Quarta-feira, 24 de Setembro de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 817
TV EM QUESTÃO
‘VALE A PENA VER DE NOVO’
A tradição vespertina na TV
Por Julio Cesar Fernandes em 14/01/2014 na edição 781
A faixa de horário vespertina “Vale a Pena Ver de Novo” foi criada pela TV
Globo em maio de 1980 com o objetivo de reprisar telenovelas de seu
arquivo. Antes disso, a emissora já reprisava algumas de suas obras de
teledramaturgia, mas sem uma faixa exclusiva para exibição.
Nesta semana, um fato inédito está ocorrendo no “Vale a Pena”: duas
novelas estão sendo exibidas simultaneamente. “O Cravo e a Rosa”, que
está em sua última semana, e “Caras e Bocas”, que acaba de estrear.
Ambas de autoria de Walcyr Carrasco.
No ano de 2013, como uma estratégia de programação, a TV Globo já havia
flexibilizado a sua grade vespertina ao inverter o “Vale a Pena” com a faixa
de filmes também tradicional “Sessão da Tarde” em algumas cidades.
Uma reapresentação que foge do padrão das novelas na faixa de horário do
“Vale a Pena” foi a do programa “Você Decide”, que era um programa
interativo, em que o público decidia por telefone o final de uma
determinada trama. Durante três semanas de 2001, o formato foi testado
com a apresentação de Susana Werner e com uma novidade em relação à
versão original: a possibilidade de assistir a opção não escolhida pela
internet.
A primeira novela reprisada no “Vale a Pena” foi “Dona Xepa”. Atualmente,
a faixa já apresentou 79 títulos diferentes em mais de 33 anos de
existência. Segundo Elena Corrêa (2006, on-line), o objetivo do “Vale a
Pena Ver de Novo” é de “dar oportunidade de as pessoas reverem sucessos
ou de assistirem, pela primeira vez, para quem não teve chance de
acompanhar a novela quando foi ao ar inicialmente.”
Corrêa (2006, on-line) ainda aponta que, de acordo com a Central Globo de
Comunicação, os critérios para escolha das novelas a serem exibidas são
estratégicos, levando em consideração, inclusive, a manifestação do
telespectador. Outro ponto para a escolha de novelas não muito antigas é
que “há muitos fatores, alguns artísticos, outros técnicos, com impacto na
qualidade visual da obra. [...] Não existe um limite de tempo para que elas
sejam reapresentadas. O que importa é que seja uma boa história, de
interesse do público e de boa qualidade técnica” (CORRÊA, 2006, on-line).
Novelas muito antigas talvez não tenham sido totalmente preservadas e
também a reprise delas pode barrar em alguns problemas judiciais em
relação a contrato com autor e elenco. Já Keila Jimenez (2003, p. D10) ao
citar a escolha de reprise de “Anjo Mau” afirma que “foi baseada no passado
de audiência da trama – esse é um dos critérios de escolha para o Vale a
Pena.”
Os capítulos são adaptados à duração destinada a cada dia na grade de
programação da emissora ao “Vale a Pena”. Assim, novelas que tinham um
determinado número de capítulos na versão original podem ser exibidas em
menos capítulos quando reprisadas, pois há uma compilação ou edição dos
capítulos.
Outra forma de edição dos capítulos pode ocorrer a fim de “adaptação” ao
horário vespertino. Um exemplo aconteceu em 2009, com a reprise de
“Senhora do Destino”, Cristina Padiglione (2009, on-line) esclarece que “a
consolidação da autoclassificação indicativa, trunfo da Portaria que
reformulou as regras para a Classificação Indicativa dos programas de TV,
aliada ao compromisso assumido pela [TV] Globo, com o Ministério da
Justiça, de reeditar cenas não apropriadas para o meio da tarde, são os
itens que têm permitido à emissora a reprise, no ‘Vale a Pena Ver de Novo’,
de novelas originalmente feitas para as 20h.”
Com a reapresentação de “Senhora do Destino” no “Vale a Pena”, a TV
Globo teve vários problemas em relação à classificação indicativa, que
quase interrompeu a reexibição da novela no horário, pois o Ministério da
Justiça não classificava a obra como livre a todos os públicos (MEPER, 2011,
p. 111).
A respeito da escolha pela segunda vez para o “Vale a Pena” da novela “A
Viagem”, o colunista Daniel Castro (2006, p. E12) explica que “‘A Viagem’
não era a primeira opção da [TV] Globo. Sua preferência era reprisar ‘Porto
dos Milagres’ (Aguinaldo Silva, 2001), mas o Ministério da Justiça, mesmo
após a análise de fitas reeditadas, não a liberou para o horário livre.”
Em 2011, para a reprise de “O Clone”, mais uma polêmica. A princípio, a
emissora seria obrigada a reeditar grande parte do conteúdo da telenovela,
tirando de cena uma das principais personagens, Mel, uma usuária de
drogas, representada por Débora Falabella. Por fim, a novela foi adequada,
muitas cenas da personagem foram cortadas, mas o tema do uso de drogas
pôde ser mantido. Bruno Meiper (2011, p. 111) aponta que houve uma
edição nas cenas da personagem Mel entre a versão original e como seria
reapresentada no “Vale a Pena”: “o uso da droga é sugerido, nunca
mostrado, e saem as sequências de quebradeira doméstica. A ênfase recai
em um dos primeiros indícios do vício percebidos pela família de Mel.”
Meiper (2011, p. 111) destaca também que, por conta de sua temática e
personagens, algumas telenovelas estão fora de cogitação para o horário da
tarde. Como exemplo, “Paraíso Tropical”, que teve como personagem de
grande sucesso a prostituta Bebel, interpretada por Camila Pitanga. Além
disso, a trama era baseada em corrupção e outros temas considerados
impróprios para o horário.
Em 2010, de acordo com Jimenez (2010, p. D8) a novela “Alma Gêmea” na
faixa do “Vale a Pena” conquistou 22 pontos de audiência: mais do que as
então novelas das seis (“Cama de Gato”) com 20 pontos e das sete
(“Tempos Modernos”) com 20,6 pontos.
A novela “O Profeta”, quando reapresentada, atingiu “a mais baixa
audiência da história de Vale a Pena Ver de Novo” (CASTRO, 2013, online)
até então. Um quadro que mostra que mesmo com baixo custo para a
emissora, e com grande sucesso, talvez seja preciso uma modificação ou
atualização no horário.
Sobre o horário vespertino, Jimenez (2001, p. E7) afirma que “a audiência
menor e o baixo potencial comercial do horário (os anunciantes preferem a
faixa matutina e o horário nobre) são os motivos da falta de investimento
na grade vespertina na TV aberta.”
Dessa maneira, é preciso que se atente para esta faixa de horário na grade
de programação, que mesmo com uma tradição de reprises de novelas,
talvez precise de uma reciclagem. O exemplo da tentativa de reprisar um
formato diferente como o programa “Você Decide” em 2001, pode ser uma
saída. Mesmo assim, Jimenez (2012, p. E14) alerta: “a reprise de folhetins
é líder isolada de ibope no horário, com o dobro da audiência da
concorrência. A mudança [tirar “Vale a Pena Ver de Novo” da grade] pode
acabar mexendo em time que está ganhando.” Mas a pergunta que fica é:
um time que está ganhando até quando? Pelo menos no caso de “O Cravo e
a Rosa”, a audiência foi satisfatória e como estratégia de programação,
optou-se, pela primeira vez, em exibir duas novelas simultaneamente na
faixa por uma semana para assim tentar fidelizar o público da novela que
está acabando para a atual.
Coleta de dados
A seguir, está um panorama estatístico do “Vale a Pena”, com base no
levantamento de dados das novelas exibidas na faixa de horário desde sua
criação.
O autor que teve mais telenovelas reprisadas, levando em consideração
coautorias, é Walther Negrão. Ele teve nove novelas na faixa do “Vale a
Pena ver de Novo”, seguida por oito de Benedito Ruy Barbosa, Silvio de
Abreu e também Ivani Ribeiro.
AUTORES
Walther Negrão
Benedito Ruy Barbosa
Ivani Ribeiro
Sílvio de Abreu
Aguinado Silva
Cassiano Gabus Mendes
Manoel Carlos
Walcyr Carrasco
Solo Coautoria Total
7
2
9
8
8
8
8
7
1
8
1
6
7
6
1
7
6
1
7
7
7
Vale lembrar que Ivani Ribeiro aparece no ranking dos autores mais reprisados, pois três das
suas cinco novelas foram reprisadas duas vezes. São elas “Mulheres de Areia”, “A Viagem” e
“A Gata Comeu”. Além das três novelas de Ivani, outros dois autores emplacaram uma de
suas novelas duas vezes na faixa: José Emanuel Carneiro com “Da Cor do Pecado” e Walcyr
Carrasco com “O Cravo e a Rosa”.
As telenovelas da faixa das 18 horas são as que mais foram reprisadas no
“Vale a Pena”: representam 43% do total de reprises, com 34 títulos.
Depois, aparecem as telenovelas da faixa das 19 horas, com 23 obras,
totalizando 29%. Outros 25% são das 20 novelas das oito, que são as
novelas apresentadas após o “Jornal Nacional”, que primeiramente eram
exibidas às 20 horas e gradativamente foram sendo adiadas. Hoje, a
“novela das oito” começa após as 21 horas.
Por fim, estão 1,5% de uma novela das 22 horas (horário extinto como fixo
na emissora) e mais 1,5% com o programa “Você Decide”, que apresentou
quinze episódios em três semanas de exibição.
Considerações finais
Ao instaurar mais um horário para as telenovelas em 1980, a Rede Globo
de Televisão pôde ressaltar sua posição em padronizar os horários de seus
programas a partir de 1970. Com isso, além de fidelizar o público com sua
programação linear, sempre presente da forma esperada e na hora
agendada com o telespectador, a emissora mostra que a padronização de
temas e tramas para cada horário e público também é um dos pilares para
o sucesso e da fixação do padrão Globo de qualidade.
Foi constatado também que quase metade das obras reprisadas em “Vale a
Pena Ver de Novo” são originárias da faixa das 18h, horário que
tradicionalmente traz temas mais leves, adaptações literárias e tramas que
entretém sem grandes polêmicas. As faixas das 19h, 21h e o extinto horário
fixo das 22h vêm exatamente nesta mesma ordem de número de reprises.
Sabendo que é uma característica das telenovelas globais a adoção de
temas mais polêmicos, sociais e até mesmo com mais sexualidade, ao longo
da noite, podemos então dizer que o público que assiste ao “Vale a Pena”
procura entretenimento e histórias simples para suas tardes.
A atual classificação indicativa da TV aberta brasileira pode ser um dos
fatores de escolha para as telenovelas reprisadas a tarde, já que a
legislação vigente prevê níveis de violência, sexo e outros temas podem ser
exibidos em cada horário. Porém, os dados coletados indicam que a
preferência por novelas da faixa das 18h, e portanto mais leves, já era
habitual há muito tempo.
Entretanto, mesmo sendo já tradicional, é preciso que a faixa de horário
“Vale a Pena Ver de Novo” se reinvente a fim de continuar na grade de
programação da emissora. O atual caso inédito de reprise de duas novelas
simultaneamente por uma semana corrobora esse fato.
Referências
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XAVIER, Nilson. Teledramaturgia. Disponível aqui. Acesso realizado em 08
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Julio Cesar Fernandes é mestre em Comunicação com ênfase em memória televisiva;
atualmente ocupa o cargo de coordenador de operações do Jornalismo da TV Globo.