e-ISBN: 978-65-87719-11-5
PARADIPLOMACIA
AMBIENTAL
ENVIRONMENTALPARADIPLOMACY
AGENDA2030
Fernando Rei, Maria Luiza Machado Granziera e Alcindo Gonçalves
(Organizadores)
Chanceler
Dom Tarcísio Scaramussa, SDB
Reitor
Prof. Me. Marcos Medina Leite
Pró-Reitora Administrativa
Pró-Reitora de Graduação
Pró-Reitor de Pastoral
Profª. Dra. Mariângela Mendes Lomba Pinho
Profª. Dra. Rosângela Ballego Campanhã
Prof. Me. Pe. Cláudio Scherer da Silva
Coordenador
Prof. Me. Marcelo Luciano Martins Di Renzo
Conselho Editorial (2020)
Prof. Me. Marcelo Luciano Martins Di Renzo (Presidente)
Prof. Dr. Fernando Rei
Prof. Dr. Gilberto Passos de Freitas
Prof. Dr. Luiz Carlos Barreira
Prof. Dr. Luiz Carlos Moreira
Profª Dra Maria Amélia do Rosário Santoro Franco
Prof. Dr. Paulo Ângelo Lorandi
Prof. Dr. Sergio Baxter Andreoli
Editora Universitária Leopoldianum
Av. Conselheiro Nébias, 300 – Vila Mathias
11015-002 – Santos - SP - Tel.: (13) 3205.5555
www.unisantos.br/edul
Atendimento
leopoldianum@unisantos.br
Fernando Rei
Maria Luiza Machado Granziera
Alcindo Gonçalves
(Organizadores)
PARADIPLOMACIA
AMBIENTAL
Environmental Paradiplomacy
AGENDA 2030
Santos
2020
[Dados Internacionais de Catalogação]
Departamento de Bibliotecas da Universidade Católica de Santos
Maria Rita C. Rebello Nastasi - CRB-8/2240
Paradiplomacia ambiental - Agenda 2030 = [e-book]:
environmental paradiplomacy / Fernando Rei, Maria
Luíza Machado Granziera, Alcindo Gonçalves (Organizadores).
-- Santos (SP) : Editora Universitária Leopoldianum,
2020.
340 p.
e- Edição
multilíngue
-
-
e-
-
-
-
-
1. Direito ambiental. 2. Política internacional. 3.
Livros eletrônicos. I. Rei, Fernando Cardozo Fernandes.
II. Granziera, Maria Luiza Machado. III. Gonçalves,
Alcindo - 1952-. IV. Título. V. Título : Environmental
paradiplomacy.
CDU: e-book
Revisão
Autores / Edul
Revisão de Tradução
José Martinho Gomes e Deise Maria Biazon
Planejamento Gráfico / Diagramação / Capa
Elcio Prado
Sobre o ebook
Formato: 160 x 230 mm • Mancha: 130 x 200 mm
Tipologia: Times New Roman (textos/títulos)
Este ebook foi produzido em outubro de 2020.
Distribuidora Loyola
Rua São Caetano, 959 (Luz)
CEP 01104-001 – São Paulo – SP
Tel (11) 3322.0100 – Fax (11) 3322.0101
E-mail: vendasatacado@livrarialoyola.com.br
Colabore com a produção científica e cultural.
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...................................................................................08
INTRODUCTION...................................................................................10
PRESENTACIÓN.....................................................................................12
ODS 1 - A POBREZA HUMANA FRENTE À AUSÊNCIA DE MORADIA
E AO ACESSO AOS SERVIÇOS BÁSICOS: A ATUAÇÃO DOS ENTES
SUBNACIONAIS E PODER LOCAL EM SÃO PAULO, COMO MEIO
PARA O ALCANCE DO ODS 1 E META 1.4...........................................14
Maria Luiza M.Granziera e Karla Aparecida V. Alves da Cruz
ODS 2 - FOMENTO MUNICIPAL À AGRICULTURA URBANA
SUSTENTÁVEL COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL.................................32
Raul Miguel F. de Oliveira e Aklla Guimarães Sales
ODS 3 - A ATUAÇÃO DOS GOVERNOS SUBNACIONAIS NO
ENFRENTAMENTO DA CRISE PANDÊMICA MUNDIAL DA COVID-19
NO BRASIL............................................................................................50
Antonio C. N. Pereira da Silva, Fernando C. Fernandes Rei, Alfésio Luis F. Braga e
Luiz Alberto A. Pereira
ODS 4 - DESAFIOS PARA UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE:
ANÁLISE DOS DADOS DO FÓRUM POLÍTICO DE ALTO NÍVEL DAS
NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
(HLPF) - 2019........................................................................................67
Débora Gomes Galvão
ODS. 5 - POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESPAÇO SUBNACIONAL: A
IMPORTÂNCIA DE MECANISMOS DA PARADIPLOMACIA PARA
PROMOÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES E INCLUSÃO SOCIAL,
COM EXEMPLOS DO ESTADO DE SÃO PAULO.............................81
Adriana M. Yaghsisian, Gabriela S. Garcez e Simone A. Cardoso
ODS. 6 - FALTA DE SANEAMENTO: O PREÇO QUE O ESTADO E A
POPULAÇÃO PAGAM.........................................................................109
Francine Delfino Gomes
ODS 7 - EFICIÊNCIA ENERGÉTICA: O PAPEL DA ANEEL NA
IMPLEMENTAÇÃO DAS METAS DO ODS 7......................................130
Maria A. dos Santos Accioly e Antonio C. dos Santos Baltazar
ODS 8 - ODS 08 - A IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO SUBNACIONAL
DO CRESCIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL. ANÁLISE DO
ODS 08 NO ESTADO DE SÃO PAULO................................................142
Valéria Cristina Farias e Fernando Rei
ODS 9 - INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA: A
APLICABILIDADE DA BIOARQUITETURA COMO INSTRUMENTO
VIÁVEL NO ALCANCE DAS METAS 9.1 E 9.A....................................165
Fernanda Cuculo Abdul-Hak Antelo
ODS 10 - ALÉM DO HABITUAL: REFLEXÕES SOBRE PROPOSTAS
DE SOLUÇÕES DURÁVEIS NO ÂMBITO DAS MIGRAÇÕES
FORÇADAS...........................................................................................170
Rosilandy Carina Candido Lapa
ODS 10 - A SPATIAL DIMENSION TO TACKLE INEQUALITIES
WITHIN COUNTRIES.................................................................183
Rodrigo Messias
ODS 11 - LOS RÍOS URBANOS COMO EJE DE TRANSFORMACIÓN
DE LAS CIUDADES SOSTENIBLES: LA EXPERIENCIA DE
MEDELLÍN..................................................................................200
Jorge Jurado
ODS 12 - O PROTAGONISMO DE ENTES SUBNACIONAIS NA
PROIBIÇÃO DO AMIANTO NO BRASIL: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA
A CONCRETIZAÇÃO DA ODS 12.4...................................................214
Celi Aparecida C. Honain e Flávio de Miranda Ribeiro
ODS 13 - EL ESTADO DE SAO PAULO Y SU ESTRATEGIA
RELATIVA AL CAMBIO CLIMÁTICO EN EL CONTEXTO DE LA
PARADIPLOMACIA EN RED...............................................................230
Fernando Rei e Mariângela Mendes Lomba Pinho
ODS 14 - ODS 14 E META 14.C: O RISCO DO TIRO SAIR PELA
CULATRA............................................................................................244
Antonio Elian Lawand Junior
ODS 15 - MATA CILIAR, RECURSOS HÍDRICOS E O PROGRAMA
NASCENTES NO ESTADO DE SÃO PAULO: ENFRENTAMENTOS
PARA OFERTA DE ÁGUA...................................................................268
Andrew Rangel dos Reis e Cleber Ferrão Corrêa
ODS 15 - MAINSTREAMING BIODIVERSITY: THE SUBNATIONAL
GOVERNMENT EXPERIENCE...........................................................285
Maria Luiza Machado Granziera e Renata Gomez
ODS 16 - A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA SOCIEDADES
INCLUSIVAS: A CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADES MULTINÍVEL E
MULTIATORES NO CONTEXTO DA AGENDA 2030.........................300
Maria Luiza Machado Granziera e Rhiani Salamon Reis Riani
ODS 17 - COMPLIANCE E A PARCERIA GLOBAL PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL...............................................315
Heloize Melo, Danielle M. T. Denny e Priscila B. Walker
APRESENTAÇÃO
Q
uando a Agenda 2030 foi adotada em 2015, após um longo processo
de negociação, especialistas em paradiplomacia ambiental aspiraram
resultados ambiciosos e inclusivos em função das metas estabelecidas. Muitos
autores deste livro também contribuíram nesse processo, advogando uma visão
territorial e uma perspectiva subnacional dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS).
As características universais, transformadoras e inspiradoras dos ODS são
particularmente importantes para os governos subnacionais. Os ODS, desenvolvidos a partir da Agenda 2030, podem não representar imensa inovação à
primeira vista, especialmente considerando que diversos governos têm trabalhado na maior parte de seus temas há muitos anos, porém, eles já influenciam
significativamente as políticas subnacionais, com resultados expressivos.
Ao traduzir os ODS para diferentes realidades e planejar sua implementação, os governos subnacionais têm a chance de rever a elaboração de suas políticas, melhorar a coordenação temática e impulsionar os ânimos em serviços
públicos por meio do engajamento de cidadãos e especialistas na construção e
implementação de uma agenda renovada para territórios regionais e locais.
Este livro é o resultado de uma colaboração frutífera com parcerias de pesquisadores da América Latina e da Europa, que também trabalham com governos subnacionais e suas redes e organizações. Seus autores se propõem a apoiar
a implementação da Agenda 2030 no nível de governos subnacionais, provendo
especialidades e técnicas que possam ser replicadas e divulgadas.
Os capítulos incluem a produção de conteúdo de qualidade acerca das
experiências na efetivação da Agenda 2030, assim como relatórios acerca da
inclusão de governos subnacionais em avaliações nacionais. A organização
deste livro, realizada pelos Grupos de Pesquisa “Energia e Meio Ambiente”
e “Governança Global” do Programa de Doutorado em Direito Ambiental
Internacional da Universidade Católica de Santos, Brasil, serve como uma
base conceitual para a paradiplomacia ambiental, formando conhecimento e
diretrizes em apoio às capacidades de governos subnacionais em implementar
os ODS.
O livro também almeja compartilhar a contribuição de governos subnacio8
nais para os ODS e compreender o processo interno empreendido por diversas
regiões para incorporar e transformar a agenda global sob um enfoque regional,
refletindo suas circunstâncias específicas.
Boa leitura!
Fernando Rei
Maria Luiza Machado Granziera
Alcindo Gonçalves
9
INTRODUCTION
W
hen the 2030 Agenda was adopted back in 2015, experts in environmental paradiplomacy were excited to see the ambitious and inclusive result after a long negotiation process. Most of all, several authors of this
book have also contributed to that process advocating for a territorial vision and
a subnational perspective of the SDGs.
The universal, transformational and inspirational traits of the Sustainable
Development Goals (SDGs) are particularly important for subnational governments. The SDGs, developed under the 2030 Agenda, might at first sight not
represent a huge innovation, especially when considering that several governments have been working on most of their themes for many years, but they
already have greatly influenced subnational policies.
When translating the SDGs into different realities and planning for their
implementation, governments have the chance to review policy making, improve thematic coordination and boost morale in public services by engaging citizens and experts in the construction and implementation of a renewed agenda
for regional and local territories.
The purpose of this book aims to support the implementation of the 2030
Agenda at the level of subnational governments, providing expertise and best
practices that can be replicated and showcased. This book is the result of a fruitful collaboration with partner researchers in Latin America and Europe, many
of whom work specifically with subnational governments and their networks
and organizations.
The chapters include the production of quality content about the experiences on the implementation of this agenda and reports on the inclusion
of subnational governments in national reviews. This book was organized by
the “Energy and Environment” and “Global Governance” Research Groups
from the Doctoral Program in International Environmental Law of the Catholic University of Santos, Brazil, and serves as the basis for environmental
paradiplomacy, establishing knowledge and guidelines that support subnational
governments’ capacities to implement the SDGs.
The book also aims to share subnational governments’ contribution to the
SDGs and understand the internal process undertaken by several regions to
10
incorporate and transform the global agenda into their own, reflecting their
specific circumstances.
Regards
Fernando Rei
Maria Luiza Machado Granziera
Alcindo Gonçalves
11
PRESENTACIÓN
C
uando se adoptó la Agenda 2030 en 2015, luego de un largo proceso
de negociación, los especialistas en paradiplomacia ambiental aspiraran resultados ambiciosos e inclusivos acordes a las metas establecidas. Muchos
autores de este libro han contribuido a este proceso, abogando por una visión
territorial y una perspectiva subnacional de los Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS).
Las características universales, transformadoras e inspiradoras de los ODS
son particularmente importantes para los gobiernos subnacionales. Los ODS,
desarrollados a partir de la Agenda 2030, pueden no representar una inmensa
innovación a primera vista, especialmente considerando que varios gobiernos
han estado trabajando en la mayoría de sus temas durante muchos años, sin
embargo, ya influyen significativamente en las políticas subnacionales, con resultados expresivos.
Al trasladar los ODS en diferentes realidades y planificar su implementación, los gobiernos subnacionales tienen la oportunidad de revisar su formulación de políticas, mejorar la coordinación temática e impulsar el espíritu de
servicio público a través de la participación de ciudadanos y expertos en la
construcción e implementación de una agenda renovada para los territorios
regionales y locales.
Este libro es el resultado de una fructífera colaboración con investigadores
de América Latina y Europa, quienes también trabajan con gobiernos subnacionales y sus redes y organizaciones. Sus autores proponen apoyar la implementación de la Agenda 2030 a nivel de los gobiernos subnacionales, brindando
especialidades y técnicas que puedan ser replicadas y difundidas.
Los capítulos incluyen la producción de contenido de calidad sobre las
experiencias en el desarrollo de la Agenda 2030, así como informes sobre la
inclusión de los gobiernos subnacionales en las evaluaciones nacionales. La organización de este libro, realizado por los Grupos de Investigación “Energía
y Medio Ambiente” y “Gobernanza Global” del Programa de Doctorado en
Derecho Ambiental Internacional de la Universidad Católica de Santos, Brasil,
sirve como base conceptual para la paradiplomacia ambiental, formando conocimiento y directrices en apoyo de las capacidades de los gobiernos subnacionales para implementar los ODS.
El libro también tiene como objetivo compartir la contribución de los gobiernos subnacionales a los ODS y comprender el proceso interno emprendido
12
por diferentes regiones para incorporar y transformar la agenda global desde
una perspectiva regional, reflejando sus circunstancias específicas.
¡Buena lectura!
Fernando Rei
Maria Luiza Machado Granziera
Alcindo Gonçalves
13
A POBREZA HUMANA FRENTE À AUSÊNCIA DE MORADIA E
AO ACESSO AOS SERVIÇOS BÁSICOS: A ATUAÇÃO DOS ENTES
SUBNACIONAIS E PODER LOCAL EM SÃO PAULO, COMO
MEIO PARA O ALCANCE DO ODS 1 E META 1.4.
Maria Luiza Machado Granziera1
Karla Aparecida Vasconcelos Alves da Cruz2
ODS 1 - Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.
Meta 1.4 - Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre
a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas
tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças.
INTRODUÇÃO
A
despeito das divisões socioeconômicas, a humanidade é una, da mesma
forma que os países, desenvolvidos ou não, fazem parte de um mesmo
planeta, no qual muitos danos experimentados, como os ambientais, ignoram
as fronteiras das nações e são suportados globalmente.
A pobreza, que conduz a condições de subdesenvolvimento humano impactam individualmente as pessoas, produzindo um ciclo pernicioso nas famílias,
nas cidades, nos países e na sadia qualidade de vida global, ante os danos decorrentes da precariedade sofrida pelos menos abastados economicamente e suas
consequências.
Relatório do Banco Mundial (WORLD BANK GROUP, 2018) constatou
1
Professora associada do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Possui graduação em Direito pela Universidade de
São Paulo (USP), mestrado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e
doutorado em Direito (Departamento de Direito Econômico e Financeiro) pela Universidade
de São Paulo (USP). Advogada em São Paulo. Especialista em direito administrativo e ambiental
com ênfase em implementação políticas públicas, direito de águas, atuando principalmente em
recursos hídricos, meio ambiente, saneamento, contratos públicos, concessões e licitações. É líder
do Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente, cadastrado na CAPES.
2
Procuradora do Município de São Vicente. Doutoranda em Direito Ambiental Internacional
pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Mestre em Direitos Difusos e Coletivos
pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES). Pós-Graduada lato sensu em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura/SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de
Santos. Integrante do Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente da UNISANTOS. Professora
de Direito na UNISANTOS e UNIMES.
14
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
que quase metade da população global ainda vive abaixo da linha da pobreza,
situação que enseja a análise das privações de direitos que vem sofrendo essas
pessoas e dos reflexos sob o ponto de vista do desenvolvimento sustentável.
Em âmbito mundial, a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas
insere, dentre outros Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o ODS 1, visando “acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares” e
como meta 1.4 “até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos,
bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra [...]”.
A precariedade das condições de vida de relevante parte da população, que
sobrevive sem renda para suprir suas necessidades, revela a importância da análise do tema da pobreza sob o aspecto multidimensional, buscando-se por meio
do presente tratar dos problemas decorrentes da ausência de acesso a moradia e
serviços básicos, como abastecimento de água potável e esgotamento sanitário,
no ambiente urbano.
Considerando que mais da metade de população mundial vive nas cidades,
é nesse ambiente que se constatam relevantes situações de pobreza humana, das
quais se originam risco à vida e relevantes danos ambientais, como se pode observar nos espaços urbanos ocupados irregularmente por pessoas de baixíssima
renda.
O presente capítulo leva em consideração que a erradicação da pobreza é
uma necessidade global, que apresenta peculiaridade locais. Partindo de uma
análise do Brasil, cuja autonomia interna dos entes federados, consagrada na
Constituição Federal de 1988, distribui competências entre eles e possibilita a
descentralização das políticas sociais, entende-se que a atuação pelos entes subnacionais pode ser um relevante instrumento de cooperação para implementar
medidas, visando propiciar melhores condições para os cidadãos.
Diante da relevância dos impactos decorrentes da miséria humana nas cidades, o presente trabalho visa abordar possíveis sugestões para enfretamento
do problema relacionado ao atendimento da demanda habitacional, pela governança, com a efetiva atuação dos entes distintos do poder central, como um dos
caminhos para atender ao ODS 1 e meta 1.4.
1. Análise conceitual da pobreza
A definição de pobreza apresenta diversas concepções, sendo o critério mais
aceito, pela objetividade, o do Banco Mundial, que desde o Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial de 1990, introduziu a linha internacional de pobreza estabelecida monetariamente em dólar (WORLD BANK GROUP, 1990).
A concepção estabelecida foi no sentido de medir a pobreza de renda em
15
Paradiplomacia Ambiental
relação a uma linha que, primeiro, refletisse os padrões de pobreza absoluta nos
países mais carentes do mundo e, segundo, correspondesse ao mesmo nível real
de bem-estar em todos os países. O primeiro requisito levou os pesquisadores do
Banco Mundial a ancorar a linha de pobreza internacional nas linhas nacionais
de pobreza dos países em desenvolvimento muito pobres. No segundo requisito
foi observada pelo Banco Mundial a utilização de taxas de câmbio de paridade
do poder de compra, em vez das nominais, para converter a linha em dólar
americano, ante a importância dessa moeda (FERREIRA; JOLLIFFE; PRYDZ,
2015).
Inicialmente, a linha de pobreza foi estabelecida em menos de US$1,00 por
dia (World Bank Group, 1990). Em razão da publicação de novos critérios de
paridade do poder de compra, a linha pobreza extrema foi revista em 2005 para
US$ 1,25, bem como em 2015 teve nova revisão estando fixada, desde então,
em US$ 1,90 (FERREIRA; JOLLIFFE; PRYDZ, 2015).
Em complemento à linha internacional de pobreza de US$ 1,90, que continua sendo o limite para nortear o objetivo de acabar com a pobreza extrema
até 2030 (ODS 1), foram apresentadas duas novas linhas de pobreza: uma para
países de renda média-baixa, fixada em US$ 3,20/dia e uma linha para países de
renda média-alta, fixada em US$ 5,50/dia. O uso desses novos parâmetros monetários considera os custos diversos inerentes aos países e possibilita comparações entre eles, tanto dentro das regiões em desenvolvimento como entre essas
regiões, constituindo critérios mais relevantes em termos globais (FERREIRA;
SÁNCHEZ-PÁRAMO, 2017).
Em que pese a preponderância da análise da pobreza, com base em medidas
quantitativas monetárias, como as linhas de pobreza retro expostas, releva considerar que a questão merece avaliação sob uma perspectiva mais ampla.
A pobreza é um fenômeno multidimensional que envolve aspectos absolutos, quanto ao não atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital,
isto é, aos fatores necessários à sobrevivência física (AZEVEDO; BURLANDY,
2010), bem como os relativos, quando é definida levando-se em conta o estilo de
vida do restante da sociedade, existindo variáveis a serem consideradas como ter
fome, doença, não ter onde morar, estar vulnerável economicamente, sentir-se
socialmente excluído, sentir-se isolado, não saber ler ou, simplesmente, não ter
renda para comprar o que se deseja (COMIM; BAGOLIN, 2002). A pobreza
relativa difere de lugar para lugar, referindo-se à exclusão social dos indivíduos
em relação à sociedade em que vivem, definindo necessidades a serem atendidas
por meio das políticas públicas.
Para Amartya Sen (2010), a pobreza não é um conceito definido de forma
única e exclusiva, não devendo ser identificada com o critério de padrão de escassez de renda, mas sim como “privação das capacitações básicas”. Sen (1993)
16
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
observa que “a abordagem da capacitação avalia o estado de uma pessoa em
termos de sua habilidade real de alcançar vários funcionamentos de valor como
parte do seu viver”.
A mencionada abordagem da capacitação desenvolvida por Sen, baseada
no conceito de desenvolvimento humano, tem merecido análise nos relatórios
do Banco Mundial e do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD).
Para que se defina a pobreza de forma adequada há necessidade de considerar variáveis inerente a múltiplos aspectos, quantitativos e qualitativos que
incluem, além da renda, acesso à educação, saúde, habitação, saneamento e
também a liberdade de escolha entre os tipos de vida que uma pessoa tem razão
de valorizar (SEN, 2010). A pobreza, sob essa visão, pode ser entendida como
um processo de privação de capacitações para alcance de uma vida digna.
2. Os relatórios mundiais sobre o desenvolvimento e o recente
cenário
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, sem deixar de
considerar os critérios monetários, aborda em seus relatórios a multidimensionalidade da pobreza, como a negação de oportunidades e escolhas, que são
básicas para o desenvolvimento humano, revelando preocupação com a qualidade de vida das pessoas. Como aponta o mais recente Relatório do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2019), baseado nos levantamentos do Banco Mundial
(2018), atualmente cerca de 600 milhões de pessoas vivem com menos de US$
1,90 por dia, apesar da luta contra a pobreza ter obtido um progresso considerável nas últimas décadas.
Conforme estudo do PNUD (2019), a taxa de pobreza extrema de rendimentos diminuiu de 36%, em 1990, para 8,6%, em 2018. Porém, ainda se revela inaceitável esse padrão, uma vez que poderá não ser suficiente para erradicar
a pobreza até 2030, para atendimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável3.
A pobreza de rendimentos, como considerado pelo PNUD (2019), reconhecendo a complexidade e visão muldimensional do tema, é apenas uma forma
de pobreza, considerando que “os mais desfavorecidos padecem de privações
3
Conforme expressamente considerou o relatório de 2019, quanto ao cenário de redução da
pobreza até 2030: “Atualmente, a cada minuto, 70 pessoas escapam à pobreza, mas, assim que a
maioria dos países asiáticos alcançarem o objetivo de pobreza, as projeções apontam para que a
taxa de redução da pobreza abrande para menos de 50 pessoas por minuto, em 2020. A taxa de
pobreza mundial projetada para 2030 varia entre 4,5 por cento (cerca de 375 milhões de pessoas)
e quase 6 por cento (mais de 500 milhões de pessoas). Mesmo as projeções mais otimistas preveem
que, em 2030, mais de 300 milhões de pessoas vivam em situação de pobreza extrema na África
Subsariana”. (PNUD, 2019, p. 67)
17
Paradiplomacia Ambiental
sobrepostas, de normas sociais discriminatórias e da ausência de capacitação política. Os riscos e as vulnerabilidades só enfatizam a fragilidade das realizações”.
Da mesma forma, o relatório do Banco Mundial vai além da pobreza monetária para englobar no conceito o acesso a saneamento e água tratada, educação
ou eletricidade, considerando que afetam o bem-estar das famílias (WORLD
BANK GROUP, 2018).
Quanto à América Latina e Caribe, o Banco Mundial, constatou no relatório publicado em 2018, que houve menos prosperidade compartilhada de
2010 a 2015 do que nos anos anteriores, uma vez que suas economias sofreram
o impacto de uma desaceleração nos preços globais de commodities, apontando
que a região tinha quase 11% da população com renda inferior a US$3,20 por
dia e mais de 26% com renda inferior a US$5,50 por dia, em 2015. Destaca o
Banco Mundial que “a pobreza, na região, estava mais associada a aspectos não
monetários, tais como a falta de acesso a água potável, saneamento adequado
ou energia elétrica” (WORLD BANK GROUP, 2018).
Os mencionados relatórios elaborados pelo PNUD e Banco Mundial consideraram realidades anteriores a 2020, período no qual o mundo foi atingido pela pandemia da COVID-19 (OPAS Brasil, 2020)4, situação que causará
impactos econômicos catastróficos, alterando vertiginosamente as estimativas
realizadas pelos referidos órgãos quanto ao desenvolvimento global e a possível
diminuição da pobreza.
Consoante a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL (ONU-CEPAL, 2020), a pandemia da COVID-19 alcançou a América Latina e o Caribe em um momento em que seu desempenho econômico e social é
fraco, tendo a região crescido em uma taxa estimada de apenas 0,1% em 2019,
entretanto, como resultado da pandemia da COVID-19, as projeções para 2020
devem ser reduzidas de forma significativa.
Cabe considerar que o Brasil, por sua vez, já sofria no período, com
elevada desigualdade social, crise econômica e política, cenário que certamente
será agravado. A título elucidativo, quanto a realidade nacional, conforme
levantamento do IBGE, divulgado em 28 de fevereiro de 2020, portanto não
considerando os efeitos da COVID-19, a taxa de desemprego no Brasil ficou em
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários
casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China,
decorrentes de um novo tipo de vírus. A OMS declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto
da doença causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2, responsável por ocasionar a COVID-19
constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de
alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de
março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. Foram confirmados no mundo 2.314.621 casos de COVID-19 (72.846 novos em relação ao dia anterior) e 157.847
mortes (5.296 novas em relação ao dia anterior) até 20 de abril de 2020.O Brasil confirmou
40.581 casos e 2.845 mortes até a tarde do dia 20 de abril de 2020 (Organização Pan-Americana
da Saúde – OPAS Brasil, 2020)
4
18
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
11,2% no trimestre encerrado em janeiro, atingindo 11,9 milhões de pessoas.
Além disso, o total de pessoas fora do mercado de trabalho alcançou 65.733 milhões,
patamar recorde desde o início da pesquisa, no primeiro trimestre de 2012 (IBGE,
2020).
Segundo a Organização das Nações Unidas, a COVID-19 atingirá países em
desenvolvimento de forma desproporcional, ocasionando uma crise de saúde
no curto prazo, mas uma “devastadora crise social e econômica ao longo dos
próximos meses e anos”, estimando uma expectativa de perda de renda superior
a 220 bilhões de dólares (ONU, 2020).
Em recente relatório elaborado pelo Banco Mundial, publicado em 12 de
abril de 2020, acerca da economia nos tempos da COVID-19 na América Latina
e Caribe foi estimado quanto ao Brasil uma retração de 5% no Produto Interno
Bruto (PIB) neste ano. Caso isso ocorra, o número de pessoas vivendo com
menos de US$ 1,90 por dia no Brasil aumentará para 14,7 milhões até o fim
de 2020, representando 7% da população brasileira na taxa de pobreza extrema
(WORLD BANK GROUP, 2020).
O Fundo Monetário Nacional - FMI publicou em 14 de abril 2020 relatório
da perspectiva mundial da economia, prevendo uma queda de 3% da economia
global neste ano diante da pandemia de COVID-19, a maior recessão mundial
desde a Grande Depressão de 1929 (INTERNATIONAL MONETARY FUND,
2020). A economia brasileira, por sua vez, deve recuar 5,3% este ano (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2020), semelhante a estimativa do Banco
Mundial retro apresentada (WORLD BANK GROUP, 2020). Em 2021, projetando uma possível recuperação da economia no país, o FMI estima um avanço
no Brasil de somente 2,6% (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2020).
A Organização Internacional do Trabalho - OIT, em estudo publicado em
7 de abril de 2020, apurou que 81% da força de trabalho do mundo, ou seja,
2,7 bilhões de pessoas estão em países onde o confinamento, obrigatório ou
recomendado, foi estabelecido. Em razão das horas de trabalho diminuídas em
6,7% no segundo trimestre de 2020, houve o equivalente à perda de 195 milhões de empregos em tempo integral (ILO, 2020). Relevante considerar que a
OIT, em seu relatório, aponta a necessidade de políticas para mitigar os resultados que podem ser ocasionados em razão da crise, garantindo os postos de
trabalho, situação que pode significar a possibilidade de manutenção financeira
das pessoas, para que preservem suas moradias e acesso aos serviços básico,
objetivando não aumentar o número de pessoas abaixo da linha de pobreza.
A crise decorrente da pandemia ou agravada por ela, em especial nos países
em desenvolvimento, deve conduzir a uma reapreciação das políticas públicas,
para que se busquem meios mais eficazes de afastar as desigualdades e propiciar
sistemas mais justos e sustentáveis. Os critérios relativos à pobreza mundial e às
19
Paradiplomacia Ambiental
medidas para a sua redução merecerão novas análises, bem como o necessário
reconhecimento de que a privação de direitos essenciais como moradia e acesso
a serviços básicos podem trazer problemas globais ainda mais severos.
3. O impacto da pandemia na cidade irregular
Partindo a análise do cenário da COVID-19, a pandemia explicita de forma
dramática problemas nos espaços periféricos, nas ocupações irregulares, existentes há décadas e constantes dos relatórios sobre a pobreza global, que já acarretavam prejuízos ao meio ambiente e a saúde pública, mas que atualmente ganharam relevância, diante das consequências gravíssimas que podem ocasionar.
Como considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2020) “outras condições sociais, como planejamento urbano precário e superpopulação
em algumas cidades, serviços deficientes de gestão de resíduos”, podem contribuir para a elevação do número de casos de COVID-19.
É relevante motivo para preocupação, exemplificativamente, o fato de que,
“até 75% da população nos países menos desenvolvidos não têm acesso a água
e sabão”, o que poderá causar sobrecarga ante os “hospitais com recursos limitados e sistemas de saúde frágeis”, como apontado pela Organização da Nações
Unidas (ONU, 2020).
Tendo em vista que a COVID-19 é uma doença com elevado índice de
contaminação entre as pessoas, as condições de higiene no ambiente das cidades, o acesso a água e saneamento para garantir a salubridade e dignidade dos
cidadãos em suas moradias, representa ainda maior importância, para a saúde
pública e os impactos globais da pandemia.
Historicamente, as cidades são os principais epicentros de epidemias, sendo
que a alta concentração de pessoas e atividades amplifica os riscos de transmissão de doenças infecciosas (ONU-HABITAT, 2020). Ocasiona ainda maior
impacto a conjuntura precária da população que ocupa áreas irregulares, privadas de urbanização e serviços públicos essenciais, dificultando o implemento
das principais orientações para evitar contaminação pessoal e propagação da
doença.
No Brasil, no estado de São Paulo, o maior número de mortes pela doença
se concentra nas áreas pobres, não apresentando relação proporcional quanto
à quantidade de casos confirmados ou de idosos5, podendo-se concluir que a
A pesquisa foi realizada pela Rede Nossa São Paulo, uma organização da sociedade civil, que
analisou que os distritos na cidade de São Paulo com mais favelas possuem o maior número de
óbitos, concluindo que “fatores como renda e saneamento também explicam a correlação entre
os mapas”. Conforme os dados divulgados pela Prefeitura de São Paulo, em 17 de abril p.p.,
Brasilândia, na Zona Norte, possuía o maior número de morte, com 54 vítimas, seguida de Sapopemba, na Zona Leste, com 51, além de Cidade Tiradentes, com 37 morte e São Mateus com 41
mortes, ambos localizados na Zona Leste (VEJA, 2020).
5
20
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
COVID-19 é uma questão de saúde pública, potencializada por questões sociais,
políticas, econômicas e ambientais.
Quanto à Região Metropolitana da Baixada Santista, local que apresenta o
maior número de infectados pela pandemia no Estado de São Paulo e um dos
maiores índices do Brasil, o número de óbitos decorrentes da COVID-19, na cidade de Santos, também representou maior relevância nas áreas mais carentes.
Conforme levantamento realizado pela Prefeitura Municipal de Santos (PMS,
2020), apesar de o maior número de infectados residirem em bairros da orla da
praia, ocupados tradicionalmente por pessoas com maior poder aquisitivo, o
número de mortes é mais elevado nas regiões carentes da cidade, destacando-se,
a título de exemplo, o bairro da Vila Nova, no qual das 7 (pessoas) infectadas,
até 24 de abril de 2020, todas vieram a óbito (TRIBUNA, 2020).
A pandemia torna claro para a humanidade que a existência de mais da metade da população mundial abaixo da linha de pobreza e sem acesso a moradia
e serviços básicos acarreta efeitos nefastos à sobrevivência global, como segue
destacado:
O novo coronavírus se espalha pelo mundo sem distinção de bairro, idade, raça ou classe social. Entretanto,
prevê-se que o impacto seja muito mais expressivo para
as populações vulnerabilizadas, em especial as que vivem
em assentamentos informais, como favelas, loteamentos e
ocupações, bem como a população em situação de rua (a
ONU-HABITAT, 2020).
O descaso na solução de problemas nas cidades, envolvendo a política
habitacional se reflete na realidade atual, consoante o último censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, realizado em 2010 (IBGE, 2011), já defasado (o próximo seria realizado este ano). Cerca de 11,4 milhões de pessoas vivem
em 6.329 favelas em todo o país, sendo 50% das moradias nessas condições
localizadas no sudeste do país (cerca de 23,2% em São Paulo e 19,1% no Rio de
Janeiro), situação que representa desafios ainda maiores, ante a pandemia.
A questão não é nova, conforme o referido censo. 84% da população brasileira vive em cidades, o que representa em 50 anos, cerca de 130 milhões de
novas pessoas nesse ambiente, ensejando desafios cada vez maiores para sua
gestão (IBGE, 2011).
A precariedade vivida nos bolsões de pobreza existentes no meio urbano
tende a se agravar com a pandemia, ante a impossibilidade material do atendimento das orientações relativas ao isolamento e medidas simples de higiene,
salientando a ONU-Habitat (2020), entre as principais dificuldades a serem enfrentadas: “limitações dos equipamentos de saúde, falta de saneamento básico,
falta de abastecimento de água, precariedade das moradias e acesso à informa21
Paradiplomacia Ambiental
ção sobre a doença e sua prevenção”.
Em razão da proximidade com os problemas enfrentados nessas comunidades que ocupam áreas irregulares, a atuação dos governos locais por meio de
políticas públicas direcionadas se revela fundamental, para que o impacto da
pandemia não seja ainda mais grave nesses territórios.
4. A atuação dos entes subnacionais para atendimento da demanda
habitacional e afastamento da pobreza
Os atores subnacionais, em razão da globalização inerente à repercussão
de problemas relacionados à pobreza e seu combate, cujos impactos atingem o
planeta, têm papel relevante e legítimo, pois apesar de não serem dotados de
soberania, possuem autonomia no pacto federativo para ação, tendo poderes e
deveres de atuação.
Há problemas peculiares que o Estado soberano simplesmente não consegue solucionar, seja pela especificidade das matérias tratadas, seja pela magnitude das demandas do poder central. Dessa forma, os entes subnacionais e os
poderes locais tornam-se imprescindíveis para implementar políticas, em prol
de questões globais. Disso decorre a necessidade de uma maior compreensão da
existência de novos atores no cenário global.
Para Nasser, o Direito Internacional evoluiu da “justaposição de entes soberanos para uma outra fundada na ideia de cooperação” (NASSER, 2006). Com
a globalização, houve mudanças no antigo paradigma, não para pôr fim ao Estado-nação, mas para sua reconfiguração, em prol de seus próprios interesses ou
dos globais, evoluindo-se do governo para a governança (GONÇALVES, 2004).
O exercício da governança vem sendo intensificado pela participação de
entes ou instituições diversas do poder soberano, tais como as organizações
não governamentais, empresas, os entes subnacionais e locais, buscando soluções para os problemas globais, provocando, como considera Guido Soares,
um questionamento do Direito Internacional quanto à importância de outros
atores diversos e ainda que não dotados dos mesmos poderes e com a plenitude
de direitos e deveres concedidos aos Estados (SOARES, 2004).
A Comissão sobre Governança das Nações Unidas define o termo como
a “totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições,
públicas e privadas, administram seus problemas comuns. É um processo contínuo pelo qual é possível acomodar interesses conflitantes e diferentes e realizar
ações cooperativas” (ONU, 1996).
Para Gonçalves e Costa, “a governança global é um processo que envolve múltiplos atores, em níveis amplos (além das fronteiras nacionais)”, é um
processo que leva tempo, tendo como característica fundamental a busca pelo
22
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
consenso, a promoção da cooperação para a solução dos problemas comuns
(GONÇALVES; COSTA, 2011). Nessa toada, “a cooperação pode ser compreendida como o conjunto de esforços comuns, envolvendo entes estatais centrais ou subnacionais, empreendedores, sociedade civil” (GRANZIERA; CRUZ,
2019).
Os entes subnacionais são, pois, atores que atuam em função das pressões e
necessidades internas, buscando garantir benefícios para o conjunto da sociedade de um determinado território (MARIANO; MARIANO, 2005). A atuação
deles, de maneira fundamental, repercute para a evolução global.
Dessa forma, entende-se que a ação paradiplomática dos entes federativos,
distintos do poder central, pode significar um avanço no alcance dos Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável para 2030. Como define Soldatos (1990), a
paradiplomacia é o envolvimento direto ou autônomo das unidades federadas
em atividades de relações internacionais cooperativas, de forma coordenada,
complementar e de suporte às atividades internacionais do Estado ou paralelas.
A despeito do relevante papel que dever exercer o poder central para o atendimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o Estado de São Paulo
elaborou o 1º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos e Desenvolvimento
Sustentável do Estado de São Paulo 2016 – 2019, apresentando as medidas que
vem sendo realizadas por esse ente subnacional, para consecução das metas
globais (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019).
Quanto ao ODS 1, que versa sobre a erradicação da pobreza e tem como
suas metas acesso à terra, na qual se insere a moradia, e aos serviços básicos
(ODS 1.4) o mencionado relatório conceitua pobreza como “insuficiência de
renda para compra de um conjunto de bens e serviços ou como sintoma de
carências materiais múltiplas, ou privação de acesso a serviços públicos” (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019).
Considerando os possíveis indicadores existentes, foi apresentada, como parâmetro da situação de pobreza em São Paulo, a parcela da população cuja renda
domiciliar mensal não supere meio salário mínimo per capita e, em situação de
indigência, o segmento com renda domiciliar mensal de até um quarto de salário mínimo per capita. O mencionado relatório apurou que, embora entre 2016
e 2017, o nível de pobreza (percentual de pessoas com rendimento familiar mensal de até meio salário mínimo per capita em valores de 2015) oscilou de 27,5%
para 27,3% no país, no Estado de São Paulo houve um acréscimo, passando de
13,5% para 15,4%, no mesmo período (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019).
Sendo assim, por meio da análise no Estado de São Paulo, os dados mais
recentes do relatório quanto ao cumprimento do ODS revelam medidas para
atendimento das metas globais, quanto à moradia e, consequentemente, ao
acesso aos serviços essenciais, como água e esgoto, apresentando diferentes pro23
Paradiplomacia Ambiental
jetos desenvolvidos6, comprovando, assim, a importância da ação dos entes subnacionais (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019).
O Município de São Paulo, por sua vez, ante a necessidade habitacional
para atendimento de sua população e esgotamento das potenciais fontes de financiamentos para o setor público, criou uma Parceria Público-Privada (PPP) da
Habitação Municipal, por meio da Companhia Metropolitana de Habitação de
São Paulo (Cohab-SP), como possível alternativa para os investimentos direcionados à construção de moradias populares. Para tanto, lançou a Edital de
Concorrência Internacional nº COHAB-SP 001/20207, para a construção de
13.180 mil novas moradias nas regiões do Ipiranga, Mooca, Lapa e Vila Maria,
com investimento de 2,2 bilhões, custeado pela iniciativa privada (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2019)8.
A Prefeitura de São Paulo cedeu terrenos e selecionará famílias, segundo
critérios definidos pela Cohab-SP. De outro lado, caberá à iniciativa privada,
por sua vez, construir os prédios e equipamentos públicos, como creches e postos de saúde. A Parceria Público Privada Habitacional, nos termos do edital,
O relatório do Estado de São Paulo apresenta como projetos, para cumprimento dos ODS,
envolvendo a questão moradia e infraestrutura no referido período: “apoio técnico e financeiro
para implantação da política de habitação, por meio do aporte de recursos aos agentes financeiros
e promotores de programas habitacionais, pela concessão de subsídios e pela assistência aos municípios (Programa 2505 – Fomento à Habitação de Interesse Social – Casa Paulista); provisão de
moradias de forma direta pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU)
ou em parceria com outros agentes, com destaque para a atuação conjunta com o programa federal Minha Casa, Minha Vida (Programa 2508 – Provisão de Moradias); requalificação de espaços
urbanizados subutilizados ou com carência de infraestrutura (Programa 2509 – Requalificação
Habitacional e Urbana e Inclusão Social); melhoria das condições de moradia em favelas e assentamentos (Programa 2510 – Urbanização de Favelas e Assentamentos Precários); provisão de
infraestrutura e saneamento em áreas onde seja possível a recuperação de áreas em risco ambiental (Programa 2511 – Habitação Sustentável e Recuperação Ambiental na Serra do Mar e Litoral
Paulista)” (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019).
7
COHAB. PROCESSO SEI Nº 7610.2019/0003141-3 – 2ª FASE - parceria público-privada para
concessão administrativa destinada à implantação de habitações de interesse social e mercado
popular na cidade de São Paulo, acompanhada de infraestrutura urbana, equipamentos públicos,
empreendimentos não residenciais privados e prestação de serviços que especifica. Disponível
em: http://www.cohab.sp.gov.br/licitacaopppdahabitacao/documento-colaboracao.aspx?Id=1
Acesso em 16 jun. 2020.
8
Conforme levantamento realizado pelo Município de São Paulo, “há um déficit habitacional
quantitativo, que se refere à necessidade de construção de novas moradias, está estimado em
474 mil domicílios”. Além disso, há “o déficit qualitativo, referente à inadequação habitacional,
que atinge famílias que não precisam de uma nova moradia, mas de obras de urbanização, de
correção de riscos, melhoria habitacional e regularização fundiária. Este déficit abrange cerca de
830 mil domicílios”. Considerando apenas “os orçamentos correntes da Secretaria Municipal de
Habitação e da Cohab-SP para construção de novas unidades habitacionais, estimado em R$ 580
milhões anuais, e um custo unitário de produção de R$ 150 mil, o Município levaria cerca 120
anos para zerar o déficit habitacional de hoje”. A PPP não substitui ou reduz nenhum programa
ou ação existente, realizando esforços para viabilizar empreendimentos pelo Programa Minha
Casa Minha Vida, sem comprometer a capacidade do município de adquirir outras. “A PPP será
um programa complementar na oferta de novas moradias na cidade” (MUNICÍPIO, 2019).
6
24
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
permite ao poder público financiar a longo prazo, por meio da parceria com o
setor privado, investimentos na área habitacional. Caberá ao parceiro privado
obter os financiamentos necessários e arcar com ônus fiscais, ficando diluído os
investimento em até 20 (anos)9 O Município de São Paulo salienta que “a PPP
não substitui nem reduz nenhum programa ou ação existente”, mantendo esforços para viabilizar projeto com investimento federal, como o Programa Minha
Casa Minha. Portanto, a PPP é “um programa complementar na oferta de novas
moradias na cidade” (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2019).
A iniciativa do poder local é uma medida de cooperação ao governo
central, no sentido de atender ao ODS 1 e 1.4, quanto à erradicação de pobreza, e à possiblidade de trazer famílias de baixa renda que moram em ocupações
irregulares e sem adequado acesso aos serviços essenciais, para condições dignas
de moradia.
A prestação estimada para famílias com renda mensal de até R$1.000,00
(hum mil reais) é em torno de R$250,00 (duzentos e cinquenta reais) mensais.
Além disso, conforme estimativa do governo municipal haverá geração de cerca
49.000 empregos com essa iniciativa local (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO,
2019), mais um elemento para a geração de renda e afastamento da pobreza.
O Município de São Paulo, visando a outras providências para a redução
do déficit habitacional, por meio do novo Código de Obras (Lei Municipal
n. 16.642/2017), simplificou os procedimentos para aprovação de projetos de
habitação de interesse social, além de ter regulamentado o retrofit, para modernização de edificações construídas antes de 1992. O retrofit de São Paulo,
para moradia popular, toma como parâmetro iniciativas realizadas por cidades
de outros países, a exemplo de Nova York10, como resposta para o crescimento
populacional, os recursos limitados existentes, o alto valor da moradia e a crise
por novos espaços e econômica, que revela a necessidade de aproveitamento de
9
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB. Contrato Concorrência Internacional n º COHAB-SP 001/2018 https://www.imprensaoficial.com.br/ENegocios/popup/
pop_e-nego_detalhes.aspx?IdLicitacao=1222478&IdEventoLicitacao=4. Acesso em: 16 jun. 2020
10
Com o objetivo de buscar a solução dos problemas relacionados a pobreza que impactam na
impossibilidade de exercício do direito à moradia, vem sendo realizadas providências, por meio
da governança, com atuação de entes subnacionais e da sociedade civil, inclusive por ONGs,
por cidades como Nova York. Para suprir a falta de moradias suficientes e a impossibilidade de
custeio ante o elevado preço dos aluguéis (são cerca de 77 mil pessoas que não tem onde morar
em NY) existem abrigos mantidos por ONGs e abrigos da própria prefeitura. O pagamento de aluguel de apartamentos ou até diárias de hotel, também pela prefeitura revela elevados gastos e soluções
temporárias. Em NY há investimento em um outro modelo que já existe realizado por ONGs, como a
Breaking Ground, que recupera prédios velhos para moradores de rua e pessoas de baixa renda. A opção é
considerada mais barata para o poder público, pois oferece ao invés de “deixar as pessoas na rua e gastar,
por exemplo, com saúde e segurança”. As medidas são realizadas com recursos dos entes subnacionais,
poder central e doações de empresa e em 1991, já foi realizado um projeto para recuperação e uso para
moradia de baixa renda de um hotel (Jornal Nacional. Em Nova York, lei obriga prefeitura a conseguir abrigo
para os sem-teto. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/05/em-nova-york-lei-obriga-prefeitura-conseguir-abrigo-para-os-sem-teto.html. Acesso em 12 abr. 2020.
25
Paradiplomacia Ambiental
edifícios e outros espaços urbanos já construídos, que se encontram deteriorados, abandonados e até contrários às normas de construção vigentes11.
Visando à racionalização do uso dos recursos disponíveis, o retrofit é considerado importante contribuição da redução do déficit habitacional e, consequentemente, na requalificação das áreas centrais das grandes cidades. O Município de São Paulo, pela Cohab-SP, em parceria com a Universidade de São
Paulo (USP), vem há anos buscando a concretização dessas medidas de aproveitamento de construções, com o desenvolvimento de amplo levantamento de
edificações abandonadas no centro da cidade, identificando imóveis passíveis
de desapropriação pública para a produção de unidades residenciais, em programa denominado Renova Centro (SILVA, 2013).
A reabilitação de edifícios ociosos e deteriorados e sua conversão em habitação de interesse social interferem positivamente no desenvolvimento urbano,
ao diminuir o ritmo incontrolado de expansão periférica, considerando que em
cidades como São Paulo essas unidades localizam-se na região central, áreas com
ocupação consolidada (ANITELLI, 2017).
Pode se constatar a realização de obras de retrofit pelo poder local no Edifício Mário de Andrade/Asdrúbal do Nascimento, no centro da cidade de São
Paulo, para abrigar 34 famílias em situação de rua, parte de um projeto ainda
maior. O prédio foi adquirido pela Prefeitura em 2011, por meio da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP), que desapropriou
com um custo de R$ 1,8 milhões, advindos do Fundo Municipal de Habitação
(FMH). O edifício foi totalmente reformado pela Cohab-SP e passou a integrar
o programa de Locação Social da Prefeitura de São Paulo, as obras tiveram
início em julho de 2012 e foram concluídas em outubro de 2018, sendo considerado o primeiro conjunto habitacional para “moradores de rua”, as pessoas
selecionadas contribuirão com 10% (dez por cento) do seu salário (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2018).
As medidas apontadas pelos entes distintos do poder central, o Estado de
São Paulo e sua capital, certamente colaboram com o atendimento do ODS 1
e meta 1.4, posto que em governança, buscam superar a ineficiência da União,
quanto as medidas para recuperação econômica do país e realização de investimentos em moradias para a população de baixa renda.
Nos cenários de pandemia, cujas medidas de isolamento e higiene, condicionadas ao acesso de água e esgoto, se revelam fundamentais para mitigar a
Para atendimento dos ODS0/2030, como princípios da sustentabilidade para a indústria da
construção civil, são medidas: a) incentivar práticas construtivas de baixo impacto no meio ambiente; b) desenvolver mecanismos de racionalização no consumo de recursos financeiros, energéticos, materiais e humanos; c) utilizar apenas materiais certificados; d) adotar alto grau de formalização das relações profissionais; e) investir em soluções que utilizem de estruturas pré-existente,
tais como operação de retrofit (FIEMG-CIC, 2008).
11
26
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
propagação da doença, a atuação dos entes subnacionais tem se revelado um
importante instrumento, no ambiente das cidades.
Ante a situação de calamidade ora vivida, o destaque para a questão da pobreza e para a privação de direito sociais e humanos, como habitação e acesso a
serviços básicos, obteve maior visibilidade e uma maior preocupação nas áreas
ocupadas irregularmente, desprovidas da estrutura urbanística adequada. A atuação dos entes subnacionais, no cotidiano citadino, tem revelado um excelente
meio para buscar o atingimento das metas globais, por vezes tão distantes da
atuação do poder central.
CONCLUSÃO
Para a avaliação da pobreza humana, além dos critérios monetários estabelecidos pelo Banco Mundial, deve ser observado o aspecto multidimensional,
envolvendo aspectos, quantitativos e qualitativos que incluem, além da renda,
o acesso à educação, à saúde, à habitação, ao saneamento. Dessa forma, entende-se a pobreza como um processo de privação de capacitações para alcance de
uma vida digna.
Em que pesem os avanços experimentados quanto à redução da pobreza, o
atendimento da ODS 1, até 2030, se revela um objetivo distante e mais árduo
ante a recente pandemia de COVID -19, que trará um agravamento da crise
econômica mundial, estimado pelo FMI, em padrões semelhantes à Grande
Depressão de 1929. O Brasil, país em desenvolvimento, apesar de grandes avanços sociais na década anterior, já passava por período de crise econômica, com
elevado nível de desemprego, tendo um longo percurso para o alcance dos objetivos e metas estabelecidos pelas Nações Unidas.
Dentre os desafios a serem superados, encontra-se a melhoria das condições
de vida da população carente, residentes em áreas irregulares, como favelas e
outros tipos de ocupações, que sobrevivem com parcas condições econômicas,
afastadas do direito à habitação, sofrendo maiores riscos, frente à ausência dos
serviços básicos (ODS 1.4) como o abastecimento de água e esgotamento sanitário, situação que causa impactos ao meio ambiente e à saúde pública. A exposição dos riscos ao coronavírus, por essas pessoas, apenas explicita uma situação
que perdura há séculos no país.
Com o intuito de buscar alternativas para o desenvolvimento urbano e melhoria das condições da vida da população, em especial pela ineficiência do
poder central, os entes subnacionais vêm atuando por meio da governança e
ação paradiplomática, para implementar possíveis alternativas para o problema
habitacional e de acesso aos serviços básicos para a população mais vulnerável.
O Estado de São Paulo e sua capital são exemplos de atuação de entes
27
Paradiplomacia Ambiental
federativos distintos do governo central para erradicação da pobreza e suas
consequências, como a ausência de moradia e acesso a serviços essenciais.
Dessa forma, a obtenção de capital internacional, por meio de parceria público
privadas-PPP, precedida de concorrência internacional, para investimentos
habitacionais, bem como a implementação de projetos adotados em cidades de
outros países, como o retrofit de prédios abandonados em áreas centrais, para
moradia de população de rua e baixa renda, são avanços no âmbito dos entes
subnacionais, na busca de alternativas para o desenvolvimento sustentável nas
cidades.
As iniciativas do ente subnacional e do poder local são, pois, medidas de
cooperação ao governo central, no sentido de garantir a ampliação progressiva
das condições dignas no meio ambiente urbano para a população mais vulnerável, em atendimento ao ODS 1 e 1.4, para erradicação de pobreza e acesso a
moradia e serviços essenciais colaborando, dessa forma, para o desenvolvimento global.
REFERÊNCIAS
ANITELLI, F.. 100 Vezes Habitação Social: Edifícios reabilitados ou com potencial de reabilitação na região central de São Paulo. CIDADES, n. 35. Lisboa,
dez. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2017.035.art04. Acesso em 12 abr. 2020.
AZEVEDO, D. C. de; BURLANDY, L. Política de combate à pobreza no Brasil,
concepções e estratégias. Revista Katálysis, nº 13, p. 201-209, 2010.
COMIM, F.; BAGOLIN, I. P.. Aspectos qualitativos da pobreza no Rio Grande
do Sul. Ensaios FEE, v. 23, p. 467-490, 2002. Disponível em: https://revistas.dee.spgg.rs.gov.br/index.php/ensaios/article/viewFile/2017/2398.
Acesso em 12 abr. 2020.
ESTADO DE SÃO PAULO. Relatório de Acompanhamento dos Objetivos e
Desenvolvimento Sustentável do Estado de São Paulo ODS SP 2016-2019 no PPA.
Disponível em: https://www.seade.gov.br/wp-content/uploads/2019/07/
odssp.pdf. Acesso em 12 abr. 2020.
FERREIRA, F.; JOLLIFFE, D. M.; PRYDZ, E. B.. The international poverty
line has just been raised to $1.90 a day, but global poverty is basically unchanged.
How is that even possible?. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/developmenttalk/international-poverty-line-has-just-been-raised-190-day-global-poverty-basically-unchanged-how-even, 2015. Acesso em 12 abr. 2020.
FERREIRA, F.; SÁNCHEZ-PÁRAMO, C.. Enriquecendo o conjunto de linhas
internacionais de pobreza, 2017. Disponível em: https://blogs.worldbank.org/
latinamerica/enriquecendo-o-conjunto-de-linhas-internacionais-de-pobreza.
28
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
Acesso em 12 abr. 2020.
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
CÂMARA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO (FIEMG-CIC). Guia de
Sustentabilidade na Construção. Belo Horizonte: FIEMG, 2008.
GONÇALVES, A.; COSTA, J. A. F.. Governança Global e os Regimes Internacionais. São Paulo: Almedina, p. 60, 2011.
GONÇALVES, A.. Soberania, globalização e direitos humanos. In: DERANI, C.; COSTA, J. A. F. (Coord.). Globalização e soberania. Curitiba: Juruá,
p. 15-32, 2004.
GRANZIERA, M. L. M.; CRUZ, K. A. V. A. da. A importância dos governos locais na governança hídrica. A bacia transfronteiriça do Rio da Prata. In: REI, Fernando et al. Paradiplomacia Ambiental. Editora Universitária
Leopoldianum, 2019.
INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). World Economic Outlook. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020. Acesso em 20 abr. 2020.
INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATIO (ILO). ILO Monitor:
COVID-19 and the world of work. Second edition Updated estimates and analysis.
Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/--dcomm/documents/briefingnote/wcms_740877.pdf. Acesso em: 20 abr.
2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAGIA E ESTATÍSTICA (IBGE).
Censo Demográfico de 2010. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/
visualizacao/periodicos/93/cd_2010_caracteristicas_populacao_domicilios.pdf. Acesso em: 20 abr. 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
(IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?t=resultados. Acesso 12 abr. 2020.
JORNAL NACIONAL. Em Nova York, lei obriga prefeitura a conseguir abrigo para os
sem-teto. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/05/em-nova-york-lei-obriga-prefeitura-conseguir-abrigo-para-os-sem-teto.html. Acesso em 12 abr.
2020.
MARIANO, M. P.; MARIANO, K. L. P.. Governos subnacionais e integração regional: considerações teóricas. In: WANDERLEY. L. E. e VIGEVANI, T. (orgs). Governos subnacionais e sociedade civil: Integração regional e
Mercosul. São Paulo: EDUC; Fundação Editora da UNESP; FAPESP, 2005.
p.131-160.
29
Paradiplomacia Ambiental
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Prefeito visita obras de retrofit em edifício no
centro da cidade. 2018. Disponível em: http://www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeito-visita-obras-de-retrofit-em-edificio-no-centro-da-cidade. Acesso
em 12 abr. 2020.
NASSER, Salem Hikmat, Fontes e Normas do Direito Internacional. Um Estudo
sobre a Soft Law. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) - COMISSÃO SOBRE
GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global. Relatório da Comissão
sobre Governança Global. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). CEPAL divulgará novas
projeções de crescimento para países da América Latina e do Caribe. Disponível
em:
https://nacoesunidas.org/cepal-divulgara-novas-projecoes-de-crescimento-para-paises-da-america-latina-e-do-caribe/. Acesso em 20 abr. 2020.
ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS (ONU). COVID-19: Crise iminente em países em desenvolvimento ameaça devastar a economia e aumentar a
desigualdade. Disponível em: https://nacoesunidas.org/covid-19-crise-iminente-em-paises-em-desenvolvimento-ameaca-devastar-a-economia-e-aumentar-a-desigualdade/. Acesso em: 12 abr. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – HABITAT (ONU-HABITAT). Campanha do ONU-HABITAT aborda efeitos da pandemia de coronavírus
nas cidades. Disponível em: https://nacoesunidas.org/campanha-do-onuhabitat-aborda-efeitos-da-pandemia-de-coronavirus-nas-cidades/. Acesso em
20 abr. 2020.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE – OPAS Brasil. Folha
informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). .Disponível
em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso em 20 abr. 2020.)
PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS (PMS). Santosmapeada. Mapeamento da Covid-19 de Santos. Disponível em: https://egov.santos.sp.gov.
br/santosmapeada/Saude/DadosDEVIG/MapaDEVIG/. Acesso em
24.02.2020.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO
(PNUD). Relatório do Desenvolvimento Humano 2019. Além do rendimento, além
das médias, além do presente: Desigualdades no desenvolvimento humano no século
XXI. Disponível em: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr_2019_
pt.pdf. Acesso em 12 abr. 2020.
SEN, A.. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SEN, A.. Capability and well-being. In: NUSSBAUM, M.; SEN, A. (Ed.).
30
A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos
The quality of life. Oxford: Oxford University Press, 1993. p. 30-53.
SILVA, R. T. S. da. Preservação e sustentabilidade: restaurações e retrofits; Dissertação apresentada a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) para obtenção do título de mestre, 2013.
Disponível em:
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16138/tde18102013-150137/publico/dissertacao_robertot_revisada.pdf. Acesso em
12 abr. 2020.
SOARES, G. F.. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, p.
141-161, 2004.
SOLDATOS, P.s. An explanatory Framework for the Study of Federated
States as Foreign Policy Actors. In: MICHELMANN, H.S.: SOLDATOS, P..
Federalism and International Relations: The Role of Subnational Units. Oxford:
Clarendon Press, p. 34-53, 1990.
TRIBUNA. Bairros da orla de Santos concentram 42% das infecções por coronavirus. Disponível em: https://www.atribuna.com.br/cidades/santos/bairrosda-orla-de-santos-concentram-42-das-infec%C3%A7%C3%B5es-por-coronav%C3%ADrus-1.98299. Acesso em 24 abr. 2020.
VEJA. Covid-19: mortes se concentram nas áreas pobres de São Paulo. Disponível em: https://
vejasp.abril.com.br/cidades/covid-19-mortes-se-concentram-nas-areas-pobres-de-sao-paulo/. Acesso em 20 abr. 2020.
WORLD BANK GROUP. World Development Report 1990. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/pt/188701468322757498/pdf/
PUB85070SPANIS1o0A1994100101PUBLIC1.pdf. Acesso em: 12 abr.
2020.
WORLD BANK GROUP. Piecing Together The Poverty Puzzle. Poverty and
Shared Prosperity 2018. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.
org/bitstream/handle/10986/30418/9781464813306.pdf. Acesso em 12
abr. 2020.
WORLD BANK GROUP. Semiannual Report of
the Latin America and Caribbean Region - The Economy in the Time of Covid-19. Disponível
em:
https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/33555/9781464815706.pdf. Acesso em 20 abr. 2020.
31
FOMENTO MUNICIPAL À AGRICULTURA URBANA
SUSTENTÁVEL COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL.
Raul Miguel Freitas de Oliveira1
Aklla Guimarães Sales2
ODS 2 - Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da
nutrição e promover a agricultura sustentável.
Meta 2.1 - Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo
crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.
INTRODUÇÃO
O
direito à alimentação adequada, reconhecido dentre os direitos humanos fundamentais não somente em documentos internacionais, como
também no ordenamento jurídico brasileiro, depende não só da garantia da
segurança alimentar e nutricional e da soberania alimentar, como também da
adoção de medidas voltadas à sua realização.
O Brasil, protagonista mundial no agronegócio, possui um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional cuja efetivação depende do exercício
de uma série de responsabilidades de cada um dos entes federativos.
Dentre todos os envolvidos, é inegável que o Município sofre as pressões e
demandas mais diretas para a promoção da segurança alimentar e nutricional
da sociedade, devendo dar respostas por intermédio de políticas públicas eficientes e efetivas de promoção da alimentação adequada.
Da análise da legislação existente, bem como dos planos e programas criados pelos órgãos oficiais envolvidos, pretende-se revisitar a estrutura do Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com vistas a delimitar o papel
do Município, principalmente na elaboração de políticas públicas próprias, em
especial o fomento à agricultura urbana.
A conclusão do trabalho indica que o fomento municipal à agricultura
Professor Doutor de Direito Ambiental da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FDRP USP) e do Programa de Doutorado e Mestrado Profissionalizante em
Tecnologia Ambiental, da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).
2
Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (FDRP USP) e pós-graduada em Direito Público e Cidadania pelo Centro Universitário
Salesiano de São Paulo (UNISAL).
1
32
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
urbana não é atividade unidirecional, mas dependente da conjugação de
diferentes mecanismos políticos e jurídicos, tais como os instrumentos de
organização urbanística, de legislação ambiental, tributária e administrativa,
de parcerias com entidades do terceiro setor, de cooperação regionalizada, de
educação ambiental, entre outros.
Com isso, a singela contribuição que se pretende com esse trabalho é de lançar reflexão sobre o papel do Município no cumprimento do segundo Objetivo
Global do Programa das Nações Unidas, pela promoção de uma política local
de fomento à agricultura urbana.
1. Breves anotações sobre o direito humano fundamental à
alimentação adequada e o cenário atual da agricultura brasileira
voltada à alimentação
Internacionalmente, o direito à alimentação adequada está previsto como
um dos direitos humanos básicos e essenciais para a existência humana.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), prevê no artigo XXV, que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação”.
Harmoniosamente, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (ONU, 1966), no artigo 11º, prevê que os Estados que o ratificam
“reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação”, pacto este ratificado e incorporado
ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992.
O direito à alimentação adequada, num viés quantitativo, é constituído
pela disponibilidade direta, pelo cultivo de terras produtivas ou exploração de
recursos naturais ou indireta, pela aquisição no comércio ou em ações sociais
de provimento e, num viés qualitativo, pela adoção de padrões alimentares para
um consumo apropriado, padrões estes que devem ser aprovados interna e internacionalmente. Além disso, tal direito depende da acessibilidade econômica
e física, como também da estabilidade, que implica na disposição permanente e
regular de alimentos adequados e acessíveis (ABRANDH, 2013).
Na compreensão desse tema, é necessário entender o conceito de segurança
alimentar, que não é pacífico, pois, se modifica à medida em que as relações e
interesses sociais se alteram, bem como os poderes que imperam na sociedade,
resultando num conceito em constante mutação, razão pela qual não há como
se indicar um conceito universal e incontroverso,
É possível, entretanto, compreender sua evolução no tempo, pois, até a década de 1990, o conceito de segurança alimentar era enfocado preponderantemente no produto e não no ser humano, restando a dimensão do direito
33
Paradiplomacia Ambiental
humano em segundo plano.
Somente em 1992, com as declarações da Conferência Internacional de Nutrição (Roma), realizada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura
- FAO e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que o aspecto nutricional
e sanitário passou a ser incorporado, passando-se a denominar o conceito de
“segurança alimentar e nutricional”, assim se realçando a natureza do direito
fundamental à alimentação adequada que já era previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. (ABRANDH, 2013)
Dessa maneira, devem ser especificados dois elementos que compõem o
aludido conceito, o aspecto alimentar e o nutricional, sendo que o primeiro
se refere à produção e disponibilidade de alimentos, atentando-se, em geral,
à oferta permanente e sustentável de alimentos básicos a toda a população e,
o segundo, o aspecto nutricional, enfeixa as relações entre a pessoa humana e
o alimento, referindo-se à necessidade de disposição de alimentos saudáveis e
adequados, corroborando-se o próprio direito a saúde (VALENTE, 2003).
No direito positivo, a definição de segurança alimentar e nutricional se encontra no art. 3º, da Lei nº 11.346/2006 (Lei de Segurança Alimentar e Nutricional), como a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a
alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e sem comprometer o acesso
a outras necessidades essenciais, tendo por base práticas alimentares que promovam saúde, respeitem a diversidade cultural e sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Denota-se que o conceito legal de segurança alimentar e nutricional é baseado nos princípios de acesso universal e de desenvolvimento sustentável, sendo o
primeiro repartido no aspecto qualitativo e quantitativo e, o segundo, albergando harmonicamente as dimensões ambiental, social e econômica.
Ao lado do conceito de segurança alimentar e nutricional, é de suma importância para a compreensão do tema o conceito de soberania alimentar, que está
relacionada ao direito soberano dos povos de definirem quais alimentos devem
produzir e consumir, quais sistemas alimentares próprios devem instituir, e as
condições de trabalho às quais devem agricultores e camponeses se sujeitar.
Portanto, a soberania alimentar engloba a qualidade, a diversidade, a sustentabilidade e a adequação cultural dos alimentos (CONSEA, 2013).
A discussão sobre a soberania alimentar surgiu a partir das reações sociais
do campo contra as políticas agrícolas neoliberais sugeridas e introduzidas de
forma generalizada a todos os países, principalmente por órgãos internacionais
que atuam ao lado da Organização das Nações Unidas para a Agricultura – FAO
(CAMPOS, 2007).
Dos conceitos retro perfilados, é possível concluir que o direito à
34
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
alimentação adequada somente pode ser garantido quando se criam políticas
articuladas entre os diversos setores da sociedade a fim de se possibilitar a todos
a segurança alimentar e nutricional, como expressão da soberania alimentar,
ou seja, o direito dos povos definirem “suas próprias políticas e estratégias de
produção, distribuição e consumo de alimentos de acordo com cada cultura e
região.” (ABRANDH, 2013, p. 33).
Abordados os conceitos fundamentais, impende também a análise, ainda
que breve, do cenário brasileiro sobre o tema.
A produção agrícola brasileira, especialmente a destinada à exportação, está
em constante crescimento, tanto no da produtividade, quanto na expansão de
áreas cultivadas.
Com o advento da chamada “Revolução Verde”, a campanha de combate
à fome e o impulso da monocultura, modernas tecnologias foram inseridas na
agricultura, como a utilização de fertilizantes químicos, melhoramento genético
de sementes, mecanização e irrigação em maior escala.
Nesse cenário, é fato que a produção agrícola se caracteriza pelo emprego de
pouca mão de obra e o uso intensivo de transgênicos e agrotóxicos. (ABRANDH, 2013)
Por outro lado, o fornecimento de alimentos para o mercado interno tem
sido realizado pela agricultura familiar, que representa 84% (oitenta e quatro
por cento) do total de estabelecimentos agropecuários, ocupando somente 25%
(vinte e cinco por cento) da área total usada pela agricultura e com utilização de
75% (setenta e cinco por cento) da mão de obra empregada neste ramo, o que
reflete o contraste brasileiro entre a produção para exportação e para o mercado
nacional (ABRANDH, 2013).
Não se pode deixar de admitir, portanto, que o agronegócio está entre os
ramos mais lucrativos da economia controlados por um conglomerado econômico e com perspectiva de crescimento.
Em contrapartida, existe a agricultura camponesa ou familiar, que através
de movimentos sociais e ambientais procuram lutar contra o agronegócio, na
forma com que tem sido conduzido, para defender a soberania alimentar e o
acesso de todos à alimentação adequada, pois, na medida em que, na visão
desses movimentos, há uma relação de causa e efeito entre o crescimento do
agronegócio e a falta de alimentos (CAMPOS, 2007).
Diante dessa realidade, a linha de defesa de tais movimentos é o sentido da
necessidade de se estimular uma transição do agronegócio para um modelo de
produção familiar, agroecológico e sustentável.
Para isso ocorrer, contudo, seria necessária a alteração do modelo
agroquímico de produção de alimentos para uma agricultura fundamentada
35
Paradiplomacia Ambiental
em princípios e implementações ecológicas, voltadas ao direito dos agricultores
familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais de terem a ela o acesso
livre e sustentável.
Para tanto, também se faz necessária a criação de novas regulamentações,
inclusive no que diz respeito ao acesso a terra e direitos de uso, projetos sustentáveis de produção, bem como a intensificação de ações voltadas à recuperação
de áreas degradadas, o que não tem gerado poucas pressões contrárias.
Dentre as políticas públicas já criadas e destinadas ao beneficiamento dos
agricultores familiares, destacam-se:
a) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF);
b) Fome Zero;
c) Seguro da Agricultura Familiar (SEAF);
d) Garantia Safra;
e) Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF)
f) Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER).
A tentativa de tais programas é também de modificar a realidade de um
sistema agrário sob o controle de um pequeno grupo, mantendo à margem o
pequeno produtor rural que sobrevive, na maioria das vezes, sob o regime de
agricultura familiar, utilizando sua produção agrícola para alimentação do núcleo familiar e venda do excedente.
Soma-se a isso o fato que, na maior parte das vezes, o pequeno produtor
rural é vulnerável às mudanças de hábitos e padrões alimentares impostos na
região, o que também contribui para a insegurança alimentar e nutricional (ALVES JUNIOR, 2012).
A deficiência na segurança alimentar não se limita ao aspecto quantitativo
de falta de alimentos ou desigualdade de sua distribuição, mas também qualitativo, quanto à ausência de sustentabilidade na produção de alimentos.
No nível constitucional, o direito à alimentação passou a figurar expressamente no artigo 6º da Constituição Federal, dentre os direitos sociais, com a
Emenda Constitucional nº 064/2010, que lhe deu nova redação:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Mesmo que não houvesse tal explicitação, o direito em si decorre dos demais
36
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
princípios da Constituição Federal, uma vez que a alimentação é necessária
à garantia das condições mínimas de existência digna, ou seja, o direito à
alimentação decorre do princípio geral constitucional da dignidade da pessoa
humana.
Para a realização do direito à alimentação é necessário um processo de
interação entre vários setores da sociedade, dentro do Sistema de Segurança
Alimentar e Nutricional, superando-se principalmente fatores políticos e econômicos de determinados grupos sociais que limitam aos demais o acesso aos
recursos naturais, ao trabalho e aos demais direitos com os quais o direito à alimentação se correlacionada, como o direito a saúde, à moradia e à previdência
social (VALENTE, 2016).
Como arremate, anota-se que o direito à alimentação concebido como direito social fundamental, de segunda geração, exige uma atuação positiva do Estado a fim de garantir o acesso a ele a todos, em contraste ao modelo de Estado
mínimo, tão hodiernamente defendido por alguns gestores públicos.
2. Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional como
instrumento à realização do direito à alimentação
O processo de implementação de uma política pública, em resumo, passa
pela formação, execução e avaliação.
Na formação, Administração ou interessados apresentam os pressupostos
técnicos e materiais para serem confrontados com outros, de mesma natureza,
trazidos por outras partes; na execução, são adotadas as medidas administrativas, financeiras e legais segundo um programa e, finalmente, na avalição é
que são apreciados os efeitos sociais e jurídicos, “novamente sobre o prisma do
contraditório, de cada uma das escolhas possíveis, em vista dos pressupostos
apresentados”. (BUCCI, 2002. p. 266)
Noutros termos, na formulação se inclui o tema na agenda de governo como
uma prioridade, se realiza a decisão política ou plano de governo a respeito e se
elaboram definições, delimitações e estratégias, para implementação se realizar
o planejamento de aplicação de metas elaboradas e, por fim, na avaliação se
retirar os resultados (ABRANDH, 2013).
Segundo essa lógica, foi instituída a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN pelo Decreto nº 7.272/2010, com fixação de
diretrizes, objetivos, gestão, mecanismos de financiamento, monitoramento e
avaliação.
E, por sua vez, tal política pública se insere no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, criado pela Lei nº 11.346/2006 (Lei
Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - LOSAN)
37
Paradiplomacia Ambiental
O antecedente histórico para a formulação do SISAN é a II Conferência
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN), realizada em Olinda, Pernambuco, em março de 2004, com o tema “A construção da Política
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional”, pela articulação da sociedade
civil e do governo.
Do referido evento resultaram as propostas de elencar o direito humano à
alimentação adequada como um dos direitos sociais constitucionais e de se criar
um sistema nacional de segurança alimentar e nutricional pela promulgação de
uma lei orgânica.
A LOSAN estabelece que a alimentação adequada é direito fundamental
do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar políticas e ações necessárias para se promover e garantir a segurança
alimentar e nutricional da população (artigo 2º).
No artigo 8º, a citada lei elenca os princípios regentes do SISAN:
a) universalidade e equidade no acesso à alimentação adequada, sem qualquer espécie de discriminação;
b) preservação da autonomia e respeito à dignidade das pessoas;
c) participação social na formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle das políticas e dos planos de segurança alimentar e
nutricional em todas as esferas de governo;
d) transparência dos programas, das ações e dos recursos públicos e privados e dos critérios para sua concessão.
O SISAN, segundo art. 7º da mesma lei, é integrado por órgãos e entidades
da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, além das instituições
privadas da sociedade civil, com ou sem fins lucrativos, afetas à segurança alimentar e nutricional.
Em razão mesmo do princípio da participação, a formulação dos rumos de
tal política é competência de órgãos colegiados, como o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional –CONSEA e a Câmara Interministerial de
Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), disciplinados respectivamente
pelo Decreto nº 7.272/2010 e Decreto nº 6.272/2007.
O SISAN exerce importante papel na consolidação do direito humano à
alimentação adequada garantindo a estabilidade e a continuidade das ações e
programas públicos, tornando possível também a participação de todos os entes
federados e da sociedade civil, os quais devem seguir os mesmos princípios e
diretrizes estabelecidos.
Pela atuação da CAISAN é formulada a PNSAN e o PLANSAN, sob as
diretrizes estabelecidas pela Conferência Nacional de Segurança Alimentar e
38
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
Nutricional e pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CONSEA.
De acordo com os já referidos princípios estabelecidos pela LOSAN, os
programas, planos e ações do SISAN devem atender a todos, sem distinções ou
restrições de qualquer natureza, permitindo que o direito humano à alimentação adequada seja exercido de acordo com a cultura e costumes locais, de forma
a preservar a autonomia e garantir a dignidade humana.
Como é necessária essa aderência à cultura e costumes locais, dentre outros aspectos de transparência, é que se deve garantir a participação popular na
formulação da política pública, como efetivação do acesso ao direito pelos seus
titulares, com controle social.
Desse modo, denota-se que o Brasil optou pela criação de um sistema nacional pautado na segurança e soberania alimentar que deve nortear os subsistemas locais e orientar a colaboração da sociedade civil na efetivação do direito
humano à alimentação adequada.
Ainda, um aspecto de maior relevo para este trabalho, no tocante à PNSAN
e PLANSAN, além dos princípios e objetivos gerais já citados, no artigo 3º, incisos II e VI, do Decreto nº 7.272/2010, foi definida a diretriz de promoção da
sustentabilidade em todo o processo de alimentação, passando pela produção,
extração, processamento e distribuição dos alimentos, bem como a necessidade
de garantia do acesso à água de qualidade, especialmente por aqueles que exercem a agricultura familiar.
Portanto, pode-se afirmar que a legislação brasileira elegeu a alimentação
adequada, promovida com sustentabilidade, antes mesmo da definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, em especial o
segundo objetivo de fome zero, delineando múltiplos aspectos interligados, em
especial o acesso à água de qualidade na agricultura familiar.
3. Política municipal de segurança alimentar e nutricional e
agricultura urbana sustentável:
É no nível municipal que devem ser adotadas as medidas governamentais
capazes de solucionar os problemas alimentares locais, em especial pela formulação conjugada de uma política municipal de segurança alimentar com a de
desenvolvimento rural sustentável.
Nessa linha, a segurança alimentar e nutricional pode ser melhor realizada
pela consideração de suas múltiplas dimensões, tais como o apoio à produção agroalimentar equitativa e sustentável, abastecimento, consumo, educação
e programas dirigidos a grupos populacionais específicos. (COSTA, MALUF,
2001)
39
Paradiplomacia Ambiental
Embora o PLANSAN seja o principal instrumento de atuação pública no
que se refere a segurança alimentar e nutricional, os Municípios, assim como os
demais entes federados que aderirem ao SISAN, para que possam elaborar estratégias que melhor se adequem à realidade local, além de terem suas próprias
câmaras intersetoriais e conselhos, devem elaborar o seu próprio plano, com
base nas disposições e diretrizes da PNSAN e conferências.
É o que preconizam os artigos 11, §1º e 20, do Decreto nº 7.272/2010, que
preveem a elaboração do plano local no prazo de um ano a contar da assinatura
do termo de adesão como requisito mínimo para sua formalização.
Os Municípios devem formar um comitê técnico com envolvimento das
secretarias representativas mais afetas ao direito de alimentação adequada, promovendo-se uma elaboração participativa do plano, com o diagnóstico da situação atual da segurança alimentar e nutricional, levantamento de programas e
ações existentes e estabelecimento de metas e ações necessárias à sua melhoria
futura, devendo, por fim, ser aprovado pela câmara intersetorial, publicado e
amplamente divulgado.
No tocante ao diagnóstico da situação de segurança alimentar e nutricional local, deve-se levar em consideração especialmente indicadores de produção
agrícola e pecuária municipal, desigualdade de renda (detectada através do índice de Gini), estado nutricional de adolescentes entre 10 (dez) e 19 (dezenove)
anos, adultos de 20 (vinte) a 59 (cinquenta e nove) anos e gestantes, baixo peso
ao nascer, aleitamento materno, taxa de mortalidade infantil e anemia ferropriva em menores de 5 (cinco) anos (ABRANDH, 2013).
Nesse processo, os Municípios costumam contar com fontes de dados, tais
como Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB); Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN); Pesquisa
de Orçamentos Familiares (POF); Sistema de Informações de Nascidos Vivos
(SINASC); Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS); Sistema de Informação sobre mortalidade (SIM); Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).
O plano municipal deve ser formalizado em lei, com observância do devido
processo legislativo municipal, com iniciativa legislativa privativa do chefe do
Poder Executivo e discussão e votação pelo Poder Legislativo.
Na tramitação do projeto de lei na Câmara Municipal, os vereadores poderão, em tese, exercer o poder emendador sobre a propositura, atentando-se,
contudo, para o fato de que, como o projeto de lei é apenas um veículo do plano, este sim documento eminentemente técnico e forjado a partir da discussão
com a sociedade, dependerá a emenda parlamentar ao projeto de lei também
de ter suporte técnico e ser submetida a audiência pública, para ter viabilidade
jurídica e técnica.
40
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
Caso tais cautelas não sejam adotadas, em tese há a possibilidade do controle prévio de constitucionalidade, por veto do chefe do Poder Executivo ou, no
limite, o controle posterior via ação direta de inconstitucionalidade, no respectivo Tribunal de Justiça, tendo por parâmetro o texto constitucional estadual.
Aliás, esse é o entendimento a respeito do alcance do poder emendador do
vereador em projetos de lei que tratam de matéria ambiental e urbanística, situação em que, apesar de haver competência legislativa ser concorrente, é necessária a realização de estudos técnicos e discussão com a sociedade sobre a emenda
parlamentar, para que seja compatível constitucionalmente.
Uma vez aprovado o plano municipal de segurança alimentar e nutricional,
por meio de lei, competirá ao Poder Executivo municipal a regulamentação por
decreto, como decorrência da competência regulamentadora prevista no art.
84, IV, da Constituição Federal, que se aplica simetricamente aos Municípios.
Da mesma forma que costuma ocorrer noutras políticas ambientais, o aludido plano municipal deve também guardar compatibilidade com a política e o
sistema estadual de segurança alimentar e nutricional.
Exemplo disso ocorre no Estado de Minas Gerais, onde, por meio da Lei
22.806/2017, se previu a incorporação da estrutura estadual no nível municipal
(art. 9º), como também a necessidade de os Municípios adotarem um termo
de adesão para participar do sistema estadual, com análise do plano municipal
pelas CAISANs e CONSEAs nacionais e estaduais.
Semelhantemente aos níveis federal e estadual, no SISAN municipal deve
existir um conselho municipal para que seja viabilizada a participação direta da
sociedade civil e, quanto ao seu conteúdo, o plano municipal compõe-se de informações diversas de natureza social, econômica e de saúde da população, bem
como a indicação de problemas existentes e as maiores demandas.
Delimitando melhor o conteúdo, constata-se que uma política municipal
de segurança alimentar e nutricional pode ser orientada por diretrizes gerais
(COSTA; MALUF, 2001, p. 17) relacionadas à:
a) produção rural e urbana,
b) comercialização dos alimentos em bases socialmente equitativas;
c) ampliação do acesso à alimentação de qualidade;
d) regulação das condições de disponibilização dos alimentos à população;
e) educação alimentar;
f) organização dos consumidores na defesa dos seus direitos;
g) universalização e garantia da qualidade dos programas alimentares com
caráter suplementar ou emergencial dirigidos a grupos populacionais
específicos;
41
Paradiplomacia Ambiental
h) participação da sociedade civil na formulação e implementação da política de segurança alimentar, apoiando-se as iniciativas não-governamentais.
Se considerado o ciclo de vida do alimento, o Município atua na regulação
da sua produção e abastecimento, a fim de garantir a universalização da alimentação à população de seu território, somando-se a isso, ainda, a educação
como elemento de formação cultural das mesmas, visando a conscientização a
respeito da necessidade de uma alimentação adequada.
Na atuação específica sobre a produção e abastecimento de alimentos é que
se insere o tema da agricultura sustentável, parte também integrante do segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU e que, tradicionalmente,
se relaciona com a zona rural.
Contudo, em razão das próprias alterações nos perfis das cidades, cada vez
mais tem se discutido a agricultura na zona urbana, como forma de se garantir
a universalização do acesso a alimentos de qualidade e mais baratos, além de
contribuir para a melhoria das condições ambientais da cidade.
A definição mais tradicional de agricultura urbana considera a produção no
interior (intraurbana) e nas franjas (periurbana) de uma cidade ou metrópole,
com cultivo de alimentos e criação de animais, processamento e criação de diversidade de produtos alimentícios e não alimentícios, utilizando grande quantidade de recursos humanos e materiais, produtos e serviços encontrados no
interior e ao redor daquela e, em contrapartida, fornecendo recursos materiais
e humanos, produtos e serviços de larga escala para tal área urbana. (MOUGEOT, 2000, p. 10)
Ou seja, não só o elemento de delimitação espacial é relevante, como também o que é e como é produzido no interior da cidade e a integração com o
sistema econômico e ecológico dela.
Existem várias experiências exitosas de agricultura urbana no mundo, sendo exemplo a de cidades no Canadá, onde se desenvolveu, principalmente após
a década de 1970, um movimento em prol de Sistemas Locais de Alimentação,
com a defesa de agricultura ecológica local e agricultura urbana, com resultados
positivos no sentido de se aproximar os produtores dos consumidores, atestando-se a qualidade dos alimentos, como também a produção mais baixa de
carbono na cadeia produtiva, uma vez que não se utiliza transportes de longa
distância (OLIVEIRA, 2017, p. 138).
Segundo a pesquisadora, o Canadá tem políticas locais de segurança alimentar em razão de não existir uma política nacional, assim como há uma
prevalência da agricultura de grande escala para a exportação nas zonas rurais,
realidade muito assemelhada à brasileira nesta última particularidade.
A agricultura urbana atual está presente em cidades de grande e médio porte
42
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
canadenses, com prevalência das hortas comunitárias, seguidas de fazendas
de pequena produção e hortas em telhados (SODERHOLM, 2015), além de
apicultura e criação de animais, “embora a criação de animais seja proibida em
algumas cidades na província de Quebec” (OLIVEIRA, 2017, p. 141)
Um exemplo considerado virtuoso é o da cidade de Montreal, com uma
população de um milhão e seiscentos e cinquenta mil pessoas, onde houve um
grande desenvolvimento, a partir da década de 1970, do Programa de Hortas
Comunitárias (Programme des Jardins Communautaries), com o apoio do poder
público municipal, que se tornou modelo para o restante do país e, a partir da
década de 1990, as hortas coletivas, através da ação de organizações não governamentais com utilização de espaços privados, como de igrejas, restaurantes etc
e, finalmente, nos últimos cinco anos surgiram as hortas compartilhadas, com
base na filosofia e movimento Incredible Edible.3, além da explosão da apicultura,
cultivo de lúpulo e a expansão de múltiplos tipos de empreendimentos sociais
relacionados à agricultura urbana, inclusive com marcante participação de jovens profissionais na agricultura (OLIVEIRA, 2017, p. 146).
Outra experiência inspiradora ocorre em Toronto, cidade com uma população de dois milhões e seiscentos e dez mil habitantes, onde a política de
segurança alimentar integra a política municipal de saúde e se encontra bem
consolidada pelo poder público, tanto diretamente, no programa de hortas comunitárias em áreas públicas, quanto por meio de parcerias com entidades do
terceiro setor.
No Brasil, tomando-se, por exemplo, a sua maior metrópole, a cidade de
São Paulo, que apesar de ter economia intensa no setor terciário, aprovou a Lei
nº 13.727/2004 para criar o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana –
PROAURP, considerando a agricultura urbana “toda a atividade destinada ao
cultivo de hortaliças, legumes, plantas medicinais, plantas frutíferas e flores,
bem como a criação de animais de pequeno porte, piscicultura e a produção
artesanal de alimentos e bebidas para o consumo humano no âmbito do município” (art. 1º).
Segundo o art. 2º, da mesma lei, os objetivos do programa são o combate
à fome, promoção da inclusão social, incentivo à geração de emprego e renda,
à agricultura familiar, à produção para o autoconsumo, ao associativismo, ao
agroecoturismo, à venda direta do produtor e, finalmente, a redução do custo
do acesso ao alimento para os consumidores de baixa renda.
A lei também define que a agricultura urbana paulistana deve ser
3 O movimento Incredible Edible (Incríveis Comestíveis) surgiu na cidade de Todmorden, norte da
Inglaterra, em 2008, quando Pam Warhus decidiu reunir outras pessoas para tornar a “cidade comestível”. A população aderiu à ideia e começou a plantar alimentos em diferentes espaços vazios
da cidade, como calçadas, igrejas, escolas e até cemitérios, tornando-a uma referência mundial.
Informações adicionais são acessíveis em: https://www.incredibleedible.org.uk/.
43
Paradiplomacia Ambiental
desenvolvida tanto em áreas privadas como públicas, cabendo ao poder público
o levantamento de áreas públicas para tal finalidade, como também a criação
de um cadastro para as áreas privadas (arts. 3º e 4º), com vistas à formação de
um banco de dados acessível pela internet (art. 5º), aí se denotando a busca pela
transparência e controle.
Com a regulamentação da lei pelo Decreto nº 45.665/2004, ficou delimitada melhor a competência das Subprefeituras, da Secretaria Municipal do Verde
e Meio Ambiente e Secretaria Municipal de Abastecimento na condução do
programa, como também foram detalhadas as atividades que o compõem, conforme os objetivos gerais da lei retro citados.
As atividades de agricultura urbana que, segundo o art. 2º, do referido decreto, devem ser estimuladas e apoiadas são:
a) feiras de produtos oriundos da agricultura urbana, bem como a criação
de entrepostos, feiras móveis, quiosques, casas do produtor e outros equipamentos destinados à venda direta ao consumidor, buscando baratear os
preços e aproximar organizações de produtores e consumidores, inclusive
nas fases de superprodução sazonal e na entre safra;
b) produtores artesanais de alimentos e bebidas para o desenvolvimento de
atividades cooperativadas, objetivando a autogestão;
c) produção local e os programas de auto abastecimento alimentar, tais
como hortas comunitárias, escolares, domésticas e municipais, bem como
pomares e pequenos criatórios comunitários, com a finalidade de garantir
determinadas fontes alimentares no período da entre safra;
d) iniciativas locais, cooperativadas, associativas e comunitárias, por meio
do fomento de atividades que propiciem qualificação de mão-de-obra e organização de grupos geradores de empregos e renda, favorecendo a gestão
participativa e priorizando a geração de empreendimentos de auto-gestão;
e) organização de pequenos varejistas e feirantes, articulando-os com os agricultores familiares;
f) os micros e pequenos empreendimentos pesqueiros, agrícolas, agroindustriais, criatórios de pequenos animais, propiciando o intercâmbio de experiências;
g) formas coletivas de produção, o associativismo e o cooperativismo, sobretudo nas regiões de baixa renda do Município de São Paulo;
h) constituição de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares, com
vistas à mobilização e divulgação de empreendimentos solidários, educação
em cooperativismo, sua finalização e organização, bem como o acompanhamento administrativo e a inserção das cooperativas nos mercados.
Um segundo período importante na cidade de São Paulo ocorreu entre os
44
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
anos de 2013 a 2016, com a aprovação da Lei nº 15.920/2013 (Sistema Integrado Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional) que reconheceu a agricultura urbana e orgânica como um dos elementos relevantes de promoção da segurança alimentar e nutricional, como também a aprovação da Lei 16.050/2014
(Plano Diretor Municipal), que definiu diversas áreas para a agricultura urbana
e periurbana, tais como na Macroárea de Controle e Qualificação Urbana e
Ambiental (art. 19, XI), no Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços
Livres (art. 267, XVII), como também estabeleceu a agricultura urbana como
uma diretriz da Política Habitacional Social (art. 291, XIV).
Na cidade de Maringá, estado do Paraná, a agricultura urbana tem se desenvolvido por projeto de hortas comunitárias com apoio do poder público
municipal, parceria com a Universidade Estadual de Maringá – UEM e forte
engajamento da sociedade, com benefícios que vão além do da produção de
alimentos de qualidade e geração de renda à parte da população, ocorrendo
ganhos à saúde, melhoria na alimentação, prática de exercício laboral, fortalecimento do relacionamento comunitário, tratamento de doenças psicológicas e
psiquiátricas pelas atividades na horta. (PIRES, 2016, p. 78)
De todas as experiências citadas, conclui-se que é possível e desejável que
os Municípios exerçam o fomento para promover a agricultura urbana e periurbana, em atividades como produção de hortaliças e outros alimentos, flores,
pequenos animais e até mesmo apicultura nos vazios urbanos e até em áreas
edificadas degradadas.
Exemplos de vazios urbanos públicos são lotes de terrenos públicos ou privados sem cumprimento da função social da propriedade, áreas institucionais de
loteamentos vazias, não utilizadas para equipamentos públicos, áreas de faixa de
domínio de rodovias e ferrovias e áreas de preservação permanentes marginais,
nas quais o próprio Código Florestal admite a atividade de agricultura por ser
de baixo impacto ambiental.
Nos prédios urbanos públicos ou privados, sem utilização, é possível a chamada “agricultura sem solo”, com utilização de técnicas de hidroponia, em que
as raízes das plantas retiram nutrientes de uma solução balanceada, aeroponia,
em que o cultivo das plantas é realizado de forma suspensa e também a irrigação
por gotejamento, em que a irrigação é feita de forma lenta nas raízes das plantas.
Nas cidades sustentáveis das grandes metrópoles mundiais, cada vez mais
tem se difundido a ideia de que as “fazendas verticais” serão uma tendência,
como forma de recuperação de prédios em áreas centralizadas e antigas da cidade, com grande desvalorização imobiliária, assim como em razão da escassez
de áreas de solo cultiváveis, em razão da superpopulação. Nesse contexto, as
fazendas verticais poderão alimentar grande parte da população residente em
áreas próximas, proporcionando menor preço e maior qualidade aos alimentos
45
Paradiplomacia Ambiental
assim produzidos.
Os modelos possíveis são variados, desde as mais tradicionais hortas comunitárias geridas em parceria entre o poder público e a comunidade, como
também modelos mais sofisticados, com estímulo ao empreendedorismo social
e inovação tecnológica no agronegócio.
Muitas cidades brasileiras utilizam leis tributárias concessivas de isenção
do imposto sobre a propriedade territorial urbana – IPTU, para terrenos vazios
ocupados por horta, como forma de fomento à agricultura urbana.
Essa forma de fomento é de alcance mais reduzido, na medida em que a
horta produz alimentos comercializados num raio próximo de sua localização.
Por outro lado, a criação de hortas em áreas maiores, tais como as citadas
áreas de domínio de rodovias, ferrovias, áreas “non aedificandi” sob torres de
transmissão de energia elétrica, sobre dutos petrolíferos ou adutoras de água,
possibilitam a agricultura urbana de larga escala, como que numa interiorização
dos antigos cinturões verdes das cidades.
Também, no âmbito mais privativo dos imóveis residenciais horizontais e
verticais, é possível o fomento por ações administrativas de apoio técnico e educativo, subvenção, isenção tributária, para se estimular o plantio de hortas e
pomares nos jardins de tais imóveis, como também a definição de um paisagismo em áreas verdes públicas que privilegie espécies para alimentação humana,
no conceito mesmo de “cidades comestíveis” pensado pelo movimento global
Incredible Edible.
O que se nota, contudo, é que para isso se tornar realidade é necessária
a conjugação de diferentes instrumentos legais, como parece estar ocorrendo
na cidade de São Paulo, em que se coordena a legislação urbanística com os
instrumentos tributários e administrativos, com vistas à promoção da segurança
alimentar.
É necessário também que haja uma integração de políticas e legislação
ambiental, pois, por exemplo, no manejo de resíduos sólidos orgânicos,
provenientes de domicílios ou da limpeza urbana, seria possível a criação de
usinas de compostagem para produção de adubo para a agricultura urbana, ao
mesmo tempo se resolvendo o problema da destinação ambientalmente adequada de tais resíduos e proporcionando insumo à produção dos alimentos.
Quanto aos mecanismos de implementação de tais programas e projetos, é
possível se vislumbrar a criação de normas regulamentadoras de parcerias com
organizações da sociedade civil vocacionadas, por exemplo, à recuperação de
pessoas em situação de vulnerabilidade e marginalidade social pela terapia laboral.
Nesse ponto, a lei paulistana de agricultura urbana, no art. 10, previu a
46
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
possibilidade do Poder Executivo municipal firmar parcerias e convênios com
a União, Estado, cooperativas de trabalho, micro, pequenas, médias e grandes
empresas, bem como entidades estrangeiras para atingir os objetivos da lei.
Ainda além do âmbito do território do Município, no caso de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, é evidente que as políticas
municipais sejam discutidas regionalmente e não de forma isolada, com vistas
ao atingimento de metas de médio e longo prazo, desatreladas dos interesses
políticos temporários de cada governante local, formando-se mecanismos de
cooperação regionalizada, por exemplo, por convênios ou consórcios públicos.
CONCLUSÃO
Apesar do Brasil possuir um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional, sob o ponto de vista jurídico bastante estruturado, ainda há um
longo caminho a ser percorrido para que se concretize a universalização na
segurança alimentar, resolvendo-se problemas como de falta de quantidade e
qualidade dos alimentos, desigualdades na distribuição e inexistência de sustentabilidade na produção.
No âmbito dos Municípios, onde são sentidas as demandas mais diretas da
população, é possível se vislumbrar diversos meios para resolução de tal problema, dentre aqueles afetos especificamente às suas competências administrativas
e legislativas.
Assim, não se trata apenas da competência municipal de definição de sua
própria política de segurança alimentar e nutricional de âmbito local, mas também de realização de um esforço para a criação de soluções inovadoras e integradas às demais atividades sob responsabilidade específica da Municipalidade.
Definição de um marco regulatório específico para o fomento à agricultura
urbana é um primeiro passo para a resolução do problema da insegurança alimentar da população local, mas não é tudo, pois tal lei deve ser atrelada às leis
urbanísticas, ambientais e, principalmente, às ações administrativas de fomento
próprias para tal fim, tanto de forma direta pelo poder público, como por meio
de parcerias individualizadas com entidades públicas ou privadas, quanto coletivas, por meio de cooperação regional.
Em arremate, não se pode afirmar que os Municípios não possuam ferramental jurídico suficiente para realizar o segundo Objetivo de Desenvolvimento
Sustentável da ONU, pela agricultura urbana sustentável, devendo, contudo, se
somar a busca pelo conhecimento técnico e o interesse político para que isso
realmente ocorra.
47
Paradiplomacia Ambiental
REFERÊNCIAS
ALVES JUNIOR, T. de A.. Agricultura familiar e alimentação escolar: o PNAE
no Sertão Central. Dissertação apresentada ao departamento de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará para
obtenção do título de Mestre em Educação Brasileira, 2012.
BUCCI, M. P. D.. Direito Administrativo e Políticas Públicas, São Paulo: Saraiva. 2002.
BRASIL. Ação brasileira pela nutrição e direitos humanos (ABRANDH).
Direito humano à alimentação adequada e o sistema nacional de segurança alimentar e nutricional. Brasília, 2013.
______. II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Olinda, 2004. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/
II_Conferencia_2versao.pdf> Acesso em: 02 fev. 2020.
CAMPOS, C. S. S.; CAMPOS, R. S.. Soberania Alimentar como alternativa
ao agronegócio no Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía e Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad Barcelona. v. XI, n. 245 (68), 2007. Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-24568.htm>. Acesso em:
17 fev. 2020.
CONTI, I. L.. Segurança Alimentar e Nutricional: noções básicas. Passo Fundo:
IFIBE. 2009.
COSTA, C.; MALUF, R.. Diretrizes para uma política municipal de segurança
alimentar e nutricional. São Paulo: Pólis. 2001.
FRANCHIKOSKI, S. C.. Segurança Alimentar e Nutricional. Dissertação de
mestrado em Políticas Públicas. Departamento de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pampa, 2018.
MOUGEOT, L. J. A.. Urban Agriculture: Definition, Presence, Potencials and
Risks, and Policy Challenges, International Development Research Centre
(IDRC), Cities Feeding People Series, Report 31, novembro 2000.
OLIVEIRA, L. C. P. de. Redes, ideias e ação pública na agricultura urbana: São
Paulo, Montreal e Toronto. Tese de doutorado em Administração Pública e
Governo. Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas, 2017.
PIRES, V. C.. Agricultura Urbana como Fator de Desenvolvimento Sustentável: um estudo na região metropolitana de Maringá. Revista Pesquisa &
Debate. São Paulo. Vol. 27. Número 2(50). Dez. 2016.
SÃO PAULO. Prefeitura Municipal de. Câmara Intersecretarial de
Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo. Primeiro Plano Municipal
48
Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da
segurança alimentar e nutricional.
de Segurança Alimentar e Nutricional. 2016/2020. São Paulo, 2016.
SODERHOLM, D.. Planning for Urban Agriculture in Canadian Cities. Dissertação de mestrado. Master of Arts in Planning. University of Waterloo.
Waterloo, Ontário, Canadá, 2015. Disponível em: http://hdl.handle.
net/10012/9238.
VALENTE, F. L. S.. Fome, desnutrição e cidadania: inclusão social e direitos
humanos. Saúde e Sociedade, v.12, n.1, p.51-60, jan.-jun. 2003. Disponível
em: < http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v12n1/08.pdf> Acesso em: 17 fev.
2020.
______. Rumo à Realização Plena do Direito Humano à Alimentação e à
Nutrição. FIAN BRASIL: Brasília, 2016. Disponível em:< https://fianbrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/02/Rumo-%C3%A0-realiza%C3%A7%C3%A3o-plena-do-DHANA_Flavio-Valente.pdf>. Acesso
em: 21 jan. 2020.
49
A ATUAÇÃO DOS GOVERNOS SUBNACIONAIS NO
ENFRENTAMENTO DA CRISE PANDÊMICA MUNDIAL DA
COVID-19 NO BRASIL
Antonio Carlos Nisoli Pereira da Silva1
Fernando Cardoso Fernandes Rei2
Alfésio Luis Ferreira Braga3
Luiz Alberto Amador Pereira4
ODS 3 – Saúde e Bem- Estar: Assegurar uma vida saudável e promover o
bem-estar para todos, em todas as idades.
Meta 3.3 - Até 2030, acabar com as epidemias de AIDS, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas, e combater a hepatite, doenças transmitidas pela água, e outras doenças transmissíveis.
INTRODUÇÃO
O
advento da pandemia mundial da COVID-19 é caracterizado como
evento de Saúde Global urgente e se enquadra na meta 3.3 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), ODS- 3 Saúde e Bem-Estar.
Evidencia o efeito das decisões da Governança da Saúde Global com imediata
repercussão mundial em outras esferas de interesses nacionais e internacionais,
neste caso, sem a possibilidade de negociações, uma vez que, a situação instalada de emergência interfere diretamente nos direitos difusos e coletivos à Vida
e à Saúde, reconhecidos pelo Direito Internacional como Direitos Humanos.
A atual pauta mundial comum tem sido capaz de, compulsoriamente, modificar hábitos e estilos de vida, mesmo que temporariamente. Trata-se de um
cenário há muito anunciado pelos estudos do Regime Internacional de Mudanças Climáticas, todavia ainda desacreditado por muitos, cujos estudos têm maAdvogado Sanitarista. Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Santos. Mestre
em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente pelo SENAC. Pós Graduado em
Direito Civil e Processual Civil pelo INBRAPE. Pós Graduado em Direito Público pela UNISAL.
Pôs Graduado em Educação Permanente em Saúde pela ENSP/FIOCRUZ. Pós Graduado em
Gestão de Projetos e Investimentos em Saúde pela ENSP/FIOCRUZ. Pós Graduado em Gestão
de Redes de Atenção à Saúde pela ENSP/FIOCRUZ.
2
Professor Associado do Programa de Doutorado em Direito Ambiental Internacional da Universidade Católica de Santos. Professor Titular da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP.
3
Médico Pediatra e Epidemiologista. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP.
Professor do Programa de Pós graduação em Saúde Coletiva da UNISANTOS.
4
Médico Sanitarista e Epidemiologista. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da
USP, Professor do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da UNISANTOS.
1
50
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
nifestado preocupação com a migração, mutação ou comportamento de doenças já conhecidas e não erradicadas ou até mesmo negligenciadas, se tornando
evidentes em um novo cenário, que exigirá a adoção de medidas de adaptação
e mitigação obrigatórias, capazes de modificar o estilo de vida do ser humano.
Essa situação, na visão da Saúde Global, constitui um evento grave e urgente. Trata-se de uma experiência complexa, considerando que o seu enfrentamento requer medidas imediatas externas à Saúde Global, o que necessita ir além
das medidas de interesse sanitário, de cooperação urgente, configurando uma
verdadeira encruzilhada no tocante ao conjunto de interesses conflitantes, aos
quais afetam, tais como, os interesses econômicos, políticos e comerciais.
No caso do tratamento da pandemia mundial da COVID-19, apesar do posicionamento técnico-científico da Organização Mundial de Saúde (OMS)/ Organização Panamericana de Saúde (OPAS), dos Conselhos Federal e Estaduais de
Medicina, das Associações Médicas, das Universidades, da Fundação Oswaldo
Cruz (FIOCRUZ) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o
Brasil se posiciona, por meio da Presidência da República, de forma contrária,
atendendo a interesses assumidamente econômicos, pondo em risco o Direito à
Saúde e à Vida que é irrenunciável e pertence igualmente a todos.
Em resposta a essa situação, constata-se a atuação contundente dos Governos Subnacionais em defesa da saúde e da vida dos seus habitantes em conflito
com as leis e normas produzidas pelo Governo Federal para orientar o tratamento da crise.
1. Os desafios da implementação da Meta 3.3 do ODS 3- Saúde e
Bem- Estar no tratamento da pandemia da COVID-19
Em 31 de dezembro de 2019, a OMS foi informada a respeito de alguns
casos de pneumonia de etiologia desconhecida, detectada na cidade de Wuhan,
província de Hubei, China. Desde então, revelou-se no documento publicado
pela OMS/OPAS intitulado Recomendaciones para la Reorganización y Ampliación
Progresiva de los Servicios de Salud para la Respuesta a la Pandemia de COVID-19,
que o coronavírus SARS-Cov2, é altamente patogênico e pertence a uma grande
família viral que causa infecções respiratórias e intestinais em seres humanos e
possivelmente em animais. Seu período médio de incubação é de 5 dias, com
intervalo que pode chegar até a 16 dias. Após estudos e avaliação acerca do comportamento da doença no mundo, em 11 de março de 2020, a OMS classificou
o Coronavírus 2019 (COVID-19) como uma pandemia, ou seja, o vírus atingia
a todos os continentes e havia a ocorrência de casos sem sintomas, existindo
dificuldade de identificá-los. Isso significa que o vírus circula livremente e pode
atingir toda a população, conforme aponta o Plano de Ação para Enfrentamento da COVID-19, da Prefeitura Municipal de São Paulo.
51
Paradiplomacia Ambiental
Ocorre que, apesar de se desenvolver num processo similar ao de uma gripe
comum, em alguns casos, a manifestação da COVID-19 se expressa de forma
grave no sistema respiratório de alguns pacientes, ocasionando um quadro de
insuficiência respiratória que demanda internação hospitalar e a utilização de
respiradores artificiais. Os Sistemas de Saúde Pública do mundo, bem como as
clínicas e hospitais privados não conseguem, juntos, garantir o atendimento a
todos os doentes ao mesmo tempo, caso a doença se manifeste de forma drástica. Não havendo uma vacina ou remédio específico que trate de forma segura e
com eficácia os casos de COVID-19, o documento emitido pela OMS/OPAS,
Respuesta a La Pandemia de Covid-19 da Reunión de Alto Nivel de los Ministros de Salud: Panorama General de las Medidas Actuales de Distanciamiento Social y Evidencia
Necesaria para Determinar el Momento Óptimo para Relajar estas Medidas, elucida
que o maior desafio atual para a Saúde Coletiva é a possibilidade de sobrecarga
e colapso dos Sistemas de Saúde, o que resultaria na falta de acesso da população aos serviços de saúde, comprometendo a integralidade dos serviços e o
próprio Direito à Saúde e à Vida.
O tratamento desta doença, pelos países, corresponde à meta 3.3 do ODS
3-Saúde e Bem-Estar, que prevê como responsabilidade dos Estados nacionais
a erradicação de doenças transmissíveis, seja ela de qualquer natureza e extensão. Todavia, a sua natureza, gravidade, consequências e impactos transversais
graves, constituem uma ameaça ao cumprimento da meta ao qual está adstrita,
bem como dos outros Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Isso se dá porque, para tentar proteger a possibilidade de colapso dos Sistemas de Saúde, além das medidas sanitárias protocolares, os governos nacionais
e subnacionais necessitam adotar procedimentos, regras e protocolos externos à
área da Saúde, os quais necessitam da adesão da população e da sociedade civil
(individual, familiar ou comunitária), além de amplo amparo político, tanto
no tocante às medidas de Saúde Coletiva, quanto no posicionamento formal
perante a sociedade civil, bem como oferecer a proteção social necessária para
o sucesso do distanciamento social. Medidas colaborativas mais integrais e imediatas são citadas pela Nota Tecnica. la Adaptación del Primer Nivel de Atención en
el Contexto de la Pandemia Covid-19: Intervenciones, Modalidades y Ámbitos com o
intuito de diminuir a possibilidade de crescimento da curva epidêmica/pandêmica, bem como evitar um prolongamento do tempo da pandemia e até mesmo
seu deslocamento a novos lugares e a outros que já a controlaram, protegendo
a reinfecção global.
É essencial frisar que, diante de uma pandemia dessa natureza, na qual o
remédio mais eficaz é o distanciamento social, documentos da OMS/OPAS
esclarecem que não há como evitar a ocorrência de consequências econômicas.
Esta poderá ser mitigada com a seriedade com que as medidas sanitárias ou de
interesse sanitário sejam implementados e com a maior adesão possível, de for52
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
ma a diminuir ao máximo o tempo total da ocorrência da pandemia.
A necessidade de adoção dessas medidas de proteção da saúde, no entendimento de Dantas et al. (2020), evidenciou as disparidades e desigualdades
econômicas e sociais, quando da adoção das medidas técnicas protocolares para
a abordagem de Políticas Públicas de erradicação de epidemias ou pandemias
de doenças infecciosas transmissíveis, o que resulta, na resistência da população
na adoção de medidas como o isolamento social, frente às dificuldades decorrentes dessa situação, como a econômica. Dessa forma, as Políticas Públicas de
Proteção Social devem tentar atender a essas necessidades, sob pena de agravarem-se as mazelas sociais, bem como resultar em eventos catastróficos em Saúde
Coletiva como o aumento exponencial da mortalidade.
O exemplo brasileiro no tratamento da COVID-19, precedido pelo italiano,
conforme Pacho (2020), Alessi (2020) e Torrente (2020), entre outros autores,
demonstra que a Meta 3.3 - Até 2030, acabar com as epidemias de AIDS, tuberculose,
malária e doenças tropicais negligenciadas, e combater a hepatite, doenças transmitidas
pela água, e outras doenças transmissíveis, do ODS 3- Saúde e Bem-Estar, abordada
neste capítulo, como quase a maioria das doenças, não consegue teoricamente
ou no âmbito de práticas da Saúde Coletiva, ser conduzida isoladamente pelo
setor Saúde. Nesse mesmo sentido, corroboram Buss; Galvão; Buss, (2017) e
Ottersen et al., (2014).
Dantas et al. (2020), ao mencionar o trabalho de Taghrir; Akbarialiabad;
Ahmadi Marzaleh, Parmet e Sinha, corrobora a ideia de que o distanciamento social e, em alguns casos, o lockdown são medidas externas à saúde, apesar
de serem indicadas tecnicamente pela Saúde Coletiva ou Saúde Global, com
respaldo científico devido à sua eficácia no combate à pandemia, bem como sua
proteção contra o colapso do Sistema de Saúde, o que garante melhor o acesso
à população. Outra pesquisa (PARMET; SINHA, apud DANTAS et al,2020)
analisou dados de oito países extremamente afetados por COVID-19 (China,
Itália, Irã, Alemanha, França, Espanha, Coréia do Sul e Japão) e concluiu que
o número crescente de casos COVID-19 em países europeus ocorre devido a
medidas de contenção tardia.
No tocante à Saúde Global, essa pandemia é objeto primordial das discussões da Governança da Saúde Global da Organização Mundial de Saúde, cujas
decisões têm proferido manifestação técnica e política quanto às alternativas a
serem adotadas pelos Estados Nacionais, tendo como foco a proteção da Saúde
Global.
No caso brasileiro, o tratamento da COVID-19 evidenciou o fenômeno
da atuação dos Governos Subnacionais, representados por muitos Municípios
e Estados que, alinhados com as normas internacionais, emanadas da OMS,
representada pela OPAS para as Américas, assumiram posição divergente da
53
Paradiplomacia Ambiental
posição do Chefe do Poder Executivo Federal, enfrentando-o. Nesse contexto,
também é evidente a manifestação de diversas instituições em defesa do Direito
à Vida e à Saúde, protegidos pela Constituição Federal Brasileira e pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, constatado pela propositura das ações
judiciais.
2. O protagonismo dos Governos Subnacionais e a judicialização no
enfrentamento da COVID-19
A pandemia da Covid-19, que afeta o mundo, desde 31 de dezembro de
2019, evidenciou o protagonismo da atuação dos Governos Subnacionais em
vários países, por ocasião da adoção de Políticas Públicas de Saúde para o enfrentamento emergencial da doença. No mundo, as medidas de enfrentamento
dessa pandemia atendem a pactuação dos ODS, uma vez que, a meta 3.3 do
ODS 3- Saúde e Bem-Estar, foi traçada com o objetivo de erradicar epidemias
ocasionadas por doenças transmissíveis.
Trata-se de uma meta originária da agenda inconclusa dos Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio (ODM), conforme apontam Buss, Galvão e Buss
(2017), a qual foi incorporada à Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Todavia, considerando a ampla gama de determinantes sociais,
ambientais (WHITEHEAD; DAHLGREN, 1991; BORDE; HERNÁNDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015, p. 844; FREITAS, et al., 2020, p. 6), conforme dispõe
também o Relatório da Comissão Nacional Sobre Determinantes Sociais da
Saúde, publicado em 2008; e políticos (BORDE; HERNÁNDEZ-ALVAREZ;
PORTO, 2015, p. 844; OTTERSEN et al., 2014, p. 3), que interferem no processo saúde-doença-cuidado, sozinha, a área da Saúde não conseguirá cumprir
com a sua missão de forma eficaz (BUSS, GALVÃO, BUSS, 2017), sendo imprescindível que as áreas externas à Saúde Coletiva e Global, possam colaborar
com medidas de interesse à Saúde, a exemplo da econômica e política.
Salienta-se que, consoante informa o Centro de Estudos e Pesquisas em
Emergências e Desastres em Saúde (CEPEDES) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a Pandemia por
COVID-19 “deve ser compreendida como um Desastre Global, combinando
processos globais e nacionais, afetando principalmente os mais pobres, podendo evoluir para uma Crise Humanitária em muitos países, incluindo o Brasil”
(FREITAS, et al., 2020, p. 5), razão pela qual seu enfrentamento necessita da
conjunção de esforços para a adoção de medidas de cooperação inter federativa
e internacional, que incluem alternativas teóricas, bem como no âmbito prático
da Saúde Coletiva (NUNES, 2012; PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998; SEVALHO, 1993; L’ABBATE, 2003), em consonância com as diretrizes de Saúde
Global (BROWN; CUETO; FEE, 2006; FORTES; RIBEIRO; 2014; BUSS et
54
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
al., 2017; KICKBUSCH, 2017) da OMS/OPAS, bem como da Governança da
Saúde Global.
Portanto, a COVID-19 cria novos cenários e perspectivas de riscos atuais
e futuros pela disseminação do vírus, agrava e se sobrepõe à situação de saúde
pré-existente, o que impacta na capacidade da resposta da Saúde Coletiva, vulnerabilizando e sobrecarregando ainda mais o Sistema de Saúde Pública e poderá constituir num entrave ao cumprimento da meta 3.3, bem como das outras
metas e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, frente à transversalidade
e conexão entre eles. Todavia, a depender da forma como os trabalhos forem
conduzidos, poderá constituir em grande aprendizado e experiência para uma
mudança radical que possa unir esforços cooperativos no sentido de construir e
fortalecer uma governança interna e externa ao setor Saúde para a proteção da
saúde, tanto coletiva, quanto global, apta a trabalhar com problemas de grande
magnitude e complexidade, como por exemplo, os problemas de saúde decorrentes do aquecimento global e das mudanças climáticas, objeto de estudo do
Direito Ambiental Internacional (DAI).
No Brasil, como já observado, a pandemia mundial da COVID-19 vem resultando numa forte e grave crise inter federativa, entre o governo federal e
os Governos Subnacionais, com relação ao posicionamento técnico e político, bem como a postura a ser adotada frente ao enfrentamento da pandemia
mundial, na qual a Presidência da República contraria o posicionamento da
Organização das Nações Unidas (ONU), representada pela OMS e pela OPAS
no tocante às medidas técnicas, consideradas pelos documentos de Governança
da Saúde Global como “medidas não farmacológicas” (FREITAS, et al., 2020,
p. 24), ou seja, com relação à adoção das medidas políticas que podem impactar
negativamente ou positivamente no resultado da disseminação da doença e,
consequentemente no cumprimento da meta 3.3 do ODS Saúde e Bem-Estar.
Nesse sentido, a Presidência da República, representada pelo Chefe do Poder Executivo Federal, editou um conjunto de normas, sendo que alguns dos
dispositivos são, sanitariamente, inaplicáveis, pois tentaram limitar a competência dos Governos Subnacionais na adoção de “medidas não farmacológicas”
(FREITAS, et al., 2020, p. 24), questões esclarecidas no âmbito dos documentos
publicados pela OPAS/OMS: Respuesta a La Pandemia de Covid-19 da Reunión de
Alto Nivel de los Ministros de Salud: Panorama General de las Medidas Actuales de Distanciamiento Social y Evidencia Necesaria para Determinar el Momento Óptimo para
Relajar estas Medidas e Consideraciones Sobre Medidas De Distanciamiento Social Y
Medidas Relacionadas Con Los Viajes En El Contexto De La Respuesta A La Pandemia De Covid-19, ou seja, tratam-se de medidas externas à área da Saúde, apesar
de serem recomendadas pelo crivo sanitário, mas que são imprescindíveis no
bloqueio da disseminação da doença, a despeito das decisões acerca da extensão
do distanciamento social em prejuízo da economia.
55
Paradiplomacia Ambiental
Nesse diapasão, destacamos a promulgação da Lei Federal nº 13.979, de 6 de
fevereiro de 2020, que versa sobre as medidas para enfrentamento da emergência de Saúde Pública de importância internacional, decorrente do coronavírus
responsável pelo surto de 2019 e do Decreto Federal nº 10.282, de 20 de março
de 2020, que regulamenta a lei supramencionada, e define os serviços públicos
e as atividades essenciais e suas alterações posteriores, em especial o Decreto
Federal nº 10. 329, de 28 de abril de 2020 e Decreto Federal nº 10.344, de 08
de maio de 2020.
Esse posicionamento legal resultou em algumas ações judiciais no Supremo
Tribunal Federal, bem como em diversos Tribunais dos Estados, envolvendo
ações de naturezas variadas, sendo uma delas uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e outras duas Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), nas quais discutiram, essencialmente, os limites da competência dos Governos Subnacionais no tocante ao poder de decidirem a melhor
alternativa sanitária de controle da doença altamente transmissível, conforme
verifica-se nos documentos: Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental nº 669, Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 672 e Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
6341, dentre outras.
Ressalta-se que o caso brasileiro reafirma o conhecido conflito de interesses
econômicos versus Saúde Coletiva/Global, tão discutido nos estudos científicos
que envolvem a dicotomia entre a Governança da Saúde Global e a Governança
externa à área da Saúde Global, conforme Instituições Científicas renomadas,
importantes e atuantes na área como a FIOCRUZ (BUSS et al., 2017) e pelos
membros da Comissão The Lancet da Universidade de Oslo, Noruega, sobre
Governança em Saúde (OTTERSEN et al., 2014).
Diante desse temor, em defesa dos interesses de alguns grupos econômicos,
a Presidência da República resolve limitar legalmente a competência e autonomia dos Estados Subnacionais no que concerne à adoção de medidas sanitárias,
bem como medidas externas à área da Saúde, porém de interesse da Saúde Coletiva e Saúde Global, considerando a pandemia de expressão mundial, a exemplo da determinação de distanciamento social ou lockdown, em benefício da Saúde Coletiva e Global, que é uma medida sanitária antiga e eficaz no combate à
disseminação de doenças infecto-contagiosas (CARLOS NETO; DENDASCK;
OLIVEIRA, 2016; TAGHRIR; AKBARIALIABAD; AHMADI MARZALEH,
2020 apud DANTAS et al., 2020), todavia, na sua implementação prolongada,
pode ferir interesses econômicos, pois que interfere gravemente na dinâmica
capitalista, atualmente em vigor.
Esse argumento é o mote do posicionamento e dos atos da Presidência da
República, contrariando orientação de documentos da Governança da Saúde
56
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
Global da OMS/OPAS (2020) e dificultando o trabalho e o posicionamento
do Ministério da Saúde, que tem focado nas medidas técnicas concernentes
aos protocolos de saúde, se esquivando de adentrar em conflitos diretos com
o posicionamento do Chefe do Poder Executivo a partir da Lei Federal n.
13.979/2020 e Decretos Federais ( n. 10.282, n. 10.329 e n. 10344) publicados
em 2020. Essa situação tem sido noticiada exaustivamente pelos maiores veículos de comunicação do país e do exterior, que inclusive noticiou a recusa de
apoio do Brasil e dos Estados Unidos, dentre outros doze países no tocante ao
patrocínio da resolução da OMS sobre um “acordo de cooperação internacional
para garantir o acesso global a medicamentos, vacinas e equipamentos médicos
para o enfrentamento da pandemia” (ALONSO, 2020), bem como já está sendo objeto de diversas publicações em periódicos e revistas científicas de grande
reconhecimento mundial, a exemplo do Editorial do volume 395 do periódico
inglês The Lancet, publicado em 09 de maio de 2020, bem como do periódico
Cambridge Coronavirus Collection publicado pela Cambridge University Press (DANTAS et al., 2020), além da televisão, jornais e internet.
Sem embargo, os documentos técnicos lançados pelo Ministério da Saúde
brasileiro, limitam-se às práxis técnicas de saúde, evitando grandes discussões
públicas acerca das medidas consideradas “não farmacológicas”, como por
exemplo o distanciamento social, já elencado pela OMS/OPAS, deixando as
polêmicas para o posicionamento político do Chefe do Poder Executivo, cujo
resultado interfere negativamente no trabalho da Saúde Coletiva, com grande
possibilidade de repercussão na Saúde Global.
Essa situação instaura um grave conflito no nível mais distal dos Determinantes Sociais da Saúde, mais precisamente no âmbito socioeconômico e político, denominados “determinantes políticos globais da saúde” (OTTERSEN et
al., 2014), considerados como Macro determinantes Globais da Saúde, devido
ao alto potencial de interferência no processo saúde-doença-cuidado, (BORDE;
HERNÁNDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015; OTTERSEN et al., 2014), podendo
produzir resultados deletérios à Saúde Coletiva e Global. Cumpre-nos elucidar
que a Governança pertence a esse mesmo patamar de determinação da saúde
com grande influência no processo saúde-doença-cuidado.
No caso brasileiro da pandemia, a ausência de liderança e protagonismo
do Governo Federal na condução da Gestão de Riscos (FREITAS, et al., 2020,
p. 57) e da Governança da Saúde e da Governança para a Saúde (OTTERSEN
et al., 2014) de forma a agregar os Governos Subnacionais e a comunidade ampliada de pares, primordial na condução deste caso (FREITAS, et al., 2020),
prejudica drasticamente o resultado do trabalho da Saúde Coletiva no Brasil
e poderá impactar também em reflexos à Saúde Global, uma vez que afeta a
Macro política de Saúde Coletiva e de Saúde Global, bem como a execução das
Políticas Públicas.
57
Paradiplomacia Ambiental
Em resposta à inércia das ações e práticas integradas do Governo Federal,
alinhadas às orientações internacionais, seria fundamental que o Governo Federal adotasse medidas de liderança na condução de uma Governança Interfederativa para comandar a Macro política na condução da COVID-19, agregando
forte apoio político em consonância com as normas técnicas da OMS/OPAS,
aliando também outros atores sociais, empresários, dentre outros, considerando
os impactos decorrentes da pandemia.
A Governança interfederativa poderia aproveitar para planejar e trabalhar
de forma integrada e coletiva as medidas futuras para contornar os impactos da
pandemia, sem deixar de proteger a Saúde, combinando a Governança com a
Gestão de Riscos e desastres em Saúde Coletiva (redução da exposição/ redução
das vulnerabilidades sociais/fortalecimento das capacidades de respostas para
a vigilância e a atenção em saúde). A Pandemia da COVID-19 deve ser compreendida como um risco sistêmico que amplia as condições de vulnerabilidades e
riscos futuros, cujos efeitos não podem ser tratados de modo isolado e pontual,
pois combina crise econômicas, políticas e sanitárias, resultando em um efeito
cascata, ampliando as condições de vulnerabilidades e riscos presentes e futuros, impactando de modo muito mais acentuado as condições de vida e saúde
dos mais pobres e vulneráveis (FREITAS, et al., 2020, p. 6).
3. A legitimação das prerrogativas legais dos Governos Subnacionais
pelo Supremo Tribunal Federal
A judicialização enfrentada pelos tribunais brasileiros, não se limita a disputas conceituais entre os entes federativos, todavia, no tocante às discussões
que versam sobre a macro política sanitária que permeia a pandemia da COVID-19 no Brasil, merecem destaque os seguintes julgados: a) Medida Cautelar
na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 669, b) Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 672, e c) Medida Cautelar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341. As ações supramencionadas foram
propostas no STF no ano de 2020, cujas decisões constituem precedentes jurisprudenciais de elevada estirpe, com efeitos erga omnes, face à hierarquia da
Suprema Corte.
A Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 669, que tramitou no Supremo Tribunal Federal, apreciou
duas ações da mesma natureza, sendo esta proposta pela Rede Sustentabilidade
e a outra, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADPF 668). Ambas foram apensadas para apreciação e julgamento e versaram sobre a contrariedade à contratação e veiculação de campanha publicitária,
pela União, afirmando que “O Brasil não Pode Parar”, proposta pelo Chefe do
Poder Executivo Federal, conclamando a população a retomar as suas atividades
58
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
e, por conseguinte, transmitindo-lhe a impressão de que a pandemia mundial
(COVID-19) não representaria grave ameaça à vida e à saúde de todos os brasileiros.
Conforme registrado na Ação Judicial, essa campanha publicitária se mostrou contrária às normas e orientações da Organização Mundial de Saúde, do
Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina, da Sociedade Brasileira
de Infectologia, entre outros. Nesse sentido, a experiência dos demais países
que estão enfrentando o vírus aponta para a imprescindibilidade de medidas de
distanciamento social, voltadas a reduzir a velocidade de contágio e a permitir
que o Sistema de Saúde seja capaz de progressivamente absorver o quantitativo
de pessoas infectadas, sem descuidar das outras necessidades de saúde que continuam necessitando de assistência.
O ato administrativo foi publicado no Diário Oficial de 26.03.2020, prevendo a contratação de campanha publicitária no valor de R$ 4.897.855,00.
O acórdão do STF não se limitou apenas a se pronunciar sobre a vedação da
campanha, mas também manifestou-se no sentido de afirmar que a suprema
corte possui jurisprudência consolidada no sentido de que, em matéria de
tutela ao Meio Ambiente e à Saúde Pública, devem-se observar os Princípios da
Precaução e da Prevenção. Portanto, na hipótese de, eventualmente, haver qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento
social, a decisão administrativa deverá ser a mais protetiva a Saúde Coletiva.
Afirma que não se trata, neste caso de dúvida, pois a comunidade científica
é unânime com relação à eficácia da medida sanitária, conforme experiência
recente nos países europeus.
No caso das outras duas ações citadas, sem pretender adentrar aos detalhes
das ações judiciais, o que fugiria ao escopo deste capítulo, o ponto em comum
das proposições judiciais é o posicionamento do Chefe do Poder Executivo Federal, enquanto representante do Estado-Nação brasileiro. A edição da Medida
Provisória n. 926, de 20 de março de 2020 , e em especial, a Lei Federal n.
13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que versa sobre as medidas para enfrentamento da emergência de Saúde Pública de Governos Subnacionais de importância internacional, decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019
e do Decreto Federal n. 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a lei
supramencionada, e define os serviços públicos e as atividades essenciais e suas
alterações posteriores, em especial o Decreto Federal n. 10. 329, de 28 de abril
de 2020, e Decreto Federal n. 10.344, de 08 de maio de 2020, constituem um
conjunto de normas que pretendem orientar a condução dos Estados Subnacionais na condução da pandemia nos seus respectivos territórios.
Ocorre que, na simples leitura da Lei Federal n. 13.979/2020, Decreto
Federal n. 10.282/2020 e suas alterações (Decreto Federal n. 10. 329/2020 e
59
Paradiplomacia Ambiental
Decreto Federal n. 10.344/2020), sem prejuízo dos outros decretos e normas
editadas no período da pandemia, verifica-se que é flagrante a tentativa do Governo Federal de impor limitações aos Governos Subnacionais no tocante às
decisões vinculadas às medidas de distanciamento social, vinculando tais interesses à autorização do Governo Central. No texto legal, deixa de abordar o
termo “distanciamento social”, tratando apenas do “isolamento social” e da
“quarentena”, que são medidas sanitárias e técnicas mais direcionadas aos casos
de riscos suspeitos ou confirmados.
Na mesma lei, dispõe que cabe ao Presidente da República elencar quais são
os serviços públicos e atividades essenciais, de modo a garantir a continuidade
desses serviços, o que desautorizaria as medidas de distanciamento social, preconizados pelas normas internacionais da OMS. Nos decretos posteriores, aos
poucos age, aumentando o rol de atividades, consideradas pelo seu gabinete
como atividades essenciais: as academias de ginásticas e salões de cabeleireiros,
dentre outros, o que autorizaria legalmente o funcionamento desses serviços.
O fundamento da decisão do STF na Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental n. 672 cita inclusive a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 6341 como precedente, propostas em 2020. Na decisão
da Suprema Corte, as normas federais em pauta, aliadas ao posicionamento da
Presidência da República nas entrevistas e reportagens diárias, fomentaram a
crise Inter federativa e culminaram com a propositura das ações judiciais.
No julgamento, o Ministro Alexandre de Moraes, justifica que a Lei Federal
13.979/20, Decreto Legislativo 6/20 e Decretos presidenciais 10.282/2020 e
10.292/2020, criados com o intuito de limitar a atuação dos Governos Subnacionais no caso do enfrentamento da COVID-19, devem ser compreendidos,
respeitando as competências administrativas e legislativas dos entes federativos. Nesse sentido, a Constituição Federal preconiza a competência administrativa comum (art.23, II e IX), bem como a competência concorrente para
legislar sobre a proteção e defesa da saúde (art. 24, XII) entre União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, sendo permitido a este último ente a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde
que haja interesse local (art. 30, II). A decisão reforça a descentralização político-administrativa do Sistema Único de Saúde (art. 198, CF, e art. 7º da
Lei 8.080/1990), o que consolida a atuação dos Governos Subnacionais na
formulação e execução de Políticas Públicas de Saúde, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da Lei
8.080/1990). Adota esse mesmo entendimento, o Ministro Marco Aurélio, ao
conceder medida acauteladora na ADI 6341. Portanto, não compete ao Poder
Executivo Federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais,
distrital e municipais, no exercício de suas competências constitucionais e legais, o que reforça a legalidade da atuação dos Governos Subnacionais, alinha60
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
das às normativas técnicas, científicas e políticas emanadas da OMS/OPAS,
uma vez serem mais protetivas à Saúde Coletiva e Global.
Por fim, a decisão em sede de ADPF 672, do STF reconheceu e assegurou
o exercício da competência concorrente dos governos estaduais e distrital e
suplementar dos governos municipais, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção
de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como,
a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de
atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras; independentemente de superveniência de ato federal em sentido contrário, sem prejuízo da competência geral da União para
estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda
necessário.
Segundo a ADI 6341, do STF, na decisão em sede de liminar, o Ministro
Marco Aurélio, até o momento, não adentrou ainda ao mérito da inconstitucionalidade da lei, todavia, manifestou-se no sentido de que o texto da lei federal
que versa sobre as medidas relativas a pandemia do COVID-19: [...] não afasta
a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios
[...] não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios.
Verifica-se assim que foi pacificada a questão legal controversa que poderia,
eventualmente, prejudicar os Governos Subnacionais na adoção de medidas
amplas para o cumprimento das responsabilidades e atribuições no tocante ao
tratamento da pandemia mundial pela COVID-19, apesar de as leis sanitárias,
bem como as normativas do SUS, construídas no bojo da descentralização dos
serviços e ações de saúde serem claras quanto ás responsabilidades dos Estados
Subnacionais em matéria de Saúde Coletiva, conforme o nível de atenção à
Saúde.
Esse posicionamento do STF, aliado à legislação sanitária brasileira, fortalece o protagonismo da atuação dos Governos Subnacionais na formulação e execução de Políticas Públicas internas ou externas à Saúde para o cumprimento da
meta 3.3 do ODS 3 Saúde e Bem-Estar, que requer medidas extremas urgentes,
considerando a complexidade do problema global enfrentado na esfera regional
(Estadual) ou local (Municipal), a exemplo do Município de São Paulo que está
implementando os ODS nas suas políticas Públicas, por meio da edição de Lei
Municipal n.16.817, de 2 de fevereiro de 2018, cuja implementação oficial, nesses moldes, ainda está no início.
61
Paradiplomacia Ambiental
CONCLUSÃO
A experiência brasileira da atuação dos Governos Subnacionais no cumprimento da meta 3.3 do ODS 3- Saúde e Bem- Estar demonstra a responsabilidade e o engajamento com que esses entes buscam cumprir suas obrigações legais,
morais e éticas. Esta meta aborda um conjunto de doenças que, historicamente,
são velhas conhecidas da Saúde Pública e, numa evolução conceitual da Saúde
Coletiva são de difícil erradicação. Neste estudo, foi destacado o caso da COVID-19, tendo em vista o seu protagonismo, sua abrangência, gravidade, bem
como devido ao fenômeno que cerca a sua abordagem no Brasil pelos Governos
Subnacionais.
Apesar de a legislação nacional ter descentralizado as ações de Saúde Coletiva com o advento da Constituição Federal de 1988, cuja responsabilidade pela
execução das ações de atenção básica à saúde, está vinculada legalmente a cargo
dos Governos Subnacionais, as medidas que tem sido adotadas pelo governo
central tem o potencial para prejudicar a macro política de Saúde Coletiva e,
consequentemente, a Saúde Global.
Apesar disso, o que chama atenção é o fenômeno que cerca a forma autônoma como os Governos Subnacionais têm se posicionado, escolhendo e
decidindo segundo aquilo que entendem ser o mais correto técnica e cientificamente. Esses entes, situados nos rincões do país, alinham-se à Governança
da Saúde Global da Organização Mundial de Saúde em detrimento do posicionamento claro e contundente da Presidência da República, que se manifestou
contrário às normas sanitárias internacionais, inclusive prevendo nos textos das
Medidas Provisórias, Leis, Decretos, dentre outros instrumentos, “garantias”
para o descumprimento dessas recomendações, o que foi derrubado pelas decisões do STF. Apesar de ainda faltar muito para a concretização de uma gestão
amadurecida, bem como faz-se necessário banir radicalmente a corrupção que
ainda assola no país, verifica-se, na avaliação do caso concreto, a importância e
capilaridade dos trabalhos da Governança da Saúde Global da OMS/OPAS. Se
não fosse o compromisso dos Governos Subnacionais, alinhados às normativas
oriundas da Governança da Saúde Global da OMS, possivelmente os resultados
da COVID-19 poderiam ser ainda mais drásticos.
Essa pandemia trouxe um campo de experiência prática não somente para
os cientistas ou profissionais da saúde, mas também para a população de modo
geral, trazendo à tona a forte e, por vezes apocalíptica temática dos prognósticos
dos estudos emanados das Conferências das Partes do Regime Internacional de
Mudanças Climáticas, que preveem, há décadas, a ocorrência de cenários drásticos comparáveis a este, no que concerne à adoção de medidas de mitigação e
adaptação urgente e, de certa forma, compulsórias pela sociedade.
Há tempo, urge uma tomada de decisão para uma ação coletiva no sentido
62
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
de que a sociedade global compreenda o cenário de complexidade, incertezas,
inseguranças que a ciência vem sinalizando, cujo crédito fica longe de constituir
motivo para a adoção de medidas imediatas, apesar de muitas vezes existirem
alternativas viáveis.
Não há elementos para que possamos sequer levantar a hipótese de que esse
evento em Saúde Global seja decorrente de uma mutação como consequência
das mudanças climáticas ou da poluição, todavia, é fundamental que a sociedade mundial, a iniciar pelos governos centrais, comecem a empreender sérias
medidas de implementação de Políticas Públicas mais eficazes e alinhadas à
Governança Ambiental Global e Governança da Saúde Global, pois que pretendem proteger o Meio Ambiente e a Saúde Global, sem descuidar do necessário
e inevitável desenvolvimento.
Observar mais atentamente as Metas do Desenvolvimento Sustentável na
adoção de Políticas Públicas pode ser um bom direcionamento para a promoção
e proteção da Saúde Global, todavia é fundamental que o viés político se comprometa com o cumprimento dessas metas pactuadas, pois todas elas comungam em favor da saúde e da vida, devido a sua transversalidade. Neste aspecto,
a Governança pode oferecer um conjunto de ferramentas aptas a atuar com a
complexidade que o caso requer, todavia deve ser utilizada como elemento político integrador de uma Macro política de Saúde, uma vez que a atuação local
poderá reverberar na Saúde Global.
REFERÊNCIAS
ALESSI, G.. Itália pagou preço alto ao resistir a medidas de isolamento social para conter coronavírus. El País Internacional. 25/03/2020. Disponível
em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-03-25/italia-pagou-preco-alto-ao-resistir-a-medidas-de-isolamento-social-para-conter-coronavirus.
html. Acesso em: 16 mai. 2020.
ALONSO, L.. Brasil segue EUA e deixa de apoiar medida da ONU de cooperação contra coronavírus: Resolução defende acesso global a medicamentos e equipamentos e reafirma papel da OMS durante crise. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/04/brasil-segue-eua-e-deixade-apoiar-medida-da-onu-de-cooperacao-contra-coronavirus.shtml. Acesso
em: 18 mai. 2020.
BORDE, E.; HERNÁNDEZ-ÁLVAREZ, M.; PORTO, M. F. de S.. Uma
análise crítica da abordagem dos Determinantes Sociais da Saúde a partir da medicina social e saúde coletiva latino-americana. In Saúde Debate.
Rio de Janeiro, v. 39, n. 106, p. 841-854, jul-set 2015 DOI: 10.1590/01031104201510600030023. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?
63
Paradiplomacia Ambiental
pid=S0103-11042015000300841&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em:
19 mai. 2020.
BROWN, Th. M.; CUETO, M.; FEE, E.. A transição de saúde pública ‘internacional’ para ‘global’ e a Organização Mundial da Saúde. In História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 13, n. 3, p. 623-47, jul.-set. 2006.pp. 623647 Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-5970200
6000300005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em 19 mai. 2020.
BUSS, P. M.; GALVÃO, L. A.; BUSS, D. F.. Saúde na Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável: política central para a governança global. In
BUSS, Paulo Marchiori; TOBAR, Sebastián (Org). Diplomacia em Saúde e
Saúde Global: Perspectivas latino americanas. Cap. 11, p. 349-384. Rio de
Janeiro: .FIOCRUZ. 2017.
BUSS, P. M.; FONSECA, L. E.; UNGERER, R.; HOIRISCH, C.. Governança Global e Regional da Saúde. In: BUSS, P. M. TOBAR, S. (Org).
Diplomacia em Saúde e Saúde Global: Perspectivas latino americanas. Cap.
10, p. 281-348 Rio de Janeiro: . FIOCRUZ. 2017.
CARLOS NETO, D.; DENDASCK, C.; OLIVEIRA, E. de. A Evolução
Histórica da Saúde Pública. In Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. v. 01, Ano 01, Ed. 01, p: 52-67, março de 2016.
ISSN:2448-0959 Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.
com.br/saude/a-evolucao-historica. Acesso em: 15 nov. 2019.
DANTAS, R. C. C.; CAMPOS, P. A. de; ROSSI, I.; RIBAS, R. M.. Implications of social distancing in Brazil in the pandemic period of COVID-19. Letter
to the Editor. Cambridge Coronavirus Collection: Infection Control & Hospital
Epidemiology. Cambridge University Press. DOI: 10.1017/ice.2020.210. England. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/DF33AB03455FBEFEB9EF88EB95E789B4/
S0899823X2000210Xa.pdf/implications_of_social_distancing_in_brazil_
in_the_pandemic_period_of_covid19.pdf. Acesso em: 11 mai. 2020.
FORTES, P. A. de C.; RIBEIRO, H.. Saúde Global em Tempos de Globalização. Dossiê Saúde Global. Saúde e Sociedade. abr-jun 2014. Disponível
em https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000200002. Acesso em 14
nov. 2018.
FREITAS, C. M. de; SILVA, I. V. de M. e; CIDADE, N. C.; SILVA, M. A.
da; PERES, M. C. M.; NUNES, F. S. B.; FREITAS, M. D. de. A gestão de
Riscos e a Governança na Pandemia por COVID-19 no Brasil. Relatório
Técnico e Sumário Executivo. Observatório COVID-19. Informação para
Ação. Carlos Machado de Freitas (coordenador). Centro de Estudos e
Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde. ENSP/FIOCRUZ. Rio de
Janeiro. 4/05/2020. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.
64
A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da
Covid-19 no Brasil
fiocruz.br/files/documentos/relatoriocepedes-isolamento-social-outras-medidas.pdf. Acesso em: 15 mai. 2020.
KICKBUSCH, I.. Desafios da governança global em saúde. In BUSS, Paulo
Marchiori; TOBAR, Sebástian (Org.). Diplomacia em Saúde e Saúde Global: Perspectivas Latino-Americanas. Capítulo 6, p. 181-194. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ. 2017.
L’ABBATE, S.. A Análise Institucional e a Saúde Coletiva. Ciência &
Saúde Coletiva.8(1):265-274, 2003. Disponível em: https://www.scielosp.
org/pdf/csc/2003.v8n1/265-274/pt. Acesso em: 14 nov. 2019.
NUNES, E. D.. Saúde Coletiva, Uma História Recente de um Passado remoto. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa; BONFIM, José Ruben de
Alcântara; MINAYO, Maria Cecília de Souza; AKERMAN, Marco; DRUMOND JÚNIOR, Marcos; CARVALHO, Yara Maria de. Tratado de Saúde
Coletiva. 2. ed.. São Paulo: Hucitec. 2012.
PACHO, L.. Itália muda estratégia contra o coronavírus para combater o
alarmismo e proteger a economia: Governo se empenha para garantir que
turistas não correm risco ao viajar ao país. El País Internacional. 28/02/2020.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-02-28/italia-muda-estrategia-contra-o-coronavirus-para-combater-o-alarmismo-e-proteger-a-economia.html. Acesso em: 16 mai. 2020.
PAIM, J. S; ALMEIDA FILHO, N.r de. Saúde Coletiva: uma “Nova Saúde
Pública” ou Campo Aberto a Novos Paradigmas? Rev. Saúde Pública, 32 (4):
299-316, 1998. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rsp/1998.
v32n4/299-316/pt . Acesso em: 27 jan. 2020.
SEVALHO, G.. Uma Abordagem Histórica das Representações Sociais de
Saúde e Doença. Cad.Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 349-363, jul/sep,
1993. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v9n3/22.pdf. Acesso
em: 15 nov. 2019.
THE LANCET. COVID-19 in Brazil: “So what?” In: Editorial. The Lancet. v.
395. May 9, 2020. Disponível em: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(20)31095-3.pdf. Acesso em: 14 mai. 2020.
TORRENTE, A.. Campanha imitada por Bolsonaro é apenas um dos
erros cometidos pela Itália... 28/03/2020. Notícias UOL. Curitiba-PR.
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/28/coronavirus-italia-erro-bolsonaro.htm. Acesso em: 16
mai. 2020.
OTTERSEN, O. P. et al. As origens políticas das inequidades em saúde:
perspectivas de mudança In The Lancet- Universidade de Oslo sobre Governança Global em Saúde, maio 2014. Revisão: Paulo M. Buss, Alberto P.
65
Paradiplomacia Ambiental
Filho e José R. Ferreira. Trad. Cristiano Botafogo. Multimeios/ ICICT/
FIOCRUZ. Versão em inglês disponível em: https://www.med.uio.no/
helsam/english/research/centres/global-health/global-governance-health/
publications/the-lancet-uio-commission-report-portugese.pdf. Acesso em:
14 fev. 2020.
WHITEHEAD, M.; DAHLGREN G. What can be doneabout inequalities in
health? In Lancet, London, v. 338, n. 8774, p. 1059-1063, 1991.
66
DESAFIOS PARA UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE: ANÁLISE
DOS DADOS DO FÓRUM POLÍTICO DE ALTO NÍVEL DAS
NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
(HLPF) - 2019.
Débora Gomes Galvão1*
ODS 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos.
Metas – Abordagem geral de todas
INTRODUÇÃO
E
m muitos aspectos, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) para alcançar a educação primária universal até 2015, apresentaram sucesso expressivo. Durante um período de 15 anos, o número de crianças
em idade primária fora da escola caiu quase pela metade, e a conclusão desse
grau subiu para 89% nos países em desenvolvimento, com ganhos notáveis em
países de baixa renda, especialmente para meninas (WORLD BANK, 2020).
A crescente consciência acerca da importancia da escolaridade tornou-se
o foco de governos, sociedade civil, acadêmicos e organizações internacionais,
desde o acesso escolar aos complexos problemas da educação de qualidade.
Em 2015, os chefes de Estado e de Governo bem como altos representantes
se reuniram na sede das Nações Unidas (ONU), em Nova York, de 25 a 27 de
setembro de 2015, no momento em que a Organização comemorou seu septuagésimo aniversário, para decidir sobre os novos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável Globais, culminando no surgimento da Agenda 2030.
Desse modo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) refletem
a mudança e a discussão em torno da educação. Dentre os 17 objetivos, o ODS
4 promete ‘’Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos os alunos”. Portanto, os
ODS constituem metas desafiadoras para os países quanto a qualidade e a inclusão na educação.
1
Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bolsista Capes
Prosuc, desenvolvendo pesquisa com ênfase no meio ambiente. Brazilian Civil Society Delegate
at High-Level Political Forum on Sustainable Development 2019, ECOSOC. Research in United
Nations Volunteers, developing Analysis of Gender Equality and Sustainable Environmental Development in Latin America and the Caribbean.
67
Paradiplomacia Ambiental
A melhoria da qualidade requer políticas específicas: ampla gama de ações,
gastos, infraestrutura, livros didáticos, gestão escolar, envolvimento dos pais,
avaliação, todos podem contribuir para melhorar a educação. Ela tem potencial
para ser uma significativa equalizadora de direitos na sociedade, transformando
a vida dos indivíduos, as oportunidades e o progresso nacional em direção ao
desenvolvimento sustentável, que refletem em desafios desafios significativos
de qualidade.
Este capítulo tem como foco os resultados e desafios apontados no Fórum
Político de Alto Nível da Organização das Nações Unidas (2019), no qual a autora foi representante do Brasil na Delegação da Sociedade Civil. Tendo como
escopo o objetivo número 4 – Educação de Qualidade – que compõe um dos
ODS escolhidos para debate entre os países no HLPF, e suas metas a serem
alcançadas.
O Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (HLPF) foi criado em 2012 pelo documento final da Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), “O futuro que
queremos”. O formato e os aspectos organizacionais do Fórum estão descritos na
resolução 67/290 da Assembléia Geral, que ocorreu no mesmo ano.
Anualmente ocorre a reunião com os integrantes do Conselho Econômico
e Social (ECOSOC) por oito dias. A primeira reunião do Fórum foi realizada
em 24 de setembro de 2013, que substituiu a Comissão de Desenvolvimento
Sustentável, que reune-se anualmente desde 1993.
O HLPF é a principal plataforma das Nações Unidas sobre desenvolvimento
sustentável, possui papel central no acompanhamento e na revisão da Agenda
2030 assim como no acompanhamento e revisão da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em nível global.
Posteriormente, a reunião do fórum político de alto nível sobre desenvolvimento sustentável, ocorrida em 2019 e convocada pelo Conselho Econômico e
Social, teve como tema “Capacitar pessoas e garantir inclusão e igualdade”.
O conjunto de objetivos analisados no evento foram: Objetivo 4. Garantir
uma educação de qualidade inclusiva, equitativa e promover oportunidades de
aprendizagem ao longo da vida para todos; Objetivo 8. Promover crescimento
econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e
trabalho decente para todos; Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro e entre
países; Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos; Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas
para o desenvolvimento sustentável, fornecer acesso à justiça para todos e construir instituições efetivas, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; Objetivo
17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável.
68
Desafios para uma educação de qualidade
A justificativa para a seleção do ODS 4 e suas metas para este capítulo
deve-se ao fato da educação ter sido reconhecida como um fator crucial para
mudanças e para a garantia da sustentabilidade.
Portanto, o presente estudo desenvolveu-se através de uma pesquisa classificada quanto à natureza qualitativa teórica, cuja resposta ao objetivo demandou
estudo exploratório de caráter bibliográfico e documental por meio de dispositivos apresentados pelos países no evento de alto nível, ocorrido em 2019, na sede
das Nações Unidas em Nova York (UNITED NATIONS, 2019a).
Ao final, conclui-se o capítulo com a apresentação do panorama entre o
avanço e os desafios para uma educação inclusiva e de qualidade, apontados no
Forúm Político de Alto Nível de 2019 quanto ao ODS 4 e suas metas, visando
um desenvolvimento sustentável e a implementação da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas.
1. O papel da educação no desenvolvimento sustentável
As 17 metas relacionadas ao desenvolvimento sustentável foram definidas
quando a Assembléia Geral das Nações Unidas criou a Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável (2015). A Educação de Qualidade figura como
objetivo 4 desta agenda. Esse objetivo específico enfatiza a educação de qualidade, equitativa e inclusiva, além de promover oportunidades de aprendizado
ao longo da vida.
Concentrada na mudança de pensamentos fundamentais e no reconhecimento da interligação dinâmica entre três aspectos: econômico, social e ambiental, a Agenda impulsiona o desenvolvimento integrado e universal em todas as
nações.
Através da educação, compreende-se que podem ser alcançados outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pois seus pressupostos são transversais aos outros ODS, uma vez que a educação é uma ferramenta para abordar questões ambientais, planejamento familiar, mortalidade; igualdade social,
melhorando assim o crescimento econômico e o empreendedorismo, retirando
as pessoas da pobreza ao promover segurança alimentar; melhoria da saúde,
coerência social e estabilidade política (ICSU e ISSC, 2015).
Pode-se romper a constante da pobreza quando se consegue obter educação
de qualidade. Por intermédio da educação, as desigualdades podem ser reduzidas, capacitando as pessoas para viver uma vida mais sustentável e saudável. Ela
também pode pode promover a tolerância entre as pessoas e tornar a sociedade
mais pacífica (ADEGBESAN, 2010).
Além disso, a educação constitui uma ferramenta de auxílio para o alcance do desenvolvimento desejado em qualquer nação, pois cidadãos educados
69
Paradiplomacia Ambiental
adquirem senso de propósito e confiança em suas carreiras, fatores que colaboram para a estabilidade à sua nação. Como resultado, a educação faz com que
as pessoas explorem de maneira sustentável os recursos disponíveis em seus
respectivos Estados,ou seja, diminuam práticas prejudiciais, promovendo o desenvolvimento econômico, social, cultural e politico. Em suma, ela aproxima as
pessoas cada vez mais dos objetivos relacionados à dignidade humana ao viabilizar a igualdade de gênero e paz para uma sociedade não violenta (ALAM, 2010).
Vislumbra-se como fundamental e urgente à implementação o avanço da
Educação nos países, tendo os governos o dever de canalizar as políticas públicas em prol do ensino:
Bem formuladas, essas políticas podem ter uma ação efetiva, pois representam uma dimensão que permite que se façam diagnósticos para atacar os
problemas de maneira programada, estimar recursos e solucionar carências, mediante o estabelecimento de metas de curto, médio e longo prazo
(BOTELHO, 2016, p. 23).
Como a educação é transversal à consecução de outras metas de desenvolvimento, todas as nações do mundo, particularmente as em desenvolvimento,
devem ter como uma das prioridades as 10 metas do ODS 4, pois o alcance dos
demais objetivos dentro do prazo estabelecido dependem do seu cumprimento .
2. Metas para uma Educação de Qualidade
São previstas dez metas que os países precisam atingir antes que se possa
dizer que o objetivo 4 foi alcançado (IPEA, 2019). Mostra-se essencial que os
países priorizem essas metas com base nas lacunas identificadas, ao invés de
enfrentar todas de uma só vez. Dessa forma, é possível determinar em fases o
desempenho de uma nação.
Para auxiliar na identificação da importância
dos pontos discutidos neste capítulo, tal como a compreensao da sua transversalidade, dispõem-se abaixo as metas específicas ao Objetivo n° 4 do Desenvolvimento Sustentável conforme a sua elaboração oficial (IPEA, 2019, n.p):
Meta 4.1 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário gratuito, equitativo e de
qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes.
– Indicadores 4.1.1 - Proporção de crianças e jovens: (a) nos segundo e terceiro anos do ensino fundamental; (b) no final dos anos iniciais do ensino
fundamental; e c) no final dos anos finais do ensino fundamental, que
atingiram um nível mínimo de proficiência em (i) leitura e (ii) matemática,
por sexo.
Meta 4.2 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todos as meninas e meninos tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo que eles estejam prontos para
70
Desafios para uma educação de qualidade
o ensino primário. – Indicadores - 4.2.1 - Proporção de crianças com menos
de 5 anos que estão com desenvolvimento adequado da saúde, aprendizagem e bem-estar psicossocial, por sexo. - 4.2.2 - Taxa de participação no
ensino organizado (um ano antes da idade oficial de ingresso no ensino
fundamental), por sexo.
Meta 4.3 - Nações Unidas - Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para
todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de
qualidade, a preços acessíveis, incluindo universidade. – Indicadores - 4.3.1
- Taxa de participação de jovens e adultos na educação formal e não formal,
nos últimos 12 meses, por sexo.
Meta 4.4 - Nações Unidas - Até 2030, aumentar substancialmente o número
de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo. – Indicadores - 4.4.1 - Proporção de jovens e adultos com
habilidades em tecnologias de informação e comunicação (TIC), por tipo
de habilidade.
Meta 4.5 - Nações Unidas - Até 2030, eliminar as disparidades de gênero
na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação
e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com
deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade.
– Indicadores - 4.5.1 - Índices de paridade (mulher/homem, rural/urbano,
1º/5º quintis de renda e outros como população com deficiência, populações indígenas e populações afetadas por conflitos, à medida que os dados
estejam disponíveis) para todos os indicadores nesta lista que possam ser
desagregados.
Meta 4.6 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todos os jovens e uma
substancial proporção dos adultos, homens e mulheres estejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática. – Indicadores - 4.6.1 - Percentual da população de determinado grupo etário que
atingiu pelo menos o nível mínimo de proficiência em (a) leitura e escrita e
(b) matemática, por sexo.
Meta 4.7 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram
conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento
sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania
global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura
para o desenvolvimento sustentável. Indicadores - 4.7.1 - Em que medida (i)
a educação para a cidadania global e (ii) a educação para o desenvolvimento
sustentável, incluindo a igualdade de gênero e os direitos humanos, são
71
Paradiplomacia Ambiental
incorporados a todos os níveis de: a) políticas nacionais de educação; b)
currículos escolares; c) formação dos professores e d) avaliação dos alunos
Meta 4.a - Nações Unidas - Construir e melhorar instalações físicas para a
educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero
e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros, não violentos,
inclusivos e eficazes para todos. - Indicadores - 4.a.1 - Proporção de
escolas com acesso a: (a) eletricidade; (b) internet para fins pedagógicos;
(c) computadores para fins pedagógicos; (d) infraestrutura e materiais
adaptados para alunos com deficiência; (e) água potável; (f) instalações
sanitárias separadas por sexo; e (g) instalações básicas para lavagem das mãos
(de acordo com as definições dos indicadores WASH).
Meta 4.b - Nações Unidas - Até 2020, substancialmente ampliar globalmente
o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em
particular os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em
desenvolvimento e os países africanos, para o ensino superior, incluindo
programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da
comunicação, técnicos, de engenharia e programas científicos em países
desenvolvidos e outros países em desenvolvimento. – Indicadores - 4.b.1
- Volume dos fluxos de ajuda oficial ao desenvolvimento para bolsas de
estudo por área e tipo de estudo
Meta 4.c - Nações Unidas - Até 2030, substancialmente aumentar o
contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação
internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento,
especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares
em desenvolvimento. – Indicadores - 4.c.1 - Proporção de professores (a) na
pré-escola; (b) nos anos iniciais do ensino fundamental; (c) nos anos finais
do ensino fundamental; e (d) no ensino médio, que receberam pelo menos
a formação mínima (por exemplo: formação pedagógica), antes ou durante
o exercício da profissão, requerida para lecionar num determinado nível de
ensino num dado país.
3. Desafios apontados no HLPF
No âmbito do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF), os países participantes se comprometem a
apresentar anualmente um Relatório Nacional Voluntário (VNRs na sigla em
inglês). Eles fazem parte do acompanhamento e da revisão da Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável e destinam-se a acompanhar o progresso
na implementação da Agenda 2030, incluindo os ODS e metas para todos os
países, de maneira universal e integrada, incluindo todas as dimensões do desenvolvimento sustentável.
72
Desafios para uma educação de qualidade
O VNR’s têm como elementos: a) São voluntários e incentivam relatórios
dos países desenvolvidos e em desenvolvimento; b) Revisam os progressos conduzidos por países nos níveis nacional e subnacional; c) São rigorosos e baseiam-se em evidencias informadas por avaliações e dados liderados pelo país, que
devem ter alta qualidade, serem acessíveis, confiáveis e desagregados; d) Facilitam o compartilhamento de experiências, incluindo sucessos, desafios e lições
aprendidas, como parte de um processo; e) Levam em consideração as revisões
das circuntancias políticas e prioridades nacionais, f) Incluem nos relatórios
de progresso o apoio de todas as partes interessadas e relevantes (MESIANO,
2019).
No evento de 2019, 24 países apresentaram pela primeira vez o relatório
voluntário, dentre eles: Áustria, Bolívia, Brunei Darussalam, Bulgária, RPDC,
República Democrática do Congo, Gâmbia, Quirguistão, República, Libéria,
Líbia, Malawi, Micronésia, Moçambique, Macedônia do Norte, Papua Nova
Guiné, República da Moldávia, Federação Russa, São Vicente e Granadinas,
Seychelles, Salomão Ilhas, Trinidad e Tobago, Ucrânia, Uzbequistão, Zâmbia. E
22 países apresentaram pela segunda vez: Argentina, Armênia, Bangladesh, Belize, Colômbia (3º), Costarica, Finlândia, Geórgia, Honduras, Índia, Jordânia,
Mônaco, Marrocos, Nepal, Níger, Panamá, Peru, Catar (3º), Samoa, Eslovênia,
Uganda, Zimbábue (UNITED NATIONS, 2020).
A autora deste capítulo esteve presente no evento ocorrido no mês de julho
em Nova York, e, dentre os países que apresentaram sua revisão, o Brasil optou
por não apresentar o VNR em 2019, mesmo tendo feito parte do Fórum Político de Alto Nível de 2017, que teve como tema: Erradicar a pobreza e promover
a prosperidade em um mundo em mudança. Nesse evento o país demonstrou
avanço dimensão social da agenda, com progressos alcançados no sentido de erradicar a pobreza extrema e a fome para garantir uma vida saudável e igualitária.
O Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (HLPF), tem acesso por intermédio de relatórios aos dados atualizados dos países e de todas as metas, segundo o Conselho Econômico e Social da
ONU (UNITED NATIONS, 2019b). A partir desses dados se começa a ter um
prisma sobre quão longe pôde-se chegar em quatro anos de implementação dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A edição especial sobre o progresso dos ODS aponta que ocorreram avanços e traz algumas tendências favoráveis com relação à implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, relacionados ao declínio das taxas de
pobreza extrema e mortalidade infantil.
No mesmo documento ressalta-se que este progresso é uma amostra de tudo
o que muitos governos e seus parceiros têm feito desde 2015. Os exames nacionais voluntários oferecem perspectivas adicionais às Nações Unidas e ilustram
73
Paradiplomacia Ambiental
como os governos deram prioridade à integração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em seus planos e políticas nacionais. Em complemento, indicam como estão criando mecanismos institucionais que ajudarão a impulsionar
e também a monitorar o progresso em direção à transformação necessária das
economias e das sociedades.
É importante notar que os VNR’s mostram que houve uma resposta quase
universal e significativa dos governos subancionais e cidades, empresas, sociedade civil, academia, jovens e outros setores que, através de uma ampla gama
de ações e iniciativas, estabeleceram pontos de partida para alinhar-se com os
Objetivos e promover sua implementação. Por esta razão é preciso intensificar
o papel das cidades para implementar os ODS a nível local e considerar a realidade local (OCDE, 2018).
Nesta premissa, na fala de abertura da Sra. María Fernanda Espinosa Garcés, Presidente da 73º sessão da Assembleia Geral da ONU, esta afirma que:
Pela primeira vez, os governos locais participaram na construção de uma
declaração das Nações Unidas sobre o desenvolvimento urbano sustentável, o
que prova que a nossa organização está aberta para ouvir e incluir a voz e a
orientação de todos aqueles que são tomadores de decisões e estão próximos
das pessoas (UN, 2019c).
Por sua vez, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), admite que há:
Uma parceria de longo prazo entre comunidades, diferentes cidades ou
centros urbanos e também como um mecanismo para estabelecer uma nova
modalidade de parceria, que foca na relação direta entre territórios regionais,
ao contrário do modelo promovido pela cooperação bilateral no nível nacional
(ONU, 2008).
De acordo com Florida (2014) a razão é simples, “são as cidades, não as
nações, que são as unidades fundamentais em termos econômicos, políticos e
sociais de nosso tempo.”
Apesar dessas tendências positivas, o documento final indica que mesmo
com a as ações e iniciativas inspiradas na Agenda 2030, que estão mudando as
trajetórias locais, elas ainda não se mostram suficientes para gerar a transformação necessária para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até
2030, pois ainda não progrediram com rapidez ou a escala necessária.
Com relação aos conflitos e as instabilidade em muitas partes do mundo o
documento afirma que els têm sido intensificados, causando sofrimento humano incalculável, minando o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável e até mesmo revertendo os progressos já realizados. As mudanças
econômicas também dificultaram a implementação dos objetivos.
74
Desafios para uma educação de qualidade
Por conta disso e também devido às tensões comerciais, a previsão de crescimento econômico global permanece lenta e desigual em diferentes regiões por
conta dos níveis insustentáveis de dívida doméstica e comercial, aumentando
substancialmente a vulnerabilidade da dívida em países de baixa renda.
Quanto ao ODS 4, objeto deste capítulo, O Comitê Diretor do do ODS
Educação 2030, que consiste num grupo de coordenação, proporcionou uma
revisão dos dados extraídos do Relatórios Voluntários apresentados pelos Estados em 2019 (UNESCO, 2019). A pesquisa realizada indica que mesmo com
alfuns progressos, seguindo as tendências atuais, o mundo não está no caminho
certo para alcançar o objetivo e as metas do ODS4.
Assim, apesar do aumento ao acesso e a participação na educação de qualidade nos últimos anos, 262 milhões de crianças, adolescentes e jovens de 6 a 17
anos ainda estavam fora da escola em 2017, representando quase um quinto da
população global dessa faixa etária. Desse número, 64 milhões são crianças em
idade escolar primária (cerca de 6 a 11 anos), 61 milhões são adolescentes em
idade escolar inferior (12 a 14 anos) e 138 milhõessão jovens em idade escolar
secundária superior (15 a 17 anos) (UNESCO, 2019, n.p).
A edição especial do relatório afirma ainda que a disponibilidade de dados sobre aprendizado está melhorando. Contudo, muitos países não avaliam
os resultados do aprendizado sistematicamente, enquanto as informações disponíveis raramente são usadas para informar políticas e práticas. Também é
importante compreender quais crianças estão aprendendo apropriadamente e
quais não, pois as disparidades na aprendizagem começam ainda na infância e
aumentam à medida que as crianças crescem ou abandonam completamente os
estudos.
Ocorreram melhorias notáveis em termos de habilidades de leitura e escrita,
bem como uma redução constante nas disparidades de gênero nas últimas décadas. No entanto, 750 milhões de adultos - dois quais dois terços são mulheres
– permaneceram analfabetos em 2016. A taxa global de alfabetização de adultos
(para a população de 15 anos ou mais) foi de 86% em 2016, enquanto a taxa de
alfabetização de jovens (para a população de 15 a 24 anos) foi de 91%.
Acredita-se que um passo importante em direção à meta relacionada à educação de qualidade e duradoura para todos, consiste em garantir o treinamento
e qualificação dos professores em todos os níveis.
Um dos maiores desafios para o alcance do ODS 4 está vinculado aos recursos financeiros, tanto dos governos quanto das famílias. O financiamento
inadequado da educação é um dos maiores entraves para o cumprimento das
metas até 2030. Nos países para os quais existem dados disponíveis, os gastos
dos governos com educação, como, por exemplo, a destinação de uma porcentagem do PIB, ficaram abaixo de 5% desde 2010, como aponta o relatório final
75
Paradiplomacia Ambiental
(UNESCO, 2019).
Quanto ao efeito da educação em outros objetivos do desenvolvimento,
tem-se que um progresso real na inclusão de grupos desfavorecidos e na redução
da desigualdade exige sistemas educacionais que adotem uma abordagem inclusiva.
Nas sociedades multiculturais, a abordagem da diversidade deve estar
no centro das estratégias educacionais, conforme documento da UNESCO
(2019, p.23):
Todas as atividades que são desenvolvidas no ambiente educacional, com
o objetivo de proporcionar a educação para a paz, preparar para a vida cívica,
transmitir valores e ensinamentos multiculturais, mundiais ou de promoção do
desenvolvimento sustentável, incluem os princípios dos direitos humanos em
seus conteúdos e métodos. É importante que todas elas, utilizando este Plano
de Ação como referência, promovam um enfoque da educação com base nos direitos, que transcenda os limites do ensino e da aprendizagem e que tenha como
objetivo oferecer uma plataforma de aprimoramento global do setor escolar no
contexto das reformas educacionais de alcance nacional.
A primeira revisão temática do ODS 4, desde a adoção da Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável, fornece uma oportunidade única para a
comunidade internacional realizar um balanço do desenvolvimentos da educação em todo o mundo e para reorientar a educação como um catalisador para a
conquista de todos os ODS.
O referido documento mostrou dois desafios principais:
a) Não apenas o mundo encontra-se fora dos trilhos, mas também não há
sinais tangíveis de aceleração do progresso para alcançar a meta do ODS 4.
b) O modelo de educação proposto para ajudar a alcançar os resultados
desejados do desenvolvimento não está sendo realizado, enquanto o investimento em educação permanece insuficiente e a maioria dos sistemas educacionais é desigual, não respondendo às demandas colocadas por outros
setores.
O ODS 4 - Educação 2030 é um objetivo com responsabilidade compartilhada. O progresso real no ODS 4 requer a concentração de ações específicas
nos níveis internacional, nacional, subnacional e local por todos aqueles que
formulam e implementam políticas educacionais, bem como aqueles que fornecem recursos para a educação.
Desse modo, o HLPF em 2020 deve convocar todas as partes interessadas
em educação para continuarem trabalhando juntas para enfrentar os desafios e
metas estabelecidos na Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
76
Desafios para uma educação de qualidade
CONCLUSÃO
Embora muitas tendências em relação aos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável sejam comuns a todas as regiões, existem diferenças importantes
entre elas em termos de progresso e obstáculos a serem alcançados.
A participação no Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (HLPF) – 2019, proporciona uma análise ampliada e dados que demonstram os avanços dos países em relação aos Objetivos
do Desenvolvimento constantes na Agenda 2030. Nesse sentido, foi possível
identificar que em 2020 os países já deveriam estar consideravelmente mais alinhados e praticando as políticas públicas em prol da implementação dos ODS.
O evento, que é um dos mais importantes da agenda, é capaz de reunir todos os
atores em diálogo sobre o avanço das metas.
No entanto, muitos países nesta oportunidade ainda estão no estágio de
levantamento de dados e programação para iniciar projetos, que na verdade, já
deveriam estar em andamento, uma vez que o prazo para o avanço das implementações visa o ano de 2030. Quanto ao Estado brasileiro, este sequer apresentou o Relatório Voluntário Nacional no Fórum de 2019, ocorrido na sede
das Nações Unidas (ONU) em Nova York.
Mesmo com os progressos já relatados, os países não foram longe o suficiente para responder adequadamente à mudança de paradigma exigida pela
Agenda 2030 e precisarão adotar programas e técnicas nos próximos anos para
acelerar significativamente progresso. Para que isso ocorra, é importante a atuação dos governos, a integração entre os países, a colaboração da sociedade civil e
do setor privado, buscando financiamentos e respondendo as deficiencias para
acerelar a implementação.
O relatorio final (UNESCO, 2019, p.26), enfatiza a real atuação dos governos subnacionais, que, em muitas áreas, são geralmente mais adequados para
direcionar a implementação, seja em termos de provisão e proteção de serviços
básicos e ecossistemas ou para enfrentar diretamente desafios e oportunidades
relacionado à educação.
Assim, os governos nacionais devem trabalhar em colaboração com os governos locais e regionais, envolvendo comunidades locais e partes interessadas
que melhor conheçam as necessidades, bem como as capacidades individuais e
coletivas como parceiros fundamentais na implementação e cumprimento dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O progresso para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
em um mundo em rápida evolução dependerá da capacidade de antecipação,
preparação e adaptação a mudanças repentinas. Ressalta-se a importância de
reconhecer todos os atores e ter uma visão cooperativa, entre os países e dentro
77
Paradiplomacia Ambiental
deles, para o avanço da Agenda 2030.
Dessa forma, para o êxito do ODS 4 deve-se primeiro conhecer as metas
dispostas na agenda 2030 e dialogar com todas as partes interessadas como
uma condição prévia, incluindo a participação de outros setores econômicos e
sociais para garantir a incorporação de outras metas na educação. Ademais, os
países devem fazer o devido planejamento, adotar políticas, gestão e monitoramento do sistema nacional de educação e conseguir identificar as lacunas e as
ações necessárias.
Nos ODS, a agenda da educação estabeleceu metas que garantem não apenas a matrícula e conclusão no âmbito da escolarização, mas também que a
qualidade da educação que recebem possa fomentar um ambiente mais ágil
para melhorar a qualidade e a velocidade da tomada de decisão e pensamento
intuitivo. Isso poderá permitir que esses alunos melhorem a qualidade de vida,
como consequência para o desenvolvimento sustentável de suas comunidades.
Em 2020, estima-se que o melhor a fazer pelo governo para estimular o
progresso consiste em fornecer à nação pessoas capacitadas para auxiliar o país
a enfrentar os desafios futuros. Por fim, tendo em vista que a corrida para a
consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) globais está
em andamento, mostra-se pertinente definir os principais indicadores de desempenho para avaliar o progresso, e mais do que nunca, colocá-los em prática.
REFERÊNCIAS
ADEGBESAN, S. O.. Establishing quality assurance in Nigerian education
system: Implications for educational managers. Educational Research and Reviews, v. 5, n. 7 pp. 380-384. Jul. 2010. Disponível em: https://academicjournals.org/journal/ERR/article-full-text-pdf/030A69C4582. Acesso em:
05 abr. 2020
ALAM, G.. The Role of Technical and Vocational Education in the National Development of Bangladesh. Asia-Pacific Journal of Cooperative Education,
v. 9. n.1, pp. 25-44, 2008. Disponível em: http://www.apjce.org/files/APJCE_09_1_25_44.pdf. Acesso em: 06 mar. 2020
BOTELHO, I.. Dimensões da cultura: políticas culturais e seus desafios. São Paulo: Sesc. 2016.
FLORIDA, R. 11 Reasons the UN Should Make Cities the Focus of Its Forthcoming Sustainable Development Goals. CityLab. Apr. 17 2014. Disponível em:
https://www.citylab.com/life/2014/04/11-reasons-un-should-make-citiesfocus-its-. Acesso em: 17 fev. 2020.
ICSU; ISSC. Review of the Sustainable Development Goals: The Science
78
Desafios para uma educação de qualidade
Perspective. Paris: International Council for Science (ICSU), 2015.
Disponível em: http://www.icsu.org/publications/reports-and-reviews/
review-of-targets-for-the-sustainable-development-goals-the-scienceperspective-2015/SDG-Report.pdf. Acesso em: 13 mar. 2020.
IPEA. ODS 4 – Educação de Qualidade. Brasília: IPEA e ONU, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods4.html. Acesso em: 11 mar.
2020.
MESIANO, R.. Voluntary National Reviews: The 2030 Agenda Follow-up and
Review Architecture. Bangkok: UNESCAP, 2019. Disponível em: https://
www.unescap.org/sites/default/files/Session%203_VNRs_RM.pdf. Acesso em: 11 abr. 2020.
OECD. Reshaping Decentralised Development Co-operation: The Key Role of
Cities and Regions for the 2030 Agenda. Paris: OECD Publishing, 2018.
https://doi.org/10.1787/9789264302914-en. Acesso em: 02 abr. 2020.
THE WORLD BANK. Data Bank Education Statistics – All Indicators. Washington D.C.: World Bank, 2020. https://databank.worldbank.org/source/
education-statistics-%5e-all-indicators/preview/on. Acesso em: 08 abr.
2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Contribution of Decentralized Cooperation to Decentralization in Africa. New York: United Nations,
2008. Disponível em: < http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/
documents/undpadm/unpan032450.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2020.
UNESCO. 2019 High-level Political Forum Contribution from the SDG-Education 2030 Steering Committee. New York: High Level Political Forum for
SGS, 2019. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/
pf0000367447. Acesso em: 11 abr. 2020.
UNITED NATIONS. High-Level Political Forum 2019 Under The Auspices Of
Ecosoc. New York: UN Sustainable Development Goals Knowledge Platform, 2019a. https://sustainabledevelopment.un.org/hlpf/2019. Acesso
em: 09 abr. 2020.
______. Edición especial: progresos realizados para lograr los Objetivos de Desarrollo Sostenible. New York: United Nations, 2019b. Disponível em: https://
documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N19/134/98/PDF/
N1913498.pdf?OpenElement. Acesso em: 11 abr. 2020.
______. Statement by H.E. Mrs. María Fernanda Espinosa Garcés, President
of the 73rd Session of the UN General Assembly. New York: United Nations, 2019c. Disponível em: <https://www.un.org/pga/73/2019/02/19/
from-global-issues-to-local-priorities-the-role-of-cities-in-the-global-agenda-including-cities-for-sustainable-development-food-security-nutrition-and-cli79
Paradiplomacia Ambiental
mate-change-3/ >. Acesso em: 11 abr. 2020.
______. Voluntary National Reviews Database. New York: UNITED NATIONS Sustainable Development Knowledge Platform, 2020. Disponível
em: https://sustainabledevelopment.un.org/vnrs/. Acesso em: 16 mar.
2020.
80
POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESPAÇO SUBNACIONAL: A
IMPORTÂNCIA DE MECANISMOS DA PARADIPLOMACIA
PARA PROMOÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES E
INCLUSÃO SOCIAL, COM EXEMPLOS DO ESTADO DE SÃO
PAULO.
Adriana Machado Yaghsisian1
Gabriela Soldano Garcez2
Simone Alves Cardoso3
ODS 5 - Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e
meninas
Meta 5.5 - Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade
de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão
na vida política, econômica e pública.
INTRODUÇÃO
G
arantir participação plena e efetiva das mulheres, além de equidade
de oportunidades em todos os níveis de tomada de decisões em âmbitos públicos e privada, nos setores político, econômico e social, é meta global
contida no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº. 5, da Agenda 2030,
que repete instrumentos já conhecidos do Direito Internacional da mesma seara, como: Convenção para eliminar todas as formas de discriminação contra
a mulher, Plano de ação da conferência internacional sobre população e desenvolvimento, e, a Plataforma de ação de Pequim (diga-se, de passagem, todos
ratificados pelo Brasil).
Doutora em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (2017), mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos (2004) e graduada
em Direito pela Universidade Católica de Santos (1994) e em Pedagogia pela Universidade Santa
Cecilia (1990). Professora no curso de Direito da Universidade Católica de Santos, Coordenadora do Juizado Especial Civil da Universidade Católica de Santos e do Curso de Extensão de
Capacitação de Conciliadores e Mediadores da Unisantos.
2
Advogada e jornalista diplomada. Pós-doutora pela Universidade Santiago de Compostela/Espanha. Doutora em Direito Ambiental Internacional e Mestre em Direito Ambiental, ambas pela
Universidade Católica de Santos (com bolsa CAPES). Professora da Universidade Católica de
Santos, de cursos preparatórios para OAB e concursos públicos.
3
Doutora em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (2017), mestre em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) e graduada
em direito pela Universidade de Franca (2000). Associada individual da Environmental Peacebuilding Association. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos.
1
81
Paradiplomacia Ambiental
É preciso, então, institucionalizar a presença feminina com a criação e o
avanço de mecanismos a nível nacional e subnacional, de modo a (re)significar
a presença das mulheres no mundo democrático, quebrando a visão de séculos associada a um paradigma de dependência e submissão da figura feminina,
para acompanhar o progresso de gênero (e viabilizar ainda melhores perspectivas para as próximas gerações), através de instrumentos de fortalecimento e
edificação de governança e cooperação (inclusive de acordo com estruturas já
promovidas pela paradiplomacia), para garantir a incorporação da temática nas
políticas públicas com enfoque na ampliação dos direitos humanos das mulheres (como, por exemplo, fortalecimento de políticas de autonomia econômica
ou consolidação de combate à violência doméstica), com o objetivo de qualificar o debate e planejar a intervenção de atores não estatais no enfrentamento
da desigualdade de gênero.
Nesta linha de raciocínio, o presente trabalho visa, primeiramente, expor a
desigualdade de gênero, indicando importantes conquistas e avanços já promovidos, bem como desafios que permanecem como obstáculos à plena garantia
dos direitos das mulheres.
Em seguida, indica políticas públicas engendradas no espaço subnacional
do Estado de São Paulo, que tenham a finalidade precípua de promoção dos
direitos humanos das mulheres e a inclusão social, mas que também tenham
sido institucionalizadas de acordo com mecanismos de cooperação, governança
e paradiplomacia (de modo a permitir a participação ampliada de todos os setores da vida pública e privada).
Para, por fim, analisar de que forma tais políticas públicas estão relacionadas (ou foram criadas tendo em vista) o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável nº. 5, da Agenda 2030, com ênfase na meta 5.5 (“Garantir a participação
plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em
todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”) e
5.c (“Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção
da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em
todos os níveis”).
1. Uma questão de gênero e os avanços promovidos
A inserção das mulheres como sujeitos importantes na construção de soluções criativas nos conflitos que envolvem os estados subnacionais, por meio
das habilidades que lhes são próprias, é de importante contribuição para a sociedade pós-moderna, marcada pela complexidade de conflitos que ultrapassam
fronteiras espaciais e temporais e reclamam uma forma diferente de solução.
Alcançar espaços para além dos já conquistados, a fim de proteger as futuras
gerações e percorrer caminhos que atualmente implicam compartilhamento,
82
Políticas públicas no espaço subnacional
complementaridade e cooperação dos estados subnacionais entre todos os atores da sociedade, sem distinção do binário clássico homem/mulher, constitui
conditio sine qua non para o bom concerto intergeracional.
No percurso da história, alguns pensadores externam a preocupação de
desenhar a definição das mulheres a partir do paradigma masculino, como Simone Beauvoir, para quem elas são o inessencial perante o essencial. Nessa alteridade, assim (pré) estabelecida, o homem é o sujeito, o Absoluto; e elas são o
Outro. Para a autora, a alteridade é uma categoria fundamental do pensamento
humano, porquanto nenhuma coletividade define-se como Uma sem colocar
imediatamente a Outra diante de si (BEAUVOIR, 1980). Nessa relação, no
entanto, a alteridade, que é por essência relativa, ocupa caráter absoluto.
É preciso superar esse caráter, complexo e que rompe fronteiras com
a natureza ou até mesmo com momentos históricos, para caminharmos em
direção à contribuição das mulheres nas negociações que envolvem os estados
subnacionais na sociedade pós-moderna e sua correlata (re)inserção.
A questão da igualdade do gênero, todavia, não deve ser embasada nas noções de superioridade, inferioridade e igualdade. A perspectiva que se sugere
deva ser adotada, e que parece melhor se amoldar à alteridade, é a da moral existencialista. Nesse alinhamento, temos que todo sujeito se coloca concretamente
através de projetos, como uma transcendência. Só se alcança a liberdade pela
sua superação constante, em vista de outros níveis de liberdades. Não há outra
justificação da existência presente senão sua expansão para um futuro indefinidamente aberto, segundo realça Beauvoir (BEAUVOIR, 1980).
Nesse recorte, o que define, de modo singular, a situação das mulheres
é que, como todo ser humano, possuidor de liberdade autônoma, elas descobrem-se e escolhem-se em um mundo em que os homens lhes impõem a condição do Outro.
Por outro lado, as mulheres não podem ser definidas como espécie. Uma
sociedade não é uma espécie. De acordo com Beauvoir (BEAUVOIR, 1980) na
sociedade, a espécie realiza-se como existência. Há transcendência dela para o
mundo e para o futuro. Não é enquanto corpo, mas como corpos submetidos a
tabus, a leis, que o sujeito toma consciência de si mesmo e se realiza.
É com base em um contexto ontológico, econômico, social e psicológico
que os dados da biologia deverão ser esclarecidos. Embora o seu corpo seja um
dado importante, passa a ter realidade vivida quando assumido pela consciência, por meio das ações e no seio de uma sociedade.
O corpo, do ponto de vista psicanalítico, tem papel periférico, dando lugar
ao corpo vivido pelo sujeito. Nessa perspectiva, as mulheres se definem retomando a natureza em sua afetividade.
83
Paradiplomacia Ambiental
Mas isso não basta. Com efeito, a definição das mulheres não se esgota pela
consciência que ela tem de sua feminilidade, pois que toma consciência desta
no seio da sociedade de qual faz parte. A vida é uma relação com o mundo. O
indivíduo alcança sua definição quando escolhe-se através do mundo.
Na visão de Beauvoir, as mulheres devem ser concebidas como aquelas que
hesitam entre o papel de objeto, de Outro, que lhes é proposto, e a reivindicação da liberdade. E, nesse alinhamento, “a mulher define-se como ser humano
em busca de valores no seio de um mundo de valores, mundo cuja estrutura
econômica e social é indispensável conhecer” (BEAUVOIR, 1980, p. 72).
A concepção do materialismo histórico nos permite alcançar essa percepção, digamos, existencialista. Isso porque a humanidade não é uma espécie animal. É uma realidade histórica, que retoma a natureza em suas mãos. Nesse
alinhamento, os dados biológicos das mulheres adquirem importância quando
assumem, na ação, um valor concreto. Nessa relação de interação com o mundo
de valores exteriores as mulheres refletem uma situação que constitui pressuposto da estrutura econômica da sociedade. É essa perspectiva que deve orientar
e (re)dimensionar a questão das mulheres como negociadoras dos processos
que envolvem os estados subnacionais, cuja finalidade é transcender-se em um
processo que se projete para o futuro das gerações, na perspectiva da equidade
intergeracional, e projetar-se, por exemplo, como lideranças pacificadoras de
conflitos daí surgidos. Nessa dinâmica, as mulheres têm contribuição significativa para com a sociedade pós-moderna, pois, na visão beauvoiriana, podem
oferecer possibilidades criativas como resultado de escolhas calcadas em uma
dimensão marcada pela liberdade.
Aliada à necessidade de se projetarem como sujeitos essenciais no presente,
em direção a caminhos nos quais terão participação como sujeitos transformadores desse processo, temos que o (re)encontro com elas mesmas torna-se a
matriz e o pressuposto desse processo de transcendência.
E os direitos das mulheres ganham dimensões tais que necessitamos, para
contextualizá-los ao presente tema, examiná-los à luz dos direitos humanos.
Para Arendt, fundamentados no valor da pessoa humana, os direitos humanos são um construído histórico, uma invenção ligada à organização da comunidade política (LAFER, 1999).
As atrocidades e horrores do legado do regime nazista surgidos com o fenômeno totalitário, desencadeiam a ruptura dos direitos humanos, que trazem,
como reação da comunidade internacional, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), de 1948, reiterada pela Declaração de Direitos Humanos
de Viena, de 1993. Esse fato traduz a concepção contemporânea de direitos
humanos, que, por seu turno, dá origem ao movimento de internacionalização
dos direitos humanos, como destaca Piovesan (PIOVESAN, 2004).
84
Políticas públicas no espaço subnacional
A DUDH traz a universalidade e a indivisibilidade dos direitos, como notas características dessa nova concepção dos direitos humanos. Trata-se de uma
unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, na qual convergem os
direitos civis e políticos e os direitos sociais, econômicos e culturais.
A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, em seu parágrafo 5º,
reitera a concepção da Declaração Universal de Direitos Humanos ao afirmar
que
todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve
tratar os direitos humanos globalmente de forma justa
e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase
(ONU – ASSEMBLEIA GERAL, 1948, online).
Como marco do movimento de internacionalização dos direitos humanos,
a DUDH fortalece a noção de que a proteção desses direitos não deve se cingir
à jurisdição doméstica dos Estados, uma vez que revela tema de legítimo interesse internacional. Em razão disso, há necessária revisão da ideia de soberania
absoluta do Estado, ao lado da noção de que a pessoa deve ser sujeito de direitos
protegidos no âmbito internacional (PIOVESAN, 2004).
Com a universalização dos direitos humanos rompe-se a fase clássica do
direito internacional. Com efeito, o direito da paz e da guerra passam a ser substituídos pelo direito internacional da cooperação e da solidariedade. Por outro
lado, não se concebe a existência dos direitos humanos sem democracia. Nessa
linha, o pleno exercício dos direitos políticos pode relacionar-se ao empoderamento daqueles mais vulneráveis, ao aumento de sua capacidade de pressão,
articulação e mobilização políticas (PIOVESAN, 2004).
Ao seu turno, os direitos políticos convivem, sob a ótica do direito internacional e da indivisibilidade dos direitos humanos, com os direitos econômicos,
sociais e culturais, tendo, estes, como foco, a proteção aos grupos vulneráveis,
que são titulares de direitos.
Tal concepção nos conduz ao direito ao desenvolvimento, o que exige uma
globalização ética e solidária, em que a pessoa humana é o sujeito central do
desenvolvimento de ações que se materializem no plano dos estados subnacionais e deve ser ativa, participativa e beneficiária do direito ao desenvolvimento.
Um dos desafios enfrentados na implementação dos direitos humanos se
relaciona ao enfoque de gênero na tutela de grupos socialmente vulneráveis,
como as mulheres.
Não basta a universalidade e a indivisibilidade para a implementação dos
direitos humanos. O respeito à diversidade e a necessidade de especificação
dos sujeitos de direitos torna-se conditio sine qua non à proteção dos grupos
85
Paradiplomacia Ambiental
socialmente vulneráveis.
Um olhar voltado à peculiaridade e participação das mulheres, enquanto
desses sujeitos de direitos, é o que se requer para a mudança de paradigma da
sociedade pós-moderna, associado ao respeito à diferença e à diversidade para
o alcance da igualdade.
A adoção de políticas específicas torna-se a tônica para conferir visibilidade
e o pleno exercício do direito à inclusão social, entrelaçado ao desenvolvimento
de ações eficientes para o desenvolvimento local, com ênfase à formulação de
políticas que diretamente lhes afetem (PIOVESAN, 2004).
Mas não é só. Assegurar os direitos humanos das mulheres impõe um olhar
mais cuidadoso das estruturas da sociedade subjacente e as relações de poder
que definem e influenciam a habilidade que elas têm no exercício de tais direitos.
Nesse âmbito, a obrigação dos Estados é assegurar que o respeito à proteção
dos direitos humanos das mulheres não seja violado por terceiros, garantir a
universalidade dos direitos humanos, a igualdade e a não discriminação entre
homens e mulheres. além de ampliar o significado de gênero.
Essa atuação constitui conditio sine qua non para a sua efetivação nos planos
internacional, nacional e regional, refletindo-se na criação de ações eficientes
para o desenvolvimento de políticas estabelecidas no âmbito dos estados subnacionais.
A universalidade dos direitos humanos e a indivisibilidade de tais direitos,
desde a adoção da Declaração Universal, vêm sendo reafirmadas pelos Estados.
Na Conferência Mundial de Viena, os Estados reconheceram que os direitos humanos das mulheres são parte dos direitos humanos universais, e têm
subsequentemente reafirmado isso, o que também se deu na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres.
O relatório que trata da violência contra mulheres, na parte que desenvolve
as práticas culturais violentas dentro da família, destaca a falta de influência das
mulheres nos processos de tomada de decisões, os quais definem a cultura de
qualquer comunidade (ONU – ASSEMBLEIA GERAL, 2012).
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher conclama aos Estados a tomada de medidas apropriadas para
modificar os padrões sociais e culturais das condições dos homens, as outras
práticas habituais, baseadas na ideia de inferioridade e superioridade de cada
um dos sexos e dos papéis estereotipados para homens e mulheres (artigo 5º). E
assim faz para estimular a complementaridade e cooperação de ambos.
Tal cooperação deve se dirigir a uma sociedade que se constrói com
seres humanos que têm na diferença biológica uma base única inseparável,
86
Políticas públicas no espaço subnacional
influenciada pelo passado, que estrutura o presente e se projeta para o futuro,
em um contexto econômico, social e cultural, na visão beauvoiriana, por assim
dizer (YAGHSISIAN, 2017).
A igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres constituem
princípios nucleares na estrutura dos direitos humanos. Documentos internacionais, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 26, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
proíbem a discriminação baseada em sexo e garantem às mulheres e homens a
igualdade e a fruição dos direitos neles previstos.
O alcance da igualdade substancial requer levar em conta desigualdades
históricas e condições atuais das mulheres num dado contexto. Nesse sentido,
pode-se demandar dos Estados ações positivas a fim de se evitar desvantagens
específicas e voltadas às necessidades das mulheres. Sugere-se, como ação concreta, uma agenda de inclusão positiva, marcada por uma atuação participativa,
significativa e concreta na vida pública e na tomada de decisões que possam
influenciar questões ambientais. Desse modo, é possível transformar comportamentos em ações que se desenvolvam tendo como foco a criação de políticas
regionais. que influenciam e redesenham a arquitetura das cidades. Elas passam
a ter, nessa visão, um grande polo de produção em rede de ações sustentáveis
para a economia e desenvolvimento locais.
A inclusão das mulheres na agenda do direito ambiental internacional nas
questões afetas ao desenvolvimento sustentável é um dos meios positivos de
superação desses obstáculos, em uma relação nova que se constrói, tendo na
redefinição do conceito de empoderamento sua nota fundamental.
Busca-se, na seara dos direitos humanos alcance a igualdade substantiva, o
que demanda medidas adequadas para o alcance da igualdade de resultados. No
entanto, isso importa a definição de mulheres em uma contextualização maior,
a levar em conta aspectos históricos, sociais e econômicos que ressignificam seu
conceito em busca de uma transcendência, que antevê na fraternidade social
sua eficaz contribuição para a sociedade pós-moderna.
É interessante observar que o posicionamento social dos homens e mulheres é afetado por fatores políticos, econômicos, culturais, sociais, religiosos,
ideológicos e ambientais, e podem ser modificados pela cultura, comunidade
e sociedade, em direção a caminhos que apontem para maior cooperação e
participação na tomada de decisões locais, regionais e que se refletirão em ações
nacionais.
Ainda na visão beauvoiriana, as mulheres vivenciam um dualismo marcado
por uma hesitação estabelecida entre o papel de objeto, de Outro, que lhes é
proposto, e a reivindicação da liberdade. Nessa perspectiva, “a mulher define-se
como ser humano em busca de valores no seio de um mundo de valores, mundo
87
Paradiplomacia Ambiental
cuja estrutura econômica e social é indispensável conhecer” (BEAUVOIR,
1980).
Para tanto, sugere-se que o Outro passe a ser substituído por um sujeito
essencial na transformação e (re)construção das relações sociais, econômicas
e sociais, com novo significado, que se traduz em mudanças que vão além das
fronteiras culturais impostas atualmente às mulheres.
Desse modo, as construções de gênero admitem que sejam concebidas como
dinâmicas e fluídas, operando transformações com o tempo.
Como um dos exemplos marcantes das diferenças socialmente aprendidas,
cite-se o papel das mulheres na maioria das sociedades tradicionais, que tem
sido o de cuidar da família e das crianças, enquanto o papel do homem, o de
prover a família, é trabalhar fora de casa (ONU, 2014, online).
Atualmente, esses papéis estão em constante evolução e mutação e não admitem essas marcas perpétuas. O papel das mulheres, no recorte tradicional
apontado, deve ser evidenciado como um aspecto secundário, existente ao lado
de outros que têm na transcendência, na escolha de possibilidades voltadas a
uma efetiva participação social, a sua maior característica. Nessa perspectiva,
as mulheres têm na rejeição de seu papel como o Outro e na assunção como
sujeitos das relações sociais, visto como paradigma de sua existência, sua maior
importância.
O entendimento do direito internacional, bem como do direito internacional dos direitos humanos, sob a perspectiva de gênero, é importante para a compreensão das violações de direitos e das influências das diferenças existentes,
tais como idade, classe, religião, cultura e lugar. Evidencia-se, com isso, as relações ainda marcadas pela hierarquia e desigualdade, além dos papéis diferentes
entre homens e mulheres e, especialmente, o acesso desigual das mulheres ao
poder e no processo de tomada de decisões, assim como em questões ligadas ao
direito de propriedade e recursos.
Gênero também constitui termo importante para a intelecção do contexto
da identidade correspondente, o que reflete um profundo sentido do próprio
gênero da pessoa, o qual pode ou não estar associado ao nascimento, conforme
o sexo biológico.
Na abordagem dos direitos das mulheres, com recorte nos direitos humanos, faz-se necessário, para o alcance do desenvolvimento sustentável, trazer o
direito à educação como componente básico para a participação das mulheres
no processo de tomada de decisões oriundas de negociações no seio da mediação.
Assim é que o direito à educação é reconhecido no Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 13), na Convenção dos
88
Políticas públicas no espaço subnacional
Direitos das Crianças (artigo 28), na Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Contra a Mulher (artigo 10) e na Convenção do
Direito das Pessoas com Dificuldades Especiais (artigo 24).
Entretanto, assegurar a igualdade na educação entre homens e mulheres
requer recursos financeiros, sob forte conscientização acerca da importância da
educação das meninas.
A questão também envolve outras garantias, como o direito à igualdade
entre homens e mulheres no casamento e na vida familiar, que é reconhecido
em vários instrumentos de direitos humanos, incluindo a Declaração Universal
de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher, a Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas, a Convenção sobre o Consentimento para o Casamento, Idade Mínima para Casamento
e Registros de Casamentos.
Em muitos países, as mulheres são forçadas a contrair casamento e, ainda,
não contam com a atribuição de direitos iguais relacionados à guarda e adoção.
Também não se permite a elas a atribuição de sua nacionalidade aos filhos.
Questões afetas à capacidade constituem obstáculos nesse contexto.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher requer que os Estados-partes adotem medidas apropriadas
para eliminar a discriminação contra as mulheres em todos os assuntos relacionados ao casamento e às relações familiares (artigo 16). Isso compreende assegurar o igual direito de casar-se com livre consentimento e livre escolha quanto ao
cônjuge, os mesmos direitos relativos às responsabilidades durante o casamento
e sua dissolução, e com respeito a seus filhos, e os iguais direitos pessoais como
marido e mulher, tais como o direito de escolher um sobrenome familiar e a
profissão (ONU, 2014, online).
Todo esse plexo de direitos faz-se necessário para que as mulheres tenham
asseguradas também as possibilidades de participar da vida pública e política
no tocante ao desenvolvimento sustentável, rompendo a alteridade de caráter
absoluto até então existente.
A participação das mulheres na vida pública e privada demanda um arranjo
de ações que buscam empoderá-las para uma atuação ativa nas discussões e no
exercício da influência nas tomadas de decisões ambientais em busca da sustentabilidade, como meta política a ser atingida. A noção de empoderamento
está estreitamente ligada à interiorização da mulher como sujeito dessa relação
ambiental complexa que se redesenha no tempo, o que exige cooperação internacional dos atores envolvidos.
Para a efetivação de tal arranjo, é importante, primeiro, a contextualização
histórica, marcada por exclusão das mulheres na vida política e nos processos
89
Paradiplomacia Ambiental
de tomada de decisões. Com efeito, desde os séculos XIX e XX, até o momento
presente, as reivindicações das mulheres têm se realizado nesse sentido.
No período da 1ª Guerra Mundial, o direito das mulheres de votar era
pouco reconhecido. Em 1945, data da criação da ONU, mais da metade das 51
nações que dela participavam não permitiam às mulheres votar. Algumas delas
conferiam direitos restritos de voto.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que todos têm o
direito de tomar parte no governo de seu país. E para efetivar tal direito surge a
Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres, em 1952.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher, em seu artigo 7, garante às mulheres o direito de votar em
todas as eleições e referendos públicos, e de serem elegíveis em todos os órgãos.
Da mesma forma, assegura o direito de participar na formulação da política governamental e sua implementação, realizar todas as funções públicas em todos
os níveis de governo e participar em ONGs ou associações voltadas aos interesses da vida pública ou política do país.
Para assegurar a efetivação desse direito, o artigo 8º requer que os Estados-partes adotem todas as medidas apropriadas para garantir às mulheres, em
termos iguais com os homens e sem qualquer discriminação, a oportunidade
de representar seus governos no plano internacional e de participar do trabalho
das organizações internacionais.
Acontece que, em muitos países, obstáculos de várias ordens inibem a possibilidade das mulheres exercerem tal direito na sua plenitude. Cite-se a impossibilidade de registro para o voto em razão de ausência de certidão de nascimento
ou documentos de identificação, os quais, em certos países, são emitidos apenas
para homens. Estereótipos e percepções tradicionais dos papéis dos homens e
mulheres na sociedade, associados à falta de informação e recursos relevantes,
contribuem para tal dificuldade de acesso, ao lado de padrões rígidos e tradicionais de muitos partidos políticos para admissão das mulheres em dupla jornada
de trabalho e práticas discriminatórias.
Na década de 90, houve o surgimento da perspectiva de Gênero em Desenvolvimento (GED), que parte da premissa que as mulheres têm sido excluídas
do processo de desenvolvimento. Assim, passou-se a sustentar a necessidade de
se alcançar a igualdade legal, política e social das mulheres pela sua incorporação nas políticas públicas, de forma que isso incida nos interesses práticos e estratégicos femininos, a fim de melhorar sua posição na relação entre os gêneros
e permitir seu empoderamento.
Com base nessa perspectiva, diversos encontros internacionais são
realizados, entre eles, a Quarta Conferência Mundial de Beijing, em 1995, a
qual tem constituído parte do discurso dominante das agências internacionais
90
Políticas públicas no espaço subnacional
e instituições governamentais (HERNÁNDEZ, 2010).
Com efeito, nessa conferência, considerada um marco para a garantia dos
direitos das mulheres, em razão dos avanços conceituais e programáticos que
propiciou (ARAÚJO, 2013), foi aprovada a Declaração e a Plataforma de Ação
de Beijing/Pequim. Isso se deu a partir da avaliação dos avanços obtidos desde as conferências anteriores (Cidade do México, 1975; Copenhague, 1980, e
Nairóbi, 1985), visando promover a igualdade, o desenvolvimento e a paz para
todas as mulheres do mundo, estabelecendo, para tanto, as condições e os mecanismos institucionais para o desenvolvimento das mulheres na sociedade. A
participação das mulheres na gestão dos recursos naturais e proteção do meio
ambiente, especialmente na tomada de decisões, tem ênfase nessa conferência.
A Declaração e Plataforma de Ação de Beijing representa a plataforma das
mulheres no poder e na tomada de decisões. Nesse documento, os Estados se
comprometem a adotar medidas concretas para que as mulheres tenham acesso
e plena participação nas estruturas de poder e na tomada de decisões, e o seu
correlato aumento dessa participação.
A Plataforma de Ação de Beijing estabelece o objetivo de alcançar um equilíbrio entre homens e mulheres quanto à tomada de decisões nacionais, o que
ainda é uma ilusão em muitos países.
No mesmo sentido, a Organização das Nações Unidas incorporou as mulheres como administradoras privilegiadas do meio ambiente, e elas passaram
a ser consideradas como eficientes educadoras ambientais, em um recorte tradicional, todavia, que as visualiza como detentoras de papel preponderante no
lar. E as mulheres não podem influenciar no futuro e nem no universo se estão
encerradas em um lar.
Com essa visão, a organização internacional Woman, Environment and
Development (WEDO), criada em 1990 por ativistas e lideranças de vários países, especialmente do terceiro mundo, reconhece a relação das mulheres com
o meio ambiente e as identifica como principais usuárias e administradoras
de seus recursos, como protetoras dos recursos genéticos e responsáveis pela
alimentação no mundo, por exemplo.
Tal organização tem por escopo transformar o planeta num lugar saudável
e pacífico, com justiça social, política, econômica e ambiental, por meio do
empowerment das mulheres, em toda a sua diversidade, e pela participação equitativa com os homens em todos os espaços de decisão.
A participação das mulheres no discurso do desenvolvimento sustentável
foi, na verdade, colocada pela primeira vez na Convenção da Diversidade Biológica e na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, havida em 1992.
91
Paradiplomacia Ambiental
Com efeito, o preâmbulo da Convenção referenciada estabelece a esse respeito:
Reconhecendo, igualmente o papel fundamental da mulher na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica e afirmando a necessidade da plena participação da mulher em todos os níveis de formulação e
execução de políticas para a conservação da diversidade
biológica (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2000,
online).
Na mesma linha, o Princípio 20 da Declaração do Rio de Janeiro sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, in verbis:” as mulheres têm um papel vital
no gerenciamento do meio ambiente e no desenvolvimento. Sua participação
plena é, portanto, essencial para se alcançar o desenvolvimento sustentável”
(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 1992, online).
Nessa perspectiva e contexto, a Agenda 21, surgida no ambiente da declaração referenciada, se afigura de importância ímpar, uma vez que descreve prioridades de ação para alcançar um desenvolvimento sustentável neste século.
É no Princípio 20 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, elaborado em tópicos posteriores, que se materializa esse ideário, com a afirmação de que as mulheres têm um papel importante no manejo
ambiental e desenvolvimento. Disso resulta constituir, sua participação, fator
preponderante para alcançar o desenvolvimento sustentável.
A Divisão da ONU Mulheres, em sua revisão das quatro conferências mundiais, destaca que a transformação fundamental em Beijing/Pequim foi a reafirmação de que os direitos das mulheres são direitos humanos, além de estabelecer que a igualdade de gênero era uma questão de interesse universal, cujos
beneficiários somos todos nós (ARAÚJO, 2013).
Em 2010, foi criada a ONU Mulheres, decorrente de votação unânime pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, sua criação vem corroborar a concretização do direito à igualdade de gênero, defendendo a participação equitativa
das mulheres em todos os aspectos da vida, estabelecendo as seguintes metas
como aumentar a liderança e a participação das mulheres, eliminar a violência
contra as mulheres e as meninas, engajar as mulheres em todos os aspectos dos
processos de paz e segurança, aprimorar a autonomia econômica das mulheres
e colocar a igualdade de gênero no centro do planejamento e dos orçamentos
de desenvolvimento nacional.
Nesse passo, os Objetivos do Milênio das Nações Unidas estabeleceram,
no Objetivo 3, que trata da igualdade de gêneros e do empoderamento das mulheres, o comprometimento dos Estados em promover mecanismos que dão às
mulheres voz nas políticas e nas instituições de governo (ONU, 2015, online).
92
Políticas públicas no espaço subnacional
Análises com base no programa alcançado nos Objetivos mostram que as
mulheres estão lentamente ganhando poder político, principalmente graças às
cotas e medidas especiais. No entanto, as variações regionais permanecem.
A Recomendação Geral nº 25 do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, visando alcançar a igualdade de gênero substantiva,
abraçada pela Convenção respectiva, estabelece que o termo “medidas especiais” pode abranger ampla variedade de instrumentos, políticas e práticas reguladoras nas esferas legislativa, executiva e administrativa, tais como apoiar programas ou repartir e/ou redistribuir recursos, oferecer tratamento preferencial,
contratar e promover, número de objetivos relacionados a prazos e sistemas de
cotas (CEDAW, 2004, online) .
Com efeito, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, realizada de 13 a 22 de junho de 2012, os países renovaram seu
compromisso político com o desenvolvimento sustentável. Anuíram ao estabelecimento de um fórum político de alto nível sobre esse tema.
O documento final produzido, denominado “O Futuro que Queremos”,
também reafirma os compromissos dos Estados com os direitos de igualdade
das mulheres, o acesso e as oportunidades para a participação e a liderança na
economia e na sociedade. Ademais, inclui a tomada de posições políticas e referências explícitas na aceleração da implementação dos compromissos assumidos
na Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher, a Plataforma para Ação de Beijing e a Declaração do Milênio.
Esse documento também estabelece que a igualdade de gênero e a participação concreta das mulheres são importantes para a ação efetiva de todos os
aspectos do desenvolvimento sustentável. Clama, ainda, pela revogação de leis
discriminatórias e assegura às mulheres o acesso igual à justiça.
Para Michelle Bachelet (VALENZUELA, 2012, online) que foi diretora executiva da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), a mulher é peça fundamental para o
desenvolvimento sustentável. O pronunciamento em referência foi realizado em
momento anterior à Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável e objetivava que o documento final confeccionado como resultado
da Conferência compreendesse a participação plena das mulheres no desenvolvimento sustentável.
Nesse contexto, é importante abordar o estabelecimento dos Objetivos
para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituíram os Objetivos do
Milênio da ONU a partir de 2015, e que constitui a principal promessa da
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20).
Dentre eles, tem significado ímpar o estabelecimento de metas para promoção
social e igualdade de crianças e mulheres.
93
Paradiplomacia Ambiental
Nessa perspectiva, ainda há muito que se fazer para o alcance concreto do
acesso igual das mulheres e da correlata participação na vida pública e política,
tendo, certamente, na erradicação da pobreza, seu componente principal de
enfrentamento.
A reserva de lugares para certo número de mulheres no poder legislativo,
por meio de uma política nacional, tem sido um método largamente usado.
De fato, desde a Conferência Mundial de Beijing, os Estados têm, cada vez
mais, adotado cotas, objetivando ampliar a participação das mulheres e combater a discriminação, além de acelerar o ritmo lento de atuação delas na política,
em uma perspectiva voltada à correção de alguns obstáculos que impedem as
mulheres de obter igual acesso à política.
É importante considerar que tais medidas, adotadas isoladamente, não são
capazes de assegurar a igualdade, porque demandam adaptação ao contexto
local, empoderamento para eficiente participação nas discussões correlatas e
exercício de influência na tomada de decisões (ONU, 2015, online).
No entanto, a compreensão da participação das mulheres na vida pública é
muito mais ampla que a noção de eleições. Com efeito, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres estabelece que o artigo 17 da Convenção correspondente é extensivo a todas as áreas da vida pública e política,
especialmente nos poderes legislativo, judiciário e executivo, e à formulação e
implementação da política nos planos internacional, nacional, regional e local.
Cabe aos Estados assegurar o acesso das mulheres à informação e à tomada
de medidas para superação de barreiras, como o analfabetismo e a pobreza.
Além disso, cabe-lhes estimular a participação das mulheres na vida pública
e política, tanto como líderes de governo em todos os planos – internacional,
nacional e local –, quanto nas lideranças de órgãos de governo. Nesse âmbito,
também se inclui a responsabilidade de encorajar os partidos políticos a tanto.
A participação das mulheres, se estende por exemplo, aos processos que
envolvem o estabelecimento da paz. Nessa linha, a Resolução nº 1325/2000 do
Conselho de Segurança das Nações Unidas e suas consequentes resoluções relativas às mulheres, à paz e à segurança reconhecem a importante contribuição
das mulheres para a paz. Ademais, clamam por uma representação maior em
todos os níveis de tomada de decisões, em todos os mecanismos para a prevenção, o gerenciamento e a resolução de conflitos.
A representação justa das mulheres na vida política tem um impacto positivo na incorporação da perspectiva de gênero na política. O acesso das mulheres
à liderança é uma meta específica do desenvolvimento sustentável. Os dados
disponíveis sobre a presença de mulheres nos parlamentos e governos mostram
uma tendência positiva, mas ainda há muito a ser feito para garantir uma presença igual de ambos os sexos na tomada de decisões. As mulheres em posições
94
Políticas públicas no espaço subnacional
de tomada de decisão desempenham um papel crucial na integração do gênero
em todas as áreas políticas. No entanto, na maioria das sociedades do mundo,
as mulheres ocupam apenas uma minoria de posições de tomada de decisão em
instituições públicas e privadas.
Segundo dados do Parlamento Europeu4 a participação política das mulheres é um pré-requisito fundamental para a igualdade de gênero e a genuína
democracia. O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) de n. 5 da
Agenda 2030 aborda especificamente a igualdade de gênero. O avanço da participação política das mulheres é crucial para alcançar o ODS (EUROPEAN
PARLIAMENT, 2019, online).
A ONU utiliza dois indicadores como referência para o progresso da participação das mulheres na política: (1) a proporção de cadeiras ocupadas por
mulheres em parlamentos nacionais e governos locais; e (2) a proporção de mulheres em posições gerenciais. Diante destes indicadores, em todo o mundo, as
mulheres ainda estão sub-representadas em posições de liderança. São minoria
dentre Chefes de estado ou governo, embora o número tenha aumentado (de
12 para 21) nos últimos 20 anos (UN - INTER-PARLIAMENTARY UNION
AND UN WOMEN, 2019, online).
Atualmente, apenas aproximadamente um em cada quatro membros das
casas inferiores ou únicas do parlamento em todo o mundo é uma mulher. Globalmente, a participação de mulheres nos parlamentos aumentou para 24,1%
no final de 2018, representando um aumento de 13 pontos percentuais em
comparação com duas décadas atrás (WOMEN NATIONAL PARLIAMENT,
2018, online).
A adoção de medidas políticas específicas para garantir um melhor equilíbrio de gênero ajudou a promover empoderamento das mulheres. A representação das mulheres nos parlamentos melhorou significativamente em países onde
existem medidas especiais, como cotas. Por exemplo, a França que registrou o
maior aumento da UE no percentual de mulheres parlamentares, pois adaptou
sua legislação que apoia a paridade de gênero nos cargos eleitos. A ação de gênero da União Europeia (UE) em 2016-2020, que integra o empoderamento das
mulheres e a igualdade de gênero nas relações externas da EU, estabelece como
um dos objetivos facilitar o empoderamento e a participação das mulheres na
política, governança e processos eleitorais em todos os níveis (EUROPEAN
PARLIAMENT, 2019, online).
Nesse contexto, a incorporação das mulheres na arquitetura de políticas
O Parlamento Europeu é um forte defensor do empoderamento das mulheres e da igualdade de
gênero nas políticas tomada de decisão, dentro e fora da UE. Em uma resolução de março de 2017
sobre igualdade entre mulheres e homens na União Europeia, o Parlamento instou a liderança da
UE a fazer a igualdade de gênero como prioridade e promover a representação feminina em todos
os níveis da política e da economia.
4
95
Paradiplomacia Ambiental
públicas como método de se alcançar a igualdade legal, política e social, deve
ser promovida continuamente pelos Estados nacionais e subnacionais, para manutenção dos avanços já promovidos, bem como para superação dos obstáculos
à plena garantia dos direitos das mulheres.
2. Políticas públicas engendradas no espaço subnacional:
mecanismos do estado de são paulo para promoção dos direitos das
mulheres e inclusão social
Os impactos causados pela realidade acima descrita da desigualdade de gênero (que tem cada vez mais atingido diretamente mulheres ao redor do mundo) exigem um enfrentamento coletivo, que perceba a relevância de todas as
contribuições possíveis, e não apenas aquelas trazidas pelos Estados e/ou organizações internacionais (numa clássica visão dos sujeitos de Direito Internacional Público).
Isso ocorre porque, as ações de cooperação devem se desenvolver através de
sistemas de governança que permitam a atuação de vários níveis, com a inserção
de novos atores não estatais, como as organizações não governamentais, empresas transnacionais e população, mas também, atores estatais, como governos
locais e/ou subnacionais, o que têm ganhado destaque nas relações internacionais por meio de ações com potencial de influir no processo de tomada de decisão (HAPPAERTS; VAN DEN BRANDE; BRUYNINCKX, 2010), principalmente
no que se refere aos temas de interesse político, econômico e público, como é o
caso das questões de gênero.
A governança multinível quebra o monopólio dos Estados,
quando da busca de solução para os problemas globais,
visto que distribui a discussão e a consecução do objetivo
comum através das relações e das trocas de experiências
entre os diferentes atores, relações essas que se desenvolvem entre os diferentes níveis de governo, tanto horizontal quanto verticalmente. Ela estabelece uma coordenação
em vários níveis, de forma policêntrica, porque distribui
os centros de direção e de decisão em escalas capazes de
incluir redes, governos subnacionais e atores diversos (FARIAS, 2015, p. 96).
Essa nova sociedade internacional e globalizada induz a modificações em
todos os campos dos Estados, seja em âmbito doméstico ou nas relações internacionais.
Para fazer diferença, é indispensável o desenvolvimento
de várias e novas formas de organização, formando-se um
círculo virtuoso que induz à constante manutenção das
96
Políticas públicas no espaço subnacional
relações internacionais e desmistifica a noção de soberania
(FARIAS, 2015, p. 102).
Trata-se do fenômeno recente da paradiplomacia, que objetiva a produção
de ações para auxiliar na redução de conflitos atinentes aos processos intrínsecos da globalização na nova arquitetura mundial (que trouxe várias transformações nos mais diversos setores do conhecimento).
Paradiplomacia pode ser definida como o envolvimento
de governo subnacional nas relações internacionais, por
meio do estabelecimento de contatos formais e informais,
permanentes ou provisórios (“ad hoc”) com entidades
estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover
resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência
constitucional (PRIETO, 2004).
Dentro deste contexto, as fronteiras deixaram de ser barreiras; valorize-se
a participação de novas escalas geográficas subnacionais, como âmbitos de interação nas relações internacionais e de fontes de poder: estados subnacionais
ganham importância e protagonismo para a política externa, uma vez que há
ruptura da ideia central dos Estados e das Organizações Internacionais como
centros exclusivos do Direito Internacional, a partir do momento em que o surgimento de novos conflitos fez nascer uma nova problemática que deu voz aos
Estados, na condição de coprotagonistas da vida pública.
É natural que, em um sistema federalista, os governos
subnacionais que possuem atribuições e competências
que lhes são próprias, mas também enfrentam problemas
que são regionais e nem sempre enfrentados com maestria
pelo governo central comecem a alçar papéis de destaque
no cenário internacional (COHN; SMITH, 1996).
Dessa forma, pode-se entender por governos subnacionais as unidades políticas dotadas de personalidade jurídica própria, mas que estão atreladas ao
direito público interno, e, que, portanto, exercem autonomia limitada à parcela
do território nacional e da população, com a finalidade de atender aos interesses regionais (SANTOS, 2012).
Dentro dessa realidade, o Estado de São Paulo tem sido protagonista e
inovador na criação de políticas públicas nos mais diversos setores, como é o
caso das questões que envolvem gênero, num processo dinâmico de criar novas oportunidades, mecanismos e instrumentos em prol do desenvolvimento
sustentável, tendo em vista que mais da metade da população do Estado de
São Paulo é do sexo feminino (estima-se que 21,2 milhões de mulheres vivam
em praticamente todas as regiões paulistas, registrando as maiores proporções
97
Paradiplomacia Ambiental
destas mulheres em Regiões metropolitanas de São Paulo e na Baixada Santista)
(GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2018, online).
Por isso, há, no Estado de São Paulo, a “Coordenação de Políticas para a
Mulher”, criada por meio do Decreto nº. 58.428, de outubro de 2012 (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012, online), ligada
à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, com o objetivo
principal de promover igualdade e equidade entre homens e mulheres por meio
de políticas públicas e promoção de educação em matéria de direitos humanos,
com a finalidade de eliminar qualquer forma de discriminação, violência contra
a mulher, combate ao tráfico de mulheres, trabalho escravo e exploração sexual
(com especial atenção às mulheres em estado de vulnerabilidade), ao mesmo
tempo em que visa assegurar a plenitude de direitos básicos, participação na
vida pública e política, integrando as três facetas do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental, visando a construção de uma sociedade mais
justa e inclusiva, garantindo autonomia e qualidade de vida às mulheres.
Uma das primordiais metas desta Coordenação é garantir a articulação
entre diferentes esferas de poder (tanto vertical, quanto horizontal, principalmente no que diz respeito às demais Coordenadorias de Direitos Humanos da
Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania), para que haja diálogo
entre ações e políticas a fim de fortalecer as ações praticadas pelo Estado em
busca da cidadania das mulheres em São Paulo.
Nesse sentido, o artigo 3º do Decreto citado contém as atribuições da Coordenação, nos assuntos relativos à defesa da mulher e igualdade de gênero.
Artigo 3º - À Coordenação de Políticas para a Mulher do
Estado de São Paulo, nos assuntos relativos à defesa dos
direitos da mulher e da igualdade de gênero, cabe, com o
auxílio de seu Corpo Técnico:
I - assessorar o Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania no desempenho de suas funções;
II - promover, elaborar, coordenar, desenvolver e acompanhar programas, projetos e atividades voltadas à promoção da cidadania feminina e da equidade entre os gêneros,
com vista, em especial, à efetiva atuação em favor:
a) do respeito à dignidade da pessoa humana e à condição
de vida da mulher;
b) do combate aos mecanismos de subordinação e exclusão que sustentam a sociedade discriminatória;
III- promover:
98
Políticas públicas no espaço subnacional
a) a realização de estudos, pesquisas, cursos, conferências
e campanhas;
b) a capacitação e o treinamento de pessoal para o enfrentamento da violência contra a mulher e para a conscientização de seus direitos;
IV - prestar colaboração técnica a órgãos e entidades públicas do Estado;
V - acompanhar o cumprimento da legislação que assegura
os direitos da mulher e elaborar sugestões para seu aperfeiçoamento;
VI - orientar o encaminhamento de denúncias de discriminação contra a mulher;
VII - apoiar iniciativas da sociedade civil;
VIII - colaborar com o Conselho Estadual da Condição
Feminina no desempenho de suas funções;
IX - exercer, por determinação do Secretário da Justiça
e da Defesa da Cidadania ou com sua anuência, outras
atividades de interesse para a adequada execução das políticas para a mulher do Estado, pertinentes à sua área de
atuação.
Pela Coordenadoria, existem diversos projetos em andamento, idealizados
e colocados em prática pela Coordenadoria citada com base em paradiplomacia
e governança (ou seja, “participação ampliada”).
Tome-se, como exemplo (SECRETARIA DA JUSTIÇA E CIDADANIA,
2012, online): a) capacitação de agentes e líderes comunitários; b) articulação
com órgãos do sistema de justiça; c) promoção de pesquisa para identificação
das vulnerabilidades associadas à condição feminina de modo que possam ser
promovidas políticas públicas específicas; d) colaboração com outras Secretarias
para elaboração de políticas voltadas à mulher, como é o caso da Secretaria
da Saúde e de Desenvolvimento Social (para as questões que envolvem
vulnerabilidade social); e) curso de educação para agressores na ONG coletivo
Feminista Sexualidade e Saúde (que tem como objetivo tentar reconstruir o
comportamento e a conduta dos homens agressores); f) campanhas de combate
à violência doméstica; c) cartilha de prevenção da violência doméstica e familiar;
g) projeto “Rosa dos Ventos” (que realiza palestras sobre a valorização da mulher
e empoderamento feminino com os mais diferentes temas como objeto de
cada debate); h) observatório de violência contra a mulher (que visa compilar
99
Paradiplomacia Ambiental
os dados disponíveis sobre violência contra as mulheres a fim de pensar em
políticas públicas adequadas voltadas a cada caso, em parceria com a Secretaria
da Segurança Pública, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Tribunal
de Justiça do Estado, Ministério Público, CIC e CRAVI); i) implantação do
núcleo da mulher em Hospitais e delegacias (para a criação de políticas públicas
voltadas às mulheres em todos os segmentos de atendimento, objetivando
maior efetividade); j) cartilha da ação social e da cidadania, entre outros projetos
voltados ao desenvolvimento da mulher; l) Centros de Cidadania da Mulher (de
forma a orientar mulheres a garantir direitos sociais, políticos e culturais, através
da conscientização, com estrutura para cursos de capacitação profissional a fim
de conceder mais independência e autonomia financeira), entre outras políticas
públicas de extrema importância.
Tais políticas públicas são implementadas em parceria com Centros de referência de Assistência Social (CRAS) e centros de referência Especializado de
Assistência Social (CREAS), justamente maior eficácia e visibilidade pela participação de todos os interessados.
Percebe-se, portanto, que o Estado de São Paulo tem avançado nas discussões e implementações de mecanismos (muitos dos quais, através de ações afirmativas) garantidores da igualdade (e porque não dizer, equidade) de gênero
(baseados em políticas públicas voltadas nas mais diversas áreas, que garantem
direitos, diminuem as desigualdades e as barreiras enfrentadas diariamente,
através de governança e paradiplomacia, e de toda forma inclusivas e participativas), o que contribui para a transformação da realidade de vida de muitas
mulheres na maior metrópole brasileira, para que possam influenciar a comunidade em que estão inseridas e a sociedade como um todo.
Entretanto, o respeito aos princípios da igualdade e da não discriminação
representa uma direção no longo caminho que ainda há a ser percorrido, tendo
em vista que os desafios pendentes são inúmeros.
3. Objetivo do desenvolvimento sustentável nº. 5: “Alcançar a
igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”
Percebe-se que, diante das assimetrias de gênero que hierarquicamente estruturam a atual sociedade, a atuação das mulheres estava associada, durante
muitos séculos (e atravessando gerações), a um paradigma de dependência e
submissão da figura feminina, estabelecida pelo sistema familiar patriarcal.
[...] para além dos limites institucionais, as características
recorrentes das relações sociais de gênero, desiguais
e opressivas em relação às mulheres, lhes conferiram
responsabilidades materiais e simbólicas na esfera familiar
que, juntas, sempre funcionaram como instrumentos
100
Políticas públicas no espaço subnacional
de contenção para o acesso das mulheres à vida pública
(ARAÚJO, 2001, p. 83).
Foi necessário delinear o cenário de luta feminina para mudança destes
paradigmas, a fim de reorganizar a sociedade.
Para tanto, como um dos muitos mecanismos implementados de superação
de tais padrões, houve a imposição por meio da Agenda 2030 (realizada pela
Organização das Nações Unidas – ONU), do Objetivo de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) nº. 05, qual seja: “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, com o objetivo principal de encarar a condição das mulheres e os desafios a serem enfrentados em pleno século XXI,
configurando uma identidade coletiva, através de processos inseparáveis para a
conscientização da mulher e do papel de sua figura na sociedade e no ambiente
público.
A Agenda 2030 se propõe a fornecer programas, ações e diretrizes, com
vistas ao desenvolvimento sustentável, durante o período de 2016 a 2030.
Realizado para substituir a Agenda 21 (produto da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como
ECO-92 ou Rio-92, realizada pela ONU, que continha os 8 Objetivos do Desenvolvimento do Milênio – ODM), a Agenda 2030 é composta de 17 Objetivos
(além de 169 metas, que incluem, além de temas sociais, aspectos econômicos e
ambientais) com a proposta de finalizar os trabalhos já iniciados com a Agenda
21, refletindo sobre os novos desafios para o desenvolvimento sustentável, tendo em vista a globalização e a atual Sociedade do Risco, com o propósito final
de alcançar a dignidade nos próximos 15 anos, formalizando um novo padrão
de desenvolvimento, ao procurar conciliar proteção ambiental, justiça social
e eficiência econômica, e, visando o fortalecimento do consenso mundial em
torno do compromisso dos países signatários pelo desenvolvimento sustentável
e cooperação ambiental.
Funciona, portanto, como um meio de orientação das ações e da cooperação internacional pelos próximos 15 anos.
Dentro desta realidade e, com vistas a empreender ações voltadas à equidade de gênero, valorização e aumento da participação feminina no setor público
e privado (ou seja, em todas as arenas do convívio social, como, por exemplo,
laboral, política, econômica etc., mas, principalmente, em setores estratégicos
da sociedade, que, historicamente, sempre foram ocupados por figuras masculinas), é que políticas públicas baseadas nas metas específicas do ODS nº. 5
(quais sejam: a) 5.5. “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a
igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de
decisão na vida política, econômica e pública”; e, b) 5.c “Adotar e fortalecer
políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e
101
Paradiplomacia Ambiental
o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis”) foram
desenvolvidas no espaço subnacional, como o que acontece no Estado de São
Paulo, conforme mencionado acima (inclusive, possibilitando o exercício da
paradiplomacia e da governança, no momento em que permitem a participação
ampliada de todos os setores interessados e envolvidos, a fim de conceder maior
eficácia e eficiência a tais políticas, o que significou o protagonismo de novos
atores subnacionais no cenário político).
Tais políticas públicas atuam como potenciais fontes de concretização do
processo de empoderamento das mulheres e de emancipação de sua participação mais ativa nos ambientes públicos de tomada de decisão e de poder, e,
significam princípios norteadores das ações e condutas do Poder Público numa
sociedade que agora demanda a necessidade de proteção, representação e cooperação dos mais diversos setores envolvidos para a mobilização de uma maior
visibilidade do feminino e das questões de gênero.
Este é o objetivo, por exemplo, do I Plano Nacional de Políticas para Mulheres (2013 a 2015), que contém a importância da adequada valoração da participação da mulher no espaço local, exigindo:
[...] atitudes e compromissos do Estado e dos governos, nas
suas diferentes esferas, que sejam transformadores das estruturas institucionais que ainda reproduzem e reafirmam
a desigualdade. Para isso, é necessário consolidar e articular a maior presença das mulheres nos espaços de poder
e de decisão e fortalecer Secretarias Estaduais e Municipais de Políticas para as Mulheres, que contribuem para
um novo modelo de gestão e trazem na sua concepção a
defesa da autonomia e da igualdade como pressupostos
e princípios de suas ações e políticas (SECRETARIA DE
POLÍTICAS PARA AS MULHERES – PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA, 2013, online).
Tal entendimento é replicado no II Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que tem justamente, no Capítulo 5, o Objetivo Geral de “Promover e
fortalecer a participação igualitária, plural e multirracial das mulheres nos espaços de poder e decisão”, que inclui, entre outros, como Objetivos Específicos:
“I. Promover a mudança cultural na sociedade, com vistas à formação de novos
valores e atitudes em relação à autonomia e empoderamento das mulheres” e
“V. Estimular a participação e o controle social nas políticas públicas”, além da
seguinte meta a ser realizada: “I. Realizar amplo debate na sociedade sobre a
participação paritária das mulheres nos espaços de poder e decisão”. Para tanto,
utiliza-se das seguintes prioridades: “5.3. Fortalecimento da participação social
na formulação e implementação das políticas públicas de promoção da igualdade de gênero e de combate a todas as formas de discriminação baseadas na
102
Políticas públicas no espaço subnacional
raça/etnia, geração, orientação sexual, entre outras relacionadas à diversidade
humana e cultural”; e, “5.4. Criação, revisão e implementação de instrumentos
normativos com vistas à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres,
e entre as mulheres, na ocupação de postos de decisão nas distintas esferas do
poder público” (MEC, 2008, online).
Esta centralidade [da participação das mulheres nos espaços de poder] se justifica pela necessidade e importância
desta participação como ação transformadora das estruturas de poder e das instituições, e também da cultura e das
mentalidades, gerando novas relações sociais. No que se
refere às mulheres, esta participação torna-se ainda mais
fundamental pela situação desigual e discriminatória que
vivenciam, sendo essencial para a elaboração das leis e para
a implementação de políticas públicas que promovam a
igualdade e a equidade de gênero. [...] A participação ativa
das mulheres é indispensável à construção da democracia
e da cidadania e assume um caráter crítico e propositivo
na construção das plataformas feministas dirigidas ao poder público, como contribuição para a elaboração de leis
e para a administração pública, e para as candidaturas político-partidárias, no sentido de sensibilização
e estabelecimento de compromissos das/os candidatas/
os. Muitas de suas ações têm produzido desdobramentos
concretos em termos de inovações e conquistas legislativas
e de políticas públicas. [...] Por fim, trabalhar para ampliar
a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão é trabalhar para consolidar e aperfeiçoar a democracia
brasileira (MEC, 2008, online).
Pode-se, concluir então que, a equidade de gênero é uma questão de direitos humanos e uma condição de justiça social (utilizada como mecanismo de
efetiva inclusão), sendo requisito necessário para o adequado desenvolvimento
da sociedade e para a paz (inclusive, respeitando padrões de sustentabilidade), a
partir de onde se exige que as mulheres passem a ter as mesmas oportunidades,
direitos e obrigações em todas as áreas, a fim de romper as desigualdades que
separavam as mulheres de seu real (e efetivo) posicionamento perante à sociedade, rompendo um manto de séculos de invisibilidade que lhes era imposto.
A identidade feminina tem sido marcada, ao longo dos séculos, pela vivência da exclusão do poder institucional. É
importante ter presente a carga simbólica que acompanha
o exercício do poder e o fato de que a secular ausência da
mulher neste espaço tem efeitos perversos na conformação
de uma percepção social da mulher como inadequada e
103
Paradiplomacia Ambiental
incapaz para tais funções (PITANGUY, 2011, p. 29).
Para tanto, foi necessária a introdução da perspectiva de gênero nas políticas públicas como ferramenta fundamental de combate às desigualdades, a fim
de fortalecer mecanismos de planejamento e monitoramento alinhados ao citado ODS nº. 5 e as metas específicas já citadas, como mecanismos de justificar a
inclusão feminina nos espaços públicos, nas instâncias decisórias e nas esferas
de poder.
São iniciativas que vem alterando o modo como o papel da mulher é visto
na sociedade, ao conceder a elas maior importância e relevância, através da
melhoria da governança pública e promoção de efetividade, transparência e compliance. E, além disso, são medidas urgentes para promover a participação igualitária das mulheres em todas as esferas de decisão (no setor público e privado).
Nesta linha de raciocínio, oportuna a ressignificação das políticas públicas
de poder, a fim de reconhecer a importância do papel feminino perante a sociedade, ao mesmo tempo em que rompe com um padrão anteriormente imposto
com o objetivo de empoderar mulheres para a tomada ou conquista de espaços
de poder.
[...] o empoderamento implica no reconhecimento das restrições sociais a que a categoria está submetida e da necessidade de reversão dessa situação, por meio de mudanças
em um ambiente amplo/público (inserção em cargos de
poder/decisão, educação não sexista e serviços de saúde
adequados) e também em conjunturas mais específicas ou
individuais (aumento de autoestima e autonomia, reorganização do trabalho doméstico, etc.). Assim, o empoderamento foi, e ainda o é, uma conquista gradativa, a qual
não se perpetuou em todas as ambiências, sendo necessária, portanto, que a sua operacionalização se dê de maneira crescente e contínua (COSTA, Marli Marlene Moraes
da; D’OLIVEIRA, 2013, p. 400).
Entretanto, mesmo às vistas deste cenário (ou, melhor, em alguns casos tentativa de) de inclusão, os desafios ainda são imensos, pois homens e mulheres
ainda ocupam posições diferentes no acesso e no exercício do poder (principalmente no que se refere: ao mercado de trabalho, a obtenção de igualdade
salarial para as mesmas condições de empregos e serviços, a colocação de mulheres em cargos parlamentares, entre outros), ao passo que, por outro lado, uma
democracia verdadeiramente inclusiva (e sustentável) passa pela amplificação
das vozes das mulheres e de sua liderança em todos os níveis, o que coloca a sociedade atual (complexa e plural) ainda com uma trilha imensa a ser percorrida.
104
Políticas públicas no espaço subnacional
CONCLUSÃO
A efetiva ação de políticas públicas, que possam proporcionar condições
de igualdade e inclusão social à mulher, é um dos pontos centrais de debate
da sociedade contemporânea, que, em muitos casos, exige maior valorização
e aumento da participação feminina, com a concessão de direitos (até então
esquecidos no todo ou em parte) a serem efetivados em todas as dimensões da
convivência social, política e estratégica.
A despeito de todo processo evolucionário que ainda se opera na condição
das mulheres na atual sociedade, ainda existe o estigma da desigualdade e diversas discriminações ainda são praticadas no cotidiano do sexo feminino.
É, por esta razão que, o Estado de São Paulo tem incentivado e investido em
políticas públicas articuladas, inclusivas e desenvolvidas através de mecanismos
de paradiplomacia (com a utilização do enfoque subnacional) voltadas às mulheres, como ferramentas de emancipação e fortalecimento de sua atuação em
todas as camadas de poder e tomadas de decisão, numa tentativa de desmontar
as assimetrias de gênero, conforme preconiza o ODS nº.5, especialmente no
que se refere as metas 5.5 e 5.c.
Neste sentido, o espaço subnacional atua de forma proativa e assume uma
posição de liderança (porque não dizer, protagonismo) na esfera nacional e internacional ao ampliar os espaços de poder e saber das mulheres, através de
políticas institucionalizadas em novos e desafiadores cenários públicos, que envolvem ações conjuntas entre os mais diversos atores sociais e não estatais numa
promoção, estratégia de gestão e qualificação das mulheres como figura central,
edificando bases de igualdade e empoderamento feminino (numa perspectiva
de gênero) para o desenvolvimento sustentável e inclusivo da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, C.. Construindo novas estratégias, buscando novos espaços
políticos: as mulheres e as demandas por presença. In: MURARO, Rose
Marie; PUPPIN, Andréa Brandão (Orgs). Mulher, gênero e sociedade. Rio de
Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ. 2001.
ARAÚJO, M. M.. A proteção das mulheres: direitos com força normativa
ou simbólica? In: JUBILUT, L. L.; BAHIA, A. G. M. F.; Magalhães, J. L. Q.
Direito à Diferença: aspectos teóricos e conceituais da proteção às minorias e aos
grupos vulneráveis. v. 2. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 311-325.
BEAUVOIR, S.. O segundo sexo: fatos e mitos. Tradução: Sérgio Milliet. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1980.
COHN, T. H.; SMITH, P. J.. Subnational Governments as International
105
Paradiplomacia Ambiental
Actors: Constituent Diplomacy in British Columbia and the Pacific
Northwest. In: BC Studies, n. 110, Summer 1996.
CEDAW. Recomendação Geral n. 25. 2004. Disponível em: <http://www.
un.org/womenwatch/daw/cedaw/recommendations/General%20recommendation%2025%20(English).pdf>. Acesso em: 26 fevereiro de 2020.
COSTA, M. M. M. da; D’OLIVEIRA, M. C.. A articulação de políticas
públicas como possibilidade de fortalecimento do poder feminino. In:
Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI. Curitiba/PR, mai/jun.
2013, p. 400-429. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=e0f48a1058f0f020>. Acesso em: 06 fev. 2020.
EUROPEAN PARLIAMENT. Women in politics: a global perspective. 2019.
Disponível em: <www.https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/
BRIE/2019/635543/EPRS_BRI(2019)635543_EN.pdf.> Acesso em: 27
fev. 2020.
FARIAS, V. C.. Regime internacional de mudanças climáticas: Paradiplomacia
ambiental do Estado de São Paulo. Tese de Doutorado da Universidade Católica de Santos. Santos, 2015.
HAPPAERTS, S.; VAN DEN BRANDE, K. & BRUYNINCKX, H.. Governance for Sustainable Development at the Inter-subnational Level: The
Case of the Network of Regional Governments for Sustainable Development (nrg4SD). In: Regional & Federal Studies, 2010.
HERNÁNDEZ, C. O.. Gênero e meio ambiente: a construção do discurso
para o desenvolvimento sustentável. Ambiente y Desarrollo, [S.l.], v. 14, n.
26, p. 2-21, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://revistas.javeriana.edu.
co/index.php/ambienteydesarrollo/article/view/1092>. Acesso em: 28 fev.
2020.
LAFER, C.. A reconstrução dos direitos humanos- um diálogo com o pensamento de
Hannah Arendt. 3. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras. 1999.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Convenção sobre biodiversidade biológica. Brasília/DF, 2000. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/cdbport.pdf.>. Acesso em: 26 fev. 2020.
______. Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Declaração do Rio), adotada de 3 a 14 de junho de 1992. Disponível em:
Disponível em: <www.onu.org.br>img>2012/01>rio92>. Acesso em: 26 fev.
2020.
ONU – Organização das Nações Unidas. Assembleia Geral. Declaração
de direitos humanos. 1948. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.
usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-DireitosHumanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html>. Acesso em: 26
106
Políticas públicas no espaço subnacional
fev. 2020.
______. Assembleia Geral. A/RES/66/291. Strengthening the role of mediation in the peaceful settlement of disputes, conflict prevention and resolution. set.,
2012.
______. Women´s rights are human rights. Nova York e Genebra: ONU, 2014.
Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/Events/WHRD/
WomenRightsAreHR.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2020.
______. Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável (A/RES/70/1). 2015. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/
pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 26 fev. 2020.
PIOVESAN, F.. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos.
SUR- Revista Internacional de Direitos Humanos, [S.l]., ano 1. n. 1, p. 21
a 36, 1 sem. 2004.
PITANGUY, J.. Advocacy e direitos humanos. In: BARSTED, Leila Linhares; PITANGUY, Jacqueline (orgs.). O Progresso das Mulheres no Brasil
2003–2010. Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília: ONU Mulheres. 2011.
PRIETO, N. C.. O outro lado do novo regionalismo pós-soviético e da
Ásia-Pacífico. In VIGEVANI, Tullo (Org.). A dimensão subnacional e as
relações internacionais. São Paulo: UNESP. 2004.
SANTOS, C. M. F.. O reconhecimento dos municípios como sujeitos de
direito internacional público. In: Monografias Igrepri, v. 4, ano 2, 2012.
UN. Inter-Parliamentary Union and UN Women. “Women in Politics 2019
Map”. 2019. Disponível em: <https://www.unwomen.org/en/digital-library/publications/2019/03/women-in-politics-2019-map.> Acesso em: 27
fev. 2020.
VALENZUELA, D. 2012. A mulher é fundamental para o desenvolvimento
sustentável, diz Bachelet. Disponível em: <veja.abril.com.br/mundo/a-mulher-e-fundamental-para-o-desenvolvimento-sustentável-diz-bachelet/.>.
Acesso em: 28 fevereiro de 2020.
YAGHSISIAN, A. M.. A participação das mulheres na mediação de conflitos
ambientais para alcançar o desenvolvimento sustentável na agenda do direito ambiental internacional. 2017. 219 f. Tese (doutorado) - Universidade Católica
de Santos, Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Ambiental
Internacional, 2017.
SITES CONSULTADOS
<http://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/mulheres-representam-mais-da-metade-da-populacao/>. Acesso em 06 fev. 2020.
107
Paradiplomacia Ambiental
<https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2012/decreto-58428-08.10.2012.html>. Acesso em: 06 fev. 2020.
<http://justica.sp.gov.br/index.php/coordenacoes-e-programas/coordenacao-de-politicas-para-a-mulher/atividades-desenvolvidas/>. Acesso em: 02
fev. 2020.
<https://oig.cepal.org/sites/default/files/brasil_2013_pnpm.pdf>. Acesso
em: 03 fev. 2020.
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/planonacional_politicamulheres.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2020.
<http://archive.ipu.org/wmn-e/arc/world011218.htm.> Acesso em: 27 fev.
2020.
108
FALTA DE SANEAMENTO: O PREÇO QUE O ESTADO E A
POPULAÇÃO PAGAM.
Francine Delfino Gomes1
ODS 6 - Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos
META 6.2 - Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados
e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em
situação de vulnerabilidade.
INTRODUÇÃO
O
atual cenário mundial do saneamento básico está muito aquém do
ideal e perdura por longos anos. Diversas pesquisas nos mostram que
a evolução no tratamento sanitário e nas ligações de redes de esgotamento se
aproximam muito de uma certa estagnação. A Organização das Nações Unidas
(ONU) tem chamado a atenção expressamente para o tema desde 1981, por
meio da Trigésima quarta Assembleia Mundial da Saúde (WORLD HEALTH
ASSEMBLY, 1981), onde foram considerados os dados da Década Internacional
sobre Abastecimento de Água Potável e Saneamento (1981-1990); antes disso os
documentos da referida organização apenas tratavam o esgotamento sanitário
de forma indireta, pois os esforços eram concentrados na água potável, como
podemos observar pelo documento efetivado na Conferência das Nações Unidas para a Água (UNITED NATIONS, 1977), primeiro documento a declarar o
acesso à água e ao saneamento como direito humano.
Em 2015, a união de 193 Estados pactuou novos rumos para melhorias
mundiais em diversos aspectos, resultando nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Diante da demora na implementação do saneamento no
Brasil, a presente pesquisa isolou um período entre 2010 e 2020 das cidades
brasileiras de Manaus e São Paulo, por meio de uma metanálise das pesquisas
do Instituto Trata Brasil, da rede SuSanA (Sustainable Sanitation Alliance),
assim como dados oficiais do Governo brasileiro SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), buscando demonstrar a precariedade do serviço
Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS (2022). Mestre
em Direito pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS (2018). Pós Graduada em Direito Público e Direito Tributário. Professora de Direito Público na Graduação de Direito na
Universidade Guarulhos/SP – UnG. Professora em cursos preparatórios para OAB.
1
109
Paradiplomacia Ambiental
de saneamento básico no Brasil, assim como os desafios para o cumprimento da
meta 6.2 do ODS 6.
1. A denominação “Saneamento” nas civilizações e documentos
mundiais
Desde o início da civilização as aglomerações fizeram surgir uma problemática com os resíduos e dejetos produzidos pelos seres humanos. As buscas por
melhores condições sanitárias começaram a surgir na Idade Antiga, mais especificamente a partir das ideias aristotélicas, já sendo mais detalhada pelo poeta
Homero no mito de Asclépio, onde sua filha Higeia, conhecedora dos segredos
da conservação da saúde, afirmava:
“a saúde era o resultado do seguimento das leis naturais, e
a função da medicina era identificar e divulgar quais eram
essas leis, responsáveis pela manutenção de um equilíbrio
sadio entre mente e corpo, para que as pessoas não as violassem, trazendo-lhes a doença.
Higeia tornou-se a representação da defesa à saúde coletiva, tendo, inclusive,
uma obra monumental no principal canal de drenagem de águas em Roma.
Com o crescimento das civilizações, os avanços tecnológicos e o aumento
das aglomerações urbanas, os desafios para implementação aumentam progressivamente. Em 1981, diante da constatação de que na década de 70 os progressos no saneamento foram mais lentos do que o esperado, a ONU inicia uma
discussão específica sobre o tema saneamento na Trigésima quarta Assembleia
Mundial da Saúde (Hbk Res., Vol. II, 1981).
Sequencialmente, em 1992 realizou-se a Conferência Internacional sobre
Água e Meio Ambiente, cujo documento “The Dublin Statement on Water and
Sustainable Development” trouxe no princípio 4º, “[…] o direito humano ao acesso à água potável e ao saneamento a um preço acessível[...]”, destacando, ainda,
que no início dos anos 90, mais de um quarto da população mundial carecia de
necessidades humanas básicas, dentre elas os meios higiênicos de saneamento.
No mesmo ano, outro importante acontecimento que trouxe a importância
do tema para as discussões mundiais foi a Cúpula da Terra (ONU, 1992), que
ao adotar a Agenda 21 (ONU, 1992), avança na busca pela universalização do
saneamento mundial, pois 178 Estados (governos e sociedade civil) – inclusive
o Brasil - se comprometem a apresentar melhorias em todas as áreas em que a
ação humana impacta o meio ambiente, dialogando com uma economia mais
eficiente e equitativa.
Em 2000, os países adotam uma nova agenda de desenvolvimento sustentável (metas do milênio – 8 metas), sendo este um importante acordo global
110
Falta de saneamento
que até 2015 pretendia minimizar a pobreza extrema, ofertar educação de qualidade, minimizar as desigualdades de gênero e valorar a mulher, reduzir da
mortalidade infantil, melhorar a saúde das gestantes, combater à AIDS, malária
e outras doenças, proporcionar qualidade de vida e respeito ao meio ambiente
e fomentar o trabalho conjunto pelo desenvolvimento.
Tais ações, em 2015, resultaram na Agenda 2030 (ONU, 2015) que, por intermédio de 17 objetivos e 169 metas, busca “o fortalecimento da paz universal
com mais liberdade”, almejando o desenvolvimento global de forma sustentável.
Entre os 17 objetivos, neste estudo vamos destacar o objetivo 6 (ONU, 2015),
que visa “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento
para todas e todos”, ou seja, a universalidade do serviço, mais especificamente
a meta 6.2, que dispõe “Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene
adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com
especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em
situação de vulnerabilidade”, a partir do que foi feito no lapso temporal entre
2010 e 2020, nas cidades de Manaus/AM – Região Norte e São Paulo/SP – Região Sudeste, as duas brasileiras.
2. Agenda 2030, alguns resultados dos Objetivos do Milênio o ODS
6 e a meta 6.2
Quando em 2015 os líderes mundiais pactuaram uma agenda para o desenvolvimento sustentável do planeta, o fizeram a partir de problemas recorrentes
que impedem o exercício da dignidade humana em grande parte do cenário
global. Tais bases devem compor as agendas internas de cada Estado e a partir
de análises constantes até o ano de 2030 será mensurado quais foram os esforços dos países para a busca por condições humanas de qualidade, respeitando
as limitações de cada Estado envolvido.
É conhecido o envolvimento de todos os 17 objetivos e sua transdisciplinaridade, não devendo ser estudados de forma isolada, pois “os 17 ODS devem
se traduzir em políticas públicas “interdisciplinares, interdependentes e sistêmicas”, segundo Young (2018, p.17). Todavia, faz-se necessária uma análise de cada
ODS de forma específica, a fim de identificar as maiores fragilidades enfrentadas até o momento para que os próximos passos sejam mais eficazes. A partir
dessa análise, o presente estudo tratará com mais profundidade o ODS 6, mais
especificamente da meta 6.2.
Segundo deliberado pelo consenso dos países signatários da Agenda 2030,
ficou pactuado que até a referida data todos os esforços estariam voltados para
“Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para
todas e todos”, visto que o planeta sofre gravemente com a falta de água potável
e o acesso da população mundial ao serviço digno de saneamento.
111
Paradiplomacia Ambiental
Para que a universalização do serviço de saneamento seja efetivada, será
de suma importância o cumprimento da meta 6.2 (ONU, 2015) que diz: “Até
2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para
todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade”,
já que os primeiros pontos a serem enfrentados são as vulnerabilidades descritas
nessa meta. Para tanto cumpre trazer os atuais dados mundiais e do Brasil antes
de adentramos aos casos especificamente estudados neste trabalho.
Indo ao encontro dessa busca, cumpre esclarecer que “o saneamento seguro tem relação com a segurança das instalações e dos serviços prestados. Por
exemplo, a rede de esgoto estar conectada ao serviço de tratamento de esgoto”,
como destacam os especialistas da EOS Organização e Sistemas (2017); todavia,
os dados mundiais ainda nos mostram a precariedade no serviço ofertado e a
lastimável constatação de que muitos ainda não possuem sequer acesso à coleta
simples do esgotamento, conforme veremos a seguir.
Antes de abordarmos o marco temporal estabelecido na presente pesquisa,
cumpre esclarecer os avanços mundiais ocorridos a partir das Metas do Milênio
estabelecidas no ano de 2000 com previsão de cumprimento até 2015 e, para
isso, vamos analisar os dados trazidos no Progress on sanitation and drinking water – 2015 update and MDG assessment (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2015).
Segundo o referido documento, houve uma importante redução da precariedade do acesso ao saneamento entre 1990 e 2015; entretanto, ainda se está
muito abaixo do esperado para o período:
A meta dos ODM exigia reduzir pela metade a proporção da população sem acesso sustentável ao saneamento
básico entre 1990 e 2015. Durante o período dos ODM,
estima-se que o uso de instalações sanitárias melhoradas
subiu de 54% para 68% em todo o mundo. A meta global
de ODM de 77% foi perdida em nove pontos percentuais
e em quase 700 milhões de pessoas.(MDG, 1990-2015)
Segundo o estudo é fato que 2,1 bilhões de pessoas no mundo obtiveram
acesso a uma instalação de saneamento melhorado entre 1990 e 2015. Porém,
é importante destacar que o crescimento ocorrido foi bem menor nos países
subdesenvolvidos: “A Ásia Ocidental e o norte da África forneceram acesso a 50%
e 41% da população atual desde 1990. Por outro lado, a África Subsaariana forneceu
acesso a menos de 20% da população atual”(COUNTERVIEW - ORG). Verifica-se
que os países com menor capacidade econômica possuem maiores desafios na
busca pela universalização do saneamento.
Outra preocupação e tema constante nas discussões sobre o assunto é o fato
112
Falta de saneamento
das áreas rurais serem muito mais prejudicadas pois, num breve comparativo,
82% da população urbana tem acesso ao saneamento, enquanto que para a população rural esse percentual cai para 51%, revelando-se um crescimento muito
mais vagaroso, conforme podemos ver no gráfico a seguir:
Fig. 1: Progress on sanitation and drinking water – 2015 update and MDG assessment, folha 15
Mais um importante tema que circunda o assunto é a defecação à céu aberto, pois segundo os dados do relatório aqui analisado, podemos ver que houve
uma importante melhora após a virada do milênio, mas, ainda assim, o problema está longe de ser resolvido, pois “Entre 2000 e 2015, o número de pessoas
praticando defecação a céu aberto caiu de 1.229 milhões para 892 milhões, uma redução média de 22 milhões de pessoas por ano.”(UNICEF). A pior região detectada
pelo estudo foi a África Subsaariana. O aumento populacional que fez com
que os números saltassem de 204 para 220 milhões de pessoas que defecam
à céu aberto, ou seja, 9 a cada 10 pessoas que não possuem acesso aos vasos
sanitários estão na África Subsaariana, Oceania e Ásia (com exceção da região
113
Paradiplomacia Ambiental
norte do continente asiático). No mundo ainda são mais de 1 bilhão de pessoas
que não possui acesso a um banheiro (PROGRESS ON SANITATION AND
DRINKING-WATER – OMS). Ainda assim, é possível constatarmos avanços,
tendo em vista que na década de 1990 eram 24% da população mundial sem
acesso à banheiros e hoje, esse percentual é de 13%, ou seja, ainda que tenha
havido uma evolução, essa realidade está muito aquém da ideal.
Ainda em termos globais, a Organização Mundial da Saúde – OMS, em
conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), contabiliza
que 4,5 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a saneamento básico seguro, ou seja, 58,44% da população mundial se expõe a riscos todos os dias pela
falta de investimento no setor, enquanto 2,3 bilhões não têm acesso a qualquer
tipo de serviço de saneamento. Isso tudo resulta na morte de 580 crianças por
dia, falecimentos ocasionados por doenças como vermes intestinais, tracoma e
esquistossomose, além da propagação da cólera, disenteria, hepatite A e febre
tifoide. Esses dados mostram que as patologias ocasionadas pela falta de saneamento matam mais a cada ano do que a AIDS, malária e o sarampo juntos. Se
formos analisar os dados dos óbitos de recém nascidos ocorridos no primeiro
mês de vida, os dados nos assustam ainda mais, pois “270 mil crianças morrem
durante o primeiro mês de vida por conta de condições como a prematuridade,
que poderia ser prevenida por meio do acesso à água tratada, ao saneamento e
a unidades de saúde”(OMS).
Em um âmbito mais regional, segundo a Organização Pan-Americana da
Saúde – OPAS e a Organização Mundial da Saúde – OMS (2017), “quase 16
milhões de pessoas ainda defecam ao ar livre na América Latina e no Caribe”.
De acordo com os dados mais recentes (2017), “74,3% da população da América
Latina e 31,3% da do Caribe têm acesso a serviços de água e saneamento manejados de forma segura. Isto significa que 82,7 milhões de pessoas não têm acesso
ao saneamento básico na região e destes, 15,5 milhões (18,8%) continuam defecando ao ar livre.”. O especialista Marcos Espinal, diretor do Departamento
de Doenças Transmissíveis e Determinantes Ambientais de Saúde da OPAS,
destaca: “Defecar ao ar livre é uma prática nociva para a saúde”.
Sendo assim, podemos constatar que os dados provam que existe uma negligência mundial na abordagem do saneamento, pois com tantas tecnologias
à disposição do homem, inúmeros são os desafios para tratar seus próprios dejetos, sem contabilizar a falta de dignidade de milhões de pessoas que possuem
constantes problemas de saúde e debilidade educacional por consequência do
relapso narrado, além de não haver, sequer, inteligência no trato da questão,
pois os gastos desta conta são altos se comparado aos investimentos no setor.
Enquanto houver uma quantidade maior de pessoas no planeta com acesso ao
celular – 5 bilhões – do que pessoas que possuem acesso a banheiros, muito
precisará ser feito, até porque quem mais sofre neste cenário são as mulheres
114
Falta de saneamento
(SILVA, Bárbarah Brenda, p.), pois:
Nos locais onde não há saneamento básico, mulheres são
mais diagnosticadas com problemas de coluna, por ser
papel delas a busca de água em locais distantes; são mais
diagnosticadas com infecções urinárias, por terem maior
dificuldade de se higienizar e/ou serem forçadas a conter
urina; entre outros problemas. O fato da maior parte dos
banheiros serem projetados por homens também faz com
que várias necessidades femininas sejam desconsideradas.
Os banheiros químicos, por exemplo, não atendem todas
as necessidades femininas e são fonte de várias reclamações pelas usuárias.
Além de todos esses fatores é fato que as mulheres que deixam de frequentar escolas ou de ir aos seus trabalhos quando os filhos e maridos estão doentes,
tornando-se a parcela que mais perde pela falta de acesso ao direito humano que
está disposto no ODS 6.
3. Saneamento no Brasil
No Brasil, a norma infraconstitucional que regulamenta o Saneamento Básico é a Lei nº 11.445/2007, também conhecida como Política Nacional do
Saneamento Básico, e reformulada pela Lei nº 14.026/2020, cujos princípios
fundamentais são: i. universalização do acesso e efetiva prestação do serviço; ii.
integralidade, compreendida como o conjunto de atividades e componentes
de cada um dos diversos serviços de saneamento que propicie à população o
acesso a eles em conformidade com suas necessidades e maximize a eficácia das
ações e dos resultados; iii. abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de forma adequada à saúde
pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente;
iv. disponibilidade, nas áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo das
águas pluviais, tratamento, limpeza e fiscalização preventiva das redes, adequados à saúde pública, à proteção do meio ambiente e à segurança da vida e do
patrimônio público e privado; v. adoção de métodos, técnicas e processos que
considerem as peculiaridades locais e regionais; vi. articulação com as políticas
de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e
de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde, de recursos
hídricos e outras de interesse social relevante, destinadas à melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; vii.
eficiência e sustentabilidade econômica; viii. estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento e à utilização de tecnologias apropriadas, consideradas a capacidade
de pagamento dos usuários, a adoção de soluções graduais e progressivas e a
melhoria da qualidade com ganhos de eficiência e redução dos custos para os
115
Paradiplomacia Ambiental
usuários; ix. transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; x. controle social; xi. segurança, qualidade,
regularidade e continuidade; vii. integração das infraestruturas e dos serviços
com a gestão eficiente dos recursos hídricos; xiii. redução e controle das perdas
de água, inclusive na distribuição de água tratada, estímulo à racionalização
de seu consumo pelos usuários e fomento à eficiência energética, ao reúso de
efluentes sanitários e ao aproveitamento de águas de chuva; xiv. prestação regionalizada dos serviços, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da
universalização e da viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços; xv.
seleção competitiva do prestador dos serviços; e xvi prestação concomitante dos
serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Podemos observar que a referida política, além de interligar mecanismos
para o saneamento, incluiu limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e gestão eficiente dos recursos hídricos, os quais devem dialogar com as
demais políticas – resíduos sólidos (Lei 12.305/2010) e recursos hídricos (Lei
9.433/1997).
Segundo o Instituto Trata Brasil, o Saneamento Básico tem seu status elevado a Direito Fundamental quando as pesquisas no setor demonstram que
sua falta resultará na afetação direta da qualidade de vida dos seres humanos,
conforme podemos observar (TRATA BRASIL, 2020):
Em 2013, segundo o Ministério da Saúde (DataSus), foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções
gastrintestinais em todo o país. Cerca de 173 mil foram
classificados pelos médicos como “diarreia e gastrenterite
de origem infecciosa presumível”. 170,7 mil internações
envolveram crianças e jovens até 14 anos.
O estudo mostra que se 100% da população tivesse acesso
à coleta de esgoto, esse número cairia para algo em torno
de 266 mil representando uma redução, em termos absolutos, de 74,6 mil internações. 56% dessa redução ocorreria no Nordeste.
Em 2013, o custo de uma internação por infecção gastrintestinal no Sistema Único de Saúde (SUS) foi de cerca de
R$ 355,71 por paciente na média nacional. Isso acarretou
despesas públicas de R$ 121 milhões no ano. A universalização traria uma economia anual de R$ 27,3 milhões,
distribuídos 52,3% no Nordeste e 27,2% no Norte; o restante da redução ocorreria no Sudeste, Sul e Centro-Oeste
do país.
Em 2013, 2.135 morreram no hospital por causa das infec116
Falta de saneamento
ções gastrintestinais. Estima-se que esse valor poderia cair
a 1.806 casos, numa redução de 329 mortes (15,5%) se
houvesse acesso universal ao saneamento.
Se fizermos um comparativo na saúde, no lapso temporal de 2004 a 2016
podemos observar que os poucos investimentos no setor já apresentaram uma
economia para o SUS, pois em 2004, os gastos com internações por infecções
gastrointestinais eram de R$ 201,7 milhões, passando para R$ 101,5 milhões
em 2016, ou seja, uma economia de aproximadamente 100 milhões.
Importante ressaltar que, além da proteção à saúde e à vida, a universalização do saneamento é de suma importância para a proteção do meio ambiente,
preservando, assim, além da vida humana, a vida animal e vegetal. Neste sentido, alguns estudos (ÉTICA AMBIENTAL, 2020) já afirmam que:
O lançamento de detritos em rios compromete todo o
ecossistema aquático. Essa ação faz com que, no processo
de decomposição, o esgoto consuma a maior parte do oxigênio da água. O que dificulta a sobrevivência de peixes
e de outros seres vivos. Além disso, o quadro se agrava
quando o fosfato e o nitrogênio dos materiais orgânicos
fazem com que as algas se multipliquem.
Além da subsistência é importante destacar que a qualidade de vida também é diretamente afetada quando uma população deixa de ter acesso ao saneamento básico, impactando em diversos setores econômicos, tais como: turismo,
produtividade, valorização imobiliária, arrecadação tributária, dentre outros,
conforme podemos observar a partir do estudo “benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro” do Instituto Trata Brasil (2018), respectivamente:
(turismo)
[...] estimam-se ganhos de rendado turismo no Brasil devidos à dinâmica do saneamento no período de R$ 633
milhões por ano. No acumulado do período de 2004 a
2016, o valor presente dos ganhos no turismo atingiu R$
8,232bilhões no país.
[...]
(aumento da produtividade)
[...] O valor presente do aumento de renda do trabalho
com a expansão do saneamento entre 2004 e 2016 foi de
R$ 33,551 bilhões, que resultou num ganho anual de R$
2,581 bilhões.
117
Paradiplomacia Ambiental
[...]
(valorização imobiliária)
[...] Em termos de renda imobiliária, estima-se que o ganho para os proprietários de imóveis que alugam ou que
vivem em moradia própria tenha sido de R$4,494 bilhões
por ano no país, o que totalizou um ganho a valor presente
de R$ 58,421 bilhões entre 2004 e 2016.
[...]
(arrecadação tributária)
[...]
estima-se que a arrecadação de impostos sobre consumo e
produção alcançou R$ 25,160 bilhões no período de 2004
a 2016.
Além das melhoras evidenciadas, o estudo ainda traz importantes dados
quanto às expectativas futuras, demonstrando que entre 2016 e 2036 “[...] espera-se que os benefícios com a universalização do saneamento alcancem R$1,521
trilhão em todo o país [...]”, estando esses valores divididos em: redução com
os custos na saúde estimado em R$ 5,949 bilhões (R$ 297 milhões/ano); aumento da produtividade gerando $190,374 bilhões (R$ 9,519 bilhões/ano); valorização imobiliária R$ 447,457 bilhões (R$22,373 bilhões/ano); expansão do
turismo R$ 42,860 bilhões (R$ 2,143 bilhões/ano); arrecadação de impostos
R$ 42,825 bilhões (R$ 2,141 bilhões/ano), daí a economicidade a partir dos
investimentos no tratamento do esgotamento sanitário.
Apesar de o Brasil não se encontrar nos piores lugares do ranking da falta
de saneamento, como 9ª. economia do mundo ainda está bem longe de ocupar
os primeiros postos da lista, pois trata apenas 46% do seu esgoto – tratamento
este que é bem diversificado e em sua maioria não é classificado como o mais
seguro para a saúde humana e o meio ambiente; apenas 53% da população
brasileira tem acesso à coleta de esgoto, ou seja, quase 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço, sendo que destes, 13 milhões são crianças e
adolescentes e quando tratamos da falta de sanitários nas casas dessas crianças,
estamos falando de cerca de 3,1% .
Outro fator preponderante que dificulta a universalização do saneamento
é a concentração de renda na população mais rica. Conforme demonstrado no
tópico anterior, os países que apresentaram maior evolução no saneamento, em
um comparativo 1990/2000, foram os Estados com maior poder econômico e
menor desigualdade também econômica.
118
Falta de saneamento
Neste sentido, fazendo uma análise do Brasil – desigualdade e saneamento
– vemos que o nosso país é o segundo com o maior índice de desigualdade do
mundo e, apesar de estarmos entre as 10 maiores economias do planeta (FUNAG) “A parcela dos 10% mais ricos do país concentram cerca de 41,9% da
renda total entre os brasileiros.”(PNUD, 2019). Por consequência, sofremos um
impacto negativo na universalização dos tratamentos sanitários, pois o Brasil
ocupa no ranking mundial do saneamento a posição lamentável de 103º dos
194 países estudados pela Unicef.
Além de ainda estarmos longe do ideal, alguns dados devem ser motivo de
preocupação, pois os investimentos do país em saneamento vêm caindo muito
desde 2010, segundo noticiado pelo Instituto Trata Brasil (2019), o:
[...] investimento caiu consideravelmente, passando de R$
13 bilhões para R$ 10,96 bilhões em 2017, sendo que o
custo para universalizar o acesso aos 4 serviços do saneamento (água, esgotos, resíduos e drenagem) foi estimado
em R$ 508 bilhões, no período de 2014 a 2033, pelo Plano
Nacional de Saneamento Básico (PNSB), exigindo, portanto, uma média de aproximadamente R$ 18 bi anuais.”
Adentrando nas regiões brasileiras, teremos números que impressionam,
pois a região norte do país é a que se encontra em pior situação, com apenas
21,70% de tratamento, enquanto a região centro-oeste (a melhor neste comparativo) chega a tímidos 53,88%. A região sudeste, apesar de não estar na região
que mais trata seus esgotos, possui o maior número de cidades que estão entre
as 100 melhores cidades no ranking do saneamento de 2020 efetivado pelo
Instituto Trata Brasil (2020). Por esse motivo houve a escolha do Município de
São Paulo e Manaus para um breve comparativo.
3.1 São Paulo
O estado de São Paulo é o mais rico da federação brasileira, possuidor do
maior PIB do Brasil (R$ 2,38 trilhões) (AGÊNCIA BRASIL,2019) e o segundo
melhor IDH do país (0,837). É o único IDHM Educação considerado “muito
alto”, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2019). Conforme a projeção do IBGE (2020), possui uma população de 46.236.309 dividida
em 645 municípios, dos quais 14 deles constam nas 25 primeiras posições no
ranking brasileiro do saneamento (SNIS, 2018), se expandirmos a análise para
os 100 primeiros municípios no referido ranking constatamos que 27 municípios pertencem ao estado de São Paulo.
Na capital deste importante estado existe uma população de 12,18
milhões de pessoas, ou seja, 26% da população do estado, a maior do país e
uma das maiores do mundo, por todos os desafios já pontuados e pela grande
119
Paradiplomacia Ambiental
densidade demográfica do referido estado e de sua capital a universalização do
saneamento torna-se um grande desafio.
Segundo o Ranking do Saneamento (TRATA BRASIL,2020) “[..] São Paulo - SP foi o município que realizou maior número de novas ligações de esgoto
(74.983) [...]”, apesar de o município ter sido o que mais investiu em saneamento (R$ 10,938,7 milhões), sendo o segundo município que mais investiu por habitante (R$ 173,30). Todavia, sua posição no ranking brasileiro sofreu algumas
oscilações estando nas posições 20º, 23º, 16º e 19º, em 2017, 2018, 2019 e 2020,
respectivamente.
Apesar de ter havido uma importante melhora na coleta dos dados sobre
o esgotamento sanitário, ainda podemos observar que algumas divergências
existem, conforme relatório da Organização SuSanA (TALAMINI, G., BURCHARD, A., 2018), onde consta que apenas 84% da população da cidade de
São Paulo está conectada às redes coletoras disponíveis, enquanto que no relatório do SNIS do mesmo ano consta que 97% da população paulista tem
atendimento ao serviço de esgoto, sendo que 2% da população possuem redes
coletoras disponíveis, mas não estão conectadas à rede central, constatando divergência do disponibilizado nos dados oficiais.
Segundo o estudo, 15% da população paulista não possui rede coletora
de esgotamento disponível em suas ruas, o que representa quase 2 milhões de
habitantes despejando de forma irregular os seus dejetos, ou seja, em córregos,
valas, fossas rudimentares dentre outras, comprometendo, por consequência,
os recursos hídricos superficiais em termos de qualidade, assim como a bacia
hidrográfica, pelo baixo índice de disponibilidade em face da sua grande densidade populacional. O estudo constatou, ainda, que:
Os recursos hídricos subterrâneos disponíveis na área não
são utilizados como fonte para o abastecimento via rede de
distribuição, porém, apesar da baixa disponibilidade das
formações São Paulo e Resende, presentes no município,
o uso de poços é intenso e ocorre de forma irregular. Ambos aquíferos são considerados de baixa vulnerabilidade
quanto à contaminação por despejos domésticos devido
as suas características hidro geológicas, porém sofrem com
contaminações oriundas de atividades industriais poluidoras.
Outra questão importantíssima tratada pelo estudo é quanto as soluções alternativas através do uso individual de fossas sépticas, que não são contabilizadas
pelo governo brasileiro por não estarem no planejamento público para universalização do saneamento, fazendo com que as existentes não sejam monitoradas,
podem se tornar um poluente perigoso, pois o lodo oriundo das fossas precisam
120
Falta de saneamento
ser devidamente descartados.
Segundo as exigências da Lei nº 11.445/2007, uma ferramenta fundamental para universalização do saneamento é o plano de saneamento básico, que
deve ser elaborado pelos municípios, detentores da titularidade do serviço. Na
cidade de São Paulo, a Lei nº 14.934 de 18 de Junho de 2009 (MUNICÍPIO
DE SÃO PAULO), regulamenta a autorização do poder executivo municipal a
celebrar contratos, convênios e outras modalidades administrativas com o Estado de São Paulo, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado
de São Paulo – ARSESP, assim como com a Companhia de Saneamento Básico
do Estado de São Paulo – SABESP (Sociedade de Economia Mista responsável
pelo Saneamento do Município), para melhoria e expansão do saneamento na
cidade, “com a finalidade de regulamentar o oferecimento compartilhado
do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário, no âmbito
do Município de São Paulo”(PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO
BÁSICO – SP, 2010), além de criar o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura.
A referida lei toma uma importante iniciativa de governança, tendo em
vista que propõe, através de instrumentos administrativos, a cooperação entre o
Estado de São Paulo, a Região Metropolitana e o Município de forma conjunta
e participativa, além de criar um importante Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura, o qual atua junto da Secretaria de Habitação,
para que possa dialogar com a população mais vulnerável dos assentamentos
precários e parcelamentos do solo irregulares, tendo em vista que nesses locais
encontra-se a maior quantidade de pessoas de baixa renda.
Em 2019 realizou-se o primeiro ciclo de Revisão do Plano Municipal do Saneamento (2019), demonstrando alguns importantes diagnósticos no setor, tais
como a geração de 1,5 milhões de m³ por dia de esgoto, incluindo as conexões
clandestinas. “Dessa geração, é estimado pela Sabesp que 86% é coletada, e
70% do total gerado é tratado [...]”.O documento ainda enfatiza que: “No Município de São Paulo, os imóveis são obrigados a se conectar à rede pública
de esgotos, a menos que haja algum impedimento técnico para isso - conforme
dita a Lei Municipal nº 13.369, de 03/06/2002”. Importante ressaltar que a
área rural do município (zona sul) somente foi inclusa no plano a partir de 2016
e conta com um sistema descentralizado de esgotos.
Apesar de o sistema de drenagem ser segregado das águas pluviais, ainda
existem muitos casos de descarte sem qualquer tratamento. Importante lembrar que as exigências dos lançamentos estão regulamentadas pelas normas:
Federal - Resolução CONAMA 357/2005 e 430/2011; e Estadual pelo Decreto
8.468/1976 (Artigos 18 e 19A), as quais trazem definições de concentrações
máximas para classes de corpos hídricos, fazendo com que o tratamento ocorra
121
Paradiplomacia Ambiental
em duas etapas – secundário e primário.
Ainda segundo o documento, São Paulo possui lançamento e reuso dos
efluentes tratados, assim como reuso de água nos sistemas que operam no Município. Está previsto que a partir deste ano (2020) haja implementação de módulos de tratamento terciário para tratar todos os esgotos e afluentes, passando
ao atendimento do estágio tecnológico.
Os maiores desafios para universalização no município de São Paulo são:
i. conectividade das redes, diante do seu alto custo, ocorrendo, muitas vezes,
o efeito catapora, onde redes isoladas são construídas e não conseguem se ligar nas redes coletoras; ii. lançamentos de esgoto na drenagem e poluição de
córregos, por consequência do índice de tratamento ser mais baixo do que o
índice de coleta do esgotamento; iii. cobertura e atendimento em áreas urbanas
precárias e zona rural; geração de resíduos sólidos – lodos e sólidos – advindos
das ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto), pois atualmente, eles são destinados aos aterros sanitários; iv. redução do consumo de energia elétrica usadas
pelas ETEs, visto que de todas as unidades no município (4 existentes), apenas
1 (Barueri) possui o sistema de uso do biogás gerado na digestão anaeróbica do
lodo para geração de energia.
Diante desses dados e dos desafios apresentados, podemos observar que
existe uma caminhada onde não conseguimos enxergar a universalização saudável do saneamento na cidade de São Paulo, pois já ficou constatado no Word
Resources Report: Untreated and Unsafe:Solving the Urban Sanitation Crisis in the
Global South (2019) que no município “em média, 62% do esgoto e lodo fecal
são gerenciados de maneira insegura. As 15 cidades analisadas incluem [...] São
Paulo, Brasil”(WORD RESOURCES REPORT, 2019). Ou seja, mesmo que estejamos ampliando o caminho do esgotamento até a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), muito ainda precisa ser feito para que haja um tratamento seguro,
universal e que garanta a qualidade de vida das pessoas, evitando os gastos com
a saúde daqueles prejudicados e todas as demais consequências indiretas (educação, qualidade de vida no trabalho, economia, turismo, dentre outros) que a
falta de saneamento tem causado nas populações que ainda não conseguiram
acessar o serviço digno.
3.2 Manaus/AM
O estado do Amazonas é o estado da federação brasileira com maior extensão territorial (1.559.146,889 km²), possuidor do segundo maior PIB da região
norte do país, ficando na 18ª posição, se comparado com os demais estados brasileiros. Seu IDH é considerado médio (0,674), segundo o PNUD. Conforme a
projeção do IBGE de 2020, é possuidor de uma população de 4.200.013 dividida em 62 municípios, dos quais 40 deles possuem um IDH baixo. No ranking
122
Falta de saneamento
brasileiro do saneamento 2020, apenas sua capital (Manaus) aparece catalogada
e está classificada como a 5ª pior cidade no quesito.
Na capital do estado existe uma população de 2.182.763 milhões de pessoas,
ou seja, 51% da população mora no município de Manaus. Apesar de sua densidade populacional ser 10 vezes menor que a média nacional, essa é a cidade do
país que mais enfrentará desafios para atingir a universalização do saneamento,
em razão dos reduzidíssimos investimentos nos últimos anos, a exemplo do seu
destaque negativo na média anual por habitante, ficando dentre os patamares
mais baixos do país, ou seja, abaixo de R$ 67,91 (média das capitais).
O crescimento da capital do estado ocorreu em 1957, através da Lei nº
3.173, quando da instituição da Zona Franca de Manaus - modelo de desenvolvimento econômico - que partiu do governo brasileiro para viabilizar uma base
econômica na Amazônia Ocidental; todavia, a falta de planejamento resultou
em uma concentração demasiada da população na área urbana - 99,5% (IBGE,
2020), demonstrando, desta forma, a falta de implementação de boas políticas
públicas que pudessem gerar uma melhor qualidade de vida para as pessoas do
município.
Dos 62 municípios do estado do Amazonas, apenas 15 possuem Política
Municipal de Saneamento Básico, segundo o IBGE (2017). Destas, 10 foram
criadas por lei, 3 por decreto e 12 municípios declararam que estão elaborando
seus planos municipais. Quanto aos planos municipais de saneamento, 18 dos
62 municípios possuem o documento. O quadro piora quando o assunto é
licença ambiental, pois apenas dois municípios as possuem para o esgotamento
sanitário, além de ter sido um dos estados brasileiros que durante três anos menos investiu em saneamento, totalizando (junto com os outros estados - Acre,
Amapá, Alagoas e Rondônia) 1,7%.
Segundo o Ranking do Saneamento 2020, Manaus está entre as 12 capitais
que mais perdem água produzida, além desse número impactar em 72,28% da
perda de seu faturamento, e 74,95% da perda de sua distribuição. Um fator
agravante desta falta de saneamento é o impacto ambiental negativo que isso
causa ao estado, que se insere na região hidrográfica amazônica, a qual ocupa
45% do seu território. Quanto às águas superficiais, a região concentra 81%
do total de todo o país, sendo isso outro vetor importantíssimo para ações de
preservação mais enfáticas.
Segundo o estudo feito pela organização SuSanA (2018):
Os principais desafios de Manaus em relação aos serviços
de saneamento são as ocupações irregulares intensificadas
pelo elevado índice de crescimento populacional combinado a elevada taxa de urbanização e a baixa adesão da população às redes coletoras do sistema público que levam ao
123
Paradiplomacia Ambiental
baixíssimo nível de atendimento. A questão da presença
dos igarapés na cidade também caracteriza um desafio técnico e de planejamento para construção da infraestrutura
da rede coletora e das estações de tratamento.
O estudo ainda pontua que: “A cidade de Manaus possui muitas áreas de
ocupações irregulares que se concentram, principalmente nas margens dos igarapés na área central do município e sobre a vegetação nativa nas áreas”, demonstrando a grande precariedade do local:
Figura 2: SuSaNa - Exemplos de ocupação irregular em Manaus (Folha de São Paulo,
02/03/2018; Google Maps, 01/09/2018; ACritica, 28/03/2018)
Importante salientar que “A conexão na rede coletora de esgoto é obrigatória, porém, sabe-se que não há fiscalização eficiente para garantir que a população realize a conexão”, ou seja, a tarifa é cobrada da população, mas não há
comprovação de efetiva prestação dos serviços.
Diferentemente de São Paulo, a cidade de Manaus possui um serviço de
limpeza das fossas sépticas, o que acaba sendo um auxílio importante diante do
descaso com o sistema macro da coleta (sistema centralizado) de esgotamento.
O município possui muitas fossas rudimentares, as quais destinam o esgoto vindo de vasos sanitários, chuveiros, pias, dentre outros, diretamente no solo, além
de valas que levam o esgotamento in natura aos recursos hídricos, ocorrendo
também o descarte direto no rio e até mesmo a defecação a céu aberto.
Outro vetor que prejudica a população e compromete a disponibilidade de
águas subterrâneas é o uso excessivo e sem controle dos poços pois, conforme
constado pelo estudo:
O uso indiscriminado de poços e a ausência de regulamentação efetiva leva a má qualidade construtiva e a falta de
serviços de esgotamento sanitário fazem com que a disponibilidade desta fonte subterrânea fique cada vez mais
comprometida, tanto em termos quantitativos como qualitativos. De forma conclusiva, considerando que 12% da
população utiliza poços para consumo, a análise dos riscos
de contaminação das águas subterrâneas em Manaus é
considerado alto.
124
Falta de saneamento
O alto risco de contaminação identificado pelo estudo eleva muito os agravos à saúde da população, visto que 54% da população “não possui sistemas
seguros e adequados para destinar seu esgoto”, além da excessiva falta de informação quanto aos serviços de esvaziamento e destinação final do lodo das fossas
que faz com que o mapeamento de soluções mais eficazes seja dificultado.
Pontua, por fim, o referido estudo que:
Para avançar na busca da solução, parece necessário a cooperação e integração entre as instituições responsáveis pelo
ordenamento urbano; pela construção e implementação
de políticas públicas adequadas para este município, fortemente amparada em ações de monitoramento e fiscalização; pela empresa que planeja, constrói e opera os sistemas
de coleta e tratamento; e, por fim, pela própria população
que deve reconhecer a importância de buscar soluções.
Conclui-se que a falta de consciência na cidade de Manaus parte de todos
os atores: estado, município, população e empresariado, dificulta a abertura de
diálogos sobre a preservação das riquezas naturais abrigadas na cidade e a qualidade de vida dos administrados.
Quanto ao Plano Municipal do Saneamento Básico de Manaus (2014),
consta do projeto preliminar que a melhora estava prevista para ocorrer em
ciclos de curto (2014/2016), médio (2017/2021) e longo (2022 e 2045) prazo, levando em conta o exponencial crescimento populacional, assim como a adoção
de medidas de gestão através de concessões e participação da iniciativa privada.
No que tange à saúde, podemos observar o resultado negativo que a falta
de saneamento causa na população, pois “nos últimos 12 meses, vinte e cinco municípios declararam ter havido ocorrências de uma ou mais. Diarreia e
verminoses foram as ocorrências com maior frequência, tendo sido detectadas
em 17 municípios.” (IBGE, 2017), segundo dados da prefeitura de Manaus/
AM – 2017.
Para universalização do saneamento no município de Manaus serão precisos novos planejamentos, maiores investimentos e aplicação de políticas públicas para conscientizar a população, além de investimentos em modernas tecnologias para que o setor possa demonstrar um crescimento mínimo e propiciar
a melhora na qualidade de vida manauenses, assim como um maior diálogo
através de eventuais convênios ou consórcios públicos políticas de governança e
desenvolvimento sustentável, pois os números indicam que no estado é possível
implementar macro e micro sistemas para o correto tratamento sanitário, assim
como o ideal maneja de resíduos sólidos.
125
Paradiplomacia Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou criar um breve panorama global e brasileiro do
saneamento básico e a organização de dados sobre o assunto para que fosse
possível analisar as fragilidades existentes que impedem a implementação da
universalização do saneamento básico no país a partir do comparativo de dois
municípios brasileiros (São Paulo/SP e Manaus/AM) e suas reais chances de
efetivarem a meta 6.2 do objetivo 6 da Agenda 2030.
Há que se considerar que os avanços mundiais e brasileiros no setor
ainda são muito tímidos, necessitando de maior empenho das autoridades gestoras e da população, pois muitos dados sobre o assunto ainda se mostram
nebulosos e, algumas vezes, dúbios, dificultando dimensionar o caminho a ser
trilhado e o real desafio a ser enfrentado, é como escrito por Veronica Shoffstall
em “O Menestral”: “[...] não importa onde já chegou, mas para onde está indo…
mas, se você não sabe para onde está indo, qualquer caminho serve.”.
Sendo assim, o primeiro e mais importante passo a ser efetivado é o monitoramento sério, por parte do Estado brasileiro, dos problemas decorrentes da
falta de saneamento, visualizando, com isso, o quanto o estado gasta e a sociedade perde com a demora da universalização do saneamento, principalmente no
setor da saúde e seus gastos evitáveis, objetivando, a partir desses elementos, o
despertar da preocupação dos gestores de todas as esferas da federação para que
busquem soluções diversas e conjuntas, melhorando a elaboração dos planos e
políticas de saneamento, tornando-os factíveis.
O segundo passo, e não menos importante, é a fiscalização séria no setor,
pois a descentralização e falta de monitoramento com parâmetros pré-estabelecidos faz com que muitos dos erros cometidos pelas gestões despreparadas
não sejam contabilizados e enfrentados com seriedade. Importante esclarecer
que a fiscalização eficaz pressupõe profissionais técnicos que conhecem do setor
e podem dimensionar bem os mapeamentos de controle, além de evitar desperdícios imensuráveis, os quais apresentam altíssimos índices quanto à água
e o saneamento. A título de exemplo, podemos trazer os dados de 2016, que
mostraram que as perdas financeiras nas distribuições da água potável representaram R$ 10,5 bilhões, enquanto que todo o setor de saneamento investiu
R$ 11,5 bilhões no mesmo ano, segundo o Instituto Trata Brasil (2018), ou
seja, só o que foi desperdiçado em água, se fosse economizado, pagaria 90% do
investimento no saneamento básico e poderiam ser duplicados, assim como os
seus resultados.
Por fim, fica claro que a população mais vulnerável é a que possui menor
poder econômico. Dentre esses mais prejudicados, abaixo da linha da dignidade, está a população feminina. Tais fatos impactam negativamente na saúde,
em primeiro lugar e, logo após, na educação, além do setor econômico e outros
126
Falta de saneamento
mais. Ressalte-se que, além dos elementos já trazidos, um importante vetor é
a qualidade do tratamento já efetivados, pois será necessária uma importante
melhora para alcançarmos o ideal nos padrões internacionais, vez que ainda há
uma má qualidade no descarte do esgoto tratado ao meio ambiente.
REFERÊNCIAS
[1] <https://www.who.int/neglected_diseases/mediacentre/WHA_34.25_
Eng.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2020.
[2] <https://www.un.org/en/sections/issues-depth/water/>. Acesso em: 02
mar. 2020.
[3] O Instituto Trata Brasil é uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do
saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país.
[4] SuSanA is an informal network of people and organisations who share
a common vision on sustainable sanitation and who want to contribute to
achieving the Sustainable Development Goals, in particular SDG6.
[5] 6.2 Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e
equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial
atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade.
[6] <https://www.who.int/neglected_diseases/mediacentre/WHA_34.25_
Eng.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2020.
[7] Water has an economic value in all its competing uses and should be
recognized as an economic good. Within this principle, it is vital to recognize first the basic right of all human beings to have access to clean water
and sanitation at an affordable price. Past failure to recognize the economic
value of water has led to wasteful and environmentally damaging uses of
the resource. Managing water as an economic good is an important way of
achieving efficient and equitable use, and of encouraging conservation and
protection of water resources.
[8] <https://www.un.org/geninfo/bp/enviro.html>. Acesso em: 15 fev.
2020.
[9] <https://www.un.org/esa/dsd/agenda21/>. Acesso em: 15 fev. 2020.
[10] <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>l Acesso em: 15
mar. 2020.
[11] <https://nacoesunidas.org/tema/ods6/>. Acesso em: 15 mar. 2020.
[12] YOUNG, R.. Do macro ao micro. Página, v.22, n.108, p.17, 2018.
127
Paradiplomacia Ambiental
[13]<https://www.eosconsultores.com.br/saneamento-basico-no-mundo/>. Acesso em: 03 fev. 2020. EOS é uma empresa especializada em desenvolvimento de software de gestão que atua nos segmentos de Saneamento
Básico e Meio Ambiente.
[14] 1.Water supply - standards. 2.Sanitation - trends. 3.Drinking water supply and distribution. 4.Program evaluation. I.World Health Organization. II.UNICEF. <https://files.unicef.org/publications/files/Progress_
on_Sanitation_and_Drinking_Water_2015_Update_.pdf>. Acesso em 01
mar. 2020.
[15] Progress on Sanitation and Drinking-Water”, 2015 – (OMS)/ UNICEF.
[16] Organização Mundial de Saúde 2015 (OMS) / Unicef.
[17]<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6063:quase-16-milhoes-de-pessoas-ainda-defecamao-ar-livre-na-america-latina-e-no-caribe&Itemid=839>. Acesso em: 03 fev.
2020.
[18] SILVA, B. B.. S586r. As relações de gênero e o saneamento [manuscrito]: um estudo de caso envolvendo três comunidades rurais brasileiras /
Bárbarah Brenda Silva. –2017.
[19] Empresa Ética Ambiental <https://etica-ambiental.com.br/empresa-de-consultoria-ambiental/>. Acesso em 02 mar. 2020.
[20] <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/pesquisa7/
pesquisa7.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2020.
[21] <http://www.funag.gov.br/ipri/images/analise-pesquisa/tabelas/top15pib.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2020.
[22] Pnud, noticiado pela Rede Brasil: <https://www.redebrasilatual.com.
br/cidadania/2019/12/brasil-idh-2018/>. Acesso em: 03 mar. 2020.
[23] <http://www.tratabrasil.org.br/blog/2019/07/16/investimentos-necessarios-para-universalizacao-do-saneamento/>. Acesso em: 10 fev. .2020.
[24] <http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/ranking_2020/
Relatorio__Ranking_2020_18.pdf >. Acesso em: 02 abr. 2020.
[25] 2019 <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/
pib-do-estado-de-sao-paulo-cresceu-25-em-2019>. Acesso em: 03 fev. 2020.
[26]<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/data/rawData/Radar%20
IDHM%20PNADC_2019_Book.pdf> Acesso em 25.01.20207y=[´->.
[27] Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística População
de São Paulo.
[28] RANKING DO SANEAMENTO INSTITUTO TRATA BRASIL 2020
(SNIS 2018).
128
Falta de saneamento
[29] <http://www.tratabrasil.org.br/estudos/estudos-itb/itb/ranking-do-saneamento-2020>. Acesso em 02 abr. 2020.
[30] TALAMINI, G.; BURCHARD, A. (2018). SFD Report - São Paulo,
Brasil (Portuguese and English) - SFD Promotion Initiative. GFA Consulting Group GmbH, Hamburg, Germany.
[31]<http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-14934-de-18-de-junhode-2009/consolidado>. Acesso em: 03 abr. 2020.
[32] < https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/habitacao/arquivos/PMSB_Volume_I.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2020.
[33]<https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2020.
[34] <https://wriorg.s3.amazonaws.com/s3fs-public/untreated-and-unsafe.
pdf >. Acesso em 02 abr. 2020.
[35] 2017
[ 3 6 ] < h t t p s : / / w w w. s u s a n a . o r g / _ r e s o u r c e s / d o c u m e n t s / d e fault/3-3469-7-1541608080.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2020.
[37]<https://amazonasatual.com.br/no-amazonas-70-dos-municipios-nao-tem-politica-de-saneamento/>. Acesso em: 03 abr. 2020.
[38]<http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/perdas-2018/
press-release.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2020.
129
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA: O PAPEL DA
IMPLEMENTAÇÃO DAS METAS DO ODS 7.
ANEEL
NA
Maria Aparecida dos Santos Accioly1
Antonio Carlos dos Santos Baltazar2
ODS 7 - Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos.
Meta 7.3 - Até 2030, dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética.
INTRODUÇÃO
A
Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, autarquia de regulação
e fiscalização dos serviços de energia elétrica sob concessão federal,
define os fundamentos legais, os objetivos e as diversas etapas do Programa de
Eficiência Energética – PEE, cujas instruções devem ser seguidas pelas distribuidoras de energia elétrica. De acordo com o estabelecido na legislação específica,
em particular a Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, as empresas concessionárias ou permissionárias de distribuição de energia elétrica devem aplicar um
percentual mínimo da receita operacional líquida – ROL – em Programas de
Eficiência Energética. (ANEEL, 2018)
O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 7 – ODS 7 – “Assegurar o
acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”,
enuncia a meta 7.3: “Até 2030, dobrar a taxa global de melhoria da eficiência
energética”. O Plano Nacional de Energia 2030 – PNE 2030 aponta que o indicador de eficiência energética proposto pela ONU é inviável. Em função da
preparação do PNE 2050 estar em andamento, optou-se pela redação da meta:
“Até 2030, aumentar a taxa de melhoria da eficiência energética da economia
brasileira”. (IPEA, 2019)
O objetivo do capítulo é destacar uma política pública, que apesar de não
fazer referência aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, se enquadra-se como uma atuação dos governos subnacionais, demonstrando que há bons
Engenheira Eletricista. Doutora. em Sistemas de Energia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP). Professora na Universidade Católica de Santos.
2
Engenheiro Eletricista e Professor de Matemática. Mestre em Planejamento Energético pelo
Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP). Professor na Universidade Católica de Santos.
1
130
Eficiência energética
exemplos a serem seguidos a fim de atingir os objetivos estabelecidos.
O presente capítulo aborda conceitos relacionados à energia, eficiência
energética e conservação de energia. Em seguida analisa o quadro geral da eficiência energética no Brasil e no mundo, com foco na energia elétrica. Aborda
também o papel do poder público no desenvolvimento do potencial para implementação de ações de eficiência energética no Brasil.
A CPFL Piratininga, em 2018, em conjunto com a Prefeitura da cidade de
Santos, substituiu através do Programa de Eficiência Energética, a tecnologia
das lâmpadas das escolas públicas do município, por tecnologia de iluminação
LED. O artigo se propõe a analisar, a partir do investimento executado, o número de lâmpadas substituídas, suas características, consumo anterior e posterior e
consequente economia de energia elétrica com a substituição da tecnologia de
iluminação e como foi executado o descarte das lâmpadas.
Nesse contexto os aspectos analisados serão cotejados com dados dos indicadores de eficiência energética nacionais, a fim de estabelecer uma relação de
causa e efeito da importância do Programa de Eficiência Energética administrado pela Aneel fazendo alusão aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
1. Energia e Eficiência Energética
Energia é um conceito que apresenta múltiplos aspectos: física – lei da conservação da energia; técnica e econômica – caráter prático ligado à produção e
ao consumo; senso comum – a energia é frequentemente confundida com força e potência e raramente é associada ao calor, por exemplo. Cientificamente,
energia é um conceito bem diferenciado dos de força e potência. O calor é uma
das formas que a energia assume. A ideia hoje dominante de energia no senso
comum é aquela associada à chamada crise energética. No cotidiano energia é
algo que se paga nas contas de luz – medida em kWh (quilowatt.hora) ou no
combustível que se utiliza nos carros ou ainda no gás utilizado nas residências.
A eficiência energética pode ser considerada um recurso disponível, tão
grande quanto aqueles conhecidos: hidráulica, petróleo, carvão etc que exige
investimento, tecnologia e planejamento para que seja utilizada. (JANNUZZI,
2015)
Pode ser definida como o trabalho útil produzido por unidade de energia
em determinada conversão energética de um processo. Toda conversão energética tem um custo termodinâmico e a eficiência é a razão entre a energia
requerida no processo e aquela efetivamente utilizada. Quanto mais próximo
da unidade for esta razão, mais eficiente é o processo:
Eficiência energética (%) =
energia útil
x100
Insumo energético
131
Paradiplomacia Ambiental
Um programa de eficiência energética consiste em reduzir o consumo de
energia, mantendo-se a qualidade do uso final, fruto da conversão energética.
Esta redução é um importante instrumento de política pública que objetiva
reduzir a emissão de gases efeito estufa e melhora nos padrões econômicos.
Outra forma de indicar a eficiência de um sistema é o conceito de intensidade
energética, ou seja, a quantidade de energia necessária para produção de uma
unidade de produto ou serviço. Entretanto, não será utilizado este conceito
porque uma baixa intensidade energética não significa necessariamente uma
alta eficiência energética, já que há dependência de outros fatores como: estrutura da economia, características geográficas, clima, condições meteorológicas
e taxa de câmbio. Cabe ressaltar que eficiência energética não deve ser confundida com conservação de energia, pois não está necessariamente relacionada
à substituição de tecnologias, mas, sim, a um conjunto de decisões que envolvem mudanças de hábitos de consumo e política de investimentos em eficiência
energética. (MARTÍNEZ, 2019)
2. O potencial para ações de eficiência energética no Brasil
De acordo com o Plano Nacional de Energia Elétrica 2030 – PNE 2030 –
os cenários de crescimento do consumo de energia elétrica entre 2005 e 2030
seguem uma tendência de aumento (BRASIL, 2007), portanto, o potencial para
ações de eficiência energética é bastante significativo.
Em 2018 a população brasileira era de 209.321 mil habitantes; o consumo
de eletricidade foi de 474.820 GWh distribuídos por 83.682 mil consumidores,
sendo 72.081 mil residenciais. (BRASIL, 2019)
A partir do fluxo de energia elétrica do Balanço Energético Brasileiro –
BEN – 2019 (dados de 2018) pode-se caracterizar o consumo de energia elétrica
dos vários setores da economia – figura 1 – que podem ser comparados à matriz
elétrica brasileira – figura 2.
Figura 1: Consumo de energia elétrica. Fonte: BEN 2019
132
Eficiência energética
Figura 2 – Matriz elétrica brasileira. Fonte: EPE 2019
A Agência Internacional de Energia – AIE – qualifica a eficiência energética
de “the first fuel”3, o recurso energético mais abundante que os países possuem.
(IEA, 2019) De acordo com a AIE o uso de energia e o desenvolvimento econômico têm estado em descompasso, já que o PIB mundial duplicou no período
de 1990 a 2017, enquanto o fornecimento de energia primária cresceu 59% no
período.
A eletricidade tem sido o motor das economias modernas em função do
aumento da demanda com a eletrificação do transporte, uso de dispositivos
digitais e condicionamento ambiental. (IEA, 2019) Uma das principais razões
pelo recorde das emissões globais de CO2 em 2018 é o aumento da demanda
por eletricidade. (IEA, 2019)
Historicamente, a demanda por energia foi atendida pelo aumento da oferta. A crise da energia do final do século XX introduz o planejamento de recursos
e a eficiência energética é uma das ferramentas à disposição.
O potencial de conservação de energia pode ser de caráter tecnológico, com
a substituição de equipamentos ou tecnologias, ou a partir da mudança de hábitos de consumo. A EPE caracteriza o potencial de conservação de energia do
ponto de vista técnico, econômico e de mercado. O potencial de mercado traz
redução de custos para o usuário; o potencial econômico é aquele que pode ser
viabilizado a partir do contorno das restrições econômicas; o potencial técnico
é estabelecido pelo limite teórico das tecnologias existentes. (BRASIL, 2007)
133
Paradiplomacia Ambiental
O Plano Nacional de Energia 2030 – PNE 2030 – reconhece dois tipos de
movimento. O progresso autônomo seria devido à dinâmica natural do aumento da eficiência em função da reposição tecnológica natural (término de vida
útil, questões ambientais etc) ou motivadas por programas e ações de conservação de energia existentes. O progresso induzido devido a programas específicos
orientados para setores específicos e reflexos de políticas públicas. Ainda, de
acordo com o PNE – 2030, a conservação induzida é aquela considerada no
consumo de energia elétrica. (BRASIL, 2007)
O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica – PROCEL – é
um programa criado em 1985 pelo governo federal com objetivo de promover o
uso eficiente da energia elétrica. Junto ao Programa Brasileiro de Etiquetagem –
PBE – estima-se o total de energia elétrica conservada no período 1996-2003 em
14.859 GWh. Esses valores são referentes ao consumo final. (BRASIL, 2007)
A Empresa de Pesquisa Energética – EPE – indica o potencial de conservação de energia elétrica até 2030, considerando o consumo final de acordo com
a tabela 1.
Tabela 1: Potenciais de Eficiência Energética até 2030
Setor
Industrial
Comercial e Público
Residencial
Total
Técnico
20%
13%
7%
40%
Econômico Mercado
10%
6%
6%
4%
3%
1%
20%
10%
Fonte: PNE – 2030
Pesquisa desenvolvida pela Abesco – Associação Brasileira das Empresas de
Serviços de Conservação de Energia – sobre o potencial de eficiência energética
no Brasil, no período 2008-2016, demonstra que foram desperdiçados 143.647
GWh, o que equivaleria a 1,4 vezes a produção de energia elétrica na usina hidroelétrica de Itaipu no ano de 2016. (ABESCO, 2016)
Institucionalmente, o Estado tem papel importante na coordenação das
ferramentas disponíveis. No Brasil a Lei Nº 10.295, de 17 de outubro de 2001
dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia.
Relativamente à energia elétrica, a Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica – é responsável pela regulamentação e fiscalização do Programa de Eficiência Energética – PEE – criado pela Lei nº 9.991 de 2000. O PEE determina
que as concessionárias e permissionárias de serviços públicos de distribuição de
energia elétrica apliquem, anualmente, de acordo com cláusula específica dos
134
Eficiência energética
contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, o valor equivalente a
0,50% (zero vírgula cinquenta por cento) de sua receita operacional líquida anual no desenvolvimento de programa para o incremento da eficiência energética
no uso final de energia elétrica, através de projetos executados em instalações
de clientes.(ANEEL, 2018) O objetivo do PEE é potencializar a melhoria da
eficiência energética nos usos finais de energia elétrica, maximizando os efeitos
públicos da demanda evitada, a partir da substituição de tecnologia, mudança
de hábitos e práticas de consumo.
Todos os clientes das áreas de concessão de cada uma das 54 distribuidoras
no Brasil podem apresentar propostas de projetos. Os clientes podem ser representados por empresas especializadas em eficiência energética.
As Concessionárias distribuidoras apresentam anualmente Chamadas Públicas de Projetos seguindo regras estabelecidas pela Aneel. Os projetos devem
apresentar cláusula de desempenho, de acordo com os Procedimentos do Programa de Eficiência Energética – PROPEE – e Guia de Medição e Verificação
para o Programa de Eficiência Energética Regulado pela ANEEL e demais regulamentos. Os projetos de Eficiência Energética classificados como Poder Público, Serviços Públicos, Iluminação Pública, instituições filantrópicas, assistenciais, e casos excepcionais que sejam autorizados pela Aneel não são obrigados
a firmar Contrato de Desempenho.
A Chamada Pública estabelece os montantes financeiros disponíveis para
a apresentação dos projetos. Para o ano de 2020 o grupo CPFL Energia disponibilizou R$ 54.660.000,00 para as distribuidoras do grupo. Os projetos apresentados com exigência de desempenho têm os recursos antecipados e depois
reembolsáveis à Concessionária, sem juros e correções anuais pelo índice de
inflação do governo (IPCA). No caso dos projetos sem cláusula de desempenho,
os recursos são a fundo perdido.
A proposta de projeto apresentado à Chamada Pública sofre uma avaliação
técnica considerando um diagnóstico energético e critérios de medição. A Aneel estabelece como principal critério para avaliar sua viabilidade econômica, de
acordo com os critérios estabelecidos pelo PROPEE, a relação custo-benefício
proporcionada – RCB – estabelecida entre os custos e benefícios totais de um
projeto, considerando-se sua vida útil e taxa de desconto. (ANEEL, 2018)
A avaliação dos cálculos da RCB deve atender a parâmetros mínimos. A
viabilidade de um projeto de eficiência energética é analisada positivamente se
o benefício alcançado for maior do que o custo da expansão do sistema elétrico.
De acordo com o PROPEE a RCB deve ser igual ou inferior a 0,8, ou seja, o
custo marginal de expansão do sistema deve ser no mínimo 25% maior que o
custo do projeto. Os Contratos de Desempenho Energético, que contemplam
compromissos de pagamentos futuros, a RCB deve ser menor ou igual a 0,9. Os
135
Paradiplomacia Ambiental
projetos de Fontes Incentivadas a RCB deve ser menor ou igual a 1,0 (ANEEL,
2018)
O Edital da Chamada Pública NP/PEE-CPFL Energia_001/2019 estabelece que os projetos que beneficiam clientes na modalidade de projeto a fundo
perdido e bônus devem apresentar uma RCB menor ou igual a 0,75; clientes
na modalidade contrato de desempenho a RCB deve ser menor ou igual a 0,85;
projetos que envolvem fontes incentivadas deve ser 0,95. (CPFL, 2019)
Faz parte do diagnóstico energético uma avaliação ex ante, ou seja, os valores
de projeto são estimados levando em consideração curvas típicas, hábitos de
consumo, cálculos de engenharia. A partir da execução do projeto é exigida
uma avaliação ex post, ou seja, medições e verificações dos valores apresentados
durante a fase de diagnóstico a fim de determinar a eficiência energética das
ações planejadas. (ANEEL, 2018)
3. Chamada Pública
O projeto apresentado neste capítulo visava atender modificações na iluminação de prédios públicos na área de concessão da CPFL Piratininga. O capítulo analisará a substituição da tecnologia de iluminação nas escolas da rede
municipal de ensino de Santos. A fonte dos dados utilizados são: “Relatório
Final: Projeto PRJ0046 Iluminação em Prédios Públicos” (ANEEL, 2019a) e
“Programa de Eficiência Energética – Relatório de Medição e Verificação – Projeto PRJ0046 Iluminação em Prédios Públicos” (ANEEL, 2019b). A partir dos
Relatórios foram destacados os dados referentes às escolas municipais. Foram
destacados os dados referentes à identificação da Unidade Municipal de Educação – UME, todas na cidade de Santos e energia economizada – EE, conforme
tabela 2.
Tabela 2: Energia Economizada
Cliente
UME COLÉGIO SANTISTA
UME AVELINO DA PAZ VIEIRA
UME OLAVO BILAC
UME AYRTON SENNA DA SILVA
UME PADRE LEONARDO NUNES
ESCOLA LUIZ CARLOS PRESTES
CRECHE PROF SANDRA CRISTNA TEXEIRA
ESCOLA MARlA HELENA ROXO
PROFESSORA EMÍLlA MARlA REIS
DOUTOR ALCIDES LOBO VlANA
UME BARÃO DO RIO BRANCO
UME OLI\/lA FERNANDES
UME GENERAL CLOVIS BANDEIRA BRASIL
ESCOLA DONA YARA NASCIMENTO SANTINI
136
Resultados Energéticos
EE(MWh/ano )
95,715648
26,670000
50,307264
16,254000
68,741568
19,946304
12,065760
15,228864
33,693408
12,277440
58,768416
19,408032
30,457728
10,142496
Eficiência energética
ESCOLA DONA YARA NASCIMENTO SANTINI
ESCOLA GEMMA RABELLO
ESCOLA JOSE BONIFACIO
UME VER. JOAO IGNACIO
UME JOAO WALTER S SMOLKA
UME ANIZIO D BENTO
UME DR SAMUEL AUGUSTO LEAO MOURA
UME PROF MARlA DE LOURDES B BERNAL
UME MARlA CARMELITA VILLAÇA
UME I\/ETA MESQUITA NOGUEIRA
UME DR PORCHAT DE ASSIS
UME IRMAO JOSE GENESlO
UME PEDRO SEGUNDO
UME LEONOR MENDES DE BARROS
UME PEDRO CRESCENTI
UME PADRE LUClO FLORO
UME ANDRADAS II
UME MARlA LUIZA ALONSO SILVA
UME ELZA VIRTUOSO
UME NELSON TOLEDO PIZA
UME LIDlA FREDERITH
UME MARlA LUIZA SOUZA RIBEIRO
UME ANTONIO PASSOS SOBRINHO
UME JOAO PAPA SOBRINHO
UME ANTONIO DEMOSTENES DE SOUZA BRITTO
UME EUNICE CALDAS
UME MAGALI ALONSO
UME THEREZINHA DE JESUS SQUEIRA
CRECHE REGINA ALTMAN
UME DR DEROSSE JOSE DE OLIVEIRA
UME OSWALDO JUSTO
CRECHE DR LUIZ LOPES
UME JOSE DE SA PORTO
UME FERNANDO COSTA
UME JOSE CARLOS DE AZEVEDO JR
UME JOSE DA COSTA BARBOSA
UME FLORESTAN FERNANDES
UME AUXILlA.DORA DA INSTRUÇÃO
UME ANDRADAS II
UME RUBENS LARA
UME CLAUDlA. HELENA DOS SANTOS
UME MÁRIO ALCÂNTARA
UME EDMÉA LADEVIG
TotalFonte: ANEEL,
2019a
10,142496
16,777152
19,988640
25,945920
9,525600
22,432032
17,998848
45,372096
65,657088
33,499872
28,637280
24,240384
64,592640
38,029824
76,108032
34,225632
75,243168
47,966688
7,380000
3,725568
14,360000
9,870000
33,600000
33,600000
18,790000
16,930000
14,900000
11,740000
10,050000
12,170000
33,260000
4,140000
4,147920
0,811440
0,780192
0,846720
1,159200
1,159200
0,403200
0,811440
2,656080
1,708560
0,609840
1.355,53
O total de energia economizada pelo projeto como um todo foi de 2.397,13
MWh/ano. A economia nas escolas foi de 1.355,53 MWh/ano. A RCB global
foi 0,38; taxa de desconto de 8% e tempo de vida útil médio de 12,53 anos para
as lâmpadas de tecnologia LED. (ANEEL, 2019a)
A emissão de CO2 evitada foi estimada em 185 toneladas, para todo o projeto. O custo total do projeto foi de R$ 2.953.930,43, sendo o valor anualizado
de R$ 391.909,28. O relatório final não discrimina os custos por etapa.
O descarte dos materiais e equipamentos seguiu as regras da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010 e do Conselho
Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. (ANEEL, 2019a)
137
Paradiplomacia Ambiental
De acordo com o relatório disponibilizado pela Aneel, projetos de substituição de tecnologias de iluminação são importantes para os clientes, em especial
aqueles do Poder Público. Projetos para este uso final poderiam ser planejados
em grande escala. Os ganhos em eficiência energética, bem abaixo daqueles estabelecidos pelo órgão regulador, demonstram que ações de eficiência energética em sistemas de iluminação apresentam grande viabilidade técnica. (ANEEL,
2019a)
4. Conclusão
O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 7 – ODS 7 – “Assegurar o
acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”,
cuja meta 7.3 enuncia: “Até 2030, dobrar a taxa global de melhoria da eficiência
energética”, que no Brasil optou-se pela redação: “Até 2030, aumentar a taxa de
melhoria da eficiência energética da economia brasileira”. Este capítulo destaca
a eficiência energética do recurso energia elétrica.
A aplicação de parte da receita operacional líquida das concessionárias de
distribuição de energia elétrica é uma política pública, com grande potencial de
redução da oferta de energia elétrica. Esta redução da oferta implica na redução da exploração de recursos naturais e das emissões de CO2. Entretanto, em
nenhum dos documentos que orientam sua aplicação a relacionam à questão
dos ODS.
Ao lado do Procel o PEE, gerenciado pela Aneel, é um dos principais instrumentos para aumento da eficiência energética. De acordo com o Ministério das
Minas Energia – MME e a EPE, o PEE é a principal fonte de recursos para que
as metas de eficiência energética, propostas pelo planejamento de curto, médio
e longo prazos para o setor energético nacional, sejam atingidas. Os dados apresentados pelo relatório final do projeto em estudo demonstram sua viabilidade
econômica e técnica.
A economia de 1.355,53 MWh/ano nas escolas, uma fração de 56,5% do
total economizado pelo projeto, equivale ao consumo médio de 710 residências,
considerando consumo de 159,1 kWh/mês. (EPE, 2019) Das 185 toneladas
de CO2 evitadas para todo o projeto, não foi possível especificar a parcela referente às escolas atendidas. A RCB global de 0,38, foi muito superior à taxa de
0,75 estabelecida para a modalidade atendida. O Projeto total teve um custo
anualizado de R$ 391.909,28 e um benefício de R$ 1.027.917,66. A avaliação
econômica financeira, ou seja, a RCB global foi obtida:
ൌ
138
̈́͵ͻͳǤͻͲͻǡʹͺ
ൌ Ͳǡ͵ͺ
̈́ͳǤͲʹǤͻͳǡ
Eficiência energética
A Light Serviços de Eletricidade S.A., concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica em 31 municípios do estado do Rio de Janeiro, apresentou em dezembro de 2019 Chamada Pública de Projetos nas tipologias Poder
Público; Comercial e Serviços. Poderão concorrer escolas e creches municipais e
estaduais ou que tenham caráter filantrópico e sem fins lucrativos.
A diferença para esta modalidade de Chamada Pública é que ela é direcionada para escolas, sendo a primeira do tipo. As propostas de projetos devem
contemplar pelo menos dois usos finais, provavelmente, iluminação e conforto
ambiental, além da obrigatoriedade da inserção de geração de energia por fonte
incentivadas. Esta obrigatoriedade talvez traga maiores dificuldades na apresentação de projetos, em função das características de cada instalação, prejudicando a RCB. É um dado que precisa ser mais bem detalhado em um trabalho
específico.
São R$ 60.000.000,00 disponíveis, a fundo perdido, com projetos de no mínimo R$ 200.000,00. Todas as propostas devem conter iniciativa de treinamento da comunidade acadêmica para ações educativas sob o tema da sustentabilidade. Entretanto, o treinamento visa essencialmente a operação e manutenção
dos equipamentos, além de difundir conceitos de eficiência energética. O edital
estabelece um conteúdo mínimo para o conteúdo programático dessas ações:
i. Objetivos do PEE, executado pela Light e regulado pela ANEEL (observar
uso dos logos);
ii. Objetivos do projeto de eficiência energética executado;
iii. Dicas de economia de energia, segurança, prevenção de perdas por uso
inadequado de energia, tarifas, entre outras. (LIGHT, 2019)
O PROPEE apresenta uma tipologia: Projetos Educacionais que visam difundir o conceito de eficiência energética e desenvolvimento sustentável, promovendo a mudança de hábitos de consumo de energia. (ANEEL, 2018) Nessa tipologia de projeto, a concessionária é responsável pela seleção da rede de
ensino, que pode ser pública ou privada. Uma Chamada Pública de Projetos
específica também pode ser realizada.
O projeto de substituição da tecnologia de iluminação das escolas deveria
ser acompanhado de um programa de educação, que demonstrasse a importância da eficiência energética. Pode-se comparar os efeitos da tipologia Projetos
Educacionais e a exigência do edital da Light. O controle das metas e benefícios
do primeiro obedece objetivamente a critérios quantitativos: número de escolas,
professores e alunos envolvidos. A fiscalização verifica os seguintes pontos: material didático utilizado; escolas envolvidas, se pública ou privada; professores
capacitados; número de alunos envolvidos. Um critério interessante é o cadastro dos alunos envolvidos para avaliação de seu consumo residencial. O edital
139
Paradiplomacia Ambiental
da Light, apesar da exigência de treinamento e capacitação, tem seus custos
considerados no cálculo da RCB do projeto, ou seja, se detém na questão do
custo/benefício.
Os editais não abordam a questão dos ODS, denotando falta de coordenação de uma política pública que, como demonstrado, tem grande potencial. Há necessidade de que as ações do PEE se articulem com as diretrizes
governamentais para consecução da Meta 7.3 dos ODS. Uma crítica que deve
ser feita é a ausência de uma articulação maior entre os entes federativos. A
bibliografia consultada indica uma grande preocupação com a questão do financiamento para atingir as metas do ODS 7. Entretanto, não há referência aos
ODS nos instrumentos da Aneel. Por esta lacuna vale a pena salientar o potencial do poder público como vetor de projetos de eficiência energética.
REFERÊNCIAS
ABESCO – Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia. Potencial de Economia Setor – 2016 - Divulgação. Disponível
em:
<http://www.abesco.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Potencial-de-Economia-Setor-2016-Divulga%C3%A7%C3%A3o.pdf>.
Acesso
em: 09 abr. 2020.
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Procedimentos do Programa
de Eficiência Energética – PROPEE. Brasília, 2018.
______. RELATÓRIO FINAL PROJETO PRJ0046 ILUMINAÇÃO EM
PRÉDIOS PÚBLICOS. Campinas, fevereiro/2019a. Mimeografado.
______. PROGRAMA DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA – RELATÓRIO
DE MEDIÇÃO E VERIFICAÇÃO PROJETO PRJ0046 ILUMINAÇÃO EM
PRÉDIOS PÚBLICOS. Campinas, fevereiro/2019b. Mimeografado.
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2019 - ano base 2018. Rio de Janeiro, dezembro de 2019b.
______. Ministério de Minas e Energia. Plano Nacional de Energia 2030.
MME: EPE, 12 v., v. 11.: Eficiência Energética, Brasília, 2007.
EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2019.
Ano base 2018. Rio de Janeiro, 2019.
IEA – International Energy Agency. Electricity Information: overview.
(2019 edition). Disponível em: <https://webstore.iea.org/download/direct/2707?fileName=Energy_Efficiency_Indicators_2019_Highlights.pdf>.
Acesso em: 09 abr. 2020.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Cadernos ODS – ODS 7
- Assegurar o Acesso Confiável, Sustentável, Moderno e a Preço Acessível à Energia
140
Eficiência energética
Para Todos. O que mostra o retrato do Brasil? 2019.
JANNUZZI, G. M.. Eficiência Energética. In: Cadernos Adenauer xv (2014),
n. 3. Eficiência energética, p. 107-118. Rio de Janeiro: Fundação Konrad
Adenauer, janeiro 2015.
LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A.. Chamada Pública de Projetos CPP 003/2019. 2019. Disponível em: < http://www.light.com.br/grupo-light/Quem-Somos/eficiencia-energetica_chamada-publica.aspx>. Acesso em: 09 abr 2020.
MARTÍNEZ, D. M.; EBENHACK, B. W.; WAGNER, T. P.. Energy Efficiency: Concepts and Calculations. Elsevier. 2019.
141
ODS 08 - A IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO SUBNACIONAL DO
CRESCIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL. ANÁLISE DO
ODS 08 NO ESTADO DE SÃO PAULO.
Valéria Cristina Farias1
Fernando Rei2
ODS 8 - Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas
e todos.
INTRODUÇÃO
O
s Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos na
Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2015, na cidade de Nova York, fazem parte do documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”,
com vigência até 2030. Os ODS substituíram os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio (ODM), propondo uma tutela global, desenvolvida em 17 objetivos
e 169 metas, que preconizam a busca do desenvolvimento sustentável em três
dimensões: social, ambiental e econômica.
O presente trabalho pretende abordar, de forma específica, a implantação
do ODS 08, retratando a importância das contribuições subnacionais na indução do crescimento econômico sustentável e evoluindo para um estudo de caso
acerca da implementação no estado de São Paulo.
O ODS 08, que conclama a comunidade internacional a “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”, foi escolhido nesse estudo por
concentrar os pilares de sustentação do desenvolvimento social de qualquer
nação que pretenda formar uma sociedade justa, livre, solidária e consciente de
seus direitos.
Para desenvolver o debate, inicialmente, será realizada uma abordagem dos
aspectos que envolvem a economia e sua interação com o meio ambiente e
Procuradora do Estado de São Paulo; mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade
Metropolitana de Santos; doutoranda em Direito Internacional Ambiental pela Universidade
Católica de Santos; pós-doutoranda pela Universidade Católica de Santos, professora titular da
Universidade Paulista – campus Santos e da Escola Superior de Administração, Marketing e
Comunicação – campos Santos.
2
Professor Associado do Programa de Doutorado da Universidade Católica de Santos. Professor
Titular de Direito Ambiental da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP. Diretor Científico
da Sociedade Brasileira de Direito Internacional do Meio Ambiente- SBDIMA.
1
142
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
social, analisando-se conceitos relativos à economia para apresentar as nuances do crescimento econômico e do desenvolvimento sustentável. Em seguida,
analisaremos o que são políticas públicas de desenvolvimento sustentável e sua
importância para a modulação da economia tendente a estimular o respeito ao
meio ambiente e privilegiar a qualidade de vida da população.
Concentrando o estudo no seu objetivo central, que é demonstrar a atuação
subnacional na busca da sustentabilidade, a discussão passará a se concentrar
na importância da paradiplomacia e da localização dos ODS na indução da
economia para direcioná-la a um crescimento social inclusivo e comprometido
com o meio ambiente. No último tópico, a pesquisa fará uma análise pontual
das políticas públicas adotadas pelo estado de São Paulo na implementação da
ODS 08.
Pretende-se esboçar um ensaio acerca da possibilidade e importância dos
governos subnacionais auxiliarem na consecução dos ODS, como complementação à atuação nacional, máxime porque a Agenda 2030 é um documento que
reúne normas de soft law, sem caráter vinculativo. Para desenvolver a pesquisa
foi utilizado o método dedutivo, através de pesquisa bibliográfica, documental
e levantamento de dados estatísticos.
1. ODS 8: CRESCIMENTO ECONÔMICO INCLUSIVO E
SUSTENTÁVEL
Desde Adam Smith a economia sustenta que o crescimento econômico é
um dos principais fatores para o desenvolvimento econômico de um país e que
a riqueza pode decorrer do trabalho ou da transformação de recursos extraídos
da natureza em produtos desejados pelas pessoas (CECHIN, 2010, pag. 29).
A revolução industrial e a evolução dos processos tecnológicos, no entanto,
demonstraram que nem sempre a concentração de riqueza de um país reverte
no modelo de crescimento econômico aspirado pelo Homem, cuja expectativa
é qualidade de vida e não somente a acumulação de capital.
O crescimento econômico, se não direcionado, pode gerar externalidades
negativas como a desigualdade social, o desemprego, o aumento da pobreza, a
marginalização, a degradação ambiental, entre outras, porque enquanto foca na
acumulação de rendas, o desenvolvimento social visualiza o bem estar da população (MASCARENHAS, 2008, pag. 30). Percebe-se que a lógica do crescimento econômico é quantitativa, no sentido de priorizar a acumulação de renda,
enquanto o desenvolvimento social segue uma lógica qualitativa para buscar
melhoria na qualidade de vida, conferindo dignidade ao Homem (DALY, 1992,
pag. 334). Assim, enquanto o “crescimento significa ficar maior”, “o desenvolvimento se verifica quando as coisas ficam melhores” (MOURA, 2012, pag. 32).
143
Paradiplomacia Ambiental
As discussões internacionais que se pautaram no tema desenvolvimento
econômico das nações e direitos humanos passou a incorporar um plus ao debate, para associar o crescimento econômico à necessidade de respeito ao meio
ambiente como forma de garantir a perpetuação da sua qualidade para as gerações futuras e buscar não somente a melhoria da qualidade de vida mas uma
vida com dignidade, ampliando o conceito de desenvolvimento sustentável para
enxergá-lo como um direito humano, um direito e garantia individual da pessoa
humana.
No âmbito das Nações Unidas, inicialmente se idealizaram os 8 Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vigoraram entre 2000 e 2015 e,
em 2015, na Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Nova
York, foram estabelecidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
que fazem parte do documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda
2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, com vigência até 2030.
A diferença básica entre os ODM e os ODS é que os primeiros se propunham a conclamar o mundo a empreender esforços para a eliminação da
extrema pobreza e da fome no planeta, conferindo uma tutela direcionada aos
países menos desenvolvidos. A Agenda 2030 propõe uma tutela global, reunindo normas de soft law, sem caráter vinculativo, desenvolvidas em 17 objetivos
e 169 metas, que preconizam a busca do desenvolvimento sustentável em três
dimensões: social, ambiental e econômica, “sendo que a sustentabilidade reside
exatamente no ponto de convergência entre estas três dimensões”(SILVEIRA e
PEREIRA, 2018.).
Para se entender o conteúdo e extensão das ODS é necessário delimitar o
conceito, o alcance e a natureza jurídica do termo desenvolvimento sustentável.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apresenta
o desenvolvimento sustentável como aquele que “procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de
satisfazerem as suas próprias necessidades”3, impondo uma convergência dos
aspectos econômicos e de tutela ambiental no sentido de perseguir e garantir a
dignidade da pessoa humana (aspecto social). O elo de convergência das dimensões do desenvolvimento sustentável, portanto, é o ser humano, que confere
uma visão antropocêntrica ao termo.
Não há como ignorar que o crescimento econômico é perseguido como
uma aspiração normal e quase intuitiva da humanidade, mas se analisado sob a
ótica da sustentabilidade, ao invés de vilão e responsável por boa parte das mazelas sociais, pode funcionar como instrumento valioso de garantia e ampliação
das condições de vida do Homem na Terra.
A possibilidade de compatibilizar o crescimento econômico aos valores
3
Relatório Brundtland, 1987.
144
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
sociais, conferindo dignidade à pessoa humana, permite conceber o direito ao
desenvolvimento sustentável como uma garantia fundamental, um verdadeiro
“princípio compromisso”, que impõe à comunidade internacional esforços para
buscar o crescimento econômico com moderação, observando-se os pilares da
sustentabilidade (GILLROY, 2006).
Mas qual seria o sentido de dignidade da pessoa humana? A dignidade é
um conceito bastante subjetivo e pode variar de acordo com a cultura, o grau de
riqueza do país e a evolução da tecnologia.
Moraes (2005, pag. 129) sustenta que:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e
moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente
na autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte
das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de
modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre
sem menosprezar a necessária estima que merecem todas
as pessoas enquanto seres humanos.
Na esfera jurídica interna, a dignidade da pessoa humana foi prevista no texto constitucional como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo
1º., inciso III, da Constituição Federal), instrumentalizado no piso vital mínimo
de direitos sociais elencados no artigo 6º., tidos como indispensáveis à sobrevivência com dignidade (FIORILLO, 2013, pag. 190). Nesse sentido, o acesso à
educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade, proteção à infância e assistência aos
desamparados são direitos que precisam ser positivados pelo Estado, a fim de
materializar o quão previsto pela ordem constitucional.
A dificuldade na consecução da dignidade da pessoa humana, no mundo
contemporâneo, não reside no aspecto teórico e sim no plano prático, no sentido de encontrar novos e melhores meios de efetivação para promoção e proteção dos direitos indispensáveis e, para tanto, existe um abismo burocrático que
transcende meramente o campo jurídico, gravitando no universo das políticas
públicas.
O desenvolvimento sustentável é “um processo de mudança, no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do
desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e
reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades
humanas” (GUARDIA, 2006, p. 135), sendo, portanto, um processo social e
coletivo. Nesse sentido, acaba sendo dependente de um conjunto eficiente de
145
Paradiplomacia Ambiental
políticas públicas, que não pode ser construído exclusivamente pelo Poder Público, sua efetivação depende de uma conjugação de forças em que a participação da sociedade é de enorme valia, ora controlando as decisões políticas, ora
induzindo uma atuação estatal concreta, ora cobrando resultados positivos ou
simplesmente assumindo sua responsabilidade social de solidariedade, porque
também as atividades sociais privadas deverão se submeter a essas mesmas políticas (MACHADO, 2003, pag. 116).
Os ODS, idealizados e materializadas como objetivos e metas reais e de aplicação global, podem contribuir para induzir e direcionar políticas públicas de
desenvolvimento sustentável e efetivação da dignidade da pessoa humana, por
despertar internacionalmente o reconhecimento de diversos direitos humanos
indispensáveis ao enfrentamento da pobreza como uma mazela social que deve
ser extirpada.
O ODS 8, que é o objeto central do presente trabalho, se propõe a “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego
pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”. Ele concentra em si
os pilares de sustentação do desenvolvimento social de qualquer nação que pretenda formar uma sociedade justa, livre, solidária e consciente de seus direitos.
Existe uma interdependência lógica entre a falta de oportunidade de emprego, desigualdade de renda e exclusão social. A falta de emprego digno propicia
a baixa ou inexistente qualificação profissional, porque dificulta o investimento
pessoal em estudo e alimenta um círculo vicioso de desigualdade.
O crescimento econômico, por si só, exige cada vez níveis mais altos de produtividade e inovação tecnológica, de tal forma que se as políticas públicas não
forem direcionadas para diminuir o gargalo existente entre a baixa qualificação
profissional e as exigências do mercado de trabalho, a tendência é a linha de
pobreza aumentar cada vez mais.
Quem não se qualifica profissionalmente está cada vez mais à margem das
oportunidades laborais dignas, contentando-se com subempregos e cada vez
mais vulnerável socialmente.
Além disso, o Brasil possui um bônus demográfico, ou seja, a quantidade de
pessoas em idade ativa, aptas a trabalhar, é maior do que a parcela de pessoas em
idade não produtiva (como idosos, crianças). Isso pode representar um benefício ou um problema em termos econômicos. Se por um lado um número maior
de força tarefa pode possibilitar o aumento da produtividade e crescimento econômico, por outro lado a não absorção dessa parcela populacional no mercado
de trabalho, seja por conta da inexperiência, pouca qualificação profissional ou
pouca maturidade, pode elevar as taxas de desemprego4.
Conteúdo de entrevista concedida por Cimar Azeredo, especialista em Mercado de Trabalho
e pesquisador do IBGE responsável por coordenar as estatísticas ligadas a trabalho no ODS 8.
Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noti-
4
146
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
Como forma de perseguir o crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável, a meta 8.3 recomenda a promoção de “políticas orientadas para o
desenvolvimento que apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação, e incentivar a formalização
e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do
acesso a serviços financeiros”.
Percebe-se que o sistema econômico está incluído em um sistema muito
maior, na medida que depende e impacta o meio ambiente, bem como interage
com os fatores que promovem o desenvolvimento social, necessitando da intervenção estatal para reduzir as externalidades negativas (MUELLER, 2007. p.
11-12), intervenção essa que será realizada através de políticas públicas, objeto
de estudo do próximo tópico.
2. POLÍTICAS
SUSTENTÁVEL
PÚBLICAS
DE
DESENVOLVIMENTO
Embora o conceito não tenha sido construído sob o olhar da sustentabilidade, Adam Smith, em 1776, já defendia que:
“A Economia Política, considerada como um setor da ciência própria de um estadista ou de um legislador, propõe-se
a dois objetivos distintos: primeiro, prover uma renda ou
manutenção farta para a população ou, mais adequadamente, dar-lhe a possibilidade de conseguir ela mesma tal
renda ou manutenção; segundo, prover o Estado ou a comunidade de uma renda suficiente para os serviços públicos. Portanto, a Economia Política visa a enriquecer tanto
o povo quanto o soberano”. (SMITH, 1776, pag. 406)
Como o desenvolvimento sustentável é um direito e garantia individual
a ser positivado pelo Estado e considerando que o crescimento econômico é
indispensável para dar subsídios ao desenvolvimento social, será por meio de
políticas públicas que o Estado tentará regular a economia, para que caminhe
em harmonia com o meio ambiente, a busca da justiça e a igualdade social.
Segundo Bucci (2002, pag. 259), política pública é um “processo de escolha
dos meios para a realização dos objetivos do governo”, que permite concluir que
uma política pública de desenvolvimento sustentável poderia ser conceituada
como um processo de escolha dos meios necessários para modular a economia
no sentido de interagir positivamente com o meio ambiente e o desenvolvimento social.
Sob o prisma econômico, a interferência estatal nos rumos da economia
cias/noticias/19743-ods-8-crescimento-economico-sustentavel-e-trabalho-digno >. Acesso em 11
abr 2020.
147
Paradiplomacia Ambiental
não é vista com bons olhos. A teoria da nova economia institucional defende a
mínima participação estatal na economia, acreditando que crescimento econômico e desenvolvimento social dependem das liberdades de mercado (KUPFER
e HASENCLEVER, 2002, p. 545-567).
Para não colocar em risco a livre iniciativa, princípio adotado pelo texto
constitucional como pilar do sistema econômico brasileiro (artigo 170, da Constituição Federal), o Estado precisa ser cauteloso na escolha dos instrumentos
utilizados para regular e induzir os comportamentos produtivos e individuais
da coletividade, levando em consideração que uma política pública eficiente
é aquela que modula discretamente a economia, respeitando as liberdades de
mercado (FARIAS, 2015).
Saber conjugar a internalização das externalidades econômicas é o grande
desafio da inter-relação entre a Economia e o Direito. O termo econômico externalidade representa as falhas decorrentes do desenvolvimento econômico e
que afetam, de forma positiva ou negativa, o mercado ou a sociedade. Existe
externalidade positiva quando o mercado ou sociedade são beneficiados pela
economia e externalidade negativa quando a sociedade ou outro agente (pode
ser outro ramo de atividade econômica, inclusive) é prejudicado pelas liberdades do mercado.
Quando as externalidades são positivas, a tendência é que não haja qualquer intervenção. No entanto, quando as externalidades são negativas, as políticas públicas surgem como uma opção para diminuir ou aniquilar seus efeitos
(SCANTIMBURGO, 2011, pag. 67).
A externalidade é um fenômeno que pode acontecer entre consumidores, entre firmas ou entre combinações de
ambos. Quando as externalidades são positivas, os recursos são sublocados à fonte da externalidade, ou seja, os
agentes passivos nunca ficam satisfeitos, preferindo sempre mais a menos externalidade. Já quando são negativas,
os recursos são sobrealocados à fonte, ou seja, o agente
que sofre a externalidade prefere sempre menos a mais.
(COSTA, p. 307, 2005).
No presente estudo, verificamos no tópico anterior que desenvolvimento
não é sinônimo de crescimento econômico, porque nem sempre observa as
dimensões sociais e ambientais, gerando externalidade sociais negativas.
O desenvolvimento sustentável exige a interação das dimensões econômicas, sociais e ambientais, porque debruça na observância da dimensão humana,
visão mais moderna da democracia social e política. “São mudanças a serem
construídas de forma dinâmica e que remetem a um projeto estratégico e articulado entre as várias políticas de Estado e a sociedade. Não existe um modelo
148
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
pronto e acabado para alcançar os fins almejados, mas um processo suportado
pela realidade política e social em mutação” (KHAIR, 2009, pag. 59-70).
Por configurar um direito fundamental, exige uma atividade prestacional
positiva por parte do Estado (MOURA, 2012, pag. 36), que será concretizada
pela via das políticas públicas, no presente caso, políticas públicas de desenvolvimento sustentável.
As políticas públicas de desenvolvimento sustentável serão aquelas que atrelam os elementos do processo de crescimento econômico a apropriação efetiva
de direitos fundamentais relativos à dignidade. Não podem ser instrumentos
paternalistas, compostos por um conjunto de pacotes sociais que limitam a capacidade do cidadão e o tornam eternamente dependente da supressão estatal
de suas necessidades básicas. Ao contrário, precisam eliminar ou pelo menos
restringir as externalidades que comprometam as escolhas e oportunidades dos
agentes e permitir que encontrem no meio social em que vivem, condições de
perseguir os meios próprios para atingir dignidade.
Se analisarmos a classificação das políticas públicas ambientais, veremos
que podem ser divididas em três grupos: os instrumentos de comando-e-controle, os instrumentos econômicos e os instrumentos de comunicação. Como as
políticas de desenvolvimento sustentável nada mais são do que modalidades de
políticas ambientais, as características são comuns, podendo ser absorvidas no
presente caso.
Os instrumentos de comando e controle (ou sistema regulatório) manifestam-se por meio de comando legal que não oferece opção de escolha ao administrado, forçado a se comportar de acordo com a lei que condiciona um resultado sancionador para a inobservância, tal como imposição de multa, cassação
de licença e até mesmo a prática delitiva.
Embora possam representar um poderoso instrumento de regulação e intervenção na economia apresentam o inconveniente de serem extremamente
dependentes do exercício do poder de polícia (KUPFER e HASENCLEVER,
2002) e outro ponto negativo é que despertam mudanças de comportamentos
individuais (JOÃO, 2004).
Um exemplo de instrumento de comando e controle seria a regulação da
externalidade através do sistema tributário, instituindo um imposto que fosse
capaz de compensar ou reduzir gradativamente seu impacto social negativo, na
melhor aplicação do princípio do poluidor pagador. O único problema é que
o agente econômico responsável pela externalidade está obrigado a absorver
esse custo na sua atividade, mas não é impedido de repassar o encargo ao consumidor final de seus produtos (SCANTIMBURGO, 2011, pag. 67). Daí porque concluirmos que esse tipo de regulação nem sempre é eficiente no que se
refere aos resultados, porque não permite uma mudança de mentalidade, uma
149
Paradiplomacia Ambiental
mudança no processo produtivo a fim de evitar a externalidade, uma vez que
seu custo pode ser repassado e não chega a ser suportado, efetivamente, pelo
empreendedor.
Os instrumentos de comunicação possuem a função de informar e educar a
sociedade (KUPFER e HASENCLEVER, 2002). São importantes para promover a conscientização social, mas não possuem a força necessária para induzir
comportamentos econômicos inclusivos.
Já os instrumentos econômicos (ou sistema de incentivos) não trabalham
com o mecanismo da regulação e punição. Ao contrário dos instrumentos de
comando e controle que impõem comportamentos sob ameaça de uma punição,
os instrumentos econômicos trabalham com o incentivo de comportamentos
positivos, por meio de subvenções, isenções, incentivos, empréstimos ou outros
mecanismos específicos do mercado.
Apresentam um diferencial em relação aos meios regulatórios pois estimulam ações voluntárias que ultrapassam as mudanças de comportamentos meramente individuais, auxiliando na formação da opinião pública (JOÃO e VAN
BELLEN, 2005), podendo corrigir as falhas de mercado (JOÃO, 2004) e orientar os agentes econômicos a valorizarem os bens e serviços ambientais de acordo
com sua escassez e seu custo social.
Embora não se discuta que os instrumentos de comando e controle ainda
sejam os mais utilizados no desenvolvimento de políticas públicas, veremos nos
próximos tópicos que os instrumentos econômicos vêm ganhando protagonismo na gestão da sustentabilidade, máxime quando se analisa a atuação dos
governos subnacionais.
Considerando que a ordem constitucional interna não veda a paradiplomacia e, principalmente que todas as iniciativas que visem contribuir voluntariamente para o desenvolvimento sustentável não devem ser menosprezadas, no
próximo tópico estudaremos a importância da localização das ODS, analisando
como a paradiplomacia pode contribuir para o sucesso do compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil.
“As políticas públicas precisam afastar o crescimento econômico pelo crescimento em si mesmo, de modo a prestigiar um desenvolvimento pautado no
plexo da sustentabilidade” (GOMES e FERREIRA, 2018) e no jogo de interesses que permeiam o debate, o que deve prevalecer, sempre, é a dignidade da
pessoa humana.
É papel do Estado conferir condições mínimas de existência à população
e nos Estados federados essa tarefa é partilhada entre as esferas políticas, de
tal forma que não há como ignorar a relevância da contribuição subnacional
para atingir o desenvolvimento sustentável, principalmente no que se refere à
indução do mercado de trabalho, concentração da presente pesquisa.
150
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
A sociedade contemporânea não aceita mais conviver com os ultrapassados
modelos de gestão, que já não se apresentam como razoáveis e suficientes para
garantir o mínimo existencial econômico, social e ambiental.
3. ODS E SUBNACIONALIDADE
Ultrapassando a dimensão global, são os governos subnacionais que absorvem as consequências geradas pela falta de oportunidades de emprego e a marginalidade decorrente, o analfabetismo e a pobreza de forma geral, razão pela
qual as cidades e as regiões representam um terreno fértil à aplicação da Agenda
2030.
A globalização estabeleceu poderosos instrumentos de cooperação em torno de problemas globais comuns (BOUCHARD e PETERSON, 2011), entre
eles o incentivo à paradiplomacia como mecanismo ágil e eficaz à obtenção
de benefícios imediatos no âmbito local e regional e benefícios indiretos no
âmbito nacional que podem contribuir para o desenvolvimento sustentável do
país e a consecução dos ODS, principalmente quando direcionada à indução
da captação de investimentos estrangeiros ou parcerias (ZERAOUI, 2016) que
estimulem a economia e revertam em melhoria das condições sociais.
No caso da Agenda 2030, embora represente a primeira agenda universal que visa o desenvolvimento sustentável, ou seja, os ODS são globais e não
localizados, é importante destacar que o seu cumprimento é dependente da
habilidade dos governos centrais em colocá-los em prática, transformando-os
em realidade no âmbito interno e, precipuamente, no âmbito local e regional
(BESEN, 2017).
A política de desenvolvimento sustentável, portanto, não pode ser exercida
de forma solitária pelo governo central, pois embora ele reúna competência
e atribuição para induzir comportamentos positivos pela economia através de
políticas que envolvam todas as áreas da administração pública, as medidas concretas de melhoria da qualidade de vida são perceptíveis nos níveis locais e regionais, vez que são as cidades e regiões que propiciam o suporte da dignidade,
viabilizando o acesso à educação, moradia digna, oportunidade de emprego,
acesso à saúde, entre outros direitos básicos.
A descentralização das políticas de desenvolvimento entre o governo central
e os governos subnacionais, se forem coordenadas e realizadas em harmonia, serão poderosos vetores de unidade e eficiência nas relações exteriores, pois quando dois ou mais níveis de governo combinam esforços de maneira convergente
– ainda que não idênticas -, a tendência é que essa harmonia reflita beneficamente na política externa, salientando que atuação governamental em camadas
não implica, necessariamente, em cisão de política pública (SOLDATOS, 1990,
151
Paradiplomacia Ambiental
pag. 41-42), ao contrário, pode servir para potencializar seus resultados.
O ponto de contato na parceria entre as agendas nacional, local e regional
é perseguir o objetivo comum da busca do desenvolvimento sustentável, aproveitando a contribuição que as capacidades locais e regionais podem oferecer,
entre elas a inserção internacional subnacional, de tal forma que a paradiplomacia, ao invés de conflito interno, represente a aceitação do papel de complementariedade dos governos subnacionais (SOLDATOS, 1990, pag. 49) e
oportunidade para condução de uma política externa mais abrangente e plural
(RODRIGUES, 2012, pag. 17).
Essas articulações subnacionais em busca do desenvolvimento econômico
inclusivo podem ser desenvolvidas tanto no plano interno quanto no plano
internacional, seja angariando investimentos em infraestrutura, buscando parcerias econômicas, compartilhando ou replicando ações positivas e outras medidas que possam ser úteis no enfrentamento das externalidades da economia.
A importância da localização foi prevista como poderoso instrumento na
Agenda 2030.
Localização é o processo de levar em consideração os contextos subnacionais na realização da Agenda 2030, desde
o estabelecimento de objetivos e metas até a determinação
dos meios de implementação, bem como o uso de indicadores para medir e acompanhar o progresso. Localização
refere-se tanto à forma como os governos locais e regionais
podem apoiar a realização dos ODS por meio de ações “de
baixo para cima”, quanto a forma como os ODS podem
fornecer um arcabouço para uma política de desenvolvimento local.5
Hocking (2004) também se referiu ao fenômeno da localização nas relações
internacionais quando abordou a interação de cidades, regiões e Estados no cenário global, formado por uma estrutura de multicamadas ou múltiplos níveis.
Em tempos de globalização, a participação nas articulações internacionais,
além de representarem um interesse comum dos governos subnacionais é, antes
de tudo, uma necessidade para que possam manter seus compromissos políticos
com a sociedade e os esforços que empreendem para se manterem ativos no
círculo das boas práticas sustentáveis não podem ser ignorados, pois relevantes
para o sucesso do compromisso assumido pelo Brasil no cenário internacional.
Os temas discutidos internacionalmente já não são mais exclusivamente
nacionais, eles se aproximam e despertam preocupações locais e regionais, induzindo uma interdependência política, social e econômica que estimula e forOrganização das Nações Unidas. Roteiro para a Localização dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável: Implementação e Acompanhamento no nível subnacional. Brasil, 2016.
5
152
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
talece a paradiplomacia (BARRETO, 2005, pag. 01).
A localização, portanto, deve ser entendida como um processo que leva em
conta os contextos e necessidades subnacionais na Agenda 2030, de tal forma
que possam apoiar a implementação dos ODS por meio de ações bottom up no
arcabouço de políticas locais e regionais de desenvolvimento sustentável.
É um desafio enfrentar o problema da interdependência entre
crescimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental, mas
também é desafiador conciliar os esforços nacionais, locais e regionais em
busca da sustentabilidade. O caráter multidimensional da sustentabilidade
(FROEHLICH, 2014, p. 157 e GOMES; FERREIRA, 2017, p. 109) impõe a
aceitação do caráter multilateral do seu enfrentamento.
Assim como o desenvolvimento da economia e das capacidades dela decorrentes estão intimamente ligadas à satisfação das necessidades do Homem
precipuamente pelas cidades e regiões, que são responsáveis pela prestação dos
serviços públicos básicos, é indispensável que a sua contribuição seja reconhecida como indispensável à viabilização do compromisso nacional.
Os governos subnacionais não devem ser vistos como meros expectadores
ou executores da Agenda 2030, tendo em vista a essencialidade na promoção
do desenvolvimento inclusivo. Como lidam diretamente com os problemas sociais, possuem melhores subsídios para formular políticas públicas direcionadas
e pragmáticas, que podem despertar mudanças significativas que ultrapassam
o limite de sua atribuição política, contribuindo para o desenvolvimento inclusivo da nação. Além disso, o caráter multidisciplinar do desenvolvimento
inclusivo facilita a atuação multinível e principalmente as políticas bottom up.
No Brasil, a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), instituída com a finalidade de internalizar, difundir e dar
transparência ao processo de implementação da Agenda 2030, reconheceu a
importância subnacional, incluindo na formação representantes governamentais e da sociedade civil, contando com a participação dos governos municipais,
representados pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) e com a participação dos governos regionais, representados pela Associação Brasileira de
Entidades Estaduais do Meio Ambiente (ABEMA)6.
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) também firmou acordo com a ONU,
visando a cooperação, fortalecimento e contribuição municipal para a implementação dos ODS7 e vários estados brasileiros, entre eles Minas Gerais,
Distrito Federal, Pará, Piauí, Ceará, Paraíba, Bahia, Paraná e São Paulo já incorporaram os ODS em suas políticas públicas regionais ou estão em vias de
Ministério do Meio Ambiente, disponível em: <https://www.mma.gov.br/informma/item/
11694-comiss%C3%A3o-nacional-para-os-ods>. Acesso em 11 abr 2020.
7
ONU, 2017. Disponível em <https://nacoesunidas.org/onu-brasil-e-frente-nacional-dos-prefeitos-reforcam-parceria-pelo-desenvolvimento-sustentavel/>. Acesso em: 11 abr 2020.
6
153
Paradiplomacia Ambiental
implementação.8
No próximo tópico analisaremos como o Estado de São Paulo inseriu o
ODS 08 em sua política de governo e como vem implementando os instrumentos para concretização do desenvolvimento inclusivo, máxime no que se refere à
oportunidade e qualidade de emprego.
4. OS ODS NO ESTADO DE SÃO PAULO
Desde a formulação da Agenda 2030 o estado de São Paulo tem articulado
a implementação dos ODS. Em 2016, representantes de várias secretarias do
governo formaram um grupo de trabalho, que culminou com a criação da Comissão Estadual de ODS, através do Decreto nº 63.792, de 9 de novembro de
2018, posteriormente alterado pelo Decreto nº 64.148, de 19 de março de 2019,
com a finalidade de difundir e dar transparência ao processo de implementação
da Agenda 2030 no âmbito do estado.
Em setembro/19, de forma inédita, foi divulgado o 1º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Estado de São
Paulo, fruto de um trabalho de pesquisa realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos, mais conhecida como Fundação Seade
(órgão da Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do estado de São
Paulo), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo - FAPESP e a Secretaria da Fazenda e Planejamento.
O relatório levantou dados nacionais e regionais, realizando um mapeamento da implementação dos ODS no estado, tomando como base o Plano
Plurianual 2016-2019, reunindo os principais indicadores relativos à área da
saúde, educação, segurança, saneamento, energia e justiça social9.
Da análise dos índices divulgados percebe-se que, entre 2016 e 2017, a proporção de pessoas em situação de pobreza no estado aumentou de 13,5% para
15,4%, contrariando os índices nacionais que indicaram pequena queda no período, passando de 27,5% para 27,3% (fls. 14). No Capítulo referente a Trabalho Decente e Crescimento Econômico, constatou-se a redução do crescimento
econômico no estado, fator que impactou nas ofertas de trabalho, registrando-se um crescimento progressivo na taxa de desemprego, que atingiu 13,4% em
2017 (pag. 62).
Uma análise superficial do referido relatório poderia sinalizar de forma
negativa, levando-se a falsa percepção que o estado não está conseguindo
cumprir suas metas de desenvolvimento sustentável. No entanto, uma leitura
ONU. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU completam 2 anos. Disponível em:
<http://www4.planalto.gov.br/ods/ods_noticias_antigas/objetivos-de-desenvolvimentosustentavel-da-onu-completam-2-anos>.Acesso em 13 abr. 2020
9
Disponível em < http://www.fapesp.br/publicacoes/odssp.pdf >. Acesso em 14 abr 2020.
8
154
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
diferenciada permite compreender que ele não se presta simplesmente a conferir
metas e objetivos, sua finalidade principal é traçar um panorama pontual dos
pontos nevrálgicos, para subsidiar as políticas públicas a serem implementadas
regionalmente. Além disso, o relatório compilou dados até 2017, período
incipiente de aplicação da Agenda 2030 e, também, anterior à criação da
Comissão Estadual de ODS.
Publicado em meados de 2019, o relatório é de extrema importância para a
elaboração do Plano Plurianual 2020-2023, permitindo direcionar as políticas
públicas para o incremento da economia e geração de empregos. O simples fato
de se preocupar em fazer um mapeamento de sua realidade interna desperta o
potencial de contribuição para o sucesso da Agenda e as recentes estratégias de
impulsionar o crescimento econômico da região, em abordagem tipicamente
bottom-up, sinalizam horizontes melhores para o desenvolvimento sustentável.
A partir de 2019, o estado começou a intensificar sua atuação internacional,
com foco em divulgação e trocas comerciais. Em agosto/2019, foi inaugurado
um escritório comercial da InvestSP, em Xangai10, na China e em fevereiro/2020
foi inaugurado outro em Dubai, nos Emirados Árabes11, que funcionarão como
instrumento de divulgação internacional do estado e dos produtos produzidos
na região, possibilitando não somente a projeção global, mas principalmente
induzindo as exportações de produtos paulistas para o mercado asiático.
A Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade - InvestSP, é um serviço social autônomo, sob a estrutura de pessoa jurídica de
direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública
e seu objetivo é “promover a execução de políticas de desenvolvimento, especialmente as que contribuam para a atração de investimentos, a redução das
desigualdades regionais, a competitividade da economia, a geração de empregos
e a inovação tecnológica”.
A iniciativa acerca da representação comercial da InvestSP na China e nos
Emirados Árabes foi política e partiu do governador João Doria, contando com a
intermediação e representação estadual em todas as fases de implantação, inclusive durante a inauguração, com presença de comitiva do governo de São Paulo.
A estratégia paradiplomática é pioneira entre os subnacionais brasileiros e
também bastante audaciosa, seja pelas perspectivas de novos mercados e aquecimento da economia regional e pelo fato da InvestSP ser constituída como
Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade – InvestSP. InvestSP inaugura escritório de promoção comercial em Xangai. Disponível em: < https://www.investe.sp.gov.
br/noticia/investsp-inaugura-escritorio-de-promocao-comercial-em-xangai/ >. Acesso em 10 abr
2020.
11
Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade - InvestSP, Governo do
Estado inaugura escritório comercial de SP em Dubai. Disponível em: < https://www.investe.
sp.gov.br/noticia/governo-do-estado-inaugura-escritorio-comercial-de-sp-em-dubai/ >. Acesso em
10 abr 2020.
10
155
Paradiplomacia Ambiental
pessoa jurídica de Direito Privado, o que permite assimilar que o conceito de
paradiplomacia é bastante amplo, admitindo que os vínculos internacionais
sejam firmados não somente envolvendo atores públicos, mas também entes
privados (BOTTO, 2015, pag. 164).
Nas trocas internacionais bilaterais, o estado também tem investido em estratégias voltadas a captação de investimentos na região. Em janeiro de 2019,
durante a participação do estado no Fórum Econômico Mundial, em Davos
(Alpes Suíços), a Bracell, indústria de celulose que possui um polo industrial
no estado da Bahia, firmou acordo para instalação de nova unidade em Lençóis
Paulista, no interior do estado de São Paulo, cujas obras foram iniciadas em
agosto de 2019, com previsão de conclusão em 2021, estimando-se a criação de
11.000 empregos durante a implantação e aproximadamente 6.500 empregos
após o início das atividades.
A instalação da indústria, além de representar um incremento à economia,
também implicará em melhorias sociais no local, pois a parceria firmada com
o governo estadual inclui a destinação de parte do investimento em projetos
comunitários, melhoria das infraestruturas de saúde e segurança pública nos
municípios do entorno e programas de qualificação de trabalhadores e fornecedores locais para atender a demanda da nova fábrica, contribuindo para elevação do nível de qualidade de vida da população daquela localidade. A parceria
priorizou aspectos relativos à inovação e sustentabilidade, pois a fábrica utilizará
a biomassa como matéria-prima, que é 100% renovável, realizará a captação de
água de chuva para utilização no processo produtivo e ainda produzirá energia
renovável, gerada a partir da queima da fração orgânica do licor, abastecendo
o sistema de fornecimento de energia verde para a rede nacional, que poderá
contribuir para o aumento da segurança energética do país12.
Em agosto de 2019, durante visita do estado de São Paulo à Alemanha, a
empresa automotiva Volkswagen anunciou um aporte de R$ 2,4 bilhões na
fábrica de São Bernardo do Campos, direcionados à produção de um novo
modelo de veículo, que poderá resultar em um acréscimo na oferta de 1,5 mil
empregos, diretos e indiretos13, e, em setembro, durante visita ao Japão, a Toyota anunciou investimentos de R$ 1 bilhão, na fábrica situada em Sorocaba, também para fabricação de um novo modelo de veículo, que poderão gerar cerca de
300 novos empregos diretos e indiretos14.
ESTADO DE SÃO PAULO. Governo de SP firma nova parceria com Bracell para investimento
de R$ 1 bi no Estado. Disponível em: < https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-de-sp-firma-nova-parceria-com-bracell-para-investimento-de-r-1-bi-no-estado-2/ >. Acesso em 10 abr
2020.
13
SÃO PAULO. Volkswagen anuncia o investimento de R$ 2,4 bilhões em SP. Disponível em:
<https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/volkswagen-anuncia-o-investimento-de-r-24-bilhoes-em-sp/>. Acesso em 10 abr 2020.
14
SÃO PAULO. Toyota anuncia investimento de R$ 1 bilhão em SP. Disponível em: < https://
www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/toyota-anuncia-investimento-de-r-1-bilhao-em-
12
156
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
A representação comercial internacional em países que concentram economia forte e tendência a investimentos externos, bem como as tratativas comerciais realizadas permitem sinalizar um incremento da economia, o que poderá
contribuir para que as taxas de decréscimo do crescimento econômico se alterem e que o desemprego diminua.
No âmbito interno, em maio de 2019, o estado iniciou um programa de
incentivo no setor produtivo, dividindo a região em polos de desenvolvimento
econômico, distribuídos em áreas sensíveis da economia (saúde e farma; metal-metalúrgico, máquinas e equipamentos, automotivo, químico, borracha e
plástico, derivados do petróleo e petroquímico, biocombustíveis, alimentos e
bebidas, têxtil, vestuário e acessórios, couro e calçados, tecnologia e eco florestal), cujo objetivo é estimular que uma determinada produção se concentre na
mesma região geográfica do estado e facilite o desenvolvimento de estratégias
de produção e instrumentos de integração da cadeia produtiva, visando, através
da políticas públicas a serem desenvolvidas, atrair novos investimentos por meio
da simplificação tributária e regulatória, estimular o aumento da produtividade
da indústria com financiamento competitivo, incentivar a inovação tecnológica
e principalmente gerar empregos, renda e qualificação profissional para a população15.
No âmbito da Secretaria de Cultura e Economia Criativa está sendo desenvolvido um programa de qualificação profissional, o São Paulo Criativo, cujo
foco são os jovens, visando a capacitação e qualificação profissional através de
cursos oferecidos por órgãos estaduais, em setores da economia criativa, tais
como inovação, design, desenvolvimento de softwares, publicidade, gastronomia, turismo e áreas ligadas ao entretenimento, com o objetivo de contribuir
para a geração de emprego e renda, bem como estimular o empreendedorismo16.
Percebe-se que o estado de São Paulo, no âmbito de suas políticas públicas,
tem focado na implementação do ODS 08, optando pelos instrumentos econômicos de gestão, projetando sua atuação internacional e a regulação interna de
mercado por instrumentos de estímulo e incentivo produtivo. Esses instrumentos econômicos, aliados à responsabilidade ambiental, podem ser eficazes na
modulação da economia, no sentido de direcionar o crescimento econômico a
alternativas sustentáveis.
Essas políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas internamente, aliadas
a projeção internacional em busca de novos mercados podem auxiliar no crescimento econômico e fomentar as ofertas de emprego. Maiores e melhores ofertas
-sp/ >. Acesso em 10 abr 2020.
15
ESTADO DE SÃO PAULO, Governo Paulista anuncia 11 polos de desenvolvimento econômico. Disponível em: < https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/governo-paulista-anuncia-11-polos-de-desenvolvimento-economico/ >. Acesso em 15 abr 2020.
16
SÃO PAULO CRIATIVO. Disponível em: < http://www.saopaulocriativo.sp.gov.br/index.
html# >. Acesso em 14 abr 2020.
157
Paradiplomacia Ambiental
de trabalho, com estímulos públicos direcionados, podem ser vetores para o
investimento em qualificação profissional por parte do empresariado quanto
por parte da população. E se tudo isso for desenvolvido com responsabilidade
ambiental, o caminho a trilhar em busca do desenvolvimento sustentável pode
ser encurtado.
A perspectiva de estabilidade tributária e regulatória acenada pelo estado
já demonstrou a capacidade na atração de novos investimentos, que fatalmente
aumentarão as ofertas de trabalho e a necessidade por trabalhadores qualificados podem induzir mudanças comportamentais coletivas, incentivando o mercado a investir em seus funcionários, financiando aprimoramento profissional,
como também despertar o interesse nas pessoas que não estão empregadas ou
que almejam novas e melhores oportunidades, a voltarem aos bancos acadêmicos de qualificação profissional.
“O que se evidencia na dimensão econômica da sustentabilidade é que a
economia precisa ser devidamente contrabalançada a ponto de permitir um
crescimento econômico em longo prazo, duradouro, sério e comprometido com
a vida humana e do próprio planeta” (GOMES e FERREIRA, 2018).
O incentivo no aumento da produção amplia as ofertas de trabalho e gera
estabilidade profissional e econômica, permitindo que as pessoas produzam sua
própria qualidade de vida, contribuindo para a diminuição da pobreza e da
miséria (GOMES e FERREIRA, 2018). Em via reflexa, menos pessoas na faixa
da pobreza e miséria auxilia na diminuição do ônus estatal de viabilizar direitos
básicos, cuja tendência é direcionar a receita ociosa em mais qualidade social,
gerando o círculo virtuoso do desenvolvimento.
Além disso, os órgãos ambientais paulista, já de longa data, exigem uma
produção sustentável desde o processo de licenciamento da atividade e que se
mantém com o mesmo grau de exigência nas respectivas renovações, condicionadas à demonstração de eficiência aumentada no uso de recursos naturais
e investimentos em tecnologia e processos industriais menos impactantes ao
meio ambiente, prova disso foi o conteúdo da parceria firmada com a empresa
Bracell.
A exigência da conformidade ambiental de suas empresas, aliada a expertise
nas questões ambientais, construída pela excelência técnica de suas agências,
como é o caso da Cetesb, a participação ativa nas discussões ambientais globais
e em redes transnacionais, contribuíram para que o estado se tornasse uma referência internacional nas questões ambientais, completando o tripé necessário
para a busca da sustentabilidade.
158
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A paradiplomacia está cada vez mais presente no cenário internacional e os
governos subnacionais vêm exercendo protagonismo nas discussões e enfrentamento de temas globais relevantes, como na implementação dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável.
Os ODS são globais e não localizados, mas as medidas concretas de melhoria da qualidade de vida são muito mais perceptíveis nos níveis locais e regionais, pois são as cidades e regiões que se encontram na linha de frente do
suporte estatal da dignidade, viabilizando o acesso aos direitos fundamentais
básicos, como educação, moradia digna, oportunidade de emprego, acesso à
saúde, entre outros.
A política de desenvolvimento sustentável não pode e nem precisa ser exercida de forma solitária pelo governo central, devendo ser complementada pelas
políticas subnacionais, porque a atuação em camadas, de forma coordenada e
harmônica, é um poderoso vetor para potencializar resultados sustentáveis.
A importância da localização dos ODS foi reconhecida e incentivada pela
Agenda 2030 e essa atuação complementar, em iniciativas bottom up, ao contrário de enfraquecer ou colocar oposição aos objetivos e compromissos assumidos pelo Brasil, fortalece os interesses nacionais e globais, ampliando o conjunto de condições necessárias à consecução do desenvolvimento sustentável,
porque trabalham as individualidades e peculiaridades dos estados-membros
e municípios, que concentram e agem diretamente na solução dos problemas
sociais e ambientais.
Aceitar a contribuição dos governos subnacionais é um desafio a ser enfrentado e que parece já ter sido superado pelo Governo Federal, ao incluir a
participação dos estados e municípios na Comissão Nacional para os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), representados pela Confederação
Nacional de Municípios (CNM) e pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente (ABEMA).
A relevância da contribuição também parece ter sido assimilada pelos entes
subnacionais, seja pelo acordo firmado entre a Frente Nacional de Prefeitos
(FNP) e a ONU, visando a cooperação, fortalecimento e contribuição municipal para a implementação dos ODS e a iniciativa de vários estados brasileiros,
entre eles Minas Gerais, Distrito Federal, Pará, Piauí, Ceará, Paraíba, Bahia,
Paraná e São Paulo no sentido de incorporaram os ODS em suas políticas públicas regionais.
No caso pontual do estado de São Paulo, o estudo permitiu concluir uma
atuação paradiplomática audaciosa e inovadora, investindo na sua representação internacional em países estratégicos para a ampliação do mercado externo
159
Paradiplomacia Ambiental
e através de uma empresa privada de promoção social (InvestSP). Nas trocas
bilaterais e em políticas internas, o subnacional tem desenvolvido estratégias
que focam na estabilidade econômica, na indução do mercado de trabalho e na
capacitação profissional.
As políticas desenvolvidas pelo subnacional já sinalizaram perspectivas de
futuro promissor, atraindo novos e significativos investimentos no setor produtivo, em parcerias que priorizam não somente aspectos econômicos, mas também os ambientais e sociais, que podem ser indutores do crescimento econômico em conformidade com o desenvolvimento social.
Tudo isso, aliado à séria e comprometida política ambiental desenvolvida
por seus órgãos ambientais, permitem sinalizar o aporte regional para o desenvolvimento sustentável nacional.
O presente trabalho procurou demonstrar que os governos subnacionais
são importantíssimos para a implementação dos ODS, em particular o ODS
08, objeto do estudo e que as políticas públicas de desenvolvimento sustentável
podem ser desenvolvidas por instrumentos econômicos inovadores e extremamente importantes para garantir o bem-estar das presentes e futuras gerações,
concluindo, de forma mais específica, que a paradiplomacia do estado de São
Paulo, complementada por suas políticas internas, indicam uma habilidade para
gerar ou induzir um padrão industrial inclusivo e que podem dar sustentação ao
tripé que compõe a sustentabilidade, perseguindo o crescimento econômico, o
respeito ao meio ambiente e o desenvolvimento social.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA PAULISTA DE PROMOÇÃO DE INVESTIMENTOS E
COMPETITIVIDADE – INVESTSP. InvestSP inaugura escritório de promoção
comercial em Xangai. Disponível em: <https://www.investe.sp.gov.br/noticia/investsp-inaugura-escritorio-de-promocao-comercial-em-xangai/>. Acesso em: 10 abr. 2020.
______. Governo do Estado inaugura escritório comercial de SP em Dubai. Disponível em: <https://www.investe.sp.gov.br/noticia/governo-do-estado-inaugura-escritorio-comercial-de-sp-em-dubai/>. Acesso em: 10 abr. 2020.
AZEREDO. C.. Conteúdo de entrevista. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/19743-ods-8-crescimento-economico-sustentavel-e-trabalho-digno>.
Acesso em: 11 abr. 2020.
BARRETO, M. I.. A inserção internacional das cidades enquanto estratégia de
fortalecimento da capacidade de gestão dos governos locais. X Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración
160
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
Pública, Santiago, Chile, 18-21 out. 2005.
BESEN, D. C.. A paradiplomacia como oportunidade: a implementação dos
objetivos de desenvolvimento sustentável. 6º. Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais: Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição. Minas Gerais: Universidade do Rio de Janeiro, 2017.
Disponível
em:
<https://www.encontro2017.abri.org.br/resources/
anais/8/1504149338_ARQUIVO_Aparadiplomaciacomooportunidade_
DaphneCostaBesen.pdf >. Acesso em: 02 abr. 2020.
BOTTO, M.. La integración regional en América Latina: Quo Vadis?: El Mercosur desde una perspectiva sectorial comparada. Buenos Aires: Eudeba. 2015.
BOUCHARD, C.; PETERSON, J.. Conceptualising Multilateralism – Can we
All Just Get Along? MERCURY, E-paper No. 1, 2011.
BUCCI, M. P. D.. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo:
Saraiva. 2002.
CECHIN, A.. A natureza como limite da economia. São Paulo: Senac. 2010.
COSTA, S. S. T.. Introdução à Economia do Meio Ambiente. In: Análise, Porto
Alegre, vol. 16, n. 2, 2005.
DALY, H. E.. Steady-State Economics: Concepts, Questions, Policies. GAIA –
Ecological Perspectives for Science and Society, vol. 1, no. 6, 1992.
ESTADO DE SÃO PAULO, Governo Paulista anuncia 11 polos de desenvolvimento econômico. Disponível em: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/
ultimas-noticias/governo-paulista-anuncia-11-polos-de-desenvolvimento-economico/>. Acesso em: 15 abr .2020.
______. Governo de SP firma nova parceria com Bracell para investimento de R$ 1
bi no Estado. Disponível em: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/
governo-de-sp-firma-nova-parceria-com-bracell-para-investimento-de-r-1-bino-estado-2/>. Acesso em: 10 abr. 2020.
______. Volkswagen anuncia o investimento de R$ 2,4 bilhões em SP. Disponível
em: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/volkswagen-anuncia-o-investimento-de-r-24-bilhoes-em-sp/>. Acesso em: 10 abr.
2020.
______. Toyota anuncia investimento de R$ 1 bilhão em SP. Disponível em:
<https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/toyota-anuncia-investimento-de-r-1-bilhao-em-sp/>. Acesso em: 10 abr. 2020.
______. Decreto nº 63.792, de 9 de novembro de 2018.
______. Decreto nº 64.148, de 19 de março de 2019,
FAPESP. 1º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.fapesp.br/
161
Paradiplomacia Ambiental
publicacoes/odssp.pdf >. Acesso em: 14 abr. 2020.
FARIAS, V. C.. Regime Internacional de Mudanças Climáticas: Ações Climáticas e Paradiplomacia Ambiental do Estado de São Paulo. Tese de Doutorado. Santos: Universidade Católica de Santos, 2015.
FIORILLO, C. A. P.. Curso de direito ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo:
Saraiva. 2013.
FROEHLICH, C.. Sustentabilidade: dimensões e métodos de mensuração de resultados. Revista de Gestão do Unilasalle, Canoas, v. 3, n. 2, p. 151-168, set.
2014. Disponível em: <http://www.revistas.unilasalle.edu.br/index.php/
desenvolve/article/view/1316/1182>. Acesso em: 09 out. 2019.
GILLROY, J. M.. Adjudication norms, dispute settlement regimes and international tribunals: the status of environmental sustainability in International Jurisprudence. In: Stanford Journal of International Law. Leland Stanford Junior
University, 2006.
GOMES, M. F.; FERREIRA, L. J.. A dimensão jurídico-política da sustentabilidade e o direito fundamental à razoável duração do procedimento. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 52, v. 2, p. 93-111, maio/ago. 2017. Disponível
em: <http://dx.doi.org/10.17058/rdunisc.v2i52.8864>. Acesso em: 09 set.
2019.
GUARDIA, K. J. B. S.. ODS 9: Inovação e Infraestrutura. In: BALERA, W.;
SILVA, R. S.. Comentários aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
São Paulo: Verbatim. 2006.
HOCKING, B.. Regionalismo: uma perspectiva das relações internacionais. In:
VIGEVANI, T. et al. (Org.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: EDUC; Fundação Editora da UNESP; Bauru, SP:
EDUSC. 2004.
JOÃO, C. G.; BELLEN, H. M. Van. Instrumentos Econômicos de Política Ambiental – Um Levantamento das Aplicações do Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico no Brasil. In: ENANPAD,
Brasília, 2005.
KHAIR, A.. Caminhos para o desenvolvimento – uma visão estratégica. In:
Sociedade e Economia: estratégias de crescimento e desenvolvimento. Org.
SICSÚ, João e CASTELAR, Armando. Brasila: IPEA. 2009.
KUPFER, D.; HASENCLEVER, L.. Economia Industrial – Fundamentos
Teóricos e Práticas no Brasil. 7. Tiragem, Rio de Janeiro: Elsevier. 2002.
MACHADO, J. da S.. A solidariedade social na responsabilidade ambiental. Rio
de Janeiro: Lumen Júris. 2006.
MACHADO, P. A. L.. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros.
2003.
162
ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável
MASCARENHAS, L. M. de A.. Desenvolvimento sustentável. Curitiba: Letra
da Lei. 2008.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. <https://www.mma.gov.br/informma/item/11694-comiss%C3%A3o-nacional-para-os-ods>. Acesso em:
11 ab.r 2020.
MORAES, A. de. Constituição do Brasil Interpretada. 5. ed. São Paulo: Atlas.
2005.
MOTTA, R. S., HUBER, R. M. & RUITENBEEK, H. J.. Market based instruments for environmental policymaking in Latin America and the Caribbean:
lessons from eleven countries. Environment and Development Economics,
4: 177-201.
MOURA, A. A. G.. A sociedade de risco e o desenvolvimento sustentável: desafios à gestão ambiental no Brasil. Rio de Janeiro: Revista de Direito e Práxis,
vol. 3, no. 5, 2012.
MUELLER, C. C.. Os economistas e as relações entre o sistema econômico e o
meio ambiente. Brasília: Finatec. 2007.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2017. < https://nacoesunidas.
org/onu-brasil-e-frente-nacional-dos-prefeitos-reforcam-parceria-pelo-desenvolvimento-sustentavel/ >. Acesso em: 11 abr. 2020.
______. Relatório Brundtland, 1987.
______. Roteiro para a Localização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável:
Implementação e Acompanhamento no nível subnacional.
______. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU completam 2 anos.
Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/ods/ods_noticias_antigas/
objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu-completam-2-anos>. Acesso em: 13 abr 2020.
RISTER, C.. Direito ao Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar. 2007.
RODRIGUES, A.. Relações Internacionais de cidades: paradiplomacia sui generis? In: 36º Encontro Anual da ANPOCS, 2012, Águas de Lindóia. Anais
GT28 – Política internacional. Águas de Lindóia: 2012.
SÃO PAULO CRIATIVO. Disponível em: < http://www.saopaulocriativo.
sp.gov.br/index.html# >. Acesso em: 14 abr. 2020.
SCANTIMBURGO, A. L.. Políticas públicas e desenvolvimento sustentável: Os
limites impostos pelo capitalismo no gerenciamento e preservação dos recursos hídricos no Brasil. In: Aurora.Marília: Unesp, ano V, n. 7, pag. 6279, 2011.
SILVEIRA, V. O. da; PEREIRA, T. M. L.. Uma nova compreensão dos direitos
humanos na contemporaneidade a partir dos Objetivos de Desenvolvimento Suste163
Paradiplomacia Ambiental
ntável (ODS). Maringá: Revista Jurídica Cesumar, vol. 18, no. 3, 2018.
SMITH, A.. Riqueza das Nações, introdução do livro IV, 1776. Disponível em
<http://www.projetos.unijui.edu.br/economia/files/Adam-Smith-2.pdf>.
Acesso em: 09 abr. 2020.
SOLDATOS, P.. An Explanatory Framework for the study of Federated States as
Foreign Policy Actors. In: MICHELMANN, Hans J. e SOLDATOS, Panayotis.
Federalism and International Relations. The Role of Subnational Units.
Oxford: Clarendon Press, 1990, p. 34-53.
ZERAOUI, Z.. Para entender la paradiplomacia. In: Desafíos, vol. 28, no. I,
Colômbia: Universidade del Rosario, 2016.
164
INDÚSTRIA,
INOVAÇÃO
E
INFRAESTRUTURA:
A
APLICABILIDADE
DA
BIOARQUITETURA
COMO
INSTRUMENTO VIÁVEL NO ALCANCE DAS METAS 9.1 E 9.A.
Fernanda Cuculo Abdul-Hak Antelo1
ODS 9 - Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização
inclusiva e sustentável e fomentar a inovação.
META 9.1 - Desenvolver infraestrutura de qualidade, confiável, sustentável
e resiliente, incluindo infraestrutura regional e transfronteiriça, para apoiar
o desenvolvimento econômico e o bem-estar humano, com foco no acesso
equitativo e a preços acessíveis para todos.
META 9.a - Facilitar o desenvolvimento de infraestrutura sustentável e resiliente em países em desenvolvimento, por meio de maior apoio financeiro,
tecnológico e técnico aos países africanos, aos países menos desenvolvidos,
aos países em desenvolvimento sem litoral e aos pequenos Estados insulares
em desenvolvimento
INTRODUÇÃO
A
Agenda 2030 é a resposta ao reconhecimento, alcançado em setembro de 2015 em Nova York, em reunião com representantes dos 193
estados-membros da ONU, que “a erradicação da pobreza em todas as suas dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito
indispensável para o desenvolvimento sustentável” (ONU, 2015).
O conceito de desenvolvimento sustentável passou a ser difundido a
partir de 1987, após a divulgação do Relatório de Brundtland — este documento foi o resultado de discussões realizadas pela Organização das Nações Unidas
(ONU) e presididas pela médica e diplomata norueguesa Gro Harlem Brundtland, em 1983 — cuja ideia principal indicava que o desenvolvimento só é
efetivo quando permite a sustentação das gerações presentes, sem comprometer
a sobrevivência das gerações futuras. (LIRA DANTAS et al., 2009).
Entretanto, ainda se caminha em sentido contrário ao proposto no relatório, visto que o atual modelo de desenvolvimento prioriza a dimensão econômica, baseando-se no lucro e promovendo a escassez dos recursos naturais e o
1
Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica de Santos/2017. Pós graduada em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Universidade Cruzeiro do Sul/2020.
165
Paradiplomacia Ambiental
aumento das desigualdades sociais. O desenvolvimento sustentável consiste no
equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ambiental. Para se alcançar
esse nível de desenvolvimento, é fundamental a contribuição de várias áreas do
conhecimento. A construção civil é um campo de atuação com forte papel nesse caminho. (CARVALHO, Thaís Márjore Pereira de e LOPES, Wilza Gomes
Reis, 2012).
O tema Inovação, afigura-se como elemento mais básico dos ODS, pois são
necessárias para que grandes mudanças positivas sejam efetivadas, e são imprescindíveis ao atingimento de todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ARAÚJO, José David, 2018).
A Bioarquitetura pode ser considerada uma forma de inovar, é possível
usufruir da utilização os recursos naturais locais para a construção de edificações e infraestruturas, propiciando à população de baixa renda o desenvolvimento de forma sustentável.
Nesse artigo será discutida a ODS 9: Construir infraestruturas resilientes,
promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação. Em
paralelo, introduzir-se-á ao tema a Bioarquitetura, na qual é um segmento da Arquitetura que possibilita integrar e harmonizar funcionalidade, conforto e beleza às construções com o respeito ao ecossistema e uso de matérias prima locais.
INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA
O termo Inovação aparece de forma destacada no 9º ODS, que trata, já em
seu título de Indústria, Inovação e Infraestrutura, definindo-o como “construir
infraestruturas robustas, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação” (ONU, 2015). Para o atingimento das metas propostas pela
Agenda 2030, a inovação torna-se imprescindível. Inovação não significa, mas
implica, mudança. E todas as metas e objetivos da ODS trazem a necessidade
dessa mudança.
De acordo com a ONU (2017), um total de 2,1 bilhões de pessoas não têm
acesso a água potável, mais de 1,2 bilhão vive sem eletricidade, entre 1.000
e 1,15 bilhão não podem acessar serviços de telefonia confiáveis. Esses dados
demonstram que, mesmo com toda a evolução em tecnologia de uns anos para
cá, ainda há muito a ser feito, principalmente em países em desenvolvimento,
com maior nível de pobreza e desigualdade social. O progresso tecnológico é
necessário para encontrarmos soluções definitivas para desafios econômicos e
ambientais, assim como gerar novos empregos e promover a eficiência energética. Promover indústrias sustentáveis e investir em pesquisa científica e inovação
são formas importantes de facilitar o desenvolvimento sustentável.
Investimentos em infraestrutura e inovação são indutores cruciais do cres166
Indústria, inovação e infraestrutura
cimento econômico e do desenvolvimento. Com mais da metade da população
vivendo em cidades, transportes regionais e transfronteiriços com destaque para
as questões de segurança, desigualdades regionais e integração do país, além da
sustentabilidade e do acesso equitativo, são essenciais para o desenvolvimento
sustentável, conforme indica a meta 9.1.
As vantagens do transporte público de qualidade são inúmeras, algumas
delas são: mais econômico que o transporte individual, menos automóveis nas
ruas, ocasionando a diminuição da liberação de gases que contribuem para o
efeito estufa, menos tempo do usuário dentro do mesmo, obtendo uma melhor
qualidade de vida e entre outras. É preciso destacar que a equidade regional
também deve ser avaliada em relação à população, de forma a dimensionar a
necessidade de autoestradas nas regiões menos populosas.
Considerando a situação atual de países em desenvolvimento, onde temos
um déficit habitacional com o surgimento de submoradias, não estamos prontos para essa grande densidade de pessoas nas cidades. Cabe aos profissionais
da área de construção surgir com soluções para que desde já nós consigamos
diminuir esses impactos e possamos já planejar o futuro e, a Bioarquitetura é
uma dessas soluções.
INOVAÇÃO E BIOARQUITETURA
Desde os primórdios, os seres vivos utilizavam materiais naturais para edificar, em diversas culturas e épocas. Com as inovações tecnológicas, grande parte
destas técnicas foi esquecida.
A milenar arquitetura de terra foi substituída aos poucos e, hoje, muitas
vezes seu uso é associado à miséria e à pobreza. Acredita-se que a Bioarquitetura
pode contribuir para a sustentabilidade na construção civil, por tratar-se de materiais que envolvem menor consumo energético, geram menos rejeitos e têm
baixa emissão de poluentes e apresentam excelente durabilidade, versatilidade e
viabilidade econômica, além de sua importância histórico-cultural. Alguns desses materiais, como a terra, apresentam inúmeras vantagens, dentre elas: isolamento térmico, possibilidade de renovação interna do ar, baixo custo, reduzido
impacto ambiental, facilidade de transferência tecnológica e, principalmente, o
fato da terra crua ser reutilizável.
A Bioarquitetura é o futuro. Essa é a arquitetura que mais busca promover
a interação entre espaços e ecossistemas e que mais preserva atualmente. Ela
inclui construções ecológicas, construções sustentáveis, e construções bioclimáticas. Com a Bioarquitetura os espaços passam a ser mais vividos e cheios de
natureza.
Uma das vertentes da Bioarquitetura, é a Arquitetura Vernacular, na qual
167
Paradiplomacia Ambiental
preza pelo uso de materiais locais, algumas vezes de técnicas tradicionais, de
tipologias regionais e adequadas ao ambiente. Ela se integra ao ambiente por
utilizar materiais orgânicos e ter grande resistência ao tempo. Esse tipo de
construção utiliza técnicas que contribuem para um bom isolamento térmico
e acústico.² A principal característica da arquitetura vernacular é o respeito e a
sensibilidade às condições locais do meio geográfico onde se situa, além da simplicidade. Normalmente, ela é produzida por povos que dispõem de um nível
tecnológico menos avançado.
Cada local possui sua singularidade, como questões geográficas e culturais,
assim, a Arquitetura Vernacular proporciona a oportunidade de construção a
todos, já que é utilizado matéria prima local, tornando-a acessível, sendo até
mesmo uma solução de desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida nos
países menos favorecidos, como os africanos.
Para melhor aproveitamento desses materiais ecológicos, é necessário uma
técnica, para que todas as medidas preventivas cabíveis e os parâmetros construtivos adequados sejam realizados em conformidade com as determinações técnicas. A partir daí, é possível avaliar quais as contribuições que este material traz
para um melhor desempenho energético nas construções e em quais situações
seu uso seria o mais pertinente.
Além da construção da estrutura, na Bioarquitetura as edificações são projetadas com amplas janelas que auxiliam na ventilação natural, recebem placas
fotovoltaicas que retém os raios solares e os transforma em energia elétrica limpa, além de fazer captação da água da chuva que ajuda a reduzir o consumo dos
recursos hídricos. Porém, o fator econômico pode ser um impedimento na implantação desses recursos, aí é que os países mais desenvolvidos podem auxiliar,
conforme estabelece a meta 9.a, dando apoio financeiro, tecnológico e técnico.
Entre os principais benefícios da Bioarquitetura, estão: o custo inferior,
diminuição do uso racional de recursos naturais, da geração de resíduos e a
mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e maior eficiência energética e
hídrica.
CONCLUSÃO
A pobreza e a desigualdade socioeconômica ainda são muito evidentes e
vivenciadas em todo o mundo. Não há uma solução pontual para esse grande
problema, mas já se sabe que o desenvolvimento sustentável, de forma harmônica e coletiva, com a implantação das ODS é a única saída. A construção civil
é o setor mais responsável pela exploração dos recursos naturais e, portanto,
o maior contribuinte da degradação ambiental. É necessário o surgimento de
alternativas como a construção sustentável, que tem como princípios básicos, o
168
Indústria, inovação e infraestrutura
desenvolvimento de matérias-primas e energias renováveis, redução da quantidade de materiais, água e energia utilizados, reaproveitamento das águas, entre
outros. Assim, teremos um mundo mais igualitário e justo.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, J.D.. Inovação nos ODS: A inovação como fator histórico de progresso. 2018. Disponível em: <https://www.tce.sp.gov.br/epcp/cadernos/
index.php/CM/article/view/54/49>. Acesso em: fev.2020.
CARVALHO, T. M. P. de; LOPES, W. G. R.. A arquitetura de terra e o desenvolvimento sustentável na construção civil. 2012. Disponível em: <http://propi.ifto.edu.br/ocs/index.php/connepi/vii/paper/viewFile/3762/2940>.
Acesso em: fev. 2020.
LIRA DANTAS, R. M. de et al. Movimentos que impulsionaram a avaliação de
impactos ambientais no Brasil. In: JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E
EXTENSÃO, 9., 2009, Recife. Anais... Recife: [s.n.], 2009.
IPEA. Caderno ODS 9. 2019 Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/
portal/images/stories/PDFs/livros/livros/190524_cadernos_ODS_objetivo_9.pdf>. Acesso em: mar. 2020.
44 Arquitetura. Bioarquitetura em forte tendência. 2017 Disponível em:
<http://44arquitetura.com.br/2017/05/bioarquitetura-em-forte-tendencia-conheca-mais-sobre-ela/>. Acesso em: mar. 2020.
UNDP. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://
www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/sustainable-development-goals/goal-9-industry-innovation-and-infrastructure.html>.
Acesso
em: mar. 2020.
Arquiteto Leandro Amaral. Bioarquitetura. Disponível em: <https://arquitetoleandroamaral.com/bioarquitetura/>. Acesso em: mar. 2020.
169
ALÉM DO HABITUAL: REFLEXÕES SOBRE PROPOSTAS
DE SOLUÇÕES DURÁVEIS NO ÂMBITO DAS MIGRAÇÕES
FORÇADAS.
Rosilandy Carina Candido Lapa1*
ODS10 - Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles.
Meta 10.7 – Facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e
responsável das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas
de migração planejadas e bem geridas.
INTRODUÇÃO
N
este capítulo são avaliadas iniciativas relativamente recentes no âmbito
das criação, adoção e gestão de políticas para promover migrações ordenadas, seguras e regulares.
Na primeira parte estuda-se o Global Compact on Refugees, documento que
visa representar a vontade política e ambição da comunidade internacional em
cooperar de forma solidária para refugiados e países que os recebem. Entende-se
que a ação com base no discurso de solidariedade traz certos avanços ao incluir
outros atores além dos classicos do Direito Internacional Público.
Em sequência procede-se de forma crítica ao discurso da solidariedade por
meio da análise de dois casos considerados movidos pelo interesse dos Estados
em busca de soluções duráveis, que vão além da habitual assistência humanitária em assentamentos estrutura adequada e atividade econîmica. O primeiro é
o Programa de Reassentamento Privado de refugiados do Canada, enquanto o
segundo consiste no caso do campo de refugiados socioeconomicamente ativo
em Bidi Bidi, Uganda.
Ambos os casos partem do princípio de self reliance strategy, ou seja, estratégia de autosuficiência, que considera o interesse das comunidades receptoras e
do Estado como forças motrizes de ações para integração local dos imigrantes
forçados, entre eles, os refugiados.
1. As Nações Unidas e a Global Compact for Refugees (GCR)
Bacharela em Relações Internacionais, Mestra em Direito Internacional e Doutoranda
em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos. Pesquisadora e consultora na área do Direito Internacional com foco em Direitos Humanos,
Migrações Forçadas e Apatridia.
1
170
Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito
das migrações forçadas
O Global Compact é uma proposta com base no discurso da solidariedade,
voltada para a divisão do fardo e da responsabilidade para acolher e dar suporte
aos refugiados no mundo, promoção do Alto Comissariado das Nações Unidas.
A proposta do Pacto surgiu após a Declaração de Nova York (2016), documento
que surgiu por meio de diálogos entre Estados sob a mediação das Nações unidas. (ONU, 2016, p. 06).
Nele, os Estados expressaram solidariedade aos que são forçados a fugir, reafirmaram suas obrigações sobre respeitar e proteger os direitos dos refugiados,
concordaram a respeito da necessidade em dividir a responsabilidade de modo
equitativo, prestando auxílio aos Estados de primeiro asilo, e, por fim, comprometeram-se em trabalhar para o adotar um pacto global para refugiados e outro
para migrações, seguras, ordenadas e regulares.
Juntamente com a Declaração de Nova York surgiu o Quadro Abrangente de Resposta aos Refugiados (The Comprehensive Refugee Response Framework),
que idealiza como seu nome sugere “objetivos chave para serem aplicados em
movimentos de grande escala de refugiados e situações prolongadas”. Ressaltamos que nenhum dos dois documentos tem cláusulas de coercibilidade. Prontamente, o Alto Comissariado das Nações Unidas intensificou seus esforços em
promover o Global Compact como uma oportunidade única para fortalecer a
resposta internacional para grandes movimentos de refugiados, com quatro objetivos principais (ONU, 2016, p. 07): (i) facilitar as pressões sobre os países que
acolhem e hospedam refugiados; (ii) construir a autoconfiança dos refugiados;
(iii) expandir o acesso ao reassentamento em países terceiros e outros percursos
complementares; (iv) promover condições que permitam aos refugiados regressarem voluntariamente aos seus países de origem.
A proposta se aproxima da teoria dos pesquisadores Turk e Garlick (2017),
que indicam a solidariedade como força motriz para a cooperação. Entre os
pontos positivos, está a compreensão de que a cooperação hoje não se resume
nas mesmas ações realizadas no passado, apenas por Estados, agora reconhece a
necessidade de ampla participação da iniciativa privada e sociedade civil.
Entretanto, embora seja moralmente perfeito, o Global Compact não aponta
soluções práticas, apenas reforça as mesmas insuficiências das tentativas passadas com nova roupagem. Reconhece que, “embora seja tremenda a generosidade dos
Estados de asilo e doadores, o fosso entre necessidades e financiamento humanitário aumentou” (UN, 2018, p. 02). Para solucionar a questão, os princípios norteadores
indicados pelo documento são os seguintes:
(ii) Princípios orientadores 5. O pacto global emana dos princípios
fundamentais da humanidade e da solidariedade internacional, e busca
operacionalizar os princípios de compartilhamento de responsabilidades e
responsabilidades para melhor proteger e assistir os refugiados e apoiar os países
171
Paradiplomacia Ambiental
e comunidades de acolhimento. O pacto global é inteiramente não-político por
natureza, inclusive em sua implementação, e está alinhado com os propósitos e
princípios da Carta das Nações Unidas.2 (UN, 2018, p. 02)
Outro fator que demanda atenção no Global Compact é que ele ressalta desde seu preâmbulo que representa a vontade política e ambição da comunidade internacional para o fortalecimento da solidariedade (UN, 2018, p. 02).
Desse modo, para o ACNUR, as ideias expressas no documento, como plataforma de suporte para mobilizar Estados, troca de relatórios entre Estados
e ACNUR, além de abordagem jurídica conjunta entre Estados e a ACNUR,
dependem novamente do espírito de solidariedade.
Tal como explorado por Betts (2008), Zieck (2009) e Loescher (1993), autores que compreendem a cooperação internacional como parte de um sistema
composto por interesses e barganhas, observa-se que o ACNUR tenta reinventar seu lugar na proteção aos refugiados, porém de maneira equivocada. Novamente, utilizando a mesma fórmula na qual evoca a solidariedade como um
princípio e, como em 2004, na Convention Plus Iniciative, incorpora temas
e ações que demandam alterações significativas nas políticas migratórias dos
Estados, que, por sua vez, não tem interesse em fazê-lo.
Pode-se utilizar como exemplo o Item 1.5 do Global Compact, sobre necessidades específicas, a respeito da identificação e assistência específica às mulheres
em risco, sobreviventes de tortura, crianças, vítimas de tráfico de pessoas, entre
outros. A solução proposta pelo Global Compact é uma equipe formada por
agentes do Estado e do ACNUR no primeiro atendimento, na fronteira, para
garantir o tratamento adequado às diferentes necessidades (ONU, 2016, p. 12).
Tal ação relaciona-se diretamente com a soberania dos Estados para estabelecer
seus processos e práticas, inserindo o ACNUR em um patamar não confortável
para os Estados.
Assim como em 2004, na Convention Plus Iniciative, diversos Estados recusaram-se a cumprir os objetivos do documento logo após a sua oficialização em
dezembro de 2019, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Os que haviam
aderido à Declaração de Nova York (2016) começam a questionar a legitimidade do Global Compact e do ACNUR para gerenciar questões migratórias, como
fizeram os Estados Unidos da América (2017, n.p).
A América está orgulhosa de nossa herança imigrante e de nossa liderança
moral de longa data em fornecer apoio a populações migrantes e refugiadas
Do original: “(ii) Guiding principles 5. The global compact emanates from fundamental
principles of humanity and international solidarity and seeks to operationalize the principles of
burden- and responsibility-sharing to better protect and assist refugees and support host countries
and communities. The global compact is entirely non-political in nature, including in its implementation, and is in line with the purposes and principles of the Charter of the United Nations”
(tradução livre)
2
172
Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito
das migrações forçadas
em todo o mundo [...] Mas nossas decisões sobre políticas de imigração devem
sempre ser feitas apenas por americanos e americanos. Nós decidiremos como
controlar melhor nossas fronteiras e quem será autorizado a entrar no nosso
país. A abordagem global na declaração de Nova York simplesmente não é compatível com a soberania dos EUA3.
Assim, ao empregar novamente o princípio da solidariedade e ao mesmo
tempo propor um controle de fronteira coletivo entre agentes do Estado e ACNUR, mesmo por razões humanitárias, cria-se o reforço das ações restritivas dos
Estados ao invés do alcance da cooperação. A União Europeia ressaltou, em
seu posicionamento relacionado ao Global Compact, que alguns “Estados desenvolvidos manifestaram interesse em pagar para Estados em desenvolvimento receberem
as suas cotas de reassentamento de refugiados” (EUROPEAN UNION, 2018, p.10),
intenção que demonstra o tipo de solidariedade aplicada pelos Estados.
Em nossa análise, observamos que o Global Compact representa um híbrido
das seguintes ações:
1- Convention Plus Initiative (UNHCR, 2005), sobre a reafirmação dos Estados com relação aos compromissos assumidos na Convenção de 1951 e
Protocolo de 1967, cooperação e solidariedade no âmbito do refúgio, acompanhado de subpropostas que seriam desenvolvidas pelos atores;
2- Ações da International Cooperation to Share Burden and Responsabilities
(UNHCR, 2011), referente atuação conjunta dos Estados, iniciativa privada
e sociedade civil, em diferentes níveis e de acordo com suas capacidades.
2. Reassentamento no Canadá a partir da atuação da sociedade civil
e da iniciativa privada
Recorre-se ao exemplo do programa de reassentamento privado realizado
no Canadá. Mesmo antes de ratificar a Convenção de 1951 (realizada em 1969),
o Canadá figurava entre os Estados que mais reassentou refugiados (O’LEARY,
2018 [1956]).
Em 1978, o Estado elaborou nova Lei de Migração que reconhece os refugiados de acordo aos conceitos estabelecidos na Convenção de 1951, e aprovou
o sistema de determinação da condição de refugiados e passou a permitir o
patrocínio privado para fins de reassentamento, único em atividade no mundo.
Em 1979, aproximadamente 50 mil refugiados, oriundos da crise no sudeste
asiático, foram reassentados pelo programa de patrocínio privado. O Canadá
Do original: “America is proud of our immigrant heritage and our longstanding moral leadership in providing support to migrant and refugee populations across the globe … But our decisions
on immigration policies must always be made by Americans and Americans alone. We will decide
how best to control our borders and who will be allowed to enter our country. The global approach
in the New York declaration is simply not compatible with US sovereignty.” (tradução livre)
3
173
Paradiplomacia Ambiental
também reassentou 5.000 mil kosovares (CCR, 2015) e aproximadamente 25
mil sírios em 2015 (CCR, 2019, n.p; CCR, 2016).
Pessoas com status de refúgio reconhecido por um Estado ou pelo ACNUR,
conforme a Convenção de 1951 e seu protocolo de 1967, e que estejam de
acordo com os requisitos do Private Sponsorship of Refugees Program (PSR) do
Canadá, podem participar do referido programa de reassentamento privado
(CCR, 2017). Aqueles sem o status de refugiado podem ser patrocinados apenas
por Organizações da Sociedade Civil e não por outros grupos derivados do
programa de reassentamento.
Um oficial do governo decide pela elegibilidade por meio de entrevista, documentos que comprovem a condição de refugiado e apoio do grupo privado,
além de informações suplementares, como por exemplo informações do Estado
de primeiro asilo e de origem (CCR, 2017. n.p.).
O PSR é constituído por cinco grupos que efetivamente se comprometem
com o apoio de reassentamento (CCR, 2017):
1) Organizações da Sociedade Civil e outras (Sponsorship Agreement Holders
- SAHs) – incorporated organizations (personalidades jurídicas, em tradução
para o conceito jurídico brasileiro aproximado) - detentoras de um acordo
de patrocínio privado de reassentamento. Apenas esse grupo pode patrocinar o reassentamento de indivíduos cujo status de refugiado não é certo;
2) Grupos Constituintes (Constituent Groups - CGs) que são partes autorizadas pelas SAHs para patrocinar reassentados;
3) Grupos de Cinco (Groups of Give - G5). Cinco indivíduos cidadãos ou
residentes permanentes no Canadá, com no mínimo 18 anos, que vivam na
comunidade receptora daquele(s) que pretende(m) reassentar.
4) Patrocinadores Comunitários (Community Sponsors - CSs) - Organizações
privadas sem ou com fins lucrativos localizadas na comunidade onde serão
recebidos os refugiados;
5) Parceiros que dividirão a assistência ao reassentamento, inclusive indivíduos (pessoas físicas), autorizados como “parceiros co-participantes ou co-patrocinadores” (Partner-co-sponsor) autorizado por SAH, CG ou CS.
Essas categorias de entidades privadas do PSR devem provar que tem capacidade financeira para participar do programa e se responsabilizam por todo o
processo de integração, que envolvem a residência, custos domésticos, busca por
emprego, educação e saúde (CCR, 2017).
A duração do apoio varia entre 12 e 36 meses em casos excepcionais e também se refere aos valores custeados de antemão pelo Governo do Canadá, como
os gastos com passagem aérea de vinda, feitos em formato de empréstimo aos
174
Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito
das migrações forçadas
reassentados caso estes estejam impossibilitados de ressarcir os valores. No sistema de referência dos patrocinados os grupos patrocinadores nomeiam o refugiado ou a unidade familiar que é de seu interesse reassentar (CCR, 2017).
Por fim, o PSR é um programa complementar ao Government Assisted Refugees, programa do governo do Canadá para reassentamento de refugiados (CCR,
2017). O PSR é composto de organizações religiosas e étnico-culturais, visando
os grupos particularmente mais vulneráveis. Um dos princípios do PSR é a
nomeação que confere aos patrocinadores capacidade sobre o reassentamento daquelas comunidades, grupos ou indivíduos refugiados que dizem respeito
às suas comunidades ou identificação religiosa ou étnico-cultural (CCR, 2017,
n.p.).
O exemplo demonstrado pelo Canadá com o reassentamento privado e
ações da sociedade civil assemelha-se a proposta do pesquisador Betts (2009),
pois considera o interesse dos atores para promover o bem comum entre quem
quer ser reassentado e os que desejam reassentar. Demonstra que é possível
cooperar quando há correlação desses interesses, que, por sua vez, moldam-se
conforme as necessidades percebidas.
3. Campos de refugiados humanizados: o exemplo de Uganda: BidiBidi
A República de Uganda é conhecida no mundo como um dos países com
as políticas públicas mais progressistas relativas aos refugiados (UNHCR, 2004,
p.2). É um Estado historicamente rodeado por outros Estados jovens, subdesenvolvidos, em conflito ou em períodos de transição (UNHCR, 2004, p.1). Por
isso, Uganda tornou-se o epicentro para refugiados por muitas décadas. Entre
1942 e 1944 refugiados da Polônia foram recebidos em dois campos, Nyabyeya
(Masindi), Koja (Mpunga) e no distrito de Mukono.
Durante a primeira metade do Século XX, campos foram estruturados para
alemães, italianos, austríacos, romenos, búlgaros, yugoslavos, húngaros, legionários franceses, malteses e judeus apátridas (UNHCR, 2004, p.1). Desde 1940,
antes do surgimento da Convenção de 1951 e o conceito jurídico do status de
refugiado, Uganda mantém uma política para refugiados centrada no desenvolvimento social:
Encontrar soluções duráveis para os problemas dos refugiados pelo endereçamento desses problemas dentro de um quadro de ação de políticas de governo
para promoção da auto-suficiência e integração local de refugiados por meio de
iniciativas de desenvolvimento social em áreas de recepção (UNHCR, 2004,
p.2)4.
Do original: “to find durable solutions to refugee problems by addressing refugee issues within
the broad framework of government policy and to promote self -reliance and local integration of
4
175
Paradiplomacia Ambiental
Ou seja, a busca pela auto-suficiência - self-reliance - é o principal elemento
estruturante para as políticas aos refugiados em Uganda. A auto-suficiência e
seus princípios norteadores, apesar de já serem historicamente aplicados em
Uganda, só foram formalizados no final dos anos 1990 (UNHCR, 2004, p.2).
Essa formalização das políticas para refugiados, em adequação à visão de
Uganda, ficou conhecida por Self-Reliance Strategy for Sudanese refugees in Uganda
(SRS) - Estratégia para auto-suficiência de refugiados sudaneses na Uganda5. O
plano foi estabelecido no contexto dos fluxos de refugiados no final dos anos
90, compostos majoritariamente por sudaneses, com concentrações em assentamentos de três distritos específicos; Arua, Myo e Adjumani (UNHCR, 2004,
p.2).
Estabelecido como conceito em julho de 1998 pelo encontro com Agências
da ONU, distritos da Uganda, ONGs e outros, o plano estratégico foi desenvolvido conjuntamente pelo escritório do Primeiro Ministro da Uganda, o Diretório para Refugiados de Uganda (hoje conhecido como Ministério para Preparação de Desastres e Refugiados) e o ACNUR de Uganda (UNHCR, 2004, p.2).
Conflitos de compreensão entre o escritório do Primeiro Ministro de Uganda, o ACNUR, e uma introdução inadequada do conceito do SRS para os distritos estagnaram, inicialmente, o desenvolvimento de âmbito nacional das políticas para refugiados (UNHCR, 2004, p.3). Mesmo assim, após os desentraves, o
plano começou a ser aplicado a partir dos anos 2002-2003 no seu contexto específico de surgimento; o recebimento de refugiados sudaneses. Em 2002 passou
a vigorar, em um molde institucionalizado, a autossuficiência como abordagem
para recepção, integração e eventual repatriação de refugiados.
O conceito de “autossuficiência” ou “emancipação individual” (self-reliance)
nos planos do SRS de 2003 era considerado simplista. Basicamente, o SRS definia self-reliance como “a capacidade dos refugiados em conseguirem seu próprio sustento
a partir do ano de 2003” (UNHCR, 2004, p.10)6. Essa definição não levava em
conta, por exemplo, que mesmo com a oferta de terras para cultivo, procura
para expansão e integração local dos serviços de apoio distritais para refugiados
e nacionais, fatores externos ao programa, como novos fluxos de refugiados,
infertilidade das terras e secas, afetaram a segurança alimentar, entre outros
fatores essenciais para a emancipação da assistência humanitária do ACNUR e
do governo (UNHCR, 2004).
Esses fatores externos são relevantes na medida em que a segurança alimenrefugees through promoting social development initiatives in hosting areas.” (tradução livre)
5
Self-Reliance também pode ser traduzido como “emancipação”. Ou seja, no título
completo: Estratégia para emancipação ou autossuficiência de refugiados Sudaneses na
Uganda.
6
Do original: “[...] self-reliance means that refugees would be able to support themselves by the
year 2003” (tradução livre)
176
Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito
das migrações forçadas
tar é vista como um dos pilares do SRS e para a autossuficiência. A segurança
alimentar dos assistidos está diretamente relacionada ao provimento de terras
aráveis pelo Governo de Uganda, feito com base no “direito de uso pelo tempo
em exílio/refúgio” dos usufrutuários das terras, nomeadamente os refugiados
prima facie (UNHCR, 2004, p.13).
Essa estratégia permitiu que diversos assentamentos de refugiados deixassem de receber provisões alimentícias, racionadas em períodos relevantes, mesmo nos casos afetados por ocorrências externas como secas, pestes, enchentes e
insegurança climática em geral. Nesses períodos, houve distribuição suplementar de alimentos por instituições humanitárias (UNHCR, 2004, p.14).
Em termos de integração local, pelo SRS ser voltado ao desenvolvendo comunitário e não apenas ajuda humanitária e assistencialismo, descreve-se considerável coesão social e coexistência entre comunidades compostas por nacionais de Uganda e refugiados. Entre os fatores que permitem essa coexistência de
grupos de diferentes etnias, com diferentes religiões e provenientes de sistemas
políticos e sociais diferentes, a receptividade das comunidades é uma das principais forças positivas (UNHCR, 2004, p.13). Adicionalmente, essa percepção
positiva do programa ultrapassa fronteiras, angariando visibilidade internacional positiva para Uganda.
Pode-se atribuir, como fundação dessa coexistência, a própria estrutura do
programa que integra comunidades e distritos não apenas no formato de um
plano nacional, mas conforme as necessidades locais. As comunidades, por
exemplo, percebem os assentamentos de refugiados estruturados conforme o
SRS como uma “chamada para a autossuficiência” e maior acesso de serviços
para refugiados e para os nacionais (UNHCR, 2004, p.11).
Os serviços que o relatório do ACNUR de 2004 menciona são, especificamente, a integração de serviços públicos para nacionais e para refugiados,
nomeadamente nas áreas da saúde, educação, proteção à agricultura, geração
de renda, proteção ambiental, água, saneamento e infraestrutura (UNHCR,
2004, 3). Essa integração é feita de forma conjunta com agências humanitárias,
fundos do ACNUR e outros agentes. O foco inicial em agências humanitárias
seria suplantado progressivamente pela vinda de agências com foco em desenvolvimento. Essa foi uma das suposições centrais do SRS em sua gênese institucionalizada (UNHCR, 2004, p.8).
Compreende-se que, além dos serviços públicos, a permissão de livre movimentação no território nacional e a permissão para empreender e trabalhar, não
tolhida aos refugiados, permite maior acesso aos serviços privados e iniciativas
como mercados locais, promovendo, assim, maior acesso também da população
nacional a produtos e serviços.
Em termos de estratégia nacional, o sistema de políticas para refugiados
177
Paradiplomacia Ambiental
requer que toda ajuda humanitária, por meio de trabalho aos refugiados, doe
até 30% de seu orçamento para nacionais de Uganda. Essa integração estrutural,
com a ajuda humanitária e o investimento nos acessos aos serviços públicos
atendendo aos fluxos de refugiados, representa uma espécie de programa
de desenvolvimento para as regiões mais pobres do Nordeste e do Norte de
Uganda. A presença de agências humanitárias, inclusive, oferece empregos com
alta remuneração para cidadãos nacionais (HATTEM, 2017).
Esses elementos contribuem com a manutenção da receptividade e visão
positiva da população com relação aos refugiados. O cultivo dessas medidas
contribui para que eles sejam vistos como oportunidade ao desenvolvimento
mútuo. Ao diminuir conflitos interculturais, étnicos e outros promove-se a coesão social das regiões receptoras de fluxos, o que é um interesse basilar para
qualquer Estado mesmo fora do contexto de recepção de refugiados.
Conforme as políticas para refugiados descritas e praticadas em Uganda,
foi criado assentamento para novo fluxo de refugiados, dessa vez sul-sudaneses7.
Esse assentamento é Bidi-Bidi, localizado na região que antes era um espaço
árido, vazio e sem cultivo, ao lado da pequena cidade de Yumbe, próxima da
fronteira com o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo.
Estabelecido oficialmente em setembro de 2016, o assentamento, que antes era uma vila com população esparsa, rapidamente se transformou em um
dos maiores assentamentos de refugiados do mundo. O distrito de Yambe, cuja
capital é a cidade com mesmo o nome e onde está localizado Bidi-Bidi, tem
aproximadamente 555 mil nacionais. No assentamento Bidi-Bidi vivem 270 mil
refugiados, correspondendo a mais de um terço da população total do distrito,
incluindo nacionais e refugiados. Depois de sua abertura, em setembro de 2016,
o assentamento parou de receber refugiados, ao atingir sua capacidade máxima
de 270 mil pessoas, em dezembro do mesmo ano.
O diretor da Caritas Uganda, Monsenhor Francis Ndamira, disse que “a
resposta humanitária em Bidi-Bidi foi a mais rápida que eu já vi em 22 anos
trabalhando na Cáritas. [...] nunca vi as coisas acontecerem tão rápido” (CARITAS, 2017, n.p.)8.
Conforme a estratégia nacional de Uganda, em parceria com o ACNUR
e outras entidades, como a Caritas Arquidiocesana de Uganda, a ajuda
humanitária não é apenas emergêncial, mas visa, também, a autonomia e a
autossuficiência. No início da sua atuação, a entidade religiosa distribuiu 10.000
toneladas de sementes e 10.000 ferramentas para cultivo em Bidi-Bidi. O cultivo
O Sudão do Sul tornou-se independente do Sudão em 2005. O gentílico para aqueles
nacionais do Sudão é “sudanês” e para os nacionais do Sudão do Sul “sul-sudanês”.
8
Do original: “It was the most effective response in my 22 years at Caritas” said Msgr Francis Ndamira, national director of Caritas Uganda. “[…] Things have never moved so quickly.”
(tradução livre)
7
178
Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito
das migrações forçadas
só é possível porque o governo de Uganda oferece terras aráveis aos refugiados.
A natureza de emergência mereceu resposta rápida para a entrada do
fluxo de refugiados em Uganda, embora o número de atendimento tenha sido
limitado, devido à infraestrutura do país. Por exemplo, no final de 2017, faltava
água e outros recursos, o que gerou tensões entre refugiados e a população local.
Com relação à autossuficiência, ao contrário da maioria dos campos para
refugiados no mundo, o assentamento de Bidi-Bidi não tem fronteiras rígidas.
Isso ocorre por razões culturais, como observa Hilary Onek, ministra de Ajuda
Humanitária e Assistência para refugiados da Uganda (MOMODU, 2019, n.p):
Uganda continuou a manter uma política de portas abertas para os refugiados, com base na tradicional hospitalidade africana e não afastando ninguém
que está correndo para nós em busca de segurança9.
A principal ameaça, não só com relação à Bidi-Bidi, mas aos outros campos
de reassentamento de refugiado quanto à aplicação do SRS, é a continuidade e
consistência do financiamento internacional como parte estruturante dos projetos. Em julho de 2017, a ONU e o governo de Uganda solicitaram 2 bilhões
de dólares à comunidade internacional, mas receberam naquele ano apenas 352
milhões em doações. Em 2018, devido a necessidade estrutural, o custo para
manutenção do campo foi estimado em 8 milhões de dólares, receberam apenas
55% do esperado.
CONCLUSÃO
Com base no que foi apresentado, foi possível conceber equívocos na essência do Global Compact no que tange creditar à solidariedade a motivação para
a cooperação, fator que não se sustenta sem que os interesses e possibilidades
de todos os atores, não apenas os clássicos, sejam sopesados. Como resultado,
em pouco tempo a iniciativa suscitou questionamentos a respeito de possíveis
interferência na soberania dos Estados.
Em sequência, identificou-se que o discurso de solidariedade como incentivo principal não figura nas duas amostras estudadas consideradas bem sucedidas pois são pautadas pelo conceito da autossuficiência: o campo de Bidi-Bidi em
Uganda e o programa de reassentamento privado no Canadá.
Em Bidi Bidi a movimentação livre dos refugiados e a atribuição de espaços
para a construção de residências e estabelecimentos comerciais proporcionaram
aos assentados se tornarem ativos economicamente e empregar os nacionais, devido ao interesse do Governo de Uganda em tornar o campo uma das maiores
Do original: “Uganda has continued to maintain an open-door policy to refugees based on
traditional African hospitality and not turning away anybody who is running to us for safety”
(tradução livre)
9
179
Paradiplomacia Ambiental
cidades do País. Já no Programa de Reassentamento Privado, ações das empresas interessadas em contribuir com o reassentamento, juntamente ao interesse
de algumas regiões do país em aumentar a população e a atuação da sociedade
civil, provam ser possível a cooperação, quando há relação entre os interesses
quanto aos refugiados.
Logo, conclui-se que não são as práticas das Nações Unidas que geram diferentes resultados, mas o interesse dos Estados que determinam as condições
para que os refugiados sejam recebidos e instalados nos territórios que buscam
abrigo.
REFERÊNCIAS
BETTS, A.. North-South Cooperation in the Refugee Regime: The Role
of Linkages. Global Governance: A Review of Multilateralism and International Organizations. v. 14, n. 2, apr.-jun. 2008, pp. 157-178. Disponível em:
http://journals.rienner.com/doi/abs/10.5555/ggov.2008.14.2.157?code=lrpi-site>. Acesso em: 8 out. 2018.
______. Protection by Persuasion: International Cooperation in the Refugee Regime. Cornell University Press, 2009.
CANADIAN COUNCIL FOR REFUGEES (CCR). Brief history of Canada’s responses to refugees. Montreal: CCR, 2019. Disponível em: https://
ccrweb.ca/sites/ccrweb.ca/files/static-files/canadarefugeeshistory4.htm.
Acesso em: 15 abr. 2020.
______. CCR congratulates the government on resettling 25,000 Syrian refugees.
Montreal: CCR, 2016. Disponível em: https://ccrweb.ca/en/ccr-congratulates-government-resettling-25000-syrian-refugees. Acesso em: 15 abr. 2020
______. Private sponsorship of refugees in 2017. Montreal: CCR, 2017. Disponível em: https://ccrweb.ca/en/private-sponsorship-refugees-2017. Acesso em: 15 abr. 2020.
______. Recommendations for a strong Canadian response to Syrian refugees.
Montreal: CCR, 2015. Disponível em: https://ccrweb.ca/en/recommendations-strong-canadian-response-syrian-refugees. Acesso em: 15 abr. 2020
CARITAS. Hope at Bidi Bidi Refugee Camp: Photos by Tommy Trenchard.
Vatican City (City-state), Bidi Bidi (Uganda) (online), 2018. Disponível em:
<https://bidibidi.caritas.org/>. Acesso em: 06 out. 2018.
EUROPEAN UNION. Towards a global compact on refugees Strengthening international cooperation to ease the plight of refugees in the world. Geneva: European Parliamentary Research Service , 2018. Disponível em:<http://
www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2018/623550/EPRS_
180
Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito
das migrações forçadas
BRI(2018)623550_EN.pdf>. Acesso em: 03 out. 2018.
HATTEM, J.. The Washington Post. Uganda may be best place in the world
to be a refugee. But that could change without more money. Washington: The
Washington Post, 2017. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/
news/worldviews/wp/2017/06/20/uganda-may-be-best-place-in-the-worldto-be-a-refugee-but-that-could-change-without-more-money/. Acesso em: 15
abr. 2020.
LOESCHER, G.. BEYOND CHARITY. International Cooperation and the
Global Refugee Crisis. 1. ed. Oxford: Oxford University Press, 1993.
MONODU, S.. Uganda stands out in refugees hospitality. New York: Africa Renewal Magazine & United Nations, 2018. Disponível em: https://
www.un.org/africarenewal/magazine/december-2018-march-2019/uganda-stands-out-refugees-hospitality. Acesso em: 15 abr. 2020.
O’LEARY, J.. CANADIAN BROADCASTING CORPORATION (CBC)
Digital Archives. 1956: Hungarian refugees welcomed to Canada.Ottawa (Canada, online): CBC, 2018 [1956]. Disponível em: <https://www.cbc.ca/archives/entry/hungarian-refugees-welcomed-to-canada-in-1956>. Acesso em:
8 out. 2018.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração de
Nova York Sobre Refugiados e Migrantes. New York: UNITED NATIONS,
2016. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.
asp?symbol=A/RES/71/1> Acesso em: 01 fev. 2020.
TÜRK, V.; GARLICK, M.. From Burdens and Responsibilities to Opportunities:
The comprehensive Refugee Response Framework and Global Compact on
Refugees. Londres: Oxford Press. 2017, p. 656-678.
UNHCR. Convention Plus at Glance. Geneva and New York: UN, 2005
http://www.unhcr.org/protection/convention/403b30684/conventionplus-glance-june-2005.html. Acesso em: 15 set. 2017.
______. International Cooperation to Share Burden and Responsibilities. Amman (Jordan): UNHCR, 2011. Disponível em: https://www.refworld.org/
docid/4e533bc02.html. Acesso em: 15 abr. 2020.
______. Self-Reliance Strategy (1999 – 2003) For Refugee Hosting Areas in Moyo,
Arua and Adjumani Districts, Uganda. Uganda; Geneva: UNHCR, 2004.
Disponível em: https://www.unhcr.org/41c6a4fc4.pdf. Acesso em: 15 abr.
2020.
______. Towards a global compact on refugees. United Nations, 2018. Disponível em: <http://www.unhcr.org/towards-a-global-compact-on-refugees.
html>. Acesso em: 03 mai. 2018.
UNITED STATES OF AMERICA. US Mission to the United Nations.
181
Paradiplomacia Ambiental
United States Ends Participation in Global Compact on Migration. Washington
D.C.: US Government, 2017. Disponível em: https://usun.usmission.gov/
united-states-ends-participation-in-global-compact-on-migration/. Acesso
em: 17 abr. 2020.
ZIECK, Marjoleine. Doomed to Fail from the Outset? UNHCR’s Convention Plus Initiative Revisited. International Journal of Refugee Law, v. 21, n. 3,
pp. 387-420, 2009. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=1481596>. Acesso em: 8 out. 2018.
182
A SPATIAL DIMENSION TO TACKLE INEQUALITIES WITHIN
COUNTRIES
Rodrigo Messias1
SDG 10 - Reduce inequality within and among countries
TARGETS - All
INTRODUCTION
D
ifferent forms of inequality are addressed by the 2030 Agenda throughout the 17 Sustainable Development Goals (SDGs) and targets.
SDG 10 is particularly focused on the fight against inequality, specifically to “reduce inequality within and among countries” (UN, 2015). Additionally, other
goals and targets consider multiple aspects of equality, such as inclusion, discrimination, accessibility, and opportunities. For instance, SDG 4 concerns with
inclusive and quality education, SDG 5 focuses on gender equality and SDG
8 on decent work and inclusive economic growth. The pursuit of equalization
can thus adopt diverse shapes, in addition to inequality of income and wealth.
With that in mind, this chapter will explore the connection between economic inequality and other social and political aspects, in addition to the cross-cutting effects of spatial disadvantages and disparities. The chapter also highlights
local and regional governments’ role in the localization of the SDGs, particularly in reducing inequalities and tackling some of its causes and expressions in
cities and regions, in line with SDG 10.
Through its targets, SDG 10 combines multiple assertions of inequality.
On its global scope, SDG 10 continues the tradition of the Millennium Development Goals (MDGs) to mind the different levels of development among
countries. Nevertheless, special attention must be paid to the fact that this goal
emphasizes inequality within countries – opening up a box of possibilities to
take a closer look into the dynamics and disparities at the subnational level. For
example, the inequalities among regions, cities, as well as between urban and
rural areas, and even inside cities’ boundaries. These inequalities are aggravated
by group-based disparities, in terms of income groups, gender, ethnicity, race,
Rodrigo Messias has a master’s degree in Territorial Planning and Environmental Management from the University of Barcelona (UB). A bachelor’s degree in International
Relations from the University of São Paulo (USP). He has been engaged with international networks of subnational governments and has contributed to the debate of SDG
localization since prior to 2030 Agenda adoption.
1
183
Paradiplomacia Ambiental
and others, in the same country.
Particularly in cities and territories, inequality has an undeniable spatial facet. For example, the divide between the rich and the poor, added by aspects of
race or nationality, makes room for concentrations in different neighborhoods
and parts of the city, with higher or lower degrees of deprivation (Kabeer and
Santos, 2017). In this regard, local and regional governments2 are particularly
well-positioned to adopt and implement policies to address the issue of spatial
segregation and its inequality load. They can intervene in housing affairs and
conditions, the provision of quality public services, including housing, health,
sanitation, and more.
Turning the spotlights on the discrepancies inside countries, SDG 10 reminds us to look beyond national averages, and pursue a transformation of
the way development is measured at the global level. Furthermore, understanding inequalities and disparities within countries will require disaggregated data
(SDSN, 2015), especially through the lens of a spatial and urban debate (Liverman, 2018). Accordingly, this chapter discusses the importance to produce
statistical data at the subnational level, which can be facilitated by cities and
regions’ administrations, to expose deeper processes of spatial disparities and
its contributions to income and other forms of inequality.
In times of the COVID-19 pandemic, it is not yet possible to understand
the full socioeconomic extent of this health crisis. However, economic recession
and increased unemployment are expected, hence the impact of the disease becomes a major driver of the equality debate (CCSA, 2020; OECD, 2020; UN,
2020b). Building on observations of the aftermath of the 2008 financial crisis
(Zwiers et al., 2016), the chapter shares early thoughts on ways the virus outbreak could affect the debate on SDG 10, cities, and inequality.
1. Multidimensional inequality
1.1 Economic and global inequality
In international agendas, inequality is increasingly recognized as a cornerstone of development, as it can compromise socio-economic progress and shake
traditional assumptions that some countries are highly developed. Piketty’s renowned “Capital in the 21st Century” provided several insights on income disparities and wealth concentration around the globe, and showed that inequality
This expression is commonly used by the constituency of subnational authorities in
the global fora, represented by networks and associations of cities and regions, to refer
to all levels of government and forms of official authority below the national or central
government. As an example, the Global Task Force of Local and Regional Governments
brings together many organizations working on this field (https://www.global-taskforce.
org/).
2
184
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
has been on the rise since 1990 in several countries, and particularly within
developed countries and despite economic growth (Piketty, 2013). Along with
other proposals, the author bets on global progressive taxes over inheritances
and wealth, to target large fortunes and enable more equalizing efforts to empower the lowest-income segments of society.
In rough terms, the accumulated wealth of the top 1% in the world could
correspond to the same amount of the other 99% (Oxfam, 2017). Although some
emerging economies have shown improvements in equalizing efforts, income and
wealth are increasingly concentrating at the top, and a global intensification of
inequalities within countries is foreseen if proper action is not taken (UN, 2020).
In combination with economic inequalities, diverse social, political, and
spatial disparities often interplay and affect human development. Access to
quality health and education services, labor and housing conditions, or technological advances may well define the income groups’ capacity to ascend and accumulate wealth. At the same time, the level of income can shape one’s opportunities in life and the future of their children, forming a cycle of inequalities
(Van Ham et al., 2018).
In this direction, the United Nations Development Program (UNDP) Human Development Report urges to go beyond the focus on income and wealth
variations to understand equality in a broader sense, which also includes inequalities in “capabilities”3. Despite progress on basic capabilities, as observed
in rates of infant mortality, primary school enrollment, or mobile-cellular subscriptions, the report alerts to a new generation of inequality. This emerging
trend follows a persistent gap of enhanced capabilities, for instance, at the levels
of access to tertiary education, higher life expectancy, quality technologies, or
resilience to climate and other crises (UNDP, 2019).
When economic disparities are observed across income-groups, individuals, or households, it is considered a vertical inequality. On the other hand,
horizontal inequalities build on social exclusion and discrimination, and apply
to group-based disadvantages, as can be witnessed across age, gender, migrant
situation, ethnicity, race, or disability status (Stewart, 2002; UN, 2020). Vertical
and horizontal inequalities frequently intersect, generating a situation of combined disadvantages, which represented a recurring challenge to impact the MDG
measurement and progress (Kabeer, 2010).
Different vertical, horizontal, and intersecting inequalities are addressed by
many of the SDGs and targets. The 2030 Agenda through its universality and
motto to “leave no one behind” contributes to a new take on development,
The report explains that capabilities refer to how far people can decide on their own
lives, or people’s “agency”.
3
185
Paradiplomacia Ambiental
which is centered on inequality and singles out some of its structures that
need to be tackled (Freistein and Mahlert, 2016). Complex as it may appear,
equalizing concerns requires a multidimensional approach and action on the
root causes of inequality.
Considering the points above, it is possible to qualify SDG 10 with an overall predominance of economic and income aspects, whereas it also points to
the related horizontal and intersecting inequalities of income distinctions. In
that regard, table 1 below attempts to analyze each of the targets in the SDG 10,
according to their principal model of inequality, if vertical, horizontal, and/or
intersecting, as well as the primary type of disparity and if it refers to disparities
within countries or between countries.
For example, target 10.1 addresses the concentration of income and wealth,
particularly in how the lower segments experience economic growth compared
to the national average, hence configuring a mainly vertical approach. However,
other targets such as 10.2 rather concern with social, economic, and political
inclusion of disadvantaged groups, emphasizing horizontal and intersecting
inequalities. Target 10.3 focuses on unequal access to opportunities and discrimination, which also influences capabilities in an intersecting manner. Additionally, goal 10 also addresses the topic of migration and how it can impact
people’s exposure to difficulties (target 10.7 and 10.C).
Ahead of the annual High-level Political Forum (HLPF) meetings, which
assemble UN Member-States, international organizations, and stakeholders of
different sectors, the Secretary-General presents a progress report, with an overview of each SDG and other pressing matters that interpose with the Agenda’s
breakthrough. SDG 10 is mostly esteemed under financial and economic facets,
and the report presents, inter alia, positive results on target 10.1 in more than
half of the 92 countries where data was available.
As for the intertwined effects of income and other equality concerns, the
report stresses that “greater emphasis will need to be placed on reducing inequalities in income as well as those based on other factors” (UN, 2019, p. 16).
Furthermore, the report underscored the continued challenge on the availability and comparability of data, and how the local and regional governments will
be pivotal to accelerating the implementation of the SDGs (ibid.).
1.2 Table 1 – SDG 10 targets and inequality aspects. Source: the
author.
186
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
Inequality Model
Primary Type
Presence
10.1 By 2030, progressively achieve and sustain income growth of the
bottom 40 per cent of the population at a rate higher than the national
average
Target
Vertical
Economic
Within countries
10.2 By 2030, empower and promote the social, economic and political
inclusion of all, irrespective of age, sex, disability, race, ethnicity,
origin, religion or economic or other status
Horizontal/Intersecting
Economic, Social,
Political & Capability
Within countries
Intersecting
Social & Capability
Within countries
10.3 Ensure equal opportunity and reduce inequalities of outcome,
including by eliminating discriminatory laws, policies and practices and
promoting appropriate legislation, policies and action in this regard
10.4 Adopt policies, especially fiscal, wage and social protection
policies, and progressively achieve greater equality
Vertical/Intersecting
Economic & Social
Within countries
10.5 Improve the regulation and monitoring of global financial markets
and institutions and strengthen the implementation of such regulations
Vertical
Economic
Global/among
countries
10.6 Ensure enhanced representation and voice for developing
countries in decision-making in global international economic and
financial institutions in order to deliver more effective, credible,
accountable and legitimate institutions
Vertical
Economic & Political
Global/among
countries
10.7 Facilitate orderly, safe, regular and responsible migration and
mobility of people, including through the implementation of planned
and well-managed migration policies
Horizontal
Social & Capability
Within and among
countries
10.A Implement the principle of special and differential treatment for
developing countries, in particular least developed countries, in
accordance with World Trade Organization agreements
Vertical
Economic & Political
Global/among
countries
10.B Encourage official development assistance and financial flows,
including foreign direct investment, to States where the need is
greatest, in particular least developed countries, African countries,
small island developing States and landlocked developing countries, in
accordance with their national plans and programmes
Vertical
Economic
Global/among
countries
Vertical/Intersecting
Economic & Social
Within and among
countries
10.C By 2030, reduce to less than 3 per cent the transaction costs of
migrant remittances and eliminate remittance corridors with costs
higher than 5 per cent
The spatial dimension of inequality Images of slums next to high-income
buildings or gated communities, such as the famous photo by Tuco Vieira of the
Paraisópolis favela in the city of São Paulo (see photo below), have gone around
the world and provide a unique insight into how inequalities can take shape within cities. Income variations follow different standards of spatial distribution
and have place-based interlinkages.
187
Paradiplomacia Ambiental
Disparities with a spatial dimension can be observed against a myriad of
scales, as in the North-South global divide (Atkinson and Piketty, 2007), or the
climate zones (UNDP 2019). Within countries, inequalities are found among
regions, between urban and rural areas, center and periphery, among small,
large, metropolitan cities, and especially intra-urban, through neighborhoods
and city districts.
Photo of Paraisópolis in the Morumbi neighborhood, São Paulo. Source:
Tuco Vieira
Territorial disparities may lead to asymmetrical access to economic, social, and environmental resources, and are particularly found within the urban
fabric (Mastronardi and Cavallo, 2020). Spatial inequalities within countries
are even more accentuated than those found between countries and are on the
rise in Europe and several parts of the world (UN, 2020).
Brazil usually appears as an emblematic case considering the historical
and persistent discrepancies between Northeastern Brazil and other parts, especially Southeastern Brazil. While the former is considered the poorest and
most deprived macro-region in the country, the latter is where the city of São
Paulo is located, with greater levels of income, but also home to scenes such
as the one shown in the photo above. In contrast to this background, Brazil
had positive results to reduce poverty and income imbalances over the recent
decades, but kept major inequality standards, even more among cities and
especially inside them (Souza, 2013).
In cities, housing, and spatial segregation intersect with race, ethnicity, and
socially excluded groups, since these groups can be forced to disadvantaged locations (Kabeer and Santos, 2017). Moreover, socio-economic groups have differentiated power over political decisions, and as these groups concentrate in
distinct neighborhoods, due to income limitations or identity patterns, it also
impacts the magnitude of investments, the quality of services, and infrastructure that the areas receive.
In this sense, neighborhood and spatial inequalities affect labor and education possibilities and thus hamper chances to attain more income or better
opportunities, creating vicious cycles of interacting urban segregation, spatial
and other forms of inequality (Van Ham et al., 2018). Moreover, high-grades of
income imbalance, combined with spatial segregation, can also reduce the capacity of families and groups to move to less-deprived areas, reducing social-spatial
mobility (Nieuwenhuis et al., 2017). As spatial inequalities influence children’s
educational development (Nieuwenhuis and Hooimeijer, 2016), for instance in
the school and public spaces they have access to, place-based disparities can create or accentuate intergenerational inequalities (UNDP, 2019). Consequently,
there is a convergence among income, neighborhood types, and horizontal ine188
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
qualities, which makes the cycle of inequalities even harder to break.
The population in urban areas has outgrown that in rural areas and the
tendency is expected to be maintained, including due to continued rural to
urban migration (UN, 2020). Accordingly, the World Social Report 2020 dedicated a full chapter to urbanization, as a megatrend that impacts inequality
and represents a critical phenomenon capable of redefining our equalizing pathways. The recent report highlights how cities face pressing challenges, such as
demands on housing, land, services provision, infrastructure, connectivity and
transport, employment opportunities, and more. In light of this, the way cities
are governed, the actions and policies implemented will define the outcomes
of equalization efforts and the repercussions of climate and economic shocks.
To properly manage spatial intersecting inequalities, new forms of governance and participation will be required, as well as improved data sources and
modalities to measure progress and multi-dimensions (Ulbrich et al., 2019).
Therefore, SDG 10 requires complementary allusion to place-based and spatial
relations, such as an emphasis on urban inequalities or neighborhood disadvantages, which will be core to approaching the rooting causes of income inequality.
In this regard, there are close links between SDG 10 and SDG 11, focused
on cities, and which brings important urban spatial considerations in topics of
housing, transport, and public spaces. For this reason, both goals should have a
stronger interface and could be concomitantly pursued within countries, driven
by the efforts of local and regional governments. With the same mindset, the
2030 Agenda is associated with the New Urban Agenda, in which topics such
as inequality, inclusion, and the right to the city remarkably appear. Like the
2030 Agenda, urban commitment was also approved in 2015 and is underlined
for putting forward a blueprint and guidelines to handle urbanization processes
adequately.
2. Local and regional governments’ action to target inequality
There has been a growing acknowledgment of the local and regional governments’ strategic position to redress spatial intersecting inequalities, and thus
to promote the 2030 Agenda within countries. To illustrate, the World Social
Report affirmed it “is increasingly recognized that local authorities are pivotal to the
realization of the Sustainable Development Goals and the New Urban Agenda” (UN,
2020, p. 125). With that in mind, the UNDP, UN-Habitat, and the Global Task
Force of Local and Regional Governments (GTF) engaged in a collaborative
process4 to promote ownership of the 2030 Agenda in cities and regions, particularly empowering institutions and actors at the subnational level.
The Local2030 is defined as an online platform to compile tools, experiences, publications and guides to support the localization of the SDGs - www.local2030.org.
4
189
Paradiplomacia Ambiental
It is estimated that approximately 65% of all 169 targets and 17 SDGs would
require some level of engagement and contribution from local and regional governments (Misselwitz et al., 2016). Other studies come to a similar analysis, as
almost 60% of SDG targets could only be achieved with the support of local
and regional governments, since they regularly hold competencies for the provision of essential public services in health, education, technological inclusion,
emergency preparedness, water, energy, housing, etc (OECD, 2019).
Localization of the SDGs herein refers to a bottom-up approach that seeks
the accomplishment of the 2030 Agenda at the subnational level, within countries. More than the simple incorporation of goals by local plans, the localization process is a unique opportunity to convene multi-stakeholders towards
a new governance model and participatory modalities to address the several
themes covered by the agenda.
In this context, the GTF releases annual reports with a variety of practices
and interesting findings around local and regional governments’ efforts towards
the achievement of the SDGs, following the 2030 Agenda annual reviews at the
HLPF. Regarding SDG 10, the GTF 2019 report highlighted cases such as Rio
de Janeiro’s Favela-Bairro program or the Mejoramiento Integral de Barrios in
Medellín as specific actions to improve neighborhood infrastructure, services
and economic development of particularly deprived areas (UCLG, 2019).
Additionally, local and regional governments can implement policies to
promote neighborhood income groups and social mixing by creating affordable housing in middle and higher-income neighborhoods. These efforts were
experimented in cities of the United States, as well as London and Barcelona, demonstrating different results on the urban fabric (ibid). Moreover, local
plans and actions could also improve urban planning, regularize land tenure,
especially in informal settlements, and avoid urban sprawl, which would be fundamental to remedy neighborhood connected deprivations and urban spatial
segregation.
Against this background, Barcelona has also developed a noteworthy pilot
project, the B-MINCOME, which provided a monthly cash transfer to selected households in deprived and income segregated neighborhoods. Besides,
residents of each household taking part in the program had to take part in
different activities, for instance, to improve employment chances, community
entrepreneurship, and neighborhood engagement. The project ran from 20172019, following the example of Ontario and some Dutch cities, and initial results showed positive impacts in terms of increased well-being of the residents
and their involvement with neighborhood affairs. However, it was not possible
to detect relevant alterations to labor status or community improvements in this
short timeframe (Ajuntament de Barcelona, 2019).
190
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
Actions aimed solely against the income of individuals or neighborhood segregation, such as limited assistance to slum-dwellers, might have limited results
over the structural causes of inequalities throughout the city, and accordingly
“income segregation levels as such should not be seen as a policy objective on its own
right, but as an indicator of deeper spatial processes at work” (Moreno-Monroy, 2018,
p. 66). In this sense, it is preferred to opt for more comprehensive efforts that
oversee the urban and social fabric, and the intertwined relations among the
neighborhoods and other social-economic dynamics of the city (Van Ham et
al., 2018).
Furthermore, local and regional governments can enable multi-level and
multi-stakeholder processes on the localization of the SDGs (Messias et al.).
Closer to the citizenry, local governments can promote inclusive and participatory modalities to discuss policies and urban development, as well as engage
society and local stakeholders in the SDG localization. Several cities and regions
have created committees, organized public events, or launched campaigns to
disseminate facts around the SDGs, convince the society of their relevance, and
involve stakeholders with the 2030 Agenda (ibid.; UCLG, 2019b).
In line with SDG 10, local and regional governments can design actions
and support national policies for the inclusion of migrants and achieve greater
social integration. In this regard, the extent of success and applicability of policies, services, and actions at the subnational level heavily relies on the efficient
collaboration and coordination with national governments. Especially with a
view to smaller cities and regions, a review of existing national legal, fiscal, and
policy frameworks could be necessary. Moreover, a national debate on the devolution of powers, concerning a decentralization process to empower local governments’ capabilities, or changes in tax systems to increase subnational revenues,
might be required to enhance localization processes (Smoke and Wagner, 2016).
Although inequality everywhere is associated with common trends, for
example in the face of rapid urbanization, it does not necessarily assume the
same shape or intensity in countries with similar development levels. Therefore, national policies and the effectiveness of local institutions can determine
the performance in the fight against persistent disparities and the capacity to
respond to diverse stimuli, as in the case of an economic crisis (UN, 2020). In
short, local governments can join forces with national counterparts to target
root causes of inequality, beyond income disparities, and contribute to breaking
the cycle of persistent inequalities.
“Whether the process of urbanization is harnessed and managed, or allowed to fuel
growing divides, will largely determine the future of inequality”. (Ibid, p. 115)
With these lines, the World Social Report recalls that proper planning at
the local level will be decisive to respond to the urbanization megatrend and
191
Paradiplomacia Ambiental
contribute to reducing inequality, simultaneously improving opportunities in
diverse life domains, such as employment, education, and health. The report
concludes that if, however, the battle over the cities’ divide is lost, and poor
planning takes place, it could be expected higher pollution, crime rates, congestion, peak levels of income inequality, and deteriorating scenarios of urban
segregation and social exclusion.
Expanding the interpretation of SDG 10 to consider spatial intersecting
inequalities and how these influence general income disparities will be fundamental towards achieving the goal. In this sense, how much local and regional
governments are implicated with the interrelated causes of inequality and their
capacity to conduct adequate plans at the urban level will be instrumental in
fulfilling the 2030 Agenda’s ambitions.
3. Local data for spatial disaggregation
Since the adoption of the SDGs and the 2030 Agenda, there has been a vivid discussion around the indicators that could measure the progress of the goals and targets, and particularly on the necessary “data revolution” to cope with
the ambitious and complex nature of the global goals (SDSN, 2015). Towards
this transformation, the availability of disaggregated data on gender, age, migrant status, race, and socially excluded groups is noteworthy and will be crucial
in truly understanding progress within countries (Adams and Judd, 2016).
In this sense, national averages that are usually presented in the follow-up of
global agendas can easily mask and obscure the progress degree of groups and
areas within countries (Freinstein and Mahlert, 2016; UNDP, 2019). Notably,
as for the monitoring of SDG 11, the debate on measurement provides unique
opportunities to extend an urban debate and spatial considerations to monitoring development and inequality (Barnett and Parnell, 2016; Liverman, 2018).
Ulbrich et al. set interesting parameters to assess the indicators chosen for
the global review of SDG 11 and its targets. The authors call for a recalibration
of the indicators used for SDG 11 to further consider intra-urban inequalities.
Accordingly, the article reminds innovative and participatory data practices,
such as citizen-generated data, will be critical, especially to rectify the recurrent
exclusion of groups and dwellers in household surveys due to informality and
tenure irregularities (Ulbrich et al., 2019).
Similarly, a quick assessment of SDG 10 indicators shows a major emphasis
on income metrics. Considering the discussions in this chapter, monitoring
SDG 10 will also require disaggregation by neighborhood and geographical location. Furthermore, monitoring SDG 10 should be attached to the ongoing
spatial inequalities, to enable additional clarity on the processes that engender
income and other forms of disparity, resulting in better-informed policies and
192
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
interventions.
An interesting initiative of spatially disaggregated data can be found in the
city of São Paulo: the Inequality Map (Mapa da Desigualdade). The project is
led by a civil society organization, Rede Nossa São Paulo, which collects data provided by the city government and makes it publicly available to inform and
support public policies, scholarly researches, and urban planning. With annual
publications, the initiative analyses different multi-thematic indicators, such as
salary disparities between men and women, public services provision, school
attendance, or crime rates in each of the 96 city districts5. In the 2019 Inequality
Map, the organization considered 53 indicators and demonstrated the convergence of low scores in multiple indicators at some districts, which confirmed a
spatial dimension mutually reinforces the inequalities in cities.
Therefore, disaggregating information at city and neighborhood levels
would help integrate a spatial component into the inequality analysis. However,
to fill the existing data gap at the subnational and local levels, additional financial, human, technological resources will be necessary, particularly to support
smaller cities and administrations with limited resources. Accordingly, many
subnational governments pointed to the topic of indicators and monitoring as
one of the main challenges in the localization of the SDGs (Messias et al. 2018).
When it comes to cities and regions that do not have their own statistical
offices, the level of support and collaboration with national institutions and
assets will make a notable difference. Advanced data on health, employment,
education, and income, disaggregated by groups or neighborhoods are urgent
at the local level. The empowerment of local governments can enlarge the use
of geospatial tools and the capacity to integrate wide data sources, improving
the ability to analyze and report comparable data on the inequalities within
countries, in compliance with SDG 10 (UCLG 2019b).
4. Afterthoughts: inequality in times of crisis & COVID-19
Income and other forms of inequality can abruptly change when induced by
global processes of crises or local natural disasters, jeopardizing efforts around
SDG 10 - both within countries and in consideration of the international financial regulations and flows.
At the beginning of 2020, the outbreak of the COVID-19 put the global capacity to respond to a health crisis to test. Although it is too early to understand
the full extent of the effects generated by the pandemic, initial consideration
point that it will “most likely increase poverty and inequalities at a global scale”
5
Districts correspond to the lowest administrative level in the city, composed of the few
neighborhoods in each geographical area.
193
Paradiplomacia Ambiental
(UN, 2020, p. 3) and it could “exacerbate existing inequalities” (OECD, 2020,
p. 3).
Concerning the effects of economic shocks on urban inequalities, Zwiers et
al. examined different hypotheses and factors of the economic recession over
spatial segregation in cities, which found out that the 2008 financial crisis fueled processes of neighborhood decline6. Considering the harsher impact over
socially excluded groups and lowest-income segments, the study explains spatial
segregation could increase, as those most affected are forced to switch to more
affordable housing and location. Moreover, the study clarifies the circumstances
are impaired by an increase of austerity policies, which implies cuts to social
spending and attention to housing policies. Finally, the article concludes that
“local effects of the crisis are likely to lead to a widening of the gap between
wealthy and disadvantaged neighborhoods” (Zwiers et al., 2016, p. 677).
In times of crisis, a larger concentration of residents in low-income neighborhoods will potentially increase the pressure over public services, particularly found in underlying circumstances. In this context, cities for their population concentration and density will be at the forefront of the battle against the
virus, and the very battle against inequality under this scenario will rely on the
response provided by governments at all levels (Sassen and Sennet, 2020).
It is estimated that approximately 90% of all COVID-19 cases are happening in cities (CCSA, 2020). Going back to the city of São Paulo, in Brazil,
initial statistics show a sharp concentration of COVID-19 deaths in deprived
neighborhoods and in areas where the presence of slums and poor dwellers are
higher, displaying a possible correlation with housing types, density and health
service attention (Pasquini, 2020; Vicente, 2020).
Additionally, as governments apply movement restrictions to contain the
virus spread, people will rely on the availability and accessibility of services of
most proximate areas. Furthermore, as the COVID-19 exceptional situation increased for people to work from home or stay confined, technological tools gain
additional importance, exacerbating inequalities of access and rushing transformations to adapt to new ways of social and labor organization.
At the same time, the pandemic also stressed the importance of data, and it
became customary to expect daily progression graphics on the number of infected patients and casualties. In this regard, it is urgent to have quality and timely
data in times of crisis, and the current situation demonstrates some countries
and national statistical offices can face difficulties to gather and systematize
basic data (CCSA, 2020).
Therefore, and especially considering the uncertainties around the future,
6
The authors refer to neighborhood decline as any increase to deprivation or deterioration of neighborhoods.
194
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
the outbreak of the COVID-19 can be fully inserted into the ideas presented
throughout this chapter. The accomplishment of the 2030 Agenda, and SDG
10, in particular, will depend on the capacity within countries to measure spatial intersecting inequalities and respond at all scales, and mainly at the local
and city level.
CONCLUSION
The “decade of action and delivery for sustainable development” towards
the 2030 deadline is expected to pay more attention to the local action and
the efforts of local authorities, to accelerate action and ensure ambition (UN,
2019b).
In the same direction, this chapter sought to highlight the spatial dimension of inequality and, consequently, the contributions of local and regional
governments, for instance, to improve the situation in neighborhoods and guarantee SDG 10 accomplishment. Moreover, the chapter examined how SDG
10 integrated the issue of inequalities by describing the interconnected effects
of income imbalances and other aspects of inequality, such as access to health,
education, and opportunities. Accordingly, SDG 10 and targets require further
spatial considerations to secure a profound understanding of the inequality
mechanics and its persistence within countries.
The disadvantage of household or neighborhood and access to poor-quality
education, health, and other services interact and often compound, consolidating the cycle of inequalities that can extend over generations. To accurately
understand the multi-facets of inequality, and enable an adequate response to
SDG 10, the chapter reminded additional local data will be helpful, particularly
disaggregated by groups and neighborhood.
In close collaboration with civil society, communities, and other local stakeholders, national and subnational governments can hold the key to develop
the policies and plans to tackle spatial intersecting inequalities. Especially in a
context of crisis, such as the COVID-19, SDG 10 requires a multi-dimensional
approach that particularly takes the spatial implications in the urban world into
account.
REFERENCES
ADAMS, B.; JUDD, K. (2016). 2030 Agenda and the SDGs: Indicator framework, monitoring and reporting. Global Policy Watch. Global Policy Watch
Briefing #10, 18 March 2016, New York.
Ajuntament de Barcelona (2019). Report on the preliminary results of the B-MIN195
Paradiplomacia Ambiental
COME project (2017-2018): Combining a guaranteed minimum income and active
social policies in deprived urban areas of Barcelona. Planning and Innovation
Department Area of Social Rights, Barcelona City Council, Barcelona.
ATKINSON, A.B.; PIKETTY, T. (2007). Top Incomes over the Twentieth Century: A Contrast between Continental European and English-Speaking Countries;
Oxford University Press: Oxford, UK.
BARNETT, C.; PARNELL, S. (2016). Ideas, implementation and indicators:
Epistemologies of the post-2015 urban agenda. Environment and Urbanisation.
28(1), pp 87–98.
Committee for the Coordination of Statistical Activities – CCSA (2020).
How COVID-19 is changing the world: a statistical perspective. United Nations.
[Online] accessed on 18 May. https://unstats.un.org/unsd/ccsa/documents/covid19-report-ccsa.pdf
FREISTEIN, K.; MAHLERT, B. (2016). The potential for tackling inequality in
the Sustainable Development Goals. Third World Quarterly, Taylor & Francis
Journals, v. 37(12), pp. 2139-2155, December.
KABEER, N. (2010). Can the MDGs provide a pathway to social justice? The
challenge of intersecting inequalities. Institute of Development Studies, Brighton/MDG Achievement Fund, New York.
KABEER, N.; SANTOS, R. (2017). Intersecting inequalities and the Sustainable
Development Goals: Insights from Brazil. Working Paper No. 14. London: LSE
International Inequalities Institute, London School of Economics and Political Science.
LIVERMAN, D. M. (2018). Development goals and geography. Dialogues Hum.
Geogr. 2018, 8, 206–211.
MASTRONARDI, L.; CAVALLO, A. (2020). The Spatial Dimension of Income Inequality: An Analysis at Municipal Level. Sustainability 2020, 12, 1622.
MESSIAS, R.; VOLLMER, J. G.; SINDICO, F. (2018). Report Localizing the
SDGs: Regional Governments Paving the Way. Network of Regional Government for Sustainable Development – nrg4SD.
MISSELWITZ, P.; MUÑOZ, M R.; WALTER, A.M.; SALCEDO, J. (2016).
The Urban Dimension of the SDGs: Implications for the New Urban Agenda. Berlin: Urban Catalyst and Habitat Unit. Working Paper commissioned by GIZ.
Eschborn/Berlin.
MORENO-MONROY, A. I. (2018). Income segregation in Brazilian cities: The
role of vertical neighbourhoods. In Divided Cities: Understanding Intra-urban
Inequalities. OECD Publishing, Paris, pp. 53-74.
NIEUWENHUIS, J.; HOOIMEIJER, P. (2016). The association between neighbourhoods and educational achievement, a systematic review and meta-analysis.
196
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
Journal of Housing and the Built Environment 31(2), pp. 321–347.
NIEUWENHUIS, J.; TAMMARU, T.; VAN HAM, M.; HEDMAN, L.;
MANLEY, D. (2017). Does Segregation Reduce Socio-Spatial Mobility? Evidence
from Four European Countries with Different Inequality and Segregation Contexts.
IZA Discussion Paper n. 11123.
Organization for Economic Co-operation and Development - OECD
(2018). Reshaping Decentralised Development Co-operation: The Key Role of Cities
and Regions for the 2030 Agenda. OECD Publishing: Paris.
______. OECD (2020). Developing countries and development co-operation:
What is at stake? Tackling coronavirus (COVID-19) Contributing to a global
effort.
Oxfam (2017). An economy for the 99%. Oxfam briefing paper. Oxford:
Oxfam International. [Online]. Accessed on 10 may 2020. https://wwwcdn.oxfam.org/s3fs-public/file_attachments/bp-economy-for-99-percent160117-en.pdf.
PASQUINI, P. (2020). Aumento de mortes por Covid-19 na periferia de SP preocupa autoridades de saúde. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 May 2020.
Equilíbrio e Saúde. [Online]. Accessed on May 10. https://www1.folha.uol.
com.br/equilibrioesaude/2020/05/aumento-de-mortes-por-covid-19-naperiferia-de-sp-preocupa-autoridades-de-saude.shtml
PIKETTY, T. (2013). Capital in the 21st Century, Harvard University Press,
Harvard.
Rede Nossa São Paulo (2019). Mapa da Desigualdade. [Online] Accessed on
may 10. https://www.nossasaopaulo.org.br/wp-content/uploads/2019/11/
Mapada_Desigualdade_2019_apresentacao.pdf .
SASSEN, S.; SENNETT, R. (2020). Desafíos Ante un Futuro Incierto. Interview by the Fundación Telefónica. [Online] Accessed on 10 may 2020.
https://espacio.fundaciontelefonica.com/evento/sassen-sennett-ciudad-abierta-desafios-ante-un-futuro-incierto/.
SMOKE, P.; WAGNER, F. R. (2016). Sharing responsibilities and resources
among levels of government: localizing the Sustainable Development Goals. United
Nations, Department of Economic and Social Affair - Division for Public
Administration and Development Management.
SOUZA, P. H. G. F. (2013). Os Efeitos das Desigualdades Regionais sobre a
Desigualdade Interpessoal de Renda do Brasil, nos Estados Unidos e no México.
Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea):
Brasília-Rio de Janeiro.
Sustainable Development Solutions Network - SDSN (2015). Indicators and
a Monitoring Framework for Sustainable Development Goals: Launching a data
197
Paradiplomacia Ambiental
revolution for the SDGs.
STEWART, F. (2002). Horizontal Inequalities: A neglected dimension of development, Working Paper No. 81. Oxford: University of Oxford.
ULBRICH, P.; PORTO DE ALBUQUERQUE, J.; COAFFEE, J. (2019).
The Impact of Urban Inequalities on Monitoring Progress towards the Sustainable
Development Goals: Methodological Considerations. ISPRS Int. J. Geo-Inf., 8, 6.
United Cities and Local Governments - UCLG (2019). Towards the Localization of the SDGs - Local and Regional Governments’ Report to the 2019 HLPF. 3rd
Report. Barcelona.
______. UCLG (2019b). The Localization of the Global Agendas - How local
action is transforming territories and communities. Fifth Global Report on Decentralization and Local Democracy (GOLD V). Barcelona.
United Nations (2015). Transforming Our World: The 2030 Agenda for Sustainable Development. UN Doc A/RES/70/1. General Assembly.
United Nations (2019). Special edition: progress towards the Sustainable Development Goals. Report of the Secretary-General. Economic and Social Council
– ECOSOC. [Online] Accessed on 12 May 2020. https://unstats.un.org/
sdgs/files/report/2019/secretary-general-sdg-report-2019--EN.pdf
______. (2019b). Political declaration of the high-level political forum on sustainable development convened under the auspices of the General Assembly. General
Assembly Resolution 74/4. Political Declaration SDG Summit. [Online]
Accessed on 12 May 2020. https://undocs.org/en/A/RES/74/4
______. (2020). World Social Report 2020: Inequality in a Rapidly Changing
World, UN Department of Economic and Social Affairs, New York.
______. (2020b). A UN framework for the immediate socio-economic response
to COVID-19. [Online] Accessed on May 14 2020. https://unsdg.un.org/
sites/default/files/2020-04/UN-framework-for-the-immediate-socio-economic-response-to-COVID-19.pdf
United Nations Development Programme - UNDP (2019). Human Development Report 2019: Beyond Income, Beyond Averages, Beyond Today - Inequalities
in Human Development in the 21st Century. UN, New York 2020.
VAN HAM, M.; TAMMARU, T.; JANSSEN, H. (2018). A multi-level model
of vicious circles of socio-economic segregation. In Divided Cities: Understanding
Intra-urban Inequalities. OECD Publishing, Paris. pp. 127-146.
VICENTE, E. (2020). Dispara o número de mortes por Covid-19 na periferia de
São Paulo. Folha de São Paulo, 16 may 2020. Agora. [Online]. Accessed on
may 18 2020. https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2020/05/dispara-o-numero-de-mortes-por-covid-19-na-periferia-de-sao-paulo.shtml.
198
A spatial dimension to tackle inequalities within countries
ZWIERS, M.; BOLT, G.; VAN HAM, M.; VAN KEMPEN, R. (2016), The
global financial crisis and neighborhood decline. Urban Geography 37(5), pp.
664-684.
199
LOS RÍOS URBANOS COMO EJE DE TRANSFORMACIÓN
DE LAS CIUDADES SOSTENIBLES: LA EXPERIENCIA DE
MEDELLÍN.
Jorge Jurado1
ODS 11: Lograr que las ciudades y los asentamientos humanos sean inclusivos, seguros, resilientes y sostenibles.
Meta: De aquí a 2030, proporcionar acceso universal a zonas verdes y espacios públicos seguros, inclusivos y accesibles, en particular para las mujeres
y los niños, las personas de edad y las personas con discapacidad.
INTRODUCCIÓN
T
radicionalmente las ciudades han surgido y se han desarrollado en torno a diferentes fuentes hídricas y no es para menos, ya que el recurso
hídrico es esencial no solo para la subsistencia de los seres vivos, sino también
para adelantar actividades de índole comercial e industrial, motivo por el cual el
desarrollo de éstas depende de las facilidades de acceso que se tengan al mismo
y del manejo que les sea dado.
Sin embargo, el intenso proceso de crecimiento urbano ha significado en
algunos casos, la aparición de consecuencias negativas para esta clase de recurso
natural, como por ejemplo, el agotamiento paulatino del mismo en razón de
su uso ineficiente, su contaminación producto de la continua recepción de residuos tanto sólidos como líquidos y adicionalmente la invasión de sus cauces
naturales.
De esta forma, cuando se presentan situaciones como la descrita, se produce además del esperado deterioro ambiental de las fuentes hídricas, una desmejora en la calidad de vida los ciudadanos, lo cual denota una evidente relación
de interdependencia entre dichos recursos hídricos presentes en el perímetro
urbano y las rutinas propias de las ciudades y sus ciudadanos.
Pero en todo caso, debe destacarse que la citada relación antes expuesta,
a su vez deja entrever una fragilidad, derivada de la dificultad que ha representado para el conglomerado social, político y administrativo de las ciudades,
lograconse integrar de manera sostenible las fuentes hídricas y su entorno a las
Abogado de la Universidad Santo Tomás de Bogotá y Magister en Derecho con énfasis en Derecho de los Recursos Naturales de la Universidad Externado de Colombia. Estudiante de Doctorado en Derecho Ambiental Internacional en la Universidad Católica de Santos - UNISANTOS.
Becario del Programa “Estudantes-Convênio de Pós-Graduação – PEC-PG, do CNPq – Brasil.”
1
200
Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles
rutinas propias de las ciudades.
Conforme con los argumentos expuestos que justifican el presente trabajo
de investigación, puede afirmarse que el objeto central del mismo son los ríos
urbanos y su función de eje para la transformación de las ciudades en entornos
sostenibles, surgidos a partir de la estructuración, planeación y construcción de
proyectos de infraestructura centrados en la conservación del recurso hídrico y
su integración al perímetro urbano, la revitalización de su entorno y la generación de espacio público.
En este sentido, el objetivo principal del trabajo es estudiar y analizar los impactos favorables que este tipo de proyectos traen para las ciudades y comunidades, procurando identificar las razones por las cuales el desarrollo de esta clase
de infraestructura urbana, permite que las ciudades se tornen más sostenibles y
de esta forma cumplir algunos objetivos de las agendas globales como la Agenda
2030 y la Nueva Agenda Urbana.
Así, se pretende igualmente demostrar como dichos procesos de planificación y construcción de espacios urbanos, pueden ser adelantados por las administraciones municipales, para además de materializar algunos de los propósitos de
las mencionadas agendas, mejorar desde cuestiones ambientales hasta paisajísticas y de creación de espacios verdes y de recreación urbanos.
El método de investigación utilizado fue el teórico-deductivo, por cuanto en
un comienzo fue necesario partir desde el entendimiento del concepto general
de ciudad sostenible, su origen y evolución, temática en la que se centrará el
primer ítem, para en el ítem subsiguiente, analizar la sostenibilidad urbana en
el marco de las agendas globales, haciendo énfasis en la creación de espacio
público y zonas verdes.
Así las cosas, una vez estudiados los anteriores temas generales, el tercer
ítem estará dedicado a examinar el papel que cumplen los ríos urbanos en la
transformación de las ciudades en espacios sostenibles, haciendo referencia especial a la experticia que en tal sentido ha tenido la ciudad de Medellín en
Colombia.
Con todo lo anterior, la investigación fue adelantada a través de la técnica
documental, consistente en el estudio de referencias bibliográficas de doctrinadores nacionales y extranjeros, informaciones de sitios web, así como a través de
la observación directa extensiva, es decir, a partir de la obtención de información y datos de la administración pública de Medellín.
1. Ciudades sostenibles: origen del concepto y su definición.
Establecer una única definición de lo que debe entenderse por ciudad sostenible, resulta no solo complicado sino además arriesgado, ya que son múltiples
201
Paradiplomacia Ambiental
los factores que deben tenerse en cuenta para abarcar con algún grado de acierto este concepto de desarrollo de los conglomerados urbanos.
En este sentido, algunas definiciones tienden a variar en razón de la perspectiva desde la cual se esté analizado la sostenibilidad de las ciudades, es decir,
pueden centrarse más en los elementos ambientales, otras en los sociales e igualmente estarán las que profundicen más en los económicos y de innovación,
pero lo cierto es que alcanzar dicha característica, significa para las ciudades
adelantar un sinnúmero de medidas referentes a cada uno de estos macro elementos.
Pese a lo anterior, una primera premisa permitiría afirmar que el concepto
de ciudad sostenible está ligado al contenido de lo que hoy se conoce como desarrollo sostenible o que como plantea Canepa (2007, p. 50), fue a partir de este
último que se consolidó el término ciudad sostenible, lo cual resulta evidente si
se observa que los macro elementos antes mencionados constituyen a su vez la
base de dicho tipo de desarrollo.
Así pues, el concepto de desarrollo sostenible fue en un primer momento
propuesto en el Informe Nuestro Futuro Común de 19872 elaborado como
antesala de la Conferencia de las Naciones Unidas sobre Medio Ambiente y
Desarrollo de 1992 llevada a cabo en la ciudad de Río de Janeiro (RIO 92), ésta
última cuya Declaración lo recoge al establecer en su principio tercero que el
desarrollo deberá ejercerse de tal forma que “responda equitativamente a las necesidades de desarrollo y ambientales de las generaciones presentes y futuras”.
De esta forma, se tendrían dos elementos que vale la pena destacar, el primero relativo a la necesidad de tener en cuenta en todo momento el componente ambiental a la hora de fijar las metas y objetivos de desarrollo, lo cual es
reafirmado en el principio cuarto de la misma Declaración y de otro lado, el
surgimiento del principio de equidad intergeneracional, con el fin de garantizar
la satisfacción de las necesidades no sólo de las personas del presente sino también de las que están aún por llegar a nuestro planeta.
Ahora en materia urbana, el citado informe dejaba entrever las diferentes
problemáticas que atravesaban las ciudades para ese entonces, tales como, el crecimiento y desbordamiento de límites geográficos, la falta de vivienda adecuada
para las personas, el surgimiento de zonas pobres urbanas, la contaminación y
falta de oportunidades laborales para la totalidad de ciudadanos, las cuales con
certeza continúan representando hoy en día lo que es se denomina como el
Este Informe elaborado para la Organización de las Naciones Unidas (ONU) por la Comisión
Mundial sobre Medio Ambiente y Desarrollo, en su primera parte señala que un desarrollo sostenible o duradero además de satisfacer las necesidades de las generaciones presentes y futuras,
está enmarcado por unas limitaciones no absolutas fijadas por los recursos del medio ambiente,
el estado actual de la tecnología y de la organización social y por la capacidad de la biosfera para
asimilar los efectos de las actividades humanas (ONU, 1987 p. 23).
2
202
Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles
“desafío urbano” (ONU, 1987 p. 266-286).
De igual forma y como resultado de RIO 92, surge también la denominada
Agenda 213 que entre otras cosas y entendiendo las cargas que las dinámicas urbanas estarían imponiendo sobre los ecosistemas mundiales, procura tal como
se menciona en el Capítulo 7, mejorar la calidad social, económica y ambiental
de todos los asentamientos humanos, las condiciones de vida y de trabajo y
especialmente de quienes hacen parte de las zonas pobres urbanas y rurales
(ONU, 1992).
Para alcanzar ese objetivo general antes descrito, la citada Agenda 21 en
dicho capítulo, establece unas áreas de programas con sus objetivos, metas
específicas y planes de acción, dentro de las cuales se pueden destacar: a) el
suministro de vivienda adecuada para todos; b) el mejoramiento de la administración de los asentamientos humanos; c) la promoción de la planificación y
la ordenación sostenible del uso de la tierra; d) la promoción de la integración
de la infraestructura ambiental (agua, saneamiento, alcantarillado y gestión de
desechos sólidos); e) la promoción de sistemas sostenibles de energía y transporte; f) la planificación y gestión de los asentamientos propensos a desastres; g) la
promoción de actividades sostenibles en la industria de la construcción y h) la
promoción del desarrollo de los recursos humanos a través de la disponibilidad
de conocimientos técnicos especializados (ONU, 1992).
Queda en este sentido claro, como el concepto de ciudad sostenible se encuentra compuesto por unos requisitos y medidas que deben ser profundizados
para conseguir que los asentamientos urbanos sean considerados realmente sostenibles, siendo los mismos bastante numerosos y amplios, con la finalidad de
abarcar las diferentes esferas sociales, ambientales y económicas necesarias para
solucionar las problemáticas que el crecimiento exponencial de las ciudades y
su población está dejando a su paso.
De esta forma, cualquier proyecto que pretenda transformar las ciudades en
espacios sostenibles deberá abordar las diferentes problemáticas urbanas hasta
el momento expuestas, bien sea en su totalidad o en parte, para de esta forma
atender los pilares que la sostenibilidad abarca, como son el sociales, el ambiental, el político y el cultural, así como el económicos y físico (LEITE, 2012
p. 135).
Por esta razón, para hablar de ciudades sostenibles tenemos que hacer referencia, entre otros aspectos, a la eficiencia en el manejo de los recursos naturales
y económicos, lo cual debe implicar la democratización de estos últimos, tal
como lo señala Maglio (2005 p. 35), así como al fortalecimiento de las comuniLa Agenda 21 puede ser entendida como una “herramienta de planificación para la construcción
de sociedades sostenibles en diferentes bases geográficas, que combina los métodos de protección del medio
ambiente, la justicia social y la eficiencia económica.” (GOBIERNO DEL DISTRITO FEDERAL DE
MEXICO; PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2015 p. 48).
3
203
Paradiplomacia Ambiental
dades y sus gobiernos4, a la participación ciudadana (DÁVALOS y ROMO, 2017
p. 121-126), al aumento de las inversiones tendientes a satisfacer las necesidades
de los ciudadanos (APONTE, 2007 p.18-19) y al fortalecimiento de relaciones
entre gobiernos y sus ciudadanos así como entre las ciudades mismas5, lo cual
puede ser cumplido a través de un verdadero sistema de gobernanza urbano.
En este sentido y cuando se hace referencia a la gobernanza urbana, debe
mencionarse que la misma implicaría algo más que una mera organización de
instituciones gubernamentales, encuadrando dicho sistema bajo lo que para
Gonçalves y Costa (2011, p. 53) implica dicho concepto, es decir, un medio
o proceso de articulación entre diversos actores capaz de producir resultados
eficaces, caracterizados por ser hallados a través del concenso y cooperación.
2. Sostenibilidad urbana en el marco de las agendas globales de
desarrollo: las zonas verdes y espacios públicos.
Partiendo de lo establecido en el anterior ítem, es posible afirmar que el
contenido del concepto de sostenibilidad urbana, recientemente ha sido recogido en el escenario internacional a través de dos importantes agendas golbales
de desarrollo, estas son, la Agenda 2030 y la Nueva Agenda Urbana (NAU), las
cuales comparten como característica, no ser documentos de obligatorio cumplimiento para los Estados firmantes, pero que consiguen al final una aplicación y materialización efectiva.
Justamente la anterior característica, permite que autores como Beyerlin y
Marauhn (2011, p. 289-291) consideren a este tipo de instrumentos internacionales de carácter programático y contenido en parte ambiental, como parte de
lo que denominan soft law ambiental internacional, pues resaltan que su calidad normativa, entendida como aquella capacidad para direccionar directa o
indirectamente la conducta de sus destinatarios, es el requisito que los mismos
deben cumplir para diferenciarse de los simples ideales políticos o morales.
En este sentido, la Agenda 2030 surgida en el año 2015 en el marco de la
Organización de las Naciones Unidas (ONU), dedica su objetivo de desarrollo
sostenible número 11 (ODS11) a procurar que las ciudades y asentamientos
humanos sean inclusivos, seguros, resilientes6 y sostenibles (ONU, 2015 p. 16),
En relación con las autoridades o gobiernos locales, autores como como Nascimento (2012 p.
56), plantean que la definición de desarrollo sostenible basada en las tres dimensiones básicas o
esenciales (económica, social y ambiental) resulta incompleta, ya que se deja por fuera el elemento
“poder”, siendo este de vital importancia a la hora de tomar las decisiones que permitan alcanzar
dicho tipo de desarrollo, ya que un cambio en los padrones de producción no puede ser entendido como algo aislado de las decisiones políticas.
5
Al respecto Rei (2019, p. 43) explica como en materia ambiental y de sostenibilidad, redes de
gobiernos subnacionales y locales están trabajando de manera mancomunada, especialmente en
lo que se refiere a abordar las cuestiones y retos que implican fenómenos como el cambio climático a nivel global.
6
En el policy paper No. 8 de la NAU se indica que el concepto de resilencia hace referencia a
4
204
Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles
la cual debe resaltarse, se complementa de forma directa con varios de los presupuestos establecidos en la NAU del año 2016 y en sus documentos preparatorios o policy papers.
De esta forma, algunos autores plantean que las citadas agendas deberían
ser abordadas de manera conjunta e indivisible (DÁVALOS y ROMO, 2017 p.
118) y lo cierto es que dicho planteamiento se encuentra soportado inclusive
desde las mismas consideraciones de la NAU, en donde se reafirman los compromisos adquiridos por los Estados en la Agenda 2030 y se establece que la
NAU contribuye en la implementación local de la misma, especialmente del ya
mencionado ODS11 (ONU, 2017 p. 4).
Nótese como de esta forma, las ciudades dejan de ser vistas únicamente
como foco de problemáticas y pasan a ser consideradas parte de la solución a
la hora de alcanzar un desarrollo sostenible, el cual al depender de objetivos
fijados en la Agenda 2030 tiene mayor probabilidad de ser alcanzado, siempre
que la materialización de los mismos comience desde las comunidades locales,
donde las ciudades tienen un rol protagónico.
Así pues, una de las metas del ODS11 plantea que las ciudades garanticen
para el año 2030 un acceso universal a zonas verdes y espacio públicos, los cuales
deben ser a su vez, seguros, inclusivos y accesibles, particularmente para algunos
sujetos de especial protección como las mujeres, los menores, las personas de
edad avanzada y aquellas con algún tipo de discapacidad (ONU, 2015 p. 25).
Por su parte, los Estados en la NAU plantean como una prioridad la creación de dicho tipo de espacios públicos y zonas verdes, por cuanto los mismos
contribuyen a mejorar la interacción social e intergeneracional, las expresiones
culturales, la cohesión social y seguridad, la conectividad y la inclusión social,
entre otras cosas más, destacando como ejemplo de dichos espacios a las calles,
aceras, carriles para ciclas, plazas, paseos marítimos, jardines y parques, cuya
característica principal sea su multifuncionalidad (ONU, 2017 p. 5-15).
Aunado a lo anterior, en la NAU igualmente se plantea como compromiso que la creación de los citados espacios públicos y zonas verdes se de en el
marco de una red interconectada de las mismas, con lo cual se les permitiría a
las ciudades ser más resilientes al cambio climático y desastres naturales como
inundaciones, sequías y olas de calor y para así garantizar adicionalmente que
los paisajes urbanos sean atractivos y habitables (ONU, 2017 p. 23).
Como puede observarse, es evidente que el espacio público goza de gran
importancia dentro del conjunto de características de las ciudades sostenibles,
de hecho, en el policy paper No. 6, documento base para la NAU, se estableció
la posibilidad de que las personas, las comunidades y los ecosistemas prevengas, absorban, se
adapten y se recuperen tras una variedad de conmociones y tensiones. Por esta razón, se establece
que a nivel urbano la resilenecia requiere de inversiones en infraestructuras tangibles, así como a
sistemas intangibles, como el conocimiento y las instituciones. (ONU, 2016a p. 6)
205
Paradiplomacia Ambiental
que el espacio público puede ser considerado como el elemento urbano más
inclusivo, pero que pese a lo anterior existe una baja conciencia en cuanto a sus
beneficios (ONU, 2016b p. 15).
Ahora bien, cuando la discusión está centrada en sostenibilidad urbana y
especialmente en creación de espacios públicos y zonas verdes como vehículo
para garantizar dicha característica, tienden a aparecer los parques como foco
central de dicha temática, al respecto Gomes (2019) plantea que estos espacios
han adquirido notoriedad cuando se habla de sostenibilidad en las ciudades
y en tal sentido se han convertido en el objetivo de las políticas públicas y
agendas de planeación.
De otra parte, el mismo autor (GOMES, 2019) sostiene en relación a las
zonas verdes, que las mismas son componentes del marco socio ambiental y
económico que caracteriza la sostenibilidad urbana, destacando que además de
generar calidad de vida para los ciudadanos, representan beneficios ecológicos
para las ciudades.
Con lo visto, es claro que la creación de espacios públicos y zonas verdes en
las ciudades, además de garantizar una mejoría en la calidad de vida de los ciudadanos, permiten que las mismas se preparen y adapten de mejor forma frente
a eventos adversos derivados de diversas problemáticas ambientales, inclusive
de aquellas producidas por fenómenos actuales como el cambio climático.
3. El papel de los ríos urbanos en la sostenibilidad de las ciudades:
La experiencia de Medellín.
Los ríos que atraviesan con su cauce las ciudades son sin duda ejes a través
de los cuales las mismas se van consolidando y desarrollando, sin embargo, no
se han visto bien librados de los efectos negativos que conllevan los rápidos
procesos de crecimiento.
En este sentido, los ríos han pasado de ser hábitat de diversidad de especies
de flora y fauna y parte de la cotidianidad ciudadana a convertirse en redes
de alcantarillado, hasta el punto de verse aniquilados desde el punto de vista
ambiental, social y cultural, tal como se reconoce ha acontecido en los procesos
de expansión y desarrollo de grandes ciudades como São Paulo (SECRETARIA
DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1999 p. 96) y Bogotá
(GÜIZA, LONDOÑO y RODRÍGUEZ, 2015 p. 202).
En el caso de la primera ciudad, algunos autores llegan a plantear que en
la actualidad los ríos configuran un paisaje bastante raro y que la identidad del
paulistano de hoy parece poco relacionada con una rutina fructífera en torno al
transcurso de las fuentes fluviales (SANT’ANNA, 2007 p. 13).
La anterior circunstancia descrita, no dista de la situación que se presenta
206
Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles
en Bogotá en relación a sus ríos y especialmente en lo que se refiere al río Bogotá, en donde el máximo tribunal administrativo de la Nación ha tenido que
intervenir para establecer diversas obligaciones y acciones tendientes a lograr su
efectiva descontaminación7.
En todo caso, el panorama antes mencionado no es exclusivo de este tipo
de ciudades, poblaciones menores y ciudades intermedias igualmente presentan
ejemplos similares, tal es el caso de Medellín en Colombia, cuya área urbana se
encuentra influenciada directamente por el cauce del río del mismo nombre,
el cual atraviesa no solo el perímetro urbano de la ciudad sino toda el Área Metropolitana del Valle de Aburrá (AMVA)8, de la cual hace parte Medellín como
municipio núcleo.
En este sentido, el río Medellín es descrito por Betancour (2012 p. 244)
como un afluente importante para la región, debido a que su paso a través del
denominado Valle de Aburrá, permitió el desarrollo urbanístico y la instalación
de viviendas e industrias que representaron progreso para la misma, pero que su
vez produjeron el deterioro de su cauce y las zonas verdes que lo acompañaban,
la desestabilización de sus taludes, el daño de las márgenes de los lechos y emergencias sociales, ambientales y económicas derivadas de procesos de desbordamiento de sus aguas.
El mismo autor (BETANCOUR, 2012 p. 248-264) describe como en razón
de la importancia del río Medellín, fueron muchos los proyectos y obras adelantadas con el fin de mejorar sus condiciones, dentro de las cuales destaca las
que pretendían su canalización, las que produjeron la rectificación de su cauce y
especialmente aquellas relacionadas con la construcción de vías paralelas al río.
En el citado contexto, surge entonces el denominado proyecto “Parques
del Río”, una obra pública de grande alcance, relacionada con la generación de
espacio público y zonas verdes para el disfrute de los ciudadanos de Medellín,
cuya materialización en paralelo a los efectos de protección del río Medellín,
cumple a cabalidad con metas del ODS11 ya estudiado y claramente con el
contenido de la NAU.
Al respecto, el Consejo de Estado de Colombia al resolver una acción popular amparó los
derechos colectivos relacionados con el agua, el goce a un ambiente sano, la existencia del equilibrio ecológico y el manejo y aprovechamiento racional de los recursos naturales para garantizar
su desarrollo sostenible. En tal sentido procedió a declarar como responsables de la catástrofe
ambiental, ecológica y económica-social de la cuenca hidrográfica del río Bogotá y sus afluentes
a todos los habitantes e industrias de la cuenca de manera activa en razón a los vertimientos
realizados a la misma y de manera omisiva a un sinnúmero de entidades públicas relacionadas
con el manejo de los recursos naturales en Colombia, ordenando un plan de descontaminación
de la citada cuenca que actualmente se encuentra en proceso de implantación. (CONSEJO DE
ESTADO DE COLOMBIA, 2014 p. 1515-1516).
8
El AMBA está integrada por diez municipios antioqueños, a saber: Barbosa, Girardota, Copacabana, Bello, Medellín, Itagüi, Envigado, Sabaneta, La Estrella y Caldas. Cfr. ÁREA METROPOLITANA DEL VALLE DE ABURRÁ. Disponible en: <https://www.metropol.gov.co/> Acesso
en: 06 feb. 2020.
7
207
Paradiplomacia Ambiental
Según información de la Secretaría de Infraestructura Pública de la ciudad
de Medellín9, se trata de un proyecto integral y estratégico de transformación
urbana, espacio público y movilidad, contemplado en diferentes instrumentos
de planificación de la ciudad y del AMBA10 que tiene como objetivo convertir
al río Medellín en eje ambiental y de espacio público para la región, a través de
la recualificación del espacio público a lo largo el Río y la articulación e integración de la ciudad, ya que su construcción permitiría conectar sus zonas oriental
y occidental, tradicionalmente separadas como consecuencia del paso natural
del río por la zona urbana de Medellín.
De esta forma y de acuerdo con Giraldo (2016 p. 69-70), el proyecto propone la reintegración del Río a la ciudad a través de la estructuración de la red
biótica de la misma, para lo cual se establecieron como estrategias, su recuperación y articulación con sus afluentes, la integración de los espacios verdes y
públicos a la red ecológica y la reutilización de infraestructuras industriales y
espacios abandonados.
Adicionalmente, la citada autora (GIRALDO, 2016 p.69-70) indica que el
proyecto, también contempla enterrar los ejes viales instalados a los costados del
Río en algunos puntos estratégicos, para de esta forma obtener la liberación de
nuevas áreas para la creación de espacio público e instalar equipos dotacionales
para uso público y colectivo.
Así las cosas y según datos de la administración municipal de Medellín, el
proyecto “Parques del Río”, es una iniciativa eminentemente pública, así como
la inversión económica en el realizada y proyectada, la cual cuenta con participación única y exclusiva de la ciudad de Medellín.
Ya en cuanto a la obra, según la misma Administración, el proyecto se dividió en ochos tramos, de los cuales el primero fue contemplado para ejecutar
en dos diferentes etapas, la primera debidamente terminada y entregada hace
tres años y la restante actualmente en proceso de construcción, con las cuales
una vez culminadas se espera haber generado un total de 71.800 m2 de espacio
público y zonas verdes (40.000 m2 de la primera etapa y 31.800 de la segunda).
Con lo anterior, puede observarse como esta iniciativa o proyecto público
Los datos oficiales referenciados a partir de este momento, fueron obtenidos a través de la
comunicación No. 201930460268 de fecha 20 de diciembre de 2019, por medio de la cual dicha
Secretaría procedió a dar respuesta a un derecho de petición presentado en fecha 06 de diciembre
de 2019, con la finalidad de obtener información relevante sobre el proyecto de obra pública
denominado “Parques del Río”, objeto de análisis en el presente capítulo.
10
En el caso del AMBA, su plano director o plan de ordenamiento territorial denominado “BIO
2030”, aprobado a través del Acuerdo Metropolitano 013 de 2011, reconoce al río Medellín y
sus afluentes como un escenario geográfico de carácter estratégico y se propone integrar el Río a
la vida urbana y rural del Valle de Aburrá, razón por la que se establece como meta para el año
2030, que dicho cuerpo de agua sea el espacio o territorio que conjugue la mayor diversidad de
funciones y ofrezca los mejores estándares de calidad urbanística. (ALCALDÍA DE MEDELLÍN
y ÁREA METROPOLITANA DEL VALLE DE ABURRÁ, 2011 p 120).
9
208
Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles
de carácter local de la ciudad de Medellín, a través de la cual se integra su principal fuente hídrica a las dinámicas diarias de la ciudad y sus pobladores, cumple
cabalmente con el ODS11 y su meta de generación de espacio público y zonas
verdes y adicionalmente con los preceptos planteados en la NAU, tornando la
ciudad en un espacio evidentemente sostenible en algunos de los componentes
que este concepto abarca a nivel urbano.
El proyecto objeto de estudio además de la generación de este tipo de espacios, resalta por el hecho de producir beneficios sociales y ambientales para
la ciudad, ya que con su avance permite que las comunidades se integren alrededor del Río ejerciendo diferentes actividades de recreación y descanso y adicionalmente tal como es explicado por la Secretaría de Infraestructura, contribuye en el mantenimiento de los servicios ecosistémicos de aprovisionamiento
y regulación hídrica, una visión que contrasta con aquellas que en el pasado
abogaban por la canalización de los ríos urbanos.
Sobre el particular, Maglio (2005 p. 36) plantea que el reconocimiento del
sitio físico de la ciudad a través de sus ríos, así como de toda la malla verde, es
una de las principales formas de reconciliar la ciudad con el medio ambiente y
lo cierto es que, en el caso estudiado, es claro que dicha premisa es cumplida, ya
que una vez identificado el Río como espacio estructural para el desarrollo de
la ciudad y el área metropolitana en los diferentes planes directores, el proyecto
permite la citada reconciliación.
Lo anterior, pese a las posiciones contrarias que proyectos de esta envergadura generalmente reciben, tal como es el caso de Morales (2016), quien en un
artículo de reflexión y basándose únicamente en las condiciones de calidad del
agua del río Medellín, ha planteado que la ciudad no se encontraría preparada
para “Parques del Río”.
Al respecto, es importante manifestar que iniciativas como la estudiada no
pueden ser analizadas de manera aislada, si bien la calidad del agua del afluente
es un tema importante, no deberían desconocerse de lleno los demás beneficios
que la misma tiene, ya que como se ha visto hasta el momento, la sostenibilidad
que se podría alcanzar no abarca únicamente aspectos ambientales.
De otra parte, debe destacarse la participación pública que la Administración Municipal ha dado al manejo del proyecto, en primer lugar al hacer un
concurso público para escoger el diseñador del mismo y de otro lado al realizar
ya en ejecución del mismo, una serie de socializaciones con la comunidad con
el fin de informar su avance y estado e inclusive para dialogar sobre el tipo de
mobiliario público preferido que debería ser instalado, lo cual genera un sentido de pertenencia importante frente a la obra y garantiza una veeduría por parte
de la ciudadanía, participación que hace parte del concepto de sostenibilidad
urbana estudiado.
209
Paradiplomacia Ambiental
Finalmente, si bien la Administración Municipal no identifica como sustento de “Parques del Río” a las agendas globales de desarrollo y pese a que éstas no
abarcan específicamente los ríos urbanos, es evidente que el presente caso puede considerarse como una acción local tendiente a su materialización, ya que los
objetivos del proyecto son equiparables a los establecido en estos instrumentos.
Lo anterior, aún más relevante, cuando según la Administración, dicho
proyecto termina intercomunicándose con el de “parques lineales de quebradas”11, consiguiendo de esta forma una verdadera integración entre las diferentes fuentes hídricas de la ciudad y de estas con los ciudadanos, quienes podrán
disfrutar de los nuevos espacios públicos y zonas verdes creadas por la ciudad.
CONCLUSIONES
La sostenibilidad urbana abarca diferentes aspectos que deben ser tenidos
en cuenta a la hora de realizar un análisis sobre el particular, sin embargo, todos
esos elementos se enmarcan en macro temas como el ambiental, el económico,
el social y el de innovación, motivo por el cual alcanzar una única definición
resulta complicado e inconveniente.
Para hacer referencia a la sostenibilidad urbana es igualmente necesario revisar el concepto de desarrollo sostenible, el cual puede entenderse como origen
del mismo e implica entre otras cosas, contemplar los aspectos ambientales al
fijar las metas y objetivos de desarrollo y poner en práctica el principio de equidad intergeneracional.
Una ciudad que pretenda ser sostenible, debe profundizar en políticas y
procedimientos públicos encaminados a mejorar la calidad de vida de sus ciudadanos, observando temas como la mejoría de los asentamientos humanos, la
planificación del territorio, la integración de su infraestructura ambiental, la
prestación de servicios públicos esenciales, la implementación de sistemas de
energía y transporte sostenibles, la promoción de industrias y conocimientos
técnicos y el aumento de la participación popular a través de mecanismos de
socialización de políticas, entre otros.
En el citado contexto, una de las formas a través de las cuales las ciudades
pueden tornarse más sostenibles, es por medio de la creación de espacios públicos y zonas verdes, tal como se plantea en los objetivos y metas de agendas
globales de desarrollo como la Agenda 2030 y la NAU, por cuanto dichos espacios se consideran como uno de los elementos más inclusivos, ya que se logra
la integración de la población, una mejoría del paisaje y de ciertos estándares
ambientales de la ciudad.
Según datos de la Administración, se trata de un proyecto de adecuación y revitalización de 19
quebradas de la ciudad, una de las cuales (La Picacha) está interconectada con el primer tramo
de “Parques del Río”.
11
210
Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles
Con lo anterior, la materialización del contenido de las citadas agendas, de
las cuales son firmantes los diferentes Estados, dependerá en gran parte de las
acciones locales, ya que está visto que estas resultan ser mucho más efectivas,
escenario donde las ciudades y sus gobiernos cumplen un papel protagónico.
Una posibilidad que tienen las ciudades para adelantar proyectos encaminados al cumplimiento de las agendas, en especial en lo que se refiere a creación
de espacio público y zonas verdes, contempla el aprovechamiento de las fuentes
hídricas que atraviesan el perímetro urbano de las mismas, tal como acontece
con los ríos, los cuales con el crecimiento de las ciudades son objeto de un uso
inadecuado hasta el punto de ser olvidados y contaminados de manera grave.
Un ejemplo de lo anterior se encuentra en ejecución en la ciudad de Medellín, en donde una iniciativa eminentemente pública tiene proyectado reincorporar el río más importante de la ciudad y todos sus afluentes a las dinámicas propias de la ciudad. La iniciativa mencionada denominada “Parques del
Río”, consistente a grandes rasgos en el enterramiento de las avenidas que están
al lado del mismo, le ha permitido a la ciudad liberar y crear espacio público y
zonas verdes para el disfrute de la comunidad, así como mejorar algunos servicios ambientales prestados por dicho cuerpo de agua.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALCALDÍA DE MEDELLÍN y ÁREA METROPOLITANA DEL VALLE
DE ABURRÁ. BIO 2030 Plan Director Medellín, Valle de Aburrá. [En línea].
Medellín: Mesa Editores. 2011. Disponible en: <http://www.eafit.edu.co/
centros/urbam/articulos-publicaciones/SiteAssets/Paginas/bio-2030-publicacion/urbam_eafit_2011_%20bio2030.pdf>. Acceso en: 06 feb. 2020.
APONTE, F.. La sustentabilidad urbana en las ciudades. Boletim Goiano de
Geografia [En línea]. 2007, v. 27, n. 2, pp. 11-33. Disponible en: <https://
www.redalyc.org/articulo.oa?id=337127147001>. Acceso en: 29 ene. 2020.
BETANCOUR, J.. Intervención del río Medellín: la Sociedad de Mejoras Públicas
y la Administración Municipal de Medellín, 1940-1956. HISTORELO – Revista
de Historia Regional y Local [En línea]. 2012, v. 4, n. 8, pp. 239-274. Disponible en: <https://doi.org/10.15446/historelo.v4n8.31715>. Acceso en:
06 feb. 2020.
BEYERLIN, Ulrich; MARAUHN, Thilo. International Environmental Law.
Oxford, UK: Hart Publishing, 2011.
CANEPA, Carla. Cidades Sustentáveis: O município como locus da sustentabilidade. São Paulo: RCS. 2007.
COLOMBIA. Consejo de Estado: Sala de lo Contencioso Administrativo:
211
Paradiplomacia Ambiental
Sección Primera. Acción Popular Exp. No. AP-25000-23-27-000-2001-90479-01.
Consejero Ponente. Dr. Marco Antonio Velilla Moreno [En línea]. Bogotá,
D.C., mar. 2014. Disponible en: <https://www.orarbo.gov.co/es/documentacion-y-enlaces/listado/sentencia-del-consejo-de-estado-sala-de-lo-contencioso-administrativo-seccion-primera-rio-bogota>. Acceso en: 05 feb.
2020.
DÁVALOS, J.; ROMO, A.. Ciudades Sostenibles, Inclusivas y Resilientes: Gobiernos Locales y Participación Ciudadana en la Implementación de las Agendas
Globales para el Desarrollo. Innova Research Journal. [En línea]. 2017, v.2,
n.10, pp. 116-131. Disponible en: <https://doi.org/10.33890/innova.
v2.n10.2017.441>. Acceso en: 29 ene. 2020.
GIRALDO, C.. Reinterpretação de Espaços Subutilizados na Cidade Contemporânea: Análise dos vazios industriais de Medellín. 2016. 236 f. Disertación
(Mestrado em Urbanismo, Historia e Arquitetura da Cidade)-Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.
GOBIERNO DEL DISTRITO FEDERAL DE MEXICO; PREFEITURA
MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Cuadernos para la Internacionalización de las Ciudades, número 4 Acción internacional para una ciudad sostenible
Tendencias, actores y buenas prácticas. México, DF: Gobierno del Distrito
Federal de México, 2015. Disponible en: <https://acimedellin.org/wp-content/uploads/2017/11/Cuaderno_4._Accion_Internacional_para_una_
Ciudad_Sostenible._Tendencias__Actores_y_Buenas_Practicas-1.pdf>. Acceso en: 12 dic. 2019.
GOMES, M.. Cidades sustentáveis e parques: reflexões teórico-conceituais. Confins Revista Franco-Brasileira de Geografia [En línea], 2019, n. 40. Disponible en: <http://journals.openedition.org/confins/19428>. DOI:
10.4000/confins.19428. Acceso en: 31 ene. 2020.
GONÇALVES, A.; COSTA, J.. Governança Global e Regimes Internacionais.
São Paulo: Almeida. 2011.
GÜIZA, L.; LONDOÑO, B.; RODRÍGUEZ, C.. La judicialización de los
conflictos ambientales: Un estudio de caso de la cuenca hidrográfica del río Bogotá
(CHRB), Colombia. Revista Internacional de Contaminación Ambiental [En
línea], 2015, v.31, n.2, pp. 195-209. Disponible en: <http://www.scielo.org.
mx/pdf/rica/v31n2/v31n2a9.pdf.> Acceso en: 05 feb. 2020.
LEITE, C.. Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes: Desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman. 2012.
MAGLIO, I.. Uma Abordagem na elaboração do Plano Diretor: Lições apreendidas no Plano Diretor Estratégico de São Paulo – PDE 2002-2012. Em: PREFEITURA.
212
Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles
MORALES, G.. Proyecto Parques del Río – Los Parques que Todavía no se Merece
la Ciudad. CAS - Revista Científica Ciencias Ambientales y Sostenibles [En
línea]. 2016, v.3, n.2. Disponible en: <https://aprendeenlinea.udea.edu.co/
revistas/index.php/CAA/article/view/323237>. Acceso en: 06 feb. 2020.
MUNICIPAL DE SUZANO. Caminhos do Rio Tietê: Perspectivas ambientais
para os Rios de Suzano. Suzano: Prefeitura Municipal de Suzano, Secretaria
Municipal de Política Urbana, 2005.
NASCIMENTO, E. P. do. Trajetória da sustentabilidade: do ambiental ao social,
do social ao econômico. Revista Estudos Avançados. [En línea]. 2012, v.26,
n.74, pp. 51-64. Disponible en: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v26n74/
a05v26n74.pdf>. Acceso en: 12 dic. 2019.
ONU. Informe de la Comisión Mundial sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo.
1987. Disponible en: <http://www.ecominga.uqam.ca/PDF/BIBLIOGRAPHIE/GUIDE_LECTURE_1/CMMAD-Informe-Comision-Brundtland-sobre-Medio-Ambiente-Desarrollo.pdf>. Acceso en: 12 dic. 2019.
______. Nueva Agenda Urbana. 2017. Disponible en: <http://habitat3.org/
wp-content/uploads/NUA-Spanish.pdf>. Acceso en: 29 ene. 2020.
______. Documento de políticas 6: Estrategias espaciales urbanas: mercado del
suelo y segregación. 2016a. Disponible en: <http://habitat3.org/wp-content/
uploads/Policy-Paper-6-Espan%CC%83ol.pdf>. Acceso en: 05 feb. 2020.
______. Documento de políticas 8: La ecología y la resilencia urbanas. 2016b. Disponible en: <http://habitat3.org/wp-content/uploads/Policy-Paper-8-Espan%CC%83ol.pdf> .Acceso en: 05 feb. 2020.
______. Programa 21: Capítulo 7. Fomento del Desarrollo Sostenible de los Recursos Humanos. 1992. Disponible en: <http://www.un.org/spanish/esa/sustdev/agenda21/agenda21spchapter7.htm>. Acceso en: 12 dic. 2019.
______. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável. Nueva York, 2015. Disponible en: <https://nacoesunidas.org/
wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf>. Acceso en: 31 ene.
2020.
REI, F.. Paradiplomacia en la gobernanza ambiental global: 15 años de nrg4SD
y sus nuevos desafíos. En: REI, F., GRANZIERA, M. L. y GONÇALVES,
A. (Org.). Paradiplomacia Ambiental: Environmental Paradiplomacy. Santos:
Leopoldianum. 2019.
SANT’ANNA, D.e. Cidade das Águas: Usos de rios, córregos, bicas e chafarizes
em São Paulo (1822-1901). São Paulo: Senac São Paulo. 2007.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria Do Meio Ambiente. A água no olhar da
história. São Paulo: A secretaria, 1999.
213
O PROTAGONISMO DE ENTES SUBNACIONAIS NA PROIBIÇÃO
DO AMIANTO NO BRASIL: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A
CONCRETIZAÇÃO DA ODS 12.4.
Celi Aparecida Consolin Honain1
Flávio de Miranda Ribeiro2
ODS 12 - Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.
Meta 12.4 - Até 2020, alcançar o manejo ambientalmente saudável dos produtos químicos e todos os resíduos, ao longo de todo o ciclo de vida destes,
de acordo com os marcos internacionais acordados, e reduzir significativamente a liberação destes para o ar, água e solo, para minimizar seus impactos negativos sobre a saúde humana e o meio ambiente
INTRODUÇÃO
M
atéria-prima de diversos produtos, tanto da construção civil (telhas,
caixas d’água, etc) como em outras aplicações (pastilhas de freios de
automóveis, revestimentos térmicos, dentre outras), denomina-se comercialmente como amianto a variedade de minerais asbestiformes constituída de feixes fibrosos. Por possuir alta resistência térmica, elétrica, química e à tração,
e simultaneamente elevada flexibilidade, permitindo que seja tecido, além de
ser incombustível, barato e abundante na natureza, o amianto tem sido utilizado para diversas aplicações pela humanidade desde a Antiguidade (SCLIAR,
2005).
Se, por tais características, o amianto se apresenta como extremamente atrativo economicamente; por outro, pode causar danos à saúde de quem aspirar
suas fibras. No entanto, durante muitos anos, discutiu-se se o grau de periculosidade estaria relacionado à quantidade de fibra inalada e ainda ao tipo de
amianto.
Devido a essa incerteza de caráter técnico-científico, defendeu-se a continuidade do uso do amianto tipo crisotila - abundante no Brasil -, ancorada na Lei
9.055/1995, que “disciplina a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham [...]”.
Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos. Integra o Grupo de
Pesquisa Energia e Meio Ambiente. Advogada. Licenciada em Letras pela UNESP/Araraquara.
2
Mestre em Energia e Doutor em Ciências Ambientais pela Universidade de São Paulo. Professor
do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Ambiental Internacional da Universidade Católica de Santos.
1
214
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
Todavia, mesmo essa lei permitindo o amianto crisotila, a partir de 2001 alguns
estados brasileiros o proibiram em seus territórios. Tais ações, entende-se, vêm
ao encontro do ODS 12.4, no sentido de “minimizar os efeitos adversos à saúde
humana e ao ambiente” ao se “reduzir significativamente a sua liberação para
o ar” e “alcançar a gestão adequada” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015) do
amianto3.
Corrobora essa visão o posicionamento da Organização Mundial da Saúde
(OMS), que afirma que a forma mais eficaz para erradicar as doenças causadas
pelo amianto é acabar com todas as formas de sua utilização4 (OMS, 2017), e
ainda alerta que “todos os tipos de amianto causam câncer de pulmão, mesotelioma, câncer de laringe e ovário e asbestose (fibrose dos pulmões)” (WHO,
s/d). Adicionalmente, defendem que a exposição às fibras desse mineral pode
ocorrer não só no ambiente de trabalho, mas também no meio ambiente, principalmente quando há degradação dos produtos que levam amianto, como por
exemplo, “no decurso da manutenção e demolição de edifícios e na eliminação
dos resíduos de obras, bem como no contexto de catástrofes naturais” (OMS,
2017, p. 7).
Por tal razão, os estados brasileiros valeram-se da competência legislativa
em matéria ambiental, que lhes é conferida pela Constituição Federal, e se anteciparam à União proibindo em seus territórios a extração, industrialização e
comercialização do amianto, mesmo sendo estas operações permitidas pela Lei
Federal 9.055/1995, regulamentada pelo Decreto 2.350/1997, segundo parâmetros específicos.
Esse protagonismo de alguns estados brasileiros nesta questão também se
mostra em consonância com o Preâmbulo da Agenda 2030, por ser uma medida “ousada” e “transformadora”5. Ousada, pois além de haver muita resistência
por interesses econômicos, ainda estava em vigor a Lei Federal 9.055/95, que
permitia a extração, industrialização e comércio do amianto em todo território
nacional. E transformadora, porque impulsionou outros estados a legislarem
no mesmo sentido. Criou-se, mesmo que implicitamente, um movimento subnacional que culminou na proibição desse mineral, pelo Supremo Tribunal
Federal, em todo território nacional6.
Apesar de não resolver todo o problema que envolve o uso do amianto, pois mesmo proibido
ainda está presente em muitos produtos, essa proibição sem dúvida é uma medida que minimiza
os riscos advindos de novos produtos sendo colocados no mercado.
4
Isso porque não existem provas para que se possa estabelecer “um limiar relativo ao efeito carcinogênico do amianto, incluindo o crisótilo, e que foram observados riscos acrescidos de contrair
cancro em populações expostas a níveis muito baixos” (OMS, 2017, p.4).
5
“Estamos determinados a tomar as medidas ousadas e transformadoras que são urgentemente
necessárias para direcionar o mundo para um caminho sustentável e resiliente” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015)
6
O marco legal da proibição do amianto ocorreu em 29 de novembro de 2017, quando o Supremo
Tribunal Federal declarou, de modo incidental e com efeito erga omnes, a inconstitucionalidade
3
215
Paradiplomacia Ambiental
Esses estados subnacionais foram influenciados por uma tendência paradiplomática internacional - pois mais de setenta países já haviam proibido o
amianto em seus territórios (SOPTERJ, 2019) - e pela divulgação de conhecimento técnico-científico sobre os riscos do amianto por comunidades epistêmicas, tanto internacionais como nacionais.
O presente capítulo tem como objetivo apresentar esse protagonismo de
alguns entes subnacionais brasileiros ao proibirem a extração, industrialização
e comercialização de amianto em seus territórios, saindo à frente do próprio
Estado Federativo, e relacionar essas iniciativas no contexto do Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável 12- Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis, e mais especificamente à meta 12.4, de “Até 2020, alcançar o
manejo ambientalmente saudável dos produtos químicos e todos os resíduos,
ao longo de todo o ciclo de vida destes, de acordo com os marcos internacionais acordados, e reduzir significativamente a liberação destes para o ar, água e
solo, para minimizar seus impactos negativos sobre a saúde humana e o meio
ambiente”.
1. O Amianto e suas características
Amianto, ou asbesto, é um mineral encontrado nas rochas magmáticas e
metamórficas, e facilmente separáveis em fibras. Apesar de haver vários tipos,
são divididos em duas grandes classes: anfibólios ou serpentinas. E é nesta segunda classe que se insere o amianto tipo crisotila, utilizado no Brasil (SCLIAR,
2005).
O amianto crisotila apresenta-se muito interessante economicamente, por
ser barato e abundante na natureza. É resistente ao calor e, como suas fibras
são flexíveis e sedosas, podem ser facilmente tecidas. Com apenas um quilo de
fibras, chega-se a produzir até vinte mil metros de fio (SCLIAR, 2005). Dada
essa versatilidade, o amianto tem sido utilizado na produção de inúmeros produtos, tais como: telhas, vasos de decoração, pisos vinílicos, tubulações, lonas e
pastilhas de freios, tintas, papelão, vestimentas antichamas, entre tantos outros
(INCA, 2018).
Em contrapartida a essas características, o amianto crisotila possui outras
bastante preocupantes quanto às implicações à saúde humana, mesmo pertencendo à classe das serpentinas, consideradas menos cancerígenas que a dos anfibólios.
Ao longo das últimas décadas, muito se discutiu sobre o amianto e sua
patogenicidade. A questão foi amplamente analisada por cientistas de diversas
áreas, economistas, refletindo também no âmbito legislativo. No entanto, mesdo artigo 2º da Lei 9.055/1995, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3406 e 3470
contra a Lei 3.579/2001, do Estado do Rio de Janeiro.
216
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
mo entre os cientistas, houve posições antagônicas, intensificadas por interesses
econômicos que fizeram a discussão em torno de sua proibição durar décadas.
Essa controvérsia ainda existe, mas foi atenuada depois que alguns órgãos
respeitados mundialmente, como a OMS, começaram a se posicionar de modo
categórico contra qualquer utilização das fibras de amianto, qualquer que seja o
tipo e a quantidade. Por conta disso, o amianto é colocado entre os dez produtos químicos ou grupos de produtos químicos que constituem um problema de
saúde pública.7 (WHO, 2010).
Também a International Agency for Research on Cancer (IARC), agência intergovernamental que também faz parte da Organização Mundial de Saúde das
Nações Unidas, classificou o amianto como carcinogênico do Grupo 1. Pertencer ao Grupo 1 significa que existem evidências de que pode causar câncer em
humanos, em qualquer de suas formas e qualquer estágio de produção, transformação e uso (IARC, 1987).
Nesse passo, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) também declarou que
todas as formas de amianto são cancerígenas, e “não foram identificados níveis
seguros para a exposição às suas fibras”. Tal exposição pode causar as seguintes
doenças: “asbestose, câncer de pulmão, mesotelioma, câncer de laringe, do trato
digestivo e do ovário; espessamento na pleura e diafragma, derrames pleurais,
placas pleurais e severos distúrbios respiratórios” (INCA, 2018).
Essa situação se agrava, pois, ao contrário de outras substâncias perigosas à
saúde que possuem seu risco restrito à exposição em ambientes determinados,
segundo Pedra (2015) e a OMS (WHO, s/d), a exposição ao amianto pode ocorrer tanto no âmbito laboral quanto no meio ambiente em áreas em que manipulam o amianto, e ainda em edificações que contenham amiantos quebradiços.
Dessa forma, mesmo que cessada a extração, industrialização e comercialização
do amianto, restará ainda um passivo de amianto nos produtos já em uso pela
sociedade – e que poderão produzir danos quando de atividades de manutenção, substituição ou descarte destes itens, como caixas d`água, telhas e outros
produtos.
2. O tratamento jurídico dado ao amianto no Brasil
A comunidade científica já reconheceu há muito tempo o amianto do tipo
anfibólio como altamente cancerígeno, e não há divergências a esse respeito.
Por tal razão é que sua extração, comercialização e uso se encontram proibidos
em quase todo o mundo e, no Brasil, desde 1995, quando a Lei Federal 9.055
7
Alerta a OMS que, apesar de os produtos químicos fazerem parte do cotidiano das pessoas,
e muitas vezes, quando usados adequadamente, poderem contribuir significativamente para a
melhoria de qualidade de vida, saúde e bem-estar, outros produtos químicos são muito perigosos
e podem ter um impacto negativo na saúde e no meio ambiente quando não são administrados
adequadamente (WHO, 2010).
217
Paradiplomacia Ambiental
entrou em vigor.
Porém, o artigo 2º da Lei 9.055/1995 permitiu, por mais de duas décadas, a
extração, industrialização, comercialização e uso do amianto crisotila, segundo
parâmetros específicos estipulados pelo Decreto 2.350/1997, embasando-se no
argumento de que esse tipo de amianto - por pertencer à classe das serpentinas
- seria menos cancerígeno do que os anfibólios (SCLIAR, 2005). E assim foi,
mesmo com as entidades científicas divulgando que o amianto crisotila também
é muito perigoso à saúde humana8.
Todavia, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por meio
da Resolução do Conama nº 348/2004 incluiu os materiais resultantes do processo de construção que contenham amianto na Classe D dos Resíduos Perigosos. Por tal razão, rejeitos contendo amianto precisam ter sua disposição final
correta em aterros para resíduos perigosos (classe I), e jamais devem ser reutilizados, entre outros requisitos para gerenciamento de resíduos desta característica.
Por outro lado, desde a publicação da Lei 9.055/1995, alguns estados (Mato
Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo)9,
influenciados por tais informações científicas, legislaram proibindo em seus
territórios a extração, industrialização, transporte e uso de qualquer forma do
amianto.
Essas proibições, ainda que em âmbito subnacional, corroboram com a
meta de desenvolvimento sustentável 12.4, e ocorreram, entre outros fatores,
em virtude do protagonismo de alguns estados nacionais que, influenciados
por uma rede de informação científica, legislaram proibindo em seus territórios
todos os tipos de amianto.
Cabe mencionar que nessa matéria a competência legislativa dos estados era
concorrente10, ou seja, a competência da União limitava-se a “estabelecer normas gerais, que se aplicam a todo território nacional, cabendo a cada Unidade
da Federação o respectivo detalhamento, conforme as características e necessidades locais, limitadas pelas regras impostas pela União” (GRANZIERA, 2019,
p.78-79).
Observa-se que ainda há países que permitem o uso do amianto crisotila, como por exemplo,
Índia, Indonésia, Tailândia, Malásia, Filipinas, Mongólia e outros.
9
Lei Estadual 2.210/2001, do Mato Grosso do Sul; Lei Estadual 3.579/2001, do Rio de Janeiro;
Lei Estadual 11.643/2001, do Rio Grande do Sul; Lei Estadual 12.589/2004, de Pernambuco;
Lei 12.684/2007, de São Paulo.
8
O artigo 24 da Constituição Federal traz a competência concorrente a União, Estados
e Distrito Federal quanto aos seguintes temas ligados ao meio-ambiente (incisos V, VI,
VII, VIII e XII): produção e consumo; florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; previdência social, proteção e defesa
da saúde.
10
218
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
Porém, como o Brasil destacava-se mundialmente na produção desse mineral, houve resistência de muitos setores empresariais a essas legislações subnacionais, com proposição de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) sob o argumento de que já existia a lei federal permitindo o uso
do amianto e, portanto, as estaduais estariam em desacordo com ela. Todavia,
foi justamente no julgamento de algumas dessas ADINs (de números 3.406 e
3.470) que, em novembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou
inconstitucional o artigo 2º da Lei Federal 9.055/95, e constitucionais as leis estaduais. Ressalta-se que a proibição não ocorrera efetivamente nesse momento,
visto que foram interpostos vários recursos jurídicos a fim de retardá-la11.
Foi só em fevereiro de 2019 que o acórdão foi publicado, proibindo o
amianto em todo território nacional. Entretanto, novamente, foram apresentados embargos de declaração para protelar tal decisão, que até o final de 2019
não haviam sido julgados.
3. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável - ODS 12
Viola e Basso (2016) chamam a atenção para a transição do Holoceno para
o Antropoceno e suas consequências. Esse fato ocorreu no final do século XX
e início do XXI, mas teve seu início com a Revolução Industrial e foi se intensificando a partir da década de 40, ao longo do grande desenvolvimento econômico e tecnológico ocorrido. Nesse período, a atuação do ser humano sem
as devidas preocupações causou impactos ambientais nunca antes vivenciados,
anunciando a passagem de uma fase de estabilidade ambiental de mais de onze
mil anos (Holoceno) para outra, marcada por um grande desenvolvimento que
desestabilizou o ambiente e a qualidade de vida (Antropoceno).
Por tal gravidade, Franchini et al (2017) asseveram que “[...] the Anthropocene
demands immediate responses to deal with cumulative, universal and long-term problems” (p. 196)12. Entre eles, está a questão do gerenciamento de substâncias perigosas, como o amianto, que exige uma resposta urgente apontando diretrizes
para padrões sustentáveis de produção e consumo, objeto do ODS 12.
Ademais, segundo Beck (2010), é justamente pelo modelo de produção e
consumo utilizados até então que se tem hoje uma sociedade de risco. Isso, porque existe, obviamente, uma relação direta entre produção e consumo; e destes,
por sua vez, com o desenvolvimento econômico, ainda mais agravado quando
se trata de um mero crescimento econômico. Tanto é que, como aponta Milaré
Em dezembro do mesmo ano, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e o
Instituto Brasileiro do Crisotila entraram com pedido de tutela de urgência a fim de suspender o
efeito erga omnes até a publicação do acórdão e esgotamento do prazo para oposição de embargos
de declaração. Tal pedido foi concedido.
12
“[...] o antropoceno exige respostas imediatas para lidar com problemas cumulativos, universais
e de longo prazo” (tradução livre).
11
219
Paradiplomacia Ambiental
(2014), “os investimentos são planejados em função do número de consumidores e usuários potenciais e não de seres humanos” (p.79).
Não se desconsidera que, diferente de consumismo, o consumo é importante, pois contribui para uma série de benefícios ao bem-estar humano, como
habitação, alimentação, saúde, educação, e tantos outros. No entanto, destaca
Feldmann (2005) que o problema está em seus padrões e efeitos, ou seja, no
desafio em conciliar a pressão ao meio ambiente às necessidades básicas do ser
humano.
E é nessa intersecção equilibrada que se posiciona o desenvolvimento sustentável, cuja busca atualmente tem sido orientada internacionalmente pela
Agenda 2030, que engloba em seu Objetivo 12 (ODS 12) os “Consumo e Produção Responsáveis”, para “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”.
4. A meta de desenvolvimento sustentável 12.4
No escopo do ODS 12, a meta 12.4 volta-se especificamente para a questão do manejo dos “produtos químicos e de todos os resíduos”, especificamente dedicada a minimizar seus impactos negativos à saúde humana e ao meio
ambiente. Para tanto, colocou-se como meta atingir o manejo ambientalmente
saudável ao longo de todo o ciclo de vida dessas substâncias, bem como reduzir
significativamente sua liberação para o ar, água e solo. No entanto, a redação da
meta traz uma particularidade: seu cumprimento está agendado para até 2020,
alinhando-se com o objetivo geral da Strategic Approach for the International Chemicals Management – SAICM13.
Note-se que a ODS 12.4 pretende “alcançar o manejo ambientalmente
saudável dos produtos químicos e todos os resíduos, [...] de acordo com os
marcos internacionais acordados[...]” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015,
p.31). Assim, é importante mencionar, sobre esse aspecto, que o Brasil faz
parte de vários acordos multilaterais que versam sobre o assunto, objetivando
proteger tanto a saúde quanto o meio ambiente, cada um com seu enfoque e
abordagem específicas, tais como: a Convenção de Basileia sobre o Controle
de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito; a
Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes; a Abordagem
Estratégica para a Gestão Internacional de Substâncias Químicas (SAICM),
entre outros (MMA, s/d). Entende-se assim que, ao menos em parte, a busca
pelo atendimento à meta 12.4 passa pelo atendimento a compromissos que
são parte de outros regimes ambientais internacionais dos quais o Brasil já é
Abordagem Estratégica para a Gestão Internacional de Substâncias Químicas. Trata-se de um
arcabouço estratégico de políticas públicas para o gerenciamento ambientalmente responsável de
substâncias químicas, com secretariado abrigado pelo Programa de Meio Ambiente das Nações
Unidas (UNEP).
13
220
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
aderente. Nesse sentido, o presente artigo defende que a proibição do amianto,
promulgada em mais de uma legislação estadual e asseverada pela recente decisão
do STF, não apenas atende ao ODS 12.4, mas também honra os compromissos
assumidos pelo governo federal em Convenções e tratados dos quais o país é
signatário.
Adicionalmente, a meta 12.4 ainda conversa com o parágrafo 34 da Agenda
2030, em que apela para o seguinte compromisso:
Vamos reduzir os impactos negativos das atividades
urbanas e dos produtos químicos que são perigosos
para a saúde humana e para o ambiente, por meio da
gestão ambientalmente adequada e utilização segura
de produtos químicos, a redução e a reciclagem de
resíduos e o uso mais eficiente da água e da energia.
(NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015, p.12)
Assim, é medida que vem ao encontro à meta 12.4, proibir a extração, industrialização, comercialização e uso do amianto, por ser um mineral que pode
causar danos irreversíveis à saúde da população, além de ser difícil a sua manipulação correta14.
Ademais, o amianto também não se mostra apto a atender aos objetivos
de “reutilização” e “reciclagem” da Política Nacional dos Resíduos Sólidos PNRS15, pois não se podem utilizar os produtos à base de amianto, como telhas,
ao final de sua vida útil, para transformá-los em nova matéria prima. Portanto,
os produtos contendo amianto não conseguem se inserir na nova lógica da gestão de resíduos, segundo a qual todo material ou produto consumido deve ser
reaproveitado ao máximo, e transformado em nova matéria prima, antes de ser
classificado como rejeito. Dessa forma, os produtos de amianto ao final de sua
vida útil são sempre classificados como rejeitos, restando apenas a alternativa da
disposição final ambientalmente adequada, como resíduo perigoso.
Sob esse viés, desde o ponto de vista mais amplo, entende-se que a única
forma de buscar o “manejo ambientalmente saudável” do amianto é por meio
do objetivo da “não geração” desse como resíduo, o que só se alcança a longo
prazo, pois mesmo proibindo a extração, fabricação e uso do amianto e seus produtos, ainda haverá um passivo ambiental a ser gerenciado por bastante tempo,
em função da grande quantidade de produtos com essa matéria ainda em uso,
e que terão longa vida útil até o momento de seu descarte.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer, “a exposição ao amianto está relacionada à ocorrência
de diversas doenças. Ele é classificado como reconhecidamente cancerígeno para os seres humanos. Não foram identificados níveis seguros para a exposição às suas fibras.” (INCA)
15
Estabelecida pela Lei nº 12.305/2010, e que especificamente em seu Artigo 9º define uma hierarquia, ou prioridade, para as ações de gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos.
14
221
Paradiplomacia Ambiental
5. Paradiplomacia e a Proibição do Amianto no Brasil
5.1 Conceitos e Práticas da Governança e da Paradiplomacia
Os problemas ambientais contemporâneos não se circunscrevem às limitações territoriais de um Estado nação, e nesse novo cenário mostra-se necessário
repensar as relações políticas, até então estabelecidas somente entre Estados
soberanos, apontando a premência de adoção de outros mecanismos de cooperação.
É nesse contexto que surge a governança, definida pela Comissão de Governança Global (1986) como “a totalidade das diversas maneiras pelas quais os
indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas
comuns” (p. 2). Acrescenta Gonçalves (2005) que governança também é meio e
instrumento para resolução de problemas comuns globais16, com a participação
ampliada de vários atores17 (não só Estados soberanos). Por meio dessa participação baseada no consenso, tal processo se legitima e tem apresentado bons
resultados.
Alinhada à mesma lógica da governança, surge a paradiplomacia. Nela, os
entes subnacionais (Estados, Municípios, organizações internacionais, dentre
outros entes) participam em acréscimo aos Estados Nacionais na busca de soluções para problemas globais, contemporâneos e comuns. Estes, segundo Rei,
Seltzer e Cunha (2012, p.131), “exigem uma resposta de múltiplos atores, em
múltiplas escalas, cabendo aos governos subnacionais o papel crucial de desenvolver e implementar as políticas necessárias à promoção do paradigma da
sustentabilidade mais próximos do cidadão”.
Observa-se que na paradiplomacia há uma nova dinâmica, onde há mais espaço para os entes subnacionais. Por tal razão, Moreira, Senhoras e Vitte (2009,
p. 1) a caracterizam como “processos da extroversão de atores subnacionais [...]
que procuram praticar atos e acordos internacionais a fim de se obterem recursos e resolverem problemas específicos de cada área com maior rapidez e
16
Note-se que a governança pode não ser só global, quando, por exemplo, no âmbito interno
de um país, vários atores subnacionais se unem para encontrar uma solução para um problema.
17
Nesse aspecto, a Agenda 21, em seu dispositivo 23, já trazia a necessidade de novas formas de
participação de vários atores em busca da sustentabilidade. E ainda reconhecia que “a participação ampliada se legitima e ganha contorno internacional. E ainda, considerando que a soberania
pode ter seus limites ultrapassados pelo Estado Moderno, principalmente, no que diz respeito a
reconfiguração do conceito de soberania e pela compreensão de que determinados problemas
ensejam a superação de conceitos, e de limites territoriais, e de participação de múltiplos atores”.
A Agenda 2030 também reconhece a importância da participação ampliada para implementá-la,
por meio da Parceria Global revitalizada que “facilitará um envolvimento global intensivo em
apoio à implementação de todos os Objetivos e metas, reunindo governos, sociedade civil, setor
privado, o Sistema das Nações Unidas e outros atores e mobilizando todos os recursos disponíveis” (Agenda 2030, p.13)
222
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
facilidade sem a intervenção dos governos centrais”.
É inegável que a globalização permitiu maior interligação entre os mais
diversos atores- tanto no nível nacional quanto global. Entre esses atores, estavam não só os Estados Nacionais, como também subnacionais, organizações
internacionais, empresas, ONGs e até comunidades epistêmicas internacionais,
entre outros.
5.2 As ações paradiplomáticas dos estados subnacionais brasileiros
em prol da proibição do amianto
Nesse novo cenário, em que as fronteiras não são mais impedimentos para
a troca de informações, influências e parcerias, algumas comunidades epistêmicas18 internacionais, como a OMS ou o IARC, tiveram papel importante no
processo de proibição do amianto no Brasil e no mundo.
No contexto internacional da proibição do amianto, os movimentos ganharam força, principalmente, depois que essas comunidades epistêmicas, embasadas em pesquisas de seus cientistas possuidores de reconhecida expertise,
declararam que não só os amiantos da classe dos anfibólios eram perigosos,
mas também o crisotila. Por tal razão, informou-se ainda que o caminho para
a solução, em termos de políticas públicas, seria interromper todos os tipos de
uso de amianto19. Desde então, reduziu-se a incerteza decorrente de grande controvérsia sobre o assunto, e a proibição foi progressiva em vários países desde a
década de oitenta, como por exemplo na Noruega (1984), Dinamarca (1986),
Suécia (1986), Suíça (1989), Holanda (1991), Itália (1992), Alemanha (1993) e
França (1997). Interessante notar que à exceção da França, todos os exemplos
citados de proibição são anteriores à legislação brasileira, de 1995, que permite
o amianto crisotila.
Não obstante, conforme já mencionado anteriormente, esse movimento
trouxe reflexos no Brasil onde, influenciados por dezenas de países que já haviam proibido o amianto em seus territórios e pelas informações científicas que
vinham das comunidades epistêmicas, alguns governos subnacionais (estaduais
Segundo Haas, “comunidade epistêmica” é uma expressão usada para designar “uma rede de
especialistas em áreas específicas do conhecimento, que, dotados de autoridade, compartilham
não somente noções de validade e um padrão de raciocínio e de práticas discursivas, como também o compromisso com a produção e aplicação do conhecimento, nos termos de um projeto
político dirigido a problemas específicos e fundado nesses entendimentos comuns”. Surge da
necessidade de conhecimentos especializados de uma determinada comunidade científica e seus
membros “fortalecem-se como atores, tanto no nível nacional como no internacional, conforme
os tomadores de decisão solicitem-lhes informações e deleguem-lhes responsabilidades” (HAAS
apud MINIUCI, 2011, p.56)
19
A OMS – Organização Mundial da Saúde indica, entre outras orientações, que a “eliminação
de doenças relacionadas ao amianto deve ocorrer por meio das seguintes ações de saúde pública:
a) reconhecendo que a maneira mais eficiente de eliminar doenças relacionadas ao amianto é
interromper o uso de todos os tipos de amianto;[...]” (WHO, 2010)
18
223
Paradiplomacia Ambiental
e municipais) tomaram a decisão de legislar proibindo esse mineral20, em prol
da saúde de sua população.
Essa atuação dos governos subnacionais brasileiros representa o descrito
por Castells (2007), segundo quem, por haver um complexo sistema de relações
institucionais que também são globalizados, os Estados acabam operando influenciados por uma rede interativa ampla, que inclui influências econômicas,
políticas e tantas outras. Ressalta-se, entretanto, que, nessa rede de influências,
a conexão pode ocorrer mesmo de modo informal e sem grau de institucionalidade. Neste caso, os atores se interconectam por uma “identidade”, entendida
por Sarfati (2006, p.261), como “a união das qualidades inerentes ao ator no
agrupamento de atores, corresponde a suas experiências e à sua consciência. É
um conjunto de significados, tomados em perspectiva com outros atores, que
um indivíduo ou grupo atribuem a si próprio”.
Assim, ao legislarem à frente do Estado Federal, alguns estados brasileiros, influenciados por tais redes e instituições, demonstraram um novo papel
mais autônomo dos entes subnacionais na proteção ambiental, caracterizando
um processo paradiplomático relevante21. Vale mencionar a observação de Rodrigues (2008) para o fato de que, mesmo sem a paradiplomacia ter previsão
constitucional, ela está constantemente presente no enfrentamento de várias
questões, sem afrontar o Estado de Direito22.
6. O Amianto nos processos de produção e consumo e a meta 12.4
Quando se fala em produção, consumo e desenvolvimento sustentável, é
preciso ter em mente que algumas formas de desenvolvimento econômico e a
proteção do meio ambiente muitas vezes se chocam. Aliás, já em 1991 o desenvolvimento sustentável era descrito pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento não como “um estado permanente de harmonia”,
mas sim como um processo, que envolve escolhas difíceis e que dependem de
O primeiro estado que legislou nesse sentido foi Mato Grosso do Sul (Lei 2210/2001), seguido
por vários outros, como Rio de Janeiro (Lei 3579/2001), Rio Grande do Sul (Lei 11643/2001),
São Paulo (Lei 12684/2007), Santa Catarina (Lei 17076/20017). Note-se que, em 1990, o estado
do Maranhão (Lei 5017) já proibia o uso de telhas de amianto na cobertura de edifícios públicos.
21
Pinto (2015) fala da Paradiplomacia “como instrumento que justifica e legitima a soberania dos
estados subnacionais para enfrentamento e cooperação em matéria ambiental.” (p.206).
22
“Curiosamente, mesmo sem previsão constitucional, a paradiplomacia tem sido praticada
diariamente, sem necessariamente afrontar o Estado de direito. Exemplos concretos de atuação
estadual e municipal ocorrem no âmbito das competências comuns, definidas no art. 23 da CF
(que inclui os temas saúde; patrimônio histórico, cultural e paisagístico; cultura, educação e ciência; meio ambiente; habitação; e combate à pobreza). Por exemplo: é crescente a quantidade de
convênios de cooperação técnica entre municípios e Estados federados brasileiros e contrapartes
estatais estrangeiras para implementar políticas públicas de proteção ambiental tendo por base
tratados ou documentos internacionais - como o Protocolo de Kyoto (1997), em relação ao aquecimento global, ou a Agenda 21, em relação ao desenvolvimento sustentável” (RODRIGUES,
2008, p. 1020).
20
224
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
apoio político (CMMAD, 1991, p.10).
A proibição da extração, industrialização, comercialização e uso do amianto
no Brasil é uma dessas escolhas difíceis, por colocar em jogo grandes questões
econômicas. No entanto, entende-se que essa é necessária na medida em que
produção e consumo guardam estrita relação e, nas palavras de Milaré, “consome-se o que se produz, produz-se o que é demandado para consumir.” (2014,
p.83).
Nesse círculo, o papel do Estado é imprescindível para reorganizar essa dinâmica, principalmente quando a produção compromete a saúde das pessoas. É
ele que tem a força cogente, além do papel constitucional de proteção ambiental. No caso do amianto, as comunidades epistêmicas podem informar sobre
a sua periculosidade, porém elas não têm força jurídica. Só o Estado, usando
a competência que lhe é própria de legislar, pôde transformar as informações
científicas em normas deônticas.
Não obstante, Milaré (2014) destaca também o papel do consumidor em
relação aos seus deveres em relação ao meio ambiente, como um direito indisponível, por ser patrimônio da coletividade. Nesse passo, destaca ainda a importância da Ética, nas dimensões individual, social e planetária.
No caso específico da proibição do amianto no Brasil, a atuação dos governos subnacionais representa um marco significativo para o avanço da meta
12.4, mesmo que só por meio da proibição posta não se consiga ainda banir
efetivamente a liberação de fibras de amianto no ambiente, em função do passivo de produtos com amianto ainda em uso. Todavia, com a proibição atual
minimizam-se os riscos à saúde humana e ao meio ambiente, já que não mais
serão colocados no mercado novos produtos com esse mineral. Resta, porém,
o desafio de se gerenciar o passivo ambiental dos produtos em uso, e que terão
de ser gradualmente substituídos e descartados de forma ambientalmente adequada – lembrando da escassez no Brasil de instalações apropriadas para esse
descarte.
Considerando a colocação de Castells de que “sociedades são organizadas
em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder” (2007, p.170), alguns entes subnacionais- favorecidos
pela globalização que permite uma grande interconexão não só entre Estados
nação, mas também paradiplomáticas- mostraram que é possível resistir às forças econômicas para alcançar modelos de produção e consumo mais sustentáveis.
CONCLUSÃO
Apresentou-se, ao longo deste capítulo, o protagonismo dos entes
225
Paradiplomacia Ambiental
subnacionais ao legislarem, proibindo, em seus territórios, a extração,
industrialização e comercialização de todo tipo de amianto, mesmo encontrandose vigente a Lei Federal 9.055/1995, que ainda permitia o amianto tipo crisotila
de modo controlado no país.
Essa atuação se baseou em iniciativas de extrema relevância no âmbito da
governança ambiental global, que se alinharam às informações propagadas por
comunidades epistêmicas sobre a periculosidade do uso desse mineral, até mesmo o crisotila, em todas as suas formas e quantidades. Em decorrência desse
processo paradiplomático, pelo qual alguns entes subnacionais saíram à frente
da Federação, esta se viu pressionada a se posicionar diante do impasse jurídico
formado quanto ao artigo 2º da Lei 9.055/1995, que ainda permitia o uso do
amianto crisotila.
Assim, diante da constatação de que tal lei passou por um processo que
inconstitucionalização superveniente, decorrente do avanço das pesquisas científicas, proibiu-se também todos os tipos de amianto no Brasil, declarando constitucionais as leis estaduais, no acórdão que julgou as ADINs 3.406 e 3.470.
No caso em questão, foi inegável a relevância do protagonismo de estados e
municípios para a busca do desenvolvimento sustentável. Principalmente, porque só o conhecimento científico, que vinha sendo anunciado há décadas tanto
nacional como internacionalmente, sucumbia a fortes interesses econômicos.
Assim, mesmo havendo várias declarações de comunidades epistêmicas alertando sobre os perigos do amianto e de seus produtos, elas não tinham força
jurídica para alterar os padrões de produção e consumo, uma vez que só o Estado é que lhes pode conferir tal força, legislando embasado nessa informação
técnico-científica.
Dessa forma, verifica-se a relevância da atuação dos governos subnacionais
na proibição do amianto em todas as suas formas no Brasil, destacando, então,
que é justamente por haver fortes interesses conflitantes, que foi ousado tal
protagonismo desses entes subnacionais.
No que se refere à agenda da governança ambiental global, e especificamente no avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas pelo Brasil, entende-se que essa atuação corrobora com o ODS 12.4, pois,
mesmo não pondo um fim nos efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente do
amianto, ao menos os minimizou, pois, com a proibição, não se acrescentam
novos produtos no cenário nacional. Ademais, espera-se, essa medida impulsionará a busca por novos substitutos mais sustentáveis ao amianto, ou seja,
espera-se que se instale nesse ponto um novo paradigma de desenvolvimento
econômico, que contribua a um espaço ambientalmente mais seguro.
Nesse sentido, o presente caso ilustra um exemplo no qual foi possível avançar no atendimento à meta 12.4 a partir da autonomia de alguns entes subna226
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
cionais, que, a partir da influência das comunidades epistêmicas internacionais,
por meio de um processo paradiplomático, dissolveram um impasse, para depois induzir um avanço em âmbito federal, e assim contribuir ao atendimento
a compromissos assumidos pelo país- não só da Agenda 2030 mas também de
outras Convenções e tratados.
Há que se considerar que esse avanço ainda é frágil, pois ao contrário da
atuação subnacional dos estados, em âmbito federal essa mudança de posição
em relação à proibição de todos os tipos de amianto foi obtida pela via judicial,
em decisão do Supremo Tribunal Federal, e não por um aperfeiçoamento legal
originário do legislativo, poder que ao menos em tese deveria ser capaz de absorver as novas expectativas da sociedade e convertê-las em marcos legais mais
alinhados à sustentabilidade e aos compromissos assumidos internacionalmente pelo país.
REFERÊNCIAS
BECK, U.. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Sâo Paulo: Ed.
34, 2010.
CASTELLS, M. Communication, power and counter-power in the network
Society. International Journal of Communication, v. 1, 2007, p. 238-266. Disponível em: <http://criticaltheoryindex.org/assets/castellsmanuel_communication%2C-power-and-counter-power-in-the-network-society.pdf>.
Acesso em: 25 nov. 2019.
COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global. O Relatório da Comissão sobre Governança Global. Rio de Janeiro:
FGV. 1996.
CMMAD - COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro Comum. 2. ed., Rio de Janeiro: FGV.
1991.
FELDMANN, F.. A parte que nos cabe: consumo sustentável? In: TRIGUEIRO, André (Coord.). Meio Ambiente no Século 21 – 21 especialistas falam da
questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. 4. ed. Campinas – SP: Armazém do Ipê, 2005. p. 143-157.
FRANCHINI, M.; VIOLA, E.; BARROS-PLATIAU, A. F.. The challenges
of the anthropocene: from international environmental politics to global
governance. Ambient. soc., São Paulo, v. 20, n. 3, p. 177-202, Sept. 2017.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2017000300177 &lng=en&nrm=iso>. Disponível em:
30 nov. 2019.
227
Paradiplomacia Ambiental
GONÇALVES, A.. O Conceito de Governança. XIV CONGRESSO NACIONAL CONPEDI. Anais. Fortaleza 3,4 e 5 de novembro de 2005. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/078.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2019.
GRANZIERA, M. L. M.. Direito Ambiental. 5. ed. rev. e atual. Indaiatuba:
Foco. 2019.
HAAS, P. M.. Introduction: Epistemic Communities and International Policy Coordination. International Organization, v. 46, n.1, p.1-35. 1992.
INCA – Instituto Nacional de Câncer. Amianto. Disponível em: <https://
www. inca.gov.br/exposicao-no-trabalho-e-no-ambiente/amianto>. Acesso
em: 02 fev. 2020.
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável. 2015. Disponível em:< https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf>. Acesso
em: 10 nov. 2019.
OMS – Organização Mundial da Saúde. Amianto Crisótilo. Genebra. 2017.
Disponível em: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/
143649/9789248564819-por.pdf;jsessionid=965A0FBAF129AB352B21D3A0CC146AA0?sequence=17>. Acesso em: 15 nov. 2019.
MENDES, R.. Asbesto (amianto) e doença: revisão do conhecimento científico e fundamentação para uma urgente mudança da atual política brasileira
sobre a questão. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 07-29, Feb.
2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2001000100 002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28
nov. 2019.
MILARÉ, È.. Direito do Meio Ambiente. 9 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014.
MMA - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, ODS e gestão de substâncias
químicas. Disponível em: < https://www.mma.gov.br/seguranca-quimica/
gestao-das-substancias-quimicas/ods-e-gest%C3%A3o-de-subst%C3%A2ncias-qu%C3%ADmicas.html>. Acesso em 30 nov. 2019.
MINIUCI, G.. A Organização Mundial do Comércio e as Comunidades Epistêmicas. Univ. Rel. Int., Brasília, v. 9, n. 2, p. 55-90, jul./dez. 2011.
MOREIRA, F. de A.; SENHORAS, E. M.; VITTE, C. de C. S.. Geopolítica da Paradiplomacia Subnacional: um estudo sobre a extroversão internacional
dos municípios da rede de Mercocidades. Works.bepress. 2009. Disponível em:
<http://www.paradiplomacia.org/upload/downloads/f497435af5ae54cff21132973b05cba4geopol%C3%8Dtica%20da%20paradiplomacia%20subnacional.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2016.
228
O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil
PEDRA, F.. Mortalidade por mesotelioma no Brasil de 1980 a 2010. (Tese de
Doutorado -Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca), Rio de Janeiro, 2015.
PINTO, C. E. de C.. A Paradiplomacia, a Governança Global e o Papel da
Cooperação para os Estados Subnacionais. Cadernos de Dereito Actual, n.3,
2015, p. 201-214.
REI, F. C. F.; CUNHA, K. B.; SETZER, J.. La Paradiplocia Ambiental en la
Nueva Governanza Internacional. Revista TIP n.2. Buenos Aires, 2012, p. 5063.
RODRIGUES, G. M. A.. Relações Internacionais de Cidades: paradiplomacia sui generis? Paper aprovado para a 36º ANPOCS, GT28 – Política
Internacional, 21-25 de outubro de 2012. Disponível em: <http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_
view&gid=8168&Itemid=217>. Acesso em 29 nov. 2019.
SARFATI, G.. Teorias de relações internacionais. São Paulo: Saraiva. 2006.
SCLIAR, C.. Amianto: Mineral Mágico ou Maldito? Ecologia Humana e Disputa
Político-Econômica. Belo Horizonte: Novatus. 2005.
SOPTERJ – Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de
Janeiro. O Amianto Mata. 2019. Disponível em: < https://www.sopterj.com.
br/amianto-mata-sopterj-pela-proibicao-do-uso-do-amianto-no-brasil-e-nomundo/ >. Acesso em 20 fev. 2020.
WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. International Programme on
Chemical Safety: Asbestos. s/d. Disponível em: <https:// www.who.int/ipcs/
assessment/public_health/asbestos/en/>. Acesso em: 10 nov. 2019.
______. Ten chemicals of major public health concern. 2010. Disponível em:
<https://www.who.int/ipcs/assessment/public_health/chemicals_phc/
en/>. Acesso em: 10 jan. 2020.
229
EL ESTADO DE SAO PAULO Y SU ESTRATEGIA RELATIVA
AL CAMBIO CLIMÁTICO EN EL CONTEXTO DE LA
PARADIPLOMACIA EN RED.
Fernando Rei1
Mariângela Mendes Lomba Pinho2
ODS 13 - Acción por el clima
META 13.2 - Políticas, estrategias y planes nacionales y 13.3 educación y
sensibilización.
INTRODUCCIÓN
L
legase a las dos primeras décadas del nuevo milenio y al que parece muy
poco se ha logrado en avanzar hacia un nuevo periodo de conquistas
en lo que se entiende por la Agenda Global de Sostenibilidad, aunque no se
pueda negar la importancia de la Agenda 2030. Siguen todavía sin solución los
diversos y complejos problemas ambientales globales, si bien haya que reconocer que el sistema de Naciones Unidas avanza con herramientas e compromisos
en este sentido, valiéndose de la novedosa arquitectura jurídica que el Derecho
Ambiental Internacional y la Gobernanza Global les facilita, retando al sistema
internacional a adoptar medidas más efectivas y capaces de atajar con eficiencia
a estos problemas, bajo la pena de agravar los impactos sociales, económicos,
políticos y ambientales a lo largo de este siglo.
Y si esos problemas globales históricamente hacían parte de una entonces exclusiva agenda internacional de los Estados, particularmente en las dos
últimas décadas nuevos actores de la sociedad internacional, sean del sector
empresarial y de la sociedad civil, sean de otras esferas de gobierno, reclaman su
inserción en nuevos modelos de gobernanza, a partir de una nueva relación de
compromiso generado por una amplitud del concepto de responsabilidad socio
ambiental global multinivel y por el reconocimiento de que esos problemas reclaman una respuesta más cercana a los intereses del ciudadano y de la gestión
Profesor Co-Coordinador del Grupo de Investigación en Energía y Medio Ambiente del Programa de Doctorado en Derecho Ambiental Internacional de la Universidad Católica de Santos.
Profesor Titular de Derecho Ambiental de la Fundación Armando Alvares Penteado-FAPP. Director Científico de la Sociedad Brasileña de Derecho Internacional del Medio Ambiente – SBDIMA. Advisor de REGIONS4.
2
Profesora Investigadora del Grupo de Investigación en Energía y Medio Ambiente del Programa
de Doctorado en Derecho Ambiental Internacional de la Universidad Católica de Santos. Vicerrectora Administrativa de la Universidad Católica de Santos.
1
230
El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la
paradiplomacia en red
de los territorios (REI & FARIAS, 2015).
En este sentido, las actividades internacionales de los gobiernos subnacionales son cada vez más objeto de participación política y de interés académico,
incluso en el Estado de São Paulo, y particularmente en la Universidad Católica
de Santos.
Es cierto que las razones de internacionalización de los gobiernos subnacionales son múltiples y no siempre coinciden en el fomento de esta agenda
de compromisos; sin embargo, aunque no exista una dominante identidad de
motivos, se reconoce que su implicación estratégica en los asuntos amplios que
abordan el desarrollo sostenible, especialmente el régimen internacional de
cambios climáticos, así como su capacidad institucional para hacerle frente, representa ya una nueva dinámica, un auténtico y legítimo cambio en la realidad
y en el futuro de las relaciones internacionales del Estado de São Paulo, que ya
cuenta con una Secretaría de Estado para Relaciones Internacionales.
El objetivo de este trabajo es, a partir de la asunción de compromisos de
responsabilidad socio ambiental por parte de los gobiernos subnacionales, presentar el compromiso del Estado de São Paulo, las medidas asumidas frente al
régimen internacional de los cambios climáticos, con énfasis en la labor de la
red internacional Regions4. Para cumplir el objetivo propuesto, este material
se compone de tres secciones. La primera analiza el papel de los nuevos actores
internacionales, especialmente de los gobiernos subnacionales, en la construcción de una gobernanza climática global. Para hacer más evidente este hecho, la
segunda sección se dedica a la presentación de la labor del Estado de São Paulo
en la paradiplomacia ambiental. La tercera parte se centra en acciones concretas
de la Política Climática del Estado de São Paulo, en el ámbito de la Iniciativa
RegionsAdapt, y finalmente la última sección contiene conclusiones.
1. EL ROL DE LOS GOBIERNOS SUBNACIONALES EN LA
GOBERNANZA GLOBAL DE LOS CAMBIOS CLIMÁTICOS
Se puede decir que la paradiplomacia ambiental está considerada como
la inclusión de las acciones de los gobiernos subnacionales en la dinámica de
las Relaciones Internacionales, así como en la construcción del Derecho Ambiental Internacional, el cual viene reconociendo la participación progresiva de
otros niveles de gobierno en la compleja agenda ambiental global.
En literatura especializada se han identificado las distintas claves de este movimiento próspero más allá de las fronteras estatales. Es que las negociaciones
para avanzar en el régimen internacional de la lucha contra el calentamiento
global están actualmente muy débiles; cuando el contexto internacional no atraviesa un buen momento, los resultados son previsibles. Esto es lo que sucedió
en esta última Cumbre del Clima de 2019, en Madrid.
231
Paradiplomacia Ambiental
Esta resistencia sigue socavando la legitimidad de los Estados como interlocutores privilegiados para la solución de la problemática del cambio climático
al tiempo que refuerza a otras autoridades y centros de toma de decisión, concretamente a los gobiernos subnacionales. En verdad, los actores subnacionales
se ven forzados a ofrecer una respuesta más efectiva y proactiva que los Estados
porque las emisiones de gases de efecto invernadero - GEI y los impactos del
cambio climático se perciben y padecen en los niveles local y regional (SETZER,
2013).
Por ello, a pesar de las restricciones constitucionales a las que se enfrentan
algunos gobiernos subnacionales para desarrollar lo que se conoce como relaciones exteriores, en la práctica su presencia en foros internacionales es cada vez
más activa. Así pues, al hablar de paradiplomacia ambiental, se hace referencia a
las condiciones necesarias para iniciar un proceso de vinculación internacional
en una agenda global donde la mayoría de los gobiernos subnacionales tienen
competencias legislativas y administrativas sobre las fuentes más importantes de
emisión de GEI (REI et al, 2012).
En realidad, el concepto de paradiplomacia se ha visto evolucionado en los
últimos años debido a la dinámica de las agendas globales, como en el caso de
la Agenda 2030, con sus 17 objetivos.
Como bien destaca Costafreda (2016, p.5):
La agenda 2030 es excepcional en tanto que agenda multilateral, dotada de compromisos globales con metas concretas y cuantificables. Aunque se trate de una normativa
blanda, el grado de deliberación pública que se ha dado en
el proceso de elaboración y adopción de la misma la convierte en un instrumento multilateral poderoso, al servicio
de gobiernos, grupos políticos, ONG, burócratas internacionales, y ciudadanos, comprometidos con el combate a
la pobreza, el cambio climático o la reducción de las desigualdades, entre otros.
Así que las acciones de los gobiernos subnacionales para cumplir la Agenda
2030 y afrontar el cambio climático suponen uno de los aspectos más visibles
de la nueva gobernanza medioambiental global, especialmente a partir de estados federados como Estados Unidos y Brasil, donde se identifican posiciones
negacionistas en los gobiernos centrales, que no creen en el cambio climático
o niegan que se deba a la acción humana, aunque la mayoría de los científicos
no dude del fenómeno.
Un punto para aclarar el debate es que los científicos escépticos, que cuestionan sobre todo las consecuencias más catastróficas asociadas al cambio climático, no quieren que se los confunda con los negacionistas, estos amparados
232
El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la
paradiplomacia en red
principalmente por el ala más conservadora del Partido Republicano de EE.
UU. y grupos similares de Australia y Europa.
Coincidencia o no, es cierto que en la política global, y concretamente en
el régimen climático actual, desde principio del nuevo milenio se asiste a una
tendencia de apatía de la autoridad nacional acompañada de una apertura hacia un nuevo sistema global que exige nuevas modalidades para luchar contra
el cambio climático. En este escenario, la gobernanza medioambiental global
puede representar una nueva lógica de poder en un mundo muy inestable.
No se puede negar que dinámicas geoeconómicas y geopolíticas coexistan
en el presente, y que esas sean más o menos intensas, delineando un escenario
mundial imprevisible y fluctuante, debilitando además las instituciones
multilaterales.
La complejidad de la respuesta internacional así como la necesidad de acciones prácticas para afrontar los problemas medioambientales globales, han
hecho posible y dado legitimidad a la progresiva aparición de nuevas formas de
autoridad, las cuales han reclamado una revisión de la lógica y de la arquitectura
del régimen internacional del cambio climático (REI & FARIAS, 2015). Nölke
y Graz (2007) desde hace tiempo garantizan la legitimidad y la calidad democráticas de estos nuevos modelos en diversos campos de la política ambiental
global.
En otras palabras, los problemas globales medioambientales, entre otros,
tendrán soluciones satisfactorias únicamente si son negociados y regulados por
un amplio número de sujetos y atores. Así es como comienza a existir una nueva
gobernanza medioambiental global.
En este sentido, es creciente el reconocimiento (COSTAFREDA, 2016) de
que el logro de la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible y el Acuerdo de
París sobre Cambio Climático implican una transformación de la trayectoria
global de desarrollo, y los desafíos relacionados con esta transformación implican un cambio en la gestión del desarrollo, donde el papel de los gobiernos
subnacionales puede ser crucial. Esta transformación impone por primera vez
exigencias a las economías emergentes y a los nuevos países de renta media: si
han demostrado con los Objetivos del Desarrollo del Milenio - ODM dar con
una fórmula para crecer, ahora, deben demostrar que ese crecimiento puede ser
inclusivo.
Quien también lo reconoce es la propia Organización de las Naciones Unidas - NNUU al afirmar que las políticas ambientales están evolucionando “desde un estilo de toma de decisiones desde el centro hacia la periferia altamente
federalizado hacia enfoques con mayor participación de los estados, como en
Brasil ” (ONU Medio Ambiente, 2016, p.125).
Ratificando el anterior, la ONU Medio Ambiente referencia tal proceso
233
Paradiplomacia Ambiental
que se verifica en la América Latina y el Caribe, que además está en línea con
los compromisos asumidos en el marco de la Agenda 2030: la creciente relevancia de los actores subnacionales y la incorporación de actores no estatales a la
gestión de asuntos ambientales. Respecto del primer punto destacan México,
Brasil y Argentina. Y arremata: aunque sea temprano para afirmar una tendencia a distribuir responsabilidades y adaptar los marcos legales nacionales a
realidades y gestiones territoriales específicas, los primeros dos casos se presentan como un avance en esa dirección y en ambos países se verifica la adopción
de leyes marco sobre medio ambiente en los Estados federados (ONU Medio
Ambiente, 2018, p.22).
Es decir, a través de la gobernanza medioambiental global se han creado distintas formas y niveles complementarios de lucha contra los problemas medioambientales reales incluso en la realidad latinoamericana. Como consecuencia
de ello, el avance obtenido en el marco del Acuerdo de Paris se ha sustentado en
actividades desarrolladas en los niveles infraestatal y transnacional por actores
que no son parte formal en el sistema legal internacional, pero que ya logran de
un status reconocido.
Efectivamente, y pesar de las limitaciones propias por la carencia de la condición de sujeto internacional, en la práctica los gobiernos subnacionales crean
entre sí relaciones técnicas con vínculos jurídicos, y participan de forma original, dinámica y en coalición en los regímenes jurídicos y organismos internacionales que regulan los compromisos de los Estados. Esta práctica ha influido
en la naturaleza, en la esencia de las relaciones internacionales, basada tradicionalmente en la cooperación entre Estados, y ha introducido otros niveles de
cooperación, estratégicos, apareciendo así las dimensiones local-regional-global
(REI & FARIAS, 2015).
La dimensión subnacional se acerca a las realidades locales y permite la
estructuración de acciones en redes globales. Las redes de estados, departamentos, provincias etc. cobran cada vez más protagonismo en el plano internacional
como un importante componente de la estrategia de internacionalización de las
regiones. La participación en estas redes constituye un marco institucional adecuado que les permite a los gobiernos subnacionales intercambiar experiencias
exitosas de gestión territorial y cooperar con otras regiones en temas de relevancia ambiental, con el fin de elevar la calidad de la gestión pública. Además, la
participación de los gobiernos subnacionales en estas redes propicia la articulación internacional que contribuye a la expresión de las perspectivas locales y
regionales en ámbitos internacionales o globales y permite coordinar esfuerzos
para afrontar temas de escala global e impacto local/regional.
El estudio de una red supone una importante herramienta para analizar y
comprender la dinámica de las relaciones entre espacios y actores, las cuales se
234
El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la
paradiplomacia en red
despliegan en ciertas áreas como el desarrollo sostenible, y en particular en el
cambio climático. La función de una red es ejercer una conexión para fomentar
las relaciones entre los actores y las estructuras técnicas de acuerdo a determinados objetivos específicos, que en algunos casos, pueden ser también políticos.
Por tanto, las redes van adquiriendo un papel cada vez más reconocido, y
van asumiendo progresivamente un importante espacio en los procesos multilaterales de decisión, lo cual supone cambios en la estructura organizativa y en
las relaciones de gobernanza. En este sentido la ONU Medio Ambiente y la
Unión Europea reconocen que en más de un sentido la creciente visibilidad de
los denominados actores regiones
en el proceso que condujo a la Cumbre de París y el énfasis
en la acción climática asociada al proceso de negociación,
pero con grados de libertad respecto de éste revela a la
vez los límites de la capacidad de acción de los estados
nacionales y la importancia de la contribución de múltiples actores con capacidad de acelerar los procesos de cambio más allá de los diferentes niveles de gobernanza, que
es reconocida en el propio Acuerdo de París (PNUMA/
UE,s/d, p.47) .
Y naturalmente que los impactos de las iniciativas subnacionales en la
gobernanza global ambiental acaban alcanzando mayor empuje cuando los actores subnacionales actúan de manera organizada en cooperaciones horizontales y
redes solidarias (BULKELEY, 2010).
2. EL PAPEL DEL ESTADO DE SÃO PAULO EN EL CONTEXTO
DE LA PARADIPLOMACIA AMBIENTAL
Instituciones y redes paradiplomáticas en el área ambiental dan buena cuenta de los beneficios que obtienen con la cooperación multilateral multinivel,
poniendo de manifiesto, y de manera enormemente positiva, que es la práctica
del diálogo técnico y el compromiso político, en el marco de una agenda internacional complexa, que responde por muchos avances que se pueden observar.
En muchos lugares del mundo, regiones, provincias, departamentos miembros de redes paradiplomaticas están experimentando un importante crecimiento económico. Y eso ha permitido el establecimiento de una vía de diálogo
que se plantea a continuación: sobre la base de ese crecimiento económico,
no siempre sostenido, es posible ayudar a crear sistemas políticos más justos,
sociedades más abiertas, inclusivas y respetuosas con los derechos humanos y el
medio ambiente, estén en el Sur o en el Norte..
Al fin y al cabo, hoy en día existen “nortes” en el hemisferio Sur y algunos
“sures” en el hemisferio Norte. Punto para la cooperación multilateral multini235
Paradiplomacia Ambiental
vel, en particular en el ámbito de Regions4.
1.1 La presencia en Regions4
Originalmente lanzada como nrg4SD - Red de gobiernos regionales para
el desarrollo sostenible durante la Cumbre de Johannesburgo (Río + 10), en
2002, la red tiene su sede en Bélgica, y goza el estatus de asociación civil sin
fines de lucro desde 2004, estando dedicada a la participación y cooperación
de los gobiernos subnacionales en las discusiones sobre el desarrollo sostenible.
Si bien su propósito específico es el desarrollo sostenible, desde 2008 también ha desarrollado acciones específicas destinadas a abordar el cambio climático, coordinar las políticas públicas llevadas a cabo a nivel horizontal, promover
la capacitación, la transferencia de tecnología, el financiamiento y el intercambio de experiencias entre sus miembros (SETZER, 2013, p. 147-183).
Desde 2019, cuando ha cambiado su nombre para Regions4, es la voz global
de los gobiernos regionales en los campos de biodiversidad, cambio climático y
desarrollo sostenible, y ahora representa a 42 gobiernos regionales de 20 países
en 4 continentes.
Además de los actores gubernamentales, admite la participación de otras
partes interesadas, como universidades, institutos académicos, asociaciones y
otros grupos interesados en acciones dirigidas al desarrollo sostenible, admitidos como miembros y / u observadores, por lo tanto, sin derecho a voto.
Esta es la manera de participación de la Universidad Católica de Santos, como
asociada.
Su estructura administrativa consiste en un Comité Directivo, con representación plural, Secretaría General, Tesorería y Asamblea General. Preside
actualmente la organización el País Vasco.
Regions4 está acreditada como observadora de la sociedad civil, por NNUU,
hecho que le garantiza, por ejemplo, participación en un grupo de trabajo sobre
financiamiento del cambio climático a nivel subnacional (REI, CUNHA y SETZER, 2013 p. 129-140) y como contribuyente a la Secretaría de la Convención y
grupos de trabajo sobre cuestiones técnicas, con presencia regular en las negociaciones y difusión de iniciativas de subdelegación.
Con objeto de influir en el proceso de negociación sobre cambio climático, Regions4 ha venido trabajando de forma institucional con otras redes de
gobiernos subnacionales, como The Climate Group (TCG), los Gobiernos Locales para la Sostenibilidad (ICLEI) y las Ciudades y Gobiernos Locales Unidos
(UCLG). Esta colaboración entre redes de gobiernos subnacionales supone un
esfuerzo estratégico para la creciente concienciación ciudadana en una acción
cotidiana respecto al cambio climático.
236
El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la
paradiplomacia en red
São Paulo se incorporó a la entonces nrg4SD en la Conferencia de Donostia, en marzo de 2003 cuando se acordó la estructura inicial de la red. De
hecho, São Paulo fue invitado por una iniciativa del País Vasco a asumir la
Vice-Presidencia para América Latina y el Caribe (IRIARTE IRURETA, 2006),
bien como un puesto en el Comité Directivo, el cual ha mantenido con oportunas renovaciones desde 2003 hasta la actualidad- y ostentó la Co-Presidencia
Sur de la organización en los períodos 2007-2010 y 2011-2014. A partir de 2020
Regions4 cuenta con una sola Presidencia Mundial.
A nivel de representación política, cabe destacar la regularidad de la presencia al más alto nivel del gobierno de São Paulo – Secretario de Estado y/o Presidente de la Agencia Ambiental- en las reuniones de la red, hecho que representa
el compromiso político de sucesivos gobiernos, aunque del mismo partido, con
esa acción internacional organizada de São Paulo, permitiendo mantener su
participación viva y comprometida a lo largo de estos años (REI et al.,2013).
Por su turno, en el ámbito técnico, gracias a São Paulo se han logrado policy
papers, estudios y entrenamientos – inventario de gases de efecto invernadero
para regiones latinoamericanas -, y una asistencia técnica a las regiones de Latinoamérica y Caribe, especialmente facilitada por OLAGI – Organización Latinoamericana de Gobiernos Intermedios. Éste último en un ambiente político
de acercamiento en el que se han creado iniciativas bilaterales de cooperación
técnica, muchas en cooperación con el País Vasco y/o Cataluña.
Los motivos de São Paulo para formar parte de Regions4, bien como de
otras redes paradiplomáticas en el área ambiental como The Climate Group,
R20 y ICLEI, son igualmente funcionales –el desarrollo estrategico de las competencias asumidas-, y reservadamente identitarios. Esto último se deriva de
su relevancia económica y cultural en la sociedad brasileña, además de las incongruencias (FARIAS y REI, 2013) de las acciones del país en el régimen internacional de los cambios climáticos, actualmente bajo críticas, que le lleva a
buscar en Regions4 una forma de relacionarse con otros actores internacionales
comprometidos con una agenda global, así como una plataforma para estar presente y actuante en la escena internacional –tanto a nivel latinoamericano como
mundial- mediante una “acción verdaderamente exterior, pero disfrazada” .
Por último debe afirmarse que el protagonismo que São Paulo ha tenido
en la construcción de Regions4 ha influido muy significativamente en el desarrollo de la red, en particular en su expansión latinoamericana, de forma que
es posible afirmar que São Paulo junto al País Vasco y Cataluña son, además
de los grandes responsables por el diseño estratégico e implantación de una cooperación descentralizada ibero-americana, eje central de la relación norte-sur
de Regions4, junto a otros miembros artífices principales de la configuración
actual y de la trayectoria de Regions4, como Gales, Flandes, Azuay, Quebec etc.
237
Paradiplomacia Ambiental
2. LA POLITICA DEL ESTADO DE SÃO PAULO FRENTE A
LOS CAMBIOS CLIMÁTICOS
Los efectos del cambio climático vienen siendo estudiados y discutidos en
el área ambiental del gobierno del Estado desde 1995, cuando fue instituido
por el entonces Secretario del Medio Ambiente, Fábio Feldmann, a través de la
Resolución SMA nº 22/95, el Programa para Cambio Climático - PROCLIMA,
bajo la coordinación de la Compañía Ambiental del Estado de São Paulo - Cetesb.
El PROCLIMA, bajo la coordinación de la División de Cambio Climático
de CETESB, desarrolla desde entonces la “Comunicación del Estado”, una especie de “Comunicación Nacional” en el ámbito del Estado de São Paulo, que
presenta el inventario de emisiones de fuentes de gases de efecto invernadero
en el territorio paulista. Una de las iniciativas que contribuyen a la mejora y
en la dinámica de la colecta y elaboración de datos son los cursos anuales de
Inventario de Gases de Efecto Invernadero: Sostenibilidad Corporativa y Pública impartidos por CETESB, donde los especialistas en el área indican la base
conceptual para la preparación de inventarios por sectores industriales.
Durante sus primeros 10 años, el PROCLIMA celebró seminarios y cursos, participó del esfuerzo nacional para la Primera Comunicación Nacional,
se responsabilizó por el inventario nacional de residuos, y siguió muy de cerca,
anualmente, hasta mismo como parte de la delegación brasileña, la evolución
de las Conferencias de las Naciones Unidas sobre el Cambio Climático.
En virtud de la experiencia acumulada y de sus compromisos internacionales en el ámbito de Regions4, en 2005 el gobierno instituyó el Foro de São
Paulo sobre Cambio Climático Global y Biodiversidad, presidido personalmente por el Gobernador del Estado. Entre sus objetivos estaba colaborar con la
elaboración de una Política de Estado sobre Cambio Climático, enfatizando la
importancia del tema para el Estado de São Paulo.
El primer borrador de la Política del estado de São Paulo sobre Cambio
Climático, preparado desde mediados de 2007 por el equipo técnico del área
ambiental, estuvo disponible a través de Internet, para consulta pública, entre
enero y agosto de 2008. La consultoría se cerró en septiembre de 2008. En
enero de 2009, el proyecto de ley fue enviado por el gobernador José Serra a la
Asamblea Legislativa de São Paulo. Entre el 18 y el 22 de septiembre, la legislatura de São Paulo celebró cuatro audiencias públicas en las ciudades de Ribeirão
Preto, Americana y Santo André, además de la capital. Después de las audiencias y la contribución de los diputados, el proyecto se aprobó el 13 de octubre
de 2009 y se envió para la sanción del gobernador. El 9 de noviembre de 2009,
el Gobernador sancionó la Política del Estado de São Paulo sobre el Cambio
Climático – PEMC (Ley n° 13.798 / 2009) estableciendo una reducción del
238
El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la
paradiplomacia en red
20% en las emisiones de CO2 para 2020, con base en las emisiones de 2005.
La ley también establece la creación del Consejo de Estado para el Cambio
Climático para monitorear la implementación y supervisar la implementación
de la política (SIMA,s/d).
Esta Ley está regulada por el Decreto nº 55.947, de 24 de junio de 2010 y
su regulación actúan en armonía con la Convención Climática de la ONU y la
Política Nacional sobre Cambio Climático.
El objetivo general de la PEMC es establecer el compromiso del Estado de
São Paulo con el enorme desafío del cambio climático global, proporcionar las
condiciones para las adaptaciones necesarias a los impactos derivados del cambio climático, así como contribuir a reducir o estabilizar la concentración de
gases de efecto invernadero en la atmósfera. No obstante, sus metas originales,
el cumplimiento de las metas y objetivos de la PEMC dependen en parte de su
inserción en la Contribución Determinada Nacionalmente (iNDC) de Brasil en
el ámbito del Acuerdo de Paris de 2015.
Dentro del alcance de PEMC están disponibles diversos productos y acciones, entre ellos planes participativos de adaptación al cambio, siendo que una
iniciativa en este ámbito merece destaque: la Iniciativa RegionsAdapt.
2.1 La participación en el proyecto RegionsAdapt
Aunque se interrumpieran de inmediato las emisiones antropogénicas de
gases de efecto invernadero, la humanidad seguiría durante siglos siendo víctima del cambio climático y sus efectos.
El cambio climático genera nuevos riesgos y amplifica los ya existentes para
los sistemas naturales y humanos, riesgos asociados a una gran variedad de impactos ya observables. Tal y como reconoce el Grupo Intergubernamental de
Expertos en Cambio Climático (IPCC), estos riesgos se distribuyen de forma
desigual entre los territorios y, casi siempre, afectan en mayor medida a las personas y comunidades desfavorecidas, más vulnerables . Y a la hora de gestionar y
reducir los riesgos del cambio climático, proponiendo al mismo tiempo alternativas resilientes para un desarrollo sostenible, la adaptación y la mitigación son
estrategias cruciales, complementarias y desafiadoras (REI, 2019).
El estado de São Paulo entiende que los gobiernos regionales desempeñan
un papel fundamental y estratégico a la hora de mejorar la coordinación y la
cooperación entre los diferentes niveles gubernamentales, para fomentar la
coherencia de las políticas y asegurar que las acciones de adaptación produzcan
resultados concretos con el apoyo de la comunidad participante.
Sin embargo, no obstante los logros de Regions4 en coordinar esfuerzos
en esta agenda, el apoyo y la cooperación internacional para actuar a escala
239
Paradiplomacia Ambiental
regional en pro de la adaptación eran poco exploradas en el pasado reciente. Si
bien muchos gobiernos regionales de Regions4 habían desarrollado estrategias
de adaptación a largo plazo y soluciones innovadoras para incrementar la resiliencia, como en el caso de São Paulo, todavía existían una serie de limitaciones
y retos que frenaban su capacidad para responder de manera eficaz.
En este escenario, y reconociendo que las responsabilidades legales y las
capacidades técnicas y económicas varían considerablemente en cada jurisdicción, miembros de Regions4, bajo el liderazgo de Cataluña y Rio de Janeiro, tomaran la iniciativa de participar de RegionsAdapt y se comprometieron a unir
esfuerzos para mejorar la eficacia de los gobiernos regionales en la adaptación
al cambio climático.
La iniciativa Regions Adapt , lanzada en la Conferencia de Paris de 2015,tiene por objeto facilitar y apoyar la colaboración entre gobiernos regionales y
otros socios internacionales relevantes, llevando a cabo esfuerzos conjuntos basados en los principios de la solidaridad.
Con esta aspiración, los miembros participantes se comprometen a:
1. Adoptar un enfoque estratégico a la adaptación y priorizar las acciones de adaptación mediante, por ejemplo,
la aprobación o revisión de un plan o una estrategia regional de adaptación al cambio climático, en los dos años
siguientes a sumarse a la iniciativa.
2. Implementar acciones concretas para la adaptación en,
al menos, uno de los temas prioritarios identificados. Esto
podría incluir: recursos hídricos y su gestión; resiliencia y
reducción de riesgo de desastres; agricultura y zootecnia;
bosques, áreas protegidas y biodiversidad, infraestructuras
(incluidos los sectores del transporte y la energía) y planificación territorial; efectos y oportunidades en el ámbito
económico; y adaptación e impacto social.
3. Dar a conocer los datos sobre el progreso de las acciones
de adaptación anualmente a través del Pacto de Estados y
Regiones (REGIONSADAPT, 2016)
Inicialmente, como indicaron Rei y Pinho (2017) participaban de la iniciativa las siguientes regiones: Australian Capital Territory (Australia), Azuay
(Ecuador), País Vasco (España), British Columbia (Canada), California (USA),
Cataluña (Espanha), Ceará (Brasil), Fatick (Senegal), Goiás (Brasil), Gossas (Senegal), Jalisco (Mexico), KwaZulu-Natal (South Africa), Lombardía (Italia), Paraná (Brazil), Prince Edward Island (Canada), Québec (Canada), Rio de Janeiro
(Brasil), Rio Grande do Sul (Brasil), Saint Louis (Senegal), São Paulo (Brasil),
South Australia (Australia), Sud-Comoé (Costa del Marfil ), Tocantins (Brasil),
240
El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la
paradiplomacia en red
Tombouctou (Mali), Vermont (Canada), Wales (Reino Unido) y Western Province (Sri Lanka), listado que confirma la importante y robusta participación de
estados brasileños. Actualmente, son 71 regiones del planeta, que representan
más de 270 millones de habitantes (REGIONSADAPT, 2019)
En RegionsAdapt, São Paulo está contribuyendo con los grupos de trabajo
sobre Resiliencia y Bosques y Áreas Protegidas. Una de las principales contribuciones del Sistema Ambiental de São Paulo es el Programa Nascentes. La
experiencia de São Paulo conecta empresarios con obligaciones de restauración
a cumplir, restauradores y propietarios con áreas adecuadas para la restauración.
En un año, el programa ya ha plantado más de un millón de árboles de especies
nativas en manantiales y bosques ribereños.
En realidad, el Programa Nascentes combina la conservación de los recursos
hídricos con la protección de la biodiversidad a través de una estructura institucional innovadora. El programa gubernamental, que involucra a 10 Secretarias
de gobierno, optimiza y dirige las inversiones públicas y privadas para cumplir
con las obligaciones legales, compensar las emisiones de carbono o reducir la
huella hídrica, o para implementar proyectos de restauración voluntarios. En
diciembre de 2019 el área restaurada con vegetación nativa es equivalente a 24
mil canchas de futbol, o sea 17 mil hectáreas (SIMA, 2019).
Más de 270 prácticas están presentadas por gobiernos subnacionales en el
último informe de Regions Adapt (2019) y son realmente inspiradoras y demuestran que adaptarse al cambio climático contribuye al bienestar de las comunidades en todo el mundo. Sin embargo, queda mucho que aprender cuando
se trata de hacer que nuestros entornos de vida sean más resistentes al cambio
climático, por eso la necesidad de compartir buenas prácticas e iniciativas.
CONCLUSIONES
Es indiscutible que los retos humano, económico y ambiental que residen
en la agenda global de la sostenibilidad, exigen la existencia de estructuras de
gobiernos internacionales y nacionales capaces de reflejar el papel crucial que
los gobiernos subnacionales desempeñan en este desafío global. El Acuerdo de
Paris deja eso muy evidente.
En este sentido, la paradiplomacia ambiental supone una aproximación
multidimensional, complementaria y coherente en esa agenda, en particular
en la lucha contra el cambio climáticoy la arquitectura institucional sobre la
que descansará esta agenda global deberá incorporar, además de la lógica de la
gobernanza multinivel, el entramado de responsabilidades compartidas entre
los distintos niveles de gobierno.
Durante sus casi 20 años de existencia, Regions4 ha trabajado para crear un
241
Paradiplomacia Ambiental
escenario internacional en el que haya cabida y espacio para las acciones y voces
subnacionales. Ello ha contribuido a la creación de un movimiento legal innovador, cuya base es un trabajo normativo que debe ser actualizado y revisado
de forma permanente. Y en la creación de ese movimiento, la participación del
Estado de São Paulo representa un modelo de paradiplomacia de un gobierno
del Sur, con importante alcance y con una política climática que no se puede
ignorar.
Y en esta experiencia paradiplomática, reconocer que la cooperación y el
entendimiento entre gobiernos y redes, lejos de crear competitividades, ha funcionado como un ejemplo de unión de fuerzas y apoyo mutuo para reclamar en
los foros internacionales, en particular del sistema de Naciones Unidas, la importancia del papel de los gobiernos subnacionales en la gestión de los asuntos
multilaterales de desarrollo sostenible, en particular en el cumplimiento de los
ODS, y de pragmatismo en la identificación de oportunidades de cooperación
entre las regiones del mundo, como sugiere la iniciativa venturosa de Regions
Adapt.
Parece ser que la dinámica y la lógica de gobernanza de los ODS es apropiada para los nuevos tiempos y para los nuevos y complejos desafíos de la
Agenda 2030. Desafíos locales/regionales/globales que limitan capacidades,
individuales y colectivas, para vivir una vida condesciende. Oportunidades que
traen significados concretos, coherentes y apropiados. O sea, la Agenda 2030
representa una excelente oportunidad para el Derecho Ambiental Internacional demostrar que una normativa global soft puede inspirar e hacer cumplir
iniciativas e políticas concretas hard.
Hay motivos para el optimismo.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
BULKELEY, H.. Cities and the Governing of Climate Change. Annual Review of Environment and Resources, 35(1), 2010, p. 229-253.
COSTAFREDA, A.. Con la agenda global de desarrollo sostenible ¿se dibuja un mejor horizonte para 2030?. Notes Internacionals CIDOB 143, marzo, 2016.
NÖLKE, A.; GRAZ, Jean-Chistophe. Limits of the Legitimacy of Transnational Private Governance, ponencia presentada en el seminario Pathways
to Legitimacy. The Future of Regional and Global Governance, Universidad de Warwick, 17-19 de septiembre, 2007.
ONU Medio Ambiente . GEO-6. Evaluación regional para América Latina
y el Caribe. Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente: Ciudad de Panamá. 2016.
242
El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la
paradiplomacia en red
ONU Medio Ambiente. Gobernanza ambiental y la Agenda 2030. Avances
y buenas prácticas en América Latina y el Caribe. Ciudad de Panamá: Panamá. 2016b.
______. Cepei. Gobernanza Ambiental la Agenda 2030.Avances y buenas
prácticas en América Latina y el Caribe. Programa de las Naciones Unidas
para el Medio Ambiente. Ciudad de Panamá: Panamá. 2018.
PNUMA. UE. El Acuerdo de París y sus Implicaciones para América Latina
y el Caribe. Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente.
Ciudad de Panamá: Panamá. s/d.
REGIONS ADAPT. 2016 Report: An assessment of risks and actions.
Disponible
en:
http://medacc-life.eu/sites/medacc-life.eu/files/
docuemnts/ra2016report_final.pdf . Aceso en 2 de febrero de 2020.
______. 2019 Report. Disponible en: https://www.regions4.org/project/
regionsadapt/ Aceso en 2 de febrero de 2020.
REI, F.C.F.; CUNHA, K.B.; SETZER, J.. La Paradiplocia Ambiental en la
Nueva Governanza Internacional. Revista TIP n.2. Buenos Aires, 2012, P.
50-63.
REI, F.; FARIAS, V.. Paradiplomacia Ambiental: La Cooperación Descentralizada Hispano-Brasileña. Conpedi Law Review, v.1, 16, 2015, p.1-21.
REI, F.; PINHO, M.M.L.. Paris Agreement and the Regions Adapt Initiave:
The Role of Transnational Action in the Adoption and Implementation of
Climate Policies. International Journal of Science, Technology and Society;
5(4), 2017, p. 91-96.
SETZER, J.. Governança multinível das mudanças climáticas: políticas subnacionais e ações transnacionais em São Paulo. In REI, F.C.F. (org.). Direito
e desenvolvimento: uma abordagem sustentável. São Paulo: Saraiva, 2013.
SIMA. Política Estadual de Mudanças Climáticas. s/d. Disponible en:
https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/mudancasclimaticas/
politicas-estadual/. Aceso en 3 de febrero de 2020.
______. Programa Nascentes. 2019.Disponible en: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/programanascentes/. Aceso en 2 de febrero de
2020.
243
ODS 14 E META 14.C: O RISCO DO TIRO SAIR PELA CULATRA1
Antonio Elian Lawand Junior2
ODS 14 - Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.
META 14.c - Assegurar a conservação e o uso sustentável dos oceanos e
seus recursos pela implementação do direito internacional, como refletido
na UNCLOS [Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar], que
provê o arcabouço legal para a conservação e utilização sustentável dos oceanos e dos seus recursos, conforme registrado no parágrafo 158 do “Futuro
Que Queremos”.
INTRODUÇÃO
O
presente ensaio se constitui numa análise crítica dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (“ODS”), centrado no ODS 14 e suas
expressões de meio escritas no Objetivo 14.c. A análise confronta o porquê da
existência dos ODS, i.e. sua meta, sua função enquanto norma jurídica internacional, com os preceitos que carrega ou faz referência em 14.c.
Tratam os ODSs de 17 objetivos expressos em 169 objetos-alvo de ação dos
atores internacionais. Diz-se atores pois qualquer ator internacional (estados,
subnacionais, locais, organizações internacionais, NGO) pode adotá-las como
meta e/ou escantilhão ao seu escopo de trabalho. Nossa meta é focar na ODS
14, cujo objeto é o mar.
Para entender o mar como um objeto jurídico internacional de interesse das
ODS, em especial da ODS 14, é mandatório termos em mente que
a) o mar, tal quais as superfícies secas, são um mosaico de biomas
e ecossistemas que se estendem em eixo horizontal da paisagem
e, diferentemente da superfície seca, vertical da lâmina d’água;
b) sendo que o maior dos biomas da crosta terrestre, contido no superbioma
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
2 Antonio Elian Lawand Junior é Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito (Direito Ambiental e Ambiental Internacional) pela Universidade Católica de Santos (Santos/SP - Brasil), Pós-Graduado (lato sensu) em Ensino e Aprendizagem na Educação Superior pela Universidade de
Tampere (Tampere - Finlândia), membro do grupo de pesquisas Energia e Meio Ambiente, da
Universidade Católica de Santos (Santos/SP - Brasil), coordenador da Escola Superior da Advocacia (OAB - Seção SP) para o tema de Direito Portuário (2020/2021), professor universitário e
advogado em São Paulo. Contato: antonio.lawand@gmail.com .
244
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
marinho, ainda é o menos estudado e explorado, asserção esta que será
trabalhada e assentada mais adiante.
Partindo destas premissas, cumpre buscarmos, em análise crítica, a eficácia
do paradigma jurídico criado pela ODS 14 (14.c), no qual declara o sistema da
UNCLOS como “o quadro jurídico para a conservação e o uso sustentável dos
oceanos e seus recursos”, o que foi confirmado §11, da Declaração “Nosso Oceano, Nosso Futuro: Chamada para Ação”, documento final da Conferência das
Nações Unidas sobre os Oceanos, de junho de 2017.
Desta relação, perguntamos se o preceito da ODS 14 (14.c) não sabotaria
o motivo de sua própria existência: um formato novo de preceito e efeito normativo internacional ancorando seus conteúdos em formatos dos anos 70 e 80,
codificados e estratificados, com efeitos declaradamente ineficazes diantes da
consecução e avanço da Sustentabilidade.
Para tal meta, investigamos, pela perspectiva do preceito normativo, a origem e função dos ODS e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar de 1982 (“UNCLOS”) e sua compatibilidade ao nível da efetividade de
um Princípio, qual seja, o da Sustentabilidade aplicado aos usos do mar. A investigação baseou-se: a) tanto na utilidade do preceito normativo internacional
incidente sobre o fenômeno em assunto; como na b) suficiência dos atores/
sujeitos de direito envolvidos.
Ao final, pretendemos responder às perguntas: as ODS são necessárias ao
regime jurídico internacional do Mar? A ODS 14 e 14.c ajudam ou atrapalham
na consecução e no avanço deste princípio de direito internacional?
1. Novos Formatos Normativos
Tomemos a perspectiva da necessidade de solucionar (ou, minimamente,
enfrentar) grandes problemas globais (ambientais, dentre eles e principalmente) e a honestidade em dizer: os regimes internacionais até então construídos
falharam, em sua maioria. A prova cabal desta falha está na própria evolução da
linguagem jurídica internacional: se nos anos 70 e 80, do sec. XX, a “Era das
Codificações”3 abordou os grandes problemas ambientais, ainda de que forma
fragmentária e temática, em caráter preventivo e precavido ante aos riscos gerados por eles, hoje o discurso é de contingenciamento de riscos já realizados,
materializados (BEYERLIN ET MARAHUN, 2011, 441-444).
A Era das Codificações é o período do Direito Internacional e do Direito do Mar, concentrado
em seis décadas (1930 a 1990, do século XX), no qual a Sociedade Internacional produziu (especialmente para questões afeitas ao Direito do Mar) tratados notadamente marcados por contruções preceituais na modelagem “codificada”, compreendendo estruturas rígidas, vinculantes,
estanques e com intenção de perdurar. - Vide SCOVAZZI, Tulio. The evolution of international law
of the sea: new issues, new challenges. IN Collected Courses of the Hague Academy of International Law.
Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2000.
3
245
Paradiplomacia Ambiental
Assim, para entender os Objetivos da Sustentabilidade, tenhamos em mente de que não se trata de um novo formato normativo que foi necessário à
enfrentar o problema ambiental global, mas uma inovação no uso do formato
preceitual antigo. Vejamos os porquês:
1.1. Pela perspectiva da efetividade de soluções ao problema ambiental
global
Deny et Granziera (2017, 14-19, 20-24) apontam que a “Tragédia dos Comuns”4 entra em seu novo ato, sendo tão atual hoje quanto ao tempo no qual
foi escrita: os problemas tiveram abordagens errôneas e linguagens de manifestação de poderes sobre ele incidentes ainda mais inadequadas.
Carlarne (2014, 8-9), ao discutir mudanças climáticas, pela perspectiva da
efetividade de soluções ao problema, aponta as abordagens das quais falam
Deny et Granziera (2017, 20-24). Vejamos primeiramente esta perspectiva:
A Sociedade Internacional5 debatia-se ante o problema global e carecia
ações que tornassem efetiva a gestão do patrimônio ambiental comum: a) a
Sociedade Internacional aferrava-se a interpretações restritivas, em função de
sua hierarquização e seus sujeitos de direitos, em derivação a interpretações
conservadoras de Soberania derivadas dos Tratados de Münster e Östnabruck/1648 (ABI-SAAB, 1987, 51-53) (SCHRIJVER, 2007, 379-380), muito em
função da própria crise (nos anos 80 e 90) que o instituto jurídico-político do
Estado (GIDDENS, 2001, 450-452); e b) apontavam necessidades normativas
de cunho preceitual acerca de uma suposta carência de uma Gründnorm que
fundamentasse, articulasse e integrasse o Direito Internacional em busca de um
resultado ambiental (ABI-SAAB, 1987, 46, 122) (CARLARNE, 2014, 29).
Os problemas ambientais colocaram sob foco os Estados Nacionais e as
“Tragedy of Commons” foi o label utilizado por Garret Hardin em seu celebrado paper homônimo, no qual explora que um objetivo comum a diversos atores, ainda que alcançar este este
objetivo distribua benefícios a todos, não é motivação suficiente a que os atores busquem individualmente este objetivo, quanto mais cooperem entre si para o intento. - Vide HARDIN, Garret.
The Tragedy of Commons. IN Science, New Series, Vol. 162, No. 3859. Nova Iorque: American
Association for the Advancement of Science, 1968. p. 1243-1248. Disponível em internet <https://science.sciencemag.org/content/sci/162/3859/1243.full.pdf>. Acesso em 01/04/2020.
5
Embora autores (como Schachter) coloquem o conceito de Sociedade Internacional como aberto e sujeito a definições não juridicamente balizadas, mas meramente influenciadas, para fins didáticos da exibição da construção do pensamento deste ensaio, utilizaremos esta expressão em conceito fechado, expresso por Abi-Saab:
“une communauté internationale universelle reflétait également les structures plus ou moins symétriques ou
égalitaires des rapports juridiques (et des rapports de force) existants, du moins entre les puissances européennes et les peuples connus de l’ancien monde; ce qui impliquait qu’on les considérait comme des interlocuteurs valables sur le plan international, c’est-à-dire comme des com- munautés politiques autonomes et d’une
certaine manière égales.” - ABI-SAAB, Georges. Cours Général de Droit International Public IN Collected
Courses of the Hague Academy of International Law. Vol. 207. Haia: Martinus Nijhoff Publishers,
1987. p. 51.
4
246
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
vicissitudes que os levaram à crise contestatória de suas utilidades e funções:
grande demais aos pequenos problemas, pequeno demais aos problemas globais
(GIDDENS, 2000, 23). O que, todavia, não exige uma postura de abolição dos
sujeitos da sentença! Pensemos pela perspectiva de Carlarne (2014, 33-41), a do
objeto da sentença: os problemas. E diferentes problemas exigem abordagens
diferentes.
Em outras palavras, o problema ambiental global, em suas diversas facetas,
exige um gründnorm? A autora revela que problemas ambientais, pela sua peculiaridade de gestão de risco global de múltiplos atores desiguais, não exige uma
gründnorm e, por vezes, ela atrapalha (CARLARNE, 2014, 42-45).
O meio ambiente, por ser um problema que tem por causa e consequência
um polinômio infindável de variáveis naturais6, tem necessidade de soluções
que expressem uma abordagem igualmente polinomial e que considere estas
infindáveis variáveis em sintaxe. Desta forma, pergunta-se como uma gründnorm,
seja ela uma Convenção-Quadro novecentista, seja ela uma codificação setentista/oitentista, pode cumprir este objetivo?
As normas do tipo “Quadro” e as normas Codificadas não tem condições
de cumprir a própria necessidade peculiar de abordagem do objeto ambiental
global. Não, ao menos, isoladamente consideradas. Carlarne (2014, 19-23) e
Beyerlin et Marahun (2011, 441-446) enunciam razões de relevância:
• A norma jurídica internacional deve permitir um poder de ação, de força,
baseado no coletivo, e não em pilar de poder individuais;
• A norma tender à formação de mecanismos de cooperação, e afastar de
mecanismos de confrontação;
• A norma tende a buscar controles preventivos ao invés de repressivos;
• A norma deve buscar o compliance e sua assistência, quando falho ou
quando apontar não conformidades, ao invés de mecanismos de sanção.
Apliquemos os conceitos ao Mar.
A codificação é o formato da atual UNCLOS, acrônimo para a expressão
em inglês “Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito Do Mar”, assinada
em Montego Bay (Jamaica) em 1982. E, como tal, não se olvidou a abordar as
Parece óbvio, mas é sempre bom lembrar que tratar de um bioma, um ecossistema, um sistema
natural como objeto de uma questão-problema, em geral, é, consequencial e obrigatoriamente,
tratar de cada componente deste sistema natural (até hoje tomado por “recurso natural” na norma jurídica) biótico e abiótico como uma variável desta questão-problema em polinômio. Vale
dizer, uma variável guarda sintaxe e altera, obrigatoriamente, como um produto notável de um
polinômio algébrico, o resultado da maioria (quando não todas) as outras variáveis e a alteração
destas outras, por sua vez, gera este efeito em escala exponencial e em cascata. A intervenção em
uma variável implica em alteração, direta ou indireta, de todas as demais. Quando uma norma
fala em “equilíbrio ambiental”, refere-se a este equilíbrio sensível e dinâmico entre “recursos”
inseridos num mesmo sistema ambiental.
6
247
Paradiplomacia Ambiental
questões ambientais globais. Mas, observamos que tal abordagem, como evidenciado pela perspectiva da efetividade de soluções aos problemas ambientais
globais, é notoriamente insuficiente (ainda que corajosa). Vejamos:
De um sistema ambiental do tamanho dos sete mares, albergando inclusive
o maior bioma do mundo em extensão e o menos conhecido (i.e. os Fundos
Marinhos (GROOMBRIDGE, ET JENKINS, 2002, 119) (TYLER ET. AL.,
2016, 1-3) (DATTA, 2011, 189)), os problemas ambientais globais são tratados
de forma codificada também, em compartimentalização temática e sob perpectiva temporalmente datada e caduca de prevenção. Scovazzi (2000, 88-89,
122-124, 206-219) enuncia temáticas ambientais tratadas e da forma ciclóptica
enunciada, ainda fragmentada, com lacunas a serem respondidas, e, em tom de
lamento, aponta que os Fundos Marinhos Internacionais, embora sejam Common Heritage of Mankind (ou “CHM”, nos termos da Res. 2.749 - 22a. UNGA,
como parte dos atos preparatórios das UN para a discussão do tratado que viria
ser a UNCLOS, e art. 136, UNCLOS) são, exclusivamente, regulados ambientalmente, em efetivo, para fins de mineração. Menezes (2015, 177-188), por seu
turno, não nega que houve uma evolução por meio da UNCLOS, que aumentou um núcleo vinculante de normas de objeto ambiental (incorporando a Dec.
do Rio/92 no regime de meio ambiente dos Fundos Marinhos), mas não nega
ainda a prevalência da soft law em critérios internos estatais de cooperação, em
idêntica regulação anterior aos ODS. Schrijver (2007, 257-258), por seu turno,
em análise ao Princípio da Sustentabilidade em Direito Internacional, aponta
que UNCLOS é produto do confronto geopolítico Norte-Sul e, como tal, foi
tímida para o avanço da matéria, utilizando-se de normas de eficácia contida
ou limitada, com necessidade de provisões técnicas temáticas específicas, num
ambiente controverso de discussões.
E, ainda dentre destes segmentos regulados, não houve isenção de desastres e desregulações em matéria ambiental. Observe que a poluição do mar
por óleo, mesmo depois da International Convention for the Prevention of Pollution
from Ships (MARPOL/73 e 78) e International Convention on Civil Liability for Oil
Pollution Damage (CLC/69), complementadas e integradas pela UNCLOS (dita
gründnorm, por excelência), continuou nas mesmas modalidades e formatos de
acidentes, em exemplos, dentre muitos: Marina (Brasil, 1978), Exxon Valdez
(Alasca, 1989), Piper Alpha (Mar do Norte, 1988) e, recentemente, Deepwater
Horizon (Golfo do México, 2010) derramaram hidrocarbonetos oleosos no mar,
cuasando acidentes cujas consequências não foram integralmente reparadas no
meio ambiente e nada, a partir destes acidentes, avançou nas normas internacionais: o problema de riscos técnicos de navegação associados a Bandeiras
de Conveniência continuam (LAWAND JÚNIOR ET VALDEZ SILVA, 2019,
2-13) ou as Lessons Learned da International Maritime Organization - IMO foram
pouco incorporadas em normativas sequenciais; e alguns danos ambientais de248
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
correntes de acidentes ou maus tratos com o patrimônio ambiental comum só
puderam ser identificados hodiernamente, pela exploração (investigação) dos
fundos marinhos (LARES, 2017, s/p), embora juridicamente as normativas já
tenham exaurido o campo de suas respectivas eficácias.
É evidente que, diante do observado, há um descompasso entre o discurso e
a prática: não é carência de gründnorm. Onde ela existiu não houve, igualmente,
avanços na precaução, prevenção, controle, contingenciamento ou responsabilização dos maus tratos ao patrimônio ambiental global e comum.
Evidencia-se, por esta perspectiva, a necessidade de uma nova abordagem do
problema ambiental global pelo nível normativo preceitual: uma nova estrutura
de preceito normativo internacional que permita a abordagem dos problemas
ambientais de forma a albergar toda a complexidade que ele possui e representa.
1.2.1. Pela perspectiva dos atores do problema ambiental global
Mas não só pela perspectiva do objeto que o preceito e norma jurídica internacional exigem novos formatos. Tornemos a nos debruçar sobre a frase do crepúsculo do sec. XX: os problemas ambientais colocaram sob foco os Estados Nacionais e as vicissitudes que os levaram à crise contestatória de suas utilidades e
funções: grade demais aos pequenos problemas, pequeno demais aos problemas
globais. Se tomamos o problema pela perspectiva do objeto, ele também pode
ser tomada pela perspectiva dos sujeitos: os atores da Sociedade Internacional.
A Sociedade Internacional, apesar de ter sua conotação como construto
jurídico formal (embora doutrinário), não foge à fenomenologia: ela é um fenômeno que “é”, e não que “deve ser”. A Sociedade Internacional, como tal, é
palco dialético de atores internacionais que sempre existiram. O que variou no
tempo e espaço foi os vetores da dialética entre eles: em intensidade, direção e
sentido do poder que concentravam. Explicamos:
Se antes do sec. XV os Estados Nacionais não eram “sujeitos de direitos em
Direito Internacional”, isso não significa que não existiam. Eles existiam, em
diversas formas, mas eram necessariamente menos poderosos e sua relevância
para o construto e evolução de um Direito Internacional era relegada a outros
papéis menores (ou de menor exigência de Poder) diante do enfrentamento
de problemas internacionais. Tratados e Guerras eram travados, acordos e comércios entre povos e naçoes eram firmados, coroas e soberanos eram ou não
reconhecidos por seus pares. O Direito Internacional existia e era um fenômeno real (ABI-SAAB, 1987, 45-46) (DOUHAN, 2019, 1-2), mas manifesta-se
em formatos diferentes daquele Direito Internacional que se pratica hoje. Foi
só a partir da ascensão do Estado como figura de protagonismo do teatro de
operações dialético nacional e internacional (o que aconteceu, como fenômeno
ocidental geral, no crepúsculo do sec. XV), que os Tratados de Münster e Östna249
Paradiplomacia Ambiental
bruck/1648 objetivaram o fenômeno “Estado Soberano”, passaram a fazer sentido como fenômeno no Direito Internacional, inaugurando uma era na qual o
conceito de Soberania torna-se seu princípio de escol (ABI-SAAB, 1987, 46-49).
Hoje, a Sociedade Internacional, em regra, contempla como sujeito de direitos apenas os Estado Nacionais (Soberanos) e aquelas entidades que, por
derivação da vontade soberana dos Estados Nacionais, podem assumir direitos
e obrigações em nome próprio (as Sociedades Internacionais).
Embora a Soberania seja (por análise histórica) considerada uma norma-princípio7, este princípio tem episódios de otimização tímida em função de
abordar o “wicked problem”8 ambiental global. Isto porque :
a) a própria figura do Estado começa a ser questionada nos anos 80 (do
sec. XX), em relação à sua utilidade prática à sociedade (GIDDENS, 2000,
23) em contraponto à quantidade de poder que concentra, o que levou o
Estado a encastelar-se em posições defensivas de sua própria posição, pouco
colocando esforço em outras variáveis (quanto mais problemas ambientais
globalmente comuns, que exigiriam flexibilização de conceitos de Sobera“J’appelle « principe » un standard qui doit être observé, non pas parce qu’il permettrait de réaliser ou
d’atteindre une situation économique, politique ou sociale, jugée désirable, mais parce qu’il constitue une
exigence de la justice ou de l’équité ou bien d’une autre dimension de la morale. Ainsi, le standard qui prescrit
qu’il faut déduire le nombre des accidents d’automobiles est une politique, tandis que le standard que nul ne
peut tirer pro- fit du mal qu’il a commis est un principe. On peut effacer cette dis- tinction en construisant
un principe qui déterminerait un but social (par exemple celui d’une société dans laquelle nul ne profiterait
du mal qu’il aurait lui-même commis) ou en construisant une politique qui déterminerait un principe (par
exemple le principe selon lequel le but que cette politique implique est un but valable) ou encore en adoptant
la thèse utilitariste selon laquelle les principes de la justice sont des affirmations déguisées de certains buts
(comme d’assurer le plus grand bonheur pour le plus grand nombre). Dans certains contextes, la distinction
a une utilité, que l’on perd si on l’efface de cette manière.” - DWORKIN, Ronald. Le Positivisme. IN
Révue Droit et Société. Paris: L.G.D.J., 1982. p. 42.
8
Rittel e Webber definem a expressão “wicked problem” como aquele fenômeno que reúne dez
características peculiares, muito embora o tnham feito em quatro tópicos: i) o problema não
tem uma formulação única e definitiva e depende da percepção subjetiva do ator que o observa
(e, eventualmente o aborda); ii) seu critério de totalidade e sua complexidade não permitem a
descrição do problema em caráter temporal ou espacial de início e fim; iii) as varíaveis são múltiplas e não binárias, ou seja, os critérios de verdadeiro ou falso das variáveis do problema são
substituídos por gradientes de solução que dependem do referencial de abordagem do problema
(tal qual um produto notável num polinômio num ambiente de teoria dos conjuntos de Gauss);
iv) não há possibilidade de ensaio ou teste da solução; v) dada a impossibilidade de ensaio, a ação
é tomada e gera imediatas consequências ao fenômeno problemático, conseuqências estas que
devem ser consideradas para a próxima ação sobre o problema, vez que indeléveis; vi) as soluções
não têm um único processo de respostas; vii) cada problema e suas variáveis componentes é única;
viii) cada problema e cada variável é causa e/ou consequência de outro problema e suas variáveis,
havendo uma relação como os nós de uma teia de aranha: mexer um nó ou seu fio reverbera em
outro nó ou fio em cadeia; ix) a linguagem explica de inúmeras formas (que podem conflitar
ou confundir) o problema; x). a problema guarda sintaxe direta com o direito e o bem estar de
muitos. - RITTEL, Horst W. J., WEBBER, Melvin M.. Dilemmas in General Theory of Planning. IN
Policy Sciences n. 4. Amsterdã: Elsevier, 1973. p. 155-169.
7
250
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
nia, por definição, conceito e origem9);
b) a geopolítica global tem como campo dialético também o modo de produção do capital em função de seus resultados, i.e., comércio, indústria e
finanças globais. Esta perspectiva aborda o meio ambiente como recurso,
ainda. E, num ambiente competitivo, abrir mão de recursos é abrir mão de
competitividade. O que leva aos Estados-Nacionais soberanos ao “dilema
do prisioneiro” em nível internacional (GONÇALVES ET COSTA, 2011,
134-139) e conflitar objetivos individuais de curto prazo com comuns de
longo prazo (BEYERLIN ET MARAHUN, 2011, 440).
Isso não quer dizer que os demais atores internacionais (anteriores ao marco de 1648) sumiram e outros não surgiram. Em verdade, diante deste wicked
problem , no qual o Estado demonstrou suas amarras políticas e jurídicas para
agir adequadamente, é que os demais atores internacionais puderam mostrar
utilidade e valor. REI (2017, 33-36) aponta que:
a) a discussão ou encaminhamento de soluções ambientais globais, quando
direcionada a resultados, é sempre originária ou lastreada em valores científicos apontados não pelos Estados, mas por atores outros que carecem de
Soberania;
b) as soluções passam por níveis geográficos e políticos que não necessariamente o Estado Nacional e suas amarras políticas, tomando vulto e força
governos subnacionais (estaduais e provinciais) e locais, cujas amarras políticas são outras, que representam menor empecilho à consecução de executar
as soluções em seu espaço geográfico. Há necessidades de atores novos, não
“8. It is currently believed that liability for environmental damage, despite its novelty and fragmentary treaty regulation, could be viewed as an emerging norm of customary international law.
The obligation to prevent the use of a State’s territory in a way that could infringe the rights and
interests of other States, and to pay compensation in the case of such a harm (see also: Precautionary Approach/Principle; Polluter Pays), derives from the very notion of sovereignty and has been
ascertained by a range of international courts and tribunals (Trail Smelter Arbitration; Corfu
Channel Case; Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua Case [Nicaragua v
United States of America]; Legality of the Threat or Use of Nuclear Weapons; Responsibilities
and Obligations of States Sponsoring Persons and Entities with Respect to Activities in the Area).
9 Principles 21 and 22 of the Stockholm Declaration on the Human Environment 1972 and
Principles 2 and 13 of the Rio Declaration on Environment and Development 1992 (Stockholm
Declaration [1972] and Rio Declaration [1992]), expressly proclaim the responsibility of all States
‘to ensure that activities within their jurisdiction or control do not cause damage to the environment of other States or of areas beyond the limits of national jurisdiction’ and call upon States
to develop further the international and national law regarding liability and compensation for
the victims of pollution and other environmental damage beyond their jurisdiction, caused by
activities within the jurisdiction or control of such States. At the same time the scope of this
emerging custom is still not clear. DOUHAN, Alena. Liability for Environmental Damage. IN Max
Planck Encyclopedia of Public International Law. Oxford: Oxford University Press, 2019. p. 2-3.
Disponível em internet <https://opil.ouplaw.com/view/10.1093/law:epil/9780199231690/law-9780199231690-e1580>. Acesso em: 04 abr. 2020.
9
251
Paradiplomacia Ambiental
presos aos mesmos “dilemas” competitivos ou de governança aos quais os
Estados Nacionais soberanos estavam.
Portanto, a modelagem de norma jurídica internacional ambiental codificada ou baseada em processos de produção vinculada a uma determinada modelagem ou metodologia não prestava a abordar o problema ambiental e suas
multifaces: a uma, pois o Estado estava amarrado demais a questões extra-ambientais para buscar o adequado consenso; a duas, pois a solução ou execução
das soluções dos problemas ambientais exigiam a participação de outros atores
(governos subnacionais e locais, atores e sujeitos científicos e sociais) que, por
sua vez, não participavam da construção do preceito normativo.
Tornemos a abordar a sustentabilidade no regime geral de Direito do Mar
até o momento construído. Em termos gerais, Tanaka (2018, 112) enuncia algumas pedras-chave da sustentabilidade em aplicação:
“the need to preserve natural resources for the benefit of future generations,
the aim of exploiting natural resources in a manner which is rational,
the equitable use of natural resources, which means taking into consideration the
needs of other States, and
the need to ensure that environmental considerations are integrated in development
plans or policies.”
Neste ponto, e por enquanto, há harmonia entre o enunciado em ODS 14
e 14.c
Em mesmo ensaio, acerca da natureza da Sustentabilidade e sua eficácia em
Direito Internacional, Tanaka (2018, 131) ainda explora, por meio de análise de
precedentes de cortes internacionais:
a) a natureza do Desenvolvimento Sustentável em ser um conceito-chave
integral, de observância obrigatória a julgar a conduta dos atores internacionais em disputa acerca do modo como manejaram/gerenciaram o uso dos
recursos naturais à sua disposição e/ou ser um conceito-chave integral, de
observância obrigatória a julgar o conflito entre normas internacionais; e
b) a norma princípio decorre de processo interpretativo fundamentalmente
temporal, evolutivo, nos termos informados pelo art. 31(3) (c), da Convenção de Viena-I/69.
A aplicar conceito de Dworkin à espécie de Tanaka, Sustentabilidade é,
dentre outras coisas, norma princípio de direito (internacional) do mar. A
chave interpretativa, segundo o próprio autor, e considerando as palavras de
Rei (2017, 33-36) será, fundamentalmente (a se dizer o mínimo), a ciência.
b) Sustentabilidade em tratados, quando sua eficácia é controlada por reso-
252
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
luções, tende a ser interpretada como binding rule, nos limites do Tratado,
ainda que este não o seja.
Tal postura nos remete a avançar em duas asserções: que as normas non-binding são assim não por critério “binário” (é ou não é “binding”), mas por
um critério - como dantes observado em termos gerais neste ensaio - gradiente
de verificação, cujo meio é a hermenêutica jurídica e o critério é a ciência e a
necessidade que ela aponta em adotar ou não a Sustentabilidade em atividade
regulada em tratados.
Não sem razão, e no mesmo sentido, o Caso 17 - ITLOS estruturou a adoção
vinculante de Princípios da Declaração do Rio/92 (em análise pura e isolada
non-binding) pelos estados-parte da UNCLOS, no que tange a adoção de medidas legais internas acerca da responsabilização, comando, controle e compliance
dos particulares patrocinados na mineração de fundos marinhos.
c) por fim, a possibilidade de a Sustentabilidade ser causa de pedir de qualquer sujeito de direitos nomeado em tratado para a defesa dos interesses e objetivos deste tratado, ainda que este sujeito não seja afetado (não, ao menos, diretamente), pelas ações ou omissões daquele que contrariou a Sustentabilidade.
Muitas linguagens abordam o mesmo problema: ora Sustentabilidade, ora
Common Heritage of Mankind. Um ataque à Sustentabilidade significa um ataque a um commons, a um “compáscuo” do qual a Sociedade Internacional se
aproveita e, seja diretamente, pelos danos diretos e escassez futura provocada,
ou indiretamente, pelo ataque ao valor Sustentabilidade (como norma jurídica
positivada ou como dinâmica de gerenciamento de recursos) em si, ou pela
complexidade do problema que, um dia, evoluirá o atingirá o próprio interesse.
Veja-se que Cançado Trindade (2006, 365-367) aponta que o CHM é um princípio não exclusivo do Direito do Mar e que contém duas dimensões muito claras
genericamente aplicáveis:
a) Uma temporal, advinda da palavra Heritage, no sentido de que trata-se da
partilha de um bem ou valor na sociedade pensada no tempo, i.e. gerações
que virão deverão ter sua quota de proveito deste bem e de obrigação de
conservar este bem de forma equânime aos seus antecessores, em tudo aproximado (sendo que o autor insinua coincidência) ao conceito principiológico de Equidade Intergeracional 10(Intergenerational Equity, no original),
para esta porção do CHM; e
b) Outra espacial/geográfica, advinda da palavra Common, de que todos
os atores internacionais (não necessariamente sujeitos de direito internacioAcerca do Princípio da Equidade Intergeracional em Direito Internacional vide WEISS, Edith
Brown. Intergenerational Equity: A legal framework for global environmental change. IN WEISS,
Edith Brown (Ed.). Environmental change and international law: New challenges and new dimensions. Toquio: United Nations University Press, 1992. p. 385-412.
10
253
Paradiplomacia Ambiental
nal) são responsáveis pela conservação, pela fiscalização desta conservação e
pela extração de benefícios destes bens ou valores.
Costa de Souza (2018, 51-61) chega à mesma conclusão em nível administrativo e econômico (infra estrutural, por excelência): para a finalidade do Direito
do Mar, em especial os Fundos Marinhos, na falta de um conceito mais desenvolvido11, o CHM foi utilizado com finalidade e efeitos quase coincidentes com
aqueles da Sustentabilidade (se compararmos a definição de Cançado Trindade
acerca de CHM e de Tanaka acerca de Sustentabilidade).
Assim, como tal, é um ataque, ao menos em caráter finalístico, à própria
Soberania da contraparte de um tratado: se se positiva e se concorda em avançar passos geopolíticos no sentido do Princípio da Sustentabilidade, fazer o
contrário significa um ataque, em última análise, ao reconhecimento que se
dá ao patrimônio (no sentido de acervo de direitos e obrigações) soberano das
contrapartes. Todas as contrapartes.
As necessidades impostas pela Sustentabilidade, supra evidenciadas, impõem reconhecer que o Estado é insuficiente a completar, sozinho, o próprio
preceito por ele escolhido num Tratado. Há necessidade de uma pletora maior
de Atores Internacionais, em ação preventiva e de assessoramento cooperativo
do compliance ambiental, que incrementem a hermenêutica de preceitos carregados de conceitos sustentáveis.
UNCLOS não foi diferente: a conjugação de sua Parte XI (Mineração na
Área, nome dos Fundos Marinhos Internacionais cf. art. 1. (1)) com a Parte XII
(meio ambiente e preservação dos biomas marinhos) evidenciou claramente
os pontos abordados por Tanaka e Beyerlin et Marahun: insuficiência técnica
dos preceitos, que impõem procederes metodológicos de comando e controle
de processos por organismos administrativos unitários; necessidade de leitura
científica dos preceitos (historicamente considerados), o que exige agragação de
outros atores internacionais, em reconhecimento à insuficiência dos Estados
em cumprir preceitos que, cuidadosamente, escolheram para si.
Neste sentido, temos o Caso 17 - ITLOS como curial à observação para
confirmação dos ensaios de Tanaka, Cançado Trintade e Beyerlin et Marahun.
Vejamos que o caso:
A International Seabed Authority (“ISA”) não está isenta de provocações. Em
verdade, os Estados-Parte da UNCLOS necessariamente buscam a Autoridade
da Área não só para seus regimes de autorização para mineração, mas, também,
por força de consultoria.
O Relatório “Nosso Futuro Comum”, que contém a definição (científica) de Sustentabilidade,
que viria a servir de elemento integrador e interpretativo do Princípio da Sustentabilidade em
produção de normas jurídicas internacionais, só foi publicado em 1987, 5 anos depois da assinatura de Montego Bay/82 e do discurso de Arvid Parvo, em 1º de novembro de 1967.
11
254
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
Provocada pelos Estados-Partes Nauru e Tonga, ambos com pleitos para mineração na Área, em 6 de maio de 2010, o Conselho da ISA expediu a decisão
ISBA-16/C/13. A decisão foi simples e concerne ao art. 191, UNCLOS: de
fato, limitou-se a fazer uso das competência do Tribunal para o Direito do Mar
(“ITLOS”), instituído pela própria UNCLOS, para perguntar, em caráter preventivo, assuntos tocantes à responsabilidades ambientais da Parte XI. Seguem
as perguntas:
“1. What are the legal responsibilities and obligations of States Parties to
the Convention with respect to the sponsorship of activities in the Area
in accordance with the Convention, in particular Part XI, and the 1994
Agreement relating to the Implementation of Part XI of the United Nations
Convention on the Law of the Sea of 10 December 1982?
2. What is the extent of liability of a State Party for any failure to comply
with the provisions of the Convention, in particular Part XI, and the 1994
Agreement, by an entity whom it has sponsored under Article 153, paragraph 2 (b), of the Convention?
3. What are the necessary and appropriate measures that a sponsoring State
must take in order to fulfil its responsibility under the Convention, in particular Article 139 and Annex III, and the 1994 Agreement?”
Em 1 de fevereiro de 2011, ITLOS surge com a decisão do Caso 17 para
responder ao pleito. O julgamento, permeado de inovações (desde transmissão
digital, até aspectos processuais de amicus curiae), carreou as respostas que,
necessariamente, importam a definir ESD para leitos marinhos.
Em sede prelibatória, ITLOS decidiu que UNCLOS e suas Partes não são
universos preceituais isolados e estanques. São fontes de direito que dialogam
entre si e com outros tratados, quando a matéria for conexa ou guardar sintaxe,
nos termos da Convenção de Viena - I/69, conforme citado acima. Essa decisão
informa o como a sintaxe entre microuniversos normativos pode ser feita.
A segunda prelibação concerne acerca da definição de “obligation”, “responsibility” e “liability”, sendo:
a) as duas últimas espécie da primeira (gênero);
b) Liability refere-se às consequências jurídicas decorrentes da quebra dos
deveres do Estado-Parte (ITLOS: 2011, p. 170-174);
c) Responsibility refere-se às obrigações decorrentes dos instrumentos estatutários e negociais (e outros decorrentes destes) nas atividades minerárias
na Área (ITLOS: 2011, p. 121-140).
Estas prelibações terminológicas farão mais sentido sob análise do dispositivo da decisão.
255
Paradiplomacia Ambiental
Em suma, o ITLOS Case 17 interpreta as obrigações de natureza ambiental
no caso de mineração na Área, nos termos do art. 139, UNCLOS. Podemos
dividi-las em três categorias distintas, mas desde já, observando os deveres dos
Estados-Parte e as excludentes de responsabilidade e de ilicitude, excluindo modalidades de responsabilização objetiva:
a) As obrigações precaucionistas e preventivas do Estudo de Impacto Ambiental da atividade minerária;
b) As obrigações preventivas de due diligence e estabelecimento de standards de qualidade ambiental na execução das instalações e das operações
minerárias;
c) As obrigações e excludentes de responsabilidade do Estado-Parte no caso
de dano e a forma de responder a este dano (indenização e/ou reparação).
Não se observa, tanto na Parte XI, como no julgado ITLOS Case 17, nenhuma menção a qualquer responsabilidade ou obrigação ambiental pós-operação
que não aquelas decorrentes de ilícito (civil/contratual ou administrativo internacional). Vale dizer, para que haja obrigação ambiental pós-operação minerária, há que se ter necessariamente dois elementos verificáveis: dano e ato ilícito
(imputável ao Estado-Parte por ação ou omissão – fiscalizatória ou normativa)
(ITLOS: 2011, p. 206-211).
Se a interpretação da atividade minerária na Área se restringisse à Parte
XI, UNCLOS, e às normativas da ISA, entender-se-ia que o Estado-Parte que
estabelecesse suficiente universo normativo ambiental e diligenciasse adequadamente sua fiscalização do particular minerador estaria livre de qualquer responsabilidade ambiental.
Mas, Sustentabilidade tem dupla hélice de interpretação e implemento: no
que toca aos fundos marinhos, desenvolvimento econômico se coadunará com
a categoria jurídica de CHM.
E é neste ponto que o legado do Juiz Presidente do ITLOS Tullio Treves
vai muito além da primeira votação unânime da Corte: para fazer o diálogo
entra a Parte XI e XII de UNCLOS e carregar de sentido e eficácia um CHM
próximo à Sustentabilidade, trouxe à Corte postulados de Amicii Curiaes que
não sujeitos de direito classicamente considerados, mas, sim, NGO e Agências
Internacionais, tendo, inclusive, também colocado a disposição relatórios (mas
fora dos autos por extemporâneos) de outras NGO. ITLOS, ao menos neste
pequeno ponto, faz o regime do Mar curvar-se às novas necessidades do Direito Internacional para a consecução deste importantíssimo objetivo comum, a
Sustentabilidade.
Mas ainda que estejamos falando de um bem sucedido avanço na incorporação de outros atores internacionais e ampliação do escopo interpretativo dos
256
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
regimes, integrando-os com pontos principiológicos comuns expressos (até) em
normas non-binding, é bom colocar as coisas em perspectiva realista e conservadora: trata-se de um órgão, de membros temporários, que expediu um julgado
consultivo para um item específico de um tratado específico (embora o principal) do regime internacional do mar. E, ainda assim, a decisão não é indene das
vicissitudes decorrentes da insuficiência preceitual e de atores mencionadas em
1.1 e 1.2, deste. Vejamos:
Egede (2018, 158) destaca bem: embora os estados-parte e sua agência autorizada, i.e. a ISA, tenham a responsabilidade de regular todas as atividades dos
fundos marinhos internacionais e seus recursos em geral (art. 136, 137 e 157,
UNCLOS), até o momento só houve regulação normativa da exploração minerária da Área. Ou seja: a governança dos objetos ambientais de interesse global
ao encargo de um único agente, em modelagens de regulação de processos, em
metodologia de comando-e-controle administrativo e policialesco continua, há
25 anos, a falhar por omissão, a depender de outros regimes (fragmentando a
condição da UNCLOS como corpo uno codificado a ser interpretado), como
da Convenção Quadro de Biodiversidade para integrar comandos ainda lacunosos (SCOVAZZI, 2000, 213-219).
Esta constatação, de per se, já induz à confirmação das asserções de Carlarne e Bayerlin et Marahun da necessidade de evolução das modelagens normativas do direito ambiental internacional, que poderiam a ser atendidas pelas
ODS. Mas as questões não param por aí: tal qual na forma do preceito (ou na
falta dele, como notou Egede), no conteúdo há também problemas em relação
aos Estados de Patrocínio e o Caso 17-ITLOS. Seguimos:
Como forma de defender o meio ambiente da Área de desastres na mineração explotativa, o Caso 17-ITLOS impôs diversas provisões interpretativas
das Partes XI e XII, da UNCLOS. Entre elas, afastou a aplicação do Princípio
das Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas (“CBDR”)12 da responsabilização (liability) dos Estados-Patrocinadores por danos ambientais na Área
Quando a norma jurídica tende a tratar uniformemente sujeitos de direito não uniformes, alguns fenômenos iniciais são percebidos: de ordem ética e de ordem prática. O primeiro, de ordem
ética, trata de um critério de Justiça: dar o mesmo tratamento jurídico a quem não tem as mesmas
capacidades não significa igualdade, mas privilégio à desigualdade, o que acaba por ser uma injustiça. Este conceito não é novo, nem na superestrutura, nem na infraestrutura do pensamento
fenomenológico. O segundo, de ordem material, significa que diante de uma necessidade de afirmação de uma norma internacional, os sujeitos de direito internacional mais frágeis (ou menos
poderosos acerca do objeto da norma) são naturalmente não inclinados a assumi-la senão quando
seu tratamento servir ao reequilíbrio de forças entre partes. Assim, um processo de tratamento
diferenciado, compensativo em poderes, direitos e obrigações, teria o condão de atrair mais partes
à norma internacional, o que a daria mais abrangência e legitimidade. O terceiro, também de
ordem material, mas infraestrutural: o CBDR deve ser descrito como consectário da ideia que o
modo de produção e consumo do sec. XX - pós-II Guerra não pode mais ser o padrão entre povos
e nações, sob pena de agravar os problemas ambientais globais e gerar outros. - BEYERLIN, Ulrich, MARAUHN, Thilo. International Environmental Law. Oxford: Hart Publishing, 2011. p. 64.
12
257
Paradiplomacia Ambiental
decorrentes de sua má-conduta. O CBDR foi invocado e regulamentado para
a finalidade do Caso 17-ITLOS nos parágrafos 131 e 151 a 169, do relatório do
julgamento (ITLOS, 2011, 45, 52-57), durante a análise do fato gerador, aferição
do fato gerador e dos limites das responsabilidades dos Estados-Parte por danos
na Área, e não das entidades patrocinadas por eles à execução da mineração na
Área.
Todavia, o julgamento não o afastou de outros conceitos e fases da mineração da Área, reservando disciplina diferenciada aos “estados em desenvolvimento”. Ele, e UNCLOS, falharam, no entanto, em definir “em desenvolvimento”.
Tal falha, além do óbvio condão de prorrogar o conflito geopolítico Norte-Sul
(vide a COP Copenhague - UNFCCC), o que é absolutamente indesejável, gera
imprecisões jurídicas diante de uma atividade que necessita, acima de tudo, de
segurança jurídica diante de seus custos operacionais e riscos ambientais inerentes (EGEDE, 2018, 159-164).
Ainda, Egede (2018, 169-171), mesmo que aponte o Modelo Nauru/Tonga de Estado-Patrocinador diferir do “Patrocínio-de-Conveniência” (em alusão
e analogia direta às Bandeiras de Conveniência de navegação e seus desastres
inerentes), com base no art. 148, UNCLOS, não se foge das zonas cinzentas e
reconhecimentos de insuficiência:
a) foi necessária a desconsideração vertical de uma Soberania para agir sobre
um ator internacional privado para fins de responsabilização;
b) ITLOS não definiu um escopo fechado de responsabilizações e suas hipóteses de incidência, tampouco definiu amiúde o teor/escopo da due diligence
legal e liberatória de responsabilidade do Estado-Patrocinador. E quanto a
esta due diligence: é um dever do estado patrocinador ou é uma prerrogativa/
opção dele em assumir a responsabilidade da corporação mineradora patrocinada? A estrutura com a qual foi construído o relatório do Caso 17-ITLOS
nos tenciona a responder pela segunda hipótese.
Diante de todo o visto, embora UNCLOS tenha o corpo jurídico internacional dos mais avançados (em matéria de completude preceitual de um regime), codificado, ele é, pelos mesmos motivos preceituais e políticos que a formaram, insuficientes diante de um wicked problem global como o Desenvolvimento
Sustentável. Veja-se: UNCLOS não é uma norma ruim! Ao contrário, ao tempo
no qual foi feita e segundo as suas possibilidades é um grande vitória, inclusive,
à abertura e regulação de novos mercados e ao Desenvolvimento Sustentável.
Mas, como dantes dito, ela não tinha ferramentas próprias para ir além.
1.3. As ODS e a ODS 14
Visto que seja pelo objeto, seja pelos sujeitos, havia a necessidade de uma
258
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
nova modelagem normativa que permitisse a participação de novos atores, o
trânsito de informações científicas de relevância, e uma metodologia de abordagem de um problema de variáveis de sintaxe complexa, o Direito Internacional
aborda uma antiga forma normativa, mas de maneira inovadora: ressuscita o
uso da soft law, enterrando a “Era das Codificações”. Eis os porquês:
Ainda que não vinculante, a soft law modela comportamentos. Beyerlin et
Marahun (2011, 33-34, 37-38) apontam que estas normas têm o poder de gerar
um efeito de direcionamento de comportamento dos atores da Sociedade em
questão: enviesam, em maior ou menor grau, seus atos no sentido de aproximarem-se dos conceitos-chave da soft law ou dos valores que ela propugna, e freiam
a tomada de ações ou omissões no sentido de ignorar estes valores do cômputo
de seus posicionamentos globais.
Ainda que seu preceito seja de autoria de Estados Nacionais soberanos, a
construção de sua respectiva norma jurídica (modeladora de comportamentos)
é aberta à dialética de todos os atores da Sociedade Internacional em tempo
real, construindo-a e estruturando-a nos termos que entendem ser adequados,
formando um síntese histórico-geográfica de interesse. Este conceito é aplicável
à formulação das normas jurídicas de direito internacional, em especial aquelas
que tratam de problemas globais? A resposta é positiva, especialmente tratando-se de Direito Ambiental Internacional conforme as conclusões das análises de
Beyerlin et Marahun (2011, 256).
Repare que em todas as normas jurídicas, a construção de seus elementos fundamentais de produção (preceito e interpretação da Corte, da Administração, do Mandatário) são sujeitos à influencia por informações trazidas
por agentes externos à produção da norma jurídica. Foram estes agentes que
identificaram aos atores nominalmente produtores (de norma e preceito): a) o
problema; b) os dados e hipóteses de solução do problema; e c) o “paradigma
ético” vigente de Dworkin (na carência momentânea de melhor expressão) a ser
aplicado ao preceito.
Repare mais: que estes agentes externos são muito mais que governos subnacionais ou locais (para utilizar da mesma nomenclatura dada pelas Nações Unidas). Em sua (natural) maioria são organizações não governamentais (NGO),
governos subnacionais e locais, definidos como entidades que participam e se
manifestam na sociedade internacional como forças de pressão, e, apesar de possuírem personalidade jurídica de direito interno, o Direito Internacional lhes
defere certo status jurídico. Esse status, por sua vez, variará conforme a arena
dialética na qual a entidade pretende influir (BEYERLIN ET MARAHUN,
2011, 256-257), mas dificilmente a condição de sujeito (de algum) direito.
Ainda que aborde o mesmo (wicked) problema ambiental, a soft law não
impõe critérios e técnicas de processos de produção, fiscalizado por medidas
259
Paradiplomacia Ambiental
de comando e controle policialesco (típicas de pode de polícia administrativo,
até). Seu regime operacional baseia-se em estabelecimento de objetivos comuns
a todos os Estados Nacionais e demais atores, informados por critérios técnicos-científicos objetivos, e checkpoints intermediários. O processo para atingir
os checkpoints e o objetivo final é livre! O que torna este tipo de norma mais
passível de aderência de diversos atores de diversas culturas e cumprimento
destes objetivos mais amigável, posto que a cultura local não vai precisar desnaturar num processo técnico imposto de produção. Por seu turno, a forma de
controle se dará pela governança dos diversos atores interessados, aumentando
a transparência, a discussão e a capacidade dos atores se mobilizarem diante do
problema: subnacionais e locais que adotam os critérios que o seu respectivo
nacional ignora, forçando o comportamento desta e de seus pares (e.g. a adoção
de São Paulo de metas de mudanças climáticas antes da própria União Federal
fazê-lo); NGO que divulgam desídias técnicas passiveis de reprovações extrajurídicas (e.g. Caso “Whaling in the Antarctic” - da Corte Internacional de Justiça
e Caso 17 - ITLOS); adoção de comandos e controles entre regimes como forma
de otimizar o avanço da conquista dos ODS (e.g. IMO 2020 - uma normativa
em âmbito da ODS 14, que objetivou a ODS 13).
A partir destes conceitos, os “ODS” apontam à Sociedade Internacional objetivos, checkpoints e formas de controle de 17 grupos temáticos de ação, com o
objetivo de desenvolvimento sustentável conforme cientificamente informado
no Relatório Nosso Futuro Comum, de 1987.
O mar foi contemplado com um ODS 14 toda própria, sendo um dos dois
espaços geográficos a merecer um ODS peculiar (o outro foi o ODS 11 - Cidades Sustentáveis). Trata o ODS 14 de “conservar e promover o uso sustentável
dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. Possui 7 metas parciais (ODM 14.1 a 14.7) e três metodologias para
alcança-las (14.a à 14.c).
A importância deste ODS 14 transcende a própria sustentabilidade oceânica em seus usos: sua importância opera em dois níveis adicionais, quais sejam,
a sintaxe com outros ODS e a sintaxe com o equilíbrio geopolítico de poder
global em sua fronteira marítima.
Na primeira sintaxe, temos (exemplificativamente) o mar como sítio geográfico de 96,5% da água do mundo, ser também responsável por 50% a 85% da
produção do O2 atmosférico, reserva e sumidouro de 25% a 31% do CO2 emitidos no planeta, reserva de alimentos de 200 milhões de libras (de proteína e
fibras alimentares) para a dieta da população do planeta, regulador climático do
planeta por meio de suas correntes oceânicas e atmosféricas, e meio pelo qual
transitam mais de 90% da carga comercializada pelo mundo inteiro (NOAA,
2020, s/p). O mar é muito mais que isso (vejam-se as significações religiosas que
260
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
as diversas culturas atribuem ao mar), mas só por estes exemplos dados neste parágrafo somos capazes de dizer, categoricamente, que não existe ODS cumprido
em “desassociação” ou desarticulação com o ODS 14, com o mar e seu eventual
uso sustentável.
A segunda sintaxe trata, justamente, da dominância e da luta geopolítica
entre nações soberanas em sua Ordem Mundial de forças. O oceano sempre foi
palco de disputas internacionais, tendo, na quase totalidade das vezes, o mar
servido como instrumento do poder geopolítico de domínio do cenário global
de poder (BARBOSA JUNIOR, 2012, 209-219). Os exemplos são pródigos: desde o nascimento do Direito Internacional (ainda em seu caráter liberal Iluminista), os embates pelo domínio do mar entre os partidários do Mare Liberum
(França, Inglaterra, Holanda e Suécia) contra os partidários do Mare Clausum
(Espanha, Portugal e o Papa), e ainda haviam aqueles híbridos em posição (ducados da Pen. Itálica, Rússia e Dinamarca). E continuam pelas hodiernas disposições e conflitos no mar e sua dominância pelo poder militar (SCOVAZZI,
2000, 53-116). Ninguém pode ser soberano nos mares por expressa disposição
das normas internacionais acerca do mar desde Genebra/1958, repetida pela
UNCLOS (positivando e objetivando o que era jurisprudencial e costumeiro).
O que significa que aquele que puder aplicar o poder de fato nesta geografia
fará a diferença, ainda que UNCLOS chame as nações à cooperação em atividades em alto-mar (vide art. 117 a 119 em matéria de pesqueiros em alto-mar), o
que foi notado como insuficiente, a vista das fishing wars em curso (SCOVAZZI,
2000, 132).
Esta segunda sintaxe é uma variável que engessa a ação dos Estados Nacionais (pois é mais um problema complexo a se somar a um wicked problem), o que
arriscaria (ao menos em tese) a consecução de (como se viu) todos os ODS. Mas,
pelo seu formato de governança e execução abertos, entidades subnacionais e
locais (e até privadas) podem assumir estes compromissos no seio de suas operações e geografias, minorando o risco geopolítico.
Então, se o sistema ODS é tão bom assim, o que pode dar errado? Por que
o tiro pode sair pela culatra?
2. Velhos Problemas Conceituais
A sintaxe geopolítica de poder e dominância que o mar significou ao longo dos tempos, já explicada no fim do tópico anterior foi uma das principais
variáveis da evolução do Direito do Mar. Por sua vez, a intrincada evolução do
Direito do Mar no Direito Internacional não se deu de forma indene de significado e não foi intrincada à toa. Até chegarmos nos diversos regimes de direito
nas diversas geografias do mar (e.g. Mar Territorial, Área, Águas Internacionais,
Zona Econômica Exclusiva, Zona Contígua, Plataforma Continental) e o que
cada regime vincula (normativamente) de uma dialética entre nações, passaram261
Paradiplomacia Ambiental
-se mais de 530 anos de guerras, julgamentos internacionais, postulações doutrinárias e, até, testes normativos por tentativa e erro (SCOVAZZI, 2000, 53-116).
Vale dizer que a UNCLOS atual, ainda que não conte com a formal assunção do Tratado pelos Estados Unidos da América, congrega o consenso internnacional acerca da disciplina da imensa e significativa arena dialética internacional que o mar significa e com a obediência (ao menos em parte) dos próprios
Estados Unidos, vez que UNCLOS consolida aspectos de Genebra/1958 e de
direito costumeiro do mar.
Trata a UNCLOS de um produto de codificação internacional de preparada e prevista desde 1967, resultado de rodadas de negociação que só findaram
em 1982, em conferência presidida por Tommy Koh (mandatário de Cingapura), na Jamaica, e entrou em vigor em 1994.
A questão acerca da UNCLOS é que, como todo eixo de conflito geopolítico, o eixo de conflito geopolítico Norte-Sul13 (deflagrado, em muito, pelo
“Relatório Meadows”) também tomou o mar como campo dialético (SCOVAZZI, 2000, 93-103). Logo, a cada rodada de discussão, sopesavam-se forças “Em
Desenvolvimento” contra forças “Desenvolvidas” na construção de um preceito
relativo ao Mar e seus usos diante de um desafio global de sustentabilidade (datado da Declaração de Estocolmo/1972, Princ. 11, passando por Genebra/1958
e Montego Bay/1982).
Daí que a proteção (presente, notadamente, na Parte XII, UNCLOS) e
exploração do ambiente marinho estava intimamente associada a pontos geopolíticos sensíveis a Estados Nacionais desenvolvidos (ou plenamente industrializados): áreas reservadas à exploração e explotação para nações em desenvolvimento, transferências de tecnologia obrigatórias e associadas à explorações
minerárias em áreas comuns.
Em caráter ilustrativo, este dimensionamento preceitual das responsabilidades comuns porém diferenciadas na UNCLOS gerou do mandatário dos Estados Unidos um discurso inflamado e foi considerado pináculo da não adesão
estadunidense ao tratado.
A UNCLOS, como tal posta em 1982, representava um avanço socioeconômico ao sul, mas um risco geopolítico ao norte. O que gerou sua baixa adesão
até 1994, quando foi reformada. As principais disposições desta reforma, em
breves e resumidos termos, versam sobre: a) a inversão da ordem de trânsito
hierárquico de normas técnicas e poder decisório da International Seabed Authority, tendo a Assembléia (outrora soberana) assumido posição secundária em
relação ao Conselho; e b) que o compartilhamento de informações científicas e
a transferência de tecnologia não eram mais obrigatórios acerca das explorações
Sobre o conflito geopolítico Norte-Sul, vide BEYERLIN, Ulrich, MARAUHN, Thilo. International Environmental Law. Oxford: Hart Publishing, 2011. p. 8-9.
13
262
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
e explotações no Mar. Somente a partir desta mudança, os países nortenhos
apuseram sua assinatura, a UNCLOS tomou força e pode tomar seu lugar no
panteão de normas internacionais de importância.
E o que isso importa aos ODS, em especial ao 14?
O ODS 14 vincula-se, de forma expressa e extraordinária aos demais ODS,
a uma norma internacional codificada, qual seja, a UNCLOS.
De saída, vê-se um problema em primeiro nível, qual seja: uma soft law,
relida em sua formatação preceitual e aberta, em função do fato de que seu
formato é útil a determinadas necessidades e problemas globais, ancora-se de
forma definitiva e expressa, a uma modelagem codificada e antiga de norma
jurídica internacional (vinculante em processos, inclusive).
Aprofundando as sintaxes, e confiando na UNCLOS, temos um segundo obstáculo à frente: se os ODS dependem de transferência de tecnologia e
livre trânsito de informações, se os ODS se fortalecem conforme as nações se
fortalecem socioeconomicamente (Declaração de Estocolmo/1972), então a interpretação das metodologias 14.a e 14.c, ODS 14, sabotam ambas por meio da
UNCLOS.
Ou seja: ao utilizar o que a UNCLOS tem de melhor, a dinâmica ora imposta aponta que o trânsito de informações obedece apenas ao escopo específico do
Regime da UNESCO (14.a), não podendo as nações trabalharem um trânsito
de tecnologia e informações equilibrado: este, foi relegado às regras contratuais
internacionais privadas e ao mercado, por força do 14.c, ODS 14, cc. Com a
reforma de 94 da UNCLOS.
A se ter uma ideia, ainda que Egede (2018, 182-183) não tenha tido a intenção de tanto, ele observou o efeito da Soberania na aplicação das normas do
Código de Mineração da ISA na Área e, com o Código, as normas ambientais
acerca de exploração e explotação dos fundos marinhos internacionais. Nesta
observação ele chegou a duas conclusões:
a) a necessidade do capitalista privado (ou público, mas subnacional) utilizar-se de um patrocínio de uma nação soberana (ainda que geopoliticamente seja 10 ou 100 vezes mais poderoso e/ou influente que esta nação),
pela simples e lógica aplicação do Princípio da Soberania reconhecido e
realizado, nos termos dos tratados de 1648 e à luz do Dever de No Harm
(Trail Smelter/1941).
b) o risco real de ocorrência dos “Patrocinadores de Conveniência” (em
alusão às Bandeiras de Conveniência) que, à luz do estabelecido no Caso
17 - ITLOS (sobre responsabilidade ambiental dos países patrocinadores de
atividades econômicas minerárias na Área), arriscando os biomas marinhos
sobremaneira (e o ODS 14, via de consequência), tal qual as Bandeiras de
263
Paradiplomacia Ambiental
Conveniência atualmente o fazem com a lâmina d’água e ambientes costeiros (LAWAND JÚNIOR et VALDEZ SILVA, 2019, 1-13). Tal se dá pela
modelagem do Estado-Patrocinador optem por regras internas ou ações administrativas internas carentes do dever de due diligence e licenciamentos e
apostar que o regime de solução pacífica de conflitos lhe será mais favorável
à não responsabilização de fato;
c) no atual formato da reforma de 94, a possibilidade de pouco ou nada
ganharem, arriscando a perder o pouco que ganharam em função de indenizações ou recuperações ambientais, os Estados Patrocinadores em estágios economicamente frágeis de desenvolvimento, tal qual como ocorre
hoje com Tonga e Nauru.
Então, tal qual um tiro que sai pela culatra de uma arma de fogo, o ODS 14
(e, como visto, os demais) tem dois pontos fracos em sua linguagem de poder
(i.e. o direito):
a) Se o incidente de tiro pode ser gerado por um trabalho de forja ou usinagem ou montagem inadequado (de fissuras ou granulação do aço dos blocos
ou seu incorreto encaixe), as normativas (ODS e UNCLOS) não conversam
entre si no nível executivo, por serem normas que privilegiam princípios
diferentes: a UNCLOS, pugnando pela Soberania, e os ODS entendem
a necessidade de pluralidade de atores, em função do tipo de problema a
enfrentar.
b) Se o incidente de tiro pode ser gerado por uma montagem defeituosa do
cartucho a ser deflagrado, as normativas (ODS e UNCLOS) não conversam
entre si no nível executivo, por serem normas que privilegiam o trânsito
de informações e tecnologias de diferntes formas: ODS, abrindo o trânsito
livre de amarras de outras ordens, UNCLOS fechando este trânsito, com
variáveis de ordem comercial e geopolíticas (que, efetivamente, causaram ou
impedem o avanço de soluções ao problema ambiental global).
CONCLUSÃO
A escultura pela Paz Mundial, nos jardins da Sede nas Nações Unidas em
Nova Iorque, representada por um revolver de tambor, de design do século XIX,
com um nó no cano, ganha uma nova significação à luz do ODS 14 e e 14.c:
um aparato que pode sabotar o próprio objetivo, as próprias funções, por força
de um defeito estrutural: os ODS são um tipo normativo internacional novo,
de funcionamento novidadeiro, mirando o futuro, mas que, por ancorar-se em
estruturas pretéritas e delas não se desvincular conceitualmente, pode falhar.
UNCLOS, por mais bem intencionado, negociado e bem feito para a mo264
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
delagem normativa que escolhei ter, não alcança ferramentas suficientemente
perfeitas à solução do wicked problem da sustentabilidade ambiental global (escolhido em 72, definido em 87 e assumido em 92).
Ao criar o ODS, há um esforço global de integrar ferramentas que sejam capazes de criar conteúdo jurídico internacional: seja por meio de abrir mais a sociedade internacional a novos atores e sua capacidade de produzir cooperação,
prevenção, ciência/informação e governança, relendo o princípio da Soberania;
seja por permitir aos principais atores T.O. global (i.e. os Estados) integrarem-se
aos objetivos de sustentabilidade com maior facilidade, pela não imposição de
processos e privilégio dos regionalismos (em matéria de desenvolvimento e processos de produção).
Todavia, quando um ODS, notadamente o 14, sustenta suas disciplinas jurídicas em ferramental jurídico antigo, abre janela a que este prevaleça sobre
aquele, e não o integre: os mecanismos estarão vinculados por normas tipo
binding, levando ao risco de que as ODS tenham que ser, tal qual os Princípios
da Dec. do Rio/92, reconhecidos como binding por decisão de Tribunal Internacional para determinado assunto. Tal, também, contraria a própria razão de
ser dos ODS (cooperação em lugar do conflito).
REFERÊNCIAS
ABI-SAAB, G.. Cours Général de Droit International Public IN Collected Courses
of the Hague Academy of International Law. Vol. 207. Haia: Martinus Nijhoff
Publishers, 1987.
BARBOSA JUNIOR, I.. Conceitos Fundamentais, a Amazônia Azul. In: BARBOSA JUNIOR, I.; MORE, R. F. (Org.). Amazônia Azul: política, estratégia
e direito para o Oceano do Brasil. Rio de Janeiro: FEMAR. 2012. p. 203231.
BEYERLIN, U.; MARAUHN, T.. International Environmental Law. Oxford:
Hart Publishing. 2011.
CANÇADO TRINDADE, A. A.. International Law for Humankind: Towards
a new Jus Gentium. v. I. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers. 2006.
CARLARNE, C.. Delinking International Environmental Law & Climate
Change. In: Michigan Journal of Environmental & Administrative Law. v.
4. I. 1. Ann Arbour: University of Michigan, 2014. Disponível em: <https://
repository.law.umich.edu/mjeal/vol4/iss1/1>. Acesso em: 01 abr. 2020.
COSTA DE SOUZA, H. S.. O Direito do Mar e seus Três Nós. Belo Horizonte:
Arraes. 2018.
DATTA, S.. The Wonderful Marine World. Nova Deli: Ministry of Infor265
Paradiplomacia Ambiental
mation and Broadcasting of the Government of India, 2011. Disponível em:
<https://www.biodiversitylibrary.org/item/252502#page/6/mode/1up>.
Acesso em: 04 abr. 2020.
DENY, D. M. T.; GRANZIERA, M. L. M.. Tragedy of Commons and Governance in Times of Emotivism. In: REI, F.; GRANZIERA, M. L. M. (Org.).
Global Environmental Issues: law and science. Santos: Leopoldianum. 2017.
p. 9-28.
DOUHAN, A.. Liability for Environmental Damage. IN Max Planck
Encyclopedia of Public International Law. Oxford: Oxford University
Press, 2019. Disponível em: <https://opil.ouplaw.com/view/10.1093/
law:epil/9780199231690/law-9780199231690-e1580>. Acesso em: 04 mar.
2020.
DWORKIN, R.. Le Positivisme. In: Révue Droit et Société. Paris: L.G.D.J..
1982. p. 35-60.
EGEDE, E.. The Area: Common Heritage of Mankind, Sponsoring States
of Convenience and Developing States. In: KOTZUR, Markus et. al.. Sustainable Ocean Reasources Governance: Deep Sea Mining, Marine Energy
and Submarine Cables. Leiden: Brill Nijhoff. 2018.
GIDDENS, A.. Mundo em Descontrole. Rio de Janeiro: Record. 2000.
______. Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
GONÇALVES, A.; COSTA, J. A. F.. Governança Global e Regimes Internacionais. São Paulo: Almedina. 2011.
GROOMBRIDGE, B.; JENKINS, M. D.. World Atlas of Biodiversity.
Berkeley: University of California Press, 2002. Disponível em: <https://
www.biodiversitylibrary.org/page/38696326#page/6/mode/1up>. Acesso
em: 04 abr. 2020.
HARDIN, G.. The Tragedy of Commons. IN Science, New Series. Vol. 162,
No. 3859. Nova Iorque: American Association for the Advancement of Science, 1968. p. 1243-1248. Disponível em: <https://science.sciencemag.org/
content/sci/162/3859/1243.full.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2020.
ITLOS - INTERNATIONAL TRIBUNAL FOR THE LAW OF THE SEA.
Case 17 Dossier. Disponível em: <https://www.itlos.org/cases/list-of-cases/
case-no-17/case-no-17-dossier/>. Acesso em: 06 dez. 2018.
LARES, M. C. R.. Medidas para la protección del medio marino en la región
del Gran Caribe por daños ocasionados por la industria mar adentro. In:
Revista de Derecho. no.47. Barranquilla: Fundación Universidad del Norte,
2017. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-86972017000100207&lang=pt>. Acesso em: 04 abr. 2020.
LAWAND JUNIOR, A. E.; VALDEZ SILVA, M. C. G. P.. A Possibilidade
266
ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra
Jurídica da Responsabilização dos Estados Emissores de Bandeiras de Conveniência no Direito Internacional Público por Danos Ambientais. In: OCTAVIANO MARTINS, E. M.; OLIVEIRA, P. H. R. (Org.). Direito Marítimo Portuário e Aduaneiro: temas contemporâneos. v. 3. Belo Horizonte:
Arraes, 2019. p. 1-12.
MENEZES, W.. O Direito do Mar. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão.
2015.
NOAA - National Oceanic and Atmospheric Administration. Science on
a Sphere. Disponivel em: <https://sos.noaa.gov/datasets>. Acesso em: 04
abr. 2020.
REI, F.. International Environmental Law: Approaches Concerning the Influence of Science and Technology. In: REI, F.; GRANZIERA, M. L. M.
(Org.). Global Environmental Issues: law and science. Santos: Leopoldianum.
2017. p. 29-38.
RITTEL, H. W. J.; WEBBER, M. M.. Dilemmas in General Theory of Planning.
In: Policy Sciences n. 4. Amsterdã: Elsevier. 1973, p. 155-169.
SCOVAZZI, T.. The evolution of international law of the sea: new issues,
new challenges. In: Collected Courses of the Hague Academy of International Law. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers. 2000.
SCHRIJVER, N.. The Evolution of Sustainable Development In International Law: Inception, meaning and status. In: Collected Courses of the
Hague Academy of International Law. v. 329. Leiden: Brill. 2007.
TANAKA, Y.. Toward Sustainable Management of Marine Natural Resources. In: KOTZUR, Markus et. al.. Sustainable Ocean Reasources Governance: Deep Sea Mining, Marine Energy and Submarine Cables. Leiden:
Brill Nijhoff. 2018, p. 110-133.
TYLER, P. A.; BAKER, M.; RODRIGUEZ-LLODRÁ, E.. Deep Sea Benthic
Habitats. IN CLARK, Malcolm R. et. Al. (Ed.). Biological sampling in the
deep sea. Hoboken: Wiley-Blackwell. 2016.
WEISS, E. B.. Intergenerational Equity: A legal framework for global environmental change. In: WEISS, E. B. (Ed.). Environmental change and
international law: New challenges and new dimensions. Toquio: United
Nations University Press. 1992.
267
MATA CILIAR, RECURSOS HÍDRICOS E O PROGRAMA
NASCENTES NO ESTADO DE SÃO PAULO: ENFRENTAMENTOS
PARA OFERTA DE ÁGUA.
Andrew Rangel dos Reis1
Cleber Ferrão Corrêa2
ODS 15 - Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas
terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação,
deter e reverter a degradação da terra e deter a perda.
META 15.a - Mobilizar e aumentar significativamente, a partir de todas as
fontes, os recursos financeiros para a conservação e o uso sustentável da
biodiversidade e dos ecossistemas.
INTRODUÇÃO
É
de notório conhecimento que as questões ambientais sempre foram deixadas de lado na trajetória humana, principalmente devido à crença de
que os recursos naturais seriam infinitos. Este conceito, que estava fixado no
inconsciente coletivo humano, apenas começou a ser descontruído após fortes
indícios de finitude e de mudanças climáticas, iminentes, serem apontados em
estudos científicos na década de 70, propiciando a alteração da opinião pública
e consequentemente a pressão sob os governantes e os meios de produção na
busca por soluções.
O ápice deste movimento se deu na década de 1990, momento em que as
forças globais se direcionavam convenientemente para uma união em prol do
bem comum global, o que acabou por não se concretizar.
Depois de 20 anos sem grandes avanços no Regime Internacional de Mudanças Climáticas, o Acordo de Paris e a Agenda 2030 representaram uma lufada de ar fresco na agenda global da sustentabilidade.
Bacharel em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Mestrando do curso
de Direito Ambiental da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Integra o Grupo de
Pesquisa Energia e Meio Ambiente. Advogado.
2
Engenheiro Agrônomo graduado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP). Mestre em Agronomia pelo Departamento de Defesa Fitossanitária da Faculdade de
Ciências Agronômicas da UNESP. Doutor em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências
da UNESP. Docente do Mestrado Profissional em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Católica de Santos.
1
268
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
No âmbito da Agenda 2030, está o décimo quinto objetivo, tendo como
propósito a proteção da vida terrestre, via recuperação de ecossistemas e promoção de usos sustentáveis das florestas, foco deste artigo.
No Brasil, um dos atores subnacionais que apresentaram políticas que se
encaixam no referido objetivo é o Estado de São Paulo (ESP), tendo implementado no ano de 2014 o “Programa Mata Ciliar”, que depois fora renomeado
como “Programa Nascentes”.
Esta política pública foi desenvolvida no ápice da crise hídrica, como forma
de renovar e preservar os ecossistemas atinentes às matas ciliares, incentivando
principalmente o retorno do potencial hídrico às bacias paulistas, principais responsáveis pela produção de água e abastecimento dos mananciais no entorno
da metrópole paulista, encarregados de fornecer água para mais de 21 milhões
de pessoas (população da região metropolitana de São Paulo - RMSP), por meio
da restauração ecológica destes ambientes, aproximando interesses daqueles
que são proprietários de áreas degradadas e daqueles que desejam investir nestes
projetos de recuperação, voluntariamente ou não.
Atualmente, após seis anos do início da implementação desta política pública, este artigo busca responder se há sucesso na execução do programa e sua
eficiência no que se propõe, para tanto pretende analisar com base em pesquisa
bibliográfica e dados técnicos, a importância da proteção e recuperação das matas ciliares, as questões jurídicas por trás do projeto e os propósitos alcançados
com os anos de trabalho do ator subnacional.
2. Ocupação do território paulista e a importância da mata ciliar
para funcionamento dos ecossistemas
Relatos de Henriques (2011) em estudos sobre o planejamento territorial
moderno em São Paulo destacam que o governo paulista no século XIX tem
especial atenção para a questão da ocupação e da exploração econômica dos
espaços disponíveis do território do estado, e que as propostas da moderna agricultura alinhavam-se com as questões do da produção cafeeira e agropecuária na
chamada época da agricultura moderna.
Verifica-se que com a intensificação do comércio internacional um novo
arranjo agrícola paulista, modificado principalmente pela bioenergia com a produção de etanol pelo setor sucroalcooleiro.
O Instituto de Economia Agrícola - IEA em seus estudos sobre a ocupação
e uso do solo agrícola no estado, no período de 1990 a 2015, destaca que a
cana-de-açúcar ocupava pouco menos de 3 milhões de hectares em 2000, e dobrando sua área em 2015 com 6,3 milhões de hectares, que representa 30% da
área rural paulista (ANGELO et al., 2017).
269
Paradiplomacia Ambiental
Nas últimas décadas o ESP apresenta uma evolução nas cadeias de produção agrícola, podendo ser destacado além de cana-de-açúcar as culturas de
laranja, soja, amendoim e milho.
Estudos apoiados pelo Fundo de Pesquisa do ESP (FAPESP, 2018), descrevem as transformações geográficas da ocupação do território paulista devido a
agricultura, com por exemplo, o incremento da produção canavieira que em
1990 produziu 137 milhões de toneladas de cana em 2012 para 406 milhões
de toneladas no ano de 2012. O estado ainda concentra 72% da produção
de laranja, sendo que as exportações brasileiras de suco representam 80% do
comércio mundial, resultando em incremento de novas áreas para o plantio.
Neste cenário da ocupação do território paulista por culturas perenes ou
sazonais, é necessário o acompanhamento da supressão da cobertura vegetal
nativa e sua influência sobre as matas ciliares, devido sua importância para a
manutenção efetiva desses ecossistemas, com destaque tanto para áreas rurais,
quanto para as áreas urbanas.
Com relação à sua biodiversidade, os biomas originais encontrados em território paulista são Mata Atlântica e Cerrado. Estudos descrevem que a Mata
Atlântica recobria aproximadamente 81% da área do ESP, com o restante sendo
ocupado principalmente pelo chamado Cerrado e pelos Campos Naturais.
As matas ciliares, presentes em todos biomas brasileiros, são aquelas situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água com elevada diversidade
biológica, sendo os principais aspectos legais relacionados a elas descritos em
normas, de nível federal e estadual. O tema faz parte de vários pontos da legislação ambiental, como o Código Florestal, a Lei de Crimes Ambientais, normas
infralegais sobre licenciamento e projetos de recuperação, como também na
legislação tributária referente aos imóveis rurais.
Conforme a legislação federal, no que diz respeito à Lei n. 12.651, de 25 de
maio de 2012, em seu Art.3º, Inciso II, as matas ciliares são aquelas situadas ao
longo dos rios ou de qualquer curso d’água e são consideradas de preservação
permanente (APP).
O conjunto de espécies vegetais que compõe as matas ciliares exerce função caracterizada como mantenedora dos recursos naturais. Considerando a
importância das matas ciliares para a conservação da água, o meio abiótico
constituído pelo relevo, solo, clima e água é intimamente relacionado e dependente do meio biótico e devem ser protegidos para que ocorra a conservação da
diversidade biológica (DURIGAN e SILVEIRA, 1999).
O Inventário Florestal da Vegetação Natural do ESP, elaborado por Kronka
et al. (2005), destaca as fitofisionomias florestais presentes no território como a
Floresta Ombrófila Densa Formação com vegetação característica de regiões tropicais com temperaturas elevadas, Floresta Ombrófila Mista definida como “mata
270
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
de araucária ou pinheiral”; Floresta Estacional Semidecidual caracterizada pela dupla estacionalidade climática (uma tropical com período de intensas chuvas de
verão, seguidas por estiagens acentuadas, outra subtropical sem período seco,
e com seca fisiológica provocada pelo inverno); Savana com diferentes fitofisionomias regionalmente denominadas cerrado e cerradão; Mangue; Restinga e a
Vegetação de Várzea, nas quais a mata ciliar é integrante.
As relações da ocupação do solo tanto pelas práticas agrícolas como também pelo desenho do tecido urbano, ou área urbana consolidada, implicam na
supressão de cobertura vegetal nativa e impõe um desequilíbrio da composição
da mata ciliar e das suas relações para manutenção dos ecossistemas, principalmente naqueles de formação ribeirinha ou ciliar presente ao longo dos corpos
hídricos.
Assim, as ações antrópicas nas áreas de mata ciliar comprometem a recarga
do lençol freático que ocasionam a perda de capacidade do reabastecimento e
da produção de água nas nascentes (Valente et al., 2005; Rodrigues, 2006), e
que são agravadas com o desenvolvimento de pastagens para o gado, culturas
agrícolas, reflorestamento com espécies comerciais, extensas áreas de cana-de-açúcar e áreas urbanizadas, que substituíram os ecossistemas originais, cujos
remanescentes atualmente cobrem somente 17,5% do território paulista (SMA/
IF, 2010).
Segundo o Sistema Integrado de Gestão Ambiental (SIGAM, 2020) do ESP,
no território paulista encontram-se cerca de um milhão de hectares de áreas
ciliares desprotegidos e relatos do Programa de Recuperação de Matas Ciliares
do ESP destacam 120 mil km de cursos d’água desprotegidos
O ESP possui dificuldade de implementação de programas de recuperação
de matas ciliares de grande abrangência devido à existência de grande extensão
de áreas ciliares sem vegetação nativa. Com isso, desenvolver instrumentos metodológicos e estratégias para viabilização de programas de restauração de matas
ciliares de longo prazo e abrangência territorial estadual se faz necessário para
amparar a conservação da biodiversidade, reduzir a porcentagem de áreas erodidas e consequentemente o assoreamento dos corpos hídricos.
Nesta direção desde 2005 o ESP desenvolve o “Projeto de Recuperação das
Matas Ciliares”, que tem início na parceria com o Global Environment Facility
(GEF)3 do Banco Mundial, tornando-se um dos projetos ambientais estratégicos
da Secretaria do Meio Ambiente, como será visto em capítulo próprio.
A mesma secretaria relata que no ESP há 3,398 milhões de hectares cobertos por vegetação nativa que representam 13,7% de sua área total. Entretanto,
a vegetação remanescente distribui-se de forma heterogênea e se concentra nas
áreas de maior declividade, na Serra do Mar e nas unidades de conservação
3
Fundo Global para o Meio Ambiente.
271
Paradiplomacia Ambiental
administradas pelo poder público. Vastas áreas se acham praticamente desprovidas de vegetação nativa.
Para o Estado de São Paulo, a Resolução SMA N° 32 de 2014 considera
prioritário os Projetos de Restauração Ecológica com destaque para área - localizadas em Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos - UGRHi com
baixa cobertura vegetal nativa; corroborando com a recuperação florestal que
exige diversidade elevada, compatível com o tipo de vegetação nativa ocorrente no local, destacando as diversas técnicas para o adequado manejo como o
plantio de mudas, nucleação, semeadura direta, indução e/ou condução da
regeneração natural.
O Inventário Florestal da Vegetação Nativa no ESP descreve que a antiga
cobertura original de mata atlântica e de cerrado foi substituída por diversos
fragmentos remanescentes. Cerca de 106.360 fragmentos remanescentes foram
levantados no Estado, sendo que de 80% desses fragmentos apresentaram menos de 0,2 km2 e somente 0,5 % apresentam mais de 5 km2. Além da própria
fragmentação, há o agravante de que o tamanho da maioria das manchas de
vegetação natural remanescentes é bem reduzido, a ponto de comprometer a
manutenção da diversidade biológica (KUNTSCHIK et al, 2011).
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo publicou a Resolução SMA 72, de 18 de julho (DOE de 20/7/2017), que revogou a Resolução
SMA 31/2009, sobre o licenciamento de supressão de vegetação nativa para parcelamento do solo, condomínios ou qualquer edificação em área urbana. Esta
determina que autorização para supressão de vegetação somente será concedida
quando for garantida a preservação da vegetação nativa em, no mínimo, 20%
da área total da propriedade. No caso de parcelamento do solo, esse percentual
deve ser aplicado apenas na área a ser parcelada ou na área do condomínio, não
incidindo sobre eventuais áreas remanescentes da propriedade.
Assim, a preservação das matas ciliares está diretamente ligada ao parcelamento do solo, ao manejo de bacias hidrográficas e a preservação e melhoria
da água tanto quanto à quantidade e qualidade, além de seus interferentes em
uma unidade geomorfológica da paisagem como forma mais adequada de manipulação sistêmica dos recursos de uma região e apresenta grande complexidade.
Corroborando com os estudos de Amorin et al., (2008), nos quais relatam que
a interação entre os diversos atributos do sistema natural e do sistema antrópico
permite a identificação dos atributos responsáveis pela dinâmica da paisagem,
como também identificar as principais fragilidades ambientais de cada unidade,
elemento essencial na gestão do território.
3. Restauração ecológica como campo de conhecimento
O campo da restauração ecológica, em conceito e prática, é ainda pouco ex272
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
plorado e experimentado pela sociedade global, isto se deve pela questão fática
de a preocupação com o meio ambiente e os ecossistemas ser recente, e a busca
de soluções, ainda mais contemporânea.
No entanto, quando é implementada com sucesso, apresenta efeitos claros
e resultados positivos, promovendo, por exemplo, a segurança hídrica, o funcionamento ecossistêmico adequado e, no limite, o bem-estar e a saúde humana.
Desta forma, com o intuito de popularizar e assentar o tema como método
de recuperação dos danos causados aos ecossistemas, engajando governos e a
sociedade, tem sido intensa a discussão da academia sobre o conceito, contando
principalmente com o incentivo de associações globais em prol da restauração
ecológica.
Uma das mais respeitadas associações ligadas ao tema, a Society for Ecological
Restoration (SER)4, nomeia-se como uma rede global dinâmica, possuindo membros em mais de 70 países, visando a divulgação do tema levando em conta
ciência, prática e políticas de restauração ecológica, com a finalidade de apoiar
a biodiversidade, melhorar a resiliência em relação às mudanças climáticas e
restabelecer a saúde dos ecossistemas. Neste sentido, uma das mais importantes
publicações sobre o tópico, vem a ser a “International Principles and Standards for
the Practice of Ecological Restoration”5 (GANN, G. D. et al., 2019), publicada em
sua segunda edição em novembro de 2019, apresentando uma robusta pesquisa
para guiar os projetos de restauração ao alcance de suas metas.
Este referencial apresenta oito princípios básicos que sustentam a implementação da restauração ecológica, nomeadamente: Ecological restoration engages
stakeholders; Ecological restoration draws on many types of knowledge; Ecological restoration practice is informed by native reference ecosystems, while considering environmental change; Ecological restoration supports ecosystem recovery processes; Ecosystem
recovery is assessed against clear goals and objectives, using measurable indicators; Ecological restoration seeks the highest level of recovery attainable; Ecological restoration
gains cumulative value when applied at large scales e Ecological restoration is part of a
continuum of restorative activities 6.
O mesmo documento também apresenta padrões de práticas para auxiliar
no desenvolvimento dos projetos e implementações de restaurações ecológicas,
que consistem em quatro grupos: planning and design; implementation; monitoring,
Sociedade Internacional para Restauração Ecológica (tradução livre).
Princípios internacionais e Padrões para a Prática da Restauração Ecológica (tradução livre).
6
Engajamento dos atores na restauração ecológica; a restauração ecológica é multidisciplinar; a
restauração ecológica deve ter como fonte os ecossistemas nativos, considerando as mudanças
climáticas; a restauração ecológica deve suportar o processo natural de restauração; a restauração
ecológica deve ter metas e objetivos claros, utilizando indicadores mensuráveis; a restauração ecológica deve sempre buscar o maior nível de recuperação possível; a restauração ecológica tem mais
valor quando utilizada em larga escala e a restauração ecológica é parte das ações de restauração
(tradução livre).
4
5
273
Paradiplomacia Ambiental
documentation, evaluation and reporting e post-implementation maintence 7.
Neste sentindo é importante documentar que Juan F. Fernández-Manjarrés,
Samuel Roturier e Anne-Gaël Bilhaut (2018) asseveram sobre a importância
de não se esquecer das questões sociais ligadas à restauração ecológica. Na visão destes autores a restauração deveria ter como foco, em alguns casos, além
da recomposição do ecossistema, a vida digna das populações que ali vivem,
observando o que eles chamam de “minimum living standards”8. Assim, nestas situações, a restauração deveria ter como esforço primário a solução dos gargalos
sociais advindos dos ecossistemas afetados, ao invés de ser efeito secundário,
para em seguida propiciar-se uma situação de reestabelecimento ambiental.
Esta simbiose entre a questão social e ambiental é nomeada como social-ecological systems9 e se diferencia da opinião da SER nas prioridades, particularmente na preferência de ações de restauração visando o benefício direto dos seres
humanos na recuperação dos minimum living standards, no auxílio ao processo
de cura dessas populações, principalmente após desastres ambientais e na observância de que existe uma forte dependência de fontes externas de financiamento em algumas ocasiões, sobretudo nos locais onde a população não teria
condições de iniciar ou manter a restauração ecológica.
4. Marco de gestão dos recursos hídricos e a crise hídrica paulista
A gestão dos recursos hídricos no Brasil é orientada pela Política Nacional
de Recursos Hídricos (PNRH), instituída pela Lei n. 9.433/97. A PNRH é implementada pela atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos
Hídricos (SINGREH), no qual está o Conselho Nacional de Recursos Hídricos
(CNRH), reestruturado pelo Decreto federal n. 10.000 de 2019 e a Portaria n.
2.765 de 2019 que define os seus membros.
A gestão dos recursos hídricos é de interesse geral, e esta diretamente relacionada à importância da restauração ecológica, pois trata-se de bem de domínio público utilizado para a manutenção da vida. Devido a isso, essa gestão
deve ser realizada de modo democrático, com a participação da União, Estados,
Municípios e a sociedade civil organizada nas esferas do planejamento, do gerenciamento e do uso da água.
Para essa gestão no ano de 1987, no ESP, ocorre respectivamente a criação
do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e do Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (CORHI), através do Decreto n.
27.576/87.
Planejamento e design; implementação; monitoramento, documentação; avaliação e relatórios
e manutenção pós implementação (tradução livre).
8
Padrões mínimos de vida (tradução livre).
9
Sistemas ecológico-sociais (tradução livre).
7
274
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
No ano de 1991 é promulgada a nova Constituição do ESP contendo, em
sua Seção II - Dos Recursos Hídricos, a instituição de um sistema de gerenciamento descentralizado, participativo e integrado. Neste mesmo ano acontece
um marco na gestão de recursos hídricos do Estado e do país com a aprovação da Lei n. 7663/91 que estabelece a Política Estadual de Recursos Hídricos
(PERH) e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH) e o Decreto n. 32.954/91 aprova o primeiro PERH, que desde então é
periodicamente revisado.
No ano de 1993 é regulamentado o Fundo Estadual de Recursos Hídricos
(FEHIDRO), pelo Decreto n. 37.300/93 e ocorre a adaptação do Conselho
Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (CORHI) para uma composição tripartite pelo
Decreto n. 36.787/93.
Segundo o PERH 2004-2007 o ESP possui em seu território sete bacias
hidrográficas, definidas e delimitadas, sendo elas: Bacia do Rio Tietê (Área:
72.391 km2), Região Hidrográfica da Vertente Paulista do Rio Grande (Área:
56.961 km2), Bacia do Rio Paraíba do Sul (Área: 14.444 km2), Região Hidrográfica da Vertente Litorânea (Área: 21.834 km2), Região Hidrográfica da Vertente Paulista do Rio Paranapanema (Área: 51.833 km2), Região Hidrográfica
Aguapeí/Peixe (Área: 23.965 km2) e Região Hidrográfica de São José dos Dourados (Área: 6.783 km2).
Essas bacias são também comumente chamadas de regiões hidrográficas,
sendo que nestas sete regiões estão inseridas as 22 unidades hidrográficas de
gerenciamento de recursos hídricos (UGRHIs) do estado.
As regiões hidrográficas do Estado são delimitadas naturalmente pelos divisores de água e constituídas por seus rios estruturantes, com exceção da região
litorânea, os rios estruturantes nomeiam as regiões hidrográficas, em virtude
da importância que eles têm para a formação das bacias (SÃO PAULO, 2005).
Um longo processo de articulação entre os órgãos responsáveis pela gestão
ambiental e de recursos hídricos do ESP resultou na atual estruturação do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH), com a missão
de indicar ações referentes à gestão de recursos hídricos de São Paulo, sendo
este tripartite com representação das prefeituras municipais, as entidades ligadas ao saneamento básico e a sociedade civil organizada.
Os marcos de gestão dos recursos hídricos no ESP (Figuras de 1 a 4) são
caracterizados pela constituição estadual com estabelecimento de gestão descentralizada, participativa e integrada.
275
Paradiplomacia Ambiental
276
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
No levantamento da série histórica de decretos publicados pelo ESP observa-se a adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento, o reconhecimento da água como um bem público de valor econômico,
conceitos constantemente reforçados nesses documentos.
No Brasil o monitoramento hidrológico ocorre em estações pluviométricas
e fluviométricas da Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN), responsável por
fornecer informações sobre a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos
superficiais e subterrâneos em todo o território nacional.
Na Região Hidrográfica do Paraná é observado desde 2014 uma diminuição
dos níveis de armazenamento dos reservatórios impactando no armazenamento de água. Dados da Agência Nacional de Águas (ANA, 2019) relatam que o
armazenamento na bacia do Paraná no ano de 2018 foi inferior ao observado
em 2017.
A ANA ainda relata que o Sistema Cantareira em São Paulo apresentou
diminuição de seus níveis, ocasionado a crise hídrica de 2014/2015. Esta afetou
o abastecimento da RMSP, a maior aglomeração populacional do Brasil, localizada em área de cabeceiras da Região Hidrográfica do Paraná, e da bacia do Rio
Paraíba do Sul.
277
Paradiplomacia Ambiental
Apesar da importância dos impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos devido a alteração das séries hidrológicas, estudos publicados
por Marengo et al. (2015) sobre a seca e a crise hídrica nesse período relatam a
impossibilidade de relacionar diretamente as questões de mudança climáticas
ou o desmatamento aos episódios específicos da seca na RMSP.
Os eventos hidrológicos estão diretamente relacionados com o abastecimento de água para as populações e também são importantes, segundo o Balanço Energético do ESP (2018), para geração de hidroeletricidade por potencial
hidrelétrico, possível de ser aproveitado e intimamente ligado a economia do
estado e influenciada por crises hídricas no território paulista.
Devido a esses eventos foi lançado o Plano Nacional de Segurança Hídrica
(PNSH) pela ANA, no ano de 2019, em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Este plano trata de modo estratégico as principais
intervenções estruturantes necessárias para garantir a oferta de água para o abastecimento humano e para o uso em atividades produtivas.
A Segurança Hídrica deve estar associada ao entendimento dos principais
problemas de acesso à água, entre eles a preservação das matas ciliares com
olhar integrado às adversidades dos eventos hidrológicos.
5. O surgimento do Programa Nascentes
A preocupação com as nascentes no ESP, como já mencionado anteriormente, tem início em 2005 com a edição do decreto 49.723 que instituiu o
Programa de Recuperação de Zonas Ciliares do ESP. Sua execução se dava pelo
Projeto de Recuperação de Matas Ciliares (PRMC), tendo como fonte de financiamento o GEF, implementado pelo Banco Mundial, num valor de U$7,75
milhões, perseguindo os objetivos de desenvolver políticas públicas; apoiar a
restauração sustentável; realizar projetos demonstrativos; incentivar a capacitação, educação ambiental e treinamento, bem como a gestão, monitoramento e
a difusão de instrumentos, metodologias e estratégias de longo prazo.
Um dos principais marcos normativos relacionados a este tema, também
vem a ser a lei estadual n. 13.007/08, que instituiu o Programa de Proteção e
Conservação das Nascentes de Água, que previa entre seus objetivos a necessidade de o Poder Executivo estudar e implantar ações para a recomposição de
matas ciliares.
Ao longo do desenvolvimento do PRMC se constatou a dificuldade de
restauração ecológica das matas ciliares, especificamente no que se refere ao
escasso conhecimento da área de restauração ecológica, aos custos elevados,
dificuldade de obtenção de mudas com diversidade de espécies, falta de mão
de obra especializada e a sazonalidade do período de plantio, tendo o estado,
com a intenção de enfrentar essa situação, desenvolvido e incentivado estudos
278
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
e práticas para diminuir os custos de recuperação (KUNTSCHIK et al, 2011).
Neste sentido, com o encerramento do PRMC no ano de 2011, surge o
Programa Nascentes no ano de 2014, em origem, como Programa Mata Ciliar,
inicialmente em âmbito exclusivo das Secretarias de Saneamento e Recursos
Hídricos e de Agricultura e Abastecimento, inerentemente setorial.
Posteriormente teve seu nome alterado, ganhando, além disso, status de
Programa de Governo, ao deixar as pastas onde havia se desenvolvido e passar a
contar com a presença multidisciplinar de diferentes órgãos e entidades.
Sendo notável que o desenvolvimento do programa ocorreu antes mesmo
das metas de desenvolvimento sustentável da agenda 2030, fato que demonstra
a vanguarda do ESP na dinâmica global do meio ambiente ao tomar decisões,
como estado subnacional, que permeiam e respondem a causas ambientais globais, em consonância com o Direito Ambiental Internacional.
6. O Programa Nascentes
O Programa Nascentes, na intenção de recompor as matas ciliares e o
equilíbrio ecossistêmico afetado pela ação antrópica, apresenta alguns pontos
principais.
Um dos feitos mais relevantes é o fato de incluir diversos atores no enfrentamento da problemática. Outrora certamente constituir-se-iam legislações
de comando e controle com a finalidade de obrigar os proprietários das localidades afetadas a recompor o status quo ante - modalidade de legislação que tem
sua importância, mas se mostra ineficiente em situações multidisciplinares, que
apresentam altos graus de complexidade e diversos atores.
Assim, astuciosamente, ao invés vincular a participação, são chamados a
participar os vários atores - como aqueles que tem de compensar e aqueles que
desejam recompor, ampliando seu envolvimento a um nível que não seria alcançado em situações regulares, ou seja, como principais solucionadores das adversidades, é possível avançar, sem maiores litígios, alcançando melhores resultados
em menor tempo, engajando inclusive voluntários na resposta às dificuldades.
As pessoas que tenham sido multadas podem converter suas multas até um
total de 90%, desde que ainda não tenham sido inscritas na dívida ativa. Segundo a resolução SMA n. 51/16, é considerado um valor de 2.000 UFESP para
cada hectare de um projeto de restauração ecológica, devendo o valor mínimo
a ser convertido ser suficiente para restaurar 1 hectare.
O cumprimento da obrigação é atestado quando são atingidos os parâmetros de recomposição estabelecidos no anexo I da resolução SMA n. 32/14.
Isto deve acontecer em no máximo três anos, prorrogáveis por mais dois com
justificativa técnica.
279
Paradiplomacia Ambiental
Outro fator importante é o fornecimento de um ambiente online de acesso
facilitado a todos os atores. O Sistema Informatizado de Apoio à Restauração
Ecológica (SARE), faz parte do Sistema Integrado de Gestão Ambiental (SIGAM) e constitui uma plataforma de online de cadastro e monitoramento de
todos os projetos de restauração ecológica no ESP. Inicialmente os proprietários
registram locais disponíveis para recuperação ecológica e, se quiserem ir além,
podem inclusive já anexar um projeto de execução.
A partir desse sistema é possível executar um diagnóstico inicial da situação
do local, sendo possível assim a gestão da informação, contribuindo com a rastreabilidade e o acompanhamento dos projetos.
Os interessados em investir na recuperação, por sua vez, contam com uma
base de dados organizada por localizações prioritárias e projetos prontos para
serem colocados em prática.
O programa também conta com um processo de outorga de Certificado e Selo Nascentes, incentivando pessoas físicas e jurídicas a investir no programa de restauração ecológica. Essencial notar que há uma espécie de modulação
no procedimento de outorga, diferenciando os investimentos voluntários e os
por força de lei. Para ter direito ao uso do Certificado e do Selo são necessários
projetos de restauração de no mínimo 10 hectares. Especialmente para os que
fazem parte do programa em cumprimento de obrigação legal, há a necessidade
de se terem restaurado 10 hectares adicionais ou o dobro da área prevista pela
obrigação legal.
6.1. Regulamentação
O programa foi regulamentado via decreto determinando duas pastas do
Governo Estadual como responsáveis, posteriormente vindo a se tornar um
programa de governo, envolvendo diferentes secretarias e órgãos. Atualmente
fazem parte do comitê gestor: A Casa Civil; o Departamento de Águas e Energia
Elétrica – DAEE; a Fundação Florestal; Fundação Instituto de Terras do Estado
de São Paulo – ITESP; a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB; a Companhia Energética de São Paulo – CESP e as secretarias de Governo; Infraestrutura e Meio Ambiente; Agricultura e Abastecimento; Desenvolvimento Econômico; Segurança Pública; Fazenda e Planejamento; Administração
Penitenciária; Educação e Justiça.
Atualmente as legislações regulamentadoras do programa são, por ordem
cronológica: Resolução conjunta SMA/SSRH n. 01 de 05 de junho de 2014;
Resolução SMA n. 32 de 03 de abril de 2014; Portaria CBRN n. 01/2015; Resolução SMA n. 07 de 07 de dezembro de 2017; Resolução SMA n. 157 de 07 de
dezembro de 2017; Decreto n. 62.914 de 8 de novembro de 2017 e Resolução
n. 40 de 06 de abril de 2018.
280
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
Complementam o arcabouço jurídico as legislações de Conversão de Multas Administrativas e Conversão de Medidas Administrativas, quais sejam: Resolução SMA n. 51 de 31 de maio de 2016 e alterações; Resolução SMA n. 48
de 26 de maio de 2014 e alterações; e Portaria CFA n. 01 de 12 de janeiro de
2018 e alterações.
281
Paradiplomacia Ambiental
6.2. Alcance do Programa Nascentes
Segundo informações requeridas à SMA, obtidas via lei de acesso a informação, até o dia 29 de janeiro de 2020, estão em processo de restauração ecológica
17.882 hectares, distribuídos em 3.209 projetos, em 404 municípios do ESP.
Ainda segundo informações disponíveis no site do programa, já foram plantadas 29.806.477 mudas, em um espaço equivalente a 25.045 campos de futebol.
CONCLUSÃO
Após análise histórica e técnica dos dados relacionados às bacias hidrográficas
e o bioma da mata ciliar, é possível concluir que o sistema de gerenciamento dos
recursos hídricos ainda possui desafios, observados e descritos anualmente nos
Relatórios de Situação dos Comitês de Bacias implementados. Entre eles a recuperação das matas ciliares; o saneamento básico para aglomerados subnormais,
a plena operacionalização do sistema de outorgas de uso da água; estudos sobre
a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; ampliação plena da operacionalização do banco de dados do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos; e a
própria sistematização técnica dos dados das bacias para subsídio na elaboração
de novos PERHs.
O caminho para se chegar a um bom nível de segurança hídrica deve estar
associado a uma estrutura de governança que proporcione um olhar integrado
para os principais problemas de acesso à água, como também associando o desenvolvimento econômico com olhar sustentável e, principalmente, resiliente
junto aos biomas distribuídos pelo território paulista, especialmente as matas
ciliares que protegem as nascentes.
Neste sentido o Programa Nascentes é um bom modelo de ação institucional de um ator subnacional, ESP, que serve como exemplo de resposta aos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, atingindo vários
deles, de forma transversal.
No entanto, diante da perspectiva da SMA de restaurar 1 milhão de hectares, são necessários maiores esforços, uma vez que em seis anos de programa
estão em procedimento de restauração apenas 17.882 hectares.
De toda forma, são notáveis os desafios de implementação de uma política
pública visando a restauração ecológica de um bioma tão rico e extensamente
degradado, assim, apesar de ser necessária sua intensificação, parece dar resultados positivos, diante do seu ainda curto período de vida.
282
Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo
REFERÊNCIAS
Amorim, R. R.; Oliveira, R. C. de. As unidades de paisagem como uma
categoria de análise geográfica: o exemplo do município de São Vicente-SP.
Rev. Sociedade & Natureza. Uberlândia, 20 (2): 177-198, dez. 2008.
ANGELO, J. A.; GHOBRIL, C. N.. Estudos sobre a ocupação e uso do solo
agrícola no estado de São Paulo: período de 1990 a 2015. Análise e Indicadores do
Agronegócio. 2017. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/TerTexto.
php?codTexto=14314. Acesso em: 19 abr. 2020.
BRASIL. ANA. Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos recursos hídricos
no Brasil 2019: informe anual. Brasília: ANA. 2019.
DURIGAN, G.; SILVEIRA, E. R.. Recomposição da mata ciliar em domínio
de cerrado, Assis, SP. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 1, n. 56, p. 135-144,
1999.
FAPESP. Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Contribuição
da FAPESP ao desenvolvimento da agricultura do Estado de São Paulo.Org. Paulo Fernando Cidade de Araújo, Alexandre Nicolella. São Paulo: FAPESP.
2018.
FERNÁNDEZ-MANJARRÉS, J. F. et al. The emergence of the social-ecological
restoration concept. Restoration Ecology Vol. 26. n. 3, pp. 404–410. Maio de
2018. Acesso em: 20 mar. 2020.
GANN, G. D. et al. International principles and standards for the practice of
ecological restoration. Second edition: September 2019. Washington, DC,
Estados Unidos. 2019. Disponível em: <https://cdn.ymaws.com/www.ser.
org/resource/resmgr/docs/ser_international_stand_11.1.pdf>. Acesso em:
21 mar. 2020.
HENRIQUES, A. B.. A moderna agricultura no final do século XIX em São
Paulo: algumas propostas. História, Franca, v. 30, n. 2, p. 359-380, Dec.
2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742011000200017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19
abr. 2020.
KRONKA, F. J. N. et al. Inventário Florestal da Vegetação Natural do Estado de
São Paulo 2005. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente/Instituto Florestal. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. 200 p.
KUNTSCHIK, D. P.; EDUARTE, M.; UEHARA, T. H. K.. Matas ciliares.
Secretaria do Meio Ambiente, Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais. 1. ed. atualizada. São Paulo: SMA. 2011.
MARENGO, J, A.; NOBRE, C. A.; SELUCHI, M. E.; CUARTAS, A.;
ALVES, L. M.; MENDIONDO, E. M.; OBREGÓN, G.; SAMPAIO, G..
283
Paradiplomacia Ambiental
A seca e a crise hídrica de 2014-2015 em São Paulo. Revista USP. São Paulo: n.
106. 2015. p. 31-44.
RODRIGUES V. A.. Recuperação de nascentes em microbacias da Cuesta
de Botucatu. In: Rodrigues VA, Bucci LA. Org. Manejo de microbacias hidrográficas: experiências nacionais e internacionais. Botucatu: FEPAF. 2006.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos
(SSRH). Coordenadoria de Recursos Hídricos (CRHi). Situação dos Recursos
Hídricos no Estado de São Paulo: 2015. São Paulo: SSRH/CRHi, 2017.
Disponível em: <http://www.sigrh.sp.gov.br/public/uploads/ckfinder/
files/RSE_2016_Final_Recursos_Hidricos.pdf>. Acesso em: mar. 2020.
______. Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Conversão de multas.
Disponível
em:
https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/
programanascentes/conversao-de-multas/. Acesso em: 20 de abr. 2020.
______. Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Encontre seu projeto. Disponível em: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/programanascentes/encontre-seu-projeto/. Acesso em: 20 abr. 2020.
______. Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Instituto Florestal (IF). Inventário Florestal da Vegetação Natural do Estado de São Paulo 2008/2009. São
Paulo: SMA/IF, 2010. Disponível em: <http://www. iflorestal.sp.gov.br/
sifesp/index.htm>. Acesso: em mar. 2020.
______. Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Legislações Programa Nascentes. Disponível em: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.
br/programanascentes/institucional/legislacao/. Acesso em: 20 mar. 2020.
______. Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Manual de orientação para
cadastro de projetos na prateleira. Disponível em: https://sigam.ambiente.
sp.gov.br/sigam3/repositorio/530/documentos/Manual%20de%20Orienta%C3%A7%C3%B5es%20para%20Cadastro%20de%20Projetos%20
de%20Prateleira_set19.pdf. Acesso em: 20 de abr.2020.
______. Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Prateleira de projetos.
Disponível
em:
https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/
programanascentes/prateleira-de-projetos/. Acesso em: 20 de abr. 2020.
______. Secretaria do Meio Ambiente (SMA). Programa Nascentes. Disponível em: http://www.programanascentes.sp.gov.br/. Acesso em: 20 abr.
2020.
SIGAM. Sistema Integrado de Gestão Ambiental. Projeto de Recuperação de
Matas Ciliares. Disponível em: <https://sigam.ambiente.sp.gov.br/sigam3/
Default.aspx?idPagina=6490>. Acesso em: 10 mar. 2020.
VALENTE, O. F.; GOMES, M. A.. Conservação de nascentes: hidrologia e manejo
de bacias hidrográficas de cabeceiras. Viçosa, MG: Aprenda Fácil. 2005, 210 p.
284
MAINSTREAMING BIODIVERSITY:
GOVERNMENT EXPERIENCE 1
THE
SUBNATIONAL
Maria Luiza Machado Granziera2∗
Renata Gomez 3∗
SDG 15 - Protect, restore and promote sustainable use of terrestrial ecosystems, sustainably manage forests, combat desertification, and halt and reverse land degradation and halt biodiversity loss
INTRODUCTION
A
ccording to the summary of the 2019 Global Assessment Report on
Biodiversity and Ecosystem Services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), biodiversity is
declining faster than ever before in human history, and the biosphere – upon
which all life on earth depends – is being altered to an unparalleled degree
across all spatial scales.
The past 50 years have been crucial to the acceleration of negative trends
affecting biodiversity all over the world. In response to the global crisis and to
curb the loss of biodiversity, Parties agreed on a Strategic Plan for Biodiversity
2011-2020, including 20 ambitious conservation targets to safeguard biodiversity worldwide. But, according to the latest information available, it is likely that
most of these targets will not be met by 2020 if current trajectories remain the
same.
The IPBES summary report identified five direct drivers that have the most
impact on terrestrial and freshwater ecosystems: changes in land and sea use, direct exploitation of organisms, climate change, pollution, and invasion of alien
species. They also concluded that “business as usual” is not an option and will
instead drive societies and economies to more risk. They recalled that the human exploitation of natural resources has pushed a million plant and animal
species to the brink of extinction and concluded that it is only through transformative change across economic, social, political and technological systems
This paper was produced for Regions4 and is now officially an “information document” for the
3rd meeting of the Subsidiary Body on Implementation to the Convention on Biological Diversity. Access: https://www.cbd.int/meetings/SBI-03
2
Maria Luiza Machado Granziera: Associate Professor of the Post-Graduation in Law at the Catholic University of Santos. Lawyer in São Paulo, Brazil.
3
Renata Gomez: Biodiversity Programme Manager at Regions4. Specialized in the coordination
of projects that join efforts of civil society, private initiatives, and government to empower subnational governments and regions.
1
285
Paradiplomacia Ambiental
that we can reverse and stop biodiversity loss. On a more positive note, they
also mentioned that “it is not too late to make a difference, but only if we start now,
at every level, from global to local (IPBES, 2019)”.
Fundamental, system-wide transformation across sectors involves a change
in paradigms, goals and values. Including the most influential actors involved
in implementation processes is essential to drive the transformative change we
need so badly. Though international commitments are made on a global scale,
it is only at the subnational level that implementation occurs, and subnational
governments are, therefore, indispensable features of the post-2020 biodiversity
framework dialogues and negotiations.
Led by the Advisory Committee on Subnational Governments and Biodiversity4, a permanent structure officially recognised by the Convention on
Biological Diversity (CBD) through Decision X/22 of COP 10, this report aims
to bring the voice of subnational governments into the post-2020 global biodiversity framework process and identify existing strategic actions that can help to
achieve further progress on mainstreaming biodiversity.
The following report will present how subnational governments contribute
to this much-needed transformative change and provide information on their
importance in linking the different levels of government to the actions needed
for mainstreaming biodiversity into and across all sectors of modern human
life. We will explore the potential of subnational governments and advance
solutions and ideas to overcome the impediments to embedding biodiversity
considerations into all sectors, and to enthusiastically advance into new paradigms, goals and societal values. This includes identifying and analysing four main
themes: capacity-building and training needs for mainstreaming biodiversity;
opportunities to develop and strengthen partnerships; mechanisms to monitor
the implementation of actions to advance the mainstreaming of biodiversity;
and obstacles that block mainstreaming of biodiversity in regulations, processes,
policies and programmes at the subnational level. The participating regions,
members of the AC SNG, provided in-depth information and jointly worked
with the authors of the report in reviewing its final conclusions.
The Advisory Committee on Subnational Governments and Biodiversity (AC SNG) is a permanent structure officially recognized by the CBD through Decision X/22 of COP 10 that aims
at bringing the voice of regions to the biodiversity agenda. Regions4 (formerly the nrg4SD),
together with the government of Quebec, coordinates the AC SNG. Its partners are the Regions4 Biodiversity Learning Platform, the Group of Leading Subnational Governments to the
Aichi Biodiversity Targets, the European Committee of the Regions and the Association of Fish
& Wildlife Agencies. Among its current members are the subnational governments of Aichi,
Andra Pradesh, Auvergne-Rhone-Alpes, Basque Country, Campeche, Catalonia, Fatick, Gangwon, Goias, Gossas, Lombardy, North Rhine Westphalia, Ontario, Palawan, Paraná, Québec,
São Paulo, Sichuan, Wales and Walga.
4
286
Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience
1. Capacity-building and training needs for mainstreaming
biodiversity
1.1 Technical capacities within institutions
Technical capacities are among the principal needs for the successful implementation of any strategy, especially when it comes to mainstreaming biodiversity. The challenge of embedding biodiversity considerations into policies,
strategies and practices of key public and private agencies that impact or rely on
biodiversity is tremendous, and while political support is important, technical
capacities to design and implement these processes are vital.
When designing and implementing biodiversity actions, technical capacities appear among the greatest strengths of subnational governments. Biodiversity agencies and divisions within public institutions are often composed of biologists, foresters, agricultural engineers, environmental scientists, geographers,
geologists, urban planners, zoologists, economists, and lawyers. Therefore, subnational governments can play a critical role in providing technical capacities
for implementing biodiversity conservation actions.
As a result of the variety of expertise at the subnational level of government,
and when discussing training needs for mainstreaming biodiversity, it seems
pertinent to apply the new development paradigm of ‘capacity development’
(OECD, 2006) – based on local ownership and partnership with beneficiaries
in order to recognise existing capacities and develop an endogenous process of
change.
It is also noticeable that capacity-building is often linked to institutional
partnerships and technical alliances, in which sharing information, technical
knowledge and capacity are an important component of the cooperation agreement. Foundations and research centres, either linked or sponsored by subnational governments, tend to set learning programmes to transfer expertise and
technical skills to public officials and to the private sector.
Campeche (Mexico) is currently working with the Panthera Foundation to
monitor the Jaguar Corridor of the Yucatan Peninsula. Monitoring activities
are mainly focused on the Balam-Kú Natural Protected Area. The initiative is
supported by local NGOs, the private sector and the Autonomous University
of Juarez Tabasco. The objective is to provide technical equipment and build
capacities of local communities and governments to provide a safe environment
for the jaguars of the area.
1.2 Knowledge gaps and financing for capacity building
Most subnational governments have channels to identify technical gaps and
287
Paradiplomacia Ambiental
training needs. In most cases, annual reports on biodiversity evaluate implementation needs in relation to human resources, as well as provide advice and
tentative training strategies and plans. Additionally, surveys and workshops are
conducted to ascertain current local capacities to implement a new measure,
programme or action. What seems to be the key to unlocking successful actions
on the ground is the investment, or lack thereof, in fostering institutional capacities.
Though most Subnational Biodiversity Strategies and Action Plans5 (SBSAPs) consider investing in capacity development, most rely on international
support networks and agencies to address their technical capacity gaps. It is
worth noting that stronger subnational economies tend to have the financial
capacity to foster and strengthen information and monitor systems related to
biodiversity. However, it represents a small portion of the total amount invested
by these subnational governments in comparison to the rest of its institutional
capacities.
The region of Lombardy (Italy) recently launched LIFE GESTIRE2020, an
innovative project for the conservation of biodiversity, co-financed by the European Commission in the framework of the LIFE+ Programme. The aim is to
achieve the biodiversity conservation goals set out in the Habitats and Birds
Directives. Using an integrated and multi-funding approach, GESTIRE2020 is
a complex project that consists of 64 actions that consider the training of public officials in all of its stages, including preparatory actions, concrete actions,
monitoring actions, communication actions, and management actions (NATURACHEVALE, 2020).
1.3 Subnational initiatives to build institutional capacities
Numerous subnational governments have a clear understanding of their
capacity and training needs for mainstreaming biodiversity. One of the main
concerns is related to communication and awareness. It is perceived that decision makers could potentially ignore, or not fully understand, the severity of
any given environmental crisis if the message is not delivered in an accessible
manner.
Additionally, there is the challenge of highlighting the value of biodiversity
and ecosystem services and embedding it into decision-making processes at all
levels. The lack of a structured approach to estimating the wide range of benefits
provided by ecosystems and biodiversity and the inability to demonstrate at all
times their values in economic terms seem to be two of the strongest needs for
successfully mainstreaming biodiversity.
Among the initiatives to alleviate the above-mentioned needs, there is the
5
Find all SBSAPs submitted to CBD at: https://www.cbd.int/nbsap/related-info/sbsap/.
288
Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience
creation of multi-sector platforms and communication channels that intend to
incorporate the interest of sectors possibly facing environmental challenges like
agriculture, livestock, forestry, fisheries, and tourism. As it has been mentioned,
initiatives led by international organisations and knowledge exchange platforms
are also key in responding to challenges related to the integration of biodiversity
at the subnational level.
1.4 Collaboration and support for capacity building
Even though the needs for collaboration and support on capacity-building
topics are numerous, they could potentially be met by relying on a robust system of knowledge and technical expertise exchange that could connect and
financially support technical experts from different regions of the world. North-South, South-South and triangular cooperation hold tremendous potential
for subnational governments willing to develop their areas of knowledge and
influence within their own regions.
International collaboration to assist subnational governments in addressing
global biodiversity challenges such as wildlife trafficking, invasive alien species
and biosecurity are among the highest pressures on biodiversity that could potentially bring together experts from different regions of the world affected by
the same problem. Furthermore, there is an urgency to develop or strengthen
already existing support networks for capacity-development specifically addressed to subnational governments.
The Government of Gossas (Senegal) actively collaborates with Senegal’s
CBD Focal Point, the National Parks Directorate, to foster technical capacities of agents of the Departmental Council. The training and capacity-building
programmes are mainly focused on biodiversity and wildlife management. National-subnational collaboration is part of the Sustainable Development Plan
2016-2020 that considers biodiversity and climate change actions in the region.
Noteworthy examples of subnational collaboration are, among others, the
Regions46 Biodiversity Learning Platform and the Group of Leading Subnational Governments for the Aichi Biodiversity Targets (GoLS), both part of the
subnational platform to the Convention on Biological Diversity, namely the
Advisory Committee on Subnational Governments and Biodiversity.
The government of Aichi (Japan) leads an initiative called “Group of LeaRegions4 (formerly known as the nrg4SD) is a global network that solely represents regional
governments (states, regions and provinces) before UN processes, European Union initiatives
and global discussions in the fields of climate change, biodiversity and sustainable development.
Regions4 was established in 2002 at the World Summit in Johannesburg and currently represents
over 40 members from 20 countries in 4 continents. Through advocacy, cooperation and capacity
building, Regions4 empowers regional governments to accelerate global action. For more information visit: www.regions4.org
6
289
Paradiplomacia Ambiental
ding Subnational Governments toward Aichi Biodiversity Targets” (GoLS) to
contribute to reaching the Aichi Targets. Together with the ANAAE, Campeche, Catalonia, Gangwon, Ontario, Québec, and São Paulo, subnational political leaders get together to enhance their own actions on the grounds, share
opinions and promote open dialogues with the Parties to the Convention on
Biological Diversity.7
2. Opportunities to develop and strengthen partnerships with the
private sector, indigenous communities, civil society and other
stakeholders
2.1 Ongoing multi-stakeholder partnerships
Given the intersectoral and trans-disciplinary nature of mainstreaming biodiversity initiatives, partnerships are pivotal in the implementation of such processes. Subnational governments’ experiences indicate that enabling platforms
for indigenous and local communities, social engagement and public-private
partnerships are among the first steps to develop strong and sustainable collaborations.
Multi-stakeholder platforms have proven to be a very effective mechanism
to develop a shared vision for any kind of mainstreaming biodiversity process.
This kind of inclusive, consultative processes enables the development of the
required tools to achieve the established biodiversity conservation objectives.
Additionally, subnational governments reported that involving stakeholders
early in the process, and in important decision-making moments of design and
implementation, provides shared ownership of the initiative – especially among
individuals like private landowners or local and indigenous communities.
While the private sector appears to be a valuable partner to public institutions at the subnational level, it is still yet to be actively involved in some regions
in mainstreaming projects. Both a larger role for private sector partners and
more effective engagement of key private initiatives are still strongly needed to
increase the impact of mainstreaming policies and programmes.
In 1984, Québec (Canada) created the Québec Wildlife Foundation to
mitigate substantial wetland losses and prevent aquatic and terrestrial habitat
degradation. The Foundation takes on a broad partnership approach that now
has become a key element of its modus operandi. This has resulted in the mobilisation of many local stakeholders for concerted action on wildlife projects
and the subsidy of around 400 projects yearly that aim to: protect and improve
terrestrial and aquatic wildlife habitats; contribute to the recovery of threatened and vulnerable wildlife species; enhance agricultural biodiversity; promote
7
Find out more at: http://kankyojoho.pref.aichi.jp/gols/.
290
Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience
low-impact activity and public access to natural habitats; control invasive alien
species; and foster private woodlot owner commitment to protect and enhance
wildlife habitats (FONDATION DE LA FAUNE).
Some examples show that a strong legal framework can foster alliances with
the private sector. A shared and collectively-built protocol or agreement on the
use and exploitation of a particular product can single-handedly change the
trajectory of trends in land-use and deforestation, for example:
The Greener Ethanol Protocol was signed in São Paulo (Brazil) by the State
Department for the Environment, State Department of Agriculture and Food
Supply, and the São Paulo State Environment Agency, and the Brazilian Sugarcane Industry Association and the Organisation of Sugarcane Producers of the
Centre-South Region of Brazil. The goal is to consolidate the best sustainability
practices in the sugarcane production chain, to overcome the challenges from
the mechanisation of sugarcane harvest, through technical directives that will
help fulfil objectives such as land restoration, reforestation, and biodiversity
conservation. Among the actions taken are the protection of pollinators and
wild fauna, soil conservation and better agronomic practices, and the recovery
of bodies of water to increase water production (INFRAESTRUTURA E MEIO
AMBIENTE. 2020).
2.2 How global initiatives can help subnational governments
In terms of partnerships, subnational governments acknowledged that a
participatory approach to decision making is essential to the engagement of key
stakeholders. In most cases, it has been proven that sustainable partnerships
must consider a one-on-one matching process to link the right stakeholders
with the right initiatives and opportunities to maximise results.
Additionally, academia and research institutions represent a great opportunity to develop robust and sustainable partnerships, particularly in technical topics such as information sharing, data and monitoring of biodiversity.
Current examples show the potential of ongoing initiatives that engage academia, private and public institutions in information-sharing mechanisms. Such
platforms could develop and accommodate international research institutions,
other subnational governments and, ideally, UN Conventions.
To strengthen the collaboration between Public Administration and research centres, Catalonia launched Prismatic, a stakeholder platform for the
knowledge and management of natural resources and biodiversity coordinated
by the Centre for Ecological Research and Forestry Applications (CREAF). Prismatic is a digital space that collects scientific knowledge on natural heritage and
biodiversity, generated by research centres and other entities. This platform is
designed to generate dialogue among managers, public agencies and scientists.
291
Paradiplomacia Ambiental
http://www.prisma-tic.cat/
The Palawan (Philippines) Knowledge Platform for Biodiversity and Sustainable Development (PKP) is a tool for strengthening partnerships on biodiversity with the participation of international organisations, as well as subnational
government agencies, private groups, NGOs and local universities. The PKP, a
localized clearing house mechanism whose creation was assisted by the ASEAN
Centre for Biodiversity pursuant to the UN CBD, is an active community of
over 30 stakeholders that facilitates, coordinates, maintains and enhances the
sharing of biological and socioeconomic data and information that supports
the goals of the Strategic Environmental Plan for Palawan. Towards this end,
it annually conducts a national research conference which has recently been
internationalized with UNESCO-Philippines as a major collaborator. The PKP
is currently undertaking a collaborative study looking into the presence of mercury in wildlife (flora and fauna) and humans in Puerto Princesa City, where
an abandoned mercury mine is situated (Palawan Knowledge Platform (PKP),
2019).
Furthermore, transversal issues, such as water, watershed management, ecotourism, and agroforestry, for instance, are examples of opportunities to develop new partnerships. Committees and working groups to align efforts in a
particular topic of interest to many parties involved have proven to be excellent
opportunities to invite stakeholders not typically involved in decision-making,
such as academia, civil society, and non-governmental organisations.
Global initiatives and platforms, such as the IPBES, have the greatest potential to strengthen subnational initiatives. On repeat occasions, subnational
stakeholders have argued that they could significantly benefit from the creation
of a technical transfer mechanism focused on the subnational experience on
implementing biodiversity actions on the ground.
3. Mechanisms to monitor and evaluate mainstreaming actions
Designing a policy, plan, project, protected area implementation or other
initiative aimed at integrating biodiversity at subnational levels should include
the monitoring and the assessment of its impacts on regional or local biodiversity, including reevaluation, when necessary (TUCKER, G., BUBB P., DE
HEER M., MILES L., LAWRENCE A., BAJRACHARYA S. B., NEPAL R. C,
SHERCHAN R., CHAPAGAIN, 2005). 8
An initiative planning framework should provide: 1. clear information
about the desired goals to be achieved by the initiative; 2. a set of strategies and
8 Tucker, G., Bubb P., de Heer M., Miles L.. Lawrence A., Bajracharya S. B., Nepal R. C, Sherchan
R., Chapagain N.R. 2005. Guidelines for Biodiversity Assessment and Monitoring for Protected
Areas. KMTNC, Kathmandu, Nepal. The King Mahendra Tmst for Nature Conservation. Nepal
and the UNEP-World Conservation Monitoring Centre, Cambridge, UK, p.
292
Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience
actions for achieving the objectives; 3. a basis for monitoring the implementation and progress towards the desired future and adjustment of planning strategies and actions as required and 4. the funding needed to support the initiative,
monitoring, assessment and capacity building.
Appropriate monitoring and assessment methodologies are fundamental to
ensure the effectiveness of any mainstreaming biodiversity initiative. All planning frameworks should provide clear information about the desired goals, a set
of strategies, a basis for monitoring and the funding needed to support not only
the initiative, but the monitoring, assessment and capacity building involved in
the process.
Monitoring can be defined as the gathering of data to enable detection of
changes in the status, security and utilisation of biological diversity for the purpose of improving the effectiveness of management of that biodiversity (GLOBAL ENVIRONMENT DIVISION, 1998). It is, therefore, a continuing process
throughout the implementation and often extends beyond project completion
(GLOBAL ENVIRONMENT DIVISION, 1998).
Monitoring can be done in different ways, according to the objective proposed (IPÊ-INSTITUTO DE PESQUISAS ECOLÓGICAS (Ecological Research
Institute), 2019). It is crucial that the method is standardised in order to track
biodiversity activity accordingly and to effectively build scientific knowledge. In
some subnational territories, there is a need for the establishment of models of
monitoring and evaluation mechanisms. In these cases, subnational actions
can be improved if across-the-board standards were established regarding suitable biodiversity monitoring protocols. This reveals the necessity of capacity building in this area. The decisions about which indicators are to be chosen should
consider those that are more reliable and objective so that they can show the
real progress of the implementation of the actions and also explain occasional
difficulties in their implementation.
The number of indicators should be sufficient to safely reflect the implementation progress of the initiative. On the other hand, even if technical and
financial resources are sufficient, indicators design also embodies the importance of involving stakeholders as well as project managers and technical experts.
Involving a wide range of actors ensures that future adjustments, management
interventions and data collection is accessible and effective.
3.1 Recognising opportunities for stakeholder engagement
It is appropriate to identify the public and private stakeholders involved or
impacted by the initiative. As learnt from the subnational experience, it is advisable that stakeholders are formally organised in working committees, whose
structure should be determined according to the local context and the priorities
293
Paradiplomacia Ambiental
set for the area under consideration (MINISTÈRE DU DÉVELOPPEMENT
DURABLE, DE L’ENVIRONNEMENT ET DE LA LUTTE CONTRE LES
CHANGEMENTS CLIMATIQUES, 2016).
Although public authorities are responsible for conducting the monitoring
of biodiversity, the contribution of civil society and other actors, including, especially, indigenous and local communities, ensures broader participation and
ownership of different stakeholders. The involvement of these actors gives greater legitimacy of action, enables the expanding information about what is being
done and in which manner, and facilitates both the necessary information and
engagement of the population.
The practice shows that working committees involved in the implementation are also responsible for monitoring, which reinforces the idea of the importance of a collective approach. A clear mandate of public authorities within
these committees is essential, as are training and knowledge sharing with the
stakeholders involved. The experience shows challenges in collecting and interpreting data, as it is difficult to standardise the data and measures collected.
Additionally, the continued involvement of the same individuals over time
guarantees that more knowledge will be acquired and increases the possibility
of a greater exchange of information and experience.
Monitoring processes encompass governance, which is not limited to institutional arrangements within an organisation, but rather embodies the need for
governing bodies that meet the needs of entire regions. Also, good governance
allows the development of instruments capable of producing effective results
for all, including non-governmental organisations, communities beyond local
actors impacted by the initiative, academia, and the private sector.
Therefore, governance is a key element in the processes of both implementation and monitoring of all mainstreaming interventions, considering that
various stakeholders from different backgrounds are involved, often also in decision-making processes.
As seen, it is important to increase investments in monitoring and evaluation of all mainstreaming interventions, not only at the project level, but also
at the subnational level – given that several ministries and sectors are often
involved alongside the directly-affected communities.
Mainstreaming projects by individuals within civil society represent an
opportunity to align efforts with broader initiatives taken at the subnational
or national level of government. Additionally, individual efforts represent great
opportunities for learning that could potentially be better optimised to build a
stronger body of knowledge of mainstreaming practices.
294
Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience
3.2 Social engagement
The participation and support of the local populations and civil society are
strategic, because they maintain direct and ancestral contact with their surroundings and can provide a way to engage civil society in biodiversity conservation.
Both scientific, civil society and traditional knowledge play an important
role in defining management actions and guiding conservation. Scientific monitoring, civil society and traditional knowledge are critical especially when projects are implemented in biodiversity hotspots with agricultural ecosystems and
agrobiodiversity central to the livelihood of small-scale farmers, rural communities, and indigenous peoples.
3.3 Data creation and evaluation
Monitoring indicates progress and directs the focus on implementation
issues and conflicts. It is, therefore, fundamental that, after identifying the
problems, a working committee evaluates the causes of implementation blocks
and makes informed decisions on the appropriate route to take. Periodic assessments are crucial for generating knowledge on the evolution of implementation
actions.
Evaluation and knowledge generation continue to be a challenge as well as
an opportunity. Knowledge sharing and learning could potentially strengthen
future actions on mainstreaming and can help increase ownership. Evaluation
and report generation can potentially serve as a bridge between public authorities, implementers, and society, and – if properly synthesised – these experiences can improve future interventions.
4. Obstacles that block mainstreaming biodiversity in regulations,
processes, policies and programmes
4.1 Understanding biodiversity as an impediment to development
Many of the obstacles faced by subnational governments when it comes to
mainstreaming biodiversity are coincidental among the regions. It is important
to highlight that, in many cases, it is perceived that biodiversity hinders development, which gives rise to a conflict between the protection of ecosystems and
economic development.
This supposed conflict is reflected in sectoral policies formulation, when
decisions tend to allocate financial resources to fields other than the protection
of biodiversity, especially in the so-called “economic sector”, given the need for
development, which is a factor that occurs in all regions.
295
Paradiplomacia Ambiental
This distortion derives from the lack of information and professional qualification in sectors that could, in their decisions, consider biodiversity as an ally
to economic activities, but due to a lack of knowledge, the economic possibilities and ecosystem services that biodiversity offers are not taken into account.
The difficulty in understanding biodiversity as a relevant and essential ally
is an issue that stands out. Contrary to common belief, it is the variety of life
on earth that ensures food security, human health, clean air and drinking water
and often drives the development of various economic activities, such as agriculture, fishing, livestock, tourism and forest management.
Limited knowledge in the economic sector on biodiversity and its relationship to economic development is an issue. It can be pointed out that many
sectors need training in how to consider biodiversity as an integral part of several economic activities in order to assure that their components are used in a
sustainable manner.
4.2 Lack of institutional cooperation to address common problems
in the various sectors of government
There are two kinds of institutional cooperation: among entities at the same
level, federal or subnational, called horizontal cooperation and the one occurring among the various levels of government, federal, subnational, municipal,
known as vertical cooperation.
The more cooperative to one another the institutions are, the better the
effects will be from the decisions taken by each one, which impacts biodiversity
actions at all levels but, fundamentally, mainstreaming interventions.
Though there is a tendency for central authorities to concentrate financial
resources, it is widely acknowledged that subnational governments have the potential to stay tuned to citizens’ expectations, raise awareness and trigger behavioural change. Additionally, they promote policy coordination, coherence and
vertical integration and are, in sum, an essential nexus between the national
and the local levels. Indeed, their privileged position enables the collaboration
with national and local governments, businesses and financial institutions, civil
society and NGOs, universities and academia, tailoring their actions to the particular circumstances of populations and territories, which makes them an essential link to the accomplishments of global and national goals on biodiversity.
Generally, national authorities tend to have more resources; however, they
usually have a lower level of involvement in implementation processes, and therefore are farther from accomplishing results. On the other hand, subnational
authorities are better placed to implement actions, and therefore accomplish
goals and targets, but tend (in some regions) to have less available resources for
implementation, including technical and financial capital.
296
Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience
Additional difficulties are found in reaching a common understanding of
biodiversity targets, especially if those are exclusively globally and nationally
acquired and defined. In some countries, national methodologies, including
NBSAPs, are not translated into the subnational context. Excluding local and
subnational implementers from this process obstructs cooperation and prevents
the achievement of goals.
4.3 Lack of alignment between public policies
The lack of alignment among the various public policies partially emerges
from insufficient to non-existent cooperation among the agencies, either from
a horizontal perspective, within entities of one level of government, or from a
vertical perspective, across various levels of government.
It is also the product of a paradigm that mistakenly considers the protection
of biodiversity as a threat to the development of economic activities.
CONCLUSIONS
Subnational governments have made impressive progress in integrating biodiversity issues and concerns into regulations, processes, policies, and programmes, and have indeed achieved positive results. However, it is also observed that
there are still plenty of challenges to overcome toward increasing the success
rate of the practice of embedding biodiversity considerations into and across
sectors. From what we have perceived, the lessons learned and, more importantly, the possible solutions to overcome challenges, have a wider application
and can be useful to other subnational authorities.
Mainstreaming practices have, in practice, emerged as linked to global or
national concerns on biodiversity loss, and are, therefore, connected to global
goals and targets related to its sustainable use. From the experiences gathered
on mainstreaming practices at the subnational level of government, it can be
observed that national and international institutions could play a more decisive
role in supporting subnational actions regarding capacity-building and training
needs, opportunities to develop and strengthen partnerships, mechanisms to
monitor its implementation, and obstacles that hinder its integration.
REFERENCES
FONDATION DE LA FAUNE. Protéger la faune et son habitat. Retrieved
from: http://www.fondationdelafaune.qc.ca Acces: may 1st 2020.
GLOBAL ENVIRONMENT DIVISION. Guidelines for Monitoring and
Evaluation for Biodiversity Projects. 1998, p. 1. Retrieved from: http://
297
Paradiplomacia Ambiental
documents.worldbank.org/curated/en/895261468171570259/pdf/
270310FRENCH0D1lesFrenchVersion1998.pdf Acces: may 1st 2020.
https://pkp.pcsd.gov.ph and http://en.abconservation.org/2019-international-conference-on-biosphere-and-sustainability/.
INFRAESTRUTURA E MEIO AMBIENTE. Greener Ethanol. Retrieved
from: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/en/greener-ethanol/ Acces: may 1st 2020.
IPBES. (2019, May 6). Media Release: Nature’s Dangerous Decline ‘Unprecedented’; Species Extinction Rates ‘Accelerating’. Retrieved from: https://www.ipbes.
net/news/Media-Release-Global-Assessment Acces: may 1st 2020.
IPÊ-INSTITUTO DE PESQUISAS ECOLÓGICAS (Ecological Research
Insitute). Monitoramento Participativo da Biodiversidade: Aprendizados em
Evolução (Biodiversity Participative Monitoring: Learnig in Evolution), 2nd
ed., 2017, p. 35. Available at: https://siteipe.s3-sa-east-1.amazonaws.com/
IP%C3%8A+MPB+%7C+Livro+Monitoramento+Participativo+da+Biodiversidade+2%C2%AA+edi%C3%A7%C3%A3o_JUL19.pdf Acces: may
1st 2020.
JOURNEY OF THE JAGUAR. Retrieved from: https://www.journeyofthejaguar.org
MINISTÈRE DU DÉVELOPPEMENT DURABLE, DE L’ENVIRONNEMENT ET DE LA LUTTE CONTRE LES CHANGEMENTS CLIMATIQUES. Subnational governments in action for biodiversity – Case studies, 2016.
Acces: may 1st 2020.
NATURA CHE VALE. The project’s phases, objectives and actions.
Retrieved
from:
http://www.naturachevale.it/en/the-project/life-gestire-2020/the-projects-phases-objectives-and-actions/
OECD. (2006). The challenge of capacity development: working towards good
practice. Retrieved from: http://www.fao.org/fileadmin/templates/capacitybuilding/pdf/DAC_paper_final.pdf Acces: may 1st 2020.
PALAWAN KNOWLEDGE PLATFORM (PKP), 2019. Retrieved from:
the UNEP-World Conservation Monitoring Centre, Cambridge, UK. Acces: may 1st 2020.
PRISMA-TIC.CAT. Plataforma de Coneixement per a la Gestió del Patrimoni Natural i la Biodiversitat. Retrieved from: http://www.prisma-tic.cat/
Acces: may 1st 2020.
TUCKER, G.; BUBB, P. ; DE HEER, M.; MILES, L.; LAWRENCE, A.;
BAJRACHARYA ,S. B.,;NEPAL, R. C.; SHERCHAN, R.; CHAPAGAIN,
N. R. 2005. Guidelines for Biodiversity Assessment and Monitoring for
Protected Areas. KMTNC, Kathmandu, Nepal. The King Mahendra Tmst
298
Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience
for Nature Conservation. Nepal and
UNESCAP. What is good governance? Retrieved from: https://www.unescap.
org/sites/default/files/good-governance.pdf Acces: may 1st 2020.
299
A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA SOCIEDADES
INCLUSIVAS: A CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADES MULTINÍVEL
E MULTIATORES NO CONTEXTO DA AGENDA 2030.
Maria Luiza Machado Granziera1
Rhiani Salamon Reis Riani2
ODS 16 - Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
META 16.a - Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por
meio da cooperação internacional, para a construção de capacidades em
todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime.
INTRODUÇÃO
D
entre os 17 propósitos globais de Desenvolvimento Sustentável, no
ODS 16 recai o maior peso estratégico para a efetividade da Agenda
2030, uma vez que este apresenta o conteúdo final que se pretende alcançar,
qual seja “promover sociedades pacíficas e inclusivas” (ODS 16).
O Objetivo 16 demonstra quão sistêmica é a Agenda 2030, haja vista que a
promoção de sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável exige a construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos
os níveis. Este objetivo estabelece uma visão sistêmica. As metas evidenciam
que a existência de uma sociedade sustentável, pacífica e inclusiva necessita da
potencialização de capacidades multinível e ampla participação de multiatores.
Em outras palavras, governança e cooperação institucional são fundamentais e
necessárias.
Desse modo, tendo em vista as metas do ODS 16, o presente capítulo tem
1
Professora associada do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Possui graduação em Direito pela Universidade de
São Paulo (USP), mestrado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e
doutorado em Direito (Departamento de Direito Econômico e Financeiro) pela Universidade
de São Paulo (USP). Advogada em São Paulo. Especialista em direito administrativo e ambiental
com ênfase em implementação políticas públicas, direito de águas, atuando principalmente em
recursos hídricos, meio ambiente, saneamento, contratos públicos, concessões e licitações. É líder
do Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente, cadastrado na CAPES.
2
Doutorando em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS).
Advogado. Mediador Privado certificado (ICFML-IMI). Email: rhianisriani@gmail.com.
300
A cooperação internacional para sociedades inclusivas
por objetivo trabalhar a meta 16.a do ODS 16, qual seja “fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio da cooperação internacional,
para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países
em desenvolvimento”. Abordar, especificamente, como a construção de capacidades multinível e multiatores é fundamental para a construção de sociedades pacificas e inclusivas, bem como para a efetividade da Agenda 2030. Para
atingir o objetivo deste capítulo, privilegiou-se a estratégia de pesquisa qualitativa baseada na análise de conteúdo da bibliografia existente sobre a temática
e documentos registrados, convenções, relatórios e documentos de instituições
públicas e privadas.
O presente capítulo foi estruturado em três seções. A primeira seção conceitua a cooperação internacional e a governança global como mecanismos de
promoção da ampla participação dos multiatores globais. Abordará quem são
os atores e os sujeitos da cooperação internacional necessários para a efetividade
da Agenda 2030. A segunda seção buscará trabalhar a capacidade multinível
nos contextos de governança global e cooperação internacional, bem como sua
importância para a eficácia das metas globais 2030. Por fim, na terceira seção,
abordar-se-á as ações e mecanismos necessários para se efetivar a Agenda 2030,
em específico o ODS 16.
Após, finalizar-se-á com as conclusões deste estudo.
1. GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL E A PARTICIPAÇÃO
DOS MULTIATORES PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Os objetivos e metas da Agenda 2030 ocasionaram, no âmbito internacional, a necessidade de mudanças radicais na arquitetura jurídico-política da sociedade internacional. Nesse cenário, os problemas globais comuns exigem da
comunidade internacional enfrentamento conjunto, com ampla participação e
ferramentas dinâmicas, que permitam resultados eficientes e tratamento adequado. A cooperação surge como elemento vital para amalgamar as diversas
relações entre os atores envolvidos no alcance das metas estabelecidas.
A formação da Agenda 2030 e seus antecedentes históricos demonstraram
que as ferramentas jurídicas e as políticas internacionais, fomentadas pelo Direito Internacional clássico, materializadas pelos tradicionais sujeitos de direito
internacional, não se demonstraram dinâmicas e efetivas o suficiente para o
enfrentamento dos problemas que envolvem o desenvolvimento sustentável global.
O Direito Internacional do Meio Ambiente (DIMA) preza pela cooperação
institucional dos tradicionais sujeitos de direito internacional, que possuem
personalidade jurídica reconhecida para atuação no plano internacional com
301
Paradiplomacia Ambiental
relação ao desenvolvimento de politicas internacionais e produção de acervo
normativo. São eles os Estados, as Organizações e Organismos Internacionais.
Os Estados sempre foram os sujeitos clássicos, as pessoas jurídicas por excelência na atuação e direção do Direito Internacional (MAZZUOLI, 2018, p.
353). Contudo, num período em que as ações de cooperação internacional
entre nações se tornaram necessárias, instituições internacionais foram criadas.
Os problemas comuns globais evidenciaram os cenários de interdependência
das nações, ocasionando esforços para a criação de instituições governamentais
especializadas em temáticas de importância internacional, como as organizações
e organismos internacionais governamentais.
As organizações internacionais governamentais são aquelas que desfrutam,
em geral, de capacidade civil, personalidade internacional e direito de concluir
tratados, bem como privilégios e imunidades necessárias para o exercício de
suas funções (ACCIOLY, 2009, p. 9). Como exemplo de organização internacional tem-se a Organização das Nações Unidas (ONU), um player fundamental
para a promoção da cooperação e coordenação dos conflitos globais, com foco
na paz e na dignidade humana.
Já os organismos internacionais são outras espécies de instituições internacionais, que exercem atividades especializadas de caráter técnico e administrativo em determinadas matérias no contexto das relações internacionais (MELLO,
2004). A Organização das Nações Unidas, por força da Carta de 1945, detém
diversos organismos especializados que fomentam a cooperação internacional
entre os Estados e desenvolvem atividades próprias no campo internacional.
Figuram como agências especializadas da ONU, a titulo exemplificativo, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização para a Alimentação e
Agricultura (FAO), a Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outras.
Para fins de ações globais e políticas internacionais, apenas as instituições
internacionais de caráter governamental que possuíam reconhecimento e protagonismo internacional para formação de normas internacionais e criação de
politicas de cooperação. Todavia, na década de 1990 e na primeira década do
século XXI, as Conferências ambientais pós Eco-92 (Rio-92) revelavam cenários
de ineficiência do multilateralismo nas pautas referentes ao desenvolvimento
sustentável global. Como um contraponto, iniciaram-se movimentos de estímulo à participação de novos atores nas conferências.
Na Conferência de Johanesburgo (África do Sul, 2002), com a Cúpula
Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, a ONU impulsionou parcerias
público-privadas entre governos, organizações não governamentais e empresas
privadas para o fomento de ações ao desenvolvimento sustentável (KANIE,
2003).
302
A cooperação internacional para sociedades inclusivas
Na Cúpula da Rio+20, em 2012, os líderes mundiais, em especial o Secretário Geral da ONU (Ban Ki-moon), reconheceram que o mundo precisava de
nova abordagem e se comprometeram a trabalhar em conjunto com grandes
grupos e outros atores interessadas na implementação dos compromissos globais de desenvolvimento sustentável (SACHS, 2015, p. 482).
Algumas agendas globais comprovavam que a participação ampla de instituições não governamentais e privadas colaboravam para resultados eficazes.
Os resultados obtidos pela Agenda Global dos Objetivos do Desenvolvimento
do Milênio (ODM), entre os anos 2000 e 2015, evidenciaram que os objetivos
com melhor desempenho foram os que apresentaram maior engajamento entre
os atores globais. Dos 08 (oito) objetivos, os que abordavam questões de saúde
alcançaram resultados mais satisfatórios em suas metas. O ODM 6 (Combater
o HIV/AIDS, a Malária e outras doenças) obteve efeitos mais eficazes em decorrência da ampla participação de atores globais, como as comunidades epistêmicas, fundações privadas, empresas e agências internacionais (SACHS, 2015).
Nesse contexto, a complexidade dos conflitos ambientais e as experiências
positivas, com resultados eficazes, das parcerias público-privadas internacionais
evidenciavam que o enfrentamento dos conflitos da pós-modernidade exigia
abertura para participação ampla dos diversos atores globais. E, nesse sentido,
o mecanismo jurídico-político da Governança Ambiental Global precisava ser
impulsionado.
Na ausência de um “governo global”, a governança surge como um mecanismo de ambiência para a criação de diálogos entre os diversos atores globais
nas relações internacionais. A sistemática consiste em alcançar soluções criativas para as diferentes dimensões ou campos de atuação que envolvam desafios
para a humanidade, sejam eles econômico, ético-político, social, cultural ou
ambiental.
Uma temática global que se manifesta como um desafio para a humanidade, em que a governança ocupou espaço nas ultimas décadas, são as questões
ambientais. As experiências vivenciadas nos cenários de desastres e catástrofes
ambientais demonstraram que o trato para com seus efeitos exige, necessariamente, consenso e ações globais.
Longo foi o caminho percorrido para a sua formação, mas a Governança
Ambiental Global alcançou seu espaço como mecanismo fundamental para o
enfrentamento dos problemas dessa natureza. A Governança Ambiental Global
é definida “como a soma das organizações, instrumentos de políticas, mecanismos de financiamento, regras, procedimentos e normas que regulam os processos de proteção ambiental global” (NAJAM; PAPA; TAIYAB, 2006, p. 3).
Os conhecimentos científicos, alcançados na década de 1960 com o Clube de Roma, que levou mais tarde à realização da Conferência de Estocolmo
303
Paradiplomacia Ambiental
(1972), e culminou na elaboração do Relatório Brundtland (publicado em
1987), já demonstravam a necessária participação de certos atores globais que
não apenas os Estados, Organizações e Organismos Internacionais no contexto
das relações internacionais. A comunidade epistêmica dava sua contribuição e
revelava ser um ator fundamental nesse processo de formação de soluções criativas para os desafios colocados.
A agenda ambiental global passou de 1972 até 2015 por diversas transformações e a cada ano ficou mais evidente de que a Governança Global era o mecanismo e o processo necessário para a sua efetividade. Apesar de não haver um
Regime Jurídico Internacional do Meio Ambiente, a arquitetura jurídica ambiental global se formou, ao longo das décadas, por meio da junção entre Regimes Ambientais específicos (hard law) - por exemplo, o regime internacional das
mudanças climáticas, regime internacional da camada de ozônio e o regime internacional da biodiversidade - e normas soft law - Agendas Ambientais, Padrões
Privados Internacionais e outros. Tais instrumentos criaram oportunidade para
a formação mínima de um arcabouço institucional (princípios, regras e normas)
voltado à dinâmica de ações no contexto da governança global ambiental dando
vida a uma nova área do Direito – o Direito Ambiental Internacional (DAI).
O Direito Ambiental Internacional, conforme Fernando Rei e Maria Luiza
Granziera (2015, p. 151):
“[...] constitui um ordenamento jurídico destinado a regular as relações de coexistência, cooperação e interdepend6encia, institucionalizada ou não, entre os diversos
atores internacionais, que tem como objetivo a proteção
internacional do meio ambiente”.
O Direito Ambiental Internacional é uma área nova e dinâmica aperfeiçoada a partir da evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente (REI;
GRANZIERA, 2015, p. 151) que a cada ano, com o fortalecimento da governança ambiental global, vem alcançando sua autonomia e aceitação pela comunidade jurídica. É através da governança ambiental global que o direito ambiental
internacional ganha força e apresenta eficácia.
O tradicional enfrentamento dos problemas globais, por meio de acordos
firmados por consenso entre as Nações soberanas, demonstrou-se insuficiente
para dar respostas aos desafios ambientais da humanidade. Assim, este déficit
de eficiência, atrelada à complexidade dos problemas ambientais, abrem espaço para a participação de novos atores, ou seja, novas formas de autoridade
(REI, GRANZIERA, 2015, p. 155), que apesar de carecerem dos elementos da
soberania, autonomia e controle, recebem progressivamente uma legitimação
voluntária da sociedade (DEDUERWAERDERE, 2005).
Dessa forma, os desafios ambientais da pós-modernidade exigem um novo
304
A cooperação internacional para sociedades inclusivas
olhar, novos instrumentos e ampla participação, e a governança ambiental global apresenta-se como um mecanismo capaz de agregar tais elementos. Nessa
linha, cooperação, negociação e diálogo são elementos indispensáveis para o
alcance de consensos globais.
E para que ocorra uma eficiente e eficaz transformação nos cenários da
temática ambiental, e aconteça a efetivação do Desenvolvimento Sustentável,
é fundamental a participação de todos os atores governamentais, organismos
internacionais, organizações não governamentais, corporações privadas e a sociedade civil. Não haverá desenvolvimento sustentável sem boa governança ambiental global.
2. A CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADE MULTINÍVEL NO
ÂMBITO DA AGENDA 2030
As ações de promoção do desenvolvimento sustentável frequentemente se
concentram em único nível. Os resultados das conferências ambientais internacionais provam que, na maioria das vezes, as propostas de enfrentamento
ocorrem no nível dos governos nacionais, ou seja, de forma isolada dos outros
níveis (local, regional e internacional).
Os documentos históricos que tratam das questões ambientais globais sempre, em algum momento, afirmaram a necessidade de participação ampla e integrada entre os Estados e os atores globais.
A Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano (Estocolmo - 1972) já afirmava a necessidade de construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Em seu preâmbulo, a
Declaração proclamava que, para se chegar à meta de defesa e o melhoramento
do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras era necessário que cidadãos, comunidades, empresas e instituições, em todos os planos,
aceitassem as suas responsabilidades e que eles participassem equitativamente,
nesse esforço comum (ONU, 1972). Ainda, o princípio 17 da Declaração expressava a necessidade de construção das capacidades multinível no âmbito dos
Estados, ao afirmar que deve-se confiar às instituições nacionais competentes
responsabilidades de gestão dos recursos ambientais.
Os princípios da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) também inseria, na temática do enfrentamento dos problemas
ambientais globais, a necessidade de governança ambiental, ampla participação
e cooperação institucional multinível. O princípio 9 da Declaração evidenciava
a indispensável participação das instituições de pesquisa cientifica e comunidades epistêmicas (acadêmicas de ensino) para que a cooperação entre os Estados
fosse efetiva (ONU, 1992).
305
Paradiplomacia Ambiental
O princípio 10 da Declaração do Rio3 manifestava o entendimento de que
a participação do público era fundamental para o desenvolvimento sustentável global. E, ao cunhar a expressão “participação do público”, abria espaço
para que atores diversos, como empresas, organizações não governamentais e
universidades, por exemplo, pudessem participar ativamente para o alcance do
desenvolvimento sustentável (ONU, 1992). Interessante notar nesee princípio
que, numa interpretação sistêmica, a Conferência de 1992 inseria na sociedade
global, de forma não expressa, a necessidade de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
Com o amadurecimento da sociedade global, principalmente da Organização das Nações Unidas, com relação ao reconhecimento da interdependência
global dos temas sensíveis para a humanidade, a Agenda 2030 surge para demonstrar que a efetividade do desenvolvimento sustentável global passa pela
construção de capacidades multiníveis e participação de multiatores.
O Objetivo 16 da Agenda 2030 explana que a prática apenas nos níveis local, regional, nacional ou internacional ocasiona fonte de elaboração inadequada de políticas, que não serão efetivas para a concretização do desenvolvimento
sustentável. Nenhum nível espacial ou temporal [individualmente considerado]
é apropriado para administrar os ecossistemas e seus serviços, bem como os
problemas ambientais globais de maneira eficaz, eficiente, equitativa e sustentável (BRONDIZIO; OSTROM; YOUNG, 2009). Por isso, é fundamental o
fortalecimento de todos os atores – locais, regionais, nacionais e internacionais
relevantes para tratar das temáticas abordadas na agenda ambiental.
As metas do Objetivo 16 abordam temáticas que exigem políticas
multinível, ou seja, governança multinível. Governança multinível é uma
expressão destinada a sinalizar a necessidade de abordar as interações homemambiente em vários níveis, do local ao global (KARSSON, 2000). Criar ações
de enfrentamento relacionadas às metas do ODS 16, como a redução de todas
as formas de violência (ODS 16.1 e 16.2); a promoção do Estado de Direito
e garantia da igualdade de acesso à justiça (ODS 16.3); o combate ao crime
organizado e fluxo de armas (ODS 16.4); a redução da corrupção (ODS 16.5),
exigem a interação de diversas instituições e atores, nos mais variados níveis
(local, regional, nacional e internacional). A título exemplificativo, só é possível
acabar com a corrupção global se houver políticas públicas e privadas, de
O princípio 10 da Declaração do Rio (1992) dispõe que “o melhor modo de tratar as questões
ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano
nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem
as autoridades públicas, incluí da a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem
perigo a suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção
de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos
procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e recursos
pertinentes”.
3
306
A cooperação internacional para sociedades inclusivas
integridade e conformidade, em âmbito local, regional, nacional e internacional.
A centralidade do Estado no contexto das políticas internacionais gradualmente desmoronou, dando espaço para a governança, não de cima para baixo, mas em processos multiníveis, com participação de uma multiplicidade de
atores (NEWELL; PATTBERG; SCHROEDER, 2012). Em outras palavras, é
necessário um engajamento integrado, sistêmico, do público e do privado, em
todos os níveis. O sucesso da gestão de um nível depende do outro, principalmente, quando se trabalha das problemáticas ambientais.
A formação de capacidade multinível está relacionada à regulação pluralista, ou seja, a regulação inteligente em que os formuladores de políticas passam
a investigar como as estruturas legislativas e os órgãos públicos podem usar as
instituições e os recursos que convivem fora do setor público para criação de
ações de enfrentamento (GUNNINGHAM; HOLLEY, 2016).
A criação de ações efetivas ambientais compreende a interlocução com as
capacidades dos mercados, da sociedade civil e de outras instituições (GUNNINGHAM; SINCLAIR, 2017). As medidas de enfrentamento que compreendem as metas do ODS 16 dependem da articulação entre os atores globais. O
sucesso das políticas internacionais está diretamente ligada na sua capacidade
sistêmica de se relacionar e incorporar às politicas nacionais, regionais e locais.
As metas da Agenda 2030 revelam os interesses globais. Todavia, é necessário que tais interesses sejam conciliados e incorporados nas políticas públicas e
privadas, em seus variados níveis (do local ao global). O caso da violência e tortura contra crianças (ODS 16.2) oferece um exemplo claro. A criação de práticas
locais de defesa da criança será pouco efetiva se no âmbito regional e nacional
não forem integradas. Se a criança, que é respeitada em sua cidade, for abusada
ou violentada no seu país ou outro país, não será efetiva a meta do Objetivo 16
da Agenda 2030. Decerto que em nível local, será efetiva a meta, mas na escala
global, a efetividade da meta 16.2 dependerá da soma de ações multiníveis (regional, nacional e internacional).
O fato da governança envolver algum grau de auto regulação por parte de
atores sociais, de cooperação público-privada na solução de problemas sociais e
de novas formas de política multinível (BIERMANN; PATTBERG, 2008), fez
com que sua arquitetura de funcionalidade fosse pela eleita, pela Agenda 2030,
como o mecanismo jurídico político capaz de criar ambiência necessária para a
concretização de suas metas. A governança ambiental global oportuniza ações
multinível e participação de múltiplos atores, elementos indispensáveis para o
sucesso das metas fixadas nos ODS.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) apresentam nova
forma de parceria global. Trata-se de uma oportunidade para promoção de
novas formas de governança cooperativa e inteligente. As metas ambiciosas da
307
Paradiplomacia Ambiental
Agenda 2030 exigem um engajamento global intensivo, de ampla participação
dos governos (locais, regionais, nacionais e internacionais), setor privado,
sociedade civil, o Sistema das Nações Unidas e outros atores (ONU, 2015).
Para tanto, a participação dos governos locais e regionais na definição de
prioridades e estratégias nacionais relacionadas aos ODS demandam estrutura
institucional apropriada (ONU, 2016). E essa estrutura deve permitir a governança entre os diversos níveis de governo (multinível) e a participação dos outros atores interessados na criação de ações estratégicas de enfrentamento dos
problemas globais presentes nas metas da Agenda 2030.
3. O DESIGN DA PACIFICAÇÃO E INCLUSÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: MECANISMOS E
AÇÕES SISTÊMICAS DE PROMOÇÃO DA AGENDA 2030
Os problemas complexos da sociedade pós-moderna exigem dinâmica, criatividade, diálogo, realismo e ampla participação dos atores. A Governança Ambiental Global é o mecanismo que congrega tais elementos, fundamentais para
o efetivo enfrentamento das problemáticas globais.
A dinâmica do processo de Governança Ambiental Global permitiu que
um design de sistemas de resolução de conflitos fosse criado pela comunidade
global, a Agenda 2030. Segundo Diego Faleck (2018, p. 01) entende-se a técnica
de design de sistemas de resolução de disputas como “a organização deliberada
e intencional de procedimentos e mecanismo processuais, que interagem entre
si, e, quando aplicáveis, de recursos materiais e humanos, para a construção de
sistemas de prevenção, gerenciamento e resolução”.
A Agenda ODS, dessa forma, é fruto do processo de Governança Ambiental Global e sua funcionalidade ainda mantém a lógica de cooperação e coordenação por sistemas de governança. Essa agenda passou pelas etapas essenciais
que o trabalho de desenhar sistemas de resolução de conflitos demanda, quais
sejam: a iniciativa global; o diagnóstico da situação conflituosa; as definições
dos objetivos e metas; a construção do sistema; e, por fim, a implementação e o
monitoramento das ações globais4. Tudo realizado com as experiências adquiridas na agenda global dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM),
que vigoraram de 2000 a 2015.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) corroboram o entendimento de que a boa governança é uma dimensão do Desenvolvimento Sustentável Global (SACHS, 2015). Por isso, é possível afirmar que a sustentabilidade
reside nas relações entre os atores globais e, por meio da cooperação, articulação
Segundo Diego Faleck (2018, p. 03), os passos inexoráveis que a tarefa de desenhar sistemas
de resolução de disputas requer são: (i) iniciativa; (ii) diagnóstico da situação conflituosa; (iii)
definições acerca de objetivos e variáveis intrínsecas do sistema; (iv) construção do sistema; (v)
implementação e avaliação.
4
308
A cooperação internacional para sociedades inclusivas
e ações dos múltiplos atores as metas da Agenda têm perspectivas de serem
alcançadas.
A definição dos 17 Objetivos e das 169 metas foi uma organização deliberada e intencional dos líderes mundiais, sob a coordenação da ONU, que reconheceram a participação ativa dos múltiplos atores globais, em diversos níveis,
como elemento fundamental para a promoção de sociedades pacificas e inclusivas. Assim, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são uma agenda recomendatória, com a natureza de soft law, que apresenta conteúdo programatório
genérico e dinâmico, para criação de condutas futuras, com vistas ao respeito
universal dos direitos humanos.
O Relatório de metas do Desenvolvimento Sustentável 2019 demonstrou
que o Objetivo 16 (sociedade pacíficas, justas e inclusivas) ainda está longe de
ser concretizado. Apontou ainda que não houve, nos últimos anos, avanços
substanciais no sentido de acabar com a violência, promover o Estado de Direito, fortalecer instituições em todos os níveis ou aumentar o acesso à justiça
(ONU, 2019).
Os dados não são satisfatórios e alertam para que medidas de governança
devam ser impulsionadas de forma mais incisiva. O Relatório informa que em
2018 “o número de pessoas que fogem da guerra, perseguição e conflito ultrapassou 70 (setenta) milhões, o nível mais alto que o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados tem visto em 70 anos (ONU, 2019)”.
O ritmo de evolução no estabelecimento de instituições nacionais de direitos humanos (NHRIs), nos termos dos Princípios de Paris5, não se apresenta
satisfatório, pois, em 2018, apenas 39% dos países alcançaram a conformidade
com êxito, um aumento de 3% (três por cento) em relação a 2015. Assim, a
ONU faz a seguinte projeção: “se o crescimento continuar na mesma taxa, até
2030, apenas metade de todos os países terão NHRIs compatíveis para garantir
que os Estados cumpram suas obrigações de direitos humanos” (ONU, 2019).
O Relatório ODS 2019 alerta para a adoção imediata de ações de efetivação
do ODS 16. Com problemas multiníveis, ações multiníveis devem ser realizadas. E pelos dados, pode-se deduzir que medidas em diversos níveis precisam
ser estimuladas. Nesse sentido, como impulsionar ações multiníveis e ampla
participação de multiatores para a construção de sociedades mais pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável?
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH,
2020), com relação aos princípios de Paris, afirma que: “adotados numa atividade internacional
celebrada em Paris no ano 1991, os “princípios relativos ao status e operação das instituições nacionais” marcaram o início da cooperação e a padronização das instituições nacionais de direitos
humanos (INDH) internacionalmente. Aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em
20 de dezembro de 1993, os Princípios de Paris expressam a principal fonte de padrões internacionais na criação e procedimentos das INDH. Pormenorizam suas atribuições e responsabilidades,
composição, garantias de independência e métodos de operação”.
5
309
Paradiplomacia Ambiental
Nos últimos anos, diversos movimentos multiníveis ocorreram ao redor do
mundo. A própria problemática global da pandemia do COVID-19 criou cenários de cooperação e de governança multiníveis jamais vistos antes. Porém,
também evidenciou a falta de engajamento global. A concretização do ODS 16,
por consequência da Agenda 2030, passa pelo fortalecimento das instituições
nacionais, regionais e locais; do impulso de parcerias público-privadas; e do
maior engajamento dos órgãos governamentais nacionais e internacionais com
as Organizações não governamentais, as comunidades epistêmicas e os atores
corporativos (empresas privadas).
O futuro do desenvolvimento sustentável global reside na construção de novas formas relacionamentos cooperativos multiníveis. Redes paradiplomáticas
entre governos subnacionais precisam ser mais desenvolvidas. A paradiplomacia
torna-se importante, pois promove ações de interconexão global, na busca por
investimentos, trocas de informações e tecnologia, bem como participação no
processo de tomada de decisão em assuntos internacionais (FARIAS; REI, 2019,
p. 16). Atores que antes não possuíam expressiva atuação internacional, com a
paradiplomacia passam a assumir papel de protagonismo e influenciar as ações
de efetivação das agendas ambientais globais.
Além disso, a construção de capacidades multiníveis e participação de multiatores se perfaz pelo estabelecimento de parcerias públicas com empresas privadas. O Pacto Global da ONU6 é uma rede internacional de relacionamento
entre membros corporativos que buscam desenvolver ações sustentáveis multiníveis.
Várias empresas aderiram ao Pacto Global ODS, entretanto, dados do Relatório do Pacto Global ODS 2019 apontam que, globalmente, 36% (trinta e
seis por cento) das empresas relataram não impactar, de forma negativa, para
as metas do ODS 16 e menos de um terço das empresas tem ações vinculadas à
meta do ODS 16 (UN GLOBAL COMPACT, 2019). São resultados pequenos,
mas significativos, haja vista que demonstram como o setor privado está engajado como a Agenda 2030.
Agora, se atores governamentais iniciarem parcerias com entidades corporativas, com certeza estes números irão aumentar. Por isso, seria interessante que
as redes paradiplomáticas governamentais estreitassem relações político-econômicas com a rede Pacto Global da ONU. Assim, recursos financeiros, informações e tecnologias poderão ser compartilhadas para a efetividade de politicas públicas (locais, regionais e nacionais) voltadas para a efetivação das metas ODS.
A governança ambiental global, por meio da Agenda 2030, reflete mudanças
O Pacto Global, lançado, em 2000, pelo então secretário geral das Nações Unidas (ONU), Kofi
Annan, é uma iniciativa que reúne mais de 13 mil membros corporativos em torno de 10 (dez)
princípios, que abrangem questões de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate a
corrupção (PACTO GLOBAL, 2019).
6
310
A cooperação internacional para sociedades inclusivas
na distribuição de poder e recursos na economia política global. Há uma
tendência internacional de empoderamento das instituições não governamentais
e criação de relacionamentos com redes transnacionais e subnacionais. O futuro
da Agenda 2030 está no fomento de ações de governança multinível. O público
precisa dialogar e se relacionar eticamente com o privado. E as ações políticas
devem iniciar-se do local ao global.
CONCLUSÃO
Os objetivos e metas da Agenda 2030 ocasionaram, no âmbito internacional, a necessidade de mudanças radicais na arquitetura jurídico-politica da sociedade internacional. Os problemas globais comuns exigem da comunidade
internacional enfrentamento conjunto, com ampla participação e ferramentas
dinâmicas que permitam resultados eficientes e tratamento adequado.
E para que ocorra uma eficiente e eficaz transformação nos cenários da
temática ambiental, e de fato ocorra a efetivação do Desenvolvimento Sustentável, fundamental é a participação de todos os atores governamentais, organismos internacionais, organizações não governamentais, corporações privadas e
a sociedade civil. Não haverá desenvolvimento sustentável sem boa governança
ambiental global.
Com o amadurecimento da sociedade global, principalmente da Organização das Nações Unidas, com relação ao reconhecimento da interdependência
global dos temas sensíveis para a humanidade, a Agenda 2030 surge para demonstrar que a efetividade do desenvolvimento sustentável global passa pela
construção de capacidades multiníveis e participação de atores múltiplos.
As metas da Agenda 2030 revelam os interesses globais. Todavia, é necessário que esses interesses sejam conciliados e incorporados nas políticas públicas
e privadas, em seus variados níveis (do local ao global). A concretização do ODS
16, por consequência da Agenda 2030, passa pelo fortalecimento das instituições nacionais, regionais e locais; do impulso de parcerias público-privadas; e do
maior engajamento dos órgãos governamentais nacionais e internacionais com
as Organizações Não Governamentais, as comunidades epistêmicas e os atores
corporativos (empresas privadas).
O futuro do desenvolvimento sustentável global reside na construção de
novas formas relacionamentos cooperativos multiníveis. Redes paradiplomáticas
entre governos subnacionais precisam ser mais desenvolvidas, parcerias públicas
com empresas privadas necessitam ser implementadas. Além disso, as redes
paradiplomáticas governamentais devem se relacionar com redes de instituições
corporativas, para ocorrer o compartilhamento de recursos financeiros,
informações e tecnologias que serão fundamentais para a efetividade de politicas
311
Paradiplomacia Ambiental
públicas (locais, regionais e nacionais) voltadas para a efetivação das metas ODS.
REFERÊNCIAS
ACCIOLY, H.. Tratado de Direito Internacional Público. Vol. II. São Paulo:
Quartier Latin. 2009.
ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS (ACNUDH). Instituições Nacionais de Direitos Humanos.
2020. Disponível em: http://acnudh.org/wp-content/uploads/2010/12/
PORT-triptico-INDH-final.pdf. Acesso em: 20 mar. 2020.
BIERMANN, F.; PATTBERG, P.. Global Environmental Governance: Taking Stock, Moving Forward. Annual Review of Environment and Resources.
2008. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/
annurev.environ.33.050707.085733. Acesso em: 10 mar. 2020.
BRONDIZIO, E. S.; OSTROM, E.; YOUNG, O. R.. Connectivity and the
Governance of Multilevel Social-Ecological Systems: The role of social capital.
Annual Review of Environment and Resources 2009 34:1, 253-278. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev.environ.020708.100707. Acesso em: 20 fev. 2020.
DEDUERWAERDERE, T.. The contribution of network governance to sustainable development. Belgique: Université Catholique de Louvain Fonds National de la Recherche Scientifique, 2005.
FALECK, D.. Manual de design de sistemas de disputas: criação de estratégias e
processos eficazes para tratar conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juri., 2018.
FARIAS, V. C.; REI, F.. Imagem e visibilidade – paradiplomacia e identidade subnacional. In: Paradiplomacia ambiental: environmental paradiplomacy. REI, F.; GRANZIERA, M. L. M.; GONÇALVES, A. (Organizadores).
Santos (SP): Leopoldianum. 2019.
UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT (UN GLOBAL COMPACT).
United Nations Global Compact Progress Report. 2019. Disponível em: http://
pactoglobal.rds.land/2019-progress-report. Acesso em: 20 mar. 2020.
GUNNINGHAM, N.; HOLLEY, C.. Next-Generation Environmental Regulation: Law, regulation, and governance. Annual Review of Law and Social Science. 2016. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/
full/10.1146/annurev-lawsocsci-110615-084651#_i5. Acesso em: 12 mar.
2020.
GUNNINGHAM, N.; SINCLAIR, D.. Smart regulation. In: Regulatory theory: foundations and applications. Peter Drahos (editor). 2017. Disponível
em:
https://scholar.google.com/scholar_lookup?hl=en&publication_
312
A cooperação internacional para sociedades inclusivas
year=1998&author=N+Gunningham&author=P+Graborsky&author=D+Sinclair&title=Smart+Regulation%3A+Designing+Environmental+Policy.
Acesso em: 12 mar. 2020.
KANIE, N.. Johannesburg summit and governance for sustainable development. Environmental Research Quarterly, p. 37-44, 2003.
KARLSSON, S.. Multilayered Governance: Pesticides in the South – environmental concerns in a globalized world. Tese de Doutorado, Linköping University Electronic Press, 2000. Disponível em: http://www.diva-portal.org/
smash/record.jsf?pid=diva2%3A252959&dswid=5299. Acesos em: 10 mar.
2020.
MAZZUOLI, V.de Ol.. Curso de Direito Internacional Público. 11. ed. Rio de
Janeiro: Forense. 2018.
MELLO, C. D. De A.. Curso de direito internacional público. 15. ed. Rio de
Janeiro: Renovar. 2004.
NAJAM, A.; PAPA, M.; TAIYAB, N.. Global environmental governance – a
Reform Agenda. Winnipeg: International Institute for Sustainable Development, 2006.
NEWELL, P.; PATTBERG, P.; SCHROEDER, H.. Multiactor Governance
and the Environment. Annual Review of Environment and Resources, 2012.
Disponível em:
https://www.annualreviews.org/doi/full/10.1146/annurev-environ-020911094659#_i3. Acesso em: 10 mar. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração de Estocolmo. 1972. Disponível em: https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/.
Acesso em: 20 fev. 2020.
______. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento. 1992. Disponível em: https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/. Acesso em:
20 fev. 2020.
______. Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável. 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/
uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf. Acesso em: 27 fev. 2020.
______. Roteiro para a localização dos objetivos de desenvolvimento sustentável:
implementação e acompanhamento no nível subnacional. 2016. Disponível
em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/06/Roteiro-paraa-Localizacao-dos-ODS.pdf. Acesso em: 20 fev. 2020.
______. The Sustainable Development Goals Report. 2019. Disponível em:
https://unstats.un.org/sdgs/report/2019/The-Sustainable-Development-Goals-Report-2019.pdf. Acesso em: 20 mar. 2020.
PACTO GLOBAL. A iniciativa. 2019. Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/10-principios. Acesso em: 15 fev. 2020.
313
Paradiplomacia Ambiental
REI, F.; GRANZIERA, M. L. M.. Direito ambiental internacional: novos olhares para a ciência do direito. In: Direito Ambiental Internacional. Avanços e
retrocessos. 40 anos de conferências das nações unidas. Maria Luiza Machado
Granziera; Fernando Rei (Coord.). São Paulo: Atlas. 2015.
SACHS, J. D.. The Age of Sustainable Development. Columbia University
Press. 2015.
314
COMPLIANCE E A PARCERIA GLOBAL
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
PARA
O
Heloize Melo1
Danielle M. T. Denny2
Priscila B. Walker3
Objetivo 17 - Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria
global para o desenvolvimento sustentável.
Meta 17.10 - Promover um sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório e equitativo no âmbito da
Organização Mundial do Comércio, inclusive por meio da conclusão das
negociações no âmbito de sua Agenda de Desenvolvimento de Doha
Meta 17.12 - Concretizar a implementação oportuna de acesso a mercados
livres de cotas e taxas, de forma duradoura, para todos os países menos
desenvolvidos, de acordo com as decisões da OMC, inclusive por meio de
garantias de que as regras de origem preferenciais aplicáveis às importações
provenientes de países menos desenvolvidos sejam transparentes e simples,
e contribuam para facilitar o acesso ao mercado
INTRODUÇÃO
C
onforme detalhado na introdução deste livro, a Agenda Mundial de
Desenvolvimento Sustentável adotada em 2015 (UN, 2015) pela Organização das Nações Unidas estabeleceu dezessete Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (“ODS”) que deverão ser cumpridos até 2030 pelos países. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 17 (“ODS 17”) visa fortalecer os meios
de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável, no entanto, para a sua efetivação é de extrema importância a colaboração
e o esforço conjunto entre países desenvolvidos, países em desenvolvimento e
países menos desenvolvidos.
Além disso, como é notória a disparidade entre os países em termos de
Acadêmica de Direito na Universidade Católica de Santos. Danielle Mendes Thame Denny é
pesquisadora visitante na University College London. Priscila Benelli Walker é aluna especial da
pós-graduação em Direito da Universidade de São Paulo.
2
Pesquisadora visitante do Departamento de Direito da University College London. Doutora
pela Universidade Católica de Santos. Bacharel em Direito pela PUC-SP.
3
Mestre em Direito pela UNESP. LLM pela University College London. Bacharel em Direito pela
Universidade de São Paulo. Advogada da Área Empresarial e Compliance.
1
315
Paradiplomacia Ambiental
recursos financeiros, conhecimento científico, expertise e capital humano, é
crucial a troca benéfica entre os governos nacionais, incluindo também outros
níveis da administração pública, a sociedade civil e o setor privado. A finalidade do ODS 17 é promover a parceria global e fortalecer os meios de implementação, com o fim de se alcançar o desenvolvimento sustentável global. No
entanto, para que se possa atingir essa meta é necessário o trabalho contínuo
e sistemático em conjunto e, nesse contexto, a ferramenta de compliance pode
auxiliar significativamente nessa interação.
Compliance constitui um conjunto de ações internas que permite mapear
determinada organização e identificar os riscos existentes para então desenvolver um plano de atuação para prevenir, minimizar e monitorar esses possíveis
riscos de violações praticadas pelas empresas e por seus colaboradores no dia-a-dia de suas atividades.
O setor privado busca também se adequar a padrões e obter certificações
que atestem a implementação do compliance. Essa forma de governança corporativa contribui para a efetivação do compliance e, consequentemente, para a
implementação do ODS 17.
1. Objetivo de desenvolvimento sustentável 17 e as metas de número
17.10 e 17.12
A princípio, podemos dividir as metas relacionada ao ODS 17 em 5 (cinco)
eixos quais sejam: finanças, tecnologia, capacitação, comércio e questões sistêmicas.
O primeiro eixo referente a finanças tem o intuito de estimular a mobilização de recursos financeiros, com o fim de auxiliar os países em desenvolvimento. Além de propiciar o regime de promoção de investimentos para os países
menos desenvolvidos, um dos mecanismos utilizados é a chamada assistência
oficial ao desenvolvimento, que define percentuais mínimos da renda nacional
bruta dos países desenvolvidos economicamente a serem direcionados para esta
finalidade.
Em seguida, o eixo da tecnologia trata da promoção do desenvolvimento,
transferência, disseminação e difusão de tecnologias entre os países em condições favoráveis e inclusivas.
O terceiro eixo referente à capacitação foca em países em desenvolvimento,
apoiando os planos nacionais para concretizar os objetivos de desenvolvimento
sustentável, em seus diferentes setores.
O quarto eixo do comércio concerne à promoção de um sistema multilateral de comércio, mais equitativo, aberto e com maior participação dos países menos desenvolvidos sob o manto da Organização Mundial do Comércio
316
Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável
(OMC). O último eixo trata das questões sistêmicas e pode ser subdividido em
três subitens, quais sejam:
Ciência de política institucional: Visa atingir um mundo com mais estabilidade, onde haja sinergia de esforços, buscando acima de tudo o respeito ao
espaço político de cada país e as suas particularidades.
Parcerias multisetoriais: Trata-se da importância da parceria do poder público com atores não estatais que mobilizem e compartilhem conhecimento,
expertise, tecnologia e recursos financeiros e podem ser alcançadas por meio de
parcerias público-privadas e com a sociedade civil.
Dados, monitoramento e prestação de contas: Tem como objetivo reforçar o
apoio à capacitação para os países em desenvolvimento, inclusive para os países
menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento, para
aumentar significativamente a disponibilidade de dados de alta qualidade, atuais e confiáveis, categorizados por renda, gênero, raça, etnia, status migratório,
localização geográfica e outras características relevantes em contextos nacionais.
Além da ODS 17, as metas específicas, particularmente, as metas 17.10 e
17.12 são relevantes para análise. A Meta 17.10 diz respeito à promoção de um
sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras abertas, não discriminatórias, equitativas no âmbito da OMC, inclusive por meio da conclusão
das negociações no âmbito de sua agenda. A Meta 17.12, por sua vez, visa concretizar a implementação oportuna de acesso a mercados livres de cotas e taxas,
de forma duradoura, para todos os países de menor desenvolvimento relativo,
de acordo com as decisões da OMC, inclusive por meio de garantias de que as
regras de origem preferenciais aplicáveis às importações provenientes de países
de menor desenvolvimento relativo sejam transparentes, simples e contribuam
para facilitar o acesso ao mercado e resolva questões sistêmicas.
2. Responsabilidade socioambiental das empresas
A responsabilidade social das empresas no que se refere ao desenvolvimento
sustentável deve integrar suas políticas internas para que se efetive a preservação
do meio ambiente e consequentemente o bem estar social na nova vertente de
atuação empresarial. A internalização deste princípio nos códigos de condutas
poderão contribuir em grandes proporções com o avanço social e ecológico.
Segundo Barbieri (2009), uma empresa pode ser dirigida de diversas formas,
dentre as quais, a que condiz com sócios ambientalmente responsáveis, em que
todas as tomadas de decisão empresariais levam em conta os inúmeros reflexos
internos e externos que possam gerar inclusive impactando de alguma forma a
vida dos funcionários, da comunidade, da sociedade, o meio ambiente e também as gerações futuras.
317
Paradiplomacia Ambiental
Sendo assim, agir com responsabilidade socioambiental é preocupar-se com
as consequências que determinadas ações podem causar às pessoas. Por conseguinte, para que uma empresa cumpra com seu objetivo - que é agir de maneira
socioambientalmente responsável -, as empresas devem adotar ferramentas de
gestão que permitam planejar, implementar, avaliar e fiscalizar os trâmites e
tomadas de suas decisões das empresas de forma a propiciar o mapeamento de
medidas capazes de evitar eventuais prejuízos a sociedade. Um desses instrumentos consiste no compliance.
Portanto, tem-se que a responsabilidade socioambiental, além de implicar
uma série de benefícios à sociedade, é benéfica para as próprias empresas, pois
elas passam a dar mais atenção ao processo de adequação e evitam o descumprimento de normas legais que geram multas e penalidades, além de obter uma
imagem sustentável positiva perante os consumidores e investidores que estão à
sua volta, potencializando a marca empresarial perante o mercado econômico.
No entanto, há uma preocupação crucial que é a preservação do meio ambiente. Diante dos inúmeros desastres ambientais e impactos na natureza, reflexos de nossa maneira de produzir e consumir, as ações devem ser reavaliadas
de forma a reduzir tais efeitos deletérios. José Segundo Carlos e Jorge Emanuel
Reis Cajazeira:
“O setor empresarial tem o poder de ditar a agenda do
presente e do futuro, uma agenda que dependerá do avanço da cultura da responsabilidade social no meio empresarial. Quanto mais avançar filosófica, conceitual e concretamente, mais chances teremos de evitar as catástrofes e de
promover o desenvolvimento sustentável. Um desenvolvimento socialmente responsável “. CAJAZEIRA, JORGE
EMANUEL, p.03
Por meio dessa agenda, podemos chegar à conclusão de que se as empresas agirem de forma responsável, teremos a longo prazo um desenvolvimento
sustentável e social mais real, além de contribuir para a redução de impactos
negativos ao meio ambiente.
Baseado na pirâmide de Archie Carroll,(1979), podemos definir a responsabilidade social empresarial em quatro patamares nos termos da figura 1 a seguir:
318
Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável
A responsabilidade econômica constitui a principal responsabilidade social
da empresa, vez que todas as empresas visam ao lucro e, segundo Carroll, o
sucesso econômico é basilar para a sociedade, e por esse motivo sua produção
buscará sempre o fornecimento de produtos de qualidade capazes de satisfazer
as necessidades de seus consumidores, com o intuito de obter lucro.
A partir do momento que a empresa assume seu papel produtivo na sociedade, consequentemente o próprio sistema jurídico lhes impõe regras básicas
para o seu funcionamento, isto é, as empresas ficam submetidas a cumprir com
as leis que estejam em vigência. Portanto, a sociedade espera que tal empresa
esteja em conformidade com o ordenamento jurídico ao qual esteja submetida.
O terceiro patamar da pirâmide refere-se à responsabilidade ética, essa diferente da responsabilidade legal, que impõe que o indivíduo deva agir de acordo
com a lei. A questão ética refere-se à obrigação de fazer o que é certo e justo.
Em outras palavras, agir com ética está diretamente atrelado à postura e ao comportamento no meio social. Dessa forma, é possível evitar e minimizar danos à
sociedade.
Por fim, o quarto patamar da pirâmide de Carroll não mais se trata de uma
imposição social como as demais responsabilidades acima trazidas. Este patamar fica a cargo de escolhas e julgamentos morais individuais, do qual se espera
um posicionamento cidadão nas tomadas de decisões, ou seja, a empresa (e seus
líderes) deve ter em mente o bem estar social e a preocupação com o bem estar
da humanidade.
Diante da análise da pirâmide de Carroll (1979), que nos permite ter uma
visão geral de quais são os objetivos empresarias bem como suas responsabilidades sociais, as empresas devem ao mesmo tempo em que visam obter lucros,
obedecer o ordenamento jurídico a qual estejam submetidas e atender às expectativas da sociedade. Espera-se que contribuam para a sociedade, pois somente
dessa forma é possível alcançar o desenvolvimento sustentável e, a longo prazo,
319
Paradiplomacia Ambiental
garantir a continuidade da própria organização empresarial.
3. Compliance como contribuição ao alcance da ODS 17
De acordo com Dício (2019), o termo compliance tem origem no verbo inglês
to comply, que se refere a agir em conformidade com uma regra, uma instrução
interna, um comando ou uma norma, seja ela corporativa ou legislativa. Portanto, compliance constitui o conjunto de ações internas que permite fazer um mapeamento de determinada instituição com o objetivo de prevenir e minimizar
os riscos de violações às leis decorrentes de atividades ou ações praticadas pelas
empresas e seus colaboradores e para monitorar a implementação e o andamento desse conjunto de ações (MENDES e CARVALHO 2017).
Franciso Mendes e Vinícius Carvalho (2017):descrevem:
Um programa de Compliance visa estabelecer mecanismos
e procedimentos que tornem o cumprimento da legislação parte da cultura corporativa. Ele não pretende, no
entanto, eliminar completamente a chance de ocorrência
de um ilícito, mas sim minimizar as possibilidades de que
ele ocorra, e criar ferramentas para que a empresa rapidamente identifique sua ocorrência e lide da forma mais adequada possível com o problema (MENDES, CRVALHO
2017).
Por meio do compliance identifica-se se determinado ato não está em conformidade com as obrigações contraídas por determinadas instituições e, a partir
daí, criam-se estratégias que permitam adequar as condutas da organização
dentro do que dispõe as normas legais e institucionais. Neste sentido, o compliance permite um monitoramento e verificação de irregularidades ou descumprimento dos critérios legais, mediante meios de coleta de informações e dados,
a fim de identificar os riscos, minimizá-los e promover a transparência dentro
da organização.
Com o objetivo de promover o constante aperfeiçoamento e a modernização do sistema financeiro, a ABBI - Associação Brasileira de Bancos Internacionais, por meio do Comitê de Compliance, e a FEBRABAN - Federação Brasileira
de Bancos, pela Comissão de Compliance, têm desenvolvido temas e estudos
técnicos que estão diretamente ligados à função e às boas práticas de compliance.
4. A evolução histórica do compliance
O cumprimento das regras sociais sempre foi essencial para que a sociedade mantivesse a ordem social entre seus indivíduos, de forma a propiciar um
melhor convívio entre todos. De acordo com o a ABBI - Associação Brasileira
de Bancos Internacionais (2009), as normas constituem um imperativo de con320
Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável
duta cujo objetivo é coagir os sujeitos a se comportarem de forma esperada, isto
é, em conformidade com os princípios éticos e morais estabelecidos pelo seu
ordenamento.
Com o passar dos anos, o cumprimento de normas acabaram por se tornar
algo indispensável para os países e instituições, surgindo a necessidade de se encontrar um mecanismo capaz de mapear estratégias para o efetivo cumprimento
do ordenamento, a que determinada instituição esteja inserida.
De acordo com os relatos da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos,(2009) o marco referencial do compliance foi a Conferência de Haia em 1930
e a qual deu origem à fundação do Bank for International Settlements (BIS), sediado em Basiléia, na Suíça. Essa instituição cuida da supervisão bancária e visa
promover a cooperação entre os bancos centrais e outras agências na busca por
estabilidade monetária e financeira.
Verifica-se que tal instituição adota os princípios de um programa de compliance e teve como objetivo principal proporcionar a cooperação entre os bancos centrais, a fim de se combater os crimes associados à “lavagem de dinheiro”.
Em 1960 deu-se origem ao compliance, quando a agência americana “SEC Secutities and Exchange Commission”, passou a contratar os “Compliance Officers”
(profissionais de compliance), para que estes pudessem criar estratégias de controle interno, treinar pessoas e monitorar, com o intuito de auxiliar as áreas de
negócios e propiciar a efetiva supervisão dentro das organizações.
Segundo a FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos (2009), em 1974
foi instituído o Comitê de Regulação Bancária e Práticas de Supervisão, fundado pelos Bancos Centrais dos países membros. Nesse comitê são discutidas
questões relacionadas à indústria bancária, onde são estabelecidos padrões de
conduta, estímulos a supervisão bancária a fim de propiciar uma maior segurança ao sistema bancário internacional. Nesse período o mundo passava por
diversas transformações e crises, como a crise do petróleo de 1973, fazendo com
que muito pilares constituídos ao longo da história tivessem que ser revistos.
No ano de 1988, os controles internos começam a ganhar força, tendo
como marco o “Acordo de Basiléia”, constituído pelo Comitê da Basiléia, em
que foram estabelecidos parâmetros básicos de liquidez e responsabilidade para
todo o mercado. Foram publicados 13 princípios relacionados com a supervisão
dos bancos e instituições financeiras por intermédio de seus administradores,
além de fiscalização e controle interno para se alcançar a estabilidade do sistema
financeiro de forma geral.
No Brasil, em 1998, o Congresso Nacional cria a Lei 9.613/98, que dispõe
sobre os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores.
A prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nessa
norma cria o Conselho de Atividades Financeiras (COAF).
321
Paradiplomacia Ambiental
No mesmo ano, o Brasil adota os 13 princípios do Basiléia II acordo este
instituído em 2004 para substituir o Acordo Basiléia I, assinado pelo comitê
de supervisão bancária de Basiléia, o qual o Brasil por meio da publicação da
Resolução de n° 2.554/98, incluiu em seu ordenamento, essa resolução por sua
vez dispõe sobre a implementação de sistema de controles internos relativos a
tais princípios.
O Bacen (Banco Central do Brasil), durante o processo de preparação do
ambiente para início da implementação das regras definidas no referido acordo,
estabeleceu exigências de desenvolvimento e controle interno das normas, direcionando as instituições financeiras para a necessidade de criação do compliance.
Através da instituição da Basiléia II, o Bacen estabeleceu procedimentos
para implementação desta nova estrutura, que posteriormente foi alterado
pelo comunicado de nº 16.137/2007. Diante das inúmeras imposições legais,
os governos e instituições financeiras brasileiras foram criando regulamentos
e adotando práticas de forma que pudessem estar adequadamente dentro das
normas e exigências a eles impostas, necessitando consequentemente da criação
do “compliance”.
Salientamos ainda que neste mesmo ano foi criada a norma Australiana AS
3806;1998, como a primeira referência do mundo a estabelecer os princípios
para o desenvolvimento, a implementação e a manutenção de programas de
compliance eficazes tanto em organizações públicas como em organizações privadas.
Nota-se que diante das inúmeras imposições legais instituídas às empresas e
organizações, o compliance serve como um mecanismo de prevenção, pois permite se fazer o mapeamento do que está fora das normas legais e o que é possível
fazer para melhorar determinadas falhas dentro das organizações.
5. Compliance ambiental
O compliance, por ser uma estratégia não obrigatória, mas que permite o
acompanhamento e fiscalização dos atos praticados pelas organizações, e com
isso evitar eventuais irregularidades ou violações as normas legais, começou a
ser aplicado em outros ramos do Direito, como o ambiental.
Conforme GOMES (2017), pode-se se dizer que as normas legais, têm aumentado significativamente em razão dos inúmeros desastres ambientais que
vem ocorrendo, sendo que muitos desses desastres são causados pela falta de
fiscalização dentro das organizações e às vezes pelo descumprimento das regras
impostas pelo ordenamento jurídico.
O compliance pode ser utilizado como um instrumento de transparência,
mapeamento de eventuais irregularidades ambientais e meio primário para
322
Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável
implementação de medidas preventivas. Contudo segundo Gomes (2017) apesar de o ordenamento normativo estar à disposição para orientar o seu efetivo
cumprimento, nem sempre é o que acontece, muitos optam por se omitir ou
negligenciar, com a finalidade de obter maiores lucros.
Assim, temos que diante dos inúmeros impactos ambientais gerados pela
falta de responsabilidade das empresas, bem como o descumprimento das normas legais, com consequências também para as empresas e os processos produtivos tem impulsionado as organizações pela busca de estratégias eficientes
capazes de potencializar o cumprimento das normais legais bem como a criação
de estratégias preventivas, proporcionando desta forma a mitigação dos riscos
ambientais.
O compliance pode ser aplicado a diversas áreas do conhecimento, todavia,
trazendo particular benefício para a esfera ambiental de acordo com o entendimento do autor mencionado (GOMES, 2017). Além de se levar ao cumprimento das normas e diretrizes governamentais do Direito Ambiental, de forma
a evitar multas, notificações, advertências e processos judiciais, a empresa que
respeita as normas legais vigentes acaba por se tornar bem vista perante o mercado de consumidores.
Além do cumprimento de normas nacionais e internacionais, o compliance
por ser um mecanismo de prevenção quanto a eventuais processos judiciais e
penalidades, garantia de transparência dos negócios, pode ser também um forte
auxílio para o alcance do ODS 17.
Através de ações preventivas, que possibilitam a não ocorrência de danos
ambientais, o compliance pode estimular a implementação de treinamentos internos que poderão ter reflexos globais, vez que através da educação pode-se criar
estratégias que contribuam não só com o cumprimento de normas internas,
mas também com o fortalecimento dos meios de implementação e revitalização.
Temos ainda, que a adoção de tal sistemática pelas organizações privadas
viabiliza a parceria entre o setor público e o setor privado, onde juntos podemos
contribuir com a cooperação mútua entre os entes da sociedade é possível se
alcançar os ODSs.
6. Empresas signatárias do pacto global e sua contribuição para os
ODS
O Pacto Global da ONU tem como objetivo mobilizar empresas que possuam o interesse em contribuir com o desenvolvimento sustentável. O mesmo foi
desenvolvido tendo como norte a Declaração Universal de Direito Humanos,
a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direito Fundamentais no Trabalho, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra Corrupção.
323
Paradiplomacia Ambiental
O Pacto traz 10 (dez) princípios que as empresas signatárias devem cumprir
no dia-a-dia de suas operações, em linhas gerais tais princípios versam sobre
questões de direito humanos, condições dignas de trabalho, preservação do
meio ambiente e ações voltadas a anticorrupção.
O grupo de direitos humanos é composto por dois importantes princípios,
o primeiro “respeitar” diz que as empresas devem apoiar e respeitar a proteção
de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, o segundo “assegurar”
buscar a não participação das empresas em violações destes direitos.
O progress report, feito pelo Pacto Global, traz alguns dados numéricos para
fim de elucidação da efetividade de tais princípios, nele é apontado que 92%
das empresas instituíram políticas e práticas relacionados aos direitos humanos,
no qual 80% instituíram princípios que versam sobre direitos humanos em seus
códigos de conduta, além disso 53% ofereceram treinamentos para conscientização, ainda 72% relatou que o Pacto global foi uma das fontes primárias para
adoção de tais medidas em suas respectivas empresas.
O segundo grupo diz respeito a questões relacionadas ao trabalho, este contempla 5 (cinco) princípios, sendo eles “apoiar” a liberdade de associação e
reconhecer o direito à negociação coletiva, “eliminar” todas as formas de trabalho forçado ou compulsório, “erradicar” todas as formas de trabalho infantil
de sua cadeia produtiva e “estimular” práticas que eliminem qualquer tipo de
discriminação no emprego.
Este mesmo relatório dispõe que 85% têm políticas de não discriminação,
igualdade de oportunidade e garantia de condições de trabalho dignas, os outros 62% afirmam que o pacto global foi quem incentivou-os ao alcance de tais
princípios e implementação em suas corporações.
O grupo meio ambiente contempla 03 (três) princípios “assumir práticas”
que adotem uma abordagem preventiva, responsável e proativa para os desafios
ambientais, “desenvolver” iniciativas e práticas para promover e disseminar a
responsabilidade socioambiental e “incentivar” o desenvolvimento e a difusão
de tecnologias ambientalmente responsáveis. Segundo dados extraídos da pesquisa realizada pelo progress report, 78% dos entrevistados atestam ter consumo
sustentável e objetivos de uso responsável, 1/2 alega integrar totalmente questões de água, alterações climáticas, energias renováveis e biodiversidade em suas
estratégias corporativas e operações, 2/3 relatam que o pacto global foi forte
influenciador para a abordagem destas temáticas.
Por fim, temos o último e não menos importante grupo, o de anticorrupção, cujo princípio central é “combater” a corrupção em todas as suas formas,
incluindo extorsão e suborno. Este mesmo relatório apresenta que cerca de
82% dos entrevistados afirmam integrar esse princípio em seu código de conduta, enquanto 2/3 relatam adotar políticas de tolerância zero em relação à
324
Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável
corrupção, para outros 62% o pacto global foi um forte influenciador para a
abordagem da temática.
Além dos 10 (dez) princípios defendidos pelo Pacto Global, este visa criar
ações estratégicas com o fim de se alcançar as metas mais amplas, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Por este motivo temos que, o estudo destes princípios é de extrema relevância para que possamos entender que o mesmo refere-se a estratégias e ações que
possibilitam o alcance da Agenda 2030. Neste contexto, empresas, organizações
da sociedade civil, associações empresarias, organizações trabalhistas e instituições acadêmicas, ao se tornarem signatárias do Pacto Global assumem a responsabilidade por seguir os 17 ODSs, trazendo benefícios para sociedade global e
sucesso a longo prazo às próprias empresas.
A Rede Brasil afirma que 78% das empresas que adotaram o Pacto Global
estão alinhando suas estratégias aos ODSs. Logo fazer parte deste Pacto constitui uma forma de promover o desenvolvimento sustentável com preservação
ambiental, bem estar social e equilíbrio financeiro.
Nesta linha, foi desenvolvida uma plataforma online a “SDG Action Manager”, cuja finalidade é auxiliar as empresas a agirem e melhorarem continuamente suas ações direcionadas ao alcance da Agenda 2030 e, consequentemente, a promoção do bem comum. Criado pelo B Lab e pelo Pacto Global
das Nações Unidas, trata-se de uma ferramenta de impacto de gerenciamento
gratuita e confidencial, a qual contribui para o desenvolvimento e melhoramento do setor.
7. Padrões e certificações
O setor privado desempenha um papel de extrema relevância para o alcance dos ODS em especial a ODS 17, isso porque as empresas movimentam
a economia, além de que muitas ações empresariais acabam por impactar diretamente no ambiente social e ambiental. Neste contexto, temos que as empresas direta ou indiretamente exercem grande influência sobre a sociedade,
logo a conscientização dos líderes coorporativos pode ser uma eficaz estratégia
para o conseguimento dos ODS.
Normalmente esses líderes podem inclusive ser responsabilizado, por
exemplo na legislação brasileira os diretores de uma empresa podem ser processados civilmente tendo de pagar multas e inclusive criminalmente no caso
de danos ambientais. Para evitar esses problemas, afastar eventuais barreira
técnicas ao comércio internacional e comprovar o atendimento a normas internacionais de qualidade, existem diversas certificações independentes, criadas
por stakeholders, visando suprir a falta de ação do governo nesse sentido (PIACENTE, 2005).
325
Paradiplomacia Ambiental
Além das certificações existem também os padrões privados ou padrões de
mercado quando designam os originários das empresas ou de organizações não
governamentais que são diferentes dos padrões privados internacionais elaborados por instituições reconhecidas pelos governos como a ISO. Também podem
ser chamados de padrões de sustentabilidade quando contribuem para uma gestão mais eficiente da produção e da distribuição, colocando em prática métodos
mais sustentáveis (DENNY, 2018).
A metodologia de padronização tem se mostrado útil principalmente por
permitir maior facilidade para a interação nacional, internacional, pública e
privada. Nesse contexto, as normas precisam ser ágeis e pragmáticas para serem
eficazes, pois ganhos de convergência, coerência e cooperação (THORSTENSEN;
MESQUITA, 2016) regulatória são essenciais para assegurar a competitividade
nesse contexto em que a eficiente administração da logística global representa o
diferencial estratégico entre as empresas.
Apesar de serem oficialmente voluntários, uma vez que nenhuma entidade
governamental ou internacional exige seu cumprimento, podem na prática, ter
muita aplicabilidade e representar um tipo de barreira à entrada em mercados
mais regulados. Essa característica, no sentido de Terence C. Halliday e Gregory
Shaffer (HALLIDAY; SHAFFER, 2015), faria com que houvesse uma obrigatoriedade, como se fosse a conseguida por força de norma transnacional.
Dessa maneira, padrões privados se mostram eficientes para articular o
novo institucionalismo (HALL; TAYLOR, 1996), focado na governança. Exercem três papéis simultaneamente: substituem regulação pública inadequada,
criam regulamentação cada vez mais rigorosa em áreas como a ambiental, por
exemplo, superando as regulamentações públicas e fornecendo bases sistematizadas para a diferenciação dos produtos (VIEIRA; THORSTENSEN, 2016), ou
seja formas de comparação uniforme para permitir distinguir um produto dos
demais.
Os padrões privados são uma de quatro combinações possíveis entre formas de regulação público/privado e obrigatória/voluntário (HENSON; HUMPHREY, 2010, p. 1630). Os quatro tipos são: padrões públicos obrigatórios:
denominados regulamentos, obrigam por força de lei interna; normas públicas
voluntárias: padrões que são criados por organismos públicos, mas cuja adoção
é voluntária, podem ser condição para a consecução de algum tipo de vantagem
ou acesso a mercado; normas desenvolvidos pelo setor privado que são, em
seguida, tornadas obrigatórias pelo poder público, pois são consideradas exigências de comprovação de uma determinada qualidade; e normas privadas voluntárias: desenvolvidos e aprovados por organismos privados e que são exigidas
apenas por esses entes privados, mas que, porém podem ter bastante efetividade
caso essa empresa privada seja uma grande empresa transnacional que detenha
326
Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável
parcela substancial do mercado.
Além disso, as normas privadas voluntárias têm cinco funções a desempenhar (HENSON; HUMPHREY, 2010, p. 1631): formular os procedimentos
operacionais de um padrão; decidir sobre a adoção ou não de um padrão; implementar a regra prevista a partir de procedimentos de adequação, avaliação
de conformidade para verificar se aqueles que afirmam cumprir a norma podem
fornecer provas documentais para comprovar o cumprimento das normas; certificação, recomendação de medidas corretivas ou desacreditação caso não haja
conformidade.
É destacável a existência de uma divisão temática (THORSTENSEN;
VIEIRA, 2015, p. 5) entre: padrões relacionados a segurança alimentar;
regulações exigindo o cumprimento de normas ambientais e sociais; padrões
técnicos e de qualidade; e, por último, quadros normativos meta regulatórios,
a respeito de melhores práticas para serem elaboradas as normas privadas voluntárias. Assim, existem várias alternativas eficientes que o setor privado pode
implementar em suas organizações, a fim, de contribuir com o ODS 17 e melhoramento da ordem global.
CONCLUSÃO
Isoladamente os governos não são capazes de atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU. Especificamente o Objetivo
de Desenvolvimento Sustentável 17 com seus diversos eixos de atuação não conseguirá ser atingido plenamente se for limitado às políticas e interesses públicos,
também as empresas devem compartilhar e auxiliar. A atuação conjunta de
atores públicos e privados é essencial para a efetividade de políticas públicas de
desenvolvimento sustentável. Os mecanismos e sistemas desenvolvidos no ambiente empresarial podem contribuir para essa atuação conjunta. O compliance
empresarial - com seus pilares de mapeamento dos riscos, plano de ação, implementação das políticas internas para mitigação de riscos e monitoramento
das políticas implementadas – possui ferramentas para auxiliar na prevenção
de condutas indesejadas e mitigação dos riscos, bem como meios para auxiliar
no encaminhamento de condutas desejadas para implementação dos objetivos
pré-definidos na Agenda 2030.
REFERÊNCIAS
ALVES, Flávia, et.al. Os padrões privados e sua relação com o Acordo
TBT da OMC, ICTSD, [S.1]. outubro de 2014. Disponível em <https://
www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/os-padr%C3%B5es-privados-
327
Paradiplomacia Ambiental
e-sua-rela%C3%A7%C3%A3o-com-o-acordo-tbt-da-omc > Acesso em:
25/03/2020.
AMARAL Manuela Kirschner. Padrões privados e outras fontes não tradicionais de governança no âmbito dos regimes de mudança climática e multilateral de comércio da OMC. Tese (Doutorado em Relações Internacionais)
– Universidade de Brasília UNB, Brasília/DF, 2014.
BIS - Bank for International Settelments - Compliance and the Compliance
Function in Banks, Basle Committee on Banking Supervision, April, 2005.
CARROLL, Archie B. A three-dimensional conceptual model of corporate
performance. Academy of Management Review v.4, n.4, 1979.
CARROLL, Archie B. The piramid of corporate social responsibibility toward the moral management orgazational stakeholders.Business Horizont,
jul/aug.1991.
COMISSÃO DE COMPLIANCE - FEBRABAN. Associação Brasileira de
Bancos Internacionais; COMITÊ DE COMPLIANCE - ABBI. Federação
brasileira de bancos. FUNÇÃO DE COMPLIANCE. Função de compliance, São Paulo, p. 30, 10 jun. 2009. Disponível em: file:///C:/Users/
heloi/AppData/Local/Temp/Temp2_TCC.zip/funcaodecompliance_09.
pdf. Acesso em: 7 fev. 2020.
Como difundir os ODS dentro de sua organização. Pacto Global Rede Brasil, [S.1],2019, Disponível em: <https://pactoglobal.org.br/noticia/285>
Acesso em: 22.03.2020.
Como empresas podem apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nações Unidas Brasil, [S.1], maio de 2019. Disponível em: <https://
nacoesunidas.org/como-empresas-podem-apoiar-os-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-veja-aqui-as-dicas/> Acesso em: 23.03.2020.
Como os ODS vêm sendo incorporados pelas empresas. WAY CARBON, [S.1] março de 2019. Disponível em: <https://blog.waycarbon.
com/2019/03/ods-incorporados-pelas-empresas/> Acesso em: 26/03/2020.
Como se tornar signatário do pacto global da organização das nações unidas ONU. Centro Sebrae de Sustentabilidade. [S.1] 2018, Disponível em: <
http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/Para%20sua%20
empresa/Publica%C3%A7%C3%B5es/NIS_2017_CSS_PACTO-GLOBAL.pdf > Acesso em: 31.03.2020.
CROZATTI, Jaime. Modelo de gestão e cultura organizacional: conceitos e
interações. Editora. Scielo, 2015. Disponível em: < http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-92511998000200004>
Acesso
em: 26.03.2020.
DENNY, Danielle Mendes Thame. Agenda 2030 e governança ambiental :
328
Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável
estudo de caso sobre etanol da cana de açúcar e padrões de sustentabilidade como bonsucro. 2018. - UNISANTOS - Universidade Católica de
Santos, Santos [Brazil], 2018. Disponível em: http://biblioteca.unisantos.
br:8181/handle/tede/4581. Acesso em: 24 jun. 2018.
Dicionário Online de Português, São Paulo, Dício, 2019
FREDERICI, Magno et al. A EFETIVAÇÃO DO COMPLIANCE AMBIENTAL DIANTE DA MOTIVAÇÃO DAS CERTIFICAÇÕES BRASILEIRAS. RDFG, São Paulo, jun. 2017.
GESTÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: Desafios e
proposições para a Sustentabilidade Socioambental. 1. ed. São Paulo: 2013.
HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R. Political Science and the Three
New Institutionalisms. Political Studies, [S. l.], v. 44, n. 5, p. 936–957,
1996. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1467-9248.1996.tb00343.x
HALLIDAY, Terence C.; SHAFFER, Gregory (org.). Transnational Legal
Orders. New York, NY: Cambridge University Press, 2015. E-book.
HENSON, Spencer; HUMPHREY, John. Understanding the Complexities
of Private Standards in Global Agri-Food Chains as They Impact Developing
Countries. The Journal of Development Studies, [S. l.], v. 46, n. 9, p. 1628–
1646, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00220381003706494
Integração dos ODS na estratégia empresarial. Um Global Compact Rede
Brasil. [S.1] fevereiro de 2019, Disponível em: <https://www.pactoglobal.
org.br/assets/docs/cartilha_pacto_global.pdf> Acesso em: 23/02/2020.
Nações Unidas Brasil. Parceria e meio de implementação, [S.1]. 2019, Disponível em <https://nacoesunidas.org/pos2015/ods17/> Acesso em
23/03/2020;
Pacto Global Rede Brasil. ODS&EMPRESAS. [S.1], 2019, Disponível em:
<https://www.pactoglobal.org.br/ods_empresas> Acesso em: 19/02/2020.
PIACENTE, Fabrício José. Agroindústria canavieira e o sistema de gestão
ambiental: o caso das usinas localizadas nas Bacias Hidrográficas dos rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí. 2005. - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/286129/1/Piacente_FabricioJose_M.pdf. Acesso em: 31
maio. 2018.
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E EMPRESA SUSTENTÁVEL: Da teoria à prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009
SDG action manager: nova ferramenta para as empresas adotarem medidas
signiticativas para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável da
onu. SISTEMA B, [S.1], 2018. Disponível em <https://sistemab.org/sdg-action-manager-nova-ferramenta-para-as-empresas-adotarem-medidas-signifi329
Paradiplomacia Ambiental
cativas-para-alcancar-os-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu/>
Acesso em 29.03.2020.
SEGAL, Robert Lee. COMPLIANCE AMBIENTAL NA GESTÃO EMPRESARIAL. distinções e conexões entre compliance e auditoria de conformidade legal, São Paulo, 2 abr. 2019.
SENA, Aderita et.al. Medindo o invisível: análise dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em populações expostas à seca. Editora. Scielo, agosto de 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n3/14138123-csc-21-03-0671.pdf>. Acesso em: 24.03.2020.
SZOMSZOR Martin. Mapeando o impacto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU na pesquisa global, [S.1] maio de 2019. Disponível
em:<
https://blog.scielo.org/blog/2019/05/10/mapeando-o-impacto-dos-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-onu-na-pesquisa-global/#.XoC6v4hKjIU> Acesso em: 25.03.2020 Aluna especial da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
THORSTENSEN, Vera Helena; VIEIRA, Andreia Costa. Private standards
or market standards: in search for legitimacy and accountability in the international trading system. [S. l.], 2015. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/16370. Acesso em: 11 jun. 2017.
THORSTENSEN, Vera; MESQUITA, Alebe. Coerência, Convergência e
Cooperação Regulatória nos Capítulos de Barreiras Técnicas ao Comércio
e Medidas Sanitárias e Fitossanitárias do Acordo Transpacífico. Brasília,
DF: IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2016. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28762&catid=390&Itemid=406.
UN, United Nations. Agenda 2030. [S. l.: s. n.] Disponível em: http://www.
un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E. Acesso
em: 12 jun. 2017.
VIEIRA, Andreia Costa; THORSTENSEN, Vera Helena. Regulatory
barriers to trade: TBT, SPS and sustainability standards. São Paulo, SP,
Brasil: VT Assessoria Consultoria e Treinamento Ltda, 2016. E-book. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/17663.
Acesso em: 11 jun. 2017.
330
View publication stats