Revista Jurídica, Ano XIV, n. 22, 2014, v1, Jan. – jun., Anápolis/GO, UniEVANGÉLICA
REMUNERAÇÃO DE DIRIGENTES DAS ORGANIZAÇÕES DA
SOCIEDADE CIVIL: DISCUSSÃO SOBRE A NOVA REALIDADE NO
TERCEIRO SETOR
LEADERS’ PAYMENT OF CIVIL SOCIETY ORGANIZATIONS:
DISCUSSION ABOUT THE NEW REALITY IN THIRD SECTOR
Airton Grazzioli1
José Eduardo Sabo Paes2
Marcelo Henrique Dos Santos3
Resumo: O presente artigo Remuneração de dirigentes das organizações da sociedade civil: discussão
sobre a nova realidade no Terceiro Setor apresenta inovação e especialidades pelas atividades
desenvolvidas pertinentes à sociedade civil, gerando serviços prestados sem finalidade de lucros.
Torna-se importante, discorrer sobre a evolução e expansão do Terceiro Setor, surgindo entidades e
organizações dedicadas ao trabalho de promoção humana e social. A entidade deve aplicar seus
recursos no objeto social a que se destina, essa é a grande característica das entidades sem fins
lucrativos. As questões sociais são integrantes do Terceiro Setor, desenvolvendo pelo Brasil diversas
atividades de cunho social. Pretende-se apresentar a legislação no que diz respeito a remuneração de
dirigentes estatutários e não estatutários das organizações do Terceiro Setor de assistência social, com
a premissa de discorrer a atuação de entidades que atuam no setor social. A inovação legislativa é
também objeto de estudo no que tange a imunidade tributária em sua percepção constitucional.
Palavra chave: Remuneração de dirigentes; organizações da sociedade civil; terceiro setor.
Abstract: This paper presents innovation and specialties of the activities developed by civil society,
generating services without profit ends. Turns out to be important to discuss about evolution and
expansion of the Third Sector, with the arising of entities and organizations dedicated to promote
human and social work. The entity must apply its resources in the social object which it is destined,
this being the great characteristic of the nonprofit entities. The social issues are imbued in the Third
Sector, developing throughout Brazil various social activities. We intend to present legislation about
statutory and non-statutory leaders’ payments of the Third Sector of social assistance, with the premise
of discuss about the performance of entities of the social sector. The legislative innovation is also
object related to tax immunity in its constitutional perception.
Keywords: Leaders’ payment; civil society organizations; Third Sector.
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP, Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior
do Ministério Público de São Paulo, Mestre em Direito Civil pela PUC-SP, Membro do Ministério Público do Estado de
São Paulo desde 1990. Desde 2005 é titular do cargo de Promotor de Justiça de Fundações da Capital de SP. VicePresidente da Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse
Social.
2
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da UnB, Doutor em Direito Constitucional pelo Universidad Complutense
de Madrid, Procurador de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Membro do Ministério Público
desde 1989. Coordenador do NEPATS – Núcleo de Estudo e Pesquisa Avançada no Terceiro Setor da Universidade
Católica de Brasília. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e
Entidades de Interesse Social.
3
Graduado em Direito, Especialista em Processo Civil e Processo Penal pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em
Direito Sanitário pela UNB, Mestre em Ciências Ambientais pelo Centro Universitário UniEvangélica-Anápolis-GO,
Membro do Ministério Público de Goiás desde 1992, Titular da Promotoria de Fundações e Entidades de Fins Sociais em
Anápolis e de Defesa da Saúde, Coordenador do Curso de Direito da UniEvangélica. Presidente da Associação Nacional
dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social.
1
130
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Introdução
O Processo de Gestão no Terceiro Setor, vale dizer, dos recursos humanos nele
encontrados, apresenta várias peculiaridades, passando pelo tipo de serviço prestado, pela
coexistência de diferentes atividades e pela complexidade dos desafios inerentes à sociedade
civil, na medida em que é direito dela protagonizar com eficiência as tratativas que lhe dizem
respeito, no âmbito social. Mas sem qualquer dúvida, o fator mais importante dentro deste
contexto, é o homem, agente fundamental nos processos sociais e, ao mesmo tempo, objeto de
todas as ações de tal natureza.
É fato incontroverso que o 1º e 2º Setores experimentam sensível retração e até mesmo
certa crítica quanto às motivações de suas ações e grande discussão sobre seus modelos,
especialmente devido ao adensamento populacional urbano e a escassez de recursos naturais
que têm produzido crescente processo de exclusão social.
Nesse contexto, o Terceiro Setor tem-se apresentado como uma força viva apta a
concorrer para a mitigação do largo fosso de miserabilidade que assola nosso país de forma
real, para o recrudescimento da insegurança e dos alarmantes e terríveis aspectos de violência,
vistos não apenas em nossas metrópoles, mas até nas mais interioranas cidades. Importante
salientar que, sob o aspecto da violência ou da segurança enquanto política pública, não se
pode descartar a ingente relevância das entidades do Terceiro Setor, cujas inúmeras interfaces
dialogam de maneira significativa com a cidadania inclusiva, nas áreas e demandas sociais de
inegável influência e, por via indireta, no próprio cenário da criminalidade e da violência.
Mais certo ainda é ser a adequada administração dos recursos humanos o fator
essencial para estabelecer estratégias que aproveitem o máximo de qualificação daqueles que
deslocam o amor de seus corações para o preenchimento das lacunas sociais.
Assim, no presente escopo, pretendemos gizar os principais aspectos referentes à
remuneração de dirigentes estatutários e não estatutários das organizações do Terceiro Setor
de assistência social, tema que recebeu permissão expressa do legislador pátrio e que concorre
para suprir lacuna indesejável e tormentosa para os que atuam no setor social. Trataremos
ainda, de aspectos relacionados a tal inovação legislativa, tais como a imunidade tributária em
sua percepção constitucional.
1. Da construção de uma sociedade mais participativa
O Brasil anda a passos largos, no afã de construir uma sociedade moderna e
efetivamente preocupada com suas demandas sociais. No entanto, apesar da ocorrência de um
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considerável avanço na área social nas últimas décadas, a verdade é que a sociedade brasileira
ainda convive com muitos problemas que a afetam diretamente.
O Terceiro Setor, nesse diapasão, tem sido importante para essa mutação de coisas,
pois a sociedade civil organizada tem fomentado a consciência crítica de um pensamento
uniforme de responsabilidade social. Mesmo porque, não há dúvida de que a construção da
cidadania é uma forma de melhoria da qualidade de vida das pessoas e da sociedade vista de
forma difusa.
Registre-se, inclusive, que, apesar de a democracia estar presente na maioria das
anteriores concepções de Estado, o cenário atual passa por uma nova roupagem, com a
participação popular não somente no processo político, mas também nas decisões do Governo
e na execução de políticas públicas, especialmente na área social.
Nessa linha, o Grupo de Trabalho do Marco Regulatório do Terceiro Setor, liderado
pela Secretaria-Geral da Presidência da República, veio à tona e iniciou suas atividades no
final de 2011, para tentar implantar uma nova realidade nas parcerias entre o Poder Público e
as Organizações da Sociedade Civil (OSC).
Objetiva-se com o Marco Regulatório a construção de uma nova relação entre as OSC
e o Estado, que valorize efetivamente a importância das organizações como parceiras para a
construção de uma sociedade mais justa, especialmente na execução de políticas na área
social.
Várias são as frentes que estão sendo trabalhadas pelo Marco Regulatório, merecendo
destaque a que pretende a edição de novas regras para o repasse de recursos públicos, para a
sustentabilidade e para buscar novos instrumentos de parceria que efetivamente atendam ao
interesse público4; a que trata do “simples social”; da problemática da sustentabilidade das
entidades; do fomento à cultura de doação; dos incentivos fiscais; dos fundos patrimoniais5
etc.
4
5
PL 7.168, de 2014, originado do PLS 649/2011 e apensado ao Pl 3.877/2004, estabelece que o regime
jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a
Administração Pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a
consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração
com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento e altera as Leis nº
8.429, de 2 de junho de 1992, e nº 9.790, de 23 de março de 1999. É considerado o marco regulatório para
convênios com entidades sem fins lucrativos. O PL foi aprovado no Congresso Nacional recentemente e
encontra-se em fase de sanção presidencial. A partir de então, caso sancionado, tornar-se-á Lei.
PL 4.663/2012, de autoria da Deputada Federal Bruna Furlan.
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2. Da possibilidade de remuneração de dirigentes
2.1 Aspectos históricos e normativos
A possibilidade ou não das instituições sem fins lucrativos remunerarem seus
dirigentes é, sem dúvida alguma, um dos assuntos de maior interesse e que gera maiores
incertezas entre as pessoas que, de alguma forma, encontram-se ligadas às entidades do
Terceiro Setor, seja na condição de dirigente, de integrante de algum órgão da pessoa jurídica,
seja na condição de órgão fiscalizador. E, de fato, a matéria não é de fácil compreensão, uma
vez que o seu completo entendimento exige uma análise das legislações tributária e
previdenciária aplicáveis ao contexto e dos títulos e certificados concedidos pelo poder
público, além de outras exigências advindas do próprio ordenamento jurídico.
Certamente, no seu nascedouro – e, particularmente no Brasil, até duas décadas atrás –
essa questão não despertava maiores questionamentos, em razão da pouca dimensão ocupada
pelo Terceiro Setor, fato este que lhe impunha algumas características bastante singulares,
entre elas a preponderância do voluntariado e do espírito altruístico, as quais tinham – e ainda
hoje o têm – grande repercussão na forma com que as organizações são administradas6.
Porém, à medida que o novo modelo de Estado e a própria sociedade civil organizada
imprimiram uma maior participação dessas organizações na prestação de serviços de interesse
da sociedade, verificou-se, de pronto, a necessidade de se dar um perfil mais profissional às
entidades integrantes do Terceiro Setor, surgindo daí a questão inerente ao assunto tratado: a
necessidade de que as pessoas jurídicas sem fins lucrativos possam remunerar os seus
administradores.
De fato, quase que como um senso comum, as pessoas ligam a remuneração à ideia de
que as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, por terem esta natureza, não podem possuir em
seus quadros pessoas contratadas para geri-las e administrá-las, mediante remuneração. Isso,
contudo, é um grande equívoco, tendo em vista que no direito brasileiro não há – e nunca
houve – dispositivo legal que vede o pagamento de remuneração aos administradores dessas
entidades, desde que observados determinados requisitos e, principalmente, a possibilidade de
se pôr em prática essa medida.
A primeira questão que deve ser observada é que a decisão de se remunerar ou não os
dirigentes deve estar expressa no respectivo estatuto, ou seja, este documento deve conter
artigo específico prevendo a possibilidade de remuneração ou, em caso contrário, vedando-a.
6
É interessante, para a compreensão do tema, a leitura do Cap. XII, pág. 508 a 511, da obra de José Eduardo
Sabo Paes – Fundações, Associações e Entidade de Interesse Social – Rio de Janeiro : Ed. Forense, 8ª edição,
2013.
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Essa exigência é obrigatória em razão do que se afirmou quanto à inexistência de dispositivo
legal sobre a matéria; portanto, a norma estatutária é o referencial a ser observado. É
fundamental lembrar que a omissão de dispositivo portador de norma dessa natureza não
permite nenhum pagamento a título de remuneração. Porém, antes mesmo dessa previsão
estatutária, devem os dirigentes analisar o custo-benefício de se adotar tal medida, uma vez
que ela tem repercussão direta nos benefícios fiscais e nos títulos de que é portadora a pessoa
jurídica.
De um modo geral, a legislação tributária, sobretudo a federal, não permite que as
entidades remunerem seus dirigentes e sejam beneficiárias de impostos e contribuições.
2.2 Contornos da novel Lei nº 12.868, de 15.10.2013
Agora, contornos legais foram implementados com a Lei n. 12.868, de 15 de outubro
de 2013. Essa lei modifica o artigo 29 da Lei n. 12.101, de 27 de novembro de 2009, com o
propósito de permitir, sem perda de eventuais benefícios fiscais, a remuneração dos dirigentes
estatutários e dos não estatutários das organizações do Terceiro Setor de assistência social,
assim definidas as reconhecidas e certificadas como entidades beneficentes de assistência.
Importante averiguar-se especialmente se a inovação legislativa, por ter sido trazida ao
mundo jurídico mediante lei ordinária, não conflita com norma constitucional ou outras que
lhe sejam superiores. Para tanto será necessário trazer à discussão alguns conceitos jurídicos,
notadamente referentes à imunidade tributária.
No contexto da abordagem, saliente-se que somente serão consideradas como
Organizações da Sociedade Civil e integrantes do Terceiro Setor as fundações privadas e as
associações de interesse social, a saber, as entidades cujas atividades sejam de interesse da
sociedade civil vista de forma difusa, na área educacional, assistencial, de saúde, cultural etc.
Serão considerados como dirigentes, outrossim, as pessoas participantes da alta
administração das OSC. E estão nesse contexto os responsáveis pela gestão. Com efeito, a
estrutura de poder usual das associações é composta de uma Assembleia Geral integrada por
todos os associados, um Conselho Administrativo e um Conselho Fiscal (muito embora não
obrigatórios pela legislação, absolutamente recomendados pelas melhores regras de
governança corporativa) e uma Diretoria Executiva, esta incumbida de executar a gestão. A
estrutura de poder das fundações privadas é similar, com a coexistência de um Conselho
Curador, um Conselho Fiscal e uma Diretoria.
Deve-se considerar, outrossim, porque importante para a compreensão do tema, a
existência de duas modalidades de dirigentes: estatutários e não estatutários.
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2.3 Dirigentes estatutários e não estatutários
O dirigente estatutário é aquele cujas atribuições são definidas no Estatuto Social e faz
parte do centro de poder principal da OSC. A sua autonomia de fazer ou deixar de fazer em
nome da Organização é definida no Estatuto Social, evidentemente subordinada à observância
do ordenamento jurídico. Em regra ele não possui vínculo empregatício com a OSC e recebe,
como contraprestação aos serviços prestados, uma espécie de “pro labore”, definido pelo
próprio Estatuto ou em deliberação da Assembleia Geral ou Conselho Administrativo,
tratando-se de associação, ou do Conselho Curador ou órgão similar, tratando-se de fundação
privada.
O dirigente não estatutário é aquele responsável pela gestão, cujas atribuições não são
necessariamente definidas no Estatuto Social. Geralmente ele não faz parte do centro de poder
principal da OSC e possui vínculo empregatício com a OSC, em regime celetista. Como tal
deve manter contrato de emprego com a Organização, atendendo aos requisitos do referido
contrato, quais sejam, a pessoalidade, a subordinação, a onerosidade e a habitualidade. Nessa
condição deve ser subordinado a um dos órgãos da estrutura de poder da OSC, deve prestar os
serviços pessoalmente (e não por meio de pessoa jurídica), com habitualidade, ou seja, com
jornada regular de trabalho.
Imperioso considerar, também, a possibilidade do exercício de atividade profissional
do dirigente, para execução de tarefas que não se confundem com suas atribuições enquanto
dirigente. É o exercício da atividade da profissão daquele que ocupa o cargo de gestor.
Esclareça-se, “ab initio”, que a possibilidade de remuneração por tais serviços nunca
enfrentou problemas com a legislação e nem mesmo com os agentes de fiscalização das OSC,
tais como o Ministério Público, o INSS, a Receita Federal, os Tribunais de Contas, etc.
Para exemplificar o exercício da atividade profissional dos dirigentes pode-se citar
exemplo de um OSC com atuação na área de saúde cujo dirigente seja médico e, nessa
condição, preste serviços para a entidade. Ou ainda uma OSC cuja atividade seja educacional
e seu dirigente acumule as funções de diretor ou de professor na respectiva unidade escolar. A
remuneração por tais atividades, no entanto, não pode ser destoante do quanto praticado pela
Organização para os demais profissionais da mesma categoria.
A possibilidade jurídica da remuneração de dirigente não é uma novidade na ordem
legal, na medida em que existe essa possibilidade desde 1999, com a edição da Lei n.
9.790/99 para a OSC qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP).
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O artigo 4º, inc. VI da Lei apontada prevê a possibilidade de se instituir remuneração
para os dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que
a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo
mercado, na região correspondente a sua área de atuação.
A Lei 12.868.13, regulamentada pelo Decreto 8.242/14, por sua vez, trouxe a
possibilidade da remuneração para os dirigentes das entidades beneficentes de assistência
social, que também atuem efetivamente na gestão executiva, explicitando que a opção não
importará em prejuízo à entidade para fins tributários.
E ainda, como inovação legislativa, ela não definiu um parâmetro de valor máximo
para remunerar um Diretor não estatutário, mas prescreveu patamar salarial máximo para o
Dirigente estatutário.
Porém, muito embora a Lei não tenha definido o valor máximo para remuneração do
Diretor não Estatutário, parece óbvio que a OSC deve respeitar o padrão salarial praticado
pelo mercado na sua área de atuação e um valor compatível com a política salarial da própria
Organização.
Em outras palavras, a entidade não pode remunerar o seu Diretor não Estatutário em
valor superior ao praticado na região para atividades similares e nem em valor excessivamente
superior ao maior salário dos empregados da própria OSC, sob pena de caracterizar a
distribuição de seu patrimônio de forma disfarçada.
Em relação ao Diretor Estatutário, por outro lado, a Lei n. 12.868/13 foi expressa em
estabelecer parâmetros legais claros e objetivos. Com efeito, estabelece ela que, para
preservar o status tributário da entidade, os “dirigentes estatutários” só devem receber
remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido
para a remuneração dos servidores do Poder Executivo Federal. Atualmente a maior
remuneração praticada para os servidores públicos federais é de R$ 28.059,29. A remuneração
dos dirigentes, portanto, deve ser inferior a R$ 20.623,57.
Ademais, as mesmas recomendações apresentadas para o Diretor não Estatutário
valem também para o Estatutário, na medida em que, muito embora respeitados os requisitos
fixados claramente pela Lei, deve observar-se o padrão salarial praticado pelo mercado na
área de atuação e valor compatível com a política salarial da própria Entidade.
O dirigente também, para ser beneficiado com a possibilidade de remuneração, sem
implicações tributárias para a OSC, não pode ser cônjuge parente até 3º grau (sanguíneo ou
por afinidade) dos Instituidores, Conselheiros, benfeitores ou equivalentes. Nesse rol são
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incluídos, entre outros, os pais, avós, bisavós, filhos, netos, bisnetos, tios, sobrinhos, sogro,
cunhado, enteado, etc. Trata-se de salutar regra que desestimula o nepotismo no Terceiro
Setor.
A OSC também não pode pagar, a título de remuneração de dirigentes (estatutários e
não estatutários) valor igual ou superior a cinco vezes o limite individual para a remuneração
de seus outros empregados.
A nova Lei foi clara ao dispor que a remuneração do dirigente estatutário ou não
estatutário não impede o exercício de atividade profissional cumulativa, salvo se houver
incompatibilidade de jornadas de trabalho. O texto legal é importante, pois confere segurança
jurídica para as entidades.
2.4 Situação da remuneração no âmbito da Imunidade Tributária
Interessante indagar, na sequência, em primeiro lugar, se a inovação legislativa traz
segurança jurídica para as OSC de assistência social, especialmente para remunerar seus
dirigentes sem riscos para a imunidade tributária; em segundo lugar, se as novas regras são
constitucionais ou não.
Vejamos, primeiramente, a questão da imunidade tributária.
A Constituição Federal, em matéria tributária, possui a natureza analítica, na medida
em que demarca competências legislativas. Nesse sentido o artigo 195, par. 7º, dispõe: “São
isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social
que atendam às exigências estabelecidas em lei.”
A imunidade tributária, nesse sentido, é uma garantia constitucional dirigida
diretamente ao legislador, definindo a proibição de exercício da competência tributária no
âmbito do direito material permitido pela própria Constituição Federal. Em outras palavras, é
uma garantia, com verdadeiro status de direito fundamental, declarando a impossibilidade do
legislador tributar determinado fato.
É questão pacífica na doutrina e na jurisprudência que ao utilizar o termo “isenção” no
artigo 195 da Constituição, o legislador constituinte quis dizer “imunidade”. Houve emprego
inadequado do termo, posto que não se questiona tratar-se de imunidade de contribuições para
a seguridade social por parte das entidades beneficentes de assistência social, atendidos os
requisitos estabelecidos em lei.
A imunidade em questão é vinculante, pois alcança todas as contribuições para o
custeio da seguridade social, devidas pelas entidades de assistência social que atendam aos
requisitos estabelecidos em lei. É chamada de imunidade específica (na medida em que
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limitada a um único tributo), objetiva (posto que beneficia as entidades de assistência social) e
condicionada (aos requisitos definidos em lei).
A Constituição Federal é clara ao dispor que a garantia constitucional depende do
atendimento de requisitos estabelecidos em lei. A esse propósito, imperioso concluir que o
artigo 146, II, do texto constitucional, prescreve que, para regulação da limitação ao poder de
tributar (imunidade) deve ser feita mediante lei complementar para disciplinar a respeito do
seu conteúdo.
Nesses termos:
“Cabe à lei complementar:
(...)
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.”
A lei complementar, por sua vez, ao regular a imunidade tributária, não possui
liberdade plena para tanto. A regulação não poderá inviabilizar a desoneração prevista na
Constituição. Ela deve tratar de aspectos formais, ou seja, elencar medidas capazes de
assegurar a eficácia da imunidade constitucional.
A propósito, a Lei n. 5.172, de 25.10.1966 (Código Tributário Nacional – CTN), foi
recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar, uma vez que
estabelece normas gerais em matéria tributária e regulamentar à limitação constitucional ao
poder de tributar. Nesse sentido, a propósito, é unânime o entendimento doutrinário e
jurisprudencial.
Atualmente a imunidade tributária garantida no artigo 195, p. 7º da Constituição
Federal, é regulamentada pelos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional, com as
seguintes normas:
Art. 9º - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
IV - cobrar imposto sobre:
(...)
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social,
sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo.
Art. 14 - O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância
dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer
título;
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II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
As novas regras jurídicas são de relevância superlativa, pois conferem mais segurança
para as OSC de assistência social (assim entendidas aquelas certificadas e tituladas como
entidades beneficentes de assistência social), as quais, até pouco tempo, conviviam com
entendimentos, muito embora equivocados, de alguns dos próprios órgãos de fiscalização do
Estado, postulando que a remuneração podia significar distribuição de parcela do patrimônio
ou das rendas, pois a norma se refere “a qualquer título”, podendo em tese subentender a
contraprestação por atividade de diretor estatutário.
Com efeito, tanto para a OSC certificada como OSCIP como para a certificada como
de “assistência social”, com dispositivos legais expressos autorizando a remuneração dos
dirigentes, garantiu-se mais segurança jurídica para os administradores.
A clareza do novel texto legislativo também tem importância singular pois
desmoraliza a tese – equivocada como anotado – de que a remuneração dos dirigentes das
organizações sem fins lucrativos importa em distribuição do patrimônio ou das rendas.
Independentemente da OSC ser certificada ou não, quer seja como utilidade pública (federal,
municipal ou estadual), organização social (OS), organização da sociedade civil de interesse
público (OSCIP) ou de assistência social, é legítima (não só sob a ótica da moral como da lei)
a remuneração do dirigente que efetivamente presta serviços para a entidade, pois a
contraprestação pelo trabalho prestado é valor protegido inclusive constitucionalmente.
No contexto desse exercício de reflexão jurídica, cabe avançar no debate sobre o
segundo aspecto já antecipado há pouco, ou seja, se as novas regras são constitucionais ou
não.
Poder-se-ia indagar se a remuneração do dirigente estatutário e não estatutário pode
ser interpretada como distribuição do patrimônio, na forma prevista no art. 14, I, do CTN. Ou
se, tendo em vista que a Constituição exige Lei Complementar para regulamentar a
imunidade, pelo fato de ser Lei Ordinária, a Lei 12.868/13 teria poder para tratar da matéria. E
por ser Lei Ordinária ela garantiria segurança jurídica para as OSC aplicarem-na sem risco de
ter a imunidade questionada, especialmente pelos órgãos de fiscalização?
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A esse respeito, para o dirigente no exercício da sua profissão, o entendimento é
uniforme e não há divergências, nem mesmo perante os órgãos de fiscalização, quanto à
possibilidade de remuneração, sem qualquer implicação para a imunidade ou a isenção
tributárias. Recomenda-se, no entanto, que o Estatuto seja claro a esse respeito, estabelecendo
inclusive o órgão responsável pela fixação da contraprestação pecuniária pelo trabalho
profissional.
Para o dirigente não estatutário importante observar, ainda, que ele deve possuir
vínculo empregatício sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e muito
embora não tenham sido fixados parâmetros pela Lei 12.868/13, é de rigor observar o quanto
foi recomendado anteriormente.
Já para o dirigente estatutário, imperiosa a observância do padrão remuneratório da
região e da própria OSC, além daqueles definidos pela Lei n. 12.868/13.
Ainda no âmbito do debate sobre a constitucionalidade da lei em foco, é muito
importante destacar que, até recentemente, vigoravam termos da Lei 12.101/09, que em seu
art. 29, inciso I, expressamente vedava a remuneração dos dirigentes. Tratava-se de uma
norma de conteúdo negativo.
Destaca-se que, a inovação legislativa trazida pela Lei 12.868.13, de forma
diametralmente oposta, autoriza expressamente a remuneração mediante uma norma de
conteúdo positivo.
Em outras palavras: enquanto antes se proibia a remuneração, hoje se permite
expressamente. E mais: enquanto antes a opção do legislador era por uma norma negativa
(proibitiva), hoje ela é positiva (com conteúdo de permissão).
Nesse contexto, muito embora o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha se
pronunciado definitivamente7, pela composição integral de seus Ministros, da possibilidade
7
Ressalta-se que, em 4/06/2014 foi iniciado o o julgamento de um conjunto de processos em que são
questionadas as regras sobre a imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social.
Começaram a ser julgados, com quatro votos proferidos em favor dos contribuintes, o Recurso Extraordinário
(RE) 566622, com repercussão geral reconhecida, e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2028,
2036, 2228 e 2621. As ações, movidas por hospitais e entidades de classe da área de ensino e saúde,
questionam modificações introduzidas no artigo 55 da Lei 8.212/1991 trazendo novas exigências para a
concessão da imunidade. O ministro Marco Aurélio, relator do RE 566622, votou no sentido de dar
provimento ao recurso interposto por um hospital da cidade de Parobé (RS), e foi acompanhado pelos
ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, havendo em seguida pedido de vista do
ministro Teori Zavascki. O relator das ADIs, ministro Joaquim Barbosa, julgou parcialmente procedente as
ações, reconhecendo a inconstitucionalidade da quase totalidade dos dispositivos impugnados, sendo
acompanhado por Cármen Lúcia e Roberto Barroso, havendo o pedido de vista do ministro Teori Zavascki
também nas ADIs. Segundo o entendimento adotado pelos ministros que já se manifestaram, as restrições
introduzidas na legislação relativa à imunidade para entidades beneficentes e de assistência social não
poderiam ter sido introduzidas por lei ordinária, mas por lei complementar. Segundo o artigo 146, inciso II,
da Constituição Federal, cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
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ou não da Lei Ordinária regular imunidade tributária, o texto constitucional é claro nesse
sentido e é certo que já há um posicionamento parcial da Suprema Corte que permite concluir
a respeito da constitucionalidade da Lei em comento.
A esse propósito, o STF pronunciou-se neste sentido:
- os requisitos para constituição e funcionamento das entidades imunes podem ser
regulados por Lei Ordinária.
- os limites e requisitos da imunidade devem ser regulados por Lei Complementar. 8
Na mesma linha, a orientação firme da doutrina. 9
Portanto permite-se concluir que, enquanto a proibição de remunerar os dirigentes das
OSC seja um requisito para usufruir da imunidade tributária e, portanto, deve vir ao mundo
jurídico por meio de Lei Complementar, a permissão para remunerar é mero requisito de
funcionamento de entidade imune e, como tal, pode ser tratada em Lei Ordinária.
Há, pois, segurança jurídica, atualmente, para a remuneração dos dirigentes das OSC
tituladas como OSCIP, por força das disposições da Lei 9.790.99, assim como para as OSC
tituladas como “entidades de assistência social”, ante a autorização expressa contida na Lei
12.868.13.
Trata-se, pois, de importante e salutar norma jurídica que veio à realidade por meio do
Marco Regulatório do Terceiro Setor, como instrumento de conformação das OSC como
parceiros imprescindíveis do Poder Público para execução de políticas sociais.
Permite-se verificar, nesse contexto, que há segurança jurídica para a remuneração dos
dirigentes, estatutários e não estatutários, para as OSC certificadas como de assistência social,
sem que a iniciativa possa ensejar prejuízos à imunidade e à isenção tributárias.
Conclusões
O Terceiro Setor vivencia no Brasil uma fase de grande e significativo crescimento,
assumindo papel de relevo na construção de uma sociedade mais participativa. Essa mutação
em verdade vem sendo verificada especialmente nas últimas três décadas, mas de forma
acentuada na última.
8
9
RE 93.770/RJ, Min. Soarez Munhoz, j. em 17.03.1981, DJ 03.04.1981, p. 02857.
BOTTALLO, Eduardo. Imunidade de instituições de educação e de assistência social e lei ordinária: um
intrincado confronto. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Imposto de renda: alterações fundamentais. V.
2. São Paulo. Dialética, 1998, p.58.
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Revista Jurídica, Ano XIV, n. 22, 2014, v1, Jan. – jun., Anápolis/GO, UniEVANGÉLICA
Esse processo de mudança, por sua vez, tem exigido das OSC um novo perfil de
gestão e, consequentemente, a possibilidade de angariar gestores profissionais que necessitam
da pertinente remuneração.
No contexto da construção de um Marco Regulatório do Terceiro Setor e dentre
inúmeras outras iniciativas em discussão e construção, a possibilidade de remuneração dos
dirigentes, estatutários e não estatutários, das OSC certificadas como entidades de assistência
social, sem prejuízo às imunidade e isenção tributárias, é instrumento que veio em boa hora.
Ademais, trata-se de importante passo na senda positiva para que as OSC e seus
dirigentes comecem a ser mais valorizados e identificados como vetores relevantes da
desobstrução dos entraves que as têm posto em situação de insegurança jurídica e social.
Tal situação é absolutamente equivocada e inapropriada, notadamente quando se pensa
na extrema necessidade de se fortalecer vínculos para a construção de uma sociedade, de fato,
menos injusta e mais solidária, não apenas como retórica vã, mas como anseio sincero e
impostergável.
Referências
PL 7.168, de 2014, originado do PLS 649/2011 e apensado ao Pl 3.877/2004.
PL 4.663/2012, de autoria da Deputada Bruna Furlan.
PAES, José Eduardo Paes Sabo – Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social Rio
de Janeiro: Ed. Forense, 2013.
Lei nº 12.868, de 15.10.2013.
Lei n. 12.101, de 27 de novembro de 2009.
Decreto n. 8.242/14.
BOTTALLO, Eduardo. Imunidade de instituições de educação e de assistência social e lei
ordinária: um intrincado confronto. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Imposto de
renda: alterações fundamentais. V. 2. São Paulo. Dialética, 1998.
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