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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Artes Luiz Carlos de Oliveira Ferreira JOGOS DIGITAIS, CARNAVALIZAÇÃO E ANTROPOFAGIA: um estudo sobre as produções paródicas do CyberGamba Belo Horizonte 2021 Luiz Carlos de Oliveira Ferreira JOGOS DIGITAIS, CARNAVALIZAÇÃO E ANTROPOFAGIA: um estudo sobre as produções paródicas do CyberGamba Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes da Universidade do Estado de Minas Gerais para a obtenção do grau de Mestre em Artes. Área de concentração: Artes/ Música. Linha de pesquisa: Dimensões teóricas e práticas da produção artística. Orientador: Prof. Dr. Pablo Alexandre Gobira de Souza Ricardo. Belo Horizonte Universidade do Estado de Minas Gerais 2021 Luiz Carlos de Oliveira Ferreira JOGOS DIGITAIS, CARNAVALIZAÇÃO E ANTROPOFAGIA: um estudo sobre as produções paródicas do CyberGamba Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes da Universidade do Estado de Minas Gerais para a obtenção do grau de Mestre em Artes. Área de concentração: Artes/ Música. ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Pablo Alexandre Gobira de Souza Ricardo – UEMG (Orientador) ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Caio César Giannini Oliveira – PUC Minas (Banca Examinadora) ___________________________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Rodrigues da Costa – UEMG (Banca Examinadora) Belo Horizonte, 5 de fevereiro de 2021. À CyberGamba e sua produção carnavalesca. Sem querer querendo, distraídos, venceremos. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Marciana de Oliveira Ribeiro Ferreira e Lincoln da Luz Ribeiro Ferreira, por todo o incentivo, o apoio e a paciência nas minhas empreitadas, ainda que tortas, e por toda a liberdade que sempre tive nos diversos jogos. Ao meu irmão Victor Hugo de Oliveira Ferreira, por me emprestar o dinheiro para pagar a inscrição para o mestrado. Ao Daniel Bruno de Oliveira Ferreira, por aparecer com o primeiro videogame na mão, saindo do carro. A ambos, pelo companheirismo em todos os momentos e nos diversos jogos. À Juliana Mayra de Melo, pelo carinho durante o projeto. Ao Luciano Márcio Moraes Chacur, pelas diversas conversas atenciosas e ricas sobre o tema. Ao professor e orientador Pablo Alexandre Gobira de Souza Ricardo, pelas leituras pacientes e dedicadas, por sugestões e críticas que foram fundamentais ao trabalho. Ao grupo de pesquisa Laboratório de Poéticas Fronteiriças (LabFront), por abrir os caminhos com suas produções múltiplas, que me possibilitaram, certamente, trabalhar o tema de pesquisa. Aos professores Alexandre Rodrigues da Costa e Caio César Giannini, que enriqueceram, de forma essencial, a pesquisa com suas leituras. Ao programa de Pós-Graduação em Artes. À Faculdade Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. À Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. À Marta Carneiro, figura fundamental na minha trajetória de trabalho. À Michele Barboza Dunda, pela revisão atenta e cuidadosa da dissertação. “As diversas expressões da seriedade não passam de uma tentativa secundária da linguagem para inventar o oposto conceptual de jogo. […] O surgimento de uma palavra para designar a seriedade significa que os homens tomaram consciência do conceito de jogo como entidade independente.” (Johan Huizinga, 1971) “As paródias trazem para o jogo cômico todos os aspectos da doutrina e do culto oficiais e, de maneira geral, todas as formas de comportamento sério em relação ao mundo.” (Mikhail Bakhtin, 1987) RESUMO Esta dissertação investiga a produção de jogos digitais paródicos realizados pela desenvolvedora CyberGamba e suas relações possíveis com a carnavalização e o movimento antropofágico. A produtora paulista criou uma série de jogos digitais se apropriando do universo do programa televisivo Chaves entrelaçado a outras obras desenvolvidas pela indústria de jogos digitais. A pesquisa presente é estruturada da seguinte maneira: inicialmente, são abordados, teoricamente, os jogos digitais e as suas dinâmicas de criação e modificação; a seção seguinte é dedicada aos conceitos de carnavalização, aproximando-os à antropofagia e contextualizando a produção de CyberGamba. Por último, analisa-se a produção da desenvolvedora e investigase a polifonia estabelecida entre as obras examinadas. A estratégia metodológica de um estudo de caso em jogos digitais seguiu em consonância com os trabalhos de Robert Yin e Espen Aarseth, colaborando com o plano abordado na presente pesquisa e contribuindo para as análises não lineares das obras levantadas. Por fim, as produções paulistas mostraram-se objetos de pesquisa carnavalizados, estruturando novos diálogos, clarificando potências e desvelando problematizações e tensões oriundas da polifonia realizada. Palavras-chaves: Jogos digitais. Carnavalização. Antropofagia. Paródia. Modificação. ABSTRACT This dissertation investigates the production of parodic digital games performed by the developer CyberGamba and its yours possible relations with carnivalization and the anthropophagic movement. The production company - founded on São Paulo - created a series of digital games appropriating the universe of the television-show Chaves intertwined with other works developed by the digital games industry. This present research is structured as follows: initially we will broach theoretically the digital games and their dynamics of creation and modification; in the next section we will dedicate ourselves to the concepts of carnivalization, approaching anthropophagy and contextualizing the production of CyberGamba. Finally, we will analyze the development of the developer and investigate the polyphony established between the examined works. The methodological strategy of a case study in digital games followed in with the works of Robert Yin and Espen Aarseth, collaborating the auctors with the plan addressed in this research and contributing to the nonlinear analyzes of the works surveyed. Finally, São Paulo's productions proved to be carnivalized research objects, structuring new dialogues, clarifying the powers and unveiling problematizations and tensions arising from the realized polyphony. Keywords: Digital games. Carnavalization. Anthropophagy. Parody. Modification. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Blanka vs. Dhalsim .................................................................................................. 22 Figura 2: Katamari Damacy.................................................................................................... 34 Figura 3: Mod Sonic 2 XL ....................................................................................................... 39 Figura 4: Bolsomito 2k18 ........................................................................................................ 51 Figura 5: Crosser ..................................................................................................................... 54 Figura 6: Mônica no Castelo do Dragão/Wonder Boy III ....................................................... 55 Figura 7: Incidente em Varginha ............................................................................................. 56 Figura 8: The King of Peru 2................................................................................................... 58 Figura 9: Madruga Craft ......................................................................................................... 71 Figura 10: Highway Crossing Madruga .................................................................................. 75 Figura 11: Codename Madruga............................................................................................... 78 Figura 12: Madruga goes home .............................................................................................. 80 Figura 13: Madruga from Mars............................................................................................... 81 Figura 14: Super Magro world ................................................................................................ 83 Figura 15: Street Chaves ......................................................................................................... 87 SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 12 1 JOGOS, CULTURA E TECNOLOGIA ............................................................................ 17 1.1 Jogos e festa: origens lúdicas ....................................................................................... 17 1.2 Desdobramentos digitais .............................................................................................. 26 1.3 Modificações lúdicas ..................................................................................................... 30 2 CARNAVALIZAÇÃO ANTROPOFÁGICA ..................................................................... 41 2.1 Deslize antropofágico .................................................................................................. 41 2.2 Carnavalização lúdica .................................................................................................. 47 2.3 Reverberações digitais latino-americanas .................................................................. 53 3 CYBERGAMBA: JOGO PARÓDICO .............................................................................. 62 3.1 Entre Chaves e a indústria digital ............................................................................... 62 3.2 A inversão do malandro ............................................................................................... 67 3.2.1 Madruga craft (2005) .............................................................................................. 69 3.2.2 Highway crossing Madruga (2004) ......................................................................... 74 3.2.3 Codename Madruga (2004) .................................................................................... 76 3.2.4 Madruga goes home (2004)..................................................................................... 79 3.2.5 Madruga from Mars (2003) ..................................................................................... 81 3.2.6 Super Magro world (2003) ...................................................................................... 82 3.2.7 Street Chaves (2004)................................................................................................ 86 3.3 Ecos polifônicos ............................................................................................................. 88 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 98 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 101 Bibliográficas .................................................................................................................... 101 Jogos ................................................................................................................................... 111 Filmes e vídeos .................................................................................................................. 113 12 INTRODUÇÃO A indústria dos jogos digitais teve um aumento exponencial no seu número de consumidores durante o período de pandemia de COVID-191 em 2020, gerando mais de 170 bilhões de dólares nesse ano.2 Esse impacto econômico, por si só, revela a importância atual das produções lúdicas digitais. O Brasil começa a desenvolver jogos digitais no começo da década de 1980, tendo, como principal expoente, Renato Degiovani, criador do jogo Amazônia (1983). Atualmente, há um número crescente de produtoras brasileiras desenvolvedoras de jogos digitais.3 A Black Hole Studio e o Studio Nebulosa, por exemplo, uniram-se para criar o jogo Super Impeachment Rampage (2016) – uma sátira, em estilo plataforma 4 , à política brasileira. Na primeira versão do jogo, o jogador encarna um personagem que alude a Dilma Rousseff – ex-presidenta do Brasil afastada do cargo em 2016 – fugindo de um possível impeachment. Há uma continuação dessa obra em que o personagem principal é Michel Temer, ex-presidente empossado após o afastamento de Dilma. Recentemente, os jogos foram retirados da internet, e seus websites estão fora do ar. Ainda que o desenvolvimento de jogos digitais nacionais já seja extenso – as primeiras criações já têm mais de 30 anos –, existe uma carência em estudos sobre a produção, em ascensão, de jogos nacionais, bem como o seu potencial narrativo. Assim, o trabalho tem, como objetivo geral, a pesquisa da produção dos jogos digitais nacionais, o seu contexto e a relação com a cultura, especificamente, com a carnavalização, conceito de Mikhail Bakhtin (1987, 2010), e o movimento antropofágico. Para isso, inicialmente, foi realizada uma pesquisa teórica dentro do campo dos jogos, com aprofundamento nos seus desdobramentos digitais, utilizando, como instrumentos: revisão bibliográfica, pesquisa na internet por artigos e análises, além de busca por eventos, feiras e palestras no campo temático da dissertação. Em um segundo momento, os conceitos de antropofagia e carnavalização foram levantados e analisados, bem como a produção de jogos digitais relacionados aos conceitos observados. A terceira fase da pesquisa foi dedicada ao estudo específico da produção de CyberGamba, que se tornou objeto de estudo da presente 1 2 3 4 Corona Virus Disease 19 (COVID-19), Doença do Coronavírus em português. Ver em: https://newzoo.com/insights/articles/game-engagement-during-covid-pandemic-adds-15-billionto-global-games-market-revenue-forecast/. Ver em: http://cultura.gov.br/2o-censo-da-industria-brasileira-de-jogos-digitais-aponta-crescimento-degames-no-brasil-2/. Jogos de plataforma são aqueles em que o avatar se move em um ambiente, exageradamente, vertical, pulando de plataformas em alturas diferentes, enquanto evita obstáculos e combate inimigos (ADAMS, 2010, p. 396). 13 pesquisa. Investigou-se, também, como os elementos de antropofagia e carnavalização se entrecruzam nas obras da produtora. CyberGamba é uma desenvolvedora paulista que produziu uma série de jogos digitais, baseados em criações consagradas da indústria e se apropriando de elementos da série de TV mexicana Chaves5. A produtora, que iniciou as atividades em 2003, recortava imagens e áudios do universo de Chaves e se apropriava de outros jogos digitais, como Warcraft III (2002), para criar suas obras. Seu Madruga, personagem da série Chaves, é protagonista recorrente nas produções de CyberGamba.6 Em pesquisa realizada, foram encontradas apenas duas entrevistas do autor das obras.7 Em uma delas, à revista Trip, o entrevistado cita uma equipe, porém, em outro relato, descreve que fez sozinho os jogos (TRIP, 2004). O autor e fundador, natural de São Paulo, mantém o anonimato – assim como de sua suposta equipe – por receio quanto a problemas oriundos de questões autorais. A escolha de um objeto de estudo de caso como abordagem metodológica segue em concordância com as análises de Robert Yin (2001), estabelecendo a estratégia como opção de investigação descritiva e explanatória. A CyberGamba realiza um trabalho específico e relevante no contexto nacional, assim como as questões subjacentes geradas nas análises acerca de suas produções. As questões levantadas na presente pesquisa – como e por que CyberGamba realiza seus trabalhos? – sugerem o estudo de caso como plano de trabalho, bem como sua ação contemporânea. Assim, o enfoque de pesquisa será um estudo de caso único acerca da CyberGamba, porém a discussão se estenderá ao grupo Twin Eagles of Group (TEG), entre outros, para uma análise mais extensiva, trabalhando tal qual subunidades, como investigou Yin, no plano de pesquisa presente. Desse modo, o objeto de pesquisa tem, como enfoque e recorte, as produções em que Seu Madruga é protagonista. Para isso, realizamos a estruturação teórica do campo dos jogos, etapa basal ao estudo de caso. As fontes de pesquisa e evidências tiveram abordagem múltipla e triangular: reviews de sites especializados; artigos e entrevistas em revistas e blogs; análises em vídeos coletados na internet; além dos sites que hospedam os arquivos das produções de CyberGamba. 5 6 7 Chaves (El Chavo del Ocho em espanhol) é um seriado de televisão mexicano criado por Roberto Gómez Bolaños, tendo seu primeiro episódio exibido em 1971 e o último, em 1992. Desde 1984, é transmitido no Brasil e, atualmente, o Grupo Globo é detentor dos direitos de transmissão da série. São seis jogos criados pela CyberGamba com o seu Madruga atuando como protagonista: Madruga craft, Super magro world, Madruga goes home, Madruga from Mars, Highway crossing Madruga e Codenome Madruga, todos modificações de jogos digitais consagrados. Entrevista à coluna Chapapo. Disponível em: http://www.sambariocarnaval.com/colunasturmach/chapapo31.html. Acesso em: 29 dez. 2020. 14 Utilizamos, para investigação, o próprio ato de jogar as obras pesquisadas. Com isso, a proposta metodológica segue em consonância com a abordagem estratégica de Aarseth, para quem o ato de jogar é importante para a análise: “se fizermos comentários sobre jogos ou utilizarmos jogos na nossa análise cultural e estética, deveremos jogar esses jogos” (AARSETH, 2003, p. 23). Isso porque os jogos têm uma estrutura não linear, podendo levar a um estudo incompleto como observador passivo. Como escreve Aarseth (2003, p. 131), este método é “essencial para uma análise acadêmica que recorre a estratégias não lineares de jogo, por forma a melhor apreender a sua verdadeira dimensão”. Porém, isso não exclui as outras formas de abordagem metodológicas para a análise. Esses elementos devem, na verdade, atuar em conjunto para a pesquisa analítica. Depois de dominarmos o jogo ou outros jogos do mesmo gênero, a observação imparcial e a realização de entrevistas a jogadores poderão ser bastante eficazes, chegando mesmo a apontar novas perspectivas que nos permitem transcender a experiência subjectivo do jogo. Mas o estudo informado de jogos tem obrigatoriamente que envolver o ato de jogar, tal como os estudiosos do cinema e da literatura se confrontam diretamente com as obras, assim como através de fontes secundárias. (AARSETH, 2003, p. 14.) Mas, o que é exatamente o jogo? Definir um termo como “jogo” é uma tarefa difícil. Ao se fazer um levantamento histórico, o que se almeja não é criar uma definição rigorosa, como observa o pesquisador estadunidense Ernest Adams, mas sim uma definição não rigorosa e “conveniente a maior parte dos casos” (ADAMS, 2010, p. 3). Assim, é importante, para o presente estudo, levantar e elencar as características estruturantes do que é um jogo e jogar e, ainda, mapear o campo dos jogos digitais como um subgênero dos jogos, com características específicas. De acordo com Johan Huizinga (1971, p. 6), pesquisador holandês referência dentro do campo de estudos de jogos, podemos observar elementos lúdicos até mesmo entre a socialização dos animais, atuando em uma totalidade e presente na categoria primária da vida, possuindo uma realidade autônoma. Os jogos, sob essa perspectiva, são anteriores à construção da sociedade. Dessa maneira, podemos entender os jogos, ainda de acordo com o autor, como elemento fundamental, e primal, para o desenvolvimento da civilização, da política e da organização social. Em meio a medidas de isolamento social, não só os jogos digitais ampliaram o seu impacto, mas também toda a indústria dos jogos reforçou sua importância social. A liga de 15 basquete americana, a National Basketball Association (NBA), isolou todos os atletas no parque de Walt Disney. 8 Enquanto os números de mortos pela Covid-19 ascendiam até tornar os Estados Unidos o país recordista de óbitos pelo vírus, os jogos norte-americanos e a sua estrutura milionária, de maior potência econômica do mundo, continuavam as atividades. No Brasil, ao menos em relação ao futebol, seu esporte mais popular, o funcionamento atuou de forma semelhante: ao passo que os números de mortes causados pela doença aumentavam, os jogos continuaram diante de estádios vazios. Em diversos países, as competições esportivas retornaram sem a presença da torcida.9,10 Diferentes estratégias foram utilizadas para solucionar a ausência de público presente: áudios de gravações de cantos das torcidas eram disparados em meio aos jogos; impressões de fotografias em papelão; telões nas arquibancadas com imagens ao vivo de torcedores em suas casas; ainda, o preenchimento digital da torcida e o áudio com tecnologia advinda da franquia de jogos digitais da Federação Internacional de Futebol (FIFA).11 Nesse cenário, os jogos – e seus personagens – tiveram participação relevante em protestos e manifestações políticas no ano de 2020, contribuindo para as análises entre os campos. Mesmo sob medidas de isolamento social, torcidas organizadas de times de futebol rivais tradicionalmente se uniram politicamente em manifestações sociais, remetendo à Democracia Corintiana e às torcidas antifascistas na Europa e nos Estados Unidos (MARTINS; REIS, 2014; BRAY, 2017)12. Em função desses acontecimentos, Carol Solberg foi punida por manifestação política durante uma competição nacional de vôlei pela Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.13 Esses atos são reveladores não só da interferência entre política e jogos, mas, ainda, dos elementos lúdicos presentes na própria política e na sociedade: como nos manifestamos e nos organizamos socialmente tal como um jogo. 8 9 10 11 12 13 Ver em: https://www.uol.com.br/esporte/reportagens-especiais/nba-acha-refugio-em-bolha-na-disneypara-terminar-temporada-em-meio-a-pandemia/. Ver em: https://exame.com/casual/inglaterra-retoma-futebol-com-estadios-vazios-e-barulho-de-torcida-natv/. Ver em: https://esportes.r7.com/futebol/tem-torcida-confira-lugares-do-mundo-com-publico-nos-estadios24092020. Ver em: https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebolespanhol/noticia/transmissoes-do-campeonato-espanhol-terao-gritos-e-torcida-virtuais-nasarquibancadas.ghtml. Ver em: https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2020/05/torcidas-rivais-se-unem-em-ato-a-favor-dademocracia-na-paulista.shtml. Ver em: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2020/11/como-funciona-a-relacao-entre-politica-eesporte-no-brasil/. 16 Já a respeito da presença na arte, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) detém, em seu acervo, 23 jogos digitais, entre outras instalações que utilizam os softwares de jogos em sua produção.14 Entre eles, podemos destacar, por exemplo, Pac-Man (1980), Tetris (1984), The Sims (2000) e Hyper street fighter II: the anniversary edition (2003), jogos de grande sucesso comercial. Antes vistos por uma parte das instituições com desconfiança enquanto suportes para comunicação e produção artística, há um número crescente de exposições sobre jogos digitais e aquisições para acervos museológicos; bem como um interesse cada vez maior nos estudos da estética dos jogos eletrônicos. Para alcançar o objetivo proposto, esta dissertação foi estruturada em três capítulos. O primeiro capítulo dedicou-se ao estudo da relação entre jogos e sociedade. Primeiro, realizamos um levantamento teórico dentro do campo de estudo dos jogos, seus impactos, reflexos e importância para as construções culturais. Em um segundo momento, os desdobramentos dos jogos no contexto digital contemporâneo foram investigados: suas características específicas, atravessamentos em outras mídias, bem como sua dinâmica particular de criação, modificação e apropriação das produções. Com isso, analisamos as relações entre jogos digitais, cultura e sociedade. No capítulo seguinte, efetuamos uma pesquisa teórica da carnavalização, seus diálogos e desdobramentos no movimento antropofágico. Em uma segunda etapa, os impactos e os diálogos dos conceitos levantados no campo de jogos digitais em um contexto nacional foram abordados, assim como suas reverberações latino-americanas. O capítulo final deteve, como enfoque, o trabalho de CyberGamba. Em um primeiro momento, observamos a produção de CyberGamba e a sua relação com o universo do seriado Chaves, elemento recorrente em suas obras. Posteriormente, investigamos as sete obras criadas pela empresa paulista nas quais Seu Madruga é protagonista. Com essa estratégia, analisamos os novos diálogos estabelecidos entre as obras referenciadas, rearticulando e reativando as narrativas apropriadas. Assim, a escolha da produção de CyberGamba e seus jogos digitais paródicos a Seu Madruga como objeto de estudo de caso se deve às interseções e às rearticulações propostas por suas produções, possibilitando novas narrativas em diálogo com as obras apropriadas, gerando tensões acerca de seu contexto de produção. 14 Ver em: https://www.moma.org/collection/?utf8=%E2%9C%93&q=video+game&classifications=any&date_begin =Pre-1850&date_end=2020&with_images=1. 17 1 JOGOS, CULTURA E TECNOLOGIA 1.1 Jogos e festa: origens lúdicas A pesquisa inicia-se com a abordagem à relação entre jogos, sociedade e cultura, bem como seus desdobramentos no campo digital e na arte; etapas essas que serão bases para os estudos da produção carnavalesca de CyberGamba. A esse respeito, Katie Salen e Eric Zimmerman realizam um apanhado histórico, passando por diversos autores do campo de estudo dos jogos, e propõem um questionamento interessante: uma análise sobre a diferença entre “play” e “games”, em tradução livre, algo como “jogar” e “jogos”. Observam, ainda, que a própria língua inglesa já colabora com essa diferenciação, o que não ocorre no francês e no alemão – línguas que possuem usos semânticos diversos da mesma palavra: jogar. Após esse levantamento, os autores elaboram uma possível definição do jogo: “um sistema em que os jogadores se engajam em um conflito artificial, definido por regras, e que gera um resultado quantificável” (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 11, tradução nossa)15. Esse parece um conceito restrito, porém abrange a maior parte dos casos de jogos propostos em estudo. Ernest Adams também condensa um possível conceito – mais abrangente – definindo jogo como “um tipo de atividade conduzida em um contexto de uma pretensa realidade, em que os participantes tentam alcançar ao menos um objetivo arbitrário, não trivial, atuando de acordo com as regras” (ADAMS, 2010, p. 3, tradução nossa)16. Já para Caillois, o jogo pode ser definido como uma atividade livre, com limites e espaço-tempo definidos, aberto e dependente da iniciativa do jogador, bem como improdutivo, não gerando bens (CAILLOIS, 2017). Huizinga também chega a possíveis definições e, em uma delas, aponta os jogos como: [...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida quotidiana. (HUIZINGA, 1971, p. 33). 15 16 "A game is a system in which players engage in an artificial conflict, defined by rules, that results in a quantifiable outcome.” “A game is a type of play activity, conducted in the context of a pretended reality, in which the participant(s) try to achieve at least one arbitrary, nontrivial goal by acting in accordance with rules.” 18 Como atividade livre e desinteressada, o jogo interrompe os mecanismos de satisfação dos desejos, tendo a satisfação experienciada na própria ação, situando-se, assim, como observa Huizinga (1971, p. 12), “como um intervalo em nossa vida quotidiana”. Além de desinteressado, o jogo é, também, geralmente, desprovido de objetivo, sendo o seu resultado final, em si mesmo, indiferente. Como já observado, Huizinga estabelece os jogos como campo de estudo em condição de primazia com a cultura, ou seja, como anterior ou superordenado face à civilização: [...] a verdadeira civilização não pode existir sem um certo elemento lúdico, porque a civilização implica a limitação e o domínio de si próprio, a capacidade de não tomar suas próprias tendências pelo fim último da humanidade, compreendendo que se está encerrado dentro de certos limites livremente aceitos. De certo modo, a civilização sempre será um jogo governado por certas regras, e a verdadeira civilização sempre exigirá o espírito esportivo [...]. (HUIZINGA, 1971, p. 234). Os jogos e o jogar são, e foram, elementos fundamentais e condicionais para o desenvolvimento da cultura; a arte, a guerra e a política se desenvolveram a partir de elementos lúdicos presentes já em sua origem, atuando como modeladores e modificadores de uma sociedade, de forma originária e preponderante. Os jogos e a cultura estabelecem, assim, uma relação hierarquizada. Roger Caillois (2017, p. 47) propõe uma abordagem em que estabelece os jogos como capazes de refletir “os valores morais e intelectuais de uma cultura, bem como contribuem para o seu refinamento e desenvolvimento”. Com isso, o jogar é, para o autor, um ato totalizador de comportamentos e interesses humanos, e toda cultura pode ser compreendida pelos seus jogos, seja por expressão ou contradição de valores sociais. Transmitidos de forma geracional e hereditária, porém mutante e adaptável, os jogos modificaram-se ao longo da história, acompanhando e interferindo na construção da sociedade. Conforme o autor: Não é absurda a tentativa de diagnosticar uma civilização a partir dos jogos que ali prosperam particularmente. Com efeito, se os jogos são fatores e imagens de cultura, conclui-se que, em certa medida, uma civilização, e, no interior de uma civilização, uma época pode ser caracterizada pelos seus jogos. Estes necessariamente traduzem sua fisionomia geral e trazem indicações úteis sobre as preferências, as fraquezas e as forças de uma determinada sociedade em um determinado momento de sua evolução. (CAILLOIS, 2017, p. 95). 19 Dessa maneira, podemos entender os jogos e a cultura, sob a perspectiva de Caillois, em uma condição isonômica, atuando com uma ordenação sincrônica entre os campos, sendo só jogos um revérbero da cultura. Marshall McLuhan (1974, p. 264), em sua análise dos jogos como extensão do meio, corrobora observando que “os jogos são modelos fiéis de uma cultura”. Assim, os jogos atuam, à luz do autor, como reveladores de uma sociedade, extraindo, de forma direta e fidedigna, os paradigmas sociais e refletindo sua cultura total. É importante salientar que esta abordagem constrói uma relação não hierarquizada entre cultura e jogos, trabalhando em equidade entre os campos e, também, modela uma relação superordenada da cultura em relação ao jogo, ou seja: os jogos são reflexos de uma sociedade e, também, construtores culturais. Entretanto, para Huizinga (1971), a cultura é o modelo fiel de um jogo: os jogos construíram a cultura e esta deve à elementos lúdicos sua origem, em uma relação construída hierarquicamente. A cultura é o reflexo dos jogos. No contexto contemporâneo, o suporte digital otimizou as características e os elementos lúdicos dos jogos, explorando e desenvolvendo suas potencialidades latentes e impactando, de outra maneira, a cultura e o seu ambiente. Então, os jogos desenvolveram e impulsionaram a tecnologia, o campo digital, e são reverberados nesses meios. Ainda de acordo com Huizinga (1971, p. 188), podemos abordar a competição como um potencial elemento lúdico fundamental para o desenvolvimento da arte; “em outras palavras, será que as artes plásticas evoluíram na e através da competição?”. Segundo o autor, a competição possui características formais semelhantes às de um jogo, pertencendo ao domínio da festa e do lúdico, sendo as lutas “metáforas poéticas, uma transferência plenamente consciente do conceito de jogo para o conceito de batalha” (HUIZINGA, 1971, p. 46). De com Huizinga, os conceitos de desafio, perigo, temeridade, risco e competição estão muito próximos do domínio do lúdico: Muitas vezes, as duas ideias parecem inseparavelmente confundidas no espírito primitivo. E não há dúvida que toda luta submetida a regras, devido precisamente a essa limitação, apresenta as características formais do jogo. Podemos considerar a luta como a forma de jogo mais intensa, enérgica, e ao mesmo tempo a mais óbvia e mais primitiva. (HUIZINGA, 1971, p. 101). A competição é, assim, uma função lúdica, participando das construções sociais, da transmissão de saber e cultura. Esse elemento lúdico – o desafio – oriundo do conceito de jogo impacta diversas áreas, inclusive o campo das artes e se desenvolve, conjuntamente, com o conflito competitivo. Também encontramos, no campo de estudos dos jogos, a sua relação com 20 o desenvolvimento da filosofia, da academia e das ciências exatas (HUIZINGA, 1971; SUTTON-SMITH, 2001; MAYRA, 2008). Como fundante de uma cultura, os elementos lúdicos impulsionaram a arte e a poesia. De acordo com Huizinga (1971, p. 133), a poética se “exerce no interior da região lúdica do espírito, num mundo próprio para ela criada pelo espírito, no qual as coisas possuem uma fisionomia inteiramente diferente da que apresentam na vida comum”. A poesia é, para o autor, uma função lúdica: nasce, e tem origem, durante o jogo e como jogo. Por isso mesmo, ela nunca perde sua função lúdica no decorrer da história. Para o autor, elementos como ritmo, composição, métrica e outras formalidades são exemplos de características lúdicas na poesia. Podemos, assim, entender o jogo como transmissor e dialogador do saber e da informação, participando da construção e modificação dos diversos campos da sociedade. Essa abordagem se dá em direção ao campo de estudo dos jogos, posicionando os elementos lúdicos, hierarquicamente, como modeladores sociais, perspectiva adotada na presente pesquisa. Como observa Marshall McLuhan, “se se perguntar, finalmente: ‘Os jogos são meios de comunicação de massa?’ – a resposta tem de ser: ‘Sim’”. Como fonte de desenvolvimento da cultura, o jogo atua sobre todos os campos, até mesmo em sua linguagem e conhecimento, difundindo, expandindo e controlando saberes (MCLUHAN, 1974, p. 275). Ainda, de acordo com McLuhan (1974, p. 264), “os jogos são extensões do homem social e do corpo político, como as tecnologias são extensões do organismo animal. Tanto os jogos como as tecnologias são contra-irritantes ou meios de ajustamento às pressões”. Não obstante, a tecnologia computacional e digital foi absorvida pelo universo lúdico plenamente. Podemos entender o digital como um suporte usado pelo lúdico para potencializar suas características, desenvolvendo jogos em uma plataforma computacional, ampliando e diversificando as possibilidades de jogar. Como observa Mayra (2008, p. 4, tradução nossa)17, com a ascensão e difusão das mídias digitais, “milhões de pessoas descobriram os jogos como um dos usos mais fascinantes para esses novos dispositivos interativos em desenvolvimento”. Assim, os jogos encontraram, no digital, um novo meio, com características potenciais próprias de seu suporte, gerando novas formas e aplicações lúdicas. Eles usam a tecnologia, incorporando as criações e os desenvolvimentos tecnológicos em suas criações. Logo, refletindo, recriando e modificando a cultura, novas e diferentes formas de jogar são criadas. 17 “With the rise of digital media and information technologies, millions of people have found games as one of the most fascinating uses for these new interactive devices.” 21 As práticas sociais de uma geração tendem a ser codificadas sob as formas de “jogos” pela geração seguinte. Finalmente, o jogo é transmitido como uma piada, tal como um esqueleto limpo de suas carnes. Isto é particularmente verdadeiro nos períodos de mudanças súbitas de atitudes, resultantes de alguma tecnologia radicalmente nova. A condenação do beisebol, no momento, parece vir da trama inclusiva da imagem da TV. O beisebol é um jogo de uma coisa cada vez, de posições fixas e de tarefas visivelmente especializadas, tais como as da era mecânica agora em fase de superação, com suas funções particularizadas e seus elementos de staff e de linha na organização empresarial. [...] Mudam as culturas, mudam os jogos. O beisebol, que se tornara a elegante imagem abstrata de uma sociedade industrial vivendo em ritmo cronométrico, perdeu sua relevância psíquica e social. (McLUHAN, 1974, p. 269). Como observa McLuhan, em um determinado momento, o beisebol não era capaz de refletir de maneira fidedigna ou dialogar de maneira ideal com a sua cultura contemporânea, o contexto de sua época. Então, os jogos trabalham de forma contemporânea com seu tempo: mudam as culturas, muda o formato dos jogos. Porém, para Salen e Zimmerman, o que está fora do círculo mágico é referente à cultura: […] entendemos cultura como um referente ao que existe fora do círculo mágico de um jogo, ao ambiente ou contexto em que o jogo ocorre. [...] O contexto cultural de um jogo pode ser seu contexto histórico; ou o conjunto de valores ideológicos que reflete e transforma; ou a maneira como o jogo se encaixa no estilo de vida de seus jogadores. (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 498, tradução nossa).18 O círculo mágico é, assim, algo além ou exterior à cultura. Podemos concluir, então, que: mudam as culturas, não mudam os jogos. De fato, os jogos, em todos os seus campos impactados, parecem não modificar, radicalmente, seus elementos essenciais ao longo do tempo, mantendo seus modelos formais básicos – como competição, regras, estratégia, mecanismo de recompensa – recorrentes entre os diversos jogos ao longo da história. Como observa Caillois (2017, p. 94), “A estabilidade dos jogos é notável. Os impérios e as instituições desaparecem; os jogos permanecem com as mesmas regras, por vezes com os mesmos acessórios”. Essa perspectiva do autor adere aos conceitos de Huizinga (1971) em relação aos 18 “we understand ‘culture’ to refer to what exists outside the magic circle of a game, the environment or context within which a game takes place. This broad formulation of culture, as a context for game rules and player experience, can itself be framed in many ways, such as the list of definitions above. The cultural context of a game might be its historical context; or the set of ideological values that it reflects and transforms; or the way the game fits into the lifestyle of its players”. 22 jogos, ou seja: como elemento anterior à cultura, superordenado, as mudanças sociais não impactam os elementos lúdicos fundamentais aos jogos. Katie Salen e Eric Zimmerman (2004), em Rules of Play Game, escrevem que, de forma direta, podemos dizer que jogo é cultura. Os autores observam que a franquia The Sims (2000) 19 não é, meramente, uma simulação do subúrbio, mas sim a representação de uma interação cultural que se baseia em uma realidade ideológica localizada além do escopo do jogo real, atuando na sociedade de forma recíproca. Ainda de acordo com os autores, os jogos operam articulando e sustentando sistemas de valores culturais, além de replicarem uma cultura, eles também podem impactar princípios culturais e crenças, participando como sistemas ideológicos e retórica cultural (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 502). Os jogos, então, atuam como modeladores e construtores culturais, participando não só como reflexos sociais, mas também como agentes diretos de uma civilização. É possível observá-los, ainda, como formadores de identidades, impactando a construção social dos diversos grupos. Como analisa Brian Sutton-Smith (2001), teórico neozelandês, a retórica de formação identitária pode ser observada, por exemplo, nos Jogos Olímpicos, com países praticando e exercendo seu poder e domínio. Questões essas que também podemos observar nos estudos de Salen e Zimmerman (2004), ao analisarem jogos tais como Street fighter II (1991) com um potencial de representar uma raça ou classe social; posição corroborada no artigo de Rafael Arrivabene, José Roberto e Richard Perassi, analisando as construções referentes a uma iconografia do Brasil e do brasileiro, representadas na franquia Street fighter (ARRIVABENE; CORDEIRO; PERASSI, 2019). Figura 1 – Blanka vs. Dhalsim Fonte: Imagem capturada do jogo digital Street fighter II, 1991. 19 Jogo de simulação lançado em 2000 pela empresa Maxis. 23 Construindo relações e diálogos sociais, o jogo da Capcom articula – e fortalece – imaginários sociais, representando, com formas estereotipadas, diversas nações; entre elas, o Brasil, identificado pelo personagem Blanka (FIGURA 1) e o cenário que o compõe. Stuart Hall, teórico cultural britânico-jamaicano, argumenta que os modelos de identidades nacionais são formados e transformados na construção das representações culturais, um constructo que tenta abarcar as diferenças em uma unidade nacional imaginada. E, nas diferenças entre as nações e os seus processos de diálogos e comparações, características distintivas foram formadas (HALL, 2003, p. 7). De acordo com Zygmunt Bauman (1995), no contemporâneo, a identidade é fragmentada, não baseada nas instituições centradas e estáveis; sua construção se dá na busca da diferença, da incerteza, e é realizada de forma aberta, não fixa. A fragmentação identitária inaugura, ao mesmo tempo, a liberdade de escolhas e a dependência perante os construtores sociais. Ainda de acordo com o autor, pensando o meio como mensagem, o papel fotográfico é o suporte moderno – acumulador e irreversível –, e o vídeo é o meio pós-moderno – rasurável e instável. Para o teórico, a construção identitária se assemelha a uma edição cíclica de vídeo, em busca de uma identidade projetada e que se concretiza em sua própria condição de inadequabilidade social, em sua instabilidade. Assim a identidade tem como principal problema não apenas sua criação, mas a manutenção da sua construção. Ante a um mundo instável, desértico, a atitude recorrente das pessoas – jogadores e consumidores – é de não prolongar muito o jogo de construção identitária (BAUMAN, 1995, p. 94). A figura do peregrino, alegoria estratégica de uma construção de identidade de acordo com o autor, dilui-se em outros quatro tipos: o deambulador, o turista, o vagabundo e o jogador. Não só em jogos como Street fighter essa representação identitária é revelada, mas também em diversos outros, como Second life (2003) por exemplo, em que a construção do avatar e o desenvolvimento de sua personalidade são o objetivo principal do jogo: a criação de uma identidade, uma persona virtual; o que pode ser revelador de toda a incerteza na construção social. A relação dos jogos com a festa é uma observação recorrente entre alguns autores. Huizinga (1971) faz uma associação da exasperação da vida quotidiana oriunda do jogar com a celebração de festas. Ambos os casos – a festa e o jogar – implicam em uma eliminação da vida quotidiana e são limitados no tempo e no espaço. Também, em ambos os espaços, encontramos uma combinação de regras estritas com a mais autêntica liberdade. A festa e os jogos são, assim, campos que agem suspendendo a normalidade, em uma mistura de liberdade 24 e regras. Caillois (2017) analisa as festas, como o carnaval, observando que os eventos carnavalescos são como um jogo em simulacro e vertigem, contribuindo, dessa maneira, para o desenvolvimento e a institucionalização das culturas. Sutton-Smith (2001, p. 141, tradução nossa)20, concomitantemente, faz uma relação dos jogos e das festas como “[…] uma metáfora para identificação e persuasão dos grupos personificados como jogadores”. O jogo e a festa atuam, assim, em um tempo determinado, suspendendo a vida cotidiana, refletindo e modificando a cultura. De maneira análoga aos jogos, a festa também possui uma forma de círculo mágico, um espaço que delimita um mundo temporário, dedicado a uma prática especial, como o palco, o campo de futebol ou o tribunal (HUIZINGA, 1971). Assim como o jogo, a festa – seus elementos lúdicos e caráter liberto – tem uma participação seminal no desenvolvimento da civilização e na construção do tempo histórico, cósmico e biológico (BAKHTIN, 1987, p. 6-8). Podemos abordar, adicionalmente, a festa como construtora da cultura, ou seja: a cultura como modelo das festas e dos jogos. O jogo, como festa carnavalizada, pode ser entendido enquanto suporte potencial para a polifonia de Bakhtin – conceito que será aprofundado posteriormente – com seu destino final narrativo sempre em aberto, pela decisão dos diversos jogadores, de inteligência artificial ou não, e pela composição de seus diversos personagens e grupos identitários. Georges Battaile, escritor francês, trabalha a noção de dispêndio na sociedade. O valor social – e econômico – da sociedade não está no que se conquista e preserva, mas no que se perde, no dispêndio improdutivo. Com seu processo acumulador e produtor de excesso, a civilização desenvolve cultos, festas, orgias, jogos – até mesmo as lutas de classes – e outras formas de dispêndio que levam à destruição e à perda. O jogo é, para o autor, uma atividade improdutiva, originada do excesso, e condição intrínseca à dinâmica social (BATAILLE, 2013). Uma atuação de dispêndio que, em sua condição essencial, articula a economia moderna “e se é verdade que a produção e a aquisição, mudando de forma ao se desenvolverem, introduzem uma variável cujo conhecimento é fundamental para a compreensão dos processos históricos, elas, no entanto, são apenas meios subordinados ao dispêndio.”(BATAILLE, 2013, p.24) Posição essa que converge para os conceitos de Huizinga (1971), como jogo desprovido de finalidade em si e condição primária, fundante, na sociedade. 20 “[…] a metaphor for the identification and persuasion of the group personified as the players in these fields of play.” 25 Interseções entre Bataille e Bakhtin já são objetos de estudos. A dualidade carnavalesca de Bakhtin é, sob a visão de alguns autores, ampliada na discussão sobre o erotismo e a morte em Bataille, como uma versão mais mórbida da carnavalização (LACHMANN, 1988; STAM, 1989; JENKS, 2003). Em ciclo repentino e integral, o corpo grotesco está em constante processo de construção e destruição. Lachmann observa que Bakhtin, em seu trabalho referente a Rabelais, analisa que o excremento e o sacrifício – a festa do abate – permitem o diálogo com o exterior, entre corpo e mundo. Pensamento que, de acordo com a autora, alinha-se a Bataille, em que reprodução e morte só podem ser entendidos se relacionados. Assim, a decomposição – e degradação – é parte inerente da vida (LACHMANN, 1988, p. 148). Esse gesto devorador, de consumo, perda e morte se assemelha ao gesto carnavalesco polifônico, de destruição e renovação, em ato contínuo. Porém há de se observar que, para Bataille, não há um ciclo contínuo de renovação, e sim a degradação, em constante processo de perda e ruína. De acordo com Charles Bernstein, os jogos digitais estão conectados aos conceitos de improdutividade, perda e excesso observados em Bataille, mesmo os jogos digitais em que o objetivo de acumular algo relacionado à perda – desejo de morte – está presente, sendo ainda mais degenerados em metas lúdicas acumuladoras. Ainda, segundo o autor, os jogos digitais neutralizam os computadores de seu propósito funcional: criados para ocuparem os espaços de trabalho os quais o homem não tinha capacidade, ou paciência, de agir, eles se tornaram instrumentos da extravagância libidinosa, desprovidos de qualquer função social produtiva (BERNSTEIN, 1991). Em um excesso, de produção e tecnologia, os jogos se apropriaram do digital, desvirtuando e neutralizando suas funções, revelando a própria condição lúdica na qual foram desenvolvidas as tecnologias. Podemos entender, então, os jogos digitais articuladores e modeladores de diversos campos. Como elemento de primazia em relação à cultura, eles são participantes fundantes de uma sociedade, desde sua cultura, ciência e linguagem. Através de seu dispêndio e disfuncionalidade engendram a economia. Os jogos atuam, também, como a extensão do corpo social, e a tecnologia, como extensão do seu organismo; assim, os jogos digitais amplificam potencialidades lúdicas, com características próprias e impactantes em seu contexto histórico. Dessa maneira, o presente estudo abordará os jogos como construtores culturais e o impacto da sociedade, da civilização e da cultura na construção de um jogo – especificamente nos jogos digitais: como, ao incorporarem outras mídias e simularem comportamentos, eles impactam e revelam a cultura. 26 1.2 Desdobramentos digitais Lev Manovich (2013), teórico russo, analisa o software como o principal meio contemporâneo, emergindo na sociedade após o desenvolvimento e a massificação dos computadores pessoais. Para o autor, o software tem uma importância atual análoga à que o motor de combustão e a eletricidade tiveram para o começo do século passado, invenções que foram fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade industrial. Impactando as construções socioeconômicas e desenvolvendo uma cultura, o software é o atual meio difusor e construtor da economia e sociedade: O software tornou-se nossa interface ao mundo, aos outros, à nossa memória e imaginação – uma linguagem universal na qual o mundo fala, e um motor universal no qual o mundo funciona. O que a eletricidade e o motor de combustão são para o começo do século vinte, o software é para o começo do século 21. (MANOVICH, 2013, p. 2).21 Os jogos digitais são, em sua base, programas computacionais com uma função essencialmente lúdica. Muitas vezes, esses programas são desenvolvidos em outros softwares dedicados à criação e à programação. Podemos, assim, analisar os jogos digitais como um meio contemporâneo de linguagem e comunicação; altamente fragmentado, imersivo e disperso, móvel e reciclável, impactando as diversas novas formas possíveis de construção identitária. Os suportes modernos – como fotografia, cinema, televisão – são consequentes de seu contexto tecnológico. Logo, a tecnologia computacional permite, de acordo com o autor, o aglutinamento dessas produções, remediando os suportes. Após o começo do século XXI, os softwares e a programação tornam-se objeto de consumo cultural fetichizados (MANOVICH, 2013). Ernest Adams (2010, p. 15) analisa o jogo digital como um jogo mediado por um computador em que este possibilita borrar as técnicas de outras mídias, como literatura e filmes. Os jogos digitais são, assim, softwares lúdicos que rearticulam os suportes midiáticos. Tal como a fotografia e o vídeo, que foram suportes ideais de seus contextos, os jogos digitais têm potencial semelhante, como suportes contemporâneos, atuando, justamente, sobre elementos culturais midiatizados. 21 “Software has become our interface to the world, to others, to our memory and our imagination – a universal language through which the world speaks, and a universal engine on which the world runs. What electricity and the combustion engine were to the early twentieth century, software is to the early twenty-first century”. 27 Assim, os jogos digitais, estruturados como software, potencializam seu papel comunicacional e, ainda, por suas características específicas hipermidiáticas, atuam rearticulando fotografias, textos, vídeos e outros suportes. Atualmente, o campo de estudo dos jogos vem ampliando sua presença na discussão acadêmica, sobretudo em seu desdobramento digital. Os game studies, de acordo com Mayra, têm, como característica, a interdisciplinaridade. Segundo o autor, game studies “[…] é um campo multidisciplinar de estudo e aprendizagem com jogos e fenômenos relacionados a esse objeto” (MAYRA, 2008, p. 6, tradução nossa).22 Ainda, de acordo com o autor, podemos notar mudanças dentro do próprio campo de jogos digitais, saindo dos fliperamas e dos computadores para as múltiplas plataformas, como dispositivos celulares. Street fighter II, por exemplo, em seu lançamento, era tido com um jogo de ação individual, como aponta Akira Nishitani, criador da obra. 23 Posteriormente, com o desenvolvimento das tecnologias, os jogos começaram a ser estimulados a se tornarem competitivos entre outros jogadores reais, potencial que é amplificado em uma cultura imersa na comunicação contemporânea e pelos seus aparelhos mobile. Apesar de ter um computador como meio, esse não é o todo da produção digital. Como observa Katie Salen e Eric Zimmerman, jogos digitais são sistemas e computador, hardware e software; elementos que compõem a obra conjuntamente (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 1-2). Todos os componentes envolvidos na experiência do jogo são seus construtores, em seu contexto. O mouse e o seu design específico, o monitor utilizado na época e o sistema operacional, entre outros elementos, compõem, de forma fundamental, o jogo experienciado. Em função disso, as tecnologias desempenham um papel importante nos jogos digitais, sendo estes, frequentemente, identificados com base em seu hardware usado (MAYRA, 2008, p. 53). De acordo com Mayra (2008), a evolução dos jogos digitais tem uma relação próxima com o desenvolvimento da tecnologia, proporcionando experiências diferentes dentro do seu contexto tecnológico de produção. Assim, relacionamos diversos jogos de videogame com seu console24 específico da época de lançamento, ou com o software utilizado no computador para processar o jogo digital. A emulação25 de jogos antigos de videogame por exemplo, segundo o autor, gera possibilidades diferentes das experienciadas no contexto da criação deles. 22 23 24 25 “[…] game studies is a multidisciplinary field of study and learning with games and related phenomena as its subject matter.” Ver em: https://www.polygon.com/a/street-fighter-2-oral-history/chapter-4. Consoles são computadores dedicados à execução de jogos digitais. Programas desenvolvidos para emular consoles e jogos antigos. 28 Além disso, os jogos digitais oferecem, também, a possibilidade de imersão em personagens, diferentemente da posição passiva do espectador diante do cinema ou da literatura, potencializando o processo de identificação com eles e seu ambiente (HEFNER; KLIMMT; VORDERER, 2007). Em um jogo digital, tal como Street fighter II, o jogador assume, de forma ativa sobre a narrativa, a identidade de um personagem de forma altamente fragmentada e reciclável. Entre uma partida e outra, pode-se escolher diferentes avatares, representando imaginários identitários específicos: em uma partida, você pode encarnar um personagem com referências à Rússia e, em outra, um que alude à Índia, adepto de Yoga. Em um ciclo contínuo de vida e morte, atuando como um peregrino ou um turista e, ativamente, como um jogador, os jogos digitais tendem a relacionar e articular essas possíveis construções de maneira ideal na dinâmica contemporânea. O jogo atua, como observa Huizinga (1971), com uma combinação de regras com a mais profunda experiência de liberdade. Em sistemas digitais, o jogador decide o que fazer mesmo que com opções restritas; muitos jogos são conhecidos pela possibilidade de subverter o sistema de jogo e poder agir de forma livre, como experiências de mundo aberto como Grand Theft Auto (GTA, 1997). Além da possibilidade de atuar diretamente, experienciando o jogo, suas regras e definições, o ambiente digital possibilita a liberdade do jogador, de forma lúdica e espontânea. A construção em campos digitais potencializa, ainda, as modificações, atuando para produzir o jogo, criando, de forma lúdica, suas próprias regras e definições. Visto que os jogos desenvolveram a arte e a cultura, podemos entender a criação artística – desde uma peça de teatro até o desenvolvimento de um jogo digital – como um ato de jogar, com elementos lúdicos nos seus processos de desenvolvimento artístico. O autor ou coautor é um jogador, atuando e criando de forma livre, ou não, suas próprias regras. De acordo com Mayra (2008), os primeiros jogos digitais datam da década de 1950, com a criação de jogos como Tennis for two (1958), além de uma adaptação em plataforma computacional de Tic-Tac-Toe (1952). A partir da década de 1970, com a evolução dos arcades, videogames e computadores domésticos, há o desenvolvimento dos jogos digitais. Nesse contexto, segundo o autor, o termo core e shell podem ser observados em jogos como Pong (1972) e Space invaders (1978), lançados inicialmente para a plataforma arcade. Podemos entender core, à luz de Mayra, como a jogabilidade, ele está relacionado a questões do jogar, como as regras. Shell seria a representação simbólica que modifica a experiência de jogo. A obra Pong traz à tona, em sua produção, questões como mecânica, controle, interação multijogadores e estratégia. Space invaders, por sua vez, exemplifica os conceitos do shell, com 29 seus sistemas de pontuação, envolvendo questões de jogabilidade social e repercutindo culturalmente, ao ponto de moradores do Texas entrarem na justiça para tentar banir o jogo26 (MAYRA, 2008, p. 52). Na década de 1980, jogos como Pac-Man (1980) e Donkey Kong (1981) foram lançados. Esse decênio foi marcado, segundo Mayra (2008), pelo desenvolvimento do roteiro, propiciado pelo prolongamento dos jogos digitais, principalmente pelos scroll rollings, algo típico dos jogos de plataforma e, também, pela evolução de personagem ou ícones identificáveis. A década foi definida, ainda, pelo desenvolvimento dos computadores domésticos, como o Commodore 64 e o Sinclair Spectrum. A partir dos anos 1990, com a expansão da capacidade da memória e do processamento dos computadores, temos jogos com o uso e a manipulação de imagens em três dimensões e, ainda, mais estendidos espacialmente, potencializando o recurso de imersão dos jogadores (MAYRA, 2008, p. 68; NEWMAN, 2004, p. 33). Na abordagem de Huizinga (1971), os jogos criaram e desenvolveram a arte, estimulando a produção entre os artistas com suas bienais, mostras artísticas, competições musicais e diversos elementos lúdicos no processo de construção. O uso dos jogos – desenvolvidos em variados meios – pode ser observado da tradição artística, com produções que dialogam com eles: Paulo Bruscky (1993) e seu trabalho Livrobjetojogo; Marcel Duchamp e suas produções relacionadas ao xadrez (ALMEIDA; RIBEIRO, 2013); Asger Jorn (2015) e sua pesquisa sobre a trialética e o futebol de três lados e, ainda, as práticas de modificações e apropriações propostas como um jogo pelo artista dinamarquês analisado por Fernanda Lima Corrêa (2018), entre outros exemplos que podemos encontrar ao longo da história da arte. Com frequência, o campo das artes plásticas se aproxima e se apropria das linguagens contemporâneas para sua produção artística, usando os suportes tecnológicos contemporâneos. Como afirma Lucia Santaella (2005, p. 13-14): “desde o nascimento do modernismo, os artistas demonstraram uma verdadeira fascinação pelas novas tecnologias. Gradualmente, as tecnologias foram tomando a linha de frente do experimentalismo”. Assim, a apropriação dos jogos pela arte – ou da arte pelos jogos – não é novidade. O que acontece no contexto contemporâneo é a apropriação do meio computacional, dos softwares, para a produção artística, e a consequente incorporação dos jogos digitais. Dentro do campo de estudos 26 De acordo com Mayra (2008), Space invaders foi um dos primeiros casos de pânico na mídia, ou pânico moral, levando os residentes de Mesquita, cidade do Texas, a entrarem com uma ação perante a suprema corte. Ainda de acordo com o autor, há uma cronologia de pânico moral ante as subculturas e mídia popular. 30 dos jogos, existe o termo artgames, o qual, segundo Felan Parker (2013, 2014), foi popularizado pelo jogo Passage – criado em 2007 por Jason Roher. Existem outros nomes para referenciar jogos criados fora do campo industrial, como indie games (MAYRA, 2008), zinester games (ANTHROPY, 2012), game art (BITTANTI; QUARANTA, 2009). No entanto, Parker (2013) deixa claro que o termo artgame é flexível e amplo, e não é sua intenção delimitar fronteiras ou bordas para defini-lo. O jogo Passage – que faz parte do acervo museológico do MoMA – é tido como fundamental na legitimação do termo artgames: Passage desempenhou um papel influente na sustentação dos artgames como uma categoria, e no entrincheiramento constante dos Jogos Indie como uma importante área dos jogos digitais e na cultura dos games. O recorte, em conjunto, de recursos, pessoas, discursos e práticas que eu mapeei e analisei nesse artigo [...] produziu coletivamente um campo da arte que alça Passage e os jogos artísticos sensíveis e valiosos como objeto estético e obra de arte. (PARKER, 2013, p. 57, tradução nossa).27 O autor também observa e agrupa três características presentes na maioria dos artgames: “[…] uma estética audiovisual antiga ou altamente estilizada; equipe de desenvolvimento pequena [...] e uma poética existencial, um ‘ponto’ ou ‘mensagem’ que o jogador deve descobrir e ponderar, a quão obscura ou ambígua seja” (PARKER, 2013, p. 42, tradução nossa).28 1.3 Modificações lúdicas As tecnologias digitais possibilitaram a difusão e a integração de mídias, conjuntamente, a uma maior capacidade de articulação desses suportes, potencializando a interação do espectador, jogador. Henry Jenkins (2005, 2013) trabalha com a noção de “cultura participativa”; para o autor, a convergência das mídias incentiva os consumidores a construírem relações e diálogos entre esses elementos disseminados, dispersos, trabalhando – ou brincando, 27 28 “Passage has played an influential role in sustaining artgames as a category, and in the ongoing entrenchment of indie games as an important area of digital games and gaming culture. The contingent assemblage of resources, people, discourses, and practices I have mapped and analyzed in this article, guided by Baumann’s conceptual framework and the insights of other scholarly work on artistic legitimation, have collectively produced an art world that makes Passage and artgames sensible and valuable as aesthetic objects and works of art.” “[…] a distinctive or highly stylized audiovisual aesthetic; small (or entirely individual) development teams with identifiable author figures; and an existential-poetic ‘point’ or ‘message’ that the player is intended to discover and ponder, however obscure or ambiguous.” 31 nas palavras do autor – sob o sistema de mídia. A convergência se dá, também, na interação ativa ante o sistema de mídias contemporâneo. Desse modo, a produção e o consumo não ocorrem mais em campos separados, e isso tem impactado, de maneira significativa, a sociedade como um todo, sua cultura e política. Diante das tensões intrínsecas ao processo de transformação presente, atuamos de forma também instável, tentando acompanhar as mudanças (JENKINS, 2005, 2013). Por essa dinâmica de criação, a produção de CyberGamba também ganha uma potência paródica carnavalesca; o espectador amplia sua ação ante as construções de identidade reforçadas na televisão, como, por exemplo, as estruturas sociais – inertes em suas definições – envolvidas nas narrativas de Chaves. O espectador e leitor deve, em uma cultura participativa digital, manobrar o objeto, alterando suas narrativas, rearticulando suas leituras, como, por exemplo, nas diversas construções de memes que se utilizam dos elementos do seriado. Como já observado por Adams (2010), o jogo digital potencializa uma interação transmidiática. De acordo com Gobira, essa aproximação acontece como consequência da movimentação e do sucesso econômico de outros empreendimentos culturais entre as indústrias. Ainda de acordo com o autor, o que propicia esse diálogo interacional são os elementos semióticos comuns entre as diversas indústrias – códigos verbais, sonoros, cinéticos entre outros –, “por terem aderência (ao menos em potência) à composição: cinematográfica, literária, musical etc.” (GOBIRA, 2017, p. 137). Com isso, a interposição de elementos midiáticos conduz os jogos digitais à arte, com caráter não fugaz. Como observa Espen Aarseth (2003, p. 9), esses jogos “consistem em um conteúdo artístico não efêmero (arquivos de palavras, sons e imagens), o que aproxima os jogos do objeto ideal das Humanidades, a obra de arte”. Ao interpor mídias, os jogos digitais se tornam um arcabouço midiático, incorporando diversos elementos em sua arqueologia, atuando com potencial de articulação da memória, em um conteúdo midiático não efêmero. Essa característica ratifica os jogos digitais como elemento importante na cultura e na história contemporânea. Jaime Banks e Nick Bowman (2016) observam que, além de interpretar um texto, o jogador de obras digitais manipula informações, as palavras, as imagens, cocriando o texto e a narrativa. Para eles, as criações digitais podem ser consideradas uma elaboração de um rascunho que precisa de um jogador-autor para ser finalizado. Então, a própria natureza da construção dos jogos digitais, frequentemente criados a partir de softwares ou motores de 32 jogos 29 digitais, amplifica a possibilidade de interferência e modificação nas produções já desenvolvidas. Os modificadores atuam como jogadores, alterando e participando da construção de novos jogos digitais. São formas diferentes de jogar. Imerso no jogo digital e incorporando um personagem, o utilizador do software tende a fechar uma narrativa latente da obra computacional. Quando atuando como autor de um novo jogo digital, o jogador – e autor – mantém a narrativa em aberto, criando uma estrutura para outro finalizar o discurso narrativo do jogo. Esse ciclo contínuo de modificação é um elemento presente na estrutura dos jogos digitais, alterando-se continuamente através de apropriações e adaptações, oficiais ou não, de diversas mídias, gerando continuações e atualizações. Além das diversas sequências produzidas pela indústria dos jogos, por diferentes autores, os jogos digitais apresentam, com as apropriações e as modificações piratas, realizadas de forma não oficial, um ciclo de destruição e renovação. Um exemplo comum na indústria dos jogos latino-americanos são os diversos mods30 criados em jogos digitais de futebol, permutando equipes, jogadores, música, cenários e outros componentes.31,32 Essas modificações, frequentemente feitas de formas não oficiais, supriam uma demanda de mercado latina, que buscava jogos atualizados e mais adaptados ao contexto continental. Ainda hoje em dia, os grupos mais relevantes dessas produções continuam a desenvolver e a atualizar os jogos, vendendo-os em plataformas on-line. Essa dinâmica de reorganização e de modificações pode ser verificada no desenvolvimento da franquia Street fighter. Após o sucesso alcançado por Street fighter II, modificações piratas começaram a ser desenvolvidas, atendendo e acompanhando as exigências do público. Uma das recriações que se destacou foi Street fighter II: rainbow edition (1992) 33 , desenvolvido pela Hung Hsi Enterprise, produtora taiwanesa. O jogo era bem mais rápido que o original e com vários elementos distorcidos e modificados, destruindo boa parte da mecânica desenvolvida no jogo procedente. James Goddard, atualmente diretor de design da Microsoft, era consultor de design e testador local da Capcom34 na época de lançamento de Street fighter II: rainbow edition. 29 30 31 32 33 34 Motores de jogo são sistemas de softwares produzidos para facilitar o desenvolvimento de jogos digitais (GARCIA, 2014). De acordo com Anna Anthropy (2012), podemos entender os “hacks” e “mods” como modificações realizadas em jogos já existentes para criar novas histórias. Ver em: https://www.vice.com/pt_br/article/qvngj5/bomba-patch-historia-futebol-videogame. Ver em: https://www.vice.com/pt_br/article/nepv8m/o-cara-que-produziu-os-games-piratas-deinternational-superstar-soccer. Ver em: https://www.arcade-museum.com/game_detail.php?game_id=9813. Desenvolvedora de jogos japonesa, fundada em 1979. 33 Influenciado pelo jogo pirata, Goddard sugeriu diversas mudanças aos desenvolvedores da Capcom, gerando o Street fighter II turbo: hyper fighting (1992) e alterando, diretamente, a mecânica e a estrutura dos jogos digitais de combate.35 As modificações desenvolvidas pela Hung Hsi Enterprise – e outras empresas – impactaram a indústria dos jogos digitais e revelaram novas possibilidades à franquia oficial de Street fighter, influenciando diversas continuações interferidas pelas produções piratas. No Brasil, essas modificações geradas adquiriram a alcunha de Street fighter de rodoviária36. David Evans, em seu livro Apropriação (2009), elenca diversas manifestações artísticas e textos que se apropriaram de outras mídias em suas produções e discutem as modificações. O autor categoriza os objetos artísticos documentados e seus autores em precursores e contemporâneos – iniciando por Gustave Flaubert, poeta francês –, articulando um traçado histórico através das diversas formas de apropriação, alegoria, bricolagem e paródia, termos analisados por ele (EVANS, 2009). Relacionando diversas memórias arqueológicas midiáticas, as produções se inseriam em diversos campos, articulando elementos e atravessando a indústria de mídias. Kenneth Goldsmith (2011) discute a apropriação a partir de uma distinção à colagem. Ao comparar Duchamp a Picasso, observa que as apropriações do artista francês nos afastam do objeto, trabalhando de forma reflexiva e generativa, criando novos sentidos; ao passo que as colagens e as assemblagens do espanhol nos retornam a elas, à construção artística, fechada na própria autoria. Análise essa que aborda a apropriação como provocadora, no sentido de que produz e provoca novas narrativas além do próprio objeto incorporado, levando a outros campos diferentes do originário. Pontua, ainda, o gestual de incorporação como prática recorrente na produção artística do século XX, porém não lidando com o todo, mas atuando sobre fragmentos cada vez menores, ato diferente dos trabalhos de Duchamp e Passagens, de Walter Benjamin (2016). O trabalho do autor alemão atua como um amontoado aberto e desconexo, oriundo de diferentes mídias e agindo de forma preordenada: “[…] a máquina empregada no trabalho é configurada com antecedência, é só uma questão de preencher essas categorias com as palavras corretas, na ordem em que forem encontradas” (GOLDSMITH, 2011 p. 118, tradução nossa)37. 35 36 37 Ver em: https://www.polygon.com/a/street-fighter-2-oral-history/chapter-4. Ver em: https://www.vice.com/pt_br/article/bmg7da/street-fighter-de-rodoviaria. “[…] the machine that makes the work is set up in advance, and it’s just matter of filling up those categories with the right words, in the order in which they’re found.” 34 Ainda de acordo com Goldsmith, atualmente, com a linguagem se acumulando exponencialmente e com um maior acesso aos softwares e às ferramentas disponíveis para manipulação desses dados e textos, “[…] a apropriação está prestes a se tornar apenas mais um instrumento na caixa de ferramentas dos escritores, uma forma aceitável – e aceita – de construção literária, mesmo para os escritores mais tradicionalistas” (GOLDSMITH, 2011, p. 124, tradução nossa)38. Com a convergência das mídias, a literatura se aproxima dos jogos digitais, assim como as artes plásticas, incorporando a prática de apropriação em sua dinâmica de produção; como também os softwares aglutinam, em si, as ferramentas de manipulação dessas diversas mídias, contribuindo para a convergência da dinâmica de criação. Diversos softwares atuais – como os agenciadores de big datas39 – se comportam de maneira semelhante à descrição de Goldsmith (2011) referente ao trabalho de Benjamin (2006). Manipulando textos, imagens e vídeos construídos por seus usuários, os softwares atuais trabalham catalogando e acumulando essas informações continuamente – perfis, fotografias, comportamentos, entre outros elementos. Ao deter e arquivar em forma de dados as informações, os algoritmos, de alguma maneira, mantêm a narrativa desse arrolamento aberta e latente. O comportamento contemporâneo acumulador e fragmentado da linguagem também pode ser revelado em jogos digitais como Katamari Damacy (2004) – obra que faz parte do acervo do MoMa –, no qual o objetivo do jogo é rolar uma bola pelo cenário e acumular, em torno da esfera, diversos objetos até, potencialmente, se transformar em uma constelação. Figura 2: Katamari Damacy Fonte: Imagem retirado do site do MoMA.40 38 39 40 “[…] appropriation is bound to become just another tool in the writers’ toolbox, an acceptable—and accepted—way of constructing a work of literature, even for more traditionally oriented writers.” Ver em: https://canaltech.com.br/big-data/o-que-e-big-data/. Ver em: https://www.moma.org/collection/works/164919 35 O nome da obra, desenvolvido pela Namco, poderia ser traduzido como “Amontoado de almas” (HUTCHINSON, 2019, p. 21, tradução nossa) 41 . Acumulando compulsivamente, o jogo digital age como uma paródia tardia e não intencional do trabalho de Benjamin (2006), como analisado por Steve Jones (2008), revelando o papel acumulador ativo do consumidor contemporâneo, criador de significado. Ainda, Jones observa que Benjamin chama o espaço do colecionador também de círculo mágico, de maneira semelhante a Huizinga (1971). A figura do acumulador percorrendo os espaços no jogo digital se assemelha à produção de Benjamin, aglomerando diversos elementos da cidade de Paris. Porém, observa que a ação contemporânea, antecipada pelo trabalho de Benjamin, age sob a tensão entre a produção superficial ou mais aprofundada de significado das ações acumulativas atuais (JONES, 2008). A perspectiva de afastamento do objeto no ato de apropriação é corroborada por Julia Sanders (2016). Trabalhando o conceito em diálogo com a adaptação, a autora observa que a atitude de se apropriar reinsere o objeto em um novo contexto, afastando-o de seu local de origem, de seu espaço embrionário. Citando Linda Hutcheon (2013), a autora, que também será fundamental à presente pesquisa, analisa que, no contexto atual, as produções tendem a versões laterais; quer dizer: obras que não se afastam do objeto, não desenvolvem novas camadas de sentido e nem subvertem seus originais. Sanders também chama a atenção para a construção do ideal de original vindo dos países hegemônicos, demonstrando que, frequentemente, os trabalhos tidos como originários são adaptações ou apropriações igualmente. Assim, as noções de autoria, em instabilidade no contemporâneo, têm a apropriação no seu cerne: além de textos, incorporando os próprios autores, seus nomes e reputações (SANDERS, 2016). Affonso Romano Sant`Anna propõe, em seu livro Paródia, paráfrase e cia, outra abordagem sobre a análise de paródia e estilização, desenvolvida por Mikhail Bakhtin (2010), adicionando o conceito de apropriação ao estudo. Segundo o autor, a apropriação se desenvolveu através das pesquisas dadaístas de colagem e usa de um recurso corrente na elaboração artística: o deslocamento (SANT’ANNA, 2003). Então, retirado de seu espaço cotidiano, o objeto é contextualizado de forma diferente de seu uso normalizado. Um dos exemplos utilizados pelo autor como uma apropriação parodística é a obra Pau Brasil, de Oswald de Andrade (1974), escrita a partir de recortes de outros textos redigidos 41 “Damacy is an alternate transliteration of the word tamashii, or ‘soul,’ so the full title could be translated as ‘Clumping Spirit’ or ‘Soul of Clumping.’” 36 por historiadores e viajantes coloniais. De acordo com o autor, a oposição entre paráfrase e paródia é semelhante ao processo de automatização e desautomatização da informação, trabalhando, cada um, respectivamente, para o reforço de uma linguagem e a contestação desta. Para ele: Uma paródia levada ao paroxismo ou exagero máximo. E se, para efeito de raciocínio, concordássemos com isto, poderíamos acrescentar que, enquanto radicalização da paródia, a apropriação é uma técnica que se opõe à paráfrase e diverge da estilização. É um gesto devorador, onde o devorador se alimenta da fome alheia. Ou seja, ela parte de um material já produzido por outro, extornando-lhe o significado. (SANT’ANNA, 2003, p. 46). Podemos entender, de forma sucinta, a paródia e a apropriação como dialogadores das diferenças, deslocando e subvertendo os significados, sendo esta última – a apropriação – o grau máximo da paródia. A apropriação é, assim, uma paródia totalizada e incorporada integralmente, geradora de novos sentidos além do objeto. Linda Hutcheon (1989), em seu livro Uma teoria da paródia, faz uma análise além da paródia escarnecedora tradicional, subversiva, investigando o impacto histórico em seu processo de construção, em um processo de recriação diante de signos precedentes. Ela se utiliza do neologismo “transcontextualização” para identificar o ato paródico de recodificação – e contextualização – do passado. Através da apropriação de outros elementos, a paródia ataca a propriedade privada – esta identificada pelos direitos autorais –, os bens materiais e de consumo, como observa Hutcheon (1989, p. 135), ao analisar os trabalhos de Benjamin Buchloh, historiador de arte alemão. Para este, o modelo de identidade é uma ferramenta de alienação cultural imediata, um acordo tácito com a indústria e os seus difusores culturais (BUCHLOH, 2000, p. 364). A paródia é uma atitude que provoca também uma ruptura de identidade, como observa Buchloh. Porém, o trabalho de Hutcheon estabelece que a paródia pode ser entendida, ainda, como uma referência textual que, implicitamente, reforça e valoriza o original, consolidando seu espaço histórico. A paródia não tem sua posição, permanentemente, fixa em qualquer ideologia ou espaço político (HUTCHEON, 1989). Atuando em seu potencial duplo de repetição e diferença, a paródia carrega, em si, a transgressão simultaneamente à conservação do objeto parodiado. Bataille (2010) observa que o mundo é puramente paródico, porém a base, a origem das informações – das coisas –, não é o chão do planeta, mas o movimento circular que ele faz em torno de um móbile central. Assim, uma máquina de costura, ou um carro, pode 37 ser tida como um princípio generativo para o autor (BATAILLE, 2010); ou, então, um computador, lidando com suas informações binárias, em uma linha de código, de forma cíclica e repetitiva. Podemos entender essa repetição, cíclica, de nascimento e morte, algo como a paródia, ou, como aponta Alexandre Rodrigues da Costa, “como um processo de metamorfose sem fim”, desarticulando a ordem e a razão estabelecida nos – e pelos – trabalhos referenciados (COSTA, 2017, p. 14). Em sua análise referente ao trabalho de John Carpenter, O enigma de outro mundo, Costa (2017) verifica que, além da ação de ruptura ante o original, a paródia provoca uma instabilidade permanente em seu ato, que não se concilia, ordena. Essa abordagem se aproxima do corpo grotesco de Bakhtin, como analisado por Lachmann: uma carnavalização paródica que não se estrutura ou fecha, “mas sim como algo se tornando e morrendo, como parte de um processo sem fim” (LACHMANN, 1988, p. 150). Para Huizinga (1971), sofistas podem ser tidos como paródias dos filósofos – ainda que parcialmente –, sendo o sofista um esportista, um jogador paródico consciente dos seus elementos lúdicos. O jogo paródico dos sofistas se colocou ao lado da filosofia, revelando aspectos que antes não eram visíveis. Além dos aspectos frívolos, os sofistas remetiam a suas origens (HUIZINGA, 1971), elaborando, como a máquina de costurar, novas possibilidades em diálogo com o original. Abordagem essa que converge as análises de Bakhtin (1987, p. 5) em relação à paródia e aos ritos cômicos, observando que o ato carnavalesco cria “ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida”. Atitude que se caracteriza também pela dinâmica constante de permutações entre o alto e o baixo, renovando as estruturas ao mesmo tempo em que rebaixa. Ainda de acordo com o autor, “o segundo mundo da cultura popular constrói-se de certa forma como paródia da vida ordinária, como um ‘mundo ao revés’” (BAKHTIN, 1987, p. 10). Inversão essa que, ao lado da vida ordinária, desvela “os aspectos da doutrina e do culto oficiais e, de maneira geral, todas as formas de comportamento sério em relação ao mundo” (BAKHTIN, 1987, p. 73) Fredric Jameson (1985, 2000) analisa a prática contemporânea recorrente de pastiche como uma paródia lacunar, uma ironia branca e neutralizada, sem os motivos ocultos da paródia. O autor analisa que a paródia se torna impossível no comportamento fragmentário e heterogêneo de estilos contemporâneos, atuando próximo a um arcabouço de imagens e simulacros, reificando o “espaço entre o sujeito e a realidade, ou o próprio passado” (JAMESON, 2000, p. 143). Com a incorporação vulgarizada da técnica, em forma de pastiche, desenvolve-se uma “cópia idêntica de algo cujo original jamais existiu” (JAMESON, 2000, p. 45). Santiago (2000, p. 132) observa, conjuntamente, que “todos recebemos hoje em dia, em 38 casa, uma dezena de livros cujo estilo é a paródia”. De acordo com o autor, é um ato repetido como ritual de ruptura, uma transgressão cerimonial, que esvazia a prática enquanto uma técnica exaurida. Para ele, o pastiche endossa o passado e não o rechaça, não propõe um escárnio ou desprezo. Antecipando a discussão, Bakhtin (1987) observa que as paródias modernas atuam cada vez mais próximas da prática do pastiche, não renovando e atuando de forma destruidora e puramente literária. Para ele, no puro escárnio e desprezo das formas anteriores, há também um ato, de certa forma, conservador pois não transpõe; não há uma renovação oriunda da própria destruição. Como ato ambíguo em si mesmo, a paródia atua oscilando entre uma prática próxima a um puro pastiche, como atitude incorporada, e uma ação subversiva, de fato, transformadora. Como articulador dessas diversas mídias, os jogos digitais também aderem à potência de apropriação paródica e a modificações, como uma lógica da indústria de mídias, conforme observa Erkki Huhtamo (1999) ao analisar os games patchs.42 Space war! (1962), desenvolvido por estudantes do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, foi baseado em um código criado anteriormente, e os botões da máquina foram reaproveitados de telefones da década de 1940 (SOTAMAA, 2003). Quando Castle Wolfenstein (1981) foi lançado, diversas modificações começaram a surgir, como Castle of Smurfenstein (1983) produzido por fãs do jogo, alterando os personagens nazistas do original e sons para o universo do desenho Smurfs (1981). Huhtamo (1999) observa que as modificações podem ser interpretadas como manifestações de “táticas de mídia” – que foram exploradas ao longo da história, desde as fotomontagens políticas das décadas de 1920 e 1930 até ao web “hacktivismo” dos anos 1990 –, interferindo na indústria de forma destrutiva e criativa. O autor também observa que os scratch videos, criados no início dos anos 1980, foram cooptados pela indústria – a mesma que tentavam minar –, incorporando seus elementos estéticos. A dificuldade de acesso ao meio audiovisual da época seria um dos motivos, ainda de acordo com o autor, que estimularam a cooptação da indústria, e o meio digital teria, como potencial, a sua facilidade de acesso e distribuição. Atualmente, como pontua Sotamaa (2007), a indústria dos jogos digitais estimula e se beneficia dessa produção de modificações, mantendo-a como reserva e alternativa de 42 Modificações que vão desde reparações de erros à customização de gráficos, sons e outros atributos do jogo original (SOTAMAA, 2003). 39 mercado, servindo como agente de reprodução de conteúdo e atualizando os jogos. Podemos observar, nas competições produzidas pela indústria, específicas para modificações, práticas oficiais para estimular a produção de mods (SOTAMAA, 2007). Henry Jenkins também aponta a absorção e incentivo da indústria às modificações de jogos digitais, como prática inserida no processo de mercado. (JENKINS, 2013). Assim, a apropriação de fato se torna uma ferramenta, estabelecida e incentivada dentro da própria indústria e mercado de produção, tal como apontado por Goldsmith. Assim, as modificações podem ser entendidas como mais uma estratégia entre as disponíveis para a criação, podendo atuar tanto próximo a uma conduta de apropriação, estabelecendo, de fato, novos sentidos, reverberando em outras camadas, quanto em direção a uma adaptação ou colagem, reforçando a autoria e o objeto. Dessa maneira, o uso de modificações do campo dos jogos digitais é recorrente entre os jogos independentes, como destaca Anna Anthropy (2012), ao analisar o que chama de jogos de zine e citar a produção Sonic 2 XL (FIGURA 3). Figura 3 – Mod Sonic 2 XL Fonte: Imagem capturada do jogo digital Sonic 2 XL, 2010. Esse jogo digital é um mod de Sonic the hedgehog 2 (1992) lançado pela Sega. Na modificação, Sonic – personagem conhecido por sua velocidade – coleta anéis de cebola empanadas fritas, que o fazem ficar mais lento e gordo, até não poder mais se movimentar caso se coletem muitos objetos. Dessa maneira, é possível observar, de forma analítica, um novo diálogo estabelecido pela recombinação criada em alguns jogos. Podemos interpretar essa 40 estratégia como um dos possíveis recursos para fazer frente à indústria, promovendo a possibilidade de recriação e ajustamento, ou, ainda, de acordo com Hutcheon (1989), de reforço e manutenção do objeto. Para concluir, nesta seção, analisamos a relação intrínseca dos jogos com o desenvolvimento da cultura e da construção social, tal como seus desdobramentos no campo digital. Através da convergência de mídias, os softwares – e os jogos digitais – potencializam e reforçam, como prática, modificações, apropriações e paródias. Observamos, ainda, as contradições das práticas, atuando de forma ambígua entre a subversão e a conservação do objeto. Em seguida, as práticas carnavalescas e antropofágicas serão exploradas, bem como sua penetração na produção de jogos digitais e seus desdobramentos em um contexto brasileiro. 41 2 CARNAVALIZAÇÃO ANTROPOFÁGICA 2.1 Deslize antropofágico A antropofagia é um movimento deslizante com diversos desdobramentos e múltiplas facetas, como observa Maria Cândida de Almeida (2002a). Uma delas que pode ser tomada como uma narrativa fundadora foi estabelecida a partir das produções de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade e tem um “desejo de ruptura com os paradigmas formais do século XIX e na encenação da identidade”, bem com uma “noção de violência e de destruição” (ALMEIDA, 2008a, p. 117). Segundo a autora, a antropofagia é um signo mutante e marginal, que desliza. E, a partir disso – pela sua instabilidade, movimento e impermanência –, ela constrói conflitos e reflexões sobre a identidade da cultura brasileira. Constantemente ligadas a um movimento de construção de identidade nacional – e latino-americana –, as ideias de Oswald seduziram “imediatamente personagens da intelectualidade dos primeiros decênios do século XX, levando-os à busca de outras referências, diferentes da tradição eurocêntrica do discurso único” (ALMEIDA, 2008a, p. 117). Incorporada pelos intelectuais e pela literatura, a antropofagia torna-se um campo de saber, ou um topos literário. Frequentemente estudada dentro do campo literário, a antropofagia foi incorporada pelo campo artístico, “tanto musical, quanto visual”, como observa Almeida, e “vem desconstruir a ideia da formação de uma identidade nacional calcada apenas na literatura brasileira” (ALMEIDA, 2008a, p. 118). Seu impacto também é observado no cinema, como descreve Pablo Gobira ao analisar a produção de Glauber Rocha, inserindo o cineasta na linhagem histórica da antropofagia brasileira. Porém, isso se dá de outra maneira, com outras características e potenciais: “ao perceber que não apenas a cultura do ‘outro’ é ‘comida’, mas que também a sua cultura e seus artistas entram na ‘roda antropofágica’, vê-se que a antropofagia tanto de Darcy quanto de Glauber não é aquela mesma de Oswald e Mário de Andrade” (GOBIRA, 2007, p. 94). Glauber e o cinema são inseridos no campo de saber da antropofagia, mas com uma nova face, dentre as múltiplas possíveis. A antropofagia desliza, modifica-se e atinge um topos além-literário, integrando todos os campos artísticos e culturais; tornando-se um topos cinematográfico, das artes plásticas e da música. Dada a importância dos softwares e dos jogos digitais na linguagem contemporânea, e suas características hipermidiáticas, podemos pensar 42 em um possível topos lúdico da antropofagia, atravessando e incorporando a produção de jogos digitais. Em face ao tradicionalismo, o movimento antropofágico ansiava por uma construção autêntica e revolucionária brasileira. Utilizando-se da metáfora canibal – devorador, agressivo e violento –, o movimento artístico incorporou à destruição canibalista a renovação e a incorporação ritualística antropofágica; a criação a partir do ato canibal: “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”, escreveu Oswald de Andrade (1978, p. 11), em Manifesto antropófago. Assim, o índio mau em oposição ao homem cordial; o uso do que é do outro, de forma antropofágica e violenta; a canibalização e a incorporação do que não é nosso são características da atitude antropofágica. Passados quase 100 anos da divulgação do manifesto antropofágico, as próprias ideias e conceitos do autor foram incorporados e devorados, desmembrando-se em novas e múltiplas interpretações. A relação com o outro, a cultura formadora e a construção de uma identidade são temas recorrentes nas pesquisas referentes às reflexões antropófagas. Segundo Almeida (2002a, p. 22), “ler a cultura brasileira à luz da antropofagia é expor os momentos de emergência dos conflitos advindos do contato entre as culturas formadoras, do qual se serviram os textos literários, as artes plásticas e o cinema”; uma construção em constante diálogo com o outro, “como limite e fronteira simbólica, mas também como um delineamento híbrido em conflito e como entre-lugar” (ALMEIDA, 2008a, p. 117). De acordo com Pablo Gobira (2007, p. 84), em função dos estudos de Maria Cândida de Almeida, podemos considerar a antropofagia como “uma prática de inversão dos conceitos europeus realizada por Oswald de Andrade”. Questões essas que são também trazidas à tona por Haroldo de Campos (1992, p. 237), que coloca, como necessário, pensar a construção de uma identidade através de um dialogismo a partir da diferença: “o des-caráter, ao invés do caráter; a ruptura, em lugar do traçado linear [...]. Uma nova ideia de tradição (antitradição), a operar como contra revolução”. Para o autor, ao se adotar a universalidade das comunicações e ao abolir os isolamentos geopolíticos, criou-se uma exigência de se pensar a polifonia. Com isso, foi necessário um movimento culminante como o antropofágico, responsável por criar uma nova relação ante o tradicional. Ainda de acordo com Campos, podemos observar, no barroco brasileiro, um princípio de uma possível razão antropofágica. O movimento iniciado por Oswald e Tarsila é o ponto de virada nessa transculturação, exemplificando o “mau selvagem”, os novos bárbaros polifônicos, renovando a literatura e a cultura, em busca de uma identidade não submissa (CAMPOS, 1992). 43 Ainda, de acordo com Haroldo de Campos (1992, p. 235), uma atitude antropofágica “não envolve uma submissão, mas uma transculturação; melhor ainda, uma transvaloração: uma visão crítica da história como função negativa (no sentido de Nietzsche), capaz tanto de apropriação como de expropriação”. Podemos entender, desse modo, que a antropofagia tem, como uma de suas características, a incorporação do que não é nosso, de modo crítico, apropriando e, também, expropriando, negando, as influências utilizadas. É fazer uso do que é do outro como uma nova reconfiguração, sem se submeter, mas direcionando a outros campos e contextos, transvalorando o incorporado. A criação de uma identidade autêntica, como um ser dos baixos trópicos em transformação e em mutação utópica, é uma das características da antropofagia mutante de Glauber Rocha. Os conceitos antropofágicos oswaldianos, como observa Maria Cândida de Almeida (2002a, p. 31), “apontam para o brasileiro como um ser em devir; o tornar-se outro deslizante das identidades que se articulam e se diluem na contemporaneidade.” Através do seu caráter de hibridismo, o antropófago constrói “a representação das questões específicas da cultura brasileira [...] recobrem valores relacionados a uma oposição semântica fundamental na estrutura geral no horizonte cultural do País” (ALMEIDA, 2008a, p. 123). Nesse devir da América Latina, em constante movimento e construção, a antropofagia insere-se, conceitualmente, “como uma poética estético-político-filosófica, com presença permanente nos debates sobre a identidade marcados [...] pela legitimidade de pensamento latino-americano” (ALMEIDA, 2008a, p. 121). Oswald e a antropofagia antecipam “o desafio imposto pelas novas tecnologias como a internet [...] uma vez que essas tecnologias podem divulgar planetariamente informações que antes estavam restritas a grupos ou regiões” (ALMEIDA, 2002b, p. 154). Assim, o diálogo criado vai além das fronteiras regionais. É uma antropofagia ampla e internacional – fome que se traduz em originalidade estética –, como bem observa Pablo Gobira (2007, p. 14), a antropofagia “não constrói apenas imagens que pretendem refletir sobre um agrupamento de sujeitos de modo regionalista, mas reflete-se amplamente sobre a situação latino-americana e do ‘Terceiro Mundo’”. De tal modo, o caráter político também é elemento de análise contemporâneo sobre a antropofagia. Maria Cândida de Almeida (2008a, p. 119), ao recomendar uma análise minuciosa sobre a poiética 43 relativa ao movimento, observa que devemos entender as 43 Poiética é aqui entendida como o elemento de instauração da criação e seu processo, de acordo com a autora (ALMEIDA, 2008b). 44 produções como “veiculadores de uma poiética antropofágica, especialmente aqueles trabalhos que são frutos de um rompimento consciente do realizador com os meios convencionais de realização da obra, invocando uma inserção política da arte”. Assim, o processo de incorporação do outro não é desvinculado da política inserida em seu contexto de produção. De acordo com Gobira, o caráter político é também observado na produção cinematográfica de Glauber Rocha: […] é inegável esse caráter político do cinema glauberiano, sobretudo em A Idade da Terra. Esse filme de Glauber traz a utopia latino-americana como pano de fundo na luta do Cristo Negro e do Cristo Guerrilheiro em sua oposição ao Brahms neocolonizador, e do Cristo Índio contra os resquícios – inclusive religiosos – da colonização. Já o Cristo Militar anuncia o apocalipse no roteiro, a partir do abalo das estruturas. (GOBIRA, 2007, p. 91). Para além da dicotomia entre colonizador e selvagem, entre cultura europeia e latina, podemos observar, através da leitura, uma multiplicidade das questões contemporâneas antropofágicas. Questões essas que são potenciais geradoras das múltiplas facetas antropofágicas. É possível, assim, pensar antropofagia como um conceito em construção e modificação; passando por Oswald, Tarsila, Mário de Andrade, pelo Cinema Novo e pela produção de Glauber Rocha, atingindo a música e interferindo no tropicalismo; tratando e envolvendo os problemas múltiplos e transculturais contemporâneos, podendo ser chamado, como escreve Regina Mota (2010), de neoantropofagia. Para a autora, a atitude antropofágica é afirmada pela diferença, logo, o conflito se torna um recurso revolucionário. Em filmes como Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, a figura problemática e reveladora do antiherói manifesta a violência contra as relações sociais cordiais, tensionando erudito e popular. Mota (2010) observa que, em obras como as de Glauber Rocha, essa consciência antropofágica é evidente, porém, demonstra um novo formato do movimento antropofágico. A tese Estetyka da fome, de Glauber Rocha (1965), incorpora, teoricamente, a influência oswaldiana. A produção do cineasta seria, assim, a tradução antropofágica para o contexto cinematográfico, como um topos cinematográfico (MOTA, 2010). Isabel Augusto (2016, p. 180), ao pesquisar, em sua tese, a influência antropofágica sobre o Cinema Novo, observa a assimilação do Neorrealismo italiano “ocorrida no Brasil, onde como referido se encontra a origem do Cinema Novo, que ocorre (sic) a partir de um processo de apropriação e incorporação, mas também de negação, de transformação e criação. Em um processo no qual prevalecem os aspectos criativos sobre os repetitivos”. Dessa maneira, a montagem e as diversas colagens textuais utilizadas por Glauber Rocha na criação de suas obras 45 são elementos latentes reveladores da prática antropofágica realizada pelo cineasta. Assim, a partir das tradições incorporadas dos europeus, novas relações são construídas em conflito com essa perspectiva externa (GOBIRA, 2009, p. 197). Ademais, o cineasta, já inserido na tradição antropofágica, aproxima-se ainda mais desta ao criar o artigo Estetyka do sonho (2004). Para Ivana Bentes, ele se alinha à antropofagia oswaldiana ao construir o conceito de estética do sonho: as traduções literais e realistas dos conflitos sociais – e da fome – não dão conta da complexidade do real; o onírico e a não racionalidade seriam o caminho possível para uma arte realmente revolucionária. Logo, a não razão seria o caminho para a revolução, sendo inútil a revolução racional (BENTES, 2002). Essa atitude ante o tradicional e o oficial, de oposta à razão, pode ser analisada à luz da pesquisa de Almeida (2002a), referente ao canibalismo antropofágico. De acordo com a autora, uma marca apontada por muitos críticos como influência ao pensamento de Oswald de Andrade é a obra de Freud e seus estudos de apropriação. A abordagem freudiana refere-se à devoração produtiva do pai, e essa foi a principal influência para o que Oswald cunharia como “alto canibalismo” (ALMEIDA, 2002a, p. 79), um gesto que levava à produção e à reprodução, incorporando qualquer outra cultura, sem hierarquização. Sendo assim, é um ato “produtor do devir, da diferença, da multiplicidade, da incorporação do alto canibalismo” em contraposição ao “baixo canibalismo”, que é puramente violento e destruidor (ALMEIDA, 2002a, p. 81). Podemos, assim, entender a antropofagia como um tipo de apropriação marcada pelo alto canibalismo, generativo e múltiplo. Maria Cândida de Almeida (2008a) observa o projeto poético oswaldiano como propositor de uma abordagem poética similar às artes visuais. Por isso, é importante estudar a antropofagia oswaldiana para entendê-la de forma contemporânea e relacionada aos procedimentos plásticos e, assim, evidenciar o “estranhamento causado pela obra oswaldiana no diálogo de uma fala literária brasileira com a tradição estética ocidental” (ALMEIDA, 2008a, p. 118). Para Oswald (1978, p. 129), uma cultura antropofágica tecnizada tinha o potencial de superar os problemas atuais da filosofia e do patriarcado. Em função disso, podemos entender o uso da tecnologia digital e dos games em produções semelhantes às de CyberGamba como um tecnicismo bárbaro, alcançando um topos lúdico. É, assim, uma espécie de antítese do homem natural ao civilizado; presente em obras que sintetizam produtos culturais criados em polos opostos: 1.° termo: tese – o homem natural. 46 2.° termo: antítese – o homem civilizado. 3.° termo: síntese – o homem natural tecnizado. Vivemos em estado de negatividade, eis o real. Vivemos no segundo termo dialético da nossa equação fundamental. (OSWALD, 1978, p. 79). Dessa maneira, como observa Mota (2008), o bárbaro, ao canibalizar, retorna ao primitivo, em vez de lograr lugar de poder. O que se resulta de tal relação canibal é a constituição do próprio espaço, da própria margem em afirmação descentralizada, através da destruição. Nesse retorno, uma identidade autêntica é potencializada: “Perda e renovação seriam, portanto, as operações intrínsecas aos novos processos técnicos de criação artística, que se filiam à tradição da antropofagia brasileira, afirmando a potência das margens” (MOTA, 2008, p. 13). O movimento antropofágico foi influenciado diretamente pelas vanguardas europeias, vanguardas essas que se apoiavam nas apropriações, no canibalismo cultural (SANTIAGO, 2000; BRAVO!, 1998; FILGUEIRAS; LEONEL, 2014). Silviano Santiago (2000) analisa contradições observadas no movimento modernista brasileiro, não só nas relações e nos posicionamentos pessoais dos integrantes, como também no próprio movimento e na sua inserção cultural. Santiago pontua que o movimento antropofágico, mesmo influenciado pelo futurismo europeu que, em seu manifesto, apregoava a prática de incêndios intencionais ante museus, carregava, em si, uma aparente contradição entre transgressão e tradição. O autor relata que Tarsila do Amaral, ao se deparar com obras barrocas e coloniais durante uma viagem a Minas Gerais, fica impactada com as obras tradicionais mineiras. Influenciada pelas produções tradicionalistas que havia visto, a pintora afirmava que pretendia voltar à França para estudar restauração (SANTIAGO, 2000). Dessa forma, o movimento iniciado com uma proposta de ruptura ante o tradicionalismo carrega, em si, uma ambiguidade, atuando entre o conservadorismo e a transgressão. Através da leitura de cartas escritas e enviadas por Mário de Andrade, Santiago observa o posicionamento reacionário de Andrade. O escritor, um dos precursores do movimento antropofágico, foi se direcionando ao conservadorismo, sendo cooptado pelos departamentos oficiais de cultura (SANTIAGO, 2000, p. 198). Assim sendo, o movimento antropofágico, muitas vezes analisado pela sua busca por identidade, continha, em sua própria busca, um risco, e uma tendência, ao oficial. O pensamento devorador crítico característico da antropofagia oswaldiana possibilita a incorporação mutante, política e subversiva. Porém atua, como vimos, de forma 47 próxima a uma paródia aos movimentos europeus, apropriando e, também, escarneando as referências. Uma das frases do Manifesto antropófago (ANDRADE, 1978), Tupi, or not Tupi that is the question, é, em si, uma apropriação parodística, carregando, além da ironia, o arcabouço inglês shakespeariano. Logo, mesmo que não submisso, o ato é duplo, ambíguo; ainda que sarcástico, se liga à tradição, podendo ser, também, conservador. Assim como as paródias, carrega, em si, a ambiguidade, a busca por referentes tradicionais em uma aparente contradição com seu discurso, como investigado por Santiago. Tal como as paródias, a antropofagia é um movimento errante, atuando como transgressor e conservador ao mesmo tempo. Ao fazer uma análise de Octavio Paz e seus escritos, o autor observa uma decadência da tradição da ruptura, do make-it-new, e isso seria, para Paz, o fim da ideia de arte moderna. A ruptura daria lugar, assim, a uma tradição da analogia, que, abertamente, busca refúgio cultural no passado, como sistema de correspondência (SANTIAGO, 2000). Por fim, a prática do pastiche, como uma paródia neutralizada, pode ser investigada como uma atitude de baixo canibalismo de contingência. Essa dinâmica do contemporâneo nos possibilita, assim, entender a antropofagia no contexto atual. O movimento antropofágico também se arrisca no movimento ambíguo, atuando como repetição, tornando-se um modelo de identidade que, potencialmente, consolida-se como conservação, como um ato bárbaro tecnizado que, de fato, logra lugar de poder e não transcende a própria estrutura. 2.2 Carnavalização lúdica A relação entre antropofagia e carnavalização já é um objeto de pesquisa estudado largamente. Emir Monegal (1979, p. 404), no artigo Carnaval, antropofagia, parodia, afirma que a “antropofagia foi a resposta carnavalizada à consciência poética que os modernistas brasileiros deram ao falso problema do colonialismo cultural”. Haroldo de Campos também observa a atitude carnavalesca nas obras latino-americanas, principalmente no trabalho de Oswald de Andrade, funcionando com o “ímpeto marginal da antitradição carnavalesca, dessacralizante e provocadora” (CAMPOS, 1992, p. 251). Ele adiciona, ao analisar o trabalho Serafim ponte grande, também de Oswald de Andrade: "o Serafim, por sua natureza e temática, se presta à maravilha à exemplificação desse processo de ‘carnavalização’ da literatura, popularesco e dessacralizador" (CAMPOS, 1972, p. 107). Em face a isso, podemos analisar a 48 antropofagia como carnavalizadora, gerando conflitos e provocações ante o tradicional, sem sacralidades e hierarquias. Robert Stam (1989), teórico americano, analisa a antropofagia como um tipo de polifonia e carnavalização, porém, inserida em um contexto de dominação cultural neocolonial. Para o autor, artistas latino-americanos são, necessariamente, paródicos; apenas, no Brasil – e, posteriormente, na América Latina –, a antropofagia e o canibalismo, já presentes na vanguarda europeia, ganham um estado ideológico cultural, ou um topos cultural como já observado por Almeida (STAM, p. 126). Além do impacto no campo literário, a carnavalização se estendeu, também, às outras linguagens, encontrando lugar no cinema, na música, no teatro e, mais recentemente, nos jogos digitais. De acordo com Dilmar Miranda (1997, p. 126), podemos observar a influência e as características carnavalescas na literatura brasileira, de forma mais radicalizada, no trabalho de Oswald de Andrade, porém, o autor chama a atenção, ainda, para a influência no movimento tropicalista, interferindo culturalmente, sobretudo, na música. Sant’Anna (2003, p. 78) observa que a moda e as artes dos anos 1960, principalmente o movimento hippie, “instauraram uma carnavalização [...]. Esse era, obviamente, um efeito de degradação, de contestação semiótica e ideológica. Com a roupa, dessacralizou-se também o corpo e sua postura.” Podemos notar também, como analisa Gobira (2007), a relação do cinema de Glauber Rocha, especificamente em sua obra A idade da Terra (1980), com uma atitude carnavalesca e polifônica: Tal pluralidade exposta e identificada nas vozes no filme é o que garante a carnavalização no texto glauberiano e seu sentido antropofágico, refazendo o olhar de sua cultura nas diversas releituras das paisagens – Brasília, Bahia e Rio de Janeiro – assim como de figuras públicas como o Jornalista Castelo Branco, o escritor João Ubaldo Ribeiro, o cantor Jamelão na trilha sonora, o poeta Ary Pararraios, todos “dissolvidos” no caldeirão de A Idade da Terra. (GOBIRA, 2007, p. 93). De acordo com Norma Discini (2006, p. 84), podemos entender a carnavalização proposta por Bakhtin (1987, 2010) como um “movimento de desestabilização, subversão e ruptura em relação ao ‘mundo oficial’”. Em contraposição ao discurso oficial, unificado e estável, os atos carnavalescos geram vozes plurais e múltiplas. Cria-se, assim, uma polifonia resultante do tratamento carnavalesco; ou, como o próprio Bakhtin escreve, ao analisar a obra de Dostoievski: 49 […] a carnavalização tornou possível a criação da estrutura aberta do grande diálogo, permitiu transferir a interação social entre os homens para a esfera superior do espírito e do intelecto, que sempre era predominantemente esfera da consciência monológica una e única, do espírito uno e indivisível que se desenvolve em si mesmo. […] Uma pessoa que permanece a sós consigo mesma não pode dar um jeito na vida nem mesmo nas esferas mais profundas e íntimas de sua vida intelectual, não pode passar sem outra consciência. O homem nunca encontrará sua plenitude apenas em si mesmo. (BAKHTIN, 2010, p. 195). A polifonia é, assim, o que permitiu ao campo textual traduzir a estrutura plena da interação social, do grande diálogo; uma estrutura aberta, em constante diálogo e criação. Em contraposição ao monológico – discurso uno, fechado e isolado, de uma única fonte oficial –, desenvolve-se o polifônico, que é gerado no embate, nos conflitos sociais diversos, construído no diálogo de múltiplas vozes não acabadas ou fechadas. Então, a polifonia aberta e em constante criação é um oposto ao discurso autoritário; de forma análoga à que “[…] o carnaval é o oposto da cultura oficial” (POMORSKA, 1984, p. 10, tradução nossa) 44 . Esse diálogo cósmico e carnavalesco gera o contraponto social e libera a consciência humana, por meio da linguagem, da “seriedade malsã e unilateral da concepção oficial, assim como das verdades correntes e dos pontos de vista ordinários” (BAKHTIN, 1987, p. 374). Segundo Paulo Bezerra (2005), em seus estudos sobre a polifonia bakhtiniana, esta só foi possível pela ascensão do capitalismo e o consequente rompimento do equilíbrio ideológico que se podia verificar na Rússia. Ainda de acordo com o pesquisador, dentro do campo literário, a passagem de um discurso unificado ao dialogismo, “que tem na polifonia sua forma suprema, equivale à libertação do indivíduo, que de escravo mudo da consciência do autor se torna sujeito da sua própria consciência” (BEZERRA, 2005, p. 193). Para Bakhtin (2010), essa carnavalização permitiu transferir a filosofia do seu campo abstrato, traduzindo-a em imagens, em um plano concreto-sensorial; foi a “cosmovisão carnavalesca que permitiu ‘pôr na filosofia as vestes multicores da hetera’. A cosmovisão carnavalesca era a correia de transmissão entre a ideia e a imagem artística da aventura” (BAKHTIN, 2010, p. 149). Assim, nas diferenças geradas pelos diversos discursos, polifônicos, o sujeito, fragmentado, consegue mudar a natureza de sua imagem, sua identidade imaginada. Ainda, segundo Bakhtin, a carnavalização foi determinante para a transversalidade entre os campos de pensamento e “ajudou constantemente a remover barreiras de toda espécie entre os gêneros, entre os sistemas 44 “[…] carnival is opposed to official culture”. 50 herméticos de pensamento, entre diferentes estilos. […] Nisso reside a grande função da carnavalização na história da literatura” (BAKHTIN, 2010, p. 149). Com a remoção de barreiras entre os gêneros, as relações polifônicas se potencializam, dialogando diferentes campos e mídias. Bakhtin analisa que, em etapas anteriores aos regimes sociais, ausentes de Estado, não havia separação entre o sério e o cômico no rito oficial. O vencedor era celebrado e, igualmente, escarneado; assim como durante celebrações fúnebres, em que se homenageava e ridicularizava o morto, ao mesmo tempo (BAKHTIN, 1987, p. 5). Ainda de acordo com o autor, somente com as formações dos Estados, as formas cômicas adquirem um caráter não oficial. Vladimir Safatle (2008) analisa a transgressão, ou anomia, do processo de carnavalização como intrínseca à construção social contemporânea, inserida na dinâmica da ideologia capitalista. Ele observa que Bataille (1987) escreve que a suspensão das leis, as transgressões, não suprime o estado jurídico, normatizando, desde sua origem, a transgressão e a desordem no processo de construção social. Isso ocorre da mesma maneira que o mito cômico é um desdobramento do mito sério, internalizando sua crítica (SAFATLE, 2008). Esse estado dual, acompanhado do duplo paródico, pode ser interpretado como uma estrutura bakhtiniana, carnavalesca, incorporando a exceção como regra, o que o Safatle descreve como cinismo. Um ato que altera os limites entre os campos, porém de forma próxima a um retorno cínico das ausências de separação entre o cômico e o oficial. Dessa maneira, o vencedor, que, antes, era celebrado e escarneado simultaneamente, é, agora, o agente central da ambiguidade entre as formas e os ritos. As observações de Safatle (2008) vão ao encontro das críticas ao movimento antropofágico investigadas e, ainda, da dinâmica ambígua das paródias. Assim como o estado jurídico, as paródias – e o movimento antropofágico, mesmo que não consciente – não suprimem, além das transgressões, as normatizações; ambas as potências são latentes. Essas ambiguidades simultâneas presentes nas obras podem ser interpretadas, também, como uma polifonia. De fato, algumas paródias têm um alto teor de cinismo, no seu sentido literal e em sua ambiguidade paródica, deslizante entre a transgressão e a preservação, a ruptura e a tradição, sendo reconhecido, em seu interior, esse duplo conservador potencialmente. Em produções tais como Bolsomito 2k18 (2018) – um jogo digital paródico ao universo político brasileiro em que Jair Bolsonaro, presidente eleito no Brasil em 2018, é protagonista –, a ambiguidade e o cinismo, o desdobramento do mito sério, podem ser observados, atuando, conservando e transgredindo o próprio estado jurídico no qual estão inseridos. 51 Figura 4: Bolsomito 2k18 Fonte: imagem capturada do jogo digital Bolsomito 2k18 Na produção digital o personagem que alude ao político ataca e subverte o próprio espaço governamental e oficial qual está inserido, carnavalizando o estado jurídico e social em que o personagem atua. Ao final do primeiro capítulo do jogo digital, por exemplo, o jogador enfrenta um avatar paródico à Maria do Rosário, deputada federal na época do desenvolvimento da obra digital, subvertendo e atacando o mesmo espaço qual tende a conservar. Ato revelador da carnavalização como elemento inserido, normatizado, nas dinâmicas sociais contemporâneas. Para Huizinga (1971), as regras dos acordos políticos modernos são quebradas constantemente, gerando uma crise lúdica, presente na política e na sociedade, tornando, cada vez mais, difícil definir em que ponto termina o jogo e começa o não jogo. Abordagem essa que vai ao encontro aos estudos de Safatle (2008), que analisa o que, antes, era restrito a uma exceção, como uma anomia, é a normalidade atualmente, gerando um cinismo: um apagamento dos limites entre jogo e não jogo, entre seriedade e comicidade, entre regra e exceção. A linguagem cínica contemporânea, assim, suspende os acordos lúdicos, suprimindo o círculo mágico e esvaziando o ato de jogar. Uma vez que os limites estão suspensos e postos como normatizados, o jogo contemporâneo é, ao mesmo tempo, um não jogo, atuando entre o sério e o cômico. 52 No campo dos jogos digitais, podemos observar a carnavalização e o dialogismo em obras como GTA: San Andreas (2004)45, analisada por David Annandale (2006), em que a forma livre do jogo o torna carnavalizado. De acordo com o autor o jogo digital é um excesso de caricaturas da sociedade e cultura norte americana, que carnavaliza a estrutura social estabelecendo um diálogo e conexão entre opostos, entre espaços que estavam desconectados. Assim criando um caos revelador e subversivo da organização estadunidense, como um épico que inverte os valores éticos e morais. O autor, ainda, pontua que os jogos digitais têm a potência de uma forma de arte ideal à prática bakhtiniana. Pelas suas características e sua forma híbrida de linguagem, os videogames são potencialmente carnavalizadores, ou, como observa Frans Mayra, os “[…] videogames aparentam oferecer oportunidades frutíferas para interpretações práticas e com campo potencialmente carnavalesco ou subversivo” (MAYRA, 2008, p. 50, tradução nossa)46. Com isso, é possível observar algumas características antropófagas e de carnavalização no processo de criação dos jogos brasileiros independentes. Os jogos criados pelo CyberGamba têm um design que não é convencional ao padrão formal da indústria. Apoderam-se e degradam, criando uma sobreposição sem formalismo e sacralidades, o que promove uma potencialidade expressiva. É através dessa forma dessacralizada e escarnecedora que uma nova forma e um diálogo são construídos. Essa característica vai ao encontro das ideias de Mikhail Bakhtin e o conceito de carnavalização, que o próprio autor apresenta: A degradação cava o túmulo corporal para dar lugar a um novo nascimento. E por isso não tem somente um valor destrutivo, negativo, mas também um positivo, regenerador: é ambivalente, ao mesmo tempo negação e afirmação. Precipita-se não apenas para o baixo, para o nada, a destruição absoluta, mas também para o baixo produtivo, no qual se realizam a concepção e o renascimento, e onde tudo cresce profusamente. (BAKHTIN, 1987, p. 19). Esse devir do renascimento é o ajustamento da estética ante o padrão oficial e dominante. Ao dessacralizar e destruir, conjuntamente, afirmam-se e reproduzem-se os novos conceitos e elementos, oriundos do baixo produtivo. Também, os objetos e o uso da baixa cultura estão presentes nos estudos sobre artgames de Felan Parker: 45 46 Jogo de videogame criado pela Rockstar North. Foi lançado em 2004 pela Rockstar Games. “[…] digital games appear to offer fruitful opportunities for interpretation as practices and places with potentially subversive or carnivalesque potentials”. 53 O campo dos jogos artísticos não contradiz a crítica padrão dos jogos digitais como infantis sensacionalistas e de baixa cultura – eles aceitam essa desvalorização e tentam se posicionar melhor dentro do campo dos jogos e diante da mesma posição hierárquica dominante. Isso não quer dizer que o desafio estético dos jogos artísticos frente à indústria hegemônica e seus produtos não são necessários ou válidos, mas devem ser compreendidos em outra configuração de material e elementos expressivos. O estudo da legitimação artística e cultural possibilita comparações [...] situando arte e estética em relação aos complexos e contraditórios processos históricos, sociais, culturais e políticos, que estão inexoravelmente conectados. (PARKER, 2013, p. 16, tradução nossa).47 Em síntese, a degradação, o riso e o sarcasmo são importantes instrumentos dialogadores na construção polifônica dos jogos digitais. Em diálogo constante com a sociedade, a atuação dos jogos digitais, remodelando e ressignificando a cultura, é um potente campo de estudo. Articulando signos diversos, os jogos digitais atravessam as variadas formas de artes e de construções sociais, interferindo, de maneira direta, na elaboração das identidades e das relações culturais através das tecnologias contemporâneas potencializadoras de diversos elementos lúdicos. Assim, os jogos digitais carregam, em si, um arcabouço histórico, potencializado pelo aglutinamento de mídias já inseridas culturalmente, com um sentido histórico, rearticulando elementos de diferentes campos e em diversas camadas, simultaneamente. 2.3 Reverberações digitais latino-americanas O mercado latino-americano de jogos digitais, consumidor e produtor, está em crescimento exponencial, como observa Phillip Penix-Tadsen, em seu livro Código cultural: video games e América Latina (2016). O Brasil gera, sozinho, mais de um bilhão de dólares em vendas anuais de jogos digitais. Ao realizar um estudo sobre o mercado atuante como consumidor e, também, como produtor de jogos digitais, o autor observa a paródia como elemento recorrente nas produções referentes à América Latina. Apontamento que adere às 47 “The art world for artgames does not contradict the standard critiques of digital games as childish, sensational low culture – they accept this devaluation, and attempt to position themselves as a better class of games within the same dominant hierarchy. This is not to say that the aesthetic challenge to the hegemonic game industry and its products presented by artgames is not valid or necessary, but it must be understood in relation to other configurations of material and expressive elements. The study of cultural and artistic legitimation enables comparisons “across symbol-producing realms” (Baumann, 2007a, p. 61), situating art and aesthetics in relation to the complex and contradictory historical, social, cultural, and political processes to which they are inexorably linked.” 54 análises de Robert Stam (1989), investigando a produção paródica como intrínseca ao contexto latino-americano. Penix-Tadsen (2016) elenca obras como Crosser (2000), de Rafael Fajardo e Sweat, além de Turista fronterizo (2012), de Coco Fusco e Ricardo Dominguez; chegando até jogos como GTA e suas representações paródicas referentes ao universo latino-americano. As produções Crosser e Turista fronterizo atuam, de maneira relevante, no mercado de arte, participando de diversas exposições no circuito artístico48,49. Os dois jogos digitais tensionam questões referentes às políticas de fronteira dos Estados Unidos, sobretudo em relação à América Latina. Figura 5: Crosser Fonte: imagem retirada do jogo Crosser. Em Crosser o jogador deve atravessar o personagem por uma fronteira entre o México e os Estados Unidos, em busca da cidadania americana e seus objetos de consumo - no caso do jogo digital analisado, um hambúrguer. O avatar protagonista do jogo tem a alcunha de Carlos Moreno. 50 Essa produção é uma paródia a Frogger incorporado a elementos que 48 49 50 Ver exposições artísticas do autor em: https://www.cocofusco.com/bio. Ver exposições artísticas do autor em: https://www.rafaelfajardo.com/vitae.html. Ver em: https://www.rafaelfajardo.com/projects/crosser.html. 55 simulam realidades culturais referentes às fronteiras entre os países, tensionando as questões imigratórias relacionadas. O Brasil passou a desenvolver jogos a partir da década de 1980, tendo, como principal produção, o adventure Amazônia (1983), criado por Renato Degiovani, de forma independente, o qual, ainda – após várias atualizações que o levaram a algo próximo do estilo point and click – é possível jogar on-line, pelo navegador de internet.51 O objetivo do jogo é fugir da selva amazônica após um acidente aéreo. Ainda naquela década, foi fundada a TecToy (1987), empresa de eletrônicos de consumo, parceira da Sega na época e principal produtora e distribuidora nacional da desenvolvedora. Inicialmente, diante das dificuldades de produção de jogos eletrônicos, a empresa adequava e modificava outros jogos, cedidos pela Sega, e mudava os sprites – o cenário e os personagens – para recriação de jogos, por exemplo, Mônica no Castelo do Dragão (1991) – um remake de Wonder Boy III: the Dragons Trap (1989) – e Chapolin X Drácula (1993). Figura 6:Mônica no Castelo do Dragão/Wonder Boy III Fonte: imagem retirada do blog da TecToy52. Podemos analisar as modificações produzidas pela TecToy como atuantes de forma próxima a um pastiche, ou a uma colagem, reforçando seus elementos e não afastando-se do objeto; não subvertendo os originais, acionada assim como uma prática neutralizada de apropriação paródica. A adaptação reforça o papel heroico da personagem Mônica, que se utilizada da mesma arma para atacar, inserida em universo aproximado ao original, não gerando 51 52 Ver em: http://tilt.net/ztilt/index.php?Pfx=amz. https://blogtectoy.com.br/monica-no-castelo-do-dragao-a-primeira-aventura-da-dentucinha-no-mastersystem/ 56 potencialmente novas camadas, atuando próximo de seus objetos. A TecToy também desenvolveu jogos baseados em um sistema com uma programação própria, como as adaptações de Sítio do Pica Pau Amarelo e Castelo Rá-Tim-Bum. Entretanto, diante dos padrões do mercado exterior, apresentava um game design não convencional, bem como uma jogabilidade deficiente, provocando, mesmo involuntariamente, uma ruptura com o padrão estabelecido dos jogos eletrônicos. A TecToy se mantém no mercado até hoje e, recentemente, voltou a comercializar o Master System e o Mega Drive, consoles criados no fim da década de 1980 e início dos anos 1990, os quais, atualmente, têm os jogos instalados na memória. Ademais, no fim da década de 1980, é lançado o jogo Pesadelo (1989), uma modificação de Knightmare (1986), produzido pela Forte II Games.53 Posteriormente, outras empresas produtoras de jogos começaram a surgir. A Perceptum, por exemplo, é uma empresa que produziu um jogo de tiro em primeira pessoa, em 1998, chamado Incidente em Varginha, cuja obra chegou a ser comercializada no exterior. Esse jogo foi construído a partir de um engine chamado Acknex A3, de acordo com um dos seus desenvolvedores. Ainda, segundo ele, um dos desdobramentos de Incidente em Varginha foi o contato, por e-mail, do Comando das Forças Especiais do Exército Americano para sondar os desenvolvedores sobre a possibilidade de uso do jogo para treinamento das forças armadas (CUZZIOL, 2007). Figura 7: Incidente em Varginha Fonte: imagem retirada de site Memória BIT54. 53 54 Ver em: https://bootleggames.fandom.com/wiki/Pesadelo. https://www.memoriabit.com.br/listas-games-que-se-passam-no-brasil/ 57 A produção da Perceptum atua próxima a uma prática paródica, ambígua. O jogo digital desenvolvido, através da carnavalização paródica, escarneia e desvela o oficial, revelando os desdobramentos militares diante do ocorrido. Clarificando e reforçando, assim, as diferenças bélicas entre as potências; parodiando o incidente ocorrido na cidade de Varginha e as produções de jogos digitais militares realizados em primeira pessoa 55 gerando novas e potenciais camadas. Assim, o que pode parecer absurdo em um contexto nacional – o uso de um jogo digital, acerca de um caso ufológico, para treinamento militar – foi, de fato, elemento sondado para exercício bélico. Outro exemplo desse tipo de uso é o fato de que o exército americano já utilizava, antes do contato com a empresa Perceptum, o jogo digital Doom (1993) para prática militar. Mais de 20 anos após o lançamento de Incidente em Varginha, o Exército Brasileiro aprovou o projeto Missão Verde-Oliva, com o objetivo de desenvolver um jogo digital para promover as forçar militares.56 A relação das forças militares com os jogos digitais é antiga. Como observa Bernstein (1991), a indústria bélica impulsionou o desenvolvimento das tecnologias digitais. Em sua origem, os computadores não foram desenvolvidos para construção de entretenimento gráfico, mas sim para analisar e projetar – através da programação – o percurso balístico de projéteis, entre outras funções militares. Chama a atenção, também, Space war! (1962), desenvolvido a partir de pesquisas estratégicas de desenvolvimento da década de 1950 do Instituto Tecnológico de Massachusetts (BERNSTEIN, 1991). Podemos, ainda, sob a perspectiva de Huizinga (1971), pensar os jogos como desenvolvedores de uma estrutura militar, estes funcionando como um jogar. Assim, a área computacional ajudou a revelar as características lúdicas do campo militar, utilizando o digital para reproduzir como entretenimento e, também, para treinamento bélico de combate. Como aponta Cuzziol (2007) em sua dissertação, posterior à sondagem de uso militar de Incidente em Varginha, foi lançada uma versão especial de Delta force (1998) para treinamento de forças de elite do exército americano. As modificações são práticas importantes no processo de difusão dos jogos digitais na América Latina. O Twin Eagles Group (1989)57 é um grupo peruano que produziu diversas modificações de jogos digitais, entre eles, Sonic the hedgehog 4 (1996), recriando uma 55 56 57 First Person Shooter (FPS) são jogos de tiro desenvolvidos em primeira pessoa, com uma câmera subjetiva. Ver em: https://globoesporte.globo.com/e-sportv/noticia/exercito-brasileiro-quer-lancar-game-proprio-omissao-verde-oliva.ghtml. Ver em: http://www.tegperu.org/tegperu/default.jsp. 58 continuação não oficial da franquia Sonic. Criou, também, Ronaldinho soccer 97 (1997), uma das diversas modificações piratas de jogos digitais de futebol, como já observado, contextualizando o jogo para um imaginário latino-americano. O grupo desenvolveu ainda, posteriormente, The king of Peru 2 (2001) (FIGURA 8), o primeiro jogo digital peruano para computador a ser lançado no Peru58. Figura 8: The King of Peru 2 Fonte: Imagem capturada do jogo digital The king of Peru 2, 2001. Esse jogo foi desenvolvido em estilo de luta, apropriando-se de elementos da franquia The king of fighters (1994). Utiliza, como personagens para o combate, políticos da cena peruana, incorporados a diversos elementos culturais. Essa relação das modificações de jogos digitais com política é frequente, como o mod Political arena (2001)59, um jogo baseado em Quake III (1999), em que você encarna figuras políticas como George W. Bush (SOTAMAA, 2003). No Brasil, modificações de jogos digitais que dialogam com a política também são recorrentes, como Super impeachment rampage (2016), feito a partir de jogo Leo’s red carpet rampage (2016) 60 , além do clássico jogo Roxo! (1992), criado pela equipe 58 59 60 Ver em: http://www.tegperu.org/tegperu/default.jsp?target=/teg1989/spanda/default.jsp. A modificação não se encontra disponível na internet. Não se sabe a autoria do mod. Porém, podemos acessar um arquivamento da página. Ver em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:UsObQVQk2XoJ:planetquake.gamespy.com/Vie w524f.php%3Fview%3DMOTW.Detail%26id%3D177+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br". Ver em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/cm/article/view/37668/19000. 59 Cucaracha, que faz referência ao presidente em exercício na época, Fernando Collor61. Essa produção é uma modificação do jogo Bonk! (1991), criado por Mike Darweesh. Nesse cenário, as modificações e a pirataria têm, ainda, papel fundamental na difusão e na produção de jogos digitais no contexto nacional. Em virtude de lei de reserva de mercado, implementada no Brasil no início dos anos 1980, várias empresas brasileiras produziram clones de Atari 2600 (1977) e de outros modelos das primeiras gerações de consoles de jogos digitais. Empresas como Gradiente e CCE, através de uma engenharia reversa, produziam cópias dos produtos para suprir uma demanda do mercado brasileiro. A exemplo, o Phantom System, clone de um Nintendo Entertainment System, é considerado como tendo um design melhor que o original, sendo, inclusive, de alguma forma, cooptado pela indústria, com seus desenvolvedores consultados pela indústria oficial.62 Empresas como TEG e CyberGamba desenvolveram criações que atuavam como paródias. Os grupos carregam similaridades: começaram de forma independente, incorporando e apropriando outros jogos e elementos culturais para a criação de seus jogos digitais; desenvolveram propostas relacionadas à aprendizagem digital63,64, sobretudo da programação; e têm, como última produção, obras que discutem temas relacionados, diretamente, ao campo político. O grupo peruano continua ativo, ao menos em sua proposta de manter sua produção inserida culturalmente; seus autores são reconhecidos e não escondem suas identidades. Já a equipe CyberGamba parece ter interrompido suas atividades, não sendo observado qualquer registro de produção em seu blog desde 2010. As produções de TEG, que não são mencionadas oficialmente em seu site, mas são relatadas em entrevistas e em sites dedicados aos jogos65, como Ronaldinho Soccer 97 (1997), e de CyberGamba, como Street Chaves (2004), ajudaram a ratificar os elementos apropriados, porém, de formas diferentes. Atualizações como a do grupo peruano impulsionaram a indústria dos jogos digitais, atendendo a uma demanda industrial efetivamente, atualizar – ou, “transcontextualizar” – jogos digitais de futebol para um novo contexto, suprindo uma 61 62 63 64 65 Ver em: https://www.tecepe.com.br/roxo/. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=1w-OBRXmQok. Trecho da entrevista a Mestre Maciel (s.d.) da coluna Chapapo: “Quando eu era pequeno, eu tinha um MSX (Microsoft Extended) e tinha muitas caixas de sapatos lotadas de disquetes de jogos e programas. Eu também tinha um livro que ensinava a linguagem Basic (usada no MSX). Aprendi muita lógica com o livro e cheguei até a fazer alguns jogos bem simples como o PAREDÃO. Hoje utilizo Delphi (Borland) e o componente Delphix (Hiroyuki Hori). Para quem quiser saber mais sobre programação de jogos, pode acessar a minha página: http://www.geocities.com/crieseusjogos/index.htm”. Ver em: http://www.tegperu.org/teg2000/gmb/gmb.htm. Ver em: https://bootleggames.fandom.com/wiki/Twin_Eagles_Group. 60 necessidade dos consoles, da indústria de jogos digitais e, também, do público consumidor. Por outro lado, as produções de CyberGamba não eram direcionadas aos consoles, não produziam material físico como cartuchos, impulsionando a indústria de outra maneira. Nos jogos digitais da CyberGamba, podemos observar uma interposição de mídias – televisão e videogames. Assim sendo, é possível entender esse aglutinamento como uma forma de apropriação, um apossamento de mídias e seus elementos estéticos, como um desdobramento narrativo das obras apropriadas. Dessarte, os jogos digitais, como os produzidos pela CyberGamba, têm o potencial paródico amplificado, de maneira que os elementos podem ser transmidiáticos, adicionando camadas de novos componentes em interposição de diferentes indústrias culturais. As referências observadas na construção de CyberGamba são amplas – como abordaremos em detalhes no próximo capítulo –, articulando e reinserindo elementos em um novo contexto dinâmico, objetos esses que vêm da literatura, do cinema, dos próprios jogos digitais, transcontextualizando e dialogando, até mesmo, com o movimento antropofágico. Dessa maneira, como “elementos visíveis e narráveis ao observador estético”, os jogos digitais contêm, no interior de sua produção, elementos reinseridos culturalmente através da obra, criando possibilidades e leituras históricas das artes, das mídias e dos próprios jogos. Devido ao anonimato já explicitado, as poucas entrevistas dadas e a falta de um espaço oficial – blog, site ou rede social – dificultam a relação correta de suas referências. Os jogos digitais utilizados para análise66 também foram encontrados em diversos outros sites, além do blog que, aparentemente, é o oficial, não sendo possível precisar quantas versões são disponíveis para todos os jogos. Fainou faite: Vilelas edition (2003), produção anterior a Street Chaves (2004), de acordo com o próprio autor, foi o primeiro jogo desenvolvido e só foi encontrado hospedado em sites fora do Brasil. Esse jogo digital, uma apropriação de Final fight (1989), não faz referência ao universo Chaves, mas contém elementos autobiográficos, sendo os personagens protagonistas da obra – sejam no papel de vilões, controlados por inteligência artificial, ou no de herói, mediado pelo jogador – e outros elementos componentes oriundos da própria cosmografia pessoal do desenvolvedor: seus amigos, colegas de trabalho, objetos do cotidiano e sua própria autoimagem. Desse modo, os trabalhos de CyberGamba se iniciam a partir de um recorte pessoal, parodiando a si próprio e seu universo. 66 Ver em: https://sites.google.com/site/cybergamba/arquivos. 61 Em resumo, vimos como a antropofagia e a carnavalização atuam e se relacionam, bem como os seus desdobramentos e as suas potências são reverberados no campo de estudo dos jogos em um ambiente digital. Também, analisamos a antropofagia como carnavalizada e polifônica, que se direciona, atualmente, a um topos lúdico. Levantamos, ainda, o contexto de produção acerca da criação de CyberGamba e sua relação com a indústria de jogos digitais nacional e latino-americana. No capítulo seguinte, analisaremos as incorporações realizadas nas obras de CyberGamba, as relações com o seriado Chaves, bem como as referências oriundas da indústria de jogos digitais, os novos diálogos gerados pelo gesto carnavalesco e, consequentemente, antropofágico. 62 3 CYBERGAMBA: JOGO PARÓDICO 3.1 Entre Chaves e a indústria digital Os autores dos jogos digitais são, frequentemente, identificados pelas empresas – as produtoras. CyberGamba, produtora das sequências de paródias referentes à série televisiva Chaves, mantém a identidade de sua equipe em anonimato. Por esse motivo, são poucas as entrevistas disponíveis, e a dificuldade de identificar o criador de CyberGamba é citada frequentemente. Por não sabermos se há uma equipe responsável ou apenas uma pessoa, optamos por nos referir à CyberGamba (ou Cyber Gambá, como encontrado em documento oficial da Abragames67) como um “autor”, tendo em vista a dinâmica de criação das obras aqui analisadas. Em uma de suas raras entrevistas, o autor deixa claro que desenvolveu o jogo em homenagem a série Chaves. Porém, por medo de represálias dos criadores da mesma série que tende a homenagear, preserva sua identidade oclusa. A indústria, como observa Buchloh (2000, p. 401), esforça-se para conservar sua posição hierárquica. Seguindo a lógica e a ética capitalista, as leis de direitos autorais tiveram uma ascensão no contemporâneo, consolidando propriedade sobre a indústria cultural, seus bens e difusão. Contudo, os elementos incorporados de outros jogos, como Street fighter II (1991), não parecem ser preocupações legais para o autor, como podemos observar em sua entrevista. No caso de Street Chaves (2004), ao menos, podemos observar um amparo legal para isso. A exemplo, a Capcom, em 1984, processou a empresa Data East, acusando-a de copiar, além de personagens de Street Fighter II (1991), sequências de movimentos para execução dos golpes. O tribunal alegou que, apesar das semelhanças, as sequências de movimentos não constituíam uma expressão passível de proteção. 68 A produção de CyberGamba – os arquivos de seus jogos digitais – mantém-se hospedada em alguns sites. Seu blog, aparentemente oficial, não hospeda, ou não disponibiliza, os jogos construídos.69 O desejo de participar, atuar como jogador produtor, é explicitado em um dos comentários à última postagem realizada no blog de CyberGamba. O leitor, que se manteve anônimo, escreveu, em setembro de 2018: 67 68 69 Ver pesquisa da Abragames de 2005, http://www.abragames.org/uploads/5/6/8/0/56805537/pesquisa_2005__a_industria_de_desenvolvimento_de_jogos_eletronicos_no_brasil.pdf. Ver em: http://patentarcade.com/2005/08/case-capcom-v-data-east-nd-cal-1994-c.html. Ver em: http://cybergamba.blogspot.com/. em: 63 Gostaria de entrar em contato com o criador do Street Chaves, ficou perfeito esse jogo. Tenho algumas sugestões para futuros jogos assim, gostaria que fizessem esse jogo inspirado no Desejo de Matar com Bronson, meclando (sic) ladrões e traficantes do filme 2, 3, 4 e 5. Se poder, poderiam fazer dos Changeman e do Jaspion também (sic). (Leitor anônimo 1, 2018).70 A sugestão, “para futuros jogos assim”, é a demanda antecipada por CyberGamba. Diante do descaso dos próprios criadores e mantenedores do blog, que não respondem aos diversos comentários postados desde 2012, um leitor, também anônimo, responde, em desespero, a um dos comentários: “vei (sic) o cybergamba abandonou a gente, n (sic) tem + (sic) velho desiste” (Leitor anônimo 2, 2018). Criado por um fã, com intenção de homenagear a obra parodiada, mesmo tendo dito que faria um novo jogo digital conforme Roberto Bolaños sugerisse, ele mantém o anonimato por medo das represálias e interrompe a série de jogos digitais, realizando sua última postagem no blog em 2010. Ainda, alguns de seus jogos fazem menção, na tela inicial, à marca registrada de Chespirito – o que também abre a possibilidade de uma leitura irônica. A alcunha de Bolaños é um diminutivo de Shakespeare, além de ser possível encontrar diversas referências ao escritor inglês na obra de Chespirito (SILVA, 2015). Enquanto produzia seus jogos digitais, CyberGamba consumia outras produções, recortando as imagens dos personagens e incorporando-as às suas criações; retrabalhando movimentos de outros jogos, atuando como jogador, autor e produtor das obras. Dessa maneira, seus trabalhos podem ser interpretados como uma forma de consumir, decorrente das novas dinâmicas de sistema de mídia: além de produzir novos jogos digitais, também consumiu os trabalhos incorporados, como uma forma desdobrada de assistir à série Chaves e jogar, novamente, os jogos digitais apropriados. As produções realizadas pela desenvolvedora, de forma seriada e em conjunto, atuam como um arco narrativo desenvolvendo leituras desdobradas em outras mídias do seriado Chaves, imerso em uma cultura convergente e participativa como investigado por Jenkins. A própria indústria tende a perder força ao não incorporar jogos digitais e outras produções que trabalham para reforçar os objetos apropriados, ainda que isso constitua um crime às leis de propriedade intelectual e direito de imagem. Estruturas jurídicas essas que, ainda, não dão conta do novo sistema de mídias plenamente. 70 Ver em: http://cybergamba.blogspot.com/2010/01/essa-e-uma-imagem-do-jogocorrupto.html?showComment=1536810636482#c3371711584728678673. 64 Ante o terreno instável da relação entre produção e consumo, de forma silenciosa, novas potencialidades tendem a obscurecer. As produções de CyberGamba, além de outros jogos digitais, atravessam, diretamente, a indústria televisiva e os seus produtos. Indústria essa que podemos entender, historicamente, como anterior aos jogos digitais e uma das modeladoras dos direitos de imagem atuais, potencializando o conflito e a inadequação ante o sistema de mídias contemporâneo. Assim, as obras construídas colocam em choque o mercado midiático, suas características e legalidades. Em suas produções paródicas, as apropriações são feitas de forma direta e fotográfica, porém desmembradas. Então, imagens do universo poético da série mexicana são recortadas digitalmente e inseridas no jogo, diferentemente de outras produções que adaptam ou redesenham os personagens; assim como os áudios que são extraídos do original. O mercado dos jogos digitais lida de outra forma com as modificações, ainda de maneira instável. Como já observamos, a Capcom chegou a processar uma empresa, em 1984, por copiar movimentos e personagens de Street fighter. Contudo, os movimentos alegados pela Capcom como propriedade desenvolvida por ela foram considerados genéricos pelo juiz. Ao se fazer uma livre analogia com outra mídia, no caso, o cinema, era como uma tentativa de a indústria cinematográfica, ou um grande estúdio de produção, apoderar-se, legalmente, de algum movimento de câmera específico, ou sequência de enquadramentos construída na edição. Esse caso também pode ser comparado às disputas judiciais interpostas pela Apple em busca de patentes referentes a gestos em telas sensíveis ao toque.71,72 Ao atuar sobre esses diversos elementos, expondo suas contradições e amplificando – ou ativando – os potenciais carnavalescos das obras apropriadas, as criações de CyberGamba ganham força polifônica, mesmo que latente. CyberGamba, ao deslocar os personagens do seriado para outros jogos, realiza outro riso, outro sarcasmo, criando mais uma camada de humor, escarneando a própria apropriação e, potencialmente, subvertendo o que, antes, poderia ser lido como conservador. Assim, o jogo digital, hipermidiático, interfere na indústria televisiva, transvalorizando a história desenvolvida por Chespirito: o espectador pode reeditar o seriado no ato de jogar, construindo uma nova narrativa e interferindo nas construções da série televisiva, alterando, entre outros elementos, as relações sociais fictícias criadas na série 71 72 Ver em: http://www.applewatchstore.com.br/blog/noticia.asp?url=1691&p=Apple-n%C3%A3o-conseguepatentear-o-%E2%80%9Cpinch-to-zoom%E2%80%9D,-importante-fun%C3%A7%C3%A3o-do-iOS. Ver em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/04/justica-alema-anula-patente-da-apple-de-gestopara-desbloquear-iphones.html. 65 televisiva. Esse é um ato que transcontextualiza – e renova, tal como as atualizações em jogos de futebol – o seriado humorístico e, também, os jogos referenciados. Assim como os criadores dos jogos de CyberGamba, os jogadores das obras também criam novas leituras, do jogo digital e do seriado, interferindo e participando, ambos, da série televisiva mexicana de forma imersiva na condução da narrativa. Todos os trabalhos de CyberGamba concluídos se apropriam de elementos do universo de Chaves. Esse seriado foi criado em 1971 por Roberto Gómez Bolaños, sendo considerado o único roteiro de Chespirito em que outros personagens ganham protagonismo dentro da narrativa; todos eles vivem em uma vila – pequeno complexo habitacional rodeado por um pátio central – e compartilham a área de serviço, o que potencializa o seu caráter polifônico. O personagem central e homônimo da série, Chaves, também carrega, em si, um anonimato, não sendo revelado o seu nome civil durante o seriado. A localização de sua morada é, igualmente, misteriosa, sendo descrito que ele mora no apartamento oito, porém, em nenhum momento, sua casa é vista e, frequentemente, ele se refugia em um barril. O núcleo de personagens da série se dá em torno da vila: Seu Barriga, o dono do conjunto e pai de Nhonho; Seu Madruga e sua filha Chiquinha, que vivem em dificuldades financeiras; Dona Florinda e seu filho Quico, representantes de uma classe média, assim como Dona Clotilde, apelidada de “a Bruxa do 71”; e o professor da escola frequentada pelas crianças, Jirafales, possuidor do conhecimento; além do já citado Chaves. Lançado em um contexto latino marcado por regimes autoritários e conflitos civis, Chaves é considerado um produto cultural centralizador, ideal para um contexto de guerra fria, ante o binarismo da política internacional, porém de forma conservadora e normativa das relações – atuando, por vezes, com reforço ao capitalismo liberal; ideal para as pretensões políticas e comerciais da Televisa, conglomerado de mídia mexicano, e, ainda, da própria construção latina (RODRIGUES, 2018; FRIEDRICH; COLMENARES, 2020). Paródias, como Super Sam – personagem do seriado Chaves que ironiza Super Homem e Tio Sam –, trabalham tanto para criar um imaginário de identidade latino-americano quanto para manter a ordem sociopolítica, encorpada no herói estrangeiro e no seu poder aquisitivo. Porém, como observam Friedrich e Colmenares (2020), modificaram-se os contextos políticos sociais, e a série continuou presente. A razão disso, de acordo com os autores, é complexa; bem como as diversas abordagens ante o seriado, descrito como aberto e múltiplo. Atuando como um produto midiático vagabundo e viajante, carrega uma miséria estilizada consigo, agindo de forma múltipla e heterogênea ao se inserir em diferentes 66 contextos, movendo-se de forma errante entre outros produtos culturais (FRIEDRICH; COLMENARES, 2020). Dessa forma, o seriado mexicano é um trabalho sarcástico e humorístico, picaresco, que se utiliza do riso e do escárnio como recursos narrativos. Porém esse riso, grotesco e picaresco, é, na maior parte das vezes, moralizante e conservador de estruturas sociais, difundindo e transmitindo, à série, valores e tabus sociais moralizantes e éticos (CARDOSO, 2009). Podemos observar também características polifônicas e carnavalescas na produção do seriado Chaves. Em sua construção, os personagens e seus núcleos familiares estão em constante tensão e embate, indo além do dialogismo, mas em direção a múltiplas vozes em choque. A televisão – principal suporte difusor do seriado – pode ser compreendida, também, como um meio carnavalizado e antropofágico, como aponta Eugenio Bucci (2000), porém sistêmico e antiutópico, anulando as pretensões oswaldianas, criando uma espécie de antropofagia industrializada. Devorando a si mesma, em nome do espectador – passivo diante do objeto –, a televisão promove a função de integração social, sendo ela geralista, reforçando, muitas vezes, o poder e anulando as possibilidades subversivas (BUCCI, 2000, p. 79). Nas poucas entrevistas dadas por CyberGamba, a violência explicitada em Street Chaves é observada como algo que poderia incomodar Roberto Bolaños. Porém, temos de ressaltar que a violência está, também, atrelada às produções de Bolaños 73 (COSTA, 2018; RODRIGUES, 2018; COLMENARES; FRIEDRICH, 2020). Isso porque a série é permeada por agressões cíclicas, verbais e físicas, além de representar – e, potencialmente, fortificar – desigualdades sociais brutalizadas. O próprio jogo construído pela TecToy contém elementos de violência, com o personagem principal, caracterizado por Chapolin, eliminando os adversários com socos e marretadas. Porém nas produções de CyberGamba a violência é estruturada de uma forma diferente. Seu Madruga, personagem icônico da série mexicana, representado nas obras criadas pela produtora independente, usa a violência para salvar os personagens Chaves, Quico e Chiquinha, entre outros, atuando como herói e invertendo o seu papel original. Na série televisiva, Seu Madruga comete repetidas agressões punitivas contra os três personagens. Este, Seu Madruga, por sua vez, subjugado a outros adultos, sofre frequentes ataques. Nos jogos digitais de CyberGamba, a violência tem um papel carnavalizador das estruturas que estavam já construídas ficcionalmente, subvertendo os poderes. Assim, Seu Madruga se torna o herói, e 73 Ver em: https://www.elmundo.es/elmundo/2008/08/19/television/1219138028.html. 67 não somente o punidor de menores; consegue subjugar elementos que o agrediam na série televisiva, como Dona Florinda, vilã e algoz recorrente nos jogos desenvolvidos. Em sua última produção em desenvolvimento pela equipe CyberGamba, o jogo digital proposto seria chamado de Corrupto fighter74, porém não chegou a ser finalizado. Essa relação de obras digitais paródicas com o universo político é recorrente na indústria dos jogos digitais, além do já observado em The king of Peru (2001), criado pelo Twin Eagles Group, com a proposta de criticar o cenário político peruano. Atualmente, dentro da história dos jogos, temos diversas produções que relacionam, satirizam e parodiam o universo político, às vezes, de forma idêntica a outras já impregnadas75,76, reduzindo a possibilidade de alcance efetivo de uma possível crítica, pela repetição – e imitação – de uma estética. Algumas tendem ao conservadorismo político, como podemos observar em obras como Bolsomito 2k1877. Mesmo como paródia irônica, esse jogo é, intencionalmente, realizado para o conservadorismo, ao reacionário. É certo que Chaves é uma produção incorporada à cultura brasileira, porém, é uma produção mexicana. Em Street Chaves, há, além do seriado mexicano recriado em uma produção brasileira, o diálogo ante as grandes produções internacionais dos games. São criados, assim, um diálogo entre esses elementos, uma colagem e uma justaposição entre produções latinas e obras do primeiro mundo. 3.2 A inversão do malandro Seu Madruga é protagonista nas produções de CyberGamba. Personagem de grande impacto cultural latino-americano, pode ser interpretado como o estereótipo do malandro brasileiro, mito trabalhado por Roberto DaMatta (1997) (CARDOSO, 2009; SUBIETA; REIS, 2014). DaMatta escreve sobre os processos ritualísticos brasileiros, articuladores de um imaginário nacional, chegando a uma tríade ritualística, incorporada pelas figuras do malandro, do caxias e do renunciador. O autor chama a atenção para o fato de que esses espaços constituintes dos mitos não são estáticos. O carnaval, um dos rituais junto às procissões e às paradas, tem o tempo cosmológico direcionado à relação entre Deus e o homem. Assim, o 74 75 76 77 Ver em: http://cybergamba.blogspot.com/2010/01/essa-e-uma-imagem-do-jogo-corrupto.html. Ver em: https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/jogos-que-exploram-escandalos-da-politicaganham-adeptos-no-brasil,a67e2836c4fe56872409a67dfd37d86bb6ps9gs9.html. Ver em: https://play.google.com/store/apps/details?id=br.com.tretastudio&hl=en. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=TxGpQ0BeSW8. 68 malandro é, para DaMatta (1997), o herói corporificado do carnaval, indo, gradativamente, do aceito socialmente ao desonesto francamente e vivendo em constante contradição, entre a ordem e a desordem. Então, deslocadas das normas formais, no mundo da malandragem, as regras não são fixas. Em Chiquinha, filha de Seu Madruga, também podemos encontrar elementos constituintes do malandro de DaMatta. Conseguimos, ainda, observar todas as outras figuras que compõem a tríade ritualística construtora da sociedade brasileira – o caxias em Quico e Dona Florinda, personagens que trabalham para reforçar as regras oficiais; e o renunciador, na figura de Chaves, seja como padre ou como revolucionário, em uma vida de privações ante o abandono. Mesmo reclamando constantemente de sentir fome, Chaves, no seriado, reparte sua comida. Alvo frequente de xingamentos, o personagem ajuda seus vizinhos, apresentando, entre outros, atos próprios de um renunciador, aproximando-se, às vezes, de Padre Cícero ou de Antônio Conselheiro (SUBIETA; REIS, 2014).78 Dona Clotilde também é tida como uma renunciadora, principalmente por sua relação com a religiosidade, porém, podemos observar, com base nas pesquisas do livro de Friedrich e Colmenares (2020), uma relação com o comportamento típico do caxias, atuando de maneira dúbia. Seu Madruga não atua de forma a valorizar o trabalho remunerado, cunhando diversos bordões sobre o tema: “Não existe trabalho ruim. O ruim é ter de trabalhar”, “Eu gosto de dar oportunidades aos mais jovens. E tenho esta nobre atitude desde os meus quinze anos” (CHAVES, 1972-1980), oferecendo, ironicamente, uma resistência – ou indiferença – à exploração da mão de obra, recortada na figura ficcional de um trabalhador médio, um malandro, no caso Seu Madruga, explicitando a precarização do trabalho. Ao debochar do valor do trabalho, o personagem expõe o potencial do duplo paródico, revelando, assim, a miséria de sua vida, mas, ainda, da própria estrutura de trabalho da qual faz parte. Ao entrar em confronto, no jogo digital, com figuras como Seu Barriga – dono do imóvel em que vive Seu Madruga na série televisiva –, a polifonia gerada aprofunda a discussão, adicionando mais camadas à narrativa, ampliando a sua complexidade e, ainda, as contradições possíveis. Geralmente, desempregado e, normalmente, devendo 14 meses de aluguel de imóvel a Seu Barriga, o personagem carrega diversos apelidos pejorativos, constantemente utilizados para agredi-lo. Nas produções paulistanas, o personagem assume o papel de protagonista, escarneando as violências encontradas na série televisiva e revelando a potência 78 Apesar de não serem citados no artigo referenciado, podemos localizar Seu Barriga e Jirafales também como caxias. 69 do duplo paródico, observado em ambas as obras. É como se os jogos digitais alterassem Seu Madruga e seu papel de malandro, no seu retorno de herói dentro do jogo, e o redirecionassem a um papel em que retoma seu poder e sua violência, realizando, além da sua vingança, a saída do seu local de interstício. Visto que, no jogo, ele toma o lugar do poder oficial, o personagem televisivo é transcontextualizado, modificando o seu papel de malandro. Dessa maneira, os trabalhos de CyberGamba reformulam as estruturas de poder – e violência – e, também, ritualísticas, regenerando as leituras possíveis e reabrindo a obra à carnavalização paródica. A carnavalização é um processo profanador, dessacralizador. Seu Madruga, como representante e herói do carnaval, é figura ideal por essa potência oriunda do malandro, carnavalizador em sua essência e profanador heroico. Tendo, aqui, apresentado o seriado televisivo que foi apropriado pelas produções de CyberGamba, nas páginas seguintes, analisaremos os trabalhos criados pela produtora paulista. Assim, investigaremos, de forma descritiva, as obras em que Seu Madruga é protagonista, observando, ainda, os outros jogos digitais atravessados pela produção, bem como os novos diálogos estabelecidos. 3.2.1 Madruga craft (2005) Madruga craft é um jogo digital que parodia a franquia Warcraft, apropriando-se, sobretudo, de elementos do jogo Warcraft III: reign of chaos (2002), além do seriado Chaves. As músicas bases da obra são retiradas do jogo Alcahest (1993), um jogo de interpretação de personagens (RPG), em tradução livre, lançado para Nintendo. Os elementos gráficos são recortados da série, digitalmente, e alguns, modificados, como Dona Clotilde, que tem os olhos avermelhados, com rajadas radiais, também vermelhas, vindo de seus olhos. Já a mecânica de jogo tem algumas alterações em comparação à série Warcraft; o sistema de remuneração (processo de adquirir moedas para construção de personagens e edifícios), por exemplo, não é baseado em exploração e mineração de recursos naturais – mecânica de jogo contumaz em estilos de jogo de estratégia –, mas na eliminação de inimigos. Seu Madruga é protagonista no trabalho, atuando em todo o jogo e, também, como peça central da narrativa: caso o jogador perca todos os pontos de vida de seu personagem, a narrativa do jogo é interrompida e reiniciada no último ponto de salvamento do jogo digital. Outros personagens do seriado mexicano também são controláveis durante diversas fases do jogo, como Dona Clotilde (a Bruxa do 71), Chaves e Chiquinha, porém, não são protagonistas, a morte deles não interrompe o jogo. Com 70 isso, esses personagens podem ser recriados múltiplas vezes pelo jogador durante a interação com a obra. Warcraft: Orcs & Humans (1994) é um jogo de estratégia em tempo real e foi um dos pioneiros do gênero. Atualmente, a franquia já conta com mais de 26 versões. No ano seguinte ao lançamento do jogo inaugural da série, foi iniciada a possibilidade de jogo multiplayer e houve o anúncio da sequência Warcraft II: tides of darkness (1995). Em 1998, Lutz Sammer lança um clone de Warcraft II para Linux, chamado Ale Clone, e, posteriormente, desenvolve o FreeCraft, que acabou descontinuado, mediante processo da Blizzard, em 2003.79 No ano seguinte ao imbróglio judicial, o grupo de desenvolvedores se reuniu para trabalhar em Stratagus80, um motor de jogo de estratégia em tempo real, distribuído de forma gratuita. No site Mod DataBase81, dedicado a arquivar modificações criadas, podemos encontrar diversos mods de Warcraft II, entre eles, um em que os personagens de jogo foram substituídos por pôneis. Porém, a partir de Warcraft III: reign of chaos (2002), grande sucesso de sua franquia, sua modificação mais impactante é criada, o Defense of ancients – vulgo DotA – desenvolvido por dois fãs em 2003, chamados Steve Feak e IceFrog. Atualmente, os dois são designer de jogos reconhecidos pela indústria, sendo o último empregado pela Valve Corporation, detentora atual dos direitos do jogo. IceFrog também é conhecido por se manter em anonimato. Posteriormente, o jogo foi comprado pela Valve, após uma disputa judicial pelo nome com a Blizzard, e seu impacto pode ser observado nas próprias continuações e criações da Blizzard. Além disso, DotA é considerado o originador dos MOBA’s, estilo de múltiplos jogadores divididos em equipes, batalhando em uma arena (ROMANUS, 2016). Em 2004, a Blizzad lança World of Warcraft, um jogo em rede com múltiplos jogadores que, até os dias atuais, permanece ativo, após diversas atualizações. De acordo com dados divulgados pela Activision Blizzard82, entre os meses de janeiro e fim de março do ano de 2020, a obra teve 32 milhões de usuários ativos por mês. Números esses que foram amplificados em virtude das medidas de quarentena executadas em diversos lugares do mundo por causa da COVID-19, como justifica o próprio balanço financeiro divulgado pela empresa. Atualizando a constatação de Hilde Corneliussen e Jill Walker Rettberg, escrita em 2008, de que havia um número de usuários do jogo maior do que os habitantes da Suécia ou da Bolívia 79 80 81 82 Ver em: https://games.slashdot.org/story/03/06/21/1323249/freecraft-cease-and-desisted-by-blizzard. Ver em: http://forums.stratagus.com/. Ver em: https://www.moddb.com/. Ver em: https://investor.activision.com/news-releases/news-release-details/activision-blizzard-announcesstrong-first-quarter-2020. 71 na época, agora, em 2020, temos uma população de jogadores superior à da Austrália e de Camarões, com uma iconografia própria, como observa os pesquisadores (CORNELIUSSEN; RETTBERG, 2008). Alguns estudos já observaram a relação de World of Warcraf (2004) com as construções étnicas, permeadas, muitas vezes, por um etnocentrismo realizado na construção narrativa do jogo, desenvolvido por uma empresa americana (MONSON, 2012; BAINBRIDGE, 2016; LANGER, 2008). Muitas dessas representações e iconografias analisadas no estudo são oriundas dos jogos anteriores da franquia. Como observa Bainbridge (2016), em Warcraft, uma tribo primitiva nomeada Orcs invade uma civilização sofisticada descrita como Humanos. No jogo de 2004, os Humanos lideram a Aliança – Anões, Gnomos e Elfos Noturnos –, e os Orcs, a Horda, composta, adicionalmente, com Trolls, Tauren e MortosVivos. Então, de acordo com as análises de Langer, a organização é entre o familiar e o estrangeiro, com os Humanos representando os brancos, e os Trolls, os caribenhos, particularmente, a cultura negra jamaicana, entre outras representações possíveis de serem inferidas. Assim, os Mortos-Vivos seriam, para a autora, o estrangeiro definitivo, não o lugar da alteridade ou da oposição, diferença, mas a negação da subjetividade, um abjeto (LANGER, 2008, p. 95-100). Ainda que estas análises possam ser errôneas e Warcraft de fato não dialogar com as identidades sociais, as investigações desenvolvidas e levantadas acima revelam as interpretações – mesmo que exageradas – recorrentes em relação as articulações identitárias acionadas pela franquia. Figura 9: Madruga Craft Fonte: Imagem capturada do jogo digital Madruga craft. 72 Retornando a Seu Madruga, o personagem central da obra se utiliza de bastão para atacar (FIGURA 9) e tem, como movimentos especiais, a possibilidade de soltar uma bola de fogo, fazer o chão tremer e ficar invencível, sendo este último movimento alcunhado, no jogo, de “Chimpanzé raivoso”, que faz referência a dois dos diversos apelidos dados, de forma pejorativa, a Seu Madruga na série televisiva: “Chimpanzé amestrado” e “Chimpanzé reumático”. Alcunha irônica essa que transcontextualiza a violência das obras apropriadas. Dessa forma, o que, antes, era um instrumento de degradação própria – um apelido pejorativo – se realoca, alterando seu espaço e, ainda, os campos políticos no qual estava inserido. O herói latino-americano do carnaval, realocado no jogo digital, canibaliza, de forma antropofágica, o seriado televisivo e subverte o jogo apropriado, carnavalizando as narrativas e as construções sociais estabelecidas anteriormente. Também, o título da obra contribui para a atuação irônica, que reestabelece o papel de Seu Madruga. Uma das possíveis traduções da alcunha do trabalho é “Construção de Madruga”, alterando e subvertendo a expressão original – Warcraft – e elevando o personagem do seriado à condição de protagonismo; como um construtor da história. A narrativa é dividida em sete capítulos. No primeiro, intitulado “O início”, o jogador inicia a aventura de Seu Madruga em busca do seu sagrado violão, tendo, como primeiro objetivo, libertar Chaves, que está preso em uma jaula. Ainda que, durante o desenrolar do jogo digital, o protagonista liberte outros personagens, o objetivo central da narrativa é um objeto banal. Ato paródico que degrada a obra, subvertendo a nobreza da jornada do herói. Ainda, transvalora o papel de Seu Madruga, que, no seriado televisivo, é músico e responsável por ensinar a prática musical, potencializando seu espaço social e ofício. No segundo capítulo – “Ganha aquele que não perde”, título baseado em um dos diversos bordões proferidos por Seu Madruga –, o jogador deve destruir três portais. Nessa fase, é possível controlar Chaves e replicá-lo no edifício central, nomeado “Quartel”. O personagem atua como um construtor, criando os edifícios e restaurando os danos causados às estruturas, além de poder atacar os inimigos. Dessa maneira, o construtor é indispensável ao jogo, sendo responsável também pela recuperação dos edifícios. Ainda, a mecânica do jogo força o jogador a replicar o personagem Chaves para recuperar as construções, sendo fundamental, para o desenvolvimento da narrativa, a multiplicação do personagem, repetindo e dobrando seu impacto na narração. Nas fases finais, de forma compulsória, o jogador terá de criar vários construtores que, possivelmente, morrerão e serão substituídos por outros iguais que desempenham a mesma função: trabalhar em construção. Já Chiquinha e a Bruxa do 71 são personagens que não forçam 73 a sua réplica para o desenvolvimento da narrativa do jogo. De forma diferente, atua o personagem Chaves na trajetória do jogo, concretizando, com condição fundamental ao avanço da narrativa, a multiplicação do personagem. As repetições são elementos recorrentes nas produções de Chaves, bordões e agressões, personagens e cenários que se repetem em ciclo (PEREIRA, 2019). A morte e a destruição, assim como o renascimento são presenças constantes nos jogos digitais de CyberGamba, como também nas obras digitais apropriadas. Por isso, é significante, durante a execução e narrativa do jogo, que as réplicas possíveis aos personagens dobrem, de algum modo, suas representações. Chaves, em Madruga craft, é o representante mais direto do trabalho, da exploração da mão de obra. Assim, é, potencialmente, problematizador o ato de replicar vários trabalhadores, no jogo digital, reparando e construindo edifícios, podendo, eventualmente, serem assassinados durante a execução de suas tarefas. Isso ocorre de forma compulsória pois a mecânica, a jogabilidade do jogo, torna, praticamente, intrínseca a replicação do personagem para o contínuo da narrativa. Com isso, a morte do personagem, iminente em fases mais difíceis, torna cíclica a reinserção desse elemento no jogo e, por sua vez, na narrativa gerada na obra. Chaves, em Warcraft, é um renunciador ativo e intermitente, renunciando a própria vida ao papel de protagonista e parodiando a própria condição de trabalho social contemporâneo. Com sua função laboral estabelecida – por sua construção social do jogo atravessada pelas relações já criadas pela série –, Chaves e seus replicantes criados pelo jogador de forma compulsória ampliam e potencializam as discussões, desdobrando as problematizações a outros campos. Seu papel do seriado não é alterado, no sentido de que não modifica seu ato de renunciador já estabelecido. Porém, a sua replicação, em um ciclo de criação e morte, transvaloriza e transcontextualiza o personagem, criando uma polifonia repetida em si mesma, carnavalizando o seriado e revelando a miséria no qual está culturalmente inserida. Ainda, em uma atitude antropofágica, transvaloriza, de forma crítica e negativa, os papéis sociais relacionados. Dona Clotilde, sob a alcunha de Bruxa do 71 no jogo digital, ataca através de uma bola de energia e tem, como movimentos especiais, a possibilidade de ressuscitar os mortos e convocar o personagem Satanás. Impactando e dialogando com a cultura, a série Warcraft (1994) também tem uma relação com as construções religiosas (SCHAAP; AUPERS, 2016; AUPERS, 2015). Satanás, exclamação que aparece, no jogo, ao comandar a Bruxa do 71, é uma referência direta à série televisiva. Na narrativa construída para a televisão, Satanás aparece 74 como animal de estimação de Dona Clotilde, porém, em todos os episódios, o objeto cômico é o medo que a palavra, o nome Satanás, causa nos demais personagens, atuando como o perigo e o vilão. Já na obra de CyberGamba, ele é invocado para jogar ao lado do jogador, ao lado de Seu Madruga, Chaves e Chiquinha, atuando de forma diferente ante os paradigmas sociais e religiosos apresentados no seriado mexicano e em Warcraft. No jogo digital, a invocação de Satanás é um alívio ao jogador, mantendo sua narrativa em ação progressiva. Desse modo, sob a perspectiva imersiva interativa com a personagem da Bruxa 71, o jogador tem, de fato, a criação de um personagem amigo, tal como um animal de estimação. Esse personagem desloca e transcontextualiza o papel de satã na cultura, atuando como aliado na narrativa e carnavalizando as estruturas religiosas atravessadas nas obras antropofagizadas. No décimo segundo capítulo, episódio final da obra, intitulado “Duelo final”, Seu Madruga deve derrotar Dona Florinda em uma disputa pelo violão. Vencido o combate, uma animação de montagens dos personagens aliados, inseridos em gráficos retirados de Alcahest (1993), é disparada. Seu Madruga alça o lugar de poder, senta-se ao trono e coloca a coroa. Ato carnavalesco esse que consolida o seu novo papel na narrativa, invertendo as posições sociais previamente estabelecidas e, ainda, estabelecendo uma ordem vigente. 3.2.2 Highway crossing Madruga (2004) Em Highway crossing Madruga, o jogador deve comandar Seu Madruga e atravessar o personagem ao outro lado da avenida, em meio a um tráfego de carros intenso e outros obstáculos durante o percurso, como Dona Florinda, Seu Barriga e alguns cachorros (FIGURA 5). Ao chegar ao outro lado, o jogador é recompensado sempre com algum objeto que remete ao dinheiro: um maço de notas, um punhado de moedas, uma mala de dinheiro, barras de ouro ou um diamante. O trabalho é, então, uma paródia de Freeway (1981), jogo lançado pela Atari e desenvolvido por David Crane. Apesar de também remeter a Frogger (1981), o fato de ter de atravessar um tráfego de carros e o cenário não mudar remete mais a Freeway, que, por sua vez, foi desenvolvido, inicialmente, com um homem atravessando o tráfego em Chicago, sendo, posteriormente, modificado para a galinha 83 (MONTFORT; BOGOST, 2009). Assim, Freeway pode ser entendido como um jogo que parodia o ato cotidiano e rotineiro de atravessar a rua em meio ao tráfego, como um ritual ao culto capitalista, 83 Ver em: https://datassette.nyc3.cdn.digitaloceanspaces.com/revistas/retrogamer_124.pdf. 75 referente, inicialmente, a Chicago. O que já era paródico, o jogo original com um ícone de um homem, foi ridicularizado abertamente com uma galinha. No protótipo original, ao ser atingido pelo carro, o homem se transformava em uma poça de sangue, no jogo lançado e comercializado ao público, a galinha, ao ser atingida por um automóvel, recua algumas casas. Figura 10 - Highway crossing Madruga Fonte: Imagem capturada do jogo digital Highway crossing Madruga. Na paródia paulista, Seu Madruga, ao ser atingido pelo carro, é arremessado, em cambalhotas, para o alto e para fora do cenário e um áudio com um grito de dor de seu personagem é disparado. Quando atingido por Dona Florinda, Seu Barriga ou o cachorro do personagem do jogador senta-se no chão e começa a chorar. O jogador começa com três vidas; os ícones que as representam numericamente são animações de Seu Madruga em lamentação. A paródia de CyberGamba retoma e realoca o espaço paródico do ato realizado em FreeWay, apropriando-se – mesmo que digitalmente – da rua, dos carros e revelando o ato banal de atravessar a rua, correr o risco de morrer e conseguir dinheiro. Ao realizar isso, colocando-se ao lado, CyberGamba reforça e revela o vazio do próprio ato que age de forma ritualística em um culto ao capital cotidiano, que funciona, também, como festa, no ato mecânico do consumo e do deslocamento. No jogo digital, o papel principal é de Seu Madruga. Porém, esse é um protagonismo paradoxal. Ainda que lhe alce ao espaço central da narrativa, esse é um espaço que o leva à morte iminente e repetitiva. Um finamento causado pelo objetivo de conquistar 76 dinheiro e pelos diversos obstáculos empreendidos durante a trajetória, carnavalizando e, consequentemente, clarificando a representação social do personagem e a estrutura paupérie que o cerca. A criação de CyberGamba carrega semelhanças com o trabalho Crosser (2000), realizado pelo artista Rafael Fajardo, em colaboração com a equipe Sweat. Ainda que carreguem semelhanças, os espaços ocupados de cada obra revelam as atuações diferentes entre os mercados de arte. Assim, a criação polifônica gerada pelo paulista tensiona, ainda, o campo da arte, carnavalizando sua estrutura e clarificando as diferenças. Os jogos digitais de CyberGamba também aderem à dinâmica de produção observada nos artgames, conceito elaborado por Felan Parker (2013, 2014) que abordamos durante a pesquisa. Ainda, por sua atuação midiática transversal, potencializa seu conteúdo cultural, como elemento arqueológico e obra de arte, como já observado por Aarseth (2003). Alguns dos jogos apropriados por CyberGamba já são objetos incorporados ao acervo do MoMa, como Hyper street fighter II: the anniversary edition (2003). Visto que os jogos estão, cada vez mais, sérios e distantes de seu caráter lúdico, uma leitura possível de ser abordada é o quanto os jogos digitais contemporâneos se aderem mais ao campo das artes do que ao campo dos jogos, propriamente dito. 3.2.3 Codename Madruga (2004) Codename Madruga é uma apropriação do jogo Ikari warriors (1986), desenvolvido pela SNK, empresa japonesa. O jogo japonês, por sua vez, é uma modificação de Commando (1985), desenvolvido pela Capcom. Empresa essa que entrou em um processo judicial contra a Alligata Software, desenvolvedora do jogo Who dares wins II (1985). O jogo original desenvolvido Who dares wins (1985) foi impedido de ser lançado por uma disputa judicial com a detentora dos direitos de Commando por sua suposta semelhança com a produção da Capcom. Após modificar alguns elementos, o novo jogo foi lançado, porém, é considerado, praticamente, idêntico ao original.84,85 O título do jogo criado por CyberGamba, possivelmente, faz referência a Codename: viper (1990). 84 85 Ver em: http://www.wizwords.net/news/2014/4/11/rare-who-dares-wins-commodore-64-game-found. Revista Retro Gamer, número 59. Disponível em: https://datassette.nyc3.cdn.digitaloceanspaces.com/revistas/retrogamer_059.pdf. Acesso em: 15 dez. 2020. 77 Os jogos referenciados na produção paulista – assim como Space war! (1962) – remontam ao contexto de Guerra Fria, no caso específico, o fim da fase, atuando de forma sincrônica à indústria do cinema e dialogando com filmes como Rambo (1982) e Comando Delta (1986) (SMITH; LAWYER, 2020). Porém, o cenário tem um aspecto obscuro, remetendo à Guerra do Vietnã e à Segunda Guerra Mundial, algo como um não lugar do imaginário de guerra americano: um lugar em que se está passível de ataques sempre. Em Commando e Ikari warriors, não há nenhuma narrativa textual prévia – assim como em Codename Madruga –, com o personagem, simplesmente, caindo no campo de batalha, já em guerra. Em 1987, a empresa SNK lançou uma modificação de sua própria produção intitulada Guerrilla war (1987). Originalmente, o jogo digital era intitulado de Guevara e foi inspirado nas figuras de Ernesto Guevara e Fidel Castro e no embate ante o ditador Fulgêncio Batista. Com as tensões políticas na América Latina aumentando gradativamente no fim da década de 1980, as relações continentais e o imaginário americano começaram a ficar evidentes em jogos como Rush’n attack (1985) e o já mencionado Codename: viper (1990). Nesse último, o jogador, encarnado no papel de um agente das forças especiais estadunidenses, é enviado à América do Sul para combater um cartel de drogas. Ao começar o jogo, você é enviado de helicóptero para um local no mapa entre Colômbia, Venezuela e Brasil, de maneira solitária, buscando vingança e resposta de uma nação. Três anos após o lançamento desse jogo digital, Pablo Escobar era morto na Colômbia, em uma caçada patrocinada pelos Estados Unidos. Dessa forma, o que a SNK fez, ao realizar Guevara, assemelha-se e antecipa a produção de CyberGamba, inserindo um elemento latino-americano, porém com personagens oriundos de um universo de guerra. Aproxima-se, ainda, antecipando jogos políticos, como, por exemplo, Bolsomito 2k18 (2018), inserindo o elemento político em um universo construído em uma indústria ocidental. No caso do jogo referente a Jair Bolsonaro, há uma inserção histórica nos jogos de beat’n up86. Também, as inquietações políticas constantes da relação entre Estados Unidos e Cuba reverberam em diversos jogos digitais ao longo da sua história. Recentemente, temos produções como Call of duty: black ops (2010) em que a aparição da figura de Fidel Castro foi interpretada como um ataque pelo governo cubano (PENIX-TADSEN, 2016). Em 2013, o Clube Jovem de Computação e Eletrônica, patrocinado pelo governo cubano, criou Gesta final (2013), um jogo de tiro em primeira pessoa, também inspirado na revolução liderada 86 Estilo de jogo digital de combate corpo a corpo contra múltiplos oponentes. 78 por Fidel Castro e Ernesto Guevara, porém roteirizado com base na perspectiva histórica do atual governo cubano. Essa relação dos produtos culturais midiáticos com a espacialidade e o seu consumo é descrita, por vezes, como um turismo virtual (PENIX-TADSEN,2016). O ambiente sem identificação, mas coberto de signos semióticos, é descortinado na obra de CyberGamba, escancarando a cena construída, fictícia, ao realizar a transcontextualização de Seu Madruga. Com isso, os cenários em jogos como Commando e Ikari Warriors, tidos referentes a algum local de guerra, se tornam absurdos imersos na obra paulista. Assim, os espaços, que podiam ser lidos como remetentes à Guerra do Vietnã e à Segunda Guerra Mundial – um não lugar de guerra –, tornam-se, de fato, um lugar inexistente, deslocado no contexto latino-americano. Ao carnavalizar as obras apropriadas, as produções paulistas nos revelam o não lugar dos jogos digitais, revelador da ausência pátria e do vazio do turismo virtualizado. Estabelecendo um grande diálogo, gerador de conflitos entre as vozes referenciadas. Realizando, assim, a interação entre o seriado latino americano com o universo tecnológico dos jogos digitais de guerra, reverberando e ecoando nos espaços atravessados pela polifonia de CyberGamba. Figura 11: Codename Madruga Fonte: Imagem capturada do jogo digital Codename Madruga, 2004. No jogo desenvolvido pela empresa paulista, o jogador controla um personagem, apropriado de Seu Madruga e que: utiliza óculos escuros, porta uma arma que lembra uma metralhadora e fuma cigarro durante todo o jogo (FIGURA 11). O início do jogo segue o roteiro 79 recorrente: o personagem é enviado sozinho, vindo de algum transporte aéreo – seja helicóptero ou avião – como uma ajuda que vem dos céus, de cima. Ao realizar a produção paródica carnavalesca, CyberGamba inverte as posições políticas. Atitude essa própria de uma abordagem antropofágica, que transvaloriza o papel do herói carnavalesco latino-americano – de forma irônica, emulando um imaginário antagonista, desordenando as construções e a ordem político-social e, em sua ambiguidade paródica, ajudando-nos a revelar (e fortalecer) a estrutura estabelecida. Por fim, o que, na produção paulista, atua como inverso e irônico, nas produções digitais referenciadas, é próximo e correspondente à ordem estabelecida, que, de fato, concretiza-se na morte de Escobar. 3.2.4 Madruga goes home (2004) Madruga goes home é um jogo que se apropria de Pitfall! (1982) – também desenvolvido por David Crane – e de Bobby going home (1982), criado pela Bit Corporation. Essa é uma produtora taiwanesa, que faz parte do mercado que carrega semelhanças com a evolução da indústria dos jogos no Brasil. Inicialmente, mediante a falta de licenciamento dos jogos oficiais, a Bit Corporation começou a criar os clones de consoles e a atingir uma demanda de mercado, chegando, inclusive, a distribuir jogos no Brasil. 87,88,89 Pitfall! é considerado o predecessor do side scroller, um estilo de jogo digital de plataforma em que o cenário acompanha o jogador; além disso, é reconhecido pela animação fluída de seu personagem. De acordo com Bogost e Montfort (2009), o que inspirou a criação da obra foi a animação de um homem correndo. Semelhantemente, o jogo digital paulistano atua: Seu Madruga deve correr pelo cenário. Porém, diferentemente de Pitfall! – em que se corre em busca do tesouro – e de Bobby going home – em que se volta pra casa –, o jogador tem de fugir de Dona Florinda; algoz recorrente no seriado televisivo e nas produções de CyberGamba. Novamente, o jogador controla Seu Madruga que, sem motivo aparente, deve fugir de Dona Florinda que o persegue durante todo o jogo portando um rolo para abrir massa (FIGURA 12). Na última fase, Seu Madruga controla uma moto, desviando de carros e, ainda, fugindo de Dona Florinda que corre atrás dele. Ao final, um vídeo é disparado, revelando, em um diálogo de Quico e Chaves, o motivo da fuga de Seu Madruga – estar em dívida financeira 87 88 89 Ver em: http://nerdlypleasures.blogspot.com/2020/04/the-taiwanese-connection-source-for.html. Ver em: https://blipretro.com/the-story-of-taiwans-bit-corp/. Ver em: https://bootleggames.fandom.com/wiki/Bit_Corp. 80 com Dona Florinda –, bem como seus planos, frustrados por sua perseguidora, de fugir com sua filha Chiquinha para o Japão. Figura 12: Madruga goes home Fonte: Imagem capturada do jogo digital Madruga goes home, 2004. Dessa forma, a motivação da fuga de Seu Madruga no jogo digital, o herói malandro, é o risco da violência, justificada por uma dívida financeira com Dona Florinda. Já em Pitfall!, desenvolvido em um contexto norte-americano, o herói é como em Indiana Jones, em busca do cálice sagrado, ou a constante busca de pilhagem – material e cultural – e incorporação dos espólios de guerra (MONTFORT, BOGOST, 2009). A produção paródica Madruga goes home escarneia as obras apropriadas e nos clarifica os objetos carnavalizados. Em seu ato ambíguo, o trabalho de CyberGamba evidencia o papel de Seu Madruga e a estrutura social na qual é inserido e, ainda, nos ajuda a desvelar o herói de Pitfall!. Ao estabelecer o diálogo entre o seriado mexicano e a produção digital desenvolvida por Crane, a criação de CyberGamba atua, em um processo polifônico, como uma paródia da própria condição políticosocial na qual está inserido o personagem de Seu Madruga, agindo de forma crítica e negativa sobre a cultura. Ao atravessar Pitfall! e suas reverberações, a obra brasileira expõe as diferentes motivações e construções sociais, parodiando os espaços apropriados. 81 3.2.5 Madruga from Mars (2003) Em Madruga from Mars, o jogador controla uma nave espacial comandada por Seu Madruga e deve destruir e desviar dos asteroides (FIGURA 13). Por vezes, de forma aleatória, alguns itens – como um barril de madeira – surgem das explosões provocadas pelo ataque do jogador. O jogo é uma modificação de Asteroids (1979), que, por sua vez, se apropria de Space war! (1962). Não há nenhuma introdução narrativa ou qualquer propósito no jogo além de, assim como Asteroids, destruir o maior número de aerólitos possíveis, somando pontos ao jogador. Figura 13: Madruga from Mars Fonte: Imagem capturada do jogo digital Madruga from Mars, 2003. Space war! foi desenvolvido no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e remonta, em um espaço lúdico digital, a sua origem computacional: a capacidade de simular cenários de ataques, de calcular trajetórias de mísseis (BERNSTEIN, 1991). Mesmo tendo sido inspirado em jogos de pinball, sua narrativa, imersa em um contexto de Guerra Fria, conectase às aspirações americanas e mundiais de conquista do espaço (MAYRA, 2008, p. 58). Também, o jogo é tido como, em sua origem, código aberto, revelando a cultura participativa, o jogador como produtor, em meio ao ambiente digital (SALEN; ZIMMERMAN, 2004). 82 Verifica-se, então, que Space war! funciona, em seu círculo mágico, como uma realização paródica da conquista espacial e da Guerra Fria, com a emulação de uma batalha entre duas naves no espaço, assim como Asteroids, ao destruir os aerólitos navegando pelo vácuo sideral. Ao invocar Seu Madruga em um papel de protagonismo no jogo digital – aquele que navegará e deterá o poder no espaço sideral –, a produção de CyberGamba inverte, novamente, a ordem política e econômica mundial, escarneando, de fato, a própria condição latino americana em relação às viagens espaciais: sete anos após a criação de Space war!, em 1969, uma nave espacial norte americana chega à lua; em 2006, Marcos Pontes se torna o primeiro brasileiro a fazer uma viagem espacial, sendo o sexto latino-americano na história a viajar ao espaço.90 Em 2018, Elon Musk envia um carro elétrico, fabricado em sua montadora, em direção a Marte tocando, em loop, “Space Oddity”, de David Bowie 91 . Fatos esses reveladores das diferenças econômicas e científicas entre os poderes dos países. A criação de CyberGamba, no caso, realoca a ordem geopolítica, revelando, parodicamente, o abismo tecnológico. A produção do paulista escarneia a diferença entre as nações: até mesmo a criação de um jogo digital, com um personagem latino-americano no protagonismo, parece-nos impossível de ser alcançada, senão através da paródia, carnavalizando a própria indústria na qual está inserida. Gesta final, como vimos, foi produzido pelo governo cubano para divulgar sua própria narrativa. Porém, podemos observar, no site dos desenvolvedores, ao divulgar um evento de comemoração aos 60 anos da revolução92, que ele é imerso entre outros tantos jogos, como FIFA 93 e StarCraft, que são oriundos de uma indústria superior certamente, em seu poderio bélico-tecnológico, e que se articula neutralizando o próprio ato de jogar e as modificações. Em sua potência paródica dupla, Gesta final, atua, igualmente, para demonstrar a diferença tecnológica entre as indústrias bélicas, assim como as atuações de CyberGamba escancaram as discrepâncias. 3.2.6 Super Magro world (2003) 90 91 92 93 Ver em: https://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/03/29/ult1809u7768.jhtm#:~:text=O%20primeiro%20foi%20o %20cosmonauta,%2D%20ARNALDO%20TAMAYO%2DMENDEZ. Ver em: https://www.whereisroadster.com/. Ver em: http://web.archive.org/web/20190411215645/http://www.vcl.jovenclub.cu/?p=2916. Não é definido, na postagem, qual a versão do jogo. 83 Super Magro world é uma produção que se apropria da franquia Mario (1981), tida como uma das séries de maior sucesso comercial94, e de Shinobi (1987). No jogo desenvolvido pela CyberGamba, o jogador controla Seu Madruga que pode, caso pegue um objeto especial – um ícone gráfico japonês –, transformar-se em um ninja que arremessa shurikens, elementos desmembrados de Shinobi. Com cenário inspirado em Super Mario Bros (1985), o último inimigo do jogo a ser batido é Bowser em sua nave, elemento retirado de Super Mario world (1990) e título parodiado na obra da equipe paulista (FIGURA 14). Figura 14: Super Magro world Fonte: Imagem capturada do jogo digital Super Magro world, 2003. O jogo é composto por seis capítulos, subdivididos em três cenários que seguem o mesmo esquema. Ao final do primeiro cenário, o jogador entra no cano que o leva ao cenário seguinte, subterrâneo. O terceiro cenário dos cinco primeiros episódios se dá em um ambiente externo, acima da superfície, sendo o episódio final da sexta fase subterrânea aquele contra o Bowser. Também, há duas músicas em midi95 presentes no jogo: uma versão da trilha de Seu 94 95 Ver em: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_best-selling_video_game_franchises. Interface digital de instrumentos musicais. 84 Madruga no seriado e um áudio de Super Mario Bros (1985), remetendo à música executada nos ambientes subterrâneos da franquia 96 . Ao atingir o fim de cada capítulo, o jogador, encarnado em Super Magro world, alcança um personagem recortado do seriado televisivo por vez, na seguinte ordem: Chaves, Quico, Nhonho, Pópis e Godinez. No fim do jogo, Chiquinha é libertada, resgatada por uma corda. De maneira geral, a franquia Mario já é reapropriada e modificada extensamente, com páginas dedicadas somente a modificações do universo de Mario97,98. Em Super Mario Bros crossover 99 (2010), criado pelo desenvolvedor Jay Pavlina, é possibilitado ao jogador percorrer o universo de Super Mario Bros (1985), utilizando personagens de outros jogos, como Mega Man (1987), de forma semelhante ao trabalho de CyberGamba, porém sem atravessar outras mídias. Em Super sized Mario Bros (2009)100, uma paródia ao filme Super size me: a dieta do palhaço (2004), o jogador controla um imenso Mario que se desloca destruindo o cenário, rumo ao McDonald’s. Há, também, o relato da utilização dos jogos da franquia Mario para a criação de modificações relacionadas a conteúdos ideológicos extremistas – divulgados em sites como Resist101 –, em que Mario e outros personagens são substituídos por skinheads e figuras fantasiadas da Ku Klux Klan (SELEPAK, 2010). Ainda, a relação à construção social da franquia Mario pode ser observada no livro Jogando com o poder em filmes, televisão e jogos de vídeo: de Muppet Babies à Tartarugas Ninjas de Marsha Kinder, de 1991 (tradução nossa)102. Nele, jogos como os da franquia Mario são investigados como referentes à identificação de gênero e à perpetuação dos sistemas sociais. A autora observa que, diante da possibilidade de jogar com a Princesa Peach em Super Mario Bros 2 (1988), seus filhos e amigos preferiam jogar com a garota, sob risco de transgenia. Mesmo assim, o jogo subsequente da franquia foi desenvolvido permitindo jogar apenar com Mario (KINDER, 1991). Entre 2009 e 2012, em associação à Academia Internacional de Jogos e Inteligência Artificial, uma competição foi realizada para eleger a equipe que desenvolveria o melhor agente 96 97 98 99 100 101 102 Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=aMUhQEXCYSw&list=PL8VbKOzwilsw7Xg8wgrOMTa2dHQ6eU mR9. Ver em: https://mariogames.io/. Ver em: https://supermariobros.info/. Ver em: http://supermariobroscrossover.com/resources/super-mario-bros-crossover.84/. Ver em: https://www.newgrounds.com/portal/view/480848. Ver em: https://www.resist.com. “Playing with power in movies, television, and video games: from Muppet Babies to teenage mutant Ninja Turtles.” 85 de inteligência artificial (IA) para jogar um clone de Super Mario Bros, como um jogador computacional (TOGELIUS et al., 2013). Recentemente, pesquisas de inteligências artificiais começaram a desenvolver os personagens de Super Mario Bros com uma inteligência social, performando e aprendendo, de forma autônoma, dentro do jogo (SCHRODT et al., 2017).103 Nessa competição, uma modificação de Super Mario Bros (1985) era utilizada como software. Visto que a franquia do personagem Mario é utilizada como recurso para estudo e desenvolvimento de IA, possivelmente, as próprias produções paulistas poderiam também ser recurso e meio para o desenvolvimento de pesquisas dentro do campo digital. A exemplo, a produtora de Incidente em Varginha (1998), como já observamos, foi procurada pelo exército americano para que o jogo fosse usado como software em treinamento. O que novamente pode parecer absurdo - o uso de uma modificação do jogo Super Mario Bros em pesquisas sobre inteligência artificial - é o que de fato ocorre. Em sua produção polifônica carnavalesca e paródica, ao estabelecer um grande diálogo entre os espaços reverberados, as criações de CyberGamba têm o potencial de nos revelar elementos que não estavam escarneados no oficial, clarificando, novamente, o abismo industrial e científico entre os países. Desse modo, o que se forma como um ato irônico é, justamente, a diferença tecnológica entre as nações, expondo os usos díspares dos jogos digitais. Ao analisar os personagens, percebe-se que Mario conserva algumas semelhanças com Seu Madruga: além do bigode, atuam em camadas do proletariado, um encanador e outro autônomo. Porém, Seu Madruga é atuante no papel de herói carnavalesco no seriado televisivo, agindo como anti-herói oficial, avesso ao trabalho; atuando como Macunaíma e, de alguma maneira, também negligenciando o capitalismo. A equipe paulista coloca Seu Madruga no protagonismo do jogo digital que, em sua narrativa, deve salvar Chiquinha, sua filha do seriado. Ainda, ele é inserido na franquia Mario, acumulando-se ao já amontoado de reconstruções desse universo. Então, CyberGamba, novamente, inverte a ordem estabelecida, transcontextualizando e carnavalizando as estruturas definidas pelas obras. Inversão essa que tensiona os papéis realocando Seu Madruga no espaço do herói tradicional e oficial, carnavalizando as estruturas sociais. Verifica-se, assim, que a produção da Nintendo tem papel fundamental no campo digital. Ao atravessar a criação com o personagem de seriado televisivo mexicano, o jogo de CyberGamba alça, ainda que virtualmente, o herói carnavalesco ao protagonismo na indústria 103 Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=ltPj3RlN4Nw. 86 digital. Ato que, em sua ambiguidade paródica, também transparece – e, potencialmente, reforça – os próprios objetos apropriados, evidenciando a discrepância das economias e dos mercados. 3.2.7 Street Chaves (2004) O jogo Street Chaves apropria-se, para sua construção, de elementos da franquia Street fighter e de outros jogos digitais de luta famosos, como The king of fighters (1994) e DarkStalkers (1994). Objetos esses sobrepostos a elementos do universo do seriado mexicano. É possível selecionar, na versão utilizada para a análise do jogo digital – 1.5a –, 15 personagens disponíveis, todos recortados de Chaves. Cada avatar tem uma história específica, além de golpes e movimentos individualizados, apropriados de outros jogos. A animação final de cada história é também personalizada de acordo com o personagem escolhido. Assim, a Bruxa do 71, especificamente, mantém uma relação com a personagem desenvolvida em Madruga craft (2005), ainda com falas relacionadas a Satanás, além dos olhos avermelhados. Essa é uma produção da desenvolvedora paulista com grande destaque, tendo um vídeo de seu gameplay alocado no Youtube, com mais de 1,7 milhões de visualizações.104 Street fighter II: rainbow edition (1992), como já observamos, foi um caso de modificação que acabou sendo incorporado pela indústria, ao menos, as suas potências estéticas, impactando as sequências da franquia diretamente. Atualmente, as múltiplas construções de identidades e realidades podem ser observadas nas recriações desenvolvidas no universo dos jogos de luta, que, por sua vez, dialogam com as construções geopolíticas mundiais. Jogos digitais da série SNK vs Capcom já possibilitam ao consumidor escolher mais de 1.000 personagens disponíveis para performar no papel do jogador, o que, exponencialmente, nos leva a uma infinidade impossível de ser descoberta. 105 Essas modificações são, em muitos casos, elaboradas no motor Mugen, desenvolvido pela empresa Elecbyte, em 1999.106 104 105 106 Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=aZBY6G72et4. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=2A8YurI0HPo. Ver em: https://mugen.fandom.com/wiki/Elecbyte. 87 Com a ausência dos desenvolvedores oficiais, modificações do próprio software começaram a ser produzidas por outros jogadores e desenvolvedores.107,108 Cada vez mais, os jogadores incorporam personagens, apropriados de outras criações compartilhadas, as suas recriações com jogos digitais produzidos em que podemos escolher mais de 12.000 personagens. 109 Atualmente, um dos novos motores construídos possibilita criar jogos com mais de 60.000 avatares.110 Em função disso, a multiplicidade de construções identitárias desses jogos digitais nos permite selecionar, entre os lutadores, personagens como Jesus, Barack Obama e Papai Noel, imersos na constelação de outros lutadores digitais111; chegando à imagem absurda da luta entre Seu Madruga e uma encarnação de um personagem nomeado Televisa, com imagem apropriada do logotipo da empresa de mídia.112 Uma continuação de Street Chaves foi desenvolvida pelo criador brasileiro Heaven e Hell, nomeado Super street Chaves X (2013), criado a partir da plataforma Mugen.113 Dessa forma, a demanda atingida por CyberGamba e outras modificações foi, de fato, realizada em obras atuais da indústria, como em Mortal Kombat 11 (2019). Esse jogo digital incorporou elementos oriundos de outra mídia, no caso o cinema, absorvendo os protagonistas do filme Rambo (1982) e O exterminador do futuro (1984). Figura 15: Street Chaves Fonte: Imagem capturada do jogo digital Street Chaves, 2004. 107 108 109 110 111 112 113 Ver em: https://mugen.fandom.com/wiki/M.U.G.E.N_versions. Ver em: https://mugenarchive.com/forums/downloads.php?do=cat&id=39-mugen-builds. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=EPHDniX97QU. Ver em: https://mugenarchive.com/forums/downloads.php?do=file&id=75637-no-limit-winmugen-rouhei. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=T0CBWLfBqW0. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=AskB1Ld1rGA. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=80s02VVvObs. 88 CyberGamba, e sua produção relacionada a Chaves, também atinge essa demanda integrando produtos de outras mídias. Com isso, a sua produção digital potencializa a polifonia, colocando, de forma latente, diversos personagens do seriado em protagonismo e em diálogo com outros elementos e campos. Especificamente em Street Chaves, todas os avatares podem ser alçados ao papel central, desenvolvendo uma narrativa própria; trajetória em que o diálogo com outras figuras se dá no conflito da luta (FIGURA 15). Ato antropofágico esse que carnavaliza as obras, de forma irônica, e, ainda, inversão essa que reforça o próprio papel violento da série mexicana, desvelando sua abordagem agressiva. Logo, pode parecer absurda e sarcástica a imagem de Dona Florinda lutando, em vias de fato, com Dona Clotilde, ou Chiquinha. Porém, a produção paródica e polifônica de CyberGamba nos ajuda a revelar que o seriado televisivo trabalha de forma semelhante, em que as interações se dão pelo conflito e são mediadas pela violência. 3.3 Ecos polifônicos O desenvolvimento dos jogos de CyberGamba é contemporâneo à produção de Defense of ancients (2003), e as duas produções se apropriaram de Warcraft III (2002). Assim como a produtora paulista, IceFrog, um dos desenvolvedores do jogo americano, mantém sua identidade sob anonimato. Porém, apesar das semelhanças, é certo que CyberGamba foi além, adicionando novas e possíveis camadas de sentido; potencialmente, subvertendo as obras referenciadas, através do escárnio paródico. Os desenvolvedores de Defense of ancients (DotA) acabaram incorporados pela indústria e com relevante destaque. Então, IceFrog mantém o anonimato não por questões de direitos autorais; por já estar inserido na indústria e porque as questões legais referentes ao jogo já foram resolvidas entre as empresas detentoras dos direitos das partes envolvidas. Mesmo que em ascensão, a indústria brasileira de produção jogos digitais ainda está em desenvolvimento. Há de se ressaltar que as criações de CyberGamba foram desenvolvidas entre 2003 e 2005, período em que a indústria de jogos digitais nacionais era ainda mais retraída. Uma das leituras possíveis é que, ainda em progresso, o mercado nacional não conseguiu abarcar as produções paulistas. Diferentemente da produção americana que teve seus direitos comprados pela Valve e esta, a empresa, que se encarregou de questões 89 legais114,115, a equipe brasileira, de fato, tinha motivos para se preocupar com questões legais, pois não contava com um amparo jurídico concreto. Há ainda de se considerar as diferentes legislações jurídicas referentes a proteção de imagem. O estado norte americano, por exemplo, adota a doutrina do fair use, que legisla sobre a autoria e direitos de imagem, alicerçando juridicamente produções que desenvolvam novos trabalhos, ou gerem contribuições sociais.116 Ainda sobre diferenças entre as produções, algo fundamental para o sucesso do jogo norte-americano é a possibilidade multiplayer, sendo considerado, como vimos, basal para o desenvolvimento dos MOBA’s. Há de se considerar, nesse caso, que as indústrias estão em patamares diferentes, gerando um impacto no desenvolvimento das produções no campo digital. A criação de um jogo multiplayer demanda mais conhecimento – e equipamentos, servidores – em sua construção. Enquanto estávamos aprendendo e ensinando – como vimos TEG e CyberGamba atuaram na difusão dos conhecimentos envolvidos em suas criações –, parte da indústria já incorporava seus modificadores. Assim, os mercados mais avançados possibilitavam, ainda, em espaços independentes, produções com potências tecnológicas amplificadas. Dessa maneira, como produção paródica carnavalesca, os trabalhos da equipe paulista descortinam o próprio objeto: a indústria de mídias. Um dos esclarecimentos de CyberGamba é a antecipação à demanda do mercado nacional. Atualmente, diversos jogos digitais que estão em desenvolvimento atuam de maneira semelhante à criação de CyberGamba. Cunhado de 171, atualmente em desenvolvimento pela BetaGames Group117, o jogo digital é uma modificação da franquia GTA (1997), utilizando elementos contextualizados em ambiente nacional. Raised in oblivion (RIO), em produção pelo estúdio First Phoenix, mescla elementos de jogos de tiro em primeira pessoa, como Counter Strike (1999), com uma narrativa de um sobrevivente a um ataque zumbi no Rio de Janeiro.118 Ainda, em desenvolvimento pela equipe Onanim, Trajes Fatais119 tem lançamento previsto para dezembro de 2020 e, assim como Street Chaves, se apropria de elementos dos mesmos jogos de luta incorporados pela equipe paulista – King of fighters, Street fighter –, aglutinando personagens referentes ao contexto nacional. 114 115 116 117 118 119 Ver em: http://pc.gamespy.com/pc/blizzard-dota/1218432p1.html. Ver em: https://www.eurogamer.pt/articles/2012-05-13-valve-e-blizzard-chegam-a-acordo-referente-adota. Ver em: http://www.dmlp.org/legal-guide/fair-use Ver em: https://www.betagamesgroup.com/171-fique-por-dentro-das-ultimas-noticias/. Ver em: https://riosurvival.com/. Ver em: https://www.uol.com.br/start/ultimas-noticias/2020/10/18/bastidores-trajes-fatais-o-game-de-lutabrasileiro.htm. 90 Compreende-se, assim, que as criações da produtora paulista atuaram servindo a demanda de mercado e indústria. E, ao não incorporar as produções independentes desenvolvidas, a própria indústria perdeu potência. As paródias realizadas pela equipe paulista, possivelmente, serão concretizadas. Porém, podemos observar que, à luz das análises de Jameson (1985, 2000), obras como Trajes Fatais e 171 se aproximam mais de uma prática de pastiche, não configurando, potencialmente, uma prática antropofágica. Com o desenvolvimento de produtoras de jogos digitais, teremos, cada vez mais, produções latino-americanas que, apropriando-se das mecânicas já desenvolvidas, criarão seus próprios jogos, como paródia séria e realizada, parodiando a própria realidade. CyberGamba foi é assim, um devir que poderá ser alcançado, deslocando os sentidos dos elementos articulados. Como o que está ao lado e inacabado, se realizado, ele se torna a própria centralidade, a própria referência. Talvez, assim, as representações violentas e estereotipadas observadas em jogos como GTA e Street fighter possam ser anuladas de fato, liberadas de sua condição ao serem descortinadas pelas paródias; o que não as isenta da possibilidade de reverberar e dar continuidade às mesmas visões violentas e estereotipadas. CyberGamba é uma obra paródica polifônica, podendo ser dessacralizadora ou conservadora, atuando em seu duplo, como uma prática transgressora ou próxima a um puro pastiche. Como analisado por Hutcheon (1989), a paródia é, simultaneamente, repetição e diferença e, portanto, pode ser, ao mesmo tempo, transformadora e tradicionalista; crítica e consolidadora em sua produção parodística. Mesmo com a intencionalidade do autor em atuar de forma a consolidar, podemos entender que as obras de CyberGamba, por terem características paródicas, vão além do reforço das obras originais, criando e possibilitando novas ressignificações a respeito delas; transcontextualizando as produções referenciadas, confrontando e dialogando com os espaços de construção cultural de cada obra. Adicionalmente, podemos encontrar diversos vídeos em plataformas de audiovisual com jogadores atuando e performando nas produções de CyberGamba 120 , o que tende a amplificar sua difusão. Alguns jogos digitais – como Street Chaves – já têm versões traduzidas para o espanhol. Mantendo-se negligente e anônimo, CyberGamba potencializa a sua possibilidade subversiva, revela a ausência e a negligência do próprio mercado industrial de jogos digitais nacionais. A intenção do autor é clara em homenagear as obras referidas – explicitada nas poucas entrevistas – e em reforçar a indústria de mídias, inserida em um 120 Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=ysNshlEk8k4. 91 contexto latino-americano. Porém, de forma irônica, torna-se marginal, potencialmente subversivo, atuando como um sofista, “de nascença um pouco vagabundo e parasita” (HUIZINGA, 1971, p. 164), devolvendo à América Latina seu produto cultural. Ademais, a produção de CyberGamba tem sua potência marcada, ainda, pela possibilidade de deslocamento de diversos elementos, transmidiáticos, inseridos em uma esfera lúdica de maneira imersiva. São paródias carnavalescas compiladas em um suporte hipermidiático e que exige do leitor a participação, o ato de jogar, na construção da narrativa, imergindo e se relacionando com a construção do próprio indivíduo, em sua própria paródia, na paródia da construção da realidade. Essa característica potencializa a produção carnavalesca. Logo, praticamente, todas as suas obras, como por exemplo Super Magro world e Street Chaves, caracterizam-se pelas múltiplas referências, carnavalizando as possibilidades de leitura no ato de jogar; imbricando elementos diversos, de diferentes mídias, e carnavalizando a própria paródia, alimentando-se de múltiplas fonias em sua criação. Potencialmente, jogadores que se interessam por Warcraft, Street fighters, série Mario e outros citados, assim como fãs do seriado Chaves, tendem a procurar as obras de CyberGamba, amplificando a difusão e a interação com os objetos apropriados. Nesse sentido, Henry Jenkins, na abertura do capítulo “How texts become real”, usa, como introdução, uma citação de Umberto Eco (1986), afirmando que, para um objeto tornar-se cultuado, ele deve possibilitar ser desmembrado, tornando, essas partes, independentes de seu todo (JENKINS, 2005). E essa é uma das características das obras apropriadas. De tal modo, personagens de Chaves são, constantemente, deslocados de seus contextos – como o Seu Madruga, protagonista de diversos memes – de forma autônoma; Warcraft também foi recortado de forma a atuar isolado, sem, necessariamente, se conectar de forma direta à obra apropriada, isentando até a condição de se conhecer a obra para fruição do jogo de CyberGamba; Alcahest teve enxertadas apenas sua trilha sonora e algumas imagens para o fim do jogo, deslocando o áudio completamente de seu contexto original, imbricando as músicas do jogo a falas dos personagens de Chaves e à mecânica e estética de Warcraft. Nas poucas entrevistas dadas pelo produtor, em matérias sobre sua produção, em podcasts e vídeos sobre CyberGamba, não foram encontradas menções a Alcahest. O que pode parecer algo como o obscurecimento do jogo referenciado é justamente o seu potencial de se tornar cultuado, atuando de maneira independente e ampliando a abertura para a interação produtiva e ativa com o público. O texto, ainda de acordo com o Jenkins (2005), é desintegrado, como objeto de consumo que se torna; porém, essa desintegração não deve ser entendida como processo esvazio, mas sim como uma modificação 92 agregadora ao texto, e não excludente. De fato, isso ocorre também nas produções da CyberGamba; desmembrado os elementos em que se aglutinam a partir da interação com o jogador. Essas ideias de desmembramento e do consumo excessivo de bens vão ao encontro dos conceitos de perda de Bataille (2013), bem como a decomposição do corpo grotesco. Os jogos de CyberGamba funcionam tal como esboços, decompostos. Ao recortar os personagens, muitas vezes, desmembrando-os e, depois, os reconstruindo, em diferentes formas e proporções, as imagens modificam-se à maneira necessária, como um processo paródico de metamorfose contínua. Em jogos como Street Chaves – e as outras modificações de Street fighter levantadas –, a multiplicidade de personagens desestabiliza os territórios, impossibilitando, em potencial, a própria identificação, perdida em infinitas possibilidades labirínticas, revelando a ausência de forma e da própria identidade. Como paródia desarticulada e grotesca, as produções de CyberGamba são, realmente, vazias, em uma perspectiva de forma acabada e ordenada. Assim, elas estão muito mais a serviço da desordem e do caos, não instaurando nada além do provisório, oriundo da própria falta de sentido da vida paródica. O trabalho de CyberGamba é, então, uma série de jogos paródicos, realizados na perda, desarticulando o originário e modificando-o em constante processo de vir a ser. O riso encontrado em Chaves, tido como moralizante e conservador, é alterado – e subvertido – em alguns dos jogos digitais de CyberGamba. Visto que os jogos e os seus elementos lúdicos participam do processo de aprendizado, assim como as produções do seriado televisivo impactam no mesmo campo, as construções de CyberGamba podem ser tidas como transvalorizantes, como se as produções treinassem a subversão da própria lógica econômica em que estão inseridas. De tal maneira, através da inversão, modificam, potencialmente, seu patamar social, transgredindo a lógica e trazendo, para si, o poder de tirar vidas ou cobrar o aluguel. Contudo, há de se observar a possibilidade dupla da paródia, como já salientado. Chaves é um seriado que já foi parodiado diversas vezes. Mesmo em produções que caricaturam a violência presente no seriado, podemos notar que a paródia atua como um diluidor e reforçador da marca – como no estudo executado a partir da obra paródica realizada pelo grupo EnchufeTV (WASHINGTON; ORDOÑEZ, 2016). Mesmo sendo rechaçada por Bolanõs, como uma obra violenta e que não correspondia ao trabalho original, como mostra a pesquisa, o seriado e a sua marca foram ampliados pela paródia, ainda que violenta. Seu Madruga atua, em Chaves, como Macunaíma, personagem simbólico da antropofagia, reverberando e atualizando sua presença, antropofágica. Apesar do uso quase 93 banalizado dos formatos antropofágicos, CyberGamba, em alguma potência, emula as pretensões oswaldianas em um novo contexto; subvertendo e satirizando as influências hegemônicas com referências estéticas latinas, abarcando, também, a estética da fome e a sua relação continental. Porém, CyberGamba não propôs nenhuma ruptura, inserindo seu trabalho em um sentido histórico, em analogia às outras produções. Sob esse viés, não há o que justifique seu anonimato; suas obras, apesar de transgressoras, não propõem uma ruptura enquanto realidade estética. A ruptura e as subversões em seus trabalhos refletem mais no campo social, provocando, nessa esfera, novas relações imaginárias que tendem a romper com a geopolítica estabelecida. Também, a violência que perpassa as produções de CyberGamba atua de forma semelhante ao trabalho da EnchufeTV e não agride os trabalhos apropriados: em todas as criações referenciadas, a violência é presente de forma explícita. Ainda, podemos entender o impulso da indústria à participação e envolvimento dos jogadores na construção de novos jogos digitais como uma captura, oficializando as modificações. Como já vimos, a indústria dos jogos estimula, atualmente, as modificações, incorporando e controlando as produções, bem como retirando, desse nicho de produção, mão de obra para si. Podemos entender essa atitude como uma antitática da indústria capital – ante o que Huhtamo (1999) chama de “táticas de mídia” – que captura e, também, neutraliza essa produção paródica. Dessa forma, a maneira encontrada pela indústria para se apropriar das produções como as de CyberGamba foi neutralizar e incorporar as modificações, oficializando o uso e estabelecendo regras, borrando os limites entre sério e cômico, profissionalizando, de alguma maneira, o paródico. Esse fato se alinha ao cinismo de Safatle (2008), com a indústria absorvendo a transgressão. Atuando como um consumidor da indústria e jogador ao criar suas obras, CyberGamba expõe, ainda, a crise do próprio lúdico. Huizinga (1971) observa uma tendência de os jogos se tornarem, cada vez mais, sérios, baseados em cálculos, o que gera uma crise eu seu caráter lúdico. Então, os jogos digitais podem ser interpretados como potencializadores da ludicidade e, também, de forma paradoxal, como um neutralizador lúdico: são construídos a partir de cálculos; a indústria de jogos digitais movimenta bilhões e já se comporta como esportes em suas competições; e os jogadores não profissionais, consumidores, gastam horas equivalentes às de seus trabalhos remunerados e descrevem a experiência como tediosa (YEE, 2006). O cinismo talvez se deva ao fato de, aparentemente, a indústria dos jogos digitais impulsionar os jogadores a se distanciarem dos elementos lúdicos de fato, desprovidos de finalidades em si, e a atuarem como consumidores de um produto. 94 Em CyberGamba, de forma mais direta em obras como Madruga craft e Street Chaves, há uma nova relação e ressignificação na construção do ideário racial das obras, impactando a participação dos diversos elementos envolvidos nessa construção possível de raça. O deslocamento desses elementos e a sua nova reconfiguração na construção da obra Madruga craft abre a narrativa, transgredindo as formulações originais, alterando, também, sua influência sobre a construção das estruturas raciais e suas relações econômicas. Assim, Seu Madruga, Chaves, Chiquinha e Dona Clotilde atuam, no jogo digital, como representantes de uma formulação racial que podemos entender como latino-americana. Os personagens de Chaves agem, em Madruga craft, sobre a representação de raças, impactando as relações sociais mundiais; a relação entre América Latina e sua representação racial perante o mundo, influenciada pelas construções raciais. Construída sobre elementos mitológicos europeus e sobre reflexos religiosos do ocidente, a série Warcraft é transgredida, sendo ampliada com a narrativa de Chaves. Com isso, a posição etnocêntrica observada na série de jogos desenvolvida pela Blizzard é deslocada. A representação que, potencialmente, compreende a cultura caribenha – que se insere na América Latina (SOUZA, 2011) – tem sua posição narrativa original transgredida, atravessada pelas iconografias latinas observadas em Chaves, reposicionando, também, os personagens – e as suas construções sociais – do seriado televisivo, em um processo polifônico carnavalesco. As possíveis ameaças em relação a direitos autorais e o seu consequente anonimato são reveladores do esforço capitalista em tomar, capturar, para si, o controle e o poder da linguagem. CyberGamba pode não ser considerado subversivo, de fato, parece tender a reafirmar seus elementos apropriados, porém, através de seu caráter paródico antropofágico, carrega, em si, um risco pela sua ambiguidade. Atuando de maneira totalmente negligente, com o próprio trabalho, CyberGamba age de uma forma potencializada em sua subversão, carnavalizando os campos impactados pelas obras que, antes, eram protegidas pela legalidade referente a direitos de imagem. Outra contribuição da produção de CyberGamba é a valorização da atitude carnavalesca e antropofágica, em sua potência paródica. No estudo de Penix-Tadsen (2016), a periferia é analisada como paródica por seu papel atuante enquanto importadora de uma cultura. Abordagem essa semelhante à de Robert Stam (1989), para quem a produção latino-americana é, necessariamente, paródica. Porém, em um mundo paródico puramente, essa abordagem não esclarece que o próprio produto originário é, potencialmente, também fruto de paródias. Como em Warcraft, que tem, em seu enredo, apropriações de outras obras literárias, como de J. R. R. 95 Tolkien e H.P. Lovecraft (BAINBRIDGE, 2010; SANTOS, 2014; HITCHENS; RUCH, 2013), ainda, incorpora a mecânica de outros jogos pioneiros ao gênero como Dune II (1992), assim como Asteroids (1979), incorporando Space war! (1962); Codename: viper (1990), modificando Ikari Warriors (1986) e Commando (1985); e Freeway (1981), parodiando a própria rotina contemporânea. A paródia não carrega, em si, ideologias como observa Hutcheon (1989). Apesar de recorrente em um contexto periférico, como analisado por Penix-Tadsen (2016), ela não é exclusiva das periferias. A produção da Blizzard atua de forma semelhante à de CyberGamba: incorpora mecânicas de jogo já desenvolvidas, no caso Dune II e outros de Estratégia em Tempo Real (RTS), entrelaçadas às obras de outras mídias – Senhor dos anéis, obras de H.P. LoveCraft, entre outros elementos. De tal modo, o próprio movimento antropofágico é realocado com a produção de CyberGamba. Ainda que, muitas vezes, analisadas por sua construção identitária e sua originalidade, as criações paulistas nos ajudam a revelar e reforçar sua potência também subversiva. Enquanto ato carnavalizado, e paródico, a antropofagia deve tanto à desordem identitária e ao confronto caótico quanto a uma construção de imaginário social. Então, podemos entender que uma das potências da antropofagia carnavalizadora é, justamente, o desordenamento das estruturas, e não o ordenamento; o tensionamento das identidades, e não a sua consolidação. Assim, a produção paulista de CyberGamba age como paródica e carnavalesca, possibilitando revelar o que não estava narrado no oficial, ajudando a clarificar as questões referentes às obras apropriadas, como vimos nas análises do terceiro capítulo. Todos os elementos apropriados investigados foram escarneados pelos trabalhos de CyberGamba, transparecendo diálogos possíveis, abrindo as obras e dando continuidade às narrativas, desmembrando e descontinuando o original. Como vimos, os jogos digitais são potentes suportes para a carnavalização dos elementos culturais. A antropofagia, como um tipo de atitude polifônica e carnavalesca, também encontra, na produção lúdica digital, um campo amplificador de suas práticas; alcançando um topos lúdico nesse espaço. Sempre em adaptação, deslizando, a relação entre antropofagia e jogos é consequência desse mesmo movimento de mutabilidade. Assim, devem ser considerados os desdobramentos do movimento antropofágico no contexto contemporâneo digital, difundindo e provocando contradições. Nas brincadeiras mais elementares, observadas por Huizinga (1971), entre crianças e, até mesmo, animais, o imitar pode ser entendido como uma paródia do próprio homem ou do 96 animal. Nesse sentido, podemos pensar em um homem antropofágico e carnavalesco, que se desenvolveu através do canibalismo e dos rituais sacrificiais, parodiando o próprio corpo por meio de jogos e ritos mortais. São diversos os exemplos de jogos envolvidos pelos rituais sacros que envolviam a morte, mesmo no ocidente (KYLE, 2001). Dessa forma, o homem desenvolveu a sociedade parodiando um corpo grotesco e carnavalesco, que não se ordena e está em constante decomposição. Atualmente, esse corpo se reproduz, como um baixo canibalismo destruidor nos atos de consumo, (ARENDONK, 2008) de maneira semelhante ao mutirão de jogadores digitais que consomem, diariamente, produtos culturais. Esse é o homem antropofágico, mas que foi perdendo, assim como o jogo, a sua capacidade de alto canibalismo, atuando simplesmente de forma destruidora, compulsória e cínica. No contexto contemporâneo, com a crise do lúdico, é possível inferir que todo jogo tende a ser sério – seja pelo seu movimento na indústria, seja pelo seu impacto social, não se configurando um círculo mágico de fato em alguns momentos. Como um desdobramento internalizado da seriedade e, potencialmente, cínico – cinismo que pode muito bem ser observado nos diversos jogos políticos como já mencionados –, os jogos digitais hipermidiáticos já são, em si, de forma compulsória, neutralizados em sua própria capacidade de jogar. Talvez, justamente, a ausência de poder, de ser imerso entre as múltiplas identidades e realidades, seja a possibilidade de brincar de fato em CyberGamba. A negligência da produtora brasileira vai em direção ao ausente do jogo, a perda, e, também, ao espaço lúdico dos jogos, como um brincar descompromissado. O lugar marginal e anônimo é, assim, como algo posto ao lado, inacabado e desinteressado de qualquer compromisso, liberado da sua própria afirmação e acabamento, como uma prática lúdica marginalizada. Podemos entender que a realização lúdica da produção paulista não se dá no ato de jogar, ou de se consumir o jogo digital tal qual estamos acostumados, porém, em um processo de não jogo, ou em um jogar desprovido da mesma intenção, mas, ainda sim, intencional; em um campo marginal ao próprio ato de jogar digital tradicional, seja como jogador ou como construtor. É no próprio ato, realmente, vazio do jogar digital midiático, na construção perdida e anônima, que podemos observar uma potência paródica de fato. De tal maneira, a potência da paródia paulista reside, justamente, em sua negligência e em seu abandono. Assim, a criação negligente da equipe paulista revela, em um ato carnavalesco, a seriedade e a produção, altamente, tecnológica e industrial dos jogos digitais. O autor cita, em entrevista, que a intenção da produção era de diversão entre amigos, frívola. Nesse sentido, é na sua criação desinteressada que está, de fato, o ato lúdico, o ato de criar um jogo desprovido 97 de um sentido sério realmente, ou industrial puramente. Uma vez que esses espaços – jogo e não jogo – estão imbricados cada vez mais, podemos compreender que os jogos contemporâneos tendem a ser todos sérios ou, então, não jogos. Por fim, temos diversas obras lúdicas, mas, aparentemente, não jogamos, de fato, nenhuma. 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS CyberGamba foi um objeto de estudo valioso, revelador e problematizador de vários aspectos do campo de estudo dos jogos, sobretudo dos jogos digitais. Investigamos como foram feitos os seus trabalhos e os novos diálogos e narrativas gerados pela sua produção. Enquanto um arcabouço midiático, as produções paulistas atravessaram diversas outras obras, amplificando os diálogos e a polifonia. Impactos esses que reverberaram em “termos teóricos” e “em termos políticos ou práticos” (YIN, 2001). A obra transpareceu, ainda, como um trabalho relevante e único no contexto nacional, desdobrando-se a outros elementos, igualmente, distintos e que carecem de pesquisas específicas. Seu anonimato, no fim, talvez se justifique realmente pela negligência de uma indústria brasileira. Assim, o considerável impacto econômico dos jogos digitais no Brasil parece, ainda, não reverberar em outras áreas. Também, a carência de informações e entrevistas referentes ao autor paulista é reveladora da omissão do campo; assim como a escassez de pesquisa latino-americana sobre o tema. Acreditamos que, como potente objeto arqueológico midiático, esta pesquisa possa contribuir para a valorização dos estudos no campo dos jogos digitais, sobretudo em um contexto latino-americano. Trabalhos como Roxo!, por exemplo, atravessaram, de forma específica, o contexto político-social de sua época e necessitam de mais estudos, assim como outras produções levantadas nesta pesquisa. Inicialmente, pretendia-se realizar uma entrevista com o criador de CyberGamba, porém, não foi possível entrar em contato com o autor, tornando inviável a conversa. Foram enviados e-mails para todos os endereços levantados durante a pesquisa, postagens em fóruns especializados em jogos digitais foram realizadas, além de ter havido a tentativa de contato com os jornalistas que entrevistaram o desenvolvedor. Contudo, apenas um respondeu e disse não ter mais o contato, justificando que foi há muito tempo. A estratégia de pesquisa em jogos digitais abordada por Aarseth (2003), em que jogar as obras é processo fundamental para a análise, foi etapa importante para o estudo. Alguns aspectos, como a replicação compulsória do personagem Chaves em Madruga craft por exemplo, foram revelados ao jogar os trabalhos, ratificando a relevância desse método de investigação. Possivelmente, apenas lendo uma resenha sobre o trabalho, ou assistindo a um vídeo referente ao jogo digital, não compreenderíamos algumas questões Vimos, inicialmente, a participação fundamental, e primal, dos jogos na construção social e como a plataforma digital desdobra os elementos lúdicos em seu ambiente 99 computacional. Conseguimos, ainda, observar como o suporte contemporâneo atua, em sua dinâmica, a potencializar as modificações, apropriações e paródias. Investigamos, também, de que maneira as estruturas transmidiáticas das produções computacionais amplificam as reverberações polifônicas e carnavalescas bakhtinianas. Assim, esperamos que esta pesquisa contribua para os estudos dos jogos digitais em diálogo com a carnavalização, a paródia e a apropriação. Investigamos, ainda, como a antropofagia alcança um topos lúdico, revelando mais um deslizar do movimento. Esse movimento, enquanto carnavalesco, encontra, também, na plataforma digital, um suporte potencial para seu desdobramento. Observamos, ainda, de forma latente, sua incorporação de ato paródico como prática próxima ao pastiche, analisado nos trabalhos nacionais em desenvolvimento atualmente. As obras de CyberGamba nos ajudaram a esclarecer as potências e as contradições do movimento antropofágico, realocando o campo da atitude antropófaga. Com isso, esperamos que a presente pesquisa possa contribuir para análises contemporâneas das práticas propostas pelo movimento brasileiro, sobretudo no campo de estudo dos jogos digitais. Conseguimos observar que a produção de CyberGamba, de fato, carnavaliza e antropofagiza as obras incorporadas, transcontextualizando e transvalorando os elementos apropriados, potencializando, de maneira polifônica, os trabalhos. A obra paulista se insere, assim, sob a perspectiva desta pesquisa, na tradição do movimento antropofágico, desdobrando a atitude antropófaga em novos campos. Pudemos observar como a produção de CyberGamba, enquanto carnavalesca e polifônica, revelou-nos elementos que o oficial não clarificava, desvelando, criticamente, os objetos incorporados, como o abismo tecnológico entre as nações. Porém, analisamos que, em sua ambiguidade paródica, atua tanto de forma crítica e negativa quanto, por vezes, a reforçar as estruturas as quais se apropria. Com seu caráter dúbio, a criação paulista também não parece carregar, em si, ideologias. Não se pretendia, com a pesquisa presente, estabelecer a obra de CyberGamba como objeto de arte ou não, porém, era intenção inicial tensionar os campos. Como vimos, os trabalhos do paulista se aproximam das práticas de artgames e de outros trabalhos de jogos digitais atuantes no mercado artístico contemporâneo. Ademais, observamos que o suporte contemporâneo atua, possivelmente, mais próximo a um elemento artístico do que a um ato lúdico de fato. Desvelamento esse que ressignifica a própria obra do paulista e outras produções nacionais, atém de problematizar os campos. Por fim, acreditamos que esta pesquisa pode 100 contribuir para a discussão das áreas impactadas pelos jogos digitais, sobretudo sobre o mercado de arte latino-americano. Assim como CyberGamba, sou também desenvolvedor de jogos digitais. Acredito que a investigação acerca da produção paulista ressignifica, ainda, minha própria criação. Pretendo, com isso, realizar, como um desdobramento da pesquisa, a elaboração de novos jogos digitais, potencializados pelo estudo e pelos conceitos investigados. 101 REFERÊNCIAS Bibliográficas 2º CENSO da Indústria Brasileira de Jogos Digitais aponta crescimento de games no Brasil. Assessoria de comunicação/Secretária especial da Cultura, 2018. 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