviver. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 99 Journal of a Passage from the Pacific to the Atlantic (Cap. VIII) (1829) de Henry Lister Maw 6. A referida “tartaruga terrestre” é uma possível referência a indivíduos de duas espécies de répteis providos de carapaça e que se locomovem de modo terrestre: os jabutis. Muito semelhantes a tartarugas, eles são onívoros e de lenta locomoção. Na região amazônica, pode-se encontrar duas espécies do gênero: o jabuti-piranga, que prefere áreas abertas e com menos vegetação, e o jabuti-tinga, que tem preferência pela mata densa, e é menos comum. Diferente das tartarugas, não se locomovem pela água. 7. Ao citar a vaca marina, acredita-se que o autor confundiu o peixe-boi-daAmazônia com o peixe-boi-marinho, também chamado de vaca-marinha (ou manati); esses animais diferem em tamanho, peso e habitat. Enquanto o primeiro podia ser encontrado na bacia do Orinoco e Amazonas, o segundo vivia nas costas atlânticas, que se estendem da América do Norte ao Brasil. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 65-100, jan/jul, 2021. 100 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84943 UMA VIAGEM PARA NUNCA ESQUECER: TRADUZINDO O OLHAR EUROPEU SOBRE A AMAZÔNIA BRASILEIRA Alessandra Ramos de Oliveira Harden1 Theo Harden1 1 Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil Em 1817, chegou ao Brasil a Arquiduquesa Carolina Josepha Leopoldina da Áustria, após seu casamento com o herdeiro D. Pedro. Já residente no Brasil, a família real portuguesa celebrou a união dos dois, feita por procuração e com a noiva em Viena, como a criação de vínculo forte com os Habsburgo, principal casa nobiliárquica da Europa de então1. O matrimônio possibilitou estreitamento de laços entre dois impérios (português e austríaco) em diversos níveis: diplomático, artístico e, especialmente, científico. Para tratar dos muitos interesses envolvidos, nasceu a chamada Missão Austríaca, na qual pode ser identificada uma Missão Bávara (Costa e Diener 26), o que nos interessa aqui em particular. Da relação entre Áustria, Baviera e Portugal, forjada por enlaces conjugais e diplomáticos, resultou, entre outros feitos, na descoberta e descrição de inúmeras espécies da flora e fauna brasileira, além de relatos acerca dos costumes das populações das diversas regiões do Brasil. Isso porque, entre os membros da tal Missão Bávara, estavam o jovem botânico Carl Friedrich Philipp Von Martius e o zoólogo Johann Baptist Von Spix2, membros da Real Academia de Ciências de Munique. 1 Ver sobre D. Leopoldina e o Brasil, por exemplo, Priore e Braga. Vale lembrar que os dois, Martius e Spix, tornaram-se bávaros em decorrência dos acontecimentos políticos ocorridos após seus respectivos nascimentos. Martius nasceu em Erlangen, e Spix, in Höchstadt, em região anteriormente prussia2 Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden Financiados pelo monarca Maximiliano José I, os dois chegaram vieram ao Brasil para realizar expedições exploratórias em regiões que ainda eram desconhecidas do público europeu. Tendo como ponto de partida o Rio de Janeiro, onde desembarcaram em 14 de julho de 18173, viajaram por diversos dos atuais estados brasileiros: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Pará, Amazonas. Foram cerca de 14 mil quilômetros de território nacional esquadrinhados cuidadosamente. Nada escapou ao olhar curioso do dois: espécies animais e vegetais, traços e costumes das diversas populações das cidades e das florestas, manifestações do folclore, acidentes geográficos. Tudo foi descrito em detalhe nos relatórios enviados para o rei e patrono bávaro e nas muitas publicações4 que surgiram posteriormente, aos quais não faltaram ilustrações e mapas. Só para se ter uma ideia, os dois levaram para a Europa “5 espécies de mamíferos, 350 de pássaros, 130 de anfíbios, 116 de peixes, 2700 de insetos, 80 de aracnídeos, 80 de crustáceos e 6.500 espécies de plantas, compondo um herbário de 20.000 exemplares” (Lisboa 91, nota 24) e um casal de crianças indígenas (originalmente eram quatro crianças, mas apenas duas sobreviveram à viagem) do Amazonas5. na, a Francônia, que foi incorporada à Baviera devido às guerras napoleônicas (Costa e Diener 18-23). 3 O navio em que Martius e Spix viajaram acabou se separando da embarcação em que segui a Arquiduquesa e sua comitiva. Assim, os nossos dois viajantes da Baviera chegaram ao Rio de Janeiro muito antes de D. Leopoldina, que só desembarcou em terras cariocas em 6 de novembro de 1817 por ter feito outras paradas e enfrentado muitas intempéries. 4 Um dos produtos mais importantes da viagem ao Brasil é admirável Flora Brasiliensis (Martius, Eichler e Urban, 1840-1906) cuja produção foi iniciada por Martius e finalizada depois de sua morte. A publicação teve início em 1840 e foi concluida apenas em 1906. São 15 volumes em que são descritas mais de 8.000 espécies e m que se encontram cerca de 1.400 figuras. 5 Quatro crianças indígenas fizeram parte das chamadas “coleções de peças vivas”: três do povo Miranha e um menino Juri. A prática hoje impensável de “levar indivíduos da população local” na volta para a Europa era “procedimento comum entre aqueles que realizavam expedições científicas de caráter naturalista” (Costa, 5). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 102 Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira Entre essas publicações, Reise in Brasilien6 (Spix e Martius, 1823, 1828, 1831) se destaca. Nos seus três volumes e no Atlas suplementar, os dois autores, a quem posteriormente foi concedido o título de Ritter7 devido ao grande sucesso da expedição, oferecem uma ampla visão do Brasil da época em um texto que representa bem a perspectiva eurocêntrica e até racista de grande parte dos pesquisadores que então atuavam sob a profunda influência do Iluminismo.8 Começam descrevendo o mundo novo da América muito entusiasmados. De fato, a chegado ao Rio de Janeiro os deixou deslumbrados, como acontece até hoje com qualquer um. Nota-se no texto que ficaram fascinados pela variedade da natureza tropical e que as experiências com o novo os mergulharam em certa confusão, uma vez que, no seu arrebatamento, não sabiam por onde começar o trabalho de descrição e coleta de que haviam sido incumbidos. No entanto, já nos primeiros dias no Rio, essa euforia foi relativizada pela realidade de uma grande cidade tropical do século XIX. Particularmente a agitação das ruas e a presença de tantas pessoas não brancas parecem ter incomodado muito os dois: “A natureza ignóbil, baixa e grosseira dessas pessoas seminuas, que não sabem manter distância, ofende a sensibilidade do europeu 6 A obra completa foi traduzida por Lúcia Furquim Lahmeyer para o português em 1938, conforme indicado na seção de referências bibliográficas. 7 O título “Ritter” se refere a camada mais baixa da aristocracia alemã e austríaca da época. No século XIX, foi usado pelo soberano para condecorar pessoas de alto mérito e é comparável ao “Sir” da Grã-Bretanha. 8 Ver, por exemplo, a Physische Geographie, de Kant, em que o filósofo, considerado um dos maiores representantes da Aufklärung, cria uma hierarquia de raças em que os brancos estão no topo e os povos indígenas das Américas ficam no patamar mais baixo. Na página 316, ele escreve: “Die Menschheit ist in ihrer größten Vollkommenheit in der Race der Weißen. Die gelben Indianer haben schon ein geringeres Talent. Die Neger sind weit tiefer, und am tiefsten steht ein Theil der amerikanischen Völkerschaften” (em português: ‘A humanidade alcança seu estado de perfeição na raça branca. Os índios amarelos [indianos e orientais] já têm um talento limitado. Os negros estão em grau ainda inferior, e, no nível mais baixo de todos, estão os povos americanos’). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 103 Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden que acaba de chegar de sua pátria, onde há boas maneiras e formas agradáveis”9 (tradução nossa). Do Rio de Janeiro, Spix e Martius partem para sua longa aventura, que finalmente os leva até a Amazônia. A última parte da viagem é narrada no terceiro volume do Reise, que é fonte do trecho de cerca de 15 páginas traduzido para esta edição. Como os leitores da Cadernos de Tradução podem imaginar, a região amazônica era naquela época, em grande parte, uma verdadeira terra incognita, apesar de os dois autores encontrarem por lá número considerável de colonos, personagens citados no texto e, por vezes, vitais para o sucesso da empreitada. No trecho selecionado para esta coletânea, os autores fazem um relato da viagem por segmentos do Amazonas e por alguns dos seus muitos afluentes e canais. Para além das dificuldades enfrentadas na navegação e da luta contra os terríveis carapanãs, chama a atenção a descrição, em especial, de encontros com indivíduos da etnia Mura e Mundurucu. Os Mura, povo nômade que vivia e grupamentos distribuídos por um enorme território próximo ao rio Amazonas, recebem nessa parte do texto, atenção considerável dos autores, que parecem horrorizados com os costumes desses indígenas. Pouca coisa escapa à observação de Spix e Martius e poucos são os adjetivos com conotação positiva usado em sua narrativa, o que torna o texto até desconfortável para o leitor brasileiro atual, para dizer o mínimo. Ainda que consideremos que o texto reflete o pensamento da época e a visão de dois homens acostumados à vida numa Europa ‘civilizada’, difícil não questionar a contribuição de relatos supostamente científicos e neutros para o processo de submissão cultural e extermínio dos povos tradicionais das Américas. Acerca do texto em si, vale fazer aqui algumas observações. A narrativa em alemão segue o padrão de narrativa de viagem estabelecido por Georg Forster (1777, 1778)10 e Alexander Von 9 Reise in Brasilien, v. I, p. 91. A obra A Voyage Round the World descreve a segunda viagem do capitão inglês James Cook pelos mares do sul. O autor, Georg Foster, usou os diários de seu 10 Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 104 Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira Humboldt. Ainda que a preocupação fundamental de Spix e Martius fosse apresentar um texto informativo, seguindo princípios do recém-nascido paradigma científico baseado na observação e objetividade, o relatório de viagem de se dirige também a uma audiência leiga. Assim, busca ao mesmo tempo entreter os frequentadores dos salões urbanos e informar os membros das academias de ciência. O estilo é, portanto, baseado na oralidade da época e relativamente de facíl leitura. Mesmo assim, claro que traz dificuldades para o leitor de hoje. O vocabulário é antiquado, e a sintaxe, com longos períodos e muitas subordinações, é às vezes tão complexa que precisou ser completamente reestruturada em português. Além disso, os autores muitas vezes pulam de um assunto para outro, o que também pode ser um desafio. Apesar de termos tentado usar estruturas sintáticas e de organização textual para ajudar o leitor, não sucumbimos à tentação de explicar todos os elementos que, mesmo em alemão, podem ter suscitado dúvidas. Nossa justificativa é dupla: i) os leitores brasileiros, a quem a tradução se dirige em primeiro lugar, estão razoavelmente familiarizados com muitos dos tópicos e nomes mencionados; ii) o texto se caracteriza também pela grande quantidade de informação, o que significa dizer que há certa exigência por parte do texto quanto à participação ativa do leitor na sua interpretação. Portanto, tentamos chegar a um equilíbrio delicado para não entediar o leitor brasileiro nem lhe roubar a oportunidade de exercitar suas habilidades de leitura. Ainda assim, a tradução tem quantidade razoável de notas. Além do uso de notas de tradução, decidimos também registrar com inicial maiúscula do substantivo que denomina acidente geográfico quando seguidos do topônimo que o específica, uma pai, Johann Reinhold Forster’, que foi quem realmente participou da expedição. Curiosamente, embora Georg Foster fosse nascido em território prussiano (que hoje é a Polônia), seu texto foi publicado em inglês (1777) e traduzido para o alemão em edição de 1779 e 1780 (volume 1 e 2, respectivamente). A versão para o alemão foi feita pelo próprio Georg Foster e por Rudolf Erich Raspe, autor a quem são creditadas as conhecidas aventuras do Barão de Munchausen. O livro de Foster alcançou grande sucesso por apresentar os fatos da expedição para o gosto popular, para entretenimento, e tornou-se um clássico da literatura de viagem. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 105 Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden vez que a opinião a respeito do uso de maiúscula ou minúscula nesse caso parece depender do gramático ou do manual de estilo consultado. Assim, utilizamos ‘Rio Amazonas’ e ‘Lago Silves’, por exemplo. Outra decisão foi seguir, para a grafia de nomes de povos indígenas, o estabelecido pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em Convenção publicada em 1954. Ressalte-se aqui a divergência existente entre linguistas e antropólogos não apenas quanto ao tema, inclusive no que diz respeito ao uso de maiúsculas (ver Rosa). Em vista disso, utilizamos a letra maiúscula, a grafia com k e acento no u em “Mundurukú”, e o z e acento em “Pazé”, conforme listagem preparada por Câmara Jr. a pedido da ABA (curiosamente, “Mundurukú” não consta dessa lista, mas obedecemos ao padrão indicado). Finalmente, optamos por inserir informações consideradas relevantes entre colchetes, o que pode incluir um fato, como a explicação de que são leguminosas (“[plantas com vagem]”), uma indicação do referente de um pronome para esclarecer uma ambiguidade, ou a inserção de variante de grafia de nome de etnia indígena, quando relevante. Não podemos deixar de registrar que todos os volumes da Reise existem em português no Brasil desde 1938. Nesse ano, a Imprensa Nacional publicou o texto em sua tradução feita por Lúcia Furquim Lahmeyer, uma edição que infelizmente é de difícil acesso. No entanto, o mesmo texto traduzido foi objeto de uma edição recente, publicada em 2017 pelo Senado Federal, e pode agora ser encontrado com facilidade. Apesar da tradução de 1938, tomamos a decisão de não fazer a leitura para não nos influenciar pela interpretação dada ao texto por Lúcia Lahmeyer, a tradutora tão corajosa que enfrentou tarefa de tanta magnitude quando os meios para consulta eram insignificantes perto do que se tem hoje (parabéns, Lúcia). No entanto, recorremos algumas vezes ao também magnífico trabalho de Maria de Fátima Costa e Pablo Diener, que transcreveram e traduziram os muitos relatórios em forma de cartas que Spix e Martius enviaram Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 106 Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira ao rei da Bavária, e organizaram os textos e as ilustrações. Costa e Diener informam e que consultaram a tradução de Lahmeyer diversas vezes, como “constante fonte de inspiração” (55). Assim, ainda que indiretamente, a voz de Lahmeyer também se junta à nossa nas próximas páginas. Gostaríamos de terminar esta introdução com uma pequena adaptação de declaração feita em entrevista dada por Costa e Diener ao jornal Correio Braziliense: […] se Martius [e Spix são] muito importante[s] para o Brasil, sem a menor dúvida, o Brasil certamente foi importantíssimo para Martius [e Spix]: foi toda a sua vida. Para nós também, foi uma viagem inesquecível. Referências “Convenção para a grafia dos nomes tribais”. Revista de Antropologia. 2. 2 (1954): 150-152. Acesso em 10 de fevereiro de 2021. http://www.revistas.usp. br/ra/issue/view/8378/558. Braga, P. D. “Leopoldina de Habsburgo, rainha de Portugal”. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Marques, v. IV. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 233-245. Câmara Jr., J. M. “A grafia de nomes tribais brasileiros”. Revista de Antropologia. 2. 3, (1955): 125-132. Acesso em 10 de fevereiro de 2021. http://www.revistas. usp.br/ra/issue/view/8380/560. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 107 Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden Costa, M. F.; Diener, P. (Org.). Spix e Martius: relatórios ao Rei. Rio de Janeiro: Capivara, 2018. Costa, M. F. e Diener, P. “Edição reúne novos desenhos e documentos de viagens de Philipp von Martius. Entrevista concedida a Severino Francisco”. Correio Braziliense. 02/03/2019. https://www.correiobraziliense.com.br/app/ noticia/diversao-e-arte/2019/03/02/interna_diversao_arte,740725/edicao-reunenovos-desenhos-e-documentos-das-viagens-de-philipp-von-ma.shtml. Acesso em 12 de fevereiro de 2021. Costa, M. F. “Os ‘meninos índios’ que Spix e Martius levaram a Munique”. Artelogie. 14, (2019): 1-17. 10/02/2021. DOI: https://doi.org/10.4000/ artelogie.3774. http://journals.openedition.org/artelogie/3774. Foster, G. A Voyage Round the World in His Britannic Majesty’s Sloop, Resolution, Commanded by Capt. James Cook, During the Years 1772, 3, 4, and 5. London: Benjamin White, 1777. Foster, G. Johann Reinhold Forster’s [...] Reise um die Welt. Bd. 1. Berlin: Haude und Spener, 1778. Humboldt, A. Von. Relation historique du voyage aux régions équinoxiales du Nouveau Continent, fait en 1799, 1800, 1801, 1802, 1803 et 1804, par A. de Humboldt e A. Bonpland. Rédigé par Alexandre de Humboldt. Paris: Schoell, 1814-1825. Kant, I. “Immanuel Kants physische Geographie. Auf Verlangen des Verfassers aus seiner Handschrift herausgegeben und zum Theil bearbeitet von Dr Friedrich Theodor Rink”. Kants gesammelte Schriften. Bd. 9. Berlin: Akademie Verlag Berlin, 1902ff. Lisboa, K. M. “Viagem pelo Brasil de Spix e Martius: quadros da natureya e esboöos de uma civilização”. Revista Brasileira de História. 15. 29, (1995): 7391. Martius, C. P. F.; Eichler, A. G.; Urban, I. Flora Brasiliensis. Monachii et Lipsiae: 1840-1906. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 108 Uma viagem para nunca esquecer: traduzindo o olhar europeu sobre a Amazônia Brasileira Priore, M. D. 1952 – A carne e o sangue: a imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I e Domitila, a marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Rocco, 2012. Rosa, M. C. “Revisitando a Convenção e A grafia de nomes tribais brasileiros”. Confluência. 59 (2020): 25-46. 13/02/2021. http://llp.bibliopolis.info/confluencia/ rc/index.php/rc/article/view/364. Spix, J. B. Von; Martius, C. F. Ph. Von. Reise in Brasilien. 3 Bande. und 1 Atlas. M. Lindauer (Band I), I. J. Lentner (Band II), C. Wolf (Band III): München, 1823, 1828, 1831. Spix, J. B. Von; Martius, C. F. Ph. Von. Viagem pelo Brasil. 3 vols. e 1 Atlas. Tradução de Lúcia Furquim Lahmeyer. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938. Alessandra Ramos de Oliveira Harden. E-mail: oliveira.ales@gmail.com. https:// orcid.org/0000-0003-2473-057X. Theo Harden. E-mail: theo.harden@ucd.ie. https://orcid.org/0000-0002-56331357. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 101-109, jan/jul, 2021. 109 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84946 ACHTES BUCH (KAPITEL IV) (SEITE 1069-1082) Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius Tradução de: Alessandra Ramos de Oliveira Harden1 Theo Harden1 1 Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil Reise In Brasilien: Auf Befehl Sr. Majestät Maximilian Joseph I., Königs Von Baiern In Den Jahren 1817 Bis 1820 Gemacht Und Beschrieben, Volume 3. Johann Baptist von Spix, Carl Friedrich Philipp von Martius München, 1831. Bei dem Verfasser. Leipzig, in Comm. bei Friedr. Fleischer Facsimile 2012, Lightning Soursce, Milton Keynes, p. 1069-1082. Reise In Brasilien: Auf Befehl Sr. Majestät Maximilian Joseph I., Königs Von Baiern In Den Jahren 1817 Bis 1820 Gemacht Und Beschrieben, Volume 3. Johann Baptist von Spix, Carl Friedrich Philipp von Martius München, 1831. Bei dem Verfasser. Leipzig, in Comm. bei Friedr. Fleischer Facsimile 2012, Lightning Soursce, Milton Keynes, p. 1069-1082. Wir hatten anderthalb Tage von Villa Nova aus zurückgelegt, ohne das nördliche Ufer des Stromes zu erblicken, indem wir stets in Nebencanälen zwischen niedrigen Inseln aufwärts ruderten. Die Sandinseln (Prayas) nahmen von nun an Ausdehnung immer mehr zu, Tínhamos viajado um dia e meio desde Vila Nova sem ver a margem norte do rio, sempre remando contra a corrente nos canais laterais entre as ilhas baixas. As ilhas de areia (praias) ficaram cada vez mais extensas a partir de então, e os rastros de tartarugas que as visi- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 110 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius und auf ihnen wurden die Spuren besuchender Schildkröten häufiger. Wo immer wir an irgend einer von Wasser unbedeckten Sandbank still hielten, um Wind zu erwarten, oder kochen zu lassen, mussten wir die Leichtigkeit bewundern, womit unsere Indianer die Spuren der Schildkröten und ihrer tief im Sande vergrabenen Eier auffanden. tavam se tornaram mais frequentes. Em qualquer lugar que parássemos em algum banco de areia descoberto pela água, fosse para esperar pelo vento fosse para cozinhar, náo podíamos deixar de admirar a facilidade com que nossos índios encontravam os rastros das tartarugas e seus ovos enterrados fundo na areia. In diesen Gegenden brachten sie uns häufiger die Eier der Tracaxá (Emys Dumeriliana, Schweig., E. Tracaxa Spix, Test. t. 5.), als der grossen Schildkröte (E. expansa, Schweig., E. amazonica, Sp.). Die ersteren, von elliptischer Gestalt und eines Zolles Länge, enthalten eine krümelige Dotter, welche besonders im Caffe, wo sie uns die Stelle der Milch ersetzen musste, oder in Fett gebraten, sehr wohlschmeckend ist. Aus diesem Grunde werden sie von den Ansiedlern zu diesem und ähnlichem Gebrauche den Eiern der sogenannten grossen Schildkröte vorgezogen, deren Fett besonders für die Bereitung der Butter aus Schildkröteneiern (Mantega de Tartaruga) verwendet wird. Nessas áreas, eles nos trouxeram mais frequentemente ovos de tracaxá (Emys Dumeriliana, Schweig.,2 E. Tracaxa Spix3, Test. [ordem quelônia ou ‘testudines’] t. 5.) do que da tartaruga grande (E. expansa, Schweig., E. amazonica, Sp.). Os primeiros são elípticos e têm cerca de uma polegada de comprimento; contêm uma gema friável muito saborosa especialmente ou no café, com o qual era usada por nós no lugar do leite, ou frita em gordura. Por essa razão, os colonos os preferem aos ovos da chamada tartaruga grande, dos quais retiram a gordura usada em particular na preparação de manteiga (manteiga de [ovos de] tartaruga). Von der Villa nova aus war uns De Vila Nova, fomos seguidos por ein, seit längerer Zeit daselbst um índio da tribo Mundurukú, que angesiedelter Indianer vom Stamme já vivia aí por perto há muito tempo Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 111 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden der Mundrucús in der Absicht gefolgt, seinen kleinen Kahn mit Eiern gefüllt zurückzuführen. Dieser stiess, den Strand der Sandinseln durchstreifend, auf mehrere Familien Muras-Indianer, und lud uns ein, sie in ihren wandernden Hütten zu besuchen. Vielleicht geschah es in der eitlen Absicht, sich uns jenen herumschweifenden Wilden gegenüber als gefürchteter Besieger zu zeigen. Die kriegerische Nation der Mundrucús nämlich, welche 1770, und in den darauffolgenden Jahren mehrere verheerende Anfälle gegen die portugiesischen Niederlassungen am Tapajôz gemacht hatte, ist seit zwanzig Jahren durch Geschenke und wohlwollendes Betragen den portugiesischen Ansiedlern befreundet worden, und hat sich, wenigstens theilweise, durch ein Friedensbündniss so enge angeschlossen, dass man ihre Waffenstärke gegen die Muras richten konnte, die in einzelnen Trupps einherziehend, als Räuber und Wegelagerer die Fahrt auf den Strömen und die Niederlassungen an denselben gefährlich machten. e estava voltando com sua pequena canoa repleta de ovos. Ele, percorrendo as praias das ilhas de areia, havia encontrado várias famílias de índios Múras, e nos convidou a visitá-las em suas cabanas nômades, talvez com a vaidosa intenção de se mostrar, aos nossos olhos e perante os selvagens errantes, como um temido vencedor. A nação guerreira dos Mundurukús, que, em 1770 e nos anos seguintes, havia feito frequentes e devastadores ataques aos assentamentos portugueses ao longo do Tapajós, é amiga dos colonos portugueses há vinte anos, graças aos presentes recebidos e ao comportamento benevolente dos colonos, e, pelo menos em parte, se juntou a eles mediante uma aliança de paz. É uma pacto tão firme que as armas desses índios podiam ser dirigidas contra os Múras, que, em grupos, agindo como assaltantes e salteadores, tornaram perigosas as viagens nos rios e entre os assentamentos ribeirinhos. Dieser kleine Krieg war von Essa pequena guerra havia sido den Mundrucús unter Beihülfe mantida durante anos pelos Munduportugiesischer Waffen Jahre lang rukús com crueldade sem preceden- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 112 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius mit beispielloser Grausamkeit fortgesetzt worden, und hatte die Folge, dass die Macht der Muras gebrochen und ein Theil derselben veranlasst wurde, sich nach Süden gegen die Katarakten des Madeiraflusses zu wenden; ein anderer aber in kleineren Haufen an dem Hauptstrome zurückblieb, wo er sich nur in kleinen Räubereien eher lästig, als gefährlich zeigt. Das Uebergewicht, welches sich die Mundrucús hiedurch erwarben, ist so gross, dass die Muras ihren Todtfeinden überall aus dem Wege gehen, ja es nicht einmal wagen sollen, sich gegen sie zur Wehre zu setzen, wenn sie einzeln zu Hütten kämen, und ihnen sogar ihre Weiber wegzuführen versuchten. tes e com a ajuda de armas portuguesas, e teve como consequência o fim do poder dos Múras. Isso fez com que alguns desses últimos se dirigissem para o sul, rumo às cataratas do Rio Madeira, enquanto outros permaneceram em grupos menores ao longo do rio principal. Aí, devido aos pequenos roubos que cometiam, provaram ser ser bem mais um incômodo do que um perigo. A predominância dos Mundurukús é tão acentuada que os Múras evitam esses seus inimigos mortais em todos os lugares, nem mesmo ousando se defender caso um deles chegasse a suas cabanas e tentasse levar suas mulheres. Die Hoffnung einer reichen Beute hatte gegenwärtig mehrere Familien der Muras auf die Inseln und Stromufer herbeigelockt, an welchen wir vorüberfuhren. In einer kleinen Bucht sahen wir eine Horde von etwa dreissig Personen gelagert. Männer, Weiber und Kinder standen nackt um ein grosses Feuer, worauf sie einige Schildkröten brateten. Auf Sr. Zany’s Zuruf in ihrer Sprache “Gamara! abutia hey! Gôbé schurery: dohe pae-tisse” (Kamerad, komm schnell! Bring Naquela época, a esperança de fartos butins havia atraído, para as ilhas e para as margens do rio, várias famílias Múras, as quais vimos por onde passamos. Em uma pequena baía, vimos uma horda de cerca de trinta pessoas acampadas. Homens, mulheres e crianças estavam nus em torno de uma grande fogueira, na qual assavam algumas tartarugas. Com o grito do Sr. ZANY4 na língua deles ― “Gamara! abutia hey! Gôbé schurery: dohe pae-tisse” (Camarada, venha depressa! Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 113 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden Schildkröten! Hier ist Branntwein) warfen sich Mehrere derselben in ihre Kähne, um uns zu folgen. Jedoch, entweder weil wir zu kräftig ruderten, um bald erreicht zu werden, oder vielleicht, weil sie des begleitenden Mundrucú ansichtig geworden waren, — sie kehrten nach einiger Zeit wieder um, ohne uns besucht zu haben. Traga tartarugas! Aqui tem aguardente) ―, alguns entraram depressa nas suas canoas para nos seguir. No entanto, ou porque estávamos remando muito rapidamente e era difícil nos alcançar, ou talvez porque notaram que um Mundurukú nos acompanhava, desistiram e deram meia volta após algum tempo sem terem chegado a nos visitar. Am folgenden Tage entdeckten wir eine andere Horde, die sich auf einem waldigen Vorsprung des Ufers Hütten erbaut hatte. Als sie vier Bewaffnete und einen gravitätischen, mit Bogen und Pfeil gerüsteten, Mundrucú in einer Montaria1 auf sich zukommen sahen, wollte die Mehrzahl die Flucht ergreifen. Doch gelang es unserem Zurufe, sie festzuhalten. Am Lande angekommen, liessen wir den Mundrucú seine Waffen im Kahne niederlegen, und wir selbst suchten sie durch einige Geschenke von Glasperlen und Angeleisen zutraulich zu machen, was jedoch wenig gelang. Man deutete auf eine entfernter im Walde stehende Hütte, als dem Wohnorte des Anführers, welcher eben dort sey. No dia seguinte, descobrimos outra horda, que tinha construído cabanas em uma ponta arborizada da margem. Quando os índios [Múras] viram quatro homens armados e um imponente Mundurukú armado com arco e flecha vindo em sua direção em um barco montaria, a maioria quis empreender fuga. Mas nossos gritos de saudação conseguiram contê-los. Quando chegamos a terra, fizemos o Mundurukú deixar suas armas no barco e tentamos ganhar a confiança dos Múras com alguns presentes ― contas de vidro e anzóis de pesca ―, mas tivemos pouco sucesso. Eles apontaram para uma cabana mais distante na floresta, indicando que essa era a casa de seu líder, o qual lá se encontrava. Als wir in die Hütte traten, und der Quando entramos seguidos pelo Mundrucú uns folgte, mahlte sich Mundurukú, a raiva, a confusão e o Zorn, Verwirrung und Furcht in medo se mesclaram na cara do Tu- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 114 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius den Zügen des Tuxaua (Anführers), und er schien froh, dass wir uns bald aus der niedrigen, rauchigen Hütte ins Freie zurückzogen. Auch reichten wenige Minuten hin, um den ärmlichen und unreinlichen Hausrath zu überschauen. Noch nirgends war uns das rohe Elend des americanischen Wilden so unheimlich und traurig erschienen. Alles deutete darauf hin, dass selbst die einfachsten Bedürfnisse auf eine fast thierische Weise befriedigt würden. Die aus kurzen Baumstämmen errichtete, mit Reissig und Palmblättern gedeckte Hütte, deren niedrige Thüre auch als Fenster und Rauchfang dienet, war kaum länger, als eine Hangmatte, zu der hier kein künstliches Flechtwerk, sondern nur eine kahnförmig abgezogene Baumrinde benützt war. Ausser einigen Waffen, fehlte jeglicher Hausrath. xaua (líder), e ele pareceu contente por logo nos retirarmos da choupana baixa e esfumaçada e voltarmos para o ar livre. Entretanto, bastaram alguns minutos lá dentro para ver como era pobre e sujo o conteúdo doméstico. Em nenhum outro lugar, a miséria crua e triste do selvagem americano se manifestou de forma tão miserável como ali. Tudo indicava que mesmo as necessidades mais básicas eram satisfeitas de forma quase animalesca. A cabana, construída com troncos curtos e coberta com uma estrutura de ramos e folhas de palmeira, tinha uma porta baixa que também servia de janela e chaminé, e não era mais comprida do que a rede que em seu interior estava pendurada. Para a confecção dessa rede, não foi utilizado nenhum trabalho artesanal de cestaria, mas apenas uma casca de árvore com a forma abaulada de canoa. Com exceção de algumas armas, não havia outros pertences. Das Weib, welches bei unserem Eintritte erschrocken aus der Liegerstatt auffuhr, war eben so wenig bekleidet, als der Mann, und die der Horde zugehörigen Kinder. Der Ausdruck der Physiognomien war wild, unstät und niedrig. Selbst das Freiheitsgefuhl konnte A mulher, que se levantou assustada do leito quando entramos, não estava mais vestida do que o homem e as crianças do grupo. A fisionomia de todos era selvagem, arisca e bruta. Nem mesmo a sensação de liberdade era capaz de animar as feições largas e confusas escurecidas por Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 115 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden die breiten, verwirrten, von lang herabhängenden Haupthaaren verdüsterten Züge nicht erheitern, und die Weiber trugen insgesammt im Antlitze und am übrigen Körper Spuren erlittener Gewaltthat, was mit dem verworfenen, sclavischen Verhältnisse übereinzustimmen schien, das sie zu den Männern hatten. Ihre Körper waren breit, sehr fleischig und unter mittlerer Grösse; die Hautfarbe war wegen fortwährender Nacktheit ein um so dunkleres Kupferbraun, die Behaarung fast nur am Kopfe, und bei einem Manne auf der Oberlippe bemerkbar, welcher seine finstere Gesichtsbildung durch drei grosse Schweinszähne in der Ober- und Unterlippe noch furchtbarer gestaltet hatte. (S. die Abbildung desselben und “den Besuch beim Mura”; im Atlas). longos cabelos caídos, e as mulheres em geral apresentavam traços de violência em seus rostos e em outras partes de seus corpos, o que parecia corresponder às relações depravadas e submissas que tinham com os homens. Como padrão, tinham todos corpos largos, muito carnudos e de tamanho menor que médio; a cor da pele era de um tom marrom-acobreado bastante escuro, devido à nudez continua; só tinham cabelos, sem pelos no corpo; e, em um dos homens, que havia deixado seu rosto já sinistro ainda mais terrível ao trespassar três grandes dentes de porco pelos lábios superior e inferior, podia se perceber uma sombra de bigode. (Ver ilustração desse homem e “a visita aos Múras” no Atlas) 5. Andere Männer trugen ein zolldickes Stück Holz in der Unterlippe, und ein Weib hatte in dem durchbohrten Nasenknorpel eipen dünnen Cylinder von Bambusrohr, den sie bei unserer Annäherung selbstgefällig mit einem Stücke gelben Harzes vertauschen wollte. Um den Hals trugen die Meisten eine Schnur dichtgereihter Affen- und Coatízähne, oder zwei Outros homens usavam um pedaço de madeira de cerca de uma polegada de espessura em seu lábio inferior, e uma mulher, cuja cartilagem nasal era atravessada por um cilindro fino de cana de bambu, tentava, por vaidade, trocar esse adereço por um pedaço de resina amarela quando nos aproximamos. A maioria deles usava no pescoço um cordão feito ou com dentes de macaco e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 116 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius halbmondförmig vereinigte Klauen eines grossen Ameisenfressers, mittelst eines Baumwollenfadens befestigt, und am ganzen Körper waren sie mit rother und schwarzer Farbe bemalt. de quati colocados bem juntos um do outro, ou com duas garras de tamanduá-bandeira em forma de lua crescente e presas por um fio de algodão. Tinham os corpos inteiros pintados de vermelho e preto. Einige Männer mit grossen, unregelmässigen schwarzen Flecken auf Brust und Unterleib, hatten davon ein eckelhaftes Aussehen, das durch Schmutz und Unreinlichkeit vermehrt wurde. Zwei junge Weiber hatten sich am ganzen Körper mit Flusschlamm überstrichen, um die Plage der Mosquiten weniger zu empfinden. Die Horde hatte sich seit mehreren Wochen hier niedergelassen, und war von einer ambulanten Wache verfolgt worden, welche auf Befehl des Gouvernements die von Schildkröten besuchten Prayas begeht, um Unfug durch zu frühes Ausgraben der Eier und Verscheuchung der Thiere zu verhindern. Um diese zu täuschen, hatten sie ihre kleinen Kähne, an Lianen festgebunden, in den Strom versenkt, und sich auf einen Tag lang in die benachbarten Wälder vertieft. Diese Nachrichten erzählten sie mit grinsendem Lachen dem Cap. ZANY, der die Murasprache gelernt hat, weil seit mehreren Jahren eine Niederlassung des Stammes Alguns homens tinham manchas pretas grandes e irregulares no peito e no abdomen, o que lhes dava uma aparência nojenta, a qual era agravada por sua sujeira e imundície. Duas jovens haviam coberto o corpo todo com lama do rio para sofrerem menos com a praga dos mosquitos. A horda estava instalada ali há várias semanas e era seguida por uma patrulha, que, por ordem do governo local, fiscalizava as praias visitadas pelas tartarugas para evitar que [os Múras] fizessem a travessura de desenterrar os ovos precocemente e afugentar os animais. Para enganara a guarda, [os Múras] haviam afundado no rio suas pequenas canoas, presas com cipós, e mergulhado por um dia na mata vizinha. Eles contaram essa proeza para o Cap. ZANY com sorrisos maliciosos. O capitão havia aprendido a língua Múra porque há vários anos existe um ramo da tribo perto de sua fazenda, cuja presença ele tolera. Quando a preguiça caprichosa desses índios per- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 117 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden nächst seiner Fazenda besteht, die mite, ele os utiliza para [o trabalho er daselbst duldet, und, wenn ihre de] pesca. launenhafte Trägheit einwilligt, zum Fischfang benützt. Die Muras sind einer der zahlreichsten Stämme, und um so weiter verbreitet, als sie keine festen Wohnsitze haben, sondern nach Laune und Bedürfniss an den grösseren Strömen umherwandern. Man nimmt an, dass die Gesammtzahl aller einzelnen Horden sich auf sechs bis siebentausend Bögen, d. h. bewaffnete Männer, belaufe, und demgemäss dürfte die ganze Nation aus dreissig bis vierzigtausend Individuen bestehen. Sie scheinen ursprünglich an dem unteren Madeira gewohnt zu haben, von wo aus sie sich zum Theile vielleicht wegen der Verfolgung der Mundrucus, in kleinere Horden zerstreut und an den Solimões, Rio Negro und den Amazonas gezogen haben. Os Múras são uma das tribos mais numerosas e estão espalhados por um grande território porque não têm morada fixa, mas vagueiam pelos rios maiores de acordo com sua vontade e necessidade. Acreditase que o número total das hordas varie entre seis a sete mil arcos, ou seja, homens armados, e, com base nessa contagem, a nação inteira consistiria de trinta a quarenta mil indivíduos. Parece que eles viviam originalmente no Baixo Madeira, de onde uma parte se mudou, talvez por causa da perseguição dos Mundurukús, formando pequenas hordas que se espalharam ao longo do Solimões, do Negro e do Amazonas. So wie die Payagoâs die Geissel des Paraguaystromes sind, haben die Muras, seit man sie kennt, entweder allein, oder mit den befreundeten Toras (Tarazes), die nördlichen Ströme unsicher gemacht. Diese beiden Stämme wurden desshalb von den europäischen Ansiedlern als freie Wegelagerer (Indios de Corso) Assim como os Payaguás6 são o flagelo do Rio Paraguai, os Múras, desde que se sabe deles, agindo sozinhos ou com seus amigos Tóras (Tarazes) [também conhecidos como Torés, Torerizes ou Turá], tornaram inseguros os rios do norte. Essas duas tribos [Payaguás e Múras] foram, portanto, mais do Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 118 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius rücksichtsloser, denn alle übrigen, verfolgt. Sie pflegten an Stellen der Flüsse, welche durch stärkere Strömung die aufwärts Schiffenden beschäftigen, Ueberfälle zu wagen, zu welchem Ende sie Wachtposten auf hohen Bäumen ausstellen. Der nahende Feind wird durch das Turé, ein schnarrendes, zinkenartiges Instrument signalisirt, das sie aus einem dicken Bambusrohre bereiten, in dessen durchbohrte Knotenwand ein dünneres, der Länge nach in eine Zunge eröffnetes Rohrstückchen befestigt wird, so dass das Ganze die einfachste Nachahmung einer Drossel darstellt. que todas as outras, impiedosamente perseguidas pelos colonos europeus por sua condição como fora da lei (índios de corso). Costumavam invadir e ousar atacar os barcos em locais nos rios onde, devido a correntes mais fortes, os navegantes estavam ocupados mantendo seus barcos em movimento contra a corrente. Para esse fim, [os índios] colocavam postos de observação em árvores altas. Quando o inimigo se aproximava, sinalizavam com o uso do toré7. Trata-se de instrumento parecido com uma haste. Produz um som raspado e é feito com um colmo grosso de bambu [taquara ou taboca], cuja parede é perfurada para que seja inserida uma haste mais fina na qual é fixada uma lingueta, de modo que, em geral, soa como uma imitação de um tordo. Unter der Begleitung dieses Instrumentes führen sie auch ihre wilden Tänze auf, welche wir später in der Fazenda des Senhor ZANY zu sehen Gelegenheit hatten. Obgleich gegenwärtig, wenigstens theilweise, schon aus dem feindseligen Verhältnisse getreten, verachteten sie dennoch den Dienst des Weissen, mehr als irgend ein anderer Stamm, und nur ihre Neigung zum Branntweine macht sie bisweilen auf Acompanhados por esse instrumento, eles realizavam suas danças furiosas, que mais tarde tivemos a oportunidade de ver na fazenda do senhor ZANY. Embora atualmente, pelo menos em parte, já não existam mais hostilidades [entre os Múras e os colonos], tinham ainda mais desprezo pelo trabalho para o homem branco do que qualquer outra tribo, e apenas sua inclinação para a aguardente às vezes os faz trabalhar Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 119 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden kurze Zeit dienstbar. Ohne diesen Talisman würde die Erscheinung eines Mura unter den Weissen die grösste Seltenheit seyn. por um curto período de tempo. Sem esse talismã, a presença de um Múra entre os brancos seria ainda mais rara. Alle übrigen Lockungen bleiben ohne Kraft bei Menschen, deren niedrige Cultur selbst die einfachsten Bedürfnisse verschmäht. Als geschickte Fischer und Jäger, und nur mit der Gegenwart beschäftigt, haben sie gewöhnlich hinreichende Mittel zur Subsistenz, und sie prassen im Genusse des Ueberflusses, während sie in Tagen des Mangels mit Resignation Hunger leiden. Man behauptet, dass dieser Stamm mit mehr Lebhaftigkeit, als andere, dem schönen Geschlechte huldige, dasselbe mit sichtlicher Eifersucht bewache, und von Untreue oder Misstrauen nicht selten zum Meuchelmorde und Kriege zwischen einzelnen Horden Veranlassung nehme. Nenhuma das outras tentações tem apelo sobre essas pessoas, cuja cultura inferior despreza até as necessidades mais básicas. Como hábeis pescadores e caçadores, e preocupados apenas com o presente, geralmente têm meios de subsistência suficientes e se refestelam no gozo durante a abundância, enquanto, em dias de escassez, sofrem a fome com resignação. Diz-se que os homens dessa tribo, com mais disposição do que os de qualquer outra, são bastante devotados ao belo sexo e o vigiam com flagrante ciúme. Por isso, a infidelidade ou a mera desconfiança frequentemente levam a assassinatos e guerras entre as hordas. Gewöhnlich hat jeder Mann zwei oder drei Weiber, von denen die schönste oder jüngste am meisten gilt, während die übrigen als Dienerinen der Familie zurücktreten. Diese Weiber sind meistens das Erwerbniss eines Faustgefechtes, zu welchem sich alle Liebhaber des mannbar gewordenen Mädchens Normalmente cada homem tem duas ou três mulheres, das quais a mais bela ou mais jovem é considerada a mais valiosa, enquanto as outras devem se contentar com a posição de servas da família. Em regra, as mulheres são adquiridas por meio de uma luta corporal, de punhos, da qual participam todos os pretenden- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 120 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius unter der Voraussetzung stellen, dass dieses dem Sieger zu Theil werde. Ihre ungebändigte Wildheit äussert sich auch in ihrem Jähzorne und in einer Raufsucht, welche durch den Genuss des Branntweins oft zum Nachtheile der Ansiedler ausschlägt. So sehr sie übrigens die Dienstbarkeit der Weissen scheuen, und so hartnäckig sie sich bisher von jeder Art von Frohne im Dienste der Regierung frei gehalten haben, hat man dennoch Beispiele, dass Weisse sich bei kluger Aufführung lange Zeit unangetastet unter ihnen erhalten konnten. tes da menina-moça sob a condição de que ela se entregue ao vencedor. Sua [dos Múras] ferocidade desenfreada também se expressa em seu temperamento violento e no vício de procurar briga, que, muitas vezes, impulsionado pelo consumo de aguardente, se torna um transtorno para os colonos. Por mais que tenham evitado trabalhar para os brancos e por mais que tenham obstinadamente se safado de qualquer tipo de servidão ao governo, há, no entanto, exemplos de brancos que, por mostrarem comportamento prudente, conseguiram permanecer ilesos por muito tempo entre eles. Ihre Sprache, ganz guttural, und stets mit Gesticulation der Hände und mit lebhaftem Mienenspiele hervorgestossen, lautet höchst unangenehm, und ist schwer nachzusprechen. In gleichem Verhältnisse ist auch die Lingua geral nur wenigen Muras bekannt. Sua língua, muito gutural, produzida sempre com gesticulação das mãos e expressões faciais vivas, é extremamente desagradável aos ouvidos e difícil de reproduzir. Proporcionalmente, a língua geral é conhecida apenas por alguns poucos Múras. Die wilde und unstäte Gemüthsart dieses Stammes hat ihn den meisten Nachbarn befeindet, und der Krieg mit den Mundrucus, Catauixís und Mauhés, als erklärten Feinden, wird ohne Unterlass, mit andern Stämmen aber nach vorhergängiger Kriegserklärung geführt, die darin O temperamento desregrado e indisciplinado dessa tribo rendeu-lhe a inimizade da maioria de seus vizinhos, e a guerra contra os Mundurukús, os Katawixís e os Mawés, seus inimigos tradicionais, é incessante. Porém, qualquer guerra, também contra outros povos, é travada Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 121 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden besteht, einige mit der Spitze nach oben gerichtete Pfeile auf feindlichen Grund und Boden zu stecken. apenas após uma declaração prévia, que consiste no ato de fincar no solo do território inimigo algumas flechas apontadas para cima. Eine höchst seltsame Sitte, welche unter die Eigenthümlichkeiten des Stammes gehört, ist der Gebrauch eines Schnupftabackes (Paricá). Das Pulver wird aus den gedörrten Saamen der Parica-axa, einer Art Inga, bereitet, und wirkt zuerst erregend, dann narkotisch. Jährlich einmal gebraucht jede Horde das Paricá acht Tage lang unter anhaltendem Trinken berauschender Getränke, Tanzen und Singen. Das Fest soll (nach Ribeiro §. 58.) den Eintritt der Jünglinge in die Mannbarkeit feiern; wir hörten jedoch, dass es ohne Beziehung hierauf nach der Reife der Samen gehalten würde. In einem geräumigen offenen Hause versammelt sich die ganze Horde, und wird von den Weibern mit reichlich gespendeten Cujas des Cajiri und anderen vegetabilischen Getränken erhitzt. Die Männer reihen sich sodann nach gegenseitiger Wahl paarweise zusammen, und peitschen sich mit langen Riemen vom Leder des Tapirs oder Lamantins bis auf das Blut. Um costume muito estranho que faz parte das peculiaridades da tribo é o uso do rapé (paricá).8 O pó é preparado a partir das sementes secas do paricá-axa, uma espécie de ingá, e tem, logo que inalado, um efeito estimulante, seguido de um efeito narcótico. Uma vez por ano, cada horda usa o paricá por oito dias enquanto consome bebidas inebriantes, dança e canta sem parar. A festa é para celebrar (segundo Ribeiro §. 58.)9 a passagem dos jovens rapazes para a masculinidade; diz-se, porém, que esses festejos não teriam relação com isso, mas sim com a maturidade das sementes usadas. Em uma espaçosa cabana sem paredes, toda a horda se reúne e é incitada pelas mulheres com abundantes doses de cajiri [caxiri] e outras bebidas de base vegetal. Os homens então se alinham em pares, por escolha mútua, e chicoteiam-se uns aos outros com longas tiras de couro de anta ou de peixe-boi até sangrarem. Diese seltsame Geisselung wird Esses estranhos flagelos não são von ihnen nicht als ein feindseliger, vistos por eles como um ato hostil, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 122 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius sondern vielmehr als ein Act der Liebe angesehen, und nach allen uns gewordenen Nachrichten dürfte d.er ganze Excess als Ausdruck eines irregeleiteten Geschlechtsverhältnisses betrachtet werden. Nachdem die blutige Operation mehrere Tage lang fortgesetzt worden, blasen sich die paarweise verbundenen Gefährten das Paricá mittelst einer fusslangen Röhre, — ge-wöhnlich ist es der ausgehöhlte Schenkelknochen des Tapirs, — in die Nasenlöcher; und diess geschieht mit solcher Gewalt, und so unausgesetzt, dass bisweilen Einzelne, entweder erstickt von dem feinen, bis in die Stirnhöhlen hinaufgetriebenen Staube, oder überreizt von seiner narkotischen Wirkung todt auf dem Platze bleiben. mas sim como um ato de amor, e, de acordo com todas as notícias que chegaram ao nosso conhecimento, é provável que os excessos possam ser considerados a expressão de uma relação sexual mal orientada. Após a operação sangrenta continuar por vários dias, os companheiros, ainda em pares, sopram o paricá nas narinas uns dos outros com um cano delgado de um pé de comprimento ― geralmente o osso oco da coxa de uma anta. Isso é feito com tal força, e de forma tão contínua, que às vezes alguns [dos participantes], ou sufocados pelo pó fino lançado no interior das cavidades nasais, ou excessivamente estimulados por seu efeito narcótico, caem sem vida ali mesmo. Nichts soll der Wuth gleichen, womit die Paare das Paricá aus den grossen Bambusröhren (Tabocas), worin es aufbewahrt wird, vermittelst eines hohlen Krokodilzahnes, der das Maass einer jedesmaligen Einblasung enthält, in den dazu bestimmten hohlen Knochen füllen, und es sich, auf den Knieen genähert, einblasen und einstopfen. Eine plötzliche Exaltation, unsinniges Reden, Schreien, Singen, wildes Springen Nada se compara à fúria com a qual os pares tiram o paricá dos grandes colmos de bambu (tabocas) com um dente oco de crocodilo [jacaré], que é a medida de cada sopro, e o colocam no osso oco de anta para então, aproximando-se de joelhos, soprar pelo osso e encher com o rapé as narinas uns dos outros. Uma exaltação repentina, falas desconexas, gritos, cantos, saltos e danças desvairadas são o resultado da operação, depois da qual, entorpecidos pelas bebi- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 123 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden und Tanzen ist die Folge der das e por todo tipo de deboche, os Operation, nach der sie, zugleich homens caem em uma embriaguez von Getränken und jeder Art von animalesca. Ausschweifungen betäubt, in eine viehische Trunkenheit verfallen. Ein anderer Gebrauch des Paricá ist, einen Absud davon sich selbst als Klystier zu geben, dessen Wirkung ähnlich, jedoch schwächer seyn soll. Man kann nicht umhin, durch diese viehische Lustbarkeit an die eckelhafte Sitte der Ostiaken und Kamtschadalen erinnert zu werden, welche sich bekanntlich durch den Genuss des Fliegenschwammes und des Urins Derjenigen, die den giftigen Absud getrunken, zu einer ähnlichen Wuth erhitzen. Outro emprego do paricá é usálo numa decocção e fazer em si mesmo um clister, o que tem efeito semelhante, apenas mais fraco. Não se pode deixar de lembrar, diante dessa celebração bestial, do asqueroo costume dos Ostiaques e Kamchadals10, que, como é sabido, se inflamam até chegarem a uma fúria similar por meio do consumo do amanita e da urina dos que bebem da decocção venenosa feita com esse cogumelo. Für den Ethnographen America’s bleibt es räthselhaft, wie feindlich gesinnte Völker sich gerade in solchen excentrischen Gewohnheiten gleichen können. So ist der Gebrauch des Paricá auch den Mauhés eigen und dort von uns selbst beobachtet worden, wo er jedoch, bei höherer Bildung des ganzen Stammes, ebenfalls unter einer feineren Form erscheinet. Eine ganz ähnliche Verirrung ist endlich der Gebrauch des Ypadú pulvers von den Blättern des Erythroxylon Coca, L., den Para o etnógrafo interessado na América, é ainda um enigma que povos mutuamente inimigos possam ser parecidos logo em hábitos tão excêntricos, pois o uso do paricá também faz parte dos costumes dos Mawés e foi por nós testemunhado. No entanto, com a cultura superior dessa tribo, toma uma forma mais civilizada. Por fim, uma aberração muito similar é o uso do pó ipadu, feito das folhas do Erythroxylon Coca, L., que observamos entre os Mirânias [Mira- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 124 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius wir bei den Miranhas, und andere nhas] e que outros viajantes enconReisende bei peruvianischen traram entre os povos peruanos. Völkerschaften getroffen haben. Nachdem wir uns unter den Muras und in ihren Hütten umgesehen hatten, wendeten wir uns an die Untersuchung ihrer Fahrzeuge. Nur ein einziges war von leichtem Holze gezimmert, und hatte eine Länge von zwanzig Fuss; die übrigen bestanden blos aus einigen Lagen von Baumrinde, die durch Sipó verbunden, und an beiden Enden in die Höhe gebunden, einen halbcylindrischen Schlauch von zwölf bis fünfzehn Fuss Länge bildeten. In solch elendem Fahrzeuge setzen sich drei oder vier Muras dem grössten der Ströme aus, und wenn es zufällig umschlägt, oder sich allmälig mit Wasser anfüllt, so schwimmen sie so lange neben demselben her, bis es wieder ausgeschöpft und in Stand gerichtet ist, die Mannschaft einzunehmen. Bei unserer Abreise von den Muras liessen wir ihnen einige Flaschen Branntwein zurück, deren sie sich mit wahrer Leidenschaft bemächtigten, indem sie sie mit verschränkten Armen an sich drückten. Wie es schien, berathschlagten sie lange, auf welche Art ihre Dankbarkeit zu Depois de termos contemplado os Múras e suas cabanas, voltamo-nos para a investigação de seus meios de transporte. Somente uma embarcação, de 20 pés de comprimento, era feita de madeira leve; as demais consistiam apenas de algumas camadas de cascas de árvores, atadas por cipó e amarradas nas extremidades de maneira a formar um tubo semicilíndrico de 12 a 15 pés de comprimento. Em tais barcos miseráveis, três ou quatro Múras se expõem ao maior dos rios e, quando essas embarcações por acidente viram ou aos poucos se enchem de água, eles nadam ao seu lado até conseguirem esvaziá-las e colocá-las na posição certa para levar a tripulação. Na nossa despedida dos Múras, deixamos algumas garrafas de aguardente, que eles receberam com verdadeira paixão, prendendo-as junto ao peito com os braços cruzados. Pareceu-nos discutirem por bastante tempo uma forma de demonstrar sua gratidão, e, quan- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 125 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden beweisen sey; und als wir bereits do já havíamos deixado a margem, vom Lande gestossen hatten, trouxeram-nos uma grande tartarubrachten sie eine grosse Schildkröte ga como presente. ab Gegengeschenk nach. Am Mittag des zweiten Tages nach unserer Abreise von Topinambarana erschienen die hohen röthlichen Lettenwände von Cararau-açú (grosser Geier) am nördlichen Ufer des Stromes. Wir setzten zu denselben in der Montaria über, eine, wegen der heftigen Strömung im Hauptcanale, gefahrvolle Unternehmung, die uns übrigens nicht einmal eine neue Anschauung verschaffte, indem das nördliche Ufer, von einem dichten, unwirthlichen Walde bedeckt, durch nichts von der allgemeinen Physiognomie abweicht. Wir nahmen uns vor, von nun an ähnliche Traversen zu vermeiden, wie es die Schiffenden überhaupt thun, um nicht unnöthig Zeit zu opfern. Ao meio-dia do segundo dia após nossa saída de Topinambarana,11 as altas paredes de barro avermelhado de Cararau-açú (grande abutre) surgiram na margem norte do rio. Atravessamos em sua direção na montaria, um empreendimento que se mostrou perigoso devido à forte corrente no canal principal e que, a propósito, não nos rendeu nem mesmo nova perspectiva do lugar, pois a margem norte, coberta por uma floresta densa e inóspita, não se diferenciava da fisionomia da paisagem como um todo. A partir de então, decidimos abandonar as travessias desse tipo, como os capitães também normalmente fazem para evitar perda de tempo. Auf dem Rückwege zu der grossen Canoa begegneten uns zwei Kähne von Muras, deren einen sie hoch auf mit abgebälgten und getrockneten Affen angefüllt hatten. Sie waren freundlich genug, uns mit grinsenden Gebärden einige Stücke des eckelhaften Haufens zum Geschenke anzubieten. Seit einigen Wochen waren sie am nördlichen No caminho de volta à grande canoa,12 encontramos dois barcos dos Múras, um dos quais estava cheio de macacos despelados e secos. Os Múras foram amigáveis o suficiente para nos oferecer, com sorrisos, alguns itens da sua nojenta pilha como presente. Por várias semanas, estiveram ocupados na costa norte para guarnecer sua horda Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 126 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius Ufer beschäftigt gewesen, diese Provisionen für ihre Horde zu machen. Die Thiere waren reinlich abgebälgt, ausgeweidet und auf einem Roste über dem Feuer (im Moquem) gedörrt worden. Ich erinnere mich nicht, einen unangenehmeren Anblick, als den dieser Masse menschenähnlicher Leichen gehabt zu haben, auf der die Augen der Jäger mit cannibalischer Freude ruhten. com essas provisões. Os animais haviam sido esfolados, eviscerados com capricho e colocados a secar em uma grelha sobre o fogo (no moquém). Não me recordo de ter visto algo mais desagradável do que essa massa de cadáveres de aparência humana na qual os olhos dos caçadores se fixavam com alegria canibalesca. Als wir uns eben entfernen wollten, ruderte ein alter Mura, der einen gewaltigen Schweinszahn in der Unterlippe stecken hatte, zutraulich neben uns, und zog aus dem Kahne ein sorgfältig zusammengewickeltes Pisangblatt hervor. Wie erstaunten wir, als sich nach dessen Entfaltung einige Dutzend Penes von Affen, besonders vom sogenannten Prego (Cebus macrocephalus), zeigten, die uns der Alte mit Schmunzeln als ein bewährtes Fiebermittel anbot. Die Meinung, dass dieser Theil der Affen eine Herzensstärkung und Panace gegen allerlei Krankheiten sey, fanden wir fast überall unter den Indianern, und wenn sie uns die erlegten Thiere brachten, war derselbe oft bereits als Eigenthum des Jägers abgeschnitten. Quando estávamos para nos separar deles, um velho Múra, que tinha um enorme dente de porco enfiado em seu lábio inferior, remou confiantemente em nossa direção e se encostou à nossa embarcação. Então tirou de sua canoa uma folha de bananeira que fora enrolada com muito capricho. Qual não foi nosso espanto ao vermos surgirem, após ele desdobrar a folha, dúzias de pênis de macacos, especialmente do chamado prego (Cebus macrocephalus), que o velho nos ofereceu com sorrisos como um eficaz remédio contra febre. A crença de que essa parte dos macacos é um fortificante para o coração e uma panacéia contra todos os tipos de doenças está disseminada entre os índios em quase todos os lugares, e, quando eles nos traziam os animais que haviam caçado, esse Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 127 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden órgão muitas vezes já havia sido anteriormente decepado [e reservado] como propriedade do caçador. Wir brachten auf der Reise von Topinambarana bis zu der Villa de Serpa. sechs volle Tage zu, indem wir uns zwischen den zahlreichen Inseln, meistens auf der Nordseite des Stromes, hielten. Die Reise, wegen Mangels an Wind blos auf das Ruder und die Zugseile angewiesen, war langsam und im höchsten Grade beschwerlich. Wo es die Niedrigkeit des Ufers erlaubte, ward das Fahrzeug von den vorgespannten Indianern gezogen; gewöhnlich aber waren die Ufer sechs bis zwölf Fuss hoch steil abgerissen und bis an den äussersten Rand so dicht bewachsen, dass Niemand auf ihnen Fuss fassen konnte. Na viagem de Tupinambarana até a Vila de Serpa, passamos seis dias inteiros entre as numerosas ilhas, a maioria no lado norte do rio. A viagem, devido à falta de vento e, por isso, feita apenas com o leme e as cordas de arrasto, foi lenta e extremamente árdua. Onde o nível baixo da margem permitia, o veículo era rebocado pelos índios; mas em geral as margens tinham paredes íngremes de seis a doze pés de altura e estavam cobertas até a extremidade de vegetação tão densa que ninguém conseguia nelas se apoiar. Mächtige Bäume, von hier aus in den Strom gefallen, lagen nicht selten in unserem Wege, und mussten mit grosser Anstrengung und Zeitverlust umschifft werden. An andern Orten drohten sie den Einsturz, so dass wir mit verdoppelten Kräften an ihnen vorüber zu eilen trachten mussten. Wo wir an’s Ufer steigen konnten, war unser Spaziergang auf wenige Schritte landeinwärts beschränkt. Mit fusslangen Stacheln besetzte Majestosas árvores, caídas dentro do rio, muitas vezes atrapalharam nossa passagem, e tivemos que circum-navegá-las com grande esforço e perda de tempo. Em outros lugares, as margens ameaçavam desmoronar, de modo que tivemos que nos apressar com força redobrada para ir adiante. Quando podíamos escalar o barranco, nossa caminhada se limitava a alguns passos. Troncos de palmeiras cobertos de espinhos com cerca de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 128 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius Palmenstamme und ein dichtes Unterholz von Inga und anderen Hülsen früchtern, von zahlreichen Schlingpflanzen durchzogen, bildeten eine undurchdringliche Hecke, und überdiess war der Wald, den häufigen Spuren im Sande nach zu schliessen, von zahlreichen Onzen bevölkert. Zu diesen Unannehmlichkeiten gesellte sich eine furchtbare Hitze von 2 bis 4 Uhr Nachmittags, wo wir einigemale in der Sonne 43,5° R. im Schatten 33,7° R. beobachteten. um pé de comprimento e uma densa vegetação rasteira constituída de ingás e outras leguminosas [plantas com vagem], intercalados com abundantes trepadeiras, formavam uma cerca viva impenetrável. Além disso, a floresta, a julgar pelas muitas pegadas na areia, estava povoada por numerosas onças. A essas circunstâncias inconvenientes somava-se um calor terrível entre as 2 e as 4 horas da tarde, quando algumas vezes medimos 43,5° R. ao sol e 33,7° R. à sombra13. Diese hohe Temperatur war um so empfindlicher, als sie mit feuchten Nächten wechselte, während denen wir, um den Stichen unzähliger Schnacken zu entgehen, auf dem offenen Verdecke bleiben mussten. Zu den geflügelten Verfolgern kamen, damit keine Stunde frei von ihnen sey, nun noch Schwärme kleiner Bohrkäfer (Bostrichus) am Morgen nach Sonnenaufgang, wenn sich die Carapanás verloren hatten. Diese Thiere belästigten zwar nicht durch Stiche, flogen aber haufenweise in Augen, Mund und Nase, und liessen uns Alles für unsere Branntweinfasser fürchten, denen wir desshalb einen schützenden Ueberzug von Theer geben mussten. Sentiu-se ainda mais agudamente essa alta temperatura porque ela se alternava com noites úmidas, durante as quais tínhamos que ficar no convés para evitar as picadas de inúmeros pernilongos. Os perseguidores alados eram substituídos por enxames de pequenos besouros (bostrichus) nas manhãs, depois do nascer do sol, quando os carapanás já tinham desparecido, de forma que nunca estávamos livres. Esses besouros não nos incomodavam com picadas, mas entravam em nossos olhos, bocas e narizes, e nos faziam temer por nossos barris de aguardente, os quais tínhamos que cobrir com piche para protegê-los dos bichos. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 129 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden Im Norden des Stromes liegt der grosse See von Silves (in der Lingua geral Saracá), durch sechs, fast parallel gen Süden herablaufende Canäle in den Hauptstrom mündend. An dem ersten von diesen, wohin wir zwischen zahlreichen Inseln gelangten, fanden wir eine indianische Familie, die sich einen kleinen Rancho aus Blättern erbaut hatte. Drei Weiber waren damit beschäftigt, ihre Röcke und kurzen Camisole, welche kaum die Brust zu bedecken pflegen, schwarz zu färben. Sie bedienten sich dazu eines sehr feinen, schwarzen, eisenhaltigen Morastes, der nicht selten in den Buchten des Stromes vorkommt, und der Früchte von Ilex Macucu, Aubl. Diese Früchte, von der Grösse einer Rosskastanie, scheinen eine bedeutende Menge von Gerbestoff und Gallussäure zu enthalten, denn sobald sie mit Wasser fein gerieben unter den Morast gemengt werden, ergiebt sich eine dauerhafte Tinte. Ao norte do rio, fica o grande Lago Silves (na língua geral, Saracá), que deságua no rio principal através de seis canais quase paralelos que correm para o sul. No primeiro deles, onde chegamos após navegar entre numerosas ilhas, encontramos uma família índia que tinha construído um pequeno rancho com folhas. Três mulheres estavam ocupadas tingindo de preto suas saias e suas camisas14 curtas, as quais mal cobriam seus seios. Usavam para isso um tipo de barro muito fino, preto e ferruginoso, que não raro é encontrado nas baías do rio, e as frutas da Ilex Macucu, Aubl. [macucu; Ilex macoucoua]15. Essas frutas, do tamanho de castanhas da índia, parecem conter uma quantidade significativa de tanino e ácido gálico, porque, assim que são raladas bem finamente, misturadas com água e depois com a lama, produzem uma tinta durável. Die gewöhnlichste Weise, diesen chemischen Process auszuführen, ist folgende. Die zu färbenden Stoffe werden einige Tage lang mit Morast bedeckt, sodann mit Wasser ausgespült, und auf einige Zeit in einen Kübel geworfen, worin das Pulver der Macucufrucht mit Wasser A maneira mais comum de realizar esse processo químico é a seguinte. As peças de tecido a serem tingidas são cobertas com essa lama por alguns dias; depois, são enxaguadas e jogadas em um recipiente em que já está o pó da fruta do macucu com água e aí são deixadas por algum Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 130 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius angerührt ist; oder umgekehrt, man beizt die Zeuge mit dem Wasser, worin die Frucht zerrieben worden, und bringt sie darauf mit dem Letten in Berührung. Gelingt die Färbung das erstemal nicht vollständig, so wird sie wiederholt. tempo. Pode se fazer vice-versa: o tecido é decapado na água com as frutas moídas e, em seguida, é colocado em contato com o barro. Se o tingimento não der totalmente certo na primeira vez, a operação é repetida. Die Indianerinen schätzen auf solche Weise gefärbte grobe Baumwollenzeuge höher, als die ungefärbten, vielleicht auch, weil sie weniger des Waschens bedürfen. Der schwarze, knappe Anzug lässt recht gut, da er zu der dunklen Hautund Haarfarbe besser passt, als die feinen und weiten weissen Hemde, worin der Hauptputz der Negerinen und anderer farbigen Leute in den südlichen Provinzen besteht. *) As índias valorizam mais o tecido de algodão tingido dessa forma do que o algodão de cor natural, talvez porque o primeiro requer menos lavagem. Os trajes pretos e justos caem-lhes muito bem, pois combinam melhor com a cor escura da pele e do cabelo que as largas camisas finas e brancas, as quais são a principal vestimenta dos negros e de outras pessoas de cor nas províncias do sul. *) * Es ist diess nicht die einzige schwarze Farbe, welche diese Indianer zu bereiten verstehen. Eine andere wird aus dem in Wasser eingeweichten Kraute der Eclipta erceta, L. und anderer Korbblüthenpflanzen, eine dritte aus den Früchten der Genipa americana, L. gemacht.; Blau färben sie mit den Beeren eines Cissus, roth mit Brasilienholz und Urucú (Rocou, Orlean) gelb mit den Blättern mehrerer Ananas. — Aehnlich der hier beschriebenen Art zu färben, ist die mit dem Letten Rovo in Chile, welchem die dortigen Indianer die Esta não é a única cor preta que esses índios sabem preparar. Outra é feita da erva Eclipta erceta, L.16 e outras plantas dessa família, deixadas de molho na água, uma terceira é produzida com as frutas do Genipa americana, L.; a tintura azul, fazem-na com as bagas de um cissus; a vermelha, com o pau-brasil e o urucum ([também conhecido como] rocou, orlean); a amarela, com as folhas de abacaxi.17 ― Semelhante à forma de tingimento aqui descrita é a feita com o barro rovo no Chile, ao qual os índios de lá adicionam a decocção das folhas * Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 131 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden Abkochung der Blätter von Coriaria de Coriaria myrtifolia, L., ou da raiz de myrtifolia, L., oder der Wurzel von Gunnera scabra, R. P.18 Gunnera scabra, R. P. zusetzen. Auf einer Insel zwischen der zweiten und dritten Mündung des Saracá stiegen wir am 11. October an’s Land, um eine Fazenda zu besuchen, deren Eigner das Lob hatte, Meister in der Zubereitung des Tabackes zu seyn. Diese und die benachbarten Inseln, so wie die Gegend um Silves, sollen den besten Taback im ganzen Estado hervorbringen. Ohne Zweifel hängt die Güte des Productes mehr von dem günstigen Klima, als von Sorgfalt in Anbau und Zubereitung her. Der Tabacksaame wird in lockerem, schattenreichem Erdreiche ausgesäet; die aufgehenden Pflänzchen werden entweder versetzt, oder durch Ausjäten gelichtet, und wachsen nun in wenigen Monaten zu Mannshöhe auf. Desembarcamos em uma ilha entre a segunda e a terceira boca do Saracá, em 11 de outubro, para visitar uma fazenda cujo proprietário tinha a boa fama de ser um mestre na preparação do tabaco. Diz-se que essa ilha e as que lhe são vizinhas, como ocorre na área ao redor do Silves, produzem o melhor tabaco de todo o estado [província]. Sem dúvida, a qualidade do produto depende mais do clima favorável do que do cuidado tomado no seu cultivo e preparação. As sementes de tabaco são deitadas em terra afofada e em local protegido do sol; as mudas são ou transplantadas ou desbastadas, e chegam à altura de um homem em poucos meses. Die Blätter werden gebrochen, abgeschwelkt, in Cylinder von drei bis sechs Fuss Länge und einen Zoll Dicke zusammengedreht, und darauf mit einem zollbreiten Bande vom Baste des Castanheiro (Bertholletia excelsa, Humb.) stark pressend umwickelt. Nach einigen Tagen nimmt man das erste Band As folhas são retiradas do caule, colocadas para secar, enroladas na forma de cilindros de três a seis pés de comprimento e uma polegada de espessura, e depois enfaixadas com uma tira de entrecasca de castanheira [castanha do pará ou do brasil] (Bertholletia excelsa, Humb.)19 atada bem firmemente. Após alguns Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 132 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius hinweg, zieht ein anderes noch strenger herum, und fährt damit fort, bis der Taback zu einer fast gleichartigen wohlriechenden Masse zusammengeschnürt ist. Man umwickelt endlich diese Würste mit der zähen Rinde junger Marantastengel, welche viel Aehnlichkeit mit dem’ ostindischen Rotang (Stuhlrohr) zeigen. dias, essa primeira faixa é retirada e outra, colocada com ainda mais pressão. Isso se repete até que o tabaco fique como uma massa homogênea perfumada. Por fim, esses rolos são cobertos com a casca de hastes de espécimens bem jovens de um tipo de maranta, muito semelhante ao ratã da Índia Oriental. Dieser Taback erhält sich so versendet Jahre lang mit trefflichem Geruche. Er ward bisher vorzugsweise in die Schnupftabacksfabriken von Portugal geschickt. Die Einwohner des Estado pflegen auch ihre Cigarren daraus, mittelst dünner Papierstreifen, zu bereiten. Am 12. Mitternachts kamen wir bei der Villa de Serpa an, die auf einer der grösseren Inseln zwischen dem Amazonas und den Bifurcationen des Sees von Saracá liegt. O tabaco assim enviado preserva-se durante anos com excelente aroma. Até agora, era preferencialmente mandado para as fábricas de rapé em Portugal. Os habitantes do estado também o utilizam para confeccionar seus cigarros, feitos com finas tiras de papel. À meia-noite do dia 12, chegamos à Vila de Serpa, localizada em uma ilha das mais extensas entre o Rio Amazonas e as bifurcações do Lago Saracá. Der eisenschüssige, rothbraune Sandstein, welcher sich hier mit Lagern eines gelben Thones etwa auf fünfundzwanzig Fuss, eine in diesem Stromgebiete schon beträchtliche Höhe, erhebt, gab Veranlassung zu dem Namen Ita coatíara, d. i. gemalter Stein, welchen die Gegend in der Lingua geral führt. O arenito marrom-avermelhado, que se eleva aqui com camadas de argila amarela até cerca de vinte e cinco pés, uma altura considerável nessa área do rio, deu origem ao nome Ita coatiara — ou seja, pedra pintada —, como é conhecido em língua geral nessa região. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 133 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden Wir fanden einen elenden, an Menschen und Industrie gleich armen Ort von etwa einigen und zwanzig Hütten. Alles zeigte hier den grössten Verfall an, eine Bemerkung, welche dadurch mehr Bedeutung erhält, dass Serpa einer der ältesten Orte der ganzen Provinz am Rio Negro ist *), Encontramos um lugar miserável, pobre tanto em pessoas como em atividade, com umas vinte cabanas. Tudo indicava grande decadência, uma noção que ganha mais significância pelo fato de Serpa ser uma das vilas mais antigas de toda a província às margens do Rio Negro *), * ) Segundo Monteiro (§. 73.),20 os primeiros habitantes dessa vila eram das tribos Ururiz e Apakaxiz21, e instalaram-se no Rio Mataurá, um confluente do Madeira. A propósito, foram também mencionados os Arawakis [Arauaques], os Irijus e os Tiarís, sendo que essas duas últimas tribos haviam sido transferidos do Rio Purú para cá. Os Arawakis, uma nação muito numerosa, cujos membros distinguem-se por terem longos lóbulos auriculares perfurados, motivo pelo qual foram chamados de Orelhudos pelos portugueses, estiveram distribuídos outrora numa área ampla entre o Nhamundá e o Negro. Desse povo, uma parte foi aldeada e se dissolveu na mistura com outros. A Missão da Conceição, que os mercenários22 tinham estabelecido com eles, desapareceu sem deixar rastro após o assassinato do missionário (Monteiro §. 74.). Os poucos Arawakis ainda selvagens que vi haviam chegado à Barra do Rio Negro para trocar cera e penas. Ribeiro (§. 9.) menciona, como estabelecidas no Serpa, as seguintes hordas, provavelmente quase extintas depois ) Nach Monteiro (§. 73.) waren die ersten Bewohner dieser Villa an dem Flusse Mataurá, einem Confluenten des Madeira, angesiedelt, und von den Stammen Ururiz und Apacaxiz. Wir hörten übrigens noch die Aroaquis, Irijus und Tiarís nennen, welche beiden letzteren von dem Rio Purú hierher versetzt worden waren. Die Aroaquis, eine sehr zahlreiche Nation, durch lang herabhängende durchbohrte Ohrlappen ausgezeichnet, und desshalh von den Portugiesen Orelhudos genannt, waren früherhin weit verbreitet zwischen den Flüssen Nhamundá und Negro. An dem letzteren ist ein Theil derselben aldeirt worden, und in der Vermischung mit den Uebrigen untergegangen. Die Mission da Conceição, welche die Mercenarios mit ihnen errichtet hatten, ist nach Ermordung des Missionärs ohne Spur verschwunden. (Monteiro §. 74.). Die wenigen noch rohen Aroaquis, welche mir zu Gesichte kamen, hatten sich in der Barra do Rio Negro eingefunden, um Wachs und Federn zu vertauschen. Ribeiro (§. 9.) nennt, als in Serpa * Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 134 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius angesiedelt, noch folgende, während der fünf Jahrzehnte, seit er schrieb, wahrscheinlich fast ausgestorbene Horden: Sará, Baré, Anicoré, Aponariá, Urupá, Jûma, Juquí, Curuaxiá und Paraquís. Die Letzten, anfänglich am Vatuma ansässig, schildert er als schöne Leute, mit dem nationalen Abzeichen einer drei Finger breiten Ligutar an den Füssen, wodurch sie die Farbe ihrer Haut in eine hellere umzuwandeln versuchten. Wir sahen keine Spur mehr von ihnen. das cinco décadas desde que ele escreveu seu relatório: Sára, Baré, Anikoré, Aponariá, Urupá, Yúma [Juma], Jukí [Juquí], Kuruaxiá [Curuaxiá], e Parikís [Paraquís]. Essa última, inicialmente residente às margens do Uatumã, o autor descreve como pessoas bonitas, que tinham como insígnia distintiva de seu povo uma ligatura de três dedos de largura nos pés, com a qual tentavam clarear a cor da pele. Não encontramos vestígios deles. und sogar zur Zeit unserer Anwesenheit noch Municipalort für den. westlich gelegenen Lugar da Fortaleza da Barra do Rio Negro war, der noch keine eigene Municipalitat (Senado da Camara) besass. Die wenigen hier wohnenden Indianer hatten alle Spuren ihrer verschiedenartigen Abkunft verloren, und sprachen die allgemeine Sprache. Sie schienen ein träges, unempfindliches Völkchen. e de, mesmo na época da nossa visita, ainda ser a sede da administração municipal de Lugar da Fortaleza da Barra do Rio Negro, que fica a oeste e ainda não tem sua própria municipalidade (Senado da Câmara23). Os poucos índios que viviam aqui haviam perdido todos os traços de suas diferentes origens e falavam a língua comum. Pareciam ser um povo lerdo e indolente. Um so mehr musste uns eine junge Indianerin vom Stamme der Passé interessiren, welche vom Yupura, wie es schien, als Sclavin, hierher gebracht worden war. Sie war das vollkommenste Schwarzgesicht, welches wir bis jetzt gesehen hatten. Die Tatowirung bildete eine halbe Ellipse, welche unter den Augen Por isso, o que despertou ainda mais o nosso interesse foi uma jovem índia da tribo Pazé [Pasé ou Passé], que havia sido levada do Iupura aparentemente como escrava. Ela tinha uma tatuagem preta no rosto que era a mais perfeita que já havíamos visto. A figura era uma meia elipse, que começava com um arco suave sob os Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 135 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden mit einem seichten Bogen anfing, und sich, den grössten Theil der Wangen einnehmend, bis in die Kinngrube verschmälerte. Die Nase war nicht tatowirt, die langen, pechschwarzen Haare waren über die Stirne abgestutzt, und auf dem Hinterkopfe mit einem breiten Bastbande zusammengezogen und mit einem portugiesischen Kamme geziert (S. im Atlas die Figur “Passé”). Die gutmüthige Naivität verlieh dem seltsam verunstalteten Gesichte einen Ausdruck, der neben den hässlichen Zügen eines jungen, ebenfalls gefangenen Miranha mit durchbohrten Nasenflügeln, doppelt interessant erschien. Es lag etwas unendlich Rührendes in dem stummen Gebährdenspiele des so gänzlich verwaisten Naturmädchens. olhos e se alongava até a ponta do queixo, ocupando a maior parte das bochechas. O nariz não estava tatuado, os cabelos longos e pretos como breu haviam sido aparados na testa e, na parte de trás da cabeça, estavam presos com uma larga faixa de entrecasca e enfeitados com um pente português (ver a ilustração “Pazé” [Passé] no Atlas). A ingenuidade bondosa dava àquele rosto enfeado de forma tão estranha uma expressão que, em contraste com os traços desagradáveis de um jovem Mirânia [Miranha], também prisioneiro e cujas narinas eram perfuradas, era interessante em dobro. Havia algo de infinitamente tocante na gesticulação muda dessa menina natural que estava completamente abandonada. Auf der westlichen Seite von Serpa erschienen die Ufer des Stromes meistentheils in einer Höhe von zwölf Fuss, und die mächtige Wasserfluth des Jahrganges hatte grosse Strecken verwüstet und frisch abgerissen. In einer Mächtigkeit von sechs bis acht Fuss bestehen sie aus Sand, mit etwas Dammerde und Schlamm gemengt, darüber aus Thon von grauer, gelblicher oder grünlicher Farbe. No lado oeste do Serpa, as margens do rio surgiam a uma altura média de doze pés, e a poderosa cheia da época havia há pouco devastado e arrancado grandes áreas de terra. Essas camadas de terra tinham entre 1,5 e 2,5 pés de espessura e consistiam de areia misturada com um pouco de lama e terra preta, em cima da qual havia argila de cor cinza, amarela ou verde. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 136 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius Unsere Indianer liessen sich den letzteren zu der Mandiocca und dem Pirarucúfisch schmecken, und wir hatten von nun an oft die Gelegenheit, uns zu überzeugen, dass der seltsame Gebrauch des Erdeessens allen indianischen Anwohnern bekannt, wenn schon nicht von allen geübt sey. Ich zweifle nicht, dass. das Erdeessen aus einer dem Hunger zwar verwandten, jedoch nicht mit ihm identischen Sensation hervorgehe. Unsere Indianer konnten uns auf die Frage, warum sie ohne Mangel zweckmässiger und beliebter Speise diesen feinen Thon gleichsam als Zuspeise verzehrten, keine andere Antwort geben, als dass ein unbestimmtes Wohlbehagen erfolge, wenn sie sich den Magen mit einer mehrere Unzen schweren Portion beladen hätten. Die Gefrässigkeit dieser Völker, und vor allem der Mangel eines sorgfältigen Maasses der Nahrung, welche unentwickelten Kindern zugetheilt wird, dürfte eine Erweiterung und Erschlaffung des Magens zur Folge haben, wodurch die Sensation eines unbefriedigten Hungers geweckt wird. Nossos índios apreciavam muito essa argila com mandioca e pirarucu, e, a partir de então, tivemos muitas vezes a oportunidade de confirmar que o estranho costume de comer terra era conhecido por todos os índios, quando não praticado por todos. Não tenho dúvidas de que esse hábito é resultado de uma sensação relacionada à fome, mas não idêntica a ela. Nossos índios não puderam nos dar outra resposta à pergunta sobre por que, sem falta de alimentos apropriados e populares, eles consumiam essa fina argila como uma espécie de refeição suplementar, por assim dizer, do que uma sensação indeterminada de bem-estar que nasce quando enchem seus estômagos com uma porção pesando algumas onças24. A voracidade desses povos, e especialmente a falta de uma medida sensata da quantidade de comida dada às crianças em desenvolvimento, pode fazer com que o estômago se dilate e se torne flácido, provocando assim a sensação de fome não saciada. Andererseits aber ist es mir wahrscheinlich, dass das heisse Klima und der dadurch veranlasste stärkere Andrang des Blutes in die Por outro lado, porém, acredito ser provável que o clima quente e o consequente aumento do fluxo de sangue para as estruturas periféricas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 137 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden peripherischen Gebilde ein Gefühl von Leerheit (Inanitas) hervorbringen könne, welches abzuwenden der Naturmensch bewusstlos nach solchen unverdaulichen Speisen greift. Eine dritte Ursache liegt vielleicht auch in der bei den Indianern so häufigen Erzeugung von Würmern (Lumbrici), denen die Reisenden auf dem Amazonas, wahrscheinlich wegen des unreinlichen Trinkwassers, in einem furchtbaren Grade ausgesetzt sind. do corpo possam produzir uma sensação de vazio (inanitas), que faz o homem natural inconscientemente voltar-se para tal alimento indigerível. Uma terceira causa talvez seja a frequente infestação por vermes (lumbrici) entre os índios, problema ao qual os que viajam pelo Rio Amazonas estão expostos em um grau terrível, provavelmente por causa da água insalubre. Uebrigens fehlt es nicht an Beispielen von ähnlichen unnatürlichen Appetiten auch unter uns; und lange Weile, oder grillenhafte Neigung, es Andern gleichzuthun, mag auch dazu beigetragen haben, das Lettenfressen am Amazonas eben so häufig zu machen, als Hr. v. HUMBOLDT es am Orenoco beobachtet hat. A propósito, não faltam exemplos de apetites não naturais semelhantes entre nós também; e o tédio ou a vaidosa tendência de imitar o que os outros fazem podem ter contribuído para tornar o comer argila no Amazonas tão frequente quanto o é o mesmo hábito observado pelo Sr. v. HUMBOLDT25 no Orinoco. Notas 1. O barco montaria é uma embarcação movida a remo, de pequeno porte, que, por seu uso disseminado na região, teve papel histórico relevante na colonização da Amazônia. 2. Segundo as regras da nomenclatura binomial, na primeira referência a uma espécie feita em um texto, o nome ou “taxon” deve ser seguido do sobrenome (ou abreviatura padrão) do cientista que primeiro o publicou validamente. Aqui, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 138 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius “Schweig.” Indica que a espécie foi descrita por August Friedrich Schweigger, naturalista nascido na mesma cidade que Spix, Erlangen, hoje na Baviera. 3. Espécie descrita pelo próprio Johann Baptist Von Spix. 4. Spix e Martius conheceram o Capitão Zany no Pará, e ele os acompanhou a partir de Santarém (Spix e Martius, 1038, referência à obra em alemão). 5. Imagem de homem Múra constante da p. 26 do Atlas, volume suplementar a Reise in Brasilien. Imagem disponível no site da Biblioteca Digital Luso-Brasileira, em <https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/33726>. 6. Os Payaguás são um grupo indígena, atualmente considerado extinto, que habitava a região do Alto Rio Paraguai. 7. A palavra “toré” aparece aqui para denominar o instrumento indígena que tem forma de clarineta ou trombeta e utilizado por diversas etnias do norte e centro do Brasil, entre as quais estão os Múras. Esse também é o nome dado a um conjunto de práticas (dança, música e rituais religiosos) de povos indígenas do nordeste brasileiro, como os Pataxó, na Bahia. Mais à frente em seu relato, Spix e Martius descrevem uma festividade em que há música e canto, mas, aparentemente, não se trata do toré do nordeste brasileiro. 8. O paricá é o rapé da Amazônia, composto de ervas, cascas de árvores e outras plantas tradicionalmente usadas por tribos indígenas da América do Sul. 9. Menção feita ao relatório de viagem de Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, publicado em 1825. Ver seção de referências bibliográficas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 139 Tradução de Alessandra Ramos de Oliveira Harden & Theo Harden 10. Trata-se de duas nações siberianas. O povo que os autores chamam de “Ostiaques” (“Ostiaken” no texto em alemão) são denominados hoje de “Kets”, e os “Kamchadals” são originários da província Kamchatka. 11. Essa localidade, no leste do estado do Amazonas, era chamada de Topinambarana (ou Tupinambarana) pelos habitantes locais, mas tinha o nome oficial de Vila Nova de Rainha. Hoje é o município de Parintins. 12. Os autores falam aqui do barco maior em que viajavam antes de passarem a navegar na montaria do Capitão Zany, menor e mais ágil. 13. Spix e Martius usam em seu texto a escala Réaumur. No caso, nesse ponto, as temperaturas mencionadas equivalem a 52oC e 42oC, respectivamente. 14. Os autores usam a palavra “Camisole”, termo francês também usado em alemão (apesar da existência de “Kamisol”), que designava, à época, peça íntima utilizada por homens e mulheres como a primeira peça que entrava em contato com o corpo. Em português, o termo é “camisa” ou “chemise”, também na sua forma francesa (Lopes). 15. “Aubl.” é a abreviatura do nome do botânico e explorador francês Jean Baptiste Christophore Fusée Aublet. 16. A letra L. após o nome da espécie indica que Carl Nilsson Linnæus (Carlos Lineu) descreveu a planta. 17. Os autores empregam a palavra “Ananas”, que provavelmente era mais conhecida à época, embora tanto “ananás” quanto “abacaxi” tenham origem nas línguas indígenas (ver Maroneze para discussão sobre origem de “abacaxi”). A parlavra “ananás” aparentemente veio do guaraní e antigo tupí “nana” e seria conhecido de portugueses e espanhois já a partir do século XVI, o que justifica o seu uso pelos exploradores alemães. 18. Nesse caso, a descrição botânica foi feita pelos espanhóis Hipólito Ruiz López e José Antonio Pavón Jiménez. 19. Espécie descrita por Alexander Von Humboldt e Aime Bonpland (Humb. & Bonpl.), embora o texto em alemão só traga a abreviatura de Humboldt. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 140 Achtes Buch (Kapitel IV)... de Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich P. von Martius 20. Os autores se referem ao Roteiro da Viagem da Cidade do Pará até as Últimas Colônias do Sertão da Província, de José Monteiro de Noronha, publicado em 1768. Há uma edição de 2006, feita pela Editora da Universidade de São Paulo, registrada na seção de referências. 21. Provavelmente uma referência ao povo que Câmara Jr. registra como “Awakatxí”. 22. Vale ressaltar que a palavra “mercenários” é usada aqui e em outros pontos da Reise para nomear os religiosos da Ordem de Nossa Senhora da Mercê, ou das Mercês. Era a designação empregada em Portugal com referência àqueles que também eram conhecidos como “mercedários”. 23. Denominação dada pela lei portuguesa da época para câmara ou assembleia legislativa municipal. 24. Aqui, a medida é feita com a unidade “onça”, que equivale a 28,34 gramas. 25. Os autores fazem menção à obra de Alexander von Humboldt, Voyage aux régions équinoxiales du Nouveau Continent, que foi publicado em francês em Paris. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 110-141, jan/jul, 2021. 141 https://10.5007/2175-7968.2021.e84947 A VOYAGE UP THE RIVER AMAZON WITH A RESIDENCE IN PARÁ, CAPÍTULO XXI: UMA TRADUÇÃO ANOTADA1 Luana Ferreira de Freitas1 1 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil/CNPq Kelvis Santiago do Nascimento2 2 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil A literatura de viagem nada mais é que um registro de natureza científica e/ou pessoal de experiências vividas em forma de diários, livros, artigos. Cabe lembrar que as incursões em território americano vão muito além do caráter meramente científico, envolvendo questões territoriais e econômicas, pautadas pelo eurocentrismo. Não é à toa que a coroa portuguesa vá assegurar o domínio da bacia amazônica em 1712, no Congresso de Utrecht, uma vez que há registro da presença de holandeses e ingleses no Vale do Xingu já no final do século XVI e início do XVII, além do estabelecimento da Companhia da Guiana autorizada pelo governo inglês em 1626 e a ameaça francesa de anexação do Amapá2. A região amazônica é objeto de cobiça há muito, mas, talvez, seja no século XIX que essa cobiça vai ficar mais clara: a crença em grandes jazidas minerais, a possibilidade de ligação entre as bacias do Orinoco, do Amazonas e do Prata e a alegada fertilidade do solo da região acirraria as pretensões colonialistas norte-americana e eu1 Todas as notas são dos tradutores. Ver, por exemplo, Abertura do Rio Amazonas à navegação internacional e o parlamento brasileiro de Paulo Roberto Palm. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. 2 Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento ropeia, justificando sua colonização por estrangeiros que pudessem utilizar plenamente a região. O argumento da incompetência brasileira de gerir a região é, a cada certo tempo, retomada até hoje. Observa-se, de uma forma geral, na literatura de viagem, narrativas a partir de um olhar que busca, a todo momento, declarar e justificar a diferença entre o branco civilizado e o selvagem observado. Esses encontros interculturais assimétricos revelam sistemas de valores e visões de mundo de colonizados e colonizadores. Uma questão que chama a atenção em vários textos é a apresentação da mestiçagem como algo repulsivo3. Nascido no estado de Nova York em 1822, William H. Edwards escreve A Voyage up the River Amazon with a Residence in Pará recém-saído da universidade, onde cursara direito, aos 24 anos. Seu pai tinha um lucrativo curtume e 1200 acres de terra no estado de Nova York. Depois da viagem à região amazônica, Edwards se muda para o estado da Virgínia e ali entra no ramo das minas de carvão e se torna o presidente da Ohio and Kauawha Coal Company. Além de ter uma grande quantidade de terra nas duas Virgínias, tinha várias minas de carvão e construía estradas de ferro.4 A viagem em 1846 da qual resultou o livro foi feita com o seu tio, Armory Edwards, que morava na Argentina onde negociava couro da empresa da família. Acredita-se que A Voyage up the River Amazon tenha influenciado Henry Walter Bates e Alfred Russel Wallace, que citam o texto de Edwards nos seus escritos. Apesar da importância da narrativa de Edwards, ele seria reconhecido anos depois como entomologista, sobretudo como um grande especialista em borboletas. Dividido em 22 capítulos, A Voyage up the River Amazon Including a Residence in Pará registra desde a partida de Nova York até a viagem de volta, “Voyage home”. A cada capítulo, o autor 3 Ver, por exemplo, Representações marajoaras em relatos de viajantes. Dissertação defendida na UFPA, Programa de Pós-Graduação em Antropologia, em 2017, de Lucas Monteiro de Araújo. 4 Para informações mais detalhadas, ver “William Henry Edwards” em The Canadian Entomologist, vol. XLI, n. 08, 1909 e https://pt.findagrave.com/ memorial/119677739/william-henry-edwards, acessado em 05 de março de 2021. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021. 143 A voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, Capítulo XXI: Uma tradução... descreve em detalhes a vida, os costumes (por exemplo, a preparação da farinha de mandioca e da tapioca), prédios públicos, aldeias e vilarejos visitados, indígenas, negros e estrangeiros brancos, sobretudo dos Estados Unidos e da Europa ocidental, plantações, criação e transporte de gado, mas é com a descrição da paisagem natural, com pouca interferência humana, que a narrativa cresce e que a fascinação do autor transparece. Edwards parece maravilhado pelos rios5, flora e, sobretudo, fauna amazônicas. Foi justamente pelo franco interesse na descrição da fauna amazônica, que escolhemos o capítulo 21 para traduzir. Esse capítulo trata da Ilha de Marajó, o que circunscreve a narrativa a um dado espaço, e explora desde um cemitério indígena até o carregamento de um navio boiadeiro, com destaque especial à descrição dos pássaros. Edwards descreve não apenas as aves, mas também seus ninhos, os ovos, os filhotes, seus hábitos alimentares, reprodução entre outras curiosidades. No capítulo, são descritos patos selvagens, íbis-escarlate, colhereiro-americano, tuiuiú, cabeças-secas, íbis-preto, garça-azul-grande, socó, garça-branca-grande, garça-branca-pequena, tesourinha, tucano-toco, uirapuru, uirapurude-chapéu-branco, corrupião, beija-flor, beija-flor-brilho-de-fogo, gavião-tesoura, papagaio, cigana, garça, arapapá, anhinga, biguá, mutum, gavião, jabiru e urubu, ou seja, 28 pássaros.6 Além do relato minucioso das aves de Marajó, Edwards, nesse capítulo, desmente Charles-Marie de la Condamine que descreveu o fenômeno da Pororoca no século XVIII quando atravessou o continente americano, partindo de Quito, pelo rio Orinoco, até chegar ao Oceano Atlântico. Condamine afirmara que as ondas da Pororoca chegavam a atingir mais que 4 metros e meio de altura. Edwards afirma que as ondas não passam de um metro e meio de atura. Nossa edição usada para a tradução está disponível na Biblioteca Brasiliana e é de 1847. Segue abaixo a folha de rosto: 5 Para se ter uma ideia do percurso da viagem, Edwards cita, entre outros, os rios Amazonas, Guamá, Tapajós, Trombetas, Madeira, Negro, Branco e Xingu. 6 Para pesquisa sobre aves, ver https://www.wikiaves.com.br/. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021. 144 Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento Fonte: Biblioteca Brasiliana. Para que possamos justificar nossas escolhas, cabe citar a classificação do homem por Lineu7, médico, zoólogo e botânico sueco, que reforça e justifica a necessidade de posse da região pelo homem branco, civilizado e racional. De acordo com Lineu, o homem pode ser dividido nos seguintes tipos: a) Homem selvagem. Quadrúpede, mudo, peludo. 7 Carl Linnaeus viveu no séc. XVIII e escreveu Sistema Naturae publicado em 1758 de onde essa classificação foi tirada. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021. 145 A voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, Capítulo XXI: Uma tradução... b) Americano. Cor de cobre, colérico, ereto. Cabelo negro, liso, espesso; narinas largas; semblante rude; barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se com finas linhas vermelhas. Guia-se por costumes. c) Europeu. Claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro, castanho, ondulado; olhos azuis; delicado perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por Leis. d) Asiático. Escuro, melancólico, rígido, cabelos negros; olhos escuros; severo, orgulhoso, cobiçoso. Coberto por vestimentas soltas. Governado por opiniões. e) Africano. Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros, crespos, pele acetinada; nariz achatado, lábios túmidos; Governado pelo capricho (Pratt, 68, apud Araújo, 8). O racismo de Lineu é explicito se considerarmos principalmente o que governa cada categoria: costume, leis, opiniões e capricho. Fica, dessa forma, claro o lugar e o papel civilizatório do branco. Observamos ao longo de A Voyage up the River Amazon, nosso texto-fonte, a influência dessa classificação de Lineu em William Henry Edwards, autor do texto. Citamos a seguir quatro trechos reveladores da visão de mundo colonialista de Edwards e que encontram eco na classificação de Lineu: A great proportion of the foreigners in the city are from the United States and Great Britain; and these form among themselves a delightful little society. (36). Esse fragmento exalta a segregação das populações locais, conferindo ao seu grupo (branco e anglófono) status especial. Nas palavras do autor, eles formavam “a delightful little society”. Nesse caso, o trecho referente ao europeu de Lineu justifica a divisão. Ora, se para o Lineu, o europeu era delicado, perspicaz, inventivo, claro, musculoso. Coberto por vestes justas e governados por lei, não poderia se meter com indígenas, por exemplo, que se guia por costumes, ou negros guiados pelo capricho. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021. 146 Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento The Indian seems to predominate, however, and it might be questionable how far his courage would carry him, once led into action. (35) Nesse ponto, o autor trata da Guarda nacional em que, de acordo com ele, predominavam indígenas e põe em xeque a coragem dos povos originários para a função. We never heard an instance of snakes attacking man, and the negroes do not fear an encounter with the largest. ( 236) Aqui a construção frasal nos leva a acreditar em dois tipos de humanos: os homens, que não são atacados por cobras, e os negros, que não temem os animais. E, finalmente, o último excerto: THE want of emigrants from other countries, and of an efficient labouring class among its population, are the great obstacles to the permanent welfare of Northern Brazil. […] With the nobler qualities of the old Portuguese, to which popular history has never done justice, was mingled a narrowness of mind, that was natural enough in the subjects of an old and priest-ridden monarchy. (246) É nesse último argumento que a divisão entre colonizadores e colonizados se faz mais presente. De acordo com Edwards, os brasileiros não tinham competência para gerir a região; e os portugueses, súditos de uma velha monarquia carola, tinham uma visão de mundo limitada. Só o que pode salvar a região amazônica são emigrantes de uma eficiente classe trabalhadora. Surpreendentemente, o autor achou que não havia em solo brasileiro nenhuma classe trabalhadora capaz. Como já dito anteriormente, essa ideia de que o brasileiro sozinho não consegue administrar a Amazônia Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021. 147 A voyage up the River Amazon with a Residence in Pará, Capítulo XXI: Uma tradução... ou como a variação de Edwards de que precisamos de emigrantes é recorrente até os dias de hoje Decidimos como estratégia deixar todas as marcas de xenofobia, racismo e violência do texto ressaltadas como estão no textofonte. Não passou pelas nossas cabeças suavizar o texto, torná-lo mais palatável para o público de 2021. Acreditamos ser importante o registro da história da dor e da injustiça como um meio de entendermos nosso passado e de pensar em alternativas. Luana Ferreira de Freitas. E-mail: luanafreitas.luana@gmail.com. https://orcid. org/0000-0003-0165-421X. Kelvis Santiago do Nascimento. E-mail: kelvis_santiago@hotmail.com. https:// orcid.org/0000-0001-5760-4698. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 142-148, jan/jul, 2021. 148 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84951 A VOYAGE UP THE RIVER AMAZON INCLUDING A RESIDENCE AT PARÁ (CHAPTER XXIII) William H. Edwards Tradução de: Luana Ferreira de Freitas1 1 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil/CNPq Kelvis Santiago do Nascimento2 2 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil CHAPTER XXI CAPÍTULO XXI Description of Marajo – Cattle – Tigers – Alligators – Snakes – Antas – Wild ducks – Scarlet Ibises – Roseate Spoonbills – Wood Ibises – Other birds – Island of Mixiana – Indian burial places – Caviana – Macapá – Bore or Pororoca – Leave Jungcal for the rookery – A sail among the trees – Alligators – The rookery – Return – Na alligator’s nest – Adie uto Jungcal – Violence of the tide – Loading cattle – Voyage to Pará. Descrição de Marajó – Gado – Onças – Jacarés – Cobras – Antas – Patos selvagens – Ibis-escarlates – Colhereiros – Tuiuiús – Outros pássaros – Ilha Mexiana – Cemitérios indígenas – Caviana – Macapá – Pororoca – De Juncal à colônia de aves – Navegação por entre as árvores – Jacarés – Colônia de aves – Volta – Ninho de jacaré – Adeus a Juncal – Violência da maré – Embarcando gado – Viagem ao Pará. The length of the Island of Marajo is about one hundred and twenty miles; its breadth averages from sixty to eighty. Much of it is well wooded, O comprimento da Ilha de Marajó é de cerca de 120 milhas1, sua largura varia de 60 a 802. Muito dela é coberta de floresta, mas a maior Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 149 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards but far the larger part is campo, covered during the wet season with coarse, tall grass. At that time, the whole island is little more than a labyrinth of lakes. In summer, the superabundant waters are drained by numerous igaripés, and, rain rarely falling, this watery surface is exchanged for a garden of beauty, in some parts, and into a desert, upon the campos. The population of the island is large, consisting mostly of Indians and half-breeds. Some of the towns, however, are of considerable size, but most of the inhabitants are scattered along the coast and upon the igaripés. Four hundred thousand cattle roam over the campos, belonging to various proprietors, the diferente herds being distinguishable by peculiar marks, or brands. The estate of which Jungcal forms part, numbers thirty thousand cattle, and a great number of Indians and blacks are employed in their care, keeping them together, driving them up at proper seasons to be marked, and collecting such as are wanted for exportation to the city. These men become extremely attached to this wild life, and are a fearless, hardy race, admirable horsemen, and expert with the lasso. When horses abounded, it was customary to parte é pasto, coberto durante a estação de chuvas por mato alto. Durante essa época, toda a ilha é pouco mais que um labirinto de lagos. Na seca, a água superabundante é drenada por inúmeros igarapés e, com a chuva rara, essa superfície encharcada é transformada em um jardim de beleza, em algumas partes, e em deserto, no pasto. A população da ilha é grande, consistindo, em sua maioria, de indígenas e mestiços. Algumas vilas, contudo, são de tamanho considerável, mas a maior parte da população mora ao longo da costa e nos igarapés. Quatrocentas mil cabeças de gado vagueiam pelo pasto, de donos diferentes, os diversos rebanhos são diferenciados por marcas distintas ou marcações. A propriedade da qual Juncal faz parte tem um total de trinta mil cabeças de gado, e um grande número de indígenas e negros são empregados no seu cuidado, mantendo o gado junto, guiando-os em épocas propícias para a marcação e reunindo aqueles designados para a exportação para a cidade. Esses homens tornam-se extremamente apegados a esse estilo de vida selvagem; são de uma raça destemida, resistente, admiráveis cavaleiros e exímios no laço. Quando os cavalos abundavam, era comum conduzir o gado comercializável ao lado Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 150 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento drive the marketable cattle towards the Pará side of the island, whence transmission to the city was easy; but, at present, they are shipped from Jungcal, or other places still more remote, thus causing great waste of time, and ruining the quality of the beef. The cattle are of good size, but not equal to those of the South. Great numbers of young cattle, and old ones unable to keep up with the herd, are destroyed by the ‘tigres,’ which name is applied without much precision to different species. The black tiger is seen occasionally ; the Felis onça is most common of all. Neither of these is known to attack man ; and in their pursuit, the islanders exhibit great fearlessness and address, never hesitating to attack them when driven to a tree, armed with a tresádo fastened to a pole. At other times, they overtake them upon the campos, running them down with horses, and lassoing them. Once thus caught, the tiger has no escape. He is quickly strangled, his legs are tied, and, thrown over the horse’s back like a sack of meal, he arrives at the hut of his captor. Here a dash of water revives him, but his efforts to escape are futile. An Onça taken in this manner, was brought to Pará for Mr. Campbell. He was da ilha próximo ao Pará, de onde a transferência para a cidade era fácil; mas, atualmente, os animais são embarcados em Juncal, ou outros lugares ainda mais remotos, causando, portanto, um grande desperdício de tempo e comprometendo a qualidade da carne. O gado é de bom tamanho, mas não se iguala àquele do sul. Grande número do gado mais novo, e do velho incapaz de manter o ritmo da boiada, é morto pelas onças3, animal cujo nome é aplicado sem muita precisão a diferentes espécies. A onça-preta é vista de vez em quando; a onça-pintada é a mais comum de todas. Nenhuma dessas é conhecida por atacar o homem, e, em seu encalço, os habitantes da ilha exibem grande destemor e prontidão, nunca hesitando em atacá-las com um terçado fincado em uma haste, quando acuadas em uma árvore. Outras vezes eles apanham-nas nos pastos, alcançando-as com cavalos e laçando -as. Uma vez capturada, a onça não tem escapatória. Ela é rapidamente sufocada, suas patas amarradas e, sendo jogada sobre o dorso do cavalo como uma saca de farinha, ela chega na cabana de seu caçador. Ali ela é reanimada com um pouco de água, mas seus esforços para escapar são em vão. Uma onça capturada desta maneira foi trazida ao Pará para o Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 151 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards strangled both on being take non and off the canoe, and after being revived, was marched upon his fore legs through the streets, two men holding each a hind leg, and others guiding him by the colar upon his neck.This animal was afterwards brought to New-York by Capt. Appleton. Frequently, young tigers are exposed for sale in the market, and one of these was our fellow passenger in the Undine, upon our return. We read in works of Natural History, most alarming accounts of the fierceness of the Brazilian felines, but as a Spanish gentleman remarked to us, of the Jaguar, ‘those were ancient Jaguars, they are not so bad now-a-days.’ Sr. Campbell4. Ela foi sufocada tanto ao ser colocada quanto retirada da canoa, e após ser reanimada, foi conduzida sob as patas dianteiras pelas ruas, com dois homens cada segurando uma pata traseira, e outros guiando-a pela coleira em seu pescoço. Esse animal foi trazido posteriormente a Nova York pelo capitão Appleton. Com frequência, onças jovens são expostas à venda na feira, e uma dessas foi passageira conosco na Undine, quando do nosso retorno. Lemos em livros de História Natural os mais alarmantes relatos sobre a agressividade dos felinos brasileiros, mas, como um cavalheiro espanhol comentou conosco, “aquelas eram onças antigas, elas não são tão más hoje em dia”. The cattle have another enemy in the alligators, who seem to have concentrated in Marajo from the whole region of the Amazon, swarming in the lagoons and igaripés. There are two species of these animals, one having a sharp mouth, the other a round one. The former grow to the length of about seven feet only, and are called Jacaré-tingas, or King Jacarés. This is the kind eaten. The other species is much larger, often being seen twenty feet in length, and we Outro inimigo do gado são os jacarés, os quais, de todas as regiões da Amazônia, parecem ter se concentrado em Marajó, infestando lagoas e igarapés. Há duas espécies desses animais, uma que possui um focinho pontudo e a outra, arredondado. O primeiro cresce apenas até os sete pés de comprimento5 e são chamados Jacaretinga ou Jacaré de óculos6. Esse é o tipo comestível. A outra espécie é muito maior, sendo vista com frequência alcançar os vinte pés de comprimento7, e fomos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 152 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento were assured by Mr. Campbell, that skeletons of individuals upwards of twenty-five feet in length are sometimes encountered. assegurados pelo Sr. Campbell que às vezes são encontrados esqueletos dessa espécie maiores que os vinte e cinco pés.8 In the inner lakes, towards the close of the rainy season, myriads of ducks breed in the rushes, and here the alligators swarm to the banquet of young birds. Should an adventurous sportsman succeed in arriving at one of these places, he has but a poor chance of bagging many from the flocks around him, for the alligators are upon the alert, and the instant a wounded bird strikes the water, they rush en masse for the poor victim, clambering over one another, and crashing their huge jaws upon each others’ heads in their hasty seizure. Late in the wet season, they lay their eggs, and soon after, instead of becoming torpid, as would be the case in a colder climate, bury themselves in the mud, which, hardening about them, effectually restrains their locomotion, until the next rains allow their dislodgment. The inhabitants universally believe, that the alligator is paralyzed with a fear at the sight of a tiger, and will suffer that animal to eat off its tail, without making resistence. The story is complimentary to the tiger, at all events, for the tail of the Nos lagos do interior, próximo ao término da estação chuvosa, uma miríade de patos procria em meio ao junco, e aqui os jacarés se aglomeram para o banquete de jovens aves. Se um esportista aventureiro conseguisse chegar a um lugar desses, ele teria não mais que uma pequena chance de ensacar as aves do bando a seu redor, pois os jacarés estão atentos, e, no instante em que uma ave ferida cai na água, eles avançam em massa sobre a pobre vítima, montando uns sobre os outros, uns batendo as mandíbulas enormes nas cabeças dos outros, em sua convulsão precipitada. Mais tarde, na estação úmida, os jacarés põem seus ovos, e logo depois, em vez de hibernarem, como seria o caso em um clima mais frio, eles mergulham na lama, que, quando seca, efetivamente lhes restringe a locomoção até que as próximas chuvas permitam seu deslocamento. Todos os locais acreditam que o jacaré fica paralisado de medo ao avistar um tigre, suportando que esse coma a sua cauda sem resistir. Seja como for, a história pende para o lado do tigre, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 153 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards alligator is the only part in esteem pois a cauda do jacaré é a única parte estimada por bon vivants. by epicures. Snakes spend their summers in the same confinement as alligators, and upon their issuing forth, are said to be very numerous, and often of great size. It was from Marajo, that the anaconda, now or lately exhibited at the American Museum, was brought, and this fellow, as well as the ‘Twin Caffres,’ we frequently saw at Pará before their transportation to New-York. The largest snake known, of late years, at Pará, was twenty-two feet in length. He was captured upon Fernando’s Island, near the city, by the negroes, with a lasso, as he laid upon the shore, basking in the sun. He had long infested the estate, carrying off, one time with another, about forty pigs. Even after being captured and dragged a long way to the house, he coiled his tail around a too curious pig, that we may suppose, was gloating over his fallen enemy, and would have made a forty-one of him, had not the exertions of the blacks forced him to let go his hold. As cobras passam o período da seca no mesmo confinamento que os jacarés e, quando surgem, dizem ser em grande número e frequentemente imensas. Foi de Marajó que a sucuri, exibida no American Museum, foi levada, e a víamos com frequência no Pará, bem como aos “Gêmeos caffres9”, antes de serem transportados para Nova York. A maior cobra de que se tem notícia, nos últimos anos, no Pará media vinte e dois pés10. Ela foi capturada na Ilha Fernando, próximo à cidade, laçada pelos negros enquanto repousava na beira-mar banhando-se ao sol. Já há muito ela importunava a propriedade, levando consigo, um após o outro, cerca de quarenta porcos. Mesmo depois de capturada e arrastada por um longo caminho até a casa, ela enroscou sua cauda em um porco curioso demais que, poderíamos supor, se refestelava com a inimiga caída, e teria feito dele sua o quarenta e um, não fossem os esforços dos negros para obrigar a cobra a soltá-lo. We never heard an instance of snakes Nunca ouvimos um caso de cobra attacking man, and the negroes atacando homem, e os negros não do not fear an encounter with the temem topar com uma das maiores. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 154 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento largest. Snake hunts, doubtless, have exciting interest, as well as others less ignoble. As elsewhere remarked, these reptiles are very frequently kept about houses in the city, and may be often purchased in the market, nicely coiled in earthen jars. Southey records an old story to this effect : ‘ that when the anaconda has swallowed an anta, or any of the larger animals, it is unable to digest it, and lies down in the sun till the carcass putrifies, and the urubus, or vultures, come and devour both it and the snake, picking the flesh of the snake to the back-bone, till only back-bone, head and tails be left ; then the flesh grows again over this living skeleton, and the snake becomes as active as before. ‘ The march of knowledge in this department is certainly onward ; now, gentlemen in Pará believe no more, than that the whole belly and stomach fall out, trap-door like, soon to heal again, and ready for a repetition. In either case, the poor snake is much to be pitied. Sem dúvida há grande interesse nas caçadas a cobra, assim como em outras menos desprezíveis. Como já dito, esses répteis com muita frequência são mantidos nas casas na cidade, e por vezes comprados na feira, perfeitamente enrolados dentro de jarros de barro. Southey conta uma velha história nesse sentido: “que quando a sucuri engole uma anta, ou algum outro animal de grande porte, ela não consegue digerir e se deita sob o sol até que a carcaça apodreça, e os urubus vêm e devoram tanto a carcaça quanto a cobra, bicando-lhe a carne e ossos até restar somente espinha, cabeça e cauda; então a carne volta a crescer cobrindo o esqueleto vivo, e a cobra fica tão ativa quanto antes.11” O conhecimento nessa área certamente está avançando; agora, os cidadãos no Pará não acreditam em nada além de que a barriga caia, como um alçapão, para logo se curar novamente e ficar pronta para a próxima. Em ambos os casos, há muito o que se lamentar pela pobre cobra. The Antas, or Tapirs, are animals not often found upon the mainland, but occasionally observed on Marajo, along the igaripés. They are, by many, considered as amphibious, but they live upon the As antas ou tapires não são frequentemente encontrados no continente, mas de vez em quando são vistos em Marajó nos igarapés. Muitos os consideram anfíbios, mas vivem na terra, recorrendo à água apenas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 155 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards land, merely resorting to the water for bathing. In size, they resemble a calf of a few months, and when old, are of a brown color. They are remarkable for a proboscislike nose. When tamed, they are extremely docile, and are allowed to roam freely, being taught to return home regularly. One which we saw in this state was small, and marked with longitudinal spots of a light color. para se banhar. Em tamanho, lembram um bezerro de poucos meses e, quando adultas, possuem coloração marrom. São notáveis por seu focinho em formato de tromba. Quando domesticadas, são extremamente dóceis e podem vagar de maneira livre, tendo aprendido a voltar para casa regularmente. Uma anta que vimos nessas condições era pequena e marcada por pintas longitudinais de cor clara. The large Ant Eater is also a dweller O grande tamanduá é também um habitante de Marajó. on Marajo. The Ducks breeding upon this island are of two kinds, the commong Musk Duck, and the Maracas (Anas autumnalis). The latter are most numerous. By the month of September, the young are well grown, and the old birds are debilitated from loss of their wing quills. Then, particularly upon Igaripé Grande, on the Pará side, people collect the ducks in great flocks, driving them to a convenient place, and, catching them, salt them down by the canoe load. Os patos que acasalam na ilha são de dois tipos, o pato-de-papada12 e a marreca-cabocla (Anas autumnalis). Esta aparece em maior número. No mês de setembro, as aves jovens já estão bem crescidas, e as velhas debilitadas devido à perda de suas penas. Então, particularmente no Igarapé Grande, no lado do Pará continental, as pessoas reúnem os patos em grandes bandos, conduzindo-os para um lugar conveniente e, ao capturá-los, salgam-nos junto à carga da canoa. Of the water birds frequenting Marajo, the Scarlet Ibis, and the Roseate Spoonbill, excel all in gorgeousness and delicate Das aves aquáticas habituais em Marajó, o íbis escarlate e o colhereiro-americano excedem as demais em deslumbre e delicada coloração. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 156 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento coloring. The Ibises are of the brightest scarlet, excepting the black tips of the wings, and their appearance, when, in serried ranks, the lenghth of a mile, they first come to their breeding place, is described, as one might well imagine it, as wonderfully magnificent. They appear, in this manner, in the month of June, and at once, set about the forming of their nests. At this time, they are in perfect plumage, but soon commencing to moult, theyy lose somewhat of their beauty. The young birds are ready to depart in December, and then, the whole family disappear from the vicinity, excepting a few individuals here and there. In Maranham, the breeding season is in February, and, in that month, Capt. Appleton found them there in vast numbers. Sometimes, but rarely, they are observed in the Gulf districts of the United States, but they have never been known to breed there. The nests are made of small sticks, loosely formed. From two to three eggs are laid, greenish in color, and spotted with light brown. Os íbises são de um escarlate intenso, exceto pelas extremidades pretas das asas, e sua aparição, formando fileiras cerradas de uma milha13, ocorre quando de sua primeira visita ao local de reprodução, o que, como se pode imaginar, é descrito como maravilhosamente esplendoroso. Eles aparecem dessa maneira no mês de junho e logo começam a construir seus ninhos. A essa altura, possuem uma plumagem perfeita, mas logo após começarem a muda das penas perdem um pouco da beleza. As aves jovens estão prontas para partir em dezembro, e a família toda então desaparece das proximidades, exceto por uns poucos indivíduos aqui e ali. No Maranhão, a época de reprodução ocorre em fevereiro, e nesse mês o capitão Appleton pode encontrá-las em grandes números. Algumas vezes (ainda que de forma rara), essas aves são vistas nos distritos do Golfo dos Estados Unidos, embora nunca se tenha sabido de sua reprodução por lá. Os ninhos, feitos de pequenos gravetos, são frouxamente construídos De dois a três ovos são postos, sendo esses de coloração esverdeada e manchados de marrom. The Roseate Spoonbills do not Os colhereiros não migram como migrate as do the Ibises, being quite os ibises e são bastante comuns em Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 157 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards common upon the whole coast, and sometimes being seen far up the Amazon in summer. The delicate roseate of their general coloring, with the rich, lustrous carmine of their shoulders, and breast tufts, as well as the singular formation of their bills, render them objects of great interest as well as beauty. They are seen fishing for shrimps and other small matters allong the edges of the water, or in the mud left exposed by the ebbing tide, and as they eat, grind the food in their mandibles moved laterally. As well as the Ibis, they are exceedingly shy at every season, except when breeding. They breed in the same places with the Scarlet Ibises and the Wood Ibises, and the nests of the three resemble each other in every respect, but in size. The eggs of the Spoonbill are from three to four, large, white, and much spotted with brown. The birds are called by the Brazilians, Colheréiros, meaning spoonbill. The name of the Ibis is Guerra, signifying warrior. toda a costa, sendo vistos muitas vezes distantes do Amazonas no verão. O delicado tom rosa de sua coloração geral, somada ao carmim vivo e brilhante de seus ombros e tufos do peito, bem como a forma única de seus bicos, tornam essa ave objeto de grande interesse e beleza. Eles são vistos caçando camarões e outros pequenos animais na beira da água ou na lama exposta pela maré baixa, e, quando comem, trituram a comida movendo suas mandíbulas de um lado para o outro. Assim como o íbis, essas aves são extremamente tímidas em qualquer período, exceto na época de reprodução. Os colhereiros se reproduzem nos mesmos lugares que os íbises escarlates e os cabeça-secas, e os ninhos dos três são parecidos em todos os aspectos exceto tamanho. Os colhereiros põem de três a quatro ovos grandes, brancos e com marcas marrons. Elas são chamadas pelos brasileiros de colhereiros, spoonbill em inglês. O nome dos íbis é Guerra, warrior em inglês. Another of the northern birds here breeding, is the Wood Ibis, Tantalus loculator, much larger than either of the above. Its general plumage is white, the tips of the wings, and the tail, being a purplish black. By the Outra ave do norte que se reproduz aqui é o cabeça-seca (Tantalus loculator), muito maior que os outros dois anteriormente mencionados. Sua plumagem geral é branca, com as extremidades das asas e a cauda Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 158 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento natives, it is called the Jabirú, which name in Ornithologies is more generally applied to the Tuyuyu. It lays two or three eggs, of a dirty white color. de um preto arroxeado. Ela é chamada pelos nativos de jabiru, cujo nome na ornitologia é geralmente mais aplicado ao tuiuiú. Essa ave põe de dois a três ovos de cor branca suja. Besides these, the Glossy Ibis, Ibis falcinellus; the Great Blue Heron. A. herodias; Night Heron, A. nycticorax; Great American Egret, A. alba; Snowy Heron, A. candidissima; Least Bittern, A. exilis; Purple Gallinule, Blacknecked Stilt, and perhaps others common in the United States breed pon Marajo; as well as a variety of the same family peculiar to the South. Além desses, o íbis-preto (Ibis falciinellus); a garça-azul-grande (Ardea herodias); o socó dorminhoco (A. nycticorax); a garça-brancagrande (Ardea alba); a garça-branca-pequena (A. candidíssima); o socoí-vermelho (A. exilis); o frango -d’água-azul, o perna-de-pau e talvez outras aves comuns nos Estados Unidos se reproduzem em Marajó, da mesma forma que uma variedade da mesma família peculiar ao sul. We found here, also, one of the rarer land-birds of Audubon, the Fork-tailed Fly-catcher, Muscicapa forficatus, and were fortunate enough to discover its nest. This was near the water, in a low tree, and was composed of grass and the down of some plant. The eggs were two in number, white, and spotted with brown, at the larger end more particularly, resembling, except in size, those of our King-bird. Também encontramos aqui um dos mais raros pássaros do Audubon14, o tesourinha, Muscicapa forficatus, e tivemos a sorte de descobrir seu ninho. Este estava perto da água, numa árvore baixa, e era feito de grama e partes de alguma planta. Havia dois ovos brancos com manchas marrons mais especificamente na extremidade mais larga, lembrando, exceto em tamanho, os ovos de nosso suiriri-valente. Generally, the land-birds upon Geralmente os pássaros encontrados Marajo are of different varieties em Marajó são de variedades difefrom those found about Pará, and rentes daqueles encontrados no Pará Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 159 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards upon the Main. The Chatterers are not seen there; the Toco Toucan takes the place of the Red-billed ; the Cayenne Manikin, whose head and shoulders are bright red, is as common as the White-capped elsewhere; Black-backed Yellow Orioles, Icterus jububu, are extremely abundant; as are also the Mango Humming Bird, T. mango; the Ruby and Topaz, T. moschitus; Swallow-tailed, T. fortificatus; Black-breasted, T. gramineus; and many other varieties of this family. e no continente. Os sabiás não são vistos aqui; o tucano-toco ocupa o lugar do Tucano-de-peito-branco; o uirapuru, cuja cabeça e ombros são de um vermelho vivo, é tão comum quanto o uirapuru-de-chapéu-branco em outros lugares; os corrupiões, Icterus jububu, são extremamente abundantes, assim como os beija-flores, T. mango; o beija-flor -brilho-de-fogo, T. moschitus; o gavião-tesoura, T. forficatus; papagaio, T. gramineus, e muitas outras variedades dessa família. Opposite Jungcal, and in view from the shore, is the Island of Mixiana, twenty-five miles in length, and resembling Marajo in its characteristics. This is entirely the property of Srs. Campbell and Pombo, the proprietors of the Jungcal estate, and here they have many thousand cattle. Em frente ao Juncal, visível da praia, está a Ilha Mexiana, com vinte e cinco milhas15 de comprimento, lembrando Marajó em suas características. Este território pertence inteiramente aos senhores Campbell e Pombo, os donos da propriedade Juncal, e aqui eles possuem muitos milhares de gado. Upon Mixiana are Indian burial places, and from these are disinterred urns of great size, containing bones and various trinkets. Unfortunately, our time would not allow us to visit that island, or we should have been at the pains of exploring these interesting remains. We saw, however, one of the jars at Jungcal. Similar burying places are found in Em Mexiana, existem cemitérios indígenas, de onde são desenterradas grandes urnas contendo ossos e várias bugigangas. Infelizmente o tempo não permite que visitemos essa ilha, ou teríamos que fazer grande esforço para explorar esses interessantes artefatos. Vimos, contudo, alguns desses vasos no Juncal. Sepulturas similares são encontrados Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 160 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento various parts of Brazil and Paraguay, em várias partes do Brasil e Paraand the ancient method of interment guai, e o antigo método de enterrar in most of the tribes was the same. era o mesmo na maioria das tribos. Beyond Mixiana, is the much larger island of Caviana, and many other islands, of considerable size, are strewn over the mouth of the river. Depois de Mexiana, fica a ilha da Caviana, bem maior que aquela, e muitas outras, de tamanho considerável, estão espalhadas ao longo da foz do rio. Upon the opposite shore is the town of Macapá, said to contain the finest fort in Brazil. The situation is considered unhealthy, and foreigners rarely visit there. Sailing from Pará to Macapá, one passes more than forty islands. Between Macapá and Marajo is seen in its perfection the singular phenomenon, known as the Bore, or Pororoca, when the flood tide, at the instant of its turning, rolls back the waters of the river in an almost perpendicular wall. Condamine, many years ago, described the sea as ‘ coming in, in a promontory from twelve to fifteen feet high, with prodigious rapidity, and sweeping away every thing in its course.’ No one knows of such terrible phenomena now-a-days. We inquired of several persons accostumed to pilotting in the main channel, and of others long resident in the city and familiar with the wonders of the province, but none Na outra margem fica a cidade do Macapá, que possuiria o mais belo forte do Brasil. O atual cenário é considerado insalubre, e os estrangeiros raramente visitam aquela cidade. No trajeto do Pará ao Macapá pelo rio passa-se por mais de quarenta ilhas. Entre Macapá e Marajó é visto em sua perfeição o fenômeno conhecido como Pororoca16, quando a maré alta, no instante de sua virada, arrasta as águas do rio quase como se fossem uma parede perpendicular. Condamine, muitos anos atrás, descreveu o mar como “vindo, em um promontório de doze a quinze pés17 de altura, com rapidez prodigiosa, e varrendo tudo o que encontrasse em seu curso.” Ninguém sabe de tão terríveis fenômenos hoje em dia. Perguntamos a muitas pessoas acostumadas a pilotar no canal principal e a outras que residem há muito tempo na cidade e são familiarizadas com as maravilhas da província, mas nenhuma delas ouviu Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 161 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards of them had known the water to rise above the height of five feet, even at the spring tides. A canoe of any size is in no danger, her bow being turned to the flood. falar de as águas subirem acima de cinco pés18, mesmo com a mudança da maré. Nenhuma canoa do tamanho que for corre perigo, estando sua proa virada para o fenômeno. Early in the morning, we accompanied Mr. Hauxwell to a tree, upon which a pair of Tuyuyus were Building their nest. A nimble Indian climbed the tree, but the nest was unfinished. It was thirty feet from the ground, composed of large sticks ; and looked from below, big enough for the man to have curled himself in. Cedo de manhã acompanhamos o Sr. Hauxwell até uma árvore na qual um casal de tuiuius estava fazendo seu ninho. Um indígena veloz subiu na árvore, mas o ninho estava inacabado. Ficava a trinta pés19 do chão, feito de grandes gravetos; e, olhando de baixo, era grande o suficiente para que aquele homem pudesse se agachar lá dentro. We left Jungcal for the rookery, about nine o’clock, with the flood tide, in a montaria, with a couple of guides. They were men of the estate, and looked upon the adventure as most lucky for them. Making pleasure subservient to business, they cararied their harpoons for fish or alligators, and baskets for young birds. Immediately after leaving the landing, we startled a Cigana from her nest, in the low bushes by the water. The stream grew more and more narrow, winding in every direction. Tops of tall trees met over our heads, countless flowers filled the air with perfume, and the Partimos do Juncal para a colônia de aves por volta das nove horas, durante a maré alta, em uma canoa com um par de guias. Estes eram trabalhadores da propriedade e consideravam a aventura um golpe de sorte. Pondo em prática o ditado “primeiro o dever depois o prazer” eles carregavam arpões para os peixes ou jacarés, e cestas para pássaros novos. Assim que partimos da terra, espantamos uma cigana de seu ninho nos arbustos baixos junto à água. O rio estreitavase cada vez mais, serpenteando em todas as direções. O topo de altas árvores encontrava-se por sobre nossas cabeças, incontáveis flores enchiam o ar de perfume e a luz e sombra brin- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 162 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento light and shade played beautifully cavam lindamente por entre as verdes among the green masses of foliage. massas da folhagem. Upon the trees were perched birds of every variety, who flew before our advance, at short distances, in constantly increasing numbers, or curving, passed directly over us ; in either case, affording marks too tempting to be neglected. Upon some topmost limb, the Great Blue Heron, elsewhere shyest of the shy, sat curiously gazing at our approach. Near him, but lower down, Herons, white as driven snow ; some, tall and majestic as river naiads, others, small and the pictures of grace, were quietly dozing after their morning’s meal. Multitudes of Night Herons, or Tacarés, with a loud quack, flew startled by ; and, now and then, but rarely, a Boatbill, with his long plumed crest, would scud before us. The Snake-bird peered out his long neck, to discover the cause of the general commotion ; the Cormorant dove from the dry stick, where he had slept away the last hour, into the water below ; swimming with head scarcely visible above the surface, and a ready eye to a treacherous shot. Ducks rose hurriedly, and whistled away ; Curassows flew timidly Por sobre as árvores havia toda variedade de pássaros empoleirados, os quais voavam ante nosso avanço, a curtas distâncias, em números cada vez maiores, ou curvando-se, passavam diretamente sobre nós; em ambos os casos, deixando marcas tentadoras demais para serem ignoradas. Pousada sobre algum dos galhos mais altos, a grande-garça-azul, em outros lugares a mais tímida de todas, assistia curiosamente a nossa aproximação. Próximo a ela, mais abaixo, havia garças brancas como neve; algumas, altas e majestosas como náiades dos rios, outras, pequenas e graciosas, cochilavam tranquilamente após a refeição da manhã. Um grande número de socós dorminhocos, ou taquiris, voava assustado em meio a altos grasnidos; e, de vez em quando, embora raramente, um arapapá, com sua crista coberta por longas penas, disparava diante de nós. A anhinga colocava seu longo pescoço para fora, tentando descobrir a causa da comoção geral; o biguá mergulhou do graveto seco em que tinha dormido na última hora na água; nadando com sua cabeça quase imperceptível acima da superfície Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 163 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards to the deeper wood ; and fearless e com o olhar atento para um tiro Hawks, of many varieties, looked traiçoeiro. Os patos levantaram-se apressadamente e passaram zuninboldly on the danger. do; mutuns voavam timidamente para dentro da floresta; e os destemidos gaviões, de variados tipos, olhavam com ousadia para o perigo. With a noise like a falling log, an alligator would splash into the water from the bank, where she had been sunning herself, or looking after her nest ; and often, at once, half a dozen huge, unsightly heads were lifted above the surface, offering a fair, but not always practicable mark for a half-ounce ball. Occasionally, a whole family of little alligators, varying in length from six to eighteen inches, would start out of the leaves instinctively, some, plumping themselves in, as the examples of their respected mammas had taught them ; others, in their youthful innocence, standing gazing at us, from the top of the bank ; but with more than youthful cunning, ready also to plump in at the least motion towards raising a gun. At frequent intervals, the beaten track from the water, disclosed the path of some of these monsters ; and a pile of leaves, just seen through the trees, showed clearly the object of their terrestrial excursions. Com um focinho parecido com um tronco caído, um jacaré pulou da margem do rio, onde se banhava ao sol ou cuidava de seu ninho, para dentro d’água; e, com frequência, de repente, meia dúzia de cabeças enormes e desagradáveis emergiam superfície, oferecendo um alvo promissor, mas nem sempre praticável, para um tiro. A cada certo tempo, toda uma família de pequenos jacarés, variando entre seis e dezoito polegadas20 de tamanho, começariam a sair do meio das folhas instintivamente, alguns submergindo, como suas respeitáveis mães lhes haviam ensinado; outros, devido à inocência da juventude, permaneciam imóveis olhando para nós da margem, mas com mais que astúcia juvenil, prontos para submergir na água ao menor sinal de pegarmos em uma arma. A frequentes intervalos, a trilha agitada da água revelava o caminho de alguns desses monstros; e uma pilha de folhas, apenas vistas através das árvores, mostrava Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 164 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento claramente o objetivo da excursão terrestre deles. As we neared the rookery, after a two hours’ pull, the birds were more and more abundant ; and the alligators more and more bold, scarcely minding our approach, and only learning caution, by repeated applications of leaden balls. The frequent proximity of the King Jacarés, offered many opportunities to the harpooner in the bow ; but we learned, by his ill siccess, that these autocrats cared verey little for punches in the ribs. À medida em que nos aproximávamos da colônia de aves, depois de duas horas de viagem, as aves se tornavam mais e mais abundantes, e os jacarés, mais e mais ousados, pouco se importando com a nossa aproximação, aprendendo a ter cuidado com os repetidos disparos de balas de chumbo. A frequente aproximação do jacaretinga oferecia muitas oportunidades para o arpoador na proa, mas aprendemos, pela falta de êxito deste, que aqueles autocratas não davam a mínima para golpes em suas costelas. Turning suddenly, we left the bordering forest for a canebrake, and instantly broke full upon the rookery. In this part, the Scarlet Ibises, particularly, had nested ; and the bended tops of the canes were covered by half-grown birds in their black plumage, interspersed with many in all the brilliance of age. They seemed little troubled at our approach, merely flying a few steps forward, or crossing the stream. Continuing on, the flocks increased in size ; the red birds became more frequent, the canes bent beneath their weight like Fazendo uma curva repentina, deixamos a floresta das proximidades em direção a um canavial, e instantaneamente entramos por completo na colônia de aves. Nessa parte, os íbises -escarlates, particularmente, tinham se aninhado; e os topos curvados das canas estavam cobertos por aves quase em idade adulta com sua plumagem preta, intercaladas por muitas em todo o esplendor da idade. Elas pareciam pouco preocupadas com a nossa aproximação, apenas voando alguns passos à frente ou cruzando o rio. Seguindo em frente, os bandos cresciam em tamanho; os pássaros Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 165 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards reeds. Wood Ibises and Spoonbills, began to be numerous. The nests of all these, filled every place where a nest could be placed ; and the young Ibises, covered with down, and standing like so many Storks, their heavy bills resting upon their breasts and uttering no cry, were in strong contrast to the well-feathered Spoonbills,beautiful in their slightly roseate dress, and noisily loquacious. Passing still onward, we emerged from the canes into trees ; and here the White Herons had made their homes, clouding the leaves with white. Interspersed with these, were all varieties mentioned before, having finished their nesting, and being actively engaged in rearing their young. We had sailed above a mile, and at last, seeming to have approached the terminus we turned and went below a short distance to a convenient landing, where we could pursue our objects at leisure. The boatmen, at once, made their dispositions for basketing the young birds ; and soon, by shaking them down from the nests, and following them up, had collected as many as they desired. We wandered a long distance back, but the nests seemed, if any thing, more plentiful, and the swarms of young more dense. At the sound of the gun, the birds vermelhos tornavam-se mais frequentes, as canas curvavam-se como junco sob o peso delas. Tuiuiús e colhereiros começavam a se tornar numerosos. Os ninhos destes ocupavam todos os lugares possíveis; e os jovens íbises, cobertos de penugem e ficando de pé como muitos jabirus, seus bicos pesados repousando sobre o peito e sem fazer qualquer barulho, contrastavam fortemente com os colhereiros cobertos de penas, belos em seu vestido levemente rosado e ruidosamente loquazes. Ainda seguindo adiante, emergimos do canavial em meio a árvores, e aqui as garças-brancas-grandes construíram seu lar, cobrindo as folhas de branco. Em meio a essas aves havia todas as variedades mencionadas anteriormente, as quais terminavam de construir seus ninhos e empenhavam-se ativamente em cuidar dos mais jovens. Havíamos navegado cerca de uma milha21 e, finalmente, parecendo termos alcançado o ponto final, viramos e seguimos a uma curta distância em direção a um lugar conveniente onde poderíamos buscar nossos objetivos livremente. Os barqueiros imediatamente se dispuseram a capturar as aves mais jovens, e em pouco tempo, ao sacudi-las dos ninhos e depois alcançá-las, haviam recolhido tantas quanto desejavam. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 166 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento in the immediate vicinity, rose in a tumultuous flock ; and the old ones circled round and round, as though puzzled to understand the danger they instinctively feared. In this way, they offered beautiful marks to our skill ; and the shore, near the canoe, was soon strewed with fine specimens. Evidently, this place had been for many years, the haunt of these birds. Not a blade of grass could be seen ; the ground was smooth and hard, and covered with excrement. Vagueamos uma longa distância de volta, mas os ninhos pareciam mais numerosos, e a massa de filhotes ainda mais densa. Ao disparo da arma, as aves nas proximidades imediatas começaram a voar em um bando tumultuado; as mais velhas rodavam e rodavam, como que confusas para entender o perigo que instintivamente temiam. Dessa maneira, elas ofereciam um belo alvo para a nossa habilidade; e a margem próxima à canoa em pouco tempo estava coberta de ótimos exemplares. Evidentemente, esse local tinha sido por muitos anos o refúgio dessas aves. Não se podia ver uma folha de grama e o chão estava liso e duro, coberto de excremento. Occasionally, and not very rarely, a young heedless would topple into the water, from which the noses of alligators constantly protruded. Buzzards, also, upon the bank, sunned themselves and seemed at home ; and not unfrequently, a hungry Hawk would swoop down, and away with his prey almost unheeded. A cada certo tempo, e não raro, um filhote desatento tombava dentro da água, de onde os focinhos de jacarés constantemente se sobressaíam. Os urubus tomavam banho de sol nas margens e pareciam em casa, e com frequência algum gavião faminto mergulhava e ia para longe com sua presa quase que ignorado. We were amused by the manner of feeding the young Scarlet Ibises. In the throat of the old female bird, directly at the base of the lower Ficamos maravilhados com a maneira que os filhotes de íbis-escarlate eram alimentados. Na garganta da fêmea, bem na base da mandí- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 167 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards mandible, is an enlargement of the skin, forming a pouch, which is capable of containing about the bulk of a small hen’s egg. She would return from fishing on the shallows, with this pouch distended by tiny fish, and allowed her young to pick them out with their bills. bula inferior, existe um alargamento de pele que forma uma bolsa, a qual é capaz de conter o volume de um pequeno ovo de galinha. A ave voltava da pescaria na parte rasa do rio com a bolsa cheia de peixes pequenos, os quais os filhotes podiam pegar usando os próprios bicos. It was late when the tide turned and we hastened away, with the canoe loaded to overflowing. The birds seemed now collecting for the night. Squads of bright-colored ones were returning from the shore, and old and young were settling on the canes, over the water, like swallows in August. An alligator gave us an opportunity for a last show, and the air was black with the clouds of birds that arose, shrieking and crying. I never conceived of a cloud of birds before. Era tarde quando a maré virou e nos apressamos para partir com a canoa transbordando de tão cheia. As aves pareciam agora se recolher para a noite. Grupos de pássaros com cores vivas retornavam da costa, e velhos e novos se acomodavam nas canas acima da água que nem andorinhas em agosto. Um jacaré nos deu oportunidade para um último tiro, e o ar ficou tomado de preto com as nuvens de pássaros que subiram chilreando e grasnando. Eu nunca tinha concebido uma nuvem de pássaros antes. On our way down, we discovered the nest of a Socco, the Tiger Bittern, close by the water. The old bird observed our motions for an ascent with indifference, when, up through the feathers of her wing, peered the long neck of a little fellow, intimating that we might as well be off ; for it was of eggs we were greedy. Em nosso caminho de volta, descobrimos o ninho de um socó perto da água. A ave, de um ponto alto, observava nossos movimentos com indiferença quando, dentre as penas de sua asa, saiu o longo pescoço de um pequeno camarada, o que nos intimou a ir embora, pois estávamos ávidos por ovos. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 168 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento Soon after, we arrived at the spot, which we had marked in the morning, where an alligator had made her nest, and sans ceremonie, proceeded to rifle it of its riches. The nest was a pile of leaves and rubbish, nearly three feet in height, and about four in diameter, resembling a cock of hay. We could not imagine how or where the animal had collected such a heap, but so it was ; and, deep down, very near the surface of the ground, from an even bed, came forth egg after egg, until forty-five had tolerably filled our basket. We kept a good look-out that the old one did not surprise us in our burglary, having read divers authentic tales of the watchful assiduity of the mother. But nothing appeared to alarm us, and we concluded, that, like others of the lizard family, alligators are merely anxious to make their nests, and trust to the fermented heat, and to Providence, for hatching and providing for their brood of monsters. These eggs are four inches in length, and oblong ; being covered with a crust rather than a shell. They are eaten, and our friends at the house would have persuaded us to test the virtues of an alligator omelette, but we respectfully declined, deeming our Logo depois, chegamos ao local que tínhamos marcado pela manhã, onde um jacaré tinha feito seu ninho, e sem cerimônia começamos a revirá-lo em busca de suas riquezas. O ninho era uma pilha de folhas e lixo com cerca de três pés de altura e quatro22 de diâmetro, lembrando com um galo de palha. Não podíamos imaginar como ou onde aquele animal tinha reunido tamanha pilha, mas assim o era; e, lá no fundo, bem próximo da superfície do solo, de uma cama regular, foi retirado ovo atrás de ovo, até que quarenta e cinco destes tivessem preenchido toleravelmente nossa cesta. Nós nos mantivemos atentos para que o animal não nos surpreendesse em nosso roubo, visto termos lido diversos contos autênticos acerca da vigilante assiduidade da mãe. Mas nada aconteceu que nos alarmasse, o que nos fez concluir que, assim como outros da família dos lagartos, jacarés apenas ficam ansiosos para construir seus ninhos, confiando ao calor fermentado e à Providência para que seus ovos choquem e que seja provida a subsistência de sua ninhada de monstros. Esses ovos são oblongos e medem quatro polegadas23 de comprimento, sendo cobertos por uma crosta em vez de casca. Eles são comestíveis, e nossos amigos em casa tentaram nos convencer a provar as Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 169 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards reputations sufficiently secured by virtudes de uma omelete de jacaré, mas respeitosamente declinamos, a breakfast on the beast itself. julgando nossas reputações suficientemente seguras pelo café da manhã com o próprio animal. Ave Maria had sounded when we reached Jungcal, and the satisfation we felt at the close of this, the greatest day’s sporting we had ever known, amply compensated for all our fatigue. The boat in which we came being obliged to return immediately, we were under the necessity of leaving this delightful spot, where we could have been content to while away a month. But one such day as we had passed, repaid us for the inconveniences of a week upon the water. A Ave Maria tinha tocado quando chegamos ao Juncal, e a satisfação que sentíamos ao final, os melhores dias desportivos que já tivemos, compensaram amplamente toda a fadiga. Como o barco em que viemos foi obrigado a retornar imediatamente, tivemos que nos despedir desse lugar encantador, onde teríamos nos contentado de passar um mês. Mas um dia como o que tínhamos passado nos compensou pelos inconvenientes de uma semana sobre a água. We bade adieu to our good friends in the morning, taking the last of the ebb to arrive at the vessel. But when quite near, the tide turned, the flood rushed in, and we were very likely to revisit Jungcal. However, by running in shore, and claiming assistance of the overhanging canes, after a weary pull, we reached our goal, almost inclined to credit M. Condamine. Nós nos despedimos de nossos bons amigos pela manhã, aproveitando o final da maré baixa para chegar até o navio. Mas quando estávamos bem perto, a maré virou, as águas voltaram a encher e nós provavelmente revisitaríamos o Juncal. Contudo, seguindo pela margem e contando com canas suspensas, depois de um esforço exaustivo, alcançamos nosso objetivo, quase propensos a dar crédito ao Sr. Condamine. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 170 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento The crew were loading with the cattle, which had been driven down the day before, and were now confined in the den. This was enclosed on every side, but that toward the water. A dozen men stood inside and out, some holding the lasso, others ready to pull, the instant the animal was caught, and others, still, were armed with sharp goads, with which to force him onward. Some of the cattle showed good Castilian spirit, and their rage was several times with difficulty eluded by a leap to the friendly fence. Once in the water, their struggles were over. A rope was fastened about their horns, and thus they were hoisted up until they were above the hole in the deck made to receive them. Below, they were secured to side beams, and were scarcely allowed room to move. A tripulação fazia o carregamento do gado, que tinha sido trazido no dia anterior e agora estava confinado no curral. Este estava fechado por todos os lados, menos na direção da água. Havia uma dúzia de homens lá, alguns segurando o laço, outros prontos para puxar no instante em que o animal fosse capturado, e outros, parados, estavam armados com aguilhões afiados, com os quais forçariam o bicho a seguir em frente. Alguns animais mostravam bom espírito castelhano, e sua fúria era, várias vezes, eludida com dificuldade pela cerca amigável. Quando chegavam na água, a luta terminava. Uma corda era amarrada em volta dos seus chifres e desta maneira eles eram içados em direção à abertura no convés feita para recebê-los. Por baixo, eles eram presos por vigas laterais e mal tinham espaço para se moverem. Putting out of the igaripé, for two days we were beating to windward, anchoring half the time, and being tossed about in a way to make us curse all cattle boats. The poor victims in the hold fared worse than we, deprived of food and drink, pitched back and forth with every motion, and bruised all over by repeated falls upon the rough Saindo do igarapé, por dois dias ficamos batendo a barlavento, tendo que ancorar metade do tempo, e sendo sacudidos de maneira tal que amaldiçoamos todos os navios boiadeiros. As pobres vítimas no porão saiam-se piores que nós; privadas de comida e água, eram jogadas para frente e para trás a cada movimento, machucandose por inteiro por conta das repetidas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 171 A Voyage up the River Amazon Including a Residence at Pará de William H. Edwards floor. We lost all gusto for Pará beef. From Cape Magoary we had a fine run, reaching Pará upon the third night. quedas no chão duro. Perdemos todo o gosto pela carne bovina do Pará. A partir do Cabo Maguari tivemos um bom percurso, chegando ao Pará na terceira noite. Notas 1. Aproximadamente 193 quilômetros. 2. De 96 a 128 quilômetros. 3. No texto de partida, o autor se refere a “tigres”, termo empregado à época e que não se aplica hoje em dia, visto que não há tigres na Amazônia. A opção por usar o termo “onça” aqui é para evitar que se fale em “tigre negro” (black tiger) mais a frente, termo que é imediatamente seguido por “Felis onca” (onçapintada). Assim, de modo a manter um paralelismo de termos, empreguei onça de forma genérica. 4. Proprietário de terras na região de Marajó, inclusive da fazenda Juncal. 5. Aproximadamente 2.133600m. 6. Na pesquisa realizada, o outro termo popular encontrado para designar o animal foi jacaretinga. Não foi encontrada nenhuma forma próxima a do inglês King Jacarés. 7. Aproximadamente 6,096m. 8. Aproximadamente 7,62m. 9. Caffre, do árabe, designa originalmente africano não-muçulmano; contudo, como consequência da política de colonização, é usado para se referir a africanos negros de forma ofensiva tanto em português quanto em inglês. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 172 Tradução de Luana Ferreira de Freitas & Kelvis Santiago do Nascimento 10. Cerca de 6,7 metros. 11. De fato, Robert Southey nas notas do seu History of Brazil, Part I (1810), p.629, diz tratar-se de uma fábula e no texto, ele não se refere à cobra como “the anaconda” mas “this monster”. https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=ucm.5311 13572x&view=1up&seq=649&q1=snake. Acesso em 10 de janeiro de 2021. 12. O texto fonte cita Musk Duck, o que foi mantido na tradução. Contudo, acreditamos que o autor pode ter trocado os nomes do Muscovy Duck (patoselvagem) nativo do México, América Central e América do Sul com o Musk Duck (pato-de-papada) nativo do sul da Austrália. 13. Cerca de 1,609 quilômetros. 14. Aqui Edwards parece tratar de John James Audubon, autor de The Birds of America, publicação seriada de 1827 a 1839. https://www.audubon.org/fieldguide/bird/fork-tailed-flycatcher. Acesso em 16 de janeiro de 2021. 15. Pouco mais que 40 quilômetros. 16. No texto-fonte, Edwards cita: (...) the singular phenomenon, known as the Bore, or Pororoca. Subtraímos bore, irrelevante para o leitor brasileiro. 17. Aproximadamente de 3,60 a 4,5 metros. 18. Aproximadamente 1,5 metro. 19. Aproximadamente 9,1 metros. 20. De 15 a 45 centímetros, aproximadamente. 21. Aproximadamente 1,6 quilômetro. 22. Cerca de 90 centímetros de altura e 120 centímetros de diâmetro. 23. Pouco mais de 10 centímetros. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 149-173, jan/jul, 2021. 173 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84952 TRADUÇÃO E ÉTICA: A PROBLEMÁTICA DA RETROCONVERSÃO Marie Helene Catherine Torres1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/ CNPq Antes de mais nada, gostaria de mencionar que abordo o tipo de texto traduzido a seguir, isto é, um relato de viagem, sob o prisma da Ecotradução, termo que emprego pela primeira vez em português num texto escrito e que crio aqui a partir do inglês ecotranslation e do francês, éco-traduction. Desenvolverei em outro momento mais oportuno e propício a teoria da ecotradução aplicada à literatura brasileira traduzida, mas já posso adiantar que a ecotradução faz referência a todas as formas de pensamento e prática de tradução que se envolvem conscientemente nos desafios da mudança do meio ambiente induzida pelo homem (Cronin, 2017). Ainda à luz da ecoliteratura, a ecotradução concerne aos textos (literários no que me ocupa) que traz de uma forma ou de outra a natureza como tema, personagem, reflexão. A ecotradução apreende a tradução da relação entre a natureza e a literatura em diversos contextos culturais e examina em que medida a ficção e/ou a poesia deram um lugar essencial à natureza e às relações antrópicas com o meio ambiente. A noção de exploração e descobrimento do ambiente natural sendo a temática principal de relatos de viagem em geral, e deste em particular, tentei traduzir de modo a colocar a floresta Amazônica como foco narrativo central e a valorizar certa ética em relação à preservação na narrativa histórica da exploradora francesa sobre as relações orgânicas entre humano e natureza. Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Marie Helene Catherine Torres Publicado em Bordeaux em 18611, o relato de viagem a seguir, da autoria de Mme Langlet-Dufresnoy, intitulado em francês Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine [Quinze anos no Brasil ou excursões em Diamantino], ocorreu de julho de 1837 (capítulo I) a agosto de 1852 (capítulo IV). Alexandrine Langlet-Dufresnoy é a primeira europeia a descer o rio Arinos (Potelet, 49; Broc, 187). O contexto histórico pode explicar, em parte, a vinda da viajante junto ao seu marido para o Brasil. Segundo o professor do Departamento de Estudos Portugueses e Tradução da Universidade polonesa Jagiellonia, em Cracóvia, Jerzy Brzozowski (25), com a criação da corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808 e, acima de tudo, a restauração dos Bourbons em 1815, as relações franco-brasileiras mudaram de forma espetacular. Em 1808, o Brasil abriu seus portos para o livre comércio com os poderes amigos, inclusive a França. A literatura francesa conquistou a elite culta, com livros vindos cada vez mais numerosos por navios no Brasil. O ano de 1816 é particularmente importante para as relações franco-brasileiras, pois é o ano da chegada da missão artística francesa no Rio de Janeiro e de dois franceses cuja contribuição para o conhecimento do Brasil do século XIX foi decisivo: o escritor Ferdinand Denis, que ficará no Brasil até 1819, considerado como o iniciador dos estudos portugueses e brasileiros na França, e o naturalista AugustinCésar de Saint-Hilaire, que viajou nas províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul entre 1816 e 1822. Finalmente, após o reconhecimento da independência do Brasil em relação a Portugal em 1825, a França, por sua vez, reconheceu a independência do novo Império em 1826 e assinou com ele o Tratado de amizade, de navegação e comércio. O Brasil passa terra de imigração, graças ao decreto que permitiu que os estrangeiros adquiram terras aráveis. 1 O exemplar com o qual trabalhei para esta tradução inédita em português é do acervo digital da Biblioteca francesa Gallica. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 175 Tradução e ética: a problemática da retroconversão Brzozowski (36) relembra ainda que, a partir da década de 1840, iniciaram as viagens na Amazônia e na província do Pará. A literatura de ficção prevalece sobre os relatos de viagem como por exemplo os romances de Emile Carrey dos anos 1856-1857. Brzozowski afirma ainda que o relato de viagem de Mme Langlet Dufresnoy, realizado na segunda metade da década de 1840, só é publicado em 1861, seguido, um ano depois, de um artigo do geógrafo Reclus na Revue des deux Mondes em 1862. Esperava-se um boom nas publicações depois de 1867, data da abertura da navegação na Amazônia para navios estrangeiros, boom que só acontecerá a partir da década de 1880, quando a Amazônia se tornou, de fato, incontornável. Existe uma única biografia de Alexandrine Langlet-Dufresnoy, escrita por Gilbert Siou (77-90) onde encontrei dados da sua origem na Nova Aquitânia, em St Jean d”Angely, região de Bordeaux na França. Siou descreve a autora como uma viajante-aventureira que seguiu o marido até o Brasil a procura de ouro, diamantes e outras pedras preciosas ou semipreciosas. Por um lado, graças a essa biografia, pude desvendar o mistério de alguns topônimos citados pela autora no seu relato de viagem. Por exemplo, quando ela cita a pequena cidade de “Taillidoules”, Siou situa o lugar em Bom Jardim na beira do Rio Iriri, que foi acrescentado na tradução. Por outro lado, os dados fornecidos por Siou não correspondem sempre àqueles fornecidos pela própria autora, como por exemplo, a data do embarque do casal Dufresnoy de São Paulo para Itabuna em 1819, o que é impossível, pois só chegaram no Brasil em 1837. Trato, portanto, a leitura e uso desta biografia com cautela. Além da biografia de Siou, usei informações do próprio prefácio do livro assinado por Paul Le Gay que avisa o leitor que a autora não tem nenhuma “pretensão literária”, mas que essa mulher se aventurou entre Rio de Janeiro e Diamantino, no Mato Grosso, enfrentando as estações, o clima, as doenças, os animais ferozes e os índios selvagens e, com uma “coragem viril”, atravessou o Rio Amazonas. Ainda pretende que o leitor seja cativado e excitado pelo sofrimento alheio, sofrimento moral e de dores Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 176 Marie Helene Catherine Torres físicas da autora, no meio da floresta infestada de “cobras, tigres e outros animais”. De fato, Alexandrine Langlet se casou em 1836, com 16 anos, com Alexandre Dufresnoy, oficial de justiça, conforme o que ela afirma na primeira sentença no seu livro. Por dedução, acreditamos que ela nasceu em 1920. O casal embarcou na cidade de Le Havre, na França, em 06 de julho de 1837 no navio Achille, como o escreve no seu primeiro capítulo, e chegam no Rio de Janeiro, quarenta e nove dias depois, no dia 25 de agosto de 1837. Uma primeira pesquisa rápida no Dictionnaire des Bâtiments de la Flotte de Guerre Française de Colbert à nos jours sobre o navio Achille nos levou a constatar que existiu um navio de guerra com o mesmo nome. Portanto, continuei a pesquisa na hemeroteca digital da BN, iniciando pelo Jornal do Commercio entre 1830 e 1839. Na edição 00187 (1) de 1837, na seção “Movimento do Porto”, entrada no dia 24, encontrei a menção seguinte: Havre - 49 d., Gal.Franceza Achille, 264 tons, M. Belliard, equip. 16: carga fazendas a Leuzinger; passags. Os Francezes Gustave Babin e sua mulher, Laurent Christin, Camille Beral, Jules Lecarpentier, Duboscq, J. Jacqueminot, Jean Drevon, Filippe Vernier, Jean Feron, Felix Martin, Numa Lenglet, Honoré Maintigneux, os suissos Jean Leuzinger, Jacques Joseph Clerc, o Alemão João Chumacher com sua família, e os sardos M.G. di Intra e Carlo Farinelli. “Numa Lenglet” deve ter sido transcrito de forma errônea no lugar de “M. e Mme Langlet.” Os dados do navio e do seu capitão mencionados por Alexandrine Langlet correspondem. O dia da entrada do navio é 24 de agosto, registrado no seu diário como sendo dia 25, o que deixa pensar que tripulação e passageiros demoravam a desembarcar no porto do Rio de Janeiro. Essas precisões se fazem necessárias porque a autora afrancesou quase todos os nomes próprios, antropônimos e topônimos no seu texto. Situar Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 177 Tradução e ética: a problemática da retroconversão sua narrativa no tempo e no espaço parece indispensável para tentar descobrir o percurso que a autora seguiu na floresta amazônica e localizar saltos, cachoeiras, rios e cidades que atravessou. O papel de um(a) tradutor(a) é, primeiramente, o de ter uma certa ética com a tradução, o texto traduzido devendo “reproduzir” ambiente, estilo, sentidos, poeticidade, dramaticidade etc. em relação ao texto de partida. O texto de Alexandrine Langlet-Dufresnoy foi escrito como um diário, ou seja, para ser supostamente lido somente pela própria autora do texto, sem grande eloquência nem cuidados estilísticos ou literários. Porém, uma vez publicado, este texto teve como público-alvo os franceses ou quem lia em francês na metrópole, o atestam as inúmeras referências ao exotismo e exuberância relativos à Amazônia e aos seus habitantes indígenas ao longo do texto-testemunha. A autora está deslumbrada pela floresta e pela fauna. Ela vai naturalizando o que vê ao tentar descrever, por exemplo, uma anta, como uma “espécie de bezerro com tromba como a do elefante”. Para Antoine Berman, a ética da tradução parte do texto “original”, o texto primeiro, em direção ao texto traduzido. Ser ético para o tradutor é ser ético para com a cultura de origem e, ao mesmo tempo, para com a cultura de chegada. Daí o meu questionamento sobre como seria ser ético com o leitor? O leitor do texto traduzido, no nosso caso, o texto em português traduzido a partir de um texto escrito em francês cujas referências toponímicas não correspondem com lugares conhecidos, ou cuja existência não consegue ser comprovada, merece uma atenção especial e ética por parte do tradutor. É pensando no leitor brasileiro que tomei algumas decisões que considero “éticas” no presente contexto. Decisões que, de repente, não tomaria na tradução de outro texto. A questão da tradução de topônimos pode ser mais complexa do que parece. No texto em francês, a autora usa alguns topônimos para localizar sua viagem. No entanto, o nome que ela atribui às cachoeiras, rios e saltos são nomes afrancesados e transcritos a partir do que ela ouvia e entendia. A dificuldade para o (a) tradutor(a) é tentar descobrir a que corresponderia na cultura de partida um nome próprio Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 178 Marie Helene Catherine Torres pertencente à fauna, flora ou outra localidade transcrito, isto é, adaptado foneticamente na língua de chegada ou transliterando uma parte do “original”. Essa retroconversão dos topônimos do francês para o português me levou a pesquisar sobre cada um, tomando a decisão, às vezes da não-tradução dos termos afim de manter uma certa “ética” não somente com o texto de partida, mas principalmente com o leitor brasileiro. Consegui identificar e localizar muitos topônimos, a partir de mapas hidrográficos da Biblioteca Nacional e dos arquivos do Estados do Mato Grosso e do Pará, como “Arinnes” para “Arinos”, “Seira” para “Serra”, “bourachandes” para “borrachudos”, “Mareigne-en-grand” para “Grande Maranhão”, “Mareigne-en-petit” para “Pequeno Maranhão”, a cachoeira de “Saint Simon” para “São Simão”, situada no rio Juruena. A partir da biografia de Siou, consegui decifrar que “Saint-Allin” corresponde “foneticamente” a Santarém. Quanto à cidade de “Marseillo”, o contexto da viagem de volta para Bordeaux, na França, que para em Marseilha, indica que esta é a cidade mencionada pela autora. Outros topônimos não foram localizados por não reconhecer os locais na retroconversão do francês para o português como “Petra” (cidade? Porto? Rio?), a cachoeira de “Loupouny”, o “Tetentin” (Tocantins?), “Taillidoules” (cidade?), “La Prohibe” (será a Proibida? Aldeia, vilarejo?), “La Brèche” (porto?), “Machalle, Bonnin et Péderive” (Bairros? Sítios? Cidades?). Estas últimas foram citadas pela autora ao comentar uma revolução que localizei como sendo a Insurreição Praieira (modo que escolhi traduzir) que ocorreu na cidade do Recife entre 1848 e 1849 (Carvalho). Nesses casos, optei por não repetir nomes sem referências na tradução. Nos capítulos que traduzi, isto é, III e IV (o livro possui quatro capítulos), Alexandrine Langlet-Dufresnoy saiu de Diamantino no atual Mato Grosso, morou alguns anos em Cuiabá e navegou sobre o Rio Arinos sem que o leitor saiba, na maior parte do tempo, em que época do ano ou mesmo em que ano isso acontecia. O texto apresenta, portanto, certo hermetismo quanto aos trajetos e outras precisões históricas-temporais. Quando a autora se refere a cidades Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 179 Tradução e ética: a problemática da retroconversão como “Couritisa” ou “Moerie”, ou ainda ao rio “Sainte-Anne”, a tradução “ética” não permite traduzir “Couritisa” e “Moerie”, pois não foi encontrado nenhum vestígio histórico de supostas cidades chamadas de “Couritisa” ou “Moerie”. Optei nesse caso pela não-tradução dos nomes das cidades por serem “inexistentes” em português sob essa grafia. Quanto ao rio “Sainte-Anne”, trata-se do Rio Santana na região mato-grossense. Quando a autora evoca a fruta de “taíb” com a qual pode-se produzir um licor vinhoso, ela se refere a uma fruta amazônica que pode ser transformada em bebida com gosto de vinho. Da polpa de frutas como açaí, abacaba, buriti e patuá pode-se produzir vinho. “Taíb” poderia corresponder ao açaí, pois se come com farinha de milho como especificado na narrativa. Se for mais licoroso, poderia se referir também à aguardente de cupuaçu ou de jambu, licor de camu-camu, de açaí, de chichuá. Optei por traduzir por açaí, não por ser uma fruta grande, como descrita no texto, mas sim por ser uma fruta que “pode” parecer fonologicamente com “taíb” e por ser principalmente uma fruta amazônica cuja cor se assemelha à cor do vinho e licoroso quando transformado em bebida (Guerreiro). Outra fruta mencionada, é o “mouyar” que, segundo a autora, seria uma espécie de limão. Considerando que para uma francesa do início do século XIX, um limão é necessariamente amarelo, o tradutor deve procurar uma fruta parecida com limão siciliano. É a razão pela qual optei por conservar a ideia de fruta, de cor amarela, de origem amazônica e com “aproximação” fonológica. Traduzi por “maracujá” que vem do tupi “mara kuya” segundo o Dicionário de tupi-português (1987). As referências às tribos ou nações indígenas são pouco inteligíveis, mesmo após ter consultado, entre outros textos, o Quadro Geral dos Povos. Entre os 256 povos catalogados, encontrei os índios Apiaka ou Apiaca que moravam em aldeias nas margens do rio Arinos, descrito por Langsdorff na sua expedição pelos rios Arinos e Juruena em 1828 (1997: 201-207). Pode ser esta última a referência aos índios que a autora menciona quando nomeia a nação “Géroine” perto de Salto Augusto ou os índios “Piarouracquoi” Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 180 Marie Helene Catherine Torres na região da cachoeira São Gabriel. Como a presença dos índios Apiaka é plausível em relação ao lugar e momento da expedição da autora, optei por traduzir por Apiaka. No tocante aos índios “Tapouilles”, especulei, após consulta do site da Funai, que, como a autora tem tendência em afrancesar topônimos e antropônimos, se trata dos Tapayuna que ocupavam originalmente terras às margens do Rio Arinos, no Mato Grosso. A nossa estratégia para a tradução das cachoeiras, pontes e rios varia conforme a identificação e geolocalização ou não dos topônimos. A Cachoeira dos Dois Gêmeos, que não localizei, foi traduzida literalmente; o rio “Leitterage”, que conforme a autora se situa à margem esquerda da cidade de Maranhão, corresponderia ao “rio Mearim”. As cachoeiras “Sainte-Aburse” e “Sainte-Elise” não foram localizadas nos mapas consultados e, portanto, não as nomeie na tradução. A ponte “Dabourif” na cidade do Recife corresponde à Ponte do Recife, primeiro nome dado à Ponte Mauricio de Nassau e a “Villa d’Oligne” a Olinda conforme consulta ao Site do Governo do Estado de Pernambuco. Porém a ponte “Manquine” e a “Porte-de-chaux” não foram localizadas nos arquivos consultados sobre a cidade de Recife. Os barcos que a autora pega ao longo do seu périplo são galeotas, vapores e outro bergantim. Procurando novamente nos artigos e anúncios dos jornais da época na hemeroteca da Biblioteca Nacional, descobri que o vapor “Impératrice du Brésil” era a barca “Imperatriz do Brasil” (Chaves, 91). Segundo o texto, apesar das imprecisões de geolocalização, Alexandrine Langlet embarcou em Salvador para a cidade de Le Havre na França em 22 juin 1852 no navio Léoni que localizei na Hemeroteca da BN (Biblioteca Nacional) como sendo um bergantim francês cujo nome exato era “Jeune Léonie”. Quanto ao “Lélie”, a autora embarcou em seguida ao sair de Le Havre em direção a Bordeaux, supostamente por volta dos dias 29-30 de agosto de 1952. Embora não localizasse o nome do navio sendo um navio local francês, escolhi manter o nome em francês na tradução para o português. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 181 Tradução e ética: a problemática da retroconversão A questão da intraduzibilidade poderia ter tomado conta da nossa concepção de tradução, já que não consegui desvendar os referentes de muitos topônimos ou outros nomes próprios brasileiros na passagem para a cultura brasileira, que ironicamente deveria ser a origem de todos eles. Contudo, parti da premissa que qualquer texto pode ser traduzido, pois considero o texto traduzido como um outro texto, construído e constituído a partir de um texto preexistente, que lhe é, portanto, anterior, o texto de partida, no nosso caso o relato de viagem de Alexandrine Langlet-Dufresnoy. Referências Broc, Numa. Dictionnaire illustré des explorateurs et grand voyageurs français du XIX siècle. Ed. CTHS, vol.3 Amérique. Paris, 1999. Brzozowski, Jerzy. Rêve Exotique. Images du Brésil dans la Littérature Française (1822-1888). Cracovie, Faculté de Lettres de l»Université Jagellonne, 2001. Carvalho, Marcus J. M. de. “Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849”. Rev. Bras. Hist. v. 23 nº 45, 2003. https:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882003000100009. Carvalho, Moacyr Ribeiro de. Dicionário de Tupi (Antigo)-português. Salvador: Biblioteca Digital Curt Nimuendajú, 1987. http://etnolinguistica.wdfiles.com/ local--files/biblio%3Acarvalho-1987-dicionario/Carvalho_1987_DicTupiAntigoPort_OCR.pdf. Chaves, Cleide de Lima, De um porto a outro: a Bahia e o Prata (18501889). Dissertação de Mestrado, UFBA, 2001. https://ppgh.ufba.br/tesesdissertacoes?title=&field_autor_a_value=&field_ano_de_publicacao_ value=&field_modalidade_objetos_value=All&page=4. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 182 Marie Helene Catherine Torres Cronin, Michael. Eco-translation. Translation and Ecology in the Age ofthe Anthropocene. London: Routledge, 2017. FUNAI. http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/4832-livrode-antropologa-reune-mitos-e-lendas-do-povo-tapayuna. Guerreiro Isaac. “Conheça aguardentes e licores de frutas da Amazônia”. Jornal Amazônia, 16/07/2016. http://amazonia.org.br/2016/07/conheca-aguardentes-elicores-de-frutas-da-amazonia/. Hemeroteca Nacional Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. http:// bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/. Jornal do Commercio (RJ), edição 00187 (1) de 1837, seção “Movimento do Porto”. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader. aspx?bib=364568_02&pasta=ano%20183&pagfis=9226. Langlet-Dufresnoy, A. Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine. Préface par M. Paul Le Gay. Bordeaux : imp . G . Chariol , 1861. https:// data.bnf.fr/10571081/mme_langlet-dufresnoy/. Mapas : https://www.bn.gov.br/ acontece/exposicoes/2015/07/historica-cartographica-brasilis-biblioteca-nacional. Potelet, Jeanine. Le Brésil vu par les voyageurs français, 1816-1840. Paris, L”Harmattan, 1993. Povos Indígenas no Brasil. Quadro geral dos povos. https://pib.socioambiental. org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos. Roche, Jean-Michel. Dictionnaire des Bâtiments de la Flotte de Guerre Française de Colbert à nos jours. Toulon : Impr. Maury, 2005. http://www.netmarine.net/ livres/dico/tome1-a.pdf. Silva, Danuzio Gil Bernardino da (Org). Os diários de Langsdorff, vol 3, 21 de novembro de 1826 a 20 de maio de 1828. Trad. Márcia Lyra Nascimento Egg et alii. Campinas: Associação Internacional de Estudos Langsdorff. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1997. Vol. 3. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 183 Tradução e ética: a problemática da retroconversão Siou, Gilbert. Les Célestes, Histoires de femmes. Ed. du désir, 2017. Site do Governo do Estado de Pernambuco. “O Recife, Histórias de uma cidade”. http:// www.recife.pe.gov.br/cidade/projetos/historia/cap3/cap3-box5.html Marie Helene Catherine Torres. E-mail: marie.helene.torres@gmail.com. https:// orcid.org/0000-0001-9263-0162. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 174-184, jan/jul, 2021. 184 Tradução de Marie Helene Catherine Torres https://10.5007/2175-7968.2021.e84953 QUINZE ANS AU BRÉSIL OU EXCURSIONS À LA DIAMANTINE Alexandrine Langlet-Dufresnoy Tradução de: Marie Helene Catherine Torres1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/ CNPq Langlet-Dufresnoy, Mme. Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine, Bordeaux : Imprimerie G. Chariol, 1861. Langlet-Dufresnoy, Mme. Quinze anos no Brasil ou Excursões no Diamantino, Bordeaux : Imprimerie G. Chariol, 1861. CHAPITRE III CAPÍTULO III […] […] Les hangars que nous avons établis autour de notre maison, étant en paille de cocotier, et ne nous mettant point à l’abri de la pluie, nous devînmes tous malades. Je fus moi-même atteinte d’une fièvre maligne qui me rendit presque folle. L’état de faiblesse dans lequel je me trouvais, ne me permettait pas seulement de me tenir debout. Un jour, mon mari tua un Agre, espèce de veau qui porte une trompe comme Os galpões que montamos ao redor de nossa casa, feitos de palha de coco, e não protegendo da chuva, todos nós ficamos doentes. Eu mesmo fiquei doente com uma febre maligna que quase me deixou louca. O estado de fraqueza em que eu me encontrava não me permitia ficar em pé. Um dia, meu marido matou uma Anta, espécie de bezerro com tromba como a do elefante, foi nesta caça que foi pego por um Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 185 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy l’éléphant, c’est à cette chasse qu’un violent accès de fièvre le saisit ; ne pouvant rapporter lui-même cet animal, il chargea quelqu’un de ce soin et revint bientôt pour se mettre au lit. —Un de nos associés, M. Lalaine, succomba à la fièvre, trois jours après il fut inhumé, dans le bois voisin, par nos gens qui nous laissèrent ignorer cette circonstance pour ne pas effrayer mon mari qu’on avait placé dans une chambre séparée de la mienne. Vu le peu d’espace que nous avions, nous reçûmes le conseil de partir, on nous transporta en conséquence au Couritisa, pour recevoir les secours que nécessitait notre malheureuse position. Nous fîmes le trajet dans un palanquin, espèce de brancard, porté sur les épaules, et qui nous fut envoyé par les bons habitants de la localité. violento ataque de febre; não sendo capaz de trazer o animal de volta ele mesmo, encarregou alguém da tarefa e logo voltou para ficar acamado. Um de nossos sócios, o Sr. Lalaine, sucumbiu à febre, e três dias depois foi enterrado, na floresta próxima, por nossa gente, que nos deixou ignorar esta circunstância para não assustar meu marido que estava num quarto separado do meu. Fomos aconselhados a ir embora devido ao espaço limitado que tínhamos, por isso fomos levados para uma cidade próxima, para receber a ajuda de que precisávamos. Fizemos a viagem num palanquim, uma espécie de maca, carregada sobre os ombros, que nos foi enviada pelo bom povo do local. M. Blanc, l’un des associés, qui nous accompagnait fut tellement accablé par la fièvre qu’il pouvait à peine se tenir à cheval, il mourut au mois de mars suivant, au Couritisa, petite bourgade située sur les bords de la rivière Sainte-Anne. Hélas ! mon mari succomba, lui aussi, au terrible fléau, le 28 avril 1844 !... O Sr. Blanc, um dos sócios, que nos acompanhava, ficou tão abatido pela febre que mal conseguia andar a cavalo, e morreu no mês de março seguinte numa cidadezinha situada nas margens do rio Santana. Infelizmente! meu marido também sucumbiu à terrível epidemia em 28 de abril de 1844!... En nous transportant dans cette Quando nos trouxeram para esta cibourgade l’on avait pensé que dade, pensaram que o ar puro que Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 186 Tradução de Marie Helene Catherine Torres l’air pur qu’on y respirait nous serait salutaire. Cruelle déception ; j’étais là, dans la même maison que mon mari, souffrant horriblement comme lui, séparé de lui, et sans pouvoir lui porter aucun secours !... Dès que je fus convalescente, on me reconduisit à la Diamantine. J’ignorais alors le coup fatal qui venait de me frapper. respiraríamos nos seria benéfico. Cruel decepção; eu estava lá, na mesma casa que meu marido, sofrendo horrivelmente como ele, separada dele, e sem poder dar-lhe nenhuma ajuda!... Assim que fiquei convalescente, fui levada de volta para Diamantino. Naquela época não estava ciente do golpe fatal que acabara de me atingir. Je fus placée chez un capitaine espagnol, castillan d’origine, dont les soins assidus me ramenèrent peu à peu à la vie. Ce fut là que la mort de mon mari me fut annoncée... A cette triste et poignante nouvelle je retombai dans un état tout-à-fait désespéré. Dans quelle affreuse position me trouvai-je tout à coup plongée ; seule, sans secours, sans appui, sans famille !... J’envisageai alors toute la plénitude de mon malheur; cinq mois s’écoulèrent sans que je pusse me rétablir. Enfin, les grands soins dont on m’entoura, les visites nombreuses et consolantes que me firent les Dames de La Diamantine, adoucirent peu à peu mes douleurs ; douleurs que je suis loin de décrire dans cette triste narration de mes infortunes !... La santé me revint enfin, et je partis pour Couyaba, sous la conduite d’un Reador, ou nègre conducteur. Nous fîmes jusqu’à Fui colocada na casa de um capitão espanhol, de origem castelhana, cujos cuidados assíduos me trouxeram de volta à vida pouco a pouco. Foi então que me disseram que meu marido tinha morrido... Com esta chocante e triste notícia, cai em estado de desespero. Em que posição terrível me encontrava de repente; sozinha, sem ajuda, sem apoio, sem família... Imaginava toda a plenitude de meu infortúnio; cinco meses se passaram sem que eu conseguisse me recuperar. Finalmente, o grande cuidado com que fui cercado, as numerosas e consoladoras visitas que as Damas de Diamantino me fizeram, amenizaram pouco a pouco minhas dores; dores que estou longe de descrever nesta triste narração dos meus infortúnios!... A saúde finalmente melhorou, e fui embora para Cuiabá, sob a direção de um remador, ou guia negro. Fizemos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 187 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy trente-trois lieues en trois jours ; j’étais tellement fatiguée, à la fin de troisième, que mon conducteur se vit forcé de me déposer dans une Église, faute de me trouver un local plus convenable. Cette Église qui affectait la forme oblongue, avait une large nef, au fond de laquelle brillait une lampe funèbre dont la lueur vacillante et fumeuse, ajoutait-à mes terreurs sans cesse renaissantes, et montrait à ma faible imagination des visions et de fantastiques apparitions. trinta e três léguas em três dias; ao final do terceiro dia, eu estava tão cansada que meu guia foi obrigado a me deixar numa igreja, pois não conseguiu encontrar um lugar mais adequado. Essa Igreja, de forma oblonga, tinha uma nave ampla, no fundo da qual brilhava um lampião fúnebre cujo brilho vacilante e fumegante aumentava os meus terrores sempre recorrentes, e mostrava à minha fraca imaginação visões e fantásticas aparições. A mon départ de la Diamantine, j’avais laissé, chez un nègre, nommé Joseph Paya, tous mes bagages, mes bêtes de somme et les effets dont je ne pouvais me débarrasser. Des faibles ressources pécuniaires ne me permettait pas de composer une nouvelle troupe, car dans ces contrées lointaines où la fièvre décime la plupart des étrangers, l’une des conditions essentielles pour réussir et gagner quel qu’argent est de jouir d’une excellente santé, sans cela vos fonds se dépensent en achat de remèdes. — Je me vis donc forcée de retourner dans la province de Couyaba; de là, je devais me rendre à Rio-Janeiro. Chacun alors songea à s’opposer à mon départ, et à m’épouvanter de toutes les manières, les uns me Quando saí de Diamantino, deixei toda minha bagagem, meus animais de carga e meus pertences, dos quais não conseguia me livrar, com um negro chamado Joseph Paya. Como meus recursos financeiros limitados não me permitiram montar uma nova tropa, porque nestas terras distantes onde a febre dizima a maioria dos estrangeiros, uma das condições essenciais para o sucesso e ganho de qualquer dinheiro é gozar de excelente saúde, caso contrário seus fundos são gastos na compra de remédios. Então, fui obrigada a voltar para a província de Cuiabá; de lá, devia seguir para o Rio de Janeiro. Todos então pensaram em se opor à minha partida, e em me assustar de todas as maneiras, al- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 188 Tradução de Marie Helene Catherine Torres disaient que je serais enlevée par les sauvages ; d’autres ajoutaient que je pouvais être assassinée par ceux-là même qui me conduiraient. Il est impossible enfin, d’énumérer les craintes qu’on me suggéra. guns diziam que seria sequestrada pelos selvagens; outros acrescentavam que poderia ser assassinada por aqueles que me conduziriam. É impossível enumerar os medos que me foram sugeridos. Je partis néanmoins. — Un jour, le Réador, mon conducteur, étant entré dans un bois, avec son fusil, je crus un instant qu’il allait charger son arme pour me tuer et me jeter ensuite dans quelque précipice. —Je pressai en conséquence le pas des mules sur lesquelles étaient placées mes malles. Mais, bientôt je le vis accourir vers moi, portant avec lui un mouyar, espèce de citron, qu’il me donna. Qu’on ne me blâme pas de ma peur, car, me trouvant seule avec ce conducteur, j’étais perdue s’il eût eu de mauvaises intentions ! Aussi m’étais-je résignée à mon sort et n’avais-je de véritable espoir que dans la Providence. Je dois le dire, cependant, durant le long voyage que nous fîmes ensemble (nous parcourions dix lieues chaque jour) je n’ai eu qu’à me louer de la conduite de cet homme. – Après avoir traversé trois fois la grande rivière du Paraguay, nous arrivâmes à Couyaba. Je demeurai dix-huit mois, environ, dans cet endroit, le major Chavier, portugais de naissance, No entanto, fui embora. Um dia o Remador, meu guia, entrou na floresta com seu fúsil, e pensei por um instante que ia carregar a sua arma para me matar e me jogar depois em algum precipício. Apressei o passo das mulas sobre as quais minhas malas foram colocadas. Mas logo o vi correr na minha direção com um maracujá, espécie de limão, que me entregou. Que ninguém me culpe por ter medo, pois, estando sozinha com o guia, estaria perdida se ele tivesse alguma má intenção! Portanto, estava resignada com o meu destino e só tinha esperança na Providência. Devo dizer, entretanto, que na longa viagem que fizemos juntos (viajávamos dez léguas por dia) eu só posso elogiar a conduta deste homem. Depois de cruzar três vezes o grande rio do Paraguai, chegamos em Cuiabá. Fiquei lá por cerca de dezoito meses, e lá o Major Chavier, um português de nascimento, um dos grandes do país, a quem meu marido e eu fomos recomendados, me deu asilo; fiquei na casa Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 189 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy l’un des grands du pays, auquel mon mari et moi avions été recommandés, m’offrit un asile chez lui ; j’y restai pendant six mois et les plus grands soins me furent prodigués. Ce temps expiré, je louai une petite maison et me livrai aux travaux de la couture, j’appris à faire des chapeaux et à empailler, je pourvoyais par ce travail à mon entretien et j’indemnisais en même temps l’épouse de M. Chavier, des nombreuses bontés qu’elle avait pour moi. dele por seis meses, onde recebi os maiores cuidados. Quando esse tempo acabou, aluguei uma casinha e comecei a costurar, aprendendo a fazer chapéus e empalhamentos, e com esse trabalho, me mantinha e ao mesmo tempo indenizei a esposa do Sr. Chavier pelas bondades que tinha comigo. C’est dans cette ville que je rencontrai M. le Comte de Castelnau, envoyé extraordinaire de S. M. Louis Philippe, à la cour du Brésil, chargé d’une mission spéciale et scientifique. Il était accompagné d’un Vicomte, d’un docteur et d’un empailleur. Qu’elle fut leur surprise de rencontrer une Dame française dans ces parages ; je leur cédai plusieurs oiseaux empaillés dont ils furent très satisfaits. Touchés de mes malheurs, ils eurent l’obligeance de m’offrir de retourner avec eux. Je les en remerciai avec reconnaissance. Ils partirent pour Moerie, où je les rencontrai plus tard ; j’eus encore l’occasion de les revoir dans plusieurs autres endroits, et de leur témoigner ma gratitude pour leurs soins et leurs offres bienveillantes. Foi nesta cidade que conheci o Conde Francis de Castelnau, o enviado extraordinário de Sua Majestade Luís Filipe I, na corte do Brasil, encarregado de uma missão especial e científica. Era acompanhado por um Visconde, um médico e um empalhador. Como ficaram surpresos ao encontrar uma senhora francesa nas proximidades; lhes dei várias aves empalhadas com as quais eles ficaram muito satisfeitos. Tocados pelos meus infortúnios, tiveram a gentileza de me convidar para voltar com eles. Fiquei muito agradecida. Foram embora e decidi que os encontraria mais tarde; ainda tive a oportunidade de revê-los em vários outros lugares, e demonstrar-lhes minha gratidão pelos seus cuidados e benevolência. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 190 Tradução de Marie Helene Catherine Torres Si je restai aussi longtemps à Couyaba, c’est que j’espérais savoir si mes bagages avaient été vendus et dans le cas contraire, trouver quelques personnes pour gagner l’endroit où je les avais laissés. J’avais fait la connaissance de M. le Président, il m’avait accordé sa protection, j’obtins aussi celle de l’Évêque par la même occasion. Un jour, le Président me demanda si je voulais partir avec le major Polipair qui, né d’une mère française, quoique brésilien de naissance et de très bonne famille, était envoyé à Rio Janeiro en qualité d’Ingénieur pour ouvrir une route. J’acceptai avec joie, tout était prêt pour notre départ, lorsque le major Polipair tomba malade, atteint d’une fluxion de poitrine ; ce contretemps dérangea mes projets jusqu’au jour où je pus adopter une autre manière de partir. Je fis plus tard des arrangements avec M. Jouquedaco, commissionnaire, pour me rendre au Para, malgré l’avis du Président qui m’observa que le climat était tout-àfait insalubre, que la navigation était des plus pénibles à cause des cascades que l’on rencontrait à chaque instant, que les Rivières nombreuses et les accidents de terrain offraient également des obstacles difficiles à surmonter. Bref, il fit tous ses efforts pour m’empêcher de me mettre en A razão pela qual fiquei tanto tempo em Cuiabá foi porque esperava descobrir se minha bagagem havia sido vendida e, caso contrário, encontrar alguém para apanhá-las onde a havia deixado. Havia conhecido o Presidente, ele me deu a sua proteção, que também obtive do Bispo na mesma ocasião. Um dia o Presidente me perguntou se eu queria ir embora com o Major Polipair que, nascido de uma mãe francesa, embora brasileiro de nascimento e de boa família, estava sendo enviado ao Rio de Janeiro como Engenheiro para abrir uma estrada. Aceitei de bom grado, tudo estava pronto para nossa partida, quando o Major Polipair adoeceu por causa de uma inflamação do pulmão; este contratempo perturbou meus planos até o dia em que pude encontrar outra maneira de ir embora. Mais tarde tomei providências com o Sr. Jouquedaco, despachante, para ir até o Pará, apesar da opinião do Presidente que observou que o clima era bastante insalubre, que a navegação era muito complicada por causa das cachoeiras encontradas o tempo todo, que os numerosos rios e o solo irregular também ofereciam obstáculos difíceis de superar. Resumindo, fez todos os esforços para me impedir de ir embora; chegou ao Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 191 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy route ; il alla même jusqu’à refuser de me viser mon passeport. Mais comme cette voie était la plus courte pour moi, et bien que le pays fût sauvage et le parcours très dangereux, j’insistai tellement, que j’eus bientôt le plaisir d’obtenir son adhésion. ponto de se recusar a me dar o visto no passaporte. Mas como este era o caminho mais curto para mim, e embora o país fosse selvagem e o percurso muito perigoso, insisti tanto, que logo tive o prazer de conseguir sua aprovação. Je partis donc en compagnie de deux cents nègres pour revoir une deuxième fois la Diamantine, et arriver au port des Arrines, situé à sept lieues de là. L’endroit est très mal sain, nous nous embarquâmes le troisième jour, et allâmes coucher dans un bois, à peine étais-je endormie que j’entendis les hurlements d’un tigre, ce qui me causa une frayeur impossible à décrire. Comme par crainte et répugnance, je m’étais éloignée de la troupe des nègres pour reposer tranquillement, je jugeai prudent, de l’avis du chef, de m’entourer de quelques gardes et de leur laisser allumer un grand feu. La lueur de la flamme empêcha, en effet, le tigre de nous incommoder davantage. Fui na companhia de duzentos negros para rever pela segunda vez Diamantino, e chegar ao porto do Arinos, localizado a sete léguas de distância. O lugar é muito insalubre, embarcamos no terceiro dia e dormimos na floresta, mal tinha adormecido quando ouvi o berro de um tigre, o que me deu um susto impossível de descrever. Por medo e repugnância, me afastei da tropa de negros para descansar tranquilamente, achei prudente, na opinião do chefe, cercar-me de alguns guardas e deixá-los acender uma grande fogueira. O clarão da chama impediu que o tigre causasse qualquer inconveniente. Pendant toute notre pérégrination sur la rivière des Arrines, nous fûmes cruellement tourmentés par les moustiques, les maringouins, les bourachandes et mille autres insectes qui nous sucèrent le sang, et réduisirent notre corps à l’état de Durante nossa peregrinação no rio Arinos, fomos cruelmente atormentados pelos mosquitos, pernilongos, borrachudos e mil outros insetos que sugaram nosso sangue e reduziram nosso corpo a esqueletos. Enquanto comíamos, tínha- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 192 Tradução de Marie Helene Catherine Torres squelette. Il fallait, en mangeant, tenir sa fourchette d’une main et de l’autre, chasser les insectes avec un éventail de plumes d’oiseaux. — Nous quittâmes cette rivière pour suivre le cours d’une autre qui nous conduisit aux cascades. mos que segurar nossos garfos de uma mão e afastar os insetos com um leque de penas de pássaros. Deixamos este rio para seguir o leito de outro que nos levou às cachoeiras. La première cascade que nous eûmes à franchir fut celle des DeuxJumeaux, elle est très dangereuse ; il faut arriver, juste à force de rames, entre les deux rochers qui la bordent, si on veut éviter un accident ; la deuxième fut le Saltauguste, que l’on ne peut traverser qu’en canot. L’arrivage au port est très périlleux à cause du courant qui vous entraîne, l’on risque fort de se briser sur les rochers et de périr si les plus grandes précautions ne sont pas observées ; après avoir pris nos bagages nous fûmes obligés de les porter nousmêmes, de hâler nos canots à terre et de les trainer à notre suite. Nous nous dirigeâmes vers le port voisin, mais, chemin faisant nous tombâmes dans une tribu d’indiens, appelée la nation Géroine; c’est là que je vis le plus bel aigle que j’aie jamais rencontrer ainsi qu’un canot formé d’une seule écaille de tortue, et dans lequel quatre personnes naviguaient sur le fleuve. Je remarquai aussi, à l’entrée des cases une allée de cocotiers A primeira cachoeira que tivemos que atravessar foi a dos Dois Gêmeos, é muito perigosa; é necessário chegar, apenas com remos, entre dois penhascos que a cercam, para evitar um acidente; a segunda foi a de Salto Augusto, que só se pode atravessar de canoa. Chegar ao porto é muito perigoso por causa da corrente que puxa, arriscando-se a quebrar-se nos penhascos e perecer se as maiores precauções não forem observadas; após pegar nossa bagagem, fomos obrigados a carregá-la nós mesmos, a arrastar nossas canoas para a terra firme e empurrá-la. Chegamos ao porto vizinho, mas no caminho encontramos uma tribo de índios da Nação Apiaka: foi neste lugar que vi a mais bela águia, e uma canoa formada de uma única carapaça de tartaruga na qual quatro pessoas navegavam no rio. Notei também, na entrada das ocas, um caminho de coqueiros cujo alinhamento, regularidade e simetria não deixam Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 193 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy dont l’alignement, la régularité et la symétrie ne laissent rien à désirer, et auprès de laquelle ne pourraient se comparer les plus belles plantations de l’Europe. Les naturels furent bien surpris de notre arrivée, et contre notre attente, ils s’empressèrent de nous être utiles autant qu’ils le purent, nous y passâmes la nuit. nada a desejar, e com o qual as mais bonitas plantações da Europa não podiam ser comparadas. Os nativos ficaram muito surpresos com nossa chegada e, fora das nossas expectativas, se apressaram para ser úteis o quanto puderam, passamos a noite com eles. Nous prîmes des cordes pour passer la cascade de Salle-le-Grande, et nous rencontrâmes une autre tribu d’indiens très curieuse à observer ; je ne sais s’ils connaissent les blancs, mais ce qu’il y a de certain, c’est qu’ils voulaient me visiter entièrement. — Il est impossible de franchir cette cascade, dont le bruit de la chute s’entend à plus d’une lieue à la ronde ; on aperçoit de loin l’épais brouillard que fait l’eau en se précipitant avec fracas, ce fut la plus mauvaise de notre voyage. Nous fûmes obligés de mettre nos marchandises à terre et de hisser nos canots au-dessus de la cascade pour arriver à un nouveau port. Usamos cordas para atravessar a cachoeira Grande, e encontramos outra tribo de índios que estava muito curiosa de se observar; não sei se eles conhecem os brancos, mas queriam com certeza me visitar inteiramente. É impossível ultrapassar esta cachoeira, cujo barulho da queda pode ser ouvido por mais de uma légua; a densa névoa da água descendo com estrondo é visível à distância, foi a pior de nossa viagem. Tivemos que colocar nossas mercadorias no chão e içar nossas canoas sobre a queda d’água para chegar a um novo porto. Le cours de ces rivières est bordé de montagnes et de bois; les malheureuses tribus indiennes qui les habitent, sont d’autant plus à plaindre, qu’elles ne vivent que de poissons, de légumes et de racines ; elles n’ont Na beira desses rios há montanhas e florestas; as infelizes tribos indígenas que os habitam estão em triste situação, pois vivem apenas de peixes, vegetais e raízes; não têm nenhuma noção de civilização, e nada Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 194 Tradução de Marie Helene Catherine Torres aucune notion de la civilisation et rien ne les séduit ni ne les captive; quant à la religion, ces sauvages n’en connaissent aucune, ils passent leurs temps à apprivoiser des oiseaux qu’ils parent de différents plumages, les oiseaux sont tellement privés et familiers, qu’ils partent le matin et reviennent le soir à leur habitation. — Ces indiens sont tous dans un état complet de nudité primitive. os seduz ou os cativa; quanto à religião, esses selvagens não conhecem nenhuma, passam o tempo domesticando pássaros que adornam com diferentes plumagens, os pássaros são tão particulares e familiares, que saem pela manhã e retornam à noite para casa. Esses índios estão todos em completo estado de nudez primitiva. Pour rejoindre l’autre port, nous fûmes obligés de traverser des terrains fangeux et marécageux, couverts de roseaux et de bambous ; nous avions parfois de la boue jusqu’aux genoux, j’étais contrainte alors de relever ma robe et de marcher nu-pieds, au risque de m’occasionner quelques blessures, et craignant à chaque instant de rencontrer un serpent ou tout autre reptile venimeux. Para chegar ao outro porto, tivemos que atravessar campos lamacentos e pantanosos, cobertos com juncos e bambus; às vezes estávamos na lama até o joelho, tinha que levantar meu vestido e andar descalço, correndo o risco de me machucar e temendo a cada momento encontrar uma cobra ou algum outro réptil venenoso. Arrivés au port, nous prîmes le Canal d’Enfer, cours de rivière qui va se jeter dans celle des Amazones. Force nous fut encore de descendre nos marchandises à terre, et de transporter nos canots de l’autre côté de la cascade. Nous en trouvâmes ensuite deux autres qui ne présentèrent pas d’aussi grands dangers, puis nous passâmes à force de rames, et non sans quelques difficultés, la cascade Quando chegamos ao porto, pegamos o Canal do Inferno1, um rio que vai desaguar no rio Amazonas. Tivemos novamente que tirar nossas mercadorias e transportar nossas canoas para o outro lado da cachoeira. Encontramos mais adiante duas outras cachoeiras que não eram tão perigosas, e remamos através das cachoeiras, não sem alguma dificuldade. Uma das cachoeiras, embo- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 195 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy nommée Sainte-Aburse. Celle de Sainte-Elise, sans être trop périlleuse, nécessite néanmoins beaucoup d’adresse pour la franchir car lorsque, les courants sont forts, si le pilote dévie tant soit peu de sa route, le canot va donner sur un rocher et se brise infailliblement. ra não seja muito perigosa, requer muita habilidade para cruzá-la, pois quando as correntes são fortes, se o piloto desviar do seu curso, mesmo que ligeiramente, a canoa entrará num penhasco e quebrará de certo. La cascade de Saint-Simon présente également de grands dangers, sa chute d’eau est de six pieds ; auprès de ces cascades existent des trous très profonds, semblables à des gouffres, les eaux y forment des tourbillons qui engloutissent les canots et ceux qui les dirigent. Aussi, est-on obligé dans les grandes crues d’eau de les hâler à terre et de les transporter à bras. — Ces localités désertes resteront longtemps dans l’isolement, car jusqu’à présent nulle voie n’a été encore tracée pour les parcourir. Tantôt ce sont des déserts sablonneux, tantôt des montagnes arides ou couvertes de bois épais, et souvent des torrents qui forment des rivières ; de plus vous êtes exposé à tomber entre les mains de peuples anthropophages qui peuvent vous dévorer sans pitié et enfin, vous ayez à redouter la rencontre des tigres, des lions, des panthères, da terrible Boa ou d’autres animaux sauvages dont le pays est infesté. — Oui, A cachoeira de São Simão também apresenta grandes perigos, sua queda d’água mede seis pés; perto dessas cachoeiras existem buracos muito profundos, semelhantes a abismos, as águas formam redemoinhos que engolem as canoas e aqueles que as dirigem. Quando há grandes enchentes de água, é obrigado colocá-las na terra firma e transportá-las no braço. Estas localidades desertas permanecerão isoladas por muito tempo, porque até agora ainda não foi traçada nenhuma via para percorrê-las. Às vezes são desertos arenosos, às vezes montanhas áridas ou montanhas cobertas por espessas florestas, e muitas vezes por torrentes que formam rios; além disso, você pode cair nas mãos de povos antropófagos que podem devorá-lo sem piedade e, finalmente, você tem que temer o encontro com tigres, leões, panteras, a terrível jiboia ou outros animais selvagens que infestam o país. Sim, muitos sé- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 196 Tradução de Marie Helene Catherine Torres bien des siècles s’écouleront encore avant que ces peuples aient goûté les douceurs de la civilisation. Berçonsnous cependant du consolant espoir que le soleil de la foi après avoir éclairé notre vieille Europe, ira aussi répandre sur eux sa fécondante lumière. N’est-ce pas le sort réservé à toutes les nations, et à un moment donné, ne sont-elles pas toutes appelées à jouir des bienfaits du christianisme et de la civilisation ! culos ainda passarão antes que estes povos tenham provado a doçura da civilização. Vamos, entretanto, nos consolar com a esperança de que o sol da fé, depois de ter iluminado nossa velha Europa, também espalhará sua luz fecundante sobre eles. Não será este o destino reservado a todas as nações e, em algum momento, não serão todas chamadas a usufruir dos benefícios do cristianismo e da civilização? En vue de la cascade de Saint-Simon, j’y courus le plus grand danger de ma vie; une dame nommée Lamazone, m’avait priée, quand je passerais à cet endroit, d’aller visiter le tombeau de son mari, décédé depuis un an (ces personnes avaient voulu, jadis, entreprendre de civiliser les sauvages) ; je le lui avais promis; je me mis donc à la recherche de cette sépulture, et, accompagnée de naturels, tous anthropophages, je marchai résolument avec eux, sans prévenir les gens de mon absence après avoir parcouru en tous sens les collines et les bois, je ne trouvai point l’objet de mes investigations. Les sauvages, dont j’ignorais le langage, me faisaient comprendre par signes, qu’il fallait aller plus loin, j’allais, je revenais et faisais toutes les recherches possibles, Avistamos a cachoeira de São Simão onde corri o maior perigo da minha vida; uma senhora chamada Lamazone, ao passar por ali, me pediu para visitar o túmulo de seu marido, falecido fazia um ano (essas pessoas quiseram, no passado, civilizar os selvagens); prometi que iria; então, parti em busca deste túmulo e, acompanhada por nativos, todos antropófagos, caminhei com eles, sem avisar as pessoas da minha ausência, após ter andado em toda parte pelas colinas e florestas, não encontrei o objeto das minhas investigações. Os selvagens, cuja língua eu não conhecia, me fizeram entender por sinais, que era necessário ir mais longe, fui, voltei e fiz todas as buscas possíveis, mas sempre em vão. Andávamos desde manhã, e estávamos nos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 197 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy mais toujours sans succès. Nous marchions à l’aventure depuis le matin, et nous nous éloignions de plus en plus de notre campement, cependant les naturels m’engageaient toujours à pénétrer plus avant dans le pays, il était alors quatre heures du soir environ ; voyant que cette excursion était sans résultats, je songeai décidément au retour, malgré l’insistance de mon escorte à me faire aller plus loin. Bien m’en prit, comme je l’ai appris depuis, car les sauvages cherchaient à m’entraîner dans leur affreux repaire pour me tuer et me manger ensuite. afastando cada vez mais do nosso acampamento, no entanto, os nativos estavam sempre me incitando a ir mais longe no interior; eram cerca de quatro horas da noite, e vendo que esta excursão estava sem resultados, pensei seriamente em voltar, apesar da insistência da minha escolta. Sábia decisão, como soube depois, pois os selvagens tentaram me atrair para seu terrível covil para me matar e finalmente me comer. Dans la nuit mes gens ayant remarqué mon absence, se mirent en route, les uns d’un côté les autres d’un autre, et parvinrent enfin à me retrouver. — Ce qui me confirma dans cette pensée que les naturels avaient de mauvaises intentions à mon égard, c’est qu’à l’approche des personnes de ma suite, ils s’enfuirent tous précipitamment, dans la crainte sans doute qu’on eut connaissance de leurs sinistres desseins. — Mes gens m’adressèrent de sévères remontrances au sujet de mon imprudence en me dépeignant le sort qui aurait pu m’être réservé. Ces craintes et ces dangers, je les compris alors ; j’en frémis encore d’épouvante. — Malgré les précipices Durante a noite, minha gente, tendo notado minha ausência, foi me buscar, uns de um lado e os outros do outro, até que me encontraram. O que confirmou meu pensamento de que os nativos tinham más intenções comigo; à medida que as pessoas na minha comitiva se aproximavam, fugiram todos com pressa, temendo, sem dúvida, que suas intenções sinistras fossem desvendas. Minha gente me criticou severamente pela minha imprudência, avisando do destino que poderia ter acontecido. Entendi então esses medos e perigos; ainda estremeço de horror. Apesar dos precipícios e dos terríveis caminhos que tínha- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 198 Tradução de Marie Helene Catherine Torres et les chemins affreux que nous avions à parcourir pour retourner à la cataracte de Saint-Simon, nous nous armâmes de courage et y arrivâmes pendant la nuit. Tout le monde était dans la plus grande inquiétude mon sujet, aussi avait-on allumer des feux de tous côtés pour nous indiquer les chemins et nous faire connaitre le lieu de notre campement. — Dès que je me vis hors de péril et au milieu de notre troupe, je me mis à réfléchir aux dangers auxquels mon inconséquence et mon inexpérience m’avaient exposée, et, alors je l’avoue, j’en peur ; la fièvre s’empara de moi, je ne pus prendre aucune nourriture, et lorsque je voulus goûter le repos dont j’avais grandement besoin, mille images effrayantes vinrent troubler mon sommeil. Cette nuit fut l’une des plus mauvaises que je passai dans ces tristes et désertes solitudes. mos que percorrer para voltar à cachoeira São Simão, nos armamos de coragem e chegamos lá durante a noite. Todos estavam muito preocupados comigo, por isso foram acesas fogueiras por todos os cantos para nos indicar o caminho e o lugar do acampamento. Assim que estava fora de perigo, e no meio da nossa gente, comecei a pensar sobre os perigos que minha inconsequência e inexperiência me colocaram, e confesso que tive medo; a febre tomou conta de mim, não pude experimentar nenhuma comida, e quando quis provar a janta de que tanto precisava, mil imagens assustadoras vieram perturbar meu sono. Aquela noite foi uma das piores que passei nessas tristes e desertas solidões. Le lendemain, ayant remis à l’eau nos trois canots, nous nous laissâmes aller au gré du courant jusqu’à la cascade appelée Sainte-Gabrielle. Là, de nouveaux malheurs nous étaient réservés ! — Le canot que je montais avec une soixantaine de nègres, vint à toucher sur un récif et s’entrouvrit ; nos noirs, très bons nageurs, se tirèrent parfaitement d’affaire, quant à moi, je fus sauvée par quatre No dia seguinte, tendo colocado nossas três canoas de volta na água, nos deixamos levar pela corrente até a cachoeira São Gabriel. Lá, novos infortúnios nos aguardavam! A canoa onde eu estava com cerca de sessenta negros, tocou um recife e se abriu; nossos negros, muito bons nadadores, escaparam sem problema; quanto a mim, fui salva por quatro deles, que, esquecendo Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 199 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy d’entre eux, qui oubliant leurs propres dangers, coururent à mon secours, me saisirent par ma robe et me déposèrent sur un rocher, où ils me prodiguèrent leurs soins jusqu’à l’arrivée de nos gens; nous restâmes pendant quatre heures dans cette situation critique, après avoir perdu toutes nos vivres. Cependant nous parvînmes à retirer de l’eau notre canot brisé, et nous le portâmes dans une petite île pour le radouber, cet accident nous y fit séjourner plus de quinze jours, nous partîmes en fin un soir, après avoir allumé des bois résineux pour nous éclairer jusqu’au lieu de l’embarcation ; deux jours après nous traversions le camp des Piarouracquoi, peuplade guerrière et dangereuse ; cependant je n’eus qu’à me louer de l’obligeance des femmes de cette tribu. seus próprios perigos, me socorreram, me agarraram pela roupa e me depositaram numa rocha, onde me cuidaram até a chegada da nossa gente; permanecemos por quatro horas nesta situação crítica, após termos perdido toda nossa comida. No entanto, conseguimos tirar nossa canoa quebrada da água, e a levamos para uma pequena ilha para que fosse reformada. Este acidente nos levou a ficar lá por mais de quinze dias, e saímos finalmente uma noite, após ter acendido uma madeira resinosa para nos iluminar até a embarcação; dois dias depois atravessávamos o acampamento de um povo guerreiro e perigoso; no entanto, eu só posso elogiar as mulheres desta tribo pela gentileza. CHAPITRE IV CAPÍTULO IV Suite du voyage des Cascades à Continuação da viagem das Catravers le désert et les tribus sauvages choeiras pelo deserto e pelas tribos selvagens do interior do Brasil. de l’intérieur du Brésil. Nous arrivâmes bientôt à la cascade de Mareigne-en-grand et Mareigneen-petit, deux passages assez dangereux ; nous ne fûmes point obligés néanmoins de hisser nos canots à terre. Nous vîmes dans ces parages une quantité considérable de Logo chegamos à cachoeira Grande Maranhão e Pequeno Maranhão, duas passagens bastante perigosas; não fomos obrigados, porém, a içar nossas canoas para terra firme. Vimos, naquela região, um número considerável de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 200 Tradução de Marie Helene Catherine Torres singes qui nous procurèrent le plaisir macacos que cruzaram um estreito para o nosso prazer. de les voir franchir un détroit. Ils se tiennent par la main, et à un signal de leur chef ils sautent tous sur l’autre bord, en s’attirant les uns les autres comme une bande d’oiseaux. Ils allaitent leurs petits comme les femmes ; aussi quand ils sont surpris, la femelle lance son enfant au mâle, comme une pelote, celui-ci le reçoit sur une branche, puis laissant à la guenon le temps de sauter plus loin, il lui jette à son tour le petit singe, et ainsi de suite, jusqu’à ce qu’ils l’aient mis en lieu de sûreté. – On rencontre également dans cette contrée beaucoup de tigres, de lions, de léopards, et plus particulièrement des andes, espèce de veau, muni d’une trompe comme l’éléphant. – Nous avions, à notre départ quatre chiens que nous ne pûmes garder qu’un mois, car ils s’enfonçaient à chaque instant dans l’épaisseur des bois, et un jour ils ne reparurent plus. Le dernier qui nous resta, pourtant, s’est perdu à la cascade d’Enfer, il est probable qu’il aura été dévoré par les bêtes sauvages. Rien ne cause autant de peur aux naturels que les chiens et les armes à feu ; ces deux moyens de défense suffisent pour les mettre en fuite. Se dão as mãos e, num sinal do líder, todos pulam para a outra margem, atraindo-se uns aos outros como uma revoada de pássaros. Amamentam seus filhotes como as mulheres; assim, quando são surpreendidos, a fêmea joga seu filhote para o macho, como uma bolinha, este a recebe num galho, dando à macaca o tempo para pular para mais longe, ele joga de volta o macaquinho, e assim por diante, até que esteja num lugar seguro. Encontram-se também neste país muitos tigres, leões, onças, e, particularmente, antas, uma espécie de bezerro, com tromba como o elefante. Quando saímos, tínhamos quatro cães que só pudemos manter por mais de um mês, porque estavam entrando a cada momento na espessa floresta, até que um dia não voltaram mais. O último, no entanto, foi perdido na cachoeira do Inferno, e foi provavelmente devorado pelas feras selvagens. Nada causa tanto medo aos nativos do que cães e armas de fogo; estes dois meios de defesa são suficientes para afugentá-los. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 201 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy Nous arrivâmes à la cascade de Loupouny qui n’offre rien de remarquable, il en est ainsi de plusieurs autres que nous traversâmes. Elles se jettent toutes dans la rivière de Sommidor, qui est à sec pendant un certain temps de l’année ; une autre déviation de cette rivière se perd dans le Tetentin. — Ce fut vers huit heures du matin que j’appris enfin que nous avions franchi toutes les cascades, et à midi, nous arrivions au port de BonJardine, à une demi-lieue de la petite ville de Taillidoules, toute la troupe débarqua et l’on transporte à terre nos marchandises. Chegamos à uma cachoeira que não oferece nada de notável, e foi assim com muitas outras que passamos. Todas desembocam no rio Sumidouro, que fica seco durante uma determinada época do ano cujo desvio se perde em outro rio. Foi perto das oito horas da manhã que finalmente soube que tínhamos atravessado todas as cachoeiras, e ao meio-dia chegamos ao porto de Bom Jardim, na beira do Rio Iriri, a meia légua de uma cidadezinha onde a tropa inteira desembarcou e transportou as mercadorias para a terra firme. — Une chose qui me surprit extraordinairement, à mon arrivée, ce fut de voir les habitants lancer en l’air une grande quantité de fusées. J’en demandai le motif à M. Blin, négociant, auquel j’avais été recommandée et qui m’accompagnait ; il me répondit que c’était pour fêter ma qualité d’étrangère que le peuple agissait ainsi, et que cette manifestation était un signe de réjouissance ; il ajouta qu’il regrettait de n’avoir pas avec lui son fusil, parce qu’il en eût tiré quelques coups. Pour témoigner notre sympathie aux habitants, et pour leur prouver que leur politesse nous était fort sensible, nous demeurâmes huit jours dans Uma coisa que me surpreendeu muitíssimo, na minha chegada, foi ver os habitantes lançarem uma grande quantidade de foguetes no ar. Perguntei o motivo ao Sr. Blin, negociante, para quem fui recomendada e que me acompanhava; respondeu que o povo fazia isso para celebrar a minha vinda como estrangeira, e que era sinal de festa; acrescentou que se arrependia por não ter seu fúsil com ele, porque poderia disparar alguns tiros. A fim de mostrar nossa simpatia ao povo e provar-lhes que estávamos muito sensíveis com sua cortesia, ficamos oito dias neste cordial e demonstrativo lugar. O Sr. Bertin Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 202 Tradução de Marie Helene Catherine Torres ce cordial et démonstratif pays. M. Bertin nous avait mis de côté un très beau porc qu’il se proposait de nous donner, lorsqu’un jour nous entendîmes les cris de cet animal sur le bord de la rivière, nous ne tardâmes pas à apprendre qu’un énorme caïman s’était élancé sur lui et l’entraînait vers la rivière. Nos gens coururent aussitôt au secours du porc que lâcha le caïman, à leur approche, non pourtant sans l’avoir étranglé. Nous le saignâmes aussitôt et l’employâmes à notre nourriture. havia reservado um lindo porco que queria dar-nos, quando um dia, ouvimos os gritos deste animal na margem do rio, logo soubemos que um enorme jacaré havia pulado nele, arrastando-o para o rio. Nossa gente correu imediatamente para resgatar o porco que o jacaré havia esganado e que soltou quando se aproximaram dele. Sangramo -lo imediatamente e o usamos para nossa alimentação. Dans cet intervalle, les noirs formèrent le complot de tuer les blancs : je résolus, après en avoir référé à M. Blin, de quitter à l’instant cet endroit. Celui-ci me conseilla de rester, mais craignant à chaque instant d’être massacrée, et mettant de côté tous les prétextes qui m’étaient allégués, je payai mon voyage et m’entendis avec sept habitants pour me rendre à Saint-Allin, résidence de l’agent consulaire français, M. Cousin. Nous partîmes vers les quatre heures du soir ; au moment d’arriver, il s’éleva une tempête si violente que notre barque fut jetée à la côte ; nous ne pûmes repartir pour SaintAllin que quinze jours après et par un temps horrible. Nous gagnâmes ensuite Rio negro; ma première visite Enquanto isso, os negros conspiraram para matar os brancos: resolvi, após contar tudo para o Sr. Blin, ir embora deste lugar. Ele me aconselhou a ficar, mas temendo ser massacrada a cada momento, e esquecendo todos os pretextos que me foram alegados, paguei minha viagem e tratei com sete habitantes para me levar a Santarém, residência do agente consular francês, Sr. Cousin. Saímos por volta das quatro da tarde, e quase chegando, houve uma tempestade tão violenta que nosso barco foi jogado na costa; só pudemos sair novamente para Santarém quinze dias depois, e com um tempo horroroso. Chegamos ao Rio Negro e minha primeira visita foi para um capitão inglês, que me Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 203 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy fut pour un capitaine anglais, auquel j’avais été adressée, je rencontrai dans cette ville deux français : un boulanger, nommé M. Siroteau et M. Bouzin, agent consulaire; ce dernier me loua une maison et déploya à mon égard, ainsi que son épouse, tous les soins possibles. J’attendis à Rio negro qu’un navire fut en partance pour Petra, j’eus l’occasion dans cette circonstance de revoir le fils du général Nina, qui avait fait avec moi la traversée du Havre au Brésil. apresentaram. Conheci dois franceses na cidade: um padeiro, chamado Sr. Siroteau, e o Sr. Bouzin, agente consular. Este último me alugou uma casa e com sua esposa cuidaram de mim. Esperei em Rio Negro que um navio partisse; nesta circunstância tive a oportunidade de rever o filho do General Nina, que tinha feito a travessia do Havre para o Brasil comigo. Ce fut dans cette ville qu’on me vola une somme de 10,000 fr. contenus dans un portefeuille, ainsi qu’un rubis d’une rare beauté, estimé 6,000 fr. et dont j’avais refusé la vente. On pénétra chez moi pendant mon absence et l’on força mes malles. M’étant aperçue de cette effraction ; je me rendis chez le Consul pour lui faire ma déclaration, car cette perte était cruelle pour moi ; il m’assura que les poursuites et diligences qu’il allait exercer pour connaître l’auteur du vol, amèneraient probablement la restitution des objets qui m’avaient été volés. J’attendis longtemps, mais bien inutilement. Craignant alors de me voir privée de toutes mes ressources, je jugeai prudent de m’embarquer à bord d’un navire pour traverser la rivière des Amazones, et de là, gagner Foi nesta cidade que me roubaram o valor de 10.000 fr. numa carteira, bem como um rubi de rara beleza, estimado em 6.000 fr. que me recusava em vender. Entraram na minha casa enquanto eu estava fora e arrombaram minhas malas. Fui até o cônsul para depositar minha queixa, pois esta perda foi cruel para mim. Ele me assegurou que com processos e diligências feitos para encontrar o autor do roubo, provavelmente levariam à restituição dos objetos que me haviam roubados. Esperei muito tempo, mas foi inútil. Temendo então ficar sem todos meus recursos, achei prudente embarcar num navio para atravessar o rio Amazonas, e de lá chegar até o primeiro estabelecimento comercial brasileiro da cos- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 204 Tradução de Marie Helene Catherine Torres le premier comptoir brésilien qui se trouverait sur la côte. Cette rivière, la plus longue et la plus large du monde, offre à la navigation des dangers imminents, ce fut l’espagnol Ornella qui lui donna ce nom, en 1539, en mémoire des combats qui y furent livrés par les femmes des naturels du pays. — Indépendamment des rochers à fleur d’eau qu’on y rencontre, il existe également d’énormes bancs de sable sur lesquels on échoue, ainsi que des iles flottantes, débris errants du sol, charriés par le courant. Ces îles sont garnies d’arbres et peuplés d’une multitude de singes ; la rivière entraîne aussi avec elle de gros arbres déracinés qui sont autant d’écueils à éviter et qui causent tous les jours la perte d’un grand nombre de bateaux. — Nous passâmes par Marajo, endroit réputé dangereux par ses rochers et ses récifs. Nous vîmes de très jolis canaux qui se jettent dans les Amazones, leurs bords sont inhabités, on trouve dans ces parages un gros fruit nommé Taïb, que l’on presse pour en extraire le jus, et qui fournit une liqueur vineuse, très bonne à boire ; on le mange également avec la farine de maïs. ta. Esse rio, o mais longo e largo do mundo, oferece perigos iminentes à navegação. Foi o espanhol Ornella que lhe deu este nome em 1539, em memória das batalhas contra as mulheres dos nativos do país. Além dos penhascos na beira d’água encontrados, há também enormes bancos de areia sobre os quais se encalha, bem como ilhas flutuantes, detritos vagando do solo, transportados pela correnteza. Essas ilhas são repletas de árvores e povoadas por uma multidão de macacos; o rio carrega também consigo grandes árvores arrancadas que são armadilhas a serem evitadas e que causam a perda diária de um grande número de barcos. Passamos por Marajó, um lugar conhecido por ser perigoso por causa dos seus penhascos e recifes. Vimos alguns canais muito bonitos que desembocam no rio Amazonas, com margens inabitadas. Há uma fruta chamada açaí, que é prensada para extrair seu suco, e que fornece um licor vinhoso muito bom de se beber; também é consumida com farinha de milho. A quarante lieues du Para, nous Quarenta léguas antes do Pará, badonnâmes sur un rocher, notre grand temos num penhasco, nosso grande mât fut brisé et le navire échoua. mastro quebrou e o navio encalhou. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 205 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy Comme il a fallu rester trop longtemps dans cette situation, je profitai d’un canot de passage pour arriver plutôt à ma destination ; ce bateau était monté par des Tapouilles, habitants de ces rivages. Como fomos obrigados a ficar muito tempo nesta situação, aproveitei uma canoa de passagem para chegar mais cedo ao meu destino. Este barco era pilotado por Índios Tapayuna, habitantes destas costas. A cinq heures du soir nous arrivons au Para où demeurait M. Chaton, consul français, chez lequel je me fis conduire et qui me reçut avec l’accueil le plus cordial. Às cinco horas da tarde, chegamos ao Pará onde morava o Sr. Chaton2, o Cônsul francês, na casa de quem fui levada e que me recebeu com a mais cordial acolhida. Je demeurai sept mois dans cette ville où j’employai mon temps à empailler des oiseaux et à confectionner des chapeaux. Comptant que je recevrais quelques nouvelles satisfaisantes au sujet du vol de mes 10,000 fr., j’établis un petit magasin de modes, mais, malgré mes lettres très pressantes, je ne reçus aucune nouvelle satisfaisante. Je me décidai alors à prendre passage sur le bateau à vapeur l’Impératrice du Brésil, pour me rendre à Pernambouc, passant par Maraignant, La Siera et La Prohibe, petits endroits où relâche le vapeur. Fiquei sete meses nesta cidade, onde passei meu tempo empalhando pássaros e fazendo chapéus. Contando que eu receberia algumas notícias satisfatórias sobre o roubo dos meus 10.000 francos, montei uma lojinha de moda, mas, apesar das minhas cartas muito urgentes, não recebi nenhuma notícia satisfatória. Decidi, portanto, comprar uma passagem na galera Imperatriz do Brasil3 para Pernambuco, passando pelo Maranhão, que fazia algumas paradas em pequenos lugares. Maraignant est une fort jolie petite ville, située sur la rive gauche du fleuve Leitterage, fleuve qui sur passe en beauté celui qui baigne la ville de Bordeaux. On y fait un commerce considérable avec l’intérieur. Maranhão é uma cidadezinha muito bonita, localizada na margem esquerda do rio Mearim, um rio muito mais lindo que aquele que atravessa a cidade de Bordeaux. Há um comércio considerável com o interior. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 206 Tradução de Marie Helene Catherine Torres La Seiera est également un joli pays, il y quatre ans le peuple mourrait presque de faim, mais aujourd’hui la culture y est très pratiquée. La Brèche est un petit port assez commerçant et très fréquenté. De cet endroit, nous parvînmes à Pernambouc où je séjournai pendant trois ans. J’y travaillai activement et j’y fis d’assez bonnes affaires, ayant obtenu bientôt la confiance de tout le monde. Le pays est pittoresque et très bien cultivé, il fournit en abondance du café, du riz, du sucre et du coton ; la ville, l’une des plus grandes du Brésil, est bien bâtie ; les rues pavées en dalles, sont longues, larges et bordées de magnifiques trottoirs ; la rade est sûre et majestueuse, le port est vaste et peut contenir plus de 600 navires. Cette ville est divisée en quatre parties : le Recif, canal qui la sépare, forme une île ; le quartier Saint-Antoine, le pont Dabourif et la villa d’Oligne, quartier occupé par les étudiants et la garnison. Au bout de trois ans, en 1849, la révolution éclata à Machalle, Bonnin et Péderive; et dura plus de huit mois. — Elle eut lieu à cette même époque, (2 février), à Pernambouc, et fit un tort immense au commerce. — Sur ces entrefaites, j’allai habiter la campagne, au pont de Manquine, sur le chemin appelé Porte-de-chaux, à trois quarts de lieues de la ville. J’y A serra é também uma linda região. Há quatro anos o povo de lá quase morria de fome, mas hoje o plantio é muito praticado. De um pequeno porto, bastante comercial e muito movimentado, chegamos a Pernambuco, onde fiquei por três anos. Trabalhei lá ativamente e fiz bons negócios, tendo logo conquistado a confiança de todos. A região é pitoresca e muito bem cultivada, fornece abundante suprimento de café, arroz, açúcar e algodão; a cidade, uma das maiores do Brasil, é bem construída; as ruas, pavimentadas com pedras, são longas, largas e com lindas calçadas; a baia é segura e majestosa, o porto é vasto e pode abrigar mais de 600 navios. A cidade se divide em quatro partes: o Recife, canal que a separa, forma uma ilha; o bairro de Santo Antônio, a ponte do Recife e a vila de Olinda, bairro ocupado pelos estudantes e pela guarnição. Após três anos, em 1849, a Insurreição Praieira irrompeu e durou por mais de oito meses. Ocorreu ao mesmo tempo, (2 de fevereiro), em Pernambuco, e causou imensos danos ao comércio. Enquanto isso, fui morar num sítio, fora da cidade. Fiquei lá por seis meses e, ao final desse tempo, voltei para Pernambuco para ver se os negócios Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 207 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy restai six mois, et au bout de ce temps, estavam melhorando. Mas com a je retournai à Pernambouc pour voir perda de confiança com a crise cosi les affaires allaient mieux. Mais la mercial, resolvi vender minha loja. crise commerciale ayant fait perdre la confiance, je résolus de céder mon fonds de magasin. Je m’embarquai ensuite sur l’Emperador, batiment à vapeur, en partance pour Baya, passant par Marseillo et quelques autres petits endroits dont j’ignore les noms. Embarquei então no Emperador, um vapor, com destino à Bahia, passando por Marselha e alguns outros pequenos lugares cujos nomes desconheço. Marseillo est un village très Marseilha é uma vila muito comercommerçant, situé sur le bord de la cial, localizada à beira-mar. mer. Nous arrivâmes Baya, cité très commerçante et maritime, cette ville, beaucoup plus grande que Pernambouc, est séparée en deux parties : la ville haute et la ville basse ; la deuxième partie située au bord de la mer, a des quais très étendus qui pourtant sont loin d’égaler ceux de la localité que je venais de quitter. C’est là que se trouvent tous les comptoirs, les magasins, la classe marchande et le pauvre peuple. La cité est mal percée ; les rues sont étroites et sales ; les maisons généralement mal bâties possèdent de deux à quatre étages. La baie est magnifique. — La ville haute, construite dans le genre moderne est fort pittoresque ; elle est assise sur Chegamos à Bahia, uma cidade muito comercial e marítima, esta cidade, muito maior que Pernambuco, se divide em duas partes: a cidade alta e a cidade baixa; a segunda parte, localizada na orla marítima, tem cais muito extensos que, no entanto, estão longe de igualar aos da cidade que acabei de deixar. É lá que se encontram todos os comércios, lojas, a classe dos comerciantes e o pobre povo. A cidade é mal planejada; as ruas são estreitas e sujas; as casas geralmente mal construídas têm de dois a quatro andares. A baía é magnífica. A cidade alta, construída no estilo moderno, é muito pitoresca; Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 208 Tradução de Marie Helene Catherine Torres la montagne de la Conception, on y arrive par une belle rue située en face du théâtre. — A une demi-lieue, et sur la route, se trouve le café ou bazar des étrangers. Plusieurs petites villas ou maisons de campagne couronnent les hauteurs et servent de résidence aux étrangers de toute sorte, notamment aux anglais. On y voit plusieurs Églises, couvents ou hôpitaux, très bien construits. Baya possède aussi un bagne pour les malfaiteurs, chaque jour ces malheureux, conduits par leurs gardiens, circulent en ville pour vendre leurs petits produits, consistant en chapelets, bagues ou autres objets. — La population est de 60,000 habitants dont les deux tiers sont gens de couleur. fica na Ladeira da Conceição; se chega até lá por uma bela frente ao teatro. A meia legua de distância, na estrada, tem o café ou bazar para dos estrangeiros. Várias casas ou casarões coroam as alturas e servem de residência para os estrangeiros de todos os tipos, especialmente os ingleses. Há várias igrejas, conventos ou hospitais, muito bem construídos. Bahia também possui uma prisão para criminosos, todos os dias esses infelizes, conduzidos pelos seus guardas, circulam na cidade para vender seus pequenos produtos, como rosários, anéis ou outros objetos. A população é de 60.000 habitantes com dois terços de pessoas de cor. Pendant plus de six mois j’eus à souffrir de la fièvre jaune, ce qui m’empêche de me livrer à aucun genre d’industrie, à peine rétablie, je fus atteinte du choléra ; ce terrible fléau causa les plus grands ravages parmi la population et une grande partie des Européens résidents y succombèrent. Durante mais de seis meses sofri com a febre amarela, o que me impediu de me envolver em qualquer tipo de comercio, mal me recuperei, peguei a cólera; esta terrível epidemia causou a maior devastação entre a população e uma grande parte dos europeus residentes faleceu. Après tant de peines, de traverses et de malheurs, je songeai enfin à revoir mon pays natal. Je résolus auparavant de mettre en ordre mes affaires, et, à ce sujet, je remis mes pouvoirs entre Depois de tanta dor, sofrimento e desgraça, pensei finalmente em voltar para rever meu país natal. Resolvi antes colocar meus negocios em ordem e, nesse sentido, entreguei Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 209 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy les mains des autorités locales. Ces formalités remplies, je m’embarquai pour la France, à la destination du Havre, le 22 juin 1852, sur le navire Léoni. meus poderes nas mãos das autoridades locais. Cumpridas estas formalidades, embarquei para a França, com destino ao Havre, em 22 de junho de 1852, no navio Jeune Léonie. J’arrivai au Hâvre-de-Grâce le 14 août, et y demeurai 15 jours, par suite de mon état de maladie. Je m’embarquai de nouveau sur le navire Lélie faisant route pour Bordeaux, et je débarquai à Blaye, où je pris la voiture pour me rendre au sein de ma famille. — Hélas ! j’arrivai trop tard à Saint-Jean-d’Angely, et n’y retrouvai plus que ma pauvre mère, mon frère et ma sœur. J’avais perdu depuis mon départ, mon bien aimé père, un frère et une autre sœur !!!...Leur sort fut de mourir entourés des soins touchants de leur famille ; des mains amies avaient pressé la leur, à cet instant suprême ; et moi, je n’avais pas même eu la sainte consolation de leur fermer les yeux ! — Après quinze ans d’absence, de souffrances et de douleurs, je retrouvai le deuil sous le toit de ma vieille mère ; si les êtres chéris que je n’ai plus revus peuvent m’entendre, du fond de leur tombe où je viens souvent prier, qu’ils me pardonnent ; car moi aussi j’ai bien souffert dans mes lointains voyages. Cheguei em Le Hâvre-de-Grâce em 14 de agosto, e fiquei lá por 15 dias, por causa do meu estado de doença. Embarquei novamente no navio Lélie com destino a Bordeaux, e desembarquei em Blaye, onde peguei o carro para a casa da minha família. Infelizmente! cheguei tarde demais em Saint-Jean-d’Angely, e encontrei lá apenas minha pobre mãe, meu irmão e minha irmã. Eu tinha perdido desde minha partida, meu amado pai, um irmão e outra irmã!!!... Seus destinos eram morrer cercados dos cuidados comoventes da família; mãos amigas tinham apertado as deles, naquele momento supremo; e eu, nem tive o santo consolo de fecha-lhes os olhos! Após quinze anos de ausência, de sofrimentos e dores, encontrei o luto sob o teto de minha velha mãe; se os entes queridos que eu nunca mais vi podem me ouvir do fundo do túmulo, onde eu vou frequentemente para rezar, que me perdoem; pois, eu também sofri muito nas minhas viagens longínquas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 210 Tradução de Marie Helene Catherine Torres FIN FIM Je crois devoir ajouter, à la suite de ces relations de voyage la lettre que m’écrivit Monsieur le Comte de Castelnau, consul de France, à Bahia, le 21 mars 1835. Acho que devo acrescentar, após esses relatos de viagem, a carta que me foi escrita pelo Conde de Castelnau, Cônsul da França, na Bahia, em 21 de março de 1835. MADAME Bahia, le 21 Mars 1853 J’ai reçu la lettre que vous m’avez fait l’honneur de m’adresser le 3 décembre dernier, Monsieur votre époux n’étant pas mort dans mon arrondissement Consulaire, je ne puis vous envoyer d’acte mortuaire, mais, je puis déclarer qu’il était, lors de mon passage à Diamantino de Malto Grosso, de notoriété publique, que la mort avait eu lieu peu de temps avant. Tout le monde, dans cette ville éloignée, admirait le courage que vous aviez montré dans des circonstances telles, que beaucoup de femmes se fussent livrées au désespoir. Seule, sans ressources, vous avez descendu le Rio Arinos, qui n’a encore été exploré par aucun voyageur ; vous l’avez fait en affrontant le danger des tribus sauvages, d’un climat meurtrier et d’animaux féroces. MADAME Bahia, 21 de março de 1853 Recebi a carta que você me fez a honra de me dirigir em 3 de dezembro, já que seu marido não morreu em meu distrito consular, não posso lhe enviar uma escritura mortuária, mas posso declarar que foi, no momento de minha visita a Diamantino de Mato Grosso, de notoriedade pública, que a morte havia ocorrido pouco antes. Todos naquela cidade remota admiraram a coragem que você demonstrou em tais circunstâncias que muitas mulheres foram deixadas em desespero. Sozinho, sem recursos, você desceu o Rio Arinos, que ainda não foi explorado por nenhum viajante; você o fez diante do perigo de tribos selvagens, de um clima assassino e de animais ferozes. Lorsque plus tard, je vous rencontrerai Quando mais tarde o conheci no au Para, je ne pouvais croire que vous Pará, não pude acreditar que você Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 211 Quinze ans au Brésil ou Excursions à la Diamantine de Alexandrine Langlet-Dufresnoy eussiez échappé à tant de périls et havia escapado de tantos perigos e supporté tant de fatigues. suportado tanta fadiga. Si je puis, ici, vous servir à quelque chose, veuillez me le faire savoir, et croyez, Madame, à mes sentiments dévoués. Se eu puder ser de alguma utilidade para você aqui, por favor me avise, e acredite, Senhora, em meus devotados sentimentos. Signé : Cte DE CASTELNAU. Consul de France à Bahia Assinado: Cde. DE CASTELNAU. Cônsul da França na Bahia Notas 1. O canal do inferno é citado por Langsdorff na sua expedição pelo Brasil entre de 1824 a 1829. Silva, Danuzio (Org.) AIEL, Os Diário de Langsdorff. Ed. Fiocruz, 1997 e Komissarov, Boris. Expedição Langsdorff. Acervos e Fontes Históricas, Editora UNESP, 1994. 2. Prosper Chaton exercera, por alguns anos, as funções de vice-cônsul da França na cidade de Belém, segundo informação do livro Avenir da la Guyane Française, escrito por Chaton, em 1864, e publicado em Paris, em 1865. 3. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=094170_01&Pesq=L eonie&pagfis=37915. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 185-212, jan/jul, 2021. 212 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84954 PERCURSO TRADUTÓRIO EM TEXTOS HISTÓRICOS SOBRE A VIAGEM DE DESCOBRIMENTO DO RIO AMAZONAS Andréa Cesco1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/ CNPq Mara Gonzalez Bezerra2 2 UNIASSELVI, Indaial, Santa Catarina, Brasil 1. Introdução Os dois capítulos traduzidos por nós — do espanhol ao português — fazem parte de uma extensa introdução (com duzentas e trinta e nove páginas) escrita pelo renomado historiador chileno José Toribio Medina (1852-1930), responsável pela edição da obra Descubrimiento del Río de las Amazonas,1 publicada em 1894, em Sevilha, Espanha. A obra, que traz na íntegra a Relación, de autoria do cronista espanhol frei Gaspar de Carvajal (1504-1584), considerada uma das principais referências no estudo da conquista das Américas, oferece um conjunto de relatos documentados sobre a expedição ao rio Amazonas realizada pelo expedicionário espanhol 1 A obra, disponibilizada em formato pdf, está armazenada na Biblioteca Digital do Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/518714. Acesso em outubro de 2020. “Carvajal, Gaspar de, 1504-1584. Outros autores: Medina, José Toríbio, 1852-1930. Publicador: Sevilla: Imprenta de E. Rasco. Data de publicação: 1894. Descrição física: ccxxxviii, 278, [1] p.: il., grav.; 24 cm. Responsabilidade: Com introdução histórica e algumas ilustrações de José Toribio Medina”. Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra Capitão Francisco de Orellana (1511-1546) e por sua tropa. Salientamos que a obra já foi traduzida e anotada ao português por C. de Melo-Leitão — Descobrimentos do Rio das Amazonas —, em 1941, publicada pela Companhia Editora Nacional.2 No entanto, apesar do editor/tradutor (não há como afirmar quem de fato escreveu), incluir um prefácio de seis páginas e mencionar ou citar alguns trechos da introdução de José Toribio Medina, ele opta por excluí-la. Assim, temos na obra (com 298 páginas)3 o seguinte índice: Prefácio (5), Relação que escreveu Frei Gaspar de Carvajal (11), Descobrimento do Rio de Orellana (13), Descobrimento do Rio das Amazonas e suas dilatadas províncias [sic] (81) e, por fim, Novo descobrimento do Grande Rio das Amazonas (125). Em função dessa exclusão, decidimos selecionar e traduzir dois capítulos (VIII - A Viagem do Descobrimento e XI - Sobre os nomes do Rio), de um total de onze, da introdução histórica escrita, de forma crítica, por José Toribio Medina. Esta seleção se deu por estes serem capítulos que relatam, o cotidiano dos expedicionários, das descobertas, das dificuldades sofridas e das diversas aventuras vivenciadas ao longo do curso do rio Amazonas, inclusive, confrontando e esclarecendo informações. Elas são importantes porque ratificam a participação dos espanhóis na história portuguesa e brasileira e, também, revelam algumas das atrocidades cometidas pelos expedicionários, não sem receberem, muitas vezes, as represálias dos indígenas. As descobertas durante a navegação ao longo do rio Amazonas, a polêmica instaurada sobre os nomes do rio e o debate sobre os diversos nomes pelos quais o rio Amazonas foi chamado em muitas ocasiões são detalhados por Toribio Medina. Os demais capítulos tratam mais diretamente de Orellana ou Gaspar de Carvajal, conforme a relação a seguir: I. Documentação 2 Gaspar de Carvajal, Alonso de Rojas e Cristóbal de Acuña. Descobrimentos do Rio das Amazonas. Série 2a, Vol. 203, Brasiliana - Biblioteca Pedagógica Brasileira. Traduzido e anotado por C. de Melo-Leitão. São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre. Companhia Editora Nacional, 1941. 3 Repositório da Universidade Federal do Rio de Janeiro. http://bdor.sibi.ufrj.br/ handle/doc/287. Acesso em 03 de novembro de 2020. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 214 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas da viagem de Orellana; II. Fr. Gaspar de Carvajal, cronista da expedição de Orellana; III. Autores que escreveram sobre a viagem de Orellana; IV. Orellana no teatro; V. Dados biográficos de Francisco de Orellana; VI. Francisco de Orellana na expedição de Gonzalo Pizarro; VII. A traição de Orellana; IX. Os companheiros de Orellana; X. Expedição de Orellana à Nueva Andalucía. A partir desse breve comentário introdutório, a explanação a seguir está dividida em três momentos: o primeiro, que trata do cronista da expedição, Gaspar de Carvajal, e da obra Descubrimiento del Río de las Amazonas, a partir da sua Relación; o segundo, que apresenta o historiador José Toribio Medina, editor e autor da introdução histórica da obra; e o último, que discorre sobre o processo tradutório. 2. Descubrimiento del Río de las Amazonas: Gaspar de Carvajal Gaspar de Carvajal nasceu em Trujillo, Espanha, em 1504, e faleceu no Peru, em 1584. Recebeu suas ordens eclesiásticas Dominicanas em setembro de 1535. Um ano depois de ser ordenado como frei, alistou-se para evangelizar os novos súditos no território do Peru. Sua posição e compromisso como evangelizador da Santa Fé Católica ajudou-o a se estabelecer como um grande personagem da conquista Espanhola. Três anos após sua partida da Espanha, constituiu o primeiro Mosteiro dominicano em Lima. Foi nomeado Vigário Provincial. Este nível de prestígio em territórios americanos lhe abriu oportunidades para participar em futuras expedições, como guia espiritual dos expedicionários espanhóis. Em 1540, Carvajal se une à expedição de Gonzalo Pizarro, conquistador espanhol e governador de Quito (Equador), como capelão, que buscava o país da canela, ao leste de Quito e da Amazônia. A expedição, em condições difíceis, atravessou os Andes e entrou na selva amazônica, um território inóspito. Mas, Pizarro, decepcionado por encontrar poucas árvores de canela, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 215 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra e preocupado por seus homens estarem adoecendo e sofrendo com a fome, decide voltar. Assim, a expedição com Francisco de Orellana Bejarano Pizarro y Torres de Altamirano (1511-1546), segundo no comando da embarcação de Pizarro, começa quando este, em 1541, decide continuar a exploração do rio por sua conta, tendo Carvajal como cronista para realizar os registros. Após o término da viagem, quando encontra o Oceano, Orellana retorna à Espanha. Mas, sem demora, em 1544, decide retornar ao Amazonas em uma nova expedição. Orellana morreu em 1546, na região norte do Brasil, acometido de febres, sem ter dado cabo da nova expedição. A sua importância reside no fato de ter realizado uma navegação bem sucedida e de ter compilado dados para uma cartografia do rio Amazonas, já que foi a primeira expedição a realizar um mapa da região do rio Amazonas. Toribio Medina, no primeiro parágrafo do capítulo VIII do Descubrimiento, enaltece o capitão espanhol: [...] desde que parte das aldeias de Aparia, sua perseverança nos trabalhos, suas características de chefe prudente e precavido, sua firmeza e energia, sua coragem a toda prova naquela perigosa e audaciosa viagem de descobrimento, tornam-lhe digno de indiscutível glória e por ninguém jamais disputada até agora.4 (Carvajal, 140) Os relatos publicados em Descubrimiento del Río de las Amazonas, que resultaram em dezenove capítulos, foram escritos, no período de dezembro de 1541 até 11 de setembro de 1542, pelo cronista – um dos sobreviventes da expedição – Gaspar de Carvajal. Aqui é importante fazer um aparte para mencionar que Car4 [...] desde que parte del pueblo de Aparia su constancia en los trabajos, sus condiciones de jefe prudente y precavido, su firmeza y energía, su coraje á toda prueba en aquel peligroso y atrevido viaje de descubrimiento, le hacen digno de gloria indiscutible y por nadie hasta ahora disputada. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 216 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas vajal narra os acontecimentos da expedição em sua Relación del nuevo descubrimiento del famoso río Grande que descubrió por muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana, que por mais de 300 anos permanece inédita, até que em 1855 a Real Academia de Historia de Madrid publica algumas partes desses escritos na Historia general y natural de las Indias, de Gonzalo Fernández de Oviedo. Infelizmente a transcrição sofreu inúmeros erros, a ponto de ter sido considerada por alguns bibliófilos como apócrifa, alterada e deficiente. No entanto, só em 1894 a Relación de Carvajal é publicada, integralmente, em Descubrimiento del Río de las Amazonas, pelo historiador chileno José Toribio Medina, e amplamente revisada por H.C. Heaton em 1934. Estas são as informações que constam na terceira capa da edição de 1894: Descubrimiento del Río de Las Amazonas, segundo a Relación, até agora inédita, de Fr. Gaspar de Carvajal com outros documentos referentes a Francisco de Orellana e seus companheiros, publicados à custa do Excelentíssimo Sr. Duque De T’serclaes de Tilly, com uma introdução histórica e algumas ilustrações por José Toribio Medina da Academia Chilena, Correspondente das Reales Academias de la Lengua y de la Historia, de Buenas Letras de Sevilha e do Instituto Geográfico Argentino. Sevilha: Imprensa de E. Rasco, Bustos Tavera, núm. I. 1894.5 Nos relatos o cronista conta o cotidiano da expedição, onde foram maiores as dificuldades encontradas no percurso do que as 5 Descubrimiento del Río de Las Amazonas, según la Relación hasta ahora inédita de Fr. Gaspar de Carvajal con otros documentos referentes á Francisco de Orellana y sus compañeros, publicados á expensas del Excmo. Sr. Duque De T’serclaes de Tilly, con una introducción histórica y algunas ilustraciones por José Toribio Medina de la Academia Chilena, Correspondiente de las Reales Academias de la Lengua y de la Historia, de la de Buenas Letras de Sevilla y del Instituto Geográfico Argentino. Sevilla: Imprenta de E. Rasco, Bustos Tavera, núm. I. 1894. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 217 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra glórias das descobertas. As baixas humanas, os feridos, as frustrações, as relações nem sempre amigáveis com os indígenas, os mosquitos, as doenças e, muito provavelmente, o calor a que não estavam acostumados, são alguns dos infortúnios sofridos durante a navegação pelo rio, tanto que em determinado momento a proposta foi de chamar o rio de Marañas, palavra que significa “aflições” ou “desgraças”. O percurso foi documentado e escrito com as características da crônica, um gênero comum encontrado no início da expansão espanhola nas Américas, onde o cotidiano e as primeiras impressões do europeu são retratados e enviados como fonte de informação para a Espanha. A escrita de Carvajal é uma descrição dos fatos e das situações vivenciadas, desde o seu ponto de vista; é sensível e destaca os medos e as angústias sofridos pelos expedicionários. Dessa forma, o seu registro não só é uma fonte de informações, como ainda reflete o ponto de vista do invasor europeu. Houve fome, sede, pragas e os inevitáveis confrontos com os índios, ora amáveis ora belicosos. E foi em uma dessas batalhas que Orellana, segundo conta Carvajal, guerreou com um exército encabeçado por mulheres – tal como as guerreiras da antiga Grécia –, o que deu origem ao nome Amazonas. O fato é que as viagens eram sofridas e sem garantia de sobrevivência ou de riquezas e honras posteriores. O grupo expedicionário viveu uma grande aventura e, entre perdas e ganhos, após meses navegando pelo Amazonas, chegou ao Oceano Atlântico. 3. José Toribio Medina: editor e autor da introdução histórica José Toribio Medina Zavala (1852-1930), importante historiador chileno, bibliógrafo, pesquisador, além de advogado, lexicógrafo, e professor na Universidad de Chile (1899), era aficionado por documentos antigos e arquivos relacionados à história. Realizou muitas viagens ao exterior – Estados Unidos, Inglaterra, França, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 218 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas Espanha, México, Argentina, entre outros –, algumas, inclusive, a trabalho, com o intuito de obter cópias de documentos importantes referentes ao Chile em bibliotecas e arquivos espanhóis. Segundo o verbete da Enciclopedia de la literatura en México (2016-2017), Fundação para as Letras Mexicanas:6 Após alguns anos de exercício da advocacia, [Toribio Medina] ingressou na carreira diplomática, atividade que lhe permitiu explorar diversos arquivos e bibliotecas da Europa e América e assim recolher uma vasta quantidade de livros, brochuras e outros documentos que acabaram por constituir a sua biblioteca (60 mil exemplares) que foi doado à Biblioteca Nacional do Chile. Por suas atividades em prol do desenvolvimento humanístico e intelectual, em 1932 a Universidade Nacional Autônoma do México lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa.7 O historiador publicou diversas obras, como Historia del Tribunal del Santo Oficio de la Inquisición de Lima (1887), Biblioteca Hispano-Americana, em sete volumes (publicados entre 1898 e 1907), Biblioteca Hispano-Chilena (impressa entre 1897 e 1899), em três volumes, La imprenta en La Habana (1904), Diccionario biográfico colonial de Chile (1906), La imprenta en Guatemala (1910), Chilenismos: apuntes lexicográficos (1928), entre tantos outros títulos. Para se aquilatar a dificuldade de análise da obra de Toribio Medina basta que se avalie a sua prodigiosa capaci6 http://www.elem.mx/autor/datos/118854. Acesso em 13 de janeiro de 2021. [Texto fonte] Después de algunos años de ejercer como abogado, se incorporó a la carrera diplomática, actividad que le permitió explorar diversos archivos y bibliotecas de Europa y América y con ello recolectar una vasta cantidad de libros, folletos y otros documentos que finalmente conformaron su biblioteca (60 mil ejemplares) misma que fue donada a la Biblioteca Nacional de Chile. Por sus actividades en pro del desarrollo humanístico e intelectual, en 1932 la Universidad Nacional Autónoma de México le otorga el grado de doctor Honoris Causa. 7 Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 219 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra dade de produção cifrada em mais de quatro centenas de trabalhos de real valor onde, se a história predomina, não são poucos os que tocam a outras ciências como a bibliografia, a numismática, as ciências naturais, a geografia, a cartografia, a etnologia, a lingüística e crítica literária, esta, aliás, a primeira manifestação de seu privilegiado espírito poligráfico. (Sampaio Garcia, 223) A Biblioteca Americana José Toribio Medina8 reúne, em 8.431 títulos, boa parte do material recopilado pelo historiador durante suas viagens, tanto na Europa como na América, reunindo uma valiosa e abundante documentação inédita. O historiador percorreu todo o espaço geográfico colonizado pela Espanha desde o século XVI e, embora os tópicos que inclui sejam variados, seu interesse especial pela literatura imprensa e pelo Tribunal do Santo Ofício é evidente. Sampaio Garcia (1953) comenta sobre a biblioteca particular de Toribio Medina que: Do labor incessante por mais de meio século em contacto com os meios adiantados da bibliografia de seu tempo, conseguiu Toribio Medina reunir uma preciosa biblioteca em que se encontravam exemplares raríssimos dos primórdios da colonização. Além dos 60.000 exemplares impressos, cumpra notar os 500 tornos de cópias de manuscritos, elaborados com paciência beneditina naqueles tempos em que a microfilmagem ainda não viera facilitar a tarefa dos investigadores. (Sampaio Medina, 227) No que se refere à obra Descubrimiento del Río de las Amazonas – não só com relação a esta, mas a várias outras que escreveu, 8 Fontes documentais recopiladas por José Toribio Medina, Memoria Chilena, Biblioteca Nacional de Chile. http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3article-673.html. Acesso em 24 de janeiro de 2021. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 220 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas de caráter histórico-geográfico9 – Medina, que tinha a vocação intelectual e a rigidez do método científico, segundo Feliu Cruz (1933), propôs estabelecer documentalmente todo o processo de origem da dominação espanhola. Os livros não eram mais suficientes para certificar os eventos; era necessário que eles encontrassem suas provas básicas e concretas nos papéis, cartas, ofícios, relações, resumos e processos. [...] No século XIX, os quatro maiores americanistas de todos os tempos escrevem sobre isso: Martín Fernández de Navarrete, Alejandro de Humboldt, Henry Harrisse e José Toribio Medina. A eles se deve a aplicação definitiva do método científico na pesquisa documental, bibliográfica e crítica de nossa história. [...] O problemático, o inseguro, o duvidoso, nas mãos desses homens, encontraram os meios de verificação mais diretos e abriram para a ciência novos e imensos horizontes.10 (Feliu Cruz, 17-18) Esta citação atesta o que conseguimos verificar na introdução histórica da obra de Carvajal – Relación –, escrita por Medina e dividida em onze capítulos, conforme já mencionado e detalhado anteriormente: um estudo atento e minucioso do texto, com extensa pesquisa documental e bibliográfica, que confronta os dados forne9 Como Viajes de Diego García de Moguer al Río de la Plata, El veneciano Sebastián Caboto al Servicio de España, El descubrimiento del Océano Pacífico, Vasco Núñez de Balboa y sus compañeros e Hernando de Magallanes. 10 Ya no bastaban los libros para la certificación de los sucesos; era menester que ellos [Harrisse e Medina] encontraran su prueba básica, concreta, en los papeles, cartas, oficios, relaciones, sumarios y procesos. [...] En el siglo XIX escriben los cuatro más grandes americanistas de todos los tiempos: Martín Fernández de Navarrete, Alejandro de Humboldt, Henry Harrisse y José Toribio Medina. A ellos se les debe la aplicación definitiva del método científico en la investigación documental, bibliográfica y crítica de nuestra historia. [...] Lo problemático, lo inseguro, lo dudoso, en las manos de estos hombres, encontró las vías más directas de una verificación, y abrieron a la ciencia nuevos e inmensos horizontes. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 221 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra cidos em inúmeras fontes, e um historiador que se posiciona com relação à escrita do cronista, acrescentando uma série de novos dados e questionando, muitas vezes, as informações relatadas por Carvajal (algumas delas, segundo Medina, até duvidosas porque, quando confrontadas, não se sustentam). Diz ele, no início do capítulo VIII, selecionado e traduzido por nós: “[...] devemos nos limitar a contar seus principais incidentes, aclarando o que estiver dentro do nosso alcance, com relação às datas e aos lugares em que ocorreram” 11 (140). Domingo Amunategui Solar comenta, com relação à obra Descubrimiento del Río de las Amazonas, que a memória de Medina “contém todo o interesse de um expediente de primeira mão, comentado e explicado com sábias notas, que lançam luz sobre uma região até hoje das mais desconhecidas da terra”12 (31). 3.1 O paratexto da obra Com relação ao paratexto, a obra, que possui ao todo 525 páginas – das quais 239 fazem parte da introdução histórica de Medina –, informa, na segunda capa, que a tiragem é de duzentos exemplares (sendo que o exemplar consultado é o de n. 200). Após, apresenta uma dedicatória (em duas páginas) em homenagem ao Sr. Duque De T’serclaes de Tilly,13 com data de 6 de dezembro de 1894 (Sevilla), seguida da introdução histórica, composta por onze capítulos, todos escritos por José Toribio Medina. A introdução 11 [...] debemos limitarnos á contarla aquí en sus principales incidencias, aclarando en cuanto esté á nuestros alcances las fechas y lugares en que se verificaron. 12 [...] encierra todo el interés de un expediente de primera mano, comentado y explicado con sabias notas, que arrojan viva luz sobre una comarca hasta hoy de las más desconocidas de la tierra. 13 Pérez de Guzmán e Boza, Juan Francisco. Duque de T’Serclaes de Tilly (II). (1852-1934). Historiador, bibliófilo e político espanhol. Foi nomeado acadêmico correspondente da Real Academia de História em 1887 e acadêmico da Real Academia de Buenas Letras de Sevilha, onde ingressou em 1892 com um discurso intitulado “Antiquísimo origen de la Ciudad de Sevilla, su fundación por Hércules Tebano, y posesión de reyes que la habitaron hasta los moros”. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 222 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas possui três imagens de manuscritos, redigidos e assinados, e 228 notas de rodapé explicativas. Na sequência temos a Relación, escrita por frei Gaspar de Carvajal, com dezenove capítulos e, ao final, uma lista com 27 notas explicativas e o índice. Com relação à data de publicação da obra, nas páginas iniciais consta que é 1894 (assim como a dedicatória mencionada). No entanto, na última página, temos a seguinte informação a respeito da conclusão da impressão: “Esta obra foi impressa em Sevilha, no Escritório Enrique Rasco, rua Bustos Tavera, I. Foi concluída no dia 9 de fevereiro, MDCCCXCV [1895].”14 4. O processo tradutório A tradução dos dois capítulos (VIII - A Viagem do Descobrimento e XI - Sobre os nomes do Rio), da introdução histórica de José Toribio Medina, em Descubrimiento del Río de las Amazonas (1894), adquiriu para nós uma dimensão maior do que a esperada, ao iniciar a tarefa, que além de ter um viés de documento histórico, também é uma narrativa que permite a análise da diversidade sociocultural dos povos originários. Os textos de Medina não ocultam em nada a saga dos espanhóis em consolidar a conquista, encontrar tesouros de ouro e prata, assim como expandir o reino peninsular em terras americanas, mas, também, são honestos ao mostrar como a cobiça, imbuída de um ideal de conquista, quase leva os expedicionários à ruína e à perda das próprias vidas. Eles compreendem elementos culturais que, ao serem traduzidos por nós, estão inseridos em um contexto pluricultural, porque nos mostram os procedimentos do colonizador, da posse da terra – comentando os costumes e o contato com os povos indígenas desde uma perspectiva eurocentrista – e da imposição de sua própria cultura aos indígenas. Burke (117) comenta 14 Imprimióse esta obra en Sevilla, en la Oficina de Enrique Rasco, calle Bustos Tavera, I. Acabóse á IX días de Febrero de MDCCCXCV. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 223 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra que “quando um texto é traduzido, ele é extraído da cultura que o criou e posto em um lugar novo.” Ou seja, traduzir as narrativas do Novo Mundo, enviadas à Europa, foi para nós um desafio ético e lexical, já que tivemos que levar em consideração, principalmente, a compreensão das diferenças temporais e socioculturais dos aspectos linguísticos. Por isso, houve a necessidade de realizar um planejamento prévio e que também se deu no momento da tradução, com pesquisa em livros, artigos e sites especializados. Um deles foi a procura de documentos históricos, como os encontrados no Portal de Archivos Españoles - PARES,15 que atestam a presença do capitão Orellana e a defesa dos interesses da coroa espanhola na expansão das colônias do continente americano. Outras fontes importantes também foram consultadas, como o banco de dados CORDE (Corpus Diacrónico del Español),16 o Nuevo Tesoro Lexicográfico de la lengua Española,17 que reúne uma ampla seleção de dicionários ao longo dos últimos quinhentos anos, assim como o Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial (2007), de Antonio Porro, com relação aos nomes de povos e territórios, aldeias e lugares, entre outros. Os resultados de toda a pesquisa forneceram subsídios importantes para evitar a manipulação do texto, no sentido de omitir, acrescentar, abrandar ou mesmo exaltar algumas situações e, igualmente, para evitar enganos temporais quanto aos significados implicados nos vocabulários usados. Quanto às 228 notas de rodapé, já mencionadas, cabe dizer que no capítulo VIII há nove notas, a maioria delas de caráter explicativo, que confrontam dados da Relación, de Carvajal, com os trechos publicados na obra de Oviedo e em outros documentos. Acrescentamos três notas de tradução [N.T], explicativas, para vocábulos que decidimos manter e que apresentam basicamente a 15 Gobierno de España. Ministerio de Cultura y Deporte. http://pares.mcu.es/ ParesBusquedas20/catalogo/description/315440?nm. 16 https://www.rae.es/banco-de-datos/corde. 17 http://ntlle.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 224 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas mesma grafia no português: uma para falar do tipo de embarcação, bergantín/bergantim, outra sobre o ofício de “piloto” nas embarcações, e a última sobre a abreviatura “P.” de Provincial. Quanto ao capítulo XI, há vinte e três notas do autor e nenhuma de tradução. Mencionamos, na sequência, algumas decisões mais gerais em relação a algumas escolhas na tradução, para depois entrar em outras questões mais particulares. No caso das datas e meses, que abundam no texto fonte, decidimos por manter como estavam: em números romanos (para as datas) quando assim se apresentavam, e com a 1ª letra em maiúscula para os meses do ano. O substantivo río/Río, seguido do nome do mesmo, que ora aparece em minúscula ora em maiúscula, também mantivemos tal qual estava. Para pueblo e poblado, este com o sentido do primeiro, decidimos por “aldeia” Para provincia/província, mantivemos o termo, baseadas no que explana Antonio Porro (2007): As fontes mais antigas (ca. 1540-1640) referem-se amiúde a províncias e senhorios amazônicos, termos de matriz românico-medieval que haviam se justificado no mundo andino, de onde, aliás, procediam as primeiras explorações amazônicas. Sem entrar no mérito da questão, ainda objeto de debate entre os especialistas, de uma provável maior complexidade sócio-política na Amazônia que os primeiros exploradores encontraram, bastará lembrar, aqui, que no decorrer do século XVII aqueles termos foram abandonados pelos cronistas luso-brasileiros em favor das categorias menos pretensiosas de nações e gentios (Porro 1993; 1996). Uma vez que o referido silêncio das fontes sobre o assunto não permite, no atual estágio dos conhecimentos, esclarecer se a grande maioria dos etnônimos registrados neste Dicionário se refere a tribos, sub-tribos, sipes ou mesmo grupos locais, optou-se por evitar tais qualificativos, salvo quando o termo tribo é abonado pela literatura etnográfica mais recente (Porro, 8). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 225 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra Para os topônimos brasileiros, alguns nomes de rio como Madeira, Tapajós, Solimões, Paranaiba (nome indígena do rio Xingu) e Amazonas, e nomes de localidades como a ilha do Marajó, aparecem escritos exatamente assim, no texto fonte, mas sem os acentos gráficos. Optamos por acentuá-los. No caso de lugares e rios estrangeiros, como Cubagua (ilha venezuelana) e Curaray (rio do Equador e do Peru, e afluente do rio Napo), a grafia foi mantida. No caso de territórios e províncias – como Aparia, Machiparo e Omagua – mantivemos a grafia. Segundo o Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial, Aparia é “um dos nomes com que as fontes quinhentistas se referem àquele que, no século 17, seria conhecido como o território dos Omagua do alto Amazonas” (Porro, 18); Machiparo “era uma província que ocupava a marg. dir. do Solimões, desde acima do Tefé até o Coari, identificável com os Curucirari ou Aisuari do séc. 17” (Porro, 60); e Omagua “é a grande província de Aparia ou Carari do Amazonas peruano e do alto Solimões, que já impressionara os viajantes do séc. 16 pela boa disposição, denso povoamento e aparente civilidade de suas grandes aldeias, [...] (Porro, 76). No caso do rio Marañón, a princípio, simplesmente o aportuguesamos – Maranhão. Porém, no decorrer dos textos, principalmente no capítulo XI (escrito por Toribio Medina), que trata dos vários nomes do rio – que nem eles sabiam ao certo qual era e de onde procedia esse nome – percebemos o equívoco: Se fosse dito que o nome de Marañón ou Maranhão procedia de algum navegador português, não poderíamos, da nossa parte, contradizer tal afirmação; mas visto que quem dá a notícia assevera que o nome provém de origem espanhola, é o caso de negar essa suposição18 (Carvajal, 236). 18 Si se dijese que el nombre de Marañón ó Maranhao procedía de algún navegante portugués, no podríamos por nuestra parte contradecir semejante aserción; pero como los que dan la noticia aseveran que el nombre procede de origen español, estamos en el caso de negar aquella suposición. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 226 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas Outra constatação foi percebida, no capítulo VIII, sobre a abreviatura P. que antecede o nome de Gaspar de Carvajal, que não se referia à Padre – como a princípio pensamos – e sim à Provincial, “o religioso que tem governo e superioridade sobre todas as casas e conventos de uma província”19 (Academia Autoridades, 416,120), ou seja, um cargo eclesiástico de governo na igreja Católica. A comprovação se deu através da leitura do capítulo II da introdução de Toribio Medina, que trata de Carvajal: “na verdade foi o fundador da Ordem de Santo Domingo no Peru e o primeiro vigário provincial que ali teve, até agora”21 (Carvajal, 19). Em função disso, mantivemos a abreviatura – já que temos o mesmo correspondente no português – e acrescentamos uma nota de rodapé explicativa. Essa mesma abreviatura também foi encontrada no final do capítulo XI, em “P. Manuel Rodríguez”. A tradução de textos, como vimos, implica em escolhas cuidadosas, principalmente com relação ao léxico. É necessário lembrar que existe toda uma perspectiva histórica envolvida (século XVI) e que a tradução é dirigida a uma sociedade multicultural do século XXI, onde boa parte dela é consciente no que diz respeito ao preconceito. Por isso citamos, como exemplo, a palavra “índio”, que é encontrada nos textos tanto em situações de confronto como em situações amigáveis com os expedicionários. A palavra foi mantida, na tradução, em detrimento de “indígena”, que seria a melhor escolha lexical para ratificar o pertencimento e a identidade do autóctone no continente americano. Indígena, como termo dicionarizado no Priberam é originado no latim, e adverte que se trata do que é natural do local, “que já estava antes”.22 Manter 19 El religioso que tiene el gobierno y superioridad sobre todas las Casa y Conventos de una Provincia. 20 Nuevo Tesoro Lexicográfico de la lengua Española. http://ntlle.rae.es/ntlle/Srv ltGUIMenuNtlle?cmd=Lema&sec=1.0.0.0.0. Acesso em 28 de janeiro de 2021. 21 en efecto fué el fundador de la Orden de Santo Domingo en el Perú, y el primer vicario provincial que allí tuvo, hecho hasta ahora. 22 https://dicionario.priberam.org/ind%C3%ADgena. Acesso em 12 de janeiro de 2021. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 227 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra a palavra “índio” foi uma decisão de tradução para preservar o vocábulo usado naquele contexto de narrativa e permitir ao leitor hodierno o estranhamento comumente causado ao ler um texto de 1541, quando apenas era utilizada a palavra “índio”. A entrevista concedida por Daniel Munduruku,23 mostra essa palavra associada a uma imagem pré-concebida de preguiça e ignorância em relação ao autóctone, ainda perpetuada no imaginário popular de muitos. Assim, por a língua estar sempre em movimento, é importante que o leitor perceba que mesmo mantendo seu uso, na atualidade, o significado semântico apresenta diferenças. Para finalizar, deixamos aqui algumas linhas sobre nós, as tradutoras, e sobre as contribuições dos textos traduzidos. Com relação a nós, destacamos que a tradução se apoiou – além da pesquisa documental, histórica e lexical, já mencionadas – no conhecimento da língua espanhola e da cultura dos Séculos de Ouro espanhol por parte das tradutoras, provenientes das próprias teses desenvolvidas24 e dos estudos e pesquisas realizados no Núcleo Quevedo de Estudos Literários e Traduções do Século de Ouro,25 um local de colaboração e diálogo entre vários pesquisadores/tradutores. No que diz respeito às traduções, ressaltamos que as contribuições dos textos são significativas, não só porque resgatam fatos históricos apresentados por Toribio Medina, a partir dos escritos de Carvajal, que longe de qualquer idealismo, momentos sombrios ou vagueza, escreveu para informar reis e leitores atemporais, como também 23 Daniel Munduruku: Eu não sou índio, não existem índios no Brasil. Nonada. Jornalismo Cultural. 21/11/2017. Porto Alegre. http://www.nonada.com. br/2017/11/daniel-munduruku-eu-nao-sou-indio-nao-existem-indios-no-brasil/. 24 Cesco, Andréa. Sueños y discursos, de Quevedo: barroco, sátira e tradução. Florianópolis, 2007 (PPGLit/UFSC/CAPES). http://www.tede.ufsc.br/teses/ PLIT0286-T.pdf. Bezerra, Mara Gonzalez. Tradução comentada da peça teatral Amor es más laberinto de Sor Juana Inés de La Cruz: o emaranhado jogo das antíteses. 2016 (PGET/UFSC/CAPES). http://www.bu.ufsc.br/teses/PGET0316-T.pdf. 25 Ver pesquisas em andamento e publicações. O Núcleo Quevedo está ligado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Universidade Federal de Santa Catarina. https://nucleoquevedo.paginas.ufsc.br/. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 228 Percurso tradutório em textos históricos sobre a viagem de descobrimento do Rio Amazonas evidenciam e trazem ao conhecimento a presença espanhola na formação da identidade social e cultural dos habitantes da região amazônica, no século XVI. Ademais, elas também fornecem subsídios para os estudos pós-coloniais porque o leitor poderá conhecer um pouco mais da história e ter elementos étnicos para refletir sobre a sua identidade e cultura, adquirindo uma formação crítica que valoriza saberes heterogêneos. Referências Amunategui Solar, Domingo. José Toribio Medina. Santiago de Chile (Chile): Prensas de la Universidad de Chile, 1932. Disponível em Biblioteca del Congreso Nacional de Chile. Estantería Digital: https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchiv o?id=documentos/10221.1/54585/2/53964.pdf&origen=BDigital. Burke, Peter; Po-Chia Hsia, Ronnie (Orgs.). A tradução cultural nos primórdios da Europa Moderna. Tradução de Roger Maioli dos Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2009. Carvajal, Gaspar de; Medina, José Toribio. Descubrimiento del Río de las Amazonas. Introdução histórica e ilustrações de José Toribio Medina. Sevilla: Imprenta de E. Rasco, 1894. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/518714. Carvajal, Gaspar de; Rojas, Alonso de; Acuña, Cristóbal de. Descobrimentos do Rio das Amazonas. Série 2a, Vol. 203, Brasiliana - Biblioteca Pedagógica Brasileira. Traduzido e anotado por C. de Melo-Leitão. São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre. Companhia Editora Nacional, 1941. Feliu Cruz, Guillermo. Medina y la Historiografía Americana. Un ensayo sobre la aplicación del método. Santiago de Chile (Chile): Imprenta Universitaria, Estado 63, 1933. 52p. Disponível em Biblioteca del Congreso Nacional de Chile. Estantería Digital: https://obtienearchivo.bcn.cl/obtienearchivo?id=document Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 229 Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra os/10221.1/54580/2/33633.pdf&origen=BDigital. Porro, Antonio. Dicionário Etno-Histórico da Amazônia Colonial. Cadernos do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros). São Paulo: IEB/USP, Gráfica Imprensa da Fé, 2007. http://www.ieb.usp.br/dicionario-etno-historico-da-amazoniacolonial/. Sampaio Garcia, Rozendo. “José Toribio Medina, o historiador da América”, Revista de História. v. 6, nº 13, 1953. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141. v6i13p223-229. Andréa Cesco. E-mail: andrea.cesco@gmail.com. https:orcid.org/0000-00024708-186X. Mara Gonzalez Bezerra. E-mail: mara.gonzalez.letras@gmail.com. https://orcid. org/0000-0001-8390-5910. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 213-230, jan/jul, 2021. 230 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84955 INTRODUCCIÓN HISTÓRICA Y ALGUNAS ILUSTRACIONES (CAPÍTULOS VIII E XI) José Toribio Medina Tradução de: Andrea Cesco1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil/ CNPq Mara Gonzales2 2 UNIASSELVI, Indaial, Santa Catarina, Brasil MEDINA, José Toribio. “Introdução histórica e ilustrações” de José Toribio Medina (capítulos VIII e XI), in CARVAJAL, Gaspar de. Descubrimiento del Río de las Amazonas. Sevilla: Imprenta de E. Rasco, 1894. MEDINA, José Toribio. “Introdução histórica e ilustrações” de José Toribio Medina (capítulos VIII e XI), in CARVAJAL, Gaspar de. Descubrimiento del Río de las Amazonas. Sevilla: Imprenta de E. Rasco, 18941. Cap. VIII - El viaje de descubrimiento Cap. VIII - A viagem do descobrimento Orellana y sus compañeros penetran en el Río Marañón. –Las poblaciones de Aparia el Grande. –Construcción de un nuevo bergantín.2 –Partida de los expedicionarios. –Combate en Machiparo. –Hostilidades de los indios. –Muerte de Antonio Carranza Orellana e seus companheiros penetram no Rio Marañón. – As aldeias de Aparia o Grande. – Construção de um novo bergantim. – Partida dos expedicionários. – Combate em Machiparo. – Hostilidades dos índios. – Morte de Antonio Carranza Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 231 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra y Pedro de Empudia. –Precauciones de Orellana. –Cambia el aspecto del paisaje. –Reparación de los bergantines. –Los expedicionarios se detienen en la desembocadura del Río. –Aprestos para surcar el Atlántico. –Viaje y llegada á Cubagua. e Pedro de Empudia. – Precauções de Orellana. – Muda o aspecto da paisagem. – Conserto dos bergantins. – Os expedicionários se detêm na desembocadura do Rio. – A postos para navegar o Atlântico. – Viagem e chegada a Cubagua. Si la conducta de Orellana en sus relaciones con Pizarro ha podido atraerle las gravísimas inculpaciones que dejamos expuestas, en cambio, desde que parte del pueblo de Aparia su constancia en los trabajos, sus condiciones de jefe prudente y precavido, su firmeza y energía, su coraje á toda prueba en aquel peligroso y atrevido viaje de descubrimiento, le hacen digno de gloria indiscutible y por nadie hasta ahora disputada. Se a conduta de Orellana em suas relações com Pizarro conseguiu atrair para si gravíssimas incriminações que deixamos expostas, por outro lado, desde que parte das aldeias de Aparia, sua perseverança nos trabalhos, suas características de chefe prudente e precavido, sua firmeza e energia, sua coragem a toda prova naquela perigosa e audaciosa viagem de descobrimento, tornam-lhe digno de indiscutível glória e por ninguém jamais disputada até agora. Habríamos de copiar aquí punto por punto la Relación de su cronista Carvajal si quisiéramos entrar en los pormenores de su famosa expedición; y por eso debemos limitarnos á contarla aquí en sus principales incidencias, aclarando en cuanto esté á nuestros alcances las fechas y lugares en que se verificaron. Teríamos que copiar aqui ponto por ponto da Relación de seu cronista Carvajal se desejássemos entrar nos pormenores da sua famosa expedição; assim, devemos nos limitar a contar seus principais incidentes, aclarando o que estiver dentro do nosso alcance, com relação às datas e aos lugares em que ocorreram. Hemos dicho ya que Orellana y sus Já comentamos que Orellana e seus compañeros partieron del pueblo in- companheiros partiram da aldeia dígena el día 23 de Febrero de 1542, indígena no dia 2 de Fevereiro de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 232 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina y que luego, á cosa de veinte leguas, alcanzaron la desembocadura del Río Curaray, asiento entonces de un cacique principal de la raza de los irimaraes, á quien Orellana deseaba visitar «por ser indio y señor de mucha razón» y haber ido á verle llevándole algunos regalos; mas tuvo que desistir de su propósito por causa de la violencia de las aguas en la confluencia de ambos ríos, que era tanta que con los remolinos que hacían y los maderos que arrastraban pusieron á las débiles embarcaciones en grave peligro de zozobrar. 1542 e que, em seguida, a mais ou menos vinte léguas, alcançaram a desembocadura do Rio Curaray, local onde vivia, naquele momento, um cacique principal da etnia dos Irimaraes, a quem Orellana desejava visitar “por ser índio e senhor de muita razão”, e porque lhe ofereceria alguns presentes; mas precisou desistir de seu propósito por causa da violência das águas na confluência dos dois rios, que era tanta que com os redemoinhos que faziam e o madeirame que arrastavam colocaram as frágeis embarcações em grave perigo de naufragar. No muy lejos de allí, dos de las canoas en que iban once de los expedicionarios adelantáronse por entre unas islas y no lograron reunirse al grueso de sus compañeros sinó al cabo de dos días, cuando ya se les creía perdidos y se hallaban todos con la aflicción que es de suponer.4 Después de un día de descanso, al siguiente por la mañana encontraron unas poblaciones de indios que recibieron con agrado á los españoles, dándoles tortugas y papagayos y otras provisiones de que tenían gran necesidad. Pernóctose en otro pueblo inmediato y abandonado, y de allí temprano en la mañana el campamento trasladóse por causa de los Não muito longe dali duas das canoas, nas quais onze expedicionários avançavam por algumas ilhas, não conseguiram se reunir ao grupo maior de companheiros senão depois de dois dias, quando já se acreditava que estavam perdidos; encontravamse todos aflitos, como era de se esperar. Depois de um dia de descanso, na manhã seguinte encontraram algumas aldeias de índios que deram as boas-vindas aos espanhóis, oferecendo-lhes tartarugas e papagaios e outros suprimentos de que precisavam. Pernoitaram em outra aldeia próxima e abandonada e, de manhã cedo, mudaram o acampamento, por causa dos mosquitos, para outro lu- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 233 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra mosquitos á otro mayor que parecía gar maior, que parecia ser mais abaimás abajo, donde estuvieron tres xo, onde permaneceram por três dias días agasajados de sus moradores. acolhidos pelos moradores. Por fin, al día siguiente, Domingo II de Febrero, la pequeña escuadrilla entraba á surcar las aguas del Marañón.5 Por fim, no dia seguinte, domingo II de Fevereiro, a pequena esquadra começava a navegar nas águas do Marañón. Durante quince días siguieron aguas abajo á vista de algunos pueblos que se veían asentados á las orillas: el Domingo 26 de Febrero por la mañana les salieron á encontrar algunas canoas de indios, llevándoles de regalo algunas tortugas, aves y pescados por encargo de Aparia el Grande, cuyo asiento se hallaba cercano, y adonde, guiado por los indígenas, aportó luego Orellana. Después de una plática en que el capitán español manifestó á los indios allí reunidos el propósito que abrigaba de continuar por el río adelante, y de como él y sus compañeros eran hijos del Sol, dios que adoraban aquellos ribereños, rogáronle que se quedase allí y que ellos le proveerían de las cosas que necesitase, comenzando por dejarle desocupado el pueblo para que en él se hospedase. Por quinze dias seguiram rio abaixo, sob o olhar de algumas aldeias assentadas e avistadas nas beiras: no domingo, 26 de Fevereiro, pela manhã, algumas canoas de índios vieram encontrá-los, oferecendo de presente algumas tartarugas, aves e peixes, em nome de Aparia o Grande, cujo território se encontrava próximo, e onde, guiado pelos índios, logo aportou Orellana. Depois de uma conversa, em que o capitão espanhol manifestou aos índios ali reunidos sua intenção de continuar avançando pelo rio, e de como ele e seus companheiros eram filhos do Sol, deus que aqueles ribeirinhos adoravam, os índios imploraram que ficasse ali e que lhe dariam tudo que viesse a precisar, começando por desocupar a aldeia para que nela se alojasse. En vista de que la ocasión parecía Como a ocasião parecia favorável, favorable, Orellana reunió á sus Orellana reuniu seus companheiros compañeros para significarles la para discutir o conveniente que era Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 234 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina conveniencia de que en aquel punto se fabricase el bergantín, en lo que todos asintieron gustosos, ya que comprendían cuánto les importaría de ahí adelante navegar en embarcaciones que les permitiesen resistir los futuros ataques de los indios enemigos y desafiar más tarde el empuje de las olas del mar. Repartió, en consecuencia, el trabajo entre todos, bajo la inmediata dirección del sevillano Diego Mexía. Al cabo de una semana, la madera que se requería estaba ya cortada; hízose luego el carbón necesario para continuar la fabricación de los clavos y otros aparejos de hierro, valiéndose de una fragua «que un ingenioso compañero, dice Carvajal, había hecho sin ser herrero»; utilizóse el algodón como estopa; la resina de los árboles silvestres, que los indios se encargaron de buscar, como brea; y así, con el entusiasmo de todos, en cuarenta y un días6 labróse un bergantín, que resultó bastante mejor y más grande que el que traían, al cual hubo también que reparar, porque venía ya podrido. aquele local para fabricar o bergantim, ao qual todos concordaram de bom grado, já que entendiam o quão importante era, desse ponto em diante, navegar em embarcações que permitissem resistir aos futuros ataques dos índios inimigos e enfrentar, mais tarde, a pressão das ondas do mar. Dividiu, a seguir, o trabalho entre todos, sob a supervisão do sevilhano Diego Mexía. Ao fim de uma semana, a madeira exigida já estava cortada; e o carvão necessário para continuar a fabricação de pregos e outros artefatos de ferro foi providenciado, usando uma frágua “que um engenhoso companheiro, diz Carvajal, construiu sem ser ferreiro”; o algodão foi utilizado como estopa e a resina das árvores silvestres, a qual os índios se encarregaram de buscar, como piche; e assim, com todos entusiasmados, em quarenta e um dias um bergantim foi construído, muito melhor e maior do que o anterior, que também precisou ser reparado, porque estava podre. En los días que allí se pasaron, Orellana tomó posesión, á nombre del Rey, de algunos otros caciques; hizo que el P.7 Carvajal predicara en las fiestas más solemnes; eligió por Nos dias ali decorridos, Orellana apoderou-se, em nome do Rei, de alguns caciques; fez o P. Carvajal pregar nas festas mais solenes; elegeu como alferes um fidalgo Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 235 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra alférez á un hidalgo llamado Alonso de Robles, que por su desempeño del cargo acreditó más tarde el buen acierto de su jefe; confesáronse todos con los dos religiosos de la expedición; y, por fin, ya listos los preparativos y descargadas las conciencias, dióse la orden de marcha para el 24 de Abril. chamado Alonso de Robles, que pelo desempenho no cargo provou mais tarde a boa escolha do seu chefe. Todos se confessaram aos dois religiosos da expedição. Finalmente, com os preparativos prontos e as consciências aliviadas, foi dada a ordem de marcha para o dia 24 de Abril. Todavía el día siguiente, Aparia en persona fué a llevarles bastimentos en un pueblo suyo de más abajo, y su buen tratamiento duró por todo el trayecto de las regiones que le estaban sujetas. «De allí adelante, refiere el P. Carvajal, pasamos más trabajo y más hambre y despoblados que de antes, porque el río venía de monte á monte y no hallábamos adonde dormir, ni menos se podía tomar ningún pescado, así que nos era necesario comer nuestro acostumbrado manjar, que era yerbas y de cuando en cuando un poco de maíz tostado.» Ainda no dia seguinte, Aparia em pessoa foi levar mantimentos a uma de suas aldeias, rio abaixo; seu bom trato perdurou por todo o trajeto nas regiões sob seu domínio. “A partir daí, conta o P. Carvajal, passamos a ter mais trabalho, mais fome e mais lugares desabitados do que antes, porque o rio ficava entre colinas e não achávamos lugar para dormir, e menos ainda para pegar algum peixe, por isso tínhamos que nos conformar em comer nossa iguaria de todo dia, que era ervas e, de vez em quando, um pouco de milho torrado.” Con este trabajo iban, cuando el 12 de Mayo avistaron las poblaciones de Machiparo, de que ya les habían dado noticia en Aparia, donde los indios les salieron de guerra, tan á destiempo, que por venir la pólvora húmeda no se pudieron valer de los arcabuces, y sí sólo de las ballestas, Assim iam, quando no dia 12 de Maio avistaram as aldeias de Machiparo, das quais tiveram notícia em Aparia, de onde os índios saíram em pé de guerra, tão em má hora, porque com a pólvora ainda úmida não foi possível usar os arcabuzes, apenas as balestras, suficientes para Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 236 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina que bastaron para alejar á los enemigos y para permitirles tomar puerto en un pueblo que todavía defendieron los indios, pero que en cambio resultó hallarse abastecido en abundancia. afastar os inimigos e permitir-lhes atracar em uma aldeia ainda defendida pelos índios, mas que, por outro lado, revelou-se abundantemente abastecida. Empero, reunir las tortugas que allí guardaban en albercas, y otras provisiones, no fué cosa fácil. Á Cristóbal de Segovia y algunos otros á quienes Orellana confió el cuidado de recogerlas, les dieron un asalto furioso; atacaron á la vez á los que se habían quedado en el pueblo y en los bergantines, y la jornada del día resultó haber costado á los españoles dieciocho heridos, algunos de los cuales fueron embarcados envueltos en mantas como fardos para no envalentonar á los enemigos, uno de ellos tan grave que murió á los ocho días, y la pérdida de un arcabucero que quedó inútil por las heridas que recibió. Embarcados al fin todos, se hicieron á lo largo del río, seguidos por numerosas canoas de indígenas, que les fueron hostilizando toda la noche. Al rayar el alba divisaron muchas y muy grandes poblaciones, de donde salían indios de refresco á remudar á sus compañeros que venían fatigados; y como ya al mediodía la situación se hacía insostenible para los españoles, rendidos de los azares del día anterior, muchos Contudo, reunir as tartarugas, mantidas em tanques, e as outras provisões não foi algo fácil. Cristóbal de Segovia e outros, a quem Orellana confiou o cuidado de recolhê-las, foram atacados de surpresa, furiosamente. Agrediram, ao mesmo tempo, os que haviam permanecido na aldeia e nos bergantins. A jornada custou aos espanhóis dezoito feridos, alguns dos quais foram embarcados enrolados em mantas, como fardos, para não encorajar os inimigos; um deles tão grave que morreu após oito dias, e a perda de um arcabuzeiro que, pelos ferimentos recebidos, ficou inutilizado. Por fim, todos embarcados, navegaram ao longo do rio, seguidos por inúmeras canoas indígenas, que os perseguiram a noite toda. Ao amanhecer, avistaram muitas e grandes aldeias, de onde saíam índios para substituir os companheiros fatigados. E como ao meio-dia a situação se tornava insustentável aos espanhóis, rendidos pela falta de sorte do dia anterior, muitos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 237 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra heridos y cansados todos de tanto remar, Orellana acordó, para dar algún descanso á su gente y que pudiera comer, atracar con los bergantines á una isla desierta que aparecía en medio del río; y comenzaban ya á guisar cuando se vió que los indios trataban de atacar á la vez por agua y tierra, con lo cual hubo de mudar de propósito y hacerse de nuevo á lo largo, pensando así defenderse mejor. Seguidos siempre de los indios, llegaron á una angostura que el río hacía, donde, apostados muchos de aquéllos en tierra, dominaban los bergantines, que allí probablemente quedaran con sus tripulantes, á no ser por el acierto de Hernán Gutiérrez de Celis, que de un arcabuzazo derribó al indio que capitaneaba las canoas, y á quien, por acudir sus compañeros á verle, dieron tiempo á que los barcos de los españoles saliesen de aquel peligroso paso. Todavía, sin embargo, les fueron hostigando los indios dos días y dos noches, sin darles un punto de reposo, al cabo de los cuales salieron al fin de los dominios del belicoso Machiparo. feridos e todos cansados de tanto remar, Orellana concordou, para que pudessem descansar e comer, em atracar os bergantins em uma ilha deserta que aparecia no meio do rio. Já estavam cozinhando quando viram que os índios tratavam de atacar tanto por água como por terra, obrigando-os a mudar de ideia e voltando a navegar, pensando que assim se defendiam melhor. Sempre seguidos pelos índios, chegaram a uma parte estreita do rio onde muitos dos posicionados em terra dominariam os bergantins, e ali seus tripulantes provavelmente ficariam, não fosse o tiro certeiro do arcabuz de Hernán Gutiérrez de Celis que, derrubando o índio que capitaneava as canoas e que precisou ser socorrido pelos companheiros, deu tempo para que as embarcações dos espanhóis deixassem aquela perigosa passagem. Porém, ainda foram perseguidos pelos índios, sem ao menos uma trégua, durante dois dias e duas noites, quando, finalmente, deixaram para trás os domínios do belicoso Machiparo. Más adelante encontraron otro pueblo de distinta tribu, que los expedicionarios hubieron de tomar á viva fuerza para procurarse un Mais adiante encontraram outra aldeia, de uma tribo diferente, que foi tomada à força pelos expedicionários, para terem o descanso Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 238 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina descanso que tanto necesitaban, y después de reposar en él tres días y de proveerse de bizcocho y frutas, continuaron su marcha el 16 de Mayo,8 huyendo siempre, en cuanto podían, de encontrarse con los habitantes de los numerosos pueblos que divisaban en ambas orillas del río, todos pertenecientes al señorío de Omagua, hasta llegar á tierra del cacique Paguana, cuya gente les recibió de la manera más hospitalaria. El 29 de aquel mes desembarcaron en un pueblo pequeño, que ocuparon sin resistencia, y el 3 de Junio avistaban la desembocadura del Río Negro. Descansóse el día siguiente, que era Domingo, y el Lunes 5 tomaron puerto en un pueblo mediano, y luego en otros, en que iban proveyéndose de comida, sin que les ocurrieran otros incidentes de importancia hasta el 7, en que sostuvieron un combate nocturno con los indios, á costa de algunos españoles que salieron heridos, y de unos cuantos indios que fueron tomados prisioneros y ahorcados en seguida. que tanto necessitavam. Depois de repousarem no local por três dias e se alimentarem de biscoitos e frutas, no dia 16 de Maio continuaram a viagem, fugindo sempre, tanto quanto podiam, de encontros com os habitantes das numerosas aldeias avistadas em ambas margens do rio, todas pertencentes ao território dos Omagua, até chegarem nas terras do cacique Paguana, cujo povo os acolheu com a maior hospitalidade. No dia 29 daquele mês desembarcaram em uma pequena aldeia, que ocuparam sem resistência, e no dia 3 de Junho avistaram a desembocadura do Rio Negro. O dia seguinte foi para descanso, porque era domingo, e na segunda-feira, dia 5, desembarcaram em uma aldeia de porte médio, e depois em outras, nas quais se abasteceram de comida, sem que incidentes de importância acontecessem até o dia 7, em que mantiveram um combate noturno com os índios, à custa de alguns espanhóis feridos e de alguns índios aprisionados e logo enforcados. El 8, día del Corpus Christi, y el siguiente fueron de descanso. El 10 temprano en la mañana vieron entrar en el que surcaban un poderoso río, que bautizaron con el nombre de O dia 8, de Corpus Christi, e o seguinte foram de descanso. No dia 10, ao amanhecer, viram entrar onde navegavam um poderoso rio, ao qual batizaram com o nome de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 239 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra Grande, y que hoy es conocido con el de Madeira. El 13 divisaron un pueblo considerable y muy fuerte, puesto en alto, que por la hechura de sus casas «mostraba en sí ser frontera de otras provincias»; y el 14 avistaron otro, que tomaron para proveerse de comida, donde incendiaron una choza grande, en que perecieron abrasadas algunas mujeres y muchachos. El 24 sostuvieron un nuevo combate con los indios, capitaneados esta vez por las llamadas amazonas, de que resultaron heridos algunos españoles, y entre ellos el padre Carvajal «con una flecha en la hijada, que, según cuenta, le entró hasta lo hueco, é si no fuera por los dobleces de los hábitos, por donde primero pasó la flecha, me mataran.» Ese día el buen padre había predicado en honor de la festividad del Precursor de Cristo; pero estaba de Dios que había de andar desafortunado, porque en otro combate que se trabó luego le quebraron también un ojo...9 Grande, e que hoje é conhecido por Madeira. No dia 13 avistaram uma aldeia enorme e muito forte, situada no alto, que pelo tipo das casas “mostrava ser fronteira de outras províncias”; e no dia 14 avistaram outra, tomada para o provimento de alimentos, onde atearam fogo a uma grande cabana, na qual algumas mulheres e meninos morreram queimados. No dia 24 travaram novo combate com os índios, dessa vez liderado pelas chamadas amazonas, no qual alguns espanhóis foram feridos, entre eles o padre Carvajal, “com uma flecha na coxa que, segundo ele, entrou fundo, e não fosse pelas pregas do hábito por onde a flecha passou primeiro, eles teriam me matado”. Nesse dia, o bom padre pregou em homenagem à festividade do Precursor de Cristo; mas, quis Deus que ele ainda tivesse azar, porque em outro combate logo travado perdeu um olho. Con semejante percance, Orellana hubo de redoblar sus precauciones y continuar la marcha sin desembarcar en pueblo alguno, aunque las provisiones escaseaban mucho, por temor de que los indios le matasen algunos de sus soldados; pero todas ellas no bastaron á impedir que poco después Diante do contratempo, Orellana teve que redobrar as precauções e continuar a expedição sem desembarcar em nenhuma aldeia, embora as provisões fossem muito escassas, por medo de que os índios matassem mais de seus soldados; mas todas elas não foram suficientes para evi- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 240 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina de finalizar el mes10 muriese de un flechazo con veneno Antonio Carranza. Para remediar en lo posible que los indios hiriesen impunemente á sus soldados, Orellana hizo amarrar los bergantines á los árboles de una isla que había en la desembocadura de un río grande que entraba por la derecha (al parecer el Tapajos) y ponerles una especie de barandas para defenderse de las flechas envenenadas de los salvajes; pero esto tampoco bastó para que poco después, al pasar por frente á la desembocadura de uno de los brazos del Paranaiba, flechasen también á otro soldado llamado García de Soria, que del veneno falleció antes de las veinticuatro horas. tar que Antonio Carranza morresse de uma flecha envenenada pouco depois de finalizar o mês. Para evitar ao máximo que os índios ferissem seus soldados impunemente, Orellana mandou amarrar os bergantins às árvores de uma ilha, na foz de um grande rio que entrava pela direita (aparentemente o Tapajós), e construir uma barreira para se defenderem das flechas envenenadas dos selvagens. Mas isso também não bastou para que pouco depois, ao passar pela desembocadura de um dos braços do Paranaiba, flechassem outro soldado chamado García de Soria, que morreu envenenado em menos de vinte e quatro horas. En medio de estos percances, comenzaron sin embargo los expedicionarios á sentirse más alentados cuando conocieron que ya por aquellos lugares se dejaba sentir el reflujo de la marea, indicio evidente de que no podían hallarse lejos del Atlántico. Cruzaron entonces á la banda opuesta del río, siempre huyendo de lo poblado, y allí, después de andar á lo largo por espacio de algunas leguas, en que las poblaciones se veían un tanto alejadas hacia el interior y la tierra comenzaba á presentarse despojada de los bosques que cubrían las orillas, descansaron dos días. Desde allí el aspecto No entanto, em meio a esses contratempos, os expedicionários começaram a se animar, ao saber que o refluxo da maré já se fazia sentir, um indício claro de que não poderiam estar longe do Atlântico. Então cruzaram para a margem oposta do rio, sempre fugindo das aldeias, e ali, após navegarem lentamente por algumas léguas, quando as aldeias foram avistadas de longe e a terra começava a aparecer despojada dos bosques que cobriam as margens, descansaram por dois dias. A partir daí, a paisagem mudou completamente de aspecto: a planície e os Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 241 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra del paisaje era del todo diverso: á las sabanas y barrancas altas sucedía la tierra baja, y el cauce del río se veía interrumpido por numerosas islas poco pobladas, entre las cuales comenzaron á remar, procurándose comida donde sin daño se podía, «y por ser las islas anchas y muy grandes, expresa el P. Carvajal, nunca pudimos tornar á tomar la tierra firme de una ni de la otra parte fasta la mar»… altos barrancos vinham seguidos por baixadas, e o leito do rio estava interrompido por numerosas ilhas pouco povoadas, entre as quais eles começaram a remar, buscando alimentos onde podiam, livres de confrontos. “E por serem as ilhas largas e bem grandes, diz o P. Carvajal, nunca tornamos a pisar em terra firme tanto de um lado como de outro até encontrar o mar”... «Yendo caminando por nuestro acostumbrado camino, continúa luego el cronista, como salíamos muy faltos y con harta necesidad de comida, fuimos á tomar un pueblo, el cual estaba metido en un estero: hora de pleamar mandó el Capitán enderezar allá el bergantín grande; acertó á tomar el puerto bien, y saltaron los compañeros en tierra: el pequeño no vido un palo que estaba cubierto con el agua, y dió tal golpe que una tabla se hizo pedazos, tanto que el barco se anegó. Aquí nos vimos en muy grandísimo aprieto, tanto que en todo el río no le tuvimos mayor, y pensamos todos perecer, porque de todas partes nos golpeaba la fortuna; porque como nuestros compañeros saltaron en tierra, dieron en los indios y los hicieron huir, y creyendo que estaban seguros comienzan á recoger comida. Los indios, como eran “Indo pelo nosso caminho de costume, continua o cronista, e como saímos bem abatidos e com extrema necessidade de alimentos, fomos tomar uma aldeia que se encontrava encravada em um estuário: na hora da maré alta o capitão mandou aprumar o bergantim grande; os companheiros conseguiram tomar o porto e pular em terra. Já o bergantim pequeno, não teve sequer um pau coberto pela água: um forte golpe recebido despedaçou uma tábua e o afundou. Vimo-nos, aqui, em grandíssimo apuro, o pior dos já passados no rio, e pensamos que todos nós pereceríamos, porque de todos os lados o azar nos golpeava: assim que nossos companheiros pularam em terra, bateram nos índios e os afugentaram e, acreditando que estavam seguros, começaram a recolher alimentos. Os índios, como Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 242 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina muchos, revuelven sobre nuestros compañeros y danles tal mano, que los hacen volver donde estaban los bergantines, los indios en su seguimiento; pues en los bergantines poca seguridad tenían, porque el grande estaba en seco, que había bajado la marea, y el pequeño anegado, como he dicho»… eram muitos, revidaram e deram uma surra tão grande nos nossos companheiros que fizeram todos retornar aos bergantins, com os índios no encalço; mas, nos bergantins, pouca segurança tiveram, porque o grande estava no seco, já que a maré havia baixado, e o pequeno tinha afundado, como eu disse”... Para salir de este aprieto, dispuso Orellana que la mitad de sus hombres hiciesen frente á los indios, mientras los otros varaban el bergantín y reparaban el daño. Á cargo del grande, que se apartó de la orilla, quedó sólo el jefe, otro soldado y los dos religiosos. Por fortuna, al cabo de tres horas, los indios se retiraban, á tiempo que la avería quedaba salvada. Para sair desse aperto, Orellana ordenou que metade de seus homens enfrentasse os índios, enquanto os outros desencalhavam o bergantim e consertavam os danos. No comando do grande, que se afastou da costa, ficaram apenas o chefe, um soldado e os dois religiosos. Felizmente, depois de três horas, os índios se retiraram, ao mesmo tempo em que o reparo das avarias terminava. Al día siguiente se refugiaron entre la espesura de un monte y dieron comienzo á la obra de aderezar el barco pequeño para que pudiese navegar por la mar, comenzando por hacer los clavos que todavía faltaban. Estas faenas duraron dieciocho días, en cuyo tiempo el hambre les apretó de tal manera que se repartían contados los granos de maíz, y de cuya necesidad vino á salvarles la pesca casual de una danta recién muerta que arrastraba la corriente. No dia seguinte, refugiaram-se no matagal de uma colina e deram início ao conserto da embarcação pequena para que pudesse navegar pelo mar, começando pela fabricação dos pregos que ainda faltavam. O serviço durou dezoito dias, quando a fome os apertou de tal forma que os grãos de milho eram divididos de forma exata, e de cuja necessidade a pesca casual de uma anta recém-morta, trazida pela correnteza, veio salvá-los. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 243 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra Quedaba todavía por reparar el bergantín grande, y para ello siguieron aguas abajo en busca de una playa donde pudiesen vararlo, y, una vez hallada, en catorce días «se adobaron de todo entrambos bergantines y se les hizo sus jarcias de yerbas y cabos para la mar, y velas de las mantas en que dormíamos, y se les pusieron sus mástiles»: «días de continua y ordinaria penitencia, recuerda el religioso domínico, por la mucha hambre y poca comida que había, que no se comía sinó lo que se mariscaba á la lengua del agua, que eran unos caracolejos y unos cangrejos bermejuelos del tamaño de ranas; y éstos iban á tomar la mitad de los compañeros, y la otra mitad quedaban trabajando»... O bergantim grande ainda precisava ser consertado, por isso seguiram rio abaixo em busca de uma enseada onde pudessem ancorá-lo. Uma vez encontrada, em quatorze dias “ambos os bergantins foram reconstruídos com todo o necessário para o mar, seus cabos e cordames, feitos de plantas, e as velas, dos cobertores em que dormíamos, sendo que colocaram os mastros sobre eles”: “dias de contínua e regular penitência, relembra o religioso dominicano, pela grande fome e pouca comida que havia, porque só comiam o que se mariscava flutuando na água, que eram alguns caramujos e caranguejos avermelhados, do tamanho das rãs; isso requeria a metade dos companheiros, e a outra metade ficava trabalhando”... Por fin, el 8 de Agosto se alejaban de aquel lugar, andando á la vela en las horas del descenso de la marea, y dando bordos á un cabo y á otro; pero como carecían de anclas, amarraban los barcos á las piedras, sucediéndoles á veces que garraban y retrocedían en una hora el camino que habían andado en un día. Hallaban todavía algunos pueblos de indios mansos que tenían escondidas sus provisiones, debiendo por esto contentarse á veces únicamente con ciertas raíces, «que á no las hallar, Finalmente, em 8 de Agosto, afastaram-se daquele lugar, navegando com as velas içadas nas horas em que a maré estava baixando, bordejando um ou outro cabo. Mas, como não tinham âncoras, amarravam as embarcações às pedras, acontecendo às vezes, quando a âncora se soltava, de recuar em uma hora o que tinham navegado em um dia. Encontraram ainda algumas aldeias de índios mansos que escondiam seus mantimentos; por isso tinham que se contentar, algumas vezes, apenas com certas raízes, “que se não Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 244 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina todos pereciéramos de hambre», fossem encontradas, teríamos morrido de fome”, diz o P. Carvajal. dice el P. Carvajal. Por fin, el 24 de Agosto llegaban á la desembocadura del río. De todos los obstáculos que la naturaleza y los hombres les habían opuesto hasta entonces sólo les faltó experimentar en ese último tiempo los terribles aguaceros de aquellas regiones… Descansaron allí un día y una noche, si descanso se puede llamar dedicarse á fabricar cables y sogas para la jarcia de los bergantines; «é como se habían hecho á remiendos, siempre había que remendar en ellos... é como las demás cosas de que nos proveíamos eran contrahechas é por mano de hombres sin experiencia é no habituados á tal arte, duraban muy poco; é como no se hallaban en cada parte, era necesario venir salvando é proveyendo á saltos. Desta forma, en una parte se hacía la vela, en otra el timón, en otra la bomba y en otra la jarcia, y en cada cosa déstas, en tanto que no la teníamos, era estar á mucho peligro.» Finalmente, no dia 24 de Agosto chegaram à desembocadura do rio. De todos os obstáculos que a natureza e os homens apresentaram a eles até então, só faltava experimentar os terríveis aguaceiros daquelas regiões… Ali descansaram por um dia e uma noite, se é que se pode chamar de descanso o dedicar-se a fabricar cabos e sogas para o cordame dos bergantins; “e como tudo foi feito à base de remendos, sempre tinha algo neles para remendar... e como as demais coisas fornecidas foram mal feitas e por mãos de homens sem experiência e não habituados a tal arte, duravam muito pouco. E como não eram achados em qualquer lugar, era necessário ir salvando e provendo a tranco. Dessa forma, consertava-se uma parte da vela, ou uma parte do timão, ou uma parte da bomba ou uma parte do cordame, e como nenhum desses consertos ficava completo, estávamos sempre à mercê de grande perigo.” «Dejo de decir, continúa el P. Carvajal, otras muchas cosas de que carecíamos, así como de pilotos11 é de marineros é de aguja del navegar, que son cosas nescesarias, que sin cualquiera dellas no hay ningún hombre, “Deixo de relatar, continua o P. Carvajal, muitas outras coisas necessárias que nos faltavam, como pilotos, marinheiros e bússola de navegação, porque sem qualquer delas não há nenhum homem, por mais que lhe Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 245 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra por falto que sea de buen juicio, que ose navegar, sinó nosotros, á quien esta navegación se ofresció por caso é no por voluntad nuestra.» falte o bom senso, que ouse navegar, a não ser nós mesmos, a quem essa navegação foi oferecida por acaso e não por nossa vontade.” En aquel punto los expedicionarios tomaron agua, «cada uno un cántaro; y unos á medio almud de maíz tostado, y otros menos, y otros con raíces, y de esta manera nos pusimos á punto de navegar por la mar por donde la ventura nos guiase y echase»... Nesse momento, os expedicionários beberam água, “cada um recebeu um jarro; alguns receberam meio alqueire de milho torrado, outros menos, e outros com algumas raízes. E assim nos preparamos para navegar pelo mar, onde a ventura nos guiasse e lançasse”... Con tales elementos, el 26 de Agosto, Sábado de mañana, antes del alba, desplegaban ambos bergantines sus velas y salían á la mar por entre la isla grande de Marajo y otra más pequeña que queda hacia el norte.12 Durante cuatro días navegaron en conserva, unas veces á vista de tierra y otras un tanto alejados de la costa; pero en la noche del 29 «se apartó el un bergantín de otro,13 que nunca más nos podimos ver, dice Carvajal, que pensamos que se hubiesen perdido, y al cabo de nueve días que navegábamos metiéronnos nuestros pecados en el golfo de Paria, pensando que aquel era nuestro camino, y como nos bailamos dentro quisimos tornar á salir á la mar: fué la salida tan dificultosa, que tardamos en ella siete días, todos los cuales nun- Com tais elementos, no dia 26 de Agosto, sábado pela manhã, antes do amanhecer, os dois bergantins içaram as velas e saíram ao mar navegando entre a grande ilha do Marajó e outra menor ao norte. Durante quatro dias navegaram em comboio, às vezes avistando a terra, outras vezes um tanto afastados da costa. Mas, na noite do dia 29, “um bergantim se afastou do outro e nunca mais conseguimos nos ver, conta Carvajal, até pensamos que estivessem perdidos. Ao cabo de nove dias navegando, por conta dos nossos pecados fomos parar no golfo de Paria, pensando que aquele era o nosso caminho; circulamos naquele lugar, mas com o desejo de retornar ao mar: foi uma saída tão difícil, que nela demoramos sete dias, sen- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 246 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina ca dejaron los remos de las manos nuestros compañeros; y en todos estos siete días no comimos sinó fruta á manera de ciruelas, que se llaman hogos; así que con mucho trabajo salimos por las bocas del Dragón, que tales se pueden llamar para nosotros, porque por poco nos quedáramos dentro. Salimos de esta cárcel; fuimos caminando dos días por la costa adelante, al cabo de los cuales, sin saber dónde estábamos, ni dónde íbamos, ni qué había de ser de nosotros, aportamos á la isla de Cubagua y ciudad de la Nueva Cádiz, donde hallamos nuestra compañía y pequeño bergantín, que había dos días que había llegado, porque ellos llegaron á nueve días de Septiembre y nosotros llegamos á once del dicho mes con el bergantín grande, donde venía nuestro Capitán: tanta fué el alegría que los unos con los otros recebimos, que no lo sabré decir, porque ellos nos tenían á nosotros por perdidos y nosotros á ellos.» do que os remos dos nossos companheiros nunca ficaram parados em suas mãos em todos esses dias. Não comemos senão frutas como ameixas, que são chamadas de cogumelos; e depois de muito trabalho saímos pelas bocas do Dragão, que podem ser chamadas assim porque quase ficamos presos dentro delas. Saímos dessa prisão e navegamos por mais dois dias, seguindo a costa, quando por fim, sem saber onde estávamos e para onde iríamos, nem o que seria de nós, ancoramos na ilha de Cubagua e na cidade de Nueva Cádiz, onde encontramos nossa companhia e o bergantim pequeno que havia chegado há dois dias, porque eles chegaram aos nove dias de setembro e nós chegamos aos onze do dito mês com o bergantim grande, onde estava o nosso capitão: foi tão grande a alegria que recebemos uns aos outros que não saberei explicar, porque eles nos tinham por perdidos e nós a eles.” Así dieron fin á su «navegación é acaescimiento, que se principió impensadamente é salió á tanto efeto, como dice Oviedo, ques una de las mayores cosas que han acaescido á hombres.» Assim, relata Oviedo, foi o final da “navegação, do acontecimento, que iniciou precipitadamente e que chegou tão longe como um dos maiores feitos empreendidos por homens.” Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 247 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra Notas 1. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/518714. 2. [N.T.] Embarcação antiga, a remo (ou à vela), esguia e de convés corrido. 3. [N.A.] En el texto de Oviedo se dice, sin embargo, que fué el primero de ese mes. Entretanto, no texto de Oviedo, menciona-se que foi o primeiro dia deste mês. 4. [N.A.] A consecuencia de este incidente, Orellana ordenó allí, bajo graves penas, que los que iban en las canoas no se apartasen del barco á más de un tiro de ballesta. Como consequência desse incidente, Orellana ordenou ali, sob severas penalidades, que os que estivessem nas canoas não se afastassem da embarcação maior por mais de um tiro de besta. 5. [N.A.] El P. Carvajal en la Relación que hoy publicamos dice que la entrada en ese gran río, que allí se divide en dos brazos y á primera vista parecen dos diversos, tuvo lugar en día Domingo, y en la que Oviedo inserta en su Historia de las Indias se lee «día de Santa Olalla, habiendo ya pasado once días de Hebrero.» Ambos datos concuerdan así perfectamente, porque, en efecto, el II de Febrero de 1542 fué Domingo. Resulta asimismo de ambas relaciones, que, habiendo partido los expedicionarios de Aparia el 2 de aquel mes, para llegar al punto que indicamos sólo emplearon en la marcha siete días, pues descansaron cuatro, y aun el en que encontraron á los compañeros que se habían adelantado pararon temprano. Damos todavía de barato el tiempo que perdieron en tratar de subir aguas arriba del río en que moraba el cacique amigo de que hemos hecho mención, y aun que la partida de Aparia tuviera lugar el 1º de Febrero y no el 2; con todo lo cual siempre resultaría que los días de que tratamos no pasaron de ocho. Pues bien: si suponemos que la partida hubiese tenido lugar, como quiere el señor Jiménez de la Espada, desde poco más abajo de las juntas del Coca, nos encontraríamos así con el absurdo de que en siete días, ó en ocho á más tardar, habían andado una distancia tres veces mayor de la que indica para la primera jornada de nueve días; y no hablamos de leguas, porque, dadas las revueltas del río, todo cálculo á este respecto es del todo aventurado: nuevo argumento para creer que el pueblo de Aparia se hallaba situado en las juntas del Aguarico, ó sea casi en el promedio de la distancia recorrida por Orellana desde que salió del campamento de Pizarro hasta que penetró en Marañón. Esto mismo concurren á demostrarlo los días de marcha gastados en ambas jornadas: nueve en la primera, y siete ú ocho en la segunda. ¿Orellana, ó los que con él iban, sospecharon por acaso que el río en que Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 248 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina acababan de penetrar era el Marañón? En las informaciones de servicios rendidas por los expedicionarios después del viaje se lee simplemente que «dieron en el Río Marañón»; pero como entre ellos había algunos hombres de la mar, y la desembocadura de un gran río llamado ya con el nombre de Marañón ó de Mar Dulce se sabía existir poco más ó menos en aquella latitud, debieron comprender desde el primer momento que aquel río que parecía mar por su imponente grandeza no podía ser otro que el que las cartas geográficas marcaban con ese nombre de Marañón. O P. Carvajal na Relación, que hoje publicamos, diz que a entrada naquele grande rio, que ali se divide em dois braços e que, à primeira vista, parecem dois rios diferentes, deu-se no domingo, e na que Oviedo insere em Historia de Las Indias se lê “dia de Santa Olalla, onze dias de Fevereiro já se passaram”. Ambos os dados, portanto, concordam perfeitamente, porque, efetivamente, II de Fevereiro de 1542 foi domingo. Resulta também de ambas as relações que, tendo partido de Aparia no dia 2 daquele mês, para chegar ao ponto que indicamos, passaram apenas sete dias em marcha, pois descansaram quatro, e mesmo no dia em que encontraram os companheiros que haviam se adiantado pararam cedo. Ainda descontamos o tempo que perderam tentando subir o rio, onde morava o cacique, amigo de que falamos, mesmo que a partida de Aparia tenha ocorrido em 1º de Fevereiro e não no dia 2; sempre se verifica que os dias em questão não ultrapassaram oito. Pois bem: se supormos que a saída se deu, como quer o senhor Jiménez de la Espada, logo abaixo da junção do Coca, estaremos frente ao absurdo de que em sete dias, ou oito no máximo, haviam andado uma distância três vezes maior do que a indicada para a primeira jornada de nove dias; e não se trata de léguas porque, dada a agitação do rio, qualquer cálculo a este respeito é inteiramente arriscado: novo argumento para acreditar que a aldeia de Aparia se situava nas junções do Aguarico, ou seja, quase na metade da distância percorrida por Orellana desde que deixou o acampamento de Pizarro até entrar no Marañón. Os mesmos dias de marcha passados em ambas as jornadas concorrem para demonstrá-lo: nove no primeiro, e sete ou oito no segundo. Orellana, ou os que o acompanhavam, desconfiaram que o rio em que acabavam de entrar era o Marañón? Nas informações sobre os serviços prestados pelos expedicionários após a viagem, lê-se simplesmente que “atingiram o Rio Marañón”; mas, como havia entre eles alguns homens do mar, e se sabia que a foz de um grande rio chamado Marañón ou Mar Doce já existia, mais ou menos naquela latitude, eles devem ter entendido desde o primeiro momento que aquele rio que parecia um mar pela sua imponente grandeza, não poderia ser diferente daquele que as cartas geográficas marcavam com esse nome de Marañón. 6. [N.A] En la Relación de Carvajal que ahora publicamos se dice que fueron treinta y cinco los días, pero en esto hay un error cuya comprobación nos va á permitir establecer que los trabajos empezaron al siguiente de la llegada, y algunas fechas por lo menos curiosas para el caso. Habiéndo aportado Orellana Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 249 Tradução de Andréa Cesco & Mara Gonzalez Bezerra al asiento de Aparia el Domingo 26 de Febrero, y partido el 24 de Abril, resulta que su permanencia allí duró 57 días. «Tardóse en la obra deste bergantín», según la Relación publicada en Oviedo, «y en adobar el barco que traíamos cuarenta é un días de labor, dejando los Domingos é fiestas y el Jueves é Viernes Sancto é la Pascua, que no trabajaron los compañeros». Estos días no laborables fueron, pues, el Domingo, día de la llegada (26 de Febrero), los días 5, 12, 19 y 26 de Marzo, y el 2, 9, 16 y 23 de Abril, que fueron también Domingos; el Jueves y Viernes Santo (13 y 14 de Abril); los tres de Pascua, 17, 18 y 19 del mismo mes, y los dos días festivos de Marzo, San José el 19 y la Encarnación el 25: total de días no laborables, 16, los que descontados de los 57 que allí estuvieron, nos da la cifra de 41. En el año de 1542 el Miércoles de Ceniza cayó el 1º de Marzo, la Pascua el 16 de Abril y el Domingo de Cuasimodo, por lo tanto, el 23. ¡Al día siguiente, 24, Orellana seguía su camino! Na Relación de Carvajal que agora publicamos diz-se que foram trinta e cinco dias, mas há um erro cuja comprovação nos permitirá estabelecer que os trabalhos começaram no dia seguinte à chegada e que algumas datas são curiosas para o caso. Orellana aportou na aldeia de Aparia no domingo, 26 de Fevereiro, e partiu no dia 24 de Abril, atestando que sua estada lá durou 57 dias. “Demorou nos trabalhos desse bergantim”, segundo Oviedo publicou na Relación, “e na reparação da embarcação que trazíamos quarenta e um dias de trabalho, guardando domingos e feriados, a quinta e a Sexta-Feira Santa e a Páscoa, em que os companheiros não trabalharam”. Os dias não úteis eram, então, domingo, dia da chegada (26 de Fevereiro), os dias 5, 12, 19 e 26 de Março, e 2, 9, 16 e 23 de Abril, que também eram domingos; a quinta e a SextaFeira Santa (13 e 14 de Abril); os três dias da Páscoa, 17, 18 e 19 do mesmo mês, e os dois feriados de Março, São José no dia 19 e Nossa Senhora da Encarnação no dia 25: total de dias não úteis, 16, descontados dos 57 que lá estiveram, nos dá a cifra de 41. No ano de 1542, a Quarta-Feira de Cinzas caiu em 1º de Março, a Páscoa em 16 de Abril e o Domingo de Quasímodo, portanto, em 23. No dia seguinte, 24, Orellana continuou seu caminho! 7. [N.T] Sempre que esta abreviatura aparecer no texto, ela se refere a Provincial, cargo eclesiástico exercido pelo Frade Carvajal. 8. [N.A.] Marzo se lee por equivocación en el relato publicado por Oviedo. No relato publicado por Oviedo se lê, por engano, Março. 9. [N.A.] «No hirieron sinó á mí, dice Carvajal, que permitió Nuestro Señor por mis defetos que me diesen un flechazo sobre un ojo, que me pasó la cabeza é sobró la flecha dos dedos de la otra parte detrás de la oreja, algo más arriba: de la cual herida, demás de perder el ojo, he pasado mucho trabajo é fatiga, é aún no estoy libre de dolor»… “Só eu fui ferido, diz Carvajal, porque, pelos meus defeitos, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 250 Introducción histórica y algunas ilustraciones (Capítulos VIII e XI) de José Toribio Medina Nosso Senhor permitiu que eu fosse flechado no olho; a flecha passou pela minha cabeça e atravessou, em dois dedos, a outra parte atrás da orelha, um pouco mais acima: dessa ferida, além de perder o olho, tive muito trabalho e cansaço, e ainda não estou livre das dores”... 10. [N.A.] El hecho debe haber tenido lugar en la fecha que indicamos. Desde el 25 de Junio en adelante la cronología del viaje se hace difícil de establecer á causa de que el cronista se limita de ordinario á decir: «desde á pocos días», «había algunos días», etc. O evento deve ter ocorrido na data que indicamos. A partir do dia 25 de Junho, torna-se difícil estabelecer a cronologia da viagem porque o cronista se limita a dizer: “há poucos dias”, “há alguns dias”, e assim por diante. 11. [N.T.] Equivale atualmente, em parte, ao primeiro oficial. 12. [N.A.] Así se deduce del siguiente pasaje de la Relación publicada en Oviedo: «Esta boca del Río tiene de ancho, de punta á punta, cuatro leguas, é vimos otras bocas mayores que ésta por donde salimos á la mar; é segúnd razón de hombres expertos á la muestra quel Río hacia de muchas islas é golfos é bahías, cincuenta leguas atrás antes que saliésemos, bien se manifestaba quedar otras bocas á la mano diestra como veníamos... É con toda la diligencia que se puso en buscar la tierra firme del Río, nunca se pudo ganar: de suerte que nos fué forzado salir entre islas de una banda é de otra por la boca susodicha.» Assim pode ser deduzido do seguinte fragmento da Relación, publicada por Oviedo: “Essa desembocadura do rio tem, de uma ponta a outra, quatro léguas de largura; mas vimos outras desembocaduras maiores que esta quando saímos ao mar. Segundo o juízo de homens experientes, ao que parece, quando partimos, cinquenta léguas atrás, aquele rio tinha muitas ilhas, golfos e baías, o que apontava para a chance de haver outras desembocaduras à direita quando percorremos... Mas, apesar de toda a diligência investida em buscar a terra firme do Rio, nunca foi possível ganhá-la: assim, fomos obrigados a sair entre ilhas de um lado e de outro pela referida desembocadura.” 13. [N.A.] Al pequeño le habían bautizado con el nombre de San Pedro, y al otro con el de Victoria. O pequeno foi batizado com o nome de São Pedro e o outro com o de Vitória. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 231-251, jan/jul, 2021. 251 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84956 “TUDO ARDE, TUDO QUEIMA”: O SINCRETISMO DE GEMMA FERRUGGIA ENTRE A VIAGEM ENTRE A VIAGEM REAL E A VIAGEM LITERÁRIA Karine Simoni1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil Desde os primórdios da presença europeia no território hoje mapeado como Amazônia, as paisagens cobertas por florestas tropicais, campos, igapós, rios e lagoas, e a presença de contingentes humanos de culturas até então nunca vistas, têm provocado estupor e fascínio, que nutriram e nutrem a ambição e o desejo de aventureiros e exploradores em conhecer e apossar-se do lugar. Atraídos por esse cenário, indivíduos de diferentes nacionalidades e com variados objetivos dirigiram-se para a região ao longo dos séculos, e muitos deles dedicaram-se à narrativa escrita de suas experiências, imaginações e expectativas de viagem. A presença de mulheres no espaço da viagem e da sua escrita foi no geral rara; mesmo com os avanços das lutas feministas que se intensificaram a partir do século XIX, a mulher, grosso modo, até aquele período permaneceu confinada ao espaço doméstico e à imagem de esposa e mãe, de modo que as mulheres que se destacaram como viajantes-escritoras foram as que predispunham de certo grau de instrução e de uma posição social que lhes possibilitaram sair da imobilidade e participar de uma viagem. É o caso de Gemma Ferruggia, que esteve no Brasil em dois momentos: em 1898 e em 1921, sempre junto com seu marido, e que, a respeito da primeira viagem, escreveu o relato Nostra Signora del mar dolce. Missioni e paesaggi dell’Amazzonia, publicado em Milão em 1902, no qual relata, analisa e (re)cria suas Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Karine Simoni impressões das experiências vividas, e do qual aqui é apresentado e traduzido o capítulo VI, intitulado Madonna Fantasia. Nascida em 1867 em Livorno, cidade portuária da Toscana, Itália, e falecida em Milão em 1930, Ferruggia participou de modo bastante ativo das discussões políticas do seu tempo, em especial no campo do feminismo, da imigração e do nacionalismo. Seus posicionamentos transparecem nos textos literários e ensaísticos que escreveu e constituem, de alguma maneira, o modus operandi das suas memórias, análises e escrituras, inclusive no seu relato de viagem, e, portanto, não devem ser negligenciados por quem a traduz. Romancista, jornalista, conferencista, dramaturga e ensaísta, embora hoje Ferruggia seja ignorada pelas histórias literárias e pela crítica1, escreveu os romances Verso il nulla (1890, premiado em 1894), L’idea (1891), L’enigma soave (1892) e Follie muliebri (1893), todos bem recebidos pela crítica e o último traduzido para o inglês; a novela Odi et amo (1899), composta após uma estadia em Paris; uma série de artigos para os jornais La Tribuna, Corriere della sera, La Stampa, La Donna, tendo ainda atuado como correspondente de guerra durante a Primeira Guerra para o jornal Il fronte interno. No campo do teatro compôs o monólogo Come allora!, o drama Amata Desclée, uma homenagem à atriz francesa, e La gioia di vivere (1907), com o qual finalmente foi reconhecida nessa área. Como ensaísta destaca-se Il cervello della donna: intellettualità femminile (1900), em que dá visibilidade à atividade intelectual das mulheres ao longo da história.2 É esse, aliás, o fio condutor da obra de Ferruggia, que desde o primeiro romance manifestou seu pensamento sobre a questão feminista, que foi constantemente revisto e desenvolvido nos escritos e nas conferências posteriores. Boa parte da sua obra teve o objetivo de analisar a presença das mulheres na literatura italiana e de reunir os triunfos, as dores e as humilhações vividas por elas. 1 Como exceção, destaco os estudos de Marzia Lea Pacella (1997), César Palma dos Santos (2014) e Chiara Evangelista (2016). 2 As informações biobibliográficas foram extraídas de Lea Pacella (1997). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 253 “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real... As posições de Ferruggia perante as demandas dos movimentos feministas, porém, foram motivo de controvérsia e por isso criticadas, a ponto de ser definida como antifeminista. Isso porque defendia que, embora à mulher não devesse ser delegado um lugar de submissão, tampouco deveria ser-lhe dado um papel social igual ao do homem. Segundo Lea Pacella (1997), Ferruggia retratou analogias e diferenças entre escritores e escritoras, mas absteve-se de refletir sobre conceitos de inferioridade e superioridade; criticou as associações e as manifestações públicas das mulheres e defendeu a ação individual e a educação como motor das esperadas mudanças sociais. Essas ideias não estão apenas nos textos ficcionais e ensaísticos, como também no seu relato de viagem: ao comentar as leis de Jurupari sobre as mulheres, e que davam a elas uma condição de submissão ao homem, ela afirma que essas normas “em grande parte, deveriam ser seguidas pelas mulheres de todos os países, diga-se sem maldade.3” (186) A defesa dos movimentos nacionalistas é outra característica de Ferruggia, o que pode ser aferido em especial pela constatação da sua amizade e admiração pelo poeta e romancista Gabriele D’Annunzio, grande incentivador do nacionalismo na Itália; admiração esta que se reflete também no texto aqui traduzido, seja através de citações diretas do autor, seja no partilhamento de suas ideias. Para melhor traduzir a narrativa de viagem aqui apresentada, foi preciso considerar tais aspectos da visão de mundo da autora, pois, como procurarei mostrar, não estão dissociados da sua maneira de enxergar os locais visitados, de lembrá-los e descrevê-los. Essa é, de fato, uma das teses de César Palma dos Santos, que em seu trabalho de doutorado “Nostra Signora del Mar Dolce: A (re) criação da viagem na narrativa de Gemma Ferruggia” (2014), observa que a narrativa de Ferruggia é resultado de um trabalho que mescla realidade e ficção, num trabalho da memória, pois, 3 Norme che, in gran parte, dovrebbero esser seguite dalle donne di ogni paese: sia detto senza cattiveria. Essa e todas as traduções citadas são de minha autoria. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 254 Karine Simoni levando-se em conta a experiência da viajante como alguém que já havia produzido quatro romances e, portanto, era criadora de ficção, percebe-se que a narração dos episódios não se dá de forma simples e que na sua construção a autora serviu-se de suas habilidades ficcionais. (Santos, 233) e, acrescento, com o propósito de defender suas posições políticas. A esse respeito, a própria autora afirma no seu relato: “A imaginação dos velhos é, sem dúvida, a memória; agora, algumas vezes, parece que os jovens estão fazendo quase um compilado ideal para aquela distante fantasia.”4 (83) Em relação à estrutura, as 417 páginas do texto estão divididas em nove capítulos, duas dedicatórias, uma carta e um apêndice. As dedicatórias são endereçadas ao governador do Pará, Paes de Carvalho, e ao marquês Carlo Ermes Visconti di San Vito, personalidades de influência política nos contextos brasileiro e italiano. A carta – um elogio da obra – é assinada pelo filósofo italiano Augusto Conti (1822-1905) para quem, de acordo com uma nota dos editores, Ferruggia teria enviado os originais. Tais elementos são indícios do círculo político e intelectual do qual a autora fazia parte. Os capítulos são assim intitulados: I. Un dolore e una chimera; II. Belem; III. Foreste e colonie; IV. Jambù-Assù e l’Aldeia; V. Aura Mistica; VI. Madonna Fantasia; VII. L’isola de Marajò e Marapanin; VIII. Lungo il solenne fiume; IX. Manaos. Cada capítulo dispõe de um incipit no qual estão dispostos os assuntos que serão discorridos, de modo que servem como um resumo-guia para o público leitor. O Apêndice trata de considerações acerca da notícia de um confronto entre índios e missionários capuchinhos no Maranhão, que Ferruggia teria conhecido e que teriam sido mortos pelos índios enquanto ela terminava de escrever o capítulo V. Alguns dos assuntos tratados por Ferruggia são: motivações e preparativos da viagem, travessia do Atlântico, primeiras impres4 L’immaginazione dei vecchi è, sensa dubbio, la memoria: ora, qualche volta, pare ai giovani di far quase um ideale raccolto per quella lontana fantasia. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 255 “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real... sões, angústia com a febre amarela que acometera o marido, visões da exuberante floresta, contatos com autoridades e imigrantes, hospitalidade e hábitos culinários dos habitantes da região, lendas e costumes indígenas, africanos e portugueses, relatos sobre a economia e sobre acontecimentos da história do Brasil, festas populares, encontro com missionários católicos, dificuldades de transporte, falta de conforto e de higiene, visita ao Teatro de Manaus, e, por fim, a crise nervosa que a fez trancar-se num hotel por alguns dias, até que seu marido optasse por acatar o pedido de interromper a viagem e o casal retorna à Europa. Os capítulos V e VI, dedicados à religiosidade e às festas populares e ao folclore brasileiro, diferem substancialmente dos demais por terem como principal característica a compilação de textos de outros autores como elemento catalisador da narrativa, e menos o relato da viagem em si. Chama atenção o título da obra, que não indica a palavra viagem, relato ou excursão, como costumeiramente faziam outros viajantes. Além disso, em italiano é mais usual Madonna para se referir à Virgem Maria, e Nostra Signora, italianização da forma portuguesa Nossa Senhora, de acordo com Santos, parece ter a intenção de chamar a atenção para o exótico, o diferente. O Mar Doce refere-se ao nome já dado às terras do Amazonas e do Pará, o que indica a alusão da autora a viajantes anteriores, e o subtítulo, Missioni e Paesaggi di Amazzonia, pode referenciar dois elementos de destaque na narrativa: as missões, que podem ser vistas tanto como uma referência às atividades dos padres capuchinhos visitadas durante a viagem, como à missão econômica dos empreendedores italianos, e às paisagens, lugar comum dos viajantes, principalmente para aqueles que visitaram as regiões tropicais. (Santos, 127). Como se percebe, já o título traz em si mais de uma possibilidade de interpretação da obra, de modo que, retomando a tese Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 256 Karine Simoni de Santos, Nostra Signora del Mar Dolce não é um simples relato de viagem, pois o gênero ‘narrativa de viagem’ não é somente um apanhado de memórias de viagem ou longos tratados científico-etnográficos, mas sim, uma construção individual que se dá no âmbito da memória, e que é assentado por determinados objetivos. (172) Nessa perspectiva, ainda segundo Santos (2014), podemos ler o relato de Ferruggia a partir da articulação de três níveis de narrativa, ou três viagens, que se alternam e se inter-relacionam: a primeira é a viagem literal, marcada pela saída do vapor Re Umberto do porto de Gênova em 10 de setembro de 1898 e a chegada em Belém do Pará no final daquele mês. A viagem foi feita em companhia do seu marido, Agostino Luigi Tettamanzi, jornalista conhecido pelo pseudônimo de Alberto Manzi, e é possível que tenha sido patrocinada pelo governo italiano, interessado em saber como viviam os emigrantes italianos em terras brasileiras. A atuação de Ferruggia na causa imigratória está expressa principalmente nos artigos de jornais, nos quais defende que o governo italiano apoie os italianos residentes no exterior, pois, a despeito do incentivo do Governo brasileiro para a vinda dos italianos ao Brasil a partir de 1870, pouco tempo depois as notícias sobre as más condições em que viviam e trabalhavam os emigrantes em solo brasileiro passaram a ser frequentes nos jornais e nos círculos políticos e intelectuais italianos. Vale lembrar que até o final do século XIX o número de viajantes italianos foi pouco expressivo no Brasil se comparado aos viajantes de outras nacionalidades. Após a Unificação Italiana, ocorrida em 1861, esse número passa a aumentar e muitos dos que se deslocaram o fizeram movidos por ambições políticas na disputa colonial que tinha como vetores a França e a Inglaterra, embora a literatura de viagem produzida pelos italianos não se compare à daqueles dois Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 257 “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real... países (Scriboni, 306, apud Santos, 96). Há de se notar também o surgimento da Società Geografica Italiana, em 1867, e o consequente favorecimento de viagens com finalidades políticas, exploratórias e científicas, bem como de seu financiamento. É o caso, por exemplo, das viagens de personalidades como Giuseppe Raddi, Ernano Stradelli e Luigi Buscalioni, que ao longo do século XIX estiveram no Brasil e deixaram contribuições, descritas de modo científico e ou estético, a respeito da fauna e da flora, dos minerais e do sistema hidro-geológico, dos habitantes e de suas lendas e costumes. Ainda que o motivo da viagem de Ferruggia fosse o de acompanhar o marido, e mesmo estando interessada nas questões de imigração que seriam tratadas por ele, Ferruggia coloca-se também como alguém que busca a “poesia do lugar” (18), as particularidades das regiões visitadas. A falta de referências cronológicas no relato, que serviriam para mostrar o percurso do casal, podem ser um indício de que, para Ferruggia, menos importante eram os fatos em si e mais as impressões que a paisagem e o encontro com as pessoas provocavam. Daí porque, ainda segundo Santos, podemos pensar em uma segunda viagem de Ferruggia, a viagem literária, assim chamada porque, através da memória, sentimentos e emoções – logo, uma experiência mais subjetiva –, a autora faz surgir ou outro nível de narrativa, a elaboração pessoal e criativa, muitas vezes até idílica, em contraste com a viagem literal, em que o estranhamento e a falta de conforto são constantes. (169) A descrição do Círio de Belém, encontrada no capítulo aqui traduzido, pode servir como exemplo desse aspecto da narrativa: Aquela procissão! Eu a vi passar, e fiquei imóvel, em pé, sem fôlego, na pequena varanda do Hotel Coelho [...] Cada vez que meu pensamento se volta para o espetáculo – único na memória pela originalidade, pelo contraste de luz, sombra, grandeza, miséria – experimento o mesmo sentimento de espanto e torpor, a mesma apaixonada sensação de admiração, de piedade, que senti enquanto a pessoa estava parada ao mesmo tempo em que a alma estava em frenesi. E Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 258 Karine Simoni como um tremor desconhecido até aquela hora, não encontrei outro assim em nenhum outro espetáculo ligado àquela hora, combinado com aquele sol que incendiava o ar, com aquele difuso som de sino, enquanto as pessoas desfilavam, desfilavam, desfilavam; gente branca, gente negra, gente de cor morena, bronzeada, dourada, amarela, variada e lenta, lenta e interminável; multidão inspirada e multidão cega, grandiosa em sua dupla manifestação de amor religioso e ingênua bestialidade!5 (213-214) A terceira viagem é chamada por Santos de viagem cultural, ou seja, um percurso pelas obras que a autora cita, muitas vezes fazendo uso de longos recortes, com o intuito de explicar o país visitado. Fazem parte desse conjunto relatos de viajantes como Stradelli e Coudreau, romancistas como Charles Nodier e José de Alencar, poetas como Baudelaire, além de histórias de santos, narrativas indígenas e africanas, relatos de religiosos, tratados científicos, histórias literárias que, em amálgama com a experiência da memória, servem para moldar a imaginação e ressaltar, ao público italiano, a imagem da região e do país como um lugar exótico, repleto de dificuldades, perigos e estranhezas, às quais estavam particularmente submetidos os conterrâneos imigrantes. (170-171) Ao que parece, Ferruggia acreditava que, se junto com descrições detalhadas e análises pessoais o leitor pudesse também contar com obras supos5 Quella processione! Io l’ho vista passare, rimanendomene immobile, in piedi, senza respiro, nel terrazzino dell’Hôtel Coelho [...]. Ogni volta che il pensiero ricorre allo spettacolo – unico nella memoria per originalità, per contrasto di luce di ombra, di grandezza, di miseria – provo la stessa sensazione di sgomento e di stupore: lo stesso appassionato sentimento di ammirazione, di pietà provato allora, mentre la persona sostava, immobile, mentre 1’anima era tutta in un fremito. E quale fremito ignoto sino a quell’ora non ritrovato più per nessun altro spettacolo legato a quell’ora, congiunto a quel sole che incendiava l’aria, a quel diffuso suono di campana mentre la gente sfilava, sfilava, sfilava; gente bianca, gente nera, gente di color morato, bronzino, dorato, giallo, varia e lenta, lenta e interminabile; folla ispirata e folla cieca, grandiosa nella sua doppia manifestazione di amor religioso e di ingenua bestialità! Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 259 “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real... tamente familiares, essas referências poderiam auxiliá-lo a reconstruir as situações e sensações por ela vivenciadas. É o caso, por exemplo, da narrativa do Tamandaré, o pajé que repovoou a terra depois de uma grande inundação, lenda essa extraída d’O guarani de José de Alencar e que, pode-se presumir, já estava presente no imaginário do seu público dado o sucesso da versão operística d’O Guarani, de 1870, nos círculos italianos. Ferruggia assume, assim, o papel de narrador-guia, consciente das suas escolhas e ações, oferecendo a sua versão da viagem, escolhendo o que narrar, o que destacar, o que excluir. Como foi dito, o capítulo traduzido para figurar nesse número especial de Cadernos de Tradução é Madonna Fantasia, no qual a autora trata dos rituais e festas religiosas do catolicismo, bem como aborda lendas e mitos das cosmogonias indígena e africana. Ferruggia faz uso de uma citação de Charles Nodier (1780-1844) sobre a fantasia, retirada do romance La Fée aux miettes, para iniciar a sua apresentação e contrapor o que ela chama de “fantasias delicadas”, típicas dos países frios da Europa, e a fantasia, ou imaginação, característica dos países quentes, onde Tudo arde, tudo queima, tudo acaba em um explosivo incêndio de passionalidade material. Por isso, festas religiosas, cerimônias sagradas, ritos de piedade, têm caráter profano, e estão tão ligadas a invenções de exagerada humanidade, que eu quis fundir sua descrição com as lendas.6 (171) Explica assim as razões por ter descrito e mesclado, no mesmo capítulo, festas populares e do cristianismo com mitos e celebrações indígenas e africanas. Descreve festas e rituais como os do Dabucuri, do Sairé, do Lundú, da máscara de Jurupari, festivida6 Tutto arde, tutto abbrucia, tutto termina in un divampante incendio di passionalità materiale: per questo, feste religiose, sacre cerimonie, funzioni di pietà, hanno tal carattere profano, e sono così allacciate a invenzioni di morbosa umanità, che io ho voluto fonderne la descrizione con le leggende. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 260 Karine Simoni des em honra a São Bento, Nossa Senhora e Santo Antônio, dentre outros; evidencia a lenda de Jurupari e da Cobra Grande, e dá ênfase à procissão do Círio de Belém, sempre destacando o sincretismo religioso e recorrendo, de modo explícito, à autoridades que já haviam escrito sobre o assunto, o que, mais uma vez, leva a crer que seus relatos são o resultado não só das observações de viagem, como também de fontes bibliográficas e leituras que realizou. Aspecto importante também presente neste capítulo é a forma como Ferruggia considera a composição do povo brasileiro e, de modo especial, das mulheres em seu papel social. A mulher é descrita primeiramente por sua condição étnica e hierarquizada: Os diversos tipos femininos do lugar aparecem, nesta ocasião [a procissão do Círio], como marcados por sua beleza particular: a sedutora mulata, a preguiçosíssima negra, a interessante índia, a brasileira pequena e doce.7 (215-216). Esta, de fato, é apresentada (e admirada) como uma mulher resignada e subserviente ao marido, dentro do espaço doméstico, como no caso de sua hospedeira Castorina, “uma mulher que personificava as melhores qualidades do seu país, de uma afetividade profunda, generosidade instintiva [...] falava pouco, sorria sutilmente, e enquanto os lábios se fechavam um pouco, os olhos se ofuscavam de tristeza.”8 (102) Já as mulatas, vistas sob a lente centrada nas diferenças físicas, são descritas como inspiração para as canções populares, ligadas à dança e que exalam sedução, como nas barracas da festa do Círio, em que “A negra tirará a sorte, fará as invocações e o feitiço. A bela 7 i diversi tipi femminili del paese appaiono, in tale occasione, come improntati a una particolare loro bellezza: la seducente mulatta, la pigrissima negra, la interessante indiana, la brasiliana piccola e dolce. 8 una donna che personificava le migliori qualità del suo paese: di un’affettività profonda, di una generosità istintiva [...] parlava poco, sorrideva appena, e mentre le labbra si schiudevano un poco, gli occhi si offuscavano di tristeza. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 261 “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real... morena irá mostrar suas toilettes de cor branca ou rosa, mostrando um perfeito decolleté na hora de preparar o haxixe, a ser oferecido fresco aos degustadores.”9 (212). As negras, por sua vez, são vistas ora como substitutas das ciganas curandeiras e adivinhas, incapazes de saírem do estado da inércia e da preguiça, enquanto à mulata, já detentora do “sangue branco” nas veias, símbolo da mistura das raças, caberia a tarefa de criar uma nova raça: Felizmente, o negro não tem nada mais contra ele a não ser alguns preconceitos, pelos quais vive um pouco à margem, mas estamos longe dos tempos em que o Papa foi obrigado a publicar uma bula especial para declarar válido, e não pecaminoso, o casamento de um branco com uma negra, e viceversa. [...] A mulata, fruto do droit du seigneur, passou a ser admirada e amada, produzindo aquela mistura de sangue que daria origem a uma nova raça10. (Ferruggia, 181) Ferruggia mostra ignorar, ou omitir, os resquícios da violência escravocrata e patriarcal no Brasil, e a maioria das suas análises, bastante generalistas e marcadas por estereótipos, não são muito diferentes das visões de outros viajantes e do pensamento cientificista e positivista do final do século XIX que defendia o conceito de superioridade racial – pode-se lembrar, a esse respeito, a boa aceitação das teorias de antropologia criminal de Cesare Lombroso, em voga na mesma época, e sua relação com o expansionismo nacio9 La negra dirà buona ventura: farà gli scongiuri, e il feitiço. La bella mora sfoggierà le sue toilettes bianche, o color di rosa, mostrando un perfetto decolleté, nel preparare l’ hassay, da offrire fresco ai degustatori. 10 Per fortuna, il negro non ha più contro di sè che alcuni pregiudizii, per i quali vive un po’ in disparte: ma siamo ben lontani dai tempi in cui il Papa era costretto a pubblicare una bolla apposita per dichiarare valido, e non peccaminoso, il matrimonio di un bianco con una negra, e viceversa. [...] La mulatta, fruto del droit du seigneur, è venuta a farsi ammirare ed amare, producendo quel miscuglio di sangue che doveva dar origine a una nuova razza. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 262 Karine Simoni nalista e as justificativas para as desigualdades sociais. A narrativa de Ferruggia, portanto, se por um lado é hoje passível de muitas críticas, por outro, deve ser vista como depositária das referências culturais do seu tempo, que nutrem uma espécie de jogo ambíguo onde o estranhamento em relação ao outro pode comportar rejeição, admiração, exotização, desconhecimento. Buscar compreender esse conjunto simbólico manifesto nas diferentes linguagens que compõem os relatos de viagem, identificar as conexões entre os vários níveis da narrativa, articular as experiências individuais com outras mais amplas torna-se, assim, o primeiro exercício para empreender a prática da tradução, para a qual, segundo Paulo Rónai, o tradutor deve manter-se atento à “lei psicológica da linguagem” (16), ou seja, à dinâmica inseparável entre o pensamento e sua forma de expressão, e, ao mesmo tempo, “contentar-se com aproximações” (25), já que não há como captar o sentido absoluto das palavras, o tom exato, as intenções ocultas de quem escreve. A tradução foi realizada com base nessas premissas e, a seguir, apresento algumas considerações pontuais acerca do processo. Mantive a maioria dos sinais gráficos presentes na edição de partida, por considerar que estes fazem parte da materialidade do texto e porque provavelmente a autora tinha o objetivo de utilizá -los como forma de chamar a atenção do público leitor. O leitor e a leitora notarão que Ferruggia utiliza-se da ferramenta itálico em pelo menos cinco momentos: 1. para identificar palavras como cachaça, caxiri, caruatá, lundu, canoa, congo, pajé, taxaua, saúva, beijú, cuja tradução não seria possível em italiano, e por isso foram marcadas em itálico no texto italiano, como estrangeirismos; 2. palavras como sítio, juiz, juíza, festeiros, mordomos, avenida, que, embora não apresentem grandes desafios de tradução ao italiano, foram mantidos em português no texto italiano, possivelmente para proporcionar ao seu público um contato mais próximo com a língua e a cultura sobre a qual estava escrevendo, ou talvez por acreditar na “intraduzibilidade” da língua; 3. palavras e expressões como proposta, riservatezza, altre malattia, rappresentati, que parecem indicar destaque ou certa ironia no texto; 4. palavras ou expres- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 263 “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real... sões estrangeiras, como droit du seigneur, chalêts, café-chantants, toilettes, decolleté, brick, buvette; 5. nomes próprios como Jurupary, Ceucy, Uarly, Jacy, Curupira, Caapora, Maty-Tapèrê que, porém, tiveram sua ortografia atualizada para Jurupari, Ceuci, Jaci, Caipora, Matim-Taperê. A mesma atualização gráfica deu-se na tradução de palavras como yaras, tucuman, Cyrio, que se tornaram iaras, tucumã, Círio. Se os itálicos foram mantidos, outros sinais gráficos presentes na edição foram excluídos, por não serem usuais no português brasileiro, como o uso de aspas no início de todas as linhas de citações. Em relação à pontuação, procurei observar e manter o ritmo dado pelo texto de partida, embora algumas modificações tenham sido feitas para não comprometer a legibilidade do texto. O uso de travessões é bastante perceptível no texto de Ferruggia, mas no texto em português foi suprimido algumas vezes, quando entendeu-se que seu uso se destinava mais a marcar uma pausa do que um maior destaque. Para marcar o ritmo do texto, o travessão foi substituído por vírgula ou ponto final. O mesmo se deu em relação ao uso dos dois pontos, que em vários momentos foram usados mais de uma vez na mesma frase, ou em situações que normalmente não seriam usadas em português. Neste caso, foram substituídos por vírgula ou ponto final, por terem sido utilizados com a finalidade de dar uma sequência ao desencadeamento das ideias, o que na tradução foi feita com vírgula e ponto final, como no exemplo: – Tu sarai il cujubin (Penelope cumanensis: ha le piume rosee e la testa bianca: canta allo spuntar del giorno). Così fece il cujubin: ne dipinse la testa in bianco con argilla: le gambe in rosso con del roucou (Bixa orellana) e gli disse: (197) assim traduzido: – Você será o cujubim (Penelope cumanensis, com penas rosadas e cabeça branca, canta ao amanhecer). Assim ela Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 264 Karine Simoni fez o cujubim: pintou a cabeça de branco com argila, as pernas de vermelho com urucum (Bixa orellana). E disse-lhe: Por fim, Ferruggia faz uso de reticências que também parecem marcar o ritmo do tempo, ou ainda do próprio pensamento da autora no momento de retomar suas memórias e escrevê-las no texto, promovendo pausas e reflexões. Nesse sentido, esse tipo de pontuação foi predominantemente mantido. Importante dizer que a pontuação é uma das ferramentas para a construção da sintaxe do texto, então o projeto e a elaboração da tradução procurou observar e manter essas características da obra, assim como a colocação das palavras na frase, em especial sobre o uso de adjetivos antepostos ao nome, como em “profumate e primitive scodelle” (174) [perfumadas e primitivas tigelas] “celeste bellezza” (183) [celestial beldade], “roventi parole” (191) [ferventes palavras]. Para concluir, notas explicativas foram usadas quando entendeu-se que a compreensão do leitor e da leitora pudesse ficar comprometida pela ausência de informações disponíveis. Referências Ferruggia, Gemma. “Madonna Fantasia”. Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni e paesaggi di Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice L.F. Cogliati, 1902. pp. 170-236. Ferruggia, Gemma. Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni e paesaggi di Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice L.F. Cogliati, 1902. https://archive.org/ details/nostrasignorade00ferrgoog/page/n7/mode/2up. Acesso em 12 janeiro 2021. Lea Pacella, Marzia. Gemma Ferruggia. Dizionario Biografico degli Italiani. v. 47. Roma: Treccani, 1997. https://www.treccani.it/enciclopedia/gemmaferruggia_(Dizionario-Biografico)/. Acesso em 08 de janeiro de 2021. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 265 “Tudo arde, tudo queima”: o sincretismo de Gemma Ferruggia entre a viagem real... Ronai, Paulo. Escola de tradutores. 7ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. Santos, César Palma dos. Nostra Signora del Mar Dolce: a (re) criação da viagem na narrativa de Gemma Ferruggia. 2014. 200 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, 2014. http://hdl.handle.net/11449/115631. Acesso em 10 de janeiro de 2021. Vangelista, Chiara. “Una viaggiatrice italiana di fine Ottocento: Gemma Ferruggia in Amazzonia”. Revista de História e Estudos Culturais, v. 13 Ano XIII nº 1 Janeiro-Junho 2016. http://www.revistafenix.pro.br/vol37-a03.php. Acesso em 17 de dezembro de 2020. Karine Simoni. E-mail: kasimoni@gmail.com. https://orcid.org/0000-00034965-7196. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 252-266, jan/jul, 2021. 266 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84957 MADONNA FANTASIA (CAPÍTULO VI) Gemma Ferruggia Tradução de: Karine Simoni1 1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil FERRUGGIA, Gemma. “Madonna Fantasia”. In: Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni e paesaggi di Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice L.F. Cogliati, 1902. pp. 170-236. FERRUGGIA, Gemma. “Madonna Fantasia”. In: Nostra Signora del Mar Dolce. Missioni e paesaggi di Amazzonia. Milano: Tipografia Editrice L.F. Cogliati, 1902. pp. 170-236. VI MADONNA FANTASIA VI NOSSA SENHORA DA FANTASIA “Fantasia, madre delle favole ridenti, dei genii e delle fate; incantatrice dalle menzogne brillanti, tu ti libri con piede leggero sulle vecchie torri, e ti smarrisci al chiaro di luna col tuo corteggio di illusioni nei dominii immensi dell’ignoto.” “Fantasia, mãe dos contos que fazem rir, dos gênios e das fadas; feiticeira das mentiras brilhantes, você se equilibra com os pés leves sobre as velhas torres, e desaparece ao luar com seu cortejo de ilusões nos domínios imensos do desconhecido”. Queste parole di Charles Nodier, nell’adorabile “Fée aux miettes”, vanno perfettamente per le fantasie delicate dei nostri nebbiosi e freddi paesi d’Europa. Ma laggiù! La fan- Estas palavras de Charles Nodier, no adorável La Fée aux miettes, combinam perfeitamente com as fantasias delicadas dos nossos nevoentos e frios países da Europa. Mas lá em- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 267 Tradução de Karine Simoni tasia é, in quell’ardore torrido, uno scatenarsi furioso, piuttosto che sentimentale. Tutto arde, tutto abbrucia, tutto termina in un divampante incendio di passionalità materiale: per questo, feste religiose, sacre cerimonie, funzioni di pietà, hanno tal carattere profano, e sono così allacciate a invenzioni di morbosa umanità, che io ho voluto fonderne la descrizione con le leggende. baixo! A fantasia é, naquele ardor tórrido, um desencadear-se furioso, ao invés de sentimental. Tudo arde, tudo queima, tudo acaba em um explosivo incêndio de passionalidade material. Por isso, festas religiosas, cerimônias sagradas, ritos de piedade, têm caráter profano, e estão tão ligadas a invenções de exagerada humanidade, que eu quis fundir sua descrição com as lendas. Madonna Fantasia si sbizzarrisce sovrana; vera signora di ogni manifestazione, magnifico fiore di intelletti primitivi; fiore dallo snervante profumo. Nossa Senhora da Fantasia se satisfaz soberana; verdadeira senhora de todas as manifestações, magnífica flor dos intelectos primitivos; flor de enervante perfume. Le feste popolari sono tra le cose più caratteristiche del paese: soprattutto quelle dell’interno dove la civilizzazione non ha ancora tolto loro il carattere semi–pagano, e le tradizioni indigene si infiltrano attraverso quelle importate. La tradizione cristiana, lasciata dalle antiche Missioni, raramente avvivata dalla presenza di un sacerdote, si confonde coi resti delle credenze di razza, e le litanie sono appena la prefazione del cachiry e del dabucury... feste di carattere indiano che celebrano specialmente gli atti della generazione, e che hanno una parentela con i saturnali e le feste bacchiche. As festas populares estão entre os elementos mais característicos do lugar, principalmente aquelas do interior, onde a civilização ainda não lhes tirou o caráter semipagão, e as tradições indígenas se infiltram através das importadas. A tradição cristã, deixada pelas antigas Missões, raramente animada pela presença de um padre, se confunde com os resquícios das crenças raciais, e as ladainhas são o prefácio do caxiri e do dabucuri, festas de caráter indígena que celebram especialmente os atos da criação, e que têm alguma parentalidade com as saturnais e as festas báquicas. As danças religio- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 268 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Le danze religiose e compassate degli indiani sono sostituite dal lundù, dal caruatà, quando non dalla polka o dalla quadriglia, comandata in un francese come questo: “Salé as damas!” (Saluez les dames). sas e compassadas dos índios são substituídas pelo lundú, o caruatá, quando não pela polca ou pela quadrilha, comandada em um francês como este: “Salé as damas!” (Saluez les dames). Tutto è pronto: la cera, i fuochi artificiali, le bevande, la baracca per la danza. I vicini abandonano il sitio (casa di campagna), e insieme tutta la famiglia, partecipano alla festa. Il villaggio, di solito deserto, si anima di un’ardente festa, rapida e fittizia. Está tudo pronto: as velas, os fogos de artifício, as bebidas, a barraca da dança. Os vizinhos deixam o sítio (casa de campo) e, com toda a família, juntam-se à festa. O vilarejo, geralmente deserto, ganha vida com uma ardente festa, movimentada e fictícia. All’alba il juiz, la juiza, i mordomos (il giudice, la giudichessa, i maggiordomi), con bandiere e tamburi percorrono il villaggio, mentre tre o quattro persone vanno nel bosco vicino a scegliere un alto e sottile albero, per piantarlo davanti alla chiesa, adornarlo di fiori e di frutta, e pennacchiarlo di una bandiera fatta di un qualunque pezzo di stoffa. De madrugada, o juíz, a juíza, os mordomos, com bandeiras e tambores percorrem o vilarejo, enquanto três ou quatro pessoas vão à mata próxima escolher uma árvore alta e fina, para plantá-la na frente da igreja, enfeitá-la de flores e frutas e embelezá-la com uma bandeira feita de um pedaço de tecido qualquer. L’albero viene innalzato in presenza dei festeiros e del popolo, salutato da una fuga di pazzi che scoppiettano allegramente. È il segnale che dà principio alla festa: quello della fine sarà fatto all’abbattimento dell’albero e dalla consumazione dei saporosi frutti che lo adornano. A árvore é levantada na presença dos festeiros e do povo, saudada por uma fileira de loucos que crepitam alegremente. É o sinal que dá início à festa, o do fim será a derrubada da árvore e a consumação dos saborosos frutos que a enfeitam. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 269 Tradução de Karine Simoni Vien tolta dalla chiesa l’immagine del Santo la cui ricorre la festa: l’immagine è adorna di nastri come la canoa nella quale si pone la venerata effigie: di più, la canoa è curiosamente inghirlandata di buccie d’arancia, in forma di scodelle: profumate e primitive scodelle, pronte per la illuminazione della sera. Altre bucci d’arancia, egualmente ripiene di olio di tartaruga, sono pronte per essere collocate lungo pali infissi sul piazzale e lungo la strada che, dalla chiesa, conduce al porto. La spesa per questa illuminazione è fatta dalla juiza: quella che riguarda la cera per la chiesa, è divisa tra il juiz e la juiza. Retira-se da igreja a imagem do Santo, a qual percorre a festa. A imagem é adornada com fitas como na canoa em que é colocada a venerada efígie; além disso, a canoa está curiosamente enfeitada de guirlandas feitas de cascas de laranja em forma de tigelas, perfumadas e primitivas tigelas prontas para iluminar a noite. Outras cascas de laranja, igualmente recheadas com óleo de tartaruga, são preparadas para serem colocadas ao longo de estacas fixadas na praça e ao longo da estrada que vai da igreja ao porto. A compra dessa iluminação é feita pela juíza; a que diz respeito às velas para a igreja é dividida entre o juíz e a juíza. Calata la notte, si accendono i lumicini, si lanciano nuovi razzi: e la canoa del santo, rimasta sino allora nascosta, sembra sorgere da un lontano punto del fiume, avvicinandosi con teatrale lentezza al porto. Nella canoa stanno i festeiros dell’anno precedente, e i musicisti (un tamburo una viola e una chitarra). Mentre si svolgono suoni bizzarri più che armoniosi, e si elevano canti strani più che belli, dalla imbarcazione si lasciano cadere nell’ acqua i famosi lumicini – fiamme azzurre in conche dorate – che segnano una lunga via stellata di graziosissimo effetto. Ao cair da noite são acendidos os pequenos lumes, são lançados novos rojões, e a canoa do santo, até então escondida, parece emergir de um distante ponto do rio, aproximandose do porto com uma teatral lentidão. Na canoa estão os festeiros do ano anterior e os músicos (um tambor, uma viola de arco e um violão). Enquanto são tocados sons mais bizarros do que harmoniosos, e se elevam canções mais estranhas do que belas, da embarcação são deixados cair na água os famosos pequenos lumes – chamas azuis em conchas douradas – que marcam um longo caminho estrelado de efeito muito gracioso. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 270 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia L’ultimo razzo è scoppiato: e le campane (quando ci sono) suonano a distesa. La canoa abborda. Gli antichi consegnano ai nuovi juizes la sacra immagine, che viene processionalmente portata nella chiesa, illuminata con sfarzo. Il Santo è ricollocato al suo posto: il juiz, la juiza, i mordomos, e il popolo si inginocchiano, e cantano le litanie: quindi disposti i lunghi nastri, in modo da esser facili ai baci dei devoti, i festeiros vanno alla casa della festa, a inaugurare le danze. O último rojão explode, e os sinos (quando houver) tocam sem parar. A canoa chega à margem. Os antigos entregam aos novos juízes a sagrada imagem, que é carregada em procissão para dentro da igreja, iluminada com pompa. O Santo é recolocado em seu lugar: o juíz, a juíza, os mordomos e o povo se ajoelham e cantam as ladainhas; então as longas fitas são dispostas de modo que os devotos possam beijá-las com facilidade, e os festeiros vão para a casa da festa, para inaugurar as danças. Oh, come la cachaça le anima! Ah, como a cachaça os anima! Si balla con frenesia, senza interruzione: fino a quando la stanchezza e le ore calde impongono una sosta... cioè una riduzione della danza. Nuovi ballerini succedono ai primi: il sambà (specie di lungo tamburo) sostituisce l’orchestra... La sera tutti si recano alla chiesa per cantare di nuovo le litanie. Poi la festa riprende entusiasmo sino a che il juiz offre il pranzo agli accorsi. L’ invito è, naturalmente, esteso a quanti partecipano alla festa. Dançam com frenesi, sem interrupção, até que o cansaço e as horas de calor exijam uma parada, isto é, uma redução da dança. Novos bailarinos sucedem aos primeiros: o samba (espécie de longo tambor) substitui a orquestra. À noite, todos se dirigem à igreja para novamente cantar as ladainhas. Depois a festa retoma o entusiasmo até que o juíz ofereça almoço aos presentes. O convite é, claro, extensivo a quem participa da festa. Gli uomini siedono a tavola: le donne si accomodano sulle stuoie, in cucina: si distribuiscono cibi e bevande con generosità senza pari... E Os homens sentam-se à mesa; as mulheres acomodam-se nos tapetes, na cozinha. São distribuídas comida e bebida com uma generosidade Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 271 Tradução de Karine Simoni la cachaça scorre. Finito il pranzo, alla presenza delle autorità, si sorteggiano i festeiros dell’anno prossimo. E finalmente si abbatte l’albero: la festa è terminata. ímpar... E a cachaça corre. Depois do almoço, na presença das autoridades, são sorteados os festeiros do próximo ano. E, finalmente, a árvore é derrubada: a festa acabou. C’è della gente che lavora tutto l’ anno per far fronte alle spese necessarie a sostenere l’onore di esser juiz o juiza e, spesso, questo lavoro non basta: si ricorre allora agli espedienti: si domandano aiuti; si fanno dei debiti… che nessuno pagherà mai; si ricorre a dei mezzi illeciti... E, aimè, con indifferenza, quando non si tratta di vero superstizioso fervore. “Tanto – si pensa e si crede – è per il Santo: e se il Santo avrà una bella festa, perdonerà e… aiuterà: prima... e dopo”. Algumas pessoas trabalham o ano todo para fazer frente às despesas necessárias ao sustento da honra de ser juíz ou juíza e, muitas vezes, esse trabalho não é suficiente, então recorrem aos extras: pedem ajuda; contraem dívidas que jamais pagarão; recorrem a meios ilícitos... E, ai, com indiferença, quando não se trata de verdadeiro fervor supersticioso. “Isso – pensam e acreditam – é para o Santo: e se o Santo tiver uma boa festa, vai perdoar e ajudar, antes e depois”. La parte religiosa della festa ha carattere di ardente entusiasmo e di convinzione incrollabile. Giuseppe Abate, un altro lombardo da noi conosciuto laggiù – che ha tempra di fine osservatore, e che ha assistito a parecchie di queste feste nell’ interno del paese – ci scriveva: A parte religiosa da festa tem um caráter de ardente entusiasmo e de convicção inabalável. Giuseppe Abate, outro lombardo que lá conhecemos – que tem temperamento de bom observador e já participou de vários dessas festas no interior do país – escreveu-nos: “…quando vi è ballo, le preghiere sono più numerose: ed è bello, anche per uno che non crede a nulla, assistere a tali preghiera. Nell’osservare come quella gente frivola “...quando há dança, as orações são mais numerosas, e é bonito, mesmo para quem não acredita em nada, assistir a essas orações. Ao observar como aquelas pessoas frívolas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 272 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia canta con pietà e fede (gli uomini fanno la proposta e le donne rispondono) più di una volta mi son sentito commosso.” cantam com piedade e fé (os homens fazem a proposta e as mulheres respondem) mais de uma vez me senti comovido”. I neri sono specialmente religiosi: o, per meglio dire, superstiziosi. Per i neri, come per gli indiani il concetto religioso – che non è ben chiaro – si risolve spesso in invocazione esclusiva di beni materiali: quando non ottengono la grazia, insultano, bastonano il Santo, e a Sant Antonio – pure veneratissimo – capita spesso di essere cacciato sott’acqua! Caso che, del resto, avviene anche in alcuni paesi dell’Italia meridionale quando si è invano portata intorno la pesantissima statua del Santo... Nei negri la credenza in una vita migliore, prima del 1889, era un bisogno anche più forte di oggi: la schiavitù aveva loro tolto tutto. Os negros são especialmente religiosos, ou, melhor dizendo, supersticiosos. Para os negros, como também para os indíos, o conceito religioso, que não é muito claro, muitas vezes se resolve na invocação exclusiva de bens materiais: quando não obtêm a graça, insultam, espancam o Santo, e a Santo Antônio, também muito venerado, acontece muito de ser lançado para debaixo d’água! Um fato que, aliás, acontece também em alguns lugares do sul da Itália quando a pesadíssima estátua do Santo era carregada em vão. Nos negros, a crença em uma vida melhor, antes de 1889, era uma necessidade ainda mais forte do que hoje: a escravidão lhes havia tirado tudo. Malgrado l’assoluta libertà, essi conservano ora la superstizione: le negre ne fanno anzi commercio, predicandola e adattandola nelle cure di amore, e... delle altre malattie. Apesar de sua absoluta liberdade, os negros ainda mantêm a superstição: as negras na verdade a comercializam, pregando-a e adaptando-a aos tratamentos de amor, e das outras doenças. Le divinatrici e le medichesse sono tutte negre: e sostituiscono largamente le zingare nei paesi in cui queste non esistono o scarseggiano. As adivinhas e as médicas1 são todas negras e substituem em grande parte as ciganas em países onde estas não existem ou são raras. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 273 Tradução de Karine Simoni Predilezione dei negri sono San Benedetto e la Vergine del Rosario che invocano con preghiere... non sempre certo modello di rispetto. As preferências dos negros são São Bento e a Virgem do Rosário, que invocam com orações... nem sempre como um modelo de respeito. A San Benedetto è dedicato una specie di auto: una vera e propria azione chiamata Tayéras, che vien rappresentata dalle mulatte. Vestite di bianco, e tutte in fronzoli, vanno in processione, cantando e ballando con un “colore” affatto originale. I versi, dai quali si riconosce l’azione burlesca di razza negra, dicono così: A São Bento é dedicada uma espécie de auto, uma verdadeira ação chamada Tayéras, que é representada pelas mulatas. Vestidas de branco, e todas com babados, seguem em procissão, cantando e dançando com uma “cor” totalmente original. Os versos, a partir dos quais se reconhece a ação burlesca da raça negra, dizem o seguinte2: Il mio San Benedetto, È il santo dei neri: Beve il sugo di canna E russa nel suo petto. Meu Sam Benedicto, È santo de Preto: Elle bebe garapa Elle ronca no peito. Il mio San Benedetto, Non porta corona (tonsura): Ha un lino Venuto da Lisbona. Meu Sam Benedicto, Não tem mais corôa: Tem uma toalha Vinda de Lisbôa. Mio San Benedetto, Vengo a chiedervi Per amor di Dio Di suonar il cucumby. Meu Sam Benedicto; Venho lhe pedir Pelo amor de Deus P’ra tocar cucumby.3 Mio San Benedetto, Sei venuto di là dal mare; Sei arrivato di domenica, Che miracolo hai fatto! La musica é prettamente brasiliana. Meu Sam Benedicto, Foi do mar che vieste, Domingo chegaste, Que milagre fizeste! A música é puramente brasileira. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 274 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Su San Benedetto, e sulla strana predicazione di quei paesi, si racconta questo aneddoto. Un giorno fu invitato un celebre predicatore a far l’elogio del Santo. Con grande contento dei buoni fedeli, il predicatore accettò. Ecco l’esordio della predica: Sobre São Bento, e sobre a estranha pregação naqueles lugares, é contada essa anedota. Um dia, um famoso pregador foi convidado a louvar o Santo. Com grande satisfação dos bons fiéis, o pregador aceitou. Aqui está a abertura do sermão: – San Benedetto era un negro, una – São Benedito era um negro, um carogna, un ladro.... desprezível, um ladrão... Per poco non venne di sotto la Por pouco a igreja não veio abaixo. chiesa. – Sì, o fratelli – continuò 1’oratore imperterrito – San Benedetto era nero... ma solo di pelle: e mai si vide anima più candida della sua. Era una carogna... ma si ubbriacò solo di amor divino. Era un ladro... poichè ha rapito tutti i nostri cuori... – Sim, irmãos, continuou o destemido orador. São Bento era negro... mas só na pele, e nunca se viu uma alma mais cândida que a dele. Ele era desprezível... mas se embriagou apenas com o amor divino. Ele era um ladrão... pois roubou todos os nossos corações... Ai negri è rimasto il congo, altro Aos negros restou o congo, outro auto curioso, nel quale si rivolgono auto curioso, com o qual se dirigem alla Vergine del Rosario con questa à Virgem do Rosário nesta oração4: preghiera: Vergine del Rosario, Signora del mondo, Dammi un cocco d’acqua, Se no vado al fondo. Indêrere, rê, rê, rê. Ah! Gesù di Nazaret !... Virgem do Rosario, Senhora do mundo, Dá-mé un côco d’agua, Se não vou ao fundo. Indêré, rê, rê, rê, Ai Jesus de Nazareth!... Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 275 Tradução de Karine Simoni Vergine del Rosario, Signora del nord, Dammi un cocco d’acqua, Se no vo nell’orcio. Virgem do Rosario, Senhora do norte, Dá-mé un côco d’agua, Se não vou ao pote. Indêreré, rê, rê, rê. Ah! Gesù di Nazaret !... Indêré, rê, rê, rê, Ai Jesus de Nazareth!... Vergine del Rosario, Sovrana Maria, Oggi è il giorno Della nostra festa. Virgem do Rosario, Soberana Maria, Hoje este dia è de nossa alegria. Indêreré, rê, rê, rê, ecc. Indêré, rê, rê, rê, ecc. Le feste dei negri sono assai ruinorose; anch’essi eleggono un Re, una Regina e i festaioli. Il giorno di San Benedetto o della Virgem del Rosario, i festaioli si riuniscono nella casa del Re: queso ne esce con una corona argentata in capo, seguito dalla musica e da una quantità di negri... coll’ombrello aperto. È preceduto da un’ altra ventina di negri, vestiti all’usanza del Congo (con dei pennacchi in testa) che suonano il tamburello basco o altri istrumenti primitivi. Cantando e ballando, vanno alla casa della Regina, dove trovano le festaiole che escono subito accettando il braccio e l’ombrello dei colleghi. As festas dos negros são muito impetuosas; eles também elegem um Rei, uma Rainha e os festeiros. No dia de São Bento ou da Virgem do Rosário, os festeiros se reúnem na casa do Rei. Este sai com uma coroa de prata na cabeça, seguido pela música e por uma quantidade de negros com um guarda-chuva aberto. É precedido por cerca de outros vinte negros, vestidos segundo o costume do Congo (com plumas na cabeça), que tocam pandeiro ou outros instrumentos primitivos. Cantando e dançando, vão até a casa da Rainha, onde encontram as festeiras que saem imediatamente aceitando o braço e o guarda-chuva dos colegas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 276 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Il corteggio si dirige alla chiesa, mentre si lanciano razzi e si dà fuoco alle bombe. In chiesa, i reali assistono alla cerimonia religiosa su seggiole speciali, ornate di velluti, nastri e fiori. Poi, tutti a casa del Re o della Regina a... far scorpacciate: la parola è brutta: ma anche il fatto non è bello a vedersi. Alla sera, processione durante la quale si svolge un’azione: la Regina della festa è attorniata da una guardia d’onore che la difende dagli assalti di alcuni audaci i quali vogliono impadronirsi della corona: conquistar la corona è aver diritto a un premio; perderla, è una vergogna per la Regina. I componenti la guardia d’onore, cantano: O cortejo segue para a igreja, enquanto rojões são lançados e explosivos são acesos. Na igreja, a realeza assiste a cerimônia religiosa em cadeiras especiais, adornadas com veludos, fitas e flores. Depois, todos vão para a casa do Rei ou da Rainha para... a comilança. A palavra é feia, mas o fato também não é bonito de se ver5. À noite, procissão durante a qual se desenrola uma ação: a Rainha da festa é cercada por uma guarda de honra que a defende dos assaltos de alguns ousadosque querem se apoderar da coroa. Conquistar a coroa significa ter direito a um prêmio; perdê-la é vergonhoso para a rainha. Os membros da guarda de honra cantam: Fogo de terra Fogo de mar Que a nossa rainha Nos ha de ajudar, ecc.. Fogo de terra Fogo de mar Que a nossa rainha Nos há de ajudar, etc Alla notte, ballo. Prima, alle otto À noite, dança. Tempos atrás, às oito era tutto finito; e la sferza del pa- horas, tudo acabava, e o chicote do drone ricominciava a sibilare! patrão começava novamente a sibilar! Per fortuna, il negro non ha più contro di sè che alcuni pregiudizii, per i quali vive un po’ in disparte: ma siamo ben lontani dai tempi in cui il Papa era costretto a pubblicare una bolla apposita per dichia- Felizmente, o negro não tem nada mais contra ele a não ser alguns preconceitos, pelos quais vive um pouco à margem, mas estamos longe dos tempos em que o Papa foi obrigado a publicar uma bula es- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 277 Tradução de Karine Simoni rare valido, e non peccaminoso, il matrimonio di un bianco con una negra, e viceversa. II negro si confonde malvolontieri con la razza bianca: ed é a questa... riservatezza che si deve la quasi perfetta conservazione del puro tipo africano, attraverso tante generazioni succedutesi in schiavitù americana. La mulatta, frutto del droit du seigneur, è venuta a farsi ammirare ed amare, producendo quel miscuglio di sangue che doveva dar origine a una nuova razza. pecial para declarar válido, e não pecaminoso, o casamento de um branco com uma negra, e vice-versa. O negro se confunde de má vontade com a raça branca, e é a esta... privacidade que devemos a quase perfeita preservação do tipo africano puro, através de muitas gerações que se sucederam em escravidão americana. A mulata, fruto do droit du seigneur, passou a ser admirada e amada, produzindo aquela mistura de sangue que daria origem a uma nova raça. Il caboclo, il mulatto, il meticcio, conquistano oggi agevolmente i posti pubblici più elevati, l’educazione li ha affinati: e l’istruzione li ha intellettualmente redenti, come l’ indipendenza li aveva redenti materialmente. O caboclo, o mulato, o mestiço, hoje conquistam facilmente os cargos públicos mais elevados; a educação os refinou, e a instrução os redimiu intelectualmente, como a independência os havia redimido materialmente. Gli indiani, anche se divenuti cristiani, conservano le loro tradizioni, e si ignora a quale delle grandi famiglie dell’umanità si riconnettano, perché diversificano da regione a regione, spesso da tribù a tribù: tanto è vero che rimane ancora incerto quale emigrazione abbia popolata questa parte del Brasile. In alcune regioni dell’alto Amazonas, qualcuno ha creduto di ritrovare traccie di Peruviani, in un culto del sole, assai incompleto e primitivo. Os indígenas, mesmo que cristianizados, mantêm suas tradições, e não se sabe a qual das grandes famílias da humanidade se reconectam, porque diferem de região para região, e muitas vezes de tribo para tribo, tanto que ainda é incerto qual emigração tenha povoado esta parte do Brasil. Em algumas regiões do alto Amazonas, alguns acreditaram ter encontrado vestígios de Peruanos, em um culto ao sol muito incompleto e primitivo. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 278 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia La stessa leggenda del Jurupary, mette in imbarazzo gli studiosi, essendo essa composta di elementi assai diversi, e potendo essersi formata in un lungo spazio di tempo; forse anche con reminiscence europee. Taluno vede in questa leggenda un accenno alle Amazzoni: Sant’Anna Nery crede sia il nome del guerriero che le vinse. Certo, malgrado la credenza di osservatori superficiali, Jurupary non è il demonio indiano: piuttosto il daimonion greco. In generale ora, in alcune tribù del Rio Negro, il suo nome indica il genio, lo spettro “l’anima dell’altro mondo”. Il conte Stradelli – sui documenti di Massimiano José Roberto – ha raccolto alcuni episodii della leggenda del Jurupary che vi appare come un essere soprannaturale, un filosofo sentimentale, un legislatore primitivo; quasi l’organizzatore della società indiana, diguazzante nella più completa anarchia. A própria lenda do Jurupari confunde os estudiosos, pois é composta de elementos muito diferentes que podem ter se formado em um longo período de tempo, talvez até com reminiscências europeias. Alguns veem nesta lenda uma referência às Amazonas. Sant’Anna Nery6 acredita que Jurupari seja o nome do guerreiro que as conquistou. Claro, apesar da crença de observadores superficiais, Jurupari não é o demônio indígena, ao contrário, é o daimonion grego. Em geral, agora, em algumas tribos do Rio Negro, seu nome indica o gênio, o fantasma, “a alma do outro mundo”. O conde Stradelli7, nos documentos de Massimiano José Roberto8, recolheu alguns episódios da lenda do Jurupari que ali aparece como um ser sobrenatural, um filósofo sentimental, um legislador primitivo; quase o organizador da sociedade indígena, chafurdada na mais completa anarquia. Jurupary ha un’ origine divina. È figlio della Seucy terrena, che è il ritratto della Seucy celeste, una stella della costellazione delle pleiadi. Seucy é nata dal misterioso connubio con un giovane dio, fintosi vecchio per sedurre la celeste bellezza che, con le compagne era scesa sulle rive del lago Muypa. Jurupari tem origem divina. Ele é o filho da Ceuci terrena, que é o retrato da Ceuci celeste, uma estrela da constelação das Plêiades. Ceuci nasceu da misteriosa união com um jovem deus, que se fingiu de velho para seduzir a celestial beldade que, com suas companheiras, havia descido às margens do Lago Muypa. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 279 Tradução de Karine Simoni Quando Seucy e il vecchio, nell’amplesso amoroso, scomparvero sotto le acque, queste si copersero di polvere bianca... Era il travestimento che se ne andava! Quando Ceuci e o velho, em uma relação amorosa, desapareceram sob as águas, estas ficaram cobertas por uma poeira branca. Era o disfarce que ia embora! La figlia di Seucy, destinata a rimanere sulla terra, è dalla leggenda collocata sulle rive del Muypa in una tribù di donne che si governano da sè (Amazzoni?) non tollerando che dei vecchi pajés (sacerdoti) interamente devoti e sottomessi. Seucy, bella di una bellezza celeste, era tenuta in considerazione grandissima: un giorno, vagando per la foresta, sedotta dalla vista appetitosa delle frutta di pitycan, ne mangiò... dimenticando la proibizione fatta alle ragazze di cogliere e mangiare tale frutta. Alla decima luna nacque un bambino di bellezza meravigliosa al quale fu imposto il nome di Jurupary (generato dalle frutta). Segundo a lenda, a filha de Ceuci, destinada a permanecer na terra, foi colocada às margens do Muypa em uma tribo de mulheres que se autogovernavam (Amazonas?), não tolerando homem algum a não ser velhos pajés (sacerdotes) inteiramente devotados e submissos. Ceuci, bela de uma beleza celestial, era tida em grande consideração. Um dia, vagando pela floresta, seduzida pela visão apetitosa das frutas da pitycan9, ela as comeu, esquecendo a proibição feita às meninas de colher e comer tal fruta. Na décima lua nasceu um filho de uma beleza maravilhosa que recebeu o nome de Jurupari (gerado a partir da fruta). Inutile diffondersi sui particolari della leggenda che assomiglia nei suoi principii a quelle di altri popoli ripetendo la conquista del mondo per opera di um nuovo dio, di un profeta, di una nuova religione. Interessante è invece conoscere alcune tra le leggi di Jurupary, che vigono ancora in molte tribù, specie in quelle dove non è stata ascolta l’idea cristiana e costituiscono É inútil considerar os detalhes de uma lenda que em seus princípios se assemelha às de outros povos, repetindo a conquista do mundo por obra de um novo deus, um profeta, uma nova religião. Pelo contrário, interessante é conhecer algumas das leis de Jurupari, que ainda valem em muitas tribos, principalmente naquelas onde a ideia cristã não foi ouvida e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 280 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia una religione: religione che qualche que constituem uma religião, religião missionario battezzò paurosamente que algum missionário batizou assus“religione del diavolo”. tadoramente de “a religião do diabo”. Ecco alcune leggi di Jurupary: Aqui estão algumas leis de Jurupari: “È proibito al tuxaua (capo) di una tribù, che sia ammogliato con una donna sterile, di continuare a vivere con lei senza prendere una o più mogli, secondo il caso, sino a che non abbia successori. Colui che non vorrà conformarvisi sarà sostituito dal più forte tra i guerrieri della tribù. “É proibido ao tuxaua (chefe) de uma tribo, casado com uma mulher estéril, continuar a viver com ela sem ter uma ou mais esposas, conforme o caso, até que tenha sucessores. Quem não quiser se conformar com isso será substituído pelo mais forte guerreiro da tribo. Nessuno cerchi sedurre la moglie Ninguém deve tentar seduzir a mualtrui sotto pena di morte, che col- lher de outrem sob pena de morte, pirà tanto l’ uomo che la donna. que afetará tanto o homem como a mulher. Nessuna ragazza, giunta alla pubertà, conservi interi i suoi capelli, sotto pena di non maritarsi prima dei suoi capelli bianchi. Nenhuma menina, ao chegar à puberdade, deve manter os seus cabelos compridos, sob pena de não se casar antes de aparecerem seus cabelos brancos. Quando la donna avrà figli, il marito digiuni per lo spazio di una luna, acciocché il figlio possa acquistare le forze che il padre perderà. Nel tempo di questo digiuno l’uomo non dovrà mangiare che sauba, gamberi, beju e peperoni.” Quando a mulher tiver filhos, o marido deve jejuar pelo espaço de uma lua, para que o filho possa adquirir a força que o pai irá perder. Durante o tempo de jejum, o homem deve comer apenas saúva, camarão, beiju e pimentão.” Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 281 Tradução de Karine Simoni Singolari raccomandazioni! Leggi Recomendações únicas! Leis especiais para as mulheres: speciali per le donne: “Una donna, per esser buona, non deve maritarsi che con un solo uomo, e vivere con lui fino alla morte, ed essergli fedele, e non tradirlo per nessuna ragione: non deve desiderare di conoscere i segreti degli uomini; nè ciò che accade in casa d’altri: non deve desiderare nè esperimentare ciò che le paia appetitoso; deve digiunare una intera luna, sino a che Jurupary non le abbia preparato i cibi che le sono destinati: non cedere alle ombre che nacquero da Ualry, e che sempre vanno protette dalla notte.” (Ualry fu il discepolo infedele che, primo, rivelò alle donne le leggi di Jurupary e di questi si lamentò. Fù punito esemplarmente). “Uma mulher, para ser boa, deve casar-se apenas com um só homem e viver com ele até a morte, e ser-lhe fiel, e não traí-lo por motivo algum. Ela não deve desejar conhecer os segredos dos homens; nem o que acontece na casa dos outros. Ela não deve desejar nem experimentar o que lhe parece apetitoso; deve jejuar uma lua inteira, até que Jurupari tenha preparado os alimentos que são a ela destinados. Não deve se entregar às sombras que nasceram de Ualry e que sempre devem ser protegidas pela noite.” (Ualry foi o discípulo infiel que primeiro revelou às mulheres as leis de Jurupari e destas se queixou. Foi punido exemplarmente). Norme che, in gran parte, dovrebbe- Normas que, em grande parte, devero esser seguite dalle donne di ogni riam ser seguidas pelas mulheres de todos os países, diga-se sem maldade. paese: sia detto senza cattiveria. Jurupary aveva la missione di divulgare le sue leggi e disciplinare la società. In una delle leggende del suo ciclo, Jurupary confida al fedele Caryda il segreto suo: Jurupari tinha a missão de divulgar as suas leis e regulamentar a sociedade. Em uma das lendas de seu ciclo, Jurupari confia ao fiel Carida o seu segredo: “Il Sole, da che nacque la Terra, “O Sol, desde que nasceu a Tercercò una donna perfetta, per chia- ra, procurou uma mulher perfeita, marla vicino a sè; ma siccome sino para chamá-la para junto de si; mas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 282 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia ad oggi non l’ha incontrata, mi affidò una parte del suo potere per vedere se in questo mondo potrà esservi donna perfetta.” como até hoje ele não a conheceu, me confiou parte de seu poder para ver se neste mundo possa existir uma mulher perfeita.” La perfezione, desiderata dal Sole, é: A perfeição desejada pelo Sol é: “Che sia paziente (la donna), che “Que seja paciente (a mulher), que sappia serbare un segreto, e che saiba guardar segredo e não seja non sia curiosa. curiosa. Nessuna delle donne che oggi esistono sulla terra riunisce queste qualità: se uma è paziente, non sa serbare un segreto; se sa conservare un segreto, non è paziente; e tutte sono curiose: vogliono sapere tutto, e tutto sperimentare. Nenhuma das mulheres que existem hoje na terra reúne essas qualidades; se uma for paciente, não sabe guardar segredo; se sabe guardar segredo, não é paciente; e todas são curiosas, querem saber tudo e tudo experimentar. E sino ad ora non é apparsa la don- E até agora não apareceu a mulher na che il Sole desidera di possedere. que o Sol deseja possuir. Se un giorno il Sole, tu ed io ci incontreremo nel medesimo luogo (l’uno volse ad oriente e 1’altro seguì il cammino del sole) vorrà dire che sarà apparsa sulla terra la prima donna perfetta.” Se um dia o Sol, você e eu nos encontrarmos no mesmo lugar (um voltado para o leste e o outro seguindo o caminho do sol), isso significará que terá aparecido na terra a primeira mulher perfeita.” È singolare – e sia detto ancora sen- É singular – e diga-se de novo sem za cattiveria – come le donne di tutti maldade – como as mulheres de toi tempi si rassomiglino... dos os tempos se assemelham... Se Jurupary non trovò la donna per- Se Jurupari não encontrou a mulher fetta per il Sole, nè trovò una che perfeita para o Sol, também não en- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 283 Tradução de Karine Simoni andava... per lui: in una delle leggende si racconta infatti, che Jurupary capitò una volta presso una tribù il cui capo era sempre il più bello, uomo o donna non importava: e in questo strano regno della Bellezza, trovò la donna che amò. Non era la tuxaua, e la portò seco, lontano, poi che nessun altro doveva avere la donna che era stata sua: la portò vicino al cielo: la lasciò poi cadere sulla terra, e la trasformò in montagna. Scese quindi su di essa, e così parlò: controu uma que fosse feita para ele. De fato, em uma das lendas conta-se que Jurupari uma vez esteve com uma tribo cujo líder era sempre o mais belo, não importava se fosse homem ou mulher, e neste estranho reino da Beleza, ele encontrou a mulher que amou. Não era a tuxaua, e ele a levou consigo, para longe, para que ninguém mais pudesse ter a mulher que tinha sido sua. Ele a trouxe para perto do céu, e depois a deixou cair sobre a terra, e a transformou em montanha. Então ele desceu sobre ela e assim falou: “Ecco qui la prima ed unica donna “Aqui está a primeira e única mulher che mi ebbe, deposta con tutta sicu- que me teve, deposta com toda a serezza lungi dalla vista degli uomini. gurança longe da vista dos homens. Un giorno, quando tutto sarà consumato, verrò a riprenderla per andare con lei a vivere, ben vicino alle radici del cielo, dove voglio riposare delle fatiche della mia missione, lontano dagli occhi di tutti.” Um dia, quando tudo estiver consumado, virei buscá-la para ir com ela viver muito perto das raízes do céu, onde quero descansar das fadigas da minha missão, longe dos olhos de todos.” E che il vostro buon spirito ve lo E que o seu bom espírito o permita, ó sábio Jurupari! consenta, o saggio Jurupary! Alcune leggi di questo interessante e sentimentale filosofo, sono rigorosamente rispettate, non solo nelle tribù dell’interno, ma anche nei grandi centri. Presso gli indiani, se Algumas leis deste interessante e sentimental filósofo são estritamente respeitadas, não só nas tribos do interior, mas também nos grandes centros. Entre os índios, se nascem filhos, o nó Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 284 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia nacquero figli, il nodo è dichiarato indissolubile, anche se tutto accadde senza la sacra cerimonia del ratto, e nulla può disfare il legame: presso i… non indiani la moglie sterile – pur convivendo col marito – accoglie nella propria casa, e visita nella sua, la donna dalla quale il marito ebbe figli: e questi cura e, forse, ama... come se fossero suoi. Ciò che è eminentemente e primitivamente biblico, del resto. é declarado indissolúvel, mesmo se tudo aconteça sem a sagrada cerimônia religiosa, e nada pode desfazer o vínculo. Entre os não indígenas, a esposa estéril – mesmo convivendo com o marido – acolhe na própria casa, e visita na sua, a mulher com quem seu marido teve filhos, e aquela cuida destes e, talvez, ama como se fossem seus. Isso é eminente e primitivamente bíblico, de resto. Da questo culto dei figli, osservato Desse culto aos filhos, observado con rigidità, nasce l’inconveniente com rigidez, surge o grave inconveniente dos filhos ilegítimos. grave dei figli illegittimi. Alla religione di Jurupary (sorpasso di proposito l’esposizione di altre calamità... – esposizione inadatta all’indole dei miei ricordi), alla “religione del diavolo”, dunque, secondo 1’ espressione di quel nostro missionario, appartiene un oggetto sacro; strana e preziosa curiosità etnografica: la “maschera di Jurupary”. È una specie di tunica senza maniche, che, dalla testa, scende sino a mezza vita, ed è sormontata da un pennacchio bianco: ha tre fori: due per gli occhi, uno per la bocca. È interamente fatta di capelli di donna. À religião de Jurupari (salto de propósito a exposição de outras calamidades... – exposição inadequada à índole das minhas memórias), à “religião do diabo”, portanto, segundo a expressão daquele nosso missionário, pertence um objeto sagrado, estranha e preciosa curiosidade etnográfica, a “máscara de Jurupari”. É uma espécie de túnica sem mangas que, da cabeça, desce até a metade da cintura, e por cima é colocada uma pluma branca. Tem três orifícios: dois para os olhos, um para a boca. É feita inteiramente do cabelo de mulher. Lo Stradelli dice che sa dell’esisten- Stradelli diz que sabe da existência de za di una sola di queste maschere apenas uma dessas máscaras sagradas, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 285 Tradução de Karine Simoni sacre, nascosta in Ipanoré. Le altre sono formate solo in piccola parte da capelli femminili: il resto è fatto con peli di scimmia e di jaguar. escondida em Ipanoré. As demais são formadas apenas em pequena parte por cabelos femininos, o restante é feito com pelos de macaco e jaguar. Questa maschera è, naturalmente, simbolica: rappresenta le spoglie delle donne delle tribù in cui trovavasi Jurupary, le quali, avendo trasgredito alle leggi nuove, e tentato di sedurre gli uomini, per conoscere i misteri di Jurupary, furono abbandonate. Esta máscara é, naturalmente, simbólica: representa os restos mortais das mulheres das tribos onde se encontrava Jurupari, as quais, tendo transgredido as novas leis e tentado seduzir os homens para aprender os mistérios de Jurupari, foram abandonadas. Quando, dopo moltissimo tempo, Jurupary e alcuni dei suoi tornarono, non trovarono alcuno. In ogni casa vi erano ossa di bambini: e in quella di Jurupary era una camera piena di capelli di donna. Quando, depois de muito tempo, Jurupari e alguns dos seus voltaram, não encontraram mais ninguém. Em todas as casas havia ossos de crianças, e naquela de Jurupari havia um quarto cheio de cabelos de mulher. Disse Jurupary: Jurupari disse: “Questa è la notte delle malvagità della luna, e, prima che essa appaia, bruciate tutte le ossa che stanno nelle case e portatemi le ceneri per berle nel cachiry. “Esta é a noite da maldade da lua, e antes que ela apareça, queimem todos os ossos que estão nas casas e tragam-me as cinzas para bebê-las no caxiri. Io vado a fare le nostre vestimenta (perché le nostre madri non ci conoscano quando andremo a piangere vicino a loro) coi capelli che le donne ci hanno lasciati, e porterò i due strumenti musicali da me fatti: essi Vou fazer nossas vestes (para que nossas mães não nos conheçam quando formos chorar ao lado delas) com os cabelos que as mulheres nos deixaram, e trarei os dois instrumentos musicais que fiz. Estes Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 286 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia dovranno piangere con noi, e saranno suonati da me e da Caryda – che ho prescelto ad accompagnarmi per tutta la terra. terão que chorar conosco, e serão tocados por mim e por Carida – que pré-escolhi para me acompanhar por toda a terra. Quando la luna starà commovendo le donne, venite qui per preparare le nostre bevande e per salire sulla vetta della montagna.” Quando a lua estiver comovendo as mulheres, venham aqui para preparar nossas bebidas e subir ao topo da montanha.” Appena tutto fu pronto, Jurupary Assim que tudo ficou pronto, Juruaggiunse: pari acrescentou: “È giunta l’ora di compiere la nostra promessa: beviamo le ceneri dei nostri parenti perchè non si perdano nel seno della terra, e tu, Caryda, prendi il tuo strumento. Vestiamoci tutti di queste vesti fatte di capelli, perché le nostre madri non ci riconoscano, e andiamo là dove stanno (erano state convertite in pietra da una potenza misteriosa mentre spiavano i segreti della legge di Jurupary) a piangere.” E così fecero. “É chegado o momento de cumprir nossa promessa: bebamos as cinzas dos nossos parentes para que não se percam no seio da terra, e você, Carida, pegue seu instrumento. Vamos todos colocar essas vestes feitas de cabelo, para que nossas mães não nos reconheçam, e vamos para onde elas estão chorando” (tinham sido transformadas em pedra por um poder misterioso enquanto espionavam os segredos da lei de Jurupari). E assim eles fizeram. Nelle tribù non ancora tocche dalla civilizzazione, e presso quelle in cui la civiltà nostra non ha distrutto completamente le tradizioni, le feste– cerimonie del cachiry e del dabucury hanno lo stesso carattere di difesa, di conservazione, di trasmissione dei principi insegnati o Nas tribos ainda não atingidas pela civilização, e naquelas em que nossa civilização não destruiu completamente as tradições, as festas-cerimônias do caxiri e do dabucuri têm o mesmo caráter de defesa, conservação, transmissão dos princípios ensinados ou modificados Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 287 Tradução de Karine Simoni modificati da Jurupary. Anche la macabra libazione del cachiry, in cui vi è polvere di ossa di morto – libazione che si conserva in alcune tribù – ha carattere religioso. Nelle feste di cui parliamo si consacrano i pajés; e si prendono le più importanti deliberazioni riguardanti la tribù o le varie tribù intervenute, se si tratta del dabucury. por Jurupari. Também a macabra libação do caxiri, em que há pó dos ossos dos mortos – libação que se conserva em algumas tribos – tem caráter religioso. Nas festas de que falamos, os pajés são consagrados, e são tomadas as mais importantes deliberações sobre a tribo ou as várias tribos que intervieram, quando se tratar do dabucuri. La maschera con capelli di donna comparisce, di solito, nei grandi dabucury: naturalmente, l’oggetto sacro è interdetto alle donne e, in modo speciale, agli stranieri. A máscara com cabelo de mulher aparece, geralmente, nos grandes dabucuri: naturalmente, o objeto sagrado é proibido às mulheres e, de maneira especial, aos estrangeiros. Quando, nel 1883, il padre Coppi – commettendo uno dei tanti errori che hanno fin qui compromessa la diffusione dei principii del cattolicismo – volle abbattere, d’un colpo, le vecchie, radicate credenze indigene, mostrando dal pulpito, e fulminandola con roventi parole, una maschera di Jurupary, per poco non fu massacrato. Dovette la sua salvezza alla fuga da Ipanoré e al rifugio in Manaos. Quando, em 1883, o Padre Coppi, cometendo um dos muitos erros que até agora comprometeram a difusão dos princípios do catolicismo, quis quebrar, de uma vez, as velhas e enraizadas crenças indígenas, mostrando do púlpito e ferindo com ferventes palavras uma máscara de Jurupari, por pouco não foi massacrado. Foi salvo porque fugiu de Ipanoré e se refugiou em Manaus. Gli antichi cronisti sono concordi nell’affermare l’assenza di ogni concetto religioso nei primi indiani. Il culto degli astri cominciò soltanto quando una qualunque civilizzazione – per quanto rudimentale – si Os antigos cronistas concordam em afirmar a ausência de qualquer conceito religioso nos primeiros indígenas. O culto aos astros começou somente quando uma civilização qualquer, por mais rudimentar que Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 288 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia insinuò fra di essi. Vero culto essi avevano, e conservano – come appare anche dalle famose leggi di Jurupary – per la maternità. La nozione delle cose essi l’hanno esclusivamente attribuita al fenomeno della maternità. Il De Mattos, studiando i Tupy–Guarany, riproduce questo dialogo: fosse, se infiltrou entre eles. Verdadeiro culto tinham, e conservam, como também aparece nas famosas leis de Jurupari, pela maternidade. Atribuíram a noção das coisas exclusivamente ao fenômeno da maternidade. De Mattos10, estudando os Tupy-Guarany, reproduz este diálogo: – Chi ha fatto i viventi? – Quem fez os seres vivos? – La mamma Cì. – A mãe Ci. – Chi è la madre dei viventi? – Quem é a mãe dos seres vivos? – È il sole, Uaracy (il sole diventa dunque la madre degli animali: ma una madre... matrigna, sotto la zona torrida, per le piante che essa consuma col suo fuoco). – É o sol, Uaraci (o sol torna-se assim a mãe dos animais, mas uma mãe... madrasta, sob a zona tórrida, pelas plantas que consome com o seu fogo). – Chi ha dunque generato sulla terra – Quem então criou sobre a terra a verdura refrescante? questa verdura rinfrescante? – È la mamma dei vegetali. – Foi a mãe dos vegetais. – Chi è la mamma dei vegetali? – Quem é a mãe dos vegetais? – La Luna. – A Lua. La Luna che, nelle magnifiche notti equatoriali, versa rugiada sulle foreste vergini. Così l’astro caro... a tutte le descrizioni, fu chiamato A Lua que, nas magníficas noites equatoriais, derrama orvalho sobre as matas virgens. Assim, o querido astro, de acordo com todas as descrições, foi Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 289 Tradução de Karine Simoni Yacì, mamma dei vegetali. Infine, gli indiani – meglio di un mito – vedono in tutti i fenomeni della natura la personificazione tangibile della maternità, o del dominio assoluto. chamado de Jaci, mãe dos vegetais. Por fim, os índios, mais do que um mito, vêem em todos os fenômenos da natureza a personificação tangível da maternidade, ou do domínio absoluto. Così essi giurano sul Caapora, il re delle foreste, dalla statura colossale, il cui incontro è inesauribile fonte di sventure: gli indiani ne odono la voce nel vento che sibila tra gli annosi rami, contorti come serpenti: e, nell’ombra che questi rami proiettano sul suolo, essi vedono il Curupira, nano piccolissimo, zoppo e difforme, moso nel far burlette. Nei sibili dei serpenti, nascosti nelle alte erbe, che gli indiani abbrucciano per far posto onde costruire la maloca a preparare la roça, vedono il mboitata, serpente del fuoco, guardiano della foresta. Assim juram por Caipora, o rei das florestas, de estatura colossal, cujo encontro é fonte inesgotável de desgraças: os índios ouvem sua voz no vento que assobia entre os galhos centenários, retorcidos como cobras, e, na sombra que estes galhos projetam no chão, vêem o Curupira, um anão pequenininho, manco e deformado, movido por pregar peças. No sibilar das cobras, escondidas no capim alto que os índios queimam para abrir espaço onde construir a maloca e preparar a roça, vêem o boitatá, cobra de fogo, guardiã da floresta. I laghi sono tutti sotto la protezione Os lagos estão todos sob a proteção de uma cobra. di un serpente. Il serpente rappresenta anzi uno degli elementi principali nelle credenze degli indiani. E quando l’audace ed eccentrico viaggiatore italiano conte Stradelli meravigliò alcune di quelle tribù primitive colla fotografia, lo battezzarono May [...] “figlio del gran serpente”, dicendo che faceva Na verdade, a cobra representa um dos elementos principais nas crenças indígenas. E quando o audacioso e excêntrico viajante italiano Conde Stradelli surpreendeu algumas tribos primitivas com a fotografia, foi batizado de May [...]11, “filho da Cobra Grande”, dizendo que ele fazia nas- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 290 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia nascere gli uomini, battendo le mani. Nel mormorio delle acque che radono le rive dei fiumi, odono la voce delle yaras ammaliatrici. Se un grido strano li sveglia nel cuor della notte è il Maty-Tapèrê che vuol essere soddisfatto nelle sue brame. cer os homens batendo palmas. No murmúrio das águas que rasgam as margens dos rios, ouvem a voz das iaras encantadoras. Se um grito estranho os acorda no meio da noite, é o Matim-Taperê que quer satisfazer seus desejos. Hanno dato il nome a varie costellazioni; in esse, vedono figure e fatti della vita delle foreste: ma non sempre ad esse attribuiscono influenza sui destini umani. Deram seus nomes a várias constelações; nelas, vêem figuras e fatos da vida das florestas, mas nem sempre atribuem a elas influência sobre os destinos humanos. Il serpente è parte principalissima nell’ apparizione della notte, e nella creazione del mondo. L’indianologo Conto de Magalhaes ne riassume così la leggenda: A serpente é uma parte muito importante no aparecimento da noite e na criação do mundo. O indianólogo Couto de Magalhães12 resume assim a lenda: “Al principio non c’era la notte, il giorno durava di continuo; la notte era addormentata in fondo alle acque. Non c’erano animali. Tutte le cose parlavano. Si dice che la figlia del Gran Serpente fosse maritata ad un giovanotto. Questo giovanotto aveva tre servitori fedeli. Un giorno, chiamò i tre servitori, e disse loro: – Andate a passeggiare perchè mia moglie non vuol dormire con me. “No início não havia noite, o dia durava o tempo todo, a noite estava adormecida no fundo das águas. Não havia animais. Todas as coisas falavam. Diz-se que a filha da Cobra Grande era casada com um jovem. Este jovem tinha três servos fiéis. Um dia, chamou os três servos e disse-lhes: – Vão passear porque a minha mulher não quer dormir comigo. I servitori se ne andarono: e allora il Os servos foram embora e o jovem giovanotto chiamò la moglie perché chamou sua esposa para que fosse dormir com ele. dormisse con lui. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 291 Tradução de Karine Simoni La figlia del Gran Serpente gli dis- A filha da Cobra Grande disse-lhe: – Mas ainda não é noite! se: – Se non è ancora notte! Il giovane rispose: – Non ci son O jovem respondeu: – Não existem noites: há apenas o dia. notti: non c’è che il giorno. La giovane donna osservò: – Mio padre ha la notte: se vuoi dormire con me, falla cercare al di là del gran fiume. A jovem comentou: – Meu pai tem a noite. Se você quiser dormir comigo, peça-lhes que a procurem para além do grande rio. Il giovane chiamò i suoi tre servitori: la giovane li mandò da sua parte perchè le riportassero una noce di Tucuman. (Frutto di una palma: quando é maturo é tondo e giallo. Ricorda’ il cocco). O jovem chamou seus três servos e a jovem mandou-os, por sua vez, que lhe trouxessem uma noz de tucumã. (Fruto de uma palmeira: quando maduro é redondo e amarelo. Faz lembrar o coco). I servitori partirono e giunsero alla casa del Gran Serpente. Questi dette loro la noce di tucuman e disse: – Eccola, prendetela; e andatevene. Non l’aprite, perchè, diversamente, tutto è perduto. Os servos saíram e chegaram à casa da Cobra Grande. Este deu-lhes a noz de tucumã e lhes disse: – Aqui está, peguem-na; e vão embora. Não a abram, porque, se isso acontecer, tudo estará perdido. I servitori partirono. Nell’interno della noce di tucuman, sentivano un rumore così: “ten, ten, ten, sci!” Era il rumore dei grilli e dei rospicini che cantano la notte. Os servos foram embora. Dentro da noz de tucumã, eles ouviram um barulho assim: “ten, ten, ten, sci!” Era o som dos grilos e dos pequenos sapos que cantam à noite. Quando furono lontani, uno dei ser- Quando estavam longe, um dos servitori disse ai compagni: – Vediamo vos disse aos companheiros: – Vamos ver o que é esse barulho. cos’ è questo rumore. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 292 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia E il pilota: – No, perchè ci perde- E o que estava na frente: – Não, porque vamos nos perder... Vamos, remmo... Andiamo, via, rema. vamos remar. E se ne andarono, e seguitarono a sentire lo stesso rumore, nell’interno della noce di tucuman, e non potevano raccapezzarsi che rumore fosse. E eles foram embora, e continuaram a ouvir o mesmo barulho, dentro da noz tucumã, e não conseguiam entender que barulho era. Erano già lontanissimi quando si riunirono ne1 mezzo della barca, accesero il fuoco, fusero la resina che chiudeva la noce e l’aprirono. A un tratto, tutto si fece nero! Il pilota disse: – Siamo perduti: certo, a casa sua, la signora sa già che abbiamo aperto il cocco di tucuman! Já estavam muito distantes quando se reuniram no meio do barco, acenderam o fogo, derreteram a resina que fechava a noz e a abriram. De repente, tudo ficou escuro! O que estava na frente disse: – Estamos perdidos, claro que, na sua casa, a senhora já sabe que abrimos o coco de tucumã! Seguitarono la loro strada. Nello Seguiram seu caminho. Ao mesmo stesso momento, a casa sua, la gio- tempo, em sua casa, a jovem disse ao marido: vane disse al marito: – Hanno lasciato andare la notte: – Eles soltaram a noite, esperemos o amanhã. aspettiamo il domani. Allora, tutte le cose che erano sparse per i boschi, si trasformarono in animali e in uccelli. Le cose che erano sparse sui fiumi si trasformarono in anitre e in pesci. Dal paniere fu generata l’onça (per questo l’onça è macchiata; i buchi del paniere diventarono macchie): il pescatore e la sua barca furono trasformati in anitra: dalla testa del pescatore nacquero la Então, todas as coisas que estavam espalhadas pela mata se transformaram em animais e pássaros. As coisas que estavam espalhadas nos rios viraram patos e peixes. A onça foi gerada do cesto (por isso a onça é manchada; os buracos do cesto se tornaram manchas); o pescador e seu barco se transformaram em pato: da cabeça do pescador nasce- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 293 Tradução de Karine Simoni testa e il becco; dalla barca il corpo; ram a cabeça e o bico, da barca nasceu o corpo, dos remos as pernas. dai remi le gambe. Quando la figlia del Gran Serpente vide la stella dell’alba, disse al marito: – L’alba comincia a spuntare: ora separerò il giorno dalla notte. Quando a filha da Cobra Grande viu a estrela d’Alva, disse ao marido: – A alvorada começa a romper: agora irei separar o dia da noite. Allora arrotolò del filo, e soggiunse: Em seguida, enrolou um fio e acrescentou: – Tu sarai il cujubin (Penelope cumanensis: ha le piume rosee e la testa bianca: canta allo spuntar del giorno). Così fece il cujubin: ne dipinse la testa in bianco con argilla: le gambe in rosso con del roucou (Bixa orellana) e gli disse: – Você será o cujubim (Penelope cumanensis, tem penas rosadas e cabeça branca, canta ao amanhecer). Assim ela fez o cujubim: pintou a cabeça de branco com argila, as pernas de vermelho com urucum (Bixa orellana). E disse-lhe: – Tu canterai sempre quando il – Você sempre vai cantar quando o dia começar a nascer. giorno comincia a spuntare. Arrotolò il filo: vi scosse sopra del- Enrolou o fio, sacudiu cinza sobre ele e disse: la cenere, e disse: – Tu sarai il nambù (Pezus niambu che canta in determinate ore) per cantare nelle diverse ore della notte e all’alba. – Você será o inhambú (Pezus niambu que canta em certos horários), para cantar em diferentes horas da noite e ao amanhecer. Da allora tutti gli uccelli hanno cantato alla loro ora: e tutti insieme cantano all’ alba per rallegrarsi del riapparire del giorno. Desde então, todos os pássaros cantaram na hora certa, e todos cantam juntos ao amanhecer para se alegrarem com o reaparecimento do dia. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 294 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Quando i tre servitori tornarono, il Quando os três servos voltaram, o jovem disse-lhes: giovane disse loro: – Non siete stati ubbidienti: avete aperta la noce di tucuman, avete lasciato fuggire la notte: e tutto si è perduto... anche voi, che sarete mutati in sciminie, e camminerete per sempre sui rami degli alberi.” – Vocês não foram obedientes, abriram a noz de tucumã, deixaram escapar a noite, e tudo se perdeu... vocês também vão se transformar em macacos, e para sempre irão andar sobre os galhos das árvores. ” E gli indiani raccontano che la bocca nera e le striature gialle delle scimmie sono appunto i segni della resina che sgrondò sui servi infedeli, quando essi aprirono la miracolosa noce che racchiudeva la notte. E os índios dizem que a boca preta e as listras amarelas dos macacos são justamente os sinais da resina que escorreu sobre os servos infiéis quando abriram a milagrosa noz que fechava a noite. Al sorgere della predicaziorie cristiana, le nuove credenze non si sostituirono alle antiche, ma vi si sovrapposero. I Gesuiti, sempre pratici nella loro opera, compresero che tutto sarebbe andato perduto, se essi avessero tentato di sradicare le antiche convinzioni, e non avessero invece adattate le nuove massime alle intelligenze e alle consuetudini dei catecumeni. Così si attribuisce ai primi missionarii l’ideazione dell’ibake, il paradiso. Com o surgimento da pregação cristã, as novas crenças não substituíram as antigas, mas as sobrepuseram. Os Jesuítas, sempre práticos em seu trabalho, compreenderam que tudo estaria perdido se tentassem erradicar as antigas convicções e se, em vez disso, não adaptassem as novas máximas à inteligência e aos hábitos dos catecúmenos. Assim, se atribuiu aos primeiros missionários a ideação do ibake, o paraíso. Secondo il padre d’Almeida gli indiani credono che i piu valenti dei due sessi (quelli i quali hanno combattuto, vinto, e magari mangiato più Segundo o padre De Almeida13, os índios acreditam que os mais valentes dos dois sexos (os que lutaram, ganharam e talvez comido mais ini- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 295 Tradução de Karine Simoni nemici), dopo la morte si riuniscano nei “campi allegri” situati nelle vallate delle delizie, vicino alle montagne azzurre. Là... continua festa, mentre i poveri diavoli – che non hanno ammazzato nessuno – soffrono in compagnia degli spiriti cattivi... migos), depois da morte se reúnem nos “campos felizes” localizados nos vales das delícias, perto das montanhas azuis. Lá a festa continua, enquanto os pobres diabos, que não mataram ninguém, sofrem na companhia de espíritos malignos. Confusione nella fede della SS. Tri- Confusão na fé da Santíssima Trinnità: confusione nelle rappresenta- dade: confusão nas representações dos fatos religiosos. zioni di fatti religiosi. Il Sairé è una delle introduzioni del O Sairé é uma das introduções ao Cristianesimo: e ne tolgo la descri- Cristianismo, e tomo a descrição de Sant’ Anna Néry: zione a S. Anna Nery: “Materialmente è un semicerchio di legno di 1,40 mt di diametro: altri due piccoli semicerchi sono inscritti in questo: e riposano sul diametro. Dal punto di tangenza dei due piccoli semicerchi, si innalza perpendicolarmente al diametro del grande semicerchio un raggio che oltrepassa la circonferenza e che termina in una croce. I due piccoli semicerchi hanno pure il loro raggio perpendicolare al diametro, e terminato da una croce. Questi archi sono circondati da un cuscinetto di cotone cardato avvolto in nastri. E cristalli, dolci, frutta in quantità stanno ad adornare l’apparecchio. Un nastro largo in orifiamma scende dalla croce di mezzo. “Materialmente é um semicírculo de madeira de 1,40 metros de diâmetro. Dois outros pequenos semicírculos estão inscritos neste, e repousam sobre o diâmetro. Do ponto de tangência dos dois pequenos semicírculos, um raio sobe perpendicularmente ao diâmetro do grande semicírculo que ultrapassa a circunferência e termina em cruz. Os dois pequenos semicírculos também têm seu raio perpendicular ao diâmetro, e terminado por uma cruz. Esses arcos estão circundados por uma almofada de algodão cardado envolta em fitas. E cristais, doces, frutas em quantidade adornam o aparelho. Uma larga fita em auriflama desce da cruz do meio. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 296 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Moralmente questo Sairé contiene la rappresentazione simbolica del racconto del diluvio biblico. Il gran cerchio rappresenta l’arca di Noe: i cristalli rappresentano la luce del giorno: e i dolci e le frutta l’abbondanza che regnava nell’arca: il cotone e il tamburello figurano la schiuma biancastra e il rumore delle acque. Il movimento che si imprime al Sairé significa il dondolarsi dell’arca sui flutti. I tre cerchi, nel loro insieme, sono l’immagine della Trinità; tre persone distinte, sebbene compenetrantesi. Le tre croci ricordano il Calvario sul quale Cristo è stato crocifisso tra i due ladroni. Moralmente, este Sairé contém a representação simbólica da história do dilúvio bíblico. O grande círculo representa a arca de Noé, os cristais representam a luz do dia, e os doces e frutos a abundância que reinava na arca. O algodão e o pandeiro representam a espuma esbranquiçada e o som das águas. O movimento que está impresso no Sairé significa o balanço da arca nas ondas. Os três círculos, tomados em conjunto, são a imagem da Trindade; três pessoas distintas, embora se interpenetrem. As três cruzes lembram o Calvário em que Cristo foi crucificado entre os dois ladrões. Quando gli indiani catechizzati festeggiano qualche santo di loro particolare devozione, rizzano l’altare nella capanna, vi mettono sopra l’immagine del Santo, e ai piedi pongono il Sairé. Davanti alla capanna inalzano una tettoia, dispongono delle tavole, e preparano tutto per le feste e le danze che durano varii giorni. Arrivato il giorno della festa, si trasporta il Sairé dalla casa alla Chiesa. Viene prima un indiano che porta una bandiera sulla quale si stacca la figura del Santo in venerazione. Vien quindi il Sairé. Tre vecchie indiane, che per la circostanza, si mettono i loro più begli ornamenti, lo Quando os índios catequizados celebram algum santo de sua particular devoção, erguem o altar na cabana, colocam nele a imagem do Santo e a seus pés colocam o Sairé. Na frente da cabana erguem um galpão, arrumam algumas mesas e preparam tudo para as festas e os bailes que duram vários dias. Quando chega o dia da festa, o Sairé é transportado da casa para a Igreja. Primeiro chega um índio carregando uma bandeira na qual se destaca a figura do Santo em veneração. Depois vem o Sairé. Três velhas índias, que para a ocasião colocaram seus mais belos ornamentos, seguram-no erguido no Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 297 Tradução de Karine Simoni tengono levato in aria pel diametro. Una giovinetta agita il nastro, mentre una delle sue compagne scuote il tamburello sacro, ornato di nastri dai vivi colori. Seguono le donne; e gli uomini chiudono la processione. alto pelo seu diâmetro. Uma jovem agita a fita, enquanto uma de suas companheiras sacode o pandeiro sagrado, decorado com fitas coloridas. As mulheres o seguem; e os homens fecham a procissão. Durante il tragitto, le tre vecchie, a intervalli regolari, inclinano il Sairé ora in avanti, ora in dietro. Nello stesso tempo, la ragazza scuote il tamburello, danzando al ritmo del suono e dei canti. La melodia è triste e monotona; è una lamentela di anime in pena. Le parole – dettate da chi sa quale missionario di tempi oramai remoti – sono ingenue, ed esprimono la speranza nella vita futura. Sono scritte in tupy–guarany, meno il ritornello, che è in portoghese, e dicono: No caminho, as três velhas, em intervalos regulares, inclinam o Sairé ora para a frente, ora para trás. Ao mesmo tempo, a jovem sacode o pandeiro, dançando ao ritmo do som e dos cantos. A melodia é triste e monótona; é uma queixa de almas em sofrimento. As palavras – ditadas por quem conhece, como os missionários de tempos longínquos – são ingênuas e expressam esperança na vida futura. São escritos em tupyguarany, com excessão do refrão, que é em português, e dizem: – In fonti battesimali di pietra il – Em pias batismais de pedra Jesus foi batizado. bambino Gesù è stato battezzato. Il coro risponde: O coro responde: – Gesù e la Santa Maria. – Jesus e a Santa Maria. – Santa Maria è una bella donna: suo figlio è come Lei: sta nell’alto dei cieli, sopra una gran croce, per salvare le anime. – Santa Maria é uma bela mulher, seu filho é como Ela, está no alto do céu, numa grande cruz, para salvar as almas. Il coro risponde: O coro responde: Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 298 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia – Gesù e la Santa Maria. – Jesus e a Santa Maria. Si trovano traccie dell’antica predicazione dei missionarii anche in racconti come quello del Tamandaré. Nel suo Guarany (il romanzo nazionale per eccellenza) così lo descrive José de Alencar: Vestígios de antigas pregações dos missionários também podem ser encontrados em histórias como a de Tamandaré. No seu Guarany (romance nacional por excelência) é assim que o descreve José de Alencar14: “È passato molto tempo. Le acque caddero e incominciarono ad allagare la terra. Gli uomini salirono sulle alte montagne: uno solo rimase al piano insieme a sua moglie: Tamandaré – il forte dei forti – il più sapiente uomo del mondo. Dio gli parlava nella notte, e lui, di giorno, parlava ai giovani della tribù, e insegnava loro quanto aveva imparato da Dio. Quando tutti salirono sulle montagne, disse: Restate con me: fate come me: e lasciate che l’acqua cresca. Non gli dettero retta. Tamandaré prese la moglie tra le braccia, e montò con lei sulla cima di una palma: e attese che l’acqua venisse. La palma dava frutti che servivano loro di nutrimento. L’ acqua venne, salì: salì sempre... il sole vi si tuffò, e risorse, due o tre volte. La terra scomparve: l’albero scomparve, la montagna scomparve. L’acqua salì al cielo, e allora Dio ordinò che si fermasse. Il Sole, guardando, vide soltanto cielo e acqua: e tra il cie- “Foi longe, bem longe dos tempos de agora. As águas caíram, e começaram a cobrir toda a terra. Os homens subiram ao alto dos montes; um só ficou na várzea com sua esposa. “Era Tamandaré; forte entre os fortes; sabia mais que todos. O Senhor falava-lhe de noite; e de dia ele ensinava aos filhos da tribo o que aprendia do céu. “Quando todos subiram aos montes ele disse: ‘Ficai comigo; fazei como eu, e deixai que venha a água.’ “Os outros não o escutaram; e foram para o alto; e deixaram ele só na várzea com sua companheira, que não o abandonou. “Tamandaré tomou sua mulher nos braços e subiu com ela ao olho da palmeira; ai esperou que a água viesse e passasse; a palmeira dava frutos que o alimentavam. “A água veio, subiu e cresceu; o sol mergulhou e surgiu uma, duas e três vezes. A terra desapareceu; a árvore desapareceu; a montanha desapareceu. “A água tocou o céu; e o Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 299 Tradução de Karine Simoni lo e 1’acqua – galleggiante – la palma che portava Tamandaré e la sua compagna. La corrente scavò la terra; scavando la terra strappò la palma; strappando la palma, salì con essa; e salì al disopra della valle, al disopra del1’a1bero, al disopra della montagna. Tutti perirono. L’acqua toccò il cielo per tre soli dì e per tre notti; poi abbassò, abbassò finché la terra restò a secco. Quando il giorno comparve, Tamandaré vide che la palma era piantata in mezzo a una pianura, e senti il guanumby (il colibrì che secondo la tradizione porta e riporta dall’altro mondo le anime) il piccolo uccello del cielo, che batteva le ali. Scese allora con la sua compagna, e ripopolò la terra.” Senhor mandou então que parasse. O sol olhando só viu céu e água, e entre a água e o céu, a palmeira que boiava levando Tamandaré e sua companheira. “A corrente cavou a terra; cavando a terra, arrancou a palmeira; arrancando a palmeira, subiu com ela; subiu acima do vale, acima da árvore, acima da montanha. “Todos morreram. A água tocou o céu três sóis com três noites; depois baixou; baixou até que descobriu a terra. “Quando veio o dia, Tamandaré viu que a palmeira estava plantada no meio da várzea; e ouviu a avezinha do céu, o guanumbi, que batia as asas. “Desceu com a sua companheira, e povoou a terra.” Non meno curiosa è questa giustifi- Não menos curiosa é essa justificativa do pecado original. cazione del peccato originale. Un giorno, San Pietro chiese a Gesù Cristo perché mai Dio avesse punito tutti gli uomini per il peccato commesso da un solo uomo. Cristo gli promise di dargli la spiegazione, più tardi. Um dia, São Pedro perguntou a Jesus Cristo por quê Deus havia punido todos os homens pelo pecado cometido por um único homem. Cristo prometeu dar-lhe a explicação mais tarde. Qualche giorno dopo, mentre passeggiavano insieme, scorsero un nido di vespe. Gesù Cristo prese il nido, con cura, e lo dette a San Pietro, dicendogli: Alguns dias depois, enquanto caminhavam juntos, viram um ninho de vespas. Jesus Cristo pegou o ninho, com cuidado, e o deu a São Pedro, dizendo-lhe: Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 300 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia – Mettilo sotto il braccio: conservalo con diligenza, per restituirmelo poi: sopratutto, bada, non le ammazzare! – Coloque-o debaixo do braço, guarde com cuidado, para me devolver depois, acima de tudo, lembre-se, não as mate! E si separarono. E eles se separaram. All’indomani, Gesù Cristo doman- No dia seguinte, Jesus Cristo perdò a San Pietro che cosa avesse fatto guntou a São Pedro o que ele havia feito com as vespas que lhe foram delle vespe affidategli. confiadas. – Eh, Maestro! Le ho uccise. – Eh, mestre! Eu as matei. – Ma non ti avevo raccomandato di – Mas eu não havia recomendado que você as mantivesse debaixo do braço? tenerle sotto i1 braccio? – Sì, ma una mi ha punto: e allora... – Sim, mas uma delas me picou, então... esmaguei-as todas! le ho schiacciate tutte! – Vedi ? Il giusti pagano per i1 pec- – Entende? Os justos pagam pelo pecador. catore. Le feste del cattolicesimo sono pure celebrate come da noi: il Natale, l’arrivo dei Magi, ecc., sono rappresentati quasi tutti nei modi esposti, resi caratteristici da poesie, da armonie, da balli speciali: miscuglio originale di sacro e di profano. La laude a Dio si confonde con la canzone venuta dal Portogallo: la preghiera religiosa si amalgama con la storiella senza capo nè coda, reminiscenza di vecchie tradizioni. As festas do catolicismo também são celebradas como nós: o Natal, a chegada dos Reis Magos, etc., são quase todas representadas nas formas expostas, caracterizadas por poemas, harmonias, danças especiais, uma mistura original de sagrado e de profano. Os louvores a Deus confundem-se com a canção vinda de Portugal; a oração religiosa confunde-se com a historinha sem pé nem cabeça, reminiscência de antigas tradições. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 301 Tradução de Karine Simoni Fra gli auto più belli è la Chegança dos Marujos (arrivo dei marinai). Ma dove il sentimento religioso si manifesta con maggior ampiezza, e la licenza profana esplode con maggior vivacità: dove la superstizione ha la sua espressione più violenta, e la tradizione conserva meglio il suo carattere, è nelle grandi feste patronali. Entre os autos mais belos está a Chegança dos Marujos (chegada dos marinheiros). Mas onde o sentimento religioso se manifesta com maior amplitude, e a licença profana explode com maior vivacidade, onde a superstição tem sua expressão mais violenta e a tradição conserva melhor seu caráter, é nas grandes festas patronais. La maggior parte di queste feste sono dedicate alla Vergine: e, nel nord del Brasile, in special modo alla Vergine do Desterro, o, come comunemente si dice, di Nazareth. A maior parte dessas festas é dedicada à Virgem, e, no norte do Brasil, especialmente à Virgem do Desterro, ou, como se costuma dizer, de Nazaré. A Belem, la celebrazione di questa festa ha un’ importanza grandissima: e la sua eco si spande in tutto il vastissimo Stato, e negli Stati vicini. Em Belém, a celebração desta festa reveste-se de grande importância, e seu eco espalha-se por todo o vastíssimo estado e nos estados vizinhos. La festa assume maggiore significato dal fatto che attualmente il Governo repubblicano (come negli anni andati il rappresentante del Governo monarchico di don Pedro di Bragança) vi participa ufficialmente. La popolazione, in massa, prende parte alla grandiosa e caratteristica processione della cera: “A Romaria do Cyrio” che noi abbiamo veduta sfilare in una delle occasioni più solenni; poichè nel 1808, appunto, l’immagine della Vergine di Nazareth tornava A festa adquire maior significado pelo fato de atualmente nela participar, de modo oficial, o governo republicano (tal como nos anos passados o representante do Governo monárquico de D. Pedro de Bragança). A população, em massa, participa da grandiosa e característica procissão de cera: “A Romaria do Círio”, que vimos desfilar numa das ocasiões mais solenes, pois em 1808, de fato, a imagem da Virgem de Nazaré vol- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 302 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia dall’Italia, dove era stata restaurata, tou da Itália, onde foi restaurada, e e poi benedetta dal Papa. depois abençoada pelo Papa15. Era quindi una solennità eccezionale: un’occasione più che mai propizia per sfoggiare gli istinti innati di munificenza e di liberalità: per dare forma più appariscente alla devozione, e assumere aspetto più mortificante nel sciogliere il voto. Era, portanto, uma solenidade excepcional, uma oportunidade mais do que nunca propícia para exibir os instintos inatos de munificência e liberalidade; para dar uma forma mais conspícua à devoção e assumir um aspecto mais mortificante ao dissolver o voto. Tra le varie leggende – del resto, molto somiglianti tra loro – che riguardano l’origine del Santuario, e quindi la festa di Nazareth, mi attengo a quella di Pardua Carvalho. Entre as várias lendas – aliás, muito semelhantes entre si – acerca da origem do Santuário e, portanto, da festa de Nazaré, me detenho à de Pádua Carvalho16. Un giorno due cacciatori, stanchi di correre attraverso la foresta che circondava la città di Belem, si fermarono per riposare all’ombra di un albero. Erano entrambi seccatissimi di non aver trovato neppure un tucano tra quei boschi ricchi di cacciagione. I cani, che pareva cercassero ancora la pista di un cervo poco prima inseguito, si sdraiarono anch’essi all’ombra dello stesso albero. Um dia, dois caçadores, cansados de correr pela floresta que cercava a cidade de Belém, pararam para descansar à sombra de uma árvore. Ambos ficaram muito aborrecidos por não terem encontrado nem mesmo um tucano naquelas matas ricas em caça. Os cães, que pareciam ainda procurar o rastro de um veado há pouco perseguido, também se deitaram à sombra da mesma árvore. Vinti dalla fatica, i cacciatori si addormentarono, e uno di essi vide in sogno una donna che lo invitò a frugare in un cespuglio Vencidos pelo cansaço, os caçadores adormeceram e um deles viu em sonho uma mulher que o convidou a vasculhar um arbusto Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 303 Tradução de Karine Simoni dove avrebbe trovata un’immagine della Vergine di Nazareth. Svegliatosi, il cacciatore si diede a cercare il cespuglio misterioso: e mentre egli ispezionava il bosco, i cani si misero ad abbaiare, presso un gruppo di palme. Il cacciatore accorse. Vicino al tronco della più vecchia palma, con suo grande stupore, scoprì una bella statua. onde encontraria uma imagem da Virgem de Nazaré. Ao acordar, o caçador começou a procurar o arbusto misterioso, e enquanto inspecionava a mata, os cães começaram a latir perto de um grupo de palmeiras. O caçador correu. Perto do tronco da palmeira mais velha, para seu espanto, descobriu uma bela estátua. Felici, più che se avessero ammazzati mille cervi, i cacciatori tornarono in città, e consegnarono la statua al Governatore, che la fece collocare nella sua cappella. Felizes, mais até do que se tivessem matado mil cervos, os caçadores voltaram à cidade e entregaram a estátua ao Governador, que mandou colocá-la em sua capela. Sparsasi la notizia, i fedeli chiesero al Governatore che fosse esposta l’immagine di Nostra Signora, patrona della città: e il Governatore promise che all’indomani il popolo sarebbe stato ammesso nella Cappella del Palazzo: ma il giorno dopo la statua era scomparsa. Quando a notícia se espalhou, os fiéis pediram ao Governador que exibisse a imagem de Nossa Senhora, padroeira da cidade, e o Governador prometeu que no dia seguinte seria permitido ao povo entrar na Capela do Palácio, mas no dia seguinte a estátua havia desaparecido. I cacciatori, storditi, ebbero paura di passare per impostori; e tornarono al noto cespuglio, dove, con loro immensa gioia ritrovarono la statua. Il Governatore e il popolo, con grande pompa, trasportarono di nuovo la statua alla cappella del palazzo. All’ indoinani, altra Os caçadores, atordoados, tiveram medo de se passar por impostores, e voltaram ao conhecido arbusto, onde, com imensa alegria, encontraram a estátua. O Governador e o povo, com grande pompa, levaram a estátua de volta à capela do palácio. No dia seguinte, outro de- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 304 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia sparizione. L’immagine benedetta saparecimento. A imagem bendita era tornata a rifugiarsi nel bosco. voltou a se refugiar na mata. Il miracolo si rinnovò parecchie volte, sino a che il Vescovo – d’accordo col Governatore – fece costruire una cappella nel luogo prescelto dalla Madonna: e l’altare, dove venne collocata la Vergine, fu eretto appunto sul posto del famoso gruppo di palme. O milagre se renovou várias vezes, até que o Bispo, em acordo com o Governador, mandou construir uma capela no local escolhido por Nossa Senhora, e o altar, onde a Virgem foi colocada, foi erguido precisamente no local do famoso grupo de palmeiras. I fedeli accorsero da ogni parte; i miracoli divennero così numerosi, e la devozione crebbe a tal punto che, quasi subito, la cappellina fu sostituita da un eremitaggio, con un vestibolo coperto per i pellegrini. L’altare rimase allo stesso posto. Una strada apposita fu costruita dalla chiesa alla città per comodo dei devoti, poichè la chiesa era lontana circa un miglio dall’abitato, in luogo basso e paludoso, in piena foresta vergine. Ogni anno, nella prima quindicina di ottobre, si avviava alla cappella una folla immensa, recando ex-voti ed offerte per grazie ottenute. Quasi tutti, per penitenza, vi andavano a piedi: alcuni, in palanchino. Os fiéis correram para lá vindos de todos os lados; os milagres se tornaram tão numerosos, e a devoção cresceu tanto que, quase imediatamente, a capelinha foi substituída por uma ermida, com um vestíbulo coberto para os peregrinos. O altar permaneceu no mesmo lugar. Uma estrada especial foi construída da igreja até a cidade para a conveniência dos devotos, pois a igreja ficava a cerca de um quilômetro da cidade, em um local baixo e pantanoso, no meio da mata virgem. Todos os anos, na primeira quinzena de outubro, uma imensa multidão ia à capela, trazendo ex-votos e ofertas pelas graças obtidas. Quase todos, por penitência, andavam a pé; alguns iam em palanquins. La festa aveva il carattere di quelle A festa tinha o caráter das já desgià descritte: solo il juiz e la juiza critas: o juíz e a juíza eram eleitos erano eletti tra le persone più facol- entre as pessoas mais providas da Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 305 Tradução de Karine Simoni tose della città, e quindi i balli, i ce- cidade e, portanto, as danças, os rimoniali, le cene avevano carattere cerimoniais, os jantares tinham um più sontuoso. caráter mais suntuoso. Molti fedeli raccontavano di aver veduto, andando al romitaggio nelle prime ore del mattino, la tunica della Vergine, ancora coperta di rugiada; altri, giuravano di aver veduta, durante la notte, una fanciulla sui dodici anni, dalla pelle bianca, dagli occhi luminosi, dai capelli d’oro, che aveva loro parlato, con voce soavissima. Dei pescatori andavano anche più oltre, affermando che la Divina apparizione aveva loro consigliato di vendere il pesce non troppo caro, e sempre di buona qualità.... Muitos fiéis disseram ter visto, ao irem ao eremitério nas primeiras horas da manhã, a túnica da Virgem, ainda coberta de orvalho; outros juravam ter visto, durante a noite, uma menina de cerca de doze anos, de pele branca, olhos brilhantes e cabelos dourados, que lhes falara com uma voz muito doce. Os pescadores foram ainda mais longe, afirmando que a Divina aparição os havia aconselhado a vender peixes que não muito caros e sempre de boa qualidade... In ogni modo, il culto per la Ver- Em todo caso, o culto à Virgem era gine era […] puro e ardente. [...]17 puro e ardente. Scoppiò la crudele guerra da cabanagem: la rivolta dei negri contro i bianchi; l’insorgere della campagna contro la città: guerra feroce, senza tregua, che insanguinò la capitale, e quasi tutte le città dell’interno. I cabanos invasero Belem, passando appunto per Nazareth, dove stabilirono il loro quartier generale. Si dice che penetrassero nella Chiesa e la profanassero. Da allora nessuno vide più la bellissima Estourou a cruel guerra da cabanagem, a revolta dos negros contra os brancos, o insurgir do campo contra a cidade: uma guerra feroz e implacável que ensanguentou a capital e quase todas as cidades do interior. Os cabanos invadiram Belém, passando justamente por Nazaré, onde instalaram seu quartel general. Dizse que eles entraram na Igreja e a profanaram. Desde então, ninguém mais viu a linda moça de cabelos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 306 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia fanciulla dai capelli d’oro: e Belem che era rimasta sino a quel tempo immune da alcune epidemie – fu invasa dalla peste e dal vaiuolo... dourados, e Belém, que até então havia se mantido imune a algumas epidemias, foi invadida pela peste e pela varíola... Passato 1’orrore, il culto fu ristabilito: una chiesa fu sostituita alla primitiva Cappella; una nella piazza, ornata d’alberi, fu preparata – davanti alla Chiesa – per ritrovo dei fedeli: dei grandi portici furono fabbricati per accogliere, durante la notte, i pellegrini, e perchè questi potessero ricoverarvi le’ loro bestie, e prepararsi da mangiare. Nel mezzo della piazza, fu eretto un palco per l’orchestra: si inalzarono piccole baracche, e, a scopo di speculazione, vi si esposero quadri osceni, e vi si stabilì un giuoco curioso. Depois que o horror acabou, o culto foi restabelecido: uma igreja foi substituída onde estava a primeira Capela; uma na praça, adornada com árvores, foi preparada, em frente à Igreja, como ponto de encontro dos fiéis; grandes pórticos foram construídos para receber os peregrinos durante a noite, e para que eles pudessem abrigar seus animais e prepararem refeições. No meio da praça foi erguido um palco para a orquestra, ergueram-se pequenas barracas e, para efeito de especulação, foram expostos quadros obscenos e ali se instalou um curioso jogo. Allora, un nuovo malanno colpì la Então, uma nova doença atingiu a città: beri-beri, preannunziato da cidade: o beribéri, previsto por um cometa. una cometa. Passò anche questa nuova bufera; la Vergine implorata, tornò a moltiplicare le sue grazie Ogni anno, la festa diventava più bella: e più bella e salubre diventava quella località. Esta nova tempestade também passou; implorada, a Virgem voltou a multiplicar suas graças. A cada ano, a festa ficava mais bonita, e mais bonito e saudável ficava aquele lugar. Oggi, la foresta vergine non si vede Hoje, a floresta virgem não é mais più che come un lontano scenario: vista a não ser como um cenário disil quartiere di Nazareth è il più ari- tante, o bairro de Nazaré é o mais Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 307 Tradução de Karine Simoni stocratico di Belem, unito al largo da Repubblica da un viale che è, senza esagerazione, tra le più belle passeggiate del mondo e quindi alla città. Una vasta piazza, disseminata di alberi colossali, si stende davanti alla Chiesa, una costruzione di stile greco-barocco (il tempio di Vesta) ha preso il posto del primo palco: degli châlets in ferro hanno sostituito le prime disusate baracche. Adesso, nei giorni comuni, Nazareth è un luogo di riposo e di poesia e nei giorni di festa... un pandemonio multicolore, assordante, sbalorditivo, indescritibile – anche per noi italiani, che godiamo fama di vivacità straordinaria. aristocrático de Belém, unido ao Largo da República por uma avenida que é, sem exagero, um dos passeios mais bonitos do mundo e, logo, da cidade. Uma grande praça, repleta de árvores colossais, estende-se em frente à Igreja, uma construção de estilo greco-barroco (o templo de Vesta) substituiu o primeiro cenário; os châlets de ferro substituíram as primeiras barracas abandonadas. Agora, em dias normais, Nazaré é um lugar de descanso e poesia, e nos dias de festa... um pandemônio multicolorido, ensurdecedor, deslumbrante, indescritível, até para nós, italianos, que temos fama de vivacidade fora do comum. E ci rinunzio, tentando, invece (e insisto sulla parola tentando) di descrivere la solenne processione della cera che inizia la festa. E desisto de descrever isso, tentando, ao invés, (e insisto na palavra tentando) descrever a solene procissão da cera que dá início à festa. Molti giorni prima di quello fissato per la Romaria do Cyrio, vi è in città un’animazione straordinaria. I romei giungono dalla provincial dall’Amazonas, dal Maranhao. I magazzini di abiti fatti mettono in mostra sin sulla via dei pupazzi vestiti di candidi abiti di marinai. Le fabbriche di cera fanno un’esposizione veramente macabra, di pupazzi anatomici, macchiati Muitos dias antes daquele fixado para a Romaria do Círio, acontece na cidade uma animação extraordinária. Os romeiros chegam da província do Amazonas, do Maranhão. As lojas de roupas prontas exibem sobre a própria rua bonecos vestidos com brancas roupas de marinheiros. As fábricas de cera fazem uma exibição verdadeiramente macabra de bonecos anatômicos, manchados Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 308 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia a figurare le più luride piaghe, e storpiati nelle più ributtanti difformità. Sotto ricchi panneggiamenti, a colori vivaci, scompariscono le linee architettoniche della chiesa di Nazareth: linee che, nella loro semplicità, ricordano lo stile italiano. Grande profusione di candele, di fiori, di piante. para representar as mais sujas feridas, mutilados nas mais repulsivas deformidades. Sob ricos tecidos dispostos em cores vivas, desaparecem os traços arquitetônicos da igreja de Nazaré, linhas que, na sua simplicidade, remetem ao estilo italiano. Uma grande profusão de velas, flores, plantas. Sulla piazza, si impiantano carroselli: si improvvisano trattorie e birrerie: le botteghe si trasformano in luoghi di convegno e in sale da giuoco. Vecchie baracche e baracche nuove si convertono in teatri. Più oltre, in una vicina avenida, si moltiplicano i baracconi di tela. Sorgono, come per incanto, rudimentali café-chantants. Na praça montam-se carrosséis, improvisam-se tavernas e cervejarias; as oficinas transformam-se em pontos de encontro e salas de jogos. Barracas antigas e barracas novas são convertidas em teatros. Mais adiante, em uma avenida próxima, se multiplicam barracões de lona. Como num passe de mágica, surgem rudimentares café-chantants. Tra poco, sugli improvvisati palcoscenici, compariranno le negre voluttuose, e le flessuose mulatte per ballare il tango e il mascich: brasiliane e portoghesi miagoleranno tanto le caratteristiche quadrinhas e le modinhias, quanto... le ultime canzonette francesi. I circhi equestri, nei quali figureranno anche degli elefanti, troveranno il mezzo di affittire le loro rappresentazioni sino a rinnovarle... ogni mezzora. La negra dirà buona ventura: farà gli scongiuri, e il feitiço. La bella Em breve, nos improvisados palcos, aparecerão negras voluptuosas e flexíveis mulatas para dançar tango e maxixe: brasileiras e portuguesas miarão tanto as características quadrinhas e modinhas quanto as últimas canções francesas. Os circos equestres, nos quais elefantes também poderão ser vistos, encontrarão um meio de avolumar suas apresentações até que sejam renovadas... a cada meia hora. A negra tirará a sorte, fará as invocações e o feitiço. A bela morena irá mostrar Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 309 Tradução de Karine Simoni mora sfoggierà le sue toilettes bianche, o color di rosa, mostrando un perfetto decolleté, nel preparare l’ hassay, da offrire fresco ai degustatori. E la birra scorrerà a ruscelli! suas toilettes de cor branca ou rosa, mostrando um perfeito decolleté na hora de preparar o haxixe, a ser oferecido fresco aos degustadores. E a cerveja fluirá em riachos! A ogni trattoria, ad ogni buvette dei grandi cartelloni con versi maccheronici: inviti grotteschi all’avventore. Em cada taverna, em cada buvette, há grandes cartazes com versos macarrônicos, convites grotescos para o cliente. Lungo il meraviglioso viale di Nazareth, sorgono archi trionfali, in cui l’orrore del gusto architettonico non è vinto che dall’orrore del gusto pittorico. Ao longo da maravilhosa avenida de Nazaré erguem-se arcos triunfais, nos quais o horror do gosto arquitetônico só é vencido pelo horror do gosto pictórico. La mattina del gran giorno, la maggior parte della città è deserta: la popolazione si riversa sulla Praça da Indipendencia dove sorge il palazzo del Governo, in stile rinascimento italiano: e dove oggi la ribelle e meravigliosa flora tropicale è costretta in aiuole elegantemente simmetriche. La statua ai caduti nella guerra del Paraguay parla al popolo di indipendenza e di libertà. Gli strilloni vendono le edizioni straordinarie dei giornali: le leggende della Vergine di Nazareth, le immagini colorate che la raffigurano. Questo delle immagini a colori è, anzi, un commercio abbastanza importante Na manhã do grande dia, a maior parte da cidade está deserta, a população aglomera-se na Praça da Independência, onde fica o palácio do Governo, em estilo renascentista italiano, e onde hoje a rebelde e maravilhosa flora tropical é forçada a canteiros elegantemente simétricos. A estátua aos tombados na guerra do Paraguai fala ao povo sobre independência e liberdade. Os jornaleiros vendem as edições extraordinárias dos jornais, as lendas da Virgem de Nazaré, as imagens coloridas que a retratam. O comércio das imagens coloridas é, de fato, bastante importante e discretamente Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 310 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia e discretamente costante in tutto lo constante em todo o Estado e durante todo o ano. Stato e in tutto l’anno. E le case sono intanto rimaste Enquanto isso, as casas ficaram vazias, abandonadas. vuote, abbandonate. Un tempo, esse rimanevano anche aperte – poiché mai si era verificato il caso di un furto, durante O Cyrio. Oggi, i ladri infestano quei luoghi come... in ogni altro paese: e le case non sono mai abbastanza provvedute di solide porte e di buone serrature!... No passado, elas ficavam também abertas, já que jamais se verificava casos de furto durante o Círio. Hoje, os ladrões infestam esses lugares como em qualquer outro, e as casas nunca estão suficientemente equipadas com portas sólidas e boas fechaduras! La folla attende l’uscita della Vergine dalla cappella del palazzo dove l’immagine venerata – in memoria dell’antico miracolo – venne trasportata il giorno prima. Una volta la sacra efigie era portata a spalla dai devoti: ora, viene trasportata in una scintillante e barocca berlina, trascinata con lentezza senza pari, causa l’enorme folla. A multidão aguarda a saída da Virgem da capela do palácio para onde a venerada imagem, em memória do milagre ancestral, havia sido transportada na véspera. Outrora a sagrada imagem era carregada nos ombros pelos devotos, agora, é carregado em uma cintilante e barroca berlinda, arrastada com uma lentidão incomparável, devido à grande multidão. La processione comincia a sfilare, lenta, maestosa, strana, appena il segnale è dato da una grande scappata di razzi, e da uno scampanare alto e festoso. A procissão começa a desfilar, lenta, majestosa, estranha, assim que o sinal é dado por uma grande revoada de rojões e por um repicar dos sinos alto e festivo. Quella processione! Io l’ho vista Aquela procissão! Eu a vi passar, e passare, rimanendomene immobi- fiquei imóvel, em pé, sem fôlego, na Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 311 Tradução de Karine Simoni le, in piedi, senza respiro, nel terrazzino dell’Hôtel Coelho, posto in angolo tra rua Paes de Carvalho e la piazzetta dove sorge la chiesa di Sant’Anna. Ogni volta che il pensiero ricorre allo spettacolo – unico nella memoria per originalità, per contrasto di luce di ombra, di grandezza, di miseria – provo la stessa sensazione di sgomento e di stupore: lo stesso appassionato sentimento di ammirazione, di pietà provato allora, mentre la persona sostava, immobile, mentre 1’anima era tutta in un fremito. E quale fremito ignoto sino a quell’ora non ritrovato più per nessun altro spettacolo legato a quell’ora, congiunto a quel sole che incendiava l’aria, a quel diffuso suono di campana mentre la gente sfilava, sfilava, sfilava; gente bianca, gente nera, gente di color morato, bronzino, dorato, giallo, varia e lenta, lenta e interminabile; folla ispirata e folla cieca, grandiosa nella sua doppia manifestazione di amor religioso e di ingenua bestialità! pequena varanda do Hotel Coelho, situado na esquina entre a rua Paes de Carvalho e a pequena praça onde se ergue a igreja de Santa Ana. Cada vez que meu pensamento se volta para o espetáculo – único na memória pela originalidade, pelo contraste de luz, sombra, grandeza, miséria – experimento o mesmo sentimento de espanto e torpor, a mesma apaixonada sensação de admiração, de piedade, que senti enquanto a pessoa estava parada ao mesmo tempo em que a alma estava em frenesi. E como um tremor desconhecido até aquela hora, não encontrei outro assim em nenhum outro espetáculo ligado àquela hora, combinado com aquele sol que incendiava o ar, com aquele difuso som de sino, enquanto as pessoas desfilavam, desfilavam, desfilavam; gente branca, gente negra, gente de cor morena, bronzeada, dourada, amarela, variada e lenta, lenta e interminável; multidão inspirada e multidão cega, grandiosa em sua dupla manifestação de amor religioso e ingênua bestialidade! Così: vien prima un carro figurante una fortezza nella quale sono due o tre persone che di tempo in tempo, lanciano razzi e bombe di fuochi artificiali; seguono due file di uomini a cavallo; i cavalieri in- É assim: primeiro vem um carro alegórico representando uma fortaleza na qual duas ou três pessoas de vez em quando lançam rojões e bombas de fogos de artifício; seguem-se duas filas de homens a cavalo, os cavalei- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 312 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia dossano quasi tutti costumi vistosi e fantasiosi: quindi, ecco il rappresentante il miracolo di Don Fuas Roupinho, della barca del brick S. Joao Baptista: poi la barca di questo brick, portata a spalla dalla corporazione dei marinai, e da altri uomini che, pur non essendo marinai, ne portano il costume – sciogliendo un voto.... In seguito, sopra cavalli fardati, la splendente schiera degli angeli regiunti orifiamme con le date dei miracoli e il nome col quale detti miracoli sono conosciuti. Dopo le graziose creaturine a cavallo, raffiguranti l’angelica coorte; vengono numerose vetture in cui sono le principali famiglie della città, le autorità e il clero in abito di gala: ultima, la carrozza del Governatore. ros quase todos vestem trajes vistosos e fantasiosos; então, eis o representante do milagre de D. Fuas Roupinho18, da barca do brick São João Batista; depois a barca deste brick, carregada nos ombros pela corporação dos marinheiros e por outros homens que, mesmo não sendo marinheiros, usam seus trajes, dissolvendo um voto... Em seguida, sobre cavalos fardados, a resplandecente horda de anjos em auriflamas com as datas dos milagres e o nome pelo qual esses milagres são conhecidos. Depois das graciosas criaturinhas a cavalo, representando a corte angelical, vêm numerosos carros nos quais estão as principais famílias da cidade, as autoridades e o clero em trajes de gala; por último, a carruagem do Governador. Trascinata da lunghissime corde, vien quindi la berlina in cui è la statua della Madonna. La berlina è fiancheggiata dai direttori della festa, a cavallo. Arrastada por cordas muito compridas, chega então a berlinda em que está a estátua da Virgem Maria. A berlinda é rodeada pelos diretores da festa, a cavalo. La mente, guasta dai ricordi letterarii, pensa alla descrizione di Zola nel suo libro Lourdes; a quella di D’Annunzio nel Trionfo della morte, ma il confronto non è possibile: e tutto l’interesse si concentra sullo spettacolo tipico, su questa processione unica. A mente, viciada pelas memórias literárias, pensa na descrição de Zola em seu livro Lourdes; na de D’Annunzio no Triunfo da Morte, mas a comparação não é possível, e todo o interesse se concentra no espetáculo típico, nesta procissão única. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 313 Tradução de Karine Simoni Dietro la berlina, un’immensa onda di popolo, poi una rappresentanza delle truppe, e ancora una fiumana di devoti. Nelle vesti, domina il color bianco; nella folla i numerosi volti bruni generano il contrasto originalissimo: la differenza tra le varie razze è, in quella confusione, più che mai sensibile, nè si tratta di un paradosso: i diversi tipi femminili del paese appaiono, in tale occasione, come improntati a una particolare loro bellezza: la seducente mulatta, la pigrissima negra la interessante indiana, la brasiliana piccola e dolce. Ogni tanto, la folla – serpente convulso, interminabile – è presa da un brivido, parte si avanza, bruscamente, sospinta; parte, bruscamente, retrocede: è una delle molte barche portate a spalla, che fa delle evoluzioni: la barca, ripiena di bambini che rappresentano dei naufraghi salvati, abbandona la sua posizione orizzontale: a passo cadenzato, o addirittura danzando, coloro che la portano vengono spostandola, a poco a poco; ed ecco, essa è obliqua tra la turba immane che si precipita innanzi, che retrocede per poco; ecco, la barca descrive un semicerchio, sempre portata dai devoti, ebbri di fanatismo e di stanchezza... i piccoli finti naufraghi cantano a gola spiegata le antiche Atrás da berlinda, uma imensa onda de pessoas, depois uma representação das tropas e novamente uma inundação de devotos. Nas roupas, domina a cor branca; na multidão, os numerosos rostos morenos geram o contraste mais original. A diferença entre as várias raças é, naquela confusão, mais sensível que nunca, mas não se trata de um paradoxo. Os diversos tipos femininos do lugar aparecem, nesta ocasião, como marcados por sua beleza particular: a sedutora mulata, a preguiçosíssima negra, a interessante índia, a brasileira pequena e doce. De vez em quando, a multidão – cobra convulsiva e interminável – é tomada por um tremor, e parte avança abruptamente, empurrada; outra parte, buscamente, retrocede. É uma das muitas barcas carregadas nos ombros que faz evoluções: a barca, cheia de crianças que representam náufragos resgatados, abandona a sua posição horizontal e, com passo cadenciado, ou mesmo dançando, aqueles que as carregam o fazem movendo-a pouco a pouco; e eis que ela fica oblíqua entre a imensa multidão que avança, que se retrai por um breve período; eis que a barca faz um semicírculo, sempre carregada por devotos, embriagados de fanatismo e cansaço... os pequenos falsos náufragos cantam a plenos pulmões as antigas ladainhas... todo Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 314 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia laudi.... tutto un cerchio è descritto dalla faticosa evoluzione: la barca ha ripreso il suo posto tra la fiumana che ingigantisce. Tante, tante barche, piene zeppe di creaturine irrequiete, si elevano così sul gran mostro semovente, fioritura strana su un’ idra dalle teste infinite. o círculo é descrito pela cansativa evolução: a barca retomou seu lugar entre a inundação que se alarga. Muitas, muitas barcas, abarrotadas de criaturinhas inquietas, erguemse assim sobre o grande monstro autopropulsor, floração estranha sobre uma hidra com cabeças infinitas. La fatica di coloro che reggono le barche è grande: ma la gente che ha fatto il voto affronta la morte piuttosto che non scioglierlo: e tra quelli che seguono, soli, o confusi tra la folla, altri vi sono che resistono a fatiche più gravi e strane. Uomini e donne col corpo piegato in due sotto il peso di grosse e pesanti pietre: donne e uomini che reggono cassette dalla forma di casse mortuarie ripiene di altri – molti altri – mostruosi oggetti di cera: mostruosi, orrendi. Gambe, braccia, ecc., disseminate di chiazze raffiguranti le più schifose piaghe: tutta un’esposizione di malanni, fatta con umiltà brutale e pietosa rivelante le sozzure corporali di una povera massa fanatica più che credente. O cansaço de quem segura as barcas é grande: mas as pessoas que fizeram o voto preferem enfrentar a morte do que não cumpri-lo, e entre os que os seguem, sozinhos ou misturados na multidão, há outros que resistem a cansaços mais graves e estranhos. Homens e mulheres com o corpo dobrado sob o peso de grandes e pesadas pedras, mulheres e homens segurando pequenas caixas no formato de caixões mortuários cheias de outros – muitos outros – monstruosos objetos de cera, monstruosos, hediondos. Pernas, braços, etc., salpicados de manchas que representam as mais nojentas feridas, uma exibição de enfermidades, feita com humildade brutal e misericordiosa, revelando a sujeira corporal de uma pobre massa mais fanática do que crente. Passano le caratteristiche indiane Passam as características índias de dai lunghi e lisci capelli disciolti: longos e lisos cabelos soltos. Muitas molte di esse percorrono il lun- delas percorrem o longo caminho de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 315 Tradução de Karine Simoni go cammino ginocchioni, trascinandosi per forza di suggestione, semi-svenute, col viso delle creature che non pensano più, che non potrebbero più pensare. Altre donne, assorte, urtate, urtando, portano sulle amorose braccia materne dei bambini malati: figurine infantili con la piccola testa abbandonata, già colpita dalla Morte. Ma la madre crede alla guarigione... la madre che cammina, cammina sospinta dalla sua fede... e qualche volta il bimbo, già tocco dal destino, spira tra le carezzose braccia – fulminato dal sole. Quante deliziose bimbe, a cavallo, in sfarzosi costumi: e quanti mori sfiniti, laceri, figure di terrore e d’amore! joelhos, arrastando-se pela força da sugestão, semi-desmaiadas, com o rosto das criaturas que já não pensam, que já não conseguiriam pensar. Outras mulheres, absortas, esbarradas, esbarrando, carregam nos amorosos braços maternais crianças doentes, pequenas figuras infantis com a cabecinha abandonada, já golpeada pela Morte. Mas a mãe acredita na cura... a mãe que caminha, caminha movida por sua fé... e às vezes o filho, já tocado pelo destino, morre em seus carinhosos braços, fulminado pelo sol. Quantas meninas encantadoras, a cavalo, em trajes suntuosos, e quantos mouros exaustos e dilacerados, figuras de terror e de amor! Un gruppo di soldati di Canudos, scalzi, in vesti a brandelli: le stesse riportate da quell’impresa; altre indiane salmodianti: una nuvola di ex-voto portati a braccia levate, ondeggianti sulle onde umane. La lotta per conquistare un posto ai cordoni della berlina che porta la Madonna è frenetica. Tutta la città segue la processione: cento-mila persone sfidano così il fuoco del sole, non curanti del pericolo: impos- Um grupo de soldados de Canudos, descalços, com mantos esfarrapados, os mesmos usados naquela campanha; outras índias cantarolando; uma nuvem de ex-votos carregados com os braços erguidos, balançando sobre as ondas humanas. A luta para ganhar um lugar nos cordões da berlinda que leva a Virgem Maria é frenética. Toda a cidade segue a procissão, cem mil pessoas desafiam assim o fogo do sol, independentemente do perigo. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 316 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia sibile dubitare della sincerità di É impossível duvidar da sinceridade quella folla di devoti. daquela multidão de devotos. Strano, incredibile: sono gli stessi brasiliani indolenti che in altra occasione non si muoverebbero neppure per difendere i propri averi: gli stessi negri che durante il resto dell’anno, ricompensati sino all’esagerazione, spesso si rifiutano di prestar servigio – così che, in realtà nel paese non vi son servi: sono le creature che già abbiamo vedute e che rivedremo nella loro originale immobilità statuaria, canticchiando le nenie afre con le labbra appena appena dischiuse, fisse nel mezzo sorriso, tanto la voce cantante sembra giungere di lontano. Ma che gente è questa, nuova, che per un giorno appare infaticata, infaticabile?... Chi studierà mai, nella sua interezza, l’anima multiforme e asconditrice di una simile folla?... Moltitudine strabocchevole di gente dissimile senza spiegazione possibile, senza psicologia determinata: ogni cuore se ne va, così, come nella vita, condotto dal suo speciale cruccio: ogni corpo se ne va, così, come nell’esistenza, mortificato da’ una speciale infermità: l’egoismo personale, come ovun- Estranho, inacreditável: são os mesmos brasileiros indolentes que em outras ocasiões não se mexeriam nem sequer para defender seus bens; os mesmos negros que durante o resto do ano, recompensados ao ponto do exagero, muitas vezes se recusam a servir, de modo que, na realidade, naquele lugar não há servos. São as criaturas que já vimos e que veremos novamente em sua original imobilidade estatuária, cantarolando as lamentações africanas com os lábios entreabertos, fixos no meio sorriso, tanto que a voz cantante parece vir de longe. Mas que tipo de gente é essa, nova, que por um dia parece infatigada, infatigável? Quem estudará, em sua totalidade, a alma multifacetada e escondedora de tal multidão? Transbordante multidão de pessoas diferentes, sem explicação possível, sem psicologia determinada: cada coração vai embora, assim como na vida, conduzido por sua aflição especial. Cada corpo vai embora, assim como na existência, mortificado por uma especial enfermidade: o egoísmo pessoal, como em toda parte, sempre. “Ó Santa Virgem, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 317 Tradução de Karine Simoni que, sempre. “O Vergine Santa, conceda-me a graça! Nossa Senhora fatemi la grazia! Nostra Signora do Mar Doce, protege-me!” del Mar Dolce, proteggetemi!” Dal Palazzo del Governatore a Nazareth lentissimamente la moltitudine percorre il lungo cammino: appena la berlina col suo sacro carico è giunta davanti alla Chiesa, il clero ne toglie con solennità la Madonna che è posta sull’altare splendente di ceri e adorno di fiori: lunghi nastri di seta partono dalla Vergine e scendono a portata del bacio dei devoti. Le porte della Chiesa sono spalancate, e alla folla orante e devota giunge il chiasso che si fa sulla piazza: il contrasto è stridente. Do Palácio do Governador em Nazaré muito lentamente a multidão percorre o longo caminho. Assim que a berlinda com sua carga sagrada chega em frente à Igreja, o clero remove solenemente a Virgem Maria, que é colocada no altar brilhante de velas e adornado de flores. Longas fitas de seda partem da Virgem e descem ao alcance do beijo dos devotos. As portas da Igreja são escancaradas, e à multidão orante e devota chega o barulho da praça: o contraste é impressionante. La festa dura quindici giorni, A festa dura quinze dias, às vezes talvolta un mese. um mês. Negli ultimi giorni si rinnovano le ardenti dimostrazioni religiose: e cresce a dismisura il diavoleto nei ritrovi, punto malinconici, che circondano la Chiesa, e si moltiplicano sulla piazza e lungo il viale meraviglioso. Nos últimos dias renovam-se as ardentes manifestações religiosas, e o demônio cresce desproporcionalmente nos melancólicos lugares de encontro que rodeiam a Igreja, e se multiplicam na praça e ao longo da maravilhosa avenida. E finisce... Sarebbe davvero il caso di dire: “le combat finit faute de combattants…” I combattenti sono i soldi, qui: la somma di dena- E termina... Seria muito apropriado dizer: “le combat finit faute de combatants...” Os lutadores são o dinheiro, aqui, a soma de dinheiro Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 318 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia ro che circola in quei giorni di festa è enorme, come è enorme l’incasso della Chiesa che, qualche giorno dopo, mette all’asta gli oggetti avuti in dono e gli ex-voto di cera ricavandone profitti veramente straordinari. que circula nesses dias de festa é enorme, assim como a arrecadação da Igreja que, alguns dias depois, leiloa os objetos recebidos de presente e os ex-votos de cera, obtendo lucros verdadeiramente extraordinários. Rammento l’ultima sera della festa, nell’ottobre del ‘98: avevamo assistito agli esercizi di due elefanti giovinetti in un baraccone simile a quelli che si vedono anche da noi, in tempo di fiera: ed eravamo saliti a un altro baraccone, in forma di galleria. Appoggiata alla sottile balaustra in legno, miravo lo spettacolo più di ogni altro vario: di lassù, la massa pigiata e confusa – folle nella molteplicità delle tinte – appariva come una mascherata colossale: sul mio capo una rete complicata e fitta di palloncini accesi, leggerissimi, dondolanti, pieni di seduzione nella loro leggiadra apparenza di stelle barocche e multicolori: più su, le vere e pure stelle, oro fino su uno sfondo di introvabile turchese... Mi rasentavano, lievi, le signore brasiliane col fruscio lento delle costose vesti seriche: alle mie spalle, il passo cadenzato e sicuro delle mulatte danzanti: molto prossimo, il suono di un organetto scosso dalle note di un motivo esotico: da un lato il Lembro-me da última noite da festa, em outubro de 1898. Tínhamos presenciado os exercícios de dois elefantes jovens em um barracão semelhante às que também vemos aqui, durante as feiras, e subimos para outro barracão, em forma de galeria. Apoiada na fina balaústra de madeira, eu olhava o espetáculo mais que tudo variado; de lá de cima, a massa esmagada e confusa, louca na multiplicidade de matizes, parecia um baile de máscaras colossal. Sobre minha cabeça, uma complicada e densa rede de balões iluminados, muito leves, oscilantes, cheios de sedução em sua graciosa aparência de estrelas barrocas e multicoloridas. Mais acima, as reais e puras estrelas, ouro fino sobre um fundo de inalcançável turquesas... Me cercavam, levemente, as senhoras brasileiras, com o farfalhar lento dos custosos vestidos de seda; atrás de mim, o passo rítmico e seguro das mulatas dançantes; muito perto, o som de uma sanfona sacudida pelas notas de um motivo exótico; de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 319 Tradução de Karine Simoni giro vorticoso di un carrosello – carrozzine dorate, asilo di signore; cavallini di legno recanti in groppa i più seri personaggi della città... Davanti a me, una delle alte finestre della Chiesa illuminata. Giungeva anche, a tratti, come un’onda profumata d’incenso: e a poco a poco, estranea allo spettacolo semibarbaro, completamente staccata da quanto avveniva intorno a me, noncurante, immemore, un gomito appoggiato al parapetto istoriato, il mento posato su una mano, guardando in alto nello sfondo di introvabile turchese, l’oro luminoso e biondo delle pure stelle, fui presa da un godimento ultra spirituale, che era preghiera. um lado o rodopio de um carrossel – carrinhos dourados, refúgio de senhoras; cavalinhos de madeira carregando nas costas os personagens mais sérios da cidade... À minha frente, uma das altas janelas da Igreja iluminada. Me alcançava, às vezes, algo como uma onda perfumada de incenso, e aos poucos, alheia ao espetáculo semibárbaro, completamente distante do que se passava ao meu redor, distraída, esquecida, um cotovelo apoiado no parapeito manchado, o queixo apoiado sobre uma mão, olhando para o alto, para o fundo de inalcançável turquesa, o ouro luminoso e louro das estrelas puras, fui tomada por um gozo ultra -espiritual, que era oração. Qualcuno mi scosse: e io mi ritro- Alguém me sacudiu, e me vi, vai, con una sorpresa non scevra com surpresa, não desprovida de amargura. di amarezza. Tra i santi sono in maggior venerazione San Tommaso e Sant Antonio. Una curiosa tradizione indiana vuole San Tommaso il primo missionario della fede cristiana tra gli autoctoni del Brasile prima della scoperta fattane dai viaggiatori europei. Il padre Vasconcellos nella sua Cronica da Companhia de Jesus fa menzione di questa leggenda – immaginata senza dubbio come tante Entre os santos, São Tomé e Santo Antônio são os mais venerados. Uma curiosa tradição indígena diz que São Tomé foi o primeiro missionário da fé cristã entre os nativos do Brasil antes da descoberta do lugar feita pelos viajantes europeus. O padre Vasconcelos19, na sua Crônica da Companhia de Jesus, menciona esta lenda, sem dúvida imaginada, como tantas outras, depois da des- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 320 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia altre dopo la scoperta, e certo per opera degli stessi Gesuiti. La leggenda vuol vedere nel Sumè, del quale parlavano gli indiani, il Thomè dei portoghesi. L’indianologo Baptista Caetano crede che Sumè significhi “il padre straniero” e quindi la versione dei Gesuiti troverebbe un lieve appoggio: ma l’interpretazione del linguaggio indiano, per dato e fatto degli stessi più reputati studiosi della materia, è troppo vaga e contradditoria per poter basare su di essa un’asserzione. Naturalmente, San Tommaso ha la sua festa con canti, processioni e balli. Il Sant’Anna Nery, narra che, trovandosi presso il lago Janauary, nell’Amazonas, vide arrivare all’improvviso una compagnia chiassona, in processione, e alla questua, in occasione della festa di San Tommaso: uomini e donne in vesti cariche di ornamenti. Le donne agitavano dei tamburelli infioccati: gli uomini pizzicavano il caracacha, cantando un inno del quale ecco le ingenue parole: coberta, e certamente por obra dos próprios Jesuítas. A lenda associa Sumé, do qual falavam os indígenas, ao Tomé dos portugueses. O indianólogo Baptista Caetano20 acredita que Sumé significa “o pai estrangeiro” e, portanto, a versão dos Jesuítas encontraria algum apoio, mas a interpretação da linguagem indígena, pelo que é mostrado e segundo os mais conceituados estudiosos do assunto, é muito vaga e contraditória para poder basear sobre ela uma afirmação. Claro, São Tomé tem sua festa com cantos, procissões e danças. Sant’Anna Nery narra que, estando próximo ao lago Janauari, no Amazonas, viu chegar repentinamente um grupo barulhento, em procissão, e em mendicância, por ocasião da festa de São Tomé; homens e mulheres com vestes carregadas de enfeites. As mulheres agitavam pandeiros repletos de laços e fitas, os homens arranhavam o caracaxá, cantando um hino do qual aqui estão as ingênuas palavras: Su, briosa la compagnia, Su, briosa e allegra; Ecco l’ora di lodare I1 glorioso San Tommaso. Su, svelta la compagnia Su, svelta con allegria, Chi ci darà la bella rosa Vamos, animada companhia, Vamos, animada e alegre; Eis a hora de louvar O glorioso São Tomé. Vamos, rápida companhia Vamos, rápida com alegria, Quem nos dará a linda rosa Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 321 Tradução de Karine Simoni Pel glorioso San Tommaso? E ora addio, fior gentile, Ecco l’ora di lodare Il glorioso San Tommaso. Para o glorioso São Tomé? E agora adeus, flor gentil, Eis a hora de louvar O glorioso São Tomé. Spesso però, durante le feste religiose, le strofe non sono in lode del santo venerato: i versi hanno allora un profumo amoroso, un’intenzione di umanità affettuosa espressa con la delicatezza cavalleresca che ai brasiliani è stata indubbiamente trasmessa dai portoghesi. Nelle seguenti strofe, per esempio, sarebbe ben difficile scoprire altra cosa che una dichiarazione di amore: Muitas vezes, porém, durante as festas religiosas, as estrofes não são em louvor ao santo venerado, e os versos têm então um perfume amoroso, uma intenção de humanidade afetuosa expressa com a delicadeza cavalheiresca que foi sem dúvida transmitida aos brasileiros pelos portugueses. Nas estrofes a seguir, por exemplo, seria difícil descobrir outra coisa que não seja uma declaração de amor: Sul palmo della tua mano, L’altro dì ho deposto un bacio: E ne ho avuta profumata la bocca Come dal fiore di melon d’acqua. Aniba, Aniba, siri-ganguê Cajueiro, Cajua, Aniba, Aniba, siri-ganguê Io voglio l’amata mia. Na palma da sua mão, Outro dia depositei um beijo E tive então perfumada a boca Como a flor da melancia. Aniba, aniba, siri-ganguê Cajueiro, Cajua, Aniba, aniba, siri-ganguê Eu quero a minha amada. Sant Antonio ha poi l’onore di essere iscritto nei quadri dell’esercito, e di essere invocato, maltrattato, adorato e disprezzato in più e varie occasioni della vita. La sua missione presso il popolo è molteplice e difficile, e i castighi gli cascano sulle spalle non meno numerosi Na sequência, Santo Antônio tem a honra de estar alistado nos quadros do exército, e de ser invocado, maltratado, adorado e desprezado em muitas e várias situações na vida. Sua missão junto ao povo é múltipla e difícil, e os castigos recaem sobre seus ombros não menos numero- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 322 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia delle laudi. Il culto a Sant Antonio è ancora un’eredita dei portoghesi — che essi dicono Antonio non da Padova, ma da Lisbona poiché è nato nella bella Lisbona il 15 di Agosto 1175, da parenti portoghesi. Il Santo fece parte dell’esercito portoghese come semplice soldato: e il Re si ricordava che era figlio di Martin Bulhoues, distinto ufficiale. sos que os elogios. O culto a Santo Antônio ainda é um legado dos portugueses – dizem Antônio não de Pádua, mas de Lisboa, pois nasceu na bela Lisboa em 15 de agosto de 1175, de pais portugueses. O Santo fez parte do exército português como simples soldado, e o rei lembrava que era filho de Martin Bulhões, um ilustre oficial. Quando nel 1710 il generale Duclerc tentò con la sua squadra di impadronirsi di Rio de Janeiro, il Governatore della città, Francesco de Castro Moraes, non trovando più alleati sulla terra, pensò di cercarli in cielo e conferì a Sant Antonio il grado e il soldo di capitano. Quando em 1710 o General Duclerc tentou com seu esquadrão apropriarse do Rio de Janeiro, o Governador da cidade, Francesco de Castro Moraes, não encontrando mais aliados na terra, pensou em procurá-los no céu e deu a Santo Antonio a patente e o pagamento de capitão. Più tardi, quando Don Giovanni VI fuggì dal Portogallo, accordò al Santo il brevetto di sergente-mor di fanteria; e poi il brevetto di luogotenente colonnello; gli assegnò la paga del grado, e lo decorò del gran cordone dell’ordine militare di Cristo. Quando nel 1822 il Brasile proclamò la sua indipendenza, separandosi dal Portogallo, conserve a Sant Antonio grado e stipendio! E la riprova è nel seguente brano del Journal do Commercio di Rio de Janeiro del ottobre 1887: Mais tarde, quando D. João VI fugiu de Portugal, concedeu ao Santo a patente de sargento-mor de infantaria; e depois a patente de tenente-coronel; atribuiu-lhe o salário da patente e condecorou-o com o grande cordão da ordem militar de Cristo. Quando o Brasil proclamou sua independência em 1822, separandose de Portugal, manteve a patente e o salário de Santo Antônio! E a prova está no seguinte trecho do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, de outubro de 1887: Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 323 Tradução de Karine Simoni “La cassa del pagamento delle truppe di questa capitale, ha versato il I° corrente al Reverendo Provinciale dell’ordine di Sant Antonio, padre Giovanni do Amor Divino Costa, la somma di 40,000 reis (allora corrispondente a 571 fr e 35) importo della paga del trimestre da luglio a settembre ultimo, alla quale ha diritto il luogotenente colonnello onorario dell’esercito, il glorioso Sant Antonio.” “O caixa do pagamento das tropas desta capital pagou o I° corrente ao Reverendo Provincial da Ordem de Santo Antônio, Padre Giovanni do Amor Divino Costa, a soma de 40 mil réis (então correspondendo a 571 francos e 35), valor do pagamento do trimestre de julho a setembro último, a que tem direito o tenente-coronel honorário do exército, o glorioso Santo Antonio”. Ignoro se la Repubblica abbia conservato al suo soldo il glorioso Colonnello. So però che il popolo non ha per lui un eccessivo rispetto. Não sei se a República manteve o pagamento ao glorioso Coronel. Mas sei, porém, que o povo não tem por ele um grande respeito. Gli mette il volto contro il muro, lo sospende, lo getta nel pozzo quando ha perduto qualche cosa, e non gli restituisce la posizione normale finché l’ oggetto – per sua intercessione – non è stato trovato. Encosta o rosto dele na parede, suspende-o, joga-o no poço quando perde algo e não o devolve à posição normal até que o objeto, por sua intercessão, seja encontrado. La poesia popolare, spesso fatta di improvvisi, si è impadronita di Sant’ Antonio: e una mulattina così lo chiama in causa in uno di quei lundús che sono veramente una delle cose più caratteristiche del Brasile: A poesia popular, muitas vezes feita de improviso, apoderou-se de Santo Antônio, e uma mulata o questiona em um daqueles lundus que são realmente uma das coisas mais características do Brasil: Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 324 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Signor Jouca, andatevene un po’, Sr. Jouca, vá embora um pouco, Non mi venite a contar storie [bis) Não venha me contar histórias [bis) Vi siete scordato quel che m’avete Você esqueceu o que fez para mim, fatto, Nella notte di San Giovanni. Ah, Dio mio, signor Jouquigna, Voi siete i miei peccati: Andate, ve l’ho già detto! Non mi date altre noie. Le astuzie del sor Jouquigna Son le astuzie del Demonio, E per liberarmene Io prego Sant Antonio: Mi hanno toccato il cuore: Sant Antonio, Sant Antonio, Che tentazione di demonio” Na noite de São João. Ah, meu Deus, Sr. Jouquigna, Você é os meus pecados: Vá embora, eu já lhe disse! Não me dê mais problemas. As artimanhas do Sr. Jouquigna São as artimanhas do Diabo, E para eu me livrar disso Eu rezo para Santo Antonio: Tocaram meu coração Santo Antônio, Santo Antônio, Que tentação demoníaca” Nelle questioni di amore si ricorre sempre a Sant Antonio; o per scacciare la tentazione, come si è visto: o... per trovar marito, come in questo altro lundù: Em questões de amor, recorre-se sempre a Santo Antônio, ou para afastar a tentação, como vimos, ou para encontrar um marido, como neste outro lundu: Sant Antonio, mio santino, Accedete alle mie orazioni: Vi prometto di avervi sempre Ben vicino, ben vicino al cuore. Preservatemi dal trabocchetto, O mio buon Sant Antonio. Santo Antônio, meu santinho, Acesse minhas orações: Eu prometo sempre ter você Muito perto, muito perto do coração. Me mantenha longe da armadilha, Ó meu bom Santo Antônio. (ritornello) Perche il diavolo Non mi venga a tentare Di farvi prendere un bagno In fondo al mare. (refrão) Para que o diabo Não venha me tentar Para lhe fazer tomar banho No fundo do mar. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 325 Tradução de Karine Simoni Datemi un fidanzato, mio buon Dê-me um namorado, meu bom santo, santo, Fidanzato grasso, o anche magro, Namorado gordo, ou até magro, Che mi adori e a me renda Que me adore e para mim dedique L’amore che a lui porterò. O amor que a ele vou levar. Non voglio di quelli che parlano Solo di balli e di feste Perché quelli, se bene si guardano, Hanno di uomini solo la forma. Eu não quero quem fala Só de danças e festas Porque aqueles, se bem olharmos Têm de homens apenas a forma. Che non sia di quelli che parlano Con maniere di bigotti Di quelli che snocciolano i segreti Pulendosi le unghie delle mani. Que não seja daqueles que falam Com maneiras de maníacos Daqueles que contam segredos Limpando as unhas das mãos. Di quei che guardano facendo Daqueles que olham fazendo caretas, smorfie, Con modi studiati di non so che ! Com modos estudados de não sei o quê! Di quelli che parlano sempre d’amore Daqueles que sempre falam de amor O santo mio, non me ne date ! Ó meu santo, não me dê nenhum desses! …nè si continua nelle citazioni di tal genere perchè non sempre i desiderii della difficile ragazza sono impeccabili per la forma e per il contenuto. Guai se Sant Antonio ascoltasse seriamente tante suppliche originali e contradditorie! Egli si troverebbe in grave imbarazzo.... Não continuo com tais citações porque nem sempre os desejos da difícil moça são impecáveis na forma e no conteúdo. Ai de Santo Antônio se ouvisse seriamente tantas súplicas originais e contraditórias! Ele ficaria em grande constrangimento... Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 326 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia In delicate questioni amorose, in alte lotte sentimentali, pare che Sant Antonio non abbia rivali: ma sembra ne abbia quando si tratta di cose perdute: allora c’é San Campeiro, un santo che non figura nel calendario e al quale si accendono candele nei boschi: e San Longuinho, il patriarca degli oggetti perduti. Quando il cercatissimo oggetto smarrito riappare, bisogna esclamare tre volte: “L’ho trovato, San Longuinho!” Nas delicadas questões de amor, nas lutas altamente sentimentais, parece que Santo Antônio não tem rival, mas parece que tenha quando se trata de coisas perdidas: então existe São Campeiro, um santo que não figura no calendário e a quem se acendem velas nas matas, e São Longuinho, o patriarca dos objetos perdidos. Quando o tão procurado objeto perdido reaparece, deve-se exclamar três vezes: “Eu o encontrei, São Longuinho!” È bene ripetere ed ampliare l’ osservazione fatta: più che di religione, si tratta di superstizione: e di lussi, più che di convinzioni. Il padre Speranza ha scritto un grosso volume zeppo di aneddoti raccolti a caso, ed esposti senza alcun ordine, ma adattatissimi a provare come la religione sia in quelle regioni più formale che sostanziale. Si fanno battezzare perchè è uso: ricorrono al prete per il matrimonio, perché si possono far feste maggiori che non rivolgendosi al municipio. Dei doveri di religione adempiono, in generale, a quelli soltanto che permettono di richiamare l’attenzione altrui, e pretendono l’intervento del prete a qualunque costo. Se l’offerta di denaro non è, qualche volta, valida, ricorrono É bom repetir e ampliar a observação já feita: mais do que religião, é uma questão de superstição; e mais de luxos do que de convicções. O padre Speranza escreveu um grande volume cheio de anedotas coletadas ao acaso e exibidas sem qualquer ordem, mas perfeitamente adequadas para provar que a religião é mais formal do que substancial nessas regiões. Eles são batizados porque é costume, recorrem ao padre para o casamento, para que possam fazer festas maiores sem se dirigir à prefeitura. Sobre os deveres religiosos, cumprem, em geral, apenas aqueles que lhes permitem atrair a atenção dos outros, e requerem a intervenção do sacerdote a qualquer custo. Se a oferta de dinheiro às vezes não for válida, recorrem Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 327 Tradução de Karine Simoni alle minacce, e spesso non sono a ameaças, e muitas vezes não são minacce vane. ameaças em vão. Il cattolicesimo esiste di nome e non di fatto: vive per la superstizione, per la malia del misterioso, per il fascino del soprannaturale. Gli uffici divini di solito non attirano gente, perchè il cerimoniale non è lussuoso, fantastico, chiassoso. I voti e le penitenze alle grandi processioni seducono perchè estremamente teatrali. O catolicismo existe de nome e não de fato, vive da superstição, do encanto do misterioso, do fascínio do sobrenatural. Os ofícios divinos geralmente não atraem pessoas, porque o cerimonial não é luxuoso, fantástico, barulhento. Os votos e as penitências nas grandes procissões seduzem porque são extremamente teatrais. Il nome “Papa” esercita una specie di sbalordimento (si parla sempre della moltitudine e non di pochi eletti): i preti devono, da principio, averlo descritto come un semidio. O nome “Papa” exercita uma espécie de espanto (falamos sempre da maioria e não de uns poucos escolhidos): os padres devem, desde o início, descrevê-lo como um semideus. Forse, non sarà reputato un figlio, o un nipote di Cobra grande: ma, senza dubbio, passa per un essere quasi immortale. Noi ci siamo sentiti domandare se è vero che tocca il cielo, e se ha veramente mille anni. Talvez não seja considerado filho ou neto de Cobra Grande, mas, sem dúvida, passa por um ser quase imortal. Perguntaram–nos se é verdade que toca o céu e se tem realmente mil anos. Menti ingenue, quanto povere, facilmente suggestionabili; deboli, incolte, spesso si entusiasmano: l’effondersi tra esse di una specie di suggestione religioso superstiziosa-collettiva è agevole: e, in certi casi, approfittandone degli stupidi o dei tristi, la situazione diventa grave e pericolosa. Mentes ingênuas e pobres, facilmente sugestionáveis, fracos, incultos, muitas vezes se entusiasmam: não é difícil difundir entre eles uma espécie de sugestão religiosa supersticiosa-coletiva, e, em alguns casos, aproveitando-se dos estúpidos ou dos tristes, a situação torna-se grave e perigosa. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 328 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Si ricordano dei fatti tipici con Eles se lembram de eventos típicos vivo senso di dolore e di timore. com uma aguda sensação de dor e medo. Uno di questi fenomeni pseudo-religiosi si produsse per opera di un certo Maurer, nel Rio Grande do Sul, personaggio che, circondandosi di apostoli e di fanatici, iniziò un vero movimento in suo favore. Um desses fenômenos pseudo-religiosos foi produzido por um certo Maurer21, no Rio Grande do Sul, personagem que, rodeando-se de apóstolos e fanáticos, deu início a um verdadeiro movimento a seu favor. Più grave fu il movimento causato da Pedro Bonita in Pernambuco, che ebbe per risultato odiose scene di fanatismo e un’orribile carneficina. Mais grave foi o movimento causado pelo Pedra Bonita22 em Pernambuco, que teve como resultado odiosas cenas de fanatismo e uma horrível carnificina. Un altro deplorevole fatto avvenne a Carnahyba, nella provincia di Sergipe. Due vecchi negri, pazzi, si stabilirono in una capanna, dove era una croce che passava per miracolosa. I due negri cominciarono a far delle prediche; e presto si videro circondati da una enorme moltitudine... Istituirono il comunismo.... per le donne, e fecero prediche infamanti. Dovette intervenire la polizia armata per disperdere le riunioni. Um outro deplorável fato aconteceu em Carnaíba, na província de Sergipe. Dois velhos negros, loucos, se estabeleceram em uma cabana, onde havia uma cruz que era considerada milagrosa. Os dois negros começaram a fazer sermões, e logo se viram circundados por uma enorme multidão. Instituíram o comunismo para as mulheres e fizeram sermões inflamados. Foi preciso que a polícia armada intervisse para dispensar as reuniões. L’ultimo dei fenomeni ai quali ac- O último dos fenômenos que mencenniamo fu anche il più grave: è cionamos foi também o mais grave, avvenuto pochi anni or sono nel Ce- ocorreu há alguns anos no Ceará, e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 329 Tradução de Karine Simoni arà, e l’eco è risuonato lungamente o seu eco ressoou por muito tempo na Europa. in Europa. Un individuo, che aveva commesso alcuni delitti passionali, si mise a far penitenza, a modo suo, facendo pubbliche prediche. Nelle sue peregrinazioni capitò a Bahia, e in Rainha dos Anjos fondò una chiesa. Si chiamava Antonio, e il popolo lo denomino O Conselheiro. Passò poi nello stato di Sergipe e fece adepti. Chiedeva l’elemosina e accettava soltanto quanto gli era necessario per vivere. Non aveva una dottrina sua: a ogni cosa rimediava con un volume delle Ore di Maria. La sua scienza politica, filosofica e religiosa era tutta là dentro. E con così poca cosa fanatizzò le turbe: esaltò, trasportò le popolazioni che lo presero per Sant Antonio Apparecido. Predicava contro gli ornamenti delle donne: e in special modo contro l’uso dei pettini e degli scialli; e le donee se ne disfecero. Um indivíduo, que havia cometido alguns crimes passionais, passou a fazer penitência, à sua maneira, fazendo sermões públicos. Em suas andanças passou pela Bahia, e em Rainha dos Anjos fundou uma igreja. Seu nome era Antônio, e as pessoas o chamam de O Conselheiro. Ele então passou para o estado de Sergipe e fez adeptos. Pedia esmolas e aceitava apenas o necessário para viver. Ele não tinha uma doutrina própria, para cada coisa remediava com um volume das Horas de Maria. Sua ciência política, filosófica e religiosa estava toda ali. E com tão pouca coisa fanatizou a multidão, exaltou, transportou populações que o tomaram por Santo Antônio Aparecido. Pregava contra os ornamentos das mulheres, e especialmente contra o uso de pentes e xales; e as mulheres se livraram disso. La musa popolare si impadronì A musa popular se apoderou dessa della cosa improvvisando quarti- experiência improvisando quadras desse molde: ne di questo stampo. Do céo veiu uma luz Que Jesus Christo mandou ; Sant Antonio apparecido Dos castigos nos livrou. Do céo veiu uma luz Que Jesus Christo mandou; Sant Antonio apparecido Dos castigos nos livrou. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 330 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia Quem ouvir e não aprender Quem souber e não ensinar, No dia de Juizo A sua alma penará. Quem ouvir e não aprender Quem souber e não ensinar, No dia de Juízo A sua alma penará. Il movimento prese tali proporzioni da impressionare. Il Governo mandò delle truppe che furono sconfitte. Molti soldati facevano causa comune con Conselheiro: e in breve la folla diventò un esercito di fanatici. O movimento assumiu proporções impressionantes. O governo enviou tropas que foram derrotadas. Muitos soldados renderam-se ao Conselheiro, e em pouco tempo a multidão se transformou em um exército de fanáticos. Al movimento si dette un significato monarchico (lo aveva realmente?...) e si credette che la giovanissima repubblica, sorta sulla recente abdicazione imposta a Don Pedro, potesse correre un serio pericolo. Gli Stati del nord contribuirono tutti a formare un esercito per farla finita con la rumoreggiante insurrezione che avrebbe – naturalmente – potuto giungere ad essere capitanata dai partigiani della monarchia, oggi stesso più numerosi e potenti di quanto non si creda. Nella giornata di Canudos, ricordata con grande orgoglio negli annali militari della Repubblica Brasiliana, il movimento rivoluzionario venne definitivamente schiacciato. Ao movimento foi dado um significado monárquico (teve realmente?) e acreditou-se que a muito jovem república, nascida da recente abdicação imposta a D. Pedro, poderia estar em grave perigo. Os Estados do norte contribuíram para a formação de um exército para pôr fim à barulhenta insurreição que poderia, naturalmente, vir a ser liderada pelos partidários da monarquia, hoje ainda mais numerosos e poderosos do que se acredita. No dia de Canudos, lembrado com muito orgulho nos anais militares da República Brasileira, o movimento revolucionário foi definitivamente esmagado. La gioia dei vincitori esplose brutale e rumorosa... tanto da non tornar davvero a onore dei vittoriosi di un branco di fanatici male organizzati. A alegria dos vencedores explodiu brutal e ruidosamente, a ponto de não voltar de fato à honra dos vitoriosos de um bando de fanáticos mal Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 331 Tradução de Karine Simoni Fanatismo contro fanatismo: un pericolo sostituito a un altro. Date le condizioni attuali dell’ interno degli Stati brasiliani – in special modo di quelli del nord – non può esservi nulla di diverso. organizados. Fanatismo versus fanatismo, um perigo substituído por outro. Dadas as condições atuais do interior dos Estados brasileiros, especialmente os do norte, não pode haver nada diferente. La civilizzazione è rudimentale: e forse ha ragione lo Stradelli: sinora è, dolorosamente, più che altro agente di fatale corruzione. Se non tutto... si sbagliò molto... moltissimo. A civilização é rudimentar, e talvez Stradelli esteja certo: até agora ela foi, dolorosamente, mais do que qualquer outra coisa, um agente de corrupção fatal. Se não tudo... muito se errou, muito. Ancora un aneddoto, a dimostrare come la comunione spirituale coi Santi, con la Vergine, con Dio sia considerata quale un’agenzia per la spedizione di commissioni dei signori devoti. Si attribuisce a un negro (ma potrebbe trattarsi anche di un bianco) la seguente supplica, messa tra le mani di una immagine di Cristo: Outra anedota, para demonstrar como a comunhão espiritual com os Santos, com a Virgem, com Deus é considerada como uma agência para o envio de comissões dos senhores devotos. Foi atribuída a um negro (mas também poderia ser um branco) a seguinte súplica, colocada nas mãos de uma imagem de Cristo: “Illustrissimo Signore della Sacra “Ilustríssimo Senhor da Sagrada Imagem, Effigie, II sottoscritto afferma che non vuol più rimanere addetto all’amministrazione; e se Voi fate in modo che suo padre lo mandi, come conduttore di una carovana, a far delle compere a Rio de Janeiro promette di portarvi otto libbre di candele di cera. Spera di ricevere questa grazia.” O abaixo-assinado afirma que não deseja mais ser funcionário da administração; e se o Senhor interceder ao pai dele para que este o mande, como condutor de uma caravana, às compras no Rio de Janeiro, ele promete trazer-lhe oito libras de velas de cera. Ele espera receber esta graça.” Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 332 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia La risposta la scrisse il padre del supplicante, sempre servendosi delle mani della sacra immagine come buca delle lettere: A resposta foi escrita pelo pai do suplicante, sempre usando as mãos da imagem sagrada como caixa de correio: “Per questa volta il richiedente riceverà tre dozzine di scudisciate; se persiste nel suo desiderio, lo si arruolerà come tamburino nell’esercito. “Desta vez, o solicitante receberá três dúzias de chicotadas; se persistir em seu desejo, será alistado como tamborileiro do exército. Il Signore della Sacra Effigie.” O Senhor da Sagrada Imagem.” Contro tutto, a dispetto di tutto, pur constatando gli errori, pur lamentando superstizione e fanatismo, anche qui, in questo capitolo che ho battezzato Madonna Fantasia – quantunque più che d’altro, io volessi parlarvi di Religione – anche da questa sbalorditiva accozzaglia di verità della Fede e di deplorevoli fantasticherie pagane, balza fuori l’anima ingenua di un beato paese di giovinezza. Anima preparata a ricevere un’impronta preziosa; atta a dimenticare l’errore; schiusa come uno scrigno ad accogliere gioielli inestimabili. Contra tudo, apesar de tudo, mesmo constatando erros, mesmo lamentando superstições e fanatismos, mesmo aqui, neste capítulo que batizei Madonna Fantasia, mais do que qualquer outra coisa, queria falar a vocês sobre Religião. Até mesmo desta espantosa confusão entre a verdade da Fé e as deploráveis fantasias pagãs, salta para fora a alma ingênua de um abençoado país de juventude. Alma preparada para receber uma impressão preciosa; capaz de esquecer o erro; eclodindo como uma arca pronta a receber joias de valor inestimável. E solo da Essi può giungere la luce. E só Deles pode vir a luz. Essi, gli ispirati, gli eletti: gli uomini chiamati dalla vera voce che Dio stesso fa udire alle anime da Lui predilette. Eles, os inspirados, os escolhidos, homens chamados pela verdadeira voz que o próprio Deus permite que seja ouvida pelas almas que Ele gosta Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 333 Tradução de Karine Simoni I Missionarii che intendono degnamente, con alto senso di umanità, il loro compito nelle lontane solitudini americane, e predicano con l’opera – più che con la parola – senza inveire e senza abbattere d’un colpo, urtando la consuetudine ed eccitando le già calde fantasie; solo i Missionarii possono preparare l’avvento tra quella gente sparsa, varia, vivente a gruppi, non sempre raccolta in tribù regolari. Os Missionários que compreendem dignamente, com alto senso de humanidade, sua tarefa nas longínquas solidões americanas, e pregam com o trabalho, mais do que com palavras, sem pesar e sem desmoronar de repente, contrastanto o hábito e estimulando as calorosas fantasias; somente os Missionários podem preparar o advento entre aquelas pessoas dispersas e variadas que vivem em grupos, nem sempre reunidas em tribos regulares. Si diano pure le pompe del culto ai popoli che amano la forma come la si ama in tutti i luoghi che il sole sembra divorare di un suo particolar fuoco amoroso: ma siano dirette da un criterio vantaggiosamente simbolico: siano sensate e sane nella loro magnificenza, togliendo ad esse le pratiche barbare ed eccessive che generano terribili conseguenze per la salute, e naturali reazioni, prodotto di ignoranza, con gravissimo scapito dell’idea religiosa. Que as pompas do culto sejam dadas também aos povos que amam a forma como ela é amada em todos os lugares onde o sol parece devorar de seu fogo amoroso particular, mas sejam dirigidas por um critério vantajosamente simbólico. Sejam sensatas e sadias em sua magnificência, retirando delas as práticas bárbaras e excessivas que geram terríveis consequências para a saúde, e naturais reações, produto da ignorância, com gravíssimo prejuízo para a ideia religiosa. Essi così intendono, così fanno, là dove possono: ma Essi, che tutto vorrebbero poter fare, sono pochi di numero, come già si è visto, e dispongono di pochissime forze materiali. Eles assim entendem e assim fazem, onde podem: mas Eles, que gostariam de poder fazer tudo, são poucos, como já vimos, e têm pouquíssimas forças materiais. Penso ai pochi fratelli dispersi Penso nos poucos irmãos dispersos nell’intricata, immensa rete di fore- na intrincada e imensa rede de flores- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 334 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia ste dove tanti esseri attendono che sia loro rivelata l’esistenza della loro stessa anima; ai pochi fratelli oranti, ploranti nel divino dolore della loro insufficienza materiale. tas onde muitos seres aguardam que a existência de sua própria alma lhes seja revelada; nos poucos irmãos de oração, implorando na divina dor de sua insuficiência material. È quasi sempre, un solo frate che si avventura attraverso i pericoli dello spazio inesplorato, solo nell’ombra delle foreste, nel fuoco del giorno, nel mistero delle indefinibili notti dell’equatore, sognando una capanna, un accampamento, un qualunque temibile segno di vita primitiva. Quase sempre é um único frade que se aventura pelos perigos do espaço inexplorado, sozinho na sombra das florestas, no fogo do dia, no mistério das indefiníveis noites do Equador, sonhando com uma cabana, um acampamento, um qualquer sinal de medo de vida primitiva. Temibile per chiunque... fuorché per il solitario fratello che vuole, davanti a una Croce improvvisata, e subito benedetta – altare augusto sotto l’infinito azzurro – dir la prima Messa per chi forse amerà il suo Signore. E se ne va, così l’illuminato solitario che è un soldato, che è legione, che è, da sè solo, un esercito di salvezza: e sogna, e vuole. Temível para qualquer um... exceto para o irmão solitário que quer, diante de uma cruz improvisada e logo benzida – um altar augusto sob o azul infinito –, rezar a primeira Missa para aqueles que talvez venham a amar seu Senhor. E vai assim o iluminado solitário que é soldado, que é legião, que é, por si mesmo, um exército de salvação, e sonha, e quer. Nella cara figura, vero richiamo di anime a raccolta, è l’espressione più appassionatamente casta e generosa del pensiero cristiano. Na querida figura, verdadeiro apelo das almas à colheita, é a expressão mais apaixonadamente casta e generosa do pensamento cristão. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 335 Tradução de Karine Simoni Notas 1. Traduzo “medichessa” por “médica”, com a seguinte observação: tanto “medica” como “medichessa” são termos usados em italiano, mas, segundo a Accademia della Crusca, medichessa conserva uma conotação ligada às práticas e figuras próprias da arte médica do passado, mas que hoje estão à margem ou ausentes, como as sacerdotisas dotadas de poderes mágicos curadores e capacidades divinas. Cf. https:// www.linkiesta.it/2017/02/la-crusca-si-puo-dire-anche-medica-e-medichessa/. Acesso em 24 de novembro de 2020. [N.T.] 2. Tradução da autora. [N.T.] 3. Instrumento africano. [N.A.] 4. Tradução da autora. [N.T] 5. Em diversos momentos da narrativa, a autora apresenta estranhamento e resistência à comida local, dizendo inclusive que teria ficado sem comer, e utilizando expressões como intruglio [gororoba], abbominevole [abominável], scorpacciate [comer sem controle], strano pasticcio [estranha confusão] ao se referir aos costumes alimentares. [N.T.] 6. Barão de Santa Anna Néry (Belém do Pará, 1848-1901), intelectual brasileiro, estudou em Paris e publicou diversos estudos sobre a Região Amazônica, dentre as quais Le Pays des Amazones, L‘El-dorado, Les Terres a Caoutchouc. (1885) [N.T.] 7. Ermanno Stradelli (Borgo Val di Taro, 1852 – Manaus, 1926), explorador, fotógrafo e estudioso da Região Amazônica. Escreveu vários relatos de mitos e da cultura dos povos indígenas, que foram publicados em 1890 no boletim da Società Geographica Italiana. [N.T.] 8. Maximiano José Roberto (século XIX (?)), descendente de índios Manaos e Tarianas, escritor brasileiro dedicado às histórias, mitos e lendas dos povos amazônicos, reconhecido por ser o primeiro a compilar o mito de Jurupari. [N.T.] 9. Cucura ou purumã (Pourouma cecropiifolia), planta da família das moráceas, pode alcançar 20 metros de altura e é originária da região amazônica ocidental Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 336 Madonna Fantasia (Capítulo VI) de Gemma Ferruggia (Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela). Seus frutos, suculentos e adocicados, nascem em cachos, daí a alcunha uva-da-amazônia. Na tradição indígena, a árvore representa o bem e do mal. [N.T.] 10. Possivelmente refere-se a Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839), militar, político e intelectual, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e autor, dentre outras obras, de Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiás (1836) Corografia histórica da província de Minas Gerais (1837). [N.T.] 11. Palavra ilegível no texto de partida. [N.T.] 12. José Vieira Couto de Magalhães (Diamantina, 1937 – Rio de Janeiro, 1898), militar, explorador, político, escritor e estudioso de vários grupos indígenas e de suas línguas. Publicou, dentre outras obras, O selvagem (1876) e Ensaios de antropologia (1894). [N.T.] 13. Embora tenha sido utilizado o termo “padre” em italiano, que significa “pai”, pelo contexto pode-se aferir que provavelmente trata-se de um religioso, por isso foi traduzido por “padre”. [N.T] 14. O trecho de José de Alencar foi extraído da edição Obra completa: Romance histórico. Alfarrábios. Vol. 2. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1964. p. 274. 15. Segundo documento elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, as restaurações da imagem foram feitas em Portugal nos anos de 1773 e 1840. (cf. pp. 84 e 86). http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/ PatImDos_Cirio_m.pdf. Acesso em 09 de janeiro de 2021. [N.T.] 16. Antônio Pádua Carvalho, jornalista, musicólogo, estudioso da cultura dita popular. [N.T.] 17. Palavra ilegível no texto de partida. [N.T.] 18. Fernão Gonçalves Churrichão (falecido, acredita-se, em 1184) nobre português alcaide de D. Afonso I, primeiro almirante da esquadra portuguesa, conhecido por receber o primeiro milagre de Nossa Senhora de Nazaré. [N.T] Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 337 Tradução de Karine Simoni 19. Padre Simão de Vasconcelos (Porto, 1597 - Rio de Janeiro, 1671), jesuíta, educador. Dentre suas obras estão Chronica da Companhia de Jesus do Estado do Brazil (1663), Vida do Venerável Padre José de Anchieta (1672), Notícias Necessárias e Curiosas da Cousas do Brasil (1668). [N.T.] 20. Batista Caetano de Almeida Nogueira (Camanducaia, MG, 1797 – São João d’ElRey, 1839), comerciante e político, desenvolveu, dentre outras atividades, a fundação da Biblioteca Pública de São João d’El-Rey. [N.T] 21. João Jorge Maurer, agricultor e carpinteiro de ascendência alemã que, juntamente com sua esposa Jacobina Mentz Maurer, conquistou seguidores para as suas atividades de cunho espiritual-religioso que culminaram com o episódio conhecido como a Revolta dos Muckers (1868-1874). [N.T] 22. Nome de uma seita que, com base na crença do retorno de São Sebastião, promoveu o massacre de mais de 200 pessoas em 1838, no sertão de Pernambuco. [N.T] Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 267-338, jan/jul, 2021. 338 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84958 EMILIE SNETHLAGE, UMA PESQUISADORA EXTRAORDINÁRIA EM UM UNIVERSO ACADÊMICO MASCULINO Reinhard Michael Eugen Arnegger1 1 Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil Nelson Sanjad2 2 Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará, Brasil Foi traduzido do alemão um texto da pesquisadora Emilia Snethlage (1868-1929) com a seguinte referência bibliográfica: Snethlage, Emilia. «Zur Ethnographie der Chipaya und Curuahé». Zeitschrift für Ethnologie, 42, 1910: pp. 605-637. A revisão final dessa tradução é de Nelson Sanjad, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi e grande conhecedor da etnologia alemã na Amazônia. Foi ele que incentivou a escolha desse texto importante de Emilia Snethlage, argumentando que o texto merecia muito uma tradução para o português, por ser a primeira etnografia sobre os Xipaya e Kuruaya, os quais nunca tiveram acesso a esse texto pelo fato de estar em alemão. O título do artigo foi traduzido como “Sobre a Etnografia dos Xipaya e Kuruaya”. Sendo o texto incluído integralmente na ata da sessão de 28 de maio de 1910 da Associação Berlinense de Antropologia, Etnologia e Pré-História, a qual era a editora da referida revista, abrangendo as páginas 605 a 637, foi decidido traduzir a referida ata por completo, guiado pelo seguinte motivo: a parte introdutória da ata, as páginas 605 a 608, onde constam as informações atualizadas para os filiados da Associação, dá uma breve impressão do contexto histórico da época. Porém, o motivo mais Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad importante é a nota preliminar do renomado etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg (609-611), que apresenta o texto de Emilia Snethlage em um preâmbulo de três páginas. Ao final do relato da pesquisadora, consta um glossário das línguas Xipaya e Kuruaya (627-637), elaborado pela mesma. Para poder concentrar-se na tradução, não foi incluído o glossário nesse trabalho, mesmo sendo essa lista de palavras de suma importância para as duas etnias. O glossário será objeto de um futuro estudo linguístico separado, com base nas transcrições fonéticas das denominações Xipaya e Kuruaya, escritas em sinais diacríticos. Theodor Koch-Grünberg (1872-1924) já era, na época, uma autoridade acadêmica em sua área. O presente relato foi o primeiro texto etnológico publicado pela zoóloga e posterior Diretora do Museu Emílio Goeldi, Emilia Snethlage, “o qual marcou seu ingresso no círculo de antropólogos berlinenses, todos homens” (Sanjad, 07). A existência de pesquisadoras era vista, em geral, como uma ameaça. Poucas mulheres trabalhavam nessa época no âmbito acadêmico e em posições destacadas. Sem dúvida, Emilia Snethlage era uma pessoa insólita na etnologia e antropologia, tanto na Alemanha quanto no Brasil. Em 1914, tornou-se a diretora do Museu Goeldi, em Belém, sendo a primeira mulher a dirigir uma instituição científica na América do Sul. Quanto à escolha de textos alemães sobre a Amazônia, diante do exposto, Emilia Snethlage foi a primeira opção de uma lista de exploradores, etnógrafos, botânicos e pesquisadores ilustres, tais como Karl F. P. Von Martius e Johann B. Von Spix, Barão de Langsdorff, Príncipe Adalbert da Prússia, Robert Avé-Lallemant, Karl Von den Steinen, Paul Ehrenreich, Princesa Therese da Baviera, Theodor Koch-Grünberg e Curt Nimuendajú, entre outros. A tradução dos dois textos de Emilia Snethlage (1910 e 1921), apresentada nessa edição especial dos Cadernos de Tradução, dará um panorama mais completo da obra etnológica dela, porque as duas viagens são conectadas, com significativo ganho para os povos do Xingu. O texto de 1910 foi publicado depois da primeira viagem ao Xingu, feita em 1909 sob o patrocínio do Museu Goeldi. O texto Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021. 340 Nota dos Tradutores: Emilie Snethlage, uma pesquisadora extraordinária em um... de 1921 refere-se à segunda viagem ao Xingu, feita em 1914 sob o patrocínio do Museu Etnológico de Berlim (o texto só foi publicado em 1921 devido à I Guerra Mundial, em 1914-1918). Nessa segunda viagem, Emilia Snethlage formou uma coleção de objetos Xipaya e Kuruaya, que ela levou pessoalmente para Berlim em 1925. Essa coleção está preservada até hoje e é a única existente no mundo sobre essas duas etnias. Portanto, os dois textos são de alta relevância e se complementam, sendo que o primeiro texto (1910) tem o atrativo de ter sido produzido após a famosa travessia entre o rio Xingu e o rio Tapajós, enquanto o segundo texto (1921) torna-se importante por ter sido produzido sob a influência de Karl Von den Steinen e de Eduard Seler. Emilia Snethlage chegou a viajar para Berlim em 1913 para negociar o apoio do Museu Etnológico com Karl Von den Steinen. Eduard Seler, etnólogo e membro de honra da Associação Berlinense de Antropologia, Etnologia e Pré-História, escreveu as instruções que ela deveria seguir para formar a coleção. Mas, voltando para a tradução do relato da primeira expedição de Emilia Snethlage, de maio a outubro de 1909: optou-se por uma tradução moderadamente domesticada, no sentido de, por um lado, atualizar os nomes dos topônimos, das localidades geográficas e das etnias indígenas, por exemplo, Tapajós por Tapajoz, Jamanxim por Jamanchim, assim como Xipaya e Kuruaya por Chipaya e Curuahé, além de Juruna por Yurúna e Karajá por Caraja, sendo a atualização dos etnônimos de acordo com as regras da nomenclatura antropológica. Eles foram utilizados apenas no singular e com inicial maiúscula quando substantivos que designam povos indígenas; quando adjetivos, aparecem sempre no singular e com inicial minúscula. Por outro lado, foram mantidas as denominações da pesquisadora quando se referiu aos indígenas, pois refletem uma perspectiva absolutamente comum à época, insistindo na diferença cultural dos brancos (identificados como “civilizados”, “cristãos”, “brasileiros”) e dos indígenas, a quem chama Indianer (“índio”, “índios”) e, em sua coletividade, Stamm (“tribo”), denominações, atualmente, com uma conotação marcada, para não dizer politicamente Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021. 341 Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad incorreta. A tradução menos polêmica seria hoje “indígena(s)” e “etnia” ou “povo”. Porém, o texto perderia seu timbre ou teor histórico, se essas denominações fossem modernizadas na tradução. Nesse contexto, entra certa postura da pesquisadora, que marca sutilmente as diferenças culturais entre ela e os indígenas (“meus Kuruaya”, “número de cabeças” (613)), às vezes camuflando dependências mútuas durante uma viagem de meses (“Eu mesma tinha uma posição privilegiada, enquanto vivíamos da minha farinha.” (614)). O texto é um relato que corresponde às expectativas da comunidade acadêmica e da instituição científica onde Emilia Snethlage trabalhava. Sua tarefa como pesquisadora, etnóloga e bióloga tinha como finalidade a descrição dos indígenas, suas estruturas sociais, suas habilidades, sua cultura e sua relação com a natureza, além da pesquisa de novos animais e plantas, para complementar as coleções naturais abrigadas nas instituições científicas e nos museus etnológicos e antropológicos na Europa e no Brasil. A seguir, alguns breves comentários a respeito de particularidades na tradução do texto. Na página 609, Theodor Koch-Grünberg comenta que “a viajante voltou ao Pará”. Pois, toda a viagem não aconteceu no Pará? Até o início do século XX, o nome “Pará” era usado com frequência para designar a cidade de Belém, além do estado ou da província que fica à leste da Amazônia brasileira. Em relação à tradução de títulos profissionais e de titulações acadêmicas, buscou-se soluções aproximadas porque não existem denominações correspondentes na língua alvo. Foram os casos de “Geheimer Sanitätsrat” e “Privatdozent” na página 607, ou do título “Kreisphysikus” na página 608. Na mesma página, se mantem os títulos acadêmicos, que são de expressões latinas (studiosus medicinae; doctor philosophiae; studiosus rerum naturalium), em vez de traduzi-los. Nesse contexto, há de se mencionar o “falso amigo” “Professor” (pág. 607), que, em alemão, significa um alto título acadêmico, enquanto em português “professor” denomina a profissão de uma pessoa que ensina alunos. Repetidamente, a pesquisadora coloca a denominação em português junto com a tradução alemã, uma das duas entre parêntesis, por Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021. 342 Nota dos Tradutores: Emilie Snethlage, uma pesquisadora extraordinária em um... exemplo em pág. 614, “mingau” (Suppe)”; “Kesseln (panellas)”. Nesses casos foi traduzida a palavra alemã, o que resultou, às vezes, em uma dupla colocação. No caso da página 625, “Manoelsinho o chama de seu “padrão”, manteve-se o original, marcado com [sic], porque se trata, evidentemente, de um erro ortográfico. Deve ser um erro ortográfico também “páo”, na pág. 626. Entre as várias dificuldades de traduzir para a língua portuguesa, destaca-se, para finalizar, somente um caso: a diferença gramatical, como a língua original e a língua alvo expressam o discurso indireto. No alemão, o modo verbal subjuntivo, em concreto Konjunktiv I e Konjunktiv II, marca a fala de terceiro(s), tal como no inglês reported speech, enquanto que, em português, não se tem uma estrutura semelhante para tal função. Muitas vezes se recorre a verbos dicendi (dizem que; fala-se) ou preposições (segundo; conforme). Em nosso caso (610; segundo parágrafo) concreto, foi resolvido usar dois pontos após a fonte da informação, o pesquisador Henri Coudreau, no sentido “conforme Coudreau ....”. Especiais agradecimentos à professora visitante da UFPA, Katja Hölldampf, leitora do DAAD e coordenadora da Casa de Estudos Germânicos, que contribuiu com importantes sugestões para a elaboração da presente tradução, além de sua disponibilidade e paciência na hora da formatação dos textos. Outro parceiro importante foi Danrley Ribeiro, estudioso em Tecnologias da Informação, conseguindo com sua criatividade encontrar soluções para melhor adequação do texto. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021. 343 Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Referência Sanjad, Nelson. “Nimuendajú, a Senhorita Doutora e os ‘etnógrafos berlinenses’: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX”. Asclepio, 71(2), (2019): 273. https://doi. org/10.3989/asclepio.2019.14. Reinhard Michael Eugen Arnegger. E-mail: arnegger@ufpa.br. https://orcid. org/0000-0003-0099-620X. Nelson Sanjad. E-mail: nsanjad@museu-goeldi.br. https://orcid.org/0000-00026372-1185. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 339-344, jan/jul, 2021. 344 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84959 SITZUNG VOM 28. MAI 1910, VORBEMERKUNG VON THEODOR KOCH-GRÜNBERG, ZUR ETHNOGRAPHIE DER CHIPAYA UND CURUHAÉ Emilie Snethlage Tradução de: Reinhard Michael Eugen Arnegger1 1 Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil Nelson Sanjad2 2 Fundação Oswaldo Cruz/Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará, Brasil Sitzung vom 28. Mai 1910. Sessão de 28 de maio de 1910. Vorträge: Palestras: Hr. H. Virchow: Muskelmarken am Schädel. Hr. W. Pastor: Die Musik der Naturvölker und die Anfänge der europäischen Musik. Sr. H. Virchow: Marcas Musculares no Crânio. Sr. W. Pastor: A Música dos Povos Antigos e o Início da Música Europeia. Vorsitzender: Hr. C. Schuchhardt. Presidente: Sr. C. Schuchhardt. (1) Hr. Karl von den Steinen, der (1) Ausência justificada do Sr. Karl sich auf einer Reise in Schweden von den Steinen, que está viajando befindet, lässt sich entschuldigen. pela Suécia. (2) Hr. Geh. Sanitätsrat Dr. Franz (2) Faleceu em 2 de maio desse ano, Volborth, einer der angesehensten aos 68 anos, o Sr. Conselheiro de Ärzte des Berliner Westens, unser Saúde, Dr. Franz Volborth. Era Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 345 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Mitglied seit 1889, ist am 2. Mai d. J. im Alter von 68 Jahren gestorben. Hr. Professor Dr. Franz Nikolaus Finck, Mitglied seit 1905, ist 42jährig gestorben. Er war Privatdozent für allgemeine Sprachwissenschaft an der hiesigen Universität und dozierte zugleich am Orientalischen Seminar. Noch vor kurzem hatte er in der Teubnerschen Sammlung „Aus Natur und Geisteswelt” die beiden Bändchen „Die Sprachstämme des Erdkreises” und „Die Haupttypen des menschlichen Sprachbaues” erscheinen lassen. um dos mais renomados médicos do oeste de Berlim e nosso filiado desde 1889.Faleceu aos 42 anos, o Sr. Prof. Dr. Franz Nikolaus Finck, filiado desde 1905. Era professor associado de Linguística Geral da Universidade daqui e dava aula, ao mesmo tempo, no Departamento de Estudos Orientais. Ainda, há pouco tempo atrás, publicou dois pequenos volumes “Os Troncos Linguísticos da Terra” e “Os Tipos Principais da Sintaxe Humana” na coleção da editora Teubner, “Da Natureza e do Mundo Espiritual”. In Konstantinopel ist, wie kürzlich schon in der prähistorischen Fachsitzung erwähnt wurde, der Direktor des Ottonmanischen Museums Exzellenz Hamdy Bey, unser korrespondierendes Mitglied seit 1894, gestorben. Hamdy war, wie wir sagen würden, „Generalkonservator der Altertümer” im Ottomanischen Reiche und hatte damit die Aufsicht auch über die Ausgrabungen der fremden Nationen in Kleinasien, Syrien, Babylonien. Er war für dieses Amt wie kein Anderer geeignet, denn von Haus aus Maler, war er von europäischer Bildung, hatte in Paris studiert und auch eine Französin geheiratet. So kam man mit ihm leicht zu Vereinbarungen, Faleceu em Constantinopla, o diretor do Museu Otomano, Sua Excelência Hamdy Bey, filiado de correspondência desde 1894, notícia já mencionada na reunião do curso de Pré-História. Hamdy era, como diríamos, “Conservador Geral das Antiguidades” do Império Otomano e tinha que fiscalizar também as escavações das nações estrangeiras na Ásia Menor, Síria, Babilônia. Era apto para esse cargo como ninguém, porque era pintor profissional, tinha uma formação europeia, estudou em Paris e casou também com uma francesa. Por isso a facilidade em chegar a acordos com ele, que satisfaziam as duas partes. A mais importan- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 346 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage die beide Teile befriedigten. Die bedeutendste Erwerbung, die er seinem Konstantinopeler Museum zugeführt hat‚ sind die schönen Sarkophage von Sidon, unter ihnen der längst berühmt gewordene Alexandersarkophag. te aquisição para seu museu em Constantinopla foram os belos sarcófagos de Sídon, entre eles o mui famoso sarcófago de Alexandre. Schliesslich habe ich noch eine ganz frische und besonders schmerzliche Trauernachricht Ihnen mitzuteilen, die einen ganz Grossen der Wissenschaft betrifft: Robert Koch ist gestern Abend in Baden-Baden 67-jährig einem Herzleiden erlegen. Fallen auch seine klassischen Leistungen nicht in den Rahmen der von unserer Gesellschaft gepflegten Gebiete, so hat doch ein besonderes Band ihn immer mit ihr verbunden. Para finalizar, tenho que lhes comunicar uma notícia de luto muito recente e muito triste, referente a uma das grandes personalidades da Ciência: Robert Koch faleceu ontem à noite em Baden-Baden de uma doença cardíaca, aos 67 anos. Mesmo que sua obra clássica não esteja dentro do quadro das áreas de atividades nos quais nossa associação costuma atuar, sempre houve um laço especial entre nós. Er ist ihr Mitglied fast von Anfang an gewesen. Sein Name tritt in unserer Zeitschrift zum erstenmal 1876 auf in der lakonischen Notiz, dass „der Kreisphysikus Koch zu Wollstein ein kleines Tongefäss übersendet, das er in dem benachbarten Burgwall ausgegraben hat”. In jenen ruhigen Jahren, wo Koch im Kreise Bomst sass, hat er sich vielfach mit prähistorischer Forschung beschäftigt, Skelette ausgegraben und Scherben studiert. Und auch viel später hat er weit draussen und mitten Era filiado da associação quase desde sua criação. Em 1876, seu nome apareceu pela primeira vez em nossa revista, com a notícia lacônica que “o médico do distrito de Wollstein, Koch, está enviando um pequeno vaso de barro que escavou na muralha do castelo vizinho”. Naqueles anos tranquilos, quando Koch estava na comarca de Bomst, pesquisava muitas vezes questões pré-históricas, escavava esqueletos e estudava cacos. E mesmo muito mais tarde, sempre valorizava Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 347 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad in grosser Arbeit immer noch gern auf dergleichen Tätigkeit geachtet. In Ihrer aller Erinnerung ist der schöne Vortrag, den er hier vor übervollem Hause noch 1908 über merkwürdige Felsenzeichnungen und seine kulturhistorischen Beobachtungen im Gebiet des Viktoria Nyanza gehalten hat. a esse tipo de atividade, longe de casa e em meio de muito trabalho. Estão lembrando com certeza da bela palestra dele, ainda em 1908, com plateia muito lotada, sobre estranhos desenhos rupestres e suas observações histórico-culturais na região do lago Victoria Nyanza. (3) Novos filiados: (3) Neue Mitglieder: Sr. stud. med. Friedrich Schiff, Hr. stud. med. Friedrich Schiff, Berlim, Berlin, Sr. stud. Phil. Harald Cosak, Hr. stud. phil Harald Cosak, Wilmersdorf, Wilmersdorf, Sra. Baronesa v. Langen, conFrau Baronin v. Langen, geb. dessa Schlieffen de nascimento, Gräfin Schlieffen, Dresden, Dresden, Hr. Pastor Johannes Schmidt, Ketzin a. d. Havel, Hr. Dr. med. E. Thede, Augustenburg, Kr. Sonderburg, Hr. Dr. phil. P. Adloff, Zahnarzt, Königsberg i. Pt, Hr. cand. phil. Ludwig Carrière, Charlottenburg, Hr. stud. phil. Geza Roheim, Charlottenburg, Hr. stud. phil. Morton Jellinek, Charlottenburg, Hr. stud. rer. nat. Paul Wernert, Tübingen, Hr. Dr. T. Arne, Staatens Sr. Pastor Johannes Schmidt, Ketzin a. d. Havel, Sr. Dr. med. E. Thede, Augustenburg, distrito de Sonderburg, Sr. Dr. phil. P. Adloff, Zahnarzt, Königsberg, Prússia, Sr. cand. phil. Ludwig Carrière, Charlottenburg, Sr. stud. phil. Geza Roheim, Charlottenburg, Sr. stud. phil. Morton Jellinek, Charlottenburg, Sr. stud. rer. nat. Paul Wernert, Tübingen, Sr. Dr. T. Arne, Staatens Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 348 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Historiska Museum, Stockholm, Frau A. Baumann-Seyd, Hamburg, Hr. stud. phil. Fritz Rochlitz, Berlin. Historiska Museum, Estocolmo, Sra. A. Baumann-Seyd, Hamburgo, Sr. stud. phil. Fritz Rochlitz, Berlim. (4) Das Unterrichtsministerium hat uns auch in diesem Jahr gütigst 1500 Mk. als Unterstützung für unsere Bestrebungen bewilligt, wofür hier der verbindlichste Dank ausgesprochen sei. (5) Der Vorsitzende spricht Herrn Kiekebusch den Dank der Gesellschaft aus für die Führung am 29. April in Buch durch die von ihm freigelegte germanische Siedelung und Herrn Sökeland für die Vermittlung der Besichtigung der „Alte Leutestadt”. (4) Também nesse ano, o Ministério de Educação concedeu, de maneira benévola, 1.500 marcos para apoiar nossas atividades, ao qual expressamos nossos maiores agradecimentos. (5) O Presidente agradece em nome da Associação ao Sr. Kiekebusch pela visita guiada, em 29 de abril, à colônia germânica descoberta por ele em Buch, assim como ao Sr. Sökeland por ter facilitado a visita da “Alte Leutestadt”. (6) Unser Mitglied, Herr O. Hauser, meldet die Wiederaufnahme der Ausgrabungsarbeiten auf den paläolithischen Stationen von Les Eyzies und ladet zu ihrem Besuch ein. Gegen 30 Niederlassungen in den verschiedenen Tälern der Dordogne bieten Gelegenheit, die Entwicklungsgeschichte der einzelnen Epochen zu studieren. Das kleine Museum in der Laugerie Haute ist vergrössert und das ganze wissenschaftliche Arbeitsgebiet zu einem „Internationalen Institut (6) Nosso filiado, o Sr. O. Hauser, comunica a retomada das escavações nos sítios paleolíticos de Les Eyzies, e convida para uma visita. Aproximadamente 30 colônias em vários vales da Dordogne oferecem a oportunidade para estudar o desenvolvimento histórico das diferentes épocas. O pequeno museu na Laugerie Haute foi ampliado, assim como a inteira área de pesquisa científica para um “Instituto Internacional de Pesquisa Pré-histórica”. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 349 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad für prähistorische ausgebaut worden. Forschungen” (7) Die sechste Tagung des Congrès Préhistorique de France findet in Tours (Indre-et-Loire) vom 21. bis 27. August statt. (7) A sexta edição do Congrès Préhistorique de France acontecerá em Tours (Indre-et-Loire) no período de 21 a 27 de agosto. (8) Wir erhalten die folgenden Manuskripte über „die Chipaya und Curuahé (Pará, Brasilien)”. I. Th. Koch-Grünberg: Vorbemerkung. (8) Recebemos os seguintes manuscritos sobre “Os Xipaya e Kuruaya (Pará, Brasil)”. I Th. Koch-Grünberg: Nota preliminar. Im Sommer 1909 unternahm Dr. E. Snethlage, Zoologin des Goeldi-Museums in Pará, eine Forschungsreise vom unteren Xingú zum unteren Tapajoz, die durch bisher gänzlich unbekanntes Gebiet führte. Em verão de 1909, a Dra. E. Snethlage, zoóloga do Museu Goeldi no Pará, fez uma viagem de campo desde o Baixo Xingu ao Baixo Tapajós, atravessando regiões totalmente desconhecidas até o momento. In Begleitung des Coronel Ernesto Accioly, des einflussreichsten Ansiedlers dieser Gegend, brach die Reisende am 1. Juli von Forte Ambé am oberen Ende der grossen Xingú-Volta auf und fuhr zunächst den Iriri (Guiriri), den grössten linken Nebenfluss des Xingú, der aus SW. kommt und unter 4° südl. Br. mündet, und darauf seinen westlichen Zufluss Curuá aufwärts. Am 15. August kam man zur Maloka1) des Chipaya- Em companhia do Coronel Ernesto Accioly, o mais influente colono da região, a viajante partiu em 1o de julho, de Forte Ambé, localizado na extremidade superior da Volta Grande do Xingu, e subiu primeiro pelo Iriri (Guiriri), o maior afluente à esquerda do Xingu, vindo do sudoeste e desembocando em 4º da latitude sul, e a seguir, subiu pelo Curuá, afluente à direita. Em 15 de agosto chegaram à maloca1 do cacique dos Xipaya, Manoelsinho, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 350 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Häuptlings Manoelsinho, der, obwohl aus anderem Stamm, unter den dortigen Curuahé-Indianern eine Machtstellung einnimmt. Mit sieben Curuahé (4 Männern und 3 Frauen) setzte Dr. Snethlage am 28. August die Reise allein fort und wanderte in neun Tagen über Land, einen 400 bis 500 m hohen Granitgebirgszug kreuzend, bis zum oberen Jamanchim2), einem unter etwa 4° 40‘ südl. Br. mündenden, rechten Nebenfluss des Tapajoz. Am Abend des 7. Septembers wurde in Rindenbooten die Weiterreise angetreten, aber erst am Morgen des 22. Septembers erreichte man, ohne weitere Indianer angetroffen zu haben, die erste von Kautschuksammlern bewohnte Hütte3). Über den Tapajoz und Amazonas kehrte die Reisende dann nach Pará zurück. que exerce uma posição de poder no meio dos índios Kuruaya locais, mesmo sendo de outra tribo. Em 28 de agosto, junto com sete Kuruaya (4 homens e 3 mulheres), a Dra. Snethlage continuou a viagem sozinha e caminhou durante nove dias pelo território, cruzando uma serra de granito de 400 a 500 m de altura, até chegar ao Alto Jamanxim2, um afluente à direita do rio Tapajós, que desemboca em 4º 40’ da latitude sul. Em 7 de setembro, pela noite, continuaram a viagem em canoas de casca, mas, somente pela manhã de 22 de setembro chegaram à primeira cabana3 de seringueiros. Através do Tapajós e Amazonas a viajante voltou ao Pará. Ausser zoologischen und botanischen Ergebnissen und einer Routenkarte brachte diese Reise auch der Ethnographie einen Gewinn, besonders durch die beiden folgenden Wörterlisten, mit denen sich die Zugehörigkeit der Stämme Chipaya und Curuahé jetzt mit Sicherheit feststellen lässt. Além de resultados zoológicos e botânicos e de um mapa do itinerário, essa viagem proporcionou também um ganho para a etnografia, sobretudo pelos dois glossários a seguir, que permitem comprovar, agora com certeza, o parentesco das tribos Xipaya e Kuruaya. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 351 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Beide Stämme sind schon seit längerer Zeit unter verschiedenen Namen bekannt, die Chipaya als „Acipoyas, Axipai, Juaicipoias, Achipayes, Achupayes,” die Curuahé als „Curiarés, Curiverés, Curiérai, Curiaias, Curuayes, Curiuayes, Curueyes”. Ambas as tribos são conhecidas há muito tempo com diferentes nomes, os Xipaya como “Acipoyas, Axipai, Juaicipoias, Achipayes, Achupayes”, os Kuruaya como “Curiarés, Curiverés, Curiérai, Curiaias, Curuayes, Curiuayes, Curueyes”. Um die Mitte des 18. Jahrhunderts werden die „Acipoyas” neben den ihnen damals befreundeten Yurúna als Anthropophagen erwähnt4). Zu der Gründung von Porto de Moz, Pombal, Souzel und anderen Ortschaften am unteren Xingú durch die Kapuziner und Jesuiten wurden neben anderen Stiäimmen auch „Curiarés” herangezogen5). Prinz Adalbert von Preussen nennt (1843) die „Axipai” einen kleinen Stamm, „zahm, wenig geschickt und feig im Krieg”. Sie lagen damals mit den Yurúna und den „Curiérai”, die als zahlreich und kriegerisch galten, in beständiger Fehde, wurden aber „immer zurückgeschlagen”6). Im Jahre 1859 wurde an dem linken Nebenflüsschen Tucuruhy, unterhalb der grossen Volta, ein bald wieder aufgegebener Missionsversuch gemacht. In der Liste der oberhalb der alten Jesuitenmission ansässigen Stämme, die man aus den Mitteilungen der Aproximadamente pela metade do século XVIII, mencionava-se que4 os “Acipoyas” seriam antropófagos, além dos Juruna, amigos na época. Para a fundação de Porto de Moz, Pombal, Souzel e outras localidades do Baixo Xingu pelos Capuchinhos e Jesuítas, empregavam “Curiarés”, além de outras tribos5. O Príncipe Adalbert da Prússia chama (1843) de “Axipai” uma tribo pequena, “mansa, domesticada, pouco hábil e covarde na guerra”. Na época, estavam em permanente conflito com os Jurunas e com os “Curiérai”, que tinham fama de ser numerosos e guerreiros, porém “sempre recuavam”6. Em 1859 houve uma tentativa de criar uma missão, mas pouco depois se desistiu, em Tucuruí, um pequeno afluente à esquerda, abaixo da Volta Grande. Na lista das tribos que vivem acima da antiga sede da missão jesuíta, que foi elaborada com base nas informações dos ín- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 352 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Indianer aufstellte, werden auch dios, constam também os “Juaicidie „Juaicipoias” und „Curiaias” poias” e os “Curiaias.7 aufgezählt7). Die ersten genaueren Nachrichten über die Wohnsitze der beiden Stäimme, mit denen sich diese Arbeit beschäftigt, verdanken wir Henri Coudreau. Er gibt die „Achipayes” oder „Achupayes” am Iriri an, wo sie von der Niederlassung des Ernesto Accioly an 15 Tagereisen flussaufwärts mit der zivilisierten Bevölkerung gemischt wohnten. Darüber hinaus und am Curuá lebten sie noch nach der Väter Weise, aber friedlich. Die erste Maloka der Achipayes am Curuá treffe man fünf Tagereisen oberhalb der Mündung, die zweite sieben Tagereisen oberhalb dieser ersten. Die Achipayes gehörten zu derselben Sprachfamilie wie die Yurúna, mit denen sie sich ziemlich leicht verständigen könnten. Die „Curuayes, Curiuayes oder Curueyes” hätten ihre Malokas in den Wäldern auf dem linken Ufer des Curuá. Wenn sie am Iriri erschienen, bemerke man bei ihnen europäische Gerätschaften, die sie entweder von den Zivilisierten des Jauamaxim (Jamanchim) durch die Mundurukú8) oder von den „Mucambos”9) des Curuá d‘Ituqui10) durch die Arára11) erhielten. Sie As primeiras informações mais detalhadas referentes às aldeias de ambas as tribos, às quais se dedica o presente trabalho, devemos a Henri Coudreau: menciona os “Achipayes” ou “Achupayes” do Iriri, onde moravam misturados com a população civilizada, há 15 dias de viagem rio acima, à partir da propriedade de Ernesto Accioly. Além disso, vivem na beira do Curuá, ainda como os ancestrais, porém pacíficos. Encontra-se a primeira maloca dos Achipayes do Curuá, após cinco dias de viagem acima da embocadura, a segunda maloca, a sete dias de viagem, acima da primeira. Sendo da mesma família linguística que os Juruna, os Achipayes conseguem comunicar-se com bastante facilidade com eles. Os “Curuayes, Curiuayes ou Curueyes” tem suas malocas na floresta à margem esquerda do Curuá. Quando aparecem no Iriri, percebese que possuem utensílios europeus, que conseguiram dos civilizados do Jauamaxim (Jamanxim) através dos Munduruku8, ou dos “Mucambos”9 do Curuá d’Ituqui10 [sic] através dos Arara11. Às vezes aparecem mesmo Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 353 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad kämen bisweilen an dén Hauptstrom selbst. Im Jahre 1895 sah man sie oberhalb Piranhacuara12) in einem Dutzend Kanus an verschiedenen Punkten über den Xingú setzen und einige Zeit später wieder zum westlichen Ufer zurückkehren13). no rio principal. Em 1895 foram vistos acima de Piranhacuara12 em uma dúzia de canoas, atravessando o Xingu em diferentes pontos e, algum tempo depois, voltando para a margem oeste13. Dr. Snethlage traf die Chipaya und Curuahé in demselben Kulturzustande wie Karl von den Steinen im Jahre 1884 die Yurúna, die seitdem an Zahl sehr zurückgegangen sind, ihre alten Sitten grösstenteils aufgegeben haben und in sklavischer Abhängigkeit von den Kautschuksammlern stehen. Neben dem vortrefflich gearbeiteten Einbaum (ubá) gebrauchen die Chipaya und Curuahé im Gegensatz zu diesem letzteren Stamme Rindenboote, die sie in kurzer Zeit herzustellen wissen. Ihre Waffen sind der aus dunkelbraunem Holz sorgsam verfertigte, wohl geglättete, über mannshohe Bogen und verschiedene Sorten Pfeile für Jagd, Fischfang und Krieg. Die Inneneinrichtung der Wohnungen ist die gleiche wie bei den Yurúna14). Bei allen drei Stämmen sind blaue Glasperlen sehr beliebt und werden in dicken Schnüren um den Hals, von den Männern auch in über handbreiten Gurten um die Taille getragen. Mehr oder weniger breite Baumwollbänder A Dra. Snethlage encontrou os Xipaya e Kuruaya no mesmo estado cultural em que Karl von den Steinen encontrou os Juruna em 1884, os quais, desde então, diminuíram muito em número, abandonaram grande parte de seus antigos costumes e vivem em dependência escrava dos seringueiros. Além da piroga muito bem trabalhada (ubá), os Xipaya e Kuruaya utilizam canoas de casca que sabem construir em pouco tempo, ao contrário da tribo mencionada acima. Suas armas são o arco, mais alto que um homem, talhado com muito cuidado, de madeira marrom-escuro e bem liso, assim como uma série de diferentes flechas para a caça, para a pesca e para a guerra. O interior das moradias é igual ao dos Jurunas14. As três tribos adoram missangas azuis e as usam em cordões grossos no pescoço, os homens também em cintos na cintura, da largura de mais de um palmo. Colocam várias fitas de algodão, de larguras diferentes, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 354 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage werden an mehreren Stellen um Arme und Beine gestrickt. Das Haupthaar lassen beide Geschlechter lang herabwallen. Die Bekleidung der Männer und Weiber ist dieselbe, wie sie Steinen von den Yurúna angibt. Zum Schutz gegen das Eindringen von Insekten und anderem kleinen Ungeziefer dient der Penisstulp15), der z. B. auch bei den benachbarten Mundurukú und bei den Kayapó des Araguaya im Gebrauch ist. Es ist eine Hülse aus einem Streifen spröden, gelben Palmstrohs, der in der Form „eines oben wagerecht, unten schräg abgeschnittenen Kegels”16) gerollt und gefaltet wird. Die Frauen haben um die Hüften ein meist selbstgewebtes, breites Tuch geschlungen, das „an einer Seite nachlässig bis obenhin offen bleibt”17). Das eigenartige Empfangszeremoniell der Yurúna18) findet sich ebenso bei den Chipaya und Curuahé. nos braços e nas pernas. Ambos os sexos têm cabelos grandes soltos. A roupa dos homens e das mulheres é a mesma que Steinen descreve para os Juruna. Para se proteger da entrada de insetos e outros parasitas serve o protetor peniano15, também usado pelos vizinhos Munduruku, vizinhos e pelos Kayapo do Araguaya. Trata-se de um estojo feito com uma tira de palha de palmeira, áspera e amarela, enrolada e dobrada na forma “de um cone16, em cima cortada de maneira horizontal, embaixo de maneira transversal“. As mulheres atam um pano largo pela cintura, muitas vezes tecido por elas, que “fica aberto, livremente, à um lado até em cima”17. O estranho cerimonial de recepção dos Juruna18 encontramos também entre os Xipaya e Kuruaya. Ihren Sprachen nach gehören die Chipaya und Curuahé, wie ihre Nachbarn, die Yurúna und Tukunapéua (Péna, Taconhapéz, Tacanhopès, Taquanhapès) zur Tupigruppe, und zwar ist das Chipaya, wie schon Coudreau betont, dem Yurúna eng verwandt, während das Curuahé dem Mundurukú am nächsten zu kommen scheint, wenn auch viele Os Xipaya e Kuruaya pertencem, conforme suas línguas, ao grupo Tupi, tais como seus vizinhos, os Juruna e Tukunapéua (Péua, Taconhapéz, Tacanhopês, Taquanhapês), embora o Xipaya seja muito similar ao Juruna, como já frisou Coudreau, o Kuruaya parece ser mais próximo do Munduruku, mesmo que muitas palavras são total- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 355 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Wörter gänzlich verschieden sind. Zum Vergleich habe ich für das Chipaya die entsprechenden YurúnaWörter aus den Vokabularen Karl von den Steinens19) (St.) und Henri Coudreaus20) (C.) und für das Curuahé die entsprechenden MundurukúWörter aus den Vokabularen Martius‘21) (M.) und Henri Coudreaus22) (C.) herangezogen. mente diferentes. Para o Xipaya, recorri, para fins de comparação, às palavras correspondentes dos Juruna, que se encontram nos glossários de Karl von den Steinen19 (St.) e de Henri Coudreau20 (C.), e para o Kuruaya, às palavras correspondentes dos Munduruku, que fazem parte dos glossários de Martius21 (M.) e de Henri Coudreau22(C.). Beim Aufzeichnen der Wörterlisten hat Dr. Snethlage mit dankenswerter Sorgfalt die Aussprache der einzelnen Laute beachtet und festgelegt, so dass sich die Wörter leicht in ein phonetisches Alphabet umschreiben liessen. c vor a, o, u habe ich durchweg durch k ersetzt; deutsches j durch y; deutsches qu durch ku; deutsches sch durch š; französisches c vor e und i (z. B. ceá = Auge) durch z; englisches th durch z des „Anthropos-Alphabets23). Na anotação dos glossários, a Dra. Snethlage reparava e definia com todo cuidado a pronúncia dos diferentes sons, assim, era fácil transcrever as palavras em um alfabeto fonético. Eu substituí, geralmente, c antes de a, o, u por k; o j alemão por y; o qu alemão por ku; o sch alemão por š; o c francês antes de e e i (por exemplo, ceá = olho) por z; o th inglês por z do “Alfabeto Anthropos”23. II. E. Snethlage: II E. Snethlage: Zur Ethnographie der Chipaya und Curuahé. Sobre a Etnografia dos Xipaya e Kuruaya Wohnsitze. Moradias. Ich selbst bin nur in einer Maloka Eu mesma estive em uma malogewesen, die dem bereits halb ca, a qual pertencia ao Xipaya Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 356 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage zivilisierten Chipaya Manoelsinho gehörte. Sie lag etwa 1 1/2 Tagereisen oberhalb der letzten von Seringueiros bewohnten „barraca” am oberen Curuá, dem grössten linken Nebenflusse des Iriri, und wurde anscheinend nur von dem Besitzer, seiner Familie und einigen halb in Abhängigkeit von ihm lebenden Curuahé bewohnt. Von hier aus ging Coronel Ernesto Accioly, der die Freundlichkeit gehabt hatte, mich mitzunehmen, noch einige Tagereisen weiter flussaufwärts und besuchte eine Familienmaloka der Curuahé, die einzige dieses Stammes, von der ich gehört habe. Sie lag nicht am Fluss selbst, sondern an einem in diesen mündenden Jgarapé und war noch nie vorher von Brasilianern besucht worden. Leider konnte ich den Coronel nicht begleiten, da ich bei seiner Abfahrt heftig an Malaria litt. Manoelsinho, já meio civilizado. Situava-se, aproximadamente, a 1 ½ dia de viagem acima da última “barraca” dos seringueiros no Alto Curuá, o maior afluente à esquerda do Iriri. Na maloca moravam, aparentemente, o proprietário, sua família e alguns Kuruaya, que meio dependiam dele. O Coronel Ernesto Accioly, que teve a gentileza de levar-me, continuou a subir o rio a partir de lá, durante alguns dias de viagem, e visitou uma maloca familiar dos Kuruaya, a única dessa tribo, da qual ouvi falar. Não se situava à margem do rio, mas à margem de um igarapé que desembocava nele, e nunca foi visitada antes por brasileiros. Infelizmente não pude acompanhar o Coronel, porque adoeci fortemente de malária quando ele partiu. Früher scheinen die Curuahé auch weiter abwärts gewohnt zu haben, wenigstens passierten wir einige Tage vor der Ankunft in der Maloka die Mündung eines jetzt nicht mehr bewohnten Igarapé dos Curuahés. Pelo visto, antes os Kuruaya também moravam mais abaixo, pois, alguns dias antes de chegar à maloca, passamos pela desembocadura de um Igarapé dos Kuruaya não mais habitado. Bei der Rückkehr begleiteten den Na volta, o Coronel Ernesto estava Coronel Ernesto, ausser einer acompanhado por muitos Xipaya do Anzahl Curuahé aus der eben Alto Curuá, além de alguns Kurua- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 357 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad erwähnten Maloka (darunter meine späteren Begleiter zum Jamanchim), auch viele Chipaya vom oberen Curuá. Ausserdem soll dieser Stamm sich noch am oberen Iriri finden, aber erst weit oberhalb der Curuámündung. Acht Tage oberhalb von letzterer wohnen jedenfalls noch Seringueiros. ya da mencionada maloca (entre eles, meus futuros acompanhantes para o Jamanxim). Dizem que, além disso, essa tribo encontra-se ainda no Alto Iriri, porém, muito acima da desembocadura do Curuá. Em todo caso, seringueiros ainda vivem a oito dias de viagem rio acima. Sowohl am Iriri wie am Jamanchim hörte ich, dass die verlassenen „malokas” am letzteren Flusse (soweit ich sie gesehen habe, nur alte Lichtungen) früher von Curuahé bewohnt gewesen seien, die sich erst ganz kurz vor Ankunft der ersten Seringueiros von dort zurückgezogen hätten. (Der untere Jamanchim ist seit etwa 20, der obere bis zu den grossen Fällen erst seit 6 Jahren besiedelt.) Ob das mehr ist als eine willkürliche Kombination, entstanden aus dem Vorhandensein alter Pflanzungen aus Jamanchim einerseits und andererseits aus dem Umstande, dass tatsächlich Curuahé (übrigens auch Chipaya) noch heute bis zu diesem Flusse streifen, kann ich nicht sagen. Jedenfalls sind wohl nicht, wie mir gleichfalls erzählt wurde, die Curuahé erst vom Jamanchim aus an den Curuá eingewandert24), da ausser Coudreau bereits Prinz Adalbert von Preussen einen Stamm Curiérai aus Ouvi falar que, tanto no Iriri como no Jamanxim, as “malocas” abandonadas no último rio foram ocupadas antes pelos Kuruaya (vi delas somente clareiras antigas), que se retiraram pouco antes da chegada dos primeiros seringueiros. (O Baixo Jamanxim foi colonizado há mais ou menos 20 anos, o Alto Jamanxim, até as grandes cachoeiras, há somente 6 anos). Não posso afirmar, se isso é mais do que uma combinação arbitrária, resultado, de um lado, da existência de antigas plantações no Jamanxim e, por outro lado, do fato de que, até hoje, os Kuruaya (aliás também os Xipaya) perambulam por esse rio. Em todo caso, acho que os Kuruaya não imigraram a partir do Jamanxim para o Curuá,24 tal como me foi contado, porque, além de Coudreau, o Príncipe Adalbert da Prússia menciona uma tribo Curiérai da região do Xingu. No máximo, po- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 358 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage dem Xingúgebiet erwähnt. Höchstens könnte es sich wohl um einen am Jamanxim ansässigen Zweig dieses Stammes handeln, der sich bei Annäherung der Kautschuksammler zu seinen Genossen zurückgezogen hätte. An dem von mir befahrenen, bisher unerforschten Teil des Flusses fand sich keine Spur von alten Niederlassungen, geschweige denn von bewohnten Malokas, und meine Curuahé (darunter ein alter Mann) kannten den Fluss selbst offenbar gar nicht. Sie schienen früher höchstens bis zu seinem Ufer gekommen zu sein. Dagegen zeichnete mir Manoelsinho, der am Jamanchim fälschlich für einen Curuahé gilt, eine Skizze des Curuá sowie des Jamanchim (mit seinen Nebenflüssen Arurý und Tocantins) und des Tapajoz in den Sand, die im wesentlichen den wirklichen Verhältnissen entsprach. Er soll vor zwei Jahren selbst am Jamanchim gewesen sein und dort einen Brasilianer ermordet haben. Vielleicht weigerte er sich deswegen so hartnäckig, mich selbst zu begleiten. deria muito bem ter sido um ramo dessa tribo residente no Jamanxim, que se retirou para perto de seus companheiros, quando os coletores de borracha se aproximaram. No trecho do rio ainda desconhecido, por onde viajava, não havia nenhum vestígio de assentamentos antigos, muito menos de malocas habitadas, e meus Kuruaya (entre eles, um idoso), pelo visto, não conheciam absolutamente nada sobre o rio. Parece que, antigamente, chegavam, quando muito, até sua margem. Por outro lado, Manoelsinho, o qual, no Jamanxim, identificam por engano como um Kuruaya, desenhou, na areia, um esboço do Curuá para mim, assim como do Jamanxim (com seus afluentes Arury e Tocantins) e do Tapajós, o que correspondeu, a grosso modo, às relações verdadeiras. Dizem que ele próprio esteve no Jamanxim há dois anos e que assassinou, por lá, um brasileiro. Talvez fosse por isso que recusou persistentemente a me acompanhar. Ich kann weder über die Kopfzahl, noch über die Zahl der Malokas beider Stiämme näheres angeben; doch scheinen mir die Chipaya zweifellos der bedeutend stärkere, wie Não tenho maiores informações sobre o número de cabeças nem de malocas de ambas as tribos; mas, me parece que os Xipaya são, sem dúvida, a tribo consideravelmente Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 359 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad auch bedeutend angesehenere Stamm zu sein. Die Bewohner der CuruahéMaloka, aus der meine Begleiter stammten, schienen Manoelsinho direkt als ihren Führer zu betrachten. Es hiess, sie wollten ihn an Stelle ihres verstorbenen Oberhauptes zum „Tuschaua” machen. mais forte, e com mais prestígio. Parece que os habitantes da maloca dos Kuruaya, de onde vieram meus acompanhantes, consideravam Manoelsinho diretamente como seu líder. Falavam que queriam nomeá-lo de “Tuchaua” no lugar do seu cacique falecido. Kulturverhältnisse. Relações culturais. Manoelsinhos Maloka, die einzige, die ich, wie gesagt, gesehen habe, machte einen etwas provisorischen Eindruck. Sie war rechteckig, hatte keine geschlossenen Wände, sondern bestand einfach aus einem riesigen, auf Pfosten ruhenden Dach. Auf einer Art Hängeboden, der sich über ein knappes Viertel der Grundfläche ausdehnte, befanden sich Körbe mit Farinha und anderen Nahrungsmitteln, und wurden Waffen u. dgl, aufbewahrt. Ein kleineres Gestell beherbergte Manoelsinhos Kulturschätze, vor allem einige Koffer mit europäischen Kleidungsstücken. Unmittelbar neben dem Haupthause, so dass Giebel an Giebel stiess, befand sich ein zweites, gleich primitives Haus, dem sogar der Hängeboden fehlte. Eine Scheidewand im Innern war nicht vorhanden; es sah so aus, als ob das ursprüngliche Haus nur durch einen Anbau hätte vergrössert A maloca de Manoelsinho, a única que vi, como já falei, dava a impressão de ser um pouco provisória. Era retangular, sem paredes fechadas, mas com um telhado enorme, apoiado em cima de postes. Em um tipo de sótão, que se estendia por quase um quarto da base, havia cestas com farinha e outros alimentos, e onde guardavam também armas e coisas parecidas. Uma pequena estante abrigava os tesouros culturais de Manoelsinho, sobretudo algumas malas com roupas europeias. Logo ao lado da casa principal, tinha uma segunda casa, igualmente primitiva, onde as cumeeiras se tocavam, faltando inclusive o sótão. Dentro não havia uma divisória; dava a impressão que tinham planejado só um anexo para ampliar a casa original. Uma barraca menor, também aberta, ficava um pouco mais para trás. O conjunto, logo acima da margem Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 360 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage werden sollen. Ein kleinerer, gleichfalls offener Schuppen stand etwas zurück. Das Ganze befand sich unmittelbar über dem hohen Ufer auf einem ziemlich schmalen Damm, der in einer Ausdehnung von 100 m Länge von Vegetation gesäubert war. alta, estava situado em um dique bem estreito, que havia sido limpo de vegetação em uma extensão de 100 m de comprimento. Der dem Ufer abgewendete Abhang sowie eine kleine anschliessende Lichtung waren erst ganz kürzlich entwaldet worden. Noch schwelte das Feuer in den wild übereinander liegenden Stämmen. Dagegen befand sich am anderen Ufer des Flusses eine ältere Pflanzung, die bereits Bananen, Mandioca usw. lieferte Auch während unserer Reise den Curuá aufwärts hatten Manoelsinho und seine Leute, die dem Coronel bis Bocca do Curuá entgegengekommen waren und uns begleiteten, verschiedene Male alte, im Walde versteckt liegende Pflanzungen aufgesucht und von dort Bananen, Mandioca, Iniam geholt. Ich denke mir, es handelte sich auch hierbei um Wohnsitze, die bei der Annäherung der Seringueiros verlassen worden waren. Doch habe ich keine dieser Pflanzungen selbst besucht, da die Indianer aus leicht begreiflichen Gründen die betreffenden Stellen geheim zu halten suchten. Die Chipaya sollen A encosta oposta à margem, assim como uma pequena clareira anexa, foram desmatadas há muito pouco tempo atrás. O fogo ardia ainda, sem chamas, nos troncos espalhados, um em cima do outro, desordenadamente. Por outro lado, na outra margem do rio, havia uma plantação antiga, que fornecia bananas, mandioca, etc. Também durante nossa viagem, subindo o rio Curuá, Manoelsinho e seu pessoal, o que conheceu o Coronel na Bocca do Curuá e que nos acompanhava, procuraram várias vezes plantações antigas, escondidas na floresta, para pegar bananas, mandioca, inhame. Penso que se tratava também de habitações, que foram abandonadas quando os seringueiros se aproximaram. Porém, não fui ver pessoalmente nenhuma das plantações, porque os índios, por motivos bem óbvios, tentavam ocultar os referidos lugares. Dizem que os Xipaya se deslocam bastante e trocam muitas vezes o lugar de residência; tal- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 361 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad viel wandern und oft die Wohnsitze vez assim se explique o caráter priwechseln; vielleicht erklärt sich mitivo da maloca do Manoelsinho. daraus der primitive Charakter von Manoelsinhos Maloka. Das Hausgerät bestand aus wenigen niedrigen und kleinen Schemeln, einer Anzahl Kalabassen ohne Malerei und Verzierung, geflochtenen Körben und ein paar Kesseln (panellas) europäischen Ursprungs. Gekocht wurde sehr primitiv zwischen ein paar Steinen auf dem Boden inmitten der Maloka. Die Hauptgerichte waren „mingau” (Suppe) aus a Os utensílios domésticos consistiam em alguns poucos banquinhos pequenos e baixos, uma série de cabaças sem pintura e adorno, cestas entrançadas e algumas panelas (panellas) de origem europeia. Cozinhavam de maneira bem primitiva, entre algumas pedras no chão, no meio da maloca. Os pratos principais eram “mingau” (sopa) de b Abb. 1. Chipaya und Curuahé. Ilustr. 1. Xipaya e Kuruaya. a Curuahé João (mit Bogen und Vogelpfeilen). a Kuruaya João (com arco e flechas para b Curuahé Topa (mit Fischpfeil). caçar pássaros). b Kuruaya Topa (com flecha para pescar). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 362 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage verkochten Bananen oder „farinha” (Mandiocamehl) und gekochter oder am offenen Feuer gebratener Fisch. Zur Mahlzeit hockte man sich gewöhnlich direkt um die Feuerstelle. Bestimmte Tageszeiten wurden dabei nicht eingehalten; man kochte, briet und ass je nach der Rückkehr der Jäger. Nur der Morgenmingau wurde von Manoelsinhos Frau mit einer gewissen Zeremonie vor der Hütte verteilt, und zwar der Reihe nach, anscheinend nach der Vornehmheit der gerade Anwesenden, erst Männer, dann Frauen. Übrigens hielten auch meine CuruahéBegleiter auf der Reise beim Essen eine ganz bestimmte Reihenfolge ein; erst erhielten, dem Alter nach, die Männer ihren Anteil, danach die Frauen. Ich selbst hatte anfangs eine Art Ausnahmestellung, so lange wir nämlich von meiner Farinha lebten. bananas cozidas ou “farinha” (farinha de mandioca) e peixe cozido ou frito, no fogo à lenha. Para a refeição, sentava-se geralmente ao redor da fogueira. Não seguiam nenhum horário fixo; de acordo com a hora da volta dos caçadores, eles cozinhavam, fritavam e comiam. Somente o mingau da manhã era distribuído, pela esposa de Manoelsinho, com certa cerimônia, em frente da maloca, um após o outro, pelo visto, conforme a importância dos que estavam presentes nesse momento, primeiro os homens, depois as mulheres. A propósito, meus acompanhantes Kuruaya também seguiam, ao longo da viagem, uma certa ordem nas refeições; primeiro eram os homens, conforme a idade, que recebiam sua parte, depois as mulheres. Eu mesma tinha uma posição privilegiada, enquanto vivíamos da minha farinha. Die Hängematten waren selbstgewebt oder -geflochten, ob aus Baumwolle oder Fasern wage ich jetzt nicht mehr mit Sicherheit zu sagen. Ich sah zwei verschiedene Arten, beide sehr schwer und von schmutzig brauner Farbe, nicht gemustert. Die eine, kleinere, war lose geknüpft, die andere, grössere, ziemlich fest gewebt. As redes eram tecidas ou trançadas por eles mesmos, se eram de algodão ou de fibras, não ouso dizer agora com certeza. Vi dois tipos diferentes, ambos muito pesados e de cor marrom-sujo, sem desenho. A rede menor era tecida com tramas mais soltas, a outra, maior, era tecida com firmeza. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 363 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Der sehr schlecht gehaltene staubige und schmutzige Fussboden der Maloka wurde, je nach Bedarf‚ mit hübsch geflochtenen Matten aus Assahy (Euterpe)-Blättern bedeckt. Einmal sah ich einige Frauen Baumwolle spinnen vermittels einer kleinen, einfach auf dem Boden herumschnurrenden Spindel. a Cobriam o chão da maloca, muito mal cuidado, poeirento e sujo, conforme a necessidade, com esteiras de folhas de açaí (Euterpe) bonitas e bem trançadas. Vi, em uma ocasião, algumas mulheres fiando algodão, com a ajuda de um fuso pequeno, que chiava pelo chão. b c Abb. 2. Curuahé, die Führer von E. Snethlage. a Topa. b João. c Maitumá. Ilustr. 2. Kuruaya, os guias de E. Snethlage. a Topa. b João. c Maitumá. Die Kleidung beider Geschlechter, sowohl der Chipaya als der Curuahé, erinnerte mich sehr an die Beschreibungen und Abbildungen, die sich von den Xingú-Yurúna bei As roupas de ambos os sexos, tanto dos Xipaya como dos Kuruaya, me lembram muito das descrições e ilustrações, que temos do Príncipe Adalbert e de Karl von den Stei- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 364 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Prinz Adalbert und Karl von den Steinen finden. Die Frauen trugen zum grössten Teil selbstgewebte, zum Teil jedoch schon aus Kattun hergestellte Schurze, die nicht in der Taille, sondern etwas über der Oberschenkelbeuge anschlossen und bis an die Knie reichten. Diese wurden nur oben, auf der Seite geschlossen (eingeschlagen und gerollt), so dass beim Gehen und Sitzen das eine Bein sichtbar wurde.25) Der Oberkörper war nackt, aber oft mit ungeheuren Mengen von Schmuck behangen, und zwar sowohl mit Schnüren von Glasperlen als mit Ketten von kleinen Früchten, Zähnen, auch wohl Kombinationen von beiden. An den Hand- und Fussgelenken trugen einige junge Frauen eng anliegende, etwa handbreite „Pulswärmer” von Glasperlen, die auf blauem Grunde weiss gemustert waren. nen sobre os Juruna do Xingu. As mulheres vestiam aventais, em sua maioria tecidos por elas mesmas, mas alguns já feitos de chita, não fechados na cintura, mas sim na dobra da coxa, estendidos até o joelho. Na parte de cima fechavam somente de um lado (dobrados e enrolados), assim, ao andar e ao sentar, ficava visível uma das pernas.25 A parte superior do corpo era nua, mas penduravam uma quantidade enorme de adornos, seja de cordões de missangas, seja de colares de frutos pequenos, de dentes, ou mesmo da combinação de ambos. Nos pulsos e tornozelos, algumas mulheres jovens tinham “protetores de pulso” bem apertados, com a largura de um palmo de mão, feitos de missangas, com desenhos brancos em fundo azul. Die Männer trugen fast sämtlich breite, eng anliegende blaue Perlgurte um die Hüften und häufig armdicke, aus zusammengedrehten blauen Perlschnüren hergestellte Halsbänder, oft auch Ketten aus Jaguar-, Schweinsoder Affenzähnen. Halbwüchsige Jungen hatten manchmal ein schmales, mit Fransen verziertes blau-weisses Quase todos os homens tinham cintos de missangas azuis, apertados na cintura, e muitas vezes colares de cordões de missangas azuis com a largura de um braço, também muitas vezes colares de dentes de onça, de porco ou de macaco. Meninos adolescentes tinham, às vezes, no braço uma fita estreita de missangas azul-e-brancas, com franjas como Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 365 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Perlenband um einen Oberarm gebunden. Seltener hatten ähnliche, aber breitere Armbänder auch Männer und Frauen. Kleinere Kinder trugen entweder gar keinen Schmuck oder nur um den Hals Ketten und oft schwere Lasten von Perlschnüren. a decoração. Poucas vezes homens e mulheres tinham fitas parecidas, porém mais largas. Crianças menores não tinham adorno nenhum ou só tinham colares, e muitas vezes cordões de missangas pesadas. b c Abb. 3. Curuahé, die Führer von E. Snethlage. a Topa. b João. c Maitumá. Ilustr. 3. Kuruaya, os guias de E. Snethlage. a Topa. b João. c Maitumá. Reichtum und Ansehen eines Indianers scheinen direkt in der Menge von Perlen, mit denen er selbst und seine Familie behangen ist, zum Ausdruck zu kommen. Als Farbe wurde hell- oder dunkelblau, Pelo visto, a riqueza e o prestígio de um índio se expressam diretamente pela quantidade de missangas penduradas nele e em sua família. A cor preferida era azul-claro ou azul-escuro, enquanto branca era Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 366 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage bei Halsketten oder den gemusterten Armbändern der Frauen und Knaben auch weiss bevorzugt. Die Perlen, welche ich zur Bezahlung bei mir hatte, waren weder der Farbe noch der Form nach richtig, wurden jedoch, wenn auch ohne grosse Begeisterung, von meinen Führern als Abschlagszahlung angenommen und vom alten Maitumá und seiner Frau sogar einige Tage getragen. a cor preferida nos colares e nas fitas de braço das mulheres e dos meninos. As missangas que levava comigo como forma de pagamento, não eram as corretas na cor nem na forma, porém, meus guias as aceitaram sem muito entusiasmo como entrada, e o velho Maitumá e sua esposa até andaram com elas durante alguns dias. Um Oberarme und Fussknöchel fast stets, um Handgelenk und unterhalb des Knies meistens, trugen sowohl Männer als Frauen etwa zweifingerbis handbreite Baumwollbänder, die hin und wieder mit einer in einem Beutelchen auf bewahrten Farbmasse feuerrot aufgefärbt wurden. Als Herkunftspflanze der Farbe wurde mir „Banana braba” (?) genannt. Dem Tone nach schien es Urucú zu sein. Diese Bänder lagen sehr fest an, besonders am Oberarm, so dass die Muskeln auf beiden Seiten hervorquollen. Tanto os homens como as mulheres tinham fitas de algodão da largura de um palmo, quase sempre nos braços e tornozelos, muitas vezes no pulso e abaixo do joelho, tingidas, de vez em quando, com uma massa de cor vermelho-fogo que guardavam em uma bolsinha. Contaram que a planta que fornece a tinta era “banana braba” (?). De acordo com a tonalidade parecia ser urucum. Essas fitas eram bem apertadas, na parte superior do braço, de modo que os músculos sobressaiam nos dois lados. Das Haar trugen beide Geschlechter lang, bis etwa zum Gürtel herabhängend, meistens in der Mitte gescheitelt. Auf der Mitte des oberen Stirnrandes war bei allen ein etwa markstückgrosser, runder Fleck ausgeschnitten, der mit einer Ambos os sexos tinham cabelos longos, chegando mais ou menos até a cintura, quase sempre repartidos no meio. No meio da testa superior, todos tinham uma marca redonda, cortada co o tamanho de uma moeda, coberta por uma camada fina, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 367 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad dünnen, etwas flockigen, feuerroten algo fofa e de cor vermelho-fogo. Schicht bedeckt war. Es sah aus, als Aparentemente aplicavam a tinta em sei die Farbe auf eine dünne Lage uma camada fina de algodão cru26. von Rohbaumwolle aufgetragen26). Federschmuck sah ich nur bei zwei Männern, und auch von ihnen wurde er nur zeitweilig angelegt. Ein älterer Chipaya trug morgens manchmal einen Kranz aus gelben Ararafedern. Diese fielen nach abwärts, so dass das ganze etwa wie eine kopflose, breite Hutkrempe wirkte (vgl. auch Abb.4). Ein anderer noch sehr junger Indianer, gleichfalls Chipaya, trug eine lange, aufrechtstehende Schwanzfeder des Araras durch das Ohr gesteckt. Só vi cocares em dois homens, e mesmo eles os colocavam somente de vez em quando. Um velho Xipaya usava pelas manhãs, às vezes, um cocar de penas amarelas de arara. Essas ficavam viradas para abaixo, de modo que dava a impressão de ser uma aba larga de chapéu, sem a parte da cabeça (cf. Ilustr. 4). Um outro índio ainda bem jovem, também Xipaya, usava uma longa pena de cauda de arara, que perfurava a orelha. Abb. 4. Chipaya-Ehepaar. (Der Mann war im Gesicht bemalt; seine Körperhöhe betrug 161 ¾ cm.) Ilustr. 4. Casal de Xipaya. (O homem estava com pintura facial; sua altura era de 161 ¾ cm) Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 368 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Tatauierung habe ich nicht gesehen; dagegen waren alle mehr oder weniger bemalt. Durchgehends hatten Männer sowohl wie Frauen düster bläulich (mit Genipapo?) gefärbte Lippen; viele hatten breite Ringe von derselben Farbe um Fussund Handgelenke, einer (der mit der Federkrone) war im Gesicht, besonders auf der Stirn und unter den Augen mit zierlichen Ringelund Bogenmustern bemalt, die jedoch nicht sehr stark hervortraten. Não vi nenhuma tatuagem; por outro lado, todos estavam pintados, alguns mais, outros menos. Sem exceção, tanto os homens como as mulheres, pintavam os lábios de azul escuro (com jenipapo?); muitos tinham anéis largos, da mesma cor, nos tornozelos e nos pulsos, um deles (aquele com o cocar) estava pintado no rosto, sobretudo na testa e debaixo dos olhos, com finos desenhos circulares e arqueados, sem que eles se destacassem muito. An selbstgefertigten Waffen sah ich nur Bogen und Pfeile, ersterer etwa mannslang, aus dunklem Holz gefertigt. Von den Pfeilen gab es drei verschiedene Arten, über deren nähere Beschaffenheit ich leider nur wenig angeben kann. Am besten lernte ich den Fischpfeil kennen, der aus einem langen, ungefiederten Rohr bestand, an welches vermittelst einer vielfach umwickelten Schnur ein etwa fusslanges Stück aus festem dunklem Holz mit einfacher, kurzer Spitze angefügt wurde. War ein Fisch getroffen, so löste sich das Spitzenstück vom Rohr, blieb aber vermittelst der Schnur mit der Spitze vereinigt, so dass man den getroffenen Fisch mit Leichtigkeit aus dem Wasser ziehen konnte. Bei der Jagd auf die mächtigen Trahiras De armas feitas por eles, só vi arco e flechas, os primeiros feitos de madeira escura, mais ou menos da altura de um homem. Das flechas havia três tipos diferentes, mas, infelizmente, pouco posso informar sobre suas caraterísticas. Conheci melhor a flecha de pesca, que consistia em um cano comprido sem penas, ao qual, através de um barbante que o embrulhava várias vezes, estava ligado um pedaço de madeira escura e forte, com ponta simples e curta, do tamanho de um pé. Quando atingia um peixe, a ponta se desprendia da haste, mas ficava ligada através do barbante, de modo que era fácil de retirar o peixe da água. Durante a pesca das fortes traíras (Macrodon), que não eram incomuns no Jamanxim, às vezes a ponta quebrava. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 369 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad (Macrodon), die im Jamanchim nicht selten waren, zerbrach die Spitze manchmal. Doch fand sich das nötige Ersatzholz ziemlich häufig am Ufer. Dagegen soll das Rohr, aus dem die Schäfte gemacht werden, nicht überall wachsen, sondern nur an bestimmten Stellen vorkommen. So schickte Manoelsinho von der letzten Venda am Curuá aus seine Leute zur Rohrernte an einen Igarapé. Am oberen Jamanchim trafen wir es nicht, obgleich die Indianer öfter danach suchten, da die Pfeile sehr knapp geworden waren. Wir besassen schliesslich nur noch einen Fischpfeil. Ein einfacher, langer, gewöhnlich mit Federn des Mutum (Crax fasciolata) gefiederter Pfeil dient zur Vogel- und Affenjagd. Von dieser Sorte hatten die Indianer stets mehrere bei sich, da im Walde jeder Fehlschuss einen Pfeil kostet. Eine dritte Art, besonders gross und kräftig, mit Schwanzfedern der Harpyie (H. destructor) gefiedert und mit starkem Widerhaken an der weissen Spitze (ich kann nicht sagen, ob diese aus Holz oder aus Knochen bestand), zeigte mir Manoelsinho einmal ziemlich geheimnisvoll. Er bemerkte dabei: „esta serve para matar gente” („dieser dient dazu, Leute totzuschiessen”); wahrscheinlich aber wird dieser Pfeil Porém, a madeira para substituí-la era encontrada com facilidade na beira do rio. Por outro lado, dizem que a vara, matéria prima das hastes, não cresce em toda parte, só em certos locais. Aconteceu que na última venda do Curuá, Manoelsinho enviou seu pessoal para colher essa vara em um igarapé. Pois, no Alto Jamanxim não a encontraríamos, embora os índios, às vezes, a buscassem porque houve muita falta de flechas. Ao final, restava somente uma flecha de pesca. Uma flecha mais simples e longa, geralmente com penas do mutum (Crax fasciolata), serve para caçar pássaros e macacos. Desse tipo, os índios sempre levavam várias, porque na floresta cada tiro fracassado custa uma flecha. Uma vez, Manoelsinho mostrou-me uma de um jeito bastante misterioso, um terceiro tipo, bem grande e forte, com penas de cauda da harpia (H. destructor) e com um gancho resistente na ponta branca (não posso afirmar, se a ponta era feita de madeira ou de osso). Nessa ocasião comentou: “esta serve para matar gente”; provavelmente esse tipo de flecha serve também para caçar animais selvagens maiores. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 370 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage auch zur Jagd auf grösseres Wild benutzt. Von Tauschartikeln waren ausser Perlen und Spiegeln sehr begehrt terçados (Waldmesser), machados (Äxte), grössere Angelhaken und starke Angelschnur; doch habe ich nie einen Indianer angeln sehen. Vielleicht werden sie im Winter, bei hohem Wasserstande gebraucht. Auch panellas (eiserne Kessel und Kasserolen) waren bei den Frauen beliebt, während die Männer sich zum Teil nach europäischer Kleidung und vor allem nach Hüten sehnten. In dieser Beziehung schienen die Frauen konservativer zu sein. So trug Manoelsinho bereits kurzgeschnittene Haare und die gewöhnliche Seringueirotracht nebst schwarzem Filzhut; seine Frau dagegen, eine Yurúnaindianerin vom Xingú, und seine Kinder unterschieden sich in keiner Weise von den aus dem Innern gekommenen Chipayafrauen und Kindern. De artigos de troca, além de missangas e espelhos, eram muito procurados terçados, machados, anzóis grandes e linha de pesca resistente; porém, nunca vi um índio pescando dessa maneira. Pode ser que no inverno precisem deles, quando o nível da água esteja alto. Também eram procuradas panelas de ferro e caçarolas pelas mulheres, enquanto os homens, uma parte deles, eram ansiosos para ter roupas europeias, e sobretudo chapéus. Nesse sentido, as mulheres pareciam ser mais conservadoras. Manoelsinho usava já o cabelo bem curto e a roupa tradicional dos seringueiros, além do chapéu de feltro preto, enquanto sua mulher, uma índia Juruna do Xingu, e seus filhos não se distinguiam em nada das mulheres e das crianças Xipaya vindas do interior. Chipaya sowohl als Curuahé gelten für vorzügliche Bootbauer, und die von ihnen gefertigten Ubas, die sie manchmal für nur ein Waldmesser verhandeln sollen, werden von den Seringueiros am Curuá und Iriri viel gebraucht Tanto os Xipaya como os Kuruaya tinham fama de ser excelentes construtores de barcos, e as ubás feitas por eles, as quais deviam negociar, às vezes, apenas por um terçado, são muito utilizadas pelos seringueiros das margens do Curuá Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 371 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad und spielen eine grosse Rolle im Flussverkehr, unterscheiden sich auch sehr vorteilhaft von den schlecht balancierten Fahrzeugen der gleichen Art, die letztere selbst hin und wieder bauen. e do Iriri. Elas exercem um importante papel no transporte fluvial e se distinguem, de maneira vantajosa, das embarcações mal equilibradas do mesmo tipo, que os seringueiros constroem, de vez em quando. Als wir nach neuntägiger Wanderung über Land am Jamanchim eintrafen, verfertigten meine vier männlichen Begleiter (sämtlich Curuahé) in verhältnismässig ganz kurzer Zeit, etwa 1½ Tagen, zwei Rindenboote, mit denen wir den Fluss hinabfuhren. Allerdings waren dieselben recht plump und bewegten sich sehr langsam. Da ich bei unserer Ankunft wieder an Malaria litt, hatte ich den Bootsbau, der ziemlich weit von unserem Lagerplatz vor sich ging, nicht verfolgen können. Doch erwies sich eins von unseren Kanus schon nach ein paar Tagen als unbrauchbar, und der alte Maitumá verfertigte im Laufe eines Nachmittags und in den ersten Morgenstunden des folgenden Tages ein neues, wobei ich ihm aus nächster Nähe zusehen konnte. Die Rinde einer mächtigen Leguminose wurde in der passenden Länge eingeritzt, wozu Maitumá ein 5-6 m hohes, recht primitives, nur aus etwa armdicken, mit Lianen zusammengebundenen Stämmen bestehendes Gerüst um den Stamm Quando chegamos ao Jamanxim, após nove dias de viagem por terra, meus quatro acompanhantes masculinos (todos Kuruaya) construíram, em relativamente pouco tempo, cerca de um dia e meio, duas canoas de casca, com as quais descemos rio abaixo. No entanto, estas eram bastante pesadas e lentas, sem agilidade. Como adoeci novamente de malária, na chegada, não pude acompanhar a construção dos barcos, que aconteceu bastante longe de nosso acampamento. Resultou que, após alguns dias, uma de nossas canoas já não servia mais, e o velho Maitumá construiu uma nova, no decorrer de uma tarde e das primeiras horas da manhã do dia seguinte, e agora sim, pude acompanhá-lo bem de perto. Para cortar a casca de uma leguminosa imponente, na medida vertical certa, Maitumá construiu um andaime bem simples de 5-6 m de altura, feito de troncos finos da largura de um braço, amarrados com cipós, que rodeavam o tronco. (Andaimes des- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 372 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage baute. (Ebensolche Gerüste errichteten die Indianer hin und wieder, wenn sie Bäume fällen wollten, um sich in den Besitz der honigreichen, von ihnen áto genannten Bienennester hoch in den Wipfeln mancher Mongubas zu setzen). se tipo eram montados pelos índios, às vezes, quando queriam derrubar árvores para alcançar as colmeias fartas de mel, chamadas áto, no alto das copas de algumas mongubas). Auf diesem Gerüst stehend, trieb er vorsichtig mit der umgekehrten Axt einen Stab zwischen Rinde und Stamm, lockerte erstere, setzte den Stab ein Stückchen entfernt wieder ein und so fort, von oben nach unten weitergehend, aber so, dass sich stets nur ein kleines Stück auf einmal löste. Später wurde das oben bereits abgelöste Stück durch eine locker um den Stamm gelegte Liane am Herabklappen verhindert. Das endgültige Abnehmen der Rinde vom Stamm geschah ganz besonders behutsam, unter Beihülfe aller Anwesenden, um jegliches Brechen und Knicken zu vermeiden. Danach wurde das Rindenstück, von etwa 5 m Länge und 2 m Breite, flach auf den Boden gelegt und auf zwei Querlinien, etwa 1 m von jeder der Schmalseiten entfernt, vermittelst glühender Asche und brennender Holzscheite angekohlt. An den so entstandenen schwächeren Stellen wurde der Rindenrand scharf in die Höhe geknickt, die Längsseiten Enquanto estava nesse andaime, enfiava com cuidado um pau entre a casca e o tronco, usando o machado como martelo, afrouxava a casca, enfiava o pau novamente um pouquinho mais distante e assim por diante, continuava de cima para baixo, mas de tal maneira, que só um pedacinho se soltava por vez. Depois, colocava um cipó levemente ao redor do tronco, o que impedia, que a peça já solta em cima, dobrasse. A retirada definitiva da casca do tronco, aconteceu com toda a delicadeza, com o auxílio de todos os presentes, para evitar quaisquer quebra e dobra. Depois esticaram o pedaço de casca no chão, com cerca de 5 m de cumprimento e 2 m de largura. Em duas linhas transversais, a mais ou menos 1 m de cada um dos lados estreitos, queimaram a casca com ajuda de cinzas e lenha ardente. Nas partes mais delicadas, dobraram para cima a borda da casca e levantaram os lados longitudinais na distância oportuna, e depois amarra- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 373 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad wurden in passender Entfernung aufgebogen, und alsdann die Enden des entstandenen, länglich rechteckigen Troges mit einer Liane zusammengebunden. Vermittelst an den Seitenrändern befestigter Stangen und dicht über dem Boden eingeklemmter Querhölzer wurde dem Ganzen etwas mehr Halt gegeben. Grosse Paddelruder mit kurzem Stiel, kurzer Krücke als Handgriff und länglichem Blatt, die Maitumá unterwegs schnitzte, dienten zum Steuern. Vorwärts bewegt wurden unsere Boote durch Stossen mit der „vára”, der langen Stange, die auch auf den Igarités gebräuchlich ist. Kamen wir in tieferes Wasser, wo die vára nicht mehr Grund fasste, was zum Glück nur selten der Fall war, so verlangsamte sich der ohnehin nicht rapide Gang unserer plumpen Boote noch ganz bedeutend, da die Indianer kaum ruderten, und wir dann eigentlich nur auf die träge Strömung des Flusses angewiesen waren. An den verkohlten Stellen brach die Rinde sehr bald. Die Indianer verstopften zwar die Löcher mit einem feinen, weissen, hin und wieder am Ufer anstehenden Ton, den sie schichtweise auf dem Boden der Boote, besonders an den beiden Enden, ausbreiteten; aber trotzdem ram com cipó as extremidades dessa tina retangular alongada. Através de varas presas nas laterais e de paus entalados no chão, toda a construção ganhou mais estabilidade. Grandes remos com cabo curto serviram para navegar, sendo o punho curto e a pá alongada, entalhados no caminho por Maitumá. Nossos barcos foram movimentados empurrando com a “vara” comprida, que usam também nas igarités. Quando passávamos por águas profundas, onde a vara não alcançava o fundo, o que aconteceu, por sorte, poucas vezes, o movimento de nossos barcos pesados diminuía consideravelmente, ainda mais porque os índios remavam muito pouco, assim dependíamos unicamente da correnteza lenta do rio. Nas partes carbonizadas, a casca quebrou rapidamente. Mesmo que os índios tapassem os buracos com uma argila branca fina, que encontravam, de vez em quando, na margem do rio, espalhando-a em camadas no fundo dos barcos, sobretudo nos dois extremos; apesar de tudo, pelo menos uma pessoa ficou encarregada quase permanentemente de retirar água das saliências da casca, e cada vez mais, porque em outros trechos se abriram fendas e rachaduras. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 374 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage war mindestens eine Person fast beständig damit beschäftigt, das in den Beulen der Rinde angesammelte Wasser auszuschöpfen, um so mehr, als diese bald auch an anderen Stellen Spalten und Risse bekam. Ausserordentlich gewandt benahmen sich meine Curuahé in den vielen kleinen, aber manchmal recht stürmischen Cachoeiras (Stromschnellen), die wir zu passieren hatten. Im Wasser watend, das sie oft bis über den Gürtel umschäumte, leiteten sie die Boote, liessen sie an geeigneten Stellen schiessen und fingen sie wieder auf, ohne dass, ausser dem unvermeidlichen Durchnässen von Gepäck und Insassen, der geringste Unfall vorgekommen wäre. Meus Kuruaya atuavam com grande agilidade quando tínhamos que atravessar muitas pequenas cachoeiras, às vezes bastante turbulentas. Andando dentro da água, que muitas vezes espumava até a cintura, eles conduziam os barcos, os soltavam em pontos oportunos e os pegavam de novo, sem que tenha acontecido o menor acidente, exceto o de ter molhado inevitavelmente a bagagem e os passageiros. Am neunten Tage unserer fast vier Wochen dauernden Reise durch die Wildnis, gerade als wir am Jamanchim ankamen, ging uns die Farinha aus, und wir waren bezüglich der Nahrung ganz auf die eigene Findigkeit angewiesen. Die mitgenommenen Affenpfeile waren bereits im Walde sämtlich verschossen worden, ohne weitere Beute zu liefern als einen Mutum (Crax fasciolata) und ein Jacamim (Psophia obscura). Das No nono dia de nossa viagem, de quase quatro semanas pela selva, justo no momento de nossa chegada no Jamanxim, acabou a farinha, e ficamos inteiramente dependentes da nossa própria engenhosidade para conseguir comida. Na floresta já tinham sido usadas todas as flechas de macacos, sem terem conseguido outras presas além de um mutum (Crax fasciolata) e um jacamim (Psophia obscura). O rifle (espingarda Winchester) que Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 375 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad mitgenommene rifle (WinchesterBüchse), war vollkommen nutzlos, da die Indianer offenbar noch nie mit einer solchen Waffe geschossen hatten, sie aber trotzdem nie aus den Händen gaben. levavam com eles não servia para nada, porque, pelo visto, os índios nunca tinham atirado com tal arma, entretanto, não a largavam da mão, nunca para nada. Dafür erwies sich an fischreichen Stellen, die wir nicht gerade häufig trafen, João, einer von meinen Begleitern, als ein recht leidlicher Bogenschütze. Die gefangenen Fische wurden sofort gekocht und gebraten, oder, wenn wir mehr hatten, als auf einmal verzehrt werden konnten, auf einer Art Rost über langsamem Feuer geräuchert (muqueado). So hielten sie sich bis zum nächsten Tage. Einen Hauptbestandteil unserer Nahrung in dieser Zeit bildeten die in Trauben an der Wurzel einer Marantacee sitzenden Knöllchen, von den Indianern hoz̯in—á27) genannt. Sie fanden sich ziemlich häufig an gewissen felsigen Stellen des Ufers und wurden roh, geröstet oder auf einem rauhen Stein zerrieben und mit Wasser zu Mingau verkocht genossen. Der Geschmack war kartoffelartig. Wirklich ausgezeichnet erschien mir eine andere Wurzel, hámai-pin, die man an ähnlichen Stellen, aber leider seltener fand, und über deren botanische Zugehörigkeit ich nicht ins Em compensação, João, um de meus acompanhantes, revelou-se um arqueiro com habilidade razoável em locais com abundância de peixes, porém muito raros em nossa viagem. Cozinhavam ou fritavam imediatamente os peixes capturados, ou, quando tínhamos mais do que se podia consumir na hora, os defumavam em um tipo de grelha com fogo baixo (moqueado). Dessa maneira, se conservavam até o dia seguinte. Um elemento principal de nossa alimentação, nessa época, eram os cachos de pequenos bulbos ligados à raiz de uma marantaceae, chamados pelos índios de hoz̯in-á27. Encontravam-se com bastante frequência em certos locais rochosos às margens do rio e eram comidos de forma crua, tostada ou triturada em uma pedra áspera, para depois serem fervidos com água para fazer mingau. O sabor lembrava a batata. Hámai-pin era outra raiz que eu achava excelente e que se encontrava em locais semelhantes, mas infelizmente raras vezes, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 376 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage klare gekommen bin, da wir immer nur die Wurzel, nicht zweifellos dazu gehörige Schossen fanden. Im Aussehen erinnerte sie an Mandioca, war von einer schwarzen, rauhen Schale umschlossen und enthielt ein schneeweisses, sehr saftiges, geröstet sehr mehliges Fleisch. Mingau von Hámai-pin mit áto oder apá, den beiden Arten von wildem Honig, die wir uns unterwegs öfters verschaffen konnten, gesüsst, war wirklich eine Delikatesse und ist mir noch jetzt in angenehmster Erinnerung. - An einem Honigbaum vorüberzugehen oder zu fahren, war meinen Curuahé anscheinend unmöglich. Ich traute erst meinen Augen nicht, als ich sah, dass sie mit der einzigen Axt‚ die wir mitführten, Bäume von über 1 m Durchmesser in Angriff nahmen und nach stundenlanger Arbeit auch wirklich fällten. e cuja classificação botânica não consegui esclarecer porque encontrávamos sempre as raízes, mas não os correspondentes brotos, para ter certeza. Na aparência, lembrava a mandioca, com casca preta e áspera que cobria um miolo de cor branco-neve, muito suculento e bem farinhoso quando tostado. Mingau de hámai-pin adoçado com áto ou apá, os dois tipos de mel silvestre que encontrávamos, às vezes, no caminho, era uma verdadeira delícia, e ainda hoje me lembro dele com todo prazer. – Passar por uma árvore com mel e não parar parecia impossível para meus Kuruaya. A princípio não pude acreditar nos meus olhos quando os vi derrubando árvores com mais de 1 m de diâmetro com o único machado que tínhamos e que, após horas de trabalho, eles realmente as derrubavam. Die Honigmenge war ja bisweilen ganz bedeutend, und wir konnten, nachdem wir uns an dem süssen Zeug tüchtig gesättigt hatten, manchmal noch einen Vorrat davon mitnehmen; dies stand aber doch in meinen Augen in keinem Verhältnis zu der aufgewandten Mühe und Arbeit. Der übrigbleibende Honig wurde in leeren Castanhaschalen (Bertholletia excelsa) aufbewahrt, Às vezes, a quantidade de mel era considerável e conseguíamos levar uma reserva após nos saciarmos bastante dessa coisa doce; no meu ponto de vista, porém, o esforço e o trabalho para conseguir o mel não se justificavam. O mel que sobrava, guardavam em ouriços de castanha (Bertholletia excelsa) vazios, cujas aberturas vedavam com uma rolha de cera. Os índios chamavam tais Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 377 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad deren Öffnung mit einem recipientes de é-ití (em todo caso, Wachspfropfen geschlossen wurde. tem uma relação com ïtí, água). Solche Gefässe nannten die Indianer é-iti (jedenfalls mit ïti, Wasser, in Zusammenhang stehend). Während der Überlandtour trafen wir in den fast trockenen Betten der Igarapés (es war Hochsommer) öfters auf tiefe Wasserlöcher, von der Art, die die Brasilianer „poços” nennen, in denen es von kleinen Fischen (Characiniden, seltener Chromiden und Siluriden) wimmelte. An solchen Stellen fischten die Indianer mit timbó. Es wurde dazu eine Liane mit rotem Holz benutzt, die in Stücke gehauen und zu Bündeln vereinigt wurde. Die Indianer zeigten mir, als ich nach der Herkunft des Holzes fragte, die Liane; es ist aber möglich, dass sie nur die Wurzel benutzten. Durante a viagem por terra encontramos, às vezes, nos leitos dos igarapés, quase ressecados (em pleno verão), buracos de água profundos, desse tipo que os brasileiros chamam de “poços”, nos quais os peixinhos (Characinideos, poucas vezes Chromideos e Silurídeos) se debatiam. Em tais lugares, os índios pescavam com timbó. Usavam para isso um cipó de madeira vermelha, o qual cortavam em pedaços e amarravam como um feixe. Os índios me mostraram o cipó, quando lhes perguntei a origem da madeira; porém, é possível que usassem apenas a raiz. Mit einem solchen Bündel stieg einer von ihnen in den Tümpel, hackte mit dem Waldmesser einige Male kräftig in das Holz und spülte es dann im Wasser ab. Hin und her gehend hackte und spülte er abwechselnd, eine Stunde oder länger, je nach der Grösse des T ümpels, bis die Fische an die Oberfläche kamen und schliesslich betäubt ans Ufer getrieben wurden. Com um desses feixes, um deles entrou no charco, bateu algumas vezes com o terçado na madeira, com toda a força, e a enxaguou na água. Andando para cá e para lá, batia e enxaguava, alternando durante uma hora ou mais, conforme o tamanho do charco, até os peixes subirem à tona e, finalmente, boiarem atordoados até a beira. A seguir, as mulheres os recolhiam, embrulhavam Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 378 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Dann lasen sie die Frauen auf, wickelten sie bündelweise in Palmblätter und legten sie ins Feuer. Sie schmeckten gar nicht übel. Das Wasser nahm nach der Prozedur eine undurchsichtig graublaue Färbung an, hatte aber keinen bemerkbaren Beigeschmack. em folhas de palmeira e colocavam na fogueira. O sabor não era ruim. Após o procedimento, a água apresentou uma coloração cinza-azul opaca, mas sem nenhum ressaibo perceptível. Die von mir gesehenen Chipaya und Curuahé waren eher klein als gross; nur wenige von ihnen, z. B. meine Begleiter Maitumá und Topá, hätte man als mittelgross bezeichnen können. Os Xipaya e Kuruaya que vi eram bem pequenos e não muito altos; só alguns poucos, por exemplo meus acompanhantes Maitumá e Topá, podiam ser considerados de altura média. Ich konnte die Mitglieder beider Stämme nicht ohne weiteres unterscheiden; doch schien mir unter den Curuahé, besonders unter den Männern, ein mehr oder weniger lockenhaariger Typus, mit starker, gebogener Nase häufiger vorzukommen, als unter den Chipaya. Von meinen sieben Begleitern hatten João und die drei Frauen schlichtes Haar und eine mehr japanische Gesichtsbildung. Die drei anderen Männer hatten lockiges Haar und gebogene Nasen. Die Vertreter dieses Typus waren meistens grösser als die anderen. Não conseguia distinguir, com facilidade, os membros das duas tribos; mas parecia que, entre os Kuruaya, era mais frequente um certo tipo de cabelo mais ou menos cacheado, especialmente entre os homens, com nariz mais forte e recurvo, sendo esse tipo menos frequente entre os Xipaya. Dos meus sete acompanhantes, João e as três mulheres tinham cabelos lisos e uma expressão facial mais japonesa. Os demais três homens tinham cabelos cacheados e nariz recurvo. Os representantes desse tipo eram, em geral, mais altos que os outros. Die Einehe schien Regel zu sein. A monogamia parecia ser a norma. Doch hatte der alte Maitumá zwei Porém, o velho Maitumá tinha duas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 379 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Frauen bei sich. Eine davon war Joãos Mutter. In welchem Verhältnis die andere eigentlich zu meiner Gesellschaft stand, habe ich nicht herausbekommen. Ich bin nicht sicher, ob sie wirklich Maitumás zweite Frau war. Sie war viel krank und wurde von den anderen nicht besonders gut behandelt. Es fiel mir überhaupt auf, wie teilnahmlos sich die Indianer oft gegen Kranke, sogar gegen nahe Angehörige verhielten. Wir waren unterwegs alle zeitweise elend, die Indianer an Husten und schwerem Katarrh, der bei ihnen leicht zum Tode führen soll, ich an Malaria. Der alte Maitumá wurde in solchem Fall ausreichend, aber nicht gerade liebevoll gepflegt. João wurde von seiner Frau Parimarú, mit der er offenbar erst kurze Zeit verheiratet war, mit heissem Honigwasser behandelt. Sie sorgte auch stets dafür, dass das Feuer nachts neben der (gemeinschaftlichen) Hängematte nicht ausging. Um die anderen kümmerte sich niemand, wenn sie krank waren, obwohl sie manchmal stunden-, ja tagelang stöhnend und hustend umherlagen. Topá sollte ein pagé (Zauberarzt) sein; so war mir wenigstens am Curuá gesagt worden. Doch hat er unterwegs nie einen Versuch gemacht, jemanden zu behandeln. Dagegen konnte ich mulheres. Uma delas era a mãe de João. Não consegui averiguar a relação da outra com minha comitiva. Não tenho certeza se ela era, mesmo, a segunda esposa de Maitumá. Adoecia muitas vezes e os demais não a tratavam muito bem. Reparei que, em geral, os índios se comportavam muitas vezes de maneira indiferente a respeito dos doentes, mesmo sendo parentes próximos. Durante a nossa viagem, todos ficaram doentes algumas vezes, os índios tinham tosse e catarro pesado, que facilmente podiam levar à morte, diziam, eu tinha malária. Nestas ocasiões, cuidavam do velho Maitumá suficientemente, mas sem muito carinho. Era a esposa de João, Parimarú, pelo visto casada com ele há pouco tempo, que tratava dele com água e mel quente. Se responsabilizava o tempo todo para que a fogueira ao lado da rede (comunitária) não apagasse durante a noite. Dos outros ninguém cuidava quando estavam doentes, mesmo quando ficavam deitados, gemendo e tossindo, por vezes durante horas ou até mesmo dias. Diziam que Topá era um pajé (médico-mago); isso, pelo menos, me contaram lá no Curuá. Mas, durante a viagem, nunca tentou curar alguém. Por outro lado, em uma ocasião, pude Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 380 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage einmal in Manoelsinhos Maloka einen durchreisenden alten Pagé, den der Coronel Tabão nannte, bei der Arbeit beobachten. Die Kranken, zwei Männer, eine Frau, ein Kind, die teils an Katarrh, teils (einer von unseren Bootsleuten) an Leberschmerzen litten, lagen in ihren Hängematten und wurden von dem sich über sie beugenden Alten angeblasen und mit einer Hand geknetet. Mit der anderen hielt er ein weissliches Bündel, anscheinend Bastfasern, unter die Hängematte. Dabei stiess er ein ziemlich ununterbrochenes, taktmässiges, dumpfes Heulen aus, das mich zuerst auf den Vorgang aufmerksam machte. Von Zeit zu Zeit lief er fort, um an einer abgelegenen Stelle, übrigens nicht weit von der Maloka, das Bündel, in das er anscheinend die Krankheit hineingetrieben hatte, fortzuwerfen. Er strengte sich bei der Behandlung, die sich in Abständen einen ganzen Tag hindurch wiederholte, beträchtlich an, besonders mit Heulen, und war schliesslich ganz heiser. Ich habe nicht gesehen, dass er den Kranken irgendetwas eingegeben hat. Übrigens wurden alle vier wieder gesund. observar um velho pajé que estava de passagem, trabalhando na maloca do Manoelsinho, a quem o Coronel chamava de Tabão. Os doentes, dois homens, uma mulher, uma criança, que padeciam uns de catarro e outros de dores no fígado (um de nossos barqueiros), deitaram em suas redes e foram soprados e apalpados pelo velho com uma mão, que se inclinou sobre eles. Com a outra mão, segurou um maço esbranquiçado por debaixo da rede, provavelmente de fibras de líber. Acompanhava o procedimento com um uivo abafado, bastante contínuo, com certo compasso, o qual primeiramente me chamou a atenção. De vez em quando, saía para um lugar afastado, aliás, não muito longe da maloca, para jogar fora o maço, no qual, pelo visto, prendia a doença. Se esforçava bastante nesse tratamento, que se repetiu ao longo de um dia, em especial quanto ao uivo, até o ponto em que ficou totalmente rouco. Não vi se ministrou alguma coisa para os doentes. A propósito, todos os quatro se curaram. Gegen Kälte waren alle Indianer sehr Todos os índios eram muito sensíempfindlich. Von 2 Uhr morgens an veis ao frio. A partir das 2 horas da Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 381 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad wurden die Feuer geschürt, und die Leute sprangen alle Augenblicke aus den Hängematten, um sich zu wärmen, wobei sie Hände und Füsse fast in die Flammen steckten. Die Mindesttemperatur, die ich am Curuá notiert habe, war 16,3° C. Meine männlichen Begleiter zogen zum Schlafen alte Anzüge an, die sie unterwegs in einem verlassenen Lager entflohener Seringueiros gefunden hatten. Das Anziehen machte ihnen allerdings viele Schwierigkeit; man sah deutlich, dass sie noch nie derlei unbequeme Sachen auf dem Leibe gehabt hatten. Drei von ihnen hatten überhaupt vorher noch nie einen „christão” gesehen. madrugada acendiam as fogueiras e as pessoas pulavam o tempo todo das redes para se aquecer, estendendo as mãos e os pés quase dentro das chamas. A temperatura mínima que anotei no Curuá foi de 16,3º C. Meus acompanhantes homens vestiam velhos trajes para dormir, os quais tinham encontrado em um acampamento abandonado por seringueiros que tinham fugido. No entanto, tinham muitas dificuldades ao vestir-se; ficava patente que nunca tinham sentido no corpo tais coisas desconfortáveis. Três deles nunca tinham visto antes um “cristão”. Sämtliche Indianer (Curuahé und Chipaya), die ich gesehen habe, waren noch Heiden, mit Ausnahme von Luiz, dem kleinen Diener des Coronel. Auch Manoelsinho war noch nicht getauft. Über ihre religiösen Ansichten habe ich nichts erfahren können, ausser dass Cor. Ernesto gerüchtweise gehört hatte, es befinde sich in einer Maloka die Bildsäule eines Götzen?? Manoelsinho erzählte etwas verlegen von einem rauchenden Mann, der in einem Wasserfall des oberen Curuá sitzen solle. Todos os índios (Kuruaya e Xipaya) que vi eram ainda pagãos, exceto Luiz, o pequeno criado do Coronel. Manoelsinho também não era batizado. Não consegui averiguar nada sobre suas opiniões religiosas, exceto que o Cel. Ernesto tinha ouvido rumores de que, em uma das malocas, havia uma escultura de um ídolo?? [sic] Manoelsinho contou, um pouco envergonhado, sobre um homem fumando, que estaria sentado em uma cachoeira do Alto Curuá. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 382 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Als Coronel Ernesto und Manoelsinho von ihrem kurzen Besuch in der Curuahé-Maloka zurückkehrten, brachten sie eine Flotille von über 20 Ubas, mit Indianern und ihren Familien besetzt, mit, und es entwickelte sich nun ein sehr lebhaftes Treiben. Bananen und Farinha lieferte der Hausherr; die Männer gingen auf Jagd und Fischfang, die Frauen kochten und buken fast den ganzen Tag. Abends wurden kleine Cachaçafeste veranstaltet, bei denen es, da Coronel Ernesto sparsam mit dem Feuerwasser war, ganz anständig herging. Nur wenige Indianer habe ich bei solchen Gelegenheiten leicht berauscht gesehen. Quando Coronel Ernesto e Manoelsinho voltaram de sua breve visita à maloca dos Kuruaya, vieram acompanhados de uma flotilha de mais de 20 ubás, tomada por índios e suas famílias, o que resultou em um movimento bem animado. O dono da casa fornecia bananas e farinha; os homens iam caçar e pescar, as mulheres cozinhavam e assavam quase o dia todo. À noite, organizavam pequenas festas com cachaça, nas quais mantinham uma postura relativamente decente, porque o Coronel Ernesto economizava com a água ardente. Nessas ocasiões, vi poucos índios levemente bêbados. Am letzten Abend vor meiner Abreise wurde ein Tanzfest improvisiert. Unsere Leute fingen mit Negertänzen an; hierdurch erwachte die Tanzlust anscheinend auch in den Indianern, und sie waren nun ganz unermüdlich. Erst nach Mitternacht ging die „Festa” zu Ende. Ich sah mindestens 15 verschiedene Tänze, die sämtlich mit Tiernamen bezeichnet wurden, Anta, Onça, Guariba, Maracanã, Cobra usw. (Tapir, Jaguar, Brüllaffe, Ast Papagei, Schlange; die Namen wurden mir portugiesisch gesagt). Zu jedem Tanz gehörte ein besonderer Na última noite antes de minha partida, improvisaram uma festa para dançar. Nosso pessoal começou com danças de negro; pelo visto, isso também despertou nos índios a vontade de dançar, mostrandose incansáveis. Só após meia-noite a “festa” acabou. Vi, pelo menos, 15 danças diferentes, todas designadas por nomes de animais, anta, onça, guariba, maracanã, cobra etc. (falavam-me os nomes em português). A cada dança correspondia um canto específico, que consistia em inúmeras repetições de uma ou Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 383 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Gesang, der aus unzähligen Wiederholungen von einer oder zwei kurzen Strophen bestand. Den Text habe ich mir von keinem merken können, da Manoelsinho sich genierte und zu dieser Zeit überhaupt die Sprachstudien sehr satt hatte; doch spielte bei vielen die Nachahmung der Stimme des betreffenden Tieres eine grosse Rolle. Die Männer fassten sich bald reihenweise - bei den Reihentänzen befanden sich gewöhnlich zwei Reihen einander gegenüber - oder paarweise bei der Hand oder der Schulter, bald tanzte jeder für sich, oder (beim GuaribaTanz) zwei gegenüberstehende Partner tanzten aufeinander zu, wobei sie mit Palmblättern ein Scheingefecht ausführten. Bei dem Tanz der „Cobra” hockten alle hinter einander auf der Erde, jeder die Hände auf die Schultern des Vordermannes gelegt, und hüpften in dieser Stellung in Schlangenlinien vorwärts. Sehr charakteristisch wurde in einem Tanz das Geschrei des Arara wiedergegeben (aráu, aráu, entsprechend dem Chipayanamen des Tieres). Zwei Bewegungen kehrten in allen Tänzen wieder: es wurde entweder mit beiden Beinen zugleich gehüpft, wobei der eine Fuss vor dem andern stand, oder der Takt wurde, bei schreitender Vorwärtsbewegung, duas estrofes curtas. Não consegui memorizar o texto de nenhum deles porque Manoelsinho tinha vergonha e, na época, estava farto dos estudos de língua; sem dúvida, em muitos casos, a imitação da voz do referido animal tinha um papel primordial. Os homens se seguravam pela mão ou pelo ombro, ora em filas ou em duplas – nas danças em fila, havia geralmente duas filas opostas uma à outra –, ora cada um dançava sozinho ou (na dança do guariba) em par, um em frente do outro e em direção ao outro, simulando uma luta com folhas de palmeira. Na dança da “cobra”, todos se agacharam, um atrás do outro, cada um com as mãos nos ombros do homem da frente, e nessa posição pulavam para a frente em linhas sinuosas. Em uma dança, reproduziram, de maneira muito caraterística, o grito da arara (aráu, aráu, que corresponde ao nome Xipaya do animal). Dois movimentos se repetiram em todas as danças: ou pulavam ao mesmo tempo com ambos os pés, estando um pé em frente ao outro, ou marcavam o compasso batendo forte com um pé ao avançar no movimento. Todas as danças se caracterizaram por um ritmo muito firme, tanto dos movimentos como do canto. Algumas moças também participaram; no entanto, dançaram Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 384 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage durch scharfes Aufstampfen des separadamente, seja em dupla ou einen Fusses markiert. Alle Tänze em uma fila atrás dos homens. zeichneten sich durch sehr straffen Rhythmus sowohl der Bewegungen als des Gesanges aus. Auch einige Mädchen beteiligten sich daran; sie tanzten jedoch für sich, entweder paarweise oder in einer Reihe hinter den Männern. In der Unterhaltung miteinander beobachteten die Indianer stets ein gewisses Zeremoniell. Am feierlichsten war dieses, soweit ich zu beobachten Gelegenheit hatte, bei der Ankunft von Fremden. Als wir z. B. in Bocca do Curuá ankamen, fanden wir dort ein anscheinend vornehmes, aber noch absolut im Naturzustande befindliches Chipaya-Ehepaar vor, das mit Manoelsinho, der gerade abwesend war, zusammen zur Begrüssung des Coronel den Curuá herabgekommen war. Unter unseren Leuten befanden sich zwei Indianer, ein junger Chipaya Ain und ein älterer Yurúna Paidé. Von diesen erschien zuerst Ain, ging scheinbar achtlos an dem bei uns vor der Venda stehenden „wilden” Chipaya vorbei, blieb nach einigen Schritten stehen und erwartete, ohne sich umzudrehen, die Anrede des andern. Dieser sprach in hastig Em suas conversas, os índios sempre observavam certo cerimonial. O mais solene ocorria quando chegavam forasteiros, tanto quanto tive a oportunidade de assistir. Quando chegamos, por exemplo, em Bocca do Curuá, encontramos lá um casal Xipaya, aparentemente elegante, mas ainda no estado absolutamente natural, que descera do Curuá junto com Manoelsinho, ausente nesse momento, para cumprimentar o Coronel. Entre nosso pessoal, havia dois índios, um jovem Xipaya, Ain, e um mais velho Juruna, Paidé. Primeiramente, apareceu Ain, que passou ao largo, pelo visto, distraído dos Xipaya “selvagens”, que estavam em frente da venda, parou após alguns passos e, sem se virar, esperou que o outro lhe dirigisse a palavra. Este disse frases curtas, articuladas de maneira apressada e aparentemente indiferentes. Após cada frase, Ain respondeu no mes- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 385 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad und anscheinend gleichgültig hervorgestossenen, kurzen Sätzen. Nach jedem Satz warf Ain in demselben gleichgültigen Ton ein paar Silben, etwa wie enä oder dgl. klingend, ein. Nach einer Weile kehrte sich die Sache um. Ain erzählte und der Chipaya hörte zu, indem er jeden Satz des anderen mit enä quittierte. Während der ganzen Unterredung drehte Ain dem andern den Rücken zu und schaute starr geradeaus, während dieser ebenso gleichgültig an ihm vorbeisah. Bald danach erschien Paidé und setzte sich auf die Bank vor der Venda. Sofort drehte ihm der Chipaya den Rücken, liess sich anreden, antwortete oder gab seine Teilnahme zu erkennen, sprach dann seinerseits, während Paidé die obligaten Zwischenbemerkungen machte. Ganz so förmlich ging es nicht immer zu, doch wurde auch in der vertraulichsten Unterhaltung, die meine Curuahé später im Walde hatten, stets jeder Satz des einen durch kurze, ein- oder zweisilbige Bemerkungen von Seiten des oder der anderen beantwortet. Eine Art Zeremoniell herrschte auch beim Essen, insofern, als es Pflicht der Frauen war, die Männer nach Alter und Würden zuerst zu bedienen und ihnen den Mingau solange mo tom indiferente, com algumas sílabas, soando como enä ou algo semelhante. Após algum tempo, a coisa se inverteu. Ain falava e o Xipaya ouvia, confirmando cada frase do outro com enä. Durante toda a conversa, Ain virou as costas ao outro e firmou o olhar para a frente, enquanto este olhava para o lado com a mesma indiferença. Logo a seguir, Paidé apareceu e se sentou no banco em frente da venda. Imediatamente, o Xipaya lhe virou as costas, aceitou a conversa, respondeu ou deu a entender sua participação, depois falou, enquanto Paidé fazia os comentários obrigatórios. Não havia sempre tanta formalidade, porém, mesmo nas conversas mais íntimas que meus Kuruaya tiveram depois na floresta, cada frase de um era sempre respondida com comentários curtos, mono- ou bissilábicos, por parte do outro ou dos outros. Havia também, durante as refeições, certo tipo de cerimonial, na medida em que era obrigação das mulheres servir o mingau primeiro aos homens, escalonados por idade e autoridade, e vertê-lo e soprar até que chegasse à temperatura conveniente. Em geral, a caça, a pesca, a construção de barcos, a derrubada de árvores e o trabalho com a vara (de barco) eram tarefas dos homens, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 386 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage umzugiessen und zu pusten, bis er die passende Temperatur erreicht hatte. Im allgemeinen war Jagd, Fischfang, Bootbau, Baumfällen und Arbeit mit der vara (Bootstange) Aufgabe der Männer, doch verstanden sich, abgesehen vom Bootbau und Baumfällen, auch einzelne jüngere Indianerinnen (z. B. Parimarú) ausgezeichnet darauf. Gesteuert wurde sehr oft von Frauen. Von den Lasten trugen sie während unserer Überlandtour den Hauptteil. Kochen und Wurzelsuchen war ausschliesslich ihre Arbeit. Am Suchen von Tracajáeiern beteiligten sich beide Geschlechter mit gleicher Begeisterung. porém, exceto na construção de barcos e na derrubada de árvores, algumas jovens índias (por exemplo, Parimarú) eram muito boas nessas atividades. Muitas vezes eram mulheres que pilotavam. Durante nossa viagem por terra, eram elas que carregavam a maior parte das cargas. Cozinhar e procurar raízes eram tarefas exclusivas delas. Da busca de ovos de tracajá, ambos os sexos participavam com o mesmo entusiasmo. Beziehungen zu anderen Stämmen A relação com as outras tribos Die Chipaya verkehren nach allem, was ich hörte und sah, freundschaftlich, aber wohl nicht gerade häufig mit den Yurúna des Xingú, können sich auch mit ihnen gut verständigen, da die Sprachen sehr ähnlich sind. Doch scheint im Gegensatz zu den Yurúna noch der grösste Teil der Chipaya völlig im Naturzustand zu leben. Von allen Chipaya und Curuahé, die ich sah, hatten nur Manoelsinho, Aín und Luiz, einer der Jäger des Coronel, europäische Kleidung Após tudo o que vi e ouvi, os Xipaya convivem com os Juruna do Xingu de maneira amigável, não que isso seja muito frequente, mas conseguem comunicar-se bem porque as línguas são muito semelhantes. Porém, parece que a maior parte dos Xipaya, ao contrário dos Juruna, vivem ainda completamente em estado natural. De todos os Xipaya e Kuruaya que vi, somente Manoelsinho, Ain e Luiz, um dos caçadores do Coronel, tinham se adaptado à roupa e ao corte de cabe- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 387 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad und Haartracht angenommen. Eine Vorliebe für abgelegte Jacken, Hosen und Hüte unserer Bootleute sprach sich allerdings leider schon bei vielen anderen aus. lo europeus. Entre muitos outros já se manifestava, infelizmente, uma preferência para casacos, calças e chapéus desprezados por nossos barqueiros. Die Curuahé hatten eine eigentümliche Stellung. Manoelsinhos Leute gehörten alle diesem Stamme an. Sie machten fast den Eindruck von Dienstboten, und auch die Curuahé aus der Maloka schienen sich mehr oder weniger abhängig von ihm zu fühlen. Auf die übrigen Chipaya waren sie aber nicht gut zu sprechen. Mein Begleiter João versicherte mir in seinem gebrochenen Portugiesisch sehr nachdrücklich: „Chipaya não é bom; só Manoelsinho.” („Die Chipaya taugen nichts, ausser Manoelsinho.”) Im ganzen machten die Curuahé einen ärmlicheren, weniger kriegerischen Eindruck als die Chipaya. Mir scheint, die Notiz beim Prinzen Adalbert, dass die Curiérai (falls damit die Curuahé gemeint sein sollten) kriegerisch, die Axipai dagegen feig und wenig zahlreich seien, beruht auf einer Verwechslung; oder es haben sich die Verhältnisse seitdem gerade umgekehrt. Os Kuruaya tinham uma postura estranha. Todo o pessoal do Manoelsinho pertencia à essa tribo. Davam quase a impressão de serem seus criados, e parecia que também os Kuruaya da maloca se sentiam mais ou menos dependentes dele. Mas, não simpatizavam com os demais Xipaya. Meu acompanhante João afirmou com ênfase, em seu português arranhado: “Xipaya não é bom; só Manoelsinho.” (“Os Xipaya não prestam, exceto Manoelsinho.”). Em geral, os Kuruaya davam uma impressão mais pobre, menos guerreira que os Xipaya. Acho que a nota do Príncipe Adalbert, segundo a qual os Curiérai (caso se referisse aos Kuruaya) seriam guerreiros, enquanto os Axipai seriam covardes e pouco numerosos, se baseia em um equívoco; ou, desde então, a situação se inverteu. Meine Curuahé lebten während Meus Kuruaya viveram, durante a des zweiten Teils unserer Reise segunda parte da nossa viagem, em Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 388 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage in beständiger tötlicher Angst vor den Karayá. Auf diese führten sie nämlich die Spuren zurück, die eine versprengte, ihrer Waffen und Geräte zum grössten Teil beraubte Horde von entflohenen Seringueiros des Curuá kurz vor meiner Ankunft am oberen Jamanchim hinterlassen hatte. (Vielleicht streifen die auch am Xingú gefürchteten Karaya wirklich bisweilen bis an den Iriri und Curuá.) Von den Tapajozindianern schienen sie dagegen nichts zu wissen. João fragte mich, ob es auf der anderen Seite (linkes Ufer) des Jamanchim Indianer gäbe, indem er alle ihm bekannten Stämme namentlich aufführte: „Tem Chipaya lá? Tem Yuruna lá? Tem Caraja lá?” usw. permanente medo mortal dos Karajá. Atribuíram a eles os rastros dispersos de um bando de seringueiros fugitivos do Curuá, na maior parte, roubados de suas armas e equipamentos, deixados pouco antes de minha chegada ao Alto Jamanxim. (Talvez os Karajá, também temidos no Xingu, perambulem mesmo por lá de vez em quando, até o Iriri e o Curuá.). Por outro lado, parecia que não sabiam nada sobre os índios do Tapajós. João me perguntou se havia índios no outro lado (na margem esquerda) do Jamanxim, especificando todas as tribos que conhecia pelo nome: “Tem Xipaya lá? Tem Juruna lá? Tem Karajá lá?” etc. Verhältnis zu den Weissen A relação com os brancos Der Verkehr der Brasilianer mit Chipaya und Curuahé wurde fast ausschliesslich durch den Coronel Ernesto vermittelt, der jährlich einmal bis zu Manoelsinhos Maloka geht, um dort gegen Perlen, Äxte, Messer usw. Ubas von den Indianern einzutauschen. Das Verhältnis zwischen letzteren und ihm ist anscheinend ein recht gutes. Manoelsinho nennt ihn seinen „padrão”, etwa in dem Sinne von A comunicação dos brasileiros com os Xipaya e Kuruaya acontecia quase exclusivamente através do Coronel Ernesto, que vai uma vez por ano até a maloca do Manoelsinho para trocar missangas, machados, facas etc. por ubás dos índios. A relação entre estes e ele é, pelo visto, muito boa. Manoelsinho o chama de seu “padrão” [sic], mais ou menos no sentido de protetor, com a sensação muito correta de que, enquanto Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 389 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Schutzherrn, in dem ganz richtigen Gefühl, dass, solange der Coronel der massgebende Mann am Flusse ist, er und seine Landsleute schwere Übergriffe der Seringueiros nicht zu fürchten haben. Später wird es, fürchte ich, anders werden, teils wegen der lächerlichen Furcht der Brasilianer vor den „wilden” Indianern, teils aus einfacher Lust an Gewalttat und übermütigem Verletzen der indianischen Empfindlichkeit. Der Hochmut, mit dem die Seringueiros, besonders die eben erst aus den Südstaaten eingewanderten, verlumpten und verkommenen Schwarzen und Mulatten, die sich voll Stolz „civilizados” nennen, auf die nackten Indianer herabsehen, ist ebenso auffallend als lächerlich. o Coronel for o homem dominante do rio, ele e seus compatriotas não devem temer graves ataques dos seringueiros. Tenho receio de que, mais tarde, seja diferente, em parte pelo medo ridículo que os brasileiros têm dos índios “selvagens”, em parte pelo simples prazer do ato violento e da ofensa arbitrária à sensibilidade dos índios. A arrogância com que os seringueiros, especialmente os pretos e mulatos miseráveis e decadentes, recém imigrados dos estados do Sul e que se denominam com todo orgulho de “civilizados”, olham com desprezo para os índios nus é tão evidente quanto ridícula. Sprache Língua Die Sprache der Curuahé war sehr verschieden von der Sprache der Chipaya; nur ganz wenige Worte waren ähnlich oder stimmten überein. Auch die Art und Weise der Aussprache des Curuahé war anders, noch schneller hervorgestossen und vor allem viel undeutlicher und schwerer nachzusprechen. Die Curuahé-Worte wurden gewöhnlich auf der letzten Silbe betont. Die A língua dos Kuruaya era muito diferente da língua dos Xipaya; somente muito poucas palavras eram semelhantes ou coincidiam. Também a pronúncia do Kuruaya era diferente, articulada com mais rapidez e, sobretudo, muito pouco nítida e mais difícil de repetir. As palavras do Kuruaya tinham, em geral, o acento na última sílaba. Pelo visto, a língua está em fase de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 390 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage Sprache scheint im Aussterben zu sein. Fast alle Curuahé sprachen nebenbei Chipaya; aber kein Chipaya verstand, wie Manoelsinho mit Stolz sagte, das Curuahé. extinção. Quase todos os Kuruaya falavam também, paralelamente, o Xipaya; porém, nenhum Xipaya compreendia o Kuruaya, como dizia Manoelsinho com orgulho. Die Chipaya-Worte habe ich sämtlich mit Manoelsinho aufgenommen, in der Weise, dass ich oder manchmal der Coronel portugiesisch fragte. Gewöhnlich las ich ihm gleich danach oder vor Anfang der nächsten Lektion die aufgeschriebenen Worte noch einmal vor und korrigierte, wenn es nötig war. Auf den Wortakzent habe ich immer besonders geachtet, doch schien mir, dass die Leute hin und wieder dasselbe Wort verschieden betonten, z. B. beim zusammenhängenden Sprechen anders, als wenn sie nur die Worte einzeln vorsprachen. Manoelsinho entwickelte bei diesen Sprachstudien anfangs grossen Eifer, der leider später recht erlahmte. Registrei as palavras do Xipaya com Manoelsinho, da maneira que eu perguntava em português ou, às vezes, o Coronel. Geralmente, lia em voz alta para ele as palavras anotadas, logo depois ou ao início de uma lição, corrigindo-as se necessário. Sempre prestei muita atenção no acento tônico, mas me parecia que as pessoas, de vez em quando, acentuavam a mesma palavra de maneira diferente, por exemplo, na fala contínua e ao dizê-la separadamente. Manoelsinho desenvolveu grande entusiasmo no início desses estudos linguísticos, o qual foi diminuindo bastante mais tarde, infelizmente. Die Curuahé-Worte rühren teils von einem von Manoelsinhos Leuten her, teils von meinen Begleitern auf der Überlandtour. In dem Wörterverzeichnis sind die letzteren, soweit sie irgendwie abwichen, gesperrt gedruckt. Schwierig war es oft, die Aussprache der As palavras Kuruaya vêm, em parte, de um índio do pessoal do Manoelsinho, em parte de meus acompanhantes na viagem por terra. No glossário, essas são impressas em itálico quando são divergentes de uma ou de outra maneira. Muitas vezes era difícil reproduzir a pro- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 391 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad Konsonanten wiederzugeben. Es existierte ein Laut, z. B. in hóz̯in-á, der bald wie ein gelispeltes f, bald wie das englische th (z̯) klang. L und th verwechselten die Curuahé häufig. João konnte letzteren Laut überhaupt nicht aussprechen; er sagte auch portugiesisch stets selinga statt „seringa”, falinya statt „farinha” usw. Das naturgemäss häufig gebrauchte Curuahé-Wort für Farinha sprach er stets mŏlinŏm, seine Begleiter häufig auch mŏrinŏm (das r in der schlechten, gaumigen, norddeutschen Aussprache) aus. Die o in diesem, wie in vielen anderen Worten klangen an ein sehr kurzes ŭ an. In den auf der letzten Silbe betonten Worten wurden überhaupt die ersten Silben ganz besonders kurz ausgesprochen. Die Bedeutung mancher Worte, die ich auf der Überlandtour hörte, wurde mir erst allmählich, manchmal überhaupt nicht mit Sicherheit klar, da Joãos portugiesischer Wortschatz sich auf wenige Hauptwörter und die allergemeinsten Verben und Adjektiva beschränkte und meine anderen Begleiter überhaupt kein Wort portugiesisch kannten ausser „tabacco” und „palito” (Streichholz). So kam ich bei dem sehr häufig mir gegenüber gebrauchten Wort „adyúdya”, núncia das consonantes. Havia um som, por exemplo em hóz̯in-á, que soava ora como um f em ceceio, ora como o th (z̯) inglês. Os Kuruaya confundiam muitas vezes l e r. João não conseguia pronunciar este som de maneira nenhuma; em português, falava sempre selinga em vez de “seringa”, falinya em vez de “farinha” etc. A palavra Kuruaya que ele naturalmente usava muitas vezes para farinha era mŏlinŏm, seus companheiros muitas vezes também usavam mŏrinŏm (o r da ruim pronúncia palatal do norte da Alemanha). Os o nessa palavra, tal como em muitas outras palavras, lembravam um ŭ muito breve. Aliás, nas palavras com o acento tônico na última sílaba, as sílabas iniciais eram pronunciadas de forma extremamente breve. O significado de algumas palavras que ouvi na viagem por terra somente aos poucos compreendi, às vezes sem ter muita certeza, porque o vocabulário português do João se limitava a poucos substantivos e aos verbos e adjetivos mais comuns, e meus outros acompanhantes não falavam nenhuma palavra em português, exceto “tabaco” e “palito” (fósforo). Assim, descobri mais tarde que a palavra “adyúdya”, que usavam muitas vezes na comunicação comigo, a qual de iní- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 392 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage das ich anfangs einfach für einen Anruf, etwa „hör‘ mal!”, hielt, später dahinter, dass seine Bedeutung ungefähr „wie heisst?” sein muss. Die Indianer wollten das portugiesische Wort für den Gegenstand, den sie mir zeigten und in ihrer Sprache nannten, wissen. cio interpretei simplesmente como um vocativo, no sentido de “escute!”, deve significar mais ou menos “como chama?”. Os índios queriam saber a palavra portuguesa para o objeto que me mostravam e haviam nomeado em sua língua. Aya-bik sagte man, wenn man Halt machte und sich setzte. Ob der Sinn aber „ausruhen” oder „sich setzen” war, wurde mir nicht klar. Für „Wasser” sagte mir Manoelsinhos Diener das Wort uágua (bei den Sprachaufnahmen mit ihm dolmetschte Manoelsinho). Meine späteren Begleiter nannten „Wasser” stets íti oder títi, was sich etwa so unterschied wie „eau” und „de l‘eau”. Ich musste títi sagen, wenn ich in einer Kalabasse Wasser zum trinken haben wollte; das Wasser im Igarapé war dagegen einfach íti. Einmal gebrauchten meine Curuahé aber auch das Wort uágua, als wir an der Mündung eines grösseren Jamanchimzuflusses vorüberfuhren. Während wir noch im Walde waren, sagte mir João einmal: „Amanhã vem Oyapóc” („Morgen kommt der Oyapok”), während er nach Westen deutete, und nickte bejahend, als ich fragte: „O outro rio?” („Der andere Fluss?”) (so sprach Manoelsinho Aya-bik se falava quando havia uma parada e nos sentávamos. Mas não ficou claro para mim se o significado era “descansar” ou “sentar-se”. Para “água”, o criado de Manoelsinho me disse a palavra uágua (nas gravações linguísticas com ele, era Manoelsinho quem interpretava). Meus acompanhantes posteriores sempre chamaram “água” de íti ou títi, com a diferença mais ou menos tal como em “eau” e “de l’eau”. Tinha que falar títi se quisesse tomar água em uma cabaça; a água do igarapé era simplesmente íti. Mas, uma vez meus Kuruaya usaram também a palavra uágua quando passamos pela foz de um grande afluente do rio Jamanxim. Ainda dentro da floresta, João me falou um dia: “Amanhã vem Oyapóc” (”Amanhã vem o Oiapoque”), apontando em direção oeste, e confirmou acenando a cabeça quando perguntei: “O outro rio?” (”O outro rio?”) (Manoelsinho sempre falava assim do rio Jamanxim). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 393 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad immer vom Jamanchim). Er meinte zweifellos diesen Fluss; ob aber oyapóc ein Name ist oder überhaupt die Bedeutung von „Fluss” hat‚ konnte ich nicht feststellen. Sem dúvida, se referia a esse rio; não pude verificar se oyapóc é um nome ou se tem, de algum modo, o significado de “rio”. Für „Erde” (oder „Land”) habe ich einmal ïpi aufgeschrieben, was, wie ich jetzt glaube, auf einer Verwechslung beruht. Manoelsinhos Curuahé sagte mir das Wort ïp für „Holz”, und meine Waldführer nannten ipi-put-put das Unterholz (oder nur die Lianen). Vielleicht habe ich, auf die Erde deutend, „chão” (Erdboden) gefragt, und João hat „páo” (Baum) verstanden. Es liegen ja immer alte Stämme u. dgl. auf dem Boden umher. Auf einem ähnlichen Missverständnis beruht vielleicht das Wort wadírara, das ich einmal für „Himmel” notierte. „Stern” heisst nämlich adirava. Idík nannten die Indianer die Talglichte, von denen ich einige bei mir hatte. Sie hatten solche noch nie gesehen; vielleicht bezog sich der Name eigentlich auf ein gewisses Harz, das sie selbst manchmal als Kerze verwendeten. Streichhölzer hatten die Indianer auch noch nicht in Gebrauch, kannten sie aber schon und sahen den Nutzen davon schnell ein. Trotzdem nahmen sie fast immer Para “terra” (ou “terreno”), anotei uma vez ïpi, mas acho agora que se tratou de um engano. O Kuruaya do Manoelsinho me falou a palavra ïp para “madeira” e meus guias florestais chamavam o sub-bosque (ou somente os cipós) de ipi-put-put. Apontando para a terra, perguntei “chão” e talvez João tenha entendido “pau”. Sempre há velhos troncos e coisas semelhantes no chão. Talvez a palavra wadírara, que anotei uma vez para “céu”, tenha surgido também de um mal -entendido semelhante. É que “estrela” se chama adírava. Os índios chamavam de idík as velas de sebo, algumas das quais eu tinha comigo. Nunca as tinham visto antes; talvez o nome se referisse a uma certa resina que eles usavam às vezes como vela. Os índios ainda não usavam fósforos, mas os conheciam e entenderam rapidamente sua utilidade. No entanto, quase sempre levavam na viagem um pedaço de madeira fumegante usada no acampamento noturno ou na última refeição, que se conservava Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 394 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage ein glimmendes Stück Holz vom Nachtquartier oder von der letzten Mahlzeit mit auf die Reise, was bis zur nächsten Station vorhielt. Auf die vielfache Bedeutung des Wortes inǐá machte mich Manoelsinho selbst aufmerksam (tot, sterben, Paranuss, Mörser in Chipaya). até a próxima parada. O próprio Manoelsinho me chamou a atenção para os múltiplos significados da palavra (morto, morrer, castanha-do-pará, morteiro em xipaya). Alphabet zu den Vokabularen Chipaya und Curuahé. Alfabeto dos glossários de Xipaya e Kuruaya. Noten Notas 1) Grössere Hütte, die gewöhnlich von mehr als einer Familie bewohnt wird. 2) Auch „Jauan-Xim, Jauamaxim, Jananixim” genannt. 3) Über die nahe Verbindung des Iriri und Jamanchim vgl. auch Karl von den Steinen: Durch Central-Brasilien. Leipzig, 1886. S. 13. Henri Coudreau: Voyage au Xingú. Paris, 1897. S. 32. 4) Daniel in Revista trimensal, III, 172; nach C. Fr. Ph. von Martius: Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens. Leipzig, 1867. Bd. I, S. 381. 5) Spix und Martius: Reise in Brasilien. München, 1831. Bd. III, S. 1049. 6) Reise des Prinzen Adalbert von Preussen nach Brasilien, bearbeitet und 1) Uma cabana maior que abriga normalmente mais de uma família. 2) Chamado também “Jauan-Xim, Jauamaxim, Jananixim”. 3) A respeito da estreita conexão do Iriri com o Jamanxim veja também Karl von den Steinen: Durch Central-Brasilien. Leipzig, 1886, p. 13. Henri Coudreau: Voyage au Xingú. Paris, 1897, p. 32. 4) Daniel em Revista trimensal, III, 172; segundo C. Fr. Ph. von Martius: Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens. Leipzig, 1867, Vol. I, p. 381. 5) Spix und Martius: Reise in Brasilien. Munique, 1831. Vol. III, p. 1049. 6) Reise des Prinzen Adalbert von Preussen nach Brasilien [Viagem do Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 395 Tradução de Reinhard Michael Eugen Arnegger & Nelson Sanjad herausgegeben von H. Kletke. Berlin, 1857. S. 685. 7) K. v, d. Steinen: a. a. O. S 6. 8) Tupistamm des Tapajoz-Gebietes. 9) Nachkommen flüchtiger Negersklaven, die sich zu Niederlassungen vereinigt haben. Man trifit sie auch am Trombetas, Urubú und anderen nördlichen Nebenflüssen des Amazonas. 10) Nebenfluss des Amazonas, der zwischen Xingú und Tapajoz östlich vom Kanal Ituqui mündet. 11) Karaibenstamm auf dem Westufer des unteren Xingú. 12) Felsecke und Hügelkette auf dem linken Xingú-Üfer, etwa 4° 10‘ südl. Br., Endpunkt der Reise des Prinzen Adalbert. 13) H. Coudreau: a. a. O. S. 38-34. 14) K. v. d. Steinen: a. a 0. S. 240. 15) Vgl. die Abbildungen. 16) K. v. d. Steinen: a. a. 0. S. 239. 17) Ebenda. 18) Ebenda, S. 252, 259. 19) Ebenda, S. 362-363. 20) H. Coudreau: a. a. 0. S. 165-198. 21) C. Fr. Ph. v. Martius: Beiträge usw. Bd. II, S. 18-20. 22) H. Coudreau: Voyage au Tapajoz. Paris, 1897. S. 192-202. 23) Anthropos. Bd. II (1907). S. 10581 ff. Príncipe Adalbert da Prússia para o Brasil], redigido e editado por H. Kletke. Berlim, 1857, p. 685. 7) K. v. d. Steinen: op.cit., p. 6. 8) Tribo Tupi da região do Tapajós. 9) Descendentes de escravos negros refugiados, que se juntaram em estabelecimentos. Encontram-se também no Trombetas, no Urubu e em outros afluentes do norte do rio Amazonas. 10) Afluente do Amazonas que desemboca entre o Xingu e o Tapajós, à leste do canal Ituqui. 11) Tribo Karib à margem oeste do Baixo Xingu. 12) Rocha e serra à margem esquerda do Xingu, a aproximadamente 4° 10’ de latitude sul, ponto final da viagem do Príncipe Adalbert. 13) H. Coudreau: op.cit., pp. 33-34. 14) K.v.d. Steinen: op.cit., p. 240. 15) Veja as ilustrações. 16) K.v.d. Steinen: op.cit., p. 239. 17) Ibid. 18) Ibid, pp. 252, 259. 19) Ibid, pp. 362-363. 20) H. Coudreau: op.cit., pp. 165-198. 21) C. Fr. Ph.v. Martius: Beiträge usw. Vol. II, pp. 18-20. 22) H. Coudreau: Voyage au Tapajoz. Paris, 1897, pp. 192-202. 23) Anthropos. Vol. II (1907), pp. 1058 et seq Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 396 Sitzung vom 28. Mai 1910, Vorbemerkung von Theodor Koch-Grünberg,... de Emilie Snethlage 24) Die Wahrscheinlichkeit der Einwanderung in älterer Zeit ist doch nicht ganz von der Hand zu weisen, da die Sprache der Curuahé dem Mundurukú des Tapajoz näher verwandt ist. K.-G. 25) Ebenso bei den Yurúna; vgl. K. v. d. Steinen: a. a. O. S. 239. K.-G. 26) Nach K. v. d. Steinen (a. a. O. S. 239) sollen es Pollen der sogenannten „Banana brava” sein. K.-G. 27) z̯ = englisch th. 24) Não se pode negar totalmente a probabilidade da imigração em tempos antigos, porque a língua dos Kuruaya é mais próxima da língua dos Munduruku do Tapajós. K.-G. 25) Da mesma maneira nos Juruna; cf. K.v.d. Steinen: op.cit., p. 239. K.-G. 26) Conforme K.v.d. Steinen (op.cit., p. 239), deve ser pólen da chamada “banana brava”. K.-G. 27) z̯ = inglês th. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 345-397, jan/jul, 2021. 397 https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84960 AS ETNIAS INDÍGENAS DO MÉDIO XINGU: EM ESPECIAL A XIPAYA E A CURUAYA ASSENTAMENTO DOS INDÍGENAS NO MÉDIO XINGU, IRIRI E CURUÁ Cilene Trindade Rohr1 1 Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil Rosanne Castelo Branco2 Universidade Federal do Pará, Campus Marajó – Soure, Pará, Brasil 2 Como uma das pioneiras em frequentar a universidade na Alemanha, a ornitóloga e escritora naturalista alemã Emilie Snethlage (1868-1929) deslocou-se para o Norte do Brasil para pesquisar sobre a flora e a fauna na Amazônia. Antes disso, foi assistente de zoologia no Museu de História Natural em Berlim e exerceu a função de Diretora do Museu Natural Emilio Goeldi, no Pará, no período de 1914 a 1921. Entre 1914 e 1915, escreveu o Catálogo das Aves Amazônicas e tornou-se membro honorário do British Ornithologists Union (BOU) e recebeu o prêmio da Academia Brasileira de Ciências. Em 1921, foi para o Museu Nacional do Rio de Janeiro e desenvolveu pesquisas em outros Estados brasileiros. Morreu de insuficiência cardíaca em Porto Velho, Rondônia em 1929. Snethlage registrou em suas pesquisas um tipo de macaco que só existe no Pará e no Mato Grosso. Em homenagem à pesquisadora denominou-se o animal de Sagui da Emília (Mico Emilae). O texto científico encontra-se na revista alemã sobre Etnologia, com publicação da Organização de Ciência de Berlim para Antropologia, Esta obra utiliza uma licença Creative Commons CC BY: https://creativecommons.org/lice Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Etnologia e Pré-História [Zeitschrift für Ethnologie – Organ der Berliner Gesellschaft für Antropologie, Ethnologie und Urgeschichte].1 O artigo apresenta as relações sociais e comportamentos migratórios das duas etnias indígenas, Xipaya e Curuaya, que viviam às margens dos rios Iriri e Curuá e que, em virtude da frequente chegada de brasileiros, trocavam de moradia e de lugar com frequência. O processo tradutório do texto exigiu aprofundamento crítico sobre palavras relativas à linguagem étnica indígena e sua localização no espaço temporal e regional da Amazônia. Na Biblioteca Digital Curt Nimuendajú tivemos acesso a pesquisas sobre a constituição histórica e linguística e cultural dos Xipaya e dos Curuaya atualmente. Isso ajudou na compreensão de expressões utilizadas por Snethlage à época de suas expedições à região do Xingu. Um dos grandes desafios foi traduzir as descrições detalhadas que Snethlage faz de rituais, pinturas, objetos e paisagens. A construção de frases e orações com muitos adjetivos consecutivos produz parágrafos muito longos e por se tratar de uma marca do estilo de escrita de Snethlage evitamos desmembrar o mínimo possível os extensos parágrafos, principalmente os que descrevem adereços, cerâmicas, pinturas etc. O olhar perspicaz da autora conduz o leitor a um retrato realista do panorama, das pessoas e coisas e revela um conhecimento profundo da cultura dos povos Xipaya e Curuaya muito bem mostrados por essa notável etnóloga de fôlego e coragem. Biblioteca Digital Curt Nimuendajú (wikidot.com). Acesso em 01 de outubro de 2020. 1 Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 398-401, jan/jul, 2021. 399 As etnias indígenas do Médio Xingu: em especial a Xipaya e a Curuaya... Bibliografia Fargetti, Cristina Martins; Rodrigues, Carmen L. Reis. “Consoantes do Xipaya e do Juruna – uma comparação em busca do proto-sistema.” Alfa, 52 (2), (2008): 535-563. Junghans, Miriam E. Avis rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emília Snethlage (1868-1929) no Brasil. Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo CruzFIOCRUZ. 2009. Nimuendajú, Curt. “Os índios Xipaya: cultura e língua”. Tradução de Curt Nimuendajú. Campinas: Editora Curt Nimuendajú, 2019. Nimuendajú, Curt. “Fragmentos de religião e tradição dos índios Sipáia: contribuições ao conhecimento das tribos de índios da região do Xingu, Brasil Central.” Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: Tempo e Presença/São Paulo: Cortez, nº 7, (1981): 3-47. Nimuendajú, Curt. “Textos indigenistas: relatórios, monografias, cartas”. São Paulo: Loyola, 1982. Nimuendajú, Curt. “Tribes of the lower and middle Xingu river”. Handbook of South American Indians. Steward, Julian H. (Ed.). v. 3. Washington: Smithsonian Institute, 1948. Rodrigues, C. L. R. Etude morphosyntaxique de la langue Xipaya (Brésil). 1995. 274f. Thèse (Doctorat en Linguistique) - U.F.R. Lettres, Arts et Cinéma, Université Paris VII, Paris, 1995. Snethlage, Emilie. Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die Chipaya und Curuaya. Zeitschrift für Ethnologie. Berlin: s. ed., nº 45,(1910): 395-427. Snethlage, Emilie. A travessia entre o Xingu e o Tapajós. Manaus: Governo do Estado do Amazonas; SEC, 2002. (Documentos da Amazônia, 98). Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 398-401, jan/jul, 2021. 400 Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Snethlage, Emilie. Zur Ethnographie der Chipaya und Curuaya. Zeitschrift für Ethnologie, Berlin: s. ed., nº 42, 1910. Snethlage, Emilie. “Die Flüsse Iriri und Curuá im Gebiet des Xinghú : Mit einer Karte.” [nach S. 384]. Snethlage, E. in: Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin : zugl. Organ d. Deutschen Geographischen Gesellschaft / Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin - 1925 / Vorträge und Abhandlungen 27 Page(s) (328 - 354). Cilene Trindade Rohr. E-mail: cilene.rohr@gmail.com. https:// orcid.org/00000003-4524-8045. Rosanne Castelo Branco. E-mail: castelobranco.rosanne@gmail.com. https:// orcid.org/0000-0001-70348748. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 398-401, jan/jul, 2021. 401 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage https://doi.org/10.5007/2175-7968.2021.e84961 DIE INDIANERSTÄMME AM MITTLEREN XINGU: IM BESONDEREN DIE CHIPAYA UND CURUAYA Emilie Snethlage Tradução de: Cilene Trindade Rohr1 1 Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil Rosanne Castelo Branco2 Universidade Federal do Pará, Campus Marajó – Soure, Pará, Brasil 2 SNETHLAGE, Emilie. “Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die Chipaya und Curuaya.” Zeitschrift für Ethnologie, Berlin: s. ed., n. 45, 1910, pp. 395-427. SNETHLAGE, Emilie. As etnias indígenas do Médio Xingu: em especial a Xipaya e a Curuaya. Berlin: Behrend & CO.,1921, pp. 395-427. Wohnsitze der Indianer am Assentamento dos indígenas no mittleren Xingú, Iriri und Curuá Médio Xingu, Iriri e Curuá 1. Chipaya: Die Wohnsitze der Chipaya haben sich im Laufe der etwa 25 —30 Jahre, in denen die heutigen brasilianischen Ansiedler des Iriri von ihnen Kunde haben, mannigfach verschoben. Accioly, der erste Besiedler des Flusses, fand bei seiner Ankunft 1. Xipaya Segundo relatos dos atuais colonos brasileiros do Iriri, as áreas de assentamento dos Xipaya mudaram por diversas vezes, no período de 25 a 30 anos. Accioly, o primeiro colono do rio, encontrou alguns Xipaya assentados logo acima da atual Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 402 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco einen Teil von ihnen wenig oberhalb des heutigen Santa Júlia seßhaft. Von dort zogen sie, anscheinend infolge der Ankunft weiterer Brasilianer, an den Curuá. An letzterem Flusse scheinen sie ziemlich lange die Gegend oberhalb des Igarapé do Limão, bis einige Tagereisen über die Mündung des heutigen Igarapé dos Curuayas hinaus, bewohnt zu haben. Weiter aufwärts sind sie nach ihrer eigenen Aussage nur ausnahmsweise gegangen. Dies geht auch aus der Abwesenheit aller alten Wohnstätten am oberen Curuá hervor. Santa Júlia. De lá, mudaram-se para o Curuá, aparentemente em razão da chegada de mais brasileiros. Eles parecem ter vivido, por muito tempo, no rio Curuá, na região acima do Igarapé do Limão que fica há alguns dias de viagem da foz do atual Igarapé dos Curuaya. Segundo os próprios Xipaya, eles só se locomoviam em casos excepcionais. Isso se comprova pela ausência de evidências de moradias antigas no alto Curuá. Am Iriri haben wir oberhalb Bocca do Curuá keine Spuren von Chipayamalokas gefunden. Auch die Indianer selber bestätigten, daß sie hier nie gewohnt hätten. Vielleicht hat sie Furcht vor den Carajás vom oberen Teil dieses Flusses fern gehalten. Das rechte Ufer desselben steht heute noch in sehr schlechtem Rufe. Kein Chipaya würde auf ihm übernachten, und die Seringueiros nennen es geradezu die „Terra do Carajá“, im Gegensatz zu der „Terra do Meio“ (Mittelland), dem Gebiet zwischen Iriri und Curuá. Não encontramos vestígios de malocas de Xipaya no Iriri, acima da Boca do Curuá. Os próprios indígenas confirmaram que nunca viveram ali. Talvez o medo dos Carajás os tenha afastado da parte alta do rio Curuá. Hoje em dia, a margem direita desse mesmo rio tem, ainda, uma fama ruim. Nenhum Xipaya pernoitava ali, e os seringueiros a chamavam de “Terra do Carajá” em contraponto à “Terra do Meio”, área entre o Iriri e o Curuá. 1913 holte Accioly nach der Em 1913, após o assassinato de Ermordung Manoelsinhos die Chipaya Manoelzinho, Accioly trouxe os in ihre ältesten (bekannten) Wohnsitze Xipaya de volta às suas moradias Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 403 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage zurück. Sie lebten zur Zeit meiner Anwesenheit in mehreren zum Teil neuerbauten Malokas etwas oberhalb von Santa Júlia, während die schon früher in Acciolys Dienste getretenen Indianer — zum größten Teil Chipaya — ihre Hütten weiter unterhalb hatten. Außer diesen in der Nähe von Santa Júlia angesiedelten Indianerfamilien findet man einzelne andere in fast jeder bedeutenderen Ansiedlung des Iriri und unteren Curuá. Letztere kann man, obwohl sie kaum portugiesisch sprechen, heute fast schon als Indios mansos bezeichnen. Sie haben die Ursprüngliche Tracht und den größten Teil ihrer früheren Sitten vollständig aufgegeben, wahrscheinlich für immer. mais antigas (conhecidas). Na época da minha estadia, eles viviam em várias malocas parcialmente construídas um pouco acima de Santa Júlia, enquanto os indígenas que já haviam trabalhado antes para Accioly – principalmente os Xipaya – tinham suas cabanas mais abaixo. Além dessas famílias indígenas, assentadas perto de Santa Júlia, há outras em quase todo grande assentamento do Iriri e do baixo Curuá. Os últimos podem ser denominados quase como “índios mansos”, embora pouco falem o português. Eles desistiram completamente do uso dos trajes originais e da maior parte de seus costumes anteriores, provavelmente para sempre. Die Kopfzahl der wirklich noch unabhängigen und in einem gewissen Stammesverband lebenden Chipaya scheint schon seit Jahren nicht mehr sehr hoch gewesen zu sein und ist in letzter Zeit wohl noch mehr zürückgegangen, durch den Übertritt so vieler Indianer in die Dienste der brasilianischen Ansiedler. Die Horde des Joaquin Velho, die wohl nicht mehr als ein Dutzend Männer umfaßte, schien, mir noch am meisten am alten Chipayatum festzuhalten und sogar mit einer gewissen Verachtung auf die kurzhaarigen Renegaten ihres O número de Xipaya independentes que vivem em determinado grupo tribal parece não ter aumentado há anos e, provavelmente, diminuiu ainda mais recentemente com tantos indígenas ingressando nos serviços dos colonos brasileiros. O grupo de Joaquim Velho que, provavelmente, não passava de uma dúzia de homens, parecia-me ser a que mais se apegava à velha origem Xipaya e tratava com desprezo os renegados de cabelos curtos da sua etnia. Se somarmos os Xipaya que estão em plena transição para o Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 404 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Stammes herabzublicken. Rechnet man die in vollem Übergang in das Stadium der Indios mansos (zahmen Indianer) begriffenen, aber noch ganz reinblütigen Chipaya hinzu, so dürfte man immerhin noch auf eine Gesamtzahl von mehreren hundert Köpfen kommen. Die Leute leben als Fischer und Jäger, manchmal auch als Barqueiros, kaum jemals als Gummisammler in Diensten der Brasilianer, vollständig, oder nur zeitweilig, wenn sie gerade Bedürfnis nach gewissen Handelswaren haben. Zu letzteren gehörte zum Beispiel der mir bereits von meiner ersten Reise her bekannte „Coronel“, den ich damals mit seiner Frau im reichsten Nationalkostüm photographierte. Beide hatten jetzt ganz die Seringueirotracht angenommen, so daß ich sie im ersten Augenblick, als sie mich bei einem zufälligen Zusammentreffen im Nachtlager sehr freundlich begrüßten, gar nicht wiedererkannte. estágio dos indígenas mansos (indígenas domesticados), porém de sangue puro, ainda assim chegaremos a um total de centenas de cabeças. As pessoas vivem como pescadores e caçadores, às vezes como barqueiros, quase nunca como coletores de borracha a serviço dos brasileiros, integralmente, ou apenas temporariamente, quando precisam de certas mercadorias. Estes últimos incluíam, por exemplo, o “Coronel”, que eu já conhecia desde a minha primeira viagem, o qual fotografei com sua esposa em traje nacional suntuoso. A essa altura, ambos tinham adotado roupas de seringueiro, de maneira que eu não os reconheci no primeiro momento, quando me cumprimentaram muito gentilmente em um encontro casual no acampamento à noite. 1909 fürchteten alle Indianer sehr den „catarrho“, den sie sich vielfach bei Berührungen mit den Civilizados holten, und der große Verheerungen unter ihnen anrichtete. Bei meinem letzten Aufenthalt sah und hörte ich dagegen wenig von dieser oder von irgendwelcher andern Krankheit Em 1909, os indígenas temiam o “catarro”, que muitas vezes contraíam no contato com os civilizados, e que causava grandes danos entre eles. Durante minha última estada, porém, vi e ouvi pouco sobre esta ou qualquer outra doença entre eles. Na verdade, todos pareciam Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 405 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage unter ihnen. Sie sahen eigentlich alle bem alimentados e prósperos. wohlgenährt und blühend aus. Im ganzen scheint mir, dürfte die Stunde der Chipaya als eines unabhängigen, freien Indianerstammes bald geschlagen haben. Sie können sich als ausschließliche Flußbewohner zu wenig der Berührung mit den zivilisierten Brasilianern entziehen. Dagegen werden sie sich hoffentlich als bedeutender, friedlicher und brauchbarer Teil der Flußbevölkerung, vorläufig rein indianischen, späterhin wohl gemischten Blutes, noch lange erhalten. No geral, parece-me que a hora dos Xipaya, como uma tribo indígena independente e livre, poderia ter soado em breve. Como moradores exclusivos do rio, eles não podem evitar o contato com os brasileiros civilizados. Espera-se, no entanto, que sejam preservados por um bom tempo como uma parte importante, pacífica e útil da população ribeirinha, inicialmente, puramente indígena e mais tarde provavelmente mestiça. 2. Curuaya: Die erste mir bekannte ganz sichere Wohnstätte der Curuaya war die Aldeia (nicht Familienmaloka, wie ich mich seinerzeit ausausdrückte), in der Accioly diese Indianer bei seinem Besuche vor meiner Überlandreise zum Jamauchim traf. Doch deutet, wie ich bereits früher erwähnte, der Name des 1909 Igarape dos Curuayas, heute Curuasinho genannten Flüßcheus darauf hin, daß die ersten brasilianischen Ansiedler auch dort auf Curuaya gestoßen sind, und mein Begleiter, der Curuaya Raymundo, stammte vom Igarapé do Bahú. 2. Curuaya: O primeiro lugar seguro para viver dos Curuaya foi a aldeia (não a maloca familiar, como me expressei à época), onde Accioly conheceu esses indígenas durante sua visita, antes da minha viagem à terra dos Jamanxim1. Contudo, como mencionei anteriormente, o nome do Igarapé dos Curuaya de 1909, hoje conhecido como Curuazinho, indica que os primeiros colonos brasileiros passaram por Curuaya. Meu acompanhante, o Curuaya Raimundo, é originário do Igarapé do Baú. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 406 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Alle drei Flüßchen fallen von rechts, d. h. von der Iririseite her, in den Curuá, und das Gebiet zwischen den beiden Flüssen, die sogenannte Terra do Meio, dürfte wohl lange das Hauptwohngebiet des Stammes gewesen sein. Vielleicht ist sie es heute noch in größerem Umfange, als den Seringueiros bekannt ist. Todos os três rios correm pela direita, ou seja, do lado do Iriri para o Curuá e a área entre os dois rios, a chamada Terra do Meio, deve ter sido, por muito tempo, a principal área de moradia da etnia. Talvez ela seja mais conhecida hoje do que na época dos seringueiros. Ob früher einmal die Curuaya auch auf dem linken Ufer des Flusses ihre Wohnsitze hatten, darüber habe ich nichts erfahren können, ebensowenig habe ich irgend eine Erinnerung an die hypothetischen alten Wohnsitze des Stammes am Jamauchim gehört, es sei denn, daß eine Erzählung Raymundos auf diesen Fluß sich bezogen hätte und nicht auf den Iriri, auf welchen sie absolut nicht paßte. Raymundo behauptete nämlich plötzlich, gerade ehe wir in das unbekannte Gebiet am oberen Laufe dieses Flusses eindrangen, sein Vater sei einmal weit in demselben aufwärts gefahren, und gab mir eine ziemlich ins Einzelne gehende Beschreibung von Wasserfällen, die er getroffen habe, und anderen Einzelheiten, welche jedoch mit dem wirklichen Iriri in keiner Weise in Übereinstimmung zu bringen waren. Ich hielt seine Erzählung daher damals für reine Erfindung, muß Não consegui saber se também os Curuaya já tiveram morada permanente à margem esquerda do rio. Tão pouco ouvi qualquer lembrança de possíveis moradas antigas da etnia no Jamanxim, a menos que uma das histórias de Raimundo se refira a esse rio e não ao Iriri que absolutamente não se encaixa na descrição. Pouco antes de entrarmos na área desconhecida no curso acima do Iriri, Raimundo afirmou que seu pai certa vez se dirigiu à parte de cima desse rio e me deu uma descrição bastante detalhada das cachoeiras que conheceu e outros pormenores. Entretanto, observei que não se adequariam, de forma alguma, com as reais características do Iriri. Naquela época, eu considerei sua história pura invenção, mas devo dizer, no entanto, que, ao refletir melhor e descobrir sobre sua forma de pensar, ou seja, sua imaginação – talvez melhor dizendo sua falta de fan- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 407 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage aber doch bei näherer Überlegung sagen, daß ich nach dem, was ich von ihren seelischen Eigenschaften, ihrer Phantasie — vielleicht richtiger ihrem Mangel an Phantasie — kennen gelernt habe, diese Indianer eigentlich zum Erfinden eines vollständigen Reiseberichts für unfähig halte. Es wäre ja aber möglich, daß Raymundo die beiden Flüsse, von denen er selber persönlich keinen kannte, verwechselt hätte, und daß die von ihm gegebene Beschreibung des von seinem Vater befahrenen Flusses auf den oberen Jamauchim paßte. tasia – considero, de fato, que esses indígenas são incapazes de inventar um relato de viagem completo. É possível, porém, que Raimundo tenha confundido os dois rios que ele pessoalmente não conhecia, e que a descrição que deu do rio por onde seu pai viajou correspondeu ao alto Jamanxim. Als heutiges Wohngebiet der Curuaya ist den Brasilianern ausschließlich das Igarapé dos Curuayas bekannt, und zwar zur Zeit meiner Reise hauptsächlich das linke Ufer des Flüßchens, während die von Accioly seinerzeit besuchte, jetzt nicht mehr existierende Aldeia auf dem rechten Ufer lag. A aldeia que ficava à margem direita do igarapé, e que era conhecida pelos brasileiros como área de moradia dos Curuaya, não existe mais. Durante minha viagem, conheci principalmente a margem esquerda desse rio que, à época, Accioly visitou. Ich besuchte persönlich zwei Flußmalokas und eine Aldeia, sämtlich auf dem linken Ufer, und die letztere etwa 2 Meilen landeinwärts gelegen. Sie waren etwa 4-6 Bootstagereisen von der Mündung entfernt. Von einer zweiten, neu errichteten Aldeia hörte ich sichere Nachrichten. Sie sollte Visitei pessoalmente duas malocas ribeirinhas e uma aldeia, todas na margem esquerda, e a última cerca de duas léguas no interior. Os Curuaya estavam por volta de quatro a seis dias de barco do estuário. Ouvi notícias fidedignas sobre uma segunda aldeia recém-construída para substituir a aldeia mais antiga Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 408 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco an Stelle des von mir besuchten älteren, schon etwas baufälligen Dorfes treten. Der größere Teil von Caruremas Horde war bereits dahin übergesiedelt. Noch eine weitere Aldeia- sollte weiter flußaufwärts, landeinwärts, zwischen den beiden, Flußmalokas existieren. Die Berichte über sie waren jedoch ziemlich schwankend. Keiner von den Seringueiros oder den mich begleitenden Indianern hatte sie selbst gesehen. Möglicherweise war einfach die neue Aldeia gemeint, die mir andererseits aber wieder als viel weiter südlich liegend geschildert wurde. Auf dem Rückweg zeigte mir außerdem Raymundo, als ich einmal mit ihm und seiner Familie allein fuhr, an einer weithin öden Strecke des rechten Ufers des Curuá, nicht allzuweit von Bom Futuro, eine Stelle, wo nach seiner Aussage eine im Innern lebende, den Brasilianern nicht bekannte Horde seiner Landsleute hin und wieder an den Fluß kommen soll. que visitei e estava bastante arruinada. A maior parte do grupo de Carurema já havia se deslocado para lá. Devia existir outra aldeia mais rio acima, no interior, entre as duas malocas ribeirinhas. Os relatos sobre elas, entretanto, eram bastante imprecisos. Nenhum seringueiro ou indígena que me acompanhava as tinha visto. Possivelmente, alguém me contou sobre a nova aldeia que me foi descrita como sendo muito mais ao sul. Na volta, Raimundo também me mostrou, quando eu viajava com ele e sua família, em um trecho bastante árido da margem direita do Curuá, não muito longe de Bom Futuro, um lugar onde, segundo ele, um grupo de seus conterrâneos vivia no interior, não conhecido pelos brasileiros, e chegava ao rio de tempos em tempos. Die Kopfzahl seiner Horde gab mir Carurema auf 93 an, die er alle namentlich aufführte. Es waren 31 Männer, 42 Frauen, 14 Knaben und 6 Mädchen. Die kleineren Kinder schienen dabei nicht mitgezählt zu sein. Ich glaube nicht, daß diese Carurema me deu o número de pessoas de seu grupo, 93, todas listadas pelo nome. Havia 31 homens, 42 mulheres, 14 meninos e 6 meninas. As crianças menores não entravam nessa contagem. Não acho que essa lista estava completa, pois Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 409 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Liste vollständig war, denn er wurde, während er sie mir angab, von einem dabei sitzenden Curuaya ein paarmal an vergessene Namen erinnert und hatte wahrscheinlich nicht alle seine Untertanen namentlich im Kopfe. Eine Kopfzahl von 150 dürfte kaum zu hoch gegriffen sein. Ich glaube auch, wie gesagt aus Andeutungen, hauptsächlich von selten Raymundos, schließen zu dürfen, daß auf der Terra do Meio noch mindestens eine andere Curuayahorde existiert, die den Ansiedlern unbekannt ist. Von den größeren, rechtsseitigen Zuflüssen des Curuá ist das Igarapé dos Curuayas das einzige, das von den Seringueiros wenigstens in einem beträchtlichen Teil seines Laufes — etwa 6 Tagereisen weit — befahren worden ist. Von all den übrigen, z. Teil nicht unbedeutenden Nebenflüssen des rechten Curuáufers, dem Igarapé do Bahú, Ig. Do Barbado, dem Curuasinho, ist ihnen nur die Mündung bekannt. Da die Curuaya der Schiffahrt viel weniger kundig und ihr viel weniger zugetan sind als die Chipaya — was man schon aus ihrer Ungeschicklichkeit im Bootbau ersehen kann — vielmehr mit wenigen Ausnahmen den Aufenthalt im Festlande des Innern dem an den Ufern der größeren Flüsse vorzuziehen scheinen, wäre es nicht ele foi lembrado algumas vezes de nomes esquecidos por um Curuaya sentado junto, e provavelmente não tinha todos os seus subordinados na cabeça pelo nome. É improvável que uma contagem de 150 pessoas seja exagerada. Diante das suposições de Raimundo, acredito também que há pelo menos um outro grupo Curuaya na Terra do Meio desconhecido pelos colonos. Dos afluentes maiores e à direita do Curuá, o Igarapé dos Curuaya é o único que tem sido utilizado pelos Seringueiros pelo menos em uma parte significativa de seu curso, cuja duração é de aproximadamente seis dias de viagem. Dos demais afluentes, em parte não menos importantes, que estão à margem direita do Curuá – Igarapé do Baú, do Barbado e do Curuazinho – eles só conhecem o estuário. Os Curuaya são menos conhecedores de navegação e muito menos devotados a ela do que os Xipaya. Isso pode ser visto por sua falta de jeito na construção de barcos com algumas exceções nas estadias das festas do interior que acontecem às margens dos rios maiores. Não é de admirar que parte deles tenha escapado à atenção dos seringueiros que só vivem à margem dos rios e das ilhas. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 410 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco wunderbar, wenn ein Teil von ihnen der Aufmerksamkeit der ausschließlich Ufer und inselbewohnenden entgangen sein sollte. 3. Araras: Über die Araras, die am linken Xingú Ufer, (wo Accioly noch einige ihrer Überfälle, wegen derer der Teil des Xingú am Fuße der Serra dos Araras eine Zeitlang vollständig von den brasilianischen Ansiedlern verlassen worden war, miterlebt hatte), jetzt ganz verschollen sind, konnte ich folgendes in Erfahrung bringen: Gummisammler des Herrn Lopes da Costa in Curambi, etwa eine Tagereise oberhalb Sta. Júlia auf dem linken Ufer des Iriri, haben diesem erzählt, daß sie einige Tagereisen landeinwärts nicht selten auf deutliche Spuren eines umherstreifenden Indianerstammes trafen, ohne daß es ihnen jedoch gelungen sei, mit den Wilden, die auf sehr niedriger Kulturstufe zu stehen schienen, in Verbindung zu treten oder sie überhaupt nur zu Gesicht zu bekommen. Glücklicher waren, wie mir Coronel Jose Julio de Andrade bald nach meiner Rückkehr vom Xingú mitteilte, dessen Leute am oberen Curuá de Ituqui (zwischen Xingú und Tapajoz). Sie haben eine Niederlassung: der zwischen Curuá der Ituqui und dem unteren Iriri 3. Araras: Sobre os Araras que hoje estão completamente perdidos na margem esquerda do Xingu pude descobrir algumas informações. Nessa localidade, Accioly presenciou alguns ataques devido ao interesse por parte do Xingu que fica ao pé da Serra dos Araras e que foi completamente abandonada pelos colonos brasileiros por algum tempo. Segundo os coletores de borracha do Sr. Lopes da Costa, eles se depararam, muitas vezes, com uma etnia indígena errante e de traços claros. Esse fato se deu em Curambi que fica a cerca de um dia de viagem acima de Santa Júlia, à margem esquerda do Iriri, alguns dias de viagem em direção ao interior. Eles contaram, ainda, que não conseguiram estabelecer contato com os selvagens que pareciam ter um nível cultural muito baixo para se comunicar verbal e visualmente. Como me informou o Coronel José Júlio de Andrade, logo após meu retorno do Xingu, seu povo era mais feliz no alto Curuá de Ituqui (entre o Xingu e o Tapajós). Eles buscavam um assentamento selvagem entre o Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 411 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage hausenden Wilden aufgesucht und sind mit letzteren in friedliche Berührung getreten, bei der sie erfuhren, daß sie in der Tat mit Araras zu tun hatten. Näheres über den Besuch konnte ich jedoch bisher nicht erfahren, auch nicht meine Absicht, diese Wilden so bald wie möglich selbst aufzusuchen, zur Ausführung bringen. Curuá de Ituqui e o baixo Iriri, e com estes últimos entraram em contato pacífico até descobrirem que se tratava, de fato, dos Araras. Até aquele momento da minha visita, não pude obter mais informações e nem realizei minha intenção de visitar pessoalmente esses selvagens. 4. Assurinis: Auch die Assurinis sollen sich seit langer Zeit ganz vom rechten Xingú Ufer zurückgezogen haben und heute landeinwärts, hinter den nach ihnen benannten Hügeln, leben. Sie sollen nur sehr geringe Verbindung mit den Ansiedlern des Xingú unterhalten, ohne ihnen jedoch feindlich gegenüberzutreten. Einige ihrer früheren Bekannten sollen sie sogar noch hin und wieder besucht haben. Einen der letzteren nannte mir Accioly, dem ich diese Nachrichten verdanke, mit Namen und meinte, es sei durch ihn vielleicht möglich, mit ihnen in Verbindung zu treten. 4. Assurinis: Há muito tempo, os Assurinis também teriam se retirado da margem direita do Xingu. Vivem agora no interior, atrás das colinas que levam seu nome. Diz-se que eles têm muito pouco contato com os colonos do Xingu, sem serem, contudo, hostis com eles e que alguns de seus antigos conhecidos os visitavam de vez em quando. Accioly passou-me o nome de um desses conhecidos, por meio do qual é possível entrar em contato com os Assurinis. In Altamira sah ich im Geschäftshaus der Herren Bitar Irmãos einige sehr zierlich gearbeitete, mit Flechtarbeit geschmückte Waffen, die von Assurinis herrühren sollten. Sie waren von Barqueiros mitgebracht worden. Näheres konnte ich nicht erfahren. No gabinete dos irmãos Bitar, em Altamira, vi algumas armas muito delicadas e adornadas com vime. Diz-se que são originárias dos Assurinis e foram trazidas pelos barqueiros. Isso é tudo que consegui descobrir. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 412 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco 5. Die am Iriri „Carayá“ genannten Indianer: Das rechte Ufer des Iriri, etwa von Bocca do Curuá aufwärts, heißt bei den Ansiedlern Terra do Carajá, und aufregende Gerüchte von in diesem Teil des Flusses von wilden Indianern verübten räuberischen und mörderischen Überfällen sind am ganzen Iriri verbreitet. Kein Brasilianer oder Iriri -Indianer wird auf dem rechten Ufer übernachten, und ich selbst wurde, als wir in diesen Teil des Iriri kamen, sehr ernstlich vor dem Jagen auf dem rechten Ufer, sogar bei Tage, gewarnt. Die Überfälle werden allgemein den Carajás zugeschrieben. Ich hatte mir eigentlich die Ansicht gebildet, daß sie, wenn auch nicht direkt abzuleugnen, doch keineswegs von den Indianern aus dem TocantinsAraguaya- Gebiet herrühren könnten, sondern wohl eher einzelnen, besonders waghalsigen Indianern aus der Curuábevölkerung zuzuschreiben seien, von denen zur Zeit meiner ersten Reise einige für ,,muito valente“ (etwa: sehr gewalttätig) galten. Wirkliche Augenzeugen solcher Überfälle hatte ich damals nie gesprochen. Unter meinen Begleitern war auch niemand, der mir irgendeinen stichhaltigen Grund angeben konnte, warum er diese 5. Os indígenas chamados de “Caraiá”, no Iriri: A margem direita do Iriri, pouco acima da boca do Curuá, é chamada pelos colonos de Terra do Carajá. Rumores chocantes de ataques com saques e assassinatos cometidos nesta parte do rio, por indígenas selvagens, são difundidos em todo Iriri. Nenhum brasileiro ou indígena Iriri pernoita na margem direita e, quando ali chegamos, fui veementemente advertida para não caçar no local, mesmo durante o dia. Os ataques são geralmente atribuídos aos Carajás. Eu já havia me convencido de que esses ataques não poderiam ter sido cometidos pelos indígenas da região Tocantins-Araguaia, ainda que essa informação não tenha vindo à tona. Assim, esses ataques só poderiam ser provenientes de indígenas ousados da população de Curuá, alguns dos quais – à época de minha primeira viagem – eram tidos como “muito valente” (ou seja, muito violentos). Na verdade, nunca falei com testemunhas oculares de tais ataques na época. Também não havia entre meus acompanhantes ninguém que pudesse me dar um motivo válido para considerar esses indígenas como Carajás. Foi somente no igarapé dos Curuaya que conheci o primeiro brasileiro: Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 413 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Indianer gerade für Carajás hielte. Erst im Igarapé dos Curuayas traf ich in dem sehr ruhigen und verständigen Cavalcante den ersten Brasilianer, der, 4 Jahre vorher, in dem berüchtigten Teil des Iriri wirklich ein Zusammentreffen mit den Räubern gehabt hatte, wobei zwei von ihnen getötet worden waren. Er beschrieb ihr Aussehen, Haartracht, Ausrüstung usw: ziemlich genau, und aus der Schilderung ging deutlich hervor, daß es sich nicht um Curuáindianer handeln konnte, wohl aber paßte sie auf die Indianer vom TocantinsAraguaya, welche Flüsse Cavalcante übrigens nie besucht hatte. Als er zufällig das Buch von Krause: „In den Wildnissen Brasiliens“ sah, das ich bei mir hatte, und das Raymundo seinen Landsleuten zu zeigen liebte, sagte er sofort, ohne zu wissen wovon es handelte, auf die Abbildungen deutend, so hätten seine Indianer auch ausgesehen, gerade so hätten sie die Haare geschnitten gehabt. Ferner erzählte mir der gleichfalls sehr nüchterne und zuverlässige Coronel Adolpho Castello Branco in Bocca do Curuá, daß tatsächlich im Besitz von Araguayaindianern Sachen gefunden worden sind, die zweifellos vom Iriri stammen, ja die zum Teil noch die Marke seines Hauses getragen haben. Ob es sich gerade um den Carajá o muito calmo e discreto Cavalcante. Há quatro anos, ele havia se encontrado com os ladrões na parte mais visível do Iriri quando dois deles foram mortos. Ele descreveu sua aparência, arranjos e cortes de cabelos, armamentos etc., com bastante precisão. Ficou claro na descrição que não podia se tratar dos indígenas Curuá, mas se adequava aos dos rios Tocantins-Araguaia, que, aliás, Cavalcante nunca havia visitado. Quando, por acaso, Cavalcante viu o livro In den Wildnissen Brasiliens [“Nas Selvas do Brasil”], de Krause, que eu trazia comigo –, e que Raimundo adorava mostrar aos seus conterrâneos – disse ele imediatamente apontando as fotos, sem saber do que se tratava, que seus indígenas também tinham essa aparência e seus cortes de cabelos eram exatamente assim. Além disso, o sóbrio e confiável Coronel Adolpho Castello Branco disse-me, em Boca do Curuá, que, na verdade, foram encontrados objetos na posse de indígenas araguaios que, sem dúvida, eram do Iriri e que, em parte, levavam a marca de sua casa. A partir dos relatos dos dois senhores citados, não consegui determinar com precisão se se tratava da etnia chamada Carajá, pois os habitantes do Iriri Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 414 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco genannten Stamm handelte, konnte ich aus den Berichten der beiden erwähnten Herren nicht mit Sicherheit entnehmen, da die Iriribewohner alle Stämme des Araguayagebiets unter diesem Namen zusammenfassen. Aber an dem zeitweiligen Auftauchen von Indianern aus letzterer Gegend auf dem rechten Iririufer zweifle ich nicht mehr. Wie sie dorthin gelangen, darüber machte sich niemand, den ich fragte, Gedanken. Ich möchte annehmen, daß sie wohl kaum das ganze riesige Gebiet zu Fuß durchqueren, sondern bei ihren Streifzügen entweder den Rio Fresco, der dem Araguaya so nahe kommt, daß ein großer Teil des Gummis aus diesem Flusse über ihn nach dem Xingú abgeführt wird, oder einen andern rechtsseitigen Zufluß des letzteren benutzen. Von dort bis zum Iriri könnten sie leichter über Land streifen, da derselbe dem Xingú gerade in diesem Teile seines Laufes sehr nahe kommt. Merkwürdig ist immerhin, daß die im Araguaya so gut beleumundeten Carajás hier im Xiugúgebiet eine solche Kehrseite aufweisen. agrupam todas as etnias da região do Araguaia com este nome. Não duvido mais do aparecimento temporário de indígenas desta última região na margem direita do Iriri. Como eles chegaram lá, ninguém a quem perguntei parecia se importar. Suponho que dificilmente eles cruzavam toda a imensa área a pé. Usavam o Rio Fresco, que chega bem perto do rio Araguaia – de onde grande parte da borracha é levada até o rio Xingu – ou usavam outro afluente à direita deste último. De lá para o Iriri poderiam andar mais facilmente por terra, já que se localiza muito próximo do Xingu nesta parte do seu curso. É estranho, porém, que os Carajás, tão conceituados em Araguaia, tenham essa desvantagem aqui na região do Xingu. 6. Die Indianer des Salto do Cashimbo: Während wir am oberen Iriri keine Spuren fanden, die darauf schließen 6. Os indígenas do Salto do Cachimbo: Embora não tenhamos encontrado no alto Iriri quaisquer evidências Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 415 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage ließen, daß hier in neuerer Zeit Indianer auch nur vorübergehend sich aufgehalten hätten, fanden wir am Fuße des großen Curuáfalles, dem ich den ihm von seinen indianischen Entdeckern gegebenen Namen des Cashimbo gelassen habe, deutliche Reste von Indianerlagern und einen Fußpfad, der am Bergabhang hinauf zum oberen Plateau führte. Die Spuren waren anscheinend bereits einige Monate alt und hätten schließlich auch für die von Curuaya oder Chipaya‘ gehalten werden können. Doch fanden sie sich auch oben auf dem Plateau, und außerdem erzählte Raymundo nach Berichten seiner Landsleute, die mit den“ Wilden vom oberen Flusse hier einmal zusammengetroffen waren, eine Reihe von Einzelheiten über deren Aussehen und Benehmen, die er unmöglich erfunden haben konnte. Es seien sehr häßliche Indianer gewesen, mit kurzen Haaren, Lippen pflöcken und ganz nackt. Doch hätten sie außer Bogen und Pfeilen auch Vorderlader bei sich gehabt. Er meinte, sie wohnten nicht am Cashimbo selbst, sondern seien nur des Pfeilrohrs wegen, das hier ungemein häufig ist, dahingekommen. Spuren dauernder Wohnsitze haben wir denn auch nicht gefunden, doch läßt der ziemlich gut ausgetretene Fußpfad darauf da presença de indígenas mesmo que temporariamente, nos últimos tempos, encontramos vestígios de acampamento e uma trilha. Esta subia pela encosta da montanha até a planície superior, ao pé da grande queda do Curuá – o qual deixei o nome de Cachimbo que lhe foi dado por seus descobridores, os indígenas. As pegadas tinham aparentemente alguns meses e poderiam ter sido confundidas com as de Curuaya ou de Xipaya, mas também foram encontradas no planalto. Baseado no relato de seus compatriotas – que certa vez encontraram os “selvagens do alto rio” – Raimundo narrou uma série de detalhes que ele não poderia ter inventado sobre sua aparência e comportamento. Seriam indígenas muito feios, com cabelos curtos, lábios grossos e completamente nus. Além de arcos e flechas, traziam consigo armas de fogo carregáveis. Raimundo achava ainda que eles não moravam propriamente no Cachimbo e só chegaram ali por causa da flecha que é extremamente comum nessa região. Não encontramos vestígios de residência permanente, mas uma trilha bem pisada sugere que eles iam ao Cachimbo regularmente, e suas malocas deviam se localizar por aquela região. Eu teria tentado alcançá-los, caso Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 416 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco schließen, daß sie ziemlich regelmäßig an den Cashimbo kommen, und daß ihre Malokas nicht allzuweit entfernt sein dürften. Wäre die Jahreszeit nicht so weit vorgeschritten und unsere Vorräte fast zu Ende gewesen, so hätte ich gern einen Versuch gemacht, sie zu erreichen. Doch konnte ich mit Rücksicht auf meine Begleiter hieran nicht denken. a temporada não tivesse avançado tanto e nossos suprimentos não estivessem quase no fim. Mas em consideração aos meus acompanhantes, sequer pensei nessa possibilidade. Zwei Jahre später erzählte mir Accioly bei einem Besuch in Pará, daß die Indianer des Cashimbo neuerdings aufgetaucht und sogar ein Stück den Curuá herabgekommen seien, wobei sie sich sehr freundschaftlich benommen hätten. Ein einzelner von ihnen fand sich später ganz bei den Seringueiros ein und lebt noch heute dort. Durch Herrn C. N. Unkel, welcher hoffentlich bald in der Lage sein wird, über seine Erlebnisse unter den Iriri-Curuá-Indianern zu berichten, ist zweifellos festgestellt worden, daß diese Indianer Caiapós sind, die im Quellgebiet dieser Flüsse zu hausen scheinen. Dois anos depois, em visita ao Pará, Accioly me contou que os indígenas do Cachimbo haviam aparecido recentemente e até desceram um pouco do Curuá, comportando-se de maneira muito amigável. Mais tarde, um deles se juntou aos seringueiros e ainda vive lá hoje. Através do senhor C. N. Unkel, que, tomara, em breve possa relatar suas experiências entre os índios IririCuruá, não resta dúvida que esses índios são caiapós e vivem nas cabeceiras desses rios. 7. Spuren älterer 7. Vestígios de populações indígeIndianerbevölkerungen am Iriri- nas mais antigas no Iriri-Curuá: Curuá: Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 417 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage I. Felsritzungen. I. Esculturas em pedra In der Terra do Carajá, aber noch in dem von Seringueiros bewohnten Teile, fanden wir einmal an steiler Granitwand eine Felsritzung, bestehend aus zwei großen Spiralen dicht nebeneinander so angeordnet, als ob sie Augen darstellen sollten. Meine Leute hielten sie auch dafür, und eine in der Mitte darunter befindliche Vertiefung, die aber auch natürlichen Ursprungs hätte sein können, für den dazugehörigen Mund oder die Nase. Ich habe die Spiralen mit besonderer Berücksichtigung der Windungen, ihrer Zahl und Richtung an Ort und Stelle abgezeichnet, so gut es ging. Ihr Durchmesser betrug etwa einen Meter (für jede von ihnen). Na Terra do Carajá, na parte ainda habitada pelos seringueiros, encontramos, certa vez, uma fenda rochosa em um paredão de granito íngreme, composta por duas grandes espirais dispostas juntas como se representassem olhos. Meu pessoal também teve a mesma impressão, ou seja, visualizaram uma depressão no meio abaixo que também poderia ser de origem natural e que condizia à boca e ao nariz. Desenhei as espirais no local, o melhor que pude, dando atenção especial às curvas, seu número e direção. Seu diâmetro era de cerca de um metro para cada um deles. Später sagte mir Accioly, daß auf einem Felsen in der Iririmündung sich gleichfalls Felsritzungen, oder sogar Malereien finden sollen. Er war seiner Sache ganz sicher und behauptete, sie selbst gesehen zu haben. Meine Begleiter auf der Rückfahrt jedoch hatten nie von ihnen gehört und konnten sie nicht finden. Mais tarde, Accioly me disse que deveriam existir gravuras rupestres ou mesmo pinturas em uma rocha na foz do Iriri. Ele afirmava, com toda certeza, ter visto pessoalmente. Contudo, no caminho de volta, meus acompanhantes disseram nunca ter ouvido falar delas e não conseguiram encontrar tais gravuras ou pinturas. II. Reste von Töpfereien. Bei einem zufälligen Zusammentreffen im Iriri, wo er mich mit seinem Motor überholt II. Restos de cerâmica Encontrei Accioly no Iriri, quando, eventualmente, passava por mim com seu transporte motori- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 418 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco hatte, schenkte mir Accioly einige kleine aus Ton gebrannte Tierköpfe und Scherben, die ihm ein etwas oberhalb von Sta. Júlia wohnender Seringueiro gegeben hatte. Auf dem Rückweg suchte ich selbst die Stelle auf, um womöglich Grabungen zu veranstalten, doch mußten wir uns des steinharten Bodens wegen, darauf beschränken, die an der Oberfläche einer Roça herumliegenden, nicht zahlreichen und größtenteils schlecht erhaltenen Bruchstücke zu sammeln. Es sind Scherben verschiedener Art, Tierköpfe geringer Größe, Füße u. dgl., welche sehr an die auf den Campos des unteren Amazonas so häufigen Töpfereireste erinnern. Die Chipaya und Curuaya betrachteten sie mit demselben Erstaunen wie wir. Unter den von ihnen verfertigten Töpfereien findet sich nichts, was daran erinnert. zado. Ele me presenteou algumas pequenas cabeças de animais e cacos feitos de argila recebidos de moradores seringueiros que viviam um pouco acima de Santa Júlia. No caminho de volta, eu mesma fui ao local para organizar escavações. Contudo, devido ao solo duro, tivemos que nos limitar a recolher os fragmentos que não eram numerosos e, na sua grande maioria, mal conservados e espalhados pela superfície de uma roça. São cacos de vários tipos, pequenas cabeças de animais, pés e afins, que lembram muito restos de cerâmica tão comuns nos campos do baixo Amazonas. Os Xipaya e Curuaya viam esses objetos com o mesmo espanto que nós, pois não enxergavam qualquer semelhança com a cerâmica que produziam. III. Muirakitás. Der von Carurema in einer Cachoeira des oberen Igarapé dos Caruayas gefundene Muirakitä dürfte gleichfalls von einer früheren Bevölkerungsschicht herrühren. Derselbe ist aus rötlichem Stein sorgfältig in Form eines Käfers geschnitten und poliert. Die Indianer hielten ihn für eine einfache Merkwürdigkeit und verbanden III. Muiraquitãs O Muiraquitã encontrado por Carurema em uma cachoeira no alto do Igarapé dos Caruaias advém, certamente, de uma antiga camada dos habitantes. Ele é uma pedra avermelhada, cuidadosamente cortada e polida em forma de besouro. Os indígenas o consideravam uma simples curiosidade e aparentemente não tinham lembranças próprias associadas ao Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 419 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage offenbar keine eigenen Erinnerungen damit. Herr Unkel hat aus der Nähe desselben Fundorts ein zweites Stück derselben Art, aber bedeutend kleiner, erhalten. objeto. O senhor Unkel recebeu da vizinhança do mesmo local uma segunda peça do mesmo tipo de pedra, porém significativamente menor. Kultulrverhältnisse. Chipaya: Maloka: Die in Sta. Júlia schon längere Zeit bestehenden sowie neugegründeten Malokas unterschieden sich wenig von derjenigen Manoelsinhos, oder überhaupt von der Bauart der einfacheren Seringueirowohnungen. Einzelne hatten sogar schon einen vollständig geschlossenen Raum, der etwa ein Viertel der Grundfläche einnahm. Alle enthielten Gestelle zur Aufbewahrung des Hausgeräts und etwaiger Vorräte. Das Material waren aus Baumstämmen grob zugehauene Pfosten und Sparren für das Gerüst, Palmstroh für das Dach, und Lianen Çipos mit denen Pfosten und Sparren verbunden waren. Der Fußboden war stets der mehr oder weniger sorgfältig festgestampfte Erdboden. Die Wände des geschlossenen Raumes, soweit ein solcher vorhanden, bestanden entweder aus mit Lehm gefüllten Pfostengitterwerk, oder aus an den Eckpfosten quer befestigten Palmwedeln. Ähnliche Wände sind vielfach auch bei den Seringueiros, Relações culturais: Xipaya e malocas As malocas de Santa Júlia, as de longa data e as recém-fundadas, pouco diferiam das de Manoelzinho, ou mesmo da concepção dos alojamentos mais simples dos seringueiros. Algumas até tinham um cômodo completamente fechado que ocupava cerca de um quarto do espaço. Todos continham prateleiras para guardar utensílios domésticos e quaisquer suprimentos. Os materiais eram feitos grosseiramente de troncos de árvores e caibros cortados para o andaime, palha de palmeira para o telhado e cipós usados para amarrar os postes e caibros. O chão era sempre de terra, às vezes, bem batida, outras não. As paredes do espaço fechado, quando havia, eram feitas de treliças preenchidas com barro ou folhas de palmeira presas transversalmente aos postes de canto. Esses tipos de paredes são frequentemente utilizados pelos seringueiros não só aqui, mas em toda a Amazônia. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 420 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco nicht nur hier, sondern in ganz Amazonien in Gebrauch. In dem ursprünglichen Wohngebiet der Chipaya im Curuá hatten diese vor ihrem Abziehen ihre Malokas größtenteils verbrannt. Die stattlichste der stehengebliebenen war die des Joaquim Velho, ganz ähnlich wie die seinerzeit von mir beschriebene des Manoelsinho, auch in den Größenverhältnissen. In der linken hinteren Ecke befand sich ein Farinhaofen nach brasilianischer Art, der einzige, den ich in einer Maloka gesehen habe. Eine andere Maloka, welche wir der in ihr enthaltenen Gräber willen aufsuchten, war seit Jahren verlassen und infolgedessen halb verfallen. Nur das Pfostengerüst und die Dachsparren standen noch zum größten Teil, und auf letzteren hingen noch Reste des Palmdaches. Die Maloka war viel kleiner als die des Joaquim Velho, obwohl in ihr drei aufeinanderfolgende Tushauas gewohnt haben sollen. In der Bauart unterschied sich auch diese Hütte, soviel man von ihr noch sehen konnte, nicht von den bisher geschilderten. Na área residencial original dos Xipaya em Curuá, eles haviam queimado grande parte de suas malocas antes de partir. A maior área das que ficaram foi a de Joaquim Velho, muito semelhante à de Manoelzinho que descrevi naquela época também em termos de dimensão. No canto esquerdo ao fundo havia um forno de fazer farinha no estilo brasileiro, o único que vi em uma maloca. Outra maloca que visitamos por causa dos túmulos que continha, estava abandonada há anos e, por isso, meio arruinada. Apenas a estrutura do poste e as vigas estavam de pé, e os restos do telhado de palmeira ainda estavam pendurados. A maloca era muito menor do que a de Joaquim Velho, embora se diga que nela viveram, consecutivamente, três Tuxauas2. Até onde se via, esta cabana não diferia no desenho das descritas anteriormente. Am oberen Curuá, wo vor der Übersiedelung nach Sta. Júlia der Hauptteil des Stammes gewohnt zu haben scheint, war fast alles vor No alto Curuá, onde antes do deslocamento para Santa Júlia, a parte principal da etnia parece ter vivido, foi quase tudo queimado antes da Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 421 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage dem Abzüge verbrannt worden. Die Ansiedelungen schienen hier alle auf dem rechten Ufer des Flusses gewesen zu sein, im Gegensatz zu denen am unteren Flusse, wo sie links, oder auf Inseln lagen. Dagegen befanden sich hier auf der linken Seite verschiedene noch wohl erhaltene Pflanzungen, und in der einen oder der andern von diesen mag auch eine Maloka gestanden haben. Doch habe ich keine solche gesehen. retirada. Todos os assentamentos pareciam ter existido na margem direita do rio, em contraste com aqueles do rio mais abaixo que ficavam à esquerda ou em ilhas. Por outro lado, havia várias plantações bem preservadas à esquerda e, em uma ou outra delas, pode ter existido uma maloca, porém, não vi nenhuma. Eine fast neue Maloka stand auf dem rechten Ufer, vollständig wohl erhalten, und sie war weitaus die interessanteste von allen von mir am Curuá oder Iriri gesehenen, da sie einen vollständig abweichenden Bautypus aufwies. Sie hatte keine gerade, das Dach stützenden Wände wie die andern, sondern bestand, wenn man so will, nur aus einem tunnelförmig gewölbten, bis zum Boden herabreichenden Palmblattdach. Der Grundplan war rechteckig, der Boden gestampfte Erde, eine der Schmalseiten war zum Teil durch eine Wand aus Palmblättern geschlossen. Ein Traggerüst fehlte. Hinter der ersten Maloka stand eine zweite, kleinere, mit dem gewöhnlichen Schrägdach gedeckt, sonst vollständig offen. Ich habe die größere Maloka an Ort Na margem direita, havia uma maloca bastante conservada, quase nova. Ela era de um tipo de construção completamente diferente e, de longe, a mais interessante de todas que vi no Curuá ou no Iriri. Não tinha paredes retas sustentando o telhado como os outros. Consistia, por assim dizer, em um telhado arqueado de folha de palmeira em forma de túnel que descia até o solo. A planta era retangular, o solo era de terra batida. Um dos lados estreitos era parcialmente fechado por uma parede feita de folhas de palmeira. Faltava uma estrutura de suporte. Atrás da primeira maloca havia uma segunda, menor, coberta com o telhado inclinado como de costume e o restante completamente aberto. No local fiz um esboço do desenho da Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 422 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco und Stelle skizziert, mit besonderer Berücksichtigung des Gerüstes. Letzteres bestand aus 3, wohl 5—6 m hohen Pfosten, die auf der mittleren Längslinie in gleichen Abständen angeordnet und am oberen Ende sowie in Mittelhöhe durch Querbalken verbunden waren. Rechts und links von ihnen befanden sich je zwei etwa halb so hohe Pfosten (es fehlte der dem Mittelpfeiler der Maloka entsprechende), gleichfalls durch Querbalken verbunden. Am Grunde der beiden Längswände zog sich je eine weitere Pfostenreihe hin, die aus zahlreichen niedrigen Pfosten von kaum ½ m Höhe bestand, welche gleichfalls durch Querstäbe verbunden waren. Zwischen letzteren und dem hohen Mittelquerbalken waren in etwa 1 m Abstand von einander zahlreiche starke, sehr elastische Sparren befestigt, die von den Querbalken der halbhohen Pfosten mit gestützt wurden und durch Çipos mit ihnen verbunden waren. Sie bildeten das eigentliche Tunnelgewölbe. Bedeckt war dasselbe mit einer dicken Schicht auf allen Seiten herabhängender Palmblätter. Das eine Ende des Tunnels war durch eine leichte Wand aus Palmwedeln zum Teil geschlossen, eine schadhafte Stelle der letzteren durch eine geflochtene Matte verstärkt. maloca maior com ênfase na estrutura que consistia em três postes, provavelmente de cinco a seis metros de altura, dispostas em linha longitudinal central em intervalos iguais e conectadas na extremidade superior e no meio por vigas transversais. À direita e à esquerda delas havia dois postes com cerca da metade da altura, que correspondia ao pilar central que estava faltando, também conectados por vigas transversais. Na parte inferior das duas longas paredes havia uma outra fileira que consistia em uma sequência de postes baixos de apenas meio metro de altura e que também eram conectados por varas transversais. Entre estas duas últimas e a viga central superior foram fixadas numerosas vigas resistentes e muito flexíveis, com aproximadamente de um metro de distância, as quais eram sustentadas pelas vigas dos postes de meia altura e amarradas com cipós. Elas formavam a abóbada do túnel, coberta com uma espessa camada de folhas de palmeira pendurada em todos os lados. Uma das extremidades do túnel foi parcialmente fechada por uma fina parede de folhas de palmeira, cuja parte danificada foi reforçada por uma esteira trançada. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 423 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Vor wenigen Jahren noch haben die Chipayas in einer Aldeia beieinander gewohnt, die später verbrannt wurde. Wir besuchten die Dorfstelle, an welcher von der größten Maloka noch soviel Pfosten stehen geblieben waren, daß man einen Schluß auf ihre Bauart ziehen konnte. Hier war die Grundfläche oval gewesen und ihre Umrißlinie noch deutlich durch niedere Pfosten von etwa 1/2 m Höhe bezeichnet. Einwärts von diesen standen höhere Pfosten von etwa 2 m Höhe, in geringerer Anzahl, im Mittelpunkt war ein noch höherer Holzpfeiler vorhanden. Diese hatten offenbar das bis zum Erdboden reichende Dach getragen. Die Anordnung der Pfosten ähnelte durchaus der in den später zu erwähnenden Hütten der Curuaya, nur daß letztere bedeutend kleiner waren. In der Mitte der einen Längswand befanden sich, etwas von ihr entfernt, zwei weitere Holzpfosten von etwas über 1 1/2 m Höhe, deren oberer Teil Kopf und Brust menschlicher Personen darstellte, ähnlich denen, die ich in einer Curuaya Malöka vor dem Kashiriboot stehend gefunden hatte, aber besser ausgeführt. Mit dem eigentlichen Hausgerüst hatten diese nichts zu tun. Andere, sehr schlecht erhaltene Reste gehörten 2 oder 3 kleineren Malokas an, Há alguns anos, os Xipaya viviam juntos em uma aldeia que foi posteriormente incendiada. Visitamos o lugar da aldeia onde muitos dos postes mais altos das malocas ainda estavam de pé, o que possibilitou ter uma ideia do tipo de construção. A base era oval e o contorno claramente marcado por postes baixos de cerca de meio metro de altura. Na abertura para o interior havia postes semelhantes a esses, porém, mais altos com cerca de dois metros de altura, em menor número, com uma pilastra de madeira ainda mais alta no centro. Aparentemente, eles sustentavam o telhado que chegava até o solo. A disposição dos postes era bastante semelhante às das cabanas dos Curuaya que mencionarei, a seguir, só que estas últimas eram significativamente menores. No meio de uma parede longitudinal, um pouco afastado dela, havia mais dois postes de madeira com um pouco mais de um metro e meio de altura. A parte superior deles representava a cabeça e o busto de um ser humano e eram semelhantes aos que eu havia visto na proa do barco Caxiri3 em uma maloca Curuaya, porém melhor talhado. Não tinham absolutamente nada a ver com a estrutura real da casa. Outros vestígios muito mal preservados pertenciam a duas ou três malocas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 424 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco welche gleichfalls einen elliptischen menores que também pareciam ter Grundplan gehabt zu haben schienen. um plano básico elíptico. Hausgerät: Während die verlassenen Malokas am unteren Curua kaum noch Reste von Hausgerät enthielten, war in den bei St. Júlia neu entstandenen noch nicht Zeit gewesen, die eigene Industrie wieder aufzunehmen, während in den an letzterem Orte schon länger bestehenden wiederum eine Menge Artikel europäischer oder amerikanischer Herkunft an Stelle der früher selbst gefertigten getreten waren. Mein Besuch fiel in dieser Hinsicht in eine besonders ungünstige Periode, und die von mir gesammelten Gegenstände geben sicher nur einen schwachen Begriff von dem, was die kunstfertigen Chipaya wirklich zu leisten vermögen. Utensílios domésticos: Enquanto as malocas abandonadas no baixo Curuá mal continham vestígios de utensílios domésticos, os novos, em Santa Júlia, ainda não tinham tido tempo de absorver sua própria funcionalidade. Havia muitos utensílios europeus ou americanos que substituíram o trabalho manual. Minha visita ocorreu em um período particularmente desfavorável a esse respeito e os objetos que colecionei dão apenas uma vaga ideia do que os habilidosos Xipaya são realmente capazes de fazer. Um mit den aus Holz hergestellten Gegenständen zu beginnen, so fehlten z. B. Schemel, wie sie zum regelmässigen Hausmobilar der sonst viel weniger vorgeschrittenen Curuaya gehören, vollständig. In den oberen Malokas waren sie wahrscheinlich mit verbrannt, bei St. Júlia wurden sie nach Seringueirositte durch leere Kisten, Holzklötze u. dergl. ersetzt. In länger bewohnten Para começar com os objetos feitos de madeira, por exemplo, banquinhos que fazem parte da mobília comum do Curuaya, muito menos avançado, simplesmente não existiam. Provavelmente foram queimados junto com as malocas da parte superior do Curuá. Em Santa Júlia foram substituídos por caixas vazias, blocos de madeira e afins, conforme o costume dos seringueiros. É prová- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 425 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage und nicht in so unmittelbarer Nähe von Ansiedlungen gelegenen Malokas dürften Schemel sich wohl auch vorfinden. vel que ainda se encontre banquinhos em malocas que foram habitadas por um período mais longo e não estão tão perto de assentamentos. An Flechtarbeiten war sowohl in den alten als in den neuen Malokas wenig vorhanden, und dieses wenige, wie mir schien, wies keine charakteristichen Merkmale auf. Es fehlten die hübschen Muster und Verzierungen, womit die Indianer im Norden des Amazonas oder die aus dem Tocantinsgebiet die von ihnen hergestellten Flechtgegenstände zu schmücken pflegen. Auch in diesem Falle halte ich für möglich, daß die besonderen Umstände, unter denen die Chipaya gerade lebten, ihnen noch keine Zeit zur Herstellung künstlicher Flechtarbeiten gelassen hatten. Nas antigas e nas novas malocas havia pouco trabalho com vime e, esse pouco, pareceu-me não possuir traços característicos. Faltavam os lindos padrões e ornamentos com os quais os indígenas do norte da Amazônia ou os da região do Tocantins costumavam enfeitar os objetos de vime que produzem. Neste caso penso que é possível que as circunstâncias especiais em que viviam os Xipaya não lhes tivessem dado tempo de produzir trabalhos artísticos com o vime. Etwas mehr kann ich über die für den indianischen Haushalt so wichtigen Cuias (Trinkschalen und Wasserbehälter) sagen, welche teils aus den Früchten des Cuieiro (Crescentia cujete), teils aus Kürbisschalen hergestellt werden, Sie fanden sich in allen Größen und Gestalten, meist aber unverziert. In Ains Mäloka, einer der ältesten am unteren Iriri, erhielt ich jedoch ein Paar große, über und über mit Mustern bedeckte Cuias, und bei Destaco também as cuias (tigelas de beber e recipiente de água) tão importantes para a casa indígena. Elas são feitas ou dos frutos da Cuieira (Crescentia cujete) ou de cascas de abóbora. Tem em todos os tamanhos e formatos, mas a maioria sem decoração. Na maloca de Ain, uma das mais antigas no baixo Iriri, ganhei um par de cuias grandes cobertas de padrões repetidos. Em uma das malocas abandonadas no alto Curuá encontrei os frutos ain- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 426 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco einer der verlassenen Malokas am oberen Curuä fand ich die noch grünen Früchte einer Kürbispflanze mit eigentümlichen eingeritzten Linien überzogen, welche mir über die Herstellung der äußeren Verzierungen meiner Cuias Aufschluß gaben. An andern noch unverzierten Früchten derselben Staude zeigten mir meine indianischen Begleiterinnen, wie man vermittelst eines spitzen Stäbchens die Muster in die noch weiche Schale der Frucht einritzt. Diese bleibt an der Staude sitzen und entwickelt sich weiter. Bei der Reife treten die eingeritzten Muster als gelbliche Linien hervor, die meist noch mit schwarzer Farbe nachgezogen werden. Sie bestehen gewöhnlich aus labyrinthisch verschlungenen Linien. Eine Abbildung dürfte den besten Begriff davon geben. Wie die Außenseite ist auch die Innenseite der beiden erwähnten Cuias vollständig bemalt, und zwar mit einem gleichartigen roten Muster auf schwarzem Grund, und bei der einen ist sie außerdem von drei etwa 2 cm breiten Linien, einer geraden in der Mitte und zwei schlangenartig gewundenen an den Seiten, durchzogen. da verdes de uma planta de abóbora coberta com linhas incisas peculiares que me deram uma ideia sobre a produção dos ornamentos da parte externa das minhas cuias. Em outras frutas do mesmo cacho, ainda não ornamentadas, minhas acompanhantes indígenas me mostraram como usar uma vara pontiaguda para esculpir os padrões na casca ainda macia da fruta que permanece no cacho até que se desenvolva. Quando maduros, os padrões incisos emergem com linhas amareladas, entrelaçadas de forma labiríntica, que são geralmente traçadas com tinta preta. Uma imagem daria, certamente, uma ideia melhor. Tanto o exterior quanto o interior das cuias mencionadas são pintados por completo com um padrão semelhante ao vermelho sobre um fundo preto, sendo um destes constituído por três linhas com cerca de dois centímetros de largura, uma reta ao meio e duas serpentinas ao redor listradas. Eigengemachte Töpferei habe ich Durante minha primeira estada em während meines ersten Aufenthalts Santa Júlia, não percebi a feitura de Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 427 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage in Sta. Júlia nicht in den Malokas bemerkt. Zum Teil hatte dies wohl dieselben Gründe, die ich schon oben anführte, daß nämlich die neu hinzugezogenen Indianer ihre Handfertigkeiten erst in einem geringen Umfange wieder aufgenommen hatten. Doch glaube ich, daß ich bei näherem Nachsuchen in den schon länger bestehenden Hütten wohl neben den glühend geliebten und begehrten bunten Steingutschalen paraenser Ursprungs auch noch die unscheinbaren nationalen Töpferwaren gefunden haben würde. In den verlassenen Malokas waren fast überall halb oder ganz zerschlagene Töpfe und Schüsseln in großer Menge vorhanden. Dieselben bestanden im all- gemeinen aus sehr grobem Material und waren zum Teil mit einer Art Glasur überzogen. In einer Ecke des bereits erwähnten verlassenen Dorfplatzes standen drei Riesentopfe, die teils unverletzt, teils wenig beschädigt waren. Sie waren aus demselben groben scharfsandigen Material gefertigt wie die andern und unglasiert. An Größe übertrafen sie alles sonst von mir Gesehene. Die Öffnung des größten, eines bauchigen Gefäßes mit eingezogenem Rande, hatte einen Durchmesser von 69 cm, seine größte Weite (Durchmesser des bauchigen Teiles) war etwa 88 cerâmicas nas malocas. Isso se deu, em parte, pela mesma razão que já mencionei antes, ou seja, que os indígenas recém-chegados haviam retomado suas habilidades manuais apenas em menor proporção. Mas creio que se tivesse olhado mais atentamente nas cabanas que existem há muito tempo, provavelmente teria encontrado a insignificante olaria nacional, junto com as cobiçadas e adoradas tigelas de barro coloridas de origem paraense. Nas malocas abandonadas, havia panelas e tigelas parcial ou completamente quebradas em grandes quantidades em quase todos os lugares. Elas eram feitas, geralmente, de um material muito grosseiro e eram cobertas parcialmente com uma espécie de esmalte. Em um canto da já mencionada praça da aldeia abandonada, havia três potes gigantes, alguns dos quais estavam intactos; outros, ligeiramente danificados. Eram feitos do mesmo material grosseiro de areia áspera como os outros e não estavam esmaltados. Em termos de tamanho, eles excediam tudo o que eu já havia visto. A abertura do maior, um vaso abaulado com borda recuada, tinha um diâmetro de sessenta e nove centímetros. Sua maior largura (diâmetro da parte abaulada) era de cerca de oitenta e oito centí- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 428 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco cm und ebensoviel betrug die Höhe. Diese Töpfe hatten zur Aufnahme von Cashiri gedient, wie mir meine Begleiter sagten. Leider war es mir nach meiner Rückkehr nach Sta. Júlia wegen Fieber nicht möglich, die Malokas in der Nähe von neuem aufzusuchen. Es sprachen aber Anzeichen dafür, daß die Chipaya sich nunmehr eingelebt und mit dem Seßhaftwerden manche ihrer früheren Beschäftigungen wieder aufgenommen hatten. Bei einem feierlichen Besuch — sie wollten mir einen Karia vorführen — überreichten sie mir als Geschenk ein rotes Tongefäß aus viel feinerem Material als sonst üblich, welches außen und innen mit schwarzer Farbe bemalt war. Außer dem schon bei den Cuias erwähnten Labyrinthmuster, das im Innern zwei kleinere, außen zwei größere viereckige Felder bedeckt, finden sich zwischen diesen je drei fast 1cm breite Streifen, von eigentümlich gebogenen Linien (etwa einer 5 ohne Haken gleichend) eingerahmt. Die Form dieser Schale ist sehr eigenartig: Über dem einer flachen, rundgewölbten Schale gleichenden Unterteil erhebt sich ein steiler nach außen geschweifter Rand von mehr als doppelter Höhe, auf welchem sich die Malerei befindet. Das Gefäß ist ganz neu und scheint besonders metros e a altura era igual. Segundo meus acompanhantes, esses potes eram usados para armazenar caxiri. Infelizmente, por causa de uma febre, após meu retorno a Santa Júlia, não pude visitar as malocas próximas de novo. No entanto, havia indícios de que os Xipaya haviam se estabelecido e, com o sedentarismo, haviam retomado algumas de suas ocupações anteriores. Durante uma visita cerimonial – eles queriam me mostrar uma Caria4 – e me presentearam com um vaso de argila vermelha feito de um material muito mais fino do que o habitual e pintado com tinta preta por fora e por dentro. Além do padrão labiríntico já mencionado nas cuias, que cobre duas áreas quadradas menores por dentro e duas quadradas maiores por fora, há três faixas de quase um centímetro de largura entre elas, emolduradas por linhas curvas peculiares semelhantes ao número cinco (5) sem gancho. A forma dessa tigela é muito singular: acima da parte inferior, que se assemelha a uma tigela plana e arredondada, ergue-se uma borda íngreme e curvada para fora com mais do que o dobro da altura em que a pintura está localizada. A vasilha é nova e parece ter sido feita especialmente como um presente para mim. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 429 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage als Geschenk für mich angefertigt worden zu sein. Eins der wichtigsten Hausgeräte der Indianer, da es Bett und Stuhl zu gleicher Zeit vertritt, ist die Hängematte. Die Chipaya rühmten sich, daß sie gewebte Hängematten verfertigten, im Gegensatz zu den Curuaya, welche nur zu knüpfen verständen, und dies fand ich später insofern bestätigt, als die wenigen gewebten Hängematten, die ich in den Malokas der Curuaya fand, von Chipayafrauen angefertigt worden waren. Eine befand sich gerade auf dem primitiven Webstuhl, einem einfachen, aus geraden, mit Çipo zusammengebundenen Aesten gefertigten viereckigen Rahmen. Die Weberin hatte mit bunten Fäden ein Muster eingewirkt, wozu sie die Fäden einer alten Hängematte aus Ceara entnommen hatte. Alle übrigen Hängematten, die ich sah, waren von graubräunlicher Farbe und ungemustert. Um dos utensílios domésticos mais importantes dos indígenas, por representar cama e cadeira ao mesmo tempo, é a rede. Os Xipaya se gabavam de fazer redes tecidas, ao contrário dos Curuaya que só sabiam dar nós. Isso eu confirmei, mais tarde, quando descobri que as poucas redes tecidas que encontrei nas malocas dos Curuaya eram feitas por mulheres Xipaya. Havia uma no tear primitivo em uma moldura quadrada simples feita de hastes retas amarradas com cipó. A tecelã havia trabalhado com um padrão de fios coloridos, os quais ela havia retirado de uma velha rede do Ceará. Todas as outras redes que vi eram marrom-acinzentadas e sem padrão. Meine Begleiterinnen auf der Reise — fast sämtlich Chipaya — hatten Spindeln bei sich, ziemlich grobe Holzstäbe mit einer Knochenscheibe an einem Ende, mit denen sie geschickt und schnell spannen. Das Garn war von verschiedener Stärke, Minhas acompanhantes de viagem, quase todas Xipaya, carregavam fusos de tear: bastões de madeira bastante grosseiros com um disco de osso em uma extremidade com os quais elas hábil e rapidamente teciam. O fio era de resistências va- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 430 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco feiner und gleichmäßiger als das von den Curuaya eingetauschte. Es wurde in runden Knäulen von etwa 10 cm Durchmesser aufbewahrt. Obgleich sie selbst ein genügend feines und dauerhaftes Garn spannen, waren meine Begleiterinnen doch ganz versessen auf das Nähmaschinengarn, welches ich bei mir hatte, für ihre Perlenarbeiten, wahrscheinlich seiner größeren Gleichmäßigkeit wegen. riadas, mais fino e mais uniforme do que o trocado pelo Curuaya. Era armazenado em novelos de cerca de dez centímetros de diâmetro. Embora as mesmas fiassem um fio suficientemente fino e durável, minhas acompanhantes estavam bastante obcecadas com os fios da máquina de costura que eu tinha comigo, para fazerem seu trabalho com as miçangas, provavelmente por causa da sua maior uniformidade. Kleidung, Haartracht, Schmuck: Roupas, arranjos e cortes de cabelos e adereços: Embora as roupas dos brasileiros civilizados estejam se tornando cada vez mais populares, os Xipaya ainda eram frequentemente vistos em traje tradicional, especialmente nas malocas. No que se refere a peças de roupas usuais destaca-se somente a tanga feminina. Quando tecida, é geralmente de cor marrom clara, padronizada com listras escuras e quadriláteros, feita de um tecido quadrado e grosseiro de cerca de um metro quadrado. É presa por um barbante enrolado e amarrado abaixo da cintura e na lateral permanece aberta. Além dos produtos tecidos pelos próprios indígenas costuma-se usar aqueles já comercializados pelos seringueiros. Na época da minha primeira estada em Iriri-Curuá, o te- Wenn auch die Kleidung der zivilisierten Brasilianer mehr und mehr Eingang findet, so traf man doch, besonders in den Malokas, die Chipaya noch häufig genug in ihrer nationalen Tracht. An eigentlichen Kleidungsstücken ist allerdings nur die Tanga der Frauen zu nennen. Dieselbe ist, wenn selbst gewebt, gewöhnlich von hellbräunlicher Farbe, mit dunkleren Streifen und Karos gemustert, und besteht aus einem groben viereckigen Tuch von etwa 1 m im Quadrat. Sie wird durch einen unterhalb der Taille umgeschlungenen Bindfaden festgehalten; an der Seite bleibt sie offen. Außer den Selbstgewebten Stoffen kommen jetzt häufig bereits von den Seringueiros eingehandelte Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 431 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage zur Verwendung. Zur Zeit meines ersten Aufenthalts im Iriri-Curua war der derbe blaue Stoff, aus dem die gewöhnlichen Seringueiro-Anzüge hergestellt werden, hierzu besonders beliebt. Neuerdings schien sich aber der Geschmack auch dem Feuerrot zugewandt zu haben, und es war große Nachfrage nach so gefärbten Stoffen. Die Frauentracht der unteren Stände Brasiliens, aus langem Rock und loser Jacke bestehend, sieht man jetzt schon häufig, besonders bei den zwischen den Seringueiros ansässig gewordenen Indianern, und einige besondere Schützlinge Acciolys stolzierten sogar in hochmodernen, aus Pará mitgebrachten Toiletten umher, schienen sich aber nicht sehr glücklich darin zu fühlen. Einige der Indianerinnen, vor allem Maria, Raymundo Curuayas Frau, waren wirklich gewandt im Schneidern. Letztere fertigte aus den Stoffen, die ich bei mir hatte, im Handumdrehen für sich und ihre Begleiterinnen Kleider an. Die langen Nähte wurden in irgend einer Seringueirohütte, wo wir ein paar Stunden Halt machten, schnell mit der Maschine heruntergenäht, das übrige mit der Hand im Boot. Nur Pedro Marques Frau blieb durchweg, auch auf der Bootfahrt, der Tanga treu. cido cru azul, com o qual são feitos os habituais ternos dos seringueiros, era particularmente popular. Recentemente, também, o gosto parece ter migrado para o vermelho fogo e havia grande demanda por tecidos tingidos nessa cor. Os trajes femininos das classes populares brasileiras, saia longa e jaqueta folgada são vistos com frequência, principalmente entre indígenas que se juntaram aos seringueiros, em especial aqueles protegidos por Accioly e que desfilam em toaletes ultramodernas trazidas do Pará. Contudo, não pareciam muito confortáveis e felizes com isso. Algumas das índias, principalmente Maria, esposa do Curuaya Raimundo, eram adeptas da alfaiataria. Num piscar de olhos, Maria fez suas próprias roupas e as de suas companheiras com os materiais que eu carregava comigo. A parte mais trabalhosa da costura foi feita rapidamente com a máquina em alguma cabana de seringueiro, onde paramos por algumas horas. O restante foi feito à mão no barco. Apenas a mulher de Pedro Marques permaneceu fiel ao uso da tanga durante todo o tempo, mesmo na viagem de barco. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 432 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Noch mehr als bei den Frauen ist die ursprüngliche Tracht bei den Männern bereits verdrängt worden. Man traf einen großen Teil von ihnen selbst bei unvermuteten Besuchen in den Malokas, schon in Hosen, und wenn sie nach Sta. Júlia kamen, hatten sie fast sämtlich ausserdem Hemd oder Jacke angelegt. Darunter trugen allerdings viele noch den Perlengürtel, und dem letzteren Kleidungsstück wurde noch so viel Wert beigelegt, daß es mir nicht gelang, eins davon einzuhandeln. O traje original dos homens já havia sido rejeitado bem mais do que o das mulheres. Mesmo em visitas inesperadas às malocas, já se via um grande número deles usando calças e quando iam a Santa Júlia, quase todos vestiam camisa ou jaqueta. Por baixo, porém, muitos ainda usavam o cinto de miçangas e essa peça de roupa era tão valorizada que não consegui pegar uma. Einige Indianerinnen „frisierten“ sich bereits, und ebenso hatten einige der Männer die Haare abgeschnitten. Doch waren dies Ausnahmen. Auch die schon mit Kleidung versehenen Chipaya trugen fast sämtlich die Haare lang herabhängend, manchmal gescheitelt, und die ausgeschnittene runde Marke auf der Stirn, die von Zeit zu Zeit mit Urucu rot gefärbt wird, war in solchem Falle stets vorhanden. Merkwürdige Zöpfchen und steif gedrehte, Hörnern gleich abstehende Löckchen sah ich manchmal bei Kindern im Festschmucke, nie aber bei Erwachsenen. Ich hatte eine große Menge Kämme mitgebracht, und diese fanden großen Absatz. Außerdem besaßen aber alle Indianer noch selbst hergestellte Algumas mulheres indígenas já faziam “penteados” nos cabelos e alguns homens já os cortavam. Mas eram exceções. Quase todas as Xipaya que já estavam vestidas tinham os cabelos soltos e às vezes repartidos. Sempre esteve presente o desenho redondo marcado na testa que, de vez em quando, é tingido com o vermelho urucum. Algumas vezes, em festividades decorativas, vi crianças com tranças estranhas e cachos firmemente dobrados como chifres enrolados. Eu havia levado muitos pentes que eram bem populares, mas os indígenas já tinham pentes que eles mesmos produziam e que mais tarde eu os troquei pelos dos Curuaya. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 433 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Kämme, wie ich solche später auch von den Curuaya eintauschte. Mit Ausnahme des Kopfhaares und der Wimpern entfernen die Chipaya sämtliche stärkeren Gesichts- und Körperhaare (einschließlich des Bartes und der Augenbrauen) mit der größten Sorgfalt. Auf unserer Reise wurde die Prozedur des Haarausreißens – ein Dienst, den man sich gegenseitig erweist — immer von Zeit zu Zeit vorgenommen, wenn wir an Stellen kamen, wo eine gewisse Palme wuchs, aus deren Blättern man die feinen, zähen, etwas rauhen Fasern gewann, die zum Haarausreißen dienten. Zwei solcher Fasern werden mit den Enden umeinandergedreht, so daß in der Mitte eine kleine Schlinge offen bleibt, in welcher das zu entfernende Haar eingefangen und durch plötzliches Straffziehen der beiden Enden sicher und schmerzlos entfernt wird. Dies war natürlich eine zeitraubende Arbeit, da jedes Haar einzeln entfernt werden mußte. Für Schmuckzwecke werden bei den Chipaya auch heute noch „Missanga“, Porzellanoder Glasperlen verschiedener Form und Größe besonders geschätzt. Die Hauptfarbe ist immer noch Blau in verschiedenen Tönen und Schwarz, Os Xipaya removem cuidadosamente todos os pelos do rosto e do corpo, incluindo barba e sobrancelhas, com exceção do cabelo da cabeça e dos cílios. Em nossa jornada, o procedimento de retirada dos pelos, que eles faziam uns nos outros, era realizado sempre que chegávamos a lugares onde crescia um determinado tipo de palmeira. Desta eram extraídas folhas, cujos filamentos finos e duros, um tanto ásperos, eram usados para puxar os pelos. Dois desses filamentos são unidos e enrolados nas pontas de modo que no meio um pequeno laço permanece, no qual o pelo é preso e removido com segurança e sem dor ao se puxar rapidamente, as duas pontas. Evidentemente, isso demorava, pois removia-se pelo por pelo. Para fins ornamentais, “missangas”, contas de porcelana ou vidro de várias formas e tamanhos, ainda são muito valorizadas pelos Xipaya. A cor principal ainda é o azul em vários tons diferentes e o preto que parece ser um tom Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 434 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco das als eine Schattierung von Blau zu gelten scheint. An zweiter Stelle steht Weiß, wirkliches Kreideweiß — durchscheinende oder gar durchsichtige Sorten werden wenig geschätzt. — Die Indianer zeigten mir einmal eine undurchsichtige gelbe Perle und fragten, ob ich ihnen nicht mehr von dieser verschaffen könne. Sie schienen ihr besondern Wert beizulegen. Ich sah die Farbe aber kaum jemals in ihrem Schmuck. Eine mattrosa Perle war etwas häufiger. Alle möglichen Arten der augenblicklich in Para gangbaren Perlen wurden ziemlich reichlich verwendet, es war aber nie Nachfrage danach. Man nahm sie wohl als Geschenk, aber nur ungern als Tauschartikel. Getragen wurde der Perlenschmuck von den Männern vor allem in Form der Gürtel, die ich zwar bereits bei der Kleidung erwähnt habe, die aber doch wohl eher dem Schmuck zuzurechnen sind. Sie werden in der Weise angefertigt, daß man eine lange, einfache Perlenschnur solange um den Körper windet, bis die gewünschte Breite des Gürtels erreicht ist und die Windungen vermittelst senkrecht verlaufender Fäden in einigen Zentimetern Abstand miteinander verbindet. Ein solcher Gürtel kann natürlich nur schwierig wieder abgenommen werden, und de azul. Em segundo lugar, está o branco, ou seja, o branco giz real, e não as variedades translúcidas ou transparentes que são pouco apreciadas. Certa vez, os indígenas me mostraram umas miçangas amarela fosca e me perguntaram se eu poderia lhes conseguir mais. Pareciam atribuir um valor particular a essas miçangas. Quase não vi cor em suas joias. Uma miçanga rosa fosca era mais comum. Todos os tipos de miçangas disponíveis atualmente no Pará foram usados em abundância, mas nunca houve demanda por elas. Provavelmente eram usadas como presente, mas relutantemente como um item de troca. Os adereços de miçangas eram usados pelos homens principalmente na forma de cintos, como já mencionei ao falar sobre as roupas e são mais considerados joias. Eles são feitos de tal forma que um longo e simples cordão de miçangas é enrolado ao redor do corpo até que a largura desejada do cinto seja alcançada e as voltas se conectem entre si por meio de fios verticais separados a uma distância de alguns centímetros. Evidentemente é difícil de remover esse cinto e leva muito tempo para colocá-lo. Por essa razão, os indígenas que o usavam e até o momento a Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 435 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage sein Anlegen erfordert beträchtliche Zeit, weswegen man die Indianer, die ihn benutzen — und das sind bis jetzt noch die Mehrzahl — nie ohne den Perlengürtel sieht. Dieser ist stets blau, oft in zwei Schattierungen dieser Farbe gehalten, oder blau mit schmalem, weißem Rand. Ich habe nie andere Farben, wie sie wohl bei dem übrigen Schmuck vorkamen, daran bemerkt. maioria deles ainda o usam, nunca são vistos sem o cinto que é sempre em azul e em dois tons dessa cor. Ou, em azul com uma borda estreita branca. Nunca notei outras cores nele como apareciam nas outras joias. Wie die Gürtel der Männer so gehörten die dicken Perlenhalsschnüre sowie die Arm- und Fußbänder zu dem Schmuck, der ständig — Tag und Nacht — getragen und nur ausnahmsweise, gewöhnlich nur, wenn er zerrissen ist, abgelegt wird. Die mühsame Art des Anlegens erklärt dies ohne weiteres. Einige Armbänder, die nicht gerade sehr häufig- sind, und die von einigen Männern und Frauen oberhalb des Handgelenks getragen wurden, sind genau in derselben Art angefertigt, wie die Gürtel; auch sie sind stets blau und weiß. Die Arm- und Beinbänder aus Baumwolle sind um das betreffende Glied gewebt und werden daher gleichfalls nur ausnahmsweise abgenommen. Oft ist dies überhaupt nicht möglich, stets sehr mühsam und eine wahre Quälerei für den Träger. Davon konnte ich Como os cintos dos homens, as gargantilhas grossas de miçangas, as pulseiras e as tornozeleiras faziam parte dos adereços que são constantemente usados – dia e noite – e só são retirados em casos excepcionais, geralmente quando arrebentam. A maneira trabalhosa dessa criação explica isso sem mais delongas. Algumas pulseiras, que não são muito comuns, e que eram usadas por alguns homens e mulheres acima do pulso, são feitas exatamente da mesma forma que os cintos; elas também são sempre azuis e brancas. As faixas de braço e perna feitas de algodão são tecidas em volta desses membros e só são removidas em casos excepcionais. Muitas vezes não é possível retirá-las. É sempre muito trabalhoso e um verdadeiro tormento para o portador. Pude me convencer disso ao coletar, pois Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 436 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco mich beim Sammeln überzeug-en, wo wir die gewünschten Bänder oft genug herunterschneiden mußten. Diese Baumwollbänder werden von Zeit zu Zeit mit Urucúmasse, welche die Indianer in besonderen Schälchen oder Beutelchen bei sich führen, aufgefärbt. Erwachsene beider Geschlechter tragen sie stets um die Oberarme und die Fußknöchel und meist auch unterhalb des Knies. Frauen tragen manchmal auch ähnliche Bänder um das Handgelenk. Die Fußknöchel- und Handgelenkbänder sind gewöhnlich bedeutend breiter als die um Knie und Oberarm. Hin und wieder sind diese Bänder, besonders die um den Oberarm, noch mit Perlengehängen verziert. tínhamos que cortar as faixas desejadas muitas vezes. Essas faixas de algodão são tingidas de tempos em tempos com massa de urucum que os índios carregam em tigelas ou bolsas especiais. Adultos de ambos os sexos as usam sempre, na parte superior do braço e tornozelo ou abaixo do joelho. Por vezes, as mulheres também usam faixas parecidas ao redor dos pulsos. As do tornozelo e do punho são significativamente mais largas do que aquelas ao redor do joelho e do braço. Às vezes, elas são decoradas com pingentes de miçangas especialmente aquelas ao redor do braço. Der leicht abnehmbare Schmuck der Chipaya, der infolgedessen nicht immer, sondern nur bei bestimmten Gelegenheiten getragen wird, ist nach Form und Material sehr mannigfacher Art. Man kann ihn etwa in Stirn-, Ohr-, Hals-, Brust- und Armschmuck einteilen, und das Material dazu besteht aus Glasperlen, Federn, Früchten, Zähnen u. a. As joias dos Xipaya que são facilmente removíveis e diversas em formas e materiais, nem sempre são usadas, apenas em certas ocasiões. Podem ser divididas em joias para a testa, orelha, pescoço, peito e braço, e o material é feito de contas de vidro, penas, frutas, dentes dentre outros. Aus Perlenschnüren in eigenartiger Fitas trançadas de cordões de contas Weise geflochtene Bänder dienen als e miçangas de porcelana e vidro de diademartiger Kopfschmuck (oder uma forma peculiar servem como Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 437 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage als Halsketten). Auf beiden Seiten der roten Stirnmarke werden von den Frauen manchmal Quästchen aus Perlen getragen, welche vermittelst einer klebenden Masse (Wachs?) befestigt werden. Die Federkronen, die man gewöhnlich nur bei den Tänzen anlegt, trägt man an einem Strohreif befestigt, der sie stützt und aufrecht erhält. Fehlt der Strohreif, so klappt die Federkrone — besonders wenn sie schon viel gebraucht ist — herab und bildet eine Art Schirm, wie auf dem Bilde des „Coronel“, den ich 1909 am -Curuá photographierte, sichtbar. Die Kronen selbst bestehen aus einem aufrechten Kranz größerer Federn, welcher gewöhnlich einfarbig weiß, gelb oder grün ist. In ersterem Falle rühren die Federn von Waldstörchen (Tantalus luculator), in letzterem von Ära- oder Papageienarten her. Diesen Hauptkranz umschließt unten ein kleinerer, aus mehreren Reihen glänzender schwarzer Tucan- und feuerroter Arafederchen bestehender. Die Herstellung gerade dieses unteren Federrandes ist sehr mühsam und zeitraubend. Nachdem das Maß des betreffenden Kopfes genommen ist, werden zwei Baumwollfäden von der nötigen Länge straff zwischen in die Erde gesteckten Stäben aufgespannt und an ihnen die Federchen einzeln oder in kleinen Büscheln befestigt. um cocar semelhante a diadema ou como colares. Em ambos os lados da marca vermelha na testa, as mulheres, às vezes, usam quadradinhos de contas e miçangas de porcelana e vidro que são colados com uma massa adesiva (cera?). As coroas de penas, usadas normalmente durante as danças, são presas a um aro de palha que as sustenta e as mantém eretas. Sem o aro de palha, a coroa de penas dobra-se – especialmente se já é muito usada – e forma uma espécie de guarda-chuva, como pode ser visto na foto do “Coronel” que fotografei em 1909 no Curuá. As coroas são feitas de uma grinalda ereta de penas maiores, normalmente monocromáticas, brancas ou amarelas ou verdes. As penas das coroas são de cegonha-do-mato (Tantalus luculator) e da grinalda de uma espécie de papagaio. Essa grinalda principal é redonda na parte inferior por uma menor que consiste em várias fileiras de penas de tucano, de um preto-brilhante e de penas de arara de um vermelho-fogo. A confecção dessa borda inferior feita de pena é muito trabalhosa e demorada. Depois que a cabeça em questão é medida, dois fios de algodão, do comprimento necessário, são firmemente esticados entre duas varas inseridas na terra e as Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 438 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Die so erhaltenen Kränzchen werden dann wieder an einem 2-3 cm breiten Baumwollbande befestigt, gewöhnlich in 4 Reihen, 2 aufwärts und 2 abwärts gerichteten. Manchmal sind die unterste und die oberste Federreihe direkt an das Baumwollband geknüpft, was noch mühsamer zu sein scheint. Die großen Federn werden dann mit den unten umgeknickten Kielen am obern Rande des Bandes und manchmal noch an der obern Reihe Federchen befestigt. Das Band endet jederseits in Schnüren, mit denen die Krone auf dem rinnenförmig ausgehöhlten Strohreifen festgebunden wird. Solche Kronen werden hauptsächlich von Männern getragen, doch sah ich in Ausnahmefällen auch Frauen mit ihnen geschmückt, und meine Begleiter wollten eine solche auch für mich anfertigen. Sie kam aber nicht über das Stadium des Federkranzes hinaus. Ein Kopfputz dagegen, den ich nur bei Frauen sah (und zwar nur bei den Tänzen) waren hutkrempenartige, aus Palmfiedern geflochtene Schirme, vorn breit, nach hinten schmäler werdend, und mit einem herabfallenden Schwanz von Fiedern geziert. Diese dienten nur zu je einem Tanzabend und wurden dann fortgeworfen. Einen sehr hübschen, doppelten, aus weißen Flaumfedern penas são presas a elas uma-por-uma ou em pequenos tufos. As pequenas grinaldas confeccionadas desse modo são então recolocadas em uma faixa de algodão de dois a três centímetros de largura, geralmente em quatro carreiras, duas para cima e duas para baixo. Às vezes, as fileiras de pena inferior e superior são amarradas diretamente na faixa de algodão, o que parece ser ainda mais trabalhoso. As penas grandes são então presas com as quilhas dobradas na borda superior e, às vezes, ainda na fileira superior de penas. A faixa termina em cordões de cada lado, com os quais a coroa é amarrada ao aro de palha oco em forma de sulco. Essas coroas são usadas principalmente por homens e, em casos excepcionais, vi mulheres enfeitadas com elas. Meus acompanhantes queriam fazer uma para mim também, mas não passaram da etapa da grinalda de penas. Por outro lado, cocares, que só vi nas mulheres (e apenas durantes as danças) eram em forma de chapéu com aba feito de fibras trançadas de palmeira como uma proteção, larga na frente, estreita atrás e adornada com uma cauda de fibras. Eles eram usados apenas por uma noite de dança e depois descartados. A esposa de Pedro Marques Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 439 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage gefertigten Kranz trug bei einem Karia die Frau des Pedro Marques. Leider konnte ich mir denselben nicht verschaffen und kann daher nichts näheres über ihn angeben, als was man auf der Photographie sieht. usou uma grinalda dupla muito bonita de penugens brancas em uma Caria. Infelizmente não consegui obter um desses para mim e por isso não posso dar mais detalhes além do que se pode ver na foto. Ohrfedern trugen nur junge Männer, und auch diese nicht immer. Ohrstäbchen dagegen sah ich nur bei Frauen. Diese waren etwa 6 — 8 cm lang und bestanden aus einem Stäbchen, welches eine große weiße oder blaue Perle als Abschluß hatte und zur Hälfte mit einem zierlichen Fadenmuster umwunden war. An diesen Stäbchen wurden bei festlichen Gelegenheiten noch quastenförmige Perlengehänge befestigt. Apenas os homens jovens usavam penas de orelha, porém não todo tempo. Bastões de orelhas vi apenas em mulheres. Eles tinham cerca de seis a oito centímetros de comprimento e uma grande miçanga branca ou azul como acabamento. No meio, eram envoltos com um delicado padrão de linha. Em ocasiões festivas eram anexados pingentes de contas e miçangas de porcelana e vidro em forma de esfera nesses bastõezinhos. Hals- und Brustschmuck bestand außer den bereits erwähnten Perlenwülsten aus Ketten aller Art und Länge. Manche waren bandartig, hübsch aus Glasperlen gearbeitet, andere bestanden aus ein- oder mehrfachen Schnüren von Perlen der mannigfachsten Art, Größe und Farbe, obwohl, was letztere betrifft, auch hier blau und weiß vorherrschte. Interessanter waren mir jedoch die aus Fruchtschalen oder Früchten gefertigten Ketten. Zu einigen waren die weißglänzenden, erbsengroßen Samen einer Graminee (Coix?) Além dos relevos de contas e miçangas já mencionados, as gargantilhas e colares eram feitos de correntes de todos os tipos e comprimentos. Alguns eram em forma de fita, lindamente confeccionadas com contas de vidro e outras de um ou mais fios de contas dos mais variados tipos, tamanhos e cores, embora, predominassem o azul e o branco. Mais interessante para mim, no entanto, eram as correntes feitas de frutas ou cascas de frutas. Na confecção de algumas foram usadas sementes brancas e brilhantes do tamanho de uma ervilha Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 440 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco verwendet, die man durchbohrt und perlenartig an einer Schnur aufgereiht hatte. Das Hauptmaterial lieferte jedoch eine kleine, von den Indianern Tucumã genannte Palme, (eine Art Bactris, sie hatte mit der hier in Pará tucumã genannten Astrocarium tucuman nichts zu tun). Die schwarz- oder braunglänzenden ausgehöhlten Fruchtschalen derselben werden in verschiedene Formen geschnitten, welche bald stilisierte Tiere darstellen, bald nur mit Mustern bedeckt oder durchlöchert sind, und dann in großer Menge an einer einfachen Perlenschnur aufgereiht. Andere Ketten bestehen aus zahlreichen, gleichfalls aus tucumã hergestellten, an Perlschnüren aufgehängten Ringen. Ketten aus Zähnen wurden hauptsächlich von Männern und Knaben getragen. Affen-, Capivara-, Wildschwein-, Tigerkatzen- und Jaguarzährie sah ich hierzu verwendet. Die letzteren trugen ausschließlich Männer. Dem Tierreich entstammte auch ein niedliches Kettchen, mit dem mich meine Begleiterin Maria während der Reise beschenkte: Schalen von einer Anastomaart (Schneckenhäuser) in regelmäßigen Abständen an einer einfachen Perlenschnur aufgereiht. Auch Fischwirbel fanden Verwendung. de uma gramínea (Coix?) que foram perfuradas e amarradas como miçangas em um cordão. Contudo, o material principal era proveniente de uma palmeira indígena chamada Tucumã (uma espécie de Bactris que não tinha nada a ver com o Astrocarium tucuman, chamado aqui no Pará de tucumã). As cascas de frutas côncavas pretas ou marrons brilhantes dessas palmeiras são cortadas em várias formas. Algumas retratam animais estilizados e outras são apenas cobertas com padrões ou perfuradas. Em seguida, são alinhadas em grandes quantidades em um simples colar de contas e miçangas de porcelana e vidro. Outras correntes são feitas de vários anéis e de tucumã, pendurados por fios de contas e miçangas. As correntes eram feitas de dentes de macaco, capivara, javali, jaguatirica e onça-pintada e eram usados principalmente por homens e adolescentes. As de onça-pintada eram usadas apenas pelos homens. Um gracioso colar que minha acompanhante Maria me deu de presente durante a viagem era proveniente também do reino animal. Era confeccionado com conchas de anastomose (conchas de caracol) alinhadas em intervalos regulares em um simples colar de miçangas. Também eram usadas vértebras de peixes. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 441 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage An den Armen schmückten sich Männer sowohl wie Frauen außer mit den bereits erwähnten roten Baumwollbändern, Perlenmanschetten u. s. w., mit mannigfachem Kettenschmuck, ähnlich dem eben beschriebenen Hals- und Brustschmuck. Ein originelles Armband, das ich erhielt, bestand aus zierlichen, gleichfalls an einer Perlenschnur aufgereihten Fischwirbeln. Kinder trugen auch feste Armreifen, aus harten größeren Fruchtschalen gearbeitet. Die Finger wurden mit zahllosen, sehr zerbrechlichen Ringen aus tucumã, wie solche auch zu Ketten Verwendung fanden, bedeckt. Hin und wieder waren diese mit einem zierlichen, eingeschnittenen oder eingeritzten Muster verziert. Tal como as mulheres, os homens adornavam os braços com várias joias semelhantes às gargantilhas e colares descritos anteriormente, com exceção das faixas vermelhas de algodão e braceleiras. Recebi uma pulseira original feita de delicadas vértebras de peixe alinhadas da mesma forma que um colar de miçangas. As crianças também usavam pulseiras fixas feitas de cascas de frutas duras e maiores. Os dedos eram cheios de vários anéis, muito frágeis, feitos de tucumã e que também serviam como correntes. De vez em quando eram decorados com um padrão delicadamente esculpido. Bemalung: Für gewöhnlich begnügten sich die noch an den alten Sitten festhaltenden Chipaya mit einem mittelst Genipaposaft hergestelltem schwarzblauen Ring um die Lippen, von dem zwei gleichfarbige Streifen in die Ohrgegend verliefen, und der von Zeit zu Zeit einer Auffrischung bedurfte. Bei den Festen wird aber reiche und oft zierliche Malerei nicht nur im Gesicht sondern auch am ganzen Körper angebracht. Ich Pintura: Normalmente os Xipaya, que ainda mantinham os antigos costumes, contentavam-se com o desenho de um anel preto-azulado em volta dos lábios feito de tinta de jenipapo, do qual duas faixas da mesma cor corriam em direção às orelhas e precisavam ser reavivadas de tempos em tempos. Nas festas, no entanto, as pinturas mais refinadas e, muitas vezes, delicadas são aplicadas não somente no rosto, mas também em Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 442 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco habe von einigen der Malereien, die bei dem mir zu Ehren veranstalteten Karia zu Tage kamen, Skizzen gemacht die wenigstens einen Begriff von ihrer Art geben mögen. Auch die von meiner Chipayaindianerin Maria bei dem Feste in der Curuayaaldeia ausgeführten Malereien gehören hierher und nicht zu letzterem Stamme, der in diesen Dingen eine viel geringere Kunstfertigkeit besitzt. Das Labyrinthmuster, das ich bei der Töpferei und den Cuias bereits erwähnt, kommt auch bei dieser Malerei vor, ich sah es z. B. auf dem Bein eines der in Sta. Júlia tanzenden Männer. Sonst waren die Motive sehr manigfaltig aus einer Kombination von Bogen, Punkten und Streifen bestehend und individuell nach dem Geschmack der einzelnen wechselnd, immer aber von einem Sinn für Ornamentik zeugend. todo o corpo. Para dar uma ideia, fiz esboços de algumas das pinturas feitas durante a Caria organizada em minha homenagem. Também as pinturas feitas na minha indígena Xipaya, Maria, no festival da aldeia Curuaya, pertencem também a este lugar e não à última etnia que possui uma habilidade muito menor. O padrão labiríntico que já mencionei nas cerâmicas e nas cuias ocorre também nessa pintura que vi, por exemplo, na perna de um dos homens que dançavam em Santa Júlia. Fora isso, os motivos eram muito diversos, consistindo em uma combinação de arcos, pontos e listras e alternado, individualmente de acordo com o gosto de cada um, mas sempre testemunhando um senso de ornamentação. Feststehend schien die Gesichtsmalerei zu sein. Sie bestand aus je drei Schrägstreifen rechts und links von der Stirnmarke. Von dem oberen Ende des äußeren dieser Streifen ging ein anderer ge- rader Strich quer über die Kopfseite zum oberen Ohrrande. Vom unteren Ohrrande verlief ein anderer Streifen zum Mundwinkel und ging dort in den Lippenkreis über. Ueber den Augen war ein oben A pintura do rosto parecia ser permanente. Consistia em três listras diagonais à direita e à esquerda da marca da testa. Da extremidade superior da parte externa dessas listras, outra linha reta atravessava da cabeça até a borda superior da orelha. Da borda inferior da orelha, outra listra corria para o canto da boca e passava lá para o círculo labial. Acima dos olhos havia um pe- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 443 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage offenes Doppelhäkchen angebracht und quer über die Nasenwurzel verliefen zwei Streifen. In einigen Fällen sah ich die Linien an Mund und Ohren von zwei Reihen Pünktchen oder von zwei feinen Linien eingefaßt, was einen sehr zierlichen Eindruck machte. Oberarme und Unterschenkel waren oft mit auf schwarzem Grunde aus- gesparten Kreuzoder Schnörkelmustern verziert, die Füße ganz schwarz bemalt mit Ausnahme des mit Mustern geschmückten Fußrückens. Auf der Reise beschmierten meine Indianerinnen sich und ihre Genossinnen und Genossen (mich eingeschlossen) zum Scherz über und über mit Genipaposaft, wenn wir auf diese Bäume trafen. Aus einem andern Bäumchen gewannen sie eine wundervolle Eosinfarbe, und dann strahlten wir alle wie die Morgenröte. Doch waren dies nur Spielereien, in denen sich allerdings die jüngeren Indianerinnen, Tayady und Maria chichi, gar nicht genug tun konnten. queno gancho duplo aberto e duas listras corriam oblíquas até a base do nariz. Em alguns casos, vi as linhas na boca e orelhas contornadas por duas fileiras de pontos ou duas linhas finas que pareciam muito delicadas. Antebraços e pernas eram frequentemente desenhados com padrões de cruz ou floreados sobre um fundo preto. Os pés eram pintados de preto com exceção da parte de trás do pé decorada com padrões. Durante a viagem, minhas indígenas se divertiam fazendo suas pinturas corporais em si próprias, em suas companheiras e companheiros, inclusive em mim, com suco de jenipapo, sempre que nos deparávamos com as árvores desse fruto. De outra árvore pequena, eles ganharam uma cor eosina maravilhosa e todos brilhávamos como o amanhecer. Essas pinturas que as jovens indígenas Tayady e Maria Chichi não conseguiam fazer bem eram, na verdade, apenas brincadeiras. Musikinstrumente: Bei den Tänzen, welchen ich beiwohnte, wurden nie Musikinstrumente gebraucht, was natürlich nicht ausschließt, daß sie bei bestimmten Gelegenheiten doch verwendet werden. Die Instrumentos musicais: Nas danças que participei, nunca foram usados instrumentos musicais, o que, evidentemente, não significa que não sejam usados em outras ocasiões. As flautas maiores que coletei parecem ser usadas prin- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 444 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco größeren von mir gesammelten Flöten scheinen hauptsächlich zum Anmelden der Boote in der Nähe von Malokas zu dienen, wenigstens bezeichneten sie die Indianer selbst als Businas, wie die diesem Zwecke dienenden Signalhörner in den Seringueirobooten genannt werden. Die kleineren Pan- und Knochenflöten dienten anscheinend nur zur Unterhaltung. Tabaya flötete eine Zeitlang allabendlich während unserer Reise zu seinem und unserem Vergnügen, doch zog er sich dabei unter sein Mosquiteiro zurück und tat geheimnisvoll, so daß ich nicht einmal mit Sicherheit sagen kann, welches Instrument er benutzte. Nach der Mannigfaltigkeit der hervorgebrachten Töne zu urteilen, schien es aber eine Panflöte zu sein. cipalmente para anunciar os barcos nas proximidades das malocas. Os indígenas as chamavam de buzinas com a mesma finalidade dos chifres usados pelos seringueiros. As flautas menores de Pã e de osso eram aparentemente apenas para o entretenimento. Tabaya tocava todas as noites, para seu e nosso deleite, durante toda nossa viagem. Ele ficava escondido secretamente em seu mosquiteiro que não sei dizer ao certo que instrumento ele usava. A julgar pela variedade das notas produzidas, parecia ser uma flauta de Pã. Waffen und Jagd: Die Hauptwaffe der Chipaya ist noch immer der Bogen. Daneben ist neuerdings die Büchse amerikanischer Herkunft, das rifle, wie es die Seringueiros führen, ein ersehnter Besitzgegenstand geworden. Doch haben bis jetzt nur wenige Indianer es zu einiger Fertigkeit in dessen Handhabung gebracht, wie z. B. mein Begleiter Pedro Marques. Armas e caça: A principal arma do Xipaya ainda é o arco. Além disso, a espingarda de origem americana, o rifle, como os que os seringueiros carregam, tornou-se um objeto desejado. Até agora, poucos indígenas desenvolveram as habilidades de uso dessa arma como, por exemplo, meu acompanhante Pedro Marques. Der Bogen besteht aus schwarzem, O arco é feito de madeira preta, for- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 445 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage starkem, elastischem Holz, wahrscheinlich vom pau d‘arco herrührend, obwohl es sich im Aussehen von dem helleren, im Norden üblichen Holze dieses Baumes (einer Tecoma -Spezies) wesentlich unterscheidet. Jedenfalls scheint der Baum von dem es herrührt, am Iriri-Curuä nicht sehr häufig vorzukommen, und die Bearbeitung desselben ist schwierig. Daher trennen sich die Chipaya auch nur ungern von ihren vorzüglich gearbeiteten Waffen. Die Sehne wird aus den Fasern einer aloeähnlichen Pflanze hergestellt, wenigstens sah ich aus solchen Raymundo Curuaya einst eine Bogensehne drehen. Auch das Pfeilrohr ist nicht überall häufig am Curuá, und die Indianer unternehmen seinetwegen Reisen, die sie manchmal weit an den Flüssen hinauf in ganz unbewohnte Gebiete führen, wie z. B. an den Salto do Cashimbo im Curuá. Die Pfeile sind je nach ihrer Bestimmung von verschiedener Länge und Stärke, und auch die Spitzen wechseln dementsprechend. Die für die Landjagd sind gewöhnlich mit Widerhaken aus Knochen bewehrt, oder mit lanzettförmigen, flachen, auf allen Seiten messerartig zugeschärften Bambusspitzen. Häufiger und für den Chipaya, der fast ausschließlich von Fisch lebt, wichtiger sind jedoch die te e flexível, provavelmente derivada do pau d’arco. Ele se diferencia, consideravelmente, do pau d’arco, pois tem a aparência mais clara – uma espécie de tecoma comum no Norte. Em todo caso, a árvore da qual provém o arco não parece ser muito comum no Iriri-Curuá e é difícil de ser cultivada. Por essa razão, os Xipaya relutam em se desfazer de suas armas primorosamente fabricadas. O tendão é feito de fibras de uma planta parecida com o Aloe vera. Certa vez, vi Raimundo Curuaya dobrar uma corda de arco dessa planta. A haste da flecha também não é comum em todo o Curuá, por isso os indígenas empreendem viagens que, às vezes, os levam rio acima até áreas totalmente desabitadas como, por exemplo, para o Salto do Cachimbo em Curuá. As flechas têm comprimento e resistência diferentes, dependendo de sua finalidade e as pontas também mudam de acordo com sua utilidade. As destinadas ao uso da caça são geralmente montadas com farpas de osso ou com pontas de bambu planas, em forma de lanças afiadas como uma faca por todos os lados. As flechas de peixe são mais comuns e mais importantes para os Xipaya que vivem quase exclusivamente de peixe. Sua ponta consiste Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 446 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Fischpfeile. Ihre Spitze besteht aus einem drehrunden, zugespitzten Stab aus Palmholz. Ihre Länge und Stärke wechselt, doch sieht man hauptsächlich zwei Arten^ eine mittelstarke, welche für die meisten der mittelgroßen Eßfische, Pacú, Piranha, Tucunare usw. ausreicht, und eine besonders starke für die mächtigen Sorubims und Traíras, die trotzdem dem Jäger oft noch entkommen, und in denen manche Pfeilspitze zerbricht. Den Harpunenpfeil, welchen der Curuaya Joao Padreco auf meiner ersten Reise im Jamauchim gebrauchte, sah ich diesmal nicht, weder bei Chipaya noch Curuaya. Für die Fischjagd ist es des sichern Zielens halber besonders wichtig, daß der Pfeil so gerade wie möglich ist. Man sieht daher auf den Flüssen die Indianer fortwährend damit beschäftigt, prüfend von oben an ihren Pfeilen herabzusehen und sie auszurichten. Neuerdings sollen die Indianer auch gern eiserne Pfeilspitzen einhandeln, doch habe ich keine solche in Gebrauch gesehen, so wenig wie die Angelhaken, welche sie sich verschiedene Male eintauschten. Ob sie auch mit Timbo fischen, wie die Curuaya, konnte ich nicht erfahren. em um bastão pontudo e giratório feito de madeira de palmeira. Seu comprimento e força variam, mas pode-se ver, principalmente, duas espécies. Uma de força média que é suficiente para a maioria dos peixes comestíveis de tamanho médio, como pacu, piranha, tucunaré etc. E outra, bastante forte, para os poderosos surubins e traíras que, às vezes, escapam ao caçador, quando a ponta da flecha se quebra. Desta vez, não vi a flecha do arPão que o Curuaya João Padreco usou na minha primeira viagem ao Jamanxim, nem com os Xipaya e nem tampouco com os Curuaya. Para a pesca é principalmente importante que a flecha esteja o mais reta possível para mirar com segurança. Por isso, vemos os indígenas nos rios conferindo constantemente suas flechas, de cima para baixo e alinhando-as. Nos últimos tempos, dizem que os indígenas também gostam de negociar pontas de flechas de ferro, porém nunca vi nenhuma em uso, além dos anzóis que trocam várias vezes. Não consegui descobrir se também pescam com o timbó, como os Curuaya. Alle größeren Landtiere werden von Os Xipaya caçam todos os grandes den Chipaya zu Nahrungszwecken animais terrestres para alimentação, gejagt, außer den Jaguaren, exceto onças, felinos selvagens e Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 447 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Wildkatzen und Veados (Rehen), welche letztere sie nicht essen dürfen. Am beliebtesten sind Affen, vor allem der Spinnenaffe und in zweiter Linie der Brüllaffe, Aras, Tukane, die großen Hühnervögel und Steißhühner sind die beliebtesten Jagdobjekte aus der Vogelwelt. Von Reptilien sind vor allem die Tracajás zu nennen (die Tartaruga, die große Amazonasschildkröte kommt im Iriri-Curuá nicht vor), welche in jeder Gestalt und Größe, möchte ich sagen, gegessen werden, als erwachsene Tiere, eben ausgeschlüpfte Junge, Embryonen und frische Eier. Demnächst kommen Jabotys (Landschildkröten), ferner die beiden kleinen Krokodilarten und seltener Jacruarús (Tupinambis nigropunctata). veados que não têm permissão para comer. Os preferidos são os macacos, especialmente o macaco-aranha e o bugio. Também as araras, os tucanos, as aves grandes e as galináceas que são o objeto de caça mais popular do mundo das aves. Entre os répteis, destacam-se os tracajás (a grande tartaruga-amazônica que não aparece no Iriri-Curuá), que são comidos de todas as formas e tamanhos, como por exemplo, adultos, filhotes recém-nascidos, embriões e ovos frescos. Finalmente, os jabotis (tartarugas), bem como as duas pequenas espécies de crocodilos e consumiam, raramente, jacuruarus (Tupinambis nigropunctata). Boote: Die Chipaya sind im Gegensatz zu den Curuaya sehr geschickte Bootbauer, und ihre Ubás und Cashiris (so heissen bei ihnen die kleinsten Fahrzeuge) im ganzen Iriri-Curuä berühmt und ein geschätzter Handelsartikel. Sehr große Ubás sieht man selten, und ich konnte mich selbst überzeugen, daß solche in den verhältnismäßig seichten Flüssen unpraktisch und besonders in den Cachoeiras schwer zu handhaben sind. Die am häufigsten Barcos: Diferente dos Curuaya, os Xipaya são habilidosos construtores de barcos. Suas Ubás5 e Caxiris (nomes dos veículos menores) são itens comerciais valiosos e muito famosos em todo o Iriri-Curuá. As Ubás muito grandes são vistas raramente. Fiquei convencida de que é impossível usá-los em rios muito rasos e difíceis de manejar, sobretudo nas Cachoeiras. Os tamanhos mais comuns são canoas de cerca de quatro Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 448 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco vorkommende -Größe sind etwa 4 —5 m lange Einbäume mit mäßig verschmälerter Spitze, hinten breit auslaufend, die gerade bequem zur Aufnahme einer mittelstarken Indianerfamilie nebst Gepäck (die Indianer pflegen auf längeren Reisen den größten Teil ihrer Besitztümer mit sich zu führen) ausreichen. Außerdem sieht man kleinere Boote in allen Abstufungen, für 3, 2, 1 Personen ausreichend, ja es gibt wenig über ein Meter lange Boote für kleine Kinder, aber alle, selbst die kleinsten, sind gleich vorzüglich gebaut. a cinco metros de comprimento com uma ponta moderadamente estreita, afinando amplamente na parte traseira. Elas são suficientes para acomodar apenas uma família indígena de tamanho médio e sua bagagem (os indígenas tendem a levar consigo, a maioria de seus pertences em viagens mais longas). Além disso, há barcos menores em todos os tamanhos para uma, duas ou três pessoas. Há poucos barcos com mais de um metro de comprimento para crianças pequenas e todos são primorosamente construídos, inclusive os menores. Ich habe nur eine Form von Ubá, die eben beschriebene gesehen und leider nie dem Bau einer solchen beigewohnt. Auch kann ich nicht angeben, ob die Chipaya Rindenboote anfertigen wie die Curuaya. Fortbewegt wurden die Úbás meist mit der Vara, welche viel schwächer als die bei den Barqueiros übliche, aber äußerst elastisch ist. Zum Steuern benutzte man das gewöhnliche Indianerruder mit langem Stiel und rundem Blatt. Doch fertigten die Indianer auch solche mit kurzen Stielen und langem, schmalem Blatt an, welche sie in bestimmten Fällen vorzogen. Eine Tolda wird wenn nötig (in der Regenzeit) aus einer Palmblattmatte improvisiert. A única forma de Ubá que vi, foi a que descrevi acima. Infelizmente nunca vi nenhuma sendo construída. Também não posso afirmar se os Xipaya fazem barcos de casca de árvore como os Curuaya. As ubás costumavam ser movidas com uma vara muito mais fraca do que a comum usada pelos barqueiros, porém extremamente flexível. O remo indígena usual tem um cabo longo e a folha arredondada e era usado para conduzir o barco. Em certos casos, os indígenas preferiam fazer uso de remos com cabo curto e a folha comprida e estreita. Quando necessário, na estação das chuvas, improvisam um toldo com um tapete de folhas de palmeira. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 449 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Ackerbau: Die Chipaya sind als gute Ackerbauer am Iriri und Curuá berühmt, und die Roças, welche ich sah, konnten sich in der Tat mit denen der meisten Brasilianer sehr wohl messen. Hauptsächlich bauen sie Mandioka, in zweiter Linie Mais, Zuckerrohr und Bananen, ferner verschiedene Knollengewächse wie Iniam, Cará, Batata doce usw. Auch Früchte fehlen nicht: ich fand in ihren Roças sowohl Mamão (Carica papaya) als Ananas, Melonen, Wassermelonen u. a. Dagegen habe ich sehr selten wirkliche Obstbäume gesehen, was wohl mit dem häufigen Wohnungswechsel zusammenhängt. Der Boden scheint sich auch hier, trotz aller anfänglichen Fruchtbarkeit, meist nach einiger Zeit zu erschöpfen, und dann zieht der Chipaya von dannen und errichtet bei der neu angelegten Roça auch die neue Maloka. In der alten Roça gedeihen aber einige der angepflanzten Gewächse, vor allem Bananen und Knollen noch eine ganze Weile weiter, und die Indianer merken sich die Stellen wohl, um sich im Vorüberfahren dort mit Vorräten zu versehen. Auch mir und meinen Gefährten sind auf der Reise im Curuá diese alten Roças, die uns bereitwillig Agricultura: Os Xipaya são conhecidos por serem bons agricultores no Iriri e no Curuá e as roças que presenciei podiam competir com as da maioria dos brasileiros. Eles cultivam principalmente mandioca, milho, cana-de-açúcar e banana, além de vários tubérculos como inhame, cará, batata doce etc. Também não faltam frutas, pois encontrei em suas roças mamão, abacaxi, melão, melancia e semelhantes. Raramente vi plantações de árvores frutíferas, talvez em virtude da frequente mudança de moradia. Após um tempo, o solo parece se esgotar apesar de toda a sua fertilidade. Por isso, os Xipaya se afastam e constroem nova maloca na recém-criada roça. Na antiga roça, algumas plantações como banana e raízes continuam a crescer por muito tempo. Provavelmente, os indígenas, ao passarem por essas roças, recordam os lugares e se abastecem. Essas roças nos foram mostradas durante a viagem ao Curuá. Elas ficam quase sempre escondidas na mata. Meus companheiros e eu nos servimos muito delas durante o caminho e nos abastecemos de raízes e frutas que duraram quase até a chegada ao Salto do Cachimbo. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 450 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco gezeigt wurden (sie liegen fast stets im Walde wohl versteckt) sehr zustatten gekommen. Sie versorgten uns mit einem Vorrat von Wurzeln und Früchten, der fast bis zum Salto do Cashimbo vorhielt. Die Werkzeuge, welche die Chipaya für den Ackerbau benutzen, sind heute ganz allgemein von den Brasilianern eingehandelte Beile (machados) und Waldmesser (terçados), mit deren Hilfe die Roça angelegt und die Ernte eingebracht wird. Doch kann die Steinzeit für sie noch nicht allzuweit zurückliegen. Ich schließe das aus der großen Menge von Steinbeilen aller Art, die ich erhielt und teilweise selbst in den verlassenen Malokas fand, z. B. in der des Joaquim Velho, und daraus, daß noch allen Indianern, auch den jüngeren, wie Raymundo, ihre Handhabung und die Art, wie das Beil am Stiel befestigt wird — vermittelst çipo — bekannt war. Der Zeitpunkt für die Anlegung der Roça richtet sich nach dem Eintritt der Winterregen und kommt am untern Iriri z. B. einige Wochen später als am mittleren Curuá. Die Bäume schlägt man im Laufe des Sommers und zündet sie am Ende desselben an. Sowie die ersten Regen gefallen sind, beginnt die Bestellung, an der As ferramentas que os Xipaya utilizam para a agricultura são hoje em geral machados e terçados comercializados pelos brasileiros usados para a plantação e a colheita nas roças. Mas não estão tão distantes da Idade da Pedra. Chego a essa conclusão pelo grande número de machados de pedra de todos os tipos que recebi e alguns que encontrei nas malocas abandonadas como na de Joaquim Velho. Isso se justifica pelo fato de que todos os indígenas, incluindo os mais novos como Raimundo, conheciam o manuseio e a forma como o machado é preso com cipó. A época de fazer roça depende do início das chuvas de inverno e chega no baixo Iriri algumas semanas depois de chegar no médio Curuá. As árvores são cortadas durante o verão e incendiadas no final dele. Assim que caem as primeiras chuvas, começam os trabalhos e ambos os sexos parecem participar. Pelo menos foi assim que descobri com os Curuaya. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 451 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage sich beide Geschlechter zu beteiligen scheinen. So fand ich es wenigstens bei den Curuaya. Nahrung und Genussmittel: Die Hauptnahrung der Chipaya besteht aus Farinha und Fischen. Hierzu kommen mehr oder weniger häufig, je nach der Jahreszeit, alle möglichen Erzeugnisse der Jagd und Roça. Unter den Nährpflanzen dürfte nächst der Mandioka die Banane die wichtigste sein. Ihre Früchte werden roh gegessen, oder in noch unreifem Zustande geröstet oder gekocht als sogenannter Mingau zubereitet. Die Knollen wie Batata doce, Cara, Iniam etc., werden geröstet oder gekocht. Fleisch und Fische werden ganz allgemein für sofortigen Gebrauch auf Stäbchen am offenen Feuer gebraten, oder für längere Aufbewahrung auf dem sogenannten Moquem (einem niedrigen Rost, unter dem stundenlang, gewöhnlich die ganze Nacht hindurch, ein langsam schwelendes Feuer unterhalten wird) geräuchert. In letzterem Zustande halten sie sich einige Tage lang ohne weiteres gut. Will man sie länger aufbewahren, so müssen sie von neuem auf den Moquem gebracht werden, verkohlen dabei aber immer mehr, so daß meine Barqueiros so behandelte Stücke spottend als Alimentos e especialidades: O principal alimento dos Xipaya é a farinha e os peixes. Além disso, com maior ou menor frequência, dependendo da época, existem todos os tipos de produtos da caça e a colheita da roça. Junto com a mandioca, a banana é provavelmente a planta nutricional mais importante. A fruta pode ser consumida crua, assada ou cozida quando ainda está verde como o chamado mingau. Os tubérculos como batata doce, cará, inhame etc. são torrados ou cozidos. Carnes e peixes são geralmente assados em espetos em fogo aberto para o consumo imediato, ou defumados no chamado Moquém (uma grelha baixa sob a qual um fogo de combustão lenta é mantido por horas, geralmente a noite toda) para armazenamento mais longo. Nessa condição, eles ficam bem conservados por alguns dias. Se houver necessidade de mantê-los por mais tempo, é preciso colocá-los de volta no Moquém. Depois de muitas vezes eles ficam sempre mais carbonizados, de modo que meus barqueiros costumavam chamar, zombeteiramente, de carvão de pedra. Os ovos Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 452 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Carvão de pedra (Steinkohle) zu bezeichnen pflegten. Auch die Tracajáeier werden, um sie längere Zeit haltbar zu machen, auf diese Weise geräuchert und sind in diesem Zustand besonders wohlschmeckend. Manchmal sah ich die Chipaya Fleisch und Fische kochen, doch schienen sie diese Zubereitungsweise erst nachträglich von den Seringueiros angenommen zu haben. Affen oder kleinere Säugetiere werden vor dem Braten oder Räuchern nicht enthäutet, sondern nur abgesengt und dann ausgeweidet. Besonders erstere Tiere bieten in diesem Zustande einen sehr scheußlichen Anblick. de Tracajá também são defumados desta forma, a fim de serem preservados por mais tempo e ficam bastante saborosos. Certas vezes, vi os Xipaya cozinharem carne e peixe, mas pareciam ter adotado esse método de preparo depois do contato com os seringueiros. Macacos ou mamíferos menores não são esfolados antes de serem assados ou defumados. Eles são apenas tostados e estripados. A imagem é horrível, principalmente dos macacos. Außer den von ihnen gepflanzten Früchten kennen und genießen die Indianer manche Waldfrüchte, besonders Beeren, welche sie ohne Unterschied Torupá nennen. Die wichtigste von diesen war zur Zeit meiner Reise eine Sapotacee mit kleinen, gelben, abiuartigen, säuerlichen, aber ganz wohlschmeckenden Früchten. Wilder Cacao war sehr beliebt, dann der mir schon von meiner ersten Reise her wohlbekannte Isari, eine Leguminosenhülse mit fadsüßlichem, mehligem, gelbem Mark. Aus allen diesen Früchten stellen sie durch Vermischen des Fruchtfleisches Além das frutas que plantam, os indígenas conhecem e apreciam alguns frutos da floresta, principalmente as bagas que eles chamam de torupá sem distinção. O mais importante deles na época da minha viagem era uma sapotácea com frutas pequenas, amarelas, um tipo de abiu, azedas, mas muito saborosas. O cacau selvagem era muito popular, seguido do isari, uma leguminosa de polpa amarela, pouco doce e farinhenta, que eu já conhecia da primeira viagem. Saborosas limonadas eram feitas com todas essas frutas, misturando a polpa com água e adoçando com mel ou açúcar. Meus Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 453 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage mit Wasser und Versüßen mit Honig oder Zucker recht wohlschmeckende Limonaden her. Auf Honig waren meine Begleiter ganz versessen, und jeden halben oder ganzen Rasttag auf unserer Reise verbrachten sie auf der mühsamen und oft erfolglosen Honigsuche. Sie benutzen ihn zum Versüssen der Speisen, oder rein oder mit Wasser vermischt als Getränk. Das Hauptgetränk ist jedoch der Cashisi. Für die Feste wird dieser anscheinend auf besonders komplizierte Weise hergestellt, aber auch auf der Reise bereiteten meine Begleiterinnen fast allabendlich eine Portion des köstlichen Trankes, wozu einfach die zur Verfügungstehende Farinha, Iniam, oder was sonst gerade an Knollen und Früchten vorhanden war, gut durchgekaut und dann mit frischem Wasser vermischt wurde. Alle verfügbaren Gefäße wurden mit dieser Mischung gefüllt und dann gut zugedeckt. Am nächsten Morgen war der Cashiri trinkfertig. Er war nur schwach oder gar nicht alkoholisch, wenigstens habe ich weder an meinen Indianern noch an den Barqueiros je eine von ihm hervorgerufene berauschende Wirkung bemerkt. companheiros gostavam muito de mel. Durante a viagem, nos intervalos da metade ou de um dia inteiro, eles saíam em busca de mel e, na maioria das vezes, não obtinham sucesso. Eles o usam para adoçar os alimentos ou o consomem como bebida, puro ou misturado com água. Contudo, a bebida principal é o caxiri. Aparentemente, seu processo de elaboração é complexo para as festividades. No entanto, meus acompanhantes também preparavam uma porção dessa deliciosa bebida quase todas as noites da viagem. O inhame ou qualquer outro tubérculo ou frutas eram bem mastigados com a farinha que estava disponível e depois misturava-se com água doce. Todos os recipientes disponíveis eram preenchidos com essa mistura e depois bem cobertos. Na manhã seguinte, o caxiri estava pronto para beber. Tinha pouco ou nada de álcool, pelo menos nunca percebi um efeito intoxicante nos meus indígenas ou nos barqueiros. Ein Hauptgenußmittel ist natürlich O tabaco é, obviamente, uma das der Tabak. Zu meiner Zeit waren principais especialidades. Na minha Cigaretten, welche sie sich selbst aus época, os cigarros eram enrolados Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 454 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Tabak und Cigarettenpapier nach Art der Barqueiros drehten, schon sehr beliebt, und ich selbst habe keine andern gesehen. ursprünglich sollen sie den Tabak aber in Form großer Tauarycigarren geraucht haben. com tabaco e papel de cigarro, à maneira dos barqueiros. Essa prática era muito popular e não vi outro tipo. Originalmente, devem ter fumado o tabaco na forma de grandes charutos tauari. Tägliches Leben in der Maloka und auf Reisen: Sein Leben im Hause verbringt der Chipaya, wenn er nicht gerade mit Essen oder der Anfertigung oder Pflege seiner Waffen beschäftigt ist, in der Hängematte, kann man sagen. Bei Besuchen findet man stets den größten Teil der Männer einzeln oder zu mehreren in diesem wichtigsten ihrer Möbel liegend oder sitzend, schlafend oder plaudernd. Die Frauen sieht man dagegen häufiger an der Arbeit. Sie kochen, spinnen oder weben, machen Perlarbeiten oder unterhalten sich mit Betrachten ihres in Palmblattschachteln oder großen Cuias aufbewahrten Schmuckes. Auch das Herbeiholen der Nahrungsmittel aus der Roça liegt ihnen ob, wie den Männern Jagd und Fischfang. Bei beiden Geschlechtern spielt das Baden eine große Rolle und das daran anschließende Säubern, Putzen, Kämmen und Durchsuchen der Haare nach Läusen, ein Liebesdienst, den sie sich gegenseitig erweisen. Feststehende Eßzeiten O dia a dia na maloca e ao viajar: Pode-se dizer que quando o Xipaya não está ocupado com a comida ou com a elaboração e o cuidado de suas armas, ele passa a vida em casa na rede. Durante as visitas, sempre se vê a maioria dos homens sozinhos ou em grupos, deitados ou sentados, dormindo ou conversando na rede que é o objeto mais importante da casa. Ao contrário, as mulheres são vistas com mais frequência no trabalho. Elas cozinham, fiam e tecem, fazem trabalhos de contas de miçangas de porcelana e vidro ou conversam enquanto contemplam seus adereços guardados em caixas de folhas de palmeira ou em cuias grandes. Elas são também responsáveis por buscar os alimentos na roça, assim como os homens são responsáveis por caçar e pescar. O banho desempenha um papel importante em ambos os sexos, assim como, o asseio, a limpeza, o ato de pentear e catar piolhos nos cabelos. Trata-se Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 455 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage schienen sie nicht zu haben. Ist vom vorigen Tage genug übriggeblieben, so wird der folgende sofort mit einer Hauptmahlzeit begonnen, und dann verschiebt sich dementsprechend der Jagdausflug der Männer. Im andern Falle begeben sich diese sofort auf die Jagd oder den Fischfang, und erst nach der Rückkehr wird die Hauptmahlzeit ein- genommen. Eine zweite Mahlzeit wird fast stets am Spätnachmittage oder Abend gehalten. Einzelne Gruppen von Essern sieht man in der fetten Jahreszeit (im Sommer) aber stets um irgendein Feuer herumsitzen, wobei sich die unverheirateten Männer, die Sanapús, selbst ihren Fisch oder ihr Stück Fleisch rösten müssen, während das bei den Verheirateten die Frau übernimmt. de um ato de amor que prestam um ao outro. Eles não parecem ter horários fixos para as refeições. As sobras do dia anterior são consumidas logo no dia seguinte numa refeição principal e, com isso, a saída dos homens para caçar é adiada. Caso não sobre nada, eles saem imediatamente para caçar ou pescar e a refeição principal só é servida quando retornam. Uma segunda refeição é quase sempre realizada no final da tarde ou à noite. Na estação da fartura (no verão) é possível ver grupos isolados, comendo sentados ao redor de uma fogueira, onde os homens solteiros, os Sanapús, têm que assar eles próprios seu peixe ou o seu pedaço de carne, enquanto para os casados, é a mulher que assa. Auf meiner Reise richteten sich die Indianer naturgemäß mehr nach unseren Eßzeiten, immer aber suchten sie dabei anstatt unseres ersten Frühstücks, das nur aus Kaffee mit Farinha oder Mingau bestand, eine stärkere Mahlzeit aus den Resten des vergangenen Tages einzuschieben und sich in ihren Booten so mit Vorräten zu versehen, daß sie essen konnten, wann sie Lust hatten. Na minha viagem, os indígenas seguiram naturalmente mais os nossos horários de alimentação, mas em vez do nosso primeiro desjejum, que consistia apenas de café com farinha ou mingau, eles sempre faziam uma refeição mais forte com as sobras do dia anterior e levavam suprimentos consigo nos seus barcos para comerem quando tivessem vontade. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 456 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Auf der Reise übernachteten sie, auch wo keine Carajás zu befürchten waren, nur ungern im Walde. Am liebsten waren ihnen mit Bäumen licht bestandene Sandbänke (Praias). Im Notfalle schliefen sie lieber auf der bloßen Erde, auf kleinen baumlosen Sandbänken mitten im Flusse, als im Hochwalde, in dem die Barqueiros ihr Lager aufgeschlagen hatten. Na viagem, eles dormiam na floresta mesmo a contragosto, pois temiam os Carajás. Preferiam os bancos de areia (praias) repletos de árvores. Em caso de emergência, preferiam dormir no solo descoberto, em pequenos bancos de areia sem árvores no meio do rio, ao invés de na mata alta onde os barqueiros haviam montado seu acampamento. Stammverfassung, Familie: Ich versuchte natürlich, so viel wie möglich über die Stammverhältnisse der Chipaya in Erfahrung zu bringen, doch war dies nicht ganz leicht, da kein einziger von ihnen genügend portugiesisch verstand, um sich über verwickeltere Dinge mit mir unterhalten zu können, und ich auf das wenige, was die Brasilianer über diese Dinge wußten, angewiesen war. Der Stamm scheint doch schon durch den längeren Verkehr mit den Civilisados etwas in Auflösung geraten zu sein. Constituição étnica, família: Evidentemente, tentei saber o máximo possível sobre a origem dos Xipaya. Contudo, não foi muito fácil, pois nenhum deles entendia suficientemente o português para falar de assuntos mais complexos. Tive de me contentar com o pouco que os brasileiros sabiam sobre eles. A etnia parece ter se desfeito devido ao longo relacionamento com os civilizados. So gibt es z. B. keinen eigentlichen Tushaua der Chipaya mehr. Vor nicht allzulanger Zeit gab es noch solche, von denen zwei — deren Gräber ich in ihrer Maloka an der Cachoeira do Anacuiú aufsuchte — bald nacheinander gestorben sind. Das Datum konnte mir niemand Por exemplo, não existe mais um Tuxaua genuíno dos Xipaya. Pouco tempo atrás ainda existiam dois, mas morreu um após o outro. Cheguei a visitar seus túmulos em suas malocas, em Cachoeira do Anacuiú. Ninguém soube me dizer a data exata da morte deles, mas pode Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 457 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage genauer angeben; es mögen etwa 10 Jahre her gewesen sein. Diese beiden scheinen die letzten rechtmäßigen Häuptlinge gewesen zu sein; bei ihrem Tode standen die Chipaya bereits in regelmäßigem Verkehr mit den Seringueiros. Manoelsinho, obwohl sehr angesehen und wegen seiner Kenntnis der portugiesischen Sprache der Vormittler des Verkehrs mit den Christoes, war nicht Tushaua. Er schien übrigens bei den Curuayas mehr Einfluß gehabt zu haben als bei seinen eigenen Stammesgenossen. ter sido há dez anos. Eles parecem ter sido os últimos chefes legítimos. Antes deles morrerem, os Xipaya já faziam contato constante com os seringueiros. Manoelzinho não era um Tuxaua, embora fosse muito respeitado por conhecer bem o português e por intermediar as relações com os cristãos. A propósito, ele parecia ter tido mais influência com os Curuaya do que com os membros de sua própria etnia. Unter den heutigen Chipaya dürfte die Stellung des Joaquim Velho der eines Tushaua am nächsten kommen, ja, er wurde mir von einigen Seringueiros geradezu als solcher bezeichnet. Doch scheint er die Rechte eines solchen nur in seiner allerdings großen Familie, der als Schwiegersöhne mehrere der angesehensten Stammesmitglieder, Pedro Marques und der Coronel angehören, auszuüben. Auch ein Chipaya-Page existiert nicht mehr. Schon Tabão, den ich auf meiner ersten Reise in dieser Stellung fand, war ein Juruna, lebte aber ganz unter den Angehörigen des nahe verwandten Stammes und wurde von ihnen als der Stammespage angesehen. Entre os Xipaya de hoje, Joaquim Velho ocupa a posição que, provavelmente, mais se aproxima da de um Tuxaua. Assim, ele me foi descrito por alguns seringueiros. No entanto, parece que só exerce essa função na sua numerosa família que tem como genros vários dos mais respeitados membros da etnia: Pedro Marques e o Coronel. Pajés Xipaya também não existem mais. Na minha primeira viagem, conheci Tabão que ocupava tal posição. Ele era juruna, mas vivia absolutamente entre os membros da etnia de parentesco mais próximo e era considerado por eles como o pajé tribal. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 458 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Sämtliche Chipaya, mit denen ich in nähere Berührung kam, lebten in Einehe, mit Ausnahme von Tabaya, (einem jüngeren Sohn des Joaquim Velho). Dieser hatte auf der Reise im Iriri-Curua, auf der er mich begleitete, zwei Frauen bei sich, eine ältere, Tacuradi, und eine jüngere, im Alter zu ihm passende, Tayadi mit Namen welche letztere er im ganzen vorzog. Tacuradi war bereits ziemlich bejahrt. Sie war früher mit einem Curuaya verheiratet gewesen und hatte aus dieser Ehe einen etwa 12jährigen Sohn, der bei ihr lebte, obwohl ihr erster Mann noch am Leben war und in einer der Malokas am Igarape dos Curuayas wohnte. Ob sie ihm davongelaufen war, oder ob sie sich gütlich getrennt hatten, konnte ich nicht erfahren. Doch erhoben die Curuaya während meines Aufenthaltes bei ihnen Anspruch auf den kleinen Payaum, der nur durch Cavalcantis Dazwischentreten seiner Mutter erhalten wurde. Man sagte mir als Erklärung für Tabayas Doppelehe, es sei bei den Chipayas Sitte, die jungen Männer erst mit einer „Witwe“, zu verheiraten; später dürften sie aber eine junge Frau dazu nehmen. Die „Witwe“ scheint später einfach zu den Stammesalten verwiesen zu werden, Tabaya erschien bei seinen späteren Todos os Xipaya com quem tive mais contato viviam em monogamia, com exceção de Tabaya, filho mais novo de Joaquim Velho. Na viagem ao Iriri-Curuá, em que me acompanhou, ele tinha duas mulheres consigo: uma mais velha, Tacuradi, e outra mais jovem, Tayadi que tinha sua idade e era sua preferida. Tacuradi já era bastante velha. Ela já havia se casado com um Curuaya e desse casamento tinha um filho de mais ou menos 12 anos e morava com ela. No entanto, seu primeiro marido estava vivo e morava em uma maloca no igarapé dos Curuaya. Não consegui descobrir se ela havia fugido dele ou se eles se separaram amigavelmente. Durante minha estada com eles, o Curuaya reclamou o pequeno Payaum. A reclamação, porém, só chegou à mãe pela intervenção de Cavalcanti. Sobre o duplo casamento de Tabaya, disseram-me que era costume entre os Xipaya casar os rapazes primeiro com uma “viúva” e, mais tarde, recebiam permissão para ter uma segunda esposa mais jovem. Mais tarde, a “viúva” parecia ser tratada como simples anciã da etnia. Em suas visitas posteriores a Santa Júlia, Tabaya apareceu somente com uma mulher, a jovem Tayadi. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 459 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Besuchen in Sta. Júlia immer nur mit einer Frau, der jungen Tayadi. Ich sah in den meisten Chipayafamilien nicht mehr als 1 — 2 Kinder. Nur Joaquim Velho bildete eine Ausnahme. Er hatte mindestens 5 Kinder; 2 verheiratete Töchter, 2 verheiratete Söhne und einen Sanagú, wie alle größeren Knaben bis zu ihrer Heirat genannt werden. Ich versuchte ihn einmal über Verwandtschaftsverhältnisse auszufragen, doch erwies sich sein Portugiesisch als zu mangelhaft, und auch Acciolys Versuche, mir zu helfen, blieben ziemlich erfolglos. Die kleineren Kinder wurden, soviel ich sah, von beiden Eltern zärtlich behandelt, ja sogar verwöhnt. Sie werden von den wasserliebenden Chipaya fast amphibisch erzogen; ihre Schwimm- und Tauchfähigkeit, selbst im zartesten Alter, ist erstaunlich. Não vi mais que duas crianças na maioria das famílias Xipaya, com exceção da de Joaquim Velho. Ele tinha pelo menos cinco filhos. Quatro casados, duas mulheres e dois homens e um sanagú6, como são chamados todos os rapazes antes do casamento. Certa vez, tentei perguntar sobre relações familiares, mas seu português era muito precário e as tentativas de Accioly de me ajudar foram sem sucesso. Pelo que pude ver, as crianças mais novas eram tratadas com ternura por ambos os pais e eram até mesmo mimadas. Elas são criadas quase como anfíbios, uma vez que os Xipaya são amantes da água. Sua capacidade de nadar e mergulhar, mesmo em idades mais tenras, é impressionante. Der Verkehr der Chipaya untereinander ist ruhig und förmlich. Außer einer Prügelei zwischen Tabayas Frauen habe ich nie Lärm oder Streit unter ihnen wahrgenommen. So umständliche Begrüßungszeremonien, wie sie 1909 bei den Chipaya gebräuchlich waren, habe ich dieses Mal nicht bemerkt; aber vielleicht werden sie nur im Beisein der cristões nicht mehr A relação entre os Xipaya é calma e formal. Exceto por uma briga entre as mulheres de Tabaya, nunca ouvi outro barulho ou discussão. Desta vez, não constatei as trabalhosas cerimônias de boas-vindas como as que costumavam fazer em 1909. Talvez somente na presença dos cristãos é que não são mais praticadas. O Xipaya, em particular, é muito sensível a piadas sobre eles. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 460 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco ausgeübt. Gerade der Chipaya ist sehr empfindlich, wenn man sich über ihn lustig macht. Feste, Zauberei: Ein Karia, welchen ich in Sta. Júlia bald nach meiner Ankunft sah, war wenig charakteristisch. Wir kamen durch Zufall auf einem Naclimittagsbesuch in Joaquim Velhos Maloka dazu. Es schien eine einfache Trinkerei zu sein, und alle Teilnehmer daran waren bereits in ziemlich seliger Stimmung. Vielleicht war am Abend vorher getanzt worden, doch waren die Leute weder bemalt noch außergewöhnlich geschmückt. Der Cashiri war aber in dem Festboot, welches in einem besonderen Verschlage in der Maloka stand, angerichtet. Cerimonias, feitiçaria: Logo após a minha chegada, a Caria que vi em Santa Júlia era pouco peculiar. Aconteceu ao final da tarde, numa visita à maloca de Joaquim Velho. Parecia uma simples bebedeira e todos já estavam bem alegres. Talvez tivessem dançado na noite anterior, mas as pessoas não estavam pintadas ou adornadas como de costume. O caxiri7 foi preparado no barco de festa, cujo revestimento era de uma tábua especial e ficava na maloca. Nach meiner Rückkehr von den oberen Flüssen besuchte mich eines Tages Joaquim Velho mit seinem ganzen Anhange, um mir einen Karia vorzuführen, an dem jedoch nur die jüngeren Familienmitglieder teilnahmen. Es tanzten nur vier Paare, aber diese waren wirklich nach Kräften bemalt und geschmückt, wie ich bereits geschildert habe. Tabaya, mit einem einfachen weißen Stab in der Hand, machte den Vortänzer. Es wurden Tierpantomimen vorgeführt, Um dia após meu retorno dos rios de cima, Joaquim Velho e todos os seus agregados vieram me ver para mostrar-me uma Caria da qual participavam apenas os familiares mais novos. Somente quatro casais dançaram e foram verdadeiramente pintados e enfeitados da melhor maneira possível, como já descrevi. Tabaya carregava um bastão branco simples na mão e era o dançarino principal. Eles faziam mímicas de animais, semelhantes às que eu ha- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 461 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage ähnlich denen, die ich 1909 am Curuá gesehen hatte. Eine tiefere Bedeutung schienen sie nicht zu haben. Ich glaube jedoch, daß auch bei den Chipaya solche Feste tieferen Sinnes in Gebrauch sind, oder noch vor kurzem im Gebrauch waren, wie ich sie bei den Curuaya sah und später beschreiben werde. Zu dieser Annahme veranlaßt mich ein Fund, den ich in der bereits erwähnten, abgebrannten Chipaya-Aldeia am mittleren Curuá machte. Dort waren in der Hauptmaloka 2 etwas über anderthalb Meter hohe Pfosten stehen geblieben, deren oberes Ende grob in Form eines Kopfes zugehauen war. Die Gesichter dieser Köpfe waren genau in derselben Weise bemalt, wie die Indianer sich zu ihren Festen zu bemalen pflegen, und wie ich dies bereits geschildert habe. Auf der Brust befand sich, von gebogenen Linien eingefaßt, das bei den Chipaya so beliebte Labyrinthmuster und seitlich von diesem einige Reihen übereinanderstehender menschlicher Figuren und Figürchen, in schwarzer Farbe ausgeführt. Der Hinterkopf der Figuren war ganz schwarz. via visto em Curuá, em 1909. Não pareciam ter um significado profundo. No entanto, acredito que os Xipaya faziam tais festas com significado mais profundo ou só começaram a praticá-las, recentemente, como eu os vi com os Curuaya e os descreverei mais adiante. Essa suposição é baseada na descoberta que fiz na já mencionada aldeia-Xipaya incendiada no médio Curuá. Havia na segunda maloca principal, postes com um pouco mais de um metro e meio de altura, cuja ponta era grosseiramente talhada em forma de uma cabeça. Conforme descrevi anteriormente, os rostos dessas cabeças foram pintados exatamente como os indígenas costumavam se pintar durante suas festas. No peito, emoldurado por linhas curvas, viase o padrão labiríntico tão popular entre os Xipaya e ao lado havia algumas fileiras de figuras humanas e estatuetas, postas em pé, umas sobre as outras, finalizadas em preto. Die Figurenpfosten, hinter denen jedenfalls das Cashiriboot gestanden hatte, haben nichts mit dem Malokagerüst zu tun, sondern stehen A parte de trás da cabeça das figuras era toda preta. Os postes de figuras, atrás dos quais ficava o barco com caxiri, não tinham nada a ver com Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 462 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco anscheinend in einem gewissen Zusammenhang zu manchen Tänzen. So war dies wenigstens bei den Curuaya, bei denen ich mehr hierüber zu sagen haben werde. Vielleicht waren diese Figuren der „Götze“, von dem mir Accioly bereits auf meiner ersten Reise erzählt hatte. Die Barqueiros nannten sie das Caruára der Chipaya. Mit demselben Ausdrucke, von dem ich nicht weiß, ob er von den Chipaya selbst herrührt, bezeichneten sie aber auch merkwürdige, an langen Fäden von der Decke herabhängende, mit Wattebäuschen gefüllte Schälchen oder Tellerchen in der augenblicklich von Joaquim Velho bewohnten Maloka bei Sta. Júlia, in der ich das Cashirifest erlebte. Über diese Caruaras wurde mir das folgende erzälht: in die Watte habe Tabão gewisse Krankheiten hineingezaubert, die von ihm behandelten Kranken seien aber trotzdem gestorben. Auf meine Bitte wurden mir die Caruaras bereitwillig überlassen, doch wollte sich niemand, weder von den Indianern noch von Acciolys Leuten, dazu verstehen, sie herabzuholen, weil, wer sie anfasse, sterben müsse. Mit einigen Schwierigkeiten holte ich mir schließlich selbst die Caruaras herab und fand, daß sie aus drei Teilen bestanden, einem langen Stab a estrutura da maloca. Pareciam estar relacionados a algumas das danças. Ao menos, era assim para os Curuaya, sobre os quais falarei mais adiante. Talvez essas figuras fossem os “ídolos” dos quais Accioly havia me falado na minha primeira viagem. Os barqueiros as chamavam de Caruáras dos Xipaya. Eles também usavam a mesma expressão para se referir a estranhos longos fios, pendurados no teto com chumaços de algodão na ponta, embebidos em pequenos pratos ou tigelas na maloca perto de Santa Júlia, onde vivenciei o festival do Caxiri. No entanto, não sei se a expressão “caruáras” vem dos próprios Xipaya. Sobre as Caruáras, disseram-me que Tabão exorcizava a doença do doente para o algodão, porém os doentes que ele tratava morriam assim mesmo. A meu pedido, as caruaras me foram dadas de boa vontade, mas nem os indígenas e, muito menos, o pessoal de Accioly, ousou tirá-las, pois quem as tocasse morreria. Com certa dificuldade, consegui tirar as Caruáras e descobri que consistiam em três partes: a primeira, tratavase de uma longa haste de flecha que era colocada entre a palha da palmeira do telhado; a segunda era um fio grosso de algodão com mais de um metro de comprimento preso no Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 463 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage aus Pfeilrohr, welcher der Länge nach zwischen das Palmstroh des Daches geschoben war, einem starken, über 1 m langem Baumwollfaden, in der Mitte des Stabes befestigt, und dem an letzterem hängenden eigentlichen Caruara, das verschiedene Gestalt hatte, immer aber etwas Watte enthielt. In letzterer schien nach Annahme der Chipaya die tödliche Krankheit zu stecken. In zwei Fällen bestand der Caruara aus einem viereckigen, flachen Kästchen aus Rohrstäbchen, in einem aus einem runden, unten spitz zulaufenden Körbchen aus Palmstroh, das letzte war ein aus Blättern bestehendes Ameisennest. meio da haste; e a terceira era a própria Caruára pendurada ao fio. Elas possuíam formas diferentes, mas sempre tinha algodão. A primeira caruara era uma caixa feita de palitos de cana, em formato quadrado e plano. A segunda, era uma cesta de palha de palmeira em forma de cone e a última um formigueiro feito de folhas, na qual a doença mortal parecia ter estagnado, pois o Xipaya havia sido desenganado. Tabão war erst vor kurzem in Sta. Júlia gestorben. Die Caruaramaloka schien früher die seinige gewesen zu sein. In Ains Maloka schenkte man mir bei einem Besuche seine Maracá. Ein fünftes Chipaya-Caruara sammelte ich in der verlassenen Maloka des Joaquim Velho am mittleren Curuá. Es war in gleicher Weise wie die oben beschriebenen an der Decke befestigt und bestand aus einem wagerecht hängenden, mit roten und schwarzen Federn bekleideten Kreuz aus Stäben. Pouco antes de morrer, Tabão esteve em Santa Júlia. A maloca Caruára parece ter sido sua antes. Em uma visita na maloca de Ain fui presenteada com seu maracá. No médio Curuá, na abandonada maloca de Joaquim Velho, coletei uma quinta Caruára de Xipaya. Estava presa ao teto da mesma forma que as descritas acima e consistia em uma cruz feita de varas, revestida com penas vermelhas e pretas e estava pendurada horizontalmente. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 464 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Kulturverhältnisse. Curuaya: Malocas: Die beiden, am linken Ufer des Igarape dos Curuayas gelegenen Flußmalokas dieses Stammes, welche ich auf meiner Reise kennen lernte, wiesen keine besondern Eigentümlichkeiten auf. Die erste, welche von Carurema, seinem Bruder Antonio und seinem Schwager João Padreco bewohnt wurde, hätte man einfach für eine Seringueirohütte halten können. Sie war rechteckig und zum größten Teil offen, enthielt aber ein durch Palmblattwände vom übrigen Hause getrenntes Zimmer, Die zweite, etwas größere Maloka war ganz offen und glich vollständig der Manoelsinhos; auch in der Größe kam sie dieser etwa gleich. Sie wurde damals außer von Curuayas auch von zwei Seringueiros bewohnt, und auf deren Einfluß war es vielleicht zurückzuführen, daß sie inmitten einer ziemlich großen und gut gehaltenen Roca lag. Bei allen andern Flußmalokas, die ich gesehen, befand sich die Roça nie in unmittelbarer Nähe der Wohnung, sondern in einiger Entfernung, gewöhnlich sogar am andern Ufer und so versteckt, daß Relações culturais Malocas Curuaya: Durante minha viagem, conheci duas malocas ribeirinhas dessa etnia. Elas estavam localizadas à margem esquerda do igarapé dos Curuaya e não possuíam características específicas. A primeira, que era habitada por Carurema, seu irmão Antônio e seu cunhado João Padreco, poderia ser facilmente confundida com uma cabana de seringueiro. Era retangular e quase toda aberta, mas possuía um cômodo separado do resto da casa por paredes de folha de palmeira. A segunda maloca, um pouco maior, era totalmente aberta e lembrava em tudo a de Manoelzinho, até no tamanho. Naquela época, elas eram habitadas não só por Curuaya, mas também por dois seringueiros. Talvez pela influência desses últimos, as malocas se localizavam no meio de uma roça grande e bem cuidada. Em todas as outras malocas ribeirinhas que conheci, a roça nunca ficava nas imediações da moradia e sim, com uma certa distância, ou seja, às vezes ficava na outra margem, tão escondida que não se podia vê-la ao passar por ela. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 465 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage man beim Vorbeifahren nichts von ihr wahrnahm. Die Bauart der Malokas in dem Curuayadörfchen, welches etwa 2 deutsche Meilen von Caruremas Hütte entfernt mitten im tiefen Urwalde lag, war ganz verschieden. Es befanden sich dort zwei größere und drei kleinere Malokas, die unregelmäßig um einen freien Platz gruppiert waren, doch so, daß die beiden größeren auf der einen, die drei kleineren auf der andern Seite standen. Von den beiden größeren war die erste die Wohnung des Page. Sie war rechteckig und auf allen Seiten offen, nur in der Mitte befand sich ein vollständig durch große flache Rindenstücke abgeschlossener Raum, in welchen sich, wie mir gesagt wurde, der Page bei Vornahme von Krankenbeschwörungen zurückzog. Die zweite Maloka stand im rechten Winkel zu dieser ersten und war etwa von gleicher Größe. Sie war gleichfalls rechteckig, aber allseitig durch Rindenwände (aus dem gleichen Material wie der Verschlag des Page) geschlossen, bis auf zwei Türen, eine an jeder Schmalseite. In ihr stand der Caruara (das Festcashiriboot), und sie wurde von João Padreco und seiner Familie bewohnt, woraus mir hervorzugehen schien, daß hier O estilo de construção das malocas na pequena aldeia Curuaya era bem diferente e estava a cerca de duas léguas da cabana de Carurema, no meio da densa floresta primitiva. Havia ali duas malocas maiores e três menores agrupadas irregularmente em torno de um espaço livre, de tal forma que as duas maiores ficavam de um lado e as três menores do outro. Das duas maiores, a primeira era a moradia do pajé. Ela era retangular e aberta em todos os lados. No meio havia um quarto todo fechado por paredes feitas de grandes pedaços de casca de árvore achatados. Alguns me contavam que, nesse quarto, o pajé exorcizava os enfermos. A segunda maloca se encontrava em ângulo reto com a primeira e era quase do mesmo tamanho dela. Era, também, retangular, porém fechada em todos os lados por paredes de casca de árvore, revestidas do mesmo material que a do pajé, exceto por duas portas, uma em cada lado. Nessa maloca ficava o caruara, o barco do festival do caxiri, e era habitada por João Padreco e sua família que, a princípio, me deu a impressão de ser ainda considerado Tuxaua na aldeia. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 466 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco in der Aldeia dieser noch für den eigentlichen Tushaua galt. Die kleinen Malokas waren alle drei nach demselben Plan gebaut. Ihr Grundriß war elliptisch und sie glichen von außen länglichen, oben abgerundeten Heuschobern. Das Innengerüst bestand aus einer Reihe hoher Mittelpfeiler, und zwei Reihen halbhoher sowie zwei Reihen niedriger Pfosten, welche durch Längs-, die mittleren z. T. auch durch Querbalken miteinander verbunden waren. An den Längsbalken waren elastische Sparren, welche Wände und Dach bildeten, so befestigt, daß eine ziemlich gleichmäßig gerundete Wölbung entstand und auf den Sparren wieder das Palmstroh des eigentlichen Daches. An beiden Enden befand sich je eine Tür, die durch eine besondere Strohmatte geschlossen werden konnte. As três pequenas malocas foram construídas com o mesmo plano. De planta baixa elíptica e semelhante a montes de feno alongados com um topo arredondado. A estrutura interna consistia em uma fileira de pilares centrais, altos, duas fileiras de postes de meia altura e duas fileiras de postes baixos que estavam, em parte, conectados uns aos outros por barras transversais, de forma longitudinal. Caibros flexíveis, que formavam as paredes e o telhado, foram fixados às vigas longitudinais, de tal modo que se formava um arco arredondado bastante uniforme e, novamente, nos caibros, fixadas as palhas de palmeira do próprio telhado. Em ambas as extremidades havia uma porta que poderia ser fechada por uma esteira de palha especial. Hausgerät: An Kunstfertigkeit stehen die Curuaya offenbar weit hinter den Chipaya zurück. Was ihre Gebrauchsgegenstände an Verzierungen aufwiesen, war nur eine ungeschickte und wenig sorgfältige Nachahmung derer, die sich bei den Chipaya finden, mit einer Ausnahme. Utensílios domésticos: Em termos de habilidade artística, os Curuaya estão obviamente muito atrás dos Xipaya. A ornamentação de seus objetos cotidianos revela apenas uma imitação desajeitada e não muito cuidadosa da que se encontrava entre os Xipaya, com exceção de dois belos barcos de caxi- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 467 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Letztere bestand in zwei schönen, sorgfältig und hübsch in bunten, aber nicht sehr lebhaften Farben bemalten Cashiribooten, von denen das eine als sogenannter Caruara hinter den als Menschenfiguren zugehauenen Pfosten in João Padrecos Hütte stand, das andere einfach in der Pagehütte auf der Erde lag. Sonst sah ich in der Aldeia an Holzgeräten nur ein paar Löffel mit langen Stielen und einige plumpe, zum Teil ungeschickt bemalte Schemel aus schwerem Holz, die mir ohne weiteres überlassen wurden. ri, lindos e cuidadosamente pintados em cores, porém não muito vivas. Um deles ficava atrás das chamadas caruaras, poste com figuras humanas, na cabana de João Padreco. O outro estava no chão da cabana do pajé. Fora isso, vi na aldeia apenas utensílios de madeira como algumas colheres de cabo comprido e alguns tamboretes grosseiros, por vezes mal pintados e que foram prontamente dados para mim. Flechtarbeiten, Feuerfäclier, Matten, flache Schalen, Körbe und dergleichen waren in ziemlicher Menge vorhanden, aber wenigsorgfältig gearbeitet oder schlecht behandelt und lange in Gebrauch, daher schmutzig und schadhaft. Man hatte den Eindruck, daß die Leute keinen Wert auf das gute Aussehen ihrer Sachen legten. Was ich an Cuias und Kalebassen sah, war ganz schlicht, ohne jede Verzierung. Die Töpferwaren, sowohl in der Aldeia als in den Flußmalokas reichlich vorhanden, waren fast sämtlich eigengemacht, aus demselben groben Material hergestellt wie die der Chipaya, von verhältnismäßig geringer Größe, ohne Bemalung oder sonstigen Zierrat, aber zum Havia em abundância, trançados de fibras, abanos, esteiras, tigelas rasas, cestos, entre outros, que foram feitos sem zelo ou eram mal cuidados. Estavam sujos e danificados devido ao longo tempo de uso. Davam-me a impressão de que as pessoas não se importavam com a aparência de seus objetos. As cuias e cabaças que vi eram muito simples, sem qualquer decoração. As panelas que eram abundantes tanto na aldeia quanto nas malocas ribeirinhas, eram quase todas da mesma matéria prima da Xipaya. Tinham dimensões relativamente pequenas, sem pintura ou outra ornamentação, mas algumas eram bonitas e de formas agradáveis. Uma parte dos pequenos potes abaulados pa- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 468 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Teil hübsch und gefällig geformt. Ein Teil der kleinen, weitbauchigen Töpfchen sah aus, als ob ihnen die Castanhaschalen (der Paránuss, Bertholletia excelsa), welche meine Begleiter auf der Überlandreise 1909 als Wassergefäße benutzten, als Vorbild gedient hatten. recia com a casca de castanha do Pará (Bertholletia excelsa) que meus acompanhantes usavam como recipiente para água na viagem por terra, em 1909. Die eigentlichen Curuayahängematten waren klein, aus Palmfasern geknüpft und meist schmutzig und schadhaft, was bei der starken Beanspruchung durch oft 3—4 Menschen zu gleicher Zeit auch kein Wunder ist. Gewebte Hängematten besaßen einige Frauen von Chipayaherkunft in den Flußmalokas. Die Spindeln waren ähnlich denen der Chipaya, das damit gesponnene Garn aber im allgemeinen gröber und von schmutziger Farbe. Die größere Schmutzigkeit aller Gegenstände in der Aldeia ist natürlich auch durch den Mangel an Wasser zu erklären. Das kleine Igarape, an dem sie liegt, war zur Zeit unseres Aufenthalts dort nur ein dünnes, stellenweise ganz versiegtes Rinnsal, was Baden und Waschen sehr erschwerte. As redes Curuaya originárias eram pequenas e feitas de fibras de palmeira, quase todas sujas e danificadas. O que não surpreende, uma vez que suportava o peso de três a quatro pessoas ao mesmo tempo. Algumas mulheres de ascendência Xipaya, que viviam nas malocas ribeirinhas, possuíam redes de tecido. Os fusos eram semelhantes aos dos Xipaya, mas o fio tecido era geralmente mais grosso e de cor suja. A sujeira dos objetos pode ser explicada pela falta de água. O pequeno igarapé, onde se localizava a aldeia, era apenas um filete ralo que secou em alguns pontos, durante o tempo que lá estivemos. Isso dificultava muito o banho e a limpeza. Vestimentas, arranjos e cortes de cabelos e adereços: Daß den Curuaya ursprünglich jede É correta a tradição que corre do Art von Kleidung, selbst Gürtel Curuá ao Iriri sobre os Curuaya Kleidung, Haartracht, Schmuck: Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 469 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage und Tanga, fremd gewesen sei und sie diese erst von den Chipaya angenommen hätten, diese am Curuä und Iriri umlaufende Tradition möchte ich für richtig halten, denn während sich die Bewohner der Flußmalokas in ihrer Tracht nicht von den Chipaya unterschieden, fanden wir in der Aldeia die Einwohnerschaft sowohl wie den aus der Umgegend eingetroffenen Besuch zum allergrößten Teil vollständig nackt. Die Frauen kamen allerdings erst zum Vorschein, nachdem sie sich mit Hilfe meiner BegleiterinnenTangas verschafft hatten, die Männer dagegen, den Page an der Spitze, erschienen selbst bei dem feierlichen Karia am zweiten Abend zum weitaus größten Teil vollständig unbekleidet. Das lange, häufig etwas lockige, bei einer unter ihnen lebenden Cafuzofamilie sogar krause und abstehende Haar wurde auf der Stirn abgeschnitten, hinten einfach herabfallend oder gescheitelt getragen. Die runde Stirnmarke war stets vorhanden, wenn auch oft ziemlich überwachsen und im gewöhnlichen Leben anscheinend nur selten mit urucú gefärbt. Vielleicht ist auch sie eine Entlehnung- von den Chipaya, keine alteingewurzelte Stammessitte. Komplizierte Haartrachten, wie sie einige Chipayafrauen und -kinder bei serem, originalmente, avessos a qualquer tipo de roupa, até mesmo a cintos e tangas, e eles os teriam adotado dos Xipaya. Os habitantes das malocas ribeirinhas não se distinguem dos Curuaya em seus trajes tradicionais, pois na aldeia encontramos tanto a população como os visitantes da região, na sua grande maioria, completamente nus. No entanto, as mulheres só apareceram depois de terem conseguido tangas com as minhas acompanhantes. Os homens, por outro lado, principalmente o pajé, se apresentaram, em sua maioria, completamente despidos, mesmo na festiva Caria, na segunda noite. Os cabelos longos muitas vezes cacheados ou até mesmo crespos e espessos das famílias cafuzas, que viviam entre eles, eram cortados na testa e simplesmente caídos ou repartidos nas costas. A marca redonda da testa estava sempre presente, mesmo que, às vezes, estivesse imperceptível pelo cabelo crescido ou pela coloração feita raramente com urucum no dia a dia. Talvez isso seja, também, um empréstimo dos Xipaya e não um costume étnico há muito estabelecido. Não vi nas Curuaya penteados difíceis como os usados por algumas mulheres e crianças Xipaya em cerimonias. Tal como os Xipaya, Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 470 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco den Festen trugen, habe ich bei den Curuaya nicht gesehen. Körperund Gesichtshaare werden wie bei den Chipaya sorgfältig entfernt. Ihre Kämme waren mit einer gewissen Sorgfalt hergestellt und manchmal sogar mit Verzierungen versehen, aber stets außerordentlich schmutzig. os Curuaya retiravam, cuidadosamente, os pelos do corpo e da face. Seus pentes eram feitos com muito cuidado e, às vezes, até decorados, mas sempre muito sujos. Der Schmuck war zum Teil eigenartig, und ich glaubte auch einige den Curuaya allein zukommende Besonderheiten wahrzunehmen. Daß im allgemeinen der Perlschmuck, der sich nicht von dem der Chipaya unterschied, zurücktrat gegen den aus Früchten (insbesondere den aus Tucuma) gefertigten, ist wohl hauptsächlich aus der größeren Abgeschlossenheit und Armut der Curuaya zu erklären. Dafür spielten die Ketten aus Coco (wie die Schalen der bereits oben erwähnten BactrisArt, der Tucuma der Indianer, wohl auch genannt wurden) eine um so größere Rolle. Sie waren meist hübsch geschnitzt, meist in Form mehr oder weniger stilisierter Tiere, und für jede Art Schnitzerei hatten sie einen besonderen Namen, den mir die Stammesalte — Caruremas Mutter — mit großem Eifer und großer Zungenfertigkeit erklärte, leider nur so schnell, daß ich keine Notizen machen konnte. Algumas das joias eram peculiares e acredito ter notado alguma característica especial dos Curuaya. De fato, em geral, as joias de miçangas que não diferiam das dos Xipaya, retrocederam na qualidade em relação às feitas com frutas, principalmente do Tucumã. Isso se explica principalmente pelo isolamento e pela pobreza dos Curuaya. Assim, as correntes de coco, como provavelmente eram chamadas as conchas da espécie Bactris já mencionada, o tucumã dos indígenas, passaram a ter um valor muito maior. A maioria deles era bem entalhada, principalmente na forma de animais, mais ou menos estilizados e para cada tipo de entalhe havia um nome especial que a ancestral da etnia, a mãe de Carurema, me explicou com tanto afã e eloquência e, infelizmente, não tive como tomar nota. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 471 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage Die Curuaya trugen fast alle gewebte Arm-, Fuß- und Beinbänder wie die der Chipaya, auch oft wie diese mit Perlen verziert, ebenso der Ohrschmuck. Auch die Federkronen glichen gänzlich denen der Chipaya, selbst in der Farbenzusammenstellung. Nur bei dem Karia in der Aldeia hatte sich Antonio aus dem Balg eines kurz vorher geschossenen Arara preto (Anadorhynchus hyacinthinus) einen höchst phantastischen und eigenartigen, etwas an einen Walkürenhelm erinnernden Kopfputz hergestellt, der freilich nur improvisiert zu sein schien und noch während des Festes fortgeworfen wurde aber vielleicht doch auf einem alten Muster beruhte. Nur den Curuaya eigentümlich zu sein schienen kleine vogelartige, aus trockenen Fruchtkolben und blauen und gelben Federchen hergestellte Figuren, welche, wie man mir sagte, bei gewissen Tänzen getragen wurden und besondere Namen haben. Dergleichen habe ich nie bei den Chipaya gesehen. Quase todos os Curuaya usavam pulseiras trançadas, tornozeleiras e faixas nas pernas como as dos Xipaya. Muitas vezes, eram decoradas com miçangas assim como os brincos. As coroas de pena eram totalmente parecidas com as do Xipaya, mesmo no padrão de cores. Apenas em uma Caria, na aldeia, Antônio fez um cocar com a pele de uma arara preta que acabara de ser abatida a tiros (Anadorhynchus hyacinthinus). O cocar era fantástico e singular, algo como um capacete de Valquíria que, obviamente, parecia improvisado e foi jogado fora ainda durante a festa. Talvez fosse baseado em um modelo antigo. Pequenas figuras semelhantes a pássaros pareciam ser características apenas dos Curuaya. Como me contaram, elas eram feitas de espigas de frutas secas e penas azuis e amarelas que eram usadas em certas danças e tinham nomes especiais. Nunca vi nada parecido entre os Xipaya. Musikinstrumente: Ich sah kleine Panflöten, kleine Knochenflöten und zwei Arten großer Zungenflöten derselben Art wie die der Chipaya, aber weniger sorgfältig Instrumentos musicais: Vi pequenas flautas de Pã, pequenas flautas de osso e dois tipos de flautas grandes feitas de junco do mesmo tipo da dos Xipaya, porém feitas Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 472 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco gearbeitet. Darauf spielen hören habe ich nicht. Ein Korb mit sieben großen Holzflöten, einem Holzlöffel und verschiedenen Strohreifen zum Stützen des Federschmucks hing in der Pagémaloka von der Decke herab und wurde mir auf meine Bitte bereitwillig überlassen. com menos cuidado. No entanto, não ouvi seus sons. Fiz um pedido e recebi de bom grado uma cesta com sete grandes flautas de madeira, uma colher de pau e vários aros de palha para apoiar os enfeites de pena pendurados no teto da maloca do pajé. Waffen, Boote: Bogen und Pfeil unterscheiden sich nicht von den bei den Chipaya üblichen. Die Curuaya gelten bei den Seringueiros für schlechtere Jäger, insbesondere Fischjäger als die Chipaya, was aber vielleicht nur auf den durch das Leben im Innern, fern vom Flusse, zu erklärenden Mangel an Uebung zurückzuführen ist. Einzelne von ihnen, z. B. meine Begleiter Marau und Raymundo Curuaya, waren recht leidliche Bogenschützen. Letzterer schoß auch gut mit der Flinte, konnte sich aber als Büchsenschütz mit Pedro Marques nicht messen. Armas e barcos: O arco e a flecha dos Curuaya não são diferentes dos usados pelos Xipaya. Os seringueiros consideram os Curuaya como caçadores inferiores aos Xipaya, principalmente no que se refere à pesca. Isso se deve, possivelmente, à falta de prática, uma vez que os Curuaya vivem no interior longe do rio. Alguns deles, por exemplo, meus acompanhantes Marau e Raimundo Curuaya, eram muito bons arqueiros e Raimundo sabia disparar bem com a espingarda, embora não pudesse competir com Pedro Marques no quesito atirador. Als Bootbauer halten die Curuaya keinen Vergleich mit den Chipaya aus. Selbst dem Laien fällt sofort die plumpe Bauart der von ihnen hergestellten Ubás auf. Im Igarape dos Curuayas lagen eine ganze Menge solcher, als vollständig unbrauchbar erfundener Boote an Como construtor de barcos, o Curuaya não se compara ao Xipaya. Qualquer leigo percebe, de imediato, o desenho mal feito das Ubás que eles fazem. No igarapé dos Curuaya, um grande número desses barcos, totalmente inutilizáveis, repousavam às margens do rio. Bar- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 473 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage den Ufern. Rindenboote scheinen nur als Notbehelf in solchen Fällen wie auf meiner Überlandreise zu dienen. Ruder wie bei den Chipaya. cos de cascas de árvores parecem servir apenas como uma emergência em casos como na minha viagem para atravessar territórios e são usados como remo pelo Xipaya. Ackerbau: Caruremas Roça, die nach ChipayaSitte am andern Ufer des Flusses versteckt im Walde lag, habe ich nicht selbst besucht, doch kehrten bei meiner Ankunft dort gerade die Frauen mit gefüllten Tragkörben aus ihr zurück. Mandioka, Bananen und Knollen verschiedener Art schienen auch hier die Haupterzeugnisse zu sein. Eine recht vernachlässigte, nur ganz oberflächlich von Stämmen und Ästen gereinigte Roça in der Nähe der Aldeia schien nur mit Mandioka bepflanzt gewesen zu sein. Agricultura: Não visitei a roça de Carurema, na outra margem do rio, que ficava escondida na floresta, conforme o costume Xipaya. No entanto, quando cheguei ao local, vi mulheres que voltavam de lá com cestos cheios. Mandioca, banana e vários tipos de tubérculos pareciam ser, também, os principais produtos ali. Perto da aldeia, havia uma roça bastante abandonada. Limparam-na, superficialmente, tirando-lhes troncos e galhos e parecia ter sido usada somente para o plantio de mandioca. Die meisten Seringueiros waren der Ansicht, daß auch im Ackerbau die Curuaya weit hinter den Chipaya zurückstünden, doch stellte ihnen Cavalcante, der sie weitaus am besten kannte, ein besseres Zeugnis aus. Er schätzte sie so, daß er sie bei der Anlage seiner eigenen sehr gut gehaltenen Pflanzungen stets um ihre Hilfe bat. A maioria dos seringueiros achava que os Curuaya estavam muito aquém dos Xipaya, também na agricultura. No entanto, Cavalcante que os conhecia de longa data, fez um relato melhor. Ele gostava tanto dos Curuaya que sempre pedia a ajuda deles para fazer suas plantações tão bem cuidadas. Alimentos e especialidades: Nahrungs und Genussmittel: Was Nahrungs- und Genußmittel Sobre a alimentação e as especiali- Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 474 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco der Curuaya betrifft, so kann ich im wesentlichen das bei den Chipaya Gesagte wiederholen, doch hatte ich den Eindruck, daß neben den in den Roças gezogenen Früchten, Knollen usw. und den landläufigen Jagdtieren in ihrem Küchenzettel auch die von den Chipaya weniger beachteten und geschätzten Erzeugnisse des Urwaldes eine nicht unbedeutende Rolle spielen. Verschiedene wildwachsende Wurzeln und Knollen, Castanhas (Paránüsse) aus denen sie allein oder mit andern Bestandteilen gemischt alle möglichen Gerichte zu bereiten verstehen, Jabotys (Landschildkröten), Jacaré tinga (das kleine Brillenkrokodil), die kleinen Fische der Poços (im Sommer in den sonst trockenen Wasserläufen zurückbleibende tiefe Pfützen) und oberen Igarapeläufe werden gern, und wo immer man ihrer habhaft werden kann, von ihnen gegessen. Parimarú erinnerte sich offenbar noch gut an meine Vorliebe für die aus der Hamai-pin genannten Wurzel und wildem Honig bereitete Suppe und setzte sie mir aus freien Stücken wieder vor, obwohl es uns diesmal an Nahrung nicht fehlte. dades dos Curuaya é, basicamente, o que já foi dito sobre os Xipaya, mas tive a impressão de que, além das frutas, tubérculos etc., cultivados nas roças, e os animais de caça comuns em suas listas de cozinha, os produtos da selva, que eram menos notados e apreciados pelos Xipaya, desempenham também um papel significativo. Com várias raízes, tubérculos silvestres e castanhas do Pará pode-se preparar todo tipo de pratos, sozinhos ou misturados com outros ingredientes: jabotis (tartarugas), jacaré tinga (o crocodilo de olhos pequenos), peixinhos de poço (nas poças secas dos cursos de água remanescentes, no verão) que estão nos igarapés de cima ou onde quer que possam ser apanhados. Todos servem de alimento. Parimarú lembrou-se de minha preferência pela sopa da raiz chamada Aipim com mel silvestre que ele me preparou de muito boa vontade, embora dessa vez não nos faltasse comida. Auch beim Aufsuchen und Gewinnen Os Curuaya parecem ser mais perdes wilden Honigs scheinen die sistentes e engenhosos do que os Curuaya noch ausdauernder und Xipaya na busca e na extração do Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 475 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage findiger zu sein als die Chipaya. Alles dies hängt wohl mit ihrem Leben im Innern des Urwaldes zusammen. Dem Cashiri scheinen auch sie leidenschaftlich zugetan zu sein. Eine besonders komplizierte Zubereitungsart dieses Getränks sah ich am Vorabend des Festes in der Aldeia und habe sie in meinem Reisebericht ausführlich geschildert. Erwähnenswert erscheint mir noch, daß die Curuaya kein Jacamié (Psophia obscura, ein etwa hühnergroßer, mit den Kranichen verwandter Vogel) essen, wahrscheinlich aus demselben Grunde, aus dem die Chipaya auf das Reh verzichten. mel silvestre. Isso provavelmente está relacionado à vida no interior da floresta. Também parecem ser apaixonados por caxiri. Na véspera da festa da aldeia, vi uma forma bastante complexa de preparar essa bebida e a descrevi, detalhadamente, no meu relato de viagem. Vale mencionar ainda que os Curuaya não comem jacamin-de-costas escuras (Psophia obscura, ave do tamanho de uma galinha e parente dos grous) provavelmente pelo mesmo motivo que os Xipaya não comem veado. Vida doméstica: Häusliches Leben: Wie bei den Chipaya, soweit ich A vida doméstica dos Curuaya, pelo que pude observar, é como a dos beobachten konnte. Xipaya. Stammverfassung, Familie: Während die Chipaya gar keinen richtigen Tushaua mehr hatten, besaßen die Curuaya deren zwei, nämlich Carurema und seinen Schwager João Padreco. Ursprünglich scheint die Würde erblich gewesen zu sein, und danach wäre Joao, als Sohn eines Häuptlings, der rechtmäßige Tushaua gewesen. Carurema, Parimarùs Bruder, verdankte seine Stellung wohl seiner Intelligenz und Constituição étnica e família: Enquanto os Xipaya não tinham mais um Tuxaua autêntico, os Curuaya tinham dois: Carurema e seu cunhado João Padreco. A dignidade parece ser hereditária. Assim, João, por ser filho de um cacique, torna-se o legítimo Tuxaua. Carurema, irmão de Parimarú, recebeu a posição por sua inteligência e, sobretudo, pelo excelente domínio da língua portuguesa que o tornava o único mediador das Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 476 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco vor allem auch seiner vorzüglichen Beherrschung der portugiesischen Sprache, die ihn zum alleinigen Vermittler des Verkehrs mit den Seringueiros machte. Uns gegenüber, und überhaupt am Flusse entlang, spielte er entschieden die größere Rolle, während in der Aldeia wieder João mehr in den Vordergrund trat. comunicações com os seringueiros. Em relação a nós, Parimarú desempenhava o papel principal no curso do rio, enquanto na aldeia, João tinha mais destaque. Die Stellung des Pagé war offenbar eine sehr angesehene und anscheinend unabhängige, auch Carurema und Joao gegenüber. Er leitete die Tänze und das Ceremoniell beim Karia. Dabei war Antonio, Caruremas jüngerer Bruder, aber stets an seiner Seite (vielleicht als späterer Nachfolger?), und auch Carurema nahm einen gewissen Anteil — er meldete z. B. das Sichtbarwerden des Siebengestirns —, Joao dagegen nur insoweit, als in seiner Maloka das Festcashiri stand. Wenn ein, mir gegenüber in keiner Weise zutage getretenem Gegensatz zwischen den beiden Tushauas bestand, wie manche der Seringueiros behaupten wollten, so schien der Page auf Caruremas Seite zu stehen. Kraukenbehandlungen in unserer Gegenwart oder gar an uns selbst vorzunehmen, weigerte er sich hartnäckig. Er schien nichts dagegen zu haben, daß wir in seiner Maloka A posição do pajé era evidentemente muito respeitada e independente. Ele estava à frente de Carurema e João e comandava as danças e cerimoniais de Caria. Carurema anunciava também a formação das sete estrelas visíveis, e João, por outro lado, fazia o mesmo somente quando o caxiri da festa estava na sua maloca. Antônio estava sempre ao lado de Carurema, seu irmão mais velho (talvez por que seria seu sucessor?). Os seringueiros afirmavam que quando havia discordância entre os dois Tuxauas, o pajé parecia ficar do lado de Carurema. De forma alguma me foi revelado o motivo do desentendimento. O pajé recusava-se, categoricamente, a tratar as doenças na nossa presença e até em nós mesmos. Ele não parecia se importar que ficássemos em sua maloca. No entanto, não nos permitia entrar na Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 477 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage wohnten; den abgeschlossenen Mittelraum, in dem er angeblich seine Krankenbehandlungen vornahm, ließ er uns jedoch nicht betreten. Wie die meisten seiner Landsleute aus der alten und neuen Aldeia war er vollständig- nackt und fast ohne Schmuck, sogar während der Tänze, wo alle andern sich nach Kräften herausgeputzt hatten. sala central fechada, onde, supostamente, realizava os tratamentos aos doentes. Como a maioria dos seus compatriotas da velha e nova aldeia, ele estava completamente nu e quase sem adereço, mesmo durante as danças, quando todos se adornavam da melhor maneira possível. Auch bei den Curuayas lebten die meisten Männer in Einehe. Doch hatte Antonio, Caruremas Bruder, zwei stattliche, rundliche, junge und — wenigstens nach Indianerbegriffen — hübsche Frauen, die übrigens miteinander im bestem Einvernehmen zu leben schienen. Carurema war mit einer Chipaya-Indianerin verheiratet, stand aber oben im Begriff eine zweite Frau zu nehmen, und zwar die Tochter seines Stammesgenossen Tamacuã und einer Chipaya, die für eine große Schönheit galt, mit deren Vater er jedoch in heftiger Feindschaft lebte. Näheres hierüber in meinem Reisebericht. Das, was ich sah und von den Indianern hörte, läßt mich zu dem Schluße kommen, daß die Einehe nur dem Frauenmangel oder der Mittellosigkeit zuzuschreiben ist, wenigstens bei den jüngeren Leuten, daß der Ehrgeiz der Indianer aber dahingeht, mehrere Frauen zu Entre os Curuaya, a maioria dos homens também era monogâmica. No entanto, Antônio tinha duas mulheres imponentes, rechonchudas, jovens e bonitas, segundo o conceito indígena. Elas pareciam viver em melhores condições. Carurema era casado com uma índia Xipaya, mas estava para desposar uma segunda mulher de sua etnia, com cujo pai mantinha uma violenta inimizade. Ela era filha de Tamacuã e de uma Xipaya considerada de grande beleza. Mais sobre esse assunto, encontra-se em meu relato de viagem. Pelo que vi e ouvi dos indígenas, pude concluir que a monogamia se deve à falta de mulheres ou à pobreza, pelo menos entre os mais jovens. No entanto, a ambição dos indígenas é ter várias esposas. Também parece haver disputas frequentes por causa das crianças, especialmente aquelas que estão, em parte Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 478 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco besitzen. Auch wegen der Kinder scheint es häufig Streitigkeiten zu geben, insbesondere wegen solcher, die halb oder ganz verwaist sind, oder deren Eltern sich wieder getrennt haben. So wollten die Curuaya unsern Pagaúm, der bei seiner Mutter, einer Chipaya, lebte und mich auf, meiner Reise begleitete, dessen Vater aber zu ihrem Stamme gehörte, mit Gewalt bei sich zurückhalten, was nur durch Cavalcantes Dazwischentreten (ich selbst war gerade am obern Curuá) verhindert wurde. ou totalmente, órfãs ou cujos pais se separaram novamente. Assim, os Curuaya tentaram agarrar à força o nosso Pagaúm, cujo pai pertencia à etnia Curuaya, mas a criança morava com sua mãe, uma Xipaya que me acompanhava em minha viagem. Só com a intervenção de Cavalcante é que foram impedidos. Naquele momento, eu estava no alto Curuá. Es gab eine ganze Anzahl Kinder in der Aldeia und in den Flußmalokas. In verschiedenen Familien sah ich deren drei oder mehr, alle noch in zartem Alter. Havia muitas crianças na aldeia e nas malocas ribeirinhas. Vi três ou mais delas em famílias diferentes, todas ainda muito jovens. Feste, Zauberei: Den von mir in der Aldeia miterlebten Karia habe ich in meinem Reisebericht ausführlich geschildert. Ich möchte nochmals betonen, daß sich derselbe von den gewöhnlichen Tierpantomimen unterschied und anscheinend zu dem Kult der Curuaya in irgendwelchen Beziehungen stand. Ob die beiden Figuren vor dem Festcashiri in Joao Padrecos Maloka wirklich Sonne und Mond darstellten, möchte ich, obgleich die Indianer meine dahin gerichtete Frage Festas, feitiçaria: Em meu relato de viagem, descrevi detalhes da Caria que vivenciei na aldeia. Mais uma vez, gostaria de enfatizar que era diferente das habituais pantomimas de animais e aparentemente tinha alguma ligação com o culto dos Curuaya. Na maloca de João Padreco, os indígenas responderam afirmativamente a minha pergunta se as duas figuras do festival do caxiri representavam o sol e a lua. Contudo, não posso garantir que essa informação esteja correta, pois, uma Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 479 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage bejahten, dahingestellt sein lassen, da resposta negativa a uma pergunta feiein Nein auf eine direkt gestellte Frage ta diretamente a eles é considerada muita indelicadeza. bei ihnen als sehr unhöflich gilt. Näheren Aufschluß über ihre religiösen Ansichten konnte ich mir leider nicht verschaffen, da sie Fragen hierüber sorgfältig aus dem Wege gingen, oder vorgaben, sie nicht zu verstehen, wohl den Spott der Seringueiros fürchtend. Daß jedoch die Gestirne bei ihnen eine große Rolle spielen, darauf läßt mich, außer der Szene auf dem Höhepunkt des Karia, auch der Umstand schließen, daß sie ein so ganz besonderes Interesse für meinen Theodolithen an den Tag legten. Infelizmente, não consegui obter informações mais detalhadas sobre as suas concepções religiosas, pois eles se esquivavam das perguntas ou fingiam não as compreender. Provavelmente por temor ao deboche dos seringueiros. Isso me leva a concluir que, além da cena no ponto máximo da Caria, as estrelas desempenhavam um papel importante nas suas crenças pelo simples fato de terem demonstrado um interesse especial pelo meu teodolito. Caruaras (Krankenheitsträger): In der Maloka des Pagé hing ein solcher, der mir bereitwillig überlassen wurde. Er war in derselben Weise am Dach befestigt wie die bei den Chipaya gesammelten und besteht aus einem, aus dicken Baumwollschnüren geknüpften Körbchen mit roten Federquästchen geziert. In diesem lag ein dicker, unsauberer Klumpen Baumwolle. Die Curuayas bezeichneten diese Caruaras als „Marau“, was auch Fledermaus bedeutet. Caruaras (portadores de doenças): Na maloca do pajé foi pendurada uma caruara deixada de boa vontade para mim. Ela estava presa ao telhado da mesma forma que as recolhidas na aldeia dos Xipaya e consiste em uma pequena cesta feita de cordas grossas de algodão, adornadas com quadrados de penas vermelhas. Dentro havia um pedaço de algodão grosso e sujo. Os Curuaya chamavam essas Caruáras de “Marau” que também significa morcego. Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 480 Tradução de Cilene Trindade Rohr & Rosanne Castelo Branco Verkehr mit den Brasilianern: Interessant war mir, daß die Curuaya, soweit sie mit den Seringueiros in Arbeitsbeziehungen treten, dies im allgemeinen nicht als Fischer, Jäger oder Bootsleute tun, sondern als Gummisammler und Ackerbauer. Sie sammelten unter Caruremas Leitung schon ganz eifrig Caucho (Gummi aus dem Milchsaft der nur im Innern, auf der Terra Firme vorkommenden Castilloa ulei) und halfen, wie ich bereits erwähnte, Cavalcante regelmäßig bei der Anlage seiner Roça. Auf unserer Rückkehr zu des letzteren Barracão begleitete uns ein großer Teil des Stammes und verweilte fast drei Wochen, um beim Pflanzen behilflich zu sein. Relações com os brasileiros: Achei interessante que os Curuaya, na medida em que se relacionam com os seringueiros, não o faziam como pescadores, caçadores ou barqueiros, mas sim como seringueiros e agricultores. Sob o comando de Carurema, eles já se ocupavam da coleta de caucho (goma de seiva leitosa da Castilloa ulei que só ocorre no interior, em terra firme). Como já mencionei, ajudavam Cavalcante na elaboração de sua roça regularmente. Na volta ao último barracão, uma grande parte da etnia nos acompanhou e ficou quase três semanas ajudando no plantio. Notas 1. Os dicionários dizem se tratar de um cesto triangular, trançado que os indígenas penduram no ombro ou na testa, preso por uma alça, no entanto, trata-se, também, de um rio pertencente à bacia amazônica, cuja nascente se encontra perto da Serra do Cachimbo. (N. das Ts.) 2. Cacique. Do tupi tuwi’xawa. Mburovixá para os guaranis. Para os tupis, morubixaba, murumuxaua, muruxaua, tubixaba e Tuxaua. (N. das Ts.) 3. Caxiri: sempre preparado pelas mulheres, é uma bebida fermentada indígena, um tipo de cerveja, à base de mandioca. O caxiri é preparado em grandes quantidades durante as festas indígenas e os mutirões, ou trabalhos coletivos, na derrubada ou plantio das roças. Além disso, é uma bebida que permite ao Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 481 Die Indianerstämme am mittleren Xingu: im besonderen die... de Emilie Snethlage pajé o acesso ao mundo do sobrenatural, durante os rituais do Turé e da tocai. Nestas ocasiões, tanto o pote quanto o caxiri transformam-se em “entidades sobrenaturais”, presentes também na cosmologia indígena. (N. das Ts.) 4. Caria significa tanto o substantivo dança ou verbo dançar. (N. das Ts.) 5. Canoa geralmente feita de uma só peça de madeira. (N. das Ts.) 6. Nas línguas indígenas não se encontrou um referencial para a palavra “sanagú” que, pelo contexto, significa homens indígenas solteiros. Supõe-se que tenha ocorrido um erro de ortografia e que o correto seja “sanapú” que aparece, anteriormente, com o mesmo significado, ou seja, homens não casados. (N. das Ts.) 7. A palavra “cashiri” foi grafada com “sh” no texto em alemão. Supõe-se que tenha sido um engano na digitação, uma vez que nas demais ocorrências o termo se mantém na grafia correta, caxiri, conforme o registro em Fargetti & Rodrigues (2008, p. 542) Cad. Trad., Florianópolis, v. 41, nº esp. 1, p. 402-482, jan/jul, 2021. 482