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Caio Dayrell Santos Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG A Construção Subjetiva do Atingido pela Mineração: ORCID: https://orcid.org/00000003-3981-7272 Email: cdsantos99@hotmail.com Cartografia Psicoterráticas e Luto Ecológico em Lavra Luiza Quental Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ ORCID: https://orcid.org/00000002-7740-9141 Email: quentalluiza@gmail.com The Subjective Construction of the Affected by Mining: Psychoterratic Cartography and Ecological Grief in Lavra Marco Aurélio Máximo Prado Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG ORCID: https://orcid.org/00000002-3207-7542 Email: mamprado@gmail.com Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 InternationalLicense. Copyright (©): Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização ou reprodução DAYREL, C.; QUENTAL, L.; PRADO, M. A. M.; A Construção Subjetiva do Atingido pela Mineração: Cartografia Psicoterráticas e Luto Ecológico em Lavra. Revista Eco-Pós, v. 25, n. 2, 2022, p.48-72. DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 ISSN: 2175-8689 Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 48 RESUMO Lavra é um documentário híbrido que tanto mapeia os diferentes danos da atividade mineradora em Minas Gerais quanto narra o processo de luto de uma personagem fictícia frente a morte de um rio. Instigado pela ruptura da Barragem do Fundão em novembro de 2015, o longa-metragem executa uma cartografia “psicoterrática” da catástrofe, descrevendo transformações no território ocupado pelo extrativismo a partir dos impactos ambientais e das mudanças no próprio relevo da região, mas também a partir dos desejos e das subjetividades das pessoas que ali habitam. Buscando tecer um quadro conceitual entre ecologia crítica e psicanálise a fim de melhor descrever como desastres ambientais nos afetam no âmbito da subjetividade política, este artigo analisa como Lavra elabora o sofrimento em sua narrativa, performando um luto ecológico em que a categoria de atingido é constantemente revisada e ampliada para abarcar a própria narradora, que se vê engajada com as comunidades e paisagens que visita. PALAVRAS-CHAVE: Mineração; Barragens de Rejeito; Documentário; Luto Ecológico; Cartografia. ABSTRACT Ironland is a hybrid documentary that both maps the different damages of mining activity in Minas Gerais and narrates the grieving process of a fictional character facing the death of a river. Inspired by the rupture of the Fundão Dam in November 2015, the feature film performs a psychoterratic cartography of the catastrophe, describing the transformations in the territory occupied by extractivism both from the environmental impacts and changes in the region's own relief, but also from the of the desires and subjectivities of the people who live there. Seeking to weave a conceptual framework between critical ecology and psychoanalysis to better describe how environmental disasters affect us subjectively, this article analyzes how Ironland elaborates suffering in its narrative, performing an ecological mourning in which the category of affected is constantly revised and expanded to include the narrator, who finds herself engaged with the communities and landscapes she visits. KEYWORDS: Mining; Tailings Dams; Documentary; Ecological Grief; Cartography. Submetido em 21 de Junho de 2022 Aceito em 25 de Agosto de 2022 Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 49 Introdução Que estamos todos emaranhados em redes múltiplas de construção de/o mundo/s, não é nenhuma novidade. Que somos, enquanto sujeitos, constituídos por esse emaranhamento de relações, por esses atravessamentos múltiplos, também parece um senso comum. Mas, como provoca Donna Haraway, os detalhes importam: “os detalhes ligam seres reais a responsabilidades reais” (2016, p. 115, trad. nossa). Os entrelaçamentos que criam o mundo são reais e temporais, são específicos e materiais. É a partir dessas relações específicas que nosso lugar no mundo é tecido e, em decorrência disso, a nossa responsabilidade para com o mundo também. Se, como nos ensina Haraway, nossa tarefa, diante de um presente desafiador como o nosso, é nos tornarmos capazes, uns com os outros, de responder ao desafio, essa resposta é delimitada pelos entrelaçamentos dos quais fazemos parte. O problema – ou pelo menos um deles – é que muitas vezes não lembramos ou não consideramos as existências – vivas e não-vivas – às quais somos vinculados. O documentário híbrido Lavra (2022), dirigido por Lucas Bambozzi e roteirizado por Christiane Tassis, parte de um desses elos esquecidos e que só é lembrado – muitas vezes com estranheza – quando rompido. O longa-metragem propõe uma forma de responder ao presente; de forma mais específica, propõe uma forma de responder à morte do Rio Doce provocada pela ruptura da barragem do Fundão em Mariana em novembro de 2015 e, de forma mais ampla, à devastação socioambiental causado por megaprojetos de mineração em Minas Gerais. Essas respostas passam por um re-entrelaçamento, um re-emaranhamento da protagonista-narradora com uma paisagem, e junto com ela, todos os que ali vivem e lutam. No gesto de criar laços com a paisagem machucada e degradada pela mineração em Minas Gerais, Bambozzi e Tassis constroem um filme que trata o processo do luto ecológico como um processo de elaboração de uma nova identidade através da constituição de novas relações, a partir das quais é possível vislumbrar caminhos de resistência e de resposta política aos desafios do presente. Em um primeiro momento, este artigo se dedica a uma revisão teórica sobre o processo de luto como constituidor de subjetividade a partir de contribuições da psicanálise e do pensamento político de Judith Butler (2004; 2015a; 2015b; 2018). Expandindo a obra de Butler Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 50 para lutas socioambientais, Barnett (2017) argumenta que o luto pressupõe uma elaboração de vínculos do sujeito com os outros. Por consequência, o luto também promove o reconhecimento de uma precariedade compartilhada e uma comunicabilidade ecológica que abrange tanto seres humanos quanto não-humanos. A partir deste quadro conceitual entre ecologia crítica e psicanálise, discorremos como Lavra constrói uma narrativa dos desastres ambientais ancorados em uma narrativa pessoal e ficcional. O segundo tópico introduz tanto o projeto documental de Lavra quanto as catástrofes exploradas no filme. Caracterizamos o filme como uma cartografia audiovisual, em referência à pragmática e ao pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995). Esse trabalho cartográfico pode ser melhor nuançado à luz de conceitos contemporâneos que procuram pensar manifestações de sofrimento mental provocado por danos ou perdas ambientais: a solastalgia (Albrecht et. al., 2007) e o luto ecológico (Cunsolo; Ellis, 2018). Por fim, o terceiro e último tópico se aprofunda no filme propriamente dito, recorrendo a estudos filosóficos, antropológicos e literários para ancorar nossa leitura. A análise é orientada pela jornada da protagonista e narradora de Lavra, a geógrafa Camila, em seu trabalho cartográfico e fúnebre pela paisagem de Minas Gerais. Se no começo Camila se sente deslocada, as viagens, os encontros e introspecções que vivencia a permitem entender a si própria como uma atingida pelo extrativismo, se reconhecendo nesse processo como constituída pelo próprio território devastado. 1. A subjetividade enlutada: precária, comunicacional e pós-humana No canônico Luto e Melancolia, Sigmund Freud (2010 [1914-1916], p. 174) conceitua o luto como “a reação à perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade, um ideal”. Ou seja, para a psicanálise, a perda real do objeto de desejo exige um desligamento por parte do sujeito, que deve trabalhar sob seu investimento libidinal a fim de substituir essa perda. Trata-se de um trabalho sobre a falta que demanda tempo, elaboração psíquica e esforço, mas que também é entendida como saudável e passageira. A melancolia, ao contrário, se distinguiria do luto por um sentimento de autodepreciação em que a perda do objeto amado se confundiria com a perda de si. Portanto, ela já pode ser identificada Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 51 como uma condição de sofrimento mais agudo, em que o sujeito se vê estagnado em um estado de abatimento que tende a se manter indefinidamente como se prolongasse a relação libidinal com o próprio objeto do passado. Neste sentido, a melancolia é experienciada como uma devassidão do sujeito, um ressentimento que, incapaz da consciência da perda, torna-se fixado no objeto imaginado e investido de amor. Em resumo, o pensamento psicanalítico trata o luto como um processo longo de sofrimento afetivo que aciona as relações sociais; mais do que um sofrimento individual, ele é uma elaboração para o reinvestimento nos laços sociais, na memória e no futuro. Mais recentemente, a filósofaJudith Butler (2004) apropriou-se desta categoria clínica para pensar lutas de reconhecimento, aprofundando as fortes implicações políticas, éticas e sociais de processos de luto coletivo, especialmente os difundidos massivamente pelos meios de comunicação. Se opondo a um entendimento moderno e liberal, Butler parte de uma concepção do sujeito que não é fundado em si mesmo. Antes que exista um “Eu”, um ego deliberado e consciente, há sempre uma impressionabilidade, uma qualidade em se identificar com afetos exteriores à própria constituição desse "Eu". É somente depois de interpelado por outros que o sujeito começa a se formar. Frente a demandas, é mobilizado a reagir, a retrucar e a se relacionar com o outro. Nas palavras da autora: Se eu posso tocar, experimentar e sentir o mundo é apenas porque, antes que pudesse ser denominado um ‘eu’, outros agarraram, sentiram, se dirigiram e animaram este ‘eu’. [...] Disso se segue uma forma de relação que poderíamos denominar ética: certa demanda ou obrigação incide sobre mim, e a resposta depende de minha capacidade para afirmar o fato de que atuaram sobre mim, formando-me como alguém que pode responder a tal chamada. Se implanta também uma relacionalidade estética: algo me impressiona, e eu desenvolvo impressões que não podem acabar de me separar daquilo que atua sobre mim. Só me pode comover ou deixar de comover algo exterior que me afeta de um modo mais ou menos involuntário (Butler, 2016; trad. nossa). A subjetividade, então, é convocada pelas alteridades e se vê obrigada a atender uma convocatória que lhe é exterior. Um apelo que não pode ser facilmente rejeitado porque, caso contrário, há que pagar “o preço da destruição do mundo social e relacional” (Butler, 2016,s/p). Frente à interpelação, o sujeito é convocado a apresentar-se ao outro, dizer quem é, de onde vem e para onde vai, desenhando assim uma posição singular em busca de ser reconhecido. Ele Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 52 é compelido a narrar a si mesmo, contar sua história, descrever suas experiências, afirmar e reafirmar sua própria vida. Esse “relato de si” (Butler, 2015a) não se dirige apenas para dentro, mas é um movimento para fora, destinado ao social, a algo que transcende o próprio “eu”. Para Barnett (2017, p. 17-18; trad. nossa), essa concepção do sujeito pressupõe uma comunicação, entendida “não como uma forma idealizada de diálogo ou deliberação, mas sim como um jogo complexo de forças que nos permite afetarmos e sermos afetados por outros, o que faz todas as formas de resposta possível”. Desta forma, ainda que a comunicabilidade dependa de uma sujeição à linguagem e suas normas, estabelecendo padrões de inteligibilidade que condicionam o reconhecimento de uma vida como enlutável, essas normas são sempre em alguma medida negociáveis. Aprofundando as reflexões tardias de Foucault sobre as "técnicas de si”, Butler entende que um relato de si é, antes de tudo, uma forma de encontrar o outro, produzindo deslocamentos e desconstruindo o próprio lugar estabelecido daquele que fala. O relato de si, para Butler, também é compulsório, oriundo de uma relação de responsabilidade implícita na condição humana dada a condição de vulnerabilidade do próprio corpo. É nesse conjunto relacional que o luto requer que o sujeito reconheça e reveja vínculos destroçados pela morte de um outro além dele mesmo: “Quem ‘sou’ eu sem você? Quando nós perdemos alguns desses laços pelos quais somos constituídos, nós não sabemos quem nós somos ou o que fazer. Em um nível, acho que eu perdi ‘você’ só para descobrir que ‘eu’ também me perdi” (Butler, 2004, p. 21; trad. nossa). No caso de Lavra, por exemplo,apesar de não ser mais habitante de Minas Gerais há anos, a protagonista Camila vê sua própria noção de identidade destroçada devido à perda de um senso de lugar de origem a que possa retornar. Isso a leva a procurar relatos de outros atingidos tentando entender a sua própria condição de atingida. Na perspectiva de Butler, a experiência de perda revela ao sujeito sua dependência de um outro para manter sua própria noção de si: aí se instala o trabalho lento e paulatino da memória afetiva de ressimbolizar o deslocamento do próprio eu com a despossessão que segue pela falta do outro. Uma transformação, portanto, tem que ocorrer: “não sou mais quem eu era”. Nesses momentos, o “corpo é desfeito pelo outro” e a existência é exposta como uma relação de interdependência, extimidade e vulnerabilidade. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 53 Se a morte do outro desfaz o sujeito, ele, por sua vez, precisa ser refeito. Através do relato de si, a vida precisa ser elaborada discursivamente diante da falta de um outro que até então o constituía. Daí emerge uma experiência ambígua e opaca, em que através do luto laços relacionais com os outros são elaborados, iluminando nossa interdependência complexa entre comunidades e, por sua vez, nossas responsabilidades políticas e éticas com esses mesmos laços (Cunsolo; Ellis, 2018). Barnett (2017) destaca que essa perspectiva extrapola um entendimento da subjetividade como meramente social, sendo também inerentemente ecológica. Por ecologia, se refere a muito mais do que apenas uma atenção às consequências ambientais de uma ação ou processo. Um pensamento ecológico reconhece não apenas como diferentes coisas estão interconectadas, mas também como se articulam relações entre humanos e agentes não humanos, como coisas, objetos e lugares. Ecologia, nesse sentido, procura incluir “todas as formas que imaginamos como vivemos juntos. Ecologia é profundamente sobre coexistência” (Morton, 2010, p. 4). Não se trata, entretanto, da manutenção de uma harmonia relacional ou um ponto de equilíbrio idealizado, mas de práticas concretas que orientam como lidar com a alteridade em um conjunto determinado de condições. Nas palavras de Barnett (2017, p. 3; trad. nossa), “nenhum relacionamento está simplesmente dado; todas as formas de relação são moldadas por atores de várias formas que interagem e intra-agem entre si”. Nesse sentido, a enlutabilidade para Butler nunca está restrita àquilo tido como “normativamente humano”. Todo ser vivo, incluindo a própria espécie humana, depende de outros seres vivos de outras espécies para garantir sua sobrevivência. Nossa existência é extremamente vulnerável à agência de humanos e não humanos, desde pequenos micróbios a todo o ecossistema que nos rodeia. Por isso, como ela mesmo explicita (2015a, p. 34), precisamos reproduzir e manter “relações com o meio ambiente e com formas não humanas de vida”. O luto, portanto, também pode vir a construir o que Rosi Braidotti (2019) nomeia de “subjetividade pós-humana”. Atenta às aceleradas revoluções tecnológicas e agressivos impactos no meio ambiente do capitalismo global, Braidotti argumenta que o pensamento crítico contemporâneo requer uma concepção de sujeito que seja “pós-humano”. Para a autora, Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 54 a subjetividade extrapolaria a atribuição de nomes a determinado corpo, incluindo processos tanto sociais quanto materiais. Somos, sim, sujeitos sociais, formados pelas relações mútuas com outros humanos; porém, nossa sociabilidade humana não desfaz nossa condição de organismo vivo cuja sobrevivência depende de múltiplos intercâmbios químicos, biológicos e físicos com o ambiente à nossa volta. Portanto, assim como somos subjetivamente constituídos por uma trama de interações com outras pessoas mediadas pela linguagem, nossa existência no mundo é igualmente atravessada por trocas com seres de outras espécies e substâncias orgânicas e inorgânicas1. É neste complexo relacional, simbólico, material e afetivo que se dá o processo de enlutamento e reconstrução dos laços, da memória e das interações sociais. Neste sentido, o social é muito mais que o outro, mas igualmente muitos outros entre humanos e não humanos que constituem este cenário ético da sustentação de um possível mundo entre nós. 2. Uma cartografia psicoterrática da mineração No dia 5 de novembro de 2015, ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Considerado um dos piores desastres ambientais do Brasil e do mundo (Zhouri et. al., 2016), o crime cometido pela mineradora Samarco, uma joint venture da brasileira Vale S. A. com a anglo-australiana BHP Billiton, liberou 55 milhões de metros cúbicos de lama, dando origem a uma onda de aproximadamente dez metros de altura que soterrou os vilarejos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, deixando cerca de 350 moradores desabrigados e matando 19 pessoas. Dias depois, os rejeitos de minério contidos na barragem se misturaram às águas do Rio Doce, foram carregados por mais de 600 km até o litoral do Espírito Santo e lá lançados ao mar. Pelo caminho, dezenas de cidades capixabas e mineiras foram afetadas. O Governo de Minas estima que pelo menos 311 mil pessoas foram atingidas pelo desastre (Sedru, 2016). Lavra toma esse acontecimento como um “incidente incitante” (Mckee, 1997) que rompe com a continuidade da vida da geógrafa Camila, interpretada pela atriz homônima Exploramos melhor o pensamento de Rosi Braidotti e seu entendimento de subjetividade pós-humana em uma publicação anterior (Santos; Quental, 2021). 1 Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 55 Camila Morta. Sensibilizada pela notícia, ela abandona os Estados Unidos, país para onde migrou e onde vive há décadas, para voltar à sua terra natal em Minas Gerais, onde pretende fazer um mapa da catástrofe da mineração. A partir dessa premissa, o documentário registra uma pesquisa de campo em áreas afetadas pelo extrativismo, assim como entrevistas com vítimas do desastre, pessoas realojadas pelas mineradoras, militantes de movimentos socioambientais e moradores de municípios mineiros. Conforme conversa com pessoas de interesse e visita diferentes cidades, Camila percebe que seu objetivo inicial de mapear o território minerado é um trabalho sisífico2. O extrativismo mineral é tão violento que o próprio relevo se torna efêmero, sendo escavado, exportado e desfigurado pelas cadeias de produção do capitalismo global. A “amputação da paisagem” (Milanez, 2019, p. 390) torna qualquer mapa imediatamente obsoleto assim que é produzido. Essa inconstância espacial obriga Camila a buscar um método alternativo que a permita compreender as transformações do ambiente sem totalizar o desastre, valorizando pontos de vista singulares do território possam vir a tona através de múltiplos encontros com sujeitos que o habitam. Ao documentar a complexidade de mapear, Lavra pode ser descrito como uma cartografia audiovisual do desastre. Definida por Suely Rolnik (1989, p. 15) como o “desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo em que os movimentos de transformação da paisagem”, a cartografia é um conceito originalmente da geografia mas que foi apropriado por Deleuze e Guattari (1995) pensar uma prática de pesquisa e de trabalho em outras áreas do conhecimento, como a psicologia, a filosofia e as artes. Mais do que a simples produção de um mapa que pretende representar graficamente uma totalidade espacial supostamente estática, essa abordagem pensa o próprio território em sua contingência, como uma área em permanente construção através do encontro e do embate de diferentes forças e subjetividades. Esta tarefa não implica em abrir mão de mapas provisórios. Em sua pesquisa de préfilmagem, Lucas Bambozzi fez curtos vídeos reunidos em um projeto intitulado Paisagem Danada (Fig. 1).Produzido com a ferramenta Earth Studio do Google, Paisagem Danada agrega imagens aéreas de diferentes fontes, desde vídeos produzidos com drones até imagens de 2 Relativo a Sísifo, personagem da mitologia grega condenado a eternamente empurrar uma pedra para o cume de uma montanha apenas para vê-la inevitavelmente retornar a sua base. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 56 satélite, e as mescla a partir de coordenadas de latitude e longitude. Desta forma, Bambozzi torna visíveis áreas em que o acesso e a gravação são interditados por mineradoras3. Ainda que recorra a representações gráficas do espaço, o trabalho cartográfico de Lavra se foca na constituição das subjetividades, delineando o território para além da superfície material e, desta forma, abarcando o próprio desejo, entendido como força criativa que propulsiona o sujeito a agir e, portanto, como linha constituinte do território. O encontro em si, “elemento fundamental da prática cartográfica” (Costa, 2014, p. 72), toma o protagonismo da escrita documental do filme, demandando uma abertura com o inusitado e o imprevisto. Figura 1 –Vídeo Danação, da série Paisagem Danada (2020), por Lucas Bambozzi. Fonte: Revista Select4. A cartografia do documentário é, portanto, marcardamente psicoterrática, isto é, se preocupa com o estresse psicológico provocado pelas relações do sujeito com o território. O termo foi cunhado por Gleen Albrecht et. al. (2007) e originalmente procurava conceituar 3Lavra chega a expor essa censura quando Fernando e Elizete, moradores de Conceição do Mato Dentro, veem sua fala interrompida por um funcionário da Vale, que proíbe Camila de fazer qualquer registro da mina, mesmo estando apenas na margem de uma estrada e não dentro da propriedade da empresa. 4 Disponível em: https://www.select.art.br/video-de-artista-paisagem-danada-de-lucas-bambozzi/ , acesso 05/09/2022. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 57 diversas perturbações na saúde mental relacionadas com o reconhecimento de riscos e danos causados pelas mudanças climáticas. Conforme os impactos ecológicos da atividade humana se demonstram cada vez mais amplos, mais perceptíveis e em alguma medida irreversíveis, uma intensa sensação de desamparo também se torna cada vez mais generalizada. Para Albrecht, apesar de provocar disrupções intensas nas vidas das pessoas, esse mal estar não se configura como uma patologia, mas sim como uma reação normal diante do estado anormal do planeta e do meio que habitamos. No caso de Lavra, o documentário descreve o sofrimento psicoterrático de solastalgia, uma condição definida como “a dor ou estresse causado pela perda de ou inabilidade de derivar consolo (“solace”) devido a percepção negativa do estado do meio em que habita” (Albrecht, 2007, p. 96). A solastalgia se contrapõe à nostalgia, o estado melancólico causado pelo afastamento da pátria ou da terra natal. Na solastalgia, a tristeza ou angústia não é provocada pela incapacidade de retornar ao lar, mas sim devido ao próprio lugar entendido como lar perder a capacidade de oferecer refúgio e conforto. Em geral, a mineração provoca essa inospitabilidade ambiental de várias formas, como a poluição do ar com a fuligem siderúrgica, o ruído incessante por obras ou pela escavação, o excesso de trânsito nas rodovias, além de efeitos danosos nas comunidades como a fratura do tecido social e perda de modos tradicionais de vida (Milanez, 2019; Muñoz-Duque et. al. , 2020). Minas Gerais, no entanto, é um contexto ainda mais grave devido à insegurança estrutural de suas barragens de rejeitos. As filmagens de Lavra são atravessadas por uma segunda tragédia: em 25 de janeiro de 2019, três anos depois de Fundão, outra barragem se rompe, desta vez em Brumadinho, região metropolitana da capital Belo Horizonte. Foram 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mina do Córrego de Feijão despejados no Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco, contaminando rios e córregos e destruindo casas, pousadas e cultivos agrícolas. Apesar de, em termos de abrangência ambiental, o impacto ser menor que a ruptura de Fundão, o desastre provocou muito mais perdas humanas: 272 pessoas mortas, dez das quais continuam desaparecidas (Quintão, 2021). Além do sofrimento tradicional causado por esses grandes desastres, o episódio de Brumadinho escancarou o problema sistêmico das barragens de rejeito em Minas Gerais. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 58 Meses depois, em junho de 2019, o risco de ruptura da barragem Sul Superior, em Barão de Cocais, fez com que 457 pessoas tivessem que ser evacuadas. No mesmo ano, a Agência Nacional de Mineração (ANM) teve que interditar 54 barragens em todo o país que não atestaram estabilidade. Ainda assim, as rupturas anteriores aconteceram em barragens cujos relatórios estavam em dia (Zhouri et. al., 2016), o que torna a eficácia dessa medida um tanto quanto duvidável. Desta forma, se generaliza a sensação de que, se já houve uma solução para a crise, talvez seja tarde demais para executá-la. À mercê destas estruturas não confiáveis, a população se angustia, antecipando com temor pelo próximo colapso que o Estado e as mineradoras terão fracassado em prevenir. Mesmo sem um desastre espetacular como Brumadinho e Mariana, emerge a consciência de que a qualquer momento o seu modo de vida – e talvez suas próprias vidas – pode ser brutalmente interrompido. Lavra toma essa desolamento ambiental como ponto de partida, porém não se resume a ele. Mais do que apenas retratar a melancolia psicoterrática, o filme propõe um trabalho narrativo desse sofrimento, elaborando as perdas humanas e não humanas provocadas pela mineração, mas também mostrando alternativas para convencer o espectador a se engajar em lutas socioambientais. Se, ao visitar a Serra do Espinhaço, o filme mostra os danos do empreendimento da Anglo American em Conceição de Mato Dentro, emblemático pelas violações de direitos humanos e ambientais, em seguida conhecemos o caso da cidade vizinha do Serro, onde movimentos sociais foram capazes de conter o avanço do extrativismo e assegurar o modo de vida da comunidade local. Sem deixar de denunciar a devastação, o filme nunca se permite flertar com a desesperança. Nesse sentido, apesar de partir de um sentimento de solastalgia, Lavra procura performar um luto ecológico. Conceito concebido por Ashlee Cunsolo em parceria Neville Ellis (2018, p. 275), luto ecológico é definido como “o luto sentido em relação a perdas ecológicas experienciadas ou antecipadas, incluindo perdas de espécies, ecossistemas ou paisagens significativas devido a mudanças ambientais crônicas ou agudas”. Os autores observaram esse estado a partir de trabalhos etnográficos na comunidade Inuit em Labrador, extremo leste do Canadá. Esses indígenas esquimós, autodenomidados como “o povo do mar de gelo” experienciam um profundo sentimento de perda de identidade devido ao aquecimento global. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 59 O derretimento do gelo no Ártico implica na disrupção de sua subsistência através da caça e da pesca e a consequente inviabilização de seu modo de vida tradicional. Apesar de estar relacionado com o conceito de Albrecht et. al. (2007), o luto ecológico extrapola o puro diagnóstico de estresse psicoterrático e instiga a procura por formas de habitar a terra apesar da desolação. 3. A perda da terra demanda reencontro de si “A pergunta inicial era: o que morre quando matam um rio?” A frase que abre Lavra, longe de ser uma reflexão filosófica abstrata, é uma pergunta pessoal. O filme mistura documentário e ficção na medida em que é narrado em primeira pessoa por uma protagonista fictícia, a geógrafa Camila. No início de sua Jornada, ela se apresenta natural de Minas Gerais, mas que migrou aos Estados Unidos buscando uma melhor perspetiva de vida. Comovida por imagens dos noticiários da ruptura da barragem de Fundão em 2015, confessa ser tomada por um sentimento de desorientação após o desastre. Nas suas palavras, a perda do Rio Doce a transformou “de uma estrangeira em busca de seu lugar no mundo a uma geógrafa tentando encontrar o seu lugar”. Em uma voz introspectiva e reflexiva, a protagonista-narradora nos diz: “Quando o Rio Doce foi declarado morto, eu estava a mil quilômetros e trinta anos de distância, mas aquela lama me atingiu em cheio”. Como a lama a atingiu? Por que ela, tão longe do rompimento, sentiu aquela perda? O ponto de partida de Lavra é a percepção de um estranhamento em se ver afetada, atravessada, por um outro não-humano fisicamente distante. A fala é uma pequena pista do que vai se consolidar ao longo do filme, de que, tal como defende Butler, “o eu é uma categoria instável, em permanente atravessamento pelo outro” (Rodrigues, 2020, p. 61). Mas esse outro, como vimos anteriormente, não precisa ser humano. Portanto, o rompimento da barragem foi também o rompimento de um elo que, em maior ou menor grau, é constitutivo para toda uma rede de seres. A lama atinge a protagonista porque ela faz parte dessa rede, ainda que de forma distante. É o rompimento desse elo que desperta na protagonistanarradora uma necessidade, ainda inconsciente naquele momento, de constituir novos laços, de reconstituir-se. Imagens aéreas nos mostram a assombrosa dimensão da catástrofe, e, em Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 60 seguida, a lama refletida num olho castanho, atravessando-o, chamando-o (Fig. 2). É preciso voltar para, nas palavras de Camila, “ver aquilo de perto.” Quando Camila chega a Governador Valadares, ela diz em off que já não tem mais ninguém em sua cidade natal, só a paisagem. A câmera também se relaciona com essa paisagem, que está sempre no campo de visão. Nesse ponto do filme, Camila ainda ocupa um lugar de estrangeira, de alguém que partiu. "Valadares não exporta minério de ferro, exporta pessoas”,comenta ela em frente ao Monumento dos Emigrantes: “Sou uma dessas milhares de migrantes que foram para os Estados Unidos em busca do sonho americano. A praça homenageava nossa coragem e bravura, hoje acho que coragem era ter ficado no Brasil”. Nessa fala, há uma provocação aos poucos comprovada ao longo do filme: não é apenas a terra que é tratada como mercadoria, como explorável até o último grão de minério e abandonado depois que tudo que pode ser vendido é extraído, mas também a própria população humana. Ao se identificar enquanto mineira, isto é, oriunda de Minas Gerais, Camila também acaba se descobrindo inevitavelmente um tanto quanto minério, mais uma commodity massificada e amorfa extraída dos territórios do Sul Global e enviada aos países do Norte. Essa relação é explorada visualmente no filme através das repetidas imagens de trens. Os trens que cruzam e cortam o estado carregam tanto minério de ferro quanto pessoas, e acabam por demarcar o tempo e o espaço da paisagem mineira. Ao capturar, de dentro de um trem, a imagem de outro trem, aparentemente interminável, a narradora lembra dos versos do poema O maior trem do mundo, de Carlos Drummond de Andrade: “O maior trem do mundo/ Leva minha terra/ Para a Alemanha/ Leva minha terra/ Para o Canadá/ Leva minha terra/ Para o Japão”. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 61 Figura 2 – Detalhe do olho de Camila assistindo notícias do desastre de Mariana. Fonte: Lavra (2022), dirigido por Lucas Bambozzi. Para a filósofa Rosi Braidotti (2019), essa comodificação de tudo o que vive é o que caracteriza a economia política contemporânea. Segundo ela, serve ao capitalismo avançado criar uma indistinção entre vida humana e vida em geral, entre animado e inanimado, entre vida e máquina. Apoiando-se numa série de convergências tecnológicas, o mundo se constitui como quantificável e manipulável na escala mais básica e, assim, tudo se torna mercadoria. A antropóloga Anna Tsing (2015) descreve esse fenômeno em termos de alienação. Ela argumenta que ao transformar tanto humanos quanto não-humanos em recursos, o capitalismo imbui pessoas e coisas de alienação, descrita como a habilidade de se isolar do contexto originário, “como se os entrelaçamentos do viver não importassem” (2015, p.25; trad. nossa). Por meio da alienação, pessoas e coisas se tornam ativos móveis; eles podem ser removidos de seus mundos num transporte que desafia a distância para serem trocados com outros ativos de outros mundos, em outros lugares... A alienação evita o emaranhamento do espaço vital. O sonho da alienação inspira a modificação das paisagens em que apenas um ativo autônomo importa; todo o resto se torna erva daninha ou lixo. Aqui, cuidar dos emaranhamentos do espaço vital parece ineficiente, e Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 62 talvez arcaico. Quando seu ativo singular não pode mais ser produzido, um lugar pode ser abandonado. A madeira foi cortada; o óleo acabou; o solo da plantação não suporta mais as colheitas. A busca por ativos continua em outro lugar. Assim, a simplificação para alienação produz ruínas, espaços de abandono pela produção de bens (Tsing, 2015, p. 25; trad. nossa). Ao transformar humanos e não humanos em mercadoria e todo o resto em lixo, a aceleração capitalista constrói ruínas cada vez mais rápido, e com essa política de abandono, desfaz os laços vitais entre os seres vivos e não vivos que habitam determinadas localidades, minando a capacidade de regeneração desses lugares. Ao matar o Rio Doce e abandonar a população à própria sorte, a mineradora age como se o entrelaçamento daquele rio com os que ali vivem não importasse5. Com a chegada de Camila a Governador Valadares, a paisagem rapidamente começa a mostrar sinais do desastre recente: pessoas formam filas para encher galões d’água, uma conversa com o taxista revela que as pessoas estão usando água mineral para cozinhar com medo de usar a água encanada, e um jovem vendedor de água usa como mote “tá cinco reais mas vale mil, a Vale matou o rio”. É um primeiro sinal aparente no filme das consequências da mineração sobre as pessoas e suas vidas, e, à medida que Camila continua sua jornada, essas consequências vão se revelando mais e mais graves. Já na zona rural de Valadares, Joelma Fernandes, agricultora do distrito de Baguari, escava a superfície cor de ferrugem para demonstrar como o desastre afetou o cultivo de plantas. Devido a presença de ferro e manganês nos rejeitos represados, a lama de rejeitos se tornou uma crosta dura que dificulta a infiltração da água e o crescimento da vegetação local, tornando o solo improdutivo. Conhecemos também Seu Zezinho, que teve sua casa destruída pela lama e ficou desalojado. Camila comenta em off: “Nas margens do rio, os que estão à margem, os destroços de um modelo de desenvolvimento.” Do ponto de vista da jornada da protagonista-narradora fictícia, esses encontros são essenciais porque são o que começam a, pouco a pouco, transformá-la. Ao conhecer essas pessoas afetadas diretamente pelo desastre, ao se tornar próxima delas e ver em primeira mão 5 Talvez isso seja melhor simbolizado no termo “Zona de Auto-Salvamento” (ZAS), nome técnico para áreas em que, no caso de ruptura de barragem, a onda de inundação demora até 30 minutos para chegar. Não há dados públicos informando quantas pessoas habitam nessas áreas, mas a terminologia já atesta como empresas desconsideram a responsabilidade de seus empreendimentos com seus vizinhos que, implicitamente, devem garantir a própria sobrevivência sem esperar por socorro alheio. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 63 o que elas perderam e o quanto sofreram com a morte do rio, Camila aprende com elas, se coloca em seu lugar, e começa a se sentir mais pertencente àquela paisagem destruída. Ela vai deixando de ser estrangeira, deixando de ser alienada, deixando de ser ignorante e, desta forma, se reata à paisagem, se entrelaçando com os que vivem ali, os novos laços se tornando cada vez mais constitutivos no processo. Ao mesmo tempo, sua jornada a leva a aprender mais sobre o valor da paisagem em si. Em suas andanças, Camila chega a Itabira, cidade natal do poeta Carlos Drummond de Andrade. Lá, ela se depara com uma ausência na paisagem: o Pico do Cauê, que, após a mineração pela Vale na região, desapareceu. Um morador da cidade lhe conta sobre um plano de fazer uma réplica do Pico, uma prótese da montanha que um dia habitou aquele quadro. Aqui, a poesia de Drummond começa a entrar mais em cena também, explicitando a resistência do próprio poeta à mineração, uma posição em geral desconhecida pelo público comum. José Miguel Wisnik (2018) demonstra que a mineração, enquanto temática, sempre foi uma preocupação no trabalho e na vida do poeta modernista. Como colunista em diferentes jornais, Drummond se posicionava contra a exploração desenfreada dos governos estaduais que, orientados pela promessa de modernização e progresso, não asseguravam o retorno pecuniário à região de Itabira. Por trás do subjetivismo melancólico que marcava seu verso, havia um cuidado com todo um município, assim como a disposição em denunciar uma modernidade que procura não transformar a vida dos pobres, mas sim aprimorar sua exploração. Camila cita os conhecidos versos de “No meio do Caminho” para se referir à própria montanha que foi minerada, desintegrada e vendida pela ação da Vale. A perda da própria paisagem é feita explícita através da justaposição de um antigo arquivo fotográfico à paisagem gravada diretamente pela câmera digital, trazendo ao olhar uma perda do lugar que dificilmente poderia ser imaginado por quem é de fora (Fig. 3 e 4). Neste trabalho de montagem, a “pedra no meio do caminho”, uma figura de linguagem drummondiana para os obstáculos inevitáveis e interrupções recorrentes que marcam a vida, não é exatamente superada, mas velada. O morro onde ficava o Pico do Caué foi tomado pelo pasto, sem deixar nenhum rastro visível de sua existência. Ainda assim, a população local mantém a promessa do poeta viva, não se permitindo esquecer “que no meio do caminho tinha uma pedra”. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 64 Figuras 3 e 4– Antes e depois do desaparecimento do Pico do Cauê em Itabira, MG. Fonte: Lavra (2022), dirigido por Lucas Bambozzi. Camila continua suas reflexões em off: “A tarefa do mapa estava cada vez mais complexa. O minério de ferro que está em tudo que a gente consome também consome paisagens, montanhas e pessoas”. Essa passagem do filme é importante por chamar atenção ao vazio que fica quando uma montanha some da paisagem e à ligação afetiva e emocional que as pessoas têm às paisagens de onde vêm, mas também à forma como a paisagem conta a história de Itabira. Dentro da vertente acadêmica da ecocrítica material, Serpil Oppermann chama essa ideia de que a “matéria não é apenas vivaz, agêntica e generativa, como é teorizado no novo paradigma materialista, mas também densamente histórica" (2018, p. 411; trad. nossa). Para Oppermann, a matéria é histórica (storied matter) na medida em que a matéria também é capaz de narrar, de contar histórias. Em suas palavras: A matéria histórica nos compele a pensar para além do antropocentrismo e sobre nossa coexistência e coevolução na história da própria terra. É, portanto, importante reconhecer a matéria em sua ampla gama de expressões como um ‘lugar de narratividade’ com configurações de signos e significados em andamento e que interpretamos como histórias. Essas histórias se materializam na forma de histórias de evolução, narrativas climáticas, memórias biológicas, registros geológicos, tragédias de espécies e poéticas do DNA. O que torna a matéria histórica é sua ‘agência narrativa’, isto é, uma performance não-linguística inerente a toda ação de forma material, desde corpos até seus átomos, tornando-os contadores ou contados. Seja uma célula, uma baleia que canta, um vento sussurrante, uma pedrinha na praia, um vulcão em erupção, um furacão ou um saco de plástico, a matéria é codificada com narrativas significativas, ou agência narrativa através da qual o mundo se torna eloquente. ‘A matéria histórica é repleta de narrativas’, concorda Jeffrey Cohen, ‘algumas vívidas, algumas pouco legíveis, outras impossíveis de traduzir’ (Oppermann, 2018, p. 412; trad. nossa). Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 65 De acordo com essa perspectiva, o Pico do Cauê, em sua ausência, além de em decorrência do seu encontro mortífero com a Vale, conta história. Conta mais uma história, que, junto aos poemas de Drummond, aos planos dos moradores de Itabira de construir uma prótese do relevo, aos adolescentes contando sobre a depressão dos habitantes e à própria operação do filme em resgatar e remontar esses fios, tecem a complexa tapeçaria que é história de um lugar, de uma paisagem, de um povo. A narradora-protagonista, então, começa a encontrar nas vozes de resistência popular à mineração uma esperança. Após entrevistar Juliana Deprá e Paola Félix, duas ativistas do Movimento pela Soberania Popular na Mineração na região do Serro, Camila diz que as duas lhe despertaram para a sua “própria alienação de uma ideia de comunidade, de coletividade, que eu havia perdido.” Imagens de atos e passeatas públicas contra a mineração enchem a tela de corpos em luta e de esperança. Ela começa a vislumbrar uma saída pelo coletivo, mas é tomada mais uma vez pela lama quando acontece um segundo crime ambiental: Brumadinho. O filme, nesse momento, testemunha em primeira mão a tragédia. Já não de longe, mas de bem perto, Camila nos diz, “dessa vez, eu já não me sentia estrangeira. Eu finalmente me sentia parte do mapa. Eu era feita daquele barro”. Do ponto de vista do roteiro, esse seria o ponto baixo, o momento de crise, em que a protagonista se vê paralisada, sem saber para onde ir. Camila narra um sonho recorrente, em que ela se afoga na lama do Rio Doce. O sonho, o afogamento, é um símbolo desse momento, que é um tipo de morte. Mas é também, como são os sonhos, uma mensagem, uma carta do inconsciente. Em busca de respostas sobre seu sonho, Camila busca conselho junto ao pensador e importante liderança indígena Ailton Krenak. Atingidos pela mineração desde pelo menos as primeiras explorações de ouro no período colonial, os indígenas da etnia Krenak acabaram se dispersando pelo Brasil. No entanto, a maior parte de sua população habita as margens do Rio Doce no município de Resplendor (MG). A cosmologia krenak não imagina o Rio Doce como um “recurso natural” para sua sobrevivência. Chamado de Watu – ou “avô” – pelos indígenas, mais do que proporcionar alimentação, lazer, água para os animais e para irrigação, é um parente com quem estabelecem relações. O Watu, como explicam Pascoal e Zhouri (2021, p. 360), é “um familiar que acolhe, aconselha, protege e contribui para a construção da pessoa Krenak”. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 66 O desastre da Samarco implica para esses indígenas sofrimentos tanto psicoterráticos quanto somaterráticos (Albrecht, 2007) – isto é, estresse no corpo do sujeito provocado por suas relações com o ambiente. A subjetividade Krenak é tradicionalmente constituída através de sua interação com o Watu. Ao nadar, pescar, remar e caçar nas suas águas, ao aprender a identificar as plantas úteis para a medicina tradicional, eles constroem sua identidade pessoal. Além disso, cuidam da saúde do corpo e do espírito a partir rituais de purificação em que se banham coletivamente no rio. A própria tristeza, “pensada como uma espécie de doença pelos Krenak” (Pascoal; Zhouri, 2021, p. 381), era tratada às margens do Watu. No documentário, Ailton Krenak explica para Camila que, para ele e as pessoas de sua aldeia, a lama da mineração deixou o rio “em coma”. Seu povo vela esse seu estado de coma. Ele explica: No pensamento mais estável desse povo indígena da beira do rio, esse lugar tem outra dimensão para além dessa paisagem machucada aqui, ferida, e do Watu em coma. Nós estamos aqui velando o estado de coma dele. A gente não desiste dele. E ele tem reagido de uma forma muito boa: ele tem saído de si e entrado nos nossos sonhos. O Watu cura a gente, temporariamente não podemos entrar nele, mas ele cura (LAVRA, 2022; grifo nosso). Velar o rio é uma atividade de cuidado do rio, e esse cuidado, para os Krenak, é o que faz com que Watu comece a reagir e sair de seu coma, ainda que num primeiro momento, através dos sonhos6. O luto, aqui, é verbo, é público e é coletivo. Como explica Carla Rodrigues, “a condição de enlutável não é algo que se dê apenas quando a morte acontece, mas bem ao contrário, ser enlutável é condição para que uma vida seja cuidada desde o seu nascimento, é condição para que uma vida seja reconhecida como vida” (2020, p.69). Para os Krenak, que sempre entenderam o rio como vivo, como digno de cuidado, tem uma reação que é de cuidado quando esse rio aparece em coma. Em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak (2019, p.24) chega a descrever como a nossa facilidade de ver o rio como mais uma coisa do mundo separada de nós mesmos é o que permite sua destruição: 6 Em resposta à crise hídrica que já os assola há anos e agravada com o desastre de 2015, os Krenak iniciaram projetos de recuperação de algumas nascentes da Terra Indígena, ativamente agindo para a recuperação do Watu(Pascoal; Zhouri, 2021) Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 67 Quando nós falamos que o nosso rio é sagrado, as pessoas dizem: “Isso é algum folclore deles”; quando dizemos que a montanha está mostrando que vai chover e que esse dia vai ser um dia próspero, um dia bom, eles [os brancos] dizem: “Não, uma montanha não fala nada”. Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos. Além de transmitir essa outra forma de pensar sobre o rio, o encontro com Krenak, no filme, tem mais uma função: a de reposicionar a o sonho. Longe de ser uma maneira de escapar da realidade imediata, o sonho, para os Krenak, é uma forma de vislumbrar outros mundos e receber mensagens importantes. A partir do encontro com Krenak, e munida de toda a experiência acumulada no decorrer do filme, Camila toma o microfone em um encontro de mulheres organizado pelo Movimento de Atingidos de Barragens: “Ganhei muita força descobrindo a vida toda que tem em cada uma de vocês e cada um desses lugares”. É aqui, num espaço de coletividade, que Camila expõe seu rosto completamente pela primeira vez para a câmara. A escolha consolida o que o filme tenta nos dizer desde o início: que somos constituídos pelas relações que nos atravessam. E, agora, após um reatamento de laços antigos à terra natal e a criação de novos vínculos com as pessoas atingidas pela mineração e que fazem resistência à mesma, Camila assume uma nova identidade. Uma identidade que pertence a uma rede complexa de seres vivos e não vivos com quem compartilha uma relação de ética e de responsabilidade. É nesse sentido que, retomando Haraway (2016), os detalhes importam. As relações que Camila construiu ao longo do filme lhe implicam uma forma de responsabilidade, isto é uma habilidade de responder. Responder a uma situação, para Haraway, requer conhecimento, requer ver de perto e ouvir histórias. Requer transformar-se. É esse o movimento que o filme consegue mostrar na jornada de sua protagonista. De alienada e estrangeira a parte de uma comunidade e comprometida com a mesma. Esse comprometimento, essa habilidade de responder é nítida em como Camila encerra sua fala no encontro: “Essa força me dá muita alegria e muita coragem para estar junto de uma maneira que ainda não sei como”. O filme termina com um sonho. “Então o Watu, o Rio Doce, entrou no meu sonho. Eu mergulhei nele e ele mergulhou em mim também” narra Camila: “Ele estava vivo, e nós Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 68 também”. O sonho representa o nascimento de uma nova subjetividade consciente de seu entrelaçamento com a paisagem. Essa mistura, esse atravessamento entre rio e personagem, sintetiza o filme, que nos ensina que enlutar uma paisagem, um rio, e todos os que vivem à sua margem, passa por reconhecer-se parte dessa paisagem, parte do rio, parte do povo na margem. É o que Donna Haraway (2016, p. 1; trad. nossa) chama de “criar parentesco” [making kin] em “linhas de conexão inventivas como prática de viver e morrer bem uns com os outros no presente espesso”. É saber profundamente que quem morre quando matam um rio somos todos nós, todos que fazemos parte de sua rede de relações, conscientes disso ou não. E é também saber que todo mundo vai ser atingido pela lama a não ser que nos transformemos também, que assumamos novas identidades, e façamos novas alianças. Conclusão Lavra introduz sua protagonista, não como corpo, mas sim como voz. No começo do documentário, Camila está sempre com a câmera na mão, atrás dela ou, no máximo, com sua nuca no primeiro plano. Em alguns momentos vemos seus cachos pretos, mas nunca seu rosto. Em um primeiro momento, esse enquadramento parece atestar um compromisso em manter um distanciamento científico, em que a pesquisadora se restringe a apenas observar e comentar o que observa, mantendo um grau de objetividade ao trabalho. No entanto, essa distância, mais do que meramente a obediência a um rigor técnico, é um indício do próprio deslocamento da protagonista, que, diante da morte do Rio de sua infância, se vê incapaz de se sentir implicada com a região que estuda enquanto geógrafa. Camila são olhos que observam e uma voz que analisa, mas, por enquanto, não é propriamente um sujeito. A cartografia deleuziana é uma pragmática pensada como uma “pesquisa-intervenção”. Isso não implica necessariamente que o cartógrafo se torna um militante de uma causa, mas que assume ser co-engendrado pelas linhas de força dos territórios que delineia e das subjetividades que encontra. Nesse sentido, o ato de pesquisa em si mesmo deve ser entendido como um processo de constituição do próprio pesquisador enquanto sujeito. Em Lavra, isso se faz claro pelo uso da categoria do “atingido”. Camila, ao entrevistar diversos moradores de regiões afetadas pela mineração, pessoas cujas vidas foram e continuam sendo diretamente atingidas pelo extrativismo, se reconhece a si mesma enquanto atingida. Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 69 Em resumo, nossa análise da estrutura e narrativa de Lavra, à luz de um quadro conceitual tanto da psicologia política quanto do ecocriticismo, mostra como o sofrimento provocado pelos desastres das barragens em um primeiro momento entendido como apenas vicário, ou seja, experienciado de segunda mão apenas por ter assistido imagens na televisão, adquire materialidade e intimidade a partir das trocas proporcionadas pelos encontros com outros atingidos. Se, em um primeiro momento, ela se sente comovida, mas desnorteada pela perda da terra natal, Camila consegue elaborar essa perda ao ponto de se confundir com o próprio Rio Doce, com a paisagem devastada e, nessa identificação com o não-humano, se relocalizar enquanto sujeito fundado sobre um território. Referências bibliográficas ALBRECHT, G. et al. 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FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602016000300012. ____________________________________________________________________ Caio Dayrell Santos - Universidade Federal de Minas Gerais–UFMG Doutorando em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, comunicólogo e jornalista graduado pela UFMG com período sanduíche na Universidad Autónoma del Estado de México. Participa do grupo de pesquisa MARGEM - Democracia e Justiça, onde desenvolve pesquisa sobre catástrofes ambientais, imagens de sofrimento e subjetividades políticas. Email: cdsantos99@hotmail.com Luiza Quental - Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Mestra em Comunicação e Cultura pela UFRJ e formada em cinema pela PUC-Rio. Roteirista, escritora e pesquisadora, ela escreveu e dirigiu dois curta-metragens que passaram por diversos festivais nacionais e internacionais. Em 2022, foi selecionada e participou do Laboratório de desenvolvimento do Festival Cabíria com sua série “Quero ser uma montanha”. No campo da pesquisa, tem interesse pelas áreas de estudos de ciência, tecnologia e sociedade e humanidades digitais. Email: quentalluiza@gmail.com Marco Aurélio Máximo Prado - Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Doutor em Psicologia Social pela PUC/SP, professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+. Possui estágio de pós-doutoramento na Universityof Massachusetts/Amherst com apoio da Fulbright Foundation. É bolsista PQ-1D/CNPq. Atual presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia - ANPEPP. Email: mamprado@gmail.com Dossiê O Choque dos Acontecimentos: Retórica e Política das Comoções Públicas https://revistaecopos.eco.ufrj.br/ ISSN 2175-8689 – v. 25, n. 2, 2022 DOI: 10.29146/ecops.v25i2.27905 72