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Livro ODS

2021

When the 2030 Agenda was adopted back in 2015, experts in environ- mental paradiplomacy were excited to see the ambitious and inclu- sive result after a long negotiation process. Most of all, several authors of this book have also contributed to that process advocating for a territorial vision and a subnational perspective of the SDGs. The universal, transformational and inspirational traits of the Sustainable Development Goals (SDGs) are particularly important for subnational govern- ments. The SDGs, developed under the 2030 Agenda, might at first sight not represent a huge innovation, especially when considering that several gover- nments have been working on most of their themes for many years, but they already have greatly influenced subnational policies. When translating the SDGs into different realities and planning for their implementation, governments have the chance to review policy making, impro- ve thematic coordination and boost morale in public services by engaging citi- zens and experts in the construction and implementation of a renewed agenda for regional and local territories. The purpose of this book aims to support the implementation of the 2030 Agenda at the level of subnational governments, providing expertise and best practices that can be replicated and showcased. This book is the result of a frui- tful collaboration with partner researchers in Latin America and Europe, many of whom work specifically with subnational governments and their networks and organizations. The chapters include the production of quality content about the expe- riences on the implementation of this agenda and reports on the inclusion of subnational governments in national reviews. This book was organized by the “Energy and Environment” and “Global Governance” Research Groups from the Doctoral Program in International Environmental Law of the Ca- tholic University of Santos, Brazil, and serves as the basis for environmental paradiplomacy, establishing knowledge and guidelines that support subnational governments’ capacities to implement the SDGs. The book also aims to share subnational governments’ contribution to the SDGs and understand the internal process undertaken by several regions to incorporate and transform the global agenda into their own, reflecting their specific circumstances.

e-ISBN: 978-65-87719-11-5 PARADIPLOMACIA AMBIENTAL ENVIRONMENTALPARADIPLOMACY AGENDA2030 Fernando Rei, Maria Luiza Machado Granziera e Alcindo Gonçalves (Organizadores) Chanceler Dom Tarcísio Scaramussa, SDB Reitor Prof. Me. Marcos Medina Leite Pró-Reitora Administrativa Pró-Reitora de Graduação Pró-Reitor de Pastoral Profª. Dra. Mariângela Mendes Lomba Pinho Profª. Dra. Rosângela Ballego Campanhã Prof. Me. Pe. Cláudio Scherer da Silva Coordenador Prof. Me. Marcelo Luciano Martins Di Renzo Conselho Editorial (2020) Prof. Me. Marcelo Luciano Martins Di Renzo (Presidente) Prof. Dr. Fernando Rei Prof. Dr. Gilberto Passos de Freitas Prof. Dr. Luiz Carlos Barreira Prof. Dr. Luiz Carlos Moreira Profª Dra Maria Amélia do Rosário Santoro Franco Prof. Dr. Paulo Ângelo Lorandi Prof. Dr. Sergio Baxter Andreoli Editora Universitária Leopoldianum Av. Conselheiro Nébias, 300 – Vila Mathias 11015-002 – Santos - SP - Tel.: (13) 3205.5555 www.unisantos.br/edul Atendimento leopoldianum@unisantos.br Fernando Rei Maria Luiza Machado Granziera Alcindo Gonçalves (Organizadores) PARADIPLOMACIA AMBIENTAL Environmental Paradiplomacy AGENDA 2030 Santos 2020 [Dados Internacionais de Catalogação] Departamento de Bibliotecas da Universidade Católica de Santos Maria Rita C. Rebello Nastasi - CRB-8/2240 Paradiplomacia ambiental - Agenda 2030 = [e-book]: environmental paradiplomacy / Fernando Rei, Maria Luíza Machado Granziera, Alcindo Gonçalves (Organizadores). -- Santos (SP) : Editora Universitária Leopoldianum, 2020. 340 p. e- Edição multilíngue - - e- - - - - 1. Direito ambiental. 2. Política internacional. 3. Livros eletrônicos. I. Rei, Fernando Cardozo Fernandes. II. Granziera, Maria Luiza Machado. III. Gonçalves, Alcindo - 1952-. IV. Título. V. Título : Environmental paradiplomacy. CDU: e-book Revisão Autores / Edul Revisão de Tradução José Martinho Gomes e Deise Maria Biazon Planejamento Gráfico / Diagramação / Capa Elcio Prado Sobre o ebook Formato: 160 x 230 mm • Mancha: 130 x 200 mm Tipologia: Times New Roman (textos/títulos) Este ebook foi produzido em outubro de 2020. Distribuidora Loyola Rua São Caetano, 959 (Luz) CEP 01104-001 – São Paulo – SP Tel (11) 3322.0100 – Fax (11) 3322.0101 E-mail: vendasatacado@livrarialoyola.com.br Colabore com a produção científica e cultural. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................................08 INTRODUCTION...................................................................................10 PRESENTACIÓN.....................................................................................12 ODS 1 - A POBREZA HUMANA FRENTE À AUSÊNCIA DE MORADIA E AO ACESSO AOS SERVIÇOS BÁSICOS: A ATUAÇÃO DOS ENTES SUBNACIONAIS E PODER LOCAL EM SÃO PAULO, COMO MEIO PARA O ALCANCE DO ODS 1 E META 1.4...........................................14 Maria Luiza M.Granziera e Karla Aparecida V. Alves da Cruz ODS 2 - FOMENTO MUNICIPAL À AGRICULTURA URBANA SUSTENTÁVEL COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL.................................32 Raul Miguel F. de Oliveira e Aklla Guimarães Sales ODS 3 - A ATUAÇÃO DOS GOVERNOS SUBNACIONAIS NO ENFRENTAMENTO DA CRISE PANDÊMICA MUNDIAL DA COVID-19 NO BRASIL............................................................................................50 Antonio C. N. Pereira da Silva, Fernando C. Fernandes Rei, Alfésio Luis F. Braga e Luiz Alberto A. Pereira ODS 4 - DESAFIOS PARA UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE: ANÁLISE DOS DADOS DO FÓRUM POLÍTICO DE ALTO NÍVEL DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (HLPF) - 2019........................................................................................67 Débora Gomes Galvão ODS. 5 - POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESPAÇO SUBNACIONAL: A IMPORTÂNCIA DE MECANISMOS DA PARADIPLOMACIA PARA PROMOÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES E INCLUSÃO SOCIAL, COM EXEMPLOS DO ESTADO DE SÃO PAULO.............................81 Adriana M. Yaghsisian, Gabriela S. Garcez e Simone A. Cardoso ODS. 6 - FALTA DE SANEAMENTO: O PREÇO QUE O ESTADO E A POPULAÇÃO PAGAM.........................................................................109 Francine Delfino Gomes ODS 7 - EFICIÊNCIA ENERGÉTICA: O PAPEL DA ANEEL NA IMPLEMENTAÇÃO DAS METAS DO ODS 7......................................130 Maria A. dos Santos Accioly e Antonio C. dos Santos Baltazar ODS 8 - ODS 08 - A IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO SUBNACIONAL DO CRESCIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL. ANÁLISE DO ODS 08 NO ESTADO DE SÃO PAULO................................................142 Valéria Cristina Farias e Fernando Rei ODS 9 - INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA: A APLICABILIDADE DA BIOARQUITETURA COMO INSTRUMENTO VIÁVEL NO ALCANCE DAS METAS 9.1 E 9.A....................................165 Fernanda Cuculo Abdul-Hak Antelo ODS 10 - ALÉM DO HABITUAL: REFLEXÕES SOBRE PROPOSTAS DE SOLUÇÕES DURÁVEIS NO ÂMBITO DAS MIGRAÇÕES FORÇADAS...........................................................................................170 Rosilandy Carina Candido Lapa ODS 10 - A SPATIAL DIMENSION TO TACKLE INEQUALITIES WITHIN COUNTRIES.................................................................183 Rodrigo Messias ODS 11 - LOS RÍOS URBANOS COMO EJE DE TRANSFORMACIÓN DE LAS CIUDADES SOSTENIBLES: LA EXPERIENCIA DE MEDELLÍN..................................................................................200 Jorge Jurado ODS 12 - O PROTAGONISMO DE ENTES SUBNACIONAIS NA PROIBIÇÃO DO AMIANTO NO BRASIL: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A CONCRETIZAÇÃO DA ODS 12.4...................................................214 Celi Aparecida C. Honain e Flávio de Miranda Ribeiro ODS 13 - EL ESTADO DE SAO PAULO Y SU ESTRATEGIA RELATIVA AL CAMBIO CLIMÁTICO EN EL CONTEXTO DE LA PARADIPLOMACIA EN RED...............................................................230 Fernando Rei e Mariângela Mendes Lomba Pinho ODS 14 - ODS 14 E META 14.C: O RISCO DO TIRO SAIR PELA CULATRA............................................................................................244 Antonio Elian Lawand Junior ODS 15 - MATA CILIAR, RECURSOS HÍDRICOS E O PROGRAMA NASCENTES NO ESTADO DE SÃO PAULO: ENFRENTAMENTOS PARA OFERTA DE ÁGUA...................................................................268 Andrew Rangel dos Reis e Cleber Ferrão Corrêa ODS 15 - MAINSTREAMING BIODIVERSITY: THE SUBNATIONAL GOVERNMENT EXPERIENCE...........................................................285 Maria Luiza Machado Granziera e Renata Gomez ODS 16 - A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA SOCIEDADES INCLUSIVAS: A CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADES MULTINÍVEL E MULTIATORES NO CONTEXTO DA AGENDA 2030.........................300 Maria Luiza Machado Granziera e Rhiani Salamon Reis Riani ODS 17 - COMPLIANCE E A PARCERIA GLOBAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL...............................................315 Heloize Melo, Danielle M. T. Denny e Priscila B. Walker APRESENTAÇÃO Q uando a Agenda 2030 foi adotada em 2015, após um longo processo de negociação, especialistas em paradiplomacia ambiental aspiraram resultados ambiciosos e inclusivos em função das metas estabelecidas. Muitos autores deste livro também contribuíram nesse processo, advogando uma visão territorial e uma perspectiva subnacional dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). As características universais, transformadoras e inspiradoras dos ODS são particularmente importantes para os governos subnacionais. Os ODS, desenvolvidos a partir da Agenda 2030, podem não representar imensa inovação à primeira vista, especialmente considerando que diversos governos têm trabalhado na maior parte de seus temas há muitos anos, porém, eles já influenciam significativamente as políticas subnacionais, com resultados expressivos. Ao traduzir os ODS para diferentes realidades e planejar sua implementação, os governos subnacionais têm a chance de rever a elaboração de suas políticas, melhorar a coordenação temática e impulsionar os ânimos em serviços públicos por meio do engajamento de cidadãos e especialistas na construção e implementação de uma agenda renovada para territórios regionais e locais. Este livro é o resultado de uma colaboração frutífera com parcerias de pesquisadores da América Latina e da Europa, que também trabalham com governos subnacionais e suas redes e organizações. Seus autores se propõem a apoiar a implementação da Agenda 2030 no nível de governos subnacionais, provendo especialidades e técnicas que possam ser replicadas e divulgadas. Os capítulos incluem a produção de conteúdo de qualidade acerca das experiências na efetivação da Agenda 2030, assim como relatórios acerca da inclusão de governos subnacionais em avaliações nacionais. A organização deste livro, realizada pelos Grupos de Pesquisa “Energia e Meio Ambiente” e “Governança Global” do Programa de Doutorado em Direito Ambiental Internacional da Universidade Católica de Santos, Brasil, serve como uma base conceitual para a paradiplomacia ambiental, formando conhecimento e diretrizes em apoio às capacidades de governos subnacionais em implementar os ODS. O livro também almeja compartilhar a contribuição de governos subnacio8 nais para os ODS e compreender o processo interno empreendido por diversas regiões para incorporar e transformar a agenda global sob um enfoque regional, refletindo suas circunstâncias específicas. Boa leitura! Fernando Rei Maria Luiza Machado Granziera Alcindo Gonçalves 9 INTRODUCTION W hen the 2030 Agenda was adopted back in 2015, experts in environmental paradiplomacy were excited to see the ambitious and inclusive result after a long negotiation process. Most of all, several authors of this book have also contributed to that process advocating for a territorial vision and a subnational perspective of the SDGs. The universal, transformational and inspirational traits of the Sustainable Development Goals (SDGs) are particularly important for subnational governments. The SDGs, developed under the 2030 Agenda, might at first sight not represent a huge innovation, especially when considering that several governments have been working on most of their themes for many years, but they already have greatly influenced subnational policies. When translating the SDGs into different realities and planning for their implementation, governments have the chance to review policy making, improve thematic coordination and boost morale in public services by engaging citizens and experts in the construction and implementation of a renewed agenda for regional and local territories. The purpose of this book aims to support the implementation of the 2030 Agenda at the level of subnational governments, providing expertise and best practices that can be replicated and showcased. This book is the result of a fruitful collaboration with partner researchers in Latin America and Europe, many of whom work specifically with subnational governments and their networks and organizations. The chapters include the production of quality content about the experiences on the implementation of this agenda and reports on the inclusion of subnational governments in national reviews. This book was organized by the “Energy and Environment” and “Global Governance” Research Groups from the Doctoral Program in International Environmental Law of the Catholic University of Santos, Brazil, and serves as the basis for environmental paradiplomacy, establishing knowledge and guidelines that support subnational governments’ capacities to implement the SDGs. The book also aims to share subnational governments’ contribution to the SDGs and understand the internal process undertaken by several regions to 10 incorporate and transform the global agenda into their own, reflecting their specific circumstances. Regards Fernando Rei Maria Luiza Machado Granziera Alcindo Gonçalves 11 PRESENTACIÓN C uando se adoptó la Agenda 2030 en 2015, luego de un largo proceso de negociación, los especialistas en paradiplomacia ambiental aspiraran resultados ambiciosos e inclusivos acordes a las metas establecidas. Muchos autores de este libro han contribuido a este proceso, abogando por una visión territorial y una perspectiva subnacional de los Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS). Las características universales, transformadoras e inspiradoras de los ODS son particularmente importantes para los gobiernos subnacionales. Los ODS, desarrollados a partir de la Agenda 2030, pueden no representar una inmensa innovación a primera vista, especialmente considerando que varios gobiernos han estado trabajando en la mayoría de sus temas durante muchos años, sin embargo, ya influyen significativamente en las políticas subnacionales, con resultados expresivos. Al trasladar los ODS en diferentes realidades y planificar su implementación, los gobiernos subnacionales tienen la oportunidad de revisar su formulación de políticas, mejorar la coordinación temática e impulsar el espíritu de servicio público a través de la participación de ciudadanos y expertos en la construcción e implementación de una agenda renovada para los territorios regionales y locales. Este libro es el resultado de una fructífera colaboración con investigadores de América Latina y Europa, quienes también trabajan con gobiernos subnacionales y sus redes y organizaciones. Sus autores proponen apoyar la implementación de la Agenda 2030 a nivel de los gobiernos subnacionales, brindando especialidades y técnicas que puedan ser replicadas y difundidas. Los capítulos incluyen la producción de contenido de calidad sobre las experiencias en el desarrollo de la Agenda 2030, así como informes sobre la inclusión de los gobiernos subnacionales en las evaluaciones nacionales. La organización de este libro, realizado por los Grupos de Investigación “Energía y Medio Ambiente” y “Gobernanza Global” del Programa de Doctorado en Derecho Ambiental Internacional de la Universidad Católica de Santos, Brasil, sirve como base conceptual para la paradiplomacia ambiental, formando conocimiento y directrices en apoyo de las capacidades de los gobiernos subnacionales para implementar los ODS. El libro también tiene como objetivo compartir la contribución de los gobiernos subnacionales a los ODS y comprender el proceso interno emprendido 12 por diferentes regiones para incorporar y transformar la agenda global desde una perspectiva regional, reflejando sus circunstancias específicas. ¡Buena lectura! Fernando Rei Maria Luiza Machado Granziera Alcindo Gonçalves 13 A POBREZA HUMANA FRENTE À AUSÊNCIA DE MORADIA E AO ACESSO AOS SERVIÇOS BÁSICOS: A ATUAÇÃO DOS ENTES SUBNACIONAIS E PODER LOCAL EM SÃO PAULO, COMO MEIO PARA O ALCANCE DO ODS 1 E META 1.4. Maria Luiza Machado Granziera1 Karla Aparecida Vasconcelos Alves da Cruz2 ODS 1 - Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Meta 1.4 - Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças. INTRODUÇÃO A despeito das divisões socioeconômicas, a humanidade é una, da mesma forma que os países, desenvolvidos ou não, fazem parte de um mesmo planeta, no qual muitos danos experimentados, como os ambientais, ignoram as fronteiras das nações e são suportados globalmente. A pobreza, que conduz a condições de subdesenvolvimento humano impactam individualmente as pessoas, produzindo um ciclo pernicioso nas famílias, nas cidades, nos países e na sadia qualidade de vida global, ante os danos decorrentes da precariedade sofrida pelos menos abastados economicamente e suas consequências. Relatório do Banco Mundial (WORLD BANK GROUP, 2018) constatou 1 Professora associada do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Direito (Departamento de Direito Econômico e Financeiro) pela Universidade de São Paulo (USP). Advogada em São Paulo. Especialista em direito administrativo e ambiental com ênfase em implementação políticas públicas, direito de águas, atuando principalmente em recursos hídricos, meio ambiente, saneamento, contratos públicos, concessões e licitações. É líder do Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente, cadastrado na CAPES. 2 Procuradora do Município de São Vicente. Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES). Pós-Graduada lato sensu em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura/SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos. Integrante do Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente da UNISANTOS. Professora de Direito na UNISANTOS e UNIMES. 14 A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos que quase metade da população global ainda vive abaixo da linha da pobreza, situação que enseja a análise das privações de direitos que vem sofrendo essas pessoas e dos reflexos sob o ponto de vista do desenvolvimento sustentável. Em âmbito mundial, a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas insere, dentre outros Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o ODS 1, visando “acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares” e como meta 1.4 “até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra [...]”. A precariedade das condições de vida de relevante parte da população, que sobrevive sem renda para suprir suas necessidades, revela a importância da análise do tema da pobreza sob o aspecto multidimensional, buscando-se por meio do presente tratar dos problemas decorrentes da ausência de acesso a moradia e serviços básicos, como abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, no ambiente urbano. Considerando que mais da metade de população mundial vive nas cidades, é nesse ambiente que se constatam relevantes situações de pobreza humana, das quais se originam risco à vida e relevantes danos ambientais, como se pode observar nos espaços urbanos ocupados irregularmente por pessoas de baixíssima renda. O presente capítulo leva em consideração que a erradicação da pobreza é uma necessidade global, que apresenta peculiaridade locais. Partindo de uma análise do Brasil, cuja autonomia interna dos entes federados, consagrada na Constituição Federal de 1988, distribui competências entre eles e possibilita a descentralização das políticas sociais, entende-se que a atuação pelos entes subnacionais pode ser um relevante instrumento de cooperação para implementar medidas, visando propiciar melhores condições para os cidadãos. Diante da relevância dos impactos decorrentes da miséria humana nas cidades, o presente trabalho visa abordar possíveis sugestões para enfretamento do problema relacionado ao atendimento da demanda habitacional, pela governança, com a efetiva atuação dos entes distintos do poder central, como um dos caminhos para atender ao ODS 1 e meta 1.4. 1. Análise conceitual da pobreza A definição de pobreza apresenta diversas concepções, sendo o critério mais aceito, pela objetividade, o do Banco Mundial, que desde o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1990, introduziu a linha internacional de pobreza estabelecida monetariamente em dólar (WORLD BANK GROUP, 1990). A concepção estabelecida foi no sentido de medir a pobreza de renda em 15 Paradiplomacia Ambiental relação a uma linha que, primeiro, refletisse os padrões de pobreza absoluta nos países mais carentes do mundo e, segundo, correspondesse ao mesmo nível real de bem-estar em todos os países. O primeiro requisito levou os pesquisadores do Banco Mundial a ancorar a linha de pobreza internacional nas linhas nacionais de pobreza dos países em desenvolvimento muito pobres. No segundo requisito foi observada pelo Banco Mundial a utilização de taxas de câmbio de paridade do poder de compra, em vez das nominais, para converter a linha em dólar americano, ante a importância dessa moeda (FERREIRA; JOLLIFFE; PRYDZ, 2015). Inicialmente, a linha de pobreza foi estabelecida em menos de US$1,00 por dia (World Bank Group, 1990). Em razão da publicação de novos critérios de paridade do poder de compra, a linha pobreza extrema foi revista em 2005 para US$ 1,25, bem como em 2015 teve nova revisão estando fixada, desde então, em US$ 1,90 (FERREIRA; JOLLIFFE; PRYDZ, 2015). Em complemento à linha internacional de pobreza de US$ 1,90, que continua sendo o limite para nortear o objetivo de acabar com a pobreza extrema até 2030 (ODS 1), foram apresentadas duas novas linhas de pobreza: uma para países de renda média-baixa, fixada em US$ 3,20/dia e uma linha para países de renda média-alta, fixada em US$ 5,50/dia. O uso desses novos parâmetros monetários considera os custos diversos inerentes aos países e possibilita comparações entre eles, tanto dentro das regiões em desenvolvimento como entre essas regiões, constituindo critérios mais relevantes em termos globais (FERREIRA; SÁNCHEZ-PÁRAMO, 2017). Em que pese a preponderância da análise da pobreza, com base em medidas quantitativas monetárias, como as linhas de pobreza retro expostas, releva considerar que a questão merece avaliação sob uma perspectiva mais ampla. A pobreza é um fenômeno multidimensional que envolve aspectos absolutos, quanto ao não atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital, isto é, aos fatores necessários à sobrevivência física (AZEVEDO; BURLANDY, 2010), bem como os relativos, quando é definida levando-se em conta o estilo de vida do restante da sociedade, existindo variáveis a serem consideradas como ter fome, doença, não ter onde morar, estar vulnerável economicamente, sentir-se socialmente excluído, sentir-se isolado, não saber ler ou, simplesmente, não ter renda para comprar o que se deseja (COMIM; BAGOLIN, 2002). A pobreza relativa difere de lugar para lugar, referindo-se à exclusão social dos indivíduos em relação à sociedade em que vivem, definindo necessidades a serem atendidas por meio das políticas públicas. Para Amartya Sen (2010), a pobreza não é um conceito definido de forma única e exclusiva, não devendo ser identificada com o critério de padrão de escassez de renda, mas sim como “privação das capacitações básicas”. Sen (1993) 16 A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos observa que “a abordagem da capacitação avalia o estado de uma pessoa em termos de sua habilidade real de alcançar vários funcionamentos de valor como parte do seu viver”. A mencionada abordagem da capacitação desenvolvida por Sen, baseada no conceito de desenvolvimento humano, tem merecido análise nos relatórios do Banco Mundial e do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Para que se defina a pobreza de forma adequada há necessidade de considerar variáveis inerente a múltiplos aspectos, quantitativos e qualitativos que incluem, além da renda, acesso à educação, saúde, habitação, saneamento e também a liberdade de escolha entre os tipos de vida que uma pessoa tem razão de valorizar (SEN, 2010). A pobreza, sob essa visão, pode ser entendida como um processo de privação de capacitações para alcance de uma vida digna. 2. Os relatórios mundiais sobre o desenvolvimento e o recente cenário O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, sem deixar de considerar os critérios monetários, aborda em seus relatórios a multidimensionalidade da pobreza, como a negação de oportunidades e escolhas, que são básicas para o desenvolvimento humano, revelando preocupação com a qualidade de vida das pessoas. Como aponta o mais recente Relatório do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2019), baseado nos levantamentos do Banco Mundial (2018), atualmente cerca de 600 milhões de pessoas vivem com menos de US$ 1,90 por dia, apesar da luta contra a pobreza ter obtido um progresso considerável nas últimas décadas. Conforme estudo do PNUD (2019), a taxa de pobreza extrema de rendimentos diminuiu de 36%, em 1990, para 8,6%, em 2018. Porém, ainda se revela inaceitável esse padrão, uma vez que poderá não ser suficiente para erradicar a pobreza até 2030, para atendimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável3. A pobreza de rendimentos, como considerado pelo PNUD (2019), reconhecendo a complexidade e visão muldimensional do tema, é apenas uma forma de pobreza, considerando que “os mais desfavorecidos padecem de privações 3 Conforme expressamente considerou o relatório de 2019, quanto ao cenário de redução da pobreza até 2030: “Atualmente, a cada minuto, 70 pessoas escapam à pobreza, mas, assim que a maioria dos países asiáticos alcançarem o objetivo de pobreza, as projeções apontam para que a taxa de redução da pobreza abrande para menos de 50 pessoas por minuto, em 2020. A taxa de pobreza mundial projetada para 2030 varia entre 4,5 por cento (cerca de 375 milhões de pessoas) e quase 6 por cento (mais de 500 milhões de pessoas). Mesmo as projeções mais otimistas preveem que, em 2030, mais de 300 milhões de pessoas vivam em situação de pobreza extrema na África Subsariana”. (PNUD, 2019, p. 67) 17 Paradiplomacia Ambiental sobrepostas, de normas sociais discriminatórias e da ausência de capacitação política. Os riscos e as vulnerabilidades só enfatizam a fragilidade das realizações”. Da mesma forma, o relatório do Banco Mundial vai além da pobreza monetária para englobar no conceito o acesso a saneamento e água tratada, educação ou eletricidade, considerando que afetam o bem-estar das famílias (WORLD BANK GROUP, 2018). Quanto à América Latina e Caribe, o Banco Mundial, constatou no relatório publicado em 2018, que houve menos prosperidade compartilhada de 2010 a 2015 do que nos anos anteriores, uma vez que suas economias sofreram o impacto de uma desaceleração nos preços globais de commodities, apontando que a região tinha quase 11% da população com renda inferior a US$3,20 por dia e mais de 26% com renda inferior a US$5,50 por dia, em 2015. Destaca o Banco Mundial que “a pobreza, na região, estava mais associada a aspectos não monetários, tais como a falta de acesso a água potável, saneamento adequado ou energia elétrica” (WORLD BANK GROUP, 2018). Os mencionados relatórios elaborados pelo PNUD e Banco Mundial consideraram realidades anteriores a 2020, período no qual o mundo foi atingido pela pandemia da COVID-19 (OPAS Brasil, 2020)4, situação que causará impactos econômicos catastróficos, alterando vertiginosamente as estimativas realizadas pelos referidos órgãos quanto ao desenvolvimento global e a possível diminuição da pobreza. Consoante a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL (ONU-CEPAL, 2020), a pandemia da COVID-19 alcançou a América Latina e o Caribe em um momento em que seu desempenho econômico e social é fraco, tendo a região crescido em uma taxa estimada de apenas 0,1% em 2019, entretanto, como resultado da pandemia da COVID-19, as projeções para 2020 devem ser reduzidas de forma significativa. Cabe considerar que o Brasil, por sua vez, já sofria no período, com elevada desigualdade social, crise econômica e política, cenário que certamente será agravado. A título elucidativo, quanto a realidade nacional, conforme levantamento do IBGE, divulgado em 28 de fevereiro de 2020, portanto não considerando os efeitos da COVID-19, a taxa de desemprego no Brasil ficou em Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China, decorrentes de um novo tipo de vírus. A OMS declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2, responsável por ocasionar a COVID-19 constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. Foram confirmados no mundo 2.314.621 casos de COVID-19 (72.846 novos em relação ao dia anterior) e 157.847 mortes (5.296 novas em relação ao dia anterior) até 20 de abril de 2020.O Brasil confirmou 40.581 casos e 2.845 mortes até a tarde do dia 20 de abril de 2020 (Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS Brasil, 2020) 4 18 A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos 11,2% no trimestre encerrado em janeiro, atingindo 11,9 milhões de pessoas. Além disso, o total de pessoas fora do mercado de trabalho alcançou 65.733 milhões, patamar recorde desde o início da pesquisa, no primeiro trimestre de 2012 (IBGE, 2020). Segundo a Organização das Nações Unidas, a COVID-19 atingirá países em desenvolvimento de forma desproporcional, ocasionando uma crise de saúde no curto prazo, mas uma “devastadora crise social e econômica ao longo dos próximos meses e anos”, estimando uma expectativa de perda de renda superior a 220 bilhões de dólares (ONU, 2020). Em recente relatório elaborado pelo Banco Mundial, publicado em 12 de abril de 2020, acerca da economia nos tempos da COVID-19 na América Latina e Caribe foi estimado quanto ao Brasil uma retração de 5% no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Caso isso ocorra, o número de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 por dia no Brasil aumentará para 14,7 milhões até o fim de 2020, representando 7% da população brasileira na taxa de pobreza extrema (WORLD BANK GROUP, 2020). O Fundo Monetário Nacional - FMI publicou em 14 de abril 2020 relatório da perspectiva mundial da economia, prevendo uma queda de 3% da economia global neste ano diante da pandemia de COVID-19, a maior recessão mundial desde a Grande Depressão de 1929 (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2020). A economia brasileira, por sua vez, deve recuar 5,3% este ano (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2020), semelhante a estimativa do Banco Mundial retro apresentada (WORLD BANK GROUP, 2020). Em 2021, projetando uma possível recuperação da economia no país, o FMI estima um avanço no Brasil de somente 2,6% (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2020). A Organização Internacional do Trabalho - OIT, em estudo publicado em 7 de abril de 2020, apurou que 81% da força de trabalho do mundo, ou seja, 2,7 bilhões de pessoas estão em países onde o confinamento, obrigatório ou recomendado, foi estabelecido. Em razão das horas de trabalho diminuídas em 6,7% no segundo trimestre de 2020, houve o equivalente à perda de 195 milhões de empregos em tempo integral (ILO, 2020). Relevante considerar que a OIT, em seu relatório, aponta a necessidade de políticas para mitigar os resultados que podem ser ocasionados em razão da crise, garantindo os postos de trabalho, situação que pode significar a possibilidade de manutenção financeira das pessoas, para que preservem suas moradias e acesso aos serviços básico, objetivando não aumentar o número de pessoas abaixo da linha de pobreza. A crise decorrente da pandemia ou agravada por ela, em especial nos países em desenvolvimento, deve conduzir a uma reapreciação das políticas públicas, para que se busquem meios mais eficazes de afastar as desigualdades e propiciar sistemas mais justos e sustentáveis. Os critérios relativos à pobreza mundial e às 19 Paradiplomacia Ambiental medidas para a sua redução merecerão novas análises, bem como o necessário reconhecimento de que a privação de direitos essenciais como moradia e acesso a serviços básicos podem trazer problemas globais ainda mais severos. 3. O impacto da pandemia na cidade irregular Partindo a análise do cenário da COVID-19, a pandemia explicita de forma dramática problemas nos espaços periféricos, nas ocupações irregulares, existentes há décadas e constantes dos relatórios sobre a pobreza global, que já acarretavam prejuízos ao meio ambiente e a saúde pública, mas que atualmente ganharam relevância, diante das consequências gravíssimas que podem ocasionar. Como considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2020) “outras condições sociais, como planejamento urbano precário e superpopulação em algumas cidades, serviços deficientes de gestão de resíduos”, podem contribuir para a elevação do número de casos de COVID-19. É relevante motivo para preocupação, exemplificativamente, o fato de que, “até 75% da população nos países menos desenvolvidos não têm acesso a água e sabão”, o que poderá causar sobrecarga ante os “hospitais com recursos limitados e sistemas de saúde frágeis”, como apontado pela Organização da Nações Unidas (ONU, 2020). Tendo em vista que a COVID-19 é uma doença com elevado índice de contaminação entre as pessoas, as condições de higiene no ambiente das cidades, o acesso a água e saneamento para garantir a salubridade e dignidade dos cidadãos em suas moradias, representa ainda maior importância, para a saúde pública e os impactos globais da pandemia. Historicamente, as cidades são os principais epicentros de epidemias, sendo que a alta concentração de pessoas e atividades amplifica os riscos de transmissão de doenças infecciosas (ONU-HABITAT, 2020). Ocasiona ainda maior impacto a conjuntura precária da população que ocupa áreas irregulares, privadas de urbanização e serviços públicos essenciais, dificultando o implemento das principais orientações para evitar contaminação pessoal e propagação da doença. No Brasil, no estado de São Paulo, o maior número de mortes pela doença se concentra nas áreas pobres, não apresentando relação proporcional quanto à quantidade de casos confirmados ou de idosos5, podendo-se concluir que a A pesquisa foi realizada pela Rede Nossa São Paulo, uma organização da sociedade civil, que analisou que os distritos na cidade de São Paulo com mais favelas possuem o maior número de óbitos, concluindo que “fatores como renda e saneamento também explicam a correlação entre os mapas”. Conforme os dados divulgados pela Prefeitura de São Paulo, em 17 de abril p.p., Brasilândia, na Zona Norte, possuía o maior número de morte, com 54 vítimas, seguida de Sapopemba, na Zona Leste, com 51, além de Cidade Tiradentes, com 37 morte e São Mateus com 41 mortes, ambos localizados na Zona Leste (VEJA, 2020). 5 20 A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos COVID-19 é uma questão de saúde pública, potencializada por questões sociais, políticas, econômicas e ambientais. Quanto à Região Metropolitana da Baixada Santista, local que apresenta o maior número de infectados pela pandemia no Estado de São Paulo e um dos maiores índices do Brasil, o número de óbitos decorrentes da COVID-19, na cidade de Santos, também representou maior relevância nas áreas mais carentes. Conforme levantamento realizado pela Prefeitura Municipal de Santos (PMS, 2020), apesar de o maior número de infectados residirem em bairros da orla da praia, ocupados tradicionalmente por pessoas com maior poder aquisitivo, o número de mortes é mais elevado nas regiões carentes da cidade, destacando-se, a título de exemplo, o bairro da Vila Nova, no qual das 7 (pessoas) infectadas, até 24 de abril de 2020, todas vieram a óbito (TRIBUNA, 2020). A pandemia torna claro para a humanidade que a existência de mais da metade da população mundial abaixo da linha de pobreza e sem acesso a moradia e serviços básicos acarreta efeitos nefastos à sobrevivência global, como segue destacado: O novo coronavírus se espalha pelo mundo sem distinção de bairro, idade, raça ou classe social. Entretanto, prevê-se que o impacto seja muito mais expressivo para as populações vulnerabilizadas, em especial as que vivem em assentamentos informais, como favelas, loteamentos e ocupações, bem como a população em situação de rua (a ONU-HABITAT, 2020). O descaso na solução de problemas nas cidades, envolvendo a política habitacional se reflete na realidade atual, consoante o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, realizado em 2010 (IBGE, 2011), já defasado (o próximo seria realizado este ano). Cerca de 11,4 milhões de pessoas vivem em 6.329 favelas em todo o país, sendo 50% das moradias nessas condições localizadas no sudeste do país (cerca de 23,2% em São Paulo e 19,1% no Rio de Janeiro), situação que representa desafios ainda maiores, ante a pandemia. A questão não é nova, conforme o referido censo. 84% da população brasileira vive em cidades, o que representa em 50 anos, cerca de 130 milhões de novas pessoas nesse ambiente, ensejando desafios cada vez maiores para sua gestão (IBGE, 2011). A precariedade vivida nos bolsões de pobreza existentes no meio urbano tende a se agravar com a pandemia, ante a impossibilidade material do atendimento das orientações relativas ao isolamento e medidas simples de higiene, salientando a ONU-Habitat (2020), entre as principais dificuldades a serem enfrentadas: “limitações dos equipamentos de saúde, falta de saneamento básico, falta de abastecimento de água, precariedade das moradias e acesso à informa21 Paradiplomacia Ambiental ção sobre a doença e sua prevenção”. Em razão da proximidade com os problemas enfrentados nessas comunidades que ocupam áreas irregulares, a atuação dos governos locais por meio de políticas públicas direcionadas se revela fundamental, para que o impacto da pandemia não seja ainda mais grave nesses territórios. 4. A atuação dos entes subnacionais para atendimento da demanda habitacional e afastamento da pobreza Os atores subnacionais, em razão da globalização inerente à repercussão de problemas relacionados à pobreza e seu combate, cujos impactos atingem o planeta, têm papel relevante e legítimo, pois apesar de não serem dotados de soberania, possuem autonomia no pacto federativo para ação, tendo poderes e deveres de atuação. Há problemas peculiares que o Estado soberano simplesmente não consegue solucionar, seja pela especificidade das matérias tratadas, seja pela magnitude das demandas do poder central. Dessa forma, os entes subnacionais e os poderes locais tornam-se imprescindíveis para implementar políticas, em prol de questões globais. Disso decorre a necessidade de uma maior compreensão da existência de novos atores no cenário global. Para Nasser, o Direito Internacional evoluiu da “justaposição de entes soberanos para uma outra fundada na ideia de cooperação” (NASSER, 2006). Com a globalização, houve mudanças no antigo paradigma, não para pôr fim ao Estado-nação, mas para sua reconfiguração, em prol de seus próprios interesses ou dos globais, evoluindo-se do governo para a governança (GONÇALVES, 2004). O exercício da governança vem sendo intensificado pela participação de entes ou instituições diversas do poder soberano, tais como as organizações não governamentais, empresas, os entes subnacionais e locais, buscando soluções para os problemas globais, provocando, como considera Guido Soares, um questionamento do Direito Internacional quanto à importância de outros atores diversos e ainda que não dotados dos mesmos poderes e com a plenitude de direitos e deveres concedidos aos Estados (SOARES, 2004). A Comissão sobre Governança das Nações Unidas define o termo como a “totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns. É um processo contínuo pelo qual é possível acomodar interesses conflitantes e diferentes e realizar ações cooperativas” (ONU, 1996). Para Gonçalves e Costa, “a governança global é um processo que envolve múltiplos atores, em níveis amplos (além das fronteiras nacionais)”, é um processo que leva tempo, tendo como característica fundamental a busca pelo 22 A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos consenso, a promoção da cooperação para a solução dos problemas comuns (GONÇALVES; COSTA, 2011). Nessa toada, “a cooperação pode ser compreendida como o conjunto de esforços comuns, envolvendo entes estatais centrais ou subnacionais, empreendedores, sociedade civil” (GRANZIERA; CRUZ, 2019). Os entes subnacionais são, pois, atores que atuam em função das pressões e necessidades internas, buscando garantir benefícios para o conjunto da sociedade de um determinado território (MARIANO; MARIANO, 2005). A atuação deles, de maneira fundamental, repercute para a evolução global. Dessa forma, entende-se que a ação paradiplomática dos entes federativos, distintos do poder central, pode significar um avanço no alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030. Como define Soldatos (1990), a paradiplomacia é o envolvimento direto ou autônomo das unidades federadas em atividades de relações internacionais cooperativas, de forma coordenada, complementar e de suporte às atividades internacionais do Estado ou paralelas. A despeito do relevante papel que dever exercer o poder central para o atendimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o Estado de São Paulo elaborou o 1º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos e Desenvolvimento Sustentável do Estado de São Paulo 2016 – 2019, apresentando as medidas que vem sendo realizadas por esse ente subnacional, para consecução das metas globais (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019). Quanto ao ODS 1, que versa sobre a erradicação da pobreza e tem como suas metas acesso à terra, na qual se insere a moradia, e aos serviços básicos (ODS 1.4) o mencionado relatório conceitua pobreza como “insuficiência de renda para compra de um conjunto de bens e serviços ou como sintoma de carências materiais múltiplas, ou privação de acesso a serviços públicos” (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019). Considerando os possíveis indicadores existentes, foi apresentada, como parâmetro da situação de pobreza em São Paulo, a parcela da população cuja renda domiciliar mensal não supere meio salário mínimo per capita e, em situação de indigência, o segmento com renda domiciliar mensal de até um quarto de salário mínimo per capita. O mencionado relatório apurou que, embora entre 2016 e 2017, o nível de pobreza (percentual de pessoas com rendimento familiar mensal de até meio salário mínimo per capita em valores de 2015) oscilou de 27,5% para 27,3% no país, no Estado de São Paulo houve um acréscimo, passando de 13,5% para 15,4%, no mesmo período (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019). Sendo assim, por meio da análise no Estado de São Paulo, os dados mais recentes do relatório quanto ao cumprimento do ODS revelam medidas para atendimento das metas globais, quanto à moradia e, consequentemente, ao acesso aos serviços essenciais, como água e esgoto, apresentando diferentes pro23 Paradiplomacia Ambiental jetos desenvolvidos6, comprovando, assim, a importância da ação dos entes subnacionais (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019). O Município de São Paulo, por sua vez, ante a necessidade habitacional para atendimento de sua população e esgotamento das potenciais fontes de financiamentos para o setor público, criou uma Parceria Público-Privada (PPP) da Habitação Municipal, por meio da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP), como possível alternativa para os investimentos direcionados à construção de moradias populares. Para tanto, lançou a Edital de Concorrência Internacional nº COHAB-SP 001/20207, para a construção de 13.180 mil novas moradias nas regiões do Ipiranga, Mooca, Lapa e Vila Maria, com investimento de 2,2 bilhões, custeado pela iniciativa privada (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2019)8. A Prefeitura de São Paulo cedeu terrenos e selecionará famílias, segundo critérios definidos pela Cohab-SP. De outro lado, caberá à iniciativa privada, por sua vez, construir os prédios e equipamentos públicos, como creches e postos de saúde. A Parceria Público Privada Habitacional, nos termos do edital, O relatório do Estado de São Paulo apresenta como projetos, para cumprimento dos ODS, envolvendo a questão moradia e infraestrutura no referido período: “apoio técnico e financeiro para implantação da política de habitação, por meio do aporte de recursos aos agentes financeiros e promotores de programas habitacionais, pela concessão de subsídios e pela assistência aos municípios (Programa 2505 – Fomento à Habitação de Interesse Social – Casa Paulista); provisão de moradias de forma direta pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) ou em parceria com outros agentes, com destaque para a atuação conjunta com o programa federal Minha Casa, Minha Vida (Programa 2508 – Provisão de Moradias); requalificação de espaços urbanizados subutilizados ou com carência de infraestrutura (Programa 2509 – Requalificação Habitacional e Urbana e Inclusão Social); melhoria das condições de moradia em favelas e assentamentos (Programa 2510 – Urbanização de Favelas e Assentamentos Precários); provisão de infraestrutura e saneamento em áreas onde seja possível a recuperação de áreas em risco ambiental (Programa 2511 – Habitação Sustentável e Recuperação Ambiental na Serra do Mar e Litoral Paulista)” (ESTADO DE SÃO PAULO, 2019). 7 COHAB. PROCESSO SEI Nº 7610.2019/0003141-3 – 2ª FASE - parceria público-privada para concessão administrativa destinada à implantação de habitações de interesse social e mercado popular na cidade de São Paulo, acompanhada de infraestrutura urbana, equipamentos públicos, empreendimentos não residenciais privados e prestação de serviços que especifica. Disponível em: http://www.cohab.sp.gov.br/licitacaopppdahabitacao/documento-colaboracao.aspx?Id=1 Acesso em 16 jun. 2020. 8 Conforme levantamento realizado pelo Município de São Paulo, “há um déficit habitacional quantitativo, que se refere à necessidade de construção de novas moradias, está estimado em 474 mil domicílios”. Além disso, há “o déficit qualitativo, referente à inadequação habitacional, que atinge famílias que não precisam de uma nova moradia, mas de obras de urbanização, de correção de riscos, melhoria habitacional e regularização fundiária. Este déficit abrange cerca de 830 mil domicílios”. Considerando apenas “os orçamentos correntes da Secretaria Municipal de Habitação e da Cohab-SP para construção de novas unidades habitacionais, estimado em R$ 580 milhões anuais, e um custo unitário de produção de R$ 150 mil, o Município levaria cerca 120 anos para zerar o déficit habitacional de hoje”. A PPP não substitui ou reduz nenhum programa ou ação existente, realizando esforços para viabilizar empreendimentos pelo Programa Minha Casa Minha Vida, sem comprometer a capacidade do município de adquirir outras. “A PPP será um programa complementar na oferta de novas moradias na cidade” (MUNICÍPIO, 2019). 6 24 A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos permite ao poder público financiar a longo prazo, por meio da parceria com o setor privado, investimentos na área habitacional. Caberá ao parceiro privado obter os financiamentos necessários e arcar com ônus fiscais, ficando diluído os investimento em até 20 (anos)9 O Município de São Paulo salienta que “a PPP não substitui nem reduz nenhum programa ou ação existente”, mantendo esforços para viabilizar projeto com investimento federal, como o Programa Minha Casa Minha. Portanto, a PPP é “um programa complementar na oferta de novas moradias na cidade” (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2019). A iniciativa do poder local é uma medida de cooperação ao governo central, no sentido de atender ao ODS 1 e 1.4, quanto à erradicação de pobreza, e à possiblidade de trazer famílias de baixa renda que moram em ocupações irregulares e sem adequado acesso aos serviços essenciais, para condições dignas de moradia. A prestação estimada para famílias com renda mensal de até R$1.000,00 (hum mil reais) é em torno de R$250,00 (duzentos e cinquenta reais) mensais. Além disso, conforme estimativa do governo municipal haverá geração de cerca 49.000 empregos com essa iniciativa local (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2019), mais um elemento para a geração de renda e afastamento da pobreza. O Município de São Paulo, visando a outras providências para a redução do déficit habitacional, por meio do novo Código de Obras (Lei Municipal n. 16.642/2017), simplificou os procedimentos para aprovação de projetos de habitação de interesse social, além de ter regulamentado o retrofit, para modernização de edificações construídas antes de 1992. O retrofit de São Paulo, para moradia popular, toma como parâmetro iniciativas realizadas por cidades de outros países, a exemplo de Nova York10, como resposta para o crescimento populacional, os recursos limitados existentes, o alto valor da moradia e a crise por novos espaços e econômica, que revela a necessidade de aproveitamento de 9 Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB. Contrato Concorrência Internacional n º COHAB-SP 001/2018 https://www.imprensaoficial.com.br/ENegocios/popup/ pop_e-nego_detalhes.aspx?IdLicitacao=1222478&IdEventoLicitacao=4. Acesso em: 16 jun. 2020 10 Com o objetivo de buscar a solução dos problemas relacionados a pobreza que impactam na impossibilidade de exercício do direito à moradia, vem sendo realizadas providências, por meio da governança, com atuação de entes subnacionais e da sociedade civil, inclusive por ONGs, por cidades como Nova York. Para suprir a falta de moradias suficientes e a impossibilidade de custeio ante o elevado preço dos aluguéis (são cerca de 77 mil pessoas que não tem onde morar em NY) existem abrigos mantidos por ONGs e abrigos da própria prefeitura. O pagamento de aluguel de apartamentos ou até diárias de hotel, também pela prefeitura revela elevados gastos e soluções temporárias. Em NY há investimento em um outro modelo que já existe realizado por ONGs, como a Breaking Ground, que recupera prédios velhos para moradores de rua e pessoas de baixa renda. A opção é considerada mais barata para o poder público, pois oferece ao invés de “deixar as pessoas na rua e gastar, por exemplo, com saúde e segurança”. As medidas são realizadas com recursos dos entes subnacionais, poder central e doações de empresa e em 1991, já foi realizado um projeto para recuperação e uso para moradia de baixa renda de um hotel (Jornal Nacional. Em Nova York, lei obriga prefeitura a conseguir abrigo para os sem-teto. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/05/em-nova-york-lei-obriga-prefeitura-conseguir-abrigo-para-os-sem-teto.html. Acesso em 12 abr. 2020. 25 Paradiplomacia Ambiental edifícios e outros espaços urbanos já construídos, que se encontram deteriorados, abandonados e até contrários às normas de construção vigentes11. Visando à racionalização do uso dos recursos disponíveis, o retrofit é considerado importante contribuição da redução do déficit habitacional e, consequentemente, na requalificação das áreas centrais das grandes cidades. O Município de São Paulo, pela Cohab-SP, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), vem há anos buscando a concretização dessas medidas de aproveitamento de construções, com o desenvolvimento de amplo levantamento de edificações abandonadas no centro da cidade, identificando imóveis passíveis de desapropriação pública para a produção de unidades residenciais, em programa denominado Renova Centro (SILVA, 2013). A reabilitação de edifícios ociosos e deteriorados e sua conversão em habitação de interesse social interferem positivamente no desenvolvimento urbano, ao diminuir o ritmo incontrolado de expansão periférica, considerando que em cidades como São Paulo essas unidades localizam-se na região central, áreas com ocupação consolidada (ANITELLI, 2017). Pode se constatar a realização de obras de retrofit pelo poder local no Edifício Mário de Andrade/Asdrúbal do Nascimento, no centro da cidade de São Paulo, para abrigar 34 famílias em situação de rua, parte de um projeto ainda maior. O prédio foi adquirido pela Prefeitura em 2011, por meio da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP), que desapropriou com um custo de R$ 1,8 milhões, advindos do Fundo Municipal de Habitação (FMH). O edifício foi totalmente reformado pela Cohab-SP e passou a integrar o programa de Locação Social da Prefeitura de São Paulo, as obras tiveram início em julho de 2012 e foram concluídas em outubro de 2018, sendo considerado o primeiro conjunto habitacional para “moradores de rua”, as pessoas selecionadas contribuirão com 10% (dez por cento) do seu salário (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2018). As medidas apontadas pelos entes distintos do poder central, o Estado de São Paulo e sua capital, certamente colaboram com o atendimento do ODS 1 e meta 1.4, posto que em governança, buscam superar a ineficiência da União, quanto as medidas para recuperação econômica do país e realização de investimentos em moradias para a população de baixa renda. Nos cenários de pandemia, cujas medidas de isolamento e higiene, condicionadas ao acesso de água e esgoto, se revelam fundamentais para mitigar a Para atendimento dos ODS0/2030, como princípios da sustentabilidade para a indústria da construção civil, são medidas: a) incentivar práticas construtivas de baixo impacto no meio ambiente; b) desenvolver mecanismos de racionalização no consumo de recursos financeiros, energéticos, materiais e humanos; c) utilizar apenas materiais certificados; d) adotar alto grau de formalização das relações profissionais; e) investir em soluções que utilizem de estruturas pré-existente, tais como operação de retrofit (FIEMG-CIC, 2008). 11 26 A pobreza humana frente à ausência de moradia e ao acesso aos serviços básicos propagação da doença, a atuação dos entes subnacionais tem se revelado um importante instrumento, no ambiente das cidades. Ante a situação de calamidade ora vivida, o destaque para a questão da pobreza e para a privação de direito sociais e humanos, como habitação e acesso a serviços básicos, obteve maior visibilidade e uma maior preocupação nas áreas ocupadas irregularmente, desprovidas da estrutura urbanística adequada. A atuação dos entes subnacionais, no cotidiano citadino, tem revelado um excelente meio para buscar o atingimento das metas globais, por vezes tão distantes da atuação do poder central. CONCLUSÃO Para a avaliação da pobreza humana, além dos critérios monetários estabelecidos pelo Banco Mundial, deve ser observado o aspecto multidimensional, envolvendo aspectos, quantitativos e qualitativos que incluem, além da renda, o acesso à educação, à saúde, à habitação, ao saneamento. Dessa forma, entende-se a pobreza como um processo de privação de capacitações para alcance de uma vida digna. Em que pesem os avanços experimentados quanto à redução da pobreza, o atendimento da ODS 1, até 2030, se revela um objetivo distante e mais árduo ante a recente pandemia de COVID -19, que trará um agravamento da crise econômica mundial, estimado pelo FMI, em padrões semelhantes à Grande Depressão de 1929. O Brasil, país em desenvolvimento, apesar de grandes avanços sociais na década anterior, já passava por período de crise econômica, com elevado nível de desemprego, tendo um longo percurso para o alcance dos objetivos e metas estabelecidos pelas Nações Unidas. Dentre os desafios a serem superados, encontra-se a melhoria das condições de vida da população carente, residentes em áreas irregulares, como favelas e outros tipos de ocupações, que sobrevivem com parcas condições econômicas, afastadas do direito à habitação, sofrendo maiores riscos, frente à ausência dos serviços básicos (ODS 1.4) como o abastecimento de água e esgotamento sanitário, situação que causa impactos ao meio ambiente e à saúde pública. A exposição dos riscos ao coronavírus, por essas pessoas, apenas explicita uma situação que perdura há séculos no país. Com o intuito de buscar alternativas para o desenvolvimento urbano e melhoria das condições da vida da população, em especial pela ineficiência do poder central, os entes subnacionais vêm atuando por meio da governança e ação paradiplomática, para implementar possíveis alternativas para o problema habitacional e de acesso aos serviços básicos para a população mais vulnerável. O Estado de São Paulo e sua capital são exemplos de atuação de entes 27 Paradiplomacia Ambiental federativos distintos do governo central para erradicação da pobreza e suas consequências, como a ausência de moradia e acesso a serviços essenciais. Dessa forma, a obtenção de capital internacional, por meio de parceria público privadas-PPP, precedida de concorrência internacional, para investimentos habitacionais, bem como a implementação de projetos adotados em cidades de outros países, como o retrofit de prédios abandonados em áreas centrais, para moradia de população de rua e baixa renda, são avanços no âmbito dos entes subnacionais, na busca de alternativas para o desenvolvimento sustentável nas cidades. As iniciativas do ente subnacional e do poder local são, pois, medidas de cooperação ao governo central, no sentido de garantir a ampliação progressiva das condições dignas no meio ambiente urbano para a população mais vulnerável, em atendimento ao ODS 1 e 1.4, para erradicação de pobreza e acesso a moradia e serviços essenciais colaborando, dessa forma, para o desenvolvimento global. REFERÊNCIAS ANITELLI, F.. 100 Vezes Habitação Social: Edifícios reabilitados ou com potencial de reabilitação na região central de São Paulo. CIDADES, n. 35. Lisboa, dez. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2017.035.art04. Acesso em 12 abr. 2020. AZEVEDO, D. C. de; BURLANDY, L. Política de combate à pobreza no Brasil, concepções e estratégias. Revista Katálysis, nº 13, p. 201-209, 2010. COMIM, F.; BAGOLIN, I. P.. Aspectos qualitativos da pobreza no Rio Grande do Sul. Ensaios FEE, v. 23, p. 467-490, 2002. 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Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/33555/9781464815706.pdf. Acesso em 20 abr. 2020. 31 FOMENTO MUNICIPAL À AGRICULTURA URBANA SUSTENTÁVEL COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Raul Miguel Freitas de Oliveira1 Aklla Guimarães Sales2 ODS 2 - Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Meta 2.1 - Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano. INTRODUÇÃO O direito à alimentação adequada, reconhecido dentre os direitos humanos fundamentais não somente em documentos internacionais, como também no ordenamento jurídico brasileiro, depende não só da garantia da segurança alimentar e nutricional e da soberania alimentar, como também da adoção de medidas voltadas à sua realização. O Brasil, protagonista mundial no agronegócio, possui um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional cuja efetivação depende do exercício de uma série de responsabilidades de cada um dos entes federativos. Dentre todos os envolvidos, é inegável que o Município sofre as pressões e demandas mais diretas para a promoção da segurança alimentar e nutricional da sociedade, devendo dar respostas por intermédio de políticas públicas eficientes e efetivas de promoção da alimentação adequada. Da análise da legislação existente, bem como dos planos e programas criados pelos órgãos oficiais envolvidos, pretende-se revisitar a estrutura do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com vistas a delimitar o papel do Município, principalmente na elaboração de políticas públicas próprias, em especial o fomento à agricultura urbana. A conclusão do trabalho indica que o fomento municipal à agricultura Professor Doutor de Direito Ambiental da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FDRP USP) e do Programa de Doutorado e Mestrado Profissionalizante em Tecnologia Ambiental, da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). 2 Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP USP) e pós-graduada em Direito Público e Cidadania pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). 1 32 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. urbana não é atividade unidirecional, mas dependente da conjugação de diferentes mecanismos políticos e jurídicos, tais como os instrumentos de organização urbanística, de legislação ambiental, tributária e administrativa, de parcerias com entidades do terceiro setor, de cooperação regionalizada, de educação ambiental, entre outros. Com isso, a singela contribuição que se pretende com esse trabalho é de lançar reflexão sobre o papel do Município no cumprimento do segundo Objetivo Global do Programa das Nações Unidas, pela promoção de uma política local de fomento à agricultura urbana. 1. Breves anotações sobre o direito humano fundamental à alimentação adequada e o cenário atual da agricultura brasileira voltada à alimentação Internacionalmente, o direito à alimentação adequada está previsto como um dos direitos humanos básicos e essenciais para a existência humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), prevê no artigo XXV, que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação”. Harmoniosamente, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1966), no artigo 11º, prevê que os Estados que o ratificam “reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação”, pacto este ratificado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. O direito à alimentação adequada, num viés quantitativo, é constituído pela disponibilidade direta, pelo cultivo de terras produtivas ou exploração de recursos naturais ou indireta, pela aquisição no comércio ou em ações sociais de provimento e, num viés qualitativo, pela adoção de padrões alimentares para um consumo apropriado, padrões estes que devem ser aprovados interna e internacionalmente. Além disso, tal direito depende da acessibilidade econômica e física, como também da estabilidade, que implica na disposição permanente e regular de alimentos adequados e acessíveis (ABRANDH, 2013). Na compreensão desse tema, é necessário entender o conceito de segurança alimentar, que não é pacífico, pois, se modifica à medida em que as relações e interesses sociais se alteram, bem como os poderes que imperam na sociedade, resultando num conceito em constante mutação, razão pela qual não há como se indicar um conceito universal e incontroverso, É possível, entretanto, compreender sua evolução no tempo, pois, até a década de 1990, o conceito de segurança alimentar era enfocado preponderantemente no produto e não no ser humano, restando a dimensão do direito 33 Paradiplomacia Ambiental humano em segundo plano. Somente em 1992, com as declarações da Conferência Internacional de Nutrição (Roma), realizada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura - FAO e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que o aspecto nutricional e sanitário passou a ser incorporado, passando-se a denominar o conceito de “segurança alimentar e nutricional”, assim se realçando a natureza do direito fundamental à alimentação adequada que já era previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. (ABRANDH, 2013) Dessa maneira, devem ser especificados dois elementos que compõem o aludido conceito, o aspecto alimentar e o nutricional, sendo que o primeiro se refere à produção e disponibilidade de alimentos, atentando-se, em geral, à oferta permanente e sustentável de alimentos básicos a toda a população e, o segundo, o aspecto nutricional, enfeixa as relações entre a pessoa humana e o alimento, referindo-se à necessidade de disposição de alimentos saudáveis e adequados, corroborando-se o próprio direito a saúde (VALENTE, 2003). No direito positivo, a definição de segurança alimentar e nutricional se encontra no art. 3º, da Lei nº 11.346/2006 (Lei de Segurança Alimentar e Nutricional), como a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo por base práticas alimentares que promovam saúde, respeitem a diversidade cultural e sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Denota-se que o conceito legal de segurança alimentar e nutricional é baseado nos princípios de acesso universal e de desenvolvimento sustentável, sendo o primeiro repartido no aspecto qualitativo e quantitativo e, o segundo, albergando harmonicamente as dimensões ambiental, social e econômica. Ao lado do conceito de segurança alimentar e nutricional, é de suma importância para a compreensão do tema o conceito de soberania alimentar, que está relacionada ao direito soberano dos povos de definirem quais alimentos devem produzir e consumir, quais sistemas alimentares próprios devem instituir, e as condições de trabalho às quais devem agricultores e camponeses se sujeitar. Portanto, a soberania alimentar engloba a qualidade, a diversidade, a sustentabilidade e a adequação cultural dos alimentos (CONSEA, 2013). A discussão sobre a soberania alimentar surgiu a partir das reações sociais do campo contra as políticas agrícolas neoliberais sugeridas e introduzidas de forma generalizada a todos os países, principalmente por órgãos internacionais que atuam ao lado da Organização das Nações Unidas para a Agricultura – FAO (CAMPOS, 2007). Dos conceitos retro perfilados, é possível concluir que o direito à 34 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. alimentação adequada somente pode ser garantido quando se criam políticas articuladas entre os diversos setores da sociedade a fim de se possibilitar a todos a segurança alimentar e nutricional, como expressão da soberania alimentar, ou seja, o direito dos povos definirem “suas próprias políticas e estratégias de produção, distribuição e consumo de alimentos de acordo com cada cultura e região.” (ABRANDH, 2013, p. 33). Abordados os conceitos fundamentais, impende também a análise, ainda que breve, do cenário brasileiro sobre o tema. A produção agrícola brasileira, especialmente a destinada à exportação, está em constante crescimento, tanto no da produtividade, quanto na expansão de áreas cultivadas. Com o advento da chamada “Revolução Verde”, a campanha de combate à fome e o impulso da monocultura, modernas tecnologias foram inseridas na agricultura, como a utilização de fertilizantes químicos, melhoramento genético de sementes, mecanização e irrigação em maior escala. Nesse cenário, é fato que a produção agrícola se caracteriza pelo emprego de pouca mão de obra e o uso intensivo de transgênicos e agrotóxicos. (ABRANDH, 2013) Por outro lado, o fornecimento de alimentos para o mercado interno tem sido realizado pela agricultura familiar, que representa 84% (oitenta e quatro por cento) do total de estabelecimentos agropecuários, ocupando somente 25% (vinte e cinco por cento) da área total usada pela agricultura e com utilização de 75% (setenta e cinco por cento) da mão de obra empregada neste ramo, o que reflete o contraste brasileiro entre a produção para exportação e para o mercado nacional (ABRANDH, 2013). Não se pode deixar de admitir, portanto, que o agronegócio está entre os ramos mais lucrativos da economia controlados por um conglomerado econômico e com perspectiva de crescimento. Em contrapartida, existe a agricultura camponesa ou familiar, que através de movimentos sociais e ambientais procuram lutar contra o agronegócio, na forma com que tem sido conduzido, para defender a soberania alimentar e o acesso de todos à alimentação adequada, pois, na medida em que, na visão desses movimentos, há uma relação de causa e efeito entre o crescimento do agronegócio e a falta de alimentos (CAMPOS, 2007). Diante dessa realidade, a linha de defesa de tais movimentos é o sentido da necessidade de se estimular uma transição do agronegócio para um modelo de produção familiar, agroecológico e sustentável. Para isso ocorrer, contudo, seria necessária a alteração do modelo agroquímico de produção de alimentos para uma agricultura fundamentada 35 Paradiplomacia Ambiental em princípios e implementações ecológicas, voltadas ao direito dos agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais de terem a ela o acesso livre e sustentável. Para tanto, também se faz necessária a criação de novas regulamentações, inclusive no que diz respeito ao acesso a terra e direitos de uso, projetos sustentáveis de produção, bem como a intensificação de ações voltadas à recuperação de áreas degradadas, o que não tem gerado poucas pressões contrárias. Dentre as políticas públicas já criadas e destinadas ao beneficiamento dos agricultores familiares, destacam-se: a) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); b) Fome Zero; c) Seguro da Agricultura Familiar (SEAF); d) Garantia Safra; e) Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF) f) Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). A tentativa de tais programas é também de modificar a realidade de um sistema agrário sob o controle de um pequeno grupo, mantendo à margem o pequeno produtor rural que sobrevive, na maioria das vezes, sob o regime de agricultura familiar, utilizando sua produção agrícola para alimentação do núcleo familiar e venda do excedente. Soma-se a isso o fato que, na maior parte das vezes, o pequeno produtor rural é vulnerável às mudanças de hábitos e padrões alimentares impostos na região, o que também contribui para a insegurança alimentar e nutricional (ALVES JUNIOR, 2012). A deficiência na segurança alimentar não se limita ao aspecto quantitativo de falta de alimentos ou desigualdade de sua distribuição, mas também qualitativo, quanto à ausência de sustentabilidade na produção de alimentos. No nível constitucional, o direito à alimentação passou a figurar expressamente no artigo 6º da Constituição Federal, dentre os direitos sociais, com a Emenda Constitucional nº 064/2010, que lhe deu nova redação: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Mesmo que não houvesse tal explicitação, o direito em si decorre dos demais 36 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. princípios da Constituição Federal, uma vez que a alimentação é necessária à garantia das condições mínimas de existência digna, ou seja, o direito à alimentação decorre do princípio geral constitucional da dignidade da pessoa humana. Para a realização do direito à alimentação é necessário um processo de interação entre vários setores da sociedade, dentro do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional, superando-se principalmente fatores políticos e econômicos de determinados grupos sociais que limitam aos demais o acesso aos recursos naturais, ao trabalho e aos demais direitos com os quais o direito à alimentação se correlacionada, como o direito a saúde, à moradia e à previdência social (VALENTE, 2016). Como arremate, anota-se que o direito à alimentação concebido como direito social fundamental, de segunda geração, exige uma atuação positiva do Estado a fim de garantir o acesso a ele a todos, em contraste ao modelo de Estado mínimo, tão hodiernamente defendido por alguns gestores públicos. 2. Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional como instrumento à realização do direito à alimentação O processo de implementação de uma política pública, em resumo, passa pela formação, execução e avaliação. Na formação, Administração ou interessados apresentam os pressupostos técnicos e materiais para serem confrontados com outros, de mesma natureza, trazidos por outras partes; na execução, são adotadas as medidas administrativas, financeiras e legais segundo um programa e, finalmente, na avalição é que são apreciados os efeitos sociais e jurídicos, “novamente sobre o prisma do contraditório, de cada uma das escolhas possíveis, em vista dos pressupostos apresentados”. (BUCCI, 2002. p. 266) Noutros termos, na formulação se inclui o tema na agenda de governo como uma prioridade, se realiza a decisão política ou plano de governo a respeito e se elaboram definições, delimitações e estratégias, para implementação se realizar o planejamento de aplicação de metas elaboradas e, por fim, na avaliação se retirar os resultados (ABRANDH, 2013). Segundo essa lógica, foi instituída a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN pelo Decreto nº 7.272/2010, com fixação de diretrizes, objetivos, gestão, mecanismos de financiamento, monitoramento e avaliação. E, por sua vez, tal política pública se insere no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, criado pela Lei nº 11.346/2006 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - LOSAN) 37 Paradiplomacia Ambiental O antecedente histórico para a formulação do SISAN é a II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN), realizada em Olinda, Pernambuco, em março de 2004, com o tema “A construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional”, pela articulação da sociedade civil e do governo. Do referido evento resultaram as propostas de elencar o direito humano à alimentação adequada como um dos direitos sociais constitucionais e de se criar um sistema nacional de segurança alimentar e nutricional pela promulgação de uma lei orgânica. A LOSAN estabelece que a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar políticas e ações necessárias para se promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população (artigo 2º). No artigo 8º, a citada lei elenca os princípios regentes do SISAN: a) universalidade e equidade no acesso à alimentação adequada, sem qualquer espécie de discriminação; b) preservação da autonomia e respeito à dignidade das pessoas; c) participação social na formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle das políticas e dos planos de segurança alimentar e nutricional em todas as esferas de governo; d) transparência dos programas, das ações e dos recursos públicos e privados e dos critérios para sua concessão. O SISAN, segundo art. 7º da mesma lei, é integrado por órgãos e entidades da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, além das instituições privadas da sociedade civil, com ou sem fins lucrativos, afetas à segurança alimentar e nutricional. Em razão mesmo do princípio da participação, a formulação dos rumos de tal política é competência de órgãos colegiados, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –CONSEA e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), disciplinados respectivamente pelo Decreto nº 7.272/2010 e Decreto nº 6.272/2007. O SISAN exerce importante papel na consolidação do direito humano à alimentação adequada garantindo a estabilidade e a continuidade das ações e programas públicos, tornando possível também a participação de todos os entes federados e da sociedade civil, os quais devem seguir os mesmos princípios e diretrizes estabelecidos. Pela atuação da CAISAN é formulada a PNSAN e o PLANSAN, sob as diretrizes estabelecidas pela Conferência Nacional de Segurança Alimentar e 38 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. Nutricional e pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CONSEA. De acordo com os já referidos princípios estabelecidos pela LOSAN, os programas, planos e ações do SISAN devem atender a todos, sem distinções ou restrições de qualquer natureza, permitindo que o direito humano à alimentação adequada seja exercido de acordo com a cultura e costumes locais, de forma a preservar a autonomia e garantir a dignidade humana. Como é necessária essa aderência à cultura e costumes locais, dentre outros aspectos de transparência, é que se deve garantir a participação popular na formulação da política pública, como efetivação do acesso ao direito pelos seus titulares, com controle social. Desse modo, denota-se que o Brasil optou pela criação de um sistema nacional pautado na segurança e soberania alimentar que deve nortear os subsistemas locais e orientar a colaboração da sociedade civil na efetivação do direito humano à alimentação adequada. Ainda, um aspecto de maior relevo para este trabalho, no tocante à PNSAN e PLANSAN, além dos princípios e objetivos gerais já citados, no artigo 3º, incisos II e VI, do Decreto nº 7.272/2010, foi definida a diretriz de promoção da sustentabilidade em todo o processo de alimentação, passando pela produção, extração, processamento e distribuição dos alimentos, bem como a necessidade de garantia do acesso à água de qualidade, especialmente por aqueles que exercem a agricultura familiar. Portanto, pode-se afirmar que a legislação brasileira elegeu a alimentação adequada, promovida com sustentabilidade, antes mesmo da definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, em especial o segundo objetivo de fome zero, delineando múltiplos aspectos interligados, em especial o acesso à água de qualidade na agricultura familiar. 3. Política municipal de segurança alimentar e nutricional e agricultura urbana sustentável: É no nível municipal que devem ser adotadas as medidas governamentais capazes de solucionar os problemas alimentares locais, em especial pela formulação conjugada de uma política municipal de segurança alimentar com a de desenvolvimento rural sustentável. Nessa linha, a segurança alimentar e nutricional pode ser melhor realizada pela consideração de suas múltiplas dimensões, tais como o apoio à produção agroalimentar equitativa e sustentável, abastecimento, consumo, educação e programas dirigidos a grupos populacionais específicos. (COSTA, MALUF, 2001) 39 Paradiplomacia Ambiental Embora o PLANSAN seja o principal instrumento de atuação pública no que se refere a segurança alimentar e nutricional, os Municípios, assim como os demais entes federados que aderirem ao SISAN, para que possam elaborar estratégias que melhor se adequem à realidade local, além de terem suas próprias câmaras intersetoriais e conselhos, devem elaborar o seu próprio plano, com base nas disposições e diretrizes da PNSAN e conferências. É o que preconizam os artigos 11, §1º e 20, do Decreto nº 7.272/2010, que preveem a elaboração do plano local no prazo de um ano a contar da assinatura do termo de adesão como requisito mínimo para sua formalização. Os Municípios devem formar um comitê técnico com envolvimento das secretarias representativas mais afetas ao direito de alimentação adequada, promovendo-se uma elaboração participativa do plano, com o diagnóstico da situação atual da segurança alimentar e nutricional, levantamento de programas e ações existentes e estabelecimento de metas e ações necessárias à sua melhoria futura, devendo, por fim, ser aprovado pela câmara intersetorial, publicado e amplamente divulgado. No tocante ao diagnóstico da situação de segurança alimentar e nutricional local, deve-se levar em consideração especialmente indicadores de produção agrícola e pecuária municipal, desigualdade de renda (detectada através do índice de Gini), estado nutricional de adolescentes entre 10 (dez) e 19 (dezenove) anos, adultos de 20 (vinte) a 59 (cinquenta e nove) anos e gestantes, baixo peso ao nascer, aleitamento materno, taxa de mortalidade infantil e anemia ferropriva em menores de 5 (cinco) anos (ABRANDH, 2013). Nesse processo, os Municípios costumam contar com fontes de dados, tais como Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB); Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN); Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF); Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC); Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS); Sistema de Informação sobre mortalidade (SIM); Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). O plano municipal deve ser formalizado em lei, com observância do devido processo legislativo municipal, com iniciativa legislativa privativa do chefe do Poder Executivo e discussão e votação pelo Poder Legislativo. Na tramitação do projeto de lei na Câmara Municipal, os vereadores poderão, em tese, exercer o poder emendador sobre a propositura, atentando-se, contudo, para o fato de que, como o projeto de lei é apenas um veículo do plano, este sim documento eminentemente técnico e forjado a partir da discussão com a sociedade, dependerá a emenda parlamentar ao projeto de lei também de ter suporte técnico e ser submetida a audiência pública, para ter viabilidade jurídica e técnica. 40 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. Caso tais cautelas não sejam adotadas, em tese há a possibilidade do controle prévio de constitucionalidade, por veto do chefe do Poder Executivo ou, no limite, o controle posterior via ação direta de inconstitucionalidade, no respectivo Tribunal de Justiça, tendo por parâmetro o texto constitucional estadual. Aliás, esse é o entendimento a respeito do alcance do poder emendador do vereador em projetos de lei que tratam de matéria ambiental e urbanística, situação em que, apesar de haver competência legislativa ser concorrente, é necessária a realização de estudos técnicos e discussão com a sociedade sobre a emenda parlamentar, para que seja compatível constitucionalmente. Uma vez aprovado o plano municipal de segurança alimentar e nutricional, por meio de lei, competirá ao Poder Executivo municipal a regulamentação por decreto, como decorrência da competência regulamentadora prevista no art. 84, IV, da Constituição Federal, que se aplica simetricamente aos Municípios. Da mesma forma que costuma ocorrer noutras políticas ambientais, o aludido plano municipal deve também guardar compatibilidade com a política e o sistema estadual de segurança alimentar e nutricional. Exemplo disso ocorre no Estado de Minas Gerais, onde, por meio da Lei 22.806/2017, se previu a incorporação da estrutura estadual no nível municipal (art. 9º), como também a necessidade de os Municípios adotarem um termo de adesão para participar do sistema estadual, com análise do plano municipal pelas CAISANs e CONSEAs nacionais e estaduais. Semelhantemente aos níveis federal e estadual, no SISAN municipal deve existir um conselho municipal para que seja viabilizada a participação direta da sociedade civil e, quanto ao seu conteúdo, o plano municipal compõe-se de informações diversas de natureza social, econômica e de saúde da população, bem como a indicação de problemas existentes e as maiores demandas. Delimitando melhor o conteúdo, constata-se que uma política municipal de segurança alimentar e nutricional pode ser orientada por diretrizes gerais (COSTA; MALUF, 2001, p. 17) relacionadas à: a) produção rural e urbana, b) comercialização dos alimentos em bases socialmente equitativas; c) ampliação do acesso à alimentação de qualidade; d) regulação das condições de disponibilização dos alimentos à população; e) educação alimentar; f) organização dos consumidores na defesa dos seus direitos; g) universalização e garantia da qualidade dos programas alimentares com caráter suplementar ou emergencial dirigidos a grupos populacionais específicos; 41 Paradiplomacia Ambiental h) participação da sociedade civil na formulação e implementação da política de segurança alimentar, apoiando-se as iniciativas não-governamentais. Se considerado o ciclo de vida do alimento, o Município atua na regulação da sua produção e abastecimento, a fim de garantir a universalização da alimentação à população de seu território, somando-se a isso, ainda, a educação como elemento de formação cultural das mesmas, visando a conscientização a respeito da necessidade de uma alimentação adequada. Na atuação específica sobre a produção e abastecimento de alimentos é que se insere o tema da agricultura sustentável, parte também integrante do segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU e que, tradicionalmente, se relaciona com a zona rural. Contudo, em razão das próprias alterações nos perfis das cidades, cada vez mais tem se discutido a agricultura na zona urbana, como forma de se garantir a universalização do acesso a alimentos de qualidade e mais baratos, além de contribuir para a melhoria das condições ambientais da cidade. A definição mais tradicional de agricultura urbana considera a produção no interior (intraurbana) e nas franjas (periurbana) de uma cidade ou metrópole, com cultivo de alimentos e criação de animais, processamento e criação de diversidade de produtos alimentícios e não alimentícios, utilizando grande quantidade de recursos humanos e materiais, produtos e serviços encontrados no interior e ao redor daquela e, em contrapartida, fornecendo recursos materiais e humanos, produtos e serviços de larga escala para tal área urbana. (MOUGEOT, 2000, p. 10) Ou seja, não só o elemento de delimitação espacial é relevante, como também o que é e como é produzido no interior da cidade e a integração com o sistema econômico e ecológico dela. Existem várias experiências exitosas de agricultura urbana no mundo, sendo exemplo a de cidades no Canadá, onde se desenvolveu, principalmente após a década de 1970, um movimento em prol de Sistemas Locais de Alimentação, com a defesa de agricultura ecológica local e agricultura urbana, com resultados positivos no sentido de se aproximar os produtores dos consumidores, atestando-se a qualidade dos alimentos, como também a produção mais baixa de carbono na cadeia produtiva, uma vez que não se utiliza transportes de longa distância (OLIVEIRA, 2017, p. 138). Segundo a pesquisadora, o Canadá tem políticas locais de segurança alimentar em razão de não existir uma política nacional, assim como há uma prevalência da agricultura de grande escala para a exportação nas zonas rurais, realidade muito assemelhada à brasileira nesta última particularidade. A agricultura urbana atual está presente em cidades de grande e médio porte 42 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. canadenses, com prevalência das hortas comunitárias, seguidas de fazendas de pequena produção e hortas em telhados (SODERHOLM, 2015), além de apicultura e criação de animais, “embora a criação de animais seja proibida em algumas cidades na província de Quebec” (OLIVEIRA, 2017, p. 141) Um exemplo considerado virtuoso é o da cidade de Montreal, com uma população de um milhão e seiscentos e cinquenta mil pessoas, onde houve um grande desenvolvimento, a partir da década de 1970, do Programa de Hortas Comunitárias (Programme des Jardins Communautaries), com o apoio do poder público municipal, que se tornou modelo para o restante do país e, a partir da década de 1990, as hortas coletivas, através da ação de organizações não governamentais com utilização de espaços privados, como de igrejas, restaurantes etc e, finalmente, nos últimos cinco anos surgiram as hortas compartilhadas, com base na filosofia e movimento Incredible Edible.3, além da explosão da apicultura, cultivo de lúpulo e a expansão de múltiplos tipos de empreendimentos sociais relacionados à agricultura urbana, inclusive com marcante participação de jovens profissionais na agricultura (OLIVEIRA, 2017, p. 146). Outra experiência inspiradora ocorre em Toronto, cidade com uma população de dois milhões e seiscentos e dez mil habitantes, onde a política de segurança alimentar integra a política municipal de saúde e se encontra bem consolidada pelo poder público, tanto diretamente, no programa de hortas comunitárias em áreas públicas, quanto por meio de parcerias com entidades do terceiro setor. No Brasil, tomando-se, por exemplo, a sua maior metrópole, a cidade de São Paulo, que apesar de ter economia intensa no setor terciário, aprovou a Lei nº 13.727/2004 para criar o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana – PROAURP, considerando a agricultura urbana “toda a atividade destinada ao cultivo de hortaliças, legumes, plantas medicinais, plantas frutíferas e flores, bem como a criação de animais de pequeno porte, piscicultura e a produção artesanal de alimentos e bebidas para o consumo humano no âmbito do município” (art. 1º). Segundo o art. 2º, da mesma lei, os objetivos do programa são o combate à fome, promoção da inclusão social, incentivo à geração de emprego e renda, à agricultura familiar, à produção para o autoconsumo, ao associativismo, ao agroecoturismo, à venda direta do produtor e, finalmente, a redução do custo do acesso ao alimento para os consumidores de baixa renda. A lei também define que a agricultura urbana paulistana deve ser 3 O movimento Incredible Edible (Incríveis Comestíveis) surgiu na cidade de Todmorden, norte da Inglaterra, em 2008, quando Pam Warhus decidiu reunir outras pessoas para tornar a “cidade comestível”. A população aderiu à ideia e começou a plantar alimentos em diferentes espaços vazios da cidade, como calçadas, igrejas, escolas e até cemitérios, tornando-a uma referência mundial. Informações adicionais são acessíveis em: https://www.incredibleedible.org.uk/. 43 Paradiplomacia Ambiental desenvolvida tanto em áreas privadas como públicas, cabendo ao poder público o levantamento de áreas públicas para tal finalidade, como também a criação de um cadastro para as áreas privadas (arts. 3º e 4º), com vistas à formação de um banco de dados acessível pela internet (art. 5º), aí se denotando a busca pela transparência e controle. Com a regulamentação da lei pelo Decreto nº 45.665/2004, ficou delimitada melhor a competência das Subprefeituras, da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente e Secretaria Municipal de Abastecimento na condução do programa, como também foram detalhadas as atividades que o compõem, conforme os objetivos gerais da lei retro citados. As atividades de agricultura urbana que, segundo o art. 2º, do referido decreto, devem ser estimuladas e apoiadas são: a) feiras de produtos oriundos da agricultura urbana, bem como a criação de entrepostos, feiras móveis, quiosques, casas do produtor e outros equipamentos destinados à venda direta ao consumidor, buscando baratear os preços e aproximar organizações de produtores e consumidores, inclusive nas fases de superprodução sazonal e na entre safra; b) produtores artesanais de alimentos e bebidas para o desenvolvimento de atividades cooperativadas, objetivando a autogestão; c) produção local e os programas de auto abastecimento alimentar, tais como hortas comunitárias, escolares, domésticas e municipais, bem como pomares e pequenos criatórios comunitários, com a finalidade de garantir determinadas fontes alimentares no período da entre safra; d) iniciativas locais, cooperativadas, associativas e comunitárias, por meio do fomento de atividades que propiciem qualificação de mão-de-obra e organização de grupos geradores de empregos e renda, favorecendo a gestão participativa e priorizando a geração de empreendimentos de auto-gestão; e) organização de pequenos varejistas e feirantes, articulando-os com os agricultores familiares; f) os micros e pequenos empreendimentos pesqueiros, agrícolas, agroindustriais, criatórios de pequenos animais, propiciando o intercâmbio de experiências; g) formas coletivas de produção, o associativismo e o cooperativismo, sobretudo nas regiões de baixa renda do Município de São Paulo; h) constituição de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares, com vistas à mobilização e divulgação de empreendimentos solidários, educação em cooperativismo, sua finalização e organização, bem como o acompanhamento administrativo e a inserção das cooperativas nos mercados. Um segundo período importante na cidade de São Paulo ocorreu entre os 44 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. anos de 2013 a 2016, com a aprovação da Lei nº 15.920/2013 (Sistema Integrado Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional) que reconheceu a agricultura urbana e orgânica como um dos elementos relevantes de promoção da segurança alimentar e nutricional, como também a aprovação da Lei 16.050/2014 (Plano Diretor Municipal), que definiu diversas áreas para a agricultura urbana e periurbana, tais como na Macroárea de Controle e Qualificação Urbana e Ambiental (art. 19, XI), no Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (art. 267, XVII), como também estabeleceu a agricultura urbana como uma diretriz da Política Habitacional Social (art. 291, XIV). Na cidade de Maringá, estado do Paraná, a agricultura urbana tem se desenvolvido por projeto de hortas comunitárias com apoio do poder público municipal, parceria com a Universidade Estadual de Maringá – UEM e forte engajamento da sociedade, com benefícios que vão além do da produção de alimentos de qualidade e geração de renda à parte da população, ocorrendo ganhos à saúde, melhoria na alimentação, prática de exercício laboral, fortalecimento do relacionamento comunitário, tratamento de doenças psicológicas e psiquiátricas pelas atividades na horta. (PIRES, 2016, p. 78) De todas as experiências citadas, conclui-se que é possível e desejável que os Municípios exerçam o fomento para promover a agricultura urbana e periurbana, em atividades como produção de hortaliças e outros alimentos, flores, pequenos animais e até mesmo apicultura nos vazios urbanos e até em áreas edificadas degradadas. Exemplos de vazios urbanos públicos são lotes de terrenos públicos ou privados sem cumprimento da função social da propriedade, áreas institucionais de loteamentos vazias, não utilizadas para equipamentos públicos, áreas de faixa de domínio de rodovias e ferrovias e áreas de preservação permanentes marginais, nas quais o próprio Código Florestal admite a atividade de agricultura por ser de baixo impacto ambiental. Nos prédios urbanos públicos ou privados, sem utilização, é possível a chamada “agricultura sem solo”, com utilização de técnicas de hidroponia, em que as raízes das plantas retiram nutrientes de uma solução balanceada, aeroponia, em que o cultivo das plantas é realizado de forma suspensa e também a irrigação por gotejamento, em que a irrigação é feita de forma lenta nas raízes das plantas. Nas cidades sustentáveis das grandes metrópoles mundiais, cada vez mais tem se difundido a ideia de que as “fazendas verticais” serão uma tendência, como forma de recuperação de prédios em áreas centralizadas e antigas da cidade, com grande desvalorização imobiliária, assim como em razão da escassez de áreas de solo cultiváveis, em razão da superpopulação. Nesse contexto, as fazendas verticais poderão alimentar grande parte da população residente em áreas próximas, proporcionando menor preço e maior qualidade aos alimentos 45 Paradiplomacia Ambiental assim produzidos. Os modelos possíveis são variados, desde as mais tradicionais hortas comunitárias geridas em parceria entre o poder público e a comunidade, como também modelos mais sofisticados, com estímulo ao empreendedorismo social e inovação tecnológica no agronegócio. Muitas cidades brasileiras utilizam leis tributárias concessivas de isenção do imposto sobre a propriedade territorial urbana – IPTU, para terrenos vazios ocupados por horta, como forma de fomento à agricultura urbana. Essa forma de fomento é de alcance mais reduzido, na medida em que a horta produz alimentos comercializados num raio próximo de sua localização. Por outro lado, a criação de hortas em áreas maiores, tais como as citadas áreas de domínio de rodovias, ferrovias, áreas “non aedificandi” sob torres de transmissão de energia elétrica, sobre dutos petrolíferos ou adutoras de água, possibilitam a agricultura urbana de larga escala, como que numa interiorização dos antigos cinturões verdes das cidades. Também, no âmbito mais privativo dos imóveis residenciais horizontais e verticais, é possível o fomento por ações administrativas de apoio técnico e educativo, subvenção, isenção tributária, para se estimular o plantio de hortas e pomares nos jardins de tais imóveis, como também a definição de um paisagismo em áreas verdes públicas que privilegie espécies para alimentação humana, no conceito mesmo de “cidades comestíveis” pensado pelo movimento global Incredible Edible. O que se nota, contudo, é que para isso se tornar realidade é necessária a conjugação de diferentes instrumentos legais, como parece estar ocorrendo na cidade de São Paulo, em que se coordena a legislação urbanística com os instrumentos tributários e administrativos, com vistas à promoção da segurança alimentar. É necessário também que haja uma integração de políticas e legislação ambiental, pois, por exemplo, no manejo de resíduos sólidos orgânicos, provenientes de domicílios ou da limpeza urbana, seria possível a criação de usinas de compostagem para produção de adubo para a agricultura urbana, ao mesmo tempo se resolvendo o problema da destinação ambientalmente adequada de tais resíduos e proporcionando insumo à produção dos alimentos. Quanto aos mecanismos de implementação de tais programas e projetos, é possível se vislumbrar a criação de normas regulamentadoras de parcerias com organizações da sociedade civil vocacionadas, por exemplo, à recuperação de pessoas em situação de vulnerabilidade e marginalidade social pela terapia laboral. Nesse ponto, a lei paulistana de agricultura urbana, no art. 10, previu a 46 Fomento municipal à agricultura urbana sustentável como mecanismo de efetivação da segurança alimentar e nutricional. possibilidade do Poder Executivo municipal firmar parcerias e convênios com a União, Estado, cooperativas de trabalho, micro, pequenas, médias e grandes empresas, bem como entidades estrangeiras para atingir os objetivos da lei. Ainda além do âmbito do território do Município, no caso de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, é evidente que as políticas municipais sejam discutidas regionalmente e não de forma isolada, com vistas ao atingimento de metas de médio e longo prazo, desatreladas dos interesses políticos temporários de cada governante local, formando-se mecanismos de cooperação regionalizada, por exemplo, por convênios ou consórcios públicos. CONCLUSÃO Apesar do Brasil possuir um Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, sob o ponto de vista jurídico bastante estruturado, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que se concretize a universalização na segurança alimentar, resolvendo-se problemas como de falta de quantidade e qualidade dos alimentos, desigualdades na distribuição e inexistência de sustentabilidade na produção. No âmbito dos Municípios, onde são sentidas as demandas mais diretas da população, é possível se vislumbrar diversos meios para resolução de tal problema, dentre aqueles afetos especificamente às suas competências administrativas e legislativas. Assim, não se trata apenas da competência municipal de definição de sua própria política de segurança alimentar e nutricional de âmbito local, mas também de realização de um esforço para a criação de soluções inovadoras e integradas às demais atividades sob responsabilidade específica da Municipalidade. Definição de um marco regulatório específico para o fomento à agricultura urbana é um primeiro passo para a resolução do problema da insegurança alimentar da população local, mas não é tudo, pois tal lei deve ser atrelada às leis urbanísticas, ambientais e, principalmente, às ações administrativas de fomento próprias para tal fim, tanto de forma direta pelo poder público, como por meio de parcerias individualizadas com entidades públicas ou privadas, quanto coletivas, por meio de cooperação regional. Em arremate, não se pode afirmar que os Municípios não possuam ferramental jurídico suficiente para realizar o segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU, pela agricultura urbana sustentável, devendo, contudo, se somar a busca pelo conhecimento técnico e o interesse político para que isso realmente ocorra. 47 Paradiplomacia Ambiental REFERÊNCIAS ALVES JUNIOR, T. de A.. Agricultura familiar e alimentação escolar: o PNAE no Sertão Central. 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INTRODUÇÃO O advento da pandemia mundial da COVID-19 é caracterizado como evento de Saúde Global urgente e se enquadra na meta 3.3 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), ODS- 3 Saúde e Bem-Estar. Evidencia o efeito das decisões da Governança da Saúde Global com imediata repercussão mundial em outras esferas de interesses nacionais e internacionais, neste caso, sem a possibilidade de negociações, uma vez que, a situação instalada de emergência interfere diretamente nos direitos difusos e coletivos à Vida e à Saúde, reconhecidos pelo Direito Internacional como Direitos Humanos. A atual pauta mundial comum tem sido capaz de, compulsoriamente, modificar hábitos e estilos de vida, mesmo que temporariamente. Trata-se de um cenário há muito anunciado pelos estudos do Regime Internacional de Mudanças Climáticas, todavia ainda desacreditado por muitos, cujos estudos têm maAdvogado Sanitarista. Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Santos. Mestre em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente pelo SENAC. Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo INBRAPE. Pós Graduado em Direito Público pela UNISAL. Pôs Graduado em Educação Permanente em Saúde pela ENSP/FIOCRUZ. Pós Graduado em Gestão de Projetos e Investimentos em Saúde pela ENSP/FIOCRUZ. Pós Graduado em Gestão de Redes de Atenção à Saúde pela ENSP/FIOCRUZ. 2 Professor Associado do Programa de Doutorado em Direito Ambiental Internacional da Universidade Católica de Santos. Professor Titular da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP. 3 Médico Pediatra e Epidemiologista. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP. Professor do Programa de Pós graduação em Saúde Coletiva da UNISANTOS. 4 Médico Sanitarista e Epidemiologista. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP, Professor do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da UNISANTOS. 1 50 A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da Covid-19 no Brasil nifestado preocupação com a migração, mutação ou comportamento de doenças já conhecidas e não erradicadas ou até mesmo negligenciadas, se tornando evidentes em um novo cenário, que exigirá a adoção de medidas de adaptação e mitigação obrigatórias, capazes de modificar o estilo de vida do ser humano. Essa situação, na visão da Saúde Global, constitui um evento grave e urgente. Trata-se de uma experiência complexa, considerando que o seu enfrentamento requer medidas imediatas externas à Saúde Global, o que necessita ir além das medidas de interesse sanitário, de cooperação urgente, configurando uma verdadeira encruzilhada no tocante ao conjunto de interesses conflitantes, aos quais afetam, tais como, os interesses econômicos, políticos e comerciais. No caso do tratamento da pandemia mundial da COVID-19, apesar do posicionamento técnico-científico da Organização Mundial de Saúde (OMS)/ Organização Panamericana de Saúde (OPAS), dos Conselhos Federal e Estaduais de Medicina, das Associações Médicas, das Universidades, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), o Brasil se posiciona, por meio da Presidência da República, de forma contrária, atendendo a interesses assumidamente econômicos, pondo em risco o Direito à Saúde e à Vida que é irrenunciável e pertence igualmente a todos. Em resposta a essa situação, constata-se a atuação contundente dos Governos Subnacionais em defesa da saúde e da vida dos seus habitantes em conflito com as leis e normas produzidas pelo Governo Federal para orientar o tratamento da crise. 1. Os desafios da implementação da Meta 3.3 do ODS 3- Saúde e Bem- Estar no tratamento da pandemia da COVID-19 Em 31 de dezembro de 2019, a OMS foi informada a respeito de alguns casos de pneumonia de etiologia desconhecida, detectada na cidade de Wuhan, província de Hubei, China. Desde então, revelou-se no documento publicado pela OMS/OPAS intitulado Recomendaciones para la Reorganización y Ampliación Progresiva de los Servicios de Salud para la Respuesta a la Pandemia de COVID-19, que o coronavírus SARS-Cov2, é altamente patogênico e pertence a uma grande família viral que causa infecções respiratórias e intestinais em seres humanos e possivelmente em animais. Seu período médio de incubação é de 5 dias, com intervalo que pode chegar até a 16 dias. Após estudos e avaliação acerca do comportamento da doença no mundo, em 11 de março de 2020, a OMS classificou o Coronavírus 2019 (COVID-19) como uma pandemia, ou seja, o vírus atingia a todos os continentes e havia a ocorrência de casos sem sintomas, existindo dificuldade de identificá-los. Isso significa que o vírus circula livremente e pode atingir toda a população, conforme aponta o Plano de Ação para Enfrentamento da COVID-19, da Prefeitura Municipal de São Paulo. 51 Paradiplomacia Ambiental Ocorre que, apesar de se desenvolver num processo similar ao de uma gripe comum, em alguns casos, a manifestação da COVID-19 se expressa de forma grave no sistema respiratório de alguns pacientes, ocasionando um quadro de insuficiência respiratória que demanda internação hospitalar e a utilização de respiradores artificiais. Os Sistemas de Saúde Pública do mundo, bem como as clínicas e hospitais privados não conseguem, juntos, garantir o atendimento a todos os doentes ao mesmo tempo, caso a doença se manifeste de forma drástica. Não havendo uma vacina ou remédio específico que trate de forma segura e com eficácia os casos de COVID-19, o documento emitido pela OMS/OPAS, Respuesta a La Pandemia de Covid-19 da Reunión de Alto Nivel de los Ministros de Salud: Panorama General de las Medidas Actuales de Distanciamiento Social y Evidencia Necesaria para Determinar el Momento Óptimo para Relajar estas Medidas, elucida que o maior desafio atual para a Saúde Coletiva é a possibilidade de sobrecarga e colapso dos Sistemas de Saúde, o que resultaria na falta de acesso da população aos serviços de saúde, comprometendo a integralidade dos serviços e o próprio Direito à Saúde e à Vida. O tratamento desta doença, pelos países, corresponde à meta 3.3 do ODS 3-Saúde e Bem-Estar, que prevê como responsabilidade dos Estados nacionais a erradicação de doenças transmissíveis, seja ela de qualquer natureza e extensão. Todavia, a sua natureza, gravidade, consequências e impactos transversais graves, constituem uma ameaça ao cumprimento da meta ao qual está adstrita, bem como dos outros Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Isso se dá porque, para tentar proteger a possibilidade de colapso dos Sistemas de Saúde, além das medidas sanitárias protocolares, os governos nacionais e subnacionais necessitam adotar procedimentos, regras e protocolos externos à área da Saúde, os quais necessitam da adesão da população e da sociedade civil (individual, familiar ou comunitária), além de amplo amparo político, tanto no tocante às medidas de Saúde Coletiva, quanto no posicionamento formal perante a sociedade civil, bem como oferecer a proteção social necessária para o sucesso do distanciamento social. Medidas colaborativas mais integrais e imediatas são citadas pela Nota Tecnica. la Adaptación del Primer Nivel de Atención en el Contexto de la Pandemia Covid-19: Intervenciones, Modalidades y Ámbitos com o intuito de diminuir a possibilidade de crescimento da curva epidêmica/pandêmica, bem como evitar um prolongamento do tempo da pandemia e até mesmo seu deslocamento a novos lugares e a outros que já a controlaram, protegendo a reinfecção global. É essencial frisar que, diante de uma pandemia dessa natureza, na qual o remédio mais eficaz é o distanciamento social, documentos da OMS/OPAS esclarecem que não há como evitar a ocorrência de consequências econômicas. Esta poderá ser mitigada com a seriedade com que as medidas sanitárias ou de interesse sanitário sejam implementados e com a maior adesão possível, de for52 A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da Covid-19 no Brasil ma a diminuir ao máximo o tempo total da ocorrência da pandemia. A necessidade de adoção dessas medidas de proteção da saúde, no entendimento de Dantas et al. (2020), evidenciou as disparidades e desigualdades econômicas e sociais, quando da adoção das medidas técnicas protocolares para a abordagem de Políticas Públicas de erradicação de epidemias ou pandemias de doenças infecciosas transmissíveis, o que resulta, na resistência da população na adoção de medidas como o isolamento social, frente às dificuldades decorrentes dessa situação, como a econômica. Dessa forma, as Políticas Públicas de Proteção Social devem tentar atender a essas necessidades, sob pena de agravarem-se as mazelas sociais, bem como resultar em eventos catastróficos em Saúde Coletiva como o aumento exponencial da mortalidade. O exemplo brasileiro no tratamento da COVID-19, precedido pelo italiano, conforme Pacho (2020), Alessi (2020) e Torrente (2020), entre outros autores, demonstra que a Meta 3.3 - Até 2030, acabar com as epidemias de AIDS, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas, e combater a hepatite, doenças transmitidas pela água, e outras doenças transmissíveis, do ODS 3- Saúde e Bem-Estar, abordada neste capítulo, como quase a maioria das doenças, não consegue teoricamente ou no âmbito de práticas da Saúde Coletiva, ser conduzida isoladamente pelo setor Saúde. Nesse mesmo sentido, corroboram Buss; Galvão; Buss, (2017) e Ottersen et al., (2014). Dantas et al. (2020), ao mencionar o trabalho de Taghrir; Akbarialiabad; Ahmadi Marzaleh, Parmet e Sinha, corrobora a ideia de que o distanciamento social e, em alguns casos, o lockdown são medidas externas à saúde, apesar de serem indicadas tecnicamente pela Saúde Coletiva ou Saúde Global, com respaldo científico devido à sua eficácia no combate à pandemia, bem como sua proteção contra o colapso do Sistema de Saúde, o que garante melhor o acesso à população. Outra pesquisa (PARMET; SINHA, apud DANTAS et al,2020) analisou dados de oito países extremamente afetados por COVID-19 (China, Itália, Irã, Alemanha, França, Espanha, Coréia do Sul e Japão) e concluiu que o número crescente de casos COVID-19 em países europeus ocorre devido a medidas de contenção tardia. No tocante à Saúde Global, essa pandemia é objeto primordial das discussões da Governança da Saúde Global da Organização Mundial de Saúde, cujas decisões têm proferido manifestação técnica e política quanto às alternativas a serem adotadas pelos Estados Nacionais, tendo como foco a proteção da Saúde Global. No caso brasileiro, o tratamento da COVID-19 evidenciou o fenômeno da atuação dos Governos Subnacionais, representados por muitos Municípios e Estados que, alinhados com as normas internacionais, emanadas da OMS, representada pela OPAS para as Américas, assumiram posição divergente da 53 Paradiplomacia Ambiental posição do Chefe do Poder Executivo Federal, enfrentando-o. Nesse contexto, também é evidente a manifestação de diversas instituições em defesa do Direito à Vida e à Saúde, protegidos pela Constituição Federal Brasileira e pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, constatado pela propositura das ações judiciais. 2. O protagonismo dos Governos Subnacionais e a judicialização no enfrentamento da COVID-19 A pandemia da Covid-19, que afeta o mundo, desde 31 de dezembro de 2019, evidenciou o protagonismo da atuação dos Governos Subnacionais em vários países, por ocasião da adoção de Políticas Públicas de Saúde para o enfrentamento emergencial da doença. No mundo, as medidas de enfrentamento dessa pandemia atendem a pactuação dos ODS, uma vez que, a meta 3.3 do ODS 3- Saúde e Bem-Estar, foi traçada com o objetivo de erradicar epidemias ocasionadas por doenças transmissíveis. Trata-se de uma meta originária da agenda inconclusa dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), conforme apontam Buss, Galvão e Buss (2017), a qual foi incorporada à Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Todavia, considerando a ampla gama de determinantes sociais, ambientais (WHITEHEAD; DAHLGREN, 1991; BORDE; HERNÁNDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015, p. 844; FREITAS, et al., 2020, p. 6), conforme dispõe também o Relatório da Comissão Nacional Sobre Determinantes Sociais da Saúde, publicado em 2008; e políticos (BORDE; HERNÁNDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015, p. 844; OTTERSEN et al., 2014, p. 3), que interferem no processo saúde-doença-cuidado, sozinha, a área da Saúde não conseguirá cumprir com a sua missão de forma eficaz (BUSS, GALVÃO, BUSS, 2017), sendo imprescindível que as áreas externas à Saúde Coletiva e Global, possam colaborar com medidas de interesse à Saúde, a exemplo da econômica e política. Salienta-se que, consoante informa o Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (CEPEDES) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a Pandemia por COVID-19 “deve ser compreendida como um Desastre Global, combinando processos globais e nacionais, afetando principalmente os mais pobres, podendo evoluir para uma Crise Humanitária em muitos países, incluindo o Brasil” (FREITAS, et al., 2020, p. 5), razão pela qual seu enfrentamento necessita da conjunção de esforços para a adoção de medidas de cooperação inter federativa e internacional, que incluem alternativas teóricas, bem como no âmbito prático da Saúde Coletiva (NUNES, 2012; PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998; SEVALHO, 1993; L’ABBATE, 2003), em consonância com as diretrizes de Saúde Global (BROWN; CUETO; FEE, 2006; FORTES; RIBEIRO; 2014; BUSS et 54 A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da Covid-19 no Brasil al., 2017; KICKBUSCH, 2017) da OMS/OPAS, bem como da Governança da Saúde Global. Portanto, a COVID-19 cria novos cenários e perspectivas de riscos atuais e futuros pela disseminação do vírus, agrava e se sobrepõe à situação de saúde pré-existente, o que impacta na capacidade da resposta da Saúde Coletiva, vulnerabilizando e sobrecarregando ainda mais o Sistema de Saúde Pública e poderá constituir num entrave ao cumprimento da meta 3.3, bem como das outras metas e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, frente à transversalidade e conexão entre eles. Todavia, a depender da forma como os trabalhos forem conduzidos, poderá constituir em grande aprendizado e experiência para uma mudança radical que possa unir esforços cooperativos no sentido de construir e fortalecer uma governança interna e externa ao setor Saúde para a proteção da saúde, tanto coletiva, quanto global, apta a trabalhar com problemas de grande magnitude e complexidade, como por exemplo, os problemas de saúde decorrentes do aquecimento global e das mudanças climáticas, objeto de estudo do Direito Ambiental Internacional (DAI). No Brasil, como já observado, a pandemia mundial da COVID-19 vem resultando numa forte e grave crise inter federativa, entre o governo federal e os Governos Subnacionais, com relação ao posicionamento técnico e político, bem como a postura a ser adotada frente ao enfrentamento da pandemia mundial, na qual a Presidência da República contraria o posicionamento da Organização das Nações Unidas (ONU), representada pela OMS e pela OPAS no tocante às medidas técnicas, consideradas pelos documentos de Governança da Saúde Global como “medidas não farmacológicas” (FREITAS, et al., 2020, p. 24), ou seja, com relação à adoção das medidas políticas que podem impactar negativamente ou positivamente no resultado da disseminação da doença e, consequentemente no cumprimento da meta 3.3 do ODS Saúde e Bem-Estar. Nesse sentido, a Presidência da República, representada pelo Chefe do Poder Executivo Federal, editou um conjunto de normas, sendo que alguns dos dispositivos são, sanitariamente, inaplicáveis, pois tentaram limitar a competência dos Governos Subnacionais na adoção de “medidas não farmacológicas” (FREITAS, et al., 2020, p. 24), questões esclarecidas no âmbito dos documentos publicados pela OPAS/OMS: Respuesta a La Pandemia de Covid-19 da Reunión de Alto Nivel de los Ministros de Salud: Panorama General de las Medidas Actuales de Distanciamiento Social y Evidencia Necesaria para Determinar el Momento Óptimo para Relajar estas Medidas e Consideraciones Sobre Medidas De Distanciamiento Social Y Medidas Relacionadas Con Los Viajes En El Contexto De La Respuesta A La Pandemia De Covid-19, ou seja, tratam-se de medidas externas à área da Saúde, apesar de serem recomendadas pelo crivo sanitário, mas que são imprescindíveis no bloqueio da disseminação da doença, a despeito das decisões acerca da extensão do distanciamento social em prejuízo da economia. 55 Paradiplomacia Ambiental Nesse diapasão, destacamos a promulgação da Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que versa sobre as medidas para enfrentamento da emergência de Saúde Pública de importância internacional, decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 e do Decreto Federal nº 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a lei supramencionada, e define os serviços públicos e as atividades essenciais e suas alterações posteriores, em especial o Decreto Federal nº 10. 329, de 28 de abril de 2020 e Decreto Federal nº 10.344, de 08 de maio de 2020. Esse posicionamento legal resultou em algumas ações judiciais no Supremo Tribunal Federal, bem como em diversos Tribunais dos Estados, envolvendo ações de naturezas variadas, sendo uma delas uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e outras duas Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), nas quais discutiram, essencialmente, os limites da competência dos Governos Subnacionais no tocante ao poder de decidirem a melhor alternativa sanitária de controle da doença altamente transmissível, conforme verifica-se nos documentos: Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 669, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672 e Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341, dentre outras. Ressalta-se que o caso brasileiro reafirma o conhecido conflito de interesses econômicos versus Saúde Coletiva/Global, tão discutido nos estudos científicos que envolvem a dicotomia entre a Governança da Saúde Global e a Governança externa à área da Saúde Global, conforme Instituições Científicas renomadas, importantes e atuantes na área como a FIOCRUZ (BUSS et al., 2017) e pelos membros da Comissão The Lancet da Universidade de Oslo, Noruega, sobre Governança em Saúde (OTTERSEN et al., 2014). Diante desse temor, em defesa dos interesses de alguns grupos econômicos, a Presidência da República resolve limitar legalmente a competência e autonomia dos Estados Subnacionais no que concerne à adoção de medidas sanitárias, bem como medidas externas à área da Saúde, porém de interesse da Saúde Coletiva e Saúde Global, considerando a pandemia de expressão mundial, a exemplo da determinação de distanciamento social ou lockdown, em benefício da Saúde Coletiva e Global, que é uma medida sanitária antiga e eficaz no combate à disseminação de doenças infecto-contagiosas (CARLOS NETO; DENDASCK; OLIVEIRA, 2016; TAGHRIR; AKBARIALIABAD; AHMADI MARZALEH, 2020 apud DANTAS et al., 2020), todavia, na sua implementação prolongada, pode ferir interesses econômicos, pois que interfere gravemente na dinâmica capitalista, atualmente em vigor. Esse argumento é o mote do posicionamento e dos atos da Presidência da República, contrariando orientação de documentos da Governança da Saúde 56 A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da Covid-19 no Brasil Global da OMS/OPAS (2020) e dificultando o trabalho e o posicionamento do Ministério da Saúde, que tem focado nas medidas técnicas concernentes aos protocolos de saúde, se esquivando de adentrar em conflitos diretos com o posicionamento do Chefe do Poder Executivo a partir da Lei Federal n. 13.979/2020 e Decretos Federais ( n. 10.282, n. 10.329 e n. 10344) publicados em 2020. Essa situação tem sido noticiada exaustivamente pelos maiores veículos de comunicação do país e do exterior, que inclusive noticiou a recusa de apoio do Brasil e dos Estados Unidos, dentre outros doze países no tocante ao patrocínio da resolução da OMS sobre um “acordo de cooperação internacional para garantir o acesso global a medicamentos, vacinas e equipamentos médicos para o enfrentamento da pandemia” (ALONSO, 2020), bem como já está sendo objeto de diversas publicações em periódicos e revistas científicas de grande reconhecimento mundial, a exemplo do Editorial do volume 395 do periódico inglês The Lancet, publicado em 09 de maio de 2020, bem como do periódico Cambridge Coronavirus Collection publicado pela Cambridge University Press (DANTAS et al., 2020), além da televisão, jornais e internet. Sem embargo, os documentos técnicos lançados pelo Ministério da Saúde brasileiro, limitam-se às práxis técnicas de saúde, evitando grandes discussões públicas acerca das medidas consideradas “não farmacológicas”, como por exemplo o distanciamento social, já elencado pela OMS/OPAS, deixando as polêmicas para o posicionamento político do Chefe do Poder Executivo, cujo resultado interfere negativamente no trabalho da Saúde Coletiva, com grande possibilidade de repercussão na Saúde Global. Essa situação instaura um grave conflito no nível mais distal dos Determinantes Sociais da Saúde, mais precisamente no âmbito socioeconômico e político, denominados “determinantes políticos globais da saúde” (OTTERSEN et al., 2014), considerados como Macro determinantes Globais da Saúde, devido ao alto potencial de interferência no processo saúde-doença-cuidado, (BORDE; HERNÁNDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015; OTTERSEN et al., 2014), podendo produzir resultados deletérios à Saúde Coletiva e Global. Cumpre-nos elucidar que a Governança pertence a esse mesmo patamar de determinação da saúde com grande influência no processo saúde-doença-cuidado. No caso brasileiro da pandemia, a ausência de liderança e protagonismo do Governo Federal na condução da Gestão de Riscos (FREITAS, et al., 2020, p. 57) e da Governança da Saúde e da Governança para a Saúde (OTTERSEN et al., 2014) de forma a agregar os Governos Subnacionais e a comunidade ampliada de pares, primordial na condução deste caso (FREITAS, et al., 2020), prejudica drasticamente o resultado do trabalho da Saúde Coletiva no Brasil e poderá impactar também em reflexos à Saúde Global, uma vez que afeta a Macro política de Saúde Coletiva e de Saúde Global, bem como a execução das Políticas Públicas. 57 Paradiplomacia Ambiental Em resposta à inércia das ações e práticas integradas do Governo Federal, alinhadas às orientações internacionais, seria fundamental que o Governo Federal adotasse medidas de liderança na condução de uma Governança Interfederativa para comandar a Macro política na condução da COVID-19, agregando forte apoio político em consonância com as normas técnicas da OMS/OPAS, aliando também outros atores sociais, empresários, dentre outros, considerando os impactos decorrentes da pandemia. A Governança interfederativa poderia aproveitar para planejar e trabalhar de forma integrada e coletiva as medidas futuras para contornar os impactos da pandemia, sem deixar de proteger a Saúde, combinando a Governança com a Gestão de Riscos e desastres em Saúde Coletiva (redução da exposição/ redução das vulnerabilidades sociais/fortalecimento das capacidades de respostas para a vigilância e a atenção em saúde). A Pandemia da COVID-19 deve ser compreendida como um risco sistêmico que amplia as condições de vulnerabilidades e riscos futuros, cujos efeitos não podem ser tratados de modo isolado e pontual, pois combina crise econômicas, políticas e sanitárias, resultando em um efeito cascata, ampliando as condições de vulnerabilidades e riscos presentes e futuros, impactando de modo muito mais acentuado as condições de vida e saúde dos mais pobres e vulneráveis (FREITAS, et al., 2020, p. 6). 3. A legitimação das prerrogativas legais dos Governos Subnacionais pelo Supremo Tribunal Federal A judicialização enfrentada pelos tribunais brasileiros, não se limita a disputas conceituais entre os entes federativos, todavia, no tocante às discussões que versam sobre a macro política sanitária que permeia a pandemia da COVID-19 no Brasil, merecem destaque os seguintes julgados: a) Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 669, b) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672, e c) Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341. As ações supramencionadas foram propostas no STF no ano de 2020, cujas decisões constituem precedentes jurisprudenciais de elevada estirpe, com efeitos erga omnes, face à hierarquia da Suprema Corte. A Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 669, que tramitou no Supremo Tribunal Federal, apreciou duas ações da mesma natureza, sendo esta proposta pela Rede Sustentabilidade e a outra, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADPF 668). Ambas foram apensadas para apreciação e julgamento e versaram sobre a contrariedade à contratação e veiculação de campanha publicitária, pela União, afirmando que “O Brasil não Pode Parar”, proposta pelo Chefe do Poder Executivo Federal, conclamando a população a retomar as suas atividades 58 A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da Covid-19 no Brasil e, por conseguinte, transmitindo-lhe a impressão de que a pandemia mundial (COVID-19) não representaria grave ameaça à vida e à saúde de todos os brasileiros. Conforme registrado na Ação Judicial, essa campanha publicitária se mostrou contrária às normas e orientações da Organização Mundial de Saúde, do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina, da Sociedade Brasileira de Infectologia, entre outros. Nesse sentido, a experiência dos demais países que estão enfrentando o vírus aponta para a imprescindibilidade de medidas de distanciamento social, voltadas a reduzir a velocidade de contágio e a permitir que o Sistema de Saúde seja capaz de progressivamente absorver o quantitativo de pessoas infectadas, sem descuidar das outras necessidades de saúde que continuam necessitando de assistência. O ato administrativo foi publicado no Diário Oficial de 26.03.2020, prevendo a contratação de campanha publicitária no valor de R$ 4.897.855,00. O acórdão do STF não se limitou apenas a se pronunciar sobre a vedação da campanha, mas também manifestou-se no sentido de afirmar que a suprema corte possui jurisprudência consolidada no sentido de que, em matéria de tutela ao Meio Ambiente e à Saúde Pública, devem-se observar os Princípios da Precaução e da Prevenção. Portanto, na hipótese de, eventualmente, haver qualquer dúvida científica acerca da adoção da medida sanitária de distanciamento social, a decisão administrativa deverá ser a mais protetiva a Saúde Coletiva. Afirma que não se trata, neste caso de dúvida, pois a comunidade científica é unânime com relação à eficácia da medida sanitária, conforme experiência recente nos países europeus. No caso das outras duas ações citadas, sem pretender adentrar aos detalhes das ações judiciais, o que fugiria ao escopo deste capítulo, o ponto em comum das proposições judiciais é o posicionamento do Chefe do Poder Executivo Federal, enquanto representante do Estado-Nação brasileiro. A edição da Medida Provisória n. 926, de 20 de março de 2020 , e em especial, a Lei Federal n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que versa sobre as medidas para enfrentamento da emergência de Saúde Pública de Governos Subnacionais de importância internacional, decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 e do Decreto Federal n. 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamenta a lei supramencionada, e define os serviços públicos e as atividades essenciais e suas alterações posteriores, em especial o Decreto Federal n. 10. 329, de 28 de abril de 2020, e Decreto Federal n. 10.344, de 08 de maio de 2020, constituem um conjunto de normas que pretendem orientar a condução dos Estados Subnacionais na condução da pandemia nos seus respectivos territórios. Ocorre que, na simples leitura da Lei Federal n. 13.979/2020, Decreto Federal n. 10.282/2020 e suas alterações (Decreto Federal n. 10. 329/2020 e 59 Paradiplomacia Ambiental Decreto Federal n. 10.344/2020), sem prejuízo dos outros decretos e normas editadas no período da pandemia, verifica-se que é flagrante a tentativa do Governo Federal de impor limitações aos Governos Subnacionais no tocante às decisões vinculadas às medidas de distanciamento social, vinculando tais interesses à autorização do Governo Central. No texto legal, deixa de abordar o termo “distanciamento social”, tratando apenas do “isolamento social” e da “quarentena”, que são medidas sanitárias e técnicas mais direcionadas aos casos de riscos suspeitos ou confirmados. Na mesma lei, dispõe que cabe ao Presidente da República elencar quais são os serviços públicos e atividades essenciais, de modo a garantir a continuidade desses serviços, o que desautorizaria as medidas de distanciamento social, preconizados pelas normas internacionais da OMS. Nos decretos posteriores, aos poucos age, aumentando o rol de atividades, consideradas pelo seu gabinete como atividades essenciais: as academias de ginásticas e salões de cabeleireiros, dentre outros, o que autorizaria legalmente o funcionamento desses serviços. O fundamento da decisão do STF na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 672 cita inclusive a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 6341 como precedente, propostas em 2020. Na decisão da Suprema Corte, as normas federais em pauta, aliadas ao posicionamento da Presidência da República nas entrevistas e reportagens diárias, fomentaram a crise Inter federativa e culminaram com a propositura das ações judiciais. No julgamento, o Ministro Alexandre de Moraes, justifica que a Lei Federal 13.979/20, Decreto Legislativo 6/20 e Decretos presidenciais 10.282/2020 e 10.292/2020, criados com o intuito de limitar a atuação dos Governos Subnacionais no caso do enfrentamento da COVID-19, devem ser compreendidos, respeitando as competências administrativas e legislativas dos entes federativos. Nesse sentido, a Constituição Federal preconiza a competência administrativa comum (art.23, II e IX), bem como a competência concorrente para legislar sobre a proteção e defesa da saúde (art. 24, XII) entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo permitido a este último ente a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 30, II). A decisão reforça a descentralização político-administrativa do Sistema Único de Saúde (art. 198, CF, e art. 7º da Lei 8.080/1990), o que consolida a atuação dos Governos Subnacionais na formulação e execução de Políticas Públicas de Saúde, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da Lei 8.080/1990). Adota esse mesmo entendimento, o Ministro Marco Aurélio, ao conceder medida acauteladora na ADI 6341. Portanto, não compete ao Poder Executivo Federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais, no exercício de suas competências constitucionais e legais, o que reforça a legalidade da atuação dos Governos Subnacionais, alinha60 A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da Covid-19 no Brasil das às normativas técnicas, científicas e políticas emanadas da OMS/OPAS, uma vez serem mais protetivas à Saúde Coletiva e Global. Por fim, a decisão em sede de ADPF 672, do STF reconheceu e assegurou o exercício da competência concorrente dos governos estaduais e distrital e suplementar dos governos municipais, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras; independentemente de superveniência de ato federal em sentido contrário, sem prejuízo da competência geral da União para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário. Segundo a ADI 6341, do STF, na decisão em sede de liminar, o Ministro Marco Aurélio, até o momento, não adentrou ainda ao mérito da inconstitucionalidade da lei, todavia, manifestou-se no sentido de que o texto da lei federal que versa sobre as medidas relativas a pandemia do COVID-19: [...] não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios [...] não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Verifica-se assim que foi pacificada a questão legal controversa que poderia, eventualmente, prejudicar os Governos Subnacionais na adoção de medidas amplas para o cumprimento das responsabilidades e atribuições no tocante ao tratamento da pandemia mundial pela COVID-19, apesar de as leis sanitárias, bem como as normativas do SUS, construídas no bojo da descentralização dos serviços e ações de saúde serem claras quanto ás responsabilidades dos Estados Subnacionais em matéria de Saúde Coletiva, conforme o nível de atenção à Saúde. Esse posicionamento do STF, aliado à legislação sanitária brasileira, fortalece o protagonismo da atuação dos Governos Subnacionais na formulação e execução de Políticas Públicas internas ou externas à Saúde para o cumprimento da meta 3.3 do ODS 3 Saúde e Bem-Estar, que requer medidas extremas urgentes, considerando a complexidade do problema global enfrentado na esfera regional (Estadual) ou local (Municipal), a exemplo do Município de São Paulo que está implementando os ODS nas suas políticas Públicas, por meio da edição de Lei Municipal n.16.817, de 2 de fevereiro de 2018, cuja implementação oficial, nesses moldes, ainda está no início. 61 Paradiplomacia Ambiental CONCLUSÃO A experiência brasileira da atuação dos Governos Subnacionais no cumprimento da meta 3.3 do ODS 3- Saúde e Bem- Estar demonstra a responsabilidade e o engajamento com que esses entes buscam cumprir suas obrigações legais, morais e éticas. Esta meta aborda um conjunto de doenças que, historicamente, são velhas conhecidas da Saúde Pública e, numa evolução conceitual da Saúde Coletiva são de difícil erradicação. Neste estudo, foi destacado o caso da COVID-19, tendo em vista o seu protagonismo, sua abrangência, gravidade, bem como devido ao fenômeno que cerca a sua abordagem no Brasil pelos Governos Subnacionais. Apesar de a legislação nacional ter descentralizado as ações de Saúde Coletiva com o advento da Constituição Federal de 1988, cuja responsabilidade pela execução das ações de atenção básica à saúde, está vinculada legalmente a cargo dos Governos Subnacionais, as medidas que tem sido adotadas pelo governo central tem o potencial para prejudicar a macro política de Saúde Coletiva e, consequentemente, a Saúde Global. Apesar disso, o que chama atenção é o fenômeno que cerca a forma autônoma como os Governos Subnacionais têm se posicionado, escolhendo e decidindo segundo aquilo que entendem ser o mais correto técnica e cientificamente. Esses entes, situados nos rincões do país, alinham-se à Governança da Saúde Global da Organização Mundial de Saúde em detrimento do posicionamento claro e contundente da Presidência da República, que se manifestou contrário às normas sanitárias internacionais, inclusive prevendo nos textos das Medidas Provisórias, Leis, Decretos, dentre outros instrumentos, “garantias” para o descumprimento dessas recomendações, o que foi derrubado pelas decisões do STF. Apesar de ainda faltar muito para a concretização de uma gestão amadurecida, bem como faz-se necessário banir radicalmente a corrupção que ainda assola no país, verifica-se, na avaliação do caso concreto, a importância e capilaridade dos trabalhos da Governança da Saúde Global da OMS/OPAS. Se não fosse o compromisso dos Governos Subnacionais, alinhados às normativas oriundas da Governança da Saúde Global da OMS, possivelmente os resultados da COVID-19 poderiam ser ainda mais drásticos. Essa pandemia trouxe um campo de experiência prática não somente para os cientistas ou profissionais da saúde, mas também para a população de modo geral, trazendo à tona a forte e, por vezes apocalíptica temática dos prognósticos dos estudos emanados das Conferências das Partes do Regime Internacional de Mudanças Climáticas, que preveem, há décadas, a ocorrência de cenários drásticos comparáveis a este, no que concerne à adoção de medidas de mitigação e adaptação urgente e, de certa forma, compulsórias pela sociedade. Há tempo, urge uma tomada de decisão para uma ação coletiva no sentido 62 A atuação dos governos subnacionais no enfrentamento da crise pandêmica mundial da Covid-19 no Brasil de que a sociedade global compreenda o cenário de complexidade, incertezas, inseguranças que a ciência vem sinalizando, cujo crédito fica longe de constituir motivo para a adoção de medidas imediatas, apesar de muitas vezes existirem alternativas viáveis. Não há elementos para que possamos sequer levantar a hipótese de que esse evento em Saúde Global seja decorrente de uma mutação como consequência das mudanças climáticas ou da poluição, todavia, é fundamental que a sociedade mundial, a iniciar pelos governos centrais, comecem a empreender sérias medidas de implementação de Políticas Públicas mais eficazes e alinhadas à Governança Ambiental Global e Governança da Saúde Global, pois que pretendem proteger o Meio Ambiente e a Saúde Global, sem descuidar do necessário e inevitável desenvolvimento. Observar mais atentamente as Metas do Desenvolvimento Sustentável na adoção de Políticas Públicas pode ser um bom direcionamento para a promoção e proteção da Saúde Global, todavia é fundamental que o viés político se comprometa com o cumprimento dessas metas pactuadas, pois todas elas comungam em favor da saúde e da vida, devido a sua transversalidade. Neste aspecto, a Governança pode oferecer um conjunto de ferramentas aptas a atuar com a complexidade que o caso requer, todavia deve ser utilizada como elemento político integrador de uma Macro política de Saúde, uma vez que a atuação local poderá reverberar na Saúde Global. REFERÊNCIAS ALESSI, G.. Itália pagou preço alto ao resistir a medidas de isolamento social para conter coronavírus. El País Internacional. 25/03/2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-03-25/italia-pagou-preco-alto-ao-resistir-a-medidas-de-isolamento-social-para-conter-coronavirus. html. Acesso em: 16 mai. 2020. ALONSO, L.. 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Durante um período de 15 anos, o número de crianças em idade primária fora da escola caiu quase pela metade, e a conclusão desse grau subiu para 89% nos países em desenvolvimento, com ganhos notáveis em países de baixa renda, especialmente para meninas (WORLD BANK, 2020). A crescente consciência acerca da importancia da escolaridade tornou-se o foco de governos, sociedade civil, acadêmicos e organizações internacionais, desde o acesso escolar aos complexos problemas da educação de qualidade. Em 2015, os chefes de Estado e de Governo bem como altos representantes se reuniram na sede das Nações Unidas (ONU), em Nova York, de 25 a 27 de setembro de 2015, no momento em que a Organização comemorou seu septuagésimo aniversário, para decidir sobre os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Globais, culminando no surgimento da Agenda 2030. Desse modo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) refletem a mudança e a discussão em torno da educação. Dentre os 17 objetivos, o ODS 4 promete ‘’Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos os alunos”. Portanto, os ODS constituem metas desafiadoras para os países quanto a qualidade e a inclusão na educação. 1 Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bolsista Capes Prosuc, desenvolvendo pesquisa com ênfase no meio ambiente. Brazilian Civil Society Delegate at High-Level Political Forum on Sustainable Development 2019, ECOSOC. Research in United Nations Volunteers, developing Analysis of Gender Equality and Sustainable Environmental Development in Latin America and the Caribbean. 67 Paradiplomacia Ambiental A melhoria da qualidade requer políticas específicas: ampla gama de ações, gastos, infraestrutura, livros didáticos, gestão escolar, envolvimento dos pais, avaliação, todos podem contribuir para melhorar a educação. Ela tem potencial para ser uma significativa equalizadora de direitos na sociedade, transformando a vida dos indivíduos, as oportunidades e o progresso nacional em direção ao desenvolvimento sustentável, que refletem em desafios desafios significativos de qualidade. Este capítulo tem como foco os resultados e desafios apontados no Fórum Político de Alto Nível da Organização das Nações Unidas (2019), no qual a autora foi representante do Brasil na Delegação da Sociedade Civil. Tendo como escopo o objetivo número 4 – Educação de Qualidade – que compõe um dos ODS escolhidos para debate entre os países no HLPF, e suas metas a serem alcançadas. O Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF) foi criado em 2012 pelo documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), “O futuro que queremos”. O formato e os aspectos organizacionais do Fórum estão descritos na resolução 67/290 da Assembléia Geral, que ocorreu no mesmo ano. Anualmente ocorre a reunião com os integrantes do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) por oito dias. A primeira reunião do Fórum foi realizada em 24 de setembro de 2013, que substituiu a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, que reune-se anualmente desde 1993. O HLPF é a principal plataforma das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, possui papel central no acompanhamento e na revisão da Agenda 2030 assim como no acompanhamento e revisão da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em nível global. Posteriormente, a reunião do fórum político de alto nível sobre desenvolvimento sustentável, ocorrida em 2019 e convocada pelo Conselho Econômico e Social, teve como tema “Capacitar pessoas e garantir inclusão e igualdade”. O conjunto de objetivos analisados no evento foram: Objetivo 4. Garantir uma educação de qualidade inclusiva, equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; Objetivo 8. Promover crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro e entre países; Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos; Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, fornecer acesso à justiça para todos e construir instituições efetivas, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. 68 Desafios para uma educação de qualidade A justificativa para a seleção do ODS 4 e suas metas para este capítulo deve-se ao fato da educação ter sido reconhecida como um fator crucial para mudanças e para a garantia da sustentabilidade. Portanto, o presente estudo desenvolveu-se através de uma pesquisa classificada quanto à natureza qualitativa teórica, cuja resposta ao objetivo demandou estudo exploratório de caráter bibliográfico e documental por meio de dispositivos apresentados pelos países no evento de alto nível, ocorrido em 2019, na sede das Nações Unidas em Nova York (UNITED NATIONS, 2019a). Ao final, conclui-se o capítulo com a apresentação do panorama entre o avanço e os desafios para uma educação inclusiva e de qualidade, apontados no Forúm Político de Alto Nível de 2019 quanto ao ODS 4 e suas metas, visando um desenvolvimento sustentável e a implementação da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. 1. O papel da educação no desenvolvimento sustentável As 17 metas relacionadas ao desenvolvimento sustentável foram definidas quando a Assembléia Geral das Nações Unidas criou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (2015). A Educação de Qualidade figura como objetivo 4 desta agenda. Esse objetivo específico enfatiza a educação de qualidade, equitativa e inclusiva, além de promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida. Concentrada na mudança de pensamentos fundamentais e no reconhecimento da interligação dinâmica entre três aspectos: econômico, social e ambiental, a Agenda impulsiona o desenvolvimento integrado e universal em todas as nações. Através da educação, compreende-se que podem ser alcançados outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pois seus pressupostos são transversais aos outros ODS, uma vez que a educação é uma ferramenta para abordar questões ambientais, planejamento familiar, mortalidade; igualdade social, melhorando assim o crescimento econômico e o empreendedorismo, retirando as pessoas da pobreza ao promover segurança alimentar; melhoria da saúde, coerência social e estabilidade política (ICSU e ISSC, 2015). Pode-se romper a constante da pobreza quando se consegue obter educação de qualidade. Por intermédio da educação, as desigualdades podem ser reduzidas, capacitando as pessoas para viver uma vida mais sustentável e saudável. Ela também pode pode promover a tolerância entre as pessoas e tornar a sociedade mais pacífica (ADEGBESAN, 2010). Além disso, a educação constitui uma ferramenta de auxílio para o alcance do desenvolvimento desejado em qualquer nação, pois cidadãos educados 69 Paradiplomacia Ambiental adquirem senso de propósito e confiança em suas carreiras, fatores que colaboram para a estabilidade à sua nação. Como resultado, a educação faz com que as pessoas explorem de maneira sustentável os recursos disponíveis em seus respectivos Estados,ou seja, diminuam práticas prejudiciais, promovendo o desenvolvimento econômico, social, cultural e politico. Em suma, ela aproxima as pessoas cada vez mais dos objetivos relacionados à dignidade humana ao viabilizar a igualdade de gênero e paz para uma sociedade não violenta (ALAM, 2010). Vislumbra-se como fundamental e urgente à implementação o avanço da Educação nos países, tendo os governos o dever de canalizar as políticas públicas em prol do ensino: Bem formuladas, essas políticas podem ter uma ação efetiva, pois representam uma dimensão que permite que se façam diagnósticos para atacar os problemas de maneira programada, estimar recursos e solucionar carências, mediante o estabelecimento de metas de curto, médio e longo prazo (BOTELHO, 2016, p. 23). Como a educação é transversal à consecução de outras metas de desenvolvimento, todas as nações do mundo, particularmente as em desenvolvimento, devem ter como uma das prioridades as 10 metas do ODS 4, pois o alcance dos demais objetivos dentro do prazo estabelecido dependem do seu cumprimento . 2. Metas para uma Educação de Qualidade São previstas dez metas que os países precisam atingir antes que se possa dizer que o objetivo 4 foi alcançado (IPEA, 2019). Mostra-se essencial que os países priorizem essas metas com base nas lacunas identificadas, ao invés de enfrentar todas de uma só vez. Dessa forma, é possível determinar em fases o desempenho de uma nação. Para auxiliar na identificação da importância dos pontos discutidos neste capítulo, tal como a compreensao da sua transversalidade, dispõem-se abaixo as metas específicas ao Objetivo n° 4 do Desenvolvimento Sustentável conforme a sua elaboração oficial (IPEA, 2019, n.p): Meta 4.1 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário gratuito, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes. – Indicadores 4.1.1 - Proporção de crianças e jovens: (a) nos segundo e terceiro anos do ensino fundamental; (b) no final dos anos iniciais do ensino fundamental; e c) no final dos anos finais do ensino fundamental, que atingiram um nível mínimo de proficiência em (i) leitura e (ii) matemática, por sexo. Meta 4.2 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todos as meninas e meninos tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, de modo que eles estejam prontos para 70 Desafios para uma educação de qualidade o ensino primário. – Indicadores - 4.2.1 - Proporção de crianças com menos de 5 anos que estão com desenvolvimento adequado da saúde, aprendizagem e bem-estar psicossocial, por sexo. - 4.2.2 - Taxa de participação no ensino organizado (um ano antes da idade oficial de ingresso no ensino fundamental), por sexo. Meta 4.3 - Nações Unidas - Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo universidade. – Indicadores - 4.3.1 - Taxa de participação de jovens e adultos na educação formal e não formal, nos últimos 12 meses, por sexo. Meta 4.4 - Nações Unidas - Até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo. – Indicadores - 4.4.1 - Proporção de jovens e adultos com habilidades em tecnologias de informação e comunicação (TIC), por tipo de habilidade. Meta 4.5 - Nações Unidas - Até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade. – Indicadores - 4.5.1 - Índices de paridade (mulher/homem, rural/urbano, 1º/5º quintis de renda e outros como população com deficiência, populações indígenas e populações afetadas por conflitos, à medida que os dados estejam disponíveis) para todos os indicadores nesta lista que possam ser desagregados. Meta 4.6 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres estejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática. – Indicadores - 4.6.1 - Percentual da população de determinado grupo etário que atingiu pelo menos o nível mínimo de proficiência em (a) leitura e escrita e (b) matemática, por sexo. Meta 4.7 - Nações Unidas - Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável. Indicadores - 4.7.1 - Em que medida (i) a educação para a cidadania global e (ii) a educação para o desenvolvimento sustentável, incluindo a igualdade de gênero e os direitos humanos, são 71 Paradiplomacia Ambiental incorporados a todos os níveis de: a) políticas nacionais de educação; b) currículos escolares; c) formação dos professores e d) avaliação dos alunos Meta 4.a - Nações Unidas - Construir e melhorar instalações físicas para a educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros, não violentos, inclusivos e eficazes para todos. - Indicadores - 4.a.1 - Proporção de escolas com acesso a: (a) eletricidade; (b) internet para fins pedagógicos; (c) computadores para fins pedagógicos; (d) infraestrutura e materiais adaptados para alunos com deficiência; (e) água potável; (f) instalações sanitárias separadas por sexo; e (g) instalações básicas para lavagem das mãos (de acordo com as definições dos indicadores WASH). Meta 4.b - Nações Unidas - Até 2020, substancialmente ampliar globalmente o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação, técnicos, de engenharia e programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento. – Indicadores - 4.b.1 - Volume dos fluxos de ajuda oficial ao desenvolvimento para bolsas de estudo por área e tipo de estudo Meta 4.c - Nações Unidas - Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento. – Indicadores - 4.c.1 - Proporção de professores (a) na pré-escola; (b) nos anos iniciais do ensino fundamental; (c) nos anos finais do ensino fundamental; e (d) no ensino médio, que receberam pelo menos a formação mínima (por exemplo: formação pedagógica), antes ou durante o exercício da profissão, requerida para lecionar num determinado nível de ensino num dado país. 3. Desafios apontados no HLPF No âmbito do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF), os países participantes se comprometem a apresentar anualmente um Relatório Nacional Voluntário (VNRs na sigla em inglês). Eles fazem parte do acompanhamento e da revisão da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e destinam-se a acompanhar o progresso na implementação da Agenda 2030, incluindo os ODS e metas para todos os países, de maneira universal e integrada, incluindo todas as dimensões do desenvolvimento sustentável. 72 Desafios para uma educação de qualidade O VNR’s têm como elementos: a) São voluntários e incentivam relatórios dos países desenvolvidos e em desenvolvimento; b) Revisam os progressos conduzidos por países nos níveis nacional e subnacional; c) São rigorosos e baseiam-se em evidencias informadas por avaliações e dados liderados pelo país, que devem ter alta qualidade, serem acessíveis, confiáveis e desagregados; d) Facilitam o compartilhamento de experiências, incluindo sucessos, desafios e lições aprendidas, como parte de um processo; e) Levam em consideração as revisões das circuntancias políticas e prioridades nacionais, f) Incluem nos relatórios de progresso o apoio de todas as partes interessadas e relevantes (MESIANO, 2019). No evento de 2019, 24 países apresentaram pela primeira vez o relatório voluntário, dentre eles: Áustria, Bolívia, Brunei Darussalam, Bulgária, RPDC, República Democrática do Congo, Gâmbia, Quirguistão, República, Libéria, Líbia, Malawi, Micronésia, Moçambique, Macedônia do Norte, Papua Nova Guiné, República da Moldávia, Federação Russa, São Vicente e Granadinas, Seychelles, Salomão Ilhas, Trinidad e Tobago, Ucrânia, Uzbequistão, Zâmbia. E 22 países apresentaram pela segunda vez: Argentina, Armênia, Bangladesh, Belize, Colômbia (3º), Costarica, Finlândia, Geórgia, Honduras, Índia, Jordânia, Mônaco, Marrocos, Nepal, Níger, Panamá, Peru, Catar (3º), Samoa, Eslovênia, Uganda, Zimbábue (UNITED NATIONS, 2020). A autora deste capítulo esteve presente no evento ocorrido no mês de julho em Nova York, e, dentre os países que apresentaram sua revisão, o Brasil optou por não apresentar o VNR em 2019, mesmo tendo feito parte do Fórum Político de Alto Nível de 2017, que teve como tema: Erradicar a pobreza e promover a prosperidade em um mundo em mudança. Nesse evento o país demonstrou avanço dimensão social da agenda, com progressos alcançados no sentido de erradicar a pobreza extrema e a fome para garantir uma vida saudável e igualitária. O Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF), tem acesso por intermédio de relatórios aos dados atualizados dos países e de todas as metas, segundo o Conselho Econômico e Social da ONU (UNITED NATIONS, 2019b). A partir desses dados se começa a ter um prisma sobre quão longe pôde-se chegar em quatro anos de implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A edição especial sobre o progresso dos ODS aponta que ocorreram avanços e traz algumas tendências favoráveis com relação à implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, relacionados ao declínio das taxas de pobreza extrema e mortalidade infantil. No mesmo documento ressalta-se que este progresso é uma amostra de tudo o que muitos governos e seus parceiros têm feito desde 2015. Os exames nacionais voluntários oferecem perspectivas adicionais às Nações Unidas e ilustram 73 Paradiplomacia Ambiental como os governos deram prioridade à integração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em seus planos e políticas nacionais. Em complemento, indicam como estão criando mecanismos institucionais que ajudarão a impulsionar e também a monitorar o progresso em direção à transformação necessária das economias e das sociedades. É importante notar que os VNR’s mostram que houve uma resposta quase universal e significativa dos governos subancionais e cidades, empresas, sociedade civil, academia, jovens e outros setores que, através de uma ampla gama de ações e iniciativas, estabeleceram pontos de partida para alinhar-se com os Objetivos e promover sua implementação. Por esta razão é preciso intensificar o papel das cidades para implementar os ODS a nível local e considerar a realidade local (OCDE, 2018). Nesta premissa, na fala de abertura da Sra. María Fernanda Espinosa Garcés, Presidente da 73º sessão da Assembleia Geral da ONU, esta afirma que: Pela primeira vez, os governos locais participaram na construção de uma declaração das Nações Unidas sobre o desenvolvimento urbano sustentável, o que prova que a nossa organização está aberta para ouvir e incluir a voz e a orientação de todos aqueles que são tomadores de decisões e estão próximos das pessoas (UN, 2019c). Por sua vez, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), admite que há: Uma parceria de longo prazo entre comunidades, diferentes cidades ou centros urbanos e também como um mecanismo para estabelecer uma nova modalidade de parceria, que foca na relação direta entre territórios regionais, ao contrário do modelo promovido pela cooperação bilateral no nível nacional (ONU, 2008). De acordo com Florida (2014) a razão é simples, “são as cidades, não as nações, que são as unidades fundamentais em termos econômicos, políticos e sociais de nosso tempo.” Apesar dessas tendências positivas, o documento final indica que mesmo com a as ações e iniciativas inspiradas na Agenda 2030, que estão mudando as trajetórias locais, elas ainda não se mostram suficientes para gerar a transformação necessária para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030, pois ainda não progrediram com rapidez ou a escala necessária. Com relação aos conflitos e as instabilidade em muitas partes do mundo o documento afirma que els têm sido intensificados, causando sofrimento humano incalculável, minando o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e até mesmo revertendo os progressos já realizados. As mudanças econômicas também dificultaram a implementação dos objetivos. 74 Desafios para uma educação de qualidade Por conta disso e também devido às tensões comerciais, a previsão de crescimento econômico global permanece lenta e desigual em diferentes regiões por conta dos níveis insustentáveis de dívida doméstica e comercial, aumentando substancialmente a vulnerabilidade da dívida em países de baixa renda. Quanto ao ODS 4, objeto deste capítulo, O Comitê Diretor do do ODS Educação 2030, que consiste num grupo de coordenação, proporcionou uma revisão dos dados extraídos do Relatórios Voluntários apresentados pelos Estados em 2019 (UNESCO, 2019). A pesquisa realizada indica que mesmo com alfuns progressos, seguindo as tendências atuais, o mundo não está no caminho certo para alcançar o objetivo e as metas do ODS4. Assim, apesar do aumento ao acesso e a participação na educação de qualidade nos últimos anos, 262 milhões de crianças, adolescentes e jovens de 6 a 17 anos ainda estavam fora da escola em 2017, representando quase um quinto da população global dessa faixa etária. Desse número, 64 milhões são crianças em idade escolar primária (cerca de 6 a 11 anos), 61 milhões são adolescentes em idade escolar inferior (12 a 14 anos) e 138 milhõessão jovens em idade escolar secundária superior (15 a 17 anos) (UNESCO, 2019, n.p). A edição especial do relatório afirma ainda que a disponibilidade de dados sobre aprendizado está melhorando. Contudo, muitos países não avaliam os resultados do aprendizado sistematicamente, enquanto as informações disponíveis raramente são usadas para informar políticas e práticas. Também é importante compreender quais crianças estão aprendendo apropriadamente e quais não, pois as disparidades na aprendizagem começam ainda na infância e aumentam à medida que as crianças crescem ou abandonam completamente os estudos. Ocorreram melhorias notáveis em termos de habilidades de leitura e escrita, bem como uma redução constante nas disparidades de gênero nas últimas décadas. No entanto, 750 milhões de adultos - dois quais dois terços são mulheres – permaneceram analfabetos em 2016. A taxa global de alfabetização de adultos (para a população de 15 anos ou mais) foi de 86% em 2016, enquanto a taxa de alfabetização de jovens (para a população de 15 a 24 anos) foi de 91%. Acredita-se que um passo importante em direção à meta relacionada à educação de qualidade e duradoura para todos, consiste em garantir o treinamento e qualificação dos professores em todos os níveis. Um dos maiores desafios para o alcance do ODS 4 está vinculado aos recursos financeiros, tanto dos governos quanto das famílias. O financiamento inadequado da educação é um dos maiores entraves para o cumprimento das metas até 2030. Nos países para os quais existem dados disponíveis, os gastos dos governos com educação, como, por exemplo, a destinação de uma porcentagem do PIB, ficaram abaixo de 5% desde 2010, como aponta o relatório final 75 Paradiplomacia Ambiental (UNESCO, 2019). Quanto ao efeito da educação em outros objetivos do desenvolvimento, tem-se que um progresso real na inclusão de grupos desfavorecidos e na redução da desigualdade exige sistemas educacionais que adotem uma abordagem inclusiva. Nas sociedades multiculturais, a abordagem da diversidade deve estar no centro das estratégias educacionais, conforme documento da UNESCO (2019, p.23): Todas as atividades que são desenvolvidas no ambiente educacional, com o objetivo de proporcionar a educação para a paz, preparar para a vida cívica, transmitir valores e ensinamentos multiculturais, mundiais ou de promoção do desenvolvimento sustentável, incluem os princípios dos direitos humanos em seus conteúdos e métodos. É importante que todas elas, utilizando este Plano de Ação como referência, promovam um enfoque da educação com base nos direitos, que transcenda os limites do ensino e da aprendizagem e que tenha como objetivo oferecer uma plataforma de aprimoramento global do setor escolar no contexto das reformas educacionais de alcance nacional. A primeira revisão temática do ODS 4, desde a adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, fornece uma oportunidade única para a comunidade internacional realizar um balanço do desenvolvimentos da educação em todo o mundo e para reorientar a educação como um catalisador para a conquista de todos os ODS. O referido documento mostrou dois desafios principais: a) Não apenas o mundo encontra-se fora dos trilhos, mas também não há sinais tangíveis de aceleração do progresso para alcançar a meta do ODS 4. b) O modelo de educação proposto para ajudar a alcançar os resultados desejados do desenvolvimento não está sendo realizado, enquanto o investimento em educação permanece insuficiente e a maioria dos sistemas educacionais é desigual, não respondendo às demandas colocadas por outros setores. O ODS 4 - Educação 2030 é um objetivo com responsabilidade compartilhada. O progresso real no ODS 4 requer a concentração de ações específicas nos níveis internacional, nacional, subnacional e local por todos aqueles que formulam e implementam políticas educacionais, bem como aqueles que fornecem recursos para a educação. Desse modo, o HLPF em 2020 deve convocar todas as partes interessadas em educação para continuarem trabalhando juntas para enfrentar os desafios e metas estabelecidos na Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. 76 Desafios para uma educação de qualidade CONCLUSÃO Embora muitas tendências em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sejam comuns a todas as regiões, existem diferenças importantes entre elas em termos de progresso e obstáculos a serem alcançados. A participação no Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF) – 2019, proporciona uma análise ampliada e dados que demonstram os avanços dos países em relação aos Objetivos do Desenvolvimento constantes na Agenda 2030. Nesse sentido, foi possível identificar que em 2020 os países já deveriam estar consideravelmente mais alinhados e praticando as políticas públicas em prol da implementação dos ODS. O evento, que é um dos mais importantes da agenda, é capaz de reunir todos os atores em diálogo sobre o avanço das metas. No entanto, muitos países nesta oportunidade ainda estão no estágio de levantamento de dados e programação para iniciar projetos, que na verdade, já deveriam estar em andamento, uma vez que o prazo para o avanço das implementações visa o ano de 2030. Quanto ao Estado brasileiro, este sequer apresentou o Relatório Voluntário Nacional no Fórum de 2019, ocorrido na sede das Nações Unidas (ONU) em Nova York. Mesmo com os progressos já relatados, os países não foram longe o suficiente para responder adequadamente à mudança de paradigma exigida pela Agenda 2030 e precisarão adotar programas e técnicas nos próximos anos para acelerar significativamente progresso. Para que isso ocorra, é importante a atuação dos governos, a integração entre os países, a colaboração da sociedade civil e do setor privado, buscando financiamentos e respondendo as deficiencias para acerelar a implementação. O relatorio final (UNESCO, 2019, p.26), enfatiza a real atuação dos governos subnacionais, que, em muitas áreas, são geralmente mais adequados para direcionar a implementação, seja em termos de provisão e proteção de serviços básicos e ecossistemas ou para enfrentar diretamente desafios e oportunidades relacionado à educação. Assim, os governos nacionais devem trabalhar em colaboração com os governos locais e regionais, envolvendo comunidades locais e partes interessadas que melhor conheçam as necessidades, bem como as capacidades individuais e coletivas como parceiros fundamentais na implementação e cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O progresso para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em um mundo em rápida evolução dependerá da capacidade de antecipação, preparação e adaptação a mudanças repentinas. Ressalta-se a importância de reconhecer todos os atores e ter uma visão cooperativa, entre os países e dentro 77 Paradiplomacia Ambiental deles, para o avanço da Agenda 2030. Dessa forma, para o êxito do ODS 4 deve-se primeiro conhecer as metas dispostas na agenda 2030 e dialogar com todas as partes interessadas como uma condição prévia, incluindo a participação de outros setores econômicos e sociais para garantir a incorporação de outras metas na educação. Ademais, os países devem fazer o devido planejamento, adotar políticas, gestão e monitoramento do sistema nacional de educação e conseguir identificar as lacunas e as ações necessárias. Nos ODS, a agenda da educação estabeleceu metas que garantem não apenas a matrícula e conclusão no âmbito da escolarização, mas também que a qualidade da educação que recebem possa fomentar um ambiente mais ágil para melhorar a qualidade e a velocidade da tomada de decisão e pensamento intuitivo. Isso poderá permitir que esses alunos melhorem a qualidade de vida, como consequência para o desenvolvimento sustentável de suas comunidades. Em 2020, estima-se que o melhor a fazer pelo governo para estimular o progresso consiste em fornecer à nação pessoas capacitadas para auxiliar o país a enfrentar os desafios futuros. Por fim, tendo em vista que a corrida para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) globais está em andamento, mostra-se pertinente definir os principais indicadores de desempenho para avaliar o progresso, e mais do que nunca, colocá-los em prática. REFERÊNCIAS ADEGBESAN, S. O.. Establishing quality assurance in Nigerian education system: Implications for educational managers. Educational Research and Reviews, v. 5, n. 7 pp. 380-384. Jul. 2010. Disponível em: https://academicjournals.org/journal/ERR/article-full-text-pdf/030A69C4582. Acesso em: 05 abr. 2020 ALAM, G.. The Role of Technical and Vocational Education in the National Development of Bangladesh. Asia-Pacific Journal of Cooperative Education, v. 9. n.1, pp. 25-44, 2008. Disponível em: http://www.apjce.org/files/APJCE_09_1_25_44.pdf. Acesso em: 06 mar. 2020 BOTELHO, I.. Dimensões da cultura: políticas culturais e seus desafios. São Paulo: Sesc. 2016. FLORIDA, R. 11 Reasons the UN Should Make Cities the Focus of Its Forthcoming Sustainable Development Goals. CityLab. Apr. 17 2014. Disponível em: https://www.citylab.com/life/2014/04/11-reasons-un-should-make-citiesfocus-its-. Acesso em: 17 fev. 2020. ICSU; ISSC. Review of the Sustainable Development Goals: The Science 78 Desafios para uma educação de qualidade Perspective. Paris: International Council for Science (ICSU), 2015. Disponível em: http://www.icsu.org/publications/reports-and-reviews/ review-of-targets-for-the-sustainable-development-goals-the-scienceperspective-2015/SDG-Report.pdf. Acesso em: 13 mar. 2020. IPEA. ODS 4 – Educação de Qualidade. Brasília: IPEA e ONU, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods4.html. Acesso em: 11 mar. 2020. MESIANO, R.. Voluntary National Reviews: The 2030 Agenda Follow-up and Review Architecture. Bangkok: UNESCAP, 2019. Disponível em: https:// www.unescap.org/sites/default/files/Session%203_VNRs_RM.pdf. Acesso em: 11 abr. 2020. OECD. Reshaping Decentralised Development Co-operation: The Key Role of Cities and Regions for the 2030 Agenda. Paris: OECD Publishing, 2018. https://doi.org/10.1787/9789264302914-en. Acesso em: 02 abr. 2020. THE WORLD BANK. 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Acesso em: 16 mar. 2020. 80 POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESPAÇO SUBNACIONAL: A IMPORTÂNCIA DE MECANISMOS DA PARADIPLOMACIA PARA PROMOÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES E INCLUSÃO SOCIAL, COM EXEMPLOS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Adriana Machado Yaghsisian1 Gabriela Soldano Garcez2 Simone Alves Cardoso3 ODS 5 - Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas Meta 5.5 - Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública. INTRODUÇÃO G arantir participação plena e efetiva das mulheres, além de equidade de oportunidades em todos os níveis de tomada de decisões em âmbitos públicos e privada, nos setores político, econômico e social, é meta global contida no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº. 5, da Agenda 2030, que repete instrumentos já conhecidos do Direito Internacional da mesma seara, como: Convenção para eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher, Plano de ação da conferência internacional sobre população e desenvolvimento, e, a Plataforma de ação de Pequim (diga-se, de passagem, todos ratificados pelo Brasil). Doutora em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (2017), mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos (2004) e graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos (1994) e em Pedagogia pela Universidade Santa Cecilia (1990). Professora no curso de Direito da Universidade Católica de Santos, Coordenadora do Juizado Especial Civil da Universidade Católica de Santos e do Curso de Extensão de Capacitação de Conciliadores e Mediadores da Unisantos. 2 Advogada e jornalista diplomada. Pós-doutora pela Universidade Santiago de Compostela/Espanha. Doutora em Direito Ambiental Internacional e Mestre em Direito Ambiental, ambas pela Universidade Católica de Santos (com bolsa CAPES). Professora da Universidade Católica de Santos, de cursos preparatórios para OAB e concursos públicos. 3 Doutora em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (2017), mestre em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) e graduada em direito pela Universidade de Franca (2000). Associada individual da Environmental Peacebuilding Association. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos. 1 81 Paradiplomacia Ambiental É preciso, então, institucionalizar a presença feminina com a criação e o avanço de mecanismos a nível nacional e subnacional, de modo a (re)significar a presença das mulheres no mundo democrático, quebrando a visão de séculos associada a um paradigma de dependência e submissão da figura feminina, para acompanhar o progresso de gênero (e viabilizar ainda melhores perspectivas para as próximas gerações), através de instrumentos de fortalecimento e edificação de governança e cooperação (inclusive de acordo com estruturas já promovidas pela paradiplomacia), para garantir a incorporação da temática nas políticas públicas com enfoque na ampliação dos direitos humanos das mulheres (como, por exemplo, fortalecimento de políticas de autonomia econômica ou consolidação de combate à violência doméstica), com o objetivo de qualificar o debate e planejar a intervenção de atores não estatais no enfrentamento da desigualdade de gênero. Nesta linha de raciocínio, o presente trabalho visa, primeiramente, expor a desigualdade de gênero, indicando importantes conquistas e avanços já promovidos, bem como desafios que permanecem como obstáculos à plena garantia dos direitos das mulheres. Em seguida, indica políticas públicas engendradas no espaço subnacional do Estado de São Paulo, que tenham a finalidade precípua de promoção dos direitos humanos das mulheres e a inclusão social, mas que também tenham sido institucionalizadas de acordo com mecanismos de cooperação, governança e paradiplomacia (de modo a permitir a participação ampliada de todos os setores da vida pública e privada). Para, por fim, analisar de que forma tais políticas públicas estão relacionadas (ou foram criadas tendo em vista) o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável nº. 5, da Agenda 2030, com ênfase na meta 5.5 (“Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”) e 5.c (“Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis”). 1. Uma questão de gênero e os avanços promovidos A inserção das mulheres como sujeitos importantes na construção de soluções criativas nos conflitos que envolvem os estados subnacionais, por meio das habilidades que lhes são próprias, é de importante contribuição para a sociedade pós-moderna, marcada pela complexidade de conflitos que ultrapassam fronteiras espaciais e temporais e reclamam uma forma diferente de solução. Alcançar espaços para além dos já conquistados, a fim de proteger as futuras gerações e percorrer caminhos que atualmente implicam compartilhamento, 82 Políticas públicas no espaço subnacional complementaridade e cooperação dos estados subnacionais entre todos os atores da sociedade, sem distinção do binário clássico homem/mulher, constitui conditio sine qua non para o bom concerto intergeracional. No percurso da história, alguns pensadores externam a preocupação de desenhar a definição das mulheres a partir do paradigma masculino, como Simone Beauvoir, para quem elas são o inessencial perante o essencial. Nessa alteridade, assim (pré) estabelecida, o homem é o sujeito, o Absoluto; e elas são o Outro. Para a autora, a alteridade é uma categoria fundamental do pensamento humano, porquanto nenhuma coletividade define-se como Uma sem colocar imediatamente a Outra diante de si (BEAUVOIR, 1980). Nessa relação, no entanto, a alteridade, que é por essência relativa, ocupa caráter absoluto. É preciso superar esse caráter, complexo e que rompe fronteiras com a natureza ou até mesmo com momentos históricos, para caminharmos em direção à contribuição das mulheres nas negociações que envolvem os estados subnacionais na sociedade pós-moderna e sua correlata (re)inserção. A questão da igualdade do gênero, todavia, não deve ser embasada nas noções de superioridade, inferioridade e igualdade. A perspectiva que se sugere deva ser adotada, e que parece melhor se amoldar à alteridade, é a da moral existencialista. Nesse alinhamento, temos que todo sujeito se coloca concretamente através de projetos, como uma transcendência. Só se alcança a liberdade pela sua superação constante, em vista de outros níveis de liberdades. Não há outra justificação da existência presente senão sua expansão para um futuro indefinidamente aberto, segundo realça Beauvoir (BEAUVOIR, 1980). Nesse recorte, o que define, de modo singular, a situação das mulheres é que, como todo ser humano, possuidor de liberdade autônoma, elas descobrem-se e escolhem-se em um mundo em que os homens lhes impõem a condição do Outro. Por outro lado, as mulheres não podem ser definidas como espécie. Uma sociedade não é uma espécie. De acordo com Beauvoir (BEAUVOIR, 1980) na sociedade, a espécie realiza-se como existência. Há transcendência dela para o mundo e para o futuro. Não é enquanto corpo, mas como corpos submetidos a tabus, a leis, que o sujeito toma consciência de si mesmo e se realiza. É com base em um contexto ontológico, econômico, social e psicológico que os dados da biologia deverão ser esclarecidos. Embora o seu corpo seja um dado importante, passa a ter realidade vivida quando assumido pela consciência, por meio das ações e no seio de uma sociedade. O corpo, do ponto de vista psicanalítico, tem papel periférico, dando lugar ao corpo vivido pelo sujeito. Nessa perspectiva, as mulheres se definem retomando a natureza em sua afetividade. 83 Paradiplomacia Ambiental Mas isso não basta. Com efeito, a definição das mulheres não se esgota pela consciência que ela tem de sua feminilidade, pois que toma consciência desta no seio da sociedade de qual faz parte. A vida é uma relação com o mundo. O indivíduo alcança sua definição quando escolhe-se através do mundo. Na visão de Beauvoir, as mulheres devem ser concebidas como aquelas que hesitam entre o papel de objeto, de Outro, que lhes é proposto, e a reivindicação da liberdade. E, nesse alinhamento, “a mulher define-se como ser humano em busca de valores no seio de um mundo de valores, mundo cuja estrutura econômica e social é indispensável conhecer” (BEAUVOIR, 1980, p. 72). A concepção do materialismo histórico nos permite alcançar essa percepção, digamos, existencialista. Isso porque a humanidade não é uma espécie animal. É uma realidade histórica, que retoma a natureza em suas mãos. Nesse alinhamento, os dados biológicos das mulheres adquirem importância quando assumem, na ação, um valor concreto. Nessa relação de interação com o mundo de valores exteriores as mulheres refletem uma situação que constitui pressuposto da estrutura econômica da sociedade. É essa perspectiva que deve orientar e (re)dimensionar a questão das mulheres como negociadoras dos processos que envolvem os estados subnacionais, cuja finalidade é transcender-se em um processo que se projete para o futuro das gerações, na perspectiva da equidade intergeracional, e projetar-se, por exemplo, como lideranças pacificadoras de conflitos daí surgidos. Nessa dinâmica, as mulheres têm contribuição significativa para com a sociedade pós-moderna, pois, na visão beauvoiriana, podem oferecer possibilidades criativas como resultado de escolhas calcadas em uma dimensão marcada pela liberdade. Aliada à necessidade de se projetarem como sujeitos essenciais no presente, em direção a caminhos nos quais terão participação como sujeitos transformadores desse processo, temos que o (re)encontro com elas mesmas torna-se a matriz e o pressuposto desse processo de transcendência. E os direitos das mulheres ganham dimensões tais que necessitamos, para contextualizá-los ao presente tema, examiná-los à luz dos direitos humanos. Para Arendt, fundamentados no valor da pessoa humana, os direitos humanos são um construído histórico, uma invenção ligada à organização da comunidade política (LAFER, 1999). As atrocidades e horrores do legado do regime nazista surgidos com o fenômeno totalitário, desencadeiam a ruptura dos direitos humanos, que trazem, como reação da comunidade internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993. Esse fato traduz a concepção contemporânea de direitos humanos, que, por seu turno, dá origem ao movimento de internacionalização dos direitos humanos, como destaca Piovesan (PIOVESAN, 2004). 84 Políticas públicas no espaço subnacional A DUDH traz a universalidade e a indivisibilidade dos direitos, como notas características dessa nova concepção dos direitos humanos. Trata-se de uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, na qual convergem os direitos civis e políticos e os direitos sociais, econômicos e culturais. A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, em seu parágrafo 5º, reitera a concepção da Declaração Universal de Direitos Humanos ao afirmar que todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase (ONU – ASSEMBLEIA GERAL, 1948, online). Como marco do movimento de internacionalização dos direitos humanos, a DUDH fortalece a noção de que a proteção desses direitos não deve se cingir à jurisdição doméstica dos Estados, uma vez que revela tema de legítimo interesse internacional. Em razão disso, há necessária revisão da ideia de soberania absoluta do Estado, ao lado da noção de que a pessoa deve ser sujeito de direitos protegidos no âmbito internacional (PIOVESAN, 2004). Com a universalização dos direitos humanos rompe-se a fase clássica do direito internacional. Com efeito, o direito da paz e da guerra passam a ser substituídos pelo direito internacional da cooperação e da solidariedade. Por outro lado, não se concebe a existência dos direitos humanos sem democracia. Nessa linha, o pleno exercício dos direitos políticos pode relacionar-se ao empoderamento daqueles mais vulneráveis, ao aumento de sua capacidade de pressão, articulação e mobilização políticas (PIOVESAN, 2004). Ao seu turno, os direitos políticos convivem, sob a ótica do direito internacional e da indivisibilidade dos direitos humanos, com os direitos econômicos, sociais e culturais, tendo, estes, como foco, a proteção aos grupos vulneráveis, que são titulares de direitos. Tal concepção nos conduz ao direito ao desenvolvimento, o que exige uma globalização ética e solidária, em que a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento de ações que se materializem no plano dos estados subnacionais e deve ser ativa, participativa e beneficiária do direito ao desenvolvimento. Um dos desafios enfrentados na implementação dos direitos humanos se relaciona ao enfoque de gênero na tutela de grupos socialmente vulneráveis, como as mulheres. Não basta a universalidade e a indivisibilidade para a implementação dos direitos humanos. O respeito à diversidade e a necessidade de especificação dos sujeitos de direitos torna-se conditio sine qua non à proteção dos grupos 85 Paradiplomacia Ambiental socialmente vulneráveis. Um olhar voltado à peculiaridade e participação das mulheres, enquanto desses sujeitos de direitos, é o que se requer para a mudança de paradigma da sociedade pós-moderna, associado ao respeito à diferença e à diversidade para o alcance da igualdade. A adoção de políticas específicas torna-se a tônica para conferir visibilidade e o pleno exercício do direito à inclusão social, entrelaçado ao desenvolvimento de ações eficientes para o desenvolvimento local, com ênfase à formulação de políticas que diretamente lhes afetem (PIOVESAN, 2004). Mas não é só. Assegurar os direitos humanos das mulheres impõe um olhar mais cuidadoso das estruturas da sociedade subjacente e as relações de poder que definem e influenciam a habilidade que elas têm no exercício de tais direitos. Nesse âmbito, a obrigação dos Estados é assegurar que o respeito à proteção dos direitos humanos das mulheres não seja violado por terceiros, garantir a universalidade dos direitos humanos, a igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres. além de ampliar o significado de gênero. Essa atuação constitui conditio sine qua non para a sua efetivação nos planos internacional, nacional e regional, refletindo-se na criação de ações eficientes para o desenvolvimento de políticas estabelecidas no âmbito dos estados subnacionais. A universalidade dos direitos humanos e a indivisibilidade de tais direitos, desde a adoção da Declaração Universal, vêm sendo reafirmadas pelos Estados. Na Conferência Mundial de Viena, os Estados reconheceram que os direitos humanos das mulheres são parte dos direitos humanos universais, e têm subsequentemente reafirmado isso, o que também se deu na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres. O relatório que trata da violência contra mulheres, na parte que desenvolve as práticas culturais violentas dentro da família, destaca a falta de influência das mulheres nos processos de tomada de decisões, os quais definem a cultura de qualquer comunidade (ONU – ASSEMBLEIA GERAL, 2012). A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher conclama aos Estados a tomada de medidas apropriadas para modificar os padrões sociais e culturais das condições dos homens, as outras práticas habituais, baseadas na ideia de inferioridade e superioridade de cada um dos sexos e dos papéis estereotipados para homens e mulheres (artigo 5º). E assim faz para estimular a complementaridade e cooperação de ambos. Tal cooperação deve se dirigir a uma sociedade que se constrói com seres humanos que têm na diferença biológica uma base única inseparável, 86 Políticas públicas no espaço subnacional influenciada pelo passado, que estrutura o presente e se projeta para o futuro, em um contexto econômico, social e cultural, na visão beauvoiriana, por assim dizer (YAGHSISIAN, 2017). A igualdade e a não discriminação entre homens e mulheres constituem princípios nucleares na estrutura dos direitos humanos. Documentos internacionais, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 26, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, proíbem a discriminação baseada em sexo e garantem às mulheres e homens a igualdade e a fruição dos direitos neles previstos. O alcance da igualdade substancial requer levar em conta desigualdades históricas e condições atuais das mulheres num dado contexto. Nesse sentido, pode-se demandar dos Estados ações positivas a fim de se evitar desvantagens específicas e voltadas às necessidades das mulheres. Sugere-se, como ação concreta, uma agenda de inclusão positiva, marcada por uma atuação participativa, significativa e concreta na vida pública e na tomada de decisões que possam influenciar questões ambientais. Desse modo, é possível transformar comportamentos em ações que se desenvolvam tendo como foco a criação de políticas regionais. que influenciam e redesenham a arquitetura das cidades. Elas passam a ter, nessa visão, um grande polo de produção em rede de ações sustentáveis para a economia e desenvolvimento locais. A inclusão das mulheres na agenda do direito ambiental internacional nas questões afetas ao desenvolvimento sustentável é um dos meios positivos de superação desses obstáculos, em uma relação nova que se constrói, tendo na redefinição do conceito de empoderamento sua nota fundamental. Busca-se, na seara dos direitos humanos alcance a igualdade substantiva, o que demanda medidas adequadas para o alcance da igualdade de resultados. No entanto, isso importa a definição de mulheres em uma contextualização maior, a levar em conta aspectos históricos, sociais e econômicos que ressignificam seu conceito em busca de uma transcendência, que antevê na fraternidade social sua eficaz contribuição para a sociedade pós-moderna. É interessante observar que o posicionamento social dos homens e mulheres é afetado por fatores políticos, econômicos, culturais, sociais, religiosos, ideológicos e ambientais, e podem ser modificados pela cultura, comunidade e sociedade, em direção a caminhos que apontem para maior cooperação e participação na tomada de decisões locais, regionais e que se refletirão em ações nacionais. Ainda na visão beauvoiriana, as mulheres vivenciam um dualismo marcado por uma hesitação estabelecida entre o papel de objeto, de Outro, que lhes é proposto, e a reivindicação da liberdade. Nessa perspectiva, “a mulher define-se como ser humano em busca de valores no seio de um mundo de valores, mundo 87 Paradiplomacia Ambiental cuja estrutura econômica e social é indispensável conhecer” (BEAUVOIR, 1980). Para tanto, sugere-se que o Outro passe a ser substituído por um sujeito essencial na transformação e (re)construção das relações sociais, econômicas e sociais, com novo significado, que se traduz em mudanças que vão além das fronteiras culturais impostas atualmente às mulheres. Desse modo, as construções de gênero admitem que sejam concebidas como dinâmicas e fluídas, operando transformações com o tempo. Como um dos exemplos marcantes das diferenças socialmente aprendidas, cite-se o papel das mulheres na maioria das sociedades tradicionais, que tem sido o de cuidar da família e das crianças, enquanto o papel do homem, o de prover a família, é trabalhar fora de casa (ONU, 2014, online). Atualmente, esses papéis estão em constante evolução e mutação e não admitem essas marcas perpétuas. O papel das mulheres, no recorte tradicional apontado, deve ser evidenciado como um aspecto secundário, existente ao lado de outros que têm na transcendência, na escolha de possibilidades voltadas a uma efetiva participação social, a sua maior característica. Nessa perspectiva, as mulheres têm na rejeição de seu papel como o Outro e na assunção como sujeitos das relações sociais, visto como paradigma de sua existência, sua maior importância. O entendimento do direito internacional, bem como do direito internacional dos direitos humanos, sob a perspectiva de gênero, é importante para a compreensão das violações de direitos e das influências das diferenças existentes, tais como idade, classe, religião, cultura e lugar. Evidencia-se, com isso, as relações ainda marcadas pela hierarquia e desigualdade, além dos papéis diferentes entre homens e mulheres e, especialmente, o acesso desigual das mulheres ao poder e no processo de tomada de decisões, assim como em questões ligadas ao direito de propriedade e recursos. Gênero também constitui termo importante para a intelecção do contexto da identidade correspondente, o que reflete um profundo sentido do próprio gênero da pessoa, o qual pode ou não estar associado ao nascimento, conforme o sexo biológico. Na abordagem dos direitos das mulheres, com recorte nos direitos humanos, faz-se necessário, para o alcance do desenvolvimento sustentável, trazer o direito à educação como componente básico para a participação das mulheres no processo de tomada de decisões oriundas de negociações no seio da mediação. Assim é que o direito à educação é reconhecido no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 13), na Convenção dos 88 Políticas públicas no espaço subnacional Direitos das Crianças (artigo 28), na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (artigo 10) e na Convenção do Direito das Pessoas com Dificuldades Especiais (artigo 24). Entretanto, assegurar a igualdade na educação entre homens e mulheres requer recursos financeiros, sob forte conscientização acerca da importância da educação das meninas. A questão também envolve outras garantias, como o direito à igualdade entre homens e mulheres no casamento e na vida familiar, que é reconhecido em vários instrumentos de direitos humanos, incluindo a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, a Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas, a Convenção sobre o Consentimento para o Casamento, Idade Mínima para Casamento e Registros de Casamentos. Em muitos países, as mulheres são forçadas a contrair casamento e, ainda, não contam com a atribuição de direitos iguais relacionados à guarda e adoção. Também não se permite a elas a atribuição de sua nacionalidade aos filhos. Questões afetas à capacidade constituem obstáculos nesse contexto. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher requer que os Estados-partes adotem medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres em todos os assuntos relacionados ao casamento e às relações familiares (artigo 16). Isso compreende assegurar o igual direito de casar-se com livre consentimento e livre escolha quanto ao cônjuge, os mesmos direitos relativos às responsabilidades durante o casamento e sua dissolução, e com respeito a seus filhos, e os iguais direitos pessoais como marido e mulher, tais como o direito de escolher um sobrenome familiar e a profissão (ONU, 2014, online). Todo esse plexo de direitos faz-se necessário para que as mulheres tenham asseguradas também as possibilidades de participar da vida pública e política no tocante ao desenvolvimento sustentável, rompendo a alteridade de caráter absoluto até então existente. A participação das mulheres na vida pública e privada demanda um arranjo de ações que buscam empoderá-las para uma atuação ativa nas discussões e no exercício da influência nas tomadas de decisões ambientais em busca da sustentabilidade, como meta política a ser atingida. A noção de empoderamento está estreitamente ligada à interiorização da mulher como sujeito dessa relação ambiental complexa que se redesenha no tempo, o que exige cooperação internacional dos atores envolvidos. Para a efetivação de tal arranjo, é importante, primeiro, a contextualização histórica, marcada por exclusão das mulheres na vida política e nos processos 89 Paradiplomacia Ambiental de tomada de decisões. Com efeito, desde os séculos XIX e XX, até o momento presente, as reivindicações das mulheres têm se realizado nesse sentido. No período da 1ª Guerra Mundial, o direito das mulheres de votar era pouco reconhecido. Em 1945, data da criação da ONU, mais da metade das 51 nações que dela participavam não permitiam às mulheres votar. Algumas delas conferiam direitos restritos de voto. A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que todos têm o direito de tomar parte no governo de seu país. E para efetivar tal direito surge a Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres, em 1952. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, em seu artigo 7, garante às mulheres o direito de votar em todas as eleições e referendos públicos, e de serem elegíveis em todos os órgãos. Da mesma forma, assegura o direito de participar na formulação da política governamental e sua implementação, realizar todas as funções públicas em todos os níveis de governo e participar em ONGs ou associações voltadas aos interesses da vida pública ou política do país. Para assegurar a efetivação desse direito, o artigo 8º requer que os Estados-partes adotem todas as medidas apropriadas para garantir às mulheres, em termos iguais com os homens e sem qualquer discriminação, a oportunidade de representar seus governos no plano internacional e de participar do trabalho das organizações internacionais. Acontece que, em muitos países, obstáculos de várias ordens inibem a possibilidade das mulheres exercerem tal direito na sua plenitude. Cite-se a impossibilidade de registro para o voto em razão de ausência de certidão de nascimento ou documentos de identificação, os quais, em certos países, são emitidos apenas para homens. Estereótipos e percepções tradicionais dos papéis dos homens e mulheres na sociedade, associados à falta de informação e recursos relevantes, contribuem para tal dificuldade de acesso, ao lado de padrões rígidos e tradicionais de muitos partidos políticos para admissão das mulheres em dupla jornada de trabalho e práticas discriminatórias. Na década de 90, houve o surgimento da perspectiva de Gênero em Desenvolvimento (GED), que parte da premissa que as mulheres têm sido excluídas do processo de desenvolvimento. Assim, passou-se a sustentar a necessidade de se alcançar a igualdade legal, política e social das mulheres pela sua incorporação nas políticas públicas, de forma que isso incida nos interesses práticos e estratégicos femininos, a fim de melhorar sua posição na relação entre os gêneros e permitir seu empoderamento. Com base nessa perspectiva, diversos encontros internacionais são realizados, entre eles, a Quarta Conferência Mundial de Beijing, em 1995, a qual tem constituído parte do discurso dominante das agências internacionais 90 Políticas públicas no espaço subnacional e instituições governamentais (HERNÁNDEZ, 2010). Com efeito, nessa conferência, considerada um marco para a garantia dos direitos das mulheres, em razão dos avanços conceituais e programáticos que propiciou (ARAÚJO, 2013), foi aprovada a Declaração e a Plataforma de Ação de Beijing/Pequim. Isso se deu a partir da avaliação dos avanços obtidos desde as conferências anteriores (Cidade do México, 1975; Copenhague, 1980, e Nairóbi, 1985), visando promover a igualdade, o desenvolvimento e a paz para todas as mulheres do mundo, estabelecendo, para tanto, as condições e os mecanismos institucionais para o desenvolvimento das mulheres na sociedade. A participação das mulheres na gestão dos recursos naturais e proteção do meio ambiente, especialmente na tomada de decisões, tem ênfase nessa conferência. A Declaração e Plataforma de Ação de Beijing representa a plataforma das mulheres no poder e na tomada de decisões. Nesse documento, os Estados se comprometem a adotar medidas concretas para que as mulheres tenham acesso e plena participação nas estruturas de poder e na tomada de decisões, e o seu correlato aumento dessa participação. A Plataforma de Ação de Beijing estabelece o objetivo de alcançar um equilíbrio entre homens e mulheres quanto à tomada de decisões nacionais, o que ainda é uma ilusão em muitos países. No mesmo sentido, a Organização das Nações Unidas incorporou as mulheres como administradoras privilegiadas do meio ambiente, e elas passaram a ser consideradas como eficientes educadoras ambientais, em um recorte tradicional, todavia, que as visualiza como detentoras de papel preponderante no lar. E as mulheres não podem influenciar no futuro e nem no universo se estão encerradas em um lar. Com essa visão, a organização internacional Woman, Environment and Development (WEDO), criada em 1990 por ativistas e lideranças de vários países, especialmente do terceiro mundo, reconhece a relação das mulheres com o meio ambiente e as identifica como principais usuárias e administradoras de seus recursos, como protetoras dos recursos genéticos e responsáveis pela alimentação no mundo, por exemplo. Tal organização tem por escopo transformar o planeta num lugar saudável e pacífico, com justiça social, política, econômica e ambiental, por meio do empowerment das mulheres, em toda a sua diversidade, e pela participação equitativa com os homens em todos os espaços de decisão. A participação das mulheres no discurso do desenvolvimento sustentável foi, na verdade, colocada pela primeira vez na Convenção da Diversidade Biológica e na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, havida em 1992. 91 Paradiplomacia Ambiental Com efeito, o preâmbulo da Convenção referenciada estabelece a esse respeito: Reconhecendo, igualmente o papel fundamental da mulher na conservação e na utilização sustentável da diversidade biológica e afirmando a necessidade da plena participação da mulher em todos os níveis de formulação e execução de políticas para a conservação da diversidade biológica (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2000, online). Na mesma linha, o Princípio 20 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, in verbis:” as mulheres têm um papel vital no gerenciamento do meio ambiente e no desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto, essencial para se alcançar o desenvolvimento sustentável” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 1992, online). Nessa perspectiva e contexto, a Agenda 21, surgida no ambiente da declaração referenciada, se afigura de importância ímpar, uma vez que descreve prioridades de ação para alcançar um desenvolvimento sustentável neste século. É no Princípio 20 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, elaborado em tópicos posteriores, que se materializa esse ideário, com a afirmação de que as mulheres têm um papel importante no manejo ambiental e desenvolvimento. Disso resulta constituir, sua participação, fator preponderante para alcançar o desenvolvimento sustentável. A Divisão da ONU Mulheres, em sua revisão das quatro conferências mundiais, destaca que a transformação fundamental em Beijing/Pequim foi a reafirmação de que os direitos das mulheres são direitos humanos, além de estabelecer que a igualdade de gênero era uma questão de interesse universal, cujos beneficiários somos todos nós (ARAÚJO, 2013). Em 2010, foi criada a ONU Mulheres, decorrente de votação unânime pela Assembleia Geral das Nações Unidas, sua criação vem corroborar a concretização do direito à igualdade de gênero, defendendo a participação equitativa das mulheres em todos os aspectos da vida, estabelecendo as seguintes metas como aumentar a liderança e a participação das mulheres, eliminar a violência contra as mulheres e as meninas, engajar as mulheres em todos os aspectos dos processos de paz e segurança, aprimorar a autonomia econômica das mulheres e colocar a igualdade de gênero no centro do planejamento e dos orçamentos de desenvolvimento nacional. Nesse passo, os Objetivos do Milênio das Nações Unidas estabeleceram, no Objetivo 3, que trata da igualdade de gêneros e do empoderamento das mulheres, o comprometimento dos Estados em promover mecanismos que dão às mulheres voz nas políticas e nas instituições de governo (ONU, 2015, online). 92 Políticas públicas no espaço subnacional Análises com base no programa alcançado nos Objetivos mostram que as mulheres estão lentamente ganhando poder político, principalmente graças às cotas e medidas especiais. No entanto, as variações regionais permanecem. A Recomendação Geral nº 25 do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, visando alcançar a igualdade de gênero substantiva, abraçada pela Convenção respectiva, estabelece que o termo “medidas especiais” pode abranger ampla variedade de instrumentos, políticas e práticas reguladoras nas esferas legislativa, executiva e administrativa, tais como apoiar programas ou repartir e/ou redistribuir recursos, oferecer tratamento preferencial, contratar e promover, número de objetivos relacionados a prazos e sistemas de cotas (CEDAW, 2004, online) . Com efeito, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada de 13 a 22 de junho de 2012, os países renovaram seu compromisso político com o desenvolvimento sustentável. Anuíram ao estabelecimento de um fórum político de alto nível sobre esse tema. O documento final produzido, denominado “O Futuro que Queremos”, também reafirma os compromissos dos Estados com os direitos de igualdade das mulheres, o acesso e as oportunidades para a participação e a liderança na economia e na sociedade. Ademais, inclui a tomada de posições políticas e referências explícitas na aceleração da implementação dos compromissos assumidos na Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Plataforma para Ação de Beijing e a Declaração do Milênio. Esse documento também estabelece que a igualdade de gênero e a participação concreta das mulheres são importantes para a ação efetiva de todos os aspectos do desenvolvimento sustentável. Clama, ainda, pela revogação de leis discriminatórias e assegura às mulheres o acesso igual à justiça. Para Michelle Bachelet (VALENZUELA, 2012, online) que foi diretora executiva da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), a mulher é peça fundamental para o desenvolvimento sustentável. O pronunciamento em referência foi realizado em momento anterior à Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e objetivava que o documento final confeccionado como resultado da Conferência compreendesse a participação plena das mulheres no desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, é importante abordar o estabelecimento dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituíram os Objetivos do Milênio da ONU a partir de 2015, e que constitui a principal promessa da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20). Dentre eles, tem significado ímpar o estabelecimento de metas para promoção social e igualdade de crianças e mulheres. 93 Paradiplomacia Ambiental Nessa perspectiva, ainda há muito que se fazer para o alcance concreto do acesso igual das mulheres e da correlata participação na vida pública e política, tendo, certamente, na erradicação da pobreza, seu componente principal de enfrentamento. A reserva de lugares para certo número de mulheres no poder legislativo, por meio de uma política nacional, tem sido um método largamente usado. De fato, desde a Conferência Mundial de Beijing, os Estados têm, cada vez mais, adotado cotas, objetivando ampliar a participação das mulheres e combater a discriminação, além de acelerar o ritmo lento de atuação delas na política, em uma perspectiva voltada à correção de alguns obstáculos que impedem as mulheres de obter igual acesso à política. É importante considerar que tais medidas, adotadas isoladamente, não são capazes de assegurar a igualdade, porque demandam adaptação ao contexto local, empoderamento para eficiente participação nas discussões correlatas e exercício de influência na tomada de decisões (ONU, 2015, online). No entanto, a compreensão da participação das mulheres na vida pública é muito mais ampla que a noção de eleições. Com efeito, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres estabelece que o artigo 17 da Convenção correspondente é extensivo a todas as áreas da vida pública e política, especialmente nos poderes legislativo, judiciário e executivo, e à formulação e implementação da política nos planos internacional, nacional, regional e local. Cabe aos Estados assegurar o acesso das mulheres à informação e à tomada de medidas para superação de barreiras, como o analfabetismo e a pobreza. Além disso, cabe-lhes estimular a participação das mulheres na vida pública e política, tanto como líderes de governo em todos os planos – internacional, nacional e local –, quanto nas lideranças de órgãos de governo. Nesse âmbito, também se inclui a responsabilidade de encorajar os partidos políticos a tanto. A participação das mulheres, se estende por exemplo, aos processos que envolvem o estabelecimento da paz. Nessa linha, a Resolução nº 1325/2000 do Conselho de Segurança das Nações Unidas e suas consequentes resoluções relativas às mulheres, à paz e à segurança reconhecem a importante contribuição das mulheres para a paz. Ademais, clamam por uma representação maior em todos os níveis de tomada de decisões, em todos os mecanismos para a prevenção, o gerenciamento e a resolução de conflitos. A representação justa das mulheres na vida política tem um impacto positivo na incorporação da perspectiva de gênero na política. O acesso das mulheres à liderança é uma meta específica do desenvolvimento sustentável. Os dados disponíveis sobre a presença de mulheres nos parlamentos e governos mostram uma tendência positiva, mas ainda há muito a ser feito para garantir uma presença igual de ambos os sexos na tomada de decisões. As mulheres em posições 94 Políticas públicas no espaço subnacional de tomada de decisão desempenham um papel crucial na integração do gênero em todas as áreas políticas. No entanto, na maioria das sociedades do mundo, as mulheres ocupam apenas uma minoria de posições de tomada de decisão em instituições públicas e privadas. Segundo dados do Parlamento Europeu4 a participação política das mulheres é um pré-requisito fundamental para a igualdade de gênero e a genuína democracia. O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) de n. 5 da Agenda 2030 aborda especificamente a igualdade de gênero. O avanço da participação política das mulheres é crucial para alcançar o ODS (EUROPEAN PARLIAMENT, 2019, online). A ONU utiliza dois indicadores como referência para o progresso da participação das mulheres na política: (1) a proporção de cadeiras ocupadas por mulheres em parlamentos nacionais e governos locais; e (2) a proporção de mulheres em posições gerenciais. Diante destes indicadores, em todo o mundo, as mulheres ainda estão sub-representadas em posições de liderança. São minoria dentre Chefes de estado ou governo, embora o número tenha aumentado (de 12 para 21) nos últimos 20 anos (UN - INTER-PARLIAMENTARY UNION AND UN WOMEN, 2019, online). Atualmente, apenas aproximadamente um em cada quatro membros das casas inferiores ou únicas do parlamento em todo o mundo é uma mulher. Globalmente, a participação de mulheres nos parlamentos aumentou para 24,1% no final de 2018, representando um aumento de 13 pontos percentuais em comparação com duas décadas atrás (WOMEN NATIONAL PARLIAMENT, 2018, online). A adoção de medidas políticas específicas para garantir um melhor equilíbrio de gênero ajudou a promover empoderamento das mulheres. A representação das mulheres nos parlamentos melhorou significativamente em países onde existem medidas especiais, como cotas. Por exemplo, a França que registrou o maior aumento da UE no percentual de mulheres parlamentares, pois adaptou sua legislação que apoia a paridade de gênero nos cargos eleitos. A ação de gênero da União Europeia (UE) em 2016-2020, que integra o empoderamento das mulheres e a igualdade de gênero nas relações externas da EU, estabelece como um dos objetivos facilitar o empoderamento e a participação das mulheres na política, governança e processos eleitorais em todos os níveis (EUROPEAN PARLIAMENT, 2019, online). Nesse contexto, a incorporação das mulheres na arquitetura de políticas O Parlamento Europeu é um forte defensor do empoderamento das mulheres e da igualdade de gênero nas políticas tomada de decisão, dentro e fora da UE. Em uma resolução de março de 2017 sobre igualdade entre mulheres e homens na União Europeia, o Parlamento instou a liderança da UE a fazer a igualdade de gênero como prioridade e promover a representação feminina em todos os níveis da política e da economia. 4 95 Paradiplomacia Ambiental públicas como método de se alcançar a igualdade legal, política e social, deve ser promovida continuamente pelos Estados nacionais e subnacionais, para manutenção dos avanços já promovidos, bem como para superação dos obstáculos à plena garantia dos direitos das mulheres. 2. Políticas públicas engendradas no espaço subnacional: mecanismos do estado de são paulo para promoção dos direitos das mulheres e inclusão social Os impactos causados pela realidade acima descrita da desigualdade de gênero (que tem cada vez mais atingido diretamente mulheres ao redor do mundo) exigem um enfrentamento coletivo, que perceba a relevância de todas as contribuições possíveis, e não apenas aquelas trazidas pelos Estados e/ou organizações internacionais (numa clássica visão dos sujeitos de Direito Internacional Público). Isso ocorre porque, as ações de cooperação devem se desenvolver através de sistemas de governança que permitam a atuação de vários níveis, com a inserção de novos atores não estatais, como as organizações não governamentais, empresas transnacionais e população, mas também, atores estatais, como governos locais e/ou subnacionais, o que têm ganhado destaque nas relações internacionais por meio de ações com potencial de influir no processo de tomada de decisão (HAPPAERTS; VAN DEN BRANDE; BRUYNINCKX, 2010), principalmente no que se refere aos temas de interesse político, econômico e público, como é o caso das questões de gênero. A governança multinível quebra o monopólio dos Estados, quando da busca de solução para os problemas globais, visto que distribui a discussão e a consecução do objetivo comum através das relações e das trocas de experiências entre os diferentes atores, relações essas que se desenvolvem entre os diferentes níveis de governo, tanto horizontal quanto verticalmente. Ela estabelece uma coordenação em vários níveis, de forma policêntrica, porque distribui os centros de direção e de decisão em escalas capazes de incluir redes, governos subnacionais e atores diversos (FARIAS, 2015, p. 96). Essa nova sociedade internacional e globalizada induz a modificações em todos os campos dos Estados, seja em âmbito doméstico ou nas relações internacionais. Para fazer diferença, é indispensável o desenvolvimento de várias e novas formas de organização, formando-se um círculo virtuoso que induz à constante manutenção das 96 Políticas públicas no espaço subnacional relações internacionais e desmistifica a noção de soberania (FARIAS, 2015, p. 102). Trata-se do fenômeno recente da paradiplomacia, que objetiva a produção de ações para auxiliar na redução de conflitos atinentes aos processos intrínsecos da globalização na nova arquitetura mundial (que trouxe várias transformações nos mais diversos setores do conhecimento). Paradiplomacia pode ser definida como o envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos formais e informais, permanentes ou provisórios (“ad hoc”) com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional (PRIETO, 2004). Dentro deste contexto, as fronteiras deixaram de ser barreiras; valorize-se a participação de novas escalas geográficas subnacionais, como âmbitos de interação nas relações internacionais e de fontes de poder: estados subnacionais ganham importância e protagonismo para a política externa, uma vez que há ruptura da ideia central dos Estados e das Organizações Internacionais como centros exclusivos do Direito Internacional, a partir do momento em que o surgimento de novos conflitos fez nascer uma nova problemática que deu voz aos Estados, na condição de coprotagonistas da vida pública. É natural que, em um sistema federalista, os governos subnacionais ฀ que possuem atribuições e competências que lhes são próprias, mas também enfrentam problemas que são regionais e nem sempre enfrentados com maestria pelo governo central ฀ comecem a alçar papéis de destaque no cenário internacional (COHN; SMITH, 1996). Dessa forma, pode-se entender por governos subnacionais as unidades políticas dotadas de personalidade jurídica própria, mas que estão atreladas ao direito público interno, e, que, portanto, exercem autonomia limitada à parcela do território nacional e da população, com a finalidade de atender aos interesses regionais (SANTOS, 2012). Dentro dessa realidade, o Estado de São Paulo tem sido protagonista e inovador na criação de políticas públicas nos mais diversos setores, como é o caso das questões que envolvem gênero, num processo dinâmico de criar novas oportunidades, mecanismos e instrumentos em prol do desenvolvimento sustentável, tendo em vista que mais da metade da população do Estado de São Paulo é do sexo feminino (estima-se que 21,2 milhões de mulheres vivam em praticamente todas as regiões paulistas, registrando as maiores proporções 97 Paradiplomacia Ambiental destas mulheres em Regiões metropolitanas de São Paulo e na Baixada Santista) (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2018, online). Por isso, há, no Estado de São Paulo, a “Coordenação de Políticas para a Mulher”, criada por meio do Decreto nº. 58.428, de outubro de 2012 (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012, online), ligada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, com o objetivo principal de promover igualdade e equidade entre homens e mulheres por meio de políticas públicas e promoção de educação em matéria de direitos humanos, com a finalidade de eliminar qualquer forma de discriminação, violência contra a mulher, combate ao tráfico de mulheres, trabalho escravo e exploração sexual (com especial atenção às mulheres em estado de vulnerabilidade), ao mesmo tempo em que visa assegurar a plenitude de direitos básicos, participação na vida pública e política, integrando as três facetas do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental, visando a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, garantindo autonomia e qualidade de vida às mulheres. Uma das primordiais metas desta Coordenação é garantir a articulação entre diferentes esferas de poder (tanto vertical, quanto horizontal, principalmente no que diz respeito às demais Coordenadorias de Direitos Humanos da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania), para que haja diálogo entre ações e políticas a fim de fortalecer as ações praticadas pelo Estado em busca da cidadania das mulheres em São Paulo. Nesse sentido, o artigo 3º do Decreto citado contém as atribuições da Coordenação, nos assuntos relativos à defesa da mulher e igualdade de gênero. Artigo 3º - À Coordenação de Políticas para a Mulher do Estado de São Paulo, nos assuntos relativos à defesa dos direitos da mulher e da igualdade de gênero, cabe, com o auxílio de seu Corpo Técnico: I - assessorar o Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania no desempenho de suas funções; II - promover, elaborar, coordenar, desenvolver e acompanhar programas, projetos e atividades voltadas à promoção da cidadania feminina e da equidade entre os gêneros, com vista, em especial, à efetiva atuação em favor: a) do respeito à dignidade da pessoa humana e à condição de vida da mulher; b) do combate aos mecanismos de subordinação e exclusão que sustentam a sociedade discriminatória; III- promover: 98 Políticas públicas no espaço subnacional a) a realização de estudos, pesquisas, cursos, conferências e campanhas; b) a capacitação e o treinamento de pessoal para o enfrentamento da violência contra a mulher e para a conscientização de seus direitos; IV - prestar colaboração técnica a órgãos e entidades públicas do Estado; V - acompanhar o cumprimento da legislação que assegura os direitos da mulher e elaborar sugestões para seu aperfeiçoamento; VI - orientar o encaminhamento de denúncias de discriminação contra a mulher; VII - apoiar iniciativas da sociedade civil; VIII - colaborar com o Conselho Estadual da Condição Feminina no desempenho de suas funções; IX - exercer, por determinação do Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania ou com sua anuência, outras atividades de interesse para a adequada execução das políticas para a mulher do Estado, pertinentes à sua área de atuação. Pela Coordenadoria, existem diversos projetos em andamento, idealizados e colocados em prática pela Coordenadoria citada com base em paradiplomacia e governança (ou seja, “participação ampliada”). Tome-se, como exemplo (SECRETARIA DA JUSTIÇA E CIDADANIA, 2012, online): a) capacitação de agentes e líderes comunitários; b) articulação com órgãos do sistema de justiça; c) promoção de pesquisa para identificação das vulnerabilidades associadas à condição feminina de modo que possam ser promovidas políticas públicas específicas; d) colaboração com outras Secretarias para elaboração de políticas voltadas à mulher, como é o caso da Secretaria da Saúde e de Desenvolvimento Social (para as questões que envolvem vulnerabilidade social); e) curso de educação para agressores na ONG coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (que tem como objetivo tentar reconstruir o comportamento e a conduta dos homens agressores); f) campanhas de combate à violência doméstica; c) cartilha de prevenção da violência doméstica e familiar; g) projeto “Rosa dos Ventos” (que realiza palestras sobre a valorização da mulher e empoderamento feminino com os mais diferentes temas como objeto de cada debate); h) observatório de violência contra a mulher (que visa compilar 99 Paradiplomacia Ambiental os dados disponíveis sobre violência contra as mulheres a fim de pensar em políticas públicas adequadas voltadas a cada caso, em parceria com a Secretaria da Segurança Pública, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Tribunal de Justiça do Estado, Ministério Público, CIC e CRAVI); i) implantação do núcleo da mulher em Hospitais e delegacias (para a criação de políticas públicas voltadas às mulheres em todos os segmentos de atendimento, objetivando maior efetividade); j) cartilha da ação social e da cidadania, entre outros projetos voltados ao desenvolvimento da mulher; l) Centros de Cidadania da Mulher (de forma a orientar mulheres a garantir direitos sociais, políticos e culturais, através da conscientização, com estrutura para cursos de capacitação profissional a fim de conceder mais independência e autonomia financeira), entre outras políticas públicas de extrema importância. Tais políticas públicas são implementadas em parceria com Centros de referência de Assistência Social (CRAS) e centros de referência Especializado de Assistência Social (CREAS), justamente maior eficácia e visibilidade pela participação de todos os interessados. Percebe-se, portanto, que o Estado de São Paulo tem avançado nas discussões e implementações de mecanismos (muitos dos quais, através de ações afirmativas) garantidores da igualdade (e porque não dizer, equidade) de gênero (baseados em políticas públicas voltadas nas mais diversas áreas, que garantem direitos, diminuem as desigualdades e as barreiras enfrentadas diariamente, através de governança e paradiplomacia, e de toda forma inclusivas e participativas), o que contribui para a transformação da realidade de vida de muitas mulheres na maior metrópole brasileira, para que possam influenciar a comunidade em que estão inseridas e a sociedade como um todo. Entretanto, o respeito aos princípios da igualdade e da não discriminação representa uma direção no longo caminho que ainda há a ser percorrido, tendo em vista que os desafios pendentes são inúmeros. 3. Objetivo do desenvolvimento sustentável nº. 5: “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas” Percebe-se que, diante das assimetrias de gênero que hierarquicamente estruturam a atual sociedade, a atuação das mulheres estava associada, durante muitos séculos (e atravessando gerações), a um paradigma de dependência e submissão da figura feminina, estabelecida pelo sistema familiar patriarcal. [...] para além dos limites institucionais, as características recorrentes das relações sociais de gênero, desiguais e opressivas em relação às mulheres, lhes conferiram responsabilidades materiais e simbólicas na esfera familiar que, juntas, sempre funcionaram como instrumentos 100 Políticas públicas no espaço subnacional de contenção para o acesso das mulheres à vida pública (ARAÚJO, 2001, p. 83). Foi necessário delinear o cenário de luta feminina para mudança destes paradigmas, a fim de reorganizar a sociedade. Para tanto, como um dos muitos mecanismos implementados de superação de tais padrões, houve a imposição por meio da Agenda 2030 (realizada pela Organização das Nações Unidas – ONU), do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº. 05, qual seja: “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, com o objetivo principal de encarar a condição das mulheres e os desafios a serem enfrentados em pleno século XXI, configurando uma identidade coletiva, através de processos inseparáveis para a conscientização da mulher e do papel de sua figura na sociedade e no ambiente público. A Agenda 2030 se propõe a fornecer programas, ações e diretrizes, com vistas ao desenvolvimento sustentável, durante o período de 2016 a 2030. Realizado para substituir a Agenda 21 (produto da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92 ou Rio-92, realizada pela ONU, que continha os 8 Objetivos do Desenvolvimento do Milênio – ODM), a Agenda 2030 é composta de 17 Objetivos (além de 169 metas, que incluem, além de temas sociais, aspectos econômicos e ambientais) com a proposta de finalizar os trabalhos já iniciados com a Agenda 21, refletindo sobre os novos desafios para o desenvolvimento sustentável, tendo em vista a globalização e a atual Sociedade do Risco, com o propósito final de alcançar a dignidade nos próximos 15 anos, formalizando um novo padrão de desenvolvimento, ao procurar conciliar proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica, e, visando o fortalecimento do consenso mundial em torno do compromisso dos países signatários pelo desenvolvimento sustentável e cooperação ambiental. Funciona, portanto, como um meio de orientação das ações e da cooperação internacional pelos próximos 15 anos. Dentro desta realidade e, com vistas a empreender ações voltadas à equidade de gênero, valorização e aumento da participação feminina no setor público e privado (ou seja, em todas as arenas do convívio social, como, por exemplo, laboral, política, econômica etc., mas, principalmente, em setores estratégicos da sociedade, que, historicamente, sempre foram ocupados por figuras masculinas), é que políticas públicas baseadas nas metas específicas do ODS nº. 5 (quais sejam: a) 5.5. “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”; e, b) 5.c “Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e 101 Paradiplomacia Ambiental o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis”) foram desenvolvidas no espaço subnacional, como o que acontece no Estado de São Paulo, conforme mencionado acima (inclusive, possibilitando o exercício da paradiplomacia e da governança, no momento em que permitem a participação ampliada de todos os setores interessados e envolvidos, a fim de conceder maior eficácia e eficiência a tais políticas, o que significou o protagonismo de novos atores subnacionais no cenário político). Tais políticas públicas atuam como potenciais fontes de concretização do processo de empoderamento das mulheres e de emancipação de sua participação mais ativa nos ambientes públicos de tomada de decisão e de poder, e, significam princípios norteadores das ações e condutas do Poder Público numa sociedade que agora demanda a necessidade de proteção, representação e cooperação dos mais diversos setores envolvidos para a mobilização de uma maior visibilidade do feminino e das questões de gênero. Este é o objetivo, por exemplo, do I Plano Nacional de Políticas para Mulheres (2013 a 2015), que contém a importância da adequada valoração da participação da mulher no espaço local, exigindo: [...] atitudes e compromissos do Estado e dos governos, nas suas diferentes esferas, que sejam transformadores das estruturas institucionais que ainda reproduzem e reafirmam a desigualdade. Para isso, é necessário consolidar e articular a maior presença das mulheres nos espaços de poder e de decisão e fortalecer Secretarias Estaduais e Municipais de Políticas para as Mulheres, que contribuem para um novo modelo de gestão e trazem na sua concepção a defesa da autonomia e da igualdade como pressupostos e princípios de suas ações e políticas (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2013, online). Tal entendimento é replicado no II Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que tem justamente, no Capítulo 5, o Objetivo Geral de “Promover e fortalecer a participação igualitária, plural e multirracial das mulheres nos espaços de poder e decisão”, que inclui, entre outros, como Objetivos Específicos: “I. Promover a mudança cultural na sociedade, com vistas à formação de novos valores e atitudes em relação à autonomia e empoderamento das mulheres” e “V. Estimular a participação e o controle social nas políticas públicas”, além da seguinte meta a ser realizada: “I. Realizar amplo debate na sociedade sobre a participação paritária das mulheres nos espaços de poder e decisão”. Para tanto, utiliza-se das seguintes prioridades: “5.3. Fortalecimento da participação social na formulação e implementação das políticas públicas de promoção da igualdade de gênero e de combate a todas as formas de discriminação baseadas na 102 Políticas públicas no espaço subnacional raça/etnia, geração, orientação sexual, entre outras relacionadas à diversidade humana e cultural”; e, “5.4. Criação, revisão e implementação de instrumentos normativos com vistas à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, e entre as mulheres, na ocupação de postos de decisão nas distintas esferas do poder público” (MEC, 2008, online). Esta centralidade [da participação das mulheres nos espaços de poder] se justifica pela necessidade e importância desta participação como ação transformadora das estruturas de poder e das instituições, e também da cultura e das mentalidades, gerando novas relações sociais. No que se refere às mulheres, esta participação torna-se ainda mais fundamental pela situação desigual e discriminatória que vivenciam, sendo essencial para a elaboração das leis e para a implementação de políticas públicas que promovam a igualdade e a equidade de gênero. [...] A participação ativa das mulheres é indispensável à construção da democracia e da cidadania e assume um caráter crítico e propositivo na construção das plataformas feministas dirigidas ao poder público, como contribuição para a elaboração de leis e para a administração pública, e para as candidaturas político-partidárias, no sentido de sensibilização e estabelecimento de compromissos das/os candidatas/ os. Muitas de suas ações têm produzido desdobramentos concretos em termos de inovações e conquistas legislativas e de políticas públicas. [...] Por fim, trabalhar para ampliar a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão é trabalhar para consolidar e aperfeiçoar a democracia brasileira (MEC, 2008, online). Pode-se, concluir então que, a equidade de gênero é uma questão de direitos humanos e uma condição de justiça social (utilizada como mecanismo de efetiva inclusão), sendo requisito necessário para o adequado desenvolvimento da sociedade e para a paz (inclusive, respeitando padrões de sustentabilidade), a partir de onde se exige que as mulheres passem a ter as mesmas oportunidades, direitos e obrigações em todas as áreas, a fim de romper as desigualdades que separavam as mulheres de seu real (e efetivo) posicionamento perante à sociedade, rompendo um manto de séculos de invisibilidade que lhes era imposto. A identidade feminina tem sido marcada, ao longo dos séculos, pela vivência da exclusão do poder institucional. É importante ter presente a carga simbólica que acompanha o exercício do poder e o fato de que a secular ausência da mulher neste espaço tem efeitos perversos na conformação de uma percepção social da mulher como inadequada e 103 Paradiplomacia Ambiental incapaz para tais funções (PITANGUY, 2011, p. 29). Para tanto, foi necessária a introdução da perspectiva de gênero nas políticas públicas como ferramenta fundamental de combate às desigualdades, a fim de fortalecer mecanismos de planejamento e monitoramento alinhados ao citado ODS nº. 5 e as metas específicas já citadas, como mecanismos de justificar a inclusão feminina nos espaços públicos, nas instâncias decisórias e nas esferas de poder. São iniciativas que vem alterando o modo como o papel da mulher é visto na sociedade, ao conceder a elas maior importância e relevância, através da melhoria da governança pública e promoção de efetividade, transparência e compliance. E, além disso, são medidas urgentes para promover a participação igualitária das mulheres em todas as esferas de decisão (no setor público e privado). Nesta linha de raciocínio, oportuna a ressignificação das políticas públicas de poder, a fim de reconhecer a importância do papel feminino perante a sociedade, ao mesmo tempo em que rompe com um padrão anteriormente imposto com o objetivo de empoderar mulheres para a tomada ou conquista de espaços de poder. [...] o empoderamento implica no reconhecimento das restrições sociais a que a categoria está submetida e da necessidade de reversão dessa situação, por meio de mudanças em um ambiente amplo/público (inserção em cargos de poder/decisão, educação não sexista e serviços de saúde adequados) e também em conjunturas mais específicas ou individuais (aumento de autoestima e autonomia, reorganização do trabalho doméstico, etc.). Assim, o empoderamento foi, e ainda o é, uma conquista gradativa, a qual não se perpetuou em todas as ambiências, sendo necessária, portanto, que a sua operacionalização se dê de maneira crescente e contínua (COSTA, Marli Marlene Moraes da; D’OLIVEIRA, 2013, p. 400). Entretanto, mesmo às vistas deste cenário (ou, melhor, em alguns casos tentativa de) de inclusão, os desafios ainda são imensos, pois homens e mulheres ainda ocupam posições diferentes no acesso e no exercício do poder (principalmente no que se refere: ao mercado de trabalho, a obtenção de igualdade salarial para as mesmas condições de empregos e serviços, a colocação de mulheres em cargos parlamentares, entre outros), ao passo que, por outro lado, uma democracia verdadeiramente inclusiva (e sustentável) passa pela amplificação das vozes das mulheres e de sua liderança em todos os níveis, o que coloca a sociedade atual (complexa e plural) ainda com uma trilha imensa a ser percorrida. 104 Políticas públicas no espaço subnacional CONCLUSÃO A efetiva ação de políticas públicas, que possam proporcionar condições de igualdade e inclusão social à mulher, é um dos pontos centrais de debate da sociedade contemporânea, que, em muitos casos, exige maior valorização e aumento da participação feminina, com a concessão de direitos (até então esquecidos no todo ou em parte) a serem efetivados em todas as dimensões da convivência social, política e estratégica. A despeito de todo processo evolucionário que ainda se opera na condição das mulheres na atual sociedade, ainda existe o estigma da desigualdade e diversas discriminações ainda são praticadas no cotidiano do sexo feminino. É, por esta razão que, o Estado de São Paulo tem incentivado e investido em políticas públicas articuladas, inclusivas e desenvolvidas através de mecanismos de paradiplomacia (com a utilização do enfoque subnacional) voltadas às mulheres, como ferramentas de emancipação e fortalecimento de sua atuação em todas as camadas de poder e tomadas de decisão, numa tentativa de desmontar as assimetrias de gênero, conforme preconiza o ODS nº.5, especialmente no que se refere as metas 5.5 e 5.c. Neste sentido, o espaço subnacional atua de forma proativa e assume uma posição de liderança (porque não dizer, protagonismo) na esfera nacional e internacional ao ampliar os espaços de poder e saber das mulheres, através de políticas institucionalizadas em novos e desafiadores cenários públicos, que envolvem ações conjuntas entre os mais diversos atores sociais e não estatais numa promoção, estratégia de gestão e qualificação das mulheres como figura central, edificando bases de igualdade e empoderamento feminino (numa perspectiva de gênero) para o desenvolvimento sustentável e inclusivo da sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, C.. Construindo novas estratégias, buscando novos espaços políticos: as mulheres e as demandas por presença. In: MURARO, Rose Marie; PUPPIN, Andréa Brandão (Orgs). Mulher, gênero e sociedade. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ. 2001. ARAÚJO, M. M.. A proteção das mulheres: direitos com força normativa ou simbólica? In: JUBILUT, L. L.; BAHIA, A. G. 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Francine Delfino Gomes1 ODS 6 - Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos META 6.2 - Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade. INTRODUÇÃO O atual cenário mundial do saneamento básico está muito aquém do ideal e perdura por longos anos. Diversas pesquisas nos mostram que a evolução no tratamento sanitário e nas ligações de redes de esgotamento se aproximam muito de uma certa estagnação. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem chamado a atenção expressamente para o tema desde 1981, por meio da Trigésima quarta Assembleia Mundial da Saúde (WORLD HEALTH ASSEMBLY, 1981), onde foram considerados os dados da Década Internacional sobre Abastecimento de Água Potável e Saneamento (1981-1990); antes disso os documentos da referida organização apenas tratavam o esgotamento sanitário de forma indireta, pois os esforços eram concentrados na água potável, como podemos observar pelo documento efetivado na Conferência das Nações Unidas para a Água (UNITED NATIONS, 1977), primeiro documento a declarar o acesso à água e ao saneamento como direito humano. Em 2015, a união de 193 Estados pactuou novos rumos para melhorias mundiais em diversos aspectos, resultando nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Diante da demora na implementação do saneamento no Brasil, a presente pesquisa isolou um período entre 2010 e 2020 das cidades brasileiras de Manaus e São Paulo, por meio de uma metanálise das pesquisas do Instituto Trata Brasil, da rede SuSanA (Sustainable Sanitation Alliance), assim como dados oficiais do Governo brasileiro SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), buscando demonstrar a precariedade do serviço Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS (2022). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS (2018). Pós Graduada em Direito Público e Direito Tributário. Professora de Direito Público na Graduação de Direito na Universidade Guarulhos/SP – UnG. Professora em cursos preparatórios para OAB. 1 109 Paradiplomacia Ambiental de saneamento básico no Brasil, assim como os desafios para o cumprimento da meta 6.2 do ODS 6. 1. A denominação “Saneamento” nas civilizações e documentos mundiais Desde o início da civilização as aglomerações fizeram surgir uma problemática com os resíduos e dejetos produzidos pelos seres humanos. As buscas por melhores condições sanitárias começaram a surgir na Idade Antiga, mais especificamente a partir das ideias aristotélicas, já sendo mais detalhada pelo poeta Homero no mito de Asclépio, onde sua filha Higeia, conhecedora dos segredos da conservação da saúde, afirmava: “a saúde era o resultado do seguimento das leis naturais, e a função da medicina era identificar e divulgar quais eram essas leis, responsáveis pela manutenção de um equilíbrio sadio entre mente e corpo, para que as pessoas não as violassem, trazendo-lhes a doença. Higeia tornou-se a representação da defesa à saúde coletiva, tendo, inclusive, uma obra monumental no principal canal de drenagem de águas em Roma. Com o crescimento das civilizações, os avanços tecnológicos e o aumento das aglomerações urbanas, os desafios para implementação aumentam progressivamente. Em 1981, diante da constatação de que na década de 70 os progressos no saneamento foram mais lentos do que o esperado, a ONU inicia uma discussão específica sobre o tema saneamento na Trigésima quarta Assembleia Mundial da Saúde (Hbk Res., Vol. II, 1981). Sequencialmente, em 1992 realizou-se a Conferência Internacional sobre Água e Meio Ambiente, cujo documento “The Dublin Statement on Water and Sustainable Development” trouxe no princípio 4º, “[…] o direito humano ao acesso à água potável e ao saneamento a um preço acessível[...]”, destacando, ainda, que no início dos anos 90, mais de um quarto da população mundial carecia de necessidades humanas básicas, dentre elas os meios higiênicos de saneamento. No mesmo ano, outro importante acontecimento que trouxe a importância do tema para as discussões mundiais foi a Cúpula da Terra (ONU, 1992), que ao adotar a Agenda 21 (ONU, 1992), avança na busca pela universalização do saneamento mundial, pois 178 Estados (governos e sociedade civil) – inclusive o Brasil - se comprometem a apresentar melhorias em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente, dialogando com uma economia mais eficiente e equitativa. Em 2000, os países adotam uma nova agenda de desenvolvimento sustentável (metas do milênio – 8 metas), sendo este um importante acordo global 110 Falta de saneamento que até 2015 pretendia minimizar a pobreza extrema, ofertar educação de qualidade, minimizar as desigualdades de gênero e valorar a mulher, reduzir da mortalidade infantil, melhorar a saúde das gestantes, combater à AIDS, malária e outras doenças, proporcionar qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e fomentar o trabalho conjunto pelo desenvolvimento. Tais ações, em 2015, resultaram na Agenda 2030 (ONU, 2015) que, por intermédio de 17 objetivos e 169 metas, busca “o fortalecimento da paz universal com mais liberdade”, almejando o desenvolvimento global de forma sustentável. Entre os 17 objetivos, neste estudo vamos destacar o objetivo 6 (ONU, 2015), que visa “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”, ou seja, a universalidade do serviço, mais especificamente a meta 6.2, que dispõe “Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade”, a partir do que foi feito no lapso temporal entre 2010 e 2020, nas cidades de Manaus/AM – Região Norte e São Paulo/SP – Região Sudeste, as duas brasileiras. 2. Agenda 2030, alguns resultados dos Objetivos do Milênio o ODS 6 e a meta 6.2 Quando em 2015 os líderes mundiais pactuaram uma agenda para o desenvolvimento sustentável do planeta, o fizeram a partir de problemas recorrentes que impedem o exercício da dignidade humana em grande parte do cenário global. Tais bases devem compor as agendas internas de cada Estado e a partir de análises constantes até o ano de 2030 será mensurado quais foram os esforços dos países para a busca por condições humanas de qualidade, respeitando as limitações de cada Estado envolvido. É conhecido o envolvimento de todos os 17 objetivos e sua transdisciplinaridade, não devendo ser estudados de forma isolada, pois “os 17 ODS devem se traduzir em políticas públicas “interdisciplinares, interdependentes e sistêmicas”, segundo Young (2018, p.17). Todavia, faz-se necessária uma análise de cada ODS de forma específica, a fim de identificar as maiores fragilidades enfrentadas até o momento para que os próximos passos sejam mais eficazes. A partir dessa análise, o presente estudo tratará com mais profundidade o ODS 6, mais especificamente da meta 6.2. Segundo deliberado pelo consenso dos países signatários da Agenda 2030, ficou pactuado que até a referida data todos os esforços estariam voltados para “Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”, visto que o planeta sofre gravemente com a falta de água potável e o acesso da população mundial ao serviço digno de saneamento. 111 Paradiplomacia Ambiental Para que a universalização do serviço de saneamento seja efetivada, será de suma importância o cumprimento da meta 6.2 (ONU, 2015) que diz: “Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade”, já que os primeiros pontos a serem enfrentados são as vulnerabilidades descritas nessa meta. Para tanto cumpre trazer os atuais dados mundiais e do Brasil antes de adentramos aos casos especificamente estudados neste trabalho. Indo ao encontro dessa busca, cumpre esclarecer que “o saneamento seguro tem relação com a segurança das instalações e dos serviços prestados. Por exemplo, a rede de esgoto estar conectada ao serviço de tratamento de esgoto”, como destacam os especialistas da EOS Organização e Sistemas (2017); todavia, os dados mundiais ainda nos mostram a precariedade no serviço ofertado e a lastimável constatação de que muitos ainda não possuem sequer acesso à coleta simples do esgotamento, conforme veremos a seguir. Antes de abordarmos o marco temporal estabelecido na presente pesquisa, cumpre esclarecer os avanços mundiais ocorridos a partir das Metas do Milênio estabelecidas no ano de 2000 com previsão de cumprimento até 2015 e, para isso, vamos analisar os dados trazidos no Progress on sanitation and drinking water – 2015 update and MDG assessment (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015). Segundo o referido documento, houve uma importante redução da precariedade do acesso ao saneamento entre 1990 e 2015; entretanto, ainda se está muito abaixo do esperado para o período: A meta dos ODM exigia reduzir pela metade a proporção da população sem acesso sustentável ao saneamento básico entre 1990 e 2015. Durante o período dos ODM, estima-se que o uso de instalações sanitárias melhoradas subiu de 54% para 68% em todo o mundo. A meta global de ODM de 77% foi perdida em nove pontos percentuais e em quase 700 milhões de pessoas.(MDG, 1990-2015) Segundo o estudo é fato que 2,1 bilhões de pessoas no mundo obtiveram acesso a uma instalação de saneamento melhorado entre 1990 e 2015. Porém, é importante destacar que o crescimento ocorrido foi bem menor nos países subdesenvolvidos: “A Ásia Ocidental e o norte da África forneceram acesso a 50% e 41% da população atual desde 1990. Por outro lado, a África Subsaariana forneceu acesso a menos de 20% da população atual”(COUNTERVIEW - ORG). Verifica-se que os países com menor capacidade econômica possuem maiores desafios na busca pela universalização do saneamento. Outra preocupação e tema constante nas discussões sobre o assunto é o fato 112 Falta de saneamento das áreas rurais serem muito mais prejudicadas pois, num breve comparativo, 82% da população urbana tem acesso ao saneamento, enquanto que para a população rural esse percentual cai para 51%, revelando-se um crescimento muito mais vagaroso, conforme podemos ver no gráfico a seguir: Fig. 1: Progress on sanitation and drinking water – 2015 update and MDG assessment, folha 15 Mais um importante tema que circunda o assunto é a defecação à céu aberto, pois segundo os dados do relatório aqui analisado, podemos ver que houve uma importante melhora após a virada do milênio, mas, ainda assim, o problema está longe de ser resolvido, pois “Entre 2000 e 2015, o número de pessoas praticando defecação a céu aberto caiu de 1.229 milhões para 892 milhões, uma redução média de 22 milhões de pessoas por ano.”(UNICEF). A pior região detectada pelo estudo foi a África Subsaariana. O aumento populacional que fez com que os números saltassem de 204 para 220 milhões de pessoas que defecam à céu aberto, ou seja, 9 a cada 10 pessoas que não possuem acesso aos vasos sanitários estão na África Subsaariana, Oceania e Ásia (com exceção da região 113 Paradiplomacia Ambiental norte do continente asiático). No mundo ainda são mais de 1 bilhão de pessoas que não possui acesso a um banheiro (PROGRESS ON SANITATION AND DRINKING-WATER – OMS). Ainda assim, é possível constatarmos avanços, tendo em vista que na década de 1990 eram 24% da população mundial sem acesso à banheiros e hoje, esse percentual é de 13%, ou seja, ainda que tenha havido uma evolução, essa realidade está muito aquém da ideal. Ainda em termos globais, a Organização Mundial da Saúde – OMS, em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), contabiliza que 4,5 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a saneamento básico seguro, ou seja, 58,44% da população mundial se expõe a riscos todos os dias pela falta de investimento no setor, enquanto 2,3 bilhões não têm acesso a qualquer tipo de serviço de saneamento. Isso tudo resulta na morte de 580 crianças por dia, falecimentos ocasionados por doenças como vermes intestinais, tracoma e esquistossomose, além da propagação da cólera, disenteria, hepatite A e febre tifoide. Esses dados mostram que as patologias ocasionadas pela falta de saneamento matam mais a cada ano do que a AIDS, malária e o sarampo juntos. Se formos analisar os dados dos óbitos de recém nascidos ocorridos no primeiro mês de vida, os dados nos assustam ainda mais, pois “270 mil crianças morrem durante o primeiro mês de vida por conta de condições como a prematuridade, que poderia ser prevenida por meio do acesso à água tratada, ao saneamento e a unidades de saúde”(OMS). Em um âmbito mais regional, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS e a Organização Mundial da Saúde – OMS (2017), “quase 16 milhões de pessoas ainda defecam ao ar livre na América Latina e no Caribe”. De acordo com os dados mais recentes (2017), “74,3% da população da América Latina e 31,3% da do Caribe têm acesso a serviços de água e saneamento manejados de forma segura. Isto significa que 82,7 milhões de pessoas não têm acesso ao saneamento básico na região e destes, 15,5 milhões (18,8%) continuam defecando ao ar livre.”. O especialista Marcos Espinal, diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis e Determinantes Ambientais de Saúde da OPAS, destaca: “Defecar ao ar livre é uma prática nociva para a saúde”. Sendo assim, podemos constatar que os dados provam que existe uma negligência mundial na abordagem do saneamento, pois com tantas tecnologias à disposição do homem, inúmeros são os desafios para tratar seus próprios dejetos, sem contabilizar a falta de dignidade de milhões de pessoas que possuem constantes problemas de saúde e debilidade educacional por consequência do relapso narrado, além de não haver, sequer, inteligência no trato da questão, pois os gastos desta conta são altos se comparado aos investimentos no setor. Enquanto houver uma quantidade maior de pessoas no planeta com acesso ao celular – 5 bilhões – do que pessoas que possuem acesso a banheiros, muito precisará ser feito, até porque quem mais sofre neste cenário são as mulheres 114 Falta de saneamento (SILVA, Bárbarah Brenda, p.), pois: Nos locais onde não há saneamento básico, mulheres são mais diagnosticadas com problemas de coluna, por ser papel delas a busca de água em locais distantes; são mais diagnosticadas com infecções urinárias, por terem maior dificuldade de se higienizar e/ou serem forçadas a conter urina; entre outros problemas. O fato da maior parte dos banheiros serem projetados por homens também faz com que várias necessidades femininas sejam desconsideradas. Os banheiros químicos, por exemplo, não atendem todas as necessidades femininas e são fonte de várias reclamações pelas usuárias. Além de todos esses fatores é fato que as mulheres que deixam de frequentar escolas ou de ir aos seus trabalhos quando os filhos e maridos estão doentes, tornando-se a parcela que mais perde pela falta de acesso ao direito humano que está disposto no ODS 6. 3. Saneamento no Brasil No Brasil, a norma infraconstitucional que regulamenta o Saneamento Básico é a Lei nº 11.445/2007, também conhecida como Política Nacional do Saneamento Básico, e reformulada pela Lei nº 14.026/2020, cujos princípios fundamentais são: i. universalização do acesso e efetiva prestação do serviço; ii. integralidade, compreendida como o conjunto de atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento que propicie à população o acesso a eles em conformidade com suas necessidades e maximize a eficácia das ações e dos resultados; iii. abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de forma adequada à saúde pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente; iv. disponibilidade, nas áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo das águas pluviais, tratamento, limpeza e fiscalização preventiva das redes, adequados à saúde pública, à proteção do meio ambiente e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; v. adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; vi. articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde, de recursos hídricos e outras de interesse social relevante, destinadas à melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; vii. eficiência e sustentabilidade econômica; viii. estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento e à utilização de tecnologias apropriadas, consideradas a capacidade de pagamento dos usuários, a adoção de soluções graduais e progressivas e a melhoria da qualidade com ganhos de eficiência e redução dos custos para os 115 Paradiplomacia Ambiental usuários; ix. transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; x. controle social; xi. segurança, qualidade, regularidade e continuidade; vii. integração das infraestruturas e dos serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos; xiii. redução e controle das perdas de água, inclusive na distribuição de água tratada, estímulo à racionalização de seu consumo pelos usuários e fomento à eficiência energética, ao reúso de efluentes sanitários e ao aproveitamento de águas de chuva; xiv. prestação regionalizada dos serviços, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da universalização e da viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços; xv. seleção competitiva do prestador dos serviços; e xvi prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Podemos observar que a referida política, além de interligar mecanismos para o saneamento, incluiu limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e gestão eficiente dos recursos hídricos, os quais devem dialogar com as demais políticas – resíduos sólidos (Lei 12.305/2010) e recursos hídricos (Lei 9.433/1997). Segundo o Instituto Trata Brasil, o Saneamento Básico tem seu status elevado a Direito Fundamental quando as pesquisas no setor demonstram que sua falta resultará na afetação direta da qualidade de vida dos seres humanos, conforme podemos observar (TRATA BRASIL, 2020): Em 2013, segundo o Ministério da Saúde (DataSus), foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrintestinais em todo o país. Cerca de 173 mil foram classificados pelos médicos como “diarreia e gastrenterite de origem infecciosa presumível”. 170,7 mil internações envolveram crianças e jovens até 14 anos. O estudo mostra que se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgoto, esse número cairia para algo em torno de 266 mil representando uma redução, em termos absolutos, de 74,6 mil internações. 56% dessa redução ocorreria no Nordeste. Em 2013, o custo de uma internação por infecção gastrintestinal no Sistema Único de Saúde (SUS) foi de cerca de R$ 355,71 por paciente na média nacional. Isso acarretou despesas públicas de R$ 121 milhões no ano. A universalização traria uma economia anual de R$ 27,3 milhões, distribuídos 52,3% no Nordeste e 27,2% no Norte; o restante da redução ocorreria no Sudeste, Sul e Centro-Oeste do país. Em 2013, 2.135 morreram no hospital por causa das infec116 Falta de saneamento ções gastrintestinais. Estima-se que esse valor poderia cair a 1.806 casos, numa redução de 329 mortes (15,5%) se houvesse acesso universal ao saneamento. Se fizermos um comparativo na saúde, no lapso temporal de 2004 a 2016 podemos observar que os poucos investimentos no setor já apresentaram uma economia para o SUS, pois em 2004, os gastos com internações por infecções gastrointestinais eram de R$ 201,7 milhões, passando para R$ 101,5 milhões em 2016, ou seja, uma economia de aproximadamente 100 milhões. Importante ressaltar que, além da proteção à saúde e à vida, a universalização do saneamento é de suma importância para a proteção do meio ambiente, preservando, assim, além da vida humana, a vida animal e vegetal. Neste sentido, alguns estudos (ÉTICA AMBIENTAL, 2020) já afirmam que: O lançamento de detritos em rios compromete todo o ecossistema aquático. Essa ação faz com que, no processo de decomposição, o esgoto consuma a maior parte do oxigênio da água. O que dificulta a sobrevivência de peixes e de outros seres vivos. Além disso, o quadro se agrava quando o fosfato e o nitrogênio dos materiais orgânicos fazem com que as algas se multipliquem. Além da subsistência é importante destacar que a qualidade de vida também é diretamente afetada quando uma população deixa de ter acesso ao saneamento básico, impactando em diversos setores econômicos, tais como: turismo, produtividade, valorização imobiliária, arrecadação tributária, dentre outros, conforme podemos observar a partir do estudo “benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro” do Instituto Trata Brasil (2018), respectivamente: (turismo) [...] estimam-se ganhos de rendado turismo no Brasil devidos à dinâmica do saneamento no período de R$ 633 milhões por ano. No acumulado do período de 2004 a 2016, o valor presente dos ganhos no turismo atingiu R$ 8,232bilhões no país. [...] (aumento da produtividade) [...] O valor presente do aumento de renda do trabalho com a expansão do saneamento entre 2004 e 2016 foi de R$ 33,551 bilhões, que resultou num ganho anual de R$ 2,581 bilhões. 117 Paradiplomacia Ambiental [...] (valorização imobiliária) [...] Em termos de renda imobiliária, estima-se que o ganho para os proprietários de imóveis que alugam ou que vivem em moradia própria tenha sido de R$4,494 bilhões por ano no país, o que totalizou um ganho a valor presente de R$ 58,421 bilhões entre 2004 e 2016. [...] (arrecadação tributária) [...] estima-se que a arrecadação de impostos sobre consumo e produção alcançou R$ 25,160 bilhões no período de 2004 a 2016. Além das melhoras evidenciadas, o estudo ainda traz importantes dados quanto às expectativas futuras, demonstrando que entre 2016 e 2036 “[...] espera-se que os benefícios com a universalização do saneamento alcancem R$1,521 trilhão em todo o país [...]”, estando esses valores divididos em: redução com os custos na saúde estimado em R$ 5,949 bilhões (R$ 297 milhões/ano); aumento da produtividade gerando $190,374 bilhões (R$ 9,519 bilhões/ano); valorização imobiliária R$ 447,457 bilhões (R$22,373 bilhões/ano); expansão do turismo R$ 42,860 bilhões (R$ 2,143 bilhões/ano); arrecadação de impostos R$ 42,825 bilhões (R$ 2,141 bilhões/ano), daí a economicidade a partir dos investimentos no tratamento do esgotamento sanitário. Apesar de o Brasil não se encontrar nos piores lugares do ranking da falta de saneamento, como 9ª. economia do mundo ainda está bem longe de ocupar os primeiros postos da lista, pois trata apenas 46% do seu esgoto – tratamento este que é bem diversificado e em sua maioria não é classificado como o mais seguro para a saúde humana e o meio ambiente; apenas 53% da população brasileira tem acesso à coleta de esgoto, ou seja, quase 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço, sendo que destes, 13 milhões são crianças e adolescentes e quando tratamos da falta de sanitários nas casas dessas crianças, estamos falando de cerca de 3,1% . Outro fator preponderante que dificulta a universalização do saneamento é a concentração de renda na população mais rica. Conforme demonstrado no tópico anterior, os países que apresentaram maior evolução no saneamento, em um comparativo 1990/2000, foram os Estados com maior poder econômico e menor desigualdade também econômica. 118 Falta de saneamento Neste sentido, fazendo uma análise do Brasil – desigualdade e saneamento – vemos que o nosso país é o segundo com o maior índice de desigualdade do mundo e, apesar de estarmos entre as 10 maiores economias do planeta (FUNAG) “A parcela dos 10% mais ricos do país concentram cerca de 41,9% da renda total entre os brasileiros.”(PNUD, 2019). Por consequência, sofremos um impacto negativo na universalização dos tratamentos sanitários, pois o Brasil ocupa no ranking mundial do saneamento a posição lamentável de 103º dos 194 países estudados pela Unicef. Além de ainda estarmos longe do ideal, alguns dados devem ser motivo de preocupação, pois os investimentos do país em saneamento vêm caindo muito desde 2010, segundo noticiado pelo Instituto Trata Brasil (2019), o: [...] investimento caiu consideravelmente, passando de R$ 13 bilhões para R$ 10,96 bilhões em 2017, sendo que o custo para universalizar o acesso aos 4 serviços do saneamento (água, esgotos, resíduos e drenagem) foi estimado em R$ 508 bilhões, no período de 2014 a 2033, pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), exigindo, portanto, uma média de aproximadamente R$ 18 bi anuais.” Adentrando nas regiões brasileiras, teremos números que impressionam, pois a região norte do país é a que se encontra em pior situação, com apenas 21,70% de tratamento, enquanto a região centro-oeste (a melhor neste comparativo) chega a tímidos 53,88%. A região sudeste, apesar de não estar na região que mais trata seus esgotos, possui o maior número de cidades que estão entre as 100 melhores cidades no ranking do saneamento de 2020 efetivado pelo Instituto Trata Brasil (2020). Por esse motivo houve a escolha do Município de São Paulo e Manaus para um breve comparativo. 3.1 São Paulo O estado de São Paulo é o mais rico da federação brasileira, possuidor do maior PIB do Brasil (R$ 2,38 trilhões) (AGÊNCIA BRASIL,2019) e o segundo melhor IDH do país (0,837). É o único IDHM Educação considerado “muito alto”, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2019). Conforme a projeção do IBGE (2020), possui uma população de 46.236.309 dividida em 645 municípios, dos quais 14 deles constam nas 25 primeiras posições no ranking brasileiro do saneamento (SNIS, 2018), se expandirmos a análise para os 100 primeiros municípios no referido ranking constatamos que 27 municípios pertencem ao estado de São Paulo. Na capital deste importante estado existe uma população de 12,18 milhões de pessoas, ou seja, 26% da população do estado, a maior do país e uma das maiores do mundo, por todos os desafios já pontuados e pela grande 119 Paradiplomacia Ambiental densidade demográfica do referido estado e de sua capital a universalização do saneamento torna-se um grande desafio. Segundo o Ranking do Saneamento (TRATA BRASIL,2020) “[..] São Paulo - SP foi o município que realizou maior número de novas ligações de esgoto (74.983) [...]”, apesar de o município ter sido o que mais investiu em saneamento (R$ 10,938,7 milhões), sendo o segundo município que mais investiu por habitante (R$ 173,30). Todavia, sua posição no ranking brasileiro sofreu algumas oscilações estando nas posições 20º, 23º, 16º e 19º, em 2017, 2018, 2019 e 2020, respectivamente. Apesar de ter havido uma importante melhora na coleta dos dados sobre o esgotamento sanitário, ainda podemos observar que algumas divergências existem, conforme relatório da Organização SuSanA (TALAMINI, G., BURCHARD, A., 2018), onde consta que apenas 84% da população da cidade de São Paulo está conectada às redes coletoras disponíveis, enquanto que no relatório do SNIS do mesmo ano consta que 97% da população paulista tem atendimento ao serviço de esgoto, sendo que 2% da população possuem redes coletoras disponíveis, mas não estão conectadas à rede central, constatando divergência do disponibilizado nos dados oficiais. Segundo o estudo, 15% da população paulista não possui rede coletora de esgotamento disponível em suas ruas, o que representa quase 2 milhões de habitantes despejando de forma irregular os seus dejetos, ou seja, em córregos, valas, fossas rudimentares dentre outras, comprometendo, por consequência, os recursos hídricos superficiais em termos de qualidade, assim como a bacia hidrográfica, pelo baixo índice de disponibilidade em face da sua grande densidade populacional. O estudo constatou, ainda, que: Os recursos hídricos subterrâneos disponíveis na área não são utilizados como fonte para o abastecimento via rede de distribuição, porém, apesar da baixa disponibilidade das formações São Paulo e Resende, presentes no município, o uso de poços é intenso e ocorre de forma irregular. Ambos aquíferos são considerados de baixa vulnerabilidade quanto à contaminação por despejos domésticos devido as suas características hidro geológicas, porém sofrem com contaminações oriundas de atividades industriais poluidoras. Outra questão importantíssima tratada pelo estudo é quanto as soluções alternativas através do uso individual de fossas sépticas, que não são contabilizadas pelo governo brasileiro por não estarem no planejamento público para universalização do saneamento, fazendo com que as existentes não sejam monitoradas, podem se tornar um poluente perigoso, pois o lodo oriundo das fossas precisam 120 Falta de saneamento ser devidamente descartados. Segundo as exigências da Lei nº 11.445/2007, uma ferramenta fundamental para universalização do saneamento é o plano de saneamento básico, que deve ser elaborado pelos municípios, detentores da titularidade do serviço. Na cidade de São Paulo, a Lei nº 14.934 de 18 de Junho de 2009 (MUNICÍPIO DE SÃO PAULO), regulamenta a autorização do poder executivo municipal a celebrar contratos, convênios e outras modalidades administrativas com o Estado de São Paulo, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – ARSESP, assim como com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP (Sociedade de Economia Mista responsável pelo Saneamento do Município), para melhoria e expansão do saneamento na cidade, “com a finalidade de regulamentar o oferecimento compartilhado do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário, no âmbito do Município de São Paulo”(PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO – SP, 2010), além de criar o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura. A referida lei toma uma importante iniciativa de governança, tendo em vista que propõe, através de instrumentos administrativos, a cooperação entre o Estado de São Paulo, a Região Metropolitana e o Município de forma conjunta e participativa, além de criar um importante Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura, o qual atua junto da Secretaria de Habitação, para que possa dialogar com a população mais vulnerável dos assentamentos precários e parcelamentos do solo irregulares, tendo em vista que nesses locais encontra-se a maior quantidade de pessoas de baixa renda. Em 2019 realizou-se o primeiro ciclo de Revisão do Plano Municipal do Saneamento (2019), demonstrando alguns importantes diagnósticos no setor, tais como a geração de 1,5 milhões de m³ por dia de esgoto, incluindo as conexões clandestinas. “Dessa geração, é estimado pela Sabesp que 86% é coletada, e 70% do total gerado é tratado [...]”.O documento ainda enfatiza que: “No Município de São Paulo, os imóveis são obrigados a se conectar à rede pública de esgotos, a menos que haja algum impedimento técnico para isso - conforme dita a Lei Municipal nº 13.369, de 03/06/2002”. Importante ressaltar que a área rural do município (zona sul) somente foi inclusa no plano a partir de 2016 e conta com um sistema descentralizado de esgotos. Apesar de o sistema de drenagem ser segregado das águas pluviais, ainda existem muitos casos de descarte sem qualquer tratamento. Importante lembrar que as exigências dos lançamentos estão regulamentadas pelas normas: Federal - Resolução CONAMA 357/2005 e 430/2011; e Estadual pelo Decreto 8.468/1976 (Artigos 18 e 19A), as quais trazem definições de concentrações máximas para classes de corpos hídricos, fazendo com que o tratamento ocorra 121 Paradiplomacia Ambiental em duas etapas – secundário e primário. Ainda segundo o documento, São Paulo possui lançamento e reuso dos efluentes tratados, assim como reuso de água nos sistemas que operam no Município. Está previsto que a partir deste ano (2020) haja implementação de módulos de tratamento terciário para tratar todos os esgotos e afluentes, passando ao atendimento do estágio tecnológico. Os maiores desafios para universalização no município de São Paulo são: i. conectividade das redes, diante do seu alto custo, ocorrendo, muitas vezes, o efeito catapora, onde redes isoladas são construídas e não conseguem se ligar nas redes coletoras; ii. lançamentos de esgoto na drenagem e poluição de córregos, por consequência do índice de tratamento ser mais baixo do que o índice de coleta do esgotamento; iii. cobertura e atendimento em áreas urbanas precárias e zona rural; geração de resíduos sólidos – lodos e sólidos – advindos das ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto), pois atualmente, eles são destinados aos aterros sanitários; iv. redução do consumo de energia elétrica usadas pelas ETEs, visto que de todas as unidades no município (4 existentes), apenas 1 (Barueri) possui o sistema de uso do biogás gerado na digestão anaeróbica do lodo para geração de energia. Diante desses dados e dos desafios apresentados, podemos observar que existe uma caminhada onde não conseguimos enxergar a universalização saudável do saneamento na cidade de São Paulo, pois já ficou constatado no Word Resources Report: Untreated and Unsafe:Solving the Urban Sanitation Crisis in the Global South (2019) que no município “em média, 62% do esgoto e lodo fecal são gerenciados de maneira insegura. As 15 cidades analisadas incluem [...] São Paulo, Brasil”(WORD RESOURCES REPORT, 2019). Ou seja, mesmo que estejamos ampliando o caminho do esgotamento até a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), muito ainda precisa ser feito para que haja um tratamento seguro, universal e que garanta a qualidade de vida das pessoas, evitando os gastos com a saúde daqueles prejudicados e todas as demais consequências indiretas (educação, qualidade de vida no trabalho, economia, turismo, dentre outros) que a falta de saneamento tem causado nas populações que ainda não conseguiram acessar o serviço digno. 3.2 Manaus/AM O estado do Amazonas é o estado da federação brasileira com maior extensão territorial (1.559.146,889 km²), possuidor do segundo maior PIB da região norte do país, ficando na 18ª posição, se comparado com os demais estados brasileiros. Seu IDH é considerado médio (0,674), segundo o PNUD. Conforme a projeção do IBGE de 2020, é possuidor de uma população de 4.200.013 dividida em 62 municípios, dos quais 40 deles possuem um IDH baixo. No ranking 122 Falta de saneamento brasileiro do saneamento 2020, apenas sua capital (Manaus) aparece catalogada e está classificada como a 5ª pior cidade no quesito. Na capital do estado existe uma população de 2.182.763 milhões de pessoas, ou seja, 51% da população mora no município de Manaus. Apesar de sua densidade populacional ser 10 vezes menor que a média nacional, essa é a cidade do país que mais enfrentará desafios para atingir a universalização do saneamento, em razão dos reduzidíssimos investimentos nos últimos anos, a exemplo do seu destaque negativo na média anual por habitante, ficando dentre os patamares mais baixos do país, ou seja, abaixo de R$ 67,91 (média das capitais). O crescimento da capital do estado ocorreu em 1957, através da Lei nº 3.173, quando da instituição da Zona Franca de Manaus - modelo de desenvolvimento econômico - que partiu do governo brasileiro para viabilizar uma base econômica na Amazônia Ocidental; todavia, a falta de planejamento resultou em uma concentração demasiada da população na área urbana - 99,5% (IBGE, 2020), demonstrando, desta forma, a falta de implementação de boas políticas públicas que pudessem gerar uma melhor qualidade de vida para as pessoas do município. Dos 62 municípios do estado do Amazonas, apenas 15 possuem Política Municipal de Saneamento Básico, segundo o IBGE (2017). Destas, 10 foram criadas por lei, 3 por decreto e 12 municípios declararam que estão elaborando seus planos municipais. Quanto aos planos municipais de saneamento, 18 dos 62 municípios possuem o documento. O quadro piora quando o assunto é licença ambiental, pois apenas dois municípios as possuem para o esgotamento sanitário, além de ter sido um dos estados brasileiros que durante três anos menos investiu em saneamento, totalizando (junto com os outros estados - Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia) 1,7%. Segundo o Ranking do Saneamento 2020, Manaus está entre as 12 capitais que mais perdem água produzida, além desse número impactar em 72,28% da perda de seu faturamento, e 74,95% da perda de sua distribuição. Um fator agravante desta falta de saneamento é o impacto ambiental negativo que isso causa ao estado, que se insere na região hidrográfica amazônica, a qual ocupa 45% do seu território. Quanto às águas superficiais, a região concentra 81% do total de todo o país, sendo isso outro vetor importantíssimo para ações de preservação mais enfáticas. Segundo o estudo feito pela organização SuSanA (2018): Os principais desafios de Manaus em relação aos serviços de saneamento são as ocupações irregulares intensificadas pelo elevado índice de crescimento populacional combinado a elevada taxa de urbanização e a baixa adesão da população às redes coletoras do sistema público que levam ao 123 Paradiplomacia Ambiental baixíssimo nível de atendimento. A questão da presença dos igarapés na cidade também caracteriza um desafio técnico e de planejamento para construção da infraestrutura da rede coletora e das estações de tratamento. O estudo ainda pontua que: “A cidade de Manaus possui muitas áreas de ocupações irregulares que se concentram, principalmente nas margens dos igarapés na área central do município e sobre a vegetação nativa nas áreas”, demonstrando a grande precariedade do local: Figura 2: SuSaNa - Exemplos de ocupação irregular em Manaus (Folha de São Paulo, 02/03/2018; Google Maps, 01/09/2018; ACritica, 28/03/2018) Importante salientar que “A conexão na rede coletora de esgoto é obrigatória, porém, sabe-se que não há fiscalização eficiente para garantir que a população realize a conexão”, ou seja, a tarifa é cobrada da população, mas não há comprovação de efetiva prestação dos serviços. Diferentemente de São Paulo, a cidade de Manaus possui um serviço de limpeza das fossas sépticas, o que acaba sendo um auxílio importante diante do descaso com o sistema macro da coleta (sistema centralizado) de esgotamento. O município possui muitas fossas rudimentares, as quais destinam o esgoto vindo de vasos sanitários, chuveiros, pias, dentre outros, diretamente no solo, além de valas que levam o esgotamento in natura aos recursos hídricos, ocorrendo também o descarte direto no rio e até mesmo a defecação a céu aberto. Outro vetor que prejudica a população e compromete a disponibilidade de águas subterrâneas é o uso excessivo e sem controle dos poços pois, conforme constado pelo estudo: O uso indiscriminado de poços e a ausência de regulamentação efetiva leva a má qualidade construtiva e a falta de serviços de esgotamento sanitário fazem com que a disponibilidade desta fonte subterrânea fique cada vez mais comprometida, tanto em termos quantitativos como qualitativos. De forma conclusiva, considerando que 12% da população utiliza poços para consumo, a análise dos riscos de contaminação das águas subterrâneas em Manaus é considerado alto. 124 Falta de saneamento O alto risco de contaminação identificado pelo estudo eleva muito os agravos à saúde da população, visto que 54% da população “não possui sistemas seguros e adequados para destinar seu esgoto”, além da excessiva falta de informação quanto aos serviços de esvaziamento e destinação final do lodo das fossas que faz com que o mapeamento de soluções mais eficazes seja dificultado. Pontua, por fim, o referido estudo que: Para avançar na busca da solução, parece necessário a cooperação e integração entre as instituições responsáveis pelo ordenamento urbano; pela construção e implementação de políticas públicas adequadas para este município, fortemente amparada em ações de monitoramento e fiscalização; pela empresa que planeja, constrói e opera os sistemas de coleta e tratamento; e, por fim, pela própria população que deve reconhecer a importância de buscar soluções. Conclui-se que a falta de consciência na cidade de Manaus parte de todos os atores: estado, município, população e empresariado, dificulta a abertura de diálogos sobre a preservação das riquezas naturais abrigadas na cidade e a qualidade de vida dos administrados. Quanto ao Plano Municipal do Saneamento Básico de Manaus (2014), consta do projeto preliminar que a melhora estava prevista para ocorrer em ciclos de curto (2014/2016), médio (2017/2021) e longo (2022 e 2045) prazo, levando em conta o exponencial crescimento populacional, assim como a adoção de medidas de gestão através de concessões e participação da iniciativa privada. No que tange à saúde, podemos observar o resultado negativo que a falta de saneamento causa na população, pois “nos últimos 12 meses, vinte e cinco municípios declararam ter havido ocorrências de uma ou mais. Diarreia e verminoses foram as ocorrências com maior frequência, tendo sido detectadas em 17 municípios.” (IBGE, 2017), segundo dados da prefeitura de Manaus/ AM – 2017. Para universalização do saneamento no município de Manaus serão precisos novos planejamentos, maiores investimentos e aplicação de políticas públicas para conscientizar a população, além de investimentos em modernas tecnologias para que o setor possa demonstrar um crescimento mínimo e propiciar a melhora na qualidade de vida manauenses, assim como um maior diálogo através de eventuais convênios ou consórcios públicos políticas de governança e desenvolvimento sustentável, pois os números indicam que no estado é possível implementar macro e micro sistemas para o correto tratamento sanitário, assim como o ideal maneja de resíduos sólidos. 125 Paradiplomacia Ambiental CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo buscou criar um breve panorama global e brasileiro do saneamento básico e a organização de dados sobre o assunto para que fosse possível analisar as fragilidades existentes que impedem a implementação da universalização do saneamento básico no país a partir do comparativo de dois municípios brasileiros (São Paulo/SP e Manaus/AM) e suas reais chances de efetivarem a meta 6.2 do objetivo 6 da Agenda 2030. Há que se considerar que os avanços mundiais e brasileiros no setor ainda são muito tímidos, necessitando de maior empenho das autoridades gestoras e da população, pois muitos dados sobre o assunto ainda se mostram nebulosos e, algumas vezes, dúbios, dificultando dimensionar o caminho a ser trilhado e o real desafio a ser enfrentado, é como escrito por Veronica Shoffstall em “O Menestral”: “[...] não importa onde já chegou, mas para onde está indo… mas, se você não sabe para onde está indo, qualquer caminho serve.”. Sendo assim, o primeiro e mais importante passo a ser efetivado é o monitoramento sério, por parte do Estado brasileiro, dos problemas decorrentes da falta de saneamento, visualizando, com isso, o quanto o estado gasta e a sociedade perde com a demora da universalização do saneamento, principalmente no setor da saúde e seus gastos evitáveis, objetivando, a partir desses elementos, o despertar da preocupação dos gestores de todas as esferas da federação para que busquem soluções diversas e conjuntas, melhorando a elaboração dos planos e políticas de saneamento, tornando-os factíveis. O segundo passo, e não menos importante, é a fiscalização séria no setor, pois a descentralização e falta de monitoramento com parâmetros pré-estabelecidos faz com que muitos dos erros cometidos pelas gestões despreparadas não sejam contabilizados e enfrentados com seriedade. Importante esclarecer que a fiscalização eficaz pressupõe profissionais técnicos que conhecem do setor e podem dimensionar bem os mapeamentos de controle, além de evitar desperdícios imensuráveis, os quais apresentam altíssimos índices quanto à água e o saneamento. A título de exemplo, podemos trazer os dados de 2016, que mostraram que as perdas financeiras nas distribuições da água potável representaram R$ 10,5 bilhões, enquanto que todo o setor de saneamento investiu R$ 11,5 bilhões no mesmo ano, segundo o Instituto Trata Brasil (2018), ou seja, só o que foi desperdiçado em água, se fosse economizado, pagaria 90% do investimento no saneamento básico e poderiam ser duplicados, assim como os seus resultados. Por fim, fica claro que a população mais vulnerável é a que possui menor poder econômico. Dentre esses mais prejudicados, abaixo da linha da dignidade, está a população feminina. Tais fatos impactam negativamente na saúde, em primeiro lugar e, logo após, na educação, além do setor econômico e outros 126 Falta de saneamento mais. Ressalte-se que, além dos elementos já trazidos, um importante vetor é a qualidade do tratamento já efetivados, pois será necessária uma importante melhora para alcançarmos o ideal nos padrões internacionais, vez que ainda há uma má qualidade no descarte do esgoto tratado ao meio ambiente. REFERÊNCIAS [1] <https://www.who.int/neglected_diseases/mediacentre/WHA_34.25_ Eng.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2020. [2] <https://www.un.org/en/sections/issues-depth/water/>. Acesso em: 02 mar. 2020. [3] O Instituto Trata Brasil é uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. [4] SuSanA is an informal network of people and organisations who share a common vision on sustainable sanitation and who want to contribute to achieving the Sustainable Development Goals, in particular SDG6. [5] 6.2 Até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, e acabar com a defecação a céu aberto, com especial atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de vulnerabilidade. [6] <https://www.who.int/neglected_diseases/mediacentre/WHA_34.25_ Eng.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2020. [7] Water has an economic value in all its competing uses and should be recognized as an economic good. Within this principle, it is vital to recognize first the basic right of all human beings to have access to clean water and sanitation at an affordable price. Past failure to recognize the economic value of water has led to wasteful and environmentally damaging uses of the resource. Managing water as an economic good is an important way of achieving efficient and equitable use, and of encouraging conservation and protection of water resources. [8] <https://www.un.org/geninfo/bp/enviro.html>. Acesso em: 15 fev. 2020. [9] <https://www.un.org/esa/dsd/agenda21/>. Acesso em: 15 fev. 2020. [10] <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>l Acesso em: 15 mar. 2020. [11] <https://nacoesunidas.org/tema/ods6/>. Acesso em: 15 mar. 2020. [12] YOUNG, R.. Do macro ao micro. Página, v.22, n.108, p.17, 2018. 127 Paradiplomacia Ambiental [13]<https://www.eosconsultores.com.br/saneamento-basico-no-mundo/>. Acesso em: 03 fev. 2020. EOS é uma empresa especializada em desenvolvimento de software de gestão que atua nos segmentos de Saneamento Básico e Meio Ambiente. [14] 1.Water supply - standards. 2.Sanitation - trends. 3.Drinking water supply and distribution. 4.Program evaluation. I.World Health Organization. II.UNICEF. <https://files.unicef.org/publications/files/Progress_ on_Sanitation_and_Drinking_Water_2015_Update_.pdf>. Acesso em 01 mar. 2020. [15] Progress on Sanitation and Drinking-Water”, 2015 – (OMS)/ UNICEF. [16] Organização Mundial de Saúde 2015 (OMS) / Unicef. [17]<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6063:quase-16-milhoes-de-pessoas-ainda-defecamao-ar-livre-na-america-latina-e-no-caribe&Itemid=839>. Acesso em: 03 fev. 2020. [18] SILVA, B. B.. S586r. As relações de gênero e o saneamento [manuscrito]: um estudo de caso envolvendo três comunidades rurais brasileiras / Bárbarah Brenda Silva. –2017. [19] Empresa Ética Ambiental <https://etica-ambiental.com.br/empresa-de-consultoria-ambiental/>. Acesso em 02 mar. 2020. [20] <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/pesquisa7/ pesquisa7.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2020. [21] <http://www.funag.gov.br/ipri/images/analise-pesquisa/tabelas/top15pib.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2020. [22] Pnud, noticiado pela Rede Brasil: <https://www.redebrasilatual.com. br/cidadania/2019/12/brasil-idh-2018/>. Acesso em: 03 mar. 2020. [23] <http://www.tratabrasil.org.br/blog/2019/07/16/investimentos-necessarios-para-universalizacao-do-saneamento/>. Acesso em: 10 fev. .2020. [24] <http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/ranking_2020/ Relatorio__Ranking_2020_18.pdf >. Acesso em: 02 abr. 2020. [25] 2019 <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/ pib-do-estado-de-sao-paulo-cresceu-25-em-2019>. Acesso em: 03 fev. 2020. [26]<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/data/rawData/Radar%20 IDHM%20PNADC_2019_Book.pdf> Acesso em 25.01.20207y=[´->. [27] Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística População de São Paulo. [28] RANKING DO SANEAMENTO INSTITUTO TRATA BRASIL 2020 (SNIS 2018). 128 Falta de saneamento [29] <http://www.tratabrasil.org.br/estudos/estudos-itb/itb/ranking-do-saneamento-2020>. Acesso em 02 abr. 2020. [30] TALAMINI, G.; BURCHARD, A. (2018). SFD Report - São Paulo, Brasil (Portuguese and English) - SFD Promotion Initiative. GFA Consulting Group GmbH, Hamburg, Germany. [31]<http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-14934-de-18-de-junhode-2009/consolidado>. Acesso em: 03 abr. 2020. [32] < https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/habitacao/arquivos/PMSB_Volume_I.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2020. [33]<https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2020. [34] <https://wriorg.s3.amazonaws.com/s3fs-public/untreated-and-unsafe. pdf >. Acesso em 02 abr. 2020. [35] 2017 [ 3 6 ] < h t t p s : / / w w w. s u s a n a . o r g / _ r e s o u r c e s / d o c u m e n t s / d e fault/3-3469-7-1541608080.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2020. [37]<https://amazonasatual.com.br/no-amazonas-70-dos-municipios-nao-tem-politica-de-saneamento/>. Acesso em: 03 abr. 2020. [38]<http://www.tratabrasil.org.br/images/estudos/itb/perdas-2018/ press-release.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2020. 129 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA: O PAPEL DA IMPLEMENTAÇÃO DAS METAS DO ODS 7. ANEEL NA Maria Aparecida dos Santos Accioly1 Antonio Carlos dos Santos Baltazar2 ODS 7 - Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos. Meta 7.3 - Até 2030, dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética. INTRODUÇÃO A Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, autarquia de regulação e fiscalização dos serviços de energia elétrica sob concessão federal, define os fundamentos legais, os objetivos e as diversas etapas do Programa de Eficiência Energética – PEE, cujas instruções devem ser seguidas pelas distribuidoras de energia elétrica. De acordo com o estabelecido na legislação específica, em particular a Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, as empresas concessionárias ou permissionárias de distribuição de energia elétrica devem aplicar um percentual mínimo da receita operacional líquida – ROL – em Programas de Eficiência Energética. (ANEEL, 2018) O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 7 – ODS 7 – “Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”, enuncia a meta 7.3: “Até 2030, dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética”. O Plano Nacional de Energia 2030 – PNE 2030 aponta que o indicador de eficiência energética proposto pela ONU é inviável. Em função da preparação do PNE 2050 estar em andamento, optou-se pela redação da meta: “Até 2030, aumentar a taxa de melhoria da eficiência energética da economia brasileira”. (IPEA, 2019) O objetivo do capítulo é destacar uma política pública, que apesar de não fazer referência aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, se enquadra-se como uma atuação dos governos subnacionais, demonstrando que há bons Engenheira Eletricista. Doutora. em Sistemas de Energia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP). Professora na Universidade Católica de Santos. 2 Engenheiro Eletricista e Professor de Matemática. Mestre em Planejamento Energético pelo Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP). Professor na Universidade Católica de Santos. 1 130 Eficiência energética exemplos a serem seguidos a fim de atingir os objetivos estabelecidos. O presente capítulo aborda conceitos relacionados à energia, eficiência energética e conservação de energia. Em seguida analisa o quadro geral da eficiência energética no Brasil e no mundo, com foco na energia elétrica. Aborda também o papel do poder público no desenvolvimento do potencial para implementação de ações de eficiência energética no Brasil. A CPFL Piratininga, em 2018, em conjunto com a Prefeitura da cidade de Santos, substituiu através do Programa de Eficiência Energética, a tecnologia das lâmpadas das escolas públicas do município, por tecnologia de iluminação LED. O artigo se propõe a analisar, a partir do investimento executado, o número de lâmpadas substituídas, suas características, consumo anterior e posterior e consequente economia de energia elétrica com a substituição da tecnologia de iluminação e como foi executado o descarte das lâmpadas. Nesse contexto os aspectos analisados serão cotejados com dados dos indicadores de eficiência energética nacionais, a fim de estabelecer uma relação de causa e efeito da importância do Programa de Eficiência Energética administrado pela Aneel fazendo alusão aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. 1. Energia e Eficiência Energética Energia é um conceito que apresenta múltiplos aspectos: física – lei da conservação da energia; técnica e econômica – caráter prático ligado à produção e ao consumo; senso comum – a energia é frequentemente confundida com força e potência e raramente é associada ao calor, por exemplo. Cientificamente, energia é um conceito bem diferenciado dos de força e potência. O calor é uma das formas que a energia assume. A ideia hoje dominante de energia no senso comum é aquela associada à chamada crise energética. No cotidiano energia é algo que se paga nas contas de luz – medida em kWh (quilowatt.hora) ou no combustível que se utiliza nos carros ou ainda no gás utilizado nas residências. A eficiência energética pode ser considerada um recurso disponível, tão grande quanto aqueles conhecidos: hidráulica, petróleo, carvão etc que exige investimento, tecnologia e planejamento para que seja utilizada. (JANNUZZI, 2015) Pode ser definida como o trabalho útil produzido por unidade de energia em determinada conversão energética de um processo. Toda conversão energética tem um custo termodinâmico e a eficiência é a razão entre a energia requerida no processo e aquela efetivamente utilizada. Quanto mais próximo da unidade for esta razão, mais eficiente é o processo: Eficiência energética (%) = energia útil x100 Insumo energético 131 Paradiplomacia Ambiental Um programa de eficiência energética consiste em reduzir o consumo de energia, mantendo-se a qualidade do uso final, fruto da conversão energética. Esta redução é um importante instrumento de política pública que objetiva reduzir a emissão de gases efeito estufa e melhora nos padrões econômicos. Outra forma de indicar a eficiência de um sistema é o conceito de intensidade energética, ou seja, a quantidade de energia necessária para produção de uma unidade de produto ou serviço. Entretanto, não será utilizado este conceito porque uma baixa intensidade energética não significa necessariamente uma alta eficiência energética, já que há dependência de outros fatores como: estrutura da economia, características geográficas, clima, condições meteorológicas e taxa de câmbio. Cabe ressaltar que eficiência energética não deve ser confundida com conservação de energia, pois não está necessariamente relacionada à substituição de tecnologias, mas, sim, a um conjunto de decisões que envolvem mudanças de hábitos de consumo e política de investimentos em eficiência energética. (MARTÍNEZ, 2019) 2. O potencial para ações de eficiência energética no Brasil De acordo com o Plano Nacional de Energia Elétrica 2030 – PNE 2030 – os cenários de crescimento do consumo de energia elétrica entre 2005 e 2030 seguem uma tendência de aumento (BRASIL, 2007), portanto, o potencial para ações de eficiência energética é bastante significativo. Em 2018 a população brasileira era de 209.321 mil habitantes; o consumo de eletricidade foi de 474.820 GWh distribuídos por 83.682 mil consumidores, sendo 72.081 mil residenciais. (BRASIL, 2019) A partir do fluxo de energia elétrica do Balanço Energético Brasileiro – BEN – 2019 (dados de 2018) pode-se caracterizar o consumo de energia elétrica dos vários setores da economia – figura 1 – que podem ser comparados à matriz elétrica brasileira – figura 2. Figura 1: Consumo de energia elétrica. Fonte: BEN 2019 132 Eficiência energética Figura 2 – Matriz elétrica brasileira. Fonte: EPE 2019 A Agência Internacional de Energia – AIE – qualifica a eficiência energética de “the first fuel”3, o recurso energético mais abundante que os países possuem. (IEA, 2019) De acordo com a AIE o uso de energia e o desenvolvimento econômico têm estado em descompasso, já que o PIB mundial duplicou no período de 1990 a 2017, enquanto o fornecimento de energia primária cresceu 59% no período. A eletricidade tem sido o motor das economias modernas em função do aumento da demanda com a eletrificação do transporte, uso de dispositivos digitais e condicionamento ambiental. (IEA, 2019) Uma das principais razões pelo recorde das emissões globais de CO2 em 2018 é o aumento da demanda por eletricidade. (IEA, 2019) Historicamente, a demanda por energia foi atendida pelo aumento da oferta. A crise da energia do final do século XX introduz o planejamento de recursos e a eficiência energética é uma das ferramentas à disposição. O potencial de conservação de energia pode ser de caráter tecnológico, com a substituição de equipamentos ou tecnologias, ou a partir da mudança de hábitos de consumo. A EPE caracteriza o potencial de conservação de energia do ponto de vista técnico, econômico e de mercado. O potencial de mercado traz redução de custos para o usuário; o potencial econômico é aquele que pode ser viabilizado a partir do contorno das restrições econômicas; o potencial técnico é estabelecido pelo limite teórico das tecnologias existentes. (BRASIL, 2007) 133 Paradiplomacia Ambiental O Plano Nacional de Energia 2030 – PNE 2030 – reconhece dois tipos de movimento. O progresso autônomo seria devido à dinâmica natural do aumento da eficiência em função da reposição tecnológica natural (término de vida útil, questões ambientais etc) ou motivadas por programas e ações de conservação de energia existentes. O progresso induzido devido a programas específicos orientados para setores específicos e reflexos de políticas públicas. Ainda, de acordo com o PNE – 2030, a conservação induzida é aquela considerada no consumo de energia elétrica. (BRASIL, 2007) O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica – PROCEL – é um programa criado em 1985 pelo governo federal com objetivo de promover o uso eficiente da energia elétrica. Junto ao Programa Brasileiro de Etiquetagem – PBE – estima-se o total de energia elétrica conservada no período 1996-2003 em 14.859 GWh. Esses valores são referentes ao consumo final. (BRASIL, 2007) A Empresa de Pesquisa Energética – EPE – indica o potencial de conservação de energia elétrica até 2030, considerando o consumo final de acordo com a tabela 1. Tabela 1: Potenciais de Eficiência Energética até 2030 Setor Industrial Comercial e Público Residencial Total Técnico 20% 13% 7% 40% Econômico Mercado 10% 6% 6% 4% 3% 1% 20% 10% Fonte: PNE – 2030 Pesquisa desenvolvida pela Abesco – Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia – sobre o potencial de eficiência energética no Brasil, no período 2008-2016, demonstra que foram desperdiçados 143.647 GWh, o que equivaleria a 1,4 vezes a produção de energia elétrica na usina hidroelétrica de Itaipu no ano de 2016. (ABESCO, 2016) Institucionalmente, o Estado tem papel importante na coordenação das ferramentas disponíveis. No Brasil a Lei Nº 10.295, de 17 de outubro de 2001 dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia. Relativamente à energia elétrica, a Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica – é responsável pela regulamentação e fiscalização do Programa de Eficiência Energética – PEE – criado pela Lei nº 9.991 de 2000. O PEE determina que as concessionárias e permissionárias de serviços públicos de distribuição de energia elétrica apliquem, anualmente, de acordo com cláusula específica dos 134 Eficiência energética contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, o valor equivalente a 0,50% (zero vírgula cinquenta por cento) de sua receita operacional líquida anual no desenvolvimento de programa para o incremento da eficiência energética no uso final de energia elétrica, através de projetos executados em instalações de clientes.(ANEEL, 2018) O objetivo do PEE é potencializar a melhoria da eficiência energética nos usos finais de energia elétrica, maximizando os efeitos públicos da demanda evitada, a partir da substituição de tecnologia, mudança de hábitos e práticas de consumo. Todos os clientes das áreas de concessão de cada uma das 54 distribuidoras no Brasil podem apresentar propostas de projetos. Os clientes podem ser representados por empresas especializadas em eficiência energética. As Concessionárias distribuidoras apresentam anualmente Chamadas Públicas de Projetos seguindo regras estabelecidas pela Aneel. Os projetos devem apresentar cláusula de desempenho, de acordo com os Procedimentos do Programa de Eficiência Energética – PROPEE – e Guia de Medição e Verificação para o Programa de Eficiência Energética Regulado pela ANEEL e demais regulamentos. Os projetos de Eficiência Energética classificados como Poder Público, Serviços Públicos, Iluminação Pública, instituições filantrópicas, assistenciais, e casos excepcionais que sejam autorizados pela Aneel não são obrigados a firmar Contrato de Desempenho. A Chamada Pública estabelece os montantes financeiros disponíveis para a apresentação dos projetos. Para o ano de 2020 o grupo CPFL Energia disponibilizou R$ 54.660.000,00 para as distribuidoras do grupo. Os projetos apresentados com exigência de desempenho têm os recursos antecipados e depois reembolsáveis à Concessionária, sem juros e correções anuais pelo índice de inflação do governo (IPCA). No caso dos projetos sem cláusula de desempenho, os recursos são a fundo perdido. A proposta de projeto apresentado à Chamada Pública sofre uma avaliação técnica considerando um diagnóstico energético e critérios de medição. A Aneel estabelece como principal critério para avaliar sua viabilidade econômica, de acordo com os critérios estabelecidos pelo PROPEE, a relação custo-benefício proporcionada – RCB – estabelecida entre os custos e benefícios totais de um projeto, considerando-se sua vida útil e taxa de desconto. (ANEEL, 2018) A avaliação dos cálculos da RCB deve atender a parâmetros mínimos. A viabilidade de um projeto de eficiência energética é analisada positivamente se o benefício alcançado for maior do que o custo da expansão do sistema elétrico. De acordo com o PROPEE a RCB deve ser igual ou inferior a 0,8, ou seja, o custo marginal de expansão do sistema deve ser no mínimo 25% maior que o custo do projeto. Os Contratos de Desempenho Energético, que contemplam compromissos de pagamentos futuros, a RCB deve ser menor ou igual a 0,9. Os 135 Paradiplomacia Ambiental projetos de Fontes Incentivadas a RCB deve ser menor ou igual a 1,0 (ANEEL, 2018) O Edital da Chamada Pública NP/PEE-CPFL Energia_001/2019 estabelece que os projetos que beneficiam clientes na modalidade de projeto a fundo perdido e bônus devem apresentar uma RCB menor ou igual a 0,75; clientes na modalidade contrato de desempenho a RCB deve ser menor ou igual a 0,85; projetos que envolvem fontes incentivadas deve ser 0,95. (CPFL, 2019) Faz parte do diagnóstico energético uma avaliação ex ante, ou seja, os valores de projeto são estimados levando em consideração curvas típicas, hábitos de consumo, cálculos de engenharia. A partir da execução do projeto é exigida uma avaliação ex post, ou seja, medições e verificações dos valores apresentados durante a fase de diagnóstico a fim de determinar a eficiência energética das ações planejadas. (ANEEL, 2018) 3. Chamada Pública O projeto apresentado neste capítulo visava atender modificações na iluminação de prédios públicos na área de concessão da CPFL Piratininga. O capítulo analisará a substituição da tecnologia de iluminação nas escolas da rede municipal de ensino de Santos. A fonte dos dados utilizados são: “Relatório Final: Projeto PRJ0046 Iluminação em Prédios Públicos” (ANEEL, 2019a) e “Programa de Eficiência Energética – Relatório de Medição e Verificação – Projeto PRJ0046 Iluminação em Prédios Públicos” (ANEEL, 2019b). A partir dos Relatórios foram destacados os dados referentes às escolas municipais. Foram destacados os dados referentes à identificação da Unidade Municipal de Educação – UME, todas na cidade de Santos e energia economizada – EE, conforme tabela 2. Tabela 2: Energia Economizada Cliente UME COLÉGIO SANTISTA UME AVELINO DA PAZ VIEIRA UME OLAVO BILAC UME AYRTON SENNA DA SILVA UME PADRE LEONARDO NUNES ESCOLA LUIZ CARLOS PRESTES CRECHE PROF SANDRA CRISTNA TEXEIRA ESCOLA MARlA HELENA ROXO PROFESSORA EMÍLlA MARlA REIS DOUTOR ALCIDES LOBO VlANA UME BARÃO DO RIO BRANCO UME OLI\/lA FERNANDES UME GENERAL CLOVIS BANDEIRA BRASIL ESCOLA DONA YARA NASCIMENTO SANTINI 136 Resultados Energéticos EE(MWh/ano ) 95,715648 26,670000 50,307264 16,254000 68,741568 19,946304 12,065760 15,228864 33,693408 12,277440 58,768416 19,408032 30,457728 10,142496 Eficiência energética ESCOLA DONA YARA NASCIMENTO SANTINI ESCOLA GEMMA RABELLO ESCOLA JOSE BONIFACIO UME VER. JOAO IGNACIO UME JOAO WALTER S SMOLKA UME ANIZIO D BENTO UME DR SAMUEL AUGUSTO LEAO MOURA UME PROF MARlA DE LOURDES B BERNAL UME MARlA CARMELITA VILLAÇA UME I\/ETA MESQUITA NOGUEIRA UME DR PORCHAT DE ASSIS UME IRMAO JOSE GENESlO UME PEDRO SEGUNDO UME LEONOR MENDES DE BARROS UME PEDRO CRESCENTI UME PADRE LUClO FLORO UME ANDRADAS II UME MARlA LUIZA ALONSO SILVA UME ELZA VIRTUOSO UME NELSON TOLEDO PIZA UME LIDlA FREDERITH UME MARlA LUIZA SOUZA RIBEIRO UME ANTONIO PASSOS SOBRINHO UME JOAO PAPA SOBRINHO UME ANTONIO DEMOSTENES DE SOUZA BRITTO UME EUNICE CALDAS UME MAGALI ALONSO UME THEREZINHA DE JESUS SQUEIRA CRECHE REGINA ALTMAN UME DR DEROSSE JOSE DE OLIVEIRA UME OSWALDO JUSTO CRECHE DR LUIZ LOPES UME JOSE DE SA PORTO UME FERNANDO COSTA UME JOSE CARLOS DE AZEVEDO JR UME JOSE DA COSTA BARBOSA UME FLORESTAN FERNANDES UME AUXILlA.DORA DA INSTRUÇÃO UME ANDRADAS II UME RUBENS LARA UME CLAUDlA. HELENA DOS SANTOS UME MÁRIO ALCÂNTARA UME EDMÉA LADEVIG TotalFonte: ANEEL, 2019a 10,142496 16,777152 19,988640 25,945920 9,525600 22,432032 17,998848 45,372096 65,657088 33,499872 28,637280 24,240384 64,592640 38,029824 76,108032 34,225632 75,243168 47,966688 7,380000 3,725568 14,360000 9,870000 33,600000 33,600000 18,790000 16,930000 14,900000 11,740000 10,050000 12,170000 33,260000 4,140000 4,147920 0,811440 0,780192 0,846720 1,159200 1,159200 0,403200 0,811440 2,656080 1,708560 0,609840 1.355,53 O total de energia economizada pelo projeto como um todo foi de 2.397,13 MWh/ano. A economia nas escolas foi de 1.355,53 MWh/ano. A RCB global foi 0,38; taxa de desconto de 8% e tempo de vida útil médio de 12,53 anos para as lâmpadas de tecnologia LED. (ANEEL, 2019a) A emissão de CO2 evitada foi estimada em 185 toneladas, para todo o projeto. O custo total do projeto foi de R$ 2.953.930,43, sendo o valor anualizado de R$ 391.909,28. O relatório final não discrimina os custos por etapa. O descarte dos materiais e equipamentos seguiu as regras da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010 e do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. (ANEEL, 2019a) 137 Paradiplomacia Ambiental De acordo com o relatório disponibilizado pela Aneel, projetos de substituição de tecnologias de iluminação são importantes para os clientes, em especial aqueles do Poder Público. Projetos para este uso final poderiam ser planejados em grande escala. Os ganhos em eficiência energética, bem abaixo daqueles estabelecidos pelo órgão regulador, demonstram que ações de eficiência energética em sistemas de iluminação apresentam grande viabilidade técnica. (ANEEL, 2019a) 4. Conclusão O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 7 – ODS 7 – “Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”, cuja meta 7.3 enuncia: “Até 2030, dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética”, que no Brasil optou-se pela redação: “Até 2030, aumentar a taxa de melhoria da eficiência energética da economia brasileira”. Este capítulo destaca a eficiência energética do recurso energia elétrica. A aplicação de parte da receita operacional líquida das concessionárias de distribuição de energia elétrica é uma política pública, com grande potencial de redução da oferta de energia elétrica. Esta redução da oferta implica na redução da exploração de recursos naturais e das emissões de CO2. Entretanto, em nenhum dos documentos que orientam sua aplicação a relacionam à questão dos ODS. Ao lado do Procel o PEE, gerenciado pela Aneel, é um dos principais instrumentos para aumento da eficiência energética. De acordo com o Ministério das Minas Energia – MME e a EPE, o PEE é a principal fonte de recursos para que as metas de eficiência energética, propostas pelo planejamento de curto, médio e longo prazos para o setor energético nacional, sejam atingidas. Os dados apresentados pelo relatório final do projeto em estudo demonstram sua viabilidade econômica e técnica. A economia de 1.355,53 MWh/ano nas escolas, uma fração de 56,5% do total economizado pelo projeto, equivale ao consumo médio de 710 residências, considerando consumo de 159,1 kWh/mês. (EPE, 2019) Das 185 toneladas de CO2 evitadas para todo o projeto, não foi possível especificar a parcela referente às escolas atendidas. A RCB global de 0,38, foi muito superior à taxa de 0,75 estabelecida para a modalidade atendida. O Projeto total teve um custo anualizado de R$ 391.909,28 e um benefício de R$ 1.027.917,66. A avaliação econômica financeira, ou seja, a RCB global foi obtida:  ൌ  138 ̈́͵ͻͳǤͻͲͻǡʹͺ ൌ Ͳǡ͵ͺ ̈́ͳǤͲʹ͹Ǥͻͳ͹ǡ͸͸ Eficiência energética A Light Serviços de Eletricidade S.A., concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica em 31 municípios do estado do Rio de Janeiro, apresentou em dezembro de 2019 Chamada Pública de Projetos nas tipologias Poder Público; Comercial e Serviços. Poderão concorrer escolas e creches municipais e estaduais ou que tenham caráter filantrópico e sem fins lucrativos. A diferença para esta modalidade de Chamada Pública é que ela é direcionada para escolas, sendo a primeira do tipo. As propostas de projetos devem contemplar pelo menos dois usos finais, provavelmente, iluminação e conforto ambiental, além da obrigatoriedade da inserção de geração de energia por fonte incentivadas. Esta obrigatoriedade talvez traga maiores dificuldades na apresentação de projetos, em função das características de cada instalação, prejudicando a RCB. É um dado que precisa ser mais bem detalhado em um trabalho específico. São R$ 60.000.000,00 disponíveis, a fundo perdido, com projetos de no mínimo R$ 200.000,00. Todas as propostas devem conter iniciativa de treinamento da comunidade acadêmica para ações educativas sob o tema da sustentabilidade. Entretanto, o treinamento visa essencialmente a operação e manutenção dos equipamentos, além de difundir conceitos de eficiência energética. O edital estabelece um conteúdo mínimo para o conteúdo programático dessas ações: i. Objetivos do PEE, executado pela Light e regulado pela ANEEL (observar uso dos logos); ii. Objetivos do projeto de eficiência energética executado; iii. Dicas de economia de energia, segurança, prevenção de perdas por uso inadequado de energia, tarifas, entre outras. (LIGHT, 2019) O PROPEE apresenta uma tipologia: Projetos Educacionais que visam difundir o conceito de eficiência energética e desenvolvimento sustentável, promovendo a mudança de hábitos de consumo de energia. (ANEEL, 2018) Nessa tipologia de projeto, a concessionária é responsável pela seleção da rede de ensino, que pode ser pública ou privada. Uma Chamada Pública de Projetos específica também pode ser realizada. O projeto de substituição da tecnologia de iluminação das escolas deveria ser acompanhado de um programa de educação, que demonstrasse a importância da eficiência energética. Pode-se comparar os efeitos da tipologia Projetos Educacionais e a exigência do edital da Light. O controle das metas e benefícios do primeiro obedece objetivamente a critérios quantitativos: número de escolas, professores e alunos envolvidos. A fiscalização verifica os seguintes pontos: material didático utilizado; escolas envolvidas, se pública ou privada; professores capacitados; número de alunos envolvidos. Um critério interessante é o cadastro dos alunos envolvidos para avaliação de seu consumo residencial. O edital 139 Paradiplomacia Ambiental da Light, apesar da exigência de treinamento e capacitação, tem seus custos considerados no cálculo da RCB do projeto, ou seja, se detém na questão do custo/benefício. Os editais não abordam a questão dos ODS, denotando falta de coordenação de uma política pública que, como demonstrado, tem grande potencial. Há necessidade de que as ações do PEE se articulem com as diretrizes governamentais para consecução da Meta 7.3 dos ODS. Uma crítica que deve ser feita é a ausência de uma articulação maior entre os entes federativos. A bibliografia consultada indica uma grande preocupação com a questão do financiamento para atingir as metas do ODS 7. Entretanto, não há referência aos ODS nos instrumentos da Aneel. Por esta lacuna vale a pena salientar o potencial do poder público como vetor de projetos de eficiência energética. REFERÊNCIAS ABESCO – Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia. Potencial de Economia Setor – 2016 - Divulgação. Disponível em: <http://www.abesco.com.br/wp-content/uploads/2017/08/Potencial-de-Economia-Setor-2016-Divulga%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2020. ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Procedimentos do Programa de Eficiência Energética – PROPEE. Brasília, 2018. ______. RELATÓRIO FINAL PROJETO PRJ0046 ILUMINAÇÃO EM PRÉDIOS PÚBLICOS. Campinas, fevereiro/2019a. Mimeografado. ______. PROGRAMA DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA – RELATÓRIO DE MEDIÇÃO E VERIFICAÇÃO PROJETO PRJ0046 ILUMINAÇÃO EM PRÉDIOS PÚBLICOS. Campinas, fevereiro/2019b. Mimeografado. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2019 - ano base 2018. Rio de Janeiro, dezembro de 2019b. ______. Ministério de Minas e Energia. Plano Nacional de Energia 2030. MME: EPE, 12 v., v. 11.: Eficiência Energética, Brasília, 2007. EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2019. Ano base 2018. Rio de Janeiro, 2019. IEA – International Energy Agency. Electricity Information: overview. (2019 edition). Disponível em: <https://webstore.iea.org/download/direct/2707?fileName=Energy_Efficiency_Indicators_2019_Highlights.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2020. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Cadernos ODS – ODS 7 - Assegurar o Acesso Confiável, Sustentável, Moderno e a Preço Acessível à Energia 140 Eficiência energética Para Todos. O que mostra o retrato do Brasil? 2019. JANNUZZI, G. M.. Eficiência Energética. In: Cadernos Adenauer xv (2014), n. 3. Eficiência energética, p. 107-118. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, janeiro 2015. LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S.A.. Chamada Pública de Projetos CPP 003/2019. 2019. Disponível em: < http://www.light.com.br/grupo-light/Quem-Somos/eficiencia-energetica_chamada-publica.aspx>. Acesso em: 09 abr 2020. MARTÍNEZ, D. M.; EBENHACK, B. W.; WAGNER, T. P.. Energy Efficiency: Concepts and Calculations. Elsevier. 2019. 141 ODS 08 - A IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO SUBNACIONAL DO CRESCIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL. ANÁLISE DO ODS 08 NO ESTADO DE SÃO PAULO. Valéria Cristina Farias1 Fernando Rei2 ODS 8 - Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos. INTRODUÇÃO O s Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos na Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2015, na cidade de Nova York, fazem parte do documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, com vigência até 2030. Os ODS substituíram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), propondo uma tutela global, desenvolvida em 17 objetivos e 169 metas, que preconizam a busca do desenvolvimento sustentável em três dimensões: social, ambiental e econômica. O presente trabalho pretende abordar, de forma específica, a implantação do ODS 08, retratando a importância das contribuições subnacionais na indução do crescimento econômico sustentável e evoluindo para um estudo de caso acerca da implementação no estado de São Paulo. O ODS 08, que conclama a comunidade internacional a “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”, foi escolhido nesse estudo por concentrar os pilares de sustentação do desenvolvimento social de qualquer nação que pretenda formar uma sociedade justa, livre, solidária e consciente de seus direitos. Para desenvolver o debate, inicialmente, será realizada uma abordagem dos aspectos que envolvem a economia e sua interação com o meio ambiente e Procuradora do Estado de São Paulo; mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos; doutoranda em Direito Internacional Ambiental pela Universidade Católica de Santos; pós-doutoranda pela Universidade Católica de Santos, professora titular da Universidade Paulista – campus Santos e da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação – campos Santos. 2 Professor Associado do Programa de Doutorado da Universidade Católica de Santos. Professor Titular de Direito Ambiental da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP. Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Direito Internacional do Meio Ambiente- SBDIMA. 1 142 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável social, analisando-se conceitos relativos à economia para apresentar as nuances do crescimento econômico e do desenvolvimento sustentável. Em seguida, analisaremos o que são políticas públicas de desenvolvimento sustentável e sua importância para a modulação da economia tendente a estimular o respeito ao meio ambiente e privilegiar a qualidade de vida da população. Concentrando o estudo no seu objetivo central, que é demonstrar a atuação subnacional na busca da sustentabilidade, a discussão passará a se concentrar na importância da paradiplomacia e da localização dos ODS na indução da economia para direcioná-la a um crescimento social inclusivo e comprometido com o meio ambiente. No último tópico, a pesquisa fará uma análise pontual das políticas públicas adotadas pelo estado de São Paulo na implementação da ODS 08. Pretende-se esboçar um ensaio acerca da possibilidade e importância dos governos subnacionais auxiliarem na consecução dos ODS, como complementação à atuação nacional, máxime porque a Agenda 2030 é um documento que reúne normas de soft law, sem caráter vinculativo. Para desenvolver a pesquisa foi utilizado o método dedutivo, através de pesquisa bibliográfica, documental e levantamento de dados estatísticos. 1. ODS 8: CRESCIMENTO ECONÔMICO INCLUSIVO E SUSTENTÁVEL Desde Adam Smith a economia sustenta que o crescimento econômico é um dos principais fatores para o desenvolvimento econômico de um país e que a riqueza pode decorrer do trabalho ou da transformação de recursos extraídos da natureza em produtos desejados pelas pessoas (CECHIN, 2010, pag. 29). A revolução industrial e a evolução dos processos tecnológicos, no entanto, demonstraram que nem sempre a concentração de riqueza de um país reverte no modelo de crescimento econômico aspirado pelo Homem, cuja expectativa é qualidade de vida e não somente a acumulação de capital. O crescimento econômico, se não direcionado, pode gerar externalidades negativas como a desigualdade social, o desemprego, o aumento da pobreza, a marginalização, a degradação ambiental, entre outras, porque enquanto foca na acumulação de rendas, o desenvolvimento social visualiza o bem estar da população (MASCARENHAS, 2008, pag. 30). Percebe-se que a lógica do crescimento econômico é quantitativa, no sentido de priorizar a acumulação de renda, enquanto o desenvolvimento social segue uma lógica qualitativa para buscar melhoria na qualidade de vida, conferindo dignidade ao Homem (DALY, 1992, pag. 334). Assim, enquanto o “crescimento significa ficar maior”, “o desenvolvimento se verifica quando as coisas ficam melhores” (MOURA, 2012, pag. 32). 143 Paradiplomacia Ambiental As discussões internacionais que se pautaram no tema desenvolvimento econômico das nações e direitos humanos passou a incorporar um plus ao debate, para associar o crescimento econômico à necessidade de respeito ao meio ambiente como forma de garantir a perpetuação da sua qualidade para as gerações futuras e buscar não somente a melhoria da qualidade de vida mas uma vida com dignidade, ampliando o conceito de desenvolvimento sustentável para enxergá-lo como um direito humano, um direito e garantia individual da pessoa humana. No âmbito das Nações Unidas, inicialmente se idealizaram os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vigoraram entre 2000 e 2015 e, em 2015, na Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Nova York, foram estabelecidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que fazem parte do documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, com vigência até 2030. A diferença básica entre os ODM e os ODS é que os primeiros se propunham a conclamar o mundo a empreender esforços para a eliminação da extrema pobreza e da fome no planeta, conferindo uma tutela direcionada aos países menos desenvolvidos. A Agenda 2030 propõe uma tutela global, reunindo normas de soft law, sem caráter vinculativo, desenvolvidas em 17 objetivos e 169 metas, que preconizam a busca do desenvolvimento sustentável em três dimensões: social, ambiental e econômica, “sendo que a sustentabilidade reside exatamente no ponto de convergência entre estas três dimensões”(SILVEIRA e PEREIRA, 2018.). Para se entender o conteúdo e extensão das ODS é necessário delimitar o conceito, o alcance e a natureza jurídica do termo desenvolvimento sustentável. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apresenta o desenvolvimento sustentável como aquele que “procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazerem as suas próprias necessidades”3, impondo uma convergência dos aspectos econômicos e de tutela ambiental no sentido de perseguir e garantir a dignidade da pessoa humana (aspecto social). O elo de convergência das dimensões do desenvolvimento sustentável, portanto, é o ser humano, que confere uma visão antropocêntrica ao termo. Não há como ignorar que o crescimento econômico é perseguido como uma aspiração normal e quase intuitiva da humanidade, mas se analisado sob a ótica da sustentabilidade, ao invés de vilão e responsável por boa parte das mazelas sociais, pode funcionar como instrumento valioso de garantia e ampliação das condições de vida do Homem na Terra. A possibilidade de compatibilizar o crescimento econômico aos valores 3 Relatório Brundtland, 1987. 144 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável sociais, conferindo dignidade à pessoa humana, permite conceber o direito ao desenvolvimento sustentável como uma garantia fundamental, um verdadeiro “princípio compromisso”, que impõe à comunidade internacional esforços para buscar o crescimento econômico com moderação, observando-se os pilares da sustentabilidade (GILLROY, 2006). Mas qual seria o sentido de dignidade da pessoa humana? A dignidade é um conceito bastante subjetivo e pode variar de acordo com a cultura, o grau de riqueza do país e a evolução da tecnologia. Moraes (2005, pag. 129) sustenta que: A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. Na esfera jurídica interna, a dignidade da pessoa humana foi prevista no texto constitucional como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º., inciso III, da Constituição Federal), instrumentalizado no piso vital mínimo de direitos sociais elencados no artigo 6º., tidos como indispensáveis à sobrevivência com dignidade (FIORILLO, 2013, pag. 190). Nesse sentido, o acesso à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, proteção à infância e assistência aos desamparados são direitos que precisam ser positivados pelo Estado, a fim de materializar o quão previsto pela ordem constitucional. A dificuldade na consecução da dignidade da pessoa humana, no mundo contemporâneo, não reside no aspecto teórico e sim no plano prático, no sentido de encontrar novos e melhores meios de efetivação para promoção e proteção dos direitos indispensáveis e, para tanto, existe um abismo burocrático que transcende meramente o campo jurídico, gravitando no universo das políticas públicas. O desenvolvimento sustentável é “um processo de mudança, no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas” (GUARDIA, 2006, p. 135), sendo, portanto, um processo social e coletivo. Nesse sentido, acaba sendo dependente de um conjunto eficiente de 145 Paradiplomacia Ambiental políticas públicas, que não pode ser construído exclusivamente pelo Poder Público, sua efetivação depende de uma conjugação de forças em que a participação da sociedade é de enorme valia, ora controlando as decisões políticas, ora induzindo uma atuação estatal concreta, ora cobrando resultados positivos ou simplesmente assumindo sua responsabilidade social de solidariedade, porque também as atividades sociais privadas deverão se submeter a essas mesmas políticas (MACHADO, 2003, pag. 116). Os ODS, idealizados e materializadas como objetivos e metas reais e de aplicação global, podem contribuir para induzir e direcionar políticas públicas de desenvolvimento sustentável e efetivação da dignidade da pessoa humana, por despertar internacionalmente o reconhecimento de diversos direitos humanos indispensáveis ao enfrentamento da pobreza como uma mazela social que deve ser extirpada. O ODS 8, que é o objeto central do presente trabalho, se propõe a “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”. Ele concentra em si os pilares de sustentação do desenvolvimento social de qualquer nação que pretenda formar uma sociedade justa, livre, solidária e consciente de seus direitos. Existe uma interdependência lógica entre a falta de oportunidade de emprego, desigualdade de renda e exclusão social. A falta de emprego digno propicia a baixa ou inexistente qualificação profissional, porque dificulta o investimento pessoal em estudo e alimenta um círculo vicioso de desigualdade. O crescimento econômico, por si só, exige cada vez níveis mais altos de produtividade e inovação tecnológica, de tal forma que se as políticas públicas não forem direcionadas para diminuir o gargalo existente entre a baixa qualificação profissional e as exigências do mercado de trabalho, a tendência é a linha de pobreza aumentar cada vez mais. Quem não se qualifica profissionalmente está cada vez mais à margem das oportunidades laborais dignas, contentando-se com subempregos e cada vez mais vulnerável socialmente. Além disso, o Brasil possui um bônus demográfico, ou seja, a quantidade de pessoas em idade ativa, aptas a trabalhar, é maior do que a parcela de pessoas em idade não produtiva (como idosos, crianças). Isso pode representar um benefício ou um problema em termos econômicos. Se por um lado um número maior de força tarefa pode possibilitar o aumento da produtividade e crescimento econômico, por outro lado a não absorção dessa parcela populacional no mercado de trabalho, seja por conta da inexperiência, pouca qualificação profissional ou pouca maturidade, pode elevar as taxas de desemprego4. Conteúdo de entrevista concedida por Cimar Azeredo, especialista em Mercado de Trabalho e pesquisador do IBGE responsável por coordenar as estatísticas ligadas a trabalho no ODS 8. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noti- 4 146 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável Como forma de perseguir o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, a meta 8.3 recomenda a promoção de “políticas orientadas para o desenvolvimento que apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros”. Percebe-se que o sistema econômico está incluído em um sistema muito maior, na medida que depende e impacta o meio ambiente, bem como interage com os fatores que promovem o desenvolvimento social, necessitando da intervenção estatal para reduzir as externalidades negativas (MUELLER, 2007. p. 11-12), intervenção essa que será realizada através de políticas públicas, objeto de estudo do próximo tópico. 2. POLÍTICAS SUSTENTÁVEL PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO Embora o conceito não tenha sido construído sob o olhar da sustentabilidade, Adam Smith, em 1776, já defendia que: “A Economia Política, considerada como um setor da ciência própria de um estadista ou de um legislador, propõe-se a dois objetivos distintos: primeiro, prover uma renda ou manutenção farta para a população ou, mais adequadamente, dar-lhe a possibilidade de conseguir ela mesma tal renda ou manutenção; segundo, prover o Estado ou a comunidade de uma renda suficiente para os serviços públicos. Portanto, a Economia Política visa a enriquecer tanto o povo quanto o soberano”. (SMITH, 1776, pag. 406) Como o desenvolvimento sustentável é um direito e garantia individual a ser positivado pelo Estado e considerando que o crescimento econômico é indispensável para dar subsídios ao desenvolvimento social, será por meio de políticas públicas que o Estado tentará regular a economia, para que caminhe em harmonia com o meio ambiente, a busca da justiça e a igualdade social. Segundo Bucci (2002, pag. 259), política pública é um “processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo”, que permite concluir que uma política pública de desenvolvimento sustentável poderia ser conceituada como um processo de escolha dos meios necessários para modular a economia no sentido de interagir positivamente com o meio ambiente e o desenvolvimento social. Sob o prisma econômico, a interferência estatal nos rumos da economia cias/noticias/19743-ods-8-crescimento-economico-sustentavel-e-trabalho-digno >. Acesso em 11 abr 2020. 147 Paradiplomacia Ambiental não é vista com bons olhos. A teoria da nova economia institucional defende a mínima participação estatal na economia, acreditando que crescimento econômico e desenvolvimento social dependem das liberdades de mercado (KUPFER e HASENCLEVER, 2002, p. 545-567). Para não colocar em risco a livre iniciativa, princípio adotado pelo texto constitucional como pilar do sistema econômico brasileiro (artigo 170, da Constituição Federal), o Estado precisa ser cauteloso na escolha dos instrumentos utilizados para regular e induzir os comportamentos produtivos e individuais da coletividade, levando em consideração que uma política pública eficiente é aquela que modula discretamente a economia, respeitando as liberdades de mercado (FARIAS, 2015). Saber conjugar a internalização das externalidades econômicas é o grande desafio da inter-relação entre a Economia e o Direito. O termo econômico externalidade representa as falhas decorrentes do desenvolvimento econômico e que afetam, de forma positiva ou negativa, o mercado ou a sociedade. Existe externalidade positiva quando o mercado ou sociedade são beneficiados pela economia e externalidade negativa quando a sociedade ou outro agente (pode ser outro ramo de atividade econômica, inclusive) é prejudicado pelas liberdades do mercado. Quando as externalidades são positivas, a tendência é que não haja qualquer intervenção. No entanto, quando as externalidades são negativas, as políticas públicas surgem como uma opção para diminuir ou aniquilar seus efeitos (SCANTIMBURGO, 2011, pag. 67). A externalidade é um fenômeno que pode acontecer entre consumidores, entre firmas ou entre combinações de ambos. Quando as externalidades são positivas, os recursos são sublocados à fonte da externalidade, ou seja, os agentes passivos nunca ficam satisfeitos, preferindo sempre mais a menos externalidade. Já quando são negativas, os recursos são sobrealocados à fonte, ou seja, o agente que sofre a externalidade prefere sempre menos a mais. (COSTA, p. 307, 2005). No presente estudo, verificamos no tópico anterior que desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico, porque nem sempre observa as dimensões sociais e ambientais, gerando externalidade sociais negativas. O desenvolvimento sustentável exige a interação das dimensões econômicas, sociais e ambientais, porque debruça na observância da dimensão humana, visão mais moderna da democracia social e política. “São mudanças a serem construídas de forma dinâmica e que remetem a um projeto estratégico e articulado entre as várias políticas de Estado e a sociedade. Não existe um modelo 148 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável pronto e acabado para alcançar os fins almejados, mas um processo suportado pela realidade política e social em mutação” (KHAIR, 2009, pag. 59-70). Por configurar um direito fundamental, exige uma atividade prestacional positiva por parte do Estado (MOURA, 2012, pag. 36), que será concretizada pela via das políticas públicas, no presente caso, políticas públicas de desenvolvimento sustentável. As políticas públicas de desenvolvimento sustentável serão aquelas que atrelam os elementos do processo de crescimento econômico a apropriação efetiva de direitos fundamentais relativos à dignidade. Não podem ser instrumentos paternalistas, compostos por um conjunto de pacotes sociais que limitam a capacidade do cidadão e o tornam eternamente dependente da supressão estatal de suas necessidades básicas. Ao contrário, precisam eliminar ou pelo menos restringir as externalidades que comprometam as escolhas e oportunidades dos agentes e permitir que encontrem no meio social em que vivem, condições de perseguir os meios próprios para atingir dignidade. Se analisarmos a classificação das políticas públicas ambientais, veremos que podem ser divididas em três grupos: os instrumentos de comando-e-controle, os instrumentos econômicos e os instrumentos de comunicação. Como as políticas de desenvolvimento sustentável nada mais são do que modalidades de políticas ambientais, as características são comuns, podendo ser absorvidas no presente caso. Os instrumentos de comando e controle (ou sistema regulatório) manifestam-se por meio de comando legal que não oferece opção de escolha ao administrado, forçado a se comportar de acordo com a lei que condiciona um resultado sancionador para a inobservância, tal como imposição de multa, cassação de licença e até mesmo a prática delitiva. Embora possam representar um poderoso instrumento de regulação e intervenção na economia apresentam o inconveniente de serem extremamente dependentes do exercício do poder de polícia (KUPFER e HASENCLEVER, 2002) e outro ponto negativo é que despertam mudanças de comportamentos individuais (JOÃO, 2004). Um exemplo de instrumento de comando e controle seria a regulação da externalidade através do sistema tributário, instituindo um imposto que fosse capaz de compensar ou reduzir gradativamente seu impacto social negativo, na melhor aplicação do princípio do poluidor pagador. O único problema é que o agente econômico responsável pela externalidade está obrigado a absorver esse custo na sua atividade, mas não é impedido de repassar o encargo ao consumidor final de seus produtos (SCANTIMBURGO, 2011, pag. 67). Daí porque concluirmos que esse tipo de regulação nem sempre é eficiente no que se refere aos resultados, porque não permite uma mudança de mentalidade, uma 149 Paradiplomacia Ambiental mudança no processo produtivo a fim de evitar a externalidade, uma vez que seu custo pode ser repassado e não chega a ser suportado, efetivamente, pelo empreendedor. Os instrumentos de comunicação possuem a função de informar e educar a sociedade (KUPFER e HASENCLEVER, 2002). São importantes para promover a conscientização social, mas não possuem a força necessária para induzir comportamentos econômicos inclusivos. Já os instrumentos econômicos (ou sistema de incentivos) não trabalham com o mecanismo da regulação e punição. Ao contrário dos instrumentos de comando e controle que impõem comportamentos sob ameaça de uma punição, os instrumentos econômicos trabalham com o incentivo de comportamentos positivos, por meio de subvenções, isenções, incentivos, empréstimos ou outros mecanismos específicos do mercado. Apresentam um diferencial em relação aos meios regulatórios pois estimulam ações voluntárias que ultrapassam as mudanças de comportamentos meramente individuais, auxiliando na formação da opinião pública (JOÃO e VAN BELLEN, 2005), podendo corrigir as falhas de mercado (JOÃO, 2004) e orientar os agentes econômicos a valorizarem os bens e serviços ambientais de acordo com sua escassez e seu custo social. Embora não se discuta que os instrumentos de comando e controle ainda sejam os mais utilizados no desenvolvimento de políticas públicas, veremos nos próximos tópicos que os instrumentos econômicos vêm ganhando protagonismo na gestão da sustentabilidade, máxime quando se analisa a atuação dos governos subnacionais. Considerando que a ordem constitucional interna não veda a paradiplomacia e, principalmente que todas as iniciativas que visem contribuir voluntariamente para o desenvolvimento sustentável não devem ser menosprezadas, no próximo tópico estudaremos a importância da localização das ODS, analisando como a paradiplomacia pode contribuir para o sucesso do compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil. “As políticas públicas precisam afastar o crescimento econômico pelo crescimento em si mesmo, de modo a prestigiar um desenvolvimento pautado no plexo da sustentabilidade” (GOMES e FERREIRA, 2018) e no jogo de interesses que permeiam o debate, o que deve prevalecer, sempre, é a dignidade da pessoa humana. É papel do Estado conferir condições mínimas de existência à população e nos Estados federados essa tarefa é partilhada entre as esferas políticas, de tal forma que não há como ignorar a relevância da contribuição subnacional para atingir o desenvolvimento sustentável, principalmente no que se refere à indução do mercado de trabalho, concentração da presente pesquisa. 150 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável A sociedade contemporânea não aceita mais conviver com os ultrapassados modelos de gestão, que já não se apresentam como razoáveis e suficientes para garantir o mínimo existencial econômico, social e ambiental. 3. ODS E SUBNACIONALIDADE Ultrapassando a dimensão global, são os governos subnacionais que absorvem as consequências geradas pela falta de oportunidades de emprego e a marginalidade decorrente, o analfabetismo e a pobreza de forma geral, razão pela qual as cidades e as regiões representam um terreno fértil à aplicação da Agenda 2030. A globalização estabeleceu poderosos instrumentos de cooperação em torno de problemas globais comuns (BOUCHARD e PETERSON, 2011), entre eles o incentivo à paradiplomacia como mecanismo ágil e eficaz à obtenção de benefícios imediatos no âmbito local e regional e benefícios indiretos no âmbito nacional que podem contribuir para o desenvolvimento sustentável do país e a consecução dos ODS, principalmente quando direcionada à indução da captação de investimentos estrangeiros ou parcerias (ZERAOUI, 2016) que estimulem a economia e revertam em melhoria das condições sociais. No caso da Agenda 2030, embora represente a primeira agenda universal que visa o desenvolvimento sustentável, ou seja, os ODS são globais e não localizados, é importante destacar que o seu cumprimento é dependente da habilidade dos governos centrais em colocá-los em prática, transformando-os em realidade no âmbito interno e, precipuamente, no âmbito local e regional (BESEN, 2017). A política de desenvolvimento sustentável, portanto, não pode ser exercida de forma solitária pelo governo central, pois embora ele reúna competência e atribuição para induzir comportamentos positivos pela economia através de políticas que envolvam todas as áreas da administração pública, as medidas concretas de melhoria da qualidade de vida são perceptíveis nos níveis locais e regionais, vez que são as cidades e regiões que propiciam o suporte da dignidade, viabilizando o acesso à educação, moradia digna, oportunidade de emprego, acesso à saúde, entre outros direitos básicos. A descentralização das políticas de desenvolvimento entre o governo central e os governos subnacionais, se forem coordenadas e realizadas em harmonia, serão poderosos vetores de unidade e eficiência nas relações exteriores, pois quando dois ou mais níveis de governo combinam esforços de maneira convergente – ainda que não idênticas -, a tendência é que essa harmonia reflita beneficamente na política externa, salientando que atuação governamental em camadas não implica, necessariamente, em cisão de política pública (SOLDATOS, 1990, 151 Paradiplomacia Ambiental pag. 41-42), ao contrário, pode servir para potencializar seus resultados. O ponto de contato na parceria entre as agendas nacional, local e regional é perseguir o objetivo comum da busca do desenvolvimento sustentável, aproveitando a contribuição que as capacidades locais e regionais podem oferecer, entre elas a inserção internacional subnacional, de tal forma que a paradiplomacia, ao invés de conflito interno, represente a aceitação do papel de complementariedade dos governos subnacionais (SOLDATOS, 1990, pag. 49) e oportunidade para condução de uma política externa mais abrangente e plural (RODRIGUES, 2012, pag. 17). Essas articulações subnacionais em busca do desenvolvimento econômico inclusivo podem ser desenvolvidas tanto no plano interno quanto no plano internacional, seja angariando investimentos em infraestrutura, buscando parcerias econômicas, compartilhando ou replicando ações positivas e outras medidas que possam ser úteis no enfrentamento das externalidades da economia. A importância da localização foi prevista como poderoso instrumento na Agenda 2030. Localização é o processo de levar em consideração os contextos subnacionais na realização da Agenda 2030, desde o estabelecimento de objetivos e metas até a determinação dos meios de implementação, bem como o uso de indicadores para medir e acompanhar o progresso. Localização refere-se tanto à forma como os governos locais e regionais podem apoiar a realização dos ODS por meio de ações “de baixo para cima”, quanto a forma como os ODS podem fornecer um arcabouço para uma política de desenvolvimento local.5 Hocking (2004) também se referiu ao fenômeno da localização nas relações internacionais quando abordou a interação de cidades, regiões e Estados no cenário global, formado por uma estrutura de multicamadas ou múltiplos níveis. Em tempos de globalização, a participação nas articulações internacionais, além de representarem um interesse comum dos governos subnacionais é, antes de tudo, uma necessidade para que possam manter seus compromissos políticos com a sociedade e os esforços que empreendem para se manterem ativos no círculo das boas práticas sustentáveis não podem ser ignorados, pois relevantes para o sucesso do compromisso assumido pelo Brasil no cenário internacional. Os temas discutidos internacionalmente já não são mais exclusivamente nacionais, eles se aproximam e despertam preocupações locais e regionais, induzindo uma interdependência política, social e econômica que estimula e forOrganização das Nações Unidas. Roteiro para a Localização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Implementação e Acompanhamento no nível subnacional. Brasil, 2016. 5 152 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável talece a paradiplomacia (BARRETO, 2005, pag. 01). A localização, portanto, deve ser entendida como um processo que leva em conta os contextos e necessidades subnacionais na Agenda 2030, de tal forma que possam apoiar a implementação dos ODS por meio de ações bottom up no arcabouço de políticas locais e regionais de desenvolvimento sustentável. É um desafio enfrentar o problema da interdependência entre crescimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental, mas também é desafiador conciliar os esforços nacionais, locais e regionais em busca da sustentabilidade. O caráter multidimensional da sustentabilidade (FROEHLICH, 2014, p. 157 e GOMES; FERREIRA, 2017, p. 109) impõe a aceitação do caráter multilateral do seu enfrentamento. Assim como o desenvolvimento da economia e das capacidades dela decorrentes estão intimamente ligadas à satisfação das necessidades do Homem precipuamente pelas cidades e regiões, que são responsáveis pela prestação dos serviços públicos básicos, é indispensável que a sua contribuição seja reconhecida como indispensável à viabilização do compromisso nacional. Os governos subnacionais não devem ser vistos como meros expectadores ou executores da Agenda 2030, tendo em vista a essencialidade na promoção do desenvolvimento inclusivo. Como lidam diretamente com os problemas sociais, possuem melhores subsídios para formular políticas públicas direcionadas e pragmáticas, que podem despertar mudanças significativas que ultrapassam o limite de sua atribuição política, contribuindo para o desenvolvimento inclusivo da nação. Além disso, o caráter multidisciplinar do desenvolvimento inclusivo facilita a atuação multinível e principalmente as políticas bottom up. No Brasil, a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), instituída com a finalidade de internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030, reconheceu a importância subnacional, incluindo na formação representantes governamentais e da sociedade civil, contando com a participação dos governos municipais, representados pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) e com a participação dos governos regionais, representados pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente (ABEMA)6. A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) também firmou acordo com a ONU, visando a cooperação, fortalecimento e contribuição municipal para a implementação dos ODS7 e vários estados brasileiros, entre eles Minas Gerais, Distrito Federal, Pará, Piauí, Ceará, Paraíba, Bahia, Paraná e São Paulo já incorporaram os ODS em suas políticas públicas regionais ou estão em vias de Ministério do Meio Ambiente, disponível em: <https://www.mma.gov.br/informma/item/ 11694-comiss%C3%A3o-nacional-para-os-ods>. Acesso em 11 abr 2020. 7 ONU, 2017. Disponível em <https://nacoesunidas.org/onu-brasil-e-frente-nacional-dos-prefeitos-reforcam-parceria-pelo-desenvolvimento-sustentavel/>. Acesso em: 11 abr 2020. 6 153 Paradiplomacia Ambiental implementação.8 No próximo tópico analisaremos como o Estado de São Paulo inseriu o ODS 08 em sua política de governo e como vem implementando os instrumentos para concretização do desenvolvimento inclusivo, máxime no que se refere à oportunidade e qualidade de emprego. 4. OS ODS NO ESTADO DE SÃO PAULO Desde a formulação da Agenda 2030 o estado de São Paulo tem articulado a implementação dos ODS. Em 2016, representantes de várias secretarias do governo formaram um grupo de trabalho, que culminou com a criação da Comissão Estadual de ODS, através do Decreto nº 63.792, de 9 de novembro de 2018, posteriormente alterado pelo Decreto nº 64.148, de 19 de março de 2019, com a finalidade de difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030 no âmbito do estado. Em setembro/19, de forma inédita, foi divulgado o 1º Relatório de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Estado de São Paulo, fruto de um trabalho de pesquisa realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos, mais conhecida como Fundação Seade (órgão da Secretaria de Planejamento e Gestão฀ do Governo do estado de São Paulo), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP e a Secretaria da Fazenda e Planejamento. O relatório levantou dados nacionais e regionais, realizando um mapeamento da implementação dos ODS no estado, tomando como base o Plano Plurianual 2016-2019, reunindo os principais indicadores relativos à área da saúde, educação, segurança, saneamento, energia e justiça social9. Da análise dos índices divulgados percebe-se que, entre 2016 e 2017, a proporção de pessoas em situação de pobreza no estado aumentou de 13,5% para 15,4%, contrariando os índices nacionais que indicaram pequena queda no período, passando de 27,5% para 27,3% (fls. 14). No Capítulo referente a Trabalho Decente e Crescimento Econômico, constatou-se a redução do crescimento econômico no estado, fator que impactou nas ofertas de trabalho, registrando-se um crescimento progressivo na taxa de desemprego, que atingiu 13,4% em 2017 (pag. 62). Uma análise superficial do referido relatório poderia sinalizar de forma negativa, levando-se a falsa percepção que o estado não está conseguindo cumprir suas metas de desenvolvimento sustentável. No entanto, uma leitura ONU. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU completam 2 anos. Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/ods/ods_noticias_antigas/objetivos-de-desenvolvimentosustentavel-da-onu-completam-2-anos>.Acesso em 13 abr. 2020 9 Disponível em < http://www.fapesp.br/publicacoes/odssp.pdf >. Acesso em 14 abr 2020. 8 154 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável diferenciada permite compreender que ele não se presta simplesmente a conferir metas e objetivos, sua finalidade principal é traçar um panorama pontual dos pontos nevrálgicos, para subsidiar as políticas públicas a serem implementadas regionalmente. Além disso, o relatório compilou dados até 2017, período incipiente de aplicação da Agenda 2030 e, também, anterior à criação da Comissão Estadual de ODS. Publicado em meados de 2019, o relatório é de extrema importância para a elaboração do Plano Plurianual 2020-2023, permitindo direcionar as políticas públicas para o incremento da economia e geração de empregos. O simples fato de se preocupar em fazer um mapeamento de sua realidade interna desperta o potencial de contribuição para o sucesso da Agenda e as recentes estratégias de impulsionar o crescimento econômico da região, em abordagem tipicamente bottom-up, sinalizam horizontes melhores para o desenvolvimento sustentável. A partir de 2019, o estado começou a intensificar sua atuação internacional, com foco em divulgação e trocas comerciais. Em agosto/2019, foi inaugurado um escritório comercial da InvestSP, em Xangai10, na China e em fevereiro/2020 foi inaugurado outro em Dubai, nos Emirados Árabes11, que funcionarão como instrumento de divulgação internacional do estado e dos produtos produzidos na região, possibilitando não somente a projeção global, mas principalmente induzindo as exportações de produtos paulistas para o mercado asiático. A Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade - InvestSP, é um serviço social autônomo, sob a estrutura de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública e seu objetivo é “promover a execução de políticas de desenvolvimento, especialmente as que contribuam para a atração de investimentos, a redução das desigualdades regionais, a competitividade da economia, a geração de empregos e a inovação tecnológica”. A iniciativa acerca da representação comercial da InvestSP na China e nos Emirados Árabes foi política e partiu do governador João Doria, contando com a intermediação e representação estadual em todas as fases de implantação, inclusive durante a inauguração, com presença de comitiva do governo de São Paulo. A estratégia paradiplomática é pioneira entre os subnacionais brasileiros e também bastante audaciosa, seja pelas perspectivas de novos mercados e aquecimento da economia regional e pelo fato da InvestSP ser constituída como Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade – InvestSP. InvestSP inaugura escritório de promoção comercial em Xangai. Disponível em: < https://www.investe.sp.gov. br/noticia/investsp-inaugura-escritorio-de-promocao-comercial-em-xangai/ >. Acesso em 10 abr 2020. 11 Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade - InvestSP, Governo do Estado inaugura escritório comercial de SP em Dubai. Disponível em: < https://www.investe. sp.gov.br/noticia/governo-do-estado-inaugura-escritorio-comercial-de-sp-em-dubai/ >. Acesso em 10 abr 2020. 10 155 Paradiplomacia Ambiental pessoa jurídica de Direito Privado, o que permite assimilar que o conceito de paradiplomacia é bastante amplo, admitindo que os vínculos internacionais sejam firmados não somente envolvendo atores públicos, mas também entes privados (BOTTO, 2015, pag. 164). Nas trocas internacionais bilaterais, o estado também tem investido em estratégias voltadas a captação de investimentos na região. Em janeiro de 2019, durante a participação do estado no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Alpes Suíços), a Bracell, indústria de celulose que possui um polo industrial no estado da Bahia, firmou acordo para instalação de nova unidade em Lençóis Paulista, no interior do estado de São Paulo, cujas obras foram iniciadas em agosto de 2019, com previsão de conclusão em 2021, estimando-se a criação de 11.000 empregos durante a implantação e aproximadamente 6.500 empregos após o início das atividades. A instalação da indústria, além de representar um incremento à economia, também implicará em melhorias sociais no local, pois a parceria firmada com o governo estadual inclui a destinação de parte do investimento em projetos comunitários, melhoria das infraestruturas de saúde e segurança pública nos municípios do entorno e programas de qualificação de trabalhadores e fornecedores locais para atender a demanda da nova fábrica, contribuindo para elevação do nível de qualidade de vida da população daquela localidade. A parceria priorizou aspectos relativos à inovação e sustentabilidade, pois a fábrica utilizará a biomassa como matéria-prima, que é 100% renovável, realizará a captação de água de chuva para utilização no processo produtivo e ainda produzirá energia renovável, gerada a partir da queima da fração orgânica do licor, abastecendo o sistema de fornecimento de energia verde para a rede nacional, que poderá contribuir para o aumento da segurança energética do país12. Em agosto de 2019, durante visita do estado de São Paulo à Alemanha, a empresa automotiva Volkswagen anunciou um aporte de R$ 2,4 bilhões na fábrica de São Bernardo do Campos, direcionados à produção de um novo modelo de veículo, que poderá resultar em um acréscimo na oferta de 1,5 mil empregos, diretos e indiretos13, e, em setembro, durante visita ao Japão, a Toyota anunciou investimentos de R$ 1 bilhão, na fábrica situada em Sorocaba, também para fabricação de um novo modelo de veículo, que poderão gerar cerca de 300 novos empregos diretos e indiretos14. ESTADO DE SÃO PAULO. Governo de SP firma nova parceria com Bracell para investimento de R$ 1 bi no Estado. Disponível em: < https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-de-sp-firma-nova-parceria-com-bracell-para-investimento-de-r-1-bi-no-estado-2/ >. Acesso em 10 abr 2020. 13 SÃO PAULO. Volkswagen anuncia o investimento de R$ 2,4 bilhões em SP. Disponível em: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/volkswagen-anuncia-o-investimento-de-r-24-bilhoes-em-sp/>. Acesso em 10 abr 2020. 14 SÃO PAULO. Toyota anuncia investimento de R$ 1 bilhão em SP. Disponível em: < https:// www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/toyota-anuncia-investimento-de-r-1-bilhao-em- 12 156 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável A representação comercial internacional em países que concentram economia forte e tendência a investimentos externos, bem como as tratativas comerciais realizadas permitem sinalizar um incremento da economia, o que poderá contribuir para que as taxas de decréscimo do crescimento econômico se alterem e que o desemprego diminua. No âmbito interno, em maio de 2019, o estado iniciou um programa de incentivo no setor produtivo, dividindo a região em polos de desenvolvimento econômico, distribuídos em áreas sensíveis da economia (saúde e farma; metal-metalúrgico, máquinas e equipamentos, automotivo, químico, borracha e plástico, derivados do petróleo e petroquímico, biocombustíveis, alimentos e bebidas, têxtil, vestuário e acessórios, couro e calçados, tecnologia e eco florestal), cujo objetivo é estimular que uma determinada produção se concentre na mesma região geográfica do estado e facilite o desenvolvimento de estratégias de produção e instrumentos de integração da cadeia produtiva, visando, através da políticas públicas a serem desenvolvidas, atrair novos investimentos por meio da simplificação tributária e regulatória, estimular o aumento da produtividade da indústria com financiamento competitivo, incentivar a inovação tecnológica e principalmente gerar empregos, renda e qualificação profissional para a população15. No âmbito da Secretaria de Cultura e Economia Criativa está sendo desenvolvido um programa de qualificação profissional, o São Paulo Criativo, cujo foco são os jovens, visando a capacitação e qualificação profissional através de cursos oferecidos por órgãos estaduais, em setores da economia criativa, tais como inovação, design, desenvolvimento de softwares, publicidade, gastronomia, turismo e áreas ligadas ao entretenimento, com o objetivo de contribuir para a geração de emprego e renda, bem como estimular o empreendedorismo16. Percebe-se que o estado de São Paulo, no âmbito de suas políticas públicas, tem focado na implementação do ODS 08, optando pelos instrumentos econômicos de gestão, projetando sua atuação internacional e a regulação interna de mercado por instrumentos de estímulo e incentivo produtivo. Esses instrumentos econômicos, aliados à responsabilidade ambiental, podem ser eficazes na modulação da economia, no sentido de direcionar o crescimento econômico a alternativas sustentáveis. Essas políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas internamente, aliadas a projeção internacional em busca de novos mercados podem auxiliar no crescimento econômico e fomentar as ofertas de emprego. Maiores e melhores ofertas -sp/ >. Acesso em 10 abr 2020. 15 ESTADO DE SÃO PAULO, Governo Paulista anuncia 11 polos de desenvolvimento econômico. Disponível em: < https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/governo-paulista-anuncia-11-polos-de-desenvolvimento-economico/ >. Acesso em 15 abr 2020. 16 SÃO PAULO CRIATIVO. Disponível em: < http://www.saopaulocriativo.sp.gov.br/index. html# >. Acesso em 14 abr 2020. 157 Paradiplomacia Ambiental de trabalho, com estímulos públicos direcionados, podem ser vetores para o investimento em qualificação profissional por parte do empresariado quanto por parte da população. E se tudo isso for desenvolvido com responsabilidade ambiental, o caminho a trilhar em busca do desenvolvimento sustentável pode ser encurtado. A perspectiva de estabilidade tributária e regulatória acenada pelo estado já demonstrou a capacidade na atração de novos investimentos, que fatalmente aumentarão as ofertas de trabalho e a necessidade por trabalhadores qualificados podem induzir mudanças comportamentais coletivas, incentivando o mercado a investir em seus funcionários, financiando aprimoramento profissional, como também despertar o interesse nas pessoas que não estão empregadas ou que almejam novas e melhores oportunidades, a voltarem aos bancos acadêmicos de qualificação profissional. “O que se evidencia na dimensão econômica da sustentabilidade é que a economia precisa ser devidamente contrabalançada a ponto de permitir um crescimento econômico em longo prazo, duradouro, sério e comprometido com a vida humana e do próprio planeta” (GOMES e FERREIRA, 2018). O incentivo no aumento da produção amplia as ofertas de trabalho e gera estabilidade profissional e econômica, permitindo que as pessoas produzam sua própria qualidade de vida, contribuindo para a diminuição da pobreza e da miséria (GOMES e FERREIRA, 2018). Em via reflexa, menos pessoas na faixa da pobreza e miséria auxilia na diminuição do ônus estatal de viabilizar direitos básicos, cuja tendência é direcionar a receita ociosa em mais qualidade social, gerando o círculo virtuoso do desenvolvimento. Além disso, os órgãos ambientais paulista, já de longa data, exigem uma produção sustentável desde o processo de licenciamento da atividade e que se mantém com o mesmo grau de exigência nas respectivas renovações, condicionadas à demonstração de eficiência aumentada no uso de recursos naturais e investimentos em tecnologia e processos industriais menos impactantes ao meio ambiente, prova disso foi o conteúdo da parceria firmada com a empresa Bracell. A exigência da conformidade ambiental de suas empresas, aliada a expertise nas questões ambientais, construída pela excelência técnica de suas agências, como é o caso da Cetesb, a participação ativa nas discussões ambientais globais e em redes transnacionais, contribuíram para que o estado se tornasse uma referência internacional nas questões ambientais, completando o tripé necessário para a busca da sustentabilidade. 158 ODS 08 - A importância da dimensão subnacional do crescimento econômico sustentável 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A paradiplomacia está cada vez mais presente no cenário internacional e os governos subnacionais vêm exercendo protagonismo nas discussões e enfrentamento de temas globais relevantes, como na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Os ODS são globais e não localizados, mas as medidas concretas de melhoria da qualidade de vida são muito mais perceptíveis nos níveis locais e regionais, pois são as cidades e regiões que se encontram na linha de frente do suporte estatal da dignidade, viabilizando o acesso aos direitos fundamentais básicos, como educação, moradia digna, oportunidade de emprego, acesso à saúde, entre outros. A política de desenvolvimento sustentável não pode e nem precisa ser exercida de forma solitária pelo governo central, devendo ser complementada pelas políticas subnacionais, porque a atuação em camadas, de forma coordenada e harmônica, é um poderoso vetor para potencializar resultados sustentáveis. A importância da localização dos ODS foi reconhecida e incentivada pela Agenda 2030 e essa atuação complementar, em iniciativas bottom up, ao contrário de enfraquecer ou colocar oposição aos objetivos e compromissos assumidos pelo Brasil, fortalece os interesses nacionais e globais, ampliando o conjunto de condições necessárias à consecução do desenvolvimento sustentável, porque trabalham as individualidades e peculiaridades dos estados-membros e municípios, que concentram e agem diretamente na solução dos problemas sociais e ambientais. Aceitar a contribuição dos governos subnacionais é um desafio a ser enfrentado e que parece já ter sido superado pelo Governo Federal, ao incluir a participação dos estados e municípios na Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), representados pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) e pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais do Meio Ambiente (ABEMA). A relevância da contribuição também parece ter sido assimilada pelos entes subnacionais, seja pelo acordo firmado entre a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e a ONU, visando a cooperação, fortalecimento e contribuição municipal para a implementação dos ODS e a iniciativa de vários estados brasileiros, entre eles Minas Gerais, Distrito Federal, Pará, Piauí, Ceará, Paraíba, Bahia, Paraná e São Paulo no sentido de incorporaram os ODS em suas políticas públicas regionais. No caso pontual do estado de São Paulo, o estudo permitiu concluir uma atuação paradiplomática audaciosa e inovadora, investindo na sua representação internacional em países estratégicos para a ampliação do mercado externo 159 Paradiplomacia Ambiental e através de uma empresa privada de promoção social (InvestSP). Nas trocas bilaterais e em políticas internas, o subnacional tem desenvolvido estratégias que focam na estabilidade econômica, na indução do mercado de trabalho e na capacitação profissional. As políticas desenvolvidas pelo subnacional já sinalizaram perspectivas de futuro promissor, atraindo novos e significativos investimentos no setor produtivo, em parcerias que priorizam não somente aspectos econômicos, mas também os ambientais e sociais, que podem ser indutores do crescimento econômico em conformidade com o desenvolvimento social. Tudo isso, aliado à séria e comprometida política ambiental desenvolvida por seus órgãos ambientais, permitem sinalizar o aporte regional para o desenvolvimento sustentável nacional. O presente trabalho procurou demonstrar que os governos subnacionais são importantíssimos para a implementação dos ODS, em particular o ODS 08, objeto do estudo e que as políticas públicas de desenvolvimento sustentável podem ser desenvolvidas por instrumentos econômicos inovadores e extremamente importantes para garantir o bem-estar das presentes e futuras gerações, concluindo, de forma mais específica, que a paradiplomacia do estado de São Paulo, complementada por suas políticas internas, indicam uma habilidade para gerar ou induzir um padrão industrial inclusivo e que podem dar sustentação ao tripé que compõe a sustentabilidade, perseguindo o crescimento econômico, o respeito ao meio ambiente e o desenvolvimento social. REFERÊNCIAS AGÊNCIA PAULISTA DE PROMOÇÃO DE INVESTIMENTOS E COMPETITIVIDADE – INVESTSP. InvestSP inaugura escritório de promoção comercial em Xangai. 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Fernanda Cuculo Abdul-Hak Antelo1 ODS 9 - Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação. META 9.1 - Desenvolver infraestrutura de qualidade, confiável, sustentável e resiliente, incluindo infraestrutura regional e transfronteiriça, para apoiar o desenvolvimento econômico e o bem-estar humano, com foco no acesso equitativo e a preços acessíveis para todos. META 9.a - Facilitar o desenvolvimento de infraestrutura sustentável e resiliente em países em desenvolvimento, por meio de maior apoio financeiro, tecnológico e técnico aos países africanos, aos países menos desenvolvidos, aos países em desenvolvimento sem litoral e aos pequenos Estados insulares em desenvolvimento INTRODUÇÃO A Agenda 2030 é a resposta ao reconhecimento, alcançado em setembro de 2015 em Nova York, em reunião com representantes dos 193 estados-membros da ONU, que “a erradicação da pobreza em todas as suas dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável” (ONU, 2015). O conceito de desenvolvimento sustentável passou a ser difundido a partir de 1987, após a divulgação do Relatório de Brundtland — este documento foi o resultado de discussões realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e presididas pela médica e diplomata norueguesa Gro Harlem Brundtland, em 1983 — cuja ideia principal indicava que o desenvolvimento só é efetivo quando permite a sustentação das gerações presentes, sem comprometer a sobrevivência das gerações futuras. (LIRA DANTAS et al., 2009). Entretanto, ainda se caminha em sentido contrário ao proposto no relatório, visto que o atual modelo de desenvolvimento prioriza a dimensão econômica, baseando-se no lucro e promovendo a escassez dos recursos naturais e o 1 Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica de Santos/2017. Pós graduada em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Universidade Cruzeiro do Sul/2020. 165 Paradiplomacia Ambiental aumento das desigualdades sociais. O desenvolvimento sustentável consiste no equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ambiental. Para se alcançar esse nível de desenvolvimento, é fundamental a contribuição de várias áreas do conhecimento. A construção civil é um campo de atuação com forte papel nesse caminho. (CARVALHO, Thaís Márjore Pereira de e LOPES, Wilza Gomes Reis, 2012). O tema Inovação, afigura-se como elemento mais básico dos ODS, pois são necessárias para que grandes mudanças positivas sejam efetivadas, e são imprescindíveis ao atingimento de todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ARAÚJO, José David, 2018). A Bioarquitetura pode ser considerada uma forma de inovar, é possível usufruir da utilização os recursos naturais locais para a construção de edificações e infraestruturas, propiciando à população de baixa renda o desenvolvimento de forma sustentável. Nesse artigo será discutida a ODS 9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação. Em paralelo, introduzir-se-á ao tema a Bioarquitetura, na qual é um segmento da Arquitetura que possibilita integrar e harmonizar funcionalidade, conforto e beleza às construções com o respeito ao ecossistema e uso de matérias prima locais. INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRAESTRUTURA O termo Inovação aparece de forma destacada no 9º ODS, que trata, já em seu título de Indústria, Inovação e Infraestrutura, definindo-o como “construir infraestruturas robustas, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação” (ONU, 2015). Para o atingimento das metas propostas pela Agenda 2030, a inovação torna-se imprescindível. Inovação não significa, mas implica, mudança. E todas as metas e objetivos da ODS trazem a necessidade dessa mudança. De acordo com a ONU (2017), um total de 2,1 bilhões de pessoas não têm acesso a água potável, mais de 1,2 bilhão vive sem eletricidade, entre 1.000 e 1,15 bilhão não podem acessar serviços de telefonia confiáveis. Esses dados demonstram que, mesmo com toda a evolução em tecnologia de uns anos para cá, ainda há muito a ser feito, principalmente em países em desenvolvimento, com maior nível de pobreza e desigualdade social. O progresso tecnológico é necessário para encontrarmos soluções definitivas para desafios econômicos e ambientais, assim como gerar novos empregos e promover a eficiência energética. Promover indústrias sustentáveis e investir em pesquisa científica e inovação são formas importantes de facilitar o desenvolvimento sustentável. Investimentos em infraestrutura e inovação são indutores cruciais do cres166 Indústria, inovação e infraestrutura cimento econômico e do desenvolvimento. Com mais da metade da população vivendo em cidades, transportes regionais e transfronteiriços com destaque para as questões de segurança, desigualdades regionais e integração do país, além da sustentabilidade e do acesso equitativo, são essenciais para o desenvolvimento sustentável, conforme indica a meta 9.1. As vantagens do transporte público de qualidade são inúmeras, algumas delas são: mais econômico que o transporte individual, menos automóveis nas ruas, ocasionando a diminuição da liberação de gases que contribuem para o efeito estufa, menos tempo do usuário dentro do mesmo, obtendo uma melhor qualidade de vida e entre outras. É preciso destacar que a equidade regional também deve ser avaliada em relação à população, de forma a dimensionar a necessidade de autoestradas nas regiões menos populosas. Considerando a situação atual de países em desenvolvimento, onde temos um déficit habitacional com o surgimento de submoradias, não estamos prontos para essa grande densidade de pessoas nas cidades. Cabe aos profissionais da área de construção surgir com soluções para que desde já nós consigamos diminuir esses impactos e possamos já planejar o futuro e, a Bioarquitetura é uma dessas soluções. INOVAÇÃO E BIOARQUITETURA Desde os primórdios, os seres vivos utilizavam materiais naturais para edificar, em diversas culturas e épocas. Com as inovações tecnológicas, grande parte destas técnicas foi esquecida. A milenar arquitetura de terra foi substituída aos poucos e, hoje, muitas vezes seu uso é associado à miséria e à pobreza. Acredita-se que a Bioarquitetura pode contribuir para a sustentabilidade na construção civil, por tratar-se de materiais que envolvem menor consumo energético, geram menos rejeitos e têm baixa emissão de poluentes e apresentam excelente durabilidade, versatilidade e viabilidade econômica, além de sua importância histórico-cultural. Alguns desses materiais, como a terra, apresentam inúmeras vantagens, dentre elas: isolamento térmico, possibilidade de renovação interna do ar, baixo custo, reduzido impacto ambiental, facilidade de transferência tecnológica e, principalmente, o fato da terra crua ser reutilizável. A Bioarquitetura é o futuro. Essa é a arquitetura que mais busca promover a interação entre espaços e ecossistemas e que mais preserva atualmente. Ela inclui construções ecológicas, construções sustentáveis, e construções bioclimáticas. Com a Bioarquitetura os espaços passam a ser mais vividos e cheios de natureza. Uma das vertentes da Bioarquitetura, é a Arquitetura Vernacular, na qual 167 Paradiplomacia Ambiental preza pelo uso de materiais locais, algumas vezes de técnicas tradicionais, de tipologias regionais e adequadas ao ambiente. Ela se integra ao ambiente por utilizar materiais orgânicos e ter grande resistência ao tempo. Esse tipo de construção utiliza técnicas que contribuem para um bom isolamento térmico e acústico.² A principal característica da arquitetura vernacular é o respeito e a sensibilidade às condições locais do meio geográfico onde se situa, além da simplicidade. Normalmente, ela é produzida por povos que dispõem de um nível tecnológico menos avançado. Cada local possui sua singularidade, como questões geográficas e culturais, assim, a Arquitetura Vernacular proporciona a oportunidade de construção a todos, já que é utilizado matéria prima local, tornando-a acessível, sendo até mesmo uma solução de desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida nos países menos favorecidos, como os africanos. Para melhor aproveitamento desses materiais ecológicos, é necessário uma técnica, para que todas as medidas preventivas cabíveis e os parâmetros construtivos adequados sejam realizados em conformidade com as determinações técnicas. A partir daí, é possível avaliar quais as contribuições que este material traz para um melhor desempenho energético nas construções e em quais situações seu uso seria o mais pertinente. Além da construção da estrutura, na Bioarquitetura as edificações são projetadas com amplas janelas que auxiliam na ventilação natural, recebem placas fotovoltaicas que retém os raios solares e os transforma em energia elétrica limpa, além de fazer captação da água da chuva que ajuda a reduzir o consumo dos recursos hídricos. Porém, o fator econômico pode ser um impedimento na implantação desses recursos, aí é que os países mais desenvolvidos podem auxiliar, conforme estabelece a meta 9.a, dando apoio financeiro, tecnológico e técnico. Entre os principais benefícios da Bioarquitetura, estão: o custo inferior, diminuição do uso racional de recursos naturais, da geração de resíduos e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e maior eficiência energética e hídrica. CONCLUSÃO A pobreza e a desigualdade socioeconômica ainda são muito evidentes e vivenciadas em todo o mundo. Não há uma solução pontual para esse grande problema, mas já se sabe que o desenvolvimento sustentável, de forma harmônica e coletiva, com a implantação das ODS é a única saída. A construção civil é o setor mais responsável pela exploração dos recursos naturais e, portanto, o maior contribuinte da degradação ambiental. É necessário o surgimento de alternativas como a construção sustentável, que tem como princípios básicos, o 168 Indústria, inovação e infraestrutura desenvolvimento de matérias-primas e energias renováveis, redução da quantidade de materiais, água e energia utilizados, reaproveitamento das águas, entre outros. Assim, teremos um mundo mais igualitário e justo. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, J.D.. Inovação nos ODS: A inovação como fator histórico de progresso. 2018. Disponível em: <https://www.tce.sp.gov.br/epcp/cadernos/ index.php/CM/article/view/54/49>. Acesso em: fev.2020. CARVALHO, T. M. P. de; LOPES, W. G. R.. 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Bioarquitetura. Disponível em: <https://arquitetoleandroamaral.com/bioarquitetura/>. Acesso em: mar. 2020. 169 ALÉM DO HABITUAL: REFLEXÕES SOBRE PROPOSTAS DE SOLUÇÕES DURÁVEIS NO ÂMBITO DAS MIGRAÇÕES FORÇADAS. Rosilandy Carina Candido Lapa1* ODS10 - Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. Meta 10.7 – Facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e responsável das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas. INTRODUÇÃO N este capítulo são avaliadas iniciativas relativamente recentes no âmbito das criação, adoção e gestão de políticas para promover migrações ordenadas, seguras e regulares. Na primeira parte estuda-se o Global Compact on Refugees, documento que visa representar a vontade política e ambição da comunidade internacional em cooperar de forma solidária para refugiados e países que os recebem. Entende-se que a ação com base no discurso de solidariedade traz certos avanços ao incluir outros atores além dos classicos do Direito Internacional Público. Em sequência procede-se de forma crítica ao discurso da solidariedade por meio da análise de dois casos considerados movidos pelo interesse dos Estados em busca de soluções duráveis, que vão além da habitual assistência humanitária em assentamentos estrutura adequada e atividade econîmica. O primeiro é o Programa de Reassentamento Privado de refugiados do Canada, enquanto o segundo consiste no caso do campo de refugiados socioeconomicamente ativo em Bidi Bidi, Uganda. Ambos os casos partem do princípio de self reliance strategy, ou seja, estratégia de autosuficiência, que considera o interesse das comunidades receptoras e do Estado como forças motrizes de ações para integração local dos imigrantes forçados, entre eles, os refugiados. 1. As Nações Unidas e a Global Compact for Refugees (GCR) Bacharela em Relações Internacionais, Mestra em Direito Internacional e Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos. Pesquisadora e consultora na área do Direito Internacional com foco em Direitos Humanos, Migrações Forçadas e Apatridia. 1 170 Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito das migrações forçadas O Global Compact é uma proposta com base no discurso da solidariedade, voltada para a divisão do fardo e da responsabilidade para acolher e dar suporte aos refugiados no mundo, promoção do Alto Comissariado das Nações Unidas. A proposta do Pacto surgiu após a Declaração de Nova York (2016), documento que surgiu por meio de diálogos entre Estados sob a mediação das Nações unidas. (ONU, 2016, p. 06). Nele, os Estados expressaram solidariedade aos que são forçados a fugir, reafirmaram suas obrigações sobre respeitar e proteger os direitos dos refugiados, concordaram a respeito da necessidade em dividir a responsabilidade de modo equitativo, prestando auxílio aos Estados de primeiro asilo, e, por fim, comprometeram-se em trabalhar para o adotar um pacto global para refugiados e outro para migrações, seguras, ordenadas e regulares. Juntamente com a Declaração de Nova York surgiu o Quadro Abrangente de Resposta aos Refugiados (The Comprehensive Refugee Response Framework), que idealiza como seu nome sugere “objetivos chave para serem aplicados em movimentos de grande escala de refugiados e situações prolongadas”. Ressaltamos que nenhum dos dois documentos tem cláusulas de coercibilidade. Prontamente, o Alto Comissariado das Nações Unidas intensificou seus esforços em promover o Global Compact como uma oportunidade única para fortalecer a resposta internacional para grandes movimentos de refugiados, com quatro objetivos principais (ONU, 2016, p. 07): (i) facilitar as pressões sobre os países que acolhem e hospedam refugiados; (ii) construir a autoconfiança dos refugiados; (iii) expandir o acesso ao reassentamento em países terceiros e outros percursos complementares; (iv) promover condições que permitam aos refugiados regressarem voluntariamente aos seus países de origem. A proposta se aproxima da teoria dos pesquisadores Turk e Garlick (2017), que indicam a solidariedade como força motriz para a cooperação. Entre os pontos positivos, está a compreensão de que a cooperação hoje não se resume nas mesmas ações realizadas no passado, apenas por Estados, agora reconhece a necessidade de ampla participação da iniciativa privada e sociedade civil. Entretanto, embora seja moralmente perfeito, o Global Compact não aponta soluções práticas, apenas reforça as mesmas insuficiências das tentativas passadas com nova roupagem. Reconhece que, “embora seja tremenda a generosidade dos Estados de asilo e doadores, o fosso entre necessidades e financiamento humanitário aumentou” (UN, 2018, p. 02). Para solucionar a questão, os princípios norteadores indicados pelo documento são os seguintes: (ii) Princípios orientadores 5. O pacto global emana dos princípios fundamentais da humanidade e da solidariedade internacional, e busca operacionalizar os princípios de compartilhamento de responsabilidades e responsabilidades para melhor proteger e assistir os refugiados e apoiar os países 171 Paradiplomacia Ambiental e comunidades de acolhimento. O pacto global é inteiramente não-político por natureza, inclusive em sua implementação, e está alinhado com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.2 (UN, 2018, p. 02) Outro fator que demanda atenção no Global Compact é que ele ressalta desde seu preâmbulo que representa a vontade política e ambição da comunidade internacional para o fortalecimento da solidariedade (UN, 2018, p. 02). Desse modo, para o ACNUR, as ideias expressas no documento, como plataforma de suporte para mobilizar Estados, troca de relatórios entre Estados e ACNUR, além de abordagem jurídica conjunta entre Estados e a ACNUR, dependem novamente do espírito de solidariedade. Tal como explorado por Betts (2008), Zieck (2009) e Loescher (1993), autores que compreendem a cooperação internacional como parte de um sistema composto por interesses e barganhas, observa-se que o ACNUR tenta reinventar seu lugar na proteção aos refugiados, porém de maneira equivocada. Novamente, utilizando a mesma fórmula na qual evoca a solidariedade como um princípio e, como em 2004, na Convention Plus Iniciative, incorpora temas e ações que demandam alterações significativas nas políticas migratórias dos Estados, que, por sua vez, não tem interesse em fazê-lo. Pode-se utilizar como exemplo o Item 1.5 do Global Compact, sobre necessidades específicas, a respeito da identificação e assistência específica às mulheres em risco, sobreviventes de tortura, crianças, vítimas de tráfico de pessoas, entre outros. A solução proposta pelo Global Compact é uma equipe formada por agentes do Estado e do ACNUR no primeiro atendimento, na fronteira, para garantir o tratamento adequado às diferentes necessidades (ONU, 2016, p. 12). Tal ação relaciona-se diretamente com a soberania dos Estados para estabelecer seus processos e práticas, inserindo o ACNUR em um patamar não confortável para os Estados. Assim como em 2004, na Convention Plus Iniciative, diversos Estados recusaram-se a cumprir os objetivos do documento logo após a sua oficialização em dezembro de 2019, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Os que haviam aderido à Declaração de Nova York (2016) começam a questionar a legitimidade do Global Compact e do ACNUR para gerenciar questões migratórias, como fizeram os Estados Unidos da América (2017, n.p). A América está orgulhosa de nossa herança imigrante e de nossa liderança moral de longa data em fornecer apoio a populações migrantes e refugiadas Do original: “(ii) Guiding principles 5. The global compact emanates from fundamental principles of humanity and international solidarity and seeks to operationalize the principles of burden- and responsibility-sharing to better protect and assist refugees and support host countries and communities. The global compact is entirely non-political in nature, including in its implementation, and is in line with the purposes and principles of the Charter of the United Nations” (tradução livre) 2 172 Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito das migrações forçadas em todo o mundo [...] Mas nossas decisões sobre políticas de imigração devem sempre ser feitas apenas por americanos e americanos. Nós decidiremos como controlar melhor nossas fronteiras e quem será autorizado a entrar no nosso país. A abordagem global na declaração de Nova York simplesmente não é compatível com a soberania dos EUA3. Assim, ao empregar novamente o princípio da solidariedade e ao mesmo tempo propor um controle de fronteira coletivo entre agentes do Estado e ACNUR, mesmo por razões humanitárias, cria-se o reforço das ações restritivas dos Estados ao invés do alcance da cooperação. A União Europeia ressaltou, em seu posicionamento relacionado ao Global Compact, que alguns “Estados desenvolvidos manifestaram interesse em pagar para Estados em desenvolvimento receberem as suas cotas de reassentamento de refugiados” (EUROPEAN UNION, 2018, p.10), intenção que demonstra o tipo de solidariedade aplicada pelos Estados. Em nossa análise, observamos que o Global Compact representa um híbrido das seguintes ações: 1- Convention Plus Initiative (UNHCR, 2005), sobre a reafirmação dos Estados com relação aos compromissos assumidos na Convenção de 1951 e Protocolo de 1967, cooperação e solidariedade no âmbito do refúgio, acompanhado de subpropostas que seriam desenvolvidas pelos atores; 2- Ações da International Cooperation to Share Burden and Responsabilities (UNHCR, 2011), referente atuação conjunta dos Estados, iniciativa privada e sociedade civil, em diferentes níveis e de acordo com suas capacidades. 2. Reassentamento no Canadá a partir da atuação da sociedade civil e da iniciativa privada Recorre-se ao exemplo do programa de reassentamento privado realizado no Canadá. Mesmo antes de ratificar a Convenção de 1951 (realizada em 1969), o Canadá figurava entre os Estados que mais reassentou refugiados (O’LEARY, 2018 [1956]). Em 1978, o Estado elaborou nova Lei de Migração que reconhece os refugiados de acordo aos conceitos estabelecidos na Convenção de 1951, e aprovou o sistema de determinação da condição de refugiados e passou a permitir o patrocínio privado para fins de reassentamento, único em atividade no mundo. Em 1979, aproximadamente 50 mil refugiados, oriundos da crise no sudeste asiático, foram reassentados pelo programa de patrocínio privado. O Canadá Do original: “America is proud of our immigrant heritage and our longstanding moral leadership in providing support to migrant and refugee populations across the globe … But our decisions on immigration policies must always be made by Americans and Americans alone. We will decide how best to control our borders and who will be allowed to enter our country. The global approach in the New York declaration is simply not compatible with US sovereignty.” (tradução livre) 3 173 Paradiplomacia Ambiental também reassentou 5.000 mil kosovares (CCR, 2015) e aproximadamente 25 mil sírios em 2015 (CCR, 2019, n.p; CCR, 2016). Pessoas com status de refúgio reconhecido por um Estado ou pelo ACNUR, conforme a Convenção de 1951 e seu protocolo de 1967, e que estejam de acordo com os requisitos do Private Sponsorship of Refugees Program (PSR) do Canadá, podem participar do referido programa de reassentamento privado (CCR, 2017). Aqueles sem o status de refugiado podem ser patrocinados apenas por Organizações da Sociedade Civil e não por outros grupos derivados do programa de reassentamento. Um oficial do governo decide pela elegibilidade por meio de entrevista, documentos que comprovem a condição de refugiado e apoio do grupo privado, além de informações suplementares, como por exemplo informações do Estado de primeiro asilo e de origem (CCR, 2017. n.p.). O PSR é constituído por cinco grupos que efetivamente se comprometem com o apoio de reassentamento (CCR, 2017): 1) Organizações da Sociedade Civil e outras (Sponsorship Agreement Holders - SAHs) – incorporated organizations (personalidades jurídicas, em tradução para o conceito jurídico brasileiro aproximado) - detentoras de um acordo de patrocínio privado de reassentamento. Apenas esse grupo pode patrocinar o reassentamento de indivíduos cujo status de refugiado não é certo; 2) Grupos Constituintes (Constituent Groups - CGs) que são partes autorizadas pelas SAHs para patrocinar reassentados; 3) Grupos de Cinco (Groups of Give - G5). Cinco indivíduos cidadãos ou residentes permanentes no Canadá, com no mínimo 18 anos, que vivam na comunidade receptora daquele(s) que pretende(m) reassentar. 4) Patrocinadores Comunitários (Community Sponsors - CSs) - Organizações privadas sem ou com fins lucrativos localizadas na comunidade onde serão recebidos os refugiados; 5) Parceiros que dividirão a assistência ao reassentamento, inclusive indivíduos (pessoas físicas), autorizados como “parceiros co-participantes ou co-patrocinadores” (Partner-co-sponsor) autorizado por SAH, CG ou CS. Essas categorias de entidades privadas do PSR devem provar que tem capacidade financeira para participar do programa e se responsabilizam por todo o processo de integração, que envolvem a residência, custos domésticos, busca por emprego, educação e saúde (CCR, 2017). A duração do apoio varia entre 12 e 36 meses em casos excepcionais e também se refere aos valores custeados de antemão pelo Governo do Canadá, como os gastos com passagem aérea de vinda, feitos em formato de empréstimo aos 174 Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito das migrações forçadas reassentados caso estes estejam impossibilitados de ressarcir os valores. No sistema de referência dos patrocinados os grupos patrocinadores nomeiam o refugiado ou a unidade familiar que é de seu interesse reassentar (CCR, 2017). Por fim, o PSR é um programa complementar ao Government Assisted Refugees, programa do governo do Canadá para reassentamento de refugiados (CCR, 2017). O PSR é composto de organizações religiosas e étnico-culturais, visando os grupos particularmente mais vulneráveis. Um dos princípios do PSR é a nomeação que confere aos patrocinadores capacidade sobre o reassentamento daquelas comunidades, grupos ou indivíduos refugiados que dizem respeito às suas comunidades ou identificação religiosa ou étnico-cultural (CCR, 2017, n.p.). O exemplo demonstrado pelo Canadá com o reassentamento privado e ações da sociedade civil assemelha-se a proposta do pesquisador Betts (2009), pois considera o interesse dos atores para promover o bem comum entre quem quer ser reassentado e os que desejam reassentar. Demonstra que é possível cooperar quando há correlação desses interesses, que, por sua vez, moldam-se conforme as necessidades percebidas. 3. Campos de refugiados humanizados: o exemplo de Uganda: BidiBidi A República de Uganda é conhecida no mundo como um dos países com as políticas públicas mais progressistas relativas aos refugiados (UNHCR, 2004, p.2). É um Estado historicamente rodeado por outros Estados jovens, subdesenvolvidos, em conflito ou em períodos de transição (UNHCR, 2004, p.1). Por isso, Uganda tornou-se o epicentro para refugiados por muitas décadas. Entre 1942 e 1944 refugiados da Polônia foram recebidos em dois campos, Nyabyeya (Masindi), Koja (Mpunga) e no distrito de Mukono. Durante a primeira metade do Século XX, campos foram estruturados para alemães, italianos, austríacos, romenos, búlgaros, yugoslavos, húngaros, legionários franceses, malteses e judeus apátridas (UNHCR, 2004, p.1). Desde 1940, antes do surgimento da Convenção de 1951 e o conceito jurídico do status de refugiado, Uganda mantém uma política para refugiados centrada no desenvolvimento social: Encontrar soluções duráveis para os problemas dos refugiados pelo endereçamento desses problemas dentro de um quadro de ação de políticas de governo para promoção da auto-suficiência e integração local de refugiados por meio de iniciativas de desenvolvimento social em áreas de recepção (UNHCR, 2004, p.2)4. Do original: “to find durable solutions to refugee problems by addressing refugee issues within the broad framework of government policy and to promote self -reliance and local integration of 4 175 Paradiplomacia Ambiental Ou seja, a busca pela auto-suficiência - self-reliance - é o principal elemento estruturante para as políticas aos refugiados em Uganda. A auto-suficiência e seus princípios norteadores, apesar de já serem historicamente aplicados em Uganda, só foram formalizados no final dos anos 1990 (UNHCR, 2004, p.2). Essa formalização das políticas para refugiados, em adequação à visão de Uganda, ficou conhecida por Self-Reliance Strategy for Sudanese refugees in Uganda (SRS) - Estratégia para auto-suficiência de refugiados sudaneses na Uganda5. O plano foi estabelecido no contexto dos fluxos de refugiados no final dos anos 90, compostos majoritariamente por sudaneses, com concentrações em assentamentos de três distritos específicos; Arua, Myo e Adjumani (UNHCR, 2004, p.2). Estabelecido como conceito em julho de 1998 pelo encontro com Agências da ONU, distritos da Uganda, ONGs e outros, o plano estratégico foi desenvolvido conjuntamente pelo escritório do Primeiro Ministro da Uganda, o Diretório para Refugiados de Uganda (hoje conhecido como Ministério para Preparação de Desastres e Refugiados) e o ACNUR de Uganda (UNHCR, 2004, p.2). Conflitos de compreensão entre o escritório do Primeiro Ministro de Uganda, o ACNUR, e uma introdução inadequada do conceito do SRS para os distritos estagnaram, inicialmente, o desenvolvimento de âmbito nacional das políticas para refugiados (UNHCR, 2004, p.3). Mesmo assim, após os desentraves, o plano começou a ser aplicado a partir dos anos 2002-2003 no seu contexto específico de surgimento; o recebimento de refugiados sudaneses. Em 2002 passou a vigorar, em um molde institucionalizado, a autossuficiência como abordagem para recepção, integração e eventual repatriação de refugiados. O conceito de “autossuficiência” ou “emancipação individual” (self-reliance) nos planos do SRS de 2003 era considerado simplista. Basicamente, o SRS definia self-reliance como “a capacidade dos refugiados em conseguirem seu próprio sustento a partir do ano de 2003” (UNHCR, 2004, p.10)6. Essa definição não levava em conta, por exemplo, que mesmo com a oferta de terras para cultivo, procura para expansão e integração local dos serviços de apoio distritais para refugiados e nacionais, fatores externos ao programa, como novos fluxos de refugiados, infertilidade das terras e secas, afetaram a segurança alimentar, entre outros fatores essenciais para a emancipação da assistência humanitária do ACNUR e do governo (UNHCR, 2004). Esses fatores externos são relevantes na medida em que a segurança alimenrefugees through promoting social development initiatives in hosting areas.” (tradução livre) 5 Self-Reliance também pode ser traduzido como “emancipação”. Ou seja, no título completo: Estratégia para emancipação ou autossuficiência de refugiados Sudaneses na Uganda. 6 Do original: “[...] self-reliance means that refugees would be able to support themselves by the year 2003” (tradução livre) 176 Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito das migrações forçadas tar é vista como um dos pilares do SRS e para a autossuficiência. A segurança alimentar dos assistidos está diretamente relacionada ao provimento de terras aráveis pelo Governo de Uganda, feito com base no “direito de uso pelo tempo em exílio/refúgio” dos usufrutuários das terras, nomeadamente os refugiados prima facie (UNHCR, 2004, p.13). Essa estratégia permitiu que diversos assentamentos de refugiados deixassem de receber provisões alimentícias, racionadas em períodos relevantes, mesmo nos casos afetados por ocorrências externas como secas, pestes, enchentes e insegurança climática em geral. Nesses períodos, houve distribuição suplementar de alimentos por instituições humanitárias (UNHCR, 2004, p.14). Em termos de integração local, pelo SRS ser voltado ao desenvolvendo comunitário e não apenas ajuda humanitária e assistencialismo, descreve-se considerável coesão social e coexistência entre comunidades compostas por nacionais de Uganda e refugiados. Entre os fatores que permitem essa coexistência de grupos de diferentes etnias, com diferentes religiões e provenientes de sistemas políticos e sociais diferentes, a receptividade das comunidades é uma das principais forças positivas (UNHCR, 2004, p.13). Adicionalmente, essa percepção positiva do programa ultrapassa fronteiras, angariando visibilidade internacional positiva para Uganda. Pode-se atribuir, como fundação dessa coexistência, a própria estrutura do programa que integra comunidades e distritos não apenas no formato de um plano nacional, mas conforme as necessidades locais. As comunidades, por exemplo, percebem os assentamentos de refugiados estruturados conforme o SRS como uma “chamada para a autossuficiência” e maior acesso de serviços para refugiados e para os nacionais (UNHCR, 2004, p.11). Os serviços que o relatório do ACNUR de 2004 menciona são, especificamente, a integração de serviços públicos para nacionais e para refugiados, nomeadamente nas áreas da saúde, educação, proteção à agricultura, geração de renda, proteção ambiental, água, saneamento e infraestrutura (UNHCR, 2004, 3). Essa integração é feita de forma conjunta com agências humanitárias, fundos do ACNUR e outros agentes. O foco inicial em agências humanitárias seria suplantado progressivamente pela vinda de agências com foco em desenvolvimento. Essa foi uma das suposições centrais do SRS em sua gênese institucionalizada (UNHCR, 2004, p.8). Compreende-se que, além dos serviços públicos, a permissão de livre movimentação no território nacional e a permissão para empreender e trabalhar, não tolhida aos refugiados, permite maior acesso aos serviços privados e iniciativas como mercados locais, promovendo, assim, maior acesso também da população nacional a produtos e serviços. Em termos de estratégia nacional, o sistema de políticas para refugiados 177 Paradiplomacia Ambiental requer que toda ajuda humanitária, por meio de trabalho aos refugiados, doe até 30% de seu orçamento para nacionais de Uganda. Essa integração estrutural, com a ajuda humanitária e o investimento nos acessos aos serviços públicos atendendo aos fluxos de refugiados, representa uma espécie de programa de desenvolvimento para as regiões mais pobres do Nordeste e do Norte de Uganda. A presença de agências humanitárias, inclusive, oferece empregos com alta remuneração para cidadãos nacionais (HATTEM, 2017). Esses elementos contribuem com a manutenção da receptividade e visão positiva da população com relação aos refugiados. O cultivo dessas medidas contribui para que eles sejam vistos como oportunidade ao desenvolvimento mútuo. Ao diminuir conflitos interculturais, étnicos e outros promove-se a coesão social das regiões receptoras de fluxos, o que é um interesse basilar para qualquer Estado mesmo fora do contexto de recepção de refugiados. Conforme as políticas para refugiados descritas e praticadas em Uganda, foi criado assentamento para novo fluxo de refugiados, dessa vez sul-sudaneses7. Esse assentamento é Bidi-Bidi, localizado na região que antes era um espaço árido, vazio e sem cultivo, ao lado da pequena cidade de Yumbe, próxima da fronteira com o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo. Estabelecido oficialmente em setembro de 2016, o assentamento, que antes era uma vila com população esparsa, rapidamente se transformou em um dos maiores assentamentos de refugiados do mundo. O distrito de Yambe, cuja capital é a cidade com mesmo o nome e onde está localizado Bidi-Bidi, tem aproximadamente 555 mil nacionais. No assentamento Bidi-Bidi vivem 270 mil refugiados, correspondendo a mais de um terço da população total do distrito, incluindo nacionais e refugiados. Depois de sua abertura, em setembro de 2016, o assentamento parou de receber refugiados, ao atingir sua capacidade máxima de 270 mil pessoas, em dezembro do mesmo ano. O diretor da Caritas Uganda, Monsenhor Francis Ndamira, disse que “a resposta humanitária em Bidi-Bidi foi a mais rápida que eu já vi em 22 anos trabalhando na Cáritas. [...] nunca vi as coisas acontecerem tão rápido” (CARITAS, 2017, n.p.)8. Conforme a estratégia nacional de Uganda, em parceria com o ACNUR e outras entidades, como a Caritas Arquidiocesana de Uganda, a ajuda humanitária não é apenas emergêncial, mas visa, também, a autonomia e a autossuficiência. No início da sua atuação, a entidade religiosa distribuiu 10.000 toneladas de sementes e 10.000 ferramentas para cultivo em Bidi-Bidi. O cultivo O Sudão do Sul tornou-se independente do Sudão em 2005. O gentílico para aqueles nacionais do Sudão é “sudanês” e para os nacionais do Sudão do Sul “sul-sudanês”. 8 Do original: “It was the most effective response in my 22 years at Caritas” said Msgr Francis Ndamira, national director of Caritas Uganda. “[…] Things have never moved so quickly.” (tradução livre) 7 178 Além do habitual: reflexões sobre propostas de soluções duráveis no âmbito das migrações forçadas só é possível porque o governo de Uganda oferece terras aráveis aos refugiados. A natureza de emergência mereceu resposta rápida para a entrada do fluxo de refugiados em Uganda, embora o número de atendimento tenha sido limitado, devido à infraestrutura do país. Por exemplo, no final de 2017, faltava água e outros recursos, o que gerou tensões entre refugiados e a população local. Com relação à autossuficiência, ao contrário da maioria dos campos para refugiados no mundo, o assentamento de Bidi-Bidi não tem fronteiras rígidas. Isso ocorre por razões culturais, como observa Hilary Onek, ministra de Ajuda Humanitária e Assistência para refugiados da Uganda (MOMODU, 2019, n.p): Uganda continuou a manter uma política de portas abertas para os refugiados, com base na tradicional hospitalidade africana e não afastando ninguém que está correndo para nós em busca de segurança9. A principal ameaça, não só com relação à Bidi-Bidi, mas aos outros campos de reassentamento de refugiado quanto à aplicação do SRS, é a continuidade e consistência do financiamento internacional como parte estruturante dos projetos. Em julho de 2017, a ONU e o governo de Uganda solicitaram 2 bilhões de dólares à comunidade internacional, mas receberam naquele ano apenas 352 milhões em doações. Em 2018, devido a necessidade estrutural, o custo para manutenção do campo foi estimado em 8 milhões de dólares, receberam apenas 55% do esperado. CONCLUSÃO Com base no que foi apresentado, foi possível conceber equívocos na essência do Global Compact no que tange creditar à solidariedade a motivação para a cooperação, fator que não se sustenta sem que os interesses e possibilidades de todos os atores, não apenas os clássicos, sejam sopesados. Como resultado, em pouco tempo a iniciativa suscitou questionamentos a respeito de possíveis interferência na soberania dos Estados. Em sequência, identificou-se que o discurso de solidariedade como incentivo principal não figura nas duas amostras estudadas consideradas bem sucedidas pois são pautadas pelo conceito da autossuficiência: o campo de Bidi-Bidi em Uganda e o programa de reassentamento privado no Canadá. Em Bidi Bidi a movimentação livre dos refugiados e a atribuição de espaços para a construção de residências e estabelecimentos comerciais proporcionaram aos assentados se tornarem ativos economicamente e empregar os nacionais, devido ao interesse do Governo de Uganda em tornar o campo uma das maiores Do original: “Uganda has continued to maintain an open-door policy to refugees based on traditional African hospitality and not turning away anybody who is running to us for safety” (tradução livre) 9 179 Paradiplomacia Ambiental cidades do País. Já no Programa de Reassentamento Privado, ações das empresas interessadas em contribuir com o reassentamento, juntamente ao interesse de algumas regiões do país em aumentar a população e a atuação da sociedade civil, provam ser possível a cooperação, quando há relação entre os interesses quanto aos refugiados. Logo, conclui-se que não são as práticas das Nações Unidas que geram diferentes resultados, mas o interesse dos Estados que determinam as condições para que os refugiados sejam recebidos e instalados nos territórios que buscam abrigo. REFERÊNCIAS BETTS, A.. North-South Cooperation in the Refugee Regime: The Role of Linkages. Global Governance: A Review of Multilateralism and International Organizations. v. 14, n. 2, apr.-jun. 2008, pp. 157-178. Disponível em: http://journals.rienner.com/doi/abs/10.5555/ggov.2008.14.2.157?code=lrpi-site>. Acesso em: 8 out. 2018. ______. Protection by Persuasion: International Cooperation in the Refugee Regime. Cornell University Press, 2009. 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For instance, SDG 4 concerns with inclusive and quality education, SDG 5 focuses on gender equality and SDG 8 on decent work and inclusive economic growth. The pursuit of equalization can thus adopt diverse shapes, in addition to inequality of income and wealth. With that in mind, this chapter will explore the connection between economic inequality and other social and political aspects, in addition to the cross-cutting effects of spatial disadvantages and disparities. The chapter also highlights local and regional governments’ role in the localization of the SDGs, particularly in reducing inequalities and tackling some of its causes and expressions in cities and regions, in line with SDG 10. Through its targets, SDG 10 combines multiple assertions of inequality. On its global scope, SDG 10 continues the tradition of the Millennium Development Goals (MDGs) to mind the different levels of development among countries. Nevertheless, special attention must be paid to the fact that this goal emphasizes inequality within countries – opening up a box of possibilities to take a closer look into the dynamics and disparities at the subnational level. For example, the inequalities among regions, cities, as well as between urban and rural areas, and even inside cities’ boundaries. These inequalities are aggravated by group-based disparities, in terms of income groups, gender, ethnicity, race, Rodrigo Messias has a master’s degree in Territorial Planning and Environmental Management from the University of Barcelona (UB). A bachelor’s degree in International Relations from the University of São Paulo (USP). He has been engaged with international networks of subnational governments and has contributed to the debate of SDG localization since prior to 2030 Agenda adoption. 1 183 Paradiplomacia Ambiental and others, in the same country. Particularly in cities and territories, inequality has an undeniable spatial facet. For example, the divide between the rich and the poor, added by aspects of race or nationality, makes room for concentrations in different neighborhoods and parts of the city, with higher or lower degrees of deprivation (Kabeer and Santos, 2017). In this regard, local and regional governments2 are particularly well-positioned to adopt and implement policies to address the issue of spatial segregation and its inequality load. They can intervene in housing affairs and conditions, the provision of quality public services, including housing, health, sanitation, and more. Turning the spotlights on the discrepancies inside countries, SDG 10 reminds us to look beyond national averages, and pursue a transformation of the way development is measured at the global level. Furthermore, understanding inequalities and disparities within countries will require disaggregated data (SDSN, 2015), especially through the lens of a spatial and urban debate (Liverman, 2018). Accordingly, this chapter discusses the importance to produce statistical data at the subnational level, which can be facilitated by cities and regions’ administrations, to expose deeper processes of spatial disparities and its contributions to income and other forms of inequality. In times of the COVID-19 pandemic, it is not yet possible to understand the full socioeconomic extent of this health crisis. However, economic recession and increased unemployment are expected, hence the impact of the disease becomes a major driver of the equality debate (CCSA, 2020; OECD, 2020; UN, 2020b). Building on observations of the aftermath of the 2008 financial crisis (Zwiers et al., 2016), the chapter shares early thoughts on ways the virus outbreak could affect the debate on SDG 10, cities, and inequality. 1. Multidimensional inequality 1.1 Economic and global inequality In international agendas, inequality is increasingly recognized as a cornerstone of development, as it can compromise socio-economic progress and shake traditional assumptions that some countries are highly developed. Piketty’s renowned “Capital in the 21st Century” provided several insights on income disparities and wealth concentration around the globe, and showed that inequality This expression is commonly used by the constituency of subnational authorities in the global fora, represented by networks and associations of cities and regions, to refer to all levels of government and forms of official authority below the national or central government. As an example, the Global Task Force of Local and Regional Governments brings together many organizations working on this field (https://www.global-taskforce. org/). 2 184 A spatial dimension to tackle inequalities within countries has been on the rise since 1990 in several countries, and particularly within developed countries and despite economic growth (Piketty, 2013). Along with other proposals, the author bets on global progressive taxes over inheritances and wealth, to target large fortunes and enable more equalizing efforts to empower the lowest-income segments of society. In rough terms, the accumulated wealth of the top 1% in the world could correspond to the same amount of the other 99% (Oxfam, 2017). Although some emerging economies have shown improvements in equalizing efforts, income and wealth are increasingly concentrating at the top, and a global intensification of inequalities within countries is foreseen if proper action is not taken (UN, 2020). In combination with economic inequalities, diverse social, political, and spatial disparities often interplay and affect human development. Access to quality health and education services, labor and housing conditions, or technological advances may well define the income groups’ capacity to ascend and accumulate wealth. At the same time, the level of income can shape one’s opportunities in life and the future of their children, forming a cycle of inequalities (Van Ham et al., 2018). In this direction, the United Nations Development Program (UNDP) Human Development Report urges to go beyond the focus on income and wealth variations to understand equality in a broader sense, which also includes inequalities in “capabilities”3. Despite progress on basic capabilities, as observed in rates of infant mortality, primary school enrollment, or mobile-cellular subscriptions, the report alerts to a new generation of inequality. This emerging trend follows a persistent gap of enhanced capabilities, for instance, at the levels of access to tertiary education, higher life expectancy, quality technologies, or resilience to climate and other crises (UNDP, 2019). When economic disparities are observed across income-groups, individuals, or households, it is considered a vertical inequality. On the other hand, horizontal inequalities build on social exclusion and discrimination, and apply to group-based disadvantages, as can be witnessed across age, gender, migrant situation, ethnicity, race, or disability status (Stewart, 2002; UN, 2020). Vertical and horizontal inequalities frequently intersect, generating a situation of combined disadvantages, which represented a recurring challenge to impact the MDG measurement and progress (Kabeer, 2010). Different vertical, horizontal, and intersecting inequalities are addressed by many of the SDGs and targets. The 2030 Agenda through its universality and motto to “leave no one behind” contributes to a new take on development, The report explains that capabilities refer to how far people can decide on their own lives, or people’s “agency”. 3 185 Paradiplomacia Ambiental which is centered on inequality and singles out some of its structures that need to be tackled (Freistein and Mahlert, 2016). Complex as it may appear, equalizing concerns requires a multidimensional approach and action on the root causes of inequality. Considering the points above, it is possible to qualify SDG 10 with an overall predominance of economic and income aspects, whereas it also points to the related horizontal and intersecting inequalities of income distinctions. In that regard, table 1 below attempts to analyze each of the targets in the SDG 10, according to their principal model of inequality, if vertical, horizontal, and/or intersecting, as well as the primary type of disparity and if it refers to disparities within countries or between countries. For example, target 10.1 addresses the concentration of income and wealth, particularly in how the lower segments experience economic growth compared to the national average, hence configuring a mainly vertical approach. However, other targets such as 10.2 rather concern with social, economic, and political inclusion of disadvantaged groups, emphasizing horizontal and intersecting inequalities. Target 10.3 focuses on unequal access to opportunities and discrimination, which also influences capabilities in an intersecting manner. Additionally, goal 10 also addresses the topic of migration and how it can impact people’s exposure to difficulties (target 10.7 and 10.C). Ahead of the annual High-level Political Forum (HLPF) meetings, which assemble UN Member-States, international organizations, and stakeholders of different sectors, the Secretary-General presents a progress report, with an overview of each SDG and other pressing matters that interpose with the Agenda’s breakthrough. SDG 10 is mostly esteemed under financial and economic facets, and the report presents, inter alia, positive results on target 10.1 in more than half of the 92 countries where data was available. As for the intertwined effects of income and other equality concerns, the report stresses that “greater emphasis will need to be placed on reducing inequalities in income as well as those based on other factors” (UN, 2019, p. 16). Furthermore, the report underscored the continued challenge on the availability and comparability of data, and how the local and regional governments will be pivotal to accelerating the implementation of the SDGs (ibid.). 1.2 Table 1 – SDG 10 targets and inequality aspects. Source: the author. 186 A spatial dimension to tackle inequalities within countries Inequality Model Primary Type Presence 10.1 By 2030, progressively achieve and sustain income growth of the bottom 40 per cent of the population at a rate higher than the national average Target Vertical Economic Within countries 10.2 By 2030, empower and promote the social, economic and political inclusion of all, irrespective of age, sex, disability, race, ethnicity, origin, religion or economic or other status Horizontal/Intersecting Economic, Social, Political & Capability Within countries Intersecting Social & Capability Within countries 10.3 Ensure equal opportunity and reduce inequalities of outcome, including by eliminating discriminatory laws, policies and practices and promoting appropriate legislation, policies and action in this regard 10.4 Adopt policies, especially fiscal, wage and social protection policies, and progressively achieve greater equality Vertical/Intersecting Economic & Social Within countries 10.5 Improve the regulation and monitoring of global financial markets and institutions and strengthen the implementation of such regulations Vertical Economic Global/among countries 10.6 Ensure enhanced representation and voice for developing countries in decision-making in global international economic and financial institutions in order to deliver more effective, credible, accountable and legitimate institutions Vertical Economic & Political Global/among countries 10.7 Facilitate orderly, safe, regular and responsible migration and mobility of people, including through the implementation of planned and well-managed migration policies Horizontal Social & Capability Within and among countries 10.A Implement the principle of special and differential treatment for developing countries, in particular least developed countries, in accordance with World Trade Organization agreements Vertical Economic & Political Global/among countries 10.B Encourage official development assistance and financial flows, including foreign direct investment, to States where the need is greatest, in particular least developed countries, African countries, small island developing States and landlocked developing countries, in accordance with their national plans and programmes Vertical Economic Global/among countries Vertical/Intersecting Economic & Social Within and among countries 10.C By 2030, reduce to less than 3 per cent the transaction costs of migrant remittances and eliminate remittance corridors with costs higher than 5 per cent The spatial dimension of inequality Images of slums next to high-income buildings or gated communities, such as the famous photo by Tuco Vieira of the Paraisópolis favela in the city of São Paulo (see photo below), have gone around the world and provide a unique insight into how inequalities can take shape within cities. Income variations follow different standards of spatial distribution and have place-based interlinkages. 187 Paradiplomacia Ambiental Disparities with a spatial dimension can be observed against a myriad of scales, as in the North-South global divide (Atkinson and Piketty, 2007), or the climate zones (UNDP 2019). Within countries, inequalities are found among regions, between urban and rural areas, center and periphery, among small, large, metropolitan cities, and especially intra-urban, through neighborhoods and city districts. Photo of Paraisópolis in the Morumbi neighborhood, São Paulo. Source: Tuco Vieira Territorial disparities may lead to asymmetrical access to economic, social, and environmental resources, and are particularly found within the urban fabric (Mastronardi and Cavallo, 2020). Spatial inequalities within countries are even more accentuated than those found between countries and are on the rise in Europe and several parts of the world (UN, 2020). Brazil usually appears as an emblematic case considering the historical and persistent discrepancies between Northeastern Brazil and other parts, especially Southeastern Brazil. While the former is considered the poorest and most deprived macro-region in the country, the latter is where the city of São Paulo is located, with greater levels of income, but also home to scenes such as the one shown in the photo above. In contrast to this background, Brazil had positive results to reduce poverty and income imbalances over the recent decades, but kept major inequality standards, even more among cities and especially inside them (Souza, 2013). In cities, housing, and spatial segregation intersect with race, ethnicity, and socially excluded groups, since these groups can be forced to disadvantaged locations (Kabeer and Santos, 2017). Moreover, socio-economic groups have differentiated power over political decisions, and as these groups concentrate in distinct neighborhoods, due to income limitations or identity patterns, it also impacts the magnitude of investments, the quality of services, and infrastructure that the areas receive. In this sense, neighborhood and spatial inequalities affect labor and education possibilities and thus hamper chances to attain more income or better opportunities, creating vicious cycles of interacting urban segregation, spatial and other forms of inequality (Van Ham et al., 2018). Moreover, high-grades of income imbalance, combined with spatial segregation, can also reduce the capacity of families and groups to move to less-deprived areas, reducing social-spatial mobility (Nieuwenhuis et al., 2017). As spatial inequalities influence children’s educational development (Nieuwenhuis and Hooimeijer, 2016), for instance in the school and public spaces they have access to, place-based disparities can create or accentuate intergenerational inequalities (UNDP, 2019). Consequently, there is a convergence among income, neighborhood types, and horizontal ine188 A spatial dimension to tackle inequalities within countries qualities, which makes the cycle of inequalities even harder to break. The population in urban areas has outgrown that in rural areas and the tendency is expected to be maintained, including due to continued rural to urban migration (UN, 2020). Accordingly, the World Social Report 2020 dedicated a full chapter to urbanization, as a megatrend that impacts inequality and represents a critical phenomenon capable of redefining our equalizing pathways. The recent report highlights how cities face pressing challenges, such as demands on housing, land, services provision, infrastructure, connectivity and transport, employment opportunities, and more. In light of this, the way cities are governed, the actions and policies implemented will define the outcomes of equalization efforts and the repercussions of climate and economic shocks. To properly manage spatial intersecting inequalities, new forms of governance and participation will be required, as well as improved data sources and modalities to measure progress and multi-dimensions (Ulbrich et al., 2019). Therefore, SDG 10 requires complementary allusion to place-based and spatial relations, such as an emphasis on urban inequalities or neighborhood disadvantages, which will be core to approaching the rooting causes of income inequality. In this regard, there are close links between SDG 10 and SDG 11, focused on cities, and which brings important urban spatial considerations in topics of housing, transport, and public spaces. For this reason, both goals should have a stronger interface and could be concomitantly pursued within countries, driven by the efforts of local and regional governments. With the same mindset, the 2030 Agenda is associated with the New Urban Agenda, in which topics such as inequality, inclusion, and the right to the city remarkably appear. Like the 2030 Agenda, urban commitment was also approved in 2015 and is underlined for putting forward a blueprint and guidelines to handle urbanization processes adequately. 2. Local and regional governments’ action to target inequality There has been a growing acknowledgment of the local and regional governments’ strategic position to redress spatial intersecting inequalities, and thus to promote the 2030 Agenda within countries. To illustrate, the World Social Report affirmed it “is increasingly recognized that local authorities are pivotal to the realization of the Sustainable Development Goals and the New Urban Agenda” (UN, 2020, p. 125). With that in mind, the UNDP, UN-Habitat, and the Global Task Force of Local and Regional Governments (GTF) engaged in a collaborative process4 to promote ownership of the 2030 Agenda in cities and regions, particularly empowering institutions and actors at the subnational level. The Local2030 is defined as an online platform to compile tools, experiences, publications and guides to support the localization of the SDGs - www.local2030.org. 4 189 Paradiplomacia Ambiental It is estimated that approximately 65% of all 169 targets and 17 SDGs would require some level of engagement and contribution from local and regional governments (Misselwitz et al., 2016). Other studies come to a similar analysis, as almost 60% of SDG targets could only be achieved with the support of local and regional governments, since they regularly hold competencies for the provision of essential public services in health, education, technological inclusion, emergency preparedness, water, energy, housing, etc (OECD, 2019). Localization of the SDGs herein refers to a bottom-up approach that seeks the accomplishment of the 2030 Agenda at the subnational level, within countries. More than the simple incorporation of goals by local plans, the localization process is a unique opportunity to convene multi-stakeholders towards a new governance model and participatory modalities to address the several themes covered by the agenda. In this context, the GTF releases annual reports with a variety of practices and interesting findings around local and regional governments’ efforts towards the achievement of the SDGs, following the 2030 Agenda annual reviews at the HLPF. Regarding SDG 10, the GTF 2019 report highlighted cases such as Rio de Janeiro’s Favela-Bairro program or the Mejoramiento Integral de Barrios in Medellín as specific actions to improve neighborhood infrastructure, services and economic development of particularly deprived areas (UCLG, 2019). Additionally, local and regional governments can implement policies to promote neighborhood income groups and social mixing by creating affordable housing in middle and higher-income neighborhoods. These efforts were experimented in cities of the United States, as well as London and Barcelona, demonstrating different results on the urban fabric (ibid). Moreover, local plans and actions could also improve urban planning, regularize land tenure, especially in informal settlements, and avoid urban sprawl, which would be fundamental to remedy neighborhood connected deprivations and urban spatial segregation. Against this background, Barcelona has also developed a noteworthy pilot project, the B-MINCOME, which provided a monthly cash transfer to selected households in deprived and income segregated neighborhoods. Besides, residents of each household taking part in the program had to take part in different activities, for instance, to improve employment chances, community entrepreneurship, and neighborhood engagement. The project ran from 20172019, following the example of Ontario and some Dutch cities, and initial results showed positive impacts in terms of increased well-being of the residents and their involvement with neighborhood affairs. However, it was not possible to detect relevant alterations to labor status or community improvements in this short timeframe (Ajuntament de Barcelona, 2019). 190 A spatial dimension to tackle inequalities within countries Actions aimed solely against the income of individuals or neighborhood segregation, such as limited assistance to slum-dwellers, might have limited results over the structural causes of inequalities throughout the city, and accordingly “income segregation levels as such should not be seen as a policy objective on its own right, but as an indicator of deeper spatial processes at work” (Moreno-Monroy, 2018, p. 66). In this sense, it is preferred to opt for more comprehensive efforts that oversee the urban and social fabric, and the intertwined relations among the neighborhoods and other social-economic dynamics of the city (Van Ham et al., 2018). Furthermore, local and regional governments can enable multi-level and multi-stakeholder processes on the localization of the SDGs (Messias et al.). Closer to the citizenry, local governments can promote inclusive and participatory modalities to discuss policies and urban development, as well as engage society and local stakeholders in the SDG localization. Several cities and regions have created committees, organized public events, or launched campaigns to disseminate facts around the SDGs, convince the society of their relevance, and involve stakeholders with the 2030 Agenda (ibid.; UCLG, 2019b). In line with SDG 10, local and regional governments can design actions and support national policies for the inclusion of migrants and achieve greater social integration. In this regard, the extent of success and applicability of policies, services, and actions at the subnational level heavily relies on the efficient collaboration and coordination with national governments. Especially with a view to smaller cities and regions, a review of existing national legal, fiscal, and policy frameworks could be necessary. Moreover, a national debate on the devolution of powers, concerning a decentralization process to empower local governments’ capabilities, or changes in tax systems to increase subnational revenues, might be required to enhance localization processes (Smoke and Wagner, 2016). Although inequality everywhere is associated with common trends, for example in the face of rapid urbanization, it does not necessarily assume the same shape or intensity in countries with similar development levels. Therefore, national policies and the effectiveness of local institutions can determine the performance in the fight against persistent disparities and the capacity to respond to diverse stimuli, as in the case of an economic crisis (UN, 2020). In short, local governments can join forces with national counterparts to target root causes of inequality, beyond income disparities, and contribute to breaking the cycle of persistent inequalities. “Whether the process of urbanization is harnessed and managed, or allowed to fuel growing divides, will largely determine the future of inequality”. (Ibid, p. 115) With these lines, the World Social Report recalls that proper planning at the local level will be decisive to respond to the urbanization megatrend and 191 Paradiplomacia Ambiental contribute to reducing inequality, simultaneously improving opportunities in diverse life domains, such as employment, education, and health. The report concludes that if, however, the battle over the cities’ divide is lost, and poor planning takes place, it could be expected higher pollution, crime rates, congestion, peak levels of income inequality, and deteriorating scenarios of urban segregation and social exclusion. Expanding the interpretation of SDG 10 to consider spatial intersecting inequalities and how these influence general income disparities will be fundamental towards achieving the goal. In this sense, how much local and regional governments are implicated with the interrelated causes of inequality and their capacity to conduct adequate plans at the urban level will be instrumental in fulfilling the 2030 Agenda’s ambitions. 3. Local data for spatial disaggregation Since the adoption of the SDGs and the 2030 Agenda, there has been a vivid discussion around the indicators that could measure the progress of the goals and targets, and particularly on the necessary “data revolution” to cope with the ambitious and complex nature of the global goals (SDSN, 2015). Towards this transformation, the availability of disaggregated data on gender, age, migrant status, race, and socially excluded groups is noteworthy and will be crucial in truly understanding progress within countries (Adams and Judd, 2016). In this sense, national averages that are usually presented in the follow-up of global agendas can easily mask and obscure the progress degree of groups and areas within countries (Freinstein and Mahlert, 2016; UNDP, 2019). Notably, as for the monitoring of SDG 11, the debate on measurement provides unique opportunities to extend an urban debate and spatial considerations to monitoring development and inequality (Barnett and Parnell, 2016; Liverman, 2018). Ulbrich et al. set interesting parameters to assess the indicators chosen for the global review of SDG 11 and its targets. The authors call for a recalibration of the indicators used for SDG 11 to further consider intra-urban inequalities. Accordingly, the article reminds innovative and participatory data practices, such as citizen-generated data, will be critical, especially to rectify the recurrent exclusion of groups and dwellers in household surveys due to informality and tenure irregularities (Ulbrich et al., 2019). Similarly, a quick assessment of SDG 10 indicators shows a major emphasis on income metrics. Considering the discussions in this chapter, monitoring SDG 10 will also require disaggregation by neighborhood and geographical location. Furthermore, monitoring SDG 10 should be attached to the ongoing spatial inequalities, to enable additional clarity on the processes that engender income and other forms of disparity, resulting in better-informed policies and 192 A spatial dimension to tackle inequalities within countries interventions. An interesting initiative of spatially disaggregated data can be found in the city of São Paulo: the Inequality Map (Mapa da Desigualdade). The project is led by a civil society organization, Rede Nossa São Paulo, which collects data provided by the city government and makes it publicly available to inform and support public policies, scholarly researches, and urban planning. With annual publications, the initiative analyses different multi-thematic indicators, such as salary disparities between men and women, public services provision, school attendance, or crime rates in each of the 96 city districts5. In the 2019 Inequality Map, the organization considered 53 indicators and demonstrated the convergence of low scores in multiple indicators at some districts, which confirmed a spatial dimension mutually reinforces the inequalities in cities. Therefore, disaggregating information at city and neighborhood levels would help integrate a spatial component into the inequality analysis. However, to fill the existing data gap at the subnational and local levels, additional financial, human, technological resources will be necessary, particularly to support smaller cities and administrations with limited resources. Accordingly, many subnational governments pointed to the topic of indicators and monitoring as one of the main challenges in the localization of the SDGs (Messias et al. 2018). When it comes to cities and regions that do not have their own statistical offices, the level of support and collaboration with national institutions and assets will make a notable difference. Advanced data on health, employment, education, and income, disaggregated by groups or neighborhoods are urgent at the local level. The empowerment of local governments can enlarge the use of geospatial tools and the capacity to integrate wide data sources, improving the ability to analyze and report comparable data on the inequalities within countries, in compliance with SDG 10 (UCLG 2019b). 4. Afterthoughts: inequality in times of crisis & COVID-19 Income and other forms of inequality can abruptly change when induced by global processes of crises or local natural disasters, jeopardizing efforts around SDG 10 - both within countries and in consideration of the international financial regulations and flows. At the beginning of 2020, the outbreak of the COVID-19 put the global capacity to respond to a health crisis to test. Although it is too early to understand the full extent of the effects generated by the pandemic, initial consideration point that it will “most likely increase poverty and inequalities at a global scale” 5 Districts correspond to the lowest administrative level in the city, composed of the few neighborhoods in each geographical area. 193 Paradiplomacia Ambiental (UN, 2020, p. 3) and it could “exacerbate existing inequalities” (OECD, 2020, p. 3). Concerning the effects of economic shocks on urban inequalities, Zwiers et al. examined different hypotheses and factors of the economic recession over spatial segregation in cities, which found out that the 2008 financial crisis fueled processes of neighborhood decline6. Considering the harsher impact over socially excluded groups and lowest-income segments, the study explains spatial segregation could increase, as those most affected are forced to switch to more affordable housing and location. Moreover, the study clarifies the circumstances are impaired by an increase of austerity policies, which implies cuts to social spending and attention to housing policies. Finally, the article concludes that “local effects of the crisis are likely to lead to a widening of the gap between wealthy and disadvantaged neighborhoods” (Zwiers et al., 2016, p. 677). In times of crisis, a larger concentration of residents in low-income neighborhoods will potentially increase the pressure over public services, particularly found in underlying circumstances. In this context, cities for their population concentration and density will be at the forefront of the battle against the virus, and the very battle against inequality under this scenario will rely on the response provided by governments at all levels (Sassen and Sennet, 2020). It is estimated that approximately 90% of all COVID-19 cases are happening in cities (CCSA, 2020). Going back to the city of São Paulo, in Brazil, initial statistics show a sharp concentration of COVID-19 deaths in deprived neighborhoods and in areas where the presence of slums and poor dwellers are higher, displaying a possible correlation with housing types, density and health service attention (Pasquini, 2020; Vicente, 2020). Additionally, as governments apply movement restrictions to contain the virus spread, people will rely on the availability and accessibility of services of most proximate areas. Furthermore, as the COVID-19 exceptional situation increased for people to work from home or stay confined, technological tools gain additional importance, exacerbating inequalities of access and rushing transformations to adapt to new ways of social and labor organization. At the same time, the pandemic also stressed the importance of data, and it became customary to expect daily progression graphics on the number of infected patients and casualties. In this regard, it is urgent to have quality and timely data in times of crisis, and the current situation demonstrates some countries and national statistical offices can face difficulties to gather and systematize basic data (CCSA, 2020). Therefore, and especially considering the uncertainties around the future, 6 The authors refer to neighborhood decline as any increase to deprivation or deterioration of neighborhoods. 194 A spatial dimension to tackle inequalities within countries the outbreak of the COVID-19 can be fully inserted into the ideas presented throughout this chapter. The accomplishment of the 2030 Agenda, and SDG 10, in particular, will depend on the capacity within countries to measure spatial intersecting inequalities and respond at all scales, and mainly at the local and city level. CONCLUSION The “decade of action and delivery for sustainable development” towards the 2030 deadline is expected to pay more attention to the local action and the efforts of local authorities, to accelerate action and ensure ambition (UN, 2019b). In the same direction, this chapter sought to highlight the spatial dimension of inequality and, consequently, the contributions of local and regional governments, for instance, to improve the situation in neighborhoods and guarantee SDG 10 accomplishment. Moreover, the chapter examined how SDG 10 integrated the issue of inequalities by describing the interconnected effects of income imbalances and other aspects of inequality, such as access to health, education, and opportunities. Accordingly, SDG 10 and targets require further spatial considerations to secure a profound understanding of the inequality mechanics and its persistence within countries. The disadvantage of household or neighborhood and access to poor-quality education, health, and other services interact and often compound, consolidating the cycle of inequalities that can extend over generations. To accurately understand the multi-facets of inequality, and enable an adequate response to SDG 10, the chapter reminded additional local data will be helpful, particularly disaggregated by groups and neighborhood. In close collaboration with civil society, communities, and other local stakeholders, national and subnational governments can hold the key to develop the policies and plans to tackle spatial intersecting inequalities. Especially in a context of crisis, such as the COVID-19, SDG 10 requires a multi-dimensional approach that particularly takes the spatial implications in the urban world into account. REFERENCES ADAMS, B.; JUDD, K. (2016). 2030 Agenda and the SDGs: Indicator framework, monitoring and reporting. Global Policy Watch. Global Policy Watch Briefing #10, 18 March 2016, New York. Ajuntament de Barcelona (2019). 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INTRODUCCIÓN T radicionalmente las ciudades han surgido y se han desarrollado en torno a diferentes fuentes hídricas y no es para menos, ya que el recurso hídrico es esencial no solo para la subsistencia de los seres vivos, sino también para adelantar actividades de índole comercial e industrial, motivo por el cual el desarrollo de éstas depende de las facilidades de acceso que se tengan al mismo y del manejo que les sea dado. Sin embargo, el intenso proceso de crecimiento urbano ha significado en algunos casos, la aparición de consecuencias negativas para esta clase de recurso natural, como por ejemplo, el agotamiento paulatino del mismo en razón de su uso ineficiente, su contaminación producto de la continua recepción de residuos tanto sólidos como líquidos y adicionalmente la invasión de sus cauces naturales. De esta forma, cuando se presentan situaciones como la descrita, se produce además del esperado deterioro ambiental de las fuentes hídricas, una desmejora en la calidad de vida los ciudadanos, lo cual denota una evidente relación de interdependencia entre dichos recursos hídricos presentes en el perímetro urbano y las rutinas propias de las ciudades y sus ciudadanos. Pero en todo caso, debe destacarse que la citada relación antes expuesta, a su vez deja entrever una fragilidad, derivada de la dificultad que ha representado para el conglomerado social, político y administrativo de las ciudades, lograconse integrar de manera sostenible las fuentes hídricas y su entorno a las Abogado de la Universidad Santo Tomás de Bogotá y Magister en Derecho con énfasis en Derecho de los Recursos Naturales de la Universidad Externado de Colombia. Estudiante de Doctorado en Derecho Ambiental Internacional en la Universidad Católica de Santos - UNISANTOS. Becario del Programa “Estudantes-Convênio de Pós-Graduação – PEC-PG, do CNPq – Brasil.” 1 200 Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles rutinas propias de las ciudades. Conforme con los argumentos expuestos que justifican el presente trabajo de investigación, puede afirmarse que el objeto central del mismo son los ríos urbanos y su función de eje para la transformación de las ciudades en entornos sostenibles, surgidos a partir de la estructuración, planeación y construcción de proyectos de infraestructura centrados en la conservación del recurso hídrico y su integración al perímetro urbano, la revitalización de su entorno y la generación de espacio público. En este sentido, el objetivo principal del trabajo es estudiar y analizar los impactos favorables que este tipo de proyectos traen para las ciudades y comunidades, procurando identificar las razones por las cuales el desarrollo de esta clase de infraestructura urbana, permite que las ciudades se tornen más sostenibles y de esta forma cumplir algunos objetivos de las agendas globales como la Agenda 2030 y la Nueva Agenda Urbana. Así, se pretende igualmente demostrar como dichos procesos de planificación y construcción de espacios urbanos, pueden ser adelantados por las administraciones municipales, para además de materializar algunos de los propósitos de las mencionadas agendas, mejorar desde cuestiones ambientales hasta paisajísticas y de creación de espacios verdes y de recreación urbanos. El método de investigación utilizado fue el teórico-deductivo, por cuanto en un comienzo fue necesario partir desde el entendimiento del concepto general de ciudad sostenible, su origen y evolución, temática en la que se centrará el primer ítem, para en el ítem subsiguiente, analizar la sostenibilidad urbana en el marco de las agendas globales, haciendo énfasis en la creación de espacio público y zonas verdes. Así las cosas, una vez estudiados los anteriores temas generales, el tercer ítem estará dedicado a examinar el papel que cumplen los ríos urbanos en la transformación de las ciudades en espacios sostenibles, haciendo referencia especial a la experticia que en tal sentido ha tenido la ciudad de Medellín en Colombia. Con todo lo anterior, la investigación fue adelantada a través de la técnica documental, consistente en el estudio de referencias bibliográficas de doctrinadores nacionales y extranjeros, informaciones de sitios web, así como a través de la observación directa extensiva, es decir, a partir de la obtención de información y datos de la administración pública de Medellín. 1. Ciudades sostenibles: origen del concepto y su definición. Establecer una única definición de lo que debe entenderse por ciudad sostenible, resulta no solo complicado sino además arriesgado, ya que son múltiples 201 Paradiplomacia Ambiental los factores que deben tenerse en cuenta para abarcar con algún grado de acierto este concepto de desarrollo de los conglomerados urbanos. En este sentido, algunas definiciones tienden a variar en razón de la perspectiva desde la cual se esté analizado la sostenibilidad de las ciudades, es decir, pueden centrarse más en los elementos ambientales, otras en los sociales e igualmente estarán las que profundicen más en los económicos y de innovación, pero lo cierto es que alcanzar dicha característica, significa para las ciudades adelantar un sinnúmero de medidas referentes a cada uno de estos macro elementos. Pese a lo anterior, una primera premisa permitiría afirmar que el concepto de ciudad sostenible está ligado al contenido de lo que hoy se conoce como desarrollo sostenible o que como plantea Canepa (2007, p. 50), fue a partir de este último que se consolidó el término ciudad sostenible, lo cual resulta evidente si se observa que los macro elementos antes mencionados constituyen a su vez la base de dicho tipo de desarrollo. Así pues, el concepto de desarrollo sostenible fue en un primer momento propuesto en el Informe Nuestro Futuro Común de 19872 elaborado como antesala de la Conferencia de las Naciones Unidas sobre Medio Ambiente y Desarrollo de 1992 llevada a cabo en la ciudad de Río de Janeiro (RIO 92), ésta última cuya Declaración lo recoge al establecer en su principio tercero que el desarrollo deberá ejercerse de tal forma que “responda equitativamente a las necesidades de desarrollo y ambientales de las generaciones presentes y futuras”. De esta forma, se tendrían dos elementos que vale la pena destacar, el primero relativo a la necesidad de tener en cuenta en todo momento el componente ambiental a la hora de fijar las metas y objetivos de desarrollo, lo cual es reafirmado en el principio cuarto de la misma Declaración y de otro lado, el surgimiento del principio de equidad intergeneracional, con el fin de garantizar la satisfacción de las necesidades no sólo de las personas del presente sino también de las que están aún por llegar a nuestro planeta. Ahora en materia urbana, el citado informe dejaba entrever las diferentes problemáticas que atravesaban las ciudades para ese entonces, tales como, el crecimiento y desbordamiento de límites geográficos, la falta de vivienda adecuada para las personas, el surgimiento de zonas pobres urbanas, la contaminación y falta de oportunidades laborales para la totalidad de ciudadanos, las cuales con certeza continúan representando hoy en día lo que es se denomina como el Este Informe elaborado para la Organización de las Naciones Unidas (ONU) por la Comisión Mundial sobre Medio Ambiente y Desarrollo, en su primera parte señala que un desarrollo sostenible o duradero además de satisfacer las necesidades de las generaciones presentes y futuras, está enmarcado por unas limitaciones no absolutas fijadas por los recursos del medio ambiente, el estado actual de la tecnología y de la organización social y por la capacidad de la biosfera para asimilar los efectos de las actividades humanas (ONU, 1987 p. 23). 2 202 Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles “desafío urbano” (ONU, 1987 p. 266-286). De igual forma y como resultado de RIO 92, surge también la denominada Agenda 213 que entre otras cosas y entendiendo las cargas que las dinámicas urbanas estarían imponiendo sobre los ecosistemas mundiales, procura tal como se menciona en el Capítulo 7, mejorar la calidad social, económica y ambiental de todos los asentamientos humanos, las condiciones de vida y de trabajo y especialmente de quienes hacen parte de las zonas pobres urbanas y rurales (ONU, 1992). Para alcanzar ese objetivo general antes descrito, la citada Agenda 21 en dicho capítulo, establece unas áreas de programas con sus objetivos, metas específicas y planes de acción, dentro de las cuales se pueden destacar: a) el suministro de vivienda adecuada para todos; b) el mejoramiento de la administración de los asentamientos humanos; c) la promoción de la planificación y la ordenación sostenible del uso de la tierra; d) la promoción de la integración de la infraestructura ambiental (agua, saneamiento, alcantarillado y gestión de desechos sólidos); e) la promoción de sistemas sostenibles de energía y transporte; f) la planificación y gestión de los asentamientos propensos a desastres; g) la promoción de actividades sostenibles en la industria de la construcción y h) la promoción del desarrollo de los recursos humanos a través de la disponibilidad de conocimientos técnicos especializados (ONU, 1992). Queda en este sentido claro, como el concepto de ciudad sostenible se encuentra compuesto por unos requisitos y medidas que deben ser profundizados para conseguir que los asentamientos urbanos sean considerados realmente sostenibles, siendo los mismos bastante numerosos y amplios, con la finalidad de abarcar las diferentes esferas sociales, ambientales y económicas necesarias para solucionar las problemáticas que el crecimiento exponencial de las ciudades y su población está dejando a su paso. De esta forma, cualquier proyecto que pretenda transformar las ciudades en espacios sostenibles deberá abordar las diferentes problemáticas urbanas hasta el momento expuestas, bien sea en su totalidad o en parte, para de esta forma atender los pilares que la sostenibilidad abarca, como son el sociales, el ambiental, el político y el cultural, así como el económicos y físico (LEITE, 2012 p. 135). Por esta razón, para hablar de ciudades sostenibles tenemos que hacer referencia, entre otros aspectos, a la eficiencia en el manejo de los recursos naturales y económicos, lo cual debe implicar la democratización de estos últimos, tal como lo señala Maglio (2005 p. 35), así como al fortalecimiento de las comuniLa Agenda 21 puede ser entendida como una “herramienta de planificación para la construcción de sociedades sostenibles en diferentes bases geográficas, que combina los métodos de protección del medio ambiente, la justicia social y la eficiencia económica.” (GOBIERNO DEL DISTRITO FEDERAL DE MEXICO; PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE, 2015 p. 48). 3 203 Paradiplomacia Ambiental dades y sus gobiernos4, a la participación ciudadana (DÁVALOS y ROMO, 2017 p. 121-126), al aumento de las inversiones tendientes a satisfacer las necesidades de los ciudadanos (APONTE, 2007 p.18-19) y al fortalecimiento de relaciones entre gobiernos y sus ciudadanos así como entre las ciudades mismas5, lo cual puede ser cumplido a través de un verdadero sistema de gobernanza urbano. En este sentido y cuando se hace referencia a la gobernanza urbana, debe mencionarse que la misma implicaría algo más que una mera organización de instituciones gubernamentales, encuadrando dicho sistema bajo lo que para Gonçalves y Costa (2011, p. 53) implica dicho concepto, es decir, un medio o proceso de articulación entre diversos actores capaz de producir resultados eficaces, caracterizados por ser hallados a través del concenso y cooperación. 2. Sostenibilidad urbana en el marco de las agendas globales de desarrollo: las zonas verdes y espacios públicos. Partiendo de lo establecido en el anterior ítem, es posible afirmar que el contenido del concepto de sostenibilidad urbana, recientemente ha sido recogido en el escenario internacional a través de dos importantes agendas golbales de desarrollo, estas son, la Agenda 2030 y la Nueva Agenda Urbana (NAU), las cuales comparten como característica, no ser documentos de obligatorio cumplimiento para los Estados firmantes, pero que consiguen al final una aplicación y materialización efectiva. Justamente la anterior característica, permite que autores como Beyerlin y Marauhn (2011, p. 289-291) consideren a este tipo de instrumentos internacionales de carácter programático y contenido en parte ambiental, como parte de lo que denominan soft law ambiental internacional, pues resaltan que su calidad normativa, entendida como aquella capacidad para direccionar directa o indirectamente la conducta de sus destinatarios, es el requisito que los mismos deben cumplir para diferenciarse de los simples ideales políticos o morales. En este sentido, la Agenda 2030 surgida en el año 2015 en el marco de la Organización de las Naciones Unidas (ONU), dedica su objetivo de desarrollo sostenible número 11 (ODS11) a procurar que las ciudades y asentamientos humanos sean inclusivos, seguros, resilientes6 y sostenibles (ONU, 2015 p. 16), En relación con las autoridades o gobiernos locales, autores como como Nascimento (2012 p. 56), plantean que la definición de desarrollo sostenible basada en las tres dimensiones básicas o esenciales (económica, social y ambiental) resulta incompleta, ya que se deja por fuera el elemento “poder”, siendo este de vital importancia a la hora de tomar las decisiones que permitan alcanzar dicho tipo de desarrollo, ya que un cambio en los padrones de producción no puede ser entendido como algo aislado de las decisiones políticas. 5 Al respecto Rei (2019, p. 43) explica como en materia ambiental y de sostenibilidad, redes de gobiernos subnacionales y locales están trabajando de manera mancomunada, especialmente en lo que se refiere a abordar las cuestiones y retos que implican fenómenos como el cambio climático a nivel global. 6 En el policy paper No. 8 de la NAU se indica que el concepto de resilencia hace referencia a 4 204 Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles la cual debe resaltarse, se complementa de forma directa con varios de los presupuestos establecidos en la NAU del año 2016 y en sus documentos preparatorios o policy papers. De esta forma, algunos autores plantean que las citadas agendas deberían ser abordadas de manera conjunta e indivisible (DÁVALOS y ROMO, 2017 p. 118) y lo cierto es que dicho planteamiento se encuentra soportado inclusive desde las mismas consideraciones de la NAU, en donde se reafirman los compromisos adquiridos por los Estados en la Agenda 2030 y se establece que la NAU contribuye en la implementación local de la misma, especialmente del ya mencionado ODS11 (ONU, 2017 p. 4). Nótese como de esta forma, las ciudades dejan de ser vistas únicamente como foco de problemáticas y pasan a ser consideradas parte de la solución a la hora de alcanzar un desarrollo sostenible, el cual al depender de objetivos fijados en la Agenda 2030 tiene mayor probabilidad de ser alcanzado, siempre que la materialización de los mismos comience desde las comunidades locales, donde las ciudades tienen un rol protagónico. Así pues, una de las metas del ODS11 plantea que las ciudades garanticen para el año 2030 un acceso universal a zonas verdes y espacio públicos, los cuales deben ser a su vez, seguros, inclusivos y accesibles, particularmente para algunos sujetos de especial protección como las mujeres, los menores, las personas de edad avanzada y aquellas con algún tipo de discapacidad (ONU, 2015 p. 25). Por su parte, los Estados en la NAU plantean como una prioridad la creación de dicho tipo de espacios públicos y zonas verdes, por cuanto los mismos contribuyen a mejorar la interacción social e intergeneracional, las expresiones culturales, la cohesión social y seguridad, la conectividad y la inclusión social, entre otras cosas más, destacando como ejemplo de dichos espacios a las calles, aceras, carriles para ciclas, plazas, paseos marítimos, jardines y parques, cuya característica principal sea su multifuncionalidad (ONU, 2017 p. 5-15). Aunado a lo anterior, en la NAU igualmente se plantea como compromiso que la creación de los citados espacios públicos y zonas verdes se de en el marco de una red interconectada de las mismas, con lo cual se les permitiría a las ciudades ser más resilientes al cambio climático y desastres naturales como inundaciones, sequías y olas de calor y para así garantizar adicionalmente que los paisajes urbanos sean atractivos y habitables (ONU, 2017 p. 23). Como puede observarse, es evidente que el espacio público goza de gran importancia dentro del conjunto de características de las ciudades sostenibles, de hecho, en el policy paper No. 6, documento base para la NAU, se estableció la posibilidad de que las personas, las comunidades y los ecosistemas prevengas, absorban, se adapten y se recuperen tras una variedad de conmociones y tensiones. Por esta razón, se establece que a nivel urbano la resilenecia requiere de inversiones en infraestructuras tangibles, así como a sistemas intangibles, como el conocimiento y las instituciones. (ONU, 2016a p. 6) 205 Paradiplomacia Ambiental que el espacio público puede ser considerado como el elemento urbano más inclusivo, pero que pese a lo anterior existe una baja conciencia en cuanto a sus beneficios (ONU, 2016b p. 15). Ahora bien, cuando la discusión está centrada en sostenibilidad urbana y especialmente en creación de espacios públicos y zonas verdes como vehículo para garantizar dicha característica, tienden a aparecer los parques como foco central de dicha temática, al respecto Gomes (2019) plantea que estos espacios han adquirido notoriedad cuando se habla de sostenibilidad en las ciudades y en tal sentido se han convertido en el objetivo de las políticas públicas y agendas de planeación. De otra parte, el mismo autor (GOMES, 2019) sostiene en relación a las zonas verdes, que las mismas son componentes del marco socio ambiental y económico que caracteriza la sostenibilidad urbana, destacando que además de generar calidad de vida para los ciudadanos, representan beneficios ecológicos para las ciudades. Con lo visto, es claro que la creación de espacios públicos y zonas verdes en las ciudades, además de garantizar una mejoría en la calidad de vida de los ciudadanos, permiten que las mismas se preparen y adapten de mejor forma frente a eventos adversos derivados de diversas problemáticas ambientales, inclusive de aquellas producidas por fenómenos actuales como el cambio climático. 3. El papel de los ríos urbanos en la sostenibilidad de las ciudades: La experiencia de Medellín. Los ríos que atraviesan con su cauce las ciudades son sin duda ejes a través de los cuales las mismas se van consolidando y desarrollando, sin embargo, no se han visto bien librados de los efectos negativos que conllevan los rápidos procesos de crecimiento. En este sentido, los ríos han pasado de ser hábitat de diversidad de especies de flora y fauna y parte de la cotidianidad ciudadana a convertirse en redes de alcantarillado, hasta el punto de verse aniquilados desde el punto de vista ambiental, social y cultural, tal como se reconoce ha acontecido en los procesos de expansión y desarrollo de grandes ciudades como São Paulo (SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1999 p. 96) y Bogotá (GÜIZA, LONDOÑO y RODRÍGUEZ, 2015 p. 202). En el caso de la primera ciudad, algunos autores llegan a plantear que en la actualidad los ríos configuran un paisaje bastante raro y que la identidad del paulistano de hoy parece poco relacionada con una rutina fructífera en torno al transcurso de las fuentes fluviales (SANT’ANNA, 2007 p. 13). La anterior circunstancia descrita, no dista de la situación que se presenta 206 Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles en Bogotá en relación a sus ríos y especialmente en lo que se refiere al río Bogotá, en donde el máximo tribunal administrativo de la Nación ha tenido que intervenir para establecer diversas obligaciones y acciones tendientes a lograr su efectiva descontaminación7. En todo caso, el panorama antes mencionado no es exclusivo de este tipo de ciudades, poblaciones menores y ciudades intermedias igualmente presentan ejemplos similares, tal es el caso de Medellín en Colombia, cuya área urbana se encuentra influenciada directamente por el cauce del río del mismo nombre, el cual atraviesa no solo el perímetro urbano de la ciudad sino toda el Área Metropolitana del Valle de Aburrá (AMVA)8, de la cual hace parte Medellín como municipio núcleo. En este sentido, el río Medellín es descrito por Betancour (2012 p. 244) como un afluente importante para la región, debido a que su paso a través del denominado Valle de Aburrá, permitió el desarrollo urbanístico y la instalación de viviendas e industrias que representaron progreso para la misma, pero que su vez produjeron el deterioro de su cauce y las zonas verdes que lo acompañaban, la desestabilización de sus taludes, el daño de las márgenes de los lechos y emergencias sociales, ambientales y económicas derivadas de procesos de desbordamiento de sus aguas. El mismo autor (BETANCOUR, 2012 p. 248-264) describe como en razón de la importancia del río Medellín, fueron muchos los proyectos y obras adelantadas con el fin de mejorar sus condiciones, dentro de las cuales destaca las que pretendían su canalización, las que produjeron la rectificación de su cauce y especialmente aquellas relacionadas con la construcción de vías paralelas al río. En el citado contexto, surge entonces el denominado proyecto “Parques del Río”, una obra pública de grande alcance, relacionada con la generación de espacio público y zonas verdes para el disfrute de los ciudadanos de Medellín, cuya materialización en paralelo a los efectos de protección del río Medellín, cumple a cabalidad con metas del ODS11 ya estudiado y claramente con el contenido de la NAU. Al respecto, el Consejo de Estado de Colombia al resolver una acción popular amparó los derechos colectivos relacionados con el agua, el goce a un ambiente sano, la existencia del equilibrio ecológico y el manejo y aprovechamiento racional de los recursos naturales para garantizar su desarrollo sostenible. En tal sentido procedió a declarar como responsables de la catástrofe ambiental, ecológica y económica-social de la cuenca hidrográfica del río Bogotá y sus afluentes a todos los habitantes e industrias de la cuenca de manera activa en razón a los vertimientos realizados a la misma y de manera omisiva a un sinnúmero de entidades públicas relacionadas con el manejo de los recursos naturales en Colombia, ordenando un plan de descontaminación de la citada cuenca que actualmente se encuentra en proceso de implantación. (CONSEJO DE ESTADO DE COLOMBIA, 2014 p. 1515-1516). 8 El AMBA está integrada por diez municipios antioqueños, a saber: Barbosa, Girardota, Copacabana, Bello, Medellín, Itagüi, Envigado, Sabaneta, La Estrella y Caldas. Cfr. ÁREA METROPOLITANA DEL VALLE DE ABURRÁ. Disponible en: <https://www.metropol.gov.co/> Acesso en: 06 feb. 2020. 7 207 Paradiplomacia Ambiental Según información de la Secretaría de Infraestructura Pública de la ciudad de Medellín9, se trata de un proyecto integral y estratégico de transformación urbana, espacio público y movilidad, contemplado en diferentes instrumentos de planificación de la ciudad y del AMBA10 que tiene como objetivo convertir al río Medellín en eje ambiental y de espacio público para la región, a través de la recualificación del espacio público a lo largo el Río y la articulación e integración de la ciudad, ya que su construcción permitiría conectar sus zonas oriental y occidental, tradicionalmente separadas como consecuencia del paso natural del río por la zona urbana de Medellín. De esta forma y de acuerdo con Giraldo (2016 p. 69-70), el proyecto propone la reintegración del Río a la ciudad a través de la estructuración de la red biótica de la misma, para lo cual se establecieron como estrategias, su recuperación y articulación con sus afluentes, la integración de los espacios verdes y públicos a la red ecológica y la reutilización de infraestructuras industriales y espacios abandonados. Adicionalmente, la citada autora (GIRALDO, 2016 p.69-70) indica que el proyecto, también contempla enterrar los ejes viales instalados a los costados del Río en algunos puntos estratégicos, para de esta forma obtener la liberación de nuevas áreas para la creación de espacio público e instalar equipos dotacionales para uso público y colectivo. Así las cosas y según datos de la administración municipal de Medellín, el proyecto “Parques del Río”, es una iniciativa eminentemente pública, así como la inversión económica en el realizada y proyectada, la cual cuenta con participación única y exclusiva de la ciudad de Medellín. Ya en cuanto a la obra, según la misma Administración, el proyecto se dividió en ochos tramos, de los cuales el primero fue contemplado para ejecutar en dos diferentes etapas, la primera debidamente terminada y entregada hace tres años y la restante actualmente en proceso de construcción, con las cuales una vez culminadas se espera haber generado un total de 71.800 m2 de espacio público y zonas verdes (40.000 m2 de la primera etapa y 31.800 de la segunda). Con lo anterior, puede observarse como esta iniciativa o proyecto público Los datos oficiales referenciados a partir de este momento, fueron obtenidos a través de la comunicación No. 201930460268 de fecha 20 de diciembre de 2019, por medio de la cual dicha Secretaría procedió a dar respuesta a un derecho de petición presentado en fecha 06 de diciembre de 2019, con la finalidad de obtener información relevante sobre el proyecto de obra pública denominado “Parques del Río”, objeto de análisis en el presente capítulo. 10 En el caso del AMBA, su plano director o plan de ordenamiento territorial denominado “BIO 2030”, aprobado a través del Acuerdo Metropolitano 013 de 2011, reconoce al río Medellín y sus afluentes como un escenario geográfico de carácter estratégico y se propone integrar el Río a la vida urbana y rural del Valle de Aburrá, razón por la que se establece como meta para el año 2030, que dicho cuerpo de agua sea el espacio o territorio que conjugue la mayor diversidad de funciones y ofrezca los mejores estándares de calidad urbanística. (ALCALDÍA DE MEDELLÍN y ÁREA METROPOLITANA DEL VALLE DE ABURRÁ, 2011 p 120). 9 208 Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles de carácter local de la ciudad de Medellín, a través de la cual se integra su principal fuente hídrica a las dinámicas diarias de la ciudad y sus pobladores, cumple cabalmente con el ODS11 y su meta de generación de espacio público y zonas verdes y adicionalmente con los preceptos planteados en la NAU, tornando la ciudad en un espacio evidentemente sostenible en algunos de los componentes que este concepto abarca a nivel urbano. El proyecto objeto de estudio además de la generación de este tipo de espacios, resalta por el hecho de producir beneficios sociales y ambientales para la ciudad, ya que con su avance permite que las comunidades se integren alrededor del Río ejerciendo diferentes actividades de recreación y descanso y adicionalmente tal como es explicado por la Secretaría de Infraestructura, contribuye en el mantenimiento de los servicios ecosistémicos de aprovisionamiento y regulación hídrica, una visión que contrasta con aquellas que en el pasado abogaban por la canalización de los ríos urbanos. Sobre el particular, Maglio (2005 p. 36) plantea que el reconocimiento del sitio físico de la ciudad a través de sus ríos, así como de toda la malla verde, es una de las principales formas de reconciliar la ciudad con el medio ambiente y lo cierto es que, en el caso estudiado, es claro que dicha premisa es cumplida, ya que una vez identificado el Río como espacio estructural para el desarrollo de la ciudad y el área metropolitana en los diferentes planes directores, el proyecto permite la citada reconciliación. Lo anterior, pese a las posiciones contrarias que proyectos de esta envergadura generalmente reciben, tal como es el caso de Morales (2016), quien en un artículo de reflexión y basándose únicamente en las condiciones de calidad del agua del río Medellín, ha planteado que la ciudad no se encontraría preparada para “Parques del Río”. Al respecto, es importante manifestar que iniciativas como la estudiada no pueden ser analizadas de manera aislada, si bien la calidad del agua del afluente es un tema importante, no deberían desconocerse de lleno los demás beneficios que la misma tiene, ya que como se ha visto hasta el momento, la sostenibilidad que se podría alcanzar no abarca únicamente aspectos ambientales. De otra parte, debe destacarse la participación pública que la Administración Municipal ha dado al manejo del proyecto, en primer lugar al hacer un concurso público para escoger el diseñador del mismo y de otro lado al realizar ya en ejecución del mismo, una serie de socializaciones con la comunidad con el fin de informar su avance y estado e inclusive para dialogar sobre el tipo de mobiliario público preferido que debería ser instalado, lo cual genera un sentido de pertenencia importante frente a la obra y garantiza una veeduría por parte de la ciudadanía, participación que hace parte del concepto de sostenibilidad urbana estudiado. 209 Paradiplomacia Ambiental Finalmente, si bien la Administración Municipal no identifica como sustento de “Parques del Río” a las agendas globales de desarrollo y pese a que éstas no abarcan específicamente los ríos urbanos, es evidente que el presente caso puede considerarse como una acción local tendiente a su materialización, ya que los objetivos del proyecto son equiparables a los establecido en estos instrumentos. Lo anterior, aún más relevante, cuando según la Administración, dicho proyecto termina intercomunicándose con el de “parques lineales de quebradas”11, consiguiendo de esta forma una verdadera integración entre las diferentes fuentes hídricas de la ciudad y de estas con los ciudadanos, quienes podrán disfrutar de los nuevos espacios públicos y zonas verdes creadas por la ciudad. CONCLUSIONES La sostenibilidad urbana abarca diferentes aspectos que deben ser tenidos en cuenta a la hora de realizar un análisis sobre el particular, sin embargo, todos esos elementos se enmarcan en macro temas como el ambiental, el económico, el social y el de innovación, motivo por el cual alcanzar una única definición resulta complicado e inconveniente. Para hacer referencia a la sostenibilidad urbana es igualmente necesario revisar el concepto de desarrollo sostenible, el cual puede entenderse como origen del mismo e implica entre otras cosas, contemplar los aspectos ambientales al fijar las metas y objetivos de desarrollo y poner en práctica el principio de equidad intergeneracional. Una ciudad que pretenda ser sostenible, debe profundizar en políticas y procedimientos públicos encaminados a mejorar la calidad de vida de sus ciudadanos, observando temas como la mejoría de los asentamientos humanos, la planificación del territorio, la integración de su infraestructura ambiental, la prestación de servicios públicos esenciales, la implementación de sistemas de energía y transporte sostenibles, la promoción de industrias y conocimientos técnicos y el aumento de la participación popular a través de mecanismos de socialización de políticas, entre otros. En el citado contexto, una de las formas a través de las cuales las ciudades pueden tornarse más sostenibles, es por medio de la creación de espacios públicos y zonas verdes, tal como se plantea en los objetivos y metas de agendas globales de desarrollo como la Agenda 2030 y la NAU, por cuanto dichos espacios se consideran como uno de los elementos más inclusivos, ya que se logra la integración de la población, una mejoría del paisaje y de ciertos estándares ambientales de la ciudad. Según datos de la Administración, se trata de un proyecto de adecuación y revitalización de 19 quebradas de la ciudad, una de las cuales (La Picacha) está interconectada con el primer tramo de “Parques del Río”. 11 210 Los ríos urbanos como eje de transformación de las ciudades sostenibles Con lo anterior, la materialización del contenido de las citadas agendas, de las cuales son firmantes los diferentes Estados, dependerá en gran parte de las acciones locales, ya que está visto que estas resultan ser mucho más efectivas, escenario donde las ciudades y sus gobiernos cumplen un papel protagónico. Una posibilidad que tienen las ciudades para adelantar proyectos encaminados al cumplimiento de las agendas, en especial en lo que se refiere a creación de espacio público y zonas verdes, contempla el aprovechamiento de las fuentes hídricas que atraviesan el perímetro urbano de las mismas, tal como acontece con los ríos, los cuales con el crecimiento de las ciudades son objeto de un uso inadecuado hasta el punto de ser olvidados y contaminados de manera grave. Un ejemplo de lo anterior se encuentra en ejecución en la ciudad de Medellín, en donde una iniciativa eminentemente pública tiene proyectado reincorporar el río más importante de la ciudad y todos sus afluentes a las dinámicas propias de la ciudad. La iniciativa mencionada denominada “Parques del Río”, consistente a grandes rasgos en el enterramiento de las avenidas que están al lado del mismo, le ha permitido a la ciudad liberar y crear espacio público y zonas verdes para el disfrute de la comunidad, así como mejorar algunos servicios ambientales prestados por dicho cuerpo de agua. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALCALDÍA DE MEDELLÍN y ÁREA METROPOLITANA DEL VALLE DE ABURRÁ. BIO 2030 Plan Director Medellín, Valle de Aburrá. [En línea]. Medellín: Mesa Editores. 2011. Disponible en: <http://www.eafit.edu.co/ centros/urbam/articulos-publicaciones/SiteAssets/Paginas/bio-2030-publicacion/urbam_eafit_2011_%20bio2030.pdf>. Acceso en: 06 feb. 2020. APONTE, F.. La sustentabilidad urbana en las ciudades. Boletim Goiano de Geografia [En línea]. 2007, v. 27, n. 2, pp. 11-33. Disponible en: <https:// www.redalyc.org/articulo.oa?id=337127147001>. Acceso en: 29 ene. 2020. BETANCOUR, J.. 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Celi Aparecida Consolin Honain1 Flávio de Miranda Ribeiro2 ODS 12 - Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Meta 12.4 - Até 2020, alcançar o manejo ambientalmente saudável dos produtos químicos e todos os resíduos, ao longo de todo o ciclo de vida destes, de acordo com os marcos internacionais acordados, e reduzir significativamente a liberação destes para o ar, água e solo, para minimizar seus impactos negativos sobre a saúde humana e o meio ambiente INTRODUÇÃO M atéria-prima de diversos produtos, tanto da construção civil (telhas, caixas d’água, etc) como em outras aplicações (pastilhas de freios de automóveis, revestimentos térmicos, dentre outras), denomina-se comercialmente como amianto a variedade de minerais asbestiformes constituída de feixes fibrosos. Por possuir alta resistência térmica, elétrica, química e à tração, e simultaneamente elevada flexibilidade, permitindo que seja tecido, além de ser incombustível, barato e abundante na natureza, o amianto tem sido utilizado para diversas aplicações pela humanidade desde a Antiguidade (SCLIAR, 2005). Se, por tais características, o amianto se apresenta como extremamente atrativo economicamente; por outro, pode causar danos à saúde de quem aspirar suas fibras. No entanto, durante muitos anos, discutiu-se se o grau de periculosidade estaria relacionado à quantidade de fibra inalada e ainda ao tipo de amianto. Devido a essa incerteza de caráter técnico-científico, defendeu-se a continuidade do uso do amianto tipo crisotila - abundante no Brasil -, ancorada na Lei 9.055/1995, que “disciplina a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham [...]”. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos. Integra o Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente. Advogada. Licenciada em Letras pela UNESP/Araraquara. 2 Mestre em Energia e Doutor em Ciências Ambientais pela Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Ambiental Internacional da Universidade Católica de Santos. 1 214 O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil Todavia, mesmo essa lei permitindo o amianto crisotila, a partir de 2001 alguns estados brasileiros o proibiram em seus territórios. Tais ações, entende-se, vêm ao encontro do ODS 12.4, no sentido de “minimizar os efeitos adversos à saúde humana e ao ambiente” ao se “reduzir significativamente a sua liberação para o ar” e “alcançar a gestão adequada” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015) do amianto3. Corrobora essa visão o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que afirma que a forma mais eficaz para erradicar as doenças causadas pelo amianto é acabar com todas as formas de sua utilização4 (OMS, 2017), e ainda alerta que “todos os tipos de amianto causam câncer de pulmão, mesotelioma, câncer de laringe e ovário e asbestose (fibrose dos pulmões)” (WHO, s/d). Adicionalmente, defendem que a exposição às fibras desse mineral pode ocorrer não só no ambiente de trabalho, mas também no meio ambiente, principalmente quando há degradação dos produtos que levam amianto, como por exemplo, “no decurso da manutenção e demolição de edifícios e na eliminação dos resíduos de obras, bem como no contexto de catástrofes naturais” (OMS, 2017, p. 7). Por tal razão, os estados brasileiros valeram-se da competência legislativa em matéria ambiental, que lhes é conferida pela Constituição Federal, e se anteciparam à União proibindo em seus territórios a extração, industrialização e comercialização do amianto, mesmo sendo estas operações permitidas pela Lei Federal 9.055/1995, regulamentada pelo Decreto 2.350/1997, segundo parâmetros específicos. Esse protagonismo de alguns estados brasileiros nesta questão também se mostra em consonância com o Preâmbulo da Agenda 2030, por ser uma medida “ousada” e “transformadora”5. Ousada, pois além de haver muita resistência por interesses econômicos, ainda estava em vigor a Lei Federal 9.055/95, que permitia a extração, industrialização e comércio do amianto em todo território nacional. E transformadora, porque impulsionou outros estados a legislarem no mesmo sentido. Criou-se, mesmo que implicitamente, um movimento subnacional que culminou na proibição desse mineral, pelo Supremo Tribunal Federal, em todo território nacional6. Apesar de não resolver todo o problema que envolve o uso do amianto, pois mesmo proibido ainda está presente em muitos produtos, essa proibição sem dúvida é uma medida que minimiza os riscos advindos de novos produtos sendo colocados no mercado. 4 Isso porque não existem provas para que se possa estabelecer “um limiar relativo ao efeito carcinogênico do amianto, incluindo o crisótilo, e que foram observados riscos acrescidos de contrair cancro em populações expostas a níveis muito baixos” (OMS, 2017, p.4). 5 “Estamos determinados a tomar as medidas ousadas e transformadoras que são urgentemente necessárias para direcionar o mundo para um caminho sustentável e resiliente” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015) 6 O marco legal da proibição do amianto ocorreu em 29 de novembro de 2017, quando o Supremo Tribunal Federal declarou, de modo incidental e com efeito erga omnes, a inconstitucionalidade 3 215 Paradiplomacia Ambiental Esses estados subnacionais foram influenciados por uma tendência paradiplomática internacional - pois mais de setenta países já haviam proibido o amianto em seus territórios (SOPTERJ, 2019) - e pela divulgação de conhecimento técnico-científico sobre os riscos do amianto por comunidades epistêmicas, tanto internacionais como nacionais. O presente capítulo tem como objetivo apresentar esse protagonismo de alguns entes subnacionais brasileiros ao proibirem a extração, industrialização e comercialização de amianto em seus territórios, saindo à frente do próprio Estado Federativo, e relacionar essas iniciativas no contexto do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12- Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis, e mais especificamente à meta 12.4, de “Até 2020, alcançar o manejo ambientalmente saudável dos produtos químicos e todos os resíduos, ao longo de todo o ciclo de vida destes, de acordo com os marcos internacionais acordados, e reduzir significativamente a liberação destes para o ar, água e solo, para minimizar seus impactos negativos sobre a saúde humana e o meio ambiente”. 1. O Amianto e suas características Amianto, ou asbesto, é um mineral encontrado nas rochas magmáticas e metamórficas, e facilmente separáveis em fibras. Apesar de haver vários tipos, são divididos em duas grandes classes: anfibólios ou serpentinas. E é nesta segunda classe que se insere o amianto tipo crisotila, utilizado no Brasil (SCLIAR, 2005). O amianto crisotila apresenta-se muito interessante economicamente, por ser barato e abundante na natureza. É resistente ao calor e, como suas fibras são flexíveis e sedosas, podem ser facilmente tecidas. Com apenas um quilo de fibras, chega-se a produzir até vinte mil metros de fio (SCLIAR, 2005). Dada essa versatilidade, o amianto tem sido utilizado na produção de inúmeros produtos, tais como: telhas, vasos de decoração, pisos vinílicos, tubulações, lonas e pastilhas de freios, tintas, papelão, vestimentas antichamas, entre tantos outros (INCA, 2018). Em contrapartida a essas características, o amianto crisotila possui outras bastante preocupantes quanto às implicações à saúde humana, mesmo pertencendo à classe das serpentinas, consideradas menos cancerígenas que a dos anfibólios. Ao longo das últimas décadas, muito se discutiu sobre o amianto e sua patogenicidade. A questão foi amplamente analisada por cientistas de diversas áreas, economistas, refletindo também no âmbito legislativo. No entanto, mesdo artigo 2º da Lei 9.055/1995, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3406 e 3470 contra a Lei 3.579/2001, do Estado do Rio de Janeiro. 216 O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil mo entre os cientistas, houve posições antagônicas, intensificadas por interesses econômicos que fizeram a discussão em torno de sua proibição durar décadas. Essa controvérsia ainda existe, mas foi atenuada depois que alguns órgãos respeitados mundialmente, como a OMS, começaram a se posicionar de modo categórico contra qualquer utilização das fibras de amianto, qualquer que seja o tipo e a quantidade. Por conta disso, o amianto é colocado entre os dez produtos químicos ou grupos de produtos químicos que constituem um problema de saúde pública.7 (WHO, 2010). Também a International Agency for Research on Cancer (IARC), agência intergovernamental que também faz parte da Organização Mundial de Saúde das Nações Unidas, classificou o amianto como carcinogênico do Grupo 1. Pertencer ao Grupo 1 significa que existem evidências de que pode causar câncer em humanos, em qualquer de suas formas e qualquer estágio de produção, transformação e uso (IARC, 1987). Nesse passo, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) também declarou que todas as formas de amianto são cancerígenas, e “não foram identificados níveis seguros para a exposição às suas fibras”. Tal exposição pode causar as seguintes doenças: “asbestose, câncer de pulmão, mesotelioma, câncer de laringe, do trato digestivo e do ovário; espessamento na pleura e diafragma, derrames pleurais, placas pleurais e severos distúrbios respiratórios” (INCA, 2018). Essa situação se agrava, pois, ao contrário de outras substâncias perigosas à saúde que possuem seu risco restrito à exposição em ambientes determinados, segundo Pedra (2015) e a OMS (WHO, s/d), a exposição ao amianto pode ocorrer tanto no âmbito laboral quanto no meio ambiente em áreas em que manipulam o amianto, e ainda em edificações que contenham amiantos quebradiços. Dessa forma, mesmo que cessada a extração, industrialização e comercialização do amianto, restará ainda um passivo de amianto nos produtos já em uso pela sociedade – e que poderão produzir danos quando de atividades de manutenção, substituição ou descarte destes itens, como caixas d`água, telhas e outros produtos. 2. O tratamento jurídico dado ao amianto no Brasil A comunidade científica já reconheceu há muito tempo o amianto do tipo anfibólio como altamente cancerígeno, e não há divergências a esse respeito. Por tal razão é que sua extração, comercialização e uso se encontram proibidos em quase todo o mundo e, no Brasil, desde 1995, quando a Lei Federal 9.055 7 Alerta a OMS que, apesar de os produtos químicos fazerem parte do cotidiano das pessoas, e muitas vezes, quando usados adequadamente, poderem contribuir significativamente para a melhoria de qualidade de vida, saúde e bem-estar, outros produtos químicos são muito perigosos e podem ter um impacto negativo na saúde e no meio ambiente quando não são administrados adequadamente (WHO, 2010). 217 Paradiplomacia Ambiental entrou em vigor. Porém, o artigo 2º da Lei 9.055/1995 permitiu, por mais de duas décadas, a extração, industrialização, comercialização e uso do amianto crisotila, segundo parâmetros específicos estipulados pelo Decreto 2.350/1997, embasando-se no argumento de que esse tipo de amianto - por pertencer à classe das serpentinas - seria menos cancerígeno do que os anfibólios (SCLIAR, 2005). E assim foi, mesmo com as entidades científicas divulgando que o amianto crisotila também é muito perigoso à saúde humana8. Todavia, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por meio da Resolução do Conama nº 348/2004 incluiu os materiais resultantes do processo de construção que contenham amianto na Classe D dos Resíduos Perigosos. Por tal razão, rejeitos contendo amianto precisam ter sua disposição final correta em aterros para resíduos perigosos (classe I), e jamais devem ser reutilizados, entre outros requisitos para gerenciamento de resíduos desta característica. Por outro lado, desde a publicação da Lei 9.055/1995, alguns estados (Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo)9, influenciados por tais informações científicas, legislaram proibindo em seus territórios a extração, industrialização, transporte e uso de qualquer forma do amianto. Essas proibições, ainda que em âmbito subnacional, corroboram com a meta de desenvolvimento sustentável 12.4, e ocorreram, entre outros fatores, em virtude do protagonismo de alguns estados nacionais que, influenciados por uma rede de informação científica, legislaram proibindo em seus territórios todos os tipos de amianto. Cabe mencionar que nessa matéria a competência legislativa dos estados era concorrente10, ou seja, a competência da União limitava-se a “estabelecer normas gerais, que se aplicam a todo território nacional, cabendo a cada Unidade da Federação o respectivo detalhamento, conforme as características e necessidades locais, limitadas pelas regras impostas pela União” (GRANZIERA, 2019, p.78-79). Observa-se que ainda há países que permitem o uso do amianto crisotila, como por exemplo, Índia, Indonésia, Tailândia, Malásia, Filipinas, Mongólia e outros. 9 Lei Estadual 2.210/2001, do Mato Grosso do Sul; Lei Estadual 3.579/2001, do Rio de Janeiro; Lei Estadual 11.643/2001, do Rio Grande do Sul; Lei Estadual 12.589/2004, de Pernambuco; Lei 12.684/2007, de São Paulo. 8 O artigo 24 da Constituição Federal traz a competência concorrente a União, Estados e Distrito Federal quanto aos seguintes temas ligados ao meio-ambiente (incisos V, VI, VII, VIII e XII): produção e consumo; florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; previdência social, proteção e defesa da saúde. 10 218 O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil Porém, como o Brasil destacava-se mundialmente na produção desse mineral, houve resistência de muitos setores empresariais a essas legislações subnacionais, com proposição de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) sob o argumento de que já existia a lei federal permitindo o uso do amianto e, portanto, as estaduais estariam em desacordo com ela. Todavia, foi justamente no julgamento de algumas dessas ADINs (de números 3.406 e 3.470) que, em novembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 2º da Lei Federal 9.055/95, e constitucionais as leis estaduais. Ressalta-se que a proibição não ocorrera efetivamente nesse momento, visto que foram interpostos vários recursos jurídicos a fim de retardá-la11. Foi só em fevereiro de 2019 que o acórdão foi publicado, proibindo o amianto em todo território nacional. Entretanto, novamente, foram apresentados embargos de declaração para protelar tal decisão, que até o final de 2019 não haviam sido julgados. 3. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável - ODS 12 Viola e Basso (2016) chamam a atenção para a transição do Holoceno para o Antropoceno e suas consequências. Esse fato ocorreu no final do século XX e início do XXI, mas teve seu início com a Revolução Industrial e foi se intensificando a partir da década de 40, ao longo do grande desenvolvimento econômico e tecnológico ocorrido. Nesse período, a atuação do ser humano sem as devidas preocupações causou impactos ambientais nunca antes vivenciados, anunciando a passagem de uma fase de estabilidade ambiental de mais de onze mil anos (Holoceno) para outra, marcada por um grande desenvolvimento que desestabilizou o ambiente e a qualidade de vida (Antropoceno). Por tal gravidade, Franchini et al (2017) asseveram que “[...] the Anthropocene demands immediate responses to deal with cumulative, universal and long-term problems” (p. 196)12. Entre eles, está a questão do gerenciamento de substâncias perigosas, como o amianto, que exige uma resposta urgente apontando diretrizes para padrões sustentáveis de produção e consumo, objeto do ODS 12. Ademais, segundo Beck (2010), é justamente pelo modelo de produção e consumo utilizados até então que se tem hoje uma sociedade de risco. Isso, porque existe, obviamente, uma relação direta entre produção e consumo; e destes, por sua vez, com o desenvolvimento econômico, ainda mais agravado quando se trata de um mero crescimento econômico. Tanto é que, como aponta Milaré Em dezembro do mesmo ano, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e o Instituto Brasileiro do Crisotila entraram com pedido de tutela de urgência a fim de suspender o efeito erga omnes até a publicação do acórdão e esgotamento do prazo para oposição de embargos de declaração. Tal pedido foi concedido. 12 “[...] o antropoceno exige respostas imediatas para lidar com problemas cumulativos, universais e de longo prazo” (tradução livre). 11 219 Paradiplomacia Ambiental (2014), “os investimentos são planejados em função do número de consumidores e usuários potenciais e não de seres humanos” (p.79). Não se desconsidera que, diferente de consumismo, o consumo é importante, pois contribui para uma série de benefícios ao bem-estar humano, como habitação, alimentação, saúde, educação, e tantos outros. No entanto, destaca Feldmann (2005) que o problema está em seus padrões e efeitos, ou seja, no desafio em conciliar a pressão ao meio ambiente às necessidades básicas do ser humano. E é nessa intersecção equilibrada que se posiciona o desenvolvimento sustentável, cuja busca atualmente tem sido orientada internacionalmente pela Agenda 2030, que engloba em seu Objetivo 12 (ODS 12) os “Consumo e Produção Responsáveis”, para “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”. 4. A meta de desenvolvimento sustentável 12.4 No escopo do ODS 12, a meta 12.4 volta-se especificamente para a questão do manejo dos “produtos químicos e de todos os resíduos”, especificamente dedicada a minimizar seus impactos negativos à saúde humana e ao meio ambiente. Para tanto, colocou-se como meta atingir o manejo ambientalmente saudável ao longo de todo o ciclo de vida dessas substâncias, bem como reduzir significativamente sua liberação para o ar, água e solo. No entanto, a redação da meta traz uma particularidade: seu cumprimento está agendado para até 2020, alinhando-se com o objetivo geral da Strategic Approach for the International Chemicals Management – SAICM13. Note-se que a ODS 12.4 pretende “alcançar o manejo ambientalmente saudável dos produtos químicos e todos os resíduos, [...] de acordo com os marcos internacionais acordados[...]” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015, p.31). Assim, é importante mencionar, sobre esse aspecto, que o Brasil faz parte de vários acordos multilaterais que versam sobre o assunto, objetivando proteger tanto a saúde quanto o meio ambiente, cada um com seu enfoque e abordagem específicas, tais como: a Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito; a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes; a Abordagem Estratégica para a Gestão Internacional de Substâncias Químicas (SAICM), entre outros (MMA, s/d). Entende-se assim que, ao menos em parte, a busca pelo atendimento à meta 12.4 passa pelo atendimento a compromissos que são parte de outros regimes ambientais internacionais dos quais o Brasil já é Abordagem Estratégica para a Gestão Internacional de Substâncias Químicas. Trata-se de um arcabouço estratégico de políticas públicas para o gerenciamento ambientalmente responsável de substâncias químicas, com secretariado abrigado pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP). 13 220 O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil aderente. Nesse sentido, o presente artigo defende que a proibição do amianto, promulgada em mais de uma legislação estadual e asseverada pela recente decisão do STF, não apenas atende ao ODS 12.4, mas também honra os compromissos assumidos pelo governo federal em Convenções e tratados dos quais o país é signatário. Adicionalmente, a meta 12.4 ainda conversa com o parágrafo 34 da Agenda 2030, em que apela para o seguinte compromisso: Vamos reduzir os impactos negativos das atividades urbanas e dos produtos químicos que são perigosos para a saúde humana e para o ambiente, por meio da gestão ambientalmente adequada e utilização segura de produtos químicos, a redução e a reciclagem de resíduos e o uso mais eficiente da água e da energia. (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015, p.12) Assim, é medida que vem ao encontro à meta 12.4, proibir a extração, industrialização, comercialização e uso do amianto, por ser um mineral que pode causar danos irreversíveis à saúde da população, além de ser difícil a sua manipulação correta14. Ademais, o amianto também não se mostra apto a atender aos objetivos de “reutilização” e “reciclagem” da Política Nacional dos Resíduos Sólidos PNRS15, pois não se podem utilizar os produtos à base de amianto, como telhas, ao final de sua vida útil, para transformá-los em nova matéria prima. Portanto, os produtos contendo amianto não conseguem se inserir na nova lógica da gestão de resíduos, segundo a qual todo material ou produto consumido deve ser reaproveitado ao máximo, e transformado em nova matéria prima, antes de ser classificado como rejeito. Dessa forma, os produtos de amianto ao final de sua vida útil são sempre classificados como rejeitos, restando apenas a alternativa da disposição final ambientalmente adequada, como resíduo perigoso. Sob esse viés, desde o ponto de vista mais amplo, entende-se que a única forma de buscar o “manejo ambientalmente saudável” do amianto é por meio do objetivo da “não geração” desse como resíduo, o que só se alcança a longo prazo, pois mesmo proibindo a extração, fabricação e uso do amianto e seus produtos, ainda haverá um passivo ambiental a ser gerenciado por bastante tempo, em função da grande quantidade de produtos com essa matéria ainda em uso, e que terão longa vida útil até o momento de seu descarte. Segundo o Instituto Nacional de Câncer, “a exposição ao amianto está relacionada à ocorrência de diversas doenças. Ele é classificado como reconhecidamente cancerígeno para os seres humanos. Não foram identificados níveis seguros para a exposição às suas fibras.” (INCA) 15 Estabelecida pela Lei nº 12.305/2010, e que especificamente em seu Artigo 9º define uma hierarquia, ou prioridade, para as ações de gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos. 14 221 Paradiplomacia Ambiental 5. Paradiplomacia e a Proibição do Amianto no Brasil 5.1 Conceitos e Práticas da Governança e da Paradiplomacia Os problemas ambientais contemporâneos não se circunscrevem às limitações territoriais de um Estado nação, e nesse novo cenário mostra-se necessário repensar as relações políticas, até então estabelecidas somente entre Estados soberanos, apontando a premência de adoção de outros mecanismos de cooperação. É nesse contexto que surge a governança, definida pela Comissão de Governança Global (1986) como “a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns” (p. 2). Acrescenta Gonçalves (2005) que governança também é meio e instrumento para resolução de problemas comuns globais16, com a participação ampliada de vários atores17 (não só Estados soberanos). Por meio dessa participação baseada no consenso, tal processo se legitima e tem apresentado bons resultados. Alinhada à mesma lógica da governança, surge a paradiplomacia. Nela, os entes subnacionais (Estados, Municípios, organizações internacionais, dentre outros entes) participam em acréscimo aos Estados Nacionais na busca de soluções para problemas globais, contemporâneos e comuns. Estes, segundo Rei, Seltzer e Cunha (2012, p.131), “exigem uma resposta de múltiplos atores, em múltiplas escalas, cabendo aos governos subnacionais o papel crucial de desenvolver e implementar as políticas necessárias à promoção do paradigma da sustentabilidade mais próximos do cidadão”. Observa-se que na paradiplomacia há uma nova dinâmica, onde há mais espaço para os entes subnacionais. Por tal razão, Moreira, Senhoras e Vitte (2009, p. 1) a caracterizam como “processos da extroversão de atores subnacionais [...] que procuram praticar atos e acordos internacionais a fim de se obterem recursos e resolverem problemas específicos de cada área com maior rapidez e 16 Note-se que a governança pode não ser só global, quando, por exemplo, no âmbito interno de um país, vários atores subnacionais se unem para encontrar uma solução para um problema. 17 Nesse aspecto, a Agenda 21, em seu dispositivo 23, já trazia a necessidade de novas formas de participação de vários atores em busca da sustentabilidade. E ainda reconhecia que “a participação ampliada se legitima e ganha contorno internacional. E ainda, considerando que a soberania pode ter seus limites ultrapassados pelo Estado Moderno, principalmente, no que diz respeito a reconfiguração do conceito de soberania e pela compreensão de que determinados problemas ensejam a superação de conceitos, e de limites territoriais, e de participação de múltiplos atores”. A Agenda 2030 também reconhece a importância da participação ampliada para implementá-la, por meio da Parceria Global revitalizada que “facilitará um envolvimento global intensivo em apoio à implementação de todos os Objetivos e metas, reunindo governos, sociedade civil, setor privado, o Sistema das Nações Unidas e outros atores e mobilizando todos os recursos disponíveis” (Agenda 2030, p.13) 222 O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil facilidade sem a intervenção dos governos centrais”. É inegável que a globalização permitiu maior interligação entre os mais diversos atores- tanto no nível nacional quanto global. Entre esses atores, estavam não só os Estados Nacionais, como também subnacionais, organizações internacionais, empresas, ONGs e até comunidades epistêmicas internacionais, entre outros. 5.2 As ações paradiplomáticas dos estados subnacionais brasileiros em prol da proibição do amianto Nesse novo cenário, em que as fronteiras não são mais impedimentos para a troca de informações, influências e parcerias, algumas comunidades epistêmicas18 internacionais, como a OMS ou o IARC, tiveram papel importante no processo de proibição do amianto no Brasil e no mundo. No contexto internacional da proibição do amianto, os movimentos ganharam força, principalmente, depois que essas comunidades epistêmicas, embasadas em pesquisas de seus cientistas possuidores de reconhecida expertise, declararam que não só os amiantos da classe dos anfibólios eram perigosos, mas também o crisotila. Por tal razão, informou-se ainda que o caminho para a solução, em termos de políticas públicas, seria interromper todos os tipos de uso de amianto19. Desde então, reduziu-se a incerteza decorrente de grande controvérsia sobre o assunto, e a proibição foi progressiva em vários países desde a década de oitenta, como por exemplo na Noruega (1984), Dinamarca (1986), Suécia (1986), Suíça (1989), Holanda (1991), Itália (1992), Alemanha (1993) e França (1997). Interessante notar que à exceção da França, todos os exemplos citados de proibição são anteriores à legislação brasileira, de 1995, que permite o amianto crisotila. Não obstante, conforme já mencionado anteriormente, esse movimento trouxe reflexos no Brasil onde, influenciados por dezenas de países que já haviam proibido o amianto em seus territórios e pelas informações científicas que vinham das comunidades epistêmicas, alguns governos subnacionais (estaduais Segundo Haas, “comunidade epistêmica” é uma expressão usada para designar “uma rede de especialistas em áreas específicas do conhecimento, que, dotados de autoridade, compartilham não somente noções de validade e um padrão de raciocínio e de práticas discursivas, como também o compromisso com a produção e aplicação do conhecimento, nos termos de um projeto político dirigido a problemas específicos e fundado nesses entendimentos comuns”. Surge da necessidade de conhecimentos especializados de uma determinada comunidade científica e seus membros “fortalecem-se como atores, tanto no nível nacional como no internacional, conforme os tomadores de decisão solicitem-lhes informações e deleguem-lhes responsabilidades” (HAAS apud MINIUCI, 2011, p.56) 19 A OMS – Organização Mundial da Saúde indica, entre outras orientações, que a “eliminação de doenças relacionadas ao amianto deve ocorrer por meio das seguintes ações de saúde pública: a) reconhecendo que a maneira mais eficiente de eliminar doenças relacionadas ao amianto é interromper o uso de todos os tipos de amianto;[...]” (WHO, 2010) 18 223 Paradiplomacia Ambiental e municipais) tomaram a decisão de legislar proibindo esse mineral20, em prol da saúde de sua população. Essa atuação dos governos subnacionais brasileiros representa o descrito por Castells (2007), segundo quem, por haver um complexo sistema de relações institucionais que também são globalizados, os Estados acabam operando influenciados por uma rede interativa ampla, que inclui influências econômicas, políticas e tantas outras. Ressalta-se, entretanto, que, nessa rede de influências, a conexão pode ocorrer mesmo de modo informal e sem grau de institucionalidade. Neste caso, os atores se interconectam por uma “identidade”, entendida por Sarfati (2006, p.261), como “a união das qualidades inerentes ao ator no agrupamento de atores, corresponde a suas experiências e à sua consciência. É um conjunto de significados, tomados em perspectiva com outros atores, que um indivíduo ou grupo atribuem a si próprio”. Assim, ao legislarem à frente do Estado Federal, alguns estados brasileiros, influenciados por tais redes e instituições, demonstraram um novo papel mais autônomo dos entes subnacionais na proteção ambiental, caracterizando um processo paradiplomático relevante21. Vale mencionar a observação de Rodrigues (2008) para o fato de que, mesmo sem a paradiplomacia ter previsão constitucional, ela está constantemente presente no enfrentamento de várias questões, sem afrontar o Estado de Direito22. 6. O Amianto nos processos de produção e consumo e a meta 12.4 Quando se fala em produção, consumo e desenvolvimento sustentável, é preciso ter em mente que algumas formas de desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente muitas vezes se chocam. Aliás, já em 1991 o desenvolvimento sustentável era descrito pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento não como “um estado permanente de harmonia”, mas sim como um processo, que envolve escolhas difíceis e que dependem de O primeiro estado que legislou nesse sentido foi Mato Grosso do Sul (Lei 2210/2001), seguido por vários outros, como Rio de Janeiro (Lei 3579/2001), Rio Grande do Sul (Lei 11643/2001), São Paulo (Lei 12684/2007), Santa Catarina (Lei 17076/20017). Note-se que, em 1990, o estado do Maranhão (Lei 5017) já proibia o uso de telhas de amianto na cobertura de edifícios públicos. 21 Pinto (2015) fala da Paradiplomacia “como instrumento que justifica e legitima a soberania dos estados subnacionais para enfrentamento e cooperação em matéria ambiental.” (p.206). 22 “Curiosamente, mesmo sem previsão constitucional, a paradiplomacia tem sido praticada diariamente, sem necessariamente afrontar o Estado de direito. Exemplos concretos de atuação estadual e municipal ocorrem no âmbito das competências comuns, definidas no art. 23 da CF (que inclui os temas saúde; patrimônio histórico, cultural e paisagístico; cultura, educação e ciência; meio ambiente; habitação; e combate à pobreza). Por exemplo: é crescente a quantidade de convênios de cooperação técnica entre municípios e Estados federados brasileiros e contrapartes estatais estrangeiras para implementar políticas públicas de proteção ambiental tendo por base tratados ou documentos internacionais - como o Protocolo de Kyoto (1997), em relação ao aquecimento global, ou a Agenda 21, em relação ao desenvolvimento sustentável” (RODRIGUES, 2008, p. 1020). 20 224 O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil apoio político (CMMAD, 1991, p.10). A proibição da extração, industrialização, comercialização e uso do amianto no Brasil é uma dessas escolhas difíceis, por colocar em jogo grandes questões econômicas. No entanto, entende-se que essa é necessária na medida em que produção e consumo guardam estrita relação e, nas palavras de Milaré, “consome-se o que se produz, produz-se o que é demandado para consumir.” (2014, p.83). Nesse círculo, o papel do Estado é imprescindível para reorganizar essa dinâmica, principalmente quando a produção compromete a saúde das pessoas. É ele que tem a força cogente, além do papel constitucional de proteção ambiental. No caso do amianto, as comunidades epistêmicas podem informar sobre a sua periculosidade, porém elas não têm força jurídica. Só o Estado, usando a competência que lhe é própria de legislar, pôde transformar as informações científicas em normas deônticas. Não obstante, Milaré (2014) destaca também o papel do consumidor em relação aos seus deveres em relação ao meio ambiente, como um direito indisponível, por ser patrimônio da coletividade. Nesse passo, destaca ainda a importância da Ética, nas dimensões individual, social e planetária. No caso específico da proibição do amianto no Brasil, a atuação dos governos subnacionais representa um marco significativo para o avanço da meta 12.4, mesmo que só por meio da proibição posta não se consiga ainda banir efetivamente a liberação de fibras de amianto no ambiente, em função do passivo de produtos com amianto ainda em uso. Todavia, com a proibição atual minimizam-se os riscos à saúde humana e ao meio ambiente, já que não mais serão colocados no mercado novos produtos com esse mineral. Resta, porém, o desafio de se gerenciar o passivo ambiental dos produtos em uso, e que terão de ser gradualmente substituídos e descartados de forma ambientalmente adequada – lembrando da escassez no Brasil de instalações apropriadas para esse descarte. Considerando a colocação de Castells de que “sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder” (2007, p.170), alguns entes subnacionais- favorecidos pela globalização que permite uma grande interconexão não só entre Estados nação, mas também paradiplomáticas- mostraram que é possível resistir às forças econômicas para alcançar modelos de produção e consumo mais sustentáveis. CONCLUSÃO Apresentou-se, ao longo deste capítulo, o protagonismo dos entes 225 Paradiplomacia Ambiental subnacionais ao legislarem, proibindo, em seus territórios, a extração, industrialização e comercialização de todo tipo de amianto, mesmo encontrandose vigente a Lei Federal 9.055/1995, que ainda permitia o amianto tipo crisotila de modo controlado no país. Essa atuação se baseou em iniciativas de extrema relevância no âmbito da governança ambiental global, que se alinharam às informações propagadas por comunidades epistêmicas sobre a periculosidade do uso desse mineral, até mesmo o crisotila, em todas as suas formas e quantidades. Em decorrência desse processo paradiplomático, pelo qual alguns entes subnacionais saíram à frente da Federação, esta se viu pressionada a se posicionar diante do impasse jurídico formado quanto ao artigo 2º da Lei 9.055/1995, que ainda permitia o uso do amianto crisotila. Assim, diante da constatação de que tal lei passou por um processo que inconstitucionalização superveniente, decorrente do avanço das pesquisas científicas, proibiu-se também todos os tipos de amianto no Brasil, declarando constitucionais as leis estaduais, no acórdão que julgou as ADINs 3.406 e 3.470. No caso em questão, foi inegável a relevância do protagonismo de estados e municípios para a busca do desenvolvimento sustentável. Principalmente, porque só o conhecimento científico, que vinha sendo anunciado há décadas tanto nacional como internacionalmente, sucumbia a fortes interesses econômicos. Assim, mesmo havendo várias declarações de comunidades epistêmicas alertando sobre os perigos do amianto e de seus produtos, elas não tinham força jurídica para alterar os padrões de produção e consumo, uma vez que só o Estado é que lhes pode conferir tal força, legislando embasado nessa informação técnico-científica. Dessa forma, verifica-se a relevância da atuação dos governos subnacionais na proibição do amianto em todas as suas formas no Brasil, destacando, então, que é justamente por haver fortes interesses conflitantes, que foi ousado tal protagonismo desses entes subnacionais. No que se refere à agenda da governança ambiental global, e especificamente no avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas pelo Brasil, entende-se que essa atuação corrobora com o ODS 12.4, pois, mesmo não pondo um fim nos efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente do amianto, ao menos os minimizou, pois, com a proibição, não se acrescentam novos produtos no cenário nacional. Ademais, espera-se, essa medida impulsionará a busca por novos substitutos mais sustentáveis ao amianto, ou seja, espera-se que se instale nesse ponto um novo paradigma de desenvolvimento econômico, que contribua a um espaço ambientalmente mais seguro. Nesse sentido, o presente caso ilustra um exemplo no qual foi possível avançar no atendimento à meta 12.4 a partir da autonomia de alguns entes subna226 O protagonismo de entes subnacionais na proibição do amianto no Brasil cionais, que, a partir da influência das comunidades epistêmicas internacionais, por meio de um processo paradiplomático, dissolveram um impasse, para depois induzir um avanço em âmbito federal, e assim contribuir ao atendimento a compromissos assumidos pelo país- não só da Agenda 2030 mas também de outras Convenções e tratados. Há que se considerar que esse avanço ainda é frágil, pois ao contrário da atuação subnacional dos estados, em âmbito federal essa mudança de posição em relação à proibição de todos os tipos de amianto foi obtida pela via judicial, em decisão do Supremo Tribunal Federal, e não por um aperfeiçoamento legal originário do legislativo, poder que ao menos em tese deveria ser capaz de absorver as novas expectativas da sociedade e convertê-las em marcos legais mais alinhados à sustentabilidade e aos compromissos assumidos internacionalmente pelo país. REFERÊNCIAS BECK, U.. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Sâo Paulo: Ed. 34, 2010. CASTELLS, M. Communication, power and counter-power in the network Society. International Journal of Communication, v. 1, 2007, p. 238-266. Disponível em: <http://criticaltheoryindex.org/assets/castellsmanuel_communication%2C-power-and-counter-power-in-the-network-society.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2019. COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. 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Disponível em: <https://www.who.int/ipcs/assessment/public_health/chemicals_phc/ en/>. Acesso em: 10 jan. 2020. 229 EL ESTADO DE SAO PAULO Y SU ESTRATEGIA RELATIVA AL CAMBIO CLIMÁTICO EN EL CONTEXTO DE LA PARADIPLOMACIA EN RED. Fernando Rei1 Mariângela Mendes Lomba Pinho2 ODS 13 - Acción por el clima META 13.2 - Políticas, estrategias y planes nacionales y 13.3 educación y sensibilización. INTRODUCCIÓN L legase a las dos primeras décadas del nuevo milenio y al que parece muy poco se ha logrado en avanzar hacia un nuevo periodo de conquistas en lo que se entiende por la Agenda Global de Sostenibilidad, aunque no se pueda negar la importancia de la Agenda 2030. Siguen todavía sin solución los diversos y complejos problemas ambientales globales, si bien haya que reconocer que el sistema de Naciones Unidas avanza con herramientas e compromisos en este sentido, valiéndose de la novedosa arquitectura jurídica que el Derecho Ambiental Internacional y la Gobernanza Global les facilita, retando al sistema internacional a adoptar medidas más efectivas y capaces de atajar con eficiencia a estos problemas, bajo la pena de agravar los impactos sociales, económicos, políticos y ambientales a lo largo de este siglo. Y si esos problemas globales históricamente hacían parte de una entonces exclusiva agenda internacional de los Estados, particularmente en las dos últimas décadas nuevos actores de la sociedad internacional, sean del sector empresarial y de la sociedad civil, sean de otras esferas de gobierno, reclaman su inserción en nuevos modelos de gobernanza, a partir de una nueva relación de compromiso generado por una amplitud del concepto de responsabilidad socio ambiental global multinivel y por el reconocimiento de que esos problemas reclaman una respuesta más cercana a los intereses del ciudadano y de la gestión Profesor Co-Coordinador del Grupo de Investigación en Energía y Medio Ambiente del Programa de Doctorado en Derecho Ambiental Internacional de la Universidad Católica de Santos. Profesor Titular de Derecho Ambiental de la Fundación Armando Alvares Penteado-FAPP. Director Científico de la Sociedad Brasileña de Derecho Internacional del Medio Ambiente – SBDIMA. Advisor de REGIONS4. 2 Profesora Investigadora del Grupo de Investigación en Energía y Medio Ambiente del Programa de Doctorado en Derecho Ambiental Internacional de la Universidad Católica de Santos. Vicerrectora Administrativa de la Universidad Católica de Santos. 1 230 El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la paradiplomacia en red de los territorios (REI & FARIAS, 2015). En este sentido, las actividades internacionales de los gobiernos subnacionales son cada vez más objeto de participación política y de interés académico, incluso en el Estado de São Paulo, y particularmente en la Universidad Católica de Santos. Es cierto que las razones de internacionalización de los gobiernos subnacionales son múltiples y no siempre coinciden en el fomento de esta agenda de compromisos; sin embargo, aunque no exista una dominante identidad de motivos, se reconoce que su implicación estratégica en los asuntos amplios que abordan el desarrollo sostenible, especialmente el régimen internacional de cambios climáticos, así como su capacidad institucional para hacerle frente, representa ya una nueva dinámica, un auténtico y legítimo cambio en la realidad y en el futuro de las relaciones internacionales del Estado de São Paulo, que ya cuenta con una Secretaría de Estado para Relaciones Internacionales. El objetivo de este trabajo es, a partir de la asunción de compromisos de responsabilidad socio ambiental por parte de los gobiernos subnacionales, presentar el compromiso del Estado de São Paulo, las medidas asumidas frente al régimen internacional de los cambios climáticos, con énfasis en la labor de la red internacional Regions4. Para cumplir el objetivo propuesto, este material se compone de tres secciones. La primera analiza el papel de los nuevos actores internacionales, especialmente de los gobiernos subnacionales, en la construcción de una gobernanza climática global. Para hacer más evidente este hecho, la segunda sección se dedica a la presentación de la labor del Estado de São Paulo en la paradiplomacia ambiental. La tercera parte se centra en acciones concretas de la Política Climática del Estado de São Paulo, en el ámbito de la Iniciativa RegionsAdapt, y finalmente la última sección contiene conclusiones. 1. EL ROL DE LOS GOBIERNOS SUBNACIONALES EN LA GOBERNANZA GLOBAL DE LOS CAMBIOS CLIMÁTICOS Se puede decir que la paradiplomacia ambiental está considerada como la inclusión de las acciones de los gobiernos subnacionales en la dinámica de las Relaciones Internacionales, así como en la construcción del Derecho Ambiental Internacional, el cual viene reconociendo la participación progresiva de otros niveles de gobierno en la compleja agenda ambiental global. En literatura especializada se han identificado las distintas claves de este movimiento próspero más allá de las fronteras estatales. Es que las negociaciones para avanzar en el régimen internacional de la lucha contra el calentamiento global están actualmente muy débiles; cuando el contexto internacional no atraviesa un buen momento, los resultados son previsibles. Esto es lo que sucedió en esta última Cumbre del Clima de 2019, en Madrid. 231 Paradiplomacia Ambiental Esta resistencia sigue socavando la legitimidad de los Estados como interlocutores privilegiados para la solución de la problemática del cambio climático al tiempo que refuerza a otras autoridades y centros de toma de decisión, concretamente a los gobiernos subnacionales. En verdad, los actores subnacionales se ven forzados a ofrecer una respuesta más efectiva y proactiva que los Estados porque las emisiones de gases de efecto invernadero - GEI y los impactos del cambio climático se perciben y padecen en los niveles local y regional (SETZER, 2013). Por ello, a pesar de las restricciones constitucionales a las que se enfrentan algunos gobiernos subnacionales para desarrollar lo que se conoce como relaciones exteriores, en la práctica su presencia en foros internacionales es cada vez más activa. Así pues, al hablar de paradiplomacia ambiental, se hace referencia a las condiciones necesarias para iniciar un proceso de vinculación internacional en una agenda global donde la mayoría de los gobiernos subnacionales tienen competencias legislativas y administrativas sobre las fuentes más importantes de emisión de GEI (REI et al, 2012). En realidad, el concepto de paradiplomacia se ha visto evolucionado en los últimos años debido a la dinámica de las agendas globales, como en el caso de la Agenda 2030, con sus 17 objetivos. Como bien destaca Costafreda (2016, p.5): La agenda 2030 es excepcional en tanto que agenda multilateral, dotada de compromisos globales con metas concretas y cuantificables. Aunque se trate de una normativa blanda, el grado de deliberación pública que se ha dado en el proceso de elaboración y adopción de la misma la convierte en un instrumento multilateral poderoso, al servicio de gobiernos, grupos políticos, ONG, burócratas internacionales, y ciudadanos, comprometidos con el combate a la pobreza, el cambio climático o la reducción de las desigualdades, entre otros. Así que las acciones de los gobiernos subnacionales para cumplir la Agenda 2030 y afrontar el cambio climático suponen uno de los aspectos más visibles de la nueva gobernanza medioambiental global, especialmente a partir de estados federados como Estados Unidos y Brasil, donde se identifican posiciones negacionistas en los gobiernos centrales, que no creen en el cambio climático o niegan que se deba a la acción humana, aunque la mayoría de los científicos no dude del fenómeno. Un punto para aclarar el debate es que los científicos escépticos, que cuestionan sobre todo las consecuencias más catastróficas asociadas al cambio climático, no quieren que se los confunda con los negacionistas, estos amparados 232 El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la paradiplomacia en red principalmente por el ala más conservadora del Partido Republicano de EE. UU. y grupos similares de Australia y Europa. Coincidencia o no, es cierto que en la política global, y concretamente en el régimen climático actual, desde principio del nuevo milenio se asiste a una tendencia de apatía de la autoridad nacional acompañada de una apertura hacia un nuevo sistema global que exige nuevas modalidades para luchar contra el cambio climático. En este escenario, la gobernanza medioambiental global puede representar una nueva lógica de poder en un mundo muy inestable. No se puede negar que dinámicas geoeconómicas y geopolíticas coexistan en el presente, y que esas sean más o menos intensas, delineando un escenario mundial imprevisible y fluctuante, debilitando además las instituciones multilaterales. La complejidad de la respuesta internacional así como la necesidad de acciones prácticas para afrontar los problemas medioambientales globales, han hecho posible y dado legitimidad a la progresiva aparición de nuevas formas de autoridad, las cuales han reclamado una revisión de la lógica y de la arquitectura del régimen internacional del cambio climático (REI & FARIAS, 2015). Nölke y Graz (2007) desde hace tiempo garantizan la legitimidad y la calidad democráticas de estos nuevos modelos en diversos campos de la política ambiental global. En otras palabras, los problemas globales medioambientales, entre otros, tendrán soluciones satisfactorias únicamente si son negociados y regulados por un amplio número de sujetos y atores. Así es como comienza a existir una nueva gobernanza medioambiental global. En este sentido, es creciente el reconocimiento (COSTAFREDA, 2016) de que el logro de la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible y el Acuerdo de París sobre Cambio Climático implican una transformación de la trayectoria global de desarrollo, y los desafíos relacionados con esta transformación implican un cambio en la gestión del desarrollo, donde el papel de los gobiernos subnacionales puede ser crucial. Esta transformación impone por primera vez exigencias a las economías emergentes y a los nuevos países de renta media: si han demostrado con los Objetivos del Desarrollo del Milenio - ODM dar con una fórmula para crecer, ahora, deben demostrar que ese crecimiento puede ser inclusivo. Quien también lo reconoce es la propia Organización de las Naciones Unidas - NNUU al afirmar que las políticas ambientales están evolucionando “desde un estilo de toma de decisiones desde el centro hacia la periferia altamente federalizado hacia enfoques con mayor participación de los estados, como en Brasil ” (ONU Medio Ambiente, 2016, p.125). Ratificando el anterior, la ONU Medio Ambiente referencia tal proceso 233 Paradiplomacia Ambiental que se verifica en la América Latina y el Caribe, que además está en línea con los compromisos asumidos en el marco de la Agenda 2030: la creciente relevancia de los actores subnacionales y la incorporación de actores no estatales a la gestión de asuntos ambientales. Respecto del primer punto destacan México, Brasil y Argentina. Y arremata: aunque sea temprano para afirmar una tendencia a distribuir responsabilidades y adaptar los marcos legales nacionales a realidades y gestiones territoriales específicas, los primeros dos casos se presentan como un avance en esa dirección y en ambos países se verifica la adopción de leyes marco sobre medio ambiente en los Estados federados (ONU Medio Ambiente, 2018, p.22). Es decir, a través de la gobernanza medioambiental global se han creado distintas formas y niveles complementarios de lucha contra los problemas medioambientales reales incluso en la realidad latinoamericana. Como consecuencia de ello, el avance obtenido en el marco del Acuerdo de Paris se ha sustentado en actividades desarrolladas en los niveles infraestatal y transnacional por actores que no son parte formal en el sistema legal internacional, pero que ya logran de un status reconocido. Efectivamente, y pesar de las limitaciones propias por la carencia de la condición de sujeto internacional, en la práctica los gobiernos subnacionales crean entre sí relaciones técnicas con vínculos jurídicos, y participan de forma original, dinámica y en coalición en los regímenes jurídicos y organismos internacionales que regulan los compromisos de los Estados. Esta práctica ha influido en la naturaleza, en la esencia de las relaciones internacionales, basada tradicionalmente en la cooperación entre Estados, y ha introducido otros niveles de cooperación, estratégicos, apareciendo así las dimensiones local-regional-global (REI & FARIAS, 2015). La dimensión subnacional se acerca a las realidades locales y permite la estructuración de acciones en redes globales. Las redes de estados, departamentos, provincias etc. cobran cada vez más protagonismo en el plano internacional como un importante componente de la estrategia de internacionalización de las regiones. La participación en estas redes constituye un marco institucional adecuado que les permite a los gobiernos subnacionales intercambiar experiencias exitosas de gestión territorial y cooperar con otras regiones en temas de relevancia ambiental, con el fin de elevar la calidad de la gestión pública. Además, la participación de los gobiernos subnacionales en estas redes propicia la articulación internacional que contribuye a la expresión de las perspectivas locales y regionales en ámbitos internacionales o globales y permite coordinar esfuerzos para afrontar temas de escala global e impacto local/regional. El estudio de una red supone una importante herramienta para analizar y comprender la dinámica de las relaciones entre espacios y actores, las cuales se 234 El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la paradiplomacia en red despliegan en ciertas áreas como el desarrollo sostenible, y en particular en el cambio climático. La función de una red es ejercer una conexión para fomentar las relaciones entre los actores y las estructuras técnicas de acuerdo a determinados objetivos específicos, que en algunos casos, pueden ser también políticos. Por tanto, las redes van adquiriendo un papel cada vez más reconocido, y van asumiendo progresivamente un importante espacio en los procesos multilaterales de decisión, lo cual supone cambios en la estructura organizativa y en las relaciones de gobernanza. En este sentido la ONU Medio Ambiente y la Unión Europea reconocen que en más de un sentido la creciente visibilidad de los denominados actores regiones en el proceso que condujo a la Cumbre de París y el énfasis en la acción climática asociada al proceso de negociación, pero con grados de libertad respecto de éste revela a la vez los límites de la capacidad de acción de los estados nacionales y la importancia de la contribución de múltiples actores con capacidad de acelerar los procesos de cambio más allá de los diferentes niveles de gobernanza, que es reconocida en el propio Acuerdo de París (PNUMA/ UE,s/d, p.47) . Y naturalmente que los impactos de las iniciativas subnacionales en la gobernanza global ambiental acaban alcanzando mayor empuje cuando los actores subnacionales actúan de manera organizada en cooperaciones horizontales y redes solidarias (BULKELEY, 2010). 2. EL PAPEL DEL ESTADO DE SÃO PAULO EN EL CONTEXTO DE LA PARADIPLOMACIA AMBIENTAL Instituciones y redes paradiplomáticas en el área ambiental dan buena cuenta de los beneficios que obtienen con la cooperación multilateral multinivel, poniendo de manifiesto, y de manera enormemente positiva, que es la práctica del diálogo técnico y el compromiso político, en el marco de una agenda internacional complexa, que responde por muchos avances que se pueden observar. En muchos lugares del mundo, regiones, provincias, departamentos miembros de redes paradiplomaticas están experimentando un importante crecimiento económico. Y eso ha permitido el establecimiento de una vía de diálogo que se plantea a continuación: sobre la base de ese crecimiento económico, no siempre sostenido, es posible ayudar a crear sistemas políticos más justos, sociedades más abiertas, inclusivas y respetuosas con los derechos humanos y el medio ambiente, estén en el Sur o en el Norte.. Al fin y al cabo, hoy en día existen “nortes” en el hemisferio Sur y algunos “sures” en el hemisferio Norte. Punto para la cooperación multilateral multini235 Paradiplomacia Ambiental vel, en particular en el ámbito de Regions4. 1.1 La presencia en Regions4 Originalmente lanzada como nrg4SD - Red de gobiernos regionales para el desarrollo sostenible durante la Cumbre de Johannesburgo (Río + 10), en 2002, la red tiene su sede en Bélgica, y goza el estatus de asociación civil sin fines de lucro desde 2004, estando dedicada a la participación y cooperación de los gobiernos subnacionales en las discusiones sobre el desarrollo sostenible. Si bien su propósito específico es el desarrollo sostenible, desde 2008 también ha desarrollado acciones específicas destinadas a abordar el cambio climático, coordinar las políticas públicas llevadas a cabo a nivel horizontal, promover la capacitación, la transferencia de tecnología, el financiamiento y el intercambio de experiencias entre sus miembros (SETZER, 2013, p. 147-183). Desde 2019, cuando ha cambiado su nombre para Regions4, es la voz global de los gobiernos regionales en los campos de biodiversidad, cambio climático y desarrollo sostenible, y ahora representa a 42 gobiernos regionales de 20 países en 4 continentes. Además de los actores gubernamentales, admite la participación de otras partes interesadas, como universidades, institutos académicos, asociaciones y otros grupos interesados en acciones dirigidas al desarrollo sostenible, admitidos como miembros y / u observadores, por lo tanto, sin derecho a voto. Esta es la manera de participación de la Universidad Católica de Santos, como asociada. Su estructura administrativa consiste en un Comité Directivo, con representación plural, Secretaría General, Tesorería y Asamblea General. Preside actualmente la organización el País Vasco. Regions4 está acreditada como observadora de la sociedad civil, por NNUU, hecho que le garantiza, por ejemplo, participación en un grupo de trabajo sobre financiamiento del cambio climático a nivel subnacional (REI, CUNHA y SETZER, 2013 p. 129-140) y como contribuyente a la Secretaría de la Convención y grupos de trabajo sobre cuestiones técnicas, con presencia regular en las negociaciones y difusión de iniciativas de subdelegación. Con objeto de influir en el proceso de negociación sobre cambio climático, Regions4 ha venido trabajando de forma institucional con otras redes de gobiernos subnacionales, como The Climate Group (TCG), los Gobiernos Locales para la Sostenibilidad (ICLEI) y las Ciudades y Gobiernos Locales Unidos (UCLG). Esta colaboración entre redes de gobiernos subnacionales supone un esfuerzo estratégico para la creciente concienciación ciudadana en una acción cotidiana respecto al cambio climático. 236 El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la paradiplomacia en red São Paulo se incorporó a la entonces nrg4SD en la Conferencia de Donostia, en marzo de 2003 cuando se acordó la estructura inicial de la red. De hecho, São Paulo fue invitado por una iniciativa del País Vasco a asumir la Vice-Presidencia para América Latina y el Caribe (IRIARTE IRURETA, 2006), bien como un puesto en el Comité Directivo, el cual ha mantenido con oportunas renovaciones desde 2003 hasta la actualidad- y ostentó la Co-Presidencia Sur de la organización en los períodos 2007-2010 y 2011-2014. A partir de 2020 Regions4 cuenta con una sola Presidencia Mundial. A nivel de representación política, cabe destacar la regularidad de la presencia al más alto nivel del gobierno de São Paulo – Secretario de Estado y/o Presidente de la Agencia Ambiental- en las reuniones de la red, hecho que representa el compromiso político de sucesivos gobiernos, aunque del mismo partido, con esa acción internacional organizada de São Paulo, permitiendo mantener su participación viva y comprometida a lo largo de estos años (REI et al.,2013). Por su turno, en el ámbito técnico, gracias a São Paulo se han logrado policy papers, estudios y entrenamientos – inventario de gases de efecto invernadero para regiones latinoamericanas -, y una asistencia técnica a las regiones de Latinoamérica y Caribe, especialmente facilitada por OLAGI – Organización Latinoamericana de Gobiernos Intermedios. Éste último en un ambiente político de acercamiento en el que se han creado iniciativas bilaterales de cooperación técnica, muchas en cooperación con el País Vasco y/o Cataluña. Los motivos de São Paulo para formar parte de Regions4, bien como de otras redes paradiplomáticas en el área ambiental como The Climate Group, R20 y ICLEI, son igualmente funcionales –el desarrollo estrategico de las competencias asumidas-, y reservadamente identitarios. Esto último se deriva de su relevancia económica y cultural en la sociedad brasileña, además de las incongruencias (FARIAS y REI, 2013) de las acciones del país en el régimen internacional de los cambios climáticos, actualmente bajo críticas, que le lleva a buscar en Regions4 una forma de relacionarse con otros actores internacionales comprometidos con una agenda global, así como una plataforma para estar presente y actuante en la escena internacional –tanto a nivel latinoamericano como mundial- mediante una “acción verdaderamente exterior, pero disfrazada” . Por último debe afirmarse que el protagonismo que São Paulo ha tenido en la construcción de Regions4 ha influido muy significativamente en el desarrollo de la red, en particular en su expansión latinoamericana, de forma que es posible afirmar que São Paulo junto al País Vasco y Cataluña son, además de los grandes responsables por el diseño estratégico e implantación de una cooperación descentralizada ibero-americana, eje central de la relación norte-sur de Regions4, junto a otros miembros artífices principales de la configuración actual y de la trayectoria de Regions4, como Gales, Flandes, Azuay, Quebec etc. 237 Paradiplomacia Ambiental 2. LA POLITICA DEL ESTADO DE SÃO PAULO FRENTE A LOS CAMBIOS CLIMÁTICOS Los efectos del cambio climático vienen siendo estudiados y discutidos en el área ambiental del gobierno del Estado desde 1995, cuando fue instituido por el entonces Secretario del Medio Ambiente, Fábio Feldmann, a través de la Resolución SMA nº 22/95, el Programa para Cambio Climático - PROCLIMA, bajo la coordinación de la Compañía Ambiental del Estado de São Paulo - Cetesb. El PROCLIMA, bajo la coordinación de la División de Cambio Climático de CETESB, desarrolla desde entonces la “Comunicación del Estado”, una especie de “Comunicación Nacional” en el ámbito del Estado de São Paulo, que presenta el inventario de emisiones de fuentes de gases de efecto invernadero en el territorio paulista. Una de las iniciativas que contribuyen a la mejora y en la dinámica de la colecta y elaboración de datos son los cursos anuales de Inventario de Gases de Efecto Invernadero: Sostenibilidad Corporativa y Pública impartidos por CETESB, donde los especialistas en el área indican la base conceptual para la preparación de inventarios por sectores industriales. Durante sus primeros 10 años, el PROCLIMA celebró seminarios y cursos, participó del esfuerzo nacional para la Primera Comunicación Nacional, se responsabilizó por el inventario nacional de residuos, y siguió muy de cerca, anualmente, hasta mismo como parte de la delegación brasileña, la evolución de las Conferencias de las Naciones Unidas sobre el Cambio Climático. En virtud de la experiencia acumulada y de sus compromisos internacionales en el ámbito de Regions4, en 2005 el gobierno instituyó el Foro de São Paulo sobre Cambio Climático Global y Biodiversidad, presidido personalmente por el Gobernador del Estado. Entre sus objetivos estaba colaborar con la elaboración de una Política de Estado sobre Cambio Climático, enfatizando la importancia del tema para el Estado de São Paulo. El primer borrador de la Política del estado de São Paulo sobre Cambio Climático, preparado desde mediados de 2007 por el equipo técnico del área ambiental, estuvo disponible a través de Internet, para consulta pública, entre enero y agosto de 2008. La consultoría se cerró en septiembre de 2008. En enero de 2009, el proyecto de ley fue enviado por el gobernador José Serra a la Asamblea Legislativa de São Paulo. Entre el 18 y el 22 de septiembre, la legislatura de São Paulo celebró cuatro audiencias públicas en las ciudades de Ribeirão Preto, Americana y Santo André, además de la capital. Después de las audiencias y la contribución de los diputados, el proyecto se aprobó el 13 de octubre de 2009 y se envió para la sanción del gobernador. El 9 de noviembre de 2009, el Gobernador sancionó la Política del Estado de São Paulo sobre el Cambio Climático – PEMC (Ley n° 13.798 / 2009) estableciendo una reducción del 238 El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la paradiplomacia en red 20% en las emisiones de CO2 para 2020, con base en las emisiones de 2005. La ley también establece la creación del Consejo de Estado para el Cambio Climático para monitorear la implementación y supervisar la implementación de la política (SIMA,s/d). Esta Ley está regulada por el Decreto nº 55.947, de 24 de junio de 2010 y su regulación actúan en armonía con la Convención Climática de la ONU y la Política Nacional sobre Cambio Climático. El objetivo general de la PEMC es establecer el compromiso del Estado de São Paulo con el enorme desafío del cambio climático global, proporcionar las condiciones para las adaptaciones necesarias a los impactos derivados del cambio climático, así como contribuir a reducir o estabilizar la concentración de gases de efecto invernadero en la atmósfera. No obstante, sus metas originales, el cumplimiento de las metas y objetivos de la PEMC dependen en parte de su inserción en la Contribución Determinada Nacionalmente (iNDC) de Brasil en el ámbito del Acuerdo de Paris de 2015. Dentro del alcance de PEMC están disponibles diversos productos y acciones, entre ellos planes participativos de adaptación al cambio, siendo que una iniciativa en este ámbito merece destaque: la Iniciativa RegionsAdapt. 2.1 La participación en el proyecto RegionsAdapt Aunque se interrumpieran de inmediato las emisiones antropogénicas de gases de efecto invernadero, la humanidad seguiría durante siglos siendo víctima del cambio climático y sus efectos. El cambio climático genera nuevos riesgos y amplifica los ya existentes para los sistemas naturales y humanos, riesgos asociados a una gran variedad de impactos ya observables. Tal y como reconoce el Grupo Intergubernamental de Expertos en Cambio Climático (IPCC), estos riesgos se distribuyen de forma desigual entre los territorios y, casi siempre, afectan en mayor medida a las personas y comunidades desfavorecidas, más vulnerables . Y a la hora de gestionar y reducir los riesgos del cambio climático, proponiendo al mismo tiempo alternativas resilientes para un desarrollo sostenible, la adaptación y la mitigación son estrategias cruciales, complementarias y desafiadoras (REI, 2019). El estado de São Paulo entiende que los gobiernos regionales desempeñan un papel fundamental y estratégico a la hora de mejorar la coordinación y la cooperación entre los diferentes niveles gubernamentales, para fomentar la coherencia de las políticas y asegurar que las acciones de adaptación produzcan resultados concretos con el apoyo de la comunidad participante. Sin embargo, no obstante los logros de Regions4 en coordinar esfuerzos en esta agenda, el apoyo y la cooperación internacional para actuar a escala 239 Paradiplomacia Ambiental regional en pro de la adaptación eran poco exploradas en el pasado reciente. Si bien muchos gobiernos regionales de Regions4 habían desarrollado estrategias de adaptación a largo plazo y soluciones innovadoras para incrementar la resiliencia, como en el caso de São Paulo, todavía existían una serie de limitaciones y retos que frenaban su capacidad para responder de manera eficaz. En este escenario, y reconociendo que las responsabilidades legales y las capacidades técnicas y económicas varían considerablemente en cada jurisdicción, miembros de Regions4, bajo el liderazgo de Cataluña y Rio de Janeiro, tomaran la iniciativa de participar de RegionsAdapt y se comprometieron a unir esfuerzos para mejorar la eficacia de los gobiernos regionales en la adaptación al cambio climático. La iniciativa Regions Adapt , lanzada en la Conferencia de Paris de 2015,tiene por objeto facilitar y apoyar la colaboración entre gobiernos regionales y otros socios internacionales relevantes, llevando a cabo esfuerzos conjuntos basados en los principios de la solidaridad. Con esta aspiración, los miembros participantes se comprometen a: 1. Adoptar un enfoque estratégico a la adaptación y priorizar las acciones de adaptación mediante, por ejemplo, la aprobación o revisión de un plan o una estrategia regional de adaptación al cambio climático, en los dos años siguientes a sumarse a la iniciativa. 2. Implementar acciones concretas para la adaptación en, al menos, uno de los temas prioritarios identificados. Esto podría incluir: recursos hídricos y su gestión; resiliencia y reducción de riesgo de desastres; agricultura y zootecnia; bosques, áreas protegidas y biodiversidad, infraestructuras (incluidos los sectores del transporte y la energía) y planificación territorial; efectos y oportunidades en el ámbito económico; y adaptación e impacto social. 3. Dar a conocer los datos sobre el progreso de las acciones de adaptación anualmente a través del Pacto de Estados y Regiones (REGIONSADAPT, 2016) Inicialmente, como indicaron Rei y Pinho (2017) participaban de la iniciativa las siguientes regiones: Australian Capital Territory (Australia), Azuay (Ecuador), País Vasco (España), British Columbia (Canada), California (USA), Cataluña (Espanha), Ceará (Brasil), Fatick (Senegal), Goiás (Brasil), Gossas (Senegal), Jalisco (Mexico), KwaZulu-Natal (South Africa), Lombardía (Italia), Paraná (Brazil), Prince Edward Island (Canada), Québec (Canada), Rio de Janeiro (Brasil), Rio Grande do Sul (Brasil), Saint Louis (Senegal), São Paulo (Brasil), South Australia (Australia), Sud-Comoé (Costa del Marfil ), Tocantins (Brasil), 240 El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la paradiplomacia en red Tombouctou (Mali), Vermont (Canada), Wales (Reino Unido) y Western Province (Sri Lanka), listado que confirma la importante y robusta participación de estados brasileños. Actualmente, son 71 regiones del planeta, que representan más de 270 millones de habitantes (REGIONSADAPT, 2019) En RegionsAdapt, São Paulo está contribuyendo con los grupos de trabajo sobre Resiliencia y Bosques y Áreas Protegidas. Una de las principales contribuciones del Sistema Ambiental de São Paulo es el Programa Nascentes. La experiencia de São Paulo conecta empresarios con obligaciones de restauración a cumplir, restauradores y propietarios con áreas adecuadas para la restauración. En un año, el programa ya ha plantado más de un millón de árboles de especies nativas en manantiales y bosques ribereños. En realidad, el Programa Nascentes combina la conservación de los recursos hídricos con la protección de la biodiversidad a través de una estructura institucional innovadora. El programa gubernamental, que involucra a 10 Secretarias de gobierno, optimiza y dirige las inversiones públicas y privadas para cumplir con las obligaciones legales, compensar las emisiones de carbono o reducir la huella hídrica, o para implementar proyectos de restauración voluntarios. En diciembre de 2019 el área restaurada con vegetación nativa es equivalente a 24 mil canchas de futbol, o sea 17 mil hectáreas (SIMA, 2019). Más de 270 prácticas están presentadas por gobiernos subnacionales en el último informe de Regions Adapt (2019) y son realmente inspiradoras y demuestran que adaptarse al cambio climático contribuye al bienestar de las comunidades en todo el mundo. Sin embargo, queda mucho que aprender cuando se trata de hacer que nuestros entornos de vida sean más resistentes al cambio climático, por eso la necesidad de compartir buenas prácticas e iniciativas. CONCLUSIONES Es indiscutible que los retos humano, económico y ambiental que residen en la agenda global de la sostenibilidad, exigen la existencia de estructuras de gobiernos internacionales y nacionales capaces de reflejar el papel crucial que los gobiernos subnacionales desempeñan en este desafío global. El Acuerdo de Paris deja eso muy evidente. En este sentido, la paradiplomacia ambiental supone una aproximación multidimensional, complementaria y coherente en esa agenda, en particular en la lucha contra el cambio climáticoy la arquitectura institucional sobre la que descansará esta agenda global deberá incorporar, además de la lógica de la gobernanza multinivel, el entramado de responsabilidades compartidas entre los distintos niveles de gobierno. Durante sus casi 20 años de existencia, Regions4 ha trabajado para crear un 241 Paradiplomacia Ambiental escenario internacional en el que haya cabida y espacio para las acciones y voces subnacionales. Ello ha contribuido a la creación de un movimiento legal innovador, cuya base es un trabajo normativo que debe ser actualizado y revisado de forma permanente. Y en la creación de ese movimiento, la participación del Estado de São Paulo representa un modelo de paradiplomacia de un gobierno del Sur, con importante alcance y con una política climática que no se puede ignorar. Y en esta experiencia paradiplomática, reconocer que la cooperación y el entendimiento entre gobiernos y redes, lejos de crear competitividades, ha funcionado como un ejemplo de unión de fuerzas y apoyo mutuo para reclamar en los foros internacionales, en particular del sistema de Naciones Unidas, la importancia del papel de los gobiernos subnacionales en la gestión de los asuntos multilaterales de desarrollo sostenible, en particular en el cumplimiento de los ODS, y de pragmatismo en la identificación de oportunidades de cooperación entre las regiones del mundo, como sugiere la iniciativa venturosa de Regions Adapt. Parece ser que la dinámica y la lógica de gobernanza de los ODS es apropiada para los nuevos tiempos y para los nuevos y complejos desafíos de la Agenda 2030. Desafíos locales/regionales/globales que limitan capacidades, individuales y colectivas, para vivir una vida condesciende. Oportunidades que traen significados concretos, coherentes y apropiados. O sea, la Agenda 2030 representa una excelente oportunidad para el Derecho Ambiental Internacional demostrar que una normativa global soft puede inspirar e hacer cumplir iniciativas e políticas concretas hard. Hay motivos para el optimismo. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BULKELEY, H.. Cities and the Governing of Climate Change. Annual Review of Environment and Resources, 35(1), 2010, p. 229-253. COSTAFREDA, A.. Con la agenda global de desarrollo sostenible ¿se dibuja un mejor horizonte para 2030?. Notes Internacionals CIDOB 143, marzo, 2016. NÖLKE, A.; GRAZ, Jean-Chistophe. Limits of the Legitimacy of Transnational Private Governance, ponencia presentada en el seminario Pathways to Legitimacy. The Future of Regional and Global Governance, Universidad de Warwick, 17-19 de septiembre, 2007. ONU Medio Ambiente . GEO-6. Evaluación regional para América Latina y el Caribe. Programa de Naciones Unidas para el Medio Ambiente: Ciudad de Panamá. 2016. 242 El estado de Sao Paulo y su estrategia relativa al cambio climático en el contexto de la paradiplomacia en red ONU Medio Ambiente. Gobernanza ambiental y la Agenda 2030. Avances y buenas prácticas en América Latina y el Caribe. Ciudad de Panamá: Panamá. 2016b. ______. Cepei. Gobernanza Ambiental la Agenda 2030.Avances y buenas prácticas en América Latina y el Caribe. Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente. Ciudad de Panamá: Panamá. 2018. PNUMA. UE. El Acuerdo de París y sus Implicaciones para América Latina y el Caribe. Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente. Ciudad de Panamá: Panamá. s/d. REGIONS ADAPT. 2016 Report: An assessment of risks and actions. Disponible en: http://medacc-life.eu/sites/medacc-life.eu/files/ docuemnts/ra2016report_final.pdf . Aceso en 2 de febrero de 2020. ______. 2019 Report. Disponible en: https://www.regions4.org/project/ regionsadapt/ Aceso en 2 de febrero de 2020. REI, F.C.F.; CUNHA, K.B.; SETZER, J.. La Paradiplocia Ambiental en la Nueva Governanza Internacional. Revista TIP n.2. Buenos Aires, 2012, P. 50-63. REI, F.; FARIAS, V.. Paradiplomacia Ambiental: La Cooperación Descentralizada Hispano-Brasileña. Conpedi Law Review, v.1, 16, 2015, p.1-21. REI, F.; PINHO, M.M.L.. Paris Agreement and the Regions Adapt Initiave: The Role of Transnational Action in the Adoption and Implementation of Climate Policies. International Journal of Science, Technology and Society; 5(4), 2017, p. 91-96. SETZER, J.. Governança multinível das mudanças climáticas: políticas subnacionais e ações transnacionais em São Paulo. In REI, F.C.F. (org.). Direito e desenvolvimento: uma abordagem sustentável. São Paulo: Saraiva, 2013. SIMA. Política Estadual de Mudanças Climáticas. s/d. Disponible en: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/mudancasclimaticas/ politicas-estadual/. Aceso en 3 de febrero de 2020. ______. Programa Nascentes. 2019.Disponible en: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/programanascentes/. Aceso en 2 de febrero de 2020. 243 ODS 14 E META 14.C: O RISCO DO TIRO SAIR PELA CULATRA1 Antonio Elian Lawand Junior2 ODS 14 - Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. META 14.c - Assegurar a conservação e o uso sustentável dos oceanos e seus recursos pela implementação do direito internacional, como refletido na UNCLOS [Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar], que provê o arcabouço legal para a conservação e utilização sustentável dos oceanos e dos seus recursos, conforme registrado no parágrafo 158 do “Futuro Que Queremos”. INTRODUÇÃO O presente ensaio se constitui numa análise crítica dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (“ODS”), centrado no ODS 14 e suas expressões de meio escritas no Objetivo 14.c. A análise confronta o porquê da existência dos ODS, i.e. sua meta, sua função enquanto norma jurídica internacional, com os preceitos que carrega ou faz referência em 14.c. Tratam os ODSs de 17 objetivos expressos em 169 objetos-alvo de ação dos atores internacionais. Diz-se atores pois qualquer ator internacional (estados, subnacionais, locais, organizações internacionais, NGO) pode adotá-las como meta e/ou escantilhão ao seu escopo de trabalho. Nossa meta é focar na ODS 14, cujo objeto é o mar. Para entender o mar como um objeto jurídico internacional de interesse das ODS, em especial da ODS 14, é mandatório termos em mente que a) o mar, tal quais as superfícies secas, são um mosaico de biomas e ecossistemas que se estendem em eixo horizontal da paisagem e, diferentemente da superfície seca, vertical da lâmina d’água; b) sendo que o maior dos biomas da crosta terrestre, contido no superbioma 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. 2 Antonio Elian Lawand Junior é Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito (Direito Ambiental e Ambiental Internacional) pela Universidade Católica de Santos (Santos/SP - Brasil), Pós-Graduado (lato sensu) em Ensino e Aprendizagem na Educação Superior pela Universidade de Tampere (Tampere - Finlândia), membro do grupo de pesquisas Energia e Meio Ambiente, da Universidade Católica de Santos (Santos/SP - Brasil), coordenador da Escola Superior da Advocacia (OAB - Seção SP) para o tema de Direito Portuário (2020/2021), professor universitário e advogado em São Paulo. Contato: antonio.lawand@gmail.com . 244 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra marinho, ainda é o menos estudado e explorado, asserção esta que será trabalhada e assentada mais adiante. Partindo destas premissas, cumpre buscarmos, em análise crítica, a eficácia do paradigma jurídico criado pela ODS 14 (14.c), no qual declara o sistema da UNCLOS como “o quadro jurídico para a conservação e o uso sustentável dos oceanos e seus recursos”, o que foi confirmado §11, da Declaração “Nosso Oceano, Nosso Futuro: Chamada para Ação”, documento final da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, de junho de 2017. Desta relação, perguntamos se o preceito da ODS 14 (14.c) não sabotaria o motivo de sua própria existência: um formato novo de preceito e efeito normativo internacional ancorando seus conteúdos em formatos dos anos 70 e 80, codificados e estratificados, com efeitos declaradamente ineficazes diantes da consecução e avanço da Sustentabilidade. Para tal meta, investigamos, pela perspectiva do preceito normativo, a origem e função dos ODS e da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 (“UNCLOS”) e sua compatibilidade ao nível da efetividade de um Princípio, qual seja, o da Sustentabilidade aplicado aos usos do mar. A investigação baseou-se: a) tanto na utilidade do preceito normativo internacional incidente sobre o fenômeno em assunto; como na b) suficiência dos atores/ sujeitos de direito envolvidos. Ao final, pretendemos responder às perguntas: as ODS são necessárias ao regime jurídico internacional do Mar? A ODS 14 e 14.c ajudam ou atrapalham na consecução e no avanço deste princípio de direito internacional? 1. Novos Formatos Normativos Tomemos a perspectiva da necessidade de solucionar (ou, minimamente, enfrentar) grandes problemas globais (ambientais, dentre eles e principalmente) e a honestidade em dizer: os regimes internacionais até então construídos falharam, em sua maioria. A prova cabal desta falha está na própria evolução da linguagem jurídica internacional: se nos anos 70 e 80, do sec. XX, a “Era das Codificações”3 abordou os grandes problemas ambientais, ainda de que forma fragmentária e temática, em caráter preventivo e precavido ante aos riscos gerados por eles, hoje o discurso é de contingenciamento de riscos já realizados, materializados (BEYERLIN ET MARAHUN, 2011, 441-444). A Era das Codificações é o período do Direito Internacional e do Direito do Mar, concentrado em seis décadas (1930 a 1990, do século XX), no qual a Sociedade Internacional produziu (especialmente para questões afeitas ao Direito do Mar) tratados notadamente marcados por contruções preceituais na modelagem “codificada”, compreendendo estruturas rígidas, vinculantes, estanques e com intenção de perdurar. - Vide SCOVAZZI, Tulio. The evolution of international law of the sea: new issues, new challenges. IN Collected Courses of the Hague Academy of International Law. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2000. 3 245 Paradiplomacia Ambiental Assim, para entender os Objetivos da Sustentabilidade, tenhamos em mente de que não se trata de um novo formato normativo que foi necessário à enfrentar o problema ambiental global, mas uma inovação no uso do formato preceitual antigo. Vejamos os porquês: 1.1. Pela perspectiva da efetividade de soluções ao problema ambiental global Deny et Granziera (2017, 14-19, 20-24) apontam que a “Tragédia dos Comuns”4 entra em seu novo ato, sendo tão atual hoje quanto ao tempo no qual foi escrita: os problemas tiveram abordagens errôneas e linguagens de manifestação de poderes sobre ele incidentes ainda mais inadequadas. Carlarne (2014, 8-9), ao discutir mudanças climáticas, pela perspectiva da efetividade de soluções ao problema, aponta as abordagens das quais falam Deny et Granziera (2017, 20-24). Vejamos primeiramente esta perspectiva: A Sociedade Internacional5 debatia-se ante o problema global e carecia ações que tornassem efetiva a gestão do patrimônio ambiental comum: a) a Sociedade Internacional aferrava-se a interpretações restritivas, em função de sua hierarquização e seus sujeitos de direitos, em derivação a interpretações conservadoras de Soberania derivadas dos Tratados de Münster e Östnabruck/1648 (ABI-SAAB, 1987, 51-53) (SCHRIJVER, 2007, 379-380), muito em função da própria crise (nos anos 80 e 90) que o instituto jurídico-político do Estado (GIDDENS, 2001, 450-452); e b) apontavam necessidades normativas de cunho preceitual acerca de uma suposta carência de uma Gründnorm que fundamentasse, articulasse e integrasse o Direito Internacional em busca de um resultado ambiental (ABI-SAAB, 1987, 46, 122) (CARLARNE, 2014, 29). Os problemas ambientais colocaram sob foco os Estados Nacionais e as “Tragedy of Commons” foi o label utilizado por Garret Hardin em seu celebrado paper homônimo, no qual explora que um objetivo comum a diversos atores, ainda que alcançar este este objetivo distribua benefícios a todos, não é motivação suficiente a que os atores busquem individualmente este objetivo, quanto mais cooperem entre si para o intento. - Vide HARDIN, Garret. The Tragedy of Commons. IN Science, New Series, Vol. 162, No. 3859. Nova Iorque: American Association for the Advancement of Science, 1968. p. 1243-1248. Disponível em internet <https://science.sciencemag.org/content/sci/162/3859/1243.full.pdf>. Acesso em 01/04/2020. 5 Embora autores (como Schachter) coloquem o conceito de Sociedade Internacional como aberto e sujeito a definições não juridicamente balizadas, mas meramente influenciadas, para fins didáticos da exibição da construção do pensamento deste ensaio, utilizaremos esta expressão em conceito fechado, expresso por Abi-Saab: “une communauté internationale universelle reflétait également les structures plus ou moins symétriques ou égalitaires des rapports juridiques (et des rapports de force) existants, du moins entre les puissances européennes et les peuples connus de l’ancien monde; ce qui impliquait qu’on les considérait comme des interlocuteurs valables sur le plan international, c’est-à-dire comme des com- munautés politiques autonomes et d’une certaine manière égales.” - ABI-SAAB, Georges. Cours Général de Droit International Public IN Collected Courses of the Hague Academy of International Law. Vol. 207. Haia: Martinus Nijhoff Publishers, 1987. p. 51. 4 246 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra vicissitudes que os levaram à crise contestatória de suas utilidades e funções: grande demais aos pequenos problemas, pequeno demais aos problemas globais (GIDDENS, 2000, 23). O que, todavia, não exige uma postura de abolição dos sujeitos da sentença! Pensemos pela perspectiva de Carlarne (2014, 33-41), a do objeto da sentença: os problemas. E diferentes problemas exigem abordagens diferentes. Em outras palavras, o problema ambiental global, em suas diversas facetas, exige um gründnorm? A autora revela que problemas ambientais, pela sua peculiaridade de gestão de risco global de múltiplos atores desiguais, não exige uma gründnorm e, por vezes, ela atrapalha (CARLARNE, 2014, 42-45). O meio ambiente, por ser um problema que tem por causa e consequência um polinômio infindável de variáveis naturais6, tem necessidade de soluções que expressem uma abordagem igualmente polinomial e que considere estas infindáveis variáveis em sintaxe. Desta forma, pergunta-se como uma gründnorm, seja ela uma Convenção-Quadro novecentista, seja ela uma codificação setentista/oitentista, pode cumprir este objetivo? As normas do tipo “Quadro” e as normas Codificadas não tem condições de cumprir a própria necessidade peculiar de abordagem do objeto ambiental global. Não, ao menos, isoladamente consideradas. Carlarne (2014, 19-23) e Beyerlin et Marahun (2011, 441-446) enunciam razões de relevância: • A norma jurídica internacional deve permitir um poder de ação, de força, baseado no coletivo, e não em pilar de poder individuais; • A norma tender à formação de mecanismos de cooperação, e afastar de mecanismos de confrontação; • A norma tende a buscar controles preventivos ao invés de repressivos; • A norma deve buscar o compliance e sua assistência, quando falho ou quando apontar não conformidades, ao invés de mecanismos de sanção. Apliquemos os conceitos ao Mar. A codificação é o formato da atual UNCLOS, acrônimo para a expressão em inglês “Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito Do Mar”, assinada em Montego Bay (Jamaica) em 1982. E, como tal, não se olvidou a abordar as Parece óbvio, mas é sempre bom lembrar que tratar de um bioma, um ecossistema, um sistema natural como objeto de uma questão-problema, em geral, é, consequencial e obrigatoriamente, tratar de cada componente deste sistema natural (até hoje tomado por “recurso natural” na norma jurídica) biótico e abiótico como uma variável desta questão-problema em polinômio. Vale dizer, uma variável guarda sintaxe e altera, obrigatoriamente, como um produto notável de um polinômio algébrico, o resultado da maioria (quando não todas) as outras variáveis e a alteração destas outras, por sua vez, gera este efeito em escala exponencial e em cascata. A intervenção em uma variável implica em alteração, direta ou indireta, de todas as demais. Quando uma norma fala em “equilíbrio ambiental”, refere-se a este equilíbrio sensível e dinâmico entre “recursos” inseridos num mesmo sistema ambiental. 6 247 Paradiplomacia Ambiental questões ambientais globais. Mas, observamos que tal abordagem, como evidenciado pela perspectiva da efetividade de soluções aos problemas ambientais globais, é notoriamente insuficiente (ainda que corajosa). Vejamos: De um sistema ambiental do tamanho dos sete mares, albergando inclusive o maior bioma do mundo em extensão e o menos conhecido (i.e. os Fundos Marinhos (GROOMBRIDGE, ET JENKINS, 2002, 119) (TYLER ET. AL., 2016, 1-3) (DATTA, 2011, 189)), os problemas ambientais globais são tratados de forma codificada também, em compartimentalização temática e sob perpectiva temporalmente datada e caduca de prevenção. Scovazzi (2000, 88-89, 122-124, 206-219) enuncia temáticas ambientais tratadas e da forma ciclóptica enunciada, ainda fragmentada, com lacunas a serem respondidas, e, em tom de lamento, aponta que os Fundos Marinhos Internacionais, embora sejam Common Heritage of Mankind (ou “CHM”, nos termos da Res. 2.749 - 22a. UNGA, como parte dos atos preparatórios das UN para a discussão do tratado que viria ser a UNCLOS, e art. 136, UNCLOS) são, exclusivamente, regulados ambientalmente, em efetivo, para fins de mineração. Menezes (2015, 177-188), por seu turno, não nega que houve uma evolução por meio da UNCLOS, que aumentou um núcleo vinculante de normas de objeto ambiental (incorporando a Dec. do Rio/92 no regime de meio ambiente dos Fundos Marinhos), mas não nega ainda a prevalência da soft law em critérios internos estatais de cooperação, em idêntica regulação anterior aos ODS. Schrijver (2007, 257-258), por seu turno, em análise ao Princípio da Sustentabilidade em Direito Internacional, aponta que UNCLOS é produto do confronto geopolítico Norte-Sul e, como tal, foi tímida para o avanço da matéria, utilizando-se de normas de eficácia contida ou limitada, com necessidade de provisões técnicas temáticas específicas, num ambiente controverso de discussões. E, ainda dentre destes segmentos regulados, não houve isenção de desastres e desregulações em matéria ambiental. Observe que a poluição do mar por óleo, mesmo depois da International Convention for the Prevention of Pollution from Ships (MARPOL/73 e 78) e International Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage (CLC/69), complementadas e integradas pela UNCLOS (dita gründnorm, por excelência), continuou nas mesmas modalidades e formatos de acidentes, em exemplos, dentre muitos: Marina (Brasil, 1978), Exxon Valdez (Alasca, 1989), Piper Alpha (Mar do Norte, 1988) e, recentemente, Deepwater Horizon (Golfo do México, 2010) derramaram hidrocarbonetos oleosos no mar, cuasando acidentes cujas consequências não foram integralmente reparadas no meio ambiente e nada, a partir destes acidentes, avançou nas normas internacionais: o problema de riscos técnicos de navegação associados a Bandeiras de Conveniência continuam (LAWAND JÚNIOR ET VALDEZ SILVA, 2019, 2-13) ou as Lessons Learned da International Maritime Organization - IMO foram pouco incorporadas em normativas sequenciais; e alguns danos ambientais de248 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra correntes de acidentes ou maus tratos com o patrimônio ambiental comum só puderam ser identificados hodiernamente, pela exploração (investigação) dos fundos marinhos (LARES, 2017, s/p), embora juridicamente as normativas já tenham exaurido o campo de suas respectivas eficácias. É evidente que, diante do observado, há um descompasso entre o discurso e a prática: não é carência de gründnorm. Onde ela existiu não houve, igualmente, avanços na precaução, prevenção, controle, contingenciamento ou responsabilização dos maus tratos ao patrimônio ambiental global e comum. Evidencia-se, por esta perspectiva, a necessidade de uma nova abordagem do problema ambiental global pelo nível normativo preceitual: uma nova estrutura de preceito normativo internacional que permita a abordagem dos problemas ambientais de forma a albergar toda a complexidade que ele possui e representa. 1.2.1. Pela perspectiva dos atores do problema ambiental global Mas não só pela perspectiva do objeto que o preceito e norma jurídica internacional exigem novos formatos. Tornemos a nos debruçar sobre a frase do crepúsculo do sec. XX: os problemas ambientais colocaram sob foco os Estados Nacionais e as vicissitudes que os levaram à crise contestatória de suas utilidades e funções: grade demais aos pequenos problemas, pequeno demais aos problemas globais. Se tomamos o problema pela perspectiva do objeto, ele também pode ser tomada pela perspectiva dos sujeitos: os atores da Sociedade Internacional. A Sociedade Internacional, apesar de ter sua conotação como construto jurídico formal (embora doutrinário), não foge à fenomenologia: ela é um fenômeno que “é”, e não que “deve ser”. A Sociedade Internacional, como tal, é palco dialético de atores internacionais que sempre existiram. O que variou no tempo e espaço foi os vetores da dialética entre eles: em intensidade, direção e sentido do poder que concentravam. Explicamos: Se antes do sec. XV os Estados Nacionais não eram “sujeitos de direitos em Direito Internacional”, isso não significa que não existiam. Eles existiam, em diversas formas, mas eram necessariamente menos poderosos e sua relevância para o construto e evolução de um Direito Internacional era relegada a outros papéis menores (ou de menor exigência de Poder) diante do enfrentamento de problemas internacionais. Tratados e Guerras eram travados, acordos e comércios entre povos e naçoes eram firmados, coroas e soberanos eram ou não reconhecidos por seus pares. O Direito Internacional existia e era um fenômeno real (ABI-SAAB, 1987, 45-46) (DOUHAN, 2019, 1-2), mas manifesta-se em formatos diferentes daquele Direito Internacional que se pratica hoje. Foi só a partir da ascensão do Estado como figura de protagonismo do teatro de operações dialético nacional e internacional (o que aconteceu, como fenômeno ocidental geral, no crepúsculo do sec. XV), que os Tratados de Münster e Östna249 Paradiplomacia Ambiental bruck/1648 objetivaram o fenômeno “Estado Soberano”, passaram a fazer sentido como fenômeno no Direito Internacional, inaugurando uma era na qual o conceito de Soberania torna-se seu princípio de escol (ABI-SAAB, 1987, 46-49). Hoje, a Sociedade Internacional, em regra, contempla como sujeito de direitos apenas os Estado Nacionais (Soberanos) e aquelas entidades que, por derivação da vontade soberana dos Estados Nacionais, podem assumir direitos e obrigações em nome próprio (as Sociedades Internacionais). Embora a Soberania seja (por análise histórica) considerada uma norma-princípio7, este princípio tem episódios de otimização tímida em função de abordar o “wicked problem”8 ambiental global. Isto porque : a) a própria figura do Estado começa a ser questionada nos anos 80 (do sec. XX), em relação à sua utilidade prática à sociedade (GIDDENS, 2000, 23) em contraponto à quantidade de poder que concentra, o que levou o Estado a encastelar-se em posições defensivas de sua própria posição, pouco colocando esforço em outras variáveis (quanto mais problemas ambientais globalmente comuns, que exigiriam flexibilização de conceitos de Sobera“J’appelle « principe » un standard qui doit être observé, non pas parce qu’il permettrait de réaliser ou d’atteindre une situation économique, politique ou sociale, jugée désirable, mais parce qu’il constitue une exigence de la justice ou de l’équité ou bien d’une autre dimension de la morale. Ainsi, le standard qui prescrit qu’il faut déduire le nombre des accidents d’automobiles est une politique, tandis que le standard que nul ne peut tirer pro- fit du mal qu’il a commis est un principe. On peut effacer cette dis- tinction en construisant un principe qui déterminerait un but social (par exemple celui d’une société dans laquelle nul ne profiterait du mal qu’il aurait lui-même commis) ou en construisant une politique qui déterminerait un principe (par exemple le principe selon lequel le but que cette politique implique est un but valable) ou encore en adoptant la thèse utilitariste selon laquelle les principes de la justice sont des affirmations déguisées de certains buts (comme d’assurer le plus grand bonheur pour le plus grand nombre). Dans certains contextes, la distinction a une utilité, que l’on perd si on l’efface de cette manière.” - DWORKIN, Ronald. Le Positivisme. IN Révue Droit et Société. Paris: L.G.D.J., 1982. p. 42. 8 Rittel e Webber definem a expressão “wicked problem” como aquele fenômeno que reúne dez características peculiares, muito embora o tnham feito em quatro tópicos: i) o problema não tem uma formulação única e definitiva e depende da percepção subjetiva do ator que o observa (e, eventualmente o aborda); ii) seu critério de totalidade e sua complexidade não permitem a descrição do problema em caráter temporal ou espacial de início e fim; iii) as varíaveis são múltiplas e não binárias, ou seja, os critérios de verdadeiro ou falso das variáveis do problema são substituídos por gradientes de solução que dependem do referencial de abordagem do problema (tal qual um produto notável num polinômio num ambiente de teoria dos conjuntos de Gauss); iv) não há possibilidade de ensaio ou teste da solução; v) dada a impossibilidade de ensaio, a ação é tomada e gera imediatas consequências ao fenômeno problemático, conseuqências estas que devem ser consideradas para a próxima ação sobre o problema, vez que indeléveis; vi) as soluções não têm um único processo de respostas; vii) cada problema e suas variáveis componentes é única; viii) cada problema e cada variável é causa e/ou consequência de outro problema e suas variáveis, havendo uma relação como os nós de uma teia de aranha: mexer um nó ou seu fio reverbera em outro nó ou fio em cadeia; ix) a linguagem explica de inúmeras formas (que podem conflitar ou confundir) o problema; x). a problema guarda sintaxe direta com o direito e o bem estar de muitos. - RITTEL, Horst W. J., WEBBER, Melvin M.. Dilemmas in General Theory of Planning. IN Policy Sciences n. 4. Amsterdã: Elsevier, 1973. p. 155-169. 7 250 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra nia, por definição, conceito e origem9); b) a geopolítica global tem como campo dialético também o modo de produção do capital em função de seus resultados, i.e., comércio, indústria e finanças globais. Esta perspectiva aborda o meio ambiente como recurso, ainda. E, num ambiente competitivo, abrir mão de recursos é abrir mão de competitividade. O que leva aos Estados-Nacionais soberanos ao “dilema do prisioneiro” em nível internacional (GONÇALVES ET COSTA, 2011, 134-139) e conflitar objetivos individuais de curto prazo com comuns de longo prazo (BEYERLIN ET MARAHUN, 2011, 440). Isso não quer dizer que os demais atores internacionais (anteriores ao marco de 1648) sumiram e outros não surgiram. Em verdade, diante deste wicked problem , no qual o Estado demonstrou suas amarras políticas e jurídicas para agir adequadamente, é que os demais atores internacionais puderam mostrar utilidade e valor. REI (2017, 33-36) aponta que: a) a discussão ou encaminhamento de soluções ambientais globais, quando direcionada a resultados, é sempre originária ou lastreada em valores científicos apontados não pelos Estados, mas por atores outros que carecem de Soberania; b) as soluções passam por níveis geográficos e políticos que não necessariamente o Estado Nacional e suas amarras políticas, tomando vulto e força governos subnacionais (estaduais e provinciais) e locais, cujas amarras políticas são outras, que representam menor empecilho à consecução de executar as soluções em seu espaço geográfico. Há necessidades de atores novos, não “8. It is currently believed that liability for environmental damage, despite its novelty and fragmentary treaty regulation, could be viewed as an emerging norm of customary international law. The obligation to prevent the use of a State’s territory in a way that could infringe the rights and interests of other States, and to pay compensation in the case of such a harm (see also: Precautionary Approach/Principle; Polluter Pays), derives from the very notion of sovereignty and has been ascertained by a range of international courts and tribunals (Trail Smelter Arbitration; Corfu Channel Case; Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua Case [Nicaragua v United States of America]; Legality of the Threat or Use of Nuclear Weapons; Responsibilities and Obligations of States Sponsoring Persons and Entities with Respect to Activities in the Area). 9 Principles 21 and 22 of the Stockholm Declaration on the Human Environment 1972 and Principles 2 and 13 of the Rio Declaration on Environment and Development 1992 (Stockholm Declaration [1972] and Rio Declaration [1992]), expressly proclaim the responsibility of all States ‘to ensure that activities within their jurisdiction or control do not cause damage to the environment of other States or of areas beyond the limits of national jurisdiction’ and call upon States to develop further the international and national law regarding liability and compensation for the victims of pollution and other environmental damage beyond their jurisdiction, caused by activities within the jurisdiction or control of such States. At the same time the scope of this emerging custom is still not clear. DOUHAN, Alena. Liability for Environmental Damage. IN Max Planck Encyclopedia of Public International Law. Oxford: Oxford University Press, 2019. p. 2-3. Disponível em internet <https://opil.ouplaw.com/view/10.1093/law:epil/9780199231690/law-9780199231690-e1580>. Acesso em: 04 abr. 2020. 9 251 Paradiplomacia Ambiental presos aos mesmos “dilemas” competitivos ou de governança aos quais os Estados Nacionais soberanos estavam. Portanto, a modelagem de norma jurídica internacional ambiental codificada ou baseada em processos de produção vinculada a uma determinada modelagem ou metodologia não prestava a abordar o problema ambiental e suas multifaces: a uma, pois o Estado estava amarrado demais a questões extra-ambientais para buscar o adequado consenso; a duas, pois a solução ou execução das soluções dos problemas ambientais exigiam a participação de outros atores (governos subnacionais e locais, atores e sujeitos científicos e sociais) que, por sua vez, não participavam da construção do preceito normativo. Tornemos a abordar a sustentabilidade no regime geral de Direito do Mar até o momento construído. Em termos gerais, Tanaka (2018, 112) enuncia algumas pedras-chave da sustentabilidade em aplicação: “the need to preserve natural resources for the benefit of future generations, the aim of exploiting natural resources in a manner which is rational, the equitable use of natural resources, which means taking into consideration the needs of other States, and the need to ensure that environmental considerations are integrated in development plans or policies.” Neste ponto, e por enquanto, há harmonia entre o enunciado em ODS 14 e 14.c Em mesmo ensaio, acerca da natureza da Sustentabilidade e sua eficácia em Direito Internacional, Tanaka (2018, 131) ainda explora, por meio de análise de precedentes de cortes internacionais: a) a natureza do Desenvolvimento Sustentável em ser um conceito-chave integral, de observância obrigatória a julgar a conduta dos atores internacionais em disputa acerca do modo como manejaram/gerenciaram o uso dos recursos naturais à sua disposição e/ou ser um conceito-chave integral, de observância obrigatória a julgar o conflito entre normas internacionais; e b) a norma princípio decorre de processo interpretativo fundamentalmente temporal, evolutivo, nos termos informados pelo art. 31(3) (c), da Convenção de Viena-I/69. A aplicar conceito de Dworkin à espécie de Tanaka, Sustentabilidade é, dentre outras coisas, norma princípio de direito (internacional) do mar. A chave interpretativa, segundo o próprio autor, e considerando as palavras de Rei (2017, 33-36) será, fundamentalmente (a se dizer o mínimo), a ciência. b) Sustentabilidade em tratados, quando sua eficácia é controlada por reso- 252 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra luções, tende a ser interpretada como binding rule, nos limites do Tratado, ainda que este não o seja. Tal postura nos remete a avançar em duas asserções: que as normas non-binding são assim não por critério “binário” (é ou não é “binding”), mas por um critério - como dantes observado em termos gerais neste ensaio - gradiente de verificação, cujo meio é a hermenêutica jurídica e o critério é a ciência e a necessidade que ela aponta em adotar ou não a Sustentabilidade em atividade regulada em tratados. Não sem razão, e no mesmo sentido, o Caso 17 - ITLOS estruturou a adoção vinculante de Princípios da Declaração do Rio/92 (em análise pura e isolada non-binding) pelos estados-parte da UNCLOS, no que tange a adoção de medidas legais internas acerca da responsabilização, comando, controle e compliance dos particulares patrocinados na mineração de fundos marinhos. c) por fim, a possibilidade de a Sustentabilidade ser causa de pedir de qualquer sujeito de direitos nomeado em tratado para a defesa dos interesses e objetivos deste tratado, ainda que este sujeito não seja afetado (não, ao menos, diretamente), pelas ações ou omissões daquele que contrariou a Sustentabilidade. Muitas linguagens abordam o mesmo problema: ora Sustentabilidade, ora Common Heritage of Mankind. Um ataque à Sustentabilidade significa um ataque a um commons, a um “compáscuo” do qual a Sociedade Internacional se aproveita e, seja diretamente, pelos danos diretos e escassez futura provocada, ou indiretamente, pelo ataque ao valor Sustentabilidade (como norma jurídica positivada ou como dinâmica de gerenciamento de recursos) em si, ou pela complexidade do problema que, um dia, evoluirá o atingirá o próprio interesse. Veja-se que Cançado Trindade (2006, 365-367) aponta que o CHM é um princípio não exclusivo do Direito do Mar e que contém duas dimensões muito claras genericamente aplicáveis: a) Uma temporal, advinda da palavra Heritage, no sentido de que trata-se da partilha de um bem ou valor na sociedade pensada no tempo, i.e. gerações que virão deverão ter sua quota de proveito deste bem e de obrigação de conservar este bem de forma equânime aos seus antecessores, em tudo aproximado (sendo que o autor insinua coincidência) ao conceito principiológico de Equidade Intergeracional 10(Intergenerational Equity, no original), para esta porção do CHM; e b) Outra espacial/geográfica, advinda da palavra Common, de que todos os atores internacionais (não necessariamente sujeitos de direito internacioAcerca do Princípio da Equidade Intergeracional em Direito Internacional vide WEISS, Edith Brown. Intergenerational Equity: A legal framework for global environmental change. IN WEISS, Edith Brown (Ed.). Environmental change and international law: New challenges and new dimensions. Toquio: United Nations University Press, 1992. p. 385-412. 10 253 Paradiplomacia Ambiental nal) são responsáveis pela conservação, pela fiscalização desta conservação e pela extração de benefícios destes bens ou valores. Costa de Souza (2018, 51-61) chega à mesma conclusão em nível administrativo e econômico (infra estrutural, por excelência): para a finalidade do Direito do Mar, em especial os Fundos Marinhos, na falta de um conceito mais desenvolvido11, o CHM foi utilizado com finalidade e efeitos quase coincidentes com aqueles da Sustentabilidade (se compararmos a definição de Cançado Trindade acerca de CHM e de Tanaka acerca de Sustentabilidade). Assim, como tal, é um ataque, ao menos em caráter finalístico, à própria Soberania da contraparte de um tratado: se se positiva e se concorda em avançar passos geopolíticos no sentido do Princípio da Sustentabilidade, fazer o contrário significa um ataque, em última análise, ao reconhecimento que se dá ao patrimônio (no sentido de acervo de direitos e obrigações) soberano das contrapartes. Todas as contrapartes. As necessidades impostas pela Sustentabilidade, supra evidenciadas, impõem reconhecer que o Estado é insuficiente a completar, sozinho, o próprio preceito por ele escolhido num Tratado. Há necessidade de uma pletora maior de Atores Internacionais, em ação preventiva e de assessoramento cooperativo do compliance ambiental, que incrementem a hermenêutica de preceitos carregados de conceitos sustentáveis. UNCLOS não foi diferente: a conjugação de sua Parte XI (Mineração na Área, nome dos Fundos Marinhos Internacionais cf. art. 1. (1)) com a Parte XII (meio ambiente e preservação dos biomas marinhos) evidenciou claramente os pontos abordados por Tanaka e Beyerlin et Marahun: insuficiência técnica dos preceitos, que impõem procederes metodológicos de comando e controle de processos por organismos administrativos unitários; necessidade de leitura científica dos preceitos (historicamente considerados), o que exige agragação de outros atores internacionais, em reconhecimento à insuficiência dos Estados em cumprir preceitos que, cuidadosamente, escolheram para si. Neste sentido, temos o Caso 17 - ITLOS como curial à observação para confirmação dos ensaios de Tanaka, Cançado Trintade e Beyerlin et Marahun. Vejamos que o caso: A International Seabed Authority (“ISA”) não está isenta de provocações. Em verdade, os Estados-Parte da UNCLOS necessariamente buscam a Autoridade da Área não só para seus regimes de autorização para mineração, mas, também, por força de consultoria. O Relatório “Nosso Futuro Comum”, que contém a definição (científica) de Sustentabilidade, que viria a servir de elemento integrador e interpretativo do Princípio da Sustentabilidade em produção de normas jurídicas internacionais, só foi publicado em 1987, 5 anos depois da assinatura de Montego Bay/82 e do discurso de Arvid Parvo, em 1º de novembro de 1967. 11 254 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra Provocada pelos Estados-Partes Nauru e Tonga, ambos com pleitos para mineração na Área, em 6 de maio de 2010, o Conselho da ISA expediu a decisão ISBA-16/C/13. A decisão foi simples e concerne ao art. 191, UNCLOS: de fato, limitou-se a fazer uso das competência do Tribunal para o Direito do Mar (“ITLOS”), instituído pela própria UNCLOS, para perguntar, em caráter preventivo, assuntos tocantes à responsabilidades ambientais da Parte XI. Seguem as perguntas: “1. What are the legal responsibilities and obligations of States Parties to the Convention with respect to the sponsorship of activities in the Area in accordance with the Convention, in particular Part XI, and the 1994 Agreement relating to the Implementation of Part XI of the United Nations Convention on the Law of the Sea of 10 December 1982? 2. What is the extent of liability of a State Party for any failure to comply with the provisions of the Convention, in particular Part XI, and the 1994 Agreement, by an entity whom it has sponsored under Article 153, paragraph 2 (b), of the Convention? 3. What are the necessary and appropriate measures that a sponsoring State must take in order to fulfil its responsibility under the Convention, in particular Article 139 and Annex III, and the 1994 Agreement?” Em 1 de fevereiro de 2011, ITLOS surge com a decisão do Caso 17 para responder ao pleito. O julgamento, permeado de inovações (desde transmissão digital, até aspectos processuais de amicus curiae), carreou as respostas que, necessariamente, importam a definir ESD para leitos marinhos. Em sede prelibatória, ITLOS decidiu que UNCLOS e suas Partes não são universos preceituais isolados e estanques. São fontes de direito que dialogam entre si e com outros tratados, quando a matéria for conexa ou guardar sintaxe, nos termos da Convenção de Viena - I/69, conforme citado acima. Essa decisão informa o como a sintaxe entre microuniversos normativos pode ser feita. A segunda prelibação concerne acerca da definição de “obligation”, “responsibility” e “liability”, sendo: a) as duas últimas espécie da primeira (gênero); b) Liability refere-se às consequências jurídicas decorrentes da quebra dos deveres do Estado-Parte (ITLOS: 2011, p. 170-174); c) Responsibility refere-se às obrigações decorrentes dos instrumentos estatutários e negociais (e outros decorrentes destes) nas atividades minerárias na Área (ITLOS: 2011, p. 121-140). Estas prelibações terminológicas farão mais sentido sob análise do dispositivo da decisão. 255 Paradiplomacia Ambiental Em suma, o ITLOS Case 17 interpreta as obrigações de natureza ambiental no caso de mineração na Área, nos termos do art. 139, UNCLOS. Podemos dividi-las em três categorias distintas, mas desde já, observando os deveres dos Estados-Parte e as excludentes de responsabilidade e de ilicitude, excluindo modalidades de responsabilização objetiva: a) As obrigações precaucionistas e preventivas do Estudo de Impacto Ambiental da atividade minerária; b) As obrigações preventivas de due diligence e estabelecimento de standards de qualidade ambiental na execução das instalações e das operações minerárias; c) As obrigações e excludentes de responsabilidade do Estado-Parte no caso de dano e a forma de responder a este dano (indenização e/ou reparação). Não se observa, tanto na Parte XI, como no julgado ITLOS Case 17, nenhuma menção a qualquer responsabilidade ou obrigação ambiental pós-operação que não aquelas decorrentes de ilícito (civil/contratual ou administrativo internacional). Vale dizer, para que haja obrigação ambiental pós-operação minerária, há que se ter necessariamente dois elementos verificáveis: dano e ato ilícito (imputável ao Estado-Parte por ação ou omissão – fiscalizatória ou normativa) (ITLOS: 2011, p. 206-211). Se a interpretação da atividade minerária na Área se restringisse à Parte XI, UNCLOS, e às normativas da ISA, entender-se-ia que o Estado-Parte que estabelecesse suficiente universo normativo ambiental e diligenciasse adequadamente sua fiscalização do particular minerador estaria livre de qualquer responsabilidade ambiental. Mas, Sustentabilidade tem dupla hélice de interpretação e implemento: no que toca aos fundos marinhos, desenvolvimento econômico se coadunará com a categoria jurídica de CHM. E é neste ponto que o legado do Juiz Presidente do ITLOS Tullio Treves vai muito além da primeira votação unânime da Corte: para fazer o diálogo entra a Parte XI e XII de UNCLOS e carregar de sentido e eficácia um CHM próximo à Sustentabilidade, trouxe à Corte postulados de Amicii Curiaes que não sujeitos de direito classicamente considerados, mas, sim, NGO e Agências Internacionais, tendo, inclusive, também colocado a disposição relatórios (mas fora dos autos por extemporâneos) de outras NGO. ITLOS, ao menos neste pequeno ponto, faz o regime do Mar curvar-se às novas necessidades do Direito Internacional para a consecução deste importantíssimo objetivo comum, a Sustentabilidade. Mas ainda que estejamos falando de um bem sucedido avanço na incorporação de outros atores internacionais e ampliação do escopo interpretativo dos 256 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra regimes, integrando-os com pontos principiológicos comuns expressos (até) em normas non-binding, é bom colocar as coisas em perspectiva realista e conservadora: trata-se de um órgão, de membros temporários, que expediu um julgado consultivo para um item específico de um tratado específico (embora o principal) do regime internacional do mar. E, ainda assim, a decisão não é indene das vicissitudes decorrentes da insuficiência preceitual e de atores mencionadas em 1.1 e 1.2, deste. Vejamos: Egede (2018, 158) destaca bem: embora os estados-parte e sua agência autorizada, i.e. a ISA, tenham a responsabilidade de regular todas as atividades dos fundos marinhos internacionais e seus recursos em geral (art. 136, 137 e 157, UNCLOS), até o momento só houve regulação normativa da exploração minerária da Área. Ou seja: a governança dos objetos ambientais de interesse global ao encargo de um único agente, em modelagens de regulação de processos, em metodologia de comando-e-controle administrativo e policialesco continua, há 25 anos, a falhar por omissão, a depender de outros regimes (fragmentando a condição da UNCLOS como corpo uno codificado a ser interpretado), como da Convenção Quadro de Biodiversidade para integrar comandos ainda lacunosos (SCOVAZZI, 2000, 213-219). Esta constatação, de per se, já induz à confirmação das asserções de Carlarne e Bayerlin et Marahun da necessidade de evolução das modelagens normativas do direito ambiental internacional, que poderiam a ser atendidas pelas ODS. Mas as questões não param por aí: tal qual na forma do preceito (ou na falta dele, como notou Egede), no conteúdo há também problemas em relação aos Estados de Patrocínio e o Caso 17-ITLOS. Seguimos: Como forma de defender o meio ambiente da Área de desastres na mineração explotativa, o Caso 17-ITLOS impôs diversas provisões interpretativas das Partes XI e XII, da UNCLOS. Entre elas, afastou a aplicação do Princípio das Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas (“CBDR”)12 da responsabilização (liability) dos Estados-Patrocinadores por danos ambientais na Área Quando a norma jurídica tende a tratar uniformemente sujeitos de direito não uniformes, alguns fenômenos iniciais são percebidos: de ordem ética e de ordem prática. O primeiro, de ordem ética, trata de um critério de Justiça: dar o mesmo tratamento jurídico a quem não tem as mesmas capacidades não significa igualdade, mas privilégio à desigualdade, o que acaba por ser uma injustiça. Este conceito não é novo, nem na superestrutura, nem na infraestrutura do pensamento fenomenológico. O segundo, de ordem material, significa que diante de uma necessidade de afirmação de uma norma internacional, os sujeitos de direito internacional mais frágeis (ou menos poderosos acerca do objeto da norma) são naturalmente não inclinados a assumi-la senão quando seu tratamento servir ao reequilíbrio de forças entre partes. Assim, um processo de tratamento diferenciado, compensativo em poderes, direitos e obrigações, teria o condão de atrair mais partes à norma internacional, o que a daria mais abrangência e legitimidade. O terceiro, também de ordem material, mas infraestrutural: o CBDR deve ser descrito como consectário da ideia que o modo de produção e consumo do sec. XX - pós-II Guerra não pode mais ser o padrão entre povos e nações, sob pena de agravar os problemas ambientais globais e gerar outros. - BEYERLIN, Ulrich, MARAUHN, Thilo. International Environmental Law. Oxford: Hart Publishing, 2011. p. 64. 12 257 Paradiplomacia Ambiental decorrentes de sua má-conduta. O CBDR foi invocado e regulamentado para a finalidade do Caso 17-ITLOS nos parágrafos 131 e 151 a 169, do relatório do julgamento (ITLOS, 2011, 45, 52-57), durante a análise do fato gerador, aferição do fato gerador e dos limites das responsabilidades dos Estados-Parte por danos na Área, e não das entidades patrocinadas por eles à execução da mineração na Área. Todavia, o julgamento não o afastou de outros conceitos e fases da mineração da Área, reservando disciplina diferenciada aos “estados em desenvolvimento”. Ele, e UNCLOS, falharam, no entanto, em definir “em desenvolvimento”. Tal falha, além do óbvio condão de prorrogar o conflito geopolítico Norte-Sul (vide a COP Copenhague - UNFCCC), o que é absolutamente indesejável, gera imprecisões jurídicas diante de uma atividade que necessita, acima de tudo, de segurança jurídica diante de seus custos operacionais e riscos ambientais inerentes (EGEDE, 2018, 159-164). Ainda, Egede (2018, 169-171), mesmo que aponte o Modelo Nauru/Tonga de Estado-Patrocinador diferir do “Patrocínio-de-Conveniência” (em alusão e analogia direta às Bandeiras de Conveniência de navegação e seus desastres inerentes), com base no art. 148, UNCLOS, não se foge das zonas cinzentas e reconhecimentos de insuficiência: a) foi necessária a desconsideração vertical de uma Soberania para agir sobre um ator internacional privado para fins de responsabilização; b) ITLOS não definiu um escopo fechado de responsabilizações e suas hipóteses de incidência, tampouco definiu amiúde o teor/escopo da due diligence legal e liberatória de responsabilidade do Estado-Patrocinador. E quanto a esta due diligence: é um dever do estado patrocinador ou é uma prerrogativa/ opção dele em assumir a responsabilidade da corporação mineradora patrocinada? A estrutura com a qual foi construído o relatório do Caso 17-ITLOS nos tenciona a responder pela segunda hipótese. Diante de todo o visto, embora UNCLOS tenha o corpo jurídico internacional dos mais avançados (em matéria de completude preceitual de um regime), codificado, ele é, pelos mesmos motivos preceituais e políticos que a formaram, insuficientes diante de um wicked problem global como o Desenvolvimento Sustentável. Veja-se: UNCLOS não é uma norma ruim! Ao contrário, ao tempo no qual foi feita e segundo as suas possibilidades é um grande vitória, inclusive, à abertura e regulação de novos mercados e ao Desenvolvimento Sustentável. Mas, como dantes dito, ela não tinha ferramentas próprias para ir além. 1.3. As ODS e a ODS 14 Visto que seja pelo objeto, seja pelos sujeitos, havia a necessidade de uma 258 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra nova modelagem normativa que permitisse a participação de novos atores, o trânsito de informações científicas de relevância, e uma metodologia de abordagem de um problema de variáveis de sintaxe complexa, o Direito Internacional aborda uma antiga forma normativa, mas de maneira inovadora: ressuscita o uso da soft law, enterrando a “Era das Codificações”. Eis os porquês: Ainda que não vinculante, a soft law modela comportamentos. Beyerlin et Marahun (2011, 33-34, 37-38) apontam que estas normas têm o poder de gerar um efeito de direcionamento de comportamento dos atores da Sociedade em questão: enviesam, em maior ou menor grau, seus atos no sentido de aproximarem-se dos conceitos-chave da soft law ou dos valores que ela propugna, e freiam a tomada de ações ou omissões no sentido de ignorar estes valores do cômputo de seus posicionamentos globais. Ainda que seu preceito seja de autoria de Estados Nacionais soberanos, a construção de sua respectiva norma jurídica (modeladora de comportamentos) é aberta à dialética de todos os atores da Sociedade Internacional em tempo real, construindo-a e estruturando-a nos termos que entendem ser adequados, formando um síntese histórico-geográfica de interesse. Este conceito é aplicável à formulação das normas jurídicas de direito internacional, em especial aquelas que tratam de problemas globais? A resposta é positiva, especialmente tratando-se de Direito Ambiental Internacional conforme as conclusões das análises de Beyerlin et Marahun (2011, 256). Repare que em todas as normas jurídicas, a construção de seus elementos fundamentais de produção (preceito e interpretação da Corte, da Administração, do Mandatário) são sujeitos à influencia por informações trazidas por agentes externos à produção da norma jurídica. Foram estes agentes que identificaram aos atores nominalmente produtores (de norma e preceito): a) o problema; b) os dados e hipóteses de solução do problema; e c) o “paradigma ético” vigente de Dworkin (na carência momentânea de melhor expressão) a ser aplicado ao preceito. Repare mais: que estes agentes externos são muito mais que governos subnacionais ou locais (para utilizar da mesma nomenclatura dada pelas Nações Unidas). Em sua (natural) maioria são organizações não governamentais (NGO), governos subnacionais e locais, definidos como entidades que participam e se manifestam na sociedade internacional como forças de pressão, e, apesar de possuírem personalidade jurídica de direito interno, o Direito Internacional lhes defere certo status jurídico. Esse status, por sua vez, variará conforme a arena dialética na qual a entidade pretende influir (BEYERLIN ET MARAHUN, 2011, 256-257), mas dificilmente a condição de sujeito (de algum) direito. Ainda que aborde o mesmo (wicked) problema ambiental, a soft law não impõe critérios e técnicas de processos de produção, fiscalizado por medidas 259 Paradiplomacia Ambiental de comando e controle policialesco (típicas de pode de polícia administrativo, até). Seu regime operacional baseia-se em estabelecimento de objetivos comuns a todos os Estados Nacionais e demais atores, informados por critérios técnicos-científicos objetivos, e checkpoints intermediários. O processo para atingir os checkpoints e o objetivo final é livre! O que torna este tipo de norma mais passível de aderência de diversos atores de diversas culturas e cumprimento destes objetivos mais amigável, posto que a cultura local não vai precisar desnaturar num processo técnico imposto de produção. Por seu turno, a forma de controle se dará pela governança dos diversos atores interessados, aumentando a transparência, a discussão e a capacidade dos atores se mobilizarem diante do problema: subnacionais e locais que adotam os critérios que o seu respectivo nacional ignora, forçando o comportamento desta e de seus pares (e.g. a adoção de São Paulo de metas de mudanças climáticas antes da própria União Federal fazê-lo); NGO que divulgam desídias técnicas passiveis de reprovações extrajurídicas (e.g. Caso “Whaling in the Antarctic” - da Corte Internacional de Justiça e Caso 17 - ITLOS); adoção de comandos e controles entre regimes como forma de otimizar o avanço da conquista dos ODS (e.g. IMO 2020 - uma normativa em âmbito da ODS 14, que objetivou a ODS 13). A partir destes conceitos, os “ODS” apontam à Sociedade Internacional objetivos, checkpoints e formas de controle de 17 grupos temáticos de ação, com o objetivo de desenvolvimento sustentável conforme cientificamente informado no Relatório Nosso Futuro Comum, de 1987. O mar foi contemplado com um ODS 14 toda própria, sendo um dos dois espaços geográficos a merecer um ODS peculiar (o outro foi o ODS 11 - Cidades Sustentáveis). Trata o ODS 14 de “conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. Possui 7 metas parciais (ODM 14.1 a 14.7) e três metodologias para alcança-las (14.a à 14.c). A importância deste ODS 14 transcende a própria sustentabilidade oceânica em seus usos: sua importância opera em dois níveis adicionais, quais sejam, a sintaxe com outros ODS e a sintaxe com o equilíbrio geopolítico de poder global em sua fronteira marítima. Na primeira sintaxe, temos (exemplificativamente) o mar como sítio geográfico de 96,5% da água do mundo, ser também responsável por 50% a 85% da produção do O2 atmosférico, reserva e sumidouro de 25% a 31% do CO2 emitidos no planeta, reserva de alimentos de 200 milhões de libras (de proteína e fibras alimentares) para a dieta da população do planeta, regulador climático do planeta por meio de suas correntes oceânicas e atmosféricas, e meio pelo qual transitam mais de 90% da carga comercializada pelo mundo inteiro (NOAA, 2020, s/p). O mar é muito mais que isso (vejam-se as significações religiosas que 260 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra as diversas culturas atribuem ao mar), mas só por estes exemplos dados neste parágrafo somos capazes de dizer, categoricamente, que não existe ODS cumprido em “desassociação” ou desarticulação com o ODS 14, com o mar e seu eventual uso sustentável. A segunda sintaxe trata, justamente, da dominância e da luta geopolítica entre nações soberanas em sua Ordem Mundial de forças. O oceano sempre foi palco de disputas internacionais, tendo, na quase totalidade das vezes, o mar servido como instrumento do poder geopolítico de domínio do cenário global de poder (BARBOSA JUNIOR, 2012, 209-219). Os exemplos são pródigos: desde o nascimento do Direito Internacional (ainda em seu caráter liberal Iluminista), os embates pelo domínio do mar entre os partidários do Mare Liberum (França, Inglaterra, Holanda e Suécia) contra os partidários do Mare Clausum (Espanha, Portugal e o Papa), e ainda haviam aqueles híbridos em posição (ducados da Pen. Itálica, Rússia e Dinamarca). E continuam pelas hodiernas disposições e conflitos no mar e sua dominância pelo poder militar (SCOVAZZI, 2000, 53-116). Ninguém pode ser soberano nos mares por expressa disposição das normas internacionais acerca do mar desde Genebra/1958, repetida pela UNCLOS (positivando e objetivando o que era jurisprudencial e costumeiro). O que significa que aquele que puder aplicar o poder de fato nesta geografia fará a diferença, ainda que UNCLOS chame as nações à cooperação em atividades em alto-mar (vide art. 117 a 119 em matéria de pesqueiros em alto-mar), o que foi notado como insuficiente, a vista das fishing wars em curso (SCOVAZZI, 2000, 132). Esta segunda sintaxe é uma variável que engessa a ação dos Estados Nacionais (pois é mais um problema complexo a se somar a um wicked problem), o que arriscaria (ao menos em tese) a consecução de (como se viu) todos os ODS. Mas, pelo seu formato de governança e execução abertos, entidades subnacionais e locais (e até privadas) podem assumir estes compromissos no seio de suas operações e geografias, minorando o risco geopolítico. Então, se o sistema ODS é tão bom assim, o que pode dar errado? Por que o tiro pode sair pela culatra? 2. Velhos Problemas Conceituais A sintaxe geopolítica de poder e dominância que o mar significou ao longo dos tempos, já explicada no fim do tópico anterior foi uma das principais variáveis da evolução do Direito do Mar. Por sua vez, a intrincada evolução do Direito do Mar no Direito Internacional não se deu de forma indene de significado e não foi intrincada à toa. Até chegarmos nos diversos regimes de direito nas diversas geografias do mar (e.g. Mar Territorial, Área, Águas Internacionais, Zona Econômica Exclusiva, Zona Contígua, Plataforma Continental) e o que cada regime vincula (normativamente) de uma dialética entre nações, passaram261 Paradiplomacia Ambiental -se mais de 530 anos de guerras, julgamentos internacionais, postulações doutrinárias e, até, testes normativos por tentativa e erro (SCOVAZZI, 2000, 53-116). Vale dizer que a UNCLOS atual, ainda que não conte com a formal assunção do Tratado pelos Estados Unidos da América, congrega o consenso internnacional acerca da disciplina da imensa e significativa arena dialética internacional que o mar significa e com a obediência (ao menos em parte) dos próprios Estados Unidos, vez que UNCLOS consolida aspectos de Genebra/1958 e de direito costumeiro do mar. Trata a UNCLOS de um produto de codificação internacional de preparada e prevista desde 1967, resultado de rodadas de negociação que só findaram em 1982, em conferência presidida por Tommy Koh (mandatário de Cingapura), na Jamaica, e entrou em vigor em 1994. A questão acerca da UNCLOS é que, como todo eixo de conflito geopolítico, o eixo de conflito geopolítico Norte-Sul13 (deflagrado, em muito, pelo “Relatório Meadows”) também tomou o mar como campo dialético (SCOVAZZI, 2000, 93-103). Logo, a cada rodada de discussão, sopesavam-se forças “Em Desenvolvimento” contra forças “Desenvolvidas” na construção de um preceito relativo ao Mar e seus usos diante de um desafio global de sustentabilidade (datado da Declaração de Estocolmo/1972, Princ. 11, passando por Genebra/1958 e Montego Bay/1982). Daí que a proteção (presente, notadamente, na Parte XII, UNCLOS) e exploração do ambiente marinho estava intimamente associada a pontos geopolíticos sensíveis a Estados Nacionais desenvolvidos (ou plenamente industrializados): áreas reservadas à exploração e explotação para nações em desenvolvimento, transferências de tecnologia obrigatórias e associadas à explorações minerárias em áreas comuns. Em caráter ilustrativo, este dimensionamento preceitual das responsabilidades comuns porém diferenciadas na UNCLOS gerou do mandatário dos Estados Unidos um discurso inflamado e foi considerado pináculo da não adesão estadunidense ao tratado. A UNCLOS, como tal posta em 1982, representava um avanço socioeconômico ao sul, mas um risco geopolítico ao norte. O que gerou sua baixa adesão até 1994, quando foi reformada. As principais disposições desta reforma, em breves e resumidos termos, versam sobre: a) a inversão da ordem de trânsito hierárquico de normas técnicas e poder decisório da International Seabed Authority, tendo a Assembléia (outrora soberana) assumido posição secundária em relação ao Conselho; e b) que o compartilhamento de informações científicas e a transferência de tecnologia não eram mais obrigatórios acerca das explorações Sobre o conflito geopolítico Norte-Sul, vide BEYERLIN, Ulrich, MARAUHN, Thilo. International Environmental Law. Oxford: Hart Publishing, 2011. p. 8-9. 13 262 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra e explotações no Mar. Somente a partir desta mudança, os países nortenhos apuseram sua assinatura, a UNCLOS tomou força e pode tomar seu lugar no panteão de normas internacionais de importância. E o que isso importa aos ODS, em especial ao 14? O ODS 14 vincula-se, de forma expressa e extraordinária aos demais ODS, a uma norma internacional codificada, qual seja, a UNCLOS. De saída, vê-se um problema em primeiro nível, qual seja: uma soft law, relida em sua formatação preceitual e aberta, em função do fato de que seu formato é útil a determinadas necessidades e problemas globais, ancora-se de forma definitiva e expressa, a uma modelagem codificada e antiga de norma jurídica internacional (vinculante em processos, inclusive). Aprofundando as sintaxes, e confiando na UNCLOS, temos um segundo obstáculo à frente: se os ODS dependem de transferência de tecnologia e livre trânsito de informações, se os ODS se fortalecem conforme as nações se fortalecem socioeconomicamente (Declaração de Estocolmo/1972), então a interpretação das metodologias 14.a e 14.c, ODS 14, sabotam ambas por meio da UNCLOS. Ou seja: ao utilizar o que a UNCLOS tem de melhor, a dinâmica ora imposta aponta que o trânsito de informações obedece apenas ao escopo específico do Regime da UNESCO (14.a), não podendo as nações trabalharem um trânsito de tecnologia e informações equilibrado: este, foi relegado às regras contratuais internacionais privadas e ao mercado, por força do 14.c, ODS 14, cc. Com a reforma de 94 da UNCLOS. A se ter uma ideia, ainda que Egede (2018, 182-183) não tenha tido a intenção de tanto, ele observou o efeito da Soberania na aplicação das normas do Código de Mineração da ISA na Área e, com o Código, as normas ambientais acerca de exploração e explotação dos fundos marinhos internacionais. Nesta observação ele chegou a duas conclusões: a) a necessidade do capitalista privado (ou público, mas subnacional) utilizar-se de um patrocínio de uma nação soberana (ainda que geopoliticamente seja 10 ou 100 vezes mais poderoso e/ou influente que esta nação), pela simples e lógica aplicação do Princípio da Soberania reconhecido e realizado, nos termos dos tratados de 1648 e à luz do Dever de No Harm (Trail Smelter/1941). b) o risco real de ocorrência dos “Patrocinadores de Conveniência” (em alusão às Bandeiras de Conveniência) que, à luz do estabelecido no Caso 17 - ITLOS (sobre responsabilidade ambiental dos países patrocinadores de atividades econômicas minerárias na Área), arriscando os biomas marinhos sobremaneira (e o ODS 14, via de consequência), tal qual as Bandeiras de 263 Paradiplomacia Ambiental Conveniência atualmente o fazem com a lâmina d’água e ambientes costeiros (LAWAND JÚNIOR et VALDEZ SILVA, 2019, 1-13). Tal se dá pela modelagem do Estado-Patrocinador optem por regras internas ou ações administrativas internas carentes do dever de due diligence e licenciamentos e apostar que o regime de solução pacífica de conflitos lhe será mais favorável à não responsabilização de fato; c) no atual formato da reforma de 94, a possibilidade de pouco ou nada ganharem, arriscando a perder o pouco que ganharam em função de indenizações ou recuperações ambientais, os Estados Patrocinadores em estágios economicamente frágeis de desenvolvimento, tal qual como ocorre hoje com Tonga e Nauru. Então, tal qual um tiro que sai pela culatra de uma arma de fogo, o ODS 14 (e, como visto, os demais) tem dois pontos fracos em sua linguagem de poder (i.e. o direito): a) Se o incidente de tiro pode ser gerado por um trabalho de forja ou usinagem ou montagem inadequado (de fissuras ou granulação do aço dos blocos ou seu incorreto encaixe), as normativas (ODS e UNCLOS) não conversam entre si no nível executivo, por serem normas que privilegiam princípios diferentes: a UNCLOS, pugnando pela Soberania, e os ODS entendem a necessidade de pluralidade de atores, em função do tipo de problema a enfrentar. b) Se o incidente de tiro pode ser gerado por uma montagem defeituosa do cartucho a ser deflagrado, as normativas (ODS e UNCLOS) não conversam entre si no nível executivo, por serem normas que privilegiam o trânsito de informações e tecnologias de diferntes formas: ODS, abrindo o trânsito livre de amarras de outras ordens, UNCLOS fechando este trânsito, com variáveis de ordem comercial e geopolíticas (que, efetivamente, causaram ou impedem o avanço de soluções ao problema ambiental global). CONCLUSÃO A escultura pela Paz Mundial, nos jardins da Sede nas Nações Unidas em Nova Iorque, representada por um revolver de tambor, de design do século XIX, com um nó no cano, ganha uma nova significação à luz do ODS 14 e e 14.c: um aparato que pode sabotar o próprio objetivo, as próprias funções, por força de um defeito estrutural: os ODS são um tipo normativo internacional novo, de funcionamento novidadeiro, mirando o futuro, mas que, por ancorar-se em estruturas pretéritas e delas não se desvincular conceitualmente, pode falhar. UNCLOS, por mais bem intencionado, negociado e bem feito para a mo264 ODS 14 e meta 14.C: o risco do tiro sair pela culatra delagem normativa que escolhei ter, não alcança ferramentas suficientemente perfeitas à solução do wicked problem da sustentabilidade ambiental global (escolhido em 72, definido em 87 e assumido em 92). Ao criar o ODS, há um esforço global de integrar ferramentas que sejam capazes de criar conteúdo jurídico internacional: seja por meio de abrir mais a sociedade internacional a novos atores e sua capacidade de produzir cooperação, prevenção, ciência/informação e governança, relendo o princípio da Soberania; seja por permitir aos principais atores T.O. global (i.e. os Estados) integrarem-se aos objetivos de sustentabilidade com maior facilidade, pela não imposição de processos e privilégio dos regionalismos (em matéria de desenvolvimento e processos de produção). Todavia, quando um ODS, notadamente o 14, sustenta suas disciplinas jurídicas em ferramental jurídico antigo, abre janela a que este prevaleça sobre aquele, e não o integre: os mecanismos estarão vinculados por normas tipo binding, levando ao risco de que as ODS tenham que ser, tal qual os Princípios da Dec. do Rio/92, reconhecidos como binding por decisão de Tribunal Internacional para determinado assunto. Tal, também, contraria a própria razão de ser dos ODS (cooperação em lugar do conflito). REFERÊNCIAS ABI-SAAB, G.. Cours Général de Droit International Public IN Collected Courses of the Hague Academy of International Law. Vol. 207. Haia: Martinus Nijhoff Publishers, 1987. BARBOSA JUNIOR, I.. Conceitos Fundamentais, a Amazônia Azul. In: BARBOSA JUNIOR, I.; MORE, R. F. (Org.). Amazônia Azul: política, estratégia e direito para o Oceano do Brasil. Rio de Janeiro: FEMAR. 2012. p. 203231. BEYERLIN, U.; MARAUHN, T.. International Environmental Law. Oxford: Hart Publishing. 2011. CANÇADO TRINDADE, A. A.. International Law for Humankind: Towards a new Jus Gentium. v. I. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers. 2006. CARLARNE, C.. Delinking International Environmental Law & Climate Change. In: Michigan Journal of Environmental & Administrative Law. v. 4. I. 1. Ann Arbour: University of Michigan, 2014. Disponível em: <https:// repository.law.umich.edu/mjeal/vol4/iss1/1>. Acesso em: 01 abr. 2020. 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Andrew Rangel dos Reis1 Cleber Ferrão Corrêa2 ODS 15 - Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda. META 15.a - Mobilizar e aumentar significativamente, a partir de todas as fontes, os recursos financeiros para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e dos ecossistemas. INTRODUÇÃO É de notório conhecimento que as questões ambientais sempre foram deixadas de lado na trajetória humana, principalmente devido à crença de que os recursos naturais seriam infinitos. Este conceito, que estava fixado no inconsciente coletivo humano, apenas começou a ser descontruído após fortes indícios de finitude e de mudanças climáticas, iminentes, serem apontados em estudos científicos na década de 70, propiciando a alteração da opinião pública e consequentemente a pressão sob os governantes e os meios de produção na busca por soluções. O ápice deste movimento se deu na década de 1990, momento em que as forças globais se direcionavam convenientemente para uma união em prol do bem comum global, o que acabou por não se concretizar. Depois de 20 anos sem grandes avanços no Regime Internacional de Mudanças Climáticas, o Acordo de Paris e a Agenda 2030 representaram uma lufada de ar fresco na agenda global da sustentabilidade. Bacharel em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Mestrando do curso de Direito Ambiental da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Integra o Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente. Advogado. 2 Engenheiro Agrônomo graduado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre em Agronomia pelo Departamento de Defesa Fitossanitária da Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP. Doutor em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da UNESP. Docente do Mestrado Profissional em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos. 1 268 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo No âmbito da Agenda 2030, está o décimo quinto objetivo, tendo como propósito a proteção da vida terrestre, via recuperação de ecossistemas e promoção de usos sustentáveis das florestas, foco deste artigo. No Brasil, um dos atores subnacionais que apresentaram políticas que se encaixam no referido objetivo é o Estado de São Paulo (ESP), tendo implementado no ano de 2014 o “Programa Mata Ciliar”, que depois fora renomeado como “Programa Nascentes”. Esta política pública foi desenvolvida no ápice da crise hídrica, como forma de renovar e preservar os ecossistemas atinentes às matas ciliares, incentivando principalmente o retorno do potencial hídrico às bacias paulistas, principais responsáveis pela produção de água e abastecimento dos mananciais no entorno da metrópole paulista, encarregados de fornecer água para mais de 21 milhões de pessoas (população da região metropolitana de São Paulo - RMSP), por meio da restauração ecológica destes ambientes, aproximando interesses daqueles que são proprietários de áreas degradadas e daqueles que desejam investir nestes projetos de recuperação, voluntariamente ou não. Atualmente, após seis anos do início da implementação desta política pública, este artigo busca responder se há sucesso na execução do programa e sua eficiência no que se propõe, para tanto pretende analisar com base em pesquisa bibliográfica e dados técnicos, a importância da proteção e recuperação das matas ciliares, as questões jurídicas por trás do projeto e os propósitos alcançados com os anos de trabalho do ator subnacional. 2. Ocupação do território paulista e a importância da mata ciliar para funcionamento dos ecossistemas Relatos de Henriques (2011) em estudos sobre o planejamento territorial moderno em São Paulo destacam que o governo paulista no século XIX tem especial atenção para a questão da ocupação e da exploração econômica dos espaços disponíveis do território do estado, e que as propostas da moderna agricultura alinhavam-se com as questões do da produção cafeeira e agropecuária na chamada época da agricultura moderna. Verifica-se que com a intensificação do comércio internacional um novo arranjo agrícola paulista, modificado principalmente pela bioenergia com a produção de etanol pelo setor sucroalcooleiro. O Instituto de Economia Agrícola - IEA em seus estudos sobre a ocupação e uso do solo agrícola no estado, no período de 1990 a 2015, destaca que a cana-de-açúcar ocupava pouco menos de 3 milhões de hectares em 2000, e dobrando sua área em 2015 com 6,3 milhões de hectares, que representa 30% da área rural paulista (ANGELO et al., 2017). 269 Paradiplomacia Ambiental Nas últimas décadas o ESP apresenta uma evolução nas cadeias de produção agrícola, podendo ser destacado além de cana-de-açúcar as culturas de laranja, soja, amendoim e milho. Estudos apoiados pelo Fundo de Pesquisa do ESP (FAPESP, 2018), descrevem as transformações geográficas da ocupação do território paulista devido a agricultura, com por exemplo, o incremento da produção canavieira que em 1990 produziu 137 milhões de toneladas de cana em 2012 para 406 milhões de toneladas no ano de 2012. O estado ainda concentra 72% da produção de laranja, sendo que as exportações brasileiras de suco representam 80% do comércio mundial, resultando em incremento de novas áreas para o plantio. Neste cenário da ocupação do território paulista por culturas perenes ou sazonais, é necessário o acompanhamento da supressão da cobertura vegetal nativa e sua influência sobre as matas ciliares, devido sua importância para a manutenção efetiva desses ecossistemas, com destaque tanto para áreas rurais, quanto para as áreas urbanas. Com relação à sua biodiversidade, os biomas originais encontrados em território paulista são Mata Atlântica e Cerrado. Estudos descrevem que a Mata Atlântica recobria aproximadamente 81% da área do ESP, com o restante sendo ocupado principalmente pelo chamado Cerrado e pelos Campos Naturais. As matas ciliares, presentes em todos biomas brasileiros, são aquelas situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água com elevada diversidade biológica, sendo os principais aspectos legais relacionados a elas descritos em normas, de nível federal e estadual. O tema faz parte de vários pontos da legislação ambiental, como o Código Florestal, a Lei de Crimes Ambientais, normas infralegais sobre licenciamento e projetos de recuperação, como também na legislação tributária referente aos imóveis rurais. Conforme a legislação federal, no que diz respeito à Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, em seu Art.3º, Inciso II, as matas ciliares são aquelas situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água e são consideradas de preservação permanente (APP). O conjunto de espécies vegetais que compõe as matas ciliares exerce função caracterizada como mantenedora dos recursos naturais. Considerando a importância das matas ciliares para a conservação da água, o meio abiótico constituído pelo relevo, solo, clima e água é intimamente relacionado e dependente do meio biótico e devem ser protegidos para que ocorra a conservação da diversidade biológica (DURIGAN e SILVEIRA, 1999). O Inventário Florestal da Vegetação Natural do ESP, elaborado por Kronka et al. (2005), destaca as fitofisionomias florestais presentes no território como a Floresta Ombrófila Densa Formação com vegetação característica de regiões tropicais com temperaturas elevadas, Floresta Ombrófila Mista definida como “mata 270 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo de araucária ou pinheiral”; Floresta Estacional Semidecidual caracterizada pela dupla estacionalidade climática (uma tropical com período de intensas chuvas de verão, seguidas por estiagens acentuadas, outra subtropical sem período seco, e com seca fisiológica provocada pelo inverno); Savana com diferentes fitofisionomias regionalmente denominadas cerrado e cerradão; Mangue; Restinga e a Vegetação de Várzea, nas quais a mata ciliar é integrante. As relações da ocupação do solo tanto pelas práticas agrícolas como também pelo desenho do tecido urbano, ou área urbana consolidada, implicam na supressão de cobertura vegetal nativa e impõe um desequilíbrio da composição da mata ciliar e das suas relações para manutenção dos ecossistemas, principalmente naqueles de formação ribeirinha ou ciliar presente ao longo dos corpos hídricos. Assim, as ações antrópicas nas áreas de mata ciliar comprometem a recarga do lençol freático que ocasionam a perda de capacidade do reabastecimento e da produção de água nas nascentes (Valente et al., 2005; Rodrigues, 2006), e que são agravadas com o desenvolvimento de pastagens para o gado, culturas agrícolas, reflorestamento com espécies comerciais, extensas áreas de cana-de-açúcar e áreas urbanizadas, que substituíram os ecossistemas originais, cujos remanescentes atualmente cobrem somente 17,5% do território paulista (SMA/ IF, 2010). Segundo o Sistema Integrado de Gestão Ambiental (SIGAM, 2020) do ESP, no território paulista encontram-se cerca de um milhão de hectares de áreas ciliares desprotegidos e relatos do Programa de Recuperação de Matas Ciliares do ESP destacam 120 mil km de cursos d’água desprotegidos O ESP possui dificuldade de implementação de programas de recuperação de matas ciliares de grande abrangência devido à existência de grande extensão de áreas ciliares sem vegetação nativa. Com isso, desenvolver instrumentos metodológicos e estratégias para viabilização de programas de restauração de matas ciliares de longo prazo e abrangência territorial estadual se faz necessário para amparar a conservação da biodiversidade, reduzir a porcentagem de áreas erodidas e consequentemente o assoreamento dos corpos hídricos. Nesta direção desde 2005 o ESP desenvolve o “Projeto de Recuperação das Matas Ciliares”, que tem início na parceria com o Global Environment Facility (GEF)3 do Banco Mundial, tornando-se um dos projetos ambientais estratégicos da Secretaria do Meio Ambiente, como será visto em capítulo próprio. A mesma secretaria relata que no ESP há 3,398 milhões de hectares cobertos por vegetação nativa que representam 13,7% de sua área total. Entretanto, a vegetação remanescente distribui-se de forma heterogênea e se concentra nas áreas de maior declividade, na Serra do Mar e nas unidades de conservação 3 Fundo Global para o Meio Ambiente. 271 Paradiplomacia Ambiental administradas pelo poder público. Vastas áreas se acham praticamente desprovidas de vegetação nativa. Para o Estado de São Paulo, a Resolução SMA N° 32 de 2014 considera prioritário os Projetos de Restauração Ecológica com destaque para área - localizadas em Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos - UGRHi com baixa cobertura vegetal nativa; corroborando com a recuperação florestal que exige diversidade elevada, compatível com o tipo de vegetação nativa ocorrente no local, destacando as diversas técnicas para o adequado manejo como o plantio de mudas, nucleação, semeadura direta, indução e/ou condução da regeneração natural. O Inventário Florestal da Vegetação Nativa no ESP descreve que a antiga cobertura original de mata atlântica e de cerrado foi substituída por diversos fragmentos remanescentes. Cerca de 106.360 fragmentos remanescentes foram levantados no Estado, sendo que de 80% desses fragmentos apresentaram menos de 0,2 km2 e somente 0,5 % apresentam mais de 5 km2. Além da própria fragmentação, há o agravante de que o tamanho da maioria das manchas de vegetação natural remanescentes é bem reduzido, a ponto de comprometer a manutenção da diversidade biológica (KUNTSCHIK et al, 2011). A Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo publicou a Resolução SMA 72, de 18 de julho (DOE de 20/7/2017), que revogou a Resolução SMA 31/2009, sobre o licenciamento de supressão de vegetação nativa para parcelamento do solo, condomínios ou qualquer edificação em área urbana. Esta determina que autorização para supressão de vegetação somente será concedida quando for garantida a preservação da vegetação nativa em, no mínimo, 20% da área total da propriedade. No caso de parcelamento do solo, esse percentual deve ser aplicado apenas na área a ser parcelada ou na área do condomínio, não incidindo sobre eventuais áreas remanescentes da propriedade. Assim, a preservação das matas ciliares está diretamente ligada ao parcelamento do solo, ao manejo de bacias hidrográficas e a preservação e melhoria da água tanto quanto à quantidade e qualidade, além de seus interferentes em uma unidade geomorfológica da paisagem como forma mais adequada de manipulação sistêmica dos recursos de uma região e apresenta grande complexidade. Corroborando com os estudos de Amorin et al., (2008), nos quais relatam que a interação entre os diversos atributos do sistema natural e do sistema antrópico permite a identificação dos atributos responsáveis pela dinâmica da paisagem, como também identificar as principais fragilidades ambientais de cada unidade, elemento essencial na gestão do território. 3. Restauração ecológica como campo de conhecimento O campo da restauração ecológica, em conceito e prática, é ainda pouco ex272 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo plorado e experimentado pela sociedade global, isto se deve pela questão fática de a preocupação com o meio ambiente e os ecossistemas ser recente, e a busca de soluções, ainda mais contemporânea. No entanto, quando é implementada com sucesso, apresenta efeitos claros e resultados positivos, promovendo, por exemplo, a segurança hídrica, o funcionamento ecossistêmico adequado e, no limite, o bem-estar e a saúde humana. Desta forma, com o intuito de popularizar e assentar o tema como método de recuperação dos danos causados aos ecossistemas, engajando governos e a sociedade, tem sido intensa a discussão da academia sobre o conceito, contando principalmente com o incentivo de associações globais em prol da restauração ecológica. Uma das mais respeitadas associações ligadas ao tema, a Society for Ecological Restoration (SER)4, nomeia-se como uma rede global dinâmica, possuindo membros em mais de 70 países, visando a divulgação do tema levando em conta ciência, prática e políticas de restauração ecológica, com a finalidade de apoiar a biodiversidade, melhorar a resiliência em relação às mudanças climáticas e restabelecer a saúde dos ecossistemas. Neste sentido, uma das mais importantes publicações sobre o tópico, vem a ser a “International Principles and Standards for the Practice of Ecological Restoration”5 (GANN, G. D. et al., 2019), publicada em sua segunda edição em novembro de 2019, apresentando uma robusta pesquisa para guiar os projetos de restauração ao alcance de suas metas. Este referencial apresenta oito princípios básicos que sustentam a implementação da restauração ecológica, nomeadamente: Ecological restoration engages stakeholders; Ecological restoration draws on many types of knowledge; Ecological restoration practice is informed by native reference ecosystems, while considering environmental change; Ecological restoration supports ecosystem recovery processes; Ecosystem recovery is assessed against clear goals and objectives, using measurable indicators; Ecological restoration seeks the highest level of recovery attainable; Ecological restoration gains cumulative value when applied at large scales e Ecological restoration is part of a continuum of restorative activities 6. O mesmo documento também apresenta padrões de práticas para auxiliar no desenvolvimento dos projetos e implementações de restaurações ecológicas, que consistem em quatro grupos: planning and design; implementation; monitoring, Sociedade Internacional para Restauração Ecológica (tradução livre). Princípios internacionais e Padrões para a Prática da Restauração Ecológica (tradução livre). 6 Engajamento dos atores na restauração ecológica; a restauração ecológica é multidisciplinar; a restauração ecológica deve ter como fonte os ecossistemas nativos, considerando as mudanças climáticas; a restauração ecológica deve suportar o processo natural de restauração; a restauração ecológica deve ter metas e objetivos claros, utilizando indicadores mensuráveis; a restauração ecológica deve sempre buscar o maior nível de recuperação possível; a restauração ecológica tem mais valor quando utilizada em larga escala e a restauração ecológica é parte das ações de restauração (tradução livre). 4 5 273 Paradiplomacia Ambiental documentation, evaluation and reporting e post-implementation maintence 7. Neste sentindo é importante documentar que Juan F. Fernández-Manjarrés, Samuel Roturier e Anne-Gaël Bilhaut (2018) asseveram sobre a importância de não se esquecer das questões sociais ligadas à restauração ecológica. Na visão destes autores a restauração deveria ter como foco, em alguns casos, além da recomposição do ecossistema, a vida digna das populações que ali vivem, observando o que eles chamam de “minimum living standards”8. Assim, nestas situações, a restauração deveria ter como esforço primário a solução dos gargalos sociais advindos dos ecossistemas afetados, ao invés de ser efeito secundário, para em seguida propiciar-se uma situação de reestabelecimento ambiental. Esta simbiose entre a questão social e ambiental é nomeada como social-ecological systems9 e se diferencia da opinião da SER nas prioridades, particularmente na preferência de ações de restauração visando o benefício direto dos seres humanos na recuperação dos minimum living standards, no auxílio ao processo de cura dessas populações, principalmente após desastres ambientais e na observância de que existe uma forte dependência de fontes externas de financiamento em algumas ocasiões, sobretudo nos locais onde a população não teria condições de iniciar ou manter a restauração ecológica. 4. Marco de gestão dos recursos hídricos e a crise hídrica paulista A gestão dos recursos hídricos no Brasil é orientada pela Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instituída pela Lei n. 9.433/97. A PNRH é implementada pela atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH), no qual está o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), reestruturado pelo Decreto federal n. 10.000 de 2019 e a Portaria n. 2.765 de 2019 que define os seus membros. A gestão dos recursos hídricos é de interesse geral, e esta diretamente relacionada à importância da restauração ecológica, pois trata-se de bem de domínio público utilizado para a manutenção da vida. Devido a isso, essa gestão deve ser realizada de modo democrático, com a participação da União, Estados, Municípios e a sociedade civil organizada nas esferas do planejamento, do gerenciamento e do uso da água. Para essa gestão no ano de 1987, no ESP, ocorre respectivamente a criação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e do Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (CORHI), através do Decreto n. 27.576/87. Planejamento e design; implementação; monitoramento, documentação; avaliação e relatórios e manutenção pós implementação (tradução livre). 8 Padrões mínimos de vida (tradução livre). 9 Sistemas ecológico-sociais (tradução livre). 7 274 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo No ano de 1991 é promulgada a nova Constituição do ESP contendo, em sua Seção II - Dos Recursos Hídricos, a instituição de um sistema de gerenciamento descentralizado, participativo e integrado. Neste mesmo ano acontece um marco na gestão de recursos hídricos do Estado e do país com a aprovação da Lei n. 7663/91 que estabelece a Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH) e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH) e o Decreto n. 32.954/91 aprova o primeiro PERH, que desde então é periodicamente revisado. No ano de 1993 é regulamentado o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), pelo Decreto n. 37.300/93 e ocorre a adaptação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (CORHI) para uma composição tripartite pelo Decreto n. 36.787/93. Segundo o PERH 2004-2007 o ESP possui em seu território sete bacias hidrográficas, definidas e delimitadas, sendo elas: Bacia do Rio Tietê (Área: 72.391 km2), Região Hidrográfica da Vertente Paulista do Rio Grande (Área: 56.961 km2), Bacia do Rio Paraíba do Sul (Área: 14.444 km2), Região Hidrográfica da Vertente Litorânea (Área: 21.834 km2), Região Hidrográfica da Vertente Paulista do Rio Paranapanema (Área: 51.833 km2), Região Hidrográfica Aguapeí/Peixe (Área: 23.965 km2) e Região Hidrográfica de São José dos Dourados (Área: 6.783 km2). Essas bacias são também comumente chamadas de regiões hidrográficas, sendo que nestas sete regiões estão inseridas as 22 unidades hidrográficas de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHIs) do estado. As regiões hidrográficas do Estado são delimitadas naturalmente pelos divisores de água e constituídas por seus rios estruturantes, com exceção da região litorânea, os rios estruturantes nomeiam as regiões hidrográficas, em virtude da importância que eles têm para a formação das bacias (SÃO PAULO, 2005). Um longo processo de articulação entre os órgãos responsáveis pela gestão ambiental e de recursos hídricos do ESP resultou na atual estruturação do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH), com a missão de indicar ações referentes à gestão de recursos hídricos de São Paulo, sendo este tripartite com representação das prefeituras municipais, as entidades ligadas ao saneamento básico e a sociedade civil organizada. Os marcos de gestão dos recursos hídricos no ESP (Figuras de 1 a 4) são caracterizados pela constituição estadual com estabelecimento de gestão descentralizada, participativa e integrada. 275 Paradiplomacia Ambiental 276 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo No levantamento da série histórica de decretos publicados pelo ESP observa-se a adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento, o reconhecimento da água como um bem público de valor econômico, conceitos constantemente reforçados nesses documentos. No Brasil o monitoramento hidrológico ocorre em estações pluviométricas e fluviométricas da Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN), responsável por fornecer informações sobre a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos em todo o território nacional. Na Região Hidrográfica do Paraná é observado desde 2014 uma diminuição dos níveis de armazenamento dos reservatórios impactando no armazenamento de água. Dados da Agência Nacional de Águas (ANA, 2019) relatam que o armazenamento na bacia do Paraná no ano de 2018 foi inferior ao observado em 2017. A ANA ainda relata que o Sistema Cantareira em São Paulo apresentou diminuição de seus níveis, ocasionado a crise hídrica de 2014/2015. Esta afetou o abastecimento da RMSP, a maior aglomeração populacional do Brasil, localizada em área de cabeceiras da Região Hidrográfica do Paraná, e da bacia do Rio Paraíba do Sul. 277 Paradiplomacia Ambiental Apesar da importância dos impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos devido a alteração das séries hidrológicas, estudos publicados por Marengo et al. (2015) sobre a seca e a crise hídrica nesse período relatam a impossibilidade de relacionar diretamente as questões de mudança climáticas ou o desmatamento aos episódios específicos da seca na RMSP. Os eventos hidrológicos estão diretamente relacionados com o abastecimento de água para as populações e também são importantes, segundo o Balanço Energético do ESP (2018), para geração de hidroeletricidade por potencial hidrelétrico, possível de ser aproveitado e intimamente ligado a economia do estado e influenciada por crises hídricas no território paulista. Devido a esses eventos foi lançado o Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH) pela ANA, no ano de 2019, em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Este plano trata de modo estratégico as principais intervenções estruturantes necessárias para garantir a oferta de água para o abastecimento humano e para o uso em atividades produtivas. A Segurança Hídrica deve estar associada ao entendimento dos principais problemas de acesso à água, entre eles a preservação das matas ciliares com olhar integrado às adversidades dos eventos hidrológicos. 5. O surgimento do Programa Nascentes A preocupação com as nascentes no ESP, como já mencionado anteriormente, tem início em 2005 com a edição do decreto 49.723 que instituiu o Programa de Recuperação de Zonas Ciliares do ESP. Sua execução se dava pelo Projeto de Recuperação de Matas Ciliares (PRMC), tendo como fonte de financiamento o GEF, implementado pelo Banco Mundial, num valor de U$7,75 milhões, perseguindo os objetivos de desenvolver políticas públicas; apoiar a restauração sustentável; realizar projetos demonstrativos; incentivar a capacitação, educação ambiental e treinamento, bem como a gestão, monitoramento e a difusão de instrumentos, metodologias e estratégias de longo prazo. Um dos principais marcos normativos relacionados a este tema, também vem a ser a lei estadual n. 13.007/08, que instituiu o Programa de Proteção e Conservação das Nascentes de Água, que previa entre seus objetivos a necessidade de o Poder Executivo estudar e implantar ações para a recomposição de matas ciliares. Ao longo do desenvolvimento do PRMC se constatou a dificuldade de restauração ecológica das matas ciliares, especificamente no que se refere ao escasso conhecimento da área de restauração ecológica, aos custos elevados, dificuldade de obtenção de mudas com diversidade de espécies, falta de mão de obra especializada e a sazonalidade do período de plantio, tendo o estado, com a intenção de enfrentar essa situação, desenvolvido e incentivado estudos 278 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo e práticas para diminuir os custos de recuperação (KUNTSCHIK et al, 2011). Neste sentido, com o encerramento do PRMC no ano de 2011, surge o Programa Nascentes no ano de 2014, em origem, como Programa Mata Ciliar, inicialmente em âmbito exclusivo das Secretarias de Saneamento e Recursos Hídricos e de Agricultura e Abastecimento, inerentemente setorial. Posteriormente teve seu nome alterado, ganhando, além disso, status de Programa de Governo, ao deixar as pastas onde havia se desenvolvido e passar a contar com a presença multidisciplinar de diferentes órgãos e entidades. Sendo notável que o desenvolvimento do programa ocorreu antes mesmo das metas de desenvolvimento sustentável da agenda 2030, fato que demonstra a vanguarda do ESP na dinâmica global do meio ambiente ao tomar decisões, como estado subnacional, que permeiam e respondem a causas ambientais globais, em consonância com o Direito Ambiental Internacional. 6. O Programa Nascentes O Programa Nascentes, na intenção de recompor as matas ciliares e o equilíbrio ecossistêmico afetado pela ação antrópica, apresenta alguns pontos principais. Um dos feitos mais relevantes é o fato de incluir diversos atores no enfrentamento da problemática. Outrora certamente constituir-se-iam legislações de comando e controle com a finalidade de obrigar os proprietários das localidades afetadas a recompor o status quo ante - modalidade de legislação que tem sua importância, mas se mostra ineficiente em situações multidisciplinares, que apresentam altos graus de complexidade e diversos atores. Assim, astuciosamente, ao invés vincular a participação, são chamados a participar os vários atores - como aqueles que tem de compensar e aqueles que desejam recompor, ampliando seu envolvimento a um nível que não seria alcançado em situações regulares, ou seja, como principais solucionadores das adversidades, é possível avançar, sem maiores litígios, alcançando melhores resultados em menor tempo, engajando inclusive voluntários na resposta às dificuldades. As pessoas que tenham sido multadas podem converter suas multas até um total de 90%, desde que ainda não tenham sido inscritas na dívida ativa. Segundo a resolução SMA n. 51/16, é considerado um valor de 2.000 UFESP para cada hectare de um projeto de restauração ecológica, devendo o valor mínimo a ser convertido ser suficiente para restaurar 1 hectare. O cumprimento da obrigação é atestado quando são atingidos os parâmetros de recomposição estabelecidos no anexo I da resolução SMA n. 32/14. Isto deve acontecer em no máximo três anos, prorrogáveis por mais dois com justificativa técnica. 279 Paradiplomacia Ambiental Outro fator importante é o fornecimento de um ambiente online de acesso facilitado a todos os atores. O Sistema Informatizado de Apoio à Restauração Ecológica (SARE), faz parte do Sistema Integrado de Gestão Ambiental (SIGAM) e constitui uma plataforma de online de cadastro e monitoramento de todos os projetos de restauração ecológica no ESP. Inicialmente os proprietários registram locais disponíveis para recuperação ecológica e, se quiserem ir além, podem inclusive já anexar um projeto de execução. A partir desse sistema é possível executar um diagnóstico inicial da situação do local, sendo possível assim a gestão da informação, contribuindo com a rastreabilidade e o acompanhamento dos projetos. Os interessados em investir na recuperação, por sua vez, contam com uma base de dados organizada por localizações prioritárias e projetos prontos para serem colocados em prática. O programa também conta com um processo de outorga de Certificado e Selo Nascentes, incentivando pessoas físicas e jurídicas a investir no programa de restauração ecológica. Essencial notar que há uma espécie de modulação no procedimento de outorga, diferenciando os investimentos voluntários e os por força de lei. Para ter direito ao uso do Certificado e do Selo são necessários projetos de restauração de no mínimo 10 hectares. Especialmente para os que fazem parte do programa em cumprimento de obrigação legal, há a necessidade de se terem restaurado 10 hectares adicionais ou o dobro da área prevista pela obrigação legal. 6.1. Regulamentação O programa foi regulamentado via decreto determinando duas pastas do Governo Estadual como responsáveis, posteriormente vindo a se tornar um programa de governo, envolvendo diferentes secretarias e órgãos. Atualmente fazem parte do comitê gestor: A Casa Civil; o Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE; a Fundação Florestal; Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – ITESP; a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB; a Companhia Energética de São Paulo – CESP e as secretarias de Governo; Infraestrutura e Meio Ambiente; Agricultura e Abastecimento; Desenvolvimento Econômico; Segurança Pública; Fazenda e Planejamento; Administração Penitenciária; Educação e Justiça. Atualmente as legislações regulamentadoras do programa são, por ordem cronológica: Resolução conjunta SMA/SSRH n. 01 de 05 de junho de 2014; Resolução SMA n. 32 de 03 de abril de 2014; Portaria CBRN n. 01/2015; Resolução SMA n. 07 de 07 de dezembro de 2017; Resolução SMA n. 157 de 07 de dezembro de 2017; Decreto n. 62.914 de 8 de novembro de 2017 e Resolução n. 40 de 06 de abril de 2018. 280 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo Complementam o arcabouço jurídico as legislações de Conversão de Multas Administrativas e Conversão de Medidas Administrativas, quais sejam: Resolução SMA n. 51 de 31 de maio de 2016 e alterações; Resolução SMA n. 48 de 26 de maio de 2014 e alterações; e Portaria CFA n. 01 de 12 de janeiro de 2018 e alterações. 281 Paradiplomacia Ambiental 6.2. Alcance do Programa Nascentes Segundo informações requeridas à SMA, obtidas via lei de acesso a informação, até o dia 29 de janeiro de 2020, estão em processo de restauração ecológica 17.882 hectares, distribuídos em 3.209 projetos, em 404 municípios do ESP. Ainda segundo informações disponíveis no site do programa, já foram plantadas 29.806.477 mudas, em um espaço equivalente a 25.045 campos de futebol. CONCLUSÃO Após análise histórica e técnica dos dados relacionados às bacias hidrográficas e o bioma da mata ciliar, é possível concluir que o sistema de gerenciamento dos recursos hídricos ainda possui desafios, observados e descritos anualmente nos Relatórios de Situação dos Comitês de Bacias implementados. Entre eles a recuperação das matas ciliares; o saneamento básico para aglomerados subnormais, a plena operacionalização do sistema de outorgas de uso da água; estudos sobre a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; ampliação plena da operacionalização do banco de dados do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos; e a própria sistematização técnica dos dados das bacias para subsídio na elaboração de novos PERHs. O caminho para se chegar a um bom nível de segurança hídrica deve estar associado a uma estrutura de governança que proporcione um olhar integrado para os principais problemas de acesso à água, como também associando o desenvolvimento econômico com olhar sustentável e, principalmente, resiliente junto aos biomas distribuídos pelo território paulista, especialmente as matas ciliares que protegem as nascentes. Neste sentido o Programa Nascentes é um bom modelo de ação institucional de um ator subnacional, ESP, que serve como exemplo de resposta aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, atingindo vários deles, de forma transversal. No entanto, diante da perspectiva da SMA de restaurar 1 milhão de hectares, são necessários maiores esforços, uma vez que em seis anos de programa estão em procedimento de restauração apenas 17.882 hectares. De toda forma, são notáveis os desafios de implementação de uma política pública visando a restauração ecológica de um bioma tão rico e extensamente degradado, assim, apesar de ser necessária sua intensificação, parece dar resultados positivos, diante do seu ainda curto período de vida. 282 Mata ciliar, recursos hídricos e o programa nascentes no estado de São Paulo REFERÊNCIAS Amorim, R. R.; Oliveira, R. C. de. As unidades de paisagem como uma categoria de análise geográfica: o exemplo do município de São Vicente-SP. Rev. 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Viçosa, MG: Aprenda Fácil. 2005, 210 p. 284 MAINSTREAMING BIODIVERSITY: GOVERNMENT EXPERIENCE 1 THE SUBNATIONAL Maria Luiza Machado Granziera2∗ Renata Gomez 3∗ SDG 15 - Protect, restore and promote sustainable use of terrestrial ecosystems, sustainably manage forests, combat desertification, and halt and reverse land degradation and halt biodiversity loss INTRODUCTION A ccording to the summary of the 2019 Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), biodiversity is declining faster than ever before in human history, and the biosphere – upon which all life on earth depends – is being altered to an unparalleled degree across all spatial scales. The past 50 years have been crucial to the acceleration of negative trends affecting biodiversity all over the world. In response to the global crisis and to curb the loss of biodiversity, Parties agreed on a Strategic Plan for Biodiversity 2011-2020, including 20 ambitious conservation targets to safeguard biodiversity worldwide. But, according to the latest information available, it is likely that most of these targets will not be met by 2020 if current trajectories remain the same. The IPBES summary report identified five direct drivers that have the most impact on terrestrial and freshwater ecosystems: changes in land and sea use, direct exploitation of organisms, climate change, pollution, and invasion of alien species. They also concluded that “business as usual” is not an option and will instead drive societies and economies to more risk. They recalled that the human exploitation of natural resources has pushed a million plant and animal species to the brink of extinction and concluded that it is only through transformative change across economic, social, political and technological systems This paper was produced for Regions4 and is now officially an “information document” for the 3rd meeting of the Subsidiary Body on Implementation to the Convention on Biological Diversity. Access: https://www.cbd.int/meetings/SBI-03 2 Maria Luiza Machado Granziera: Associate Professor of the Post-Graduation in Law at the Catholic University of Santos. Lawyer in São Paulo, Brazil. 3 Renata Gomez: Biodiversity Programme Manager at Regions4. Specialized in the coordination of projects that join efforts of civil society, private initiatives, and government to empower subnational governments and regions. 1 285 Paradiplomacia Ambiental that we can reverse and stop biodiversity loss. On a more positive note, they also mentioned that “it is not too late to make a difference, but only if we start now, at every level, from global to local (IPBES, 2019)”. Fundamental, system-wide transformation across sectors involves a change in paradigms, goals and values. Including the most influential actors involved in implementation processes is essential to drive the transformative change we need so badly. Though international commitments are made on a global scale, it is only at the subnational level that implementation occurs, and subnational governments are, therefore, indispensable features of the post-2020 biodiversity framework dialogues and negotiations. Led by the Advisory Committee on Subnational Governments and Biodiversity4, a permanent structure officially recognised by the Convention on Biological Diversity (CBD) through Decision X/22 of COP 10, this report aims to bring the voice of subnational governments into the post-2020 global biodiversity framework process and identify existing strategic actions that can help to achieve further progress on mainstreaming biodiversity. The following report will present how subnational governments contribute to this much-needed transformative change and provide information on their importance in linking the different levels of government to the actions needed for mainstreaming biodiversity into and across all sectors of modern human life. We will explore the potential of subnational governments and advance solutions and ideas to overcome the impediments to embedding biodiversity considerations into all sectors, and to enthusiastically advance into new paradigms, goals and societal values. This includes identifying and analysing four main themes: capacity-building and training needs for mainstreaming biodiversity; opportunities to develop and strengthen partnerships; mechanisms to monitor the implementation of actions to advance the mainstreaming of biodiversity; and obstacles that block mainstreaming of biodiversity in regulations, processes, policies and programmes at the subnational level. The participating regions, members of the AC SNG, provided in-depth information and jointly worked with the authors of the report in reviewing its final conclusions. The Advisory Committee on Subnational Governments and Biodiversity (AC SNG) is a permanent structure officially recognized by the CBD through Decision X/22 of COP 10 that aims at bringing the voice of regions to the biodiversity agenda. Regions4 (formerly the nrg4SD), together with the government of Quebec, coordinates the AC SNG. Its partners are the Regions4 Biodiversity Learning Platform, the Group of Leading Subnational Governments to the Aichi Biodiversity Targets, the European Committee of the Regions and the Association of Fish & Wildlife Agencies. Among its current members are the subnational governments of Aichi, Andra Pradesh, Auvergne-Rhone-Alpes, Basque Country, Campeche, Catalonia, Fatick, Gangwon, Goias, Gossas, Lombardy, North Rhine Westphalia, Ontario, Palawan, Paraná, Québec, São Paulo, Sichuan, Wales and Walga. 4 286 Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience 1. Capacity-building and training needs for mainstreaming biodiversity 1.1 Technical capacities within institutions Technical capacities are among the principal needs for the successful implementation of any strategy, especially when it comes to mainstreaming biodiversity. The challenge of embedding biodiversity considerations into policies, strategies and practices of key public and private agencies that impact or rely on biodiversity is tremendous, and while political support is important, technical capacities to design and implement these processes are vital. When designing and implementing biodiversity actions, technical capacities appear among the greatest strengths of subnational governments. Biodiversity agencies and divisions within public institutions are often composed of biologists, foresters, agricultural engineers, environmental scientists, geographers, geologists, urban planners, zoologists, economists, and lawyers. Therefore, subnational governments can play a critical role in providing technical capacities for implementing biodiversity conservation actions. As a result of the variety of expertise at the subnational level of government, and when discussing training needs for mainstreaming biodiversity, it seems pertinent to apply the new development paradigm of ‘capacity development’ (OECD, 2006) – based on local ownership and partnership with beneficiaries in order to recognise existing capacities and develop an endogenous process of change. It is also noticeable that capacity-building is often linked to institutional partnerships and technical alliances, in which sharing information, technical knowledge and capacity are an important component of the cooperation agreement. Foundations and research centres, either linked or sponsored by subnational governments, tend to set learning programmes to transfer expertise and technical skills to public officials and to the private sector. Campeche (Mexico) is currently working with the Panthera Foundation to monitor the Jaguar Corridor of the Yucatan Peninsula. Monitoring activities are mainly focused on the Balam-Kú Natural Protected Area. The initiative is supported by local NGOs, the private sector and the Autonomous University of Juarez Tabasco. The objective is to provide technical equipment and build capacities of local communities and governments to provide a safe environment for the jaguars of the area. 1.2 Knowledge gaps and financing for capacity building Most subnational governments have channels to identify technical gaps and 287 Paradiplomacia Ambiental training needs. In most cases, annual reports on biodiversity evaluate implementation needs in relation to human resources, as well as provide advice and tentative training strategies and plans. Additionally, surveys and workshops are conducted to ascertain current local capacities to implement a new measure, programme or action. What seems to be the key to unlocking successful actions on the ground is the investment, or lack thereof, in fostering institutional capacities. Though most Subnational Biodiversity Strategies and Action Plans5 (SBSAPs) consider investing in capacity development, most rely on international support networks and agencies to address their technical capacity gaps. It is worth noting that stronger subnational economies tend to have the financial capacity to foster and strengthen information and monitor systems related to biodiversity. However, it represents a small portion of the total amount invested by these subnational governments in comparison to the rest of its institutional capacities. The region of Lombardy (Italy) recently launched LIFE GESTIRE2020, an innovative project for the conservation of biodiversity, co-financed by the European Commission in the framework of the LIFE+ Programme. The aim is to achieve the biodiversity conservation goals set out in the Habitats and Birds Directives. Using an integrated and multi-funding approach, GESTIRE2020 is a complex project that consists of 64 actions that consider the training of public officials in all of its stages, including preparatory actions, concrete actions, monitoring actions, communication actions, and management actions (NATURACHEVALE, 2020). 1.3 Subnational initiatives to build institutional capacities Numerous subnational governments have a clear understanding of their capacity and training needs for mainstreaming biodiversity. One of the main concerns is related to communication and awareness. It is perceived that decision makers could potentially ignore, or not fully understand, the severity of any given environmental crisis if the message is not delivered in an accessible manner. Additionally, there is the challenge of highlighting the value of biodiversity and ecosystem services and embedding it into decision-making processes at all levels. The lack of a structured approach to estimating the wide range of benefits provided by ecosystems and biodiversity and the inability to demonstrate at all times their values in economic terms seem to be two of the strongest needs for successfully mainstreaming biodiversity. Among the initiatives to alleviate the above-mentioned needs, there is the 5 Find all SBSAPs submitted to CBD at: https://www.cbd.int/nbsap/related-info/sbsap/. 288 Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience creation of multi-sector platforms and communication channels that intend to incorporate the interest of sectors possibly facing environmental challenges like agriculture, livestock, forestry, fisheries, and tourism. As it has been mentioned, initiatives led by international organisations and knowledge exchange platforms are also key in responding to challenges related to the integration of biodiversity at the subnational level. 1.4 Collaboration and support for capacity building Even though the needs for collaboration and support on capacity-building topics are numerous, they could potentially be met by relying on a robust system of knowledge and technical expertise exchange that could connect and financially support technical experts from different regions of the world. North-South, South-South and triangular cooperation hold tremendous potential for subnational governments willing to develop their areas of knowledge and influence within their own regions. International collaboration to assist subnational governments in addressing global biodiversity challenges such as wildlife trafficking, invasive alien species and biosecurity are among the highest pressures on biodiversity that could potentially bring together experts from different regions of the world affected by the same problem. Furthermore, there is an urgency to develop or strengthen already existing support networks for capacity-development specifically addressed to subnational governments. The Government of Gossas (Senegal) actively collaborates with Senegal’s CBD Focal Point, the National Parks Directorate, to foster technical capacities of agents of the Departmental Council. The training and capacity-building programmes are mainly focused on biodiversity and wildlife management. National-subnational collaboration is part of the Sustainable Development Plan 2016-2020 that considers biodiversity and climate change actions in the region. Noteworthy examples of subnational collaboration are, among others, the Regions46 Biodiversity Learning Platform and the Group of Leading Subnational Governments for the Aichi Biodiversity Targets (GoLS), both part of the subnational platform to the Convention on Biological Diversity, namely the Advisory Committee on Subnational Governments and Biodiversity. The government of Aichi (Japan) leads an initiative called “Group of LeaRegions4 (formerly known as the nrg4SD) is a global network that solely represents regional governments (states, regions and provinces) before UN processes, European Union initiatives and global discussions in the fields of climate change, biodiversity and sustainable development. Regions4 was established in 2002 at the World Summit in Johannesburg and currently represents over 40 members from 20 countries in 4 continents. Through advocacy, cooperation and capacity building, Regions4 empowers regional governments to accelerate global action. For more information visit: www.regions4.org 6 289 Paradiplomacia Ambiental ding Subnational Governments toward Aichi Biodiversity Targets” (GoLS) to contribute to reaching the Aichi Targets. Together with the ANAAE, Campeche, Catalonia, Gangwon, Ontario, Québec, and São Paulo, subnational political leaders get together to enhance their own actions on the grounds, share opinions and promote open dialogues with the Parties to the Convention on Biological Diversity.7 2. Opportunities to develop and strengthen partnerships with the private sector, indigenous communities, civil society and other stakeholders 2.1 Ongoing multi-stakeholder partnerships Given the intersectoral and trans-disciplinary nature of mainstreaming biodiversity initiatives, partnerships are pivotal in the implementation of such processes. Subnational governments’ experiences indicate that enabling platforms for indigenous and local communities, social engagement and public-private partnerships are among the first steps to develop strong and sustainable collaborations. Multi-stakeholder platforms have proven to be a very effective mechanism to develop a shared vision for any kind of mainstreaming biodiversity process. This kind of inclusive, consultative processes enables the development of the required tools to achieve the established biodiversity conservation objectives. Additionally, subnational governments reported that involving stakeholders early in the process, and in important decision-making moments of design and implementation, provides shared ownership of the initiative – especially among individuals like private landowners or local and indigenous communities. While the private sector appears to be a valuable partner to public institutions at the subnational level, it is still yet to be actively involved in some regions in mainstreaming projects. Both a larger role for private sector partners and more effective engagement of key private initiatives are still strongly needed to increase the impact of mainstreaming policies and programmes. In 1984, Québec (Canada) created the Québec Wildlife Foundation to mitigate substantial wetland losses and prevent aquatic and terrestrial habitat degradation. The Foundation takes on a broad partnership approach that now has become a key element of its modus operandi. This has resulted in the mobilisation of many local stakeholders for concerted action on wildlife projects and the subsidy of around 400 projects yearly that aim to: protect and improve terrestrial and aquatic wildlife habitats; contribute to the recovery of threatened and vulnerable wildlife species; enhance agricultural biodiversity; promote 7 Find out more at: http://kankyojoho.pref.aichi.jp/gols/. 290 Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience low-impact activity and public access to natural habitats; control invasive alien species; and foster private woodlot owner commitment to protect and enhance wildlife habitats (FONDATION DE LA FAUNE). Some examples show that a strong legal framework can foster alliances with the private sector. A shared and collectively-built protocol or agreement on the use and exploitation of a particular product can single-handedly change the trajectory of trends in land-use and deforestation, for example: The Greener Ethanol Protocol was signed in São Paulo (Brazil) by the State Department for the Environment, State Department of Agriculture and Food Supply, and the São Paulo State Environment Agency, and the Brazilian Sugarcane Industry Association and the Organisation of Sugarcane Producers of the Centre-South Region of Brazil. The goal is to consolidate the best sustainability practices in the sugarcane production chain, to overcome the challenges from the mechanisation of sugarcane harvest, through technical directives that will help fulfil objectives such as land restoration, reforestation, and biodiversity conservation. Among the actions taken are the protection of pollinators and wild fauna, soil conservation and better agronomic practices, and the recovery of bodies of water to increase water production (INFRAESTRUTURA E MEIO AMBIENTE. 2020). 2.2 How global initiatives can help subnational governments In terms of partnerships, subnational governments acknowledged that a participatory approach to decision making is essential to the engagement of key stakeholders. In most cases, it has been proven that sustainable partnerships must consider a one-on-one matching process to link the right stakeholders with the right initiatives and opportunities to maximise results. Additionally, academia and research institutions represent a great opportunity to develop robust and sustainable partnerships, particularly in technical topics such as information sharing, data and monitoring of biodiversity. Current examples show the potential of ongoing initiatives that engage academia, private and public institutions in information-sharing mechanisms. Such platforms could develop and accommodate international research institutions, other subnational governments and, ideally, UN Conventions. To strengthen the collaboration between Public Administration and research centres, Catalonia launched Prismatic, a stakeholder platform for the knowledge and management of natural resources and biodiversity coordinated by the Centre for Ecological Research and Forestry Applications (CREAF). Prismatic is a digital space that collects scientific knowledge on natural heritage and biodiversity, generated by research centres and other entities. This platform is designed to generate dialogue among managers, public agencies and scientists. 291 Paradiplomacia Ambiental http://www.prisma-tic.cat/ The Palawan (Philippines) Knowledge Platform for Biodiversity and Sustainable Development (PKP) is a tool for strengthening partnerships on biodiversity with the participation of international organisations, as well as subnational government agencies, private groups, NGOs and local universities. The PKP, a localized clearing house mechanism whose creation was assisted by the ASEAN Centre for Biodiversity pursuant to the UN CBD, is an active community of over 30 stakeholders that facilitates, coordinates, maintains and enhances the sharing of biological and socioeconomic data and information that supports the goals of the Strategic Environmental Plan for Palawan. Towards this end, it annually conducts a national research conference which has recently been internationalized with UNESCO-Philippines as a major collaborator. The PKP is currently undertaking a collaborative study looking into the presence of mercury in wildlife (flora and fauna) and humans in Puerto Princesa City, where an abandoned mercury mine is situated (Palawan Knowledge Platform (PKP), 2019). Furthermore, transversal issues, such as water, watershed management, ecotourism, and agroforestry, for instance, are examples of opportunities to develop new partnerships. Committees and working groups to align efforts in a particular topic of interest to many parties involved have proven to be excellent opportunities to invite stakeholders not typically involved in decision-making, such as academia, civil society, and non-governmental organisations. Global initiatives and platforms, such as the IPBES, have the greatest potential to strengthen subnational initiatives. On repeat occasions, subnational stakeholders have argued that they could significantly benefit from the creation of a technical transfer mechanism focused on the subnational experience on implementing biodiversity actions on the ground. 3. Mechanisms to monitor and evaluate mainstreaming actions Designing a policy, plan, project, protected area implementation or other initiative aimed at integrating biodiversity at subnational levels should include the monitoring and the assessment of its impacts on regional or local biodiversity, including reevaluation, when necessary (TUCKER, G., BUBB P., DE HEER M., MILES L., LAWRENCE A., BAJRACHARYA S. B., NEPAL R. C, SHERCHAN R., CHAPAGAIN, 2005). 8 An initiative planning framework should provide: 1. clear information about the desired goals to be achieved by the initiative; 2. a set of strategies and 8 Tucker, G., Bubb P., de Heer M., Miles L.. Lawrence A., Bajracharya S. B., Nepal R. C, Sherchan R., Chapagain N.R. 2005. Guidelines for Biodiversity Assessment and Monitoring for Protected Areas. KMTNC, Kathmandu, Nepal. The King Mahendra Tmst for Nature Conservation. Nepal and the UNEP-World Conservation Monitoring Centre, Cambridge, UK, p. 292 Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience actions for achieving the objectives; 3. a basis for monitoring the implementation and progress towards the desired future and adjustment of planning strategies and actions as required and 4. the funding needed to support the initiative, monitoring, assessment and capacity building. Appropriate monitoring and assessment methodologies are fundamental to ensure the effectiveness of any mainstreaming biodiversity initiative. All planning frameworks should provide clear information about the desired goals, a set of strategies, a basis for monitoring and the funding needed to support not only the initiative, but the monitoring, assessment and capacity building involved in the process. Monitoring can be defined as the gathering of data to enable detection of changes in the status, security and utilisation of biological diversity for the purpose of improving the effectiveness of management of that biodiversity (GLOBAL ENVIRONMENT DIVISION, 1998). It is, therefore, a continuing process throughout the implementation and often extends beyond project completion (GLOBAL ENVIRONMENT DIVISION, 1998). Monitoring can be done in different ways, according to the objective proposed (IPÊ-INSTITUTO DE PESQUISAS ECOLÓGICAS (Ecological Research Institute), 2019). It is crucial that the method is standardised in order to track biodiversity activity accordingly and to effectively build scientific knowledge. In some subnational territories, there is a need for the establishment of models of monitoring and evaluation mechanisms. In these cases, subnational actions can be improved if across-the-board standards were established regarding suitable biodiversity monitoring protocols. This reveals the necessity of capacity building in this area. The decisions about which indicators are to be chosen should consider those that are more reliable and objective so that they can show the real progress of the implementation of the actions and also explain occasional difficulties in their implementation. The number of indicators should be sufficient to safely reflect the implementation progress of the initiative. On the other hand, even if technical and financial resources are sufficient, indicators design also embodies the importance of involving stakeholders as well as project managers and technical experts. Involving a wide range of actors ensures that future adjustments, management interventions and data collection is accessible and effective. 3.1 Recognising opportunities for stakeholder engagement It is appropriate to identify the public and private stakeholders involved or impacted by the initiative. As learnt from the subnational experience, it is advisable that stakeholders are formally organised in working committees, whose structure should be determined according to the local context and the priorities 293 Paradiplomacia Ambiental set for the area under consideration (MINISTÈRE DU DÉVELOPPEMENT DURABLE, DE L’ENVIRONNEMENT ET DE LA LUTTE CONTRE LES CHANGEMENTS CLIMATIQUES, 2016). Although public authorities are responsible for conducting the monitoring of biodiversity, the contribution of civil society and other actors, including, especially, indigenous and local communities, ensures broader participation and ownership of different stakeholders. The involvement of these actors gives greater legitimacy of action, enables the expanding information about what is being done and in which manner, and facilitates both the necessary information and engagement of the population. The practice shows that working committees involved in the implementation are also responsible for monitoring, which reinforces the idea of the importance of a collective approach. A clear mandate of public authorities within these committees is essential, as are training and knowledge sharing with the stakeholders involved. The experience shows challenges in collecting and interpreting data, as it is difficult to standardise the data and measures collected. Additionally, the continued involvement of the same individuals over time guarantees that more knowledge will be acquired and increases the possibility of a greater exchange of information and experience. Monitoring processes encompass governance, which is not limited to institutional arrangements within an organisation, but rather embodies the need for governing bodies that meet the needs of entire regions. Also, good governance allows the development of instruments capable of producing effective results for all, including non-governmental organisations, communities beyond local actors impacted by the initiative, academia, and the private sector. Therefore, governance is a key element in the processes of both implementation and monitoring of all mainstreaming interventions, considering that various stakeholders from different backgrounds are involved, often also in decision-making processes. As seen, it is important to increase investments in monitoring and evaluation of all mainstreaming interventions, not only at the project level, but also at the subnational level – given that several ministries and sectors are often involved alongside the directly-affected communities. Mainstreaming projects by individuals within civil society represent an opportunity to align efforts with broader initiatives taken at the subnational or national level of government. Additionally, individual efforts represent great opportunities for learning that could potentially be better optimised to build a stronger body of knowledge of mainstreaming practices. 294 Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience 3.2 Social engagement The participation and support of the local populations and civil society are strategic, because they maintain direct and ancestral contact with their surroundings and can provide a way to engage civil society in biodiversity conservation. Both scientific, civil society and traditional knowledge play an important role in defining management actions and guiding conservation. Scientific monitoring, civil society and traditional knowledge are critical especially when projects are implemented in biodiversity hotspots with agricultural ecosystems and agrobiodiversity central to the livelihood of small-scale farmers, rural communities, and indigenous peoples. 3.3 Data creation and evaluation Monitoring indicates progress and directs the focus on implementation issues and conflicts. It is, therefore, fundamental that, after identifying the problems, a working committee evaluates the causes of implementation blocks and makes informed decisions on the appropriate route to take. Periodic assessments are crucial for generating knowledge on the evolution of implementation actions. Evaluation and knowledge generation continue to be a challenge as well as an opportunity. Knowledge sharing and learning could potentially strengthen future actions on mainstreaming and can help increase ownership. Evaluation and report generation can potentially serve as a bridge between public authorities, implementers, and society, and – if properly synthesised – these experiences can improve future interventions. 4. Obstacles that block mainstreaming biodiversity in regulations, processes, policies and programmes 4.1 Understanding biodiversity as an impediment to development Many of the obstacles faced by subnational governments when it comes to mainstreaming biodiversity are coincidental among the regions. It is important to highlight that, in many cases, it is perceived that biodiversity hinders development, which gives rise to a conflict between the protection of ecosystems and economic development. This supposed conflict is reflected in sectoral policies formulation, when decisions tend to allocate financial resources to fields other than the protection of biodiversity, especially in the so-called “economic sector”, given the need for development, which is a factor that occurs in all regions. 295 Paradiplomacia Ambiental This distortion derives from the lack of information and professional qualification in sectors that could, in their decisions, consider biodiversity as an ally to economic activities, but due to a lack of knowledge, the economic possibilities and ecosystem services that biodiversity offers are not taken into account. The difficulty in understanding biodiversity as a relevant and essential ally is an issue that stands out. Contrary to common belief, it is the variety of life on earth that ensures food security, human health, clean air and drinking water and often drives the development of various economic activities, such as agriculture, fishing, livestock, tourism and forest management. Limited knowledge in the economic sector on biodiversity and its relationship to economic development is an issue. It can be pointed out that many sectors need training in how to consider biodiversity as an integral part of several economic activities in order to assure that their components are used in a sustainable manner. 4.2 Lack of institutional cooperation to address common problems in the various sectors of government There are two kinds of institutional cooperation: among entities at the same level, federal or subnational, called horizontal cooperation and the one occurring among the various levels of government, federal, subnational, municipal, known as vertical cooperation. The more cooperative to one another the institutions are, the better the effects will be from the decisions taken by each one, which impacts biodiversity actions at all levels but, fundamentally, mainstreaming interventions. Though there is a tendency for central authorities to concentrate financial resources, it is widely acknowledged that subnational governments have the potential to stay tuned to citizens’ expectations, raise awareness and trigger behavioural change. Additionally, they promote policy coordination, coherence and vertical integration and are, in sum, an essential nexus between the national and the local levels. Indeed, their privileged position enables the collaboration with national and local governments, businesses and financial institutions, civil society and NGOs, universities and academia, tailoring their actions to the particular circumstances of populations and territories, which makes them an essential link to the accomplishments of global and national goals on biodiversity. Generally, national authorities tend to have more resources; however, they usually have a lower level of involvement in implementation processes, and therefore are farther from accomplishing results. On the other hand, subnational authorities are better placed to implement actions, and therefore accomplish goals and targets, but tend (in some regions) to have less available resources for implementation, including technical and financial capital. 296 Mainstreaming biodiversity: the subnational government experience Additional difficulties are found in reaching a common understanding of biodiversity targets, especially if those are exclusively globally and nationally acquired and defined. In some countries, national methodologies, including NBSAPs, are not translated into the subnational context. Excluding local and subnational implementers from this process obstructs cooperation and prevents the achievement of goals. 4.3 Lack of alignment between public policies The lack of alignment among the various public policies partially emerges from insufficient to non-existent cooperation among the agencies, either from a horizontal perspective, within entities of one level of government, or from a vertical perspective, across various levels of government. It is also the product of a paradigm that mistakenly considers the protection of biodiversity as a threat to the development of economic activities. CONCLUSIONS Subnational governments have made impressive progress in integrating biodiversity issues and concerns into regulations, processes, policies, and programmes, and have indeed achieved positive results. However, it is also observed that there are still plenty of challenges to overcome toward increasing the success rate of the practice of embedding biodiversity considerations into and across sectors. From what we have perceived, the lessons learned and, more importantly, the possible solutions to overcome challenges, have a wider application and can be useful to other subnational authorities. Mainstreaming practices have, in practice, emerged as linked to global or national concerns on biodiversity loss, and are, therefore, connected to global goals and targets related to its sustainable use. From the experiences gathered on mainstreaming practices at the subnational level of government, it can be observed that national and international institutions could play a more decisive role in supporting subnational actions regarding capacity-building and training needs, opportunities to develop and strengthen partnerships, mechanisms to monitor its implementation, and obstacles that hinder its integration. REFERENCES FONDATION DE LA FAUNE. Protéger la faune et son habitat. Retrieved from: http://www.fondationdelafaune.qc.ca Acces: may 1st 2020. GLOBAL ENVIRONMENT DIVISION. Guidelines for Monitoring and Evaluation for Biodiversity Projects. 1998, p. 1. Retrieved from: http:// 297 Paradiplomacia Ambiental documents.worldbank.org/curated/en/895261468171570259/pdf/ 270310FRENCH0D1lesFrenchVersion1998.pdf Acces: may 1st 2020. https://pkp.pcsd.gov.ph and http://en.abconservation.org/2019-international-conference-on-biosphere-and-sustainability/. INFRAESTRUTURA E MEIO AMBIENTE. 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INTRODUÇÃO D entre os 17 propósitos globais de Desenvolvimento Sustentável, no ODS 16 recai o maior peso estratégico para a efetividade da Agenda 2030, uma vez que este apresenta o conteúdo final que se pretende alcançar, qual seja “promover sociedades pacíficas e inclusivas” (ODS 16). O Objetivo 16 demonstra quão sistêmica é a Agenda 2030, haja vista que a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável exige a construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Este objetivo estabelece uma visão sistêmica. As metas evidenciam que a existência de uma sociedade sustentável, pacífica e inclusiva necessita da potencialização de capacidades multinível e ampla participação de multiatores. Em outras palavras, governança e cooperação institucional são fundamentais e necessárias. Desse modo, tendo em vista as metas do ODS 16, o presente capítulo tem 1 Professora associada do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Direito (Departamento de Direito Econômico e Financeiro) pela Universidade de São Paulo (USP). Advogada em São Paulo. Especialista em direito administrativo e ambiental com ênfase em implementação políticas públicas, direito de águas, atuando principalmente em recursos hídricos, meio ambiente, saneamento, contratos públicos, concessões e licitações. É líder do Grupo de Pesquisa Energia e Meio Ambiente, cadastrado na CAPES. 2 Doutorando em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Advogado. Mediador Privado certificado (ICFML-IMI). Email: rhianisriani@gmail.com. 300 A cooperação internacional para sociedades inclusivas por objetivo trabalhar a meta 16.a do ODS 16, qual seja “fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio da cooperação internacional, para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento”. Abordar, especificamente, como a construção de capacidades multinível e multiatores é fundamental para a construção de sociedades pacificas e inclusivas, bem como para a efetividade da Agenda 2030. Para atingir o objetivo deste capítulo, privilegiou-se a estratégia de pesquisa qualitativa baseada na análise de conteúdo da bibliografia existente sobre a temática e documentos registrados, convenções, relatórios e documentos de instituições públicas e privadas. O presente capítulo foi estruturado em três seções. A primeira seção conceitua a cooperação internacional e a governança global como mecanismos de promoção da ampla participação dos multiatores globais. Abordará quem são os atores e os sujeitos da cooperação internacional necessários para a efetividade da Agenda 2030. A segunda seção buscará trabalhar a capacidade multinível nos contextos de governança global e cooperação internacional, bem como sua importância para a eficácia das metas globais 2030. Por fim, na terceira seção, abordar-se-á as ações e mecanismos necessários para se efetivar a Agenda 2030, em específico o ODS 16. Após, finalizar-se-á com as conclusões deste estudo. 1. GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL E A PARTICIPAÇÃO DOS MULTIATORES PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Os objetivos e metas da Agenda 2030 ocasionaram, no âmbito internacional, a necessidade de mudanças radicais na arquitetura jurídico-política da sociedade internacional. Nesse cenário, os problemas globais comuns exigem da comunidade internacional enfrentamento conjunto, com ampla participação e ferramentas dinâmicas, que permitam resultados eficientes e tratamento adequado. A cooperação surge como elemento vital para amalgamar as diversas relações entre os atores envolvidos no alcance das metas estabelecidas. A formação da Agenda 2030 e seus antecedentes históricos demonstraram que as ferramentas jurídicas e as políticas internacionais, fomentadas pelo Direito Internacional clássico, materializadas pelos tradicionais sujeitos de direito internacional, não se demonstraram dinâmicas e efetivas o suficiente para o enfrentamento dos problemas que envolvem o desenvolvimento sustentável global. O Direito Internacional do Meio Ambiente (DIMA) preza pela cooperação institucional dos tradicionais sujeitos de direito internacional, que possuem personalidade jurídica reconhecida para atuação no plano internacional com 301 Paradiplomacia Ambiental relação ao desenvolvimento de politicas internacionais e produção de acervo normativo. São eles os Estados, as Organizações e Organismos Internacionais. Os Estados sempre foram os sujeitos clássicos, as pessoas jurídicas por excelência na atuação e direção do Direito Internacional (MAZZUOLI, 2018, p. 353). Contudo, num período em que as ações de cooperação internacional entre nações se tornaram necessárias, instituições internacionais foram criadas. Os problemas comuns globais evidenciaram os cenários de interdependência das nações, ocasionando esforços para a criação de instituições governamentais especializadas em temáticas de importância internacional, como as organizações e organismos internacionais governamentais. As organizações internacionais governamentais são aquelas que desfrutam, em geral, de capacidade civil, personalidade internacional e direito de concluir tratados, bem como privilégios e imunidades necessárias para o exercício de suas funções (ACCIOLY, 2009, p. 9). Como exemplo de organização internacional tem-se a Organização das Nações Unidas (ONU), um player fundamental para a promoção da cooperação e coordenação dos conflitos globais, com foco na paz e na dignidade humana. Já os organismos internacionais são outras espécies de instituições internacionais, que exercem atividades especializadas de caráter técnico e administrativo em determinadas matérias no contexto das relações internacionais (MELLO, 2004). A Organização das Nações Unidas, por força da Carta de 1945, detém diversos organismos especializados que fomentam a cooperação internacional entre os Estados e desenvolvem atividades próprias no campo internacional. Figuram como agências especializadas da ONU, a titulo exemplificativo, a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outras. Para fins de ações globais e políticas internacionais, apenas as instituições internacionais de caráter governamental que possuíam reconhecimento e protagonismo internacional para formação de normas internacionais e criação de politicas de cooperação. Todavia, na década de 1990 e na primeira década do século XXI, as Conferências ambientais pós Eco-92 (Rio-92) revelavam cenários de ineficiência do multilateralismo nas pautas referentes ao desenvolvimento sustentável global. Como um contraponto, iniciaram-se movimentos de estímulo à participação de novos atores nas conferências. Na Conferência de Johanesburgo (África do Sul, 2002), com a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, a ONU impulsionou parcerias público-privadas entre governos, organizações não governamentais e empresas privadas para o fomento de ações ao desenvolvimento sustentável (KANIE, 2003). 302 A cooperação internacional para sociedades inclusivas Na Cúpula da Rio+20, em 2012, os líderes mundiais, em especial o Secretário Geral da ONU (Ban Ki-moon), reconheceram que o mundo precisava de nova abordagem e se comprometeram a trabalhar em conjunto com grandes grupos e outros atores interessadas na implementação dos compromissos globais de desenvolvimento sustentável (SACHS, 2015, p. 482). Algumas agendas globais comprovavam que a participação ampla de instituições não governamentais e privadas colaboravam para resultados eficazes. Os resultados obtidos pela Agenda Global dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), entre os anos 2000 e 2015, evidenciaram que os objetivos com melhor desempenho foram os que apresentaram maior engajamento entre os atores globais. Dos 08 (oito) objetivos, os que abordavam questões de saúde alcançaram resultados mais satisfatórios em suas metas. O ODM 6 (Combater o HIV/AIDS, a Malária e outras doenças) obteve efeitos mais eficazes em decorrência da ampla participação de atores globais, como as comunidades epistêmicas, fundações privadas, empresas e agências internacionais (SACHS, 2015). Nesse contexto, a complexidade dos conflitos ambientais e as experiências positivas, com resultados eficazes, das parcerias público-privadas internacionais evidenciavam que o enfrentamento dos conflitos da pós-modernidade exigia abertura para participação ampla dos diversos atores globais. E, nesse sentido, o mecanismo jurídico-político da Governança Ambiental Global precisava ser impulsionado. Na ausência de um “governo global”, a governança surge como um mecanismo de ambiência para a criação de diálogos entre os diversos atores globais nas relações internacionais. A sistemática consiste em alcançar soluções criativas para as diferentes dimensões ou campos de atuação que envolvam desafios para a humanidade, sejam eles econômico, ético-político, social, cultural ou ambiental. Uma temática global que se manifesta como um desafio para a humanidade, em que a governança ocupou espaço nas ultimas décadas, são as questões ambientais. As experiências vivenciadas nos cenários de desastres e catástrofes ambientais demonstraram que o trato para com seus efeitos exige, necessariamente, consenso e ações globais. Longo foi o caminho percorrido para a sua formação, mas a Governança Ambiental Global alcançou seu espaço como mecanismo fundamental para o enfrentamento dos problemas dessa natureza. A Governança Ambiental Global é definida “como a soma das organizações, instrumentos de políticas, mecanismos de financiamento, regras, procedimentos e normas que regulam os processos de proteção ambiental global” (NAJAM; PAPA; TAIYAB, 2006, p. 3). Os conhecimentos científicos, alcançados na década de 1960 com o Clube de Roma, que levou mais tarde à realização da Conferência de Estocolmo 303 Paradiplomacia Ambiental (1972), e culminou na elaboração do Relatório Brundtland (publicado em 1987), já demonstravam a necessária participação de certos atores globais que não apenas os Estados, Organizações e Organismos Internacionais no contexto das relações internacionais. A comunidade epistêmica dava sua contribuição e revelava ser um ator fundamental nesse processo de formação de soluções criativas para os desafios colocados. A agenda ambiental global passou de 1972 até 2015 por diversas transformações e a cada ano ficou mais evidente de que a Governança Global era o mecanismo e o processo necessário para a sua efetividade. Apesar de não haver um Regime Jurídico Internacional do Meio Ambiente, a arquitetura jurídica ambiental global se formou, ao longo das décadas, por meio da junção entre Regimes Ambientais específicos (hard law) - por exemplo, o regime internacional das mudanças climáticas, regime internacional da camada de ozônio e o regime internacional da biodiversidade - e normas soft law - Agendas Ambientais, Padrões Privados Internacionais e outros. Tais instrumentos criaram oportunidade para a formação mínima de um arcabouço institucional (princípios, regras e normas) voltado à dinâmica de ações no contexto da governança global ambiental dando vida a uma nova área do Direito – o Direito Ambiental Internacional (DAI). O Direito Ambiental Internacional, conforme Fernando Rei e Maria Luiza Granziera (2015, p. 151): “[...] constitui um ordenamento jurídico destinado a regular as relações de coexistência, cooperação e interdepend6encia, institucionalizada ou não, entre os diversos atores internacionais, que tem como objetivo a proteção internacional do meio ambiente”. O Direito Ambiental Internacional é uma área nova e dinâmica aperfeiçoada a partir da evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente (REI; GRANZIERA, 2015, p. 151) que a cada ano, com o fortalecimento da governança ambiental global, vem alcançando sua autonomia e aceitação pela comunidade jurídica. É através da governança ambiental global que o direito ambiental internacional ganha força e apresenta eficácia. O tradicional enfrentamento dos problemas globais, por meio de acordos firmados por consenso entre as Nações soberanas, demonstrou-se insuficiente para dar respostas aos desafios ambientais da humanidade. Assim, este déficit de eficiência, atrelada à complexidade dos problemas ambientais, abrem espaço para a participação de novos atores, ou seja, novas formas de autoridade (REI, GRANZIERA, 2015, p. 155), que apesar de carecerem dos elementos da soberania, autonomia e controle, recebem progressivamente uma legitimação voluntária da sociedade (DEDUERWAERDERE, 2005). Dessa forma, os desafios ambientais da pós-modernidade exigem um novo 304 A cooperação internacional para sociedades inclusivas olhar, novos instrumentos e ampla participação, e a governança ambiental global apresenta-se como um mecanismo capaz de agregar tais elementos. Nessa linha, cooperação, negociação e diálogo são elementos indispensáveis para o alcance de consensos globais. E para que ocorra uma eficiente e eficaz transformação nos cenários da temática ambiental, e aconteça a efetivação do Desenvolvimento Sustentável, é fundamental a participação de todos os atores governamentais, organismos internacionais, organizações não governamentais, corporações privadas e a sociedade civil. Não haverá desenvolvimento sustentável sem boa governança ambiental global. 2. A CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADE MULTINÍVEL NO ÂMBITO DA AGENDA 2030 As ações de promoção do desenvolvimento sustentável frequentemente se concentram em único nível. Os resultados das conferências ambientais internacionais provam que, na maioria das vezes, as propostas de enfrentamento ocorrem no nível dos governos nacionais, ou seja, de forma isolada dos outros níveis (local, regional e internacional). Os documentos históricos que tratam das questões ambientais globais sempre, em algum momento, afirmaram a necessidade de participação ampla e integrada entre os Estados e os atores globais. A Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo - 1972) já afirmava a necessidade de construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Em seu preâmbulo, a Declaração proclamava que, para se chegar à meta de defesa e o melhoramento do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras era necessário que cidadãos, comunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitassem as suas responsabilidades e que eles participassem equitativamente, nesse esforço comum (ONU, 1972). Ainda, o princípio 17 da Declaração expressava a necessidade de construção das capacidades multinível no âmbito dos Estados, ao afirmar que deve-se confiar às instituições nacionais competentes responsabilidades de gestão dos recursos ambientais. Os princípios da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) também inseria, na temática do enfrentamento dos problemas ambientais globais, a necessidade de governança ambiental, ampla participação e cooperação institucional multinível. O princípio 9 da Declaração evidenciava a indispensável participação das instituições de pesquisa cientifica e comunidades epistêmicas (acadêmicas de ensino) para que a cooperação entre os Estados fosse efetiva (ONU, 1992). 305 Paradiplomacia Ambiental O princípio 10 da Declaração do Rio3 manifestava o entendimento de que a participação do público era fundamental para o desenvolvimento sustentável global. E, ao cunhar a expressão “participação do público”, abria espaço para que atores diversos, como empresas, organizações não governamentais e universidades, por exemplo, pudessem participar ativamente para o alcance do desenvolvimento sustentável (ONU, 1992). Interessante notar nesee princípio que, numa interpretação sistêmica, a Conferência de 1992 inseria na sociedade global, de forma não expressa, a necessidade de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Com o amadurecimento da sociedade global, principalmente da Organização das Nações Unidas, com relação ao reconhecimento da interdependência global dos temas sensíveis para a humanidade, a Agenda 2030 surge para demonstrar que a efetividade do desenvolvimento sustentável global passa pela construção de capacidades multiníveis e participação de multiatores. O Objetivo 16 da Agenda 2030 explana que a prática apenas nos níveis local, regional, nacional ou internacional ocasiona fonte de elaboração inadequada de políticas, que não serão efetivas para a concretização do desenvolvimento sustentável. Nenhum nível espacial ou temporal [individualmente considerado] é apropriado para administrar os ecossistemas e seus serviços, bem como os problemas ambientais globais de maneira eficaz, eficiente, equitativa e sustentável (BRONDIZIO; OSTROM; YOUNG, 2009). Por isso, é fundamental o fortalecimento de todos os atores – locais, regionais, nacionais e internacionais relevantes para tratar das temáticas abordadas na agenda ambiental. As metas do Objetivo 16 abordam temáticas que exigem políticas multinível, ou seja, governança multinível. Governança multinível é uma expressão destinada a sinalizar a necessidade de abordar as interações homemambiente em vários níveis, do local ao global (KARSSON, 2000). Criar ações de enfrentamento relacionadas às metas do ODS 16, como a redução de todas as formas de violência (ODS 16.1 e 16.2); a promoção do Estado de Direito e garantia da igualdade de acesso à justiça (ODS 16.3); o combate ao crime organizado e fluxo de armas (ODS 16.4); a redução da corrupção (ODS 16.5), exigem a interação de diversas instituições e atores, nos mais variados níveis (local, regional, nacional e internacional). A título exemplificativo, só é possível acabar com a corrupção global se houver políticas públicas e privadas, de O princípio 10 da Declaração do Rio (1992) dispõe que “o melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluí da a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e recursos pertinentes”. 3 306 A cooperação internacional para sociedades inclusivas integridade e conformidade, em âmbito local, regional, nacional e internacional. A centralidade do Estado no contexto das políticas internacionais gradualmente desmoronou, dando espaço para a governança, não de cima para baixo, mas em processos multiníveis, com participação de uma multiplicidade de atores (NEWELL; PATTBERG; SCHROEDER, 2012). Em outras palavras, é necessário um engajamento integrado, sistêmico, do público e do privado, em todos os níveis. O sucesso da gestão de um nível depende do outro, principalmente, quando se trabalha das problemáticas ambientais. A formação de capacidade multinível está relacionada à regulação pluralista, ou seja, a regulação inteligente em que os formuladores de políticas passam a investigar como as estruturas legislativas e os órgãos públicos podem usar as instituições e os recursos que convivem fora do setor público para criação de ações de enfrentamento (GUNNINGHAM; HOLLEY, 2016). A criação de ações efetivas ambientais compreende a interlocução com as capacidades dos mercados, da sociedade civil e de outras instituições (GUNNINGHAM; SINCLAIR, 2017). As medidas de enfrentamento que compreendem as metas do ODS 16 dependem da articulação entre os atores globais. O sucesso das políticas internacionais está diretamente ligada na sua capacidade sistêmica de se relacionar e incorporar às politicas nacionais, regionais e locais. As metas da Agenda 2030 revelam os interesses globais. Todavia, é necessário que tais interesses sejam conciliados e incorporados nas políticas públicas e privadas, em seus variados níveis (do local ao global). O caso da violência e tortura contra crianças (ODS 16.2) oferece um exemplo claro. A criação de práticas locais de defesa da criança será pouco efetiva se no âmbito regional e nacional não forem integradas. Se a criança, que é respeitada em sua cidade, for abusada ou violentada no seu país ou outro país, não será efetiva a meta do Objetivo 16 da Agenda 2030. Decerto que em nível local, será efetiva a meta, mas na escala global, a efetividade da meta 16.2 dependerá da soma de ações multiníveis (regional, nacional e internacional). O fato da governança envolver algum grau de auto regulação por parte de atores sociais, de cooperação público-privada na solução de problemas sociais e de novas formas de política multinível (BIERMANN; PATTBERG, 2008), fez com que sua arquitetura de funcionalidade fosse pela eleita, pela Agenda 2030, como o mecanismo jurídico político capaz de criar ambiência necessária para a concretização de suas metas. A governança ambiental global oportuniza ações multinível e participação de múltiplos atores, elementos indispensáveis para o sucesso das metas fixadas nos ODS. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) apresentam nova forma de parceria global. Trata-se de uma oportunidade para promoção de novas formas de governança cooperativa e inteligente. As metas ambiciosas da 307 Paradiplomacia Ambiental Agenda 2030 exigem um engajamento global intensivo, de ampla participação dos governos (locais, regionais, nacionais e internacionais), setor privado, sociedade civil, o Sistema das Nações Unidas e outros atores (ONU, 2015). Para tanto, a participação dos governos locais e regionais na definição de prioridades e estratégias nacionais relacionadas aos ODS demandam estrutura institucional apropriada (ONU, 2016). E essa estrutura deve permitir a governança entre os diversos níveis de governo (multinível) e a participação dos outros atores interessados na criação de ações estratégicas de enfrentamento dos problemas globais presentes nas metas da Agenda 2030. 3. O DESIGN DA PACIFICAÇÃO E INCLUSÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: MECANISMOS E AÇÕES SISTÊMICAS DE PROMOÇÃO DA AGENDA 2030 Os problemas complexos da sociedade pós-moderna exigem dinâmica, criatividade, diálogo, realismo e ampla participação dos atores. A Governança Ambiental Global é o mecanismo que congrega tais elementos, fundamentais para o efetivo enfrentamento das problemáticas globais. A dinâmica do processo de Governança Ambiental Global permitiu que um design de sistemas de resolução de conflitos fosse criado pela comunidade global, a Agenda 2030. Segundo Diego Faleck (2018, p. 01) entende-se a técnica de design de sistemas de resolução de disputas como “a organização deliberada e intencional de procedimentos e mecanismo processuais, que interagem entre si, e, quando aplicáveis, de recursos materiais e humanos, para a construção de sistemas de prevenção, gerenciamento e resolução”. A Agenda ODS, dessa forma, é fruto do processo de Governança Ambiental Global e sua funcionalidade ainda mantém a lógica de cooperação e coordenação por sistemas de governança. Essa agenda passou pelas etapas essenciais que o trabalho de desenhar sistemas de resolução de conflitos demanda, quais sejam: a iniciativa global; o diagnóstico da situação conflituosa; as definições dos objetivos e metas; a construção do sistema; e, por fim, a implementação e o monitoramento das ações globais4. Tudo realizado com as experiências adquiridas na agenda global dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vigoraram de 2000 a 2015. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) corroboram o entendimento de que a boa governança é uma dimensão do Desenvolvimento Sustentável Global (SACHS, 2015). Por isso, é possível afirmar que a sustentabilidade reside nas relações entre os atores globais e, por meio da cooperação, articulação Segundo Diego Faleck (2018, p. 03), os passos inexoráveis que a tarefa de desenhar sistemas de resolução de disputas requer são: (i) iniciativa; (ii) diagnóstico da situação conflituosa; (iii) definições acerca de objetivos e variáveis intrínsecas do sistema; (iv) construção do sistema; (v) implementação e avaliação. 4 308 A cooperação internacional para sociedades inclusivas e ações dos múltiplos atores as metas da Agenda têm perspectivas de serem alcançadas. A definição dos 17 Objetivos e das 169 metas foi uma organização deliberada e intencional dos líderes mundiais, sob a coordenação da ONU, que reconheceram a participação ativa dos múltiplos atores globais, em diversos níveis, como elemento fundamental para a promoção de sociedades pacificas e inclusivas. Assim, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são uma agenda recomendatória, com a natureza de soft law, que apresenta conteúdo programatório genérico e dinâmico, para criação de condutas futuras, com vistas ao respeito universal dos direitos humanos. O Relatório de metas do Desenvolvimento Sustentável 2019 demonstrou que o Objetivo 16 (sociedade pacíficas, justas e inclusivas) ainda está longe de ser concretizado. Apontou ainda que não houve, nos últimos anos, avanços substanciais no sentido de acabar com a violência, promover o Estado de Direito, fortalecer instituições em todos os níveis ou aumentar o acesso à justiça (ONU, 2019). Os dados não são satisfatórios e alertam para que medidas de governança devam ser impulsionadas de forma mais incisiva. O Relatório informa que em 2018 “o número de pessoas que fogem da guerra, perseguição e conflito ultrapassou 70 (setenta) milhões, o nível mais alto que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados tem visto em 70 anos (ONU, 2019)”. O ritmo de evolução no estabelecimento de instituições nacionais de direitos humanos (NHRIs), nos termos dos Princípios de Paris5, não se apresenta satisfatório, pois, em 2018, apenas 39% dos países alcançaram a conformidade com êxito, um aumento de 3% (três por cento) em relação a 2015. Assim, a ONU faz a seguinte projeção: “se o crescimento continuar na mesma taxa, até 2030, apenas metade de todos os países terão NHRIs compatíveis para garantir que os Estados cumpram suas obrigações de direitos humanos” (ONU, 2019). O Relatório ODS 2019 alerta para a adoção imediata de ações de efetivação do ODS 16. Com problemas multiníveis, ações multiníveis devem ser realizadas. E pelos dados, pode-se deduzir que medidas em diversos níveis precisam ser estimuladas. Nesse sentido, como impulsionar ações multiníveis e ampla participação de multiatores para a construção de sociedades mais pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável? Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH, 2020), com relação aos princípios de Paris, afirma que: “adotados numa atividade internacional celebrada em Paris no ano 1991, os “princípios relativos ao status e operação das instituições nacionais” marcaram o início da cooperação e a padronização das instituições nacionais de direitos humanos (INDH) internacionalmente. Aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de dezembro de 1993, os Princípios de Paris expressam a principal fonte de padrões internacionais na criação e procedimentos das INDH. Pormenorizam suas atribuições e responsabilidades, composição, garantias de independência e métodos de operação”. 5 309 Paradiplomacia Ambiental Nos últimos anos, diversos movimentos multiníveis ocorreram ao redor do mundo. A própria problemática global da pandemia do COVID-19 criou cenários de cooperação e de governança multiníveis jamais vistos antes. Porém, também evidenciou a falta de engajamento global. A concretização do ODS 16, por consequência da Agenda 2030, passa pelo fortalecimento das instituições nacionais, regionais e locais; do impulso de parcerias público-privadas; e do maior engajamento dos órgãos governamentais nacionais e internacionais com as Organizações não governamentais, as comunidades epistêmicas e os atores corporativos (empresas privadas). O futuro do desenvolvimento sustentável global reside na construção de novas formas relacionamentos cooperativos multiníveis. Redes paradiplomáticas entre governos subnacionais precisam ser mais desenvolvidas. A paradiplomacia torna-se importante, pois promove ações de interconexão global, na busca por investimentos, trocas de informações e tecnologia, bem como participação no processo de tomada de decisão em assuntos internacionais (FARIAS; REI, 2019, p. 16). Atores que antes não possuíam expressiva atuação internacional, com a paradiplomacia passam a assumir papel de protagonismo e influenciar as ações de efetivação das agendas ambientais globais. Além disso, a construção de capacidades multiníveis e participação de multiatores se perfaz pelo estabelecimento de parcerias públicas com empresas privadas. O Pacto Global da ONU6 é uma rede internacional de relacionamento entre membros corporativos que buscam desenvolver ações sustentáveis multiníveis. Várias empresas aderiram ao Pacto Global ODS, entretanto, dados do Relatório do Pacto Global ODS 2019 apontam que, globalmente, 36% (trinta e seis por cento) das empresas relataram não impactar, de forma negativa, para as metas do ODS 16 e menos de um terço das empresas tem ações vinculadas à meta do ODS 16 (UN GLOBAL COMPACT, 2019). São resultados pequenos, mas significativos, haja vista que demonstram como o setor privado está engajado como a Agenda 2030. Agora, se atores governamentais iniciarem parcerias com entidades corporativas, com certeza estes números irão aumentar. Por isso, seria interessante que as redes paradiplomáticas governamentais estreitassem relações político-econômicas com a rede Pacto Global da ONU. Assim, recursos financeiros, informações e tecnologias poderão ser compartilhadas para a efetividade de politicas públicas (locais, regionais e nacionais) voltadas para a efetivação das metas ODS. A governança ambiental global, por meio da Agenda 2030, reflete mudanças O Pacto Global, lançado, em 2000, pelo então secretário geral das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, é uma iniciativa que reúne mais de 13 mil membros corporativos em torno de 10 (dez) princípios, que abrangem questões de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate a corrupção (PACTO GLOBAL, 2019). 6 310 A cooperação internacional para sociedades inclusivas na distribuição de poder e recursos na economia política global. Há uma tendência internacional de empoderamento das instituições não governamentais e criação de relacionamentos com redes transnacionais e subnacionais. O futuro da Agenda 2030 está no fomento de ações de governança multinível. O público precisa dialogar e se relacionar eticamente com o privado. E as ações políticas devem iniciar-se do local ao global. CONCLUSÃO Os objetivos e metas da Agenda 2030 ocasionaram, no âmbito internacional, a necessidade de mudanças radicais na arquitetura jurídico-politica da sociedade internacional. Os problemas globais comuns exigem da comunidade internacional enfrentamento conjunto, com ampla participação e ferramentas dinâmicas que permitam resultados eficientes e tratamento adequado. E para que ocorra uma eficiente e eficaz transformação nos cenários da temática ambiental, e de fato ocorra a efetivação do Desenvolvimento Sustentável, fundamental é a participação de todos os atores governamentais, organismos internacionais, organizações não governamentais, corporações privadas e a sociedade civil. Não haverá desenvolvimento sustentável sem boa governança ambiental global. Com o amadurecimento da sociedade global, principalmente da Organização das Nações Unidas, com relação ao reconhecimento da interdependência global dos temas sensíveis para a humanidade, a Agenda 2030 surge para demonstrar que a efetividade do desenvolvimento sustentável global passa pela construção de capacidades multiníveis e participação de atores múltiplos. As metas da Agenda 2030 revelam os interesses globais. Todavia, é necessário que esses interesses sejam conciliados e incorporados nas políticas públicas e privadas, em seus variados níveis (do local ao global). A concretização do ODS 16, por consequência da Agenda 2030, passa pelo fortalecimento das instituições nacionais, regionais e locais; do impulso de parcerias público-privadas; e do maior engajamento dos órgãos governamentais nacionais e internacionais com as Organizações Não Governamentais, as comunidades epistêmicas e os atores corporativos (empresas privadas). O futuro do desenvolvimento sustentável global reside na construção de novas formas relacionamentos cooperativos multiníveis. Redes paradiplomáticas entre governos subnacionais precisam ser mais desenvolvidas, parcerias públicas com empresas privadas necessitam ser implementadas. Além disso, as redes paradiplomáticas governamentais devem se relacionar com redes de instituições corporativas, para ocorrer o compartilhamento de recursos financeiros, informações e tecnologias que serão fundamentais para a efetividade de politicas 311 Paradiplomacia Ambiental públicas (locais, regionais e nacionais) voltadas para a efetivação das metas ODS. REFERÊNCIAS ACCIOLY, H.. Tratado de Direito Internacional Público. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin. 2009. ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS (ACNUDH). Instituições Nacionais de Direitos Humanos. 2020. Disponível em: http://acnudh.org/wp-content/uploads/2010/12/ PORT-triptico-INDH-final.pdf. Acesso em: 20 mar. 2020. 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Walker3 Objetivo 17 - Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. Meta 17.10 - Promover um sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras, aberto, não discriminatório e equitativo no âmbito da Organização Mundial do Comércio, inclusive por meio da conclusão das negociações no âmbito de sua Agenda de Desenvolvimento de Doha Meta 17.12 - Concretizar a implementação oportuna de acesso a mercados livres de cotas e taxas, de forma duradoura, para todos os países menos desenvolvidos, de acordo com as decisões da OMC, inclusive por meio de garantias de que as regras de origem preferenciais aplicáveis às importações provenientes de países menos desenvolvidos sejam transparentes e simples, e contribuam para facilitar o acesso ao mercado INTRODUÇÃO C onforme detalhado na introdução deste livro, a Agenda Mundial de Desenvolvimento Sustentável adotada em 2015 (UN, 2015) pela Organização das Nações Unidas estabeleceu dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”) que deverão ser cumpridos até 2030 pelos países. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 17 (“ODS 17”) visa fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável, no entanto, para a sua efetivação é de extrema importância a colaboração e o esforço conjunto entre países desenvolvidos, países em desenvolvimento e países menos desenvolvidos. Além disso, como é notória a disparidade entre os países em termos de Acadêmica de Direito na Universidade Católica de Santos. Danielle Mendes Thame Denny é pesquisadora visitante na University College London. Priscila Benelli Walker é aluna especial da pós-graduação em Direito da Universidade de São Paulo. 2 Pesquisadora visitante do Departamento de Direito da University College London. Doutora pela Universidade Católica de Santos. Bacharel em Direito pela PUC-SP. 3 Mestre em Direito pela UNESP. LLM pela University College London. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Advogada da Área Empresarial e Compliance. 1 315 Paradiplomacia Ambiental recursos financeiros, conhecimento científico, expertise e capital humano, é crucial a troca benéfica entre os governos nacionais, incluindo também outros níveis da administração pública, a sociedade civil e o setor privado. A finalidade do ODS 17 é promover a parceria global e fortalecer os meios de implementação, com o fim de se alcançar o desenvolvimento sustentável global. No entanto, para que se possa atingir essa meta é necessário o trabalho contínuo e sistemático em conjunto e, nesse contexto, a ferramenta de compliance pode auxiliar significativamente nessa interação. Compliance constitui um conjunto de ações internas que permite mapear determinada organização e identificar os riscos existentes para então desenvolver um plano de atuação para prevenir, minimizar e monitorar esses possíveis riscos de violações praticadas pelas empresas e por seus colaboradores no dia-a-dia de suas atividades. O setor privado busca também se adequar a padrões e obter certificações que atestem a implementação do compliance. Essa forma de governança corporativa contribui para a efetivação do compliance e, consequentemente, para a implementação do ODS 17. 1. Objetivo de desenvolvimento sustentável 17 e as metas de número 17.10 e 17.12 A princípio, podemos dividir as metas relacionada ao ODS 17 em 5 (cinco) eixos quais sejam: finanças, tecnologia, capacitação, comércio e questões sistêmicas. O primeiro eixo referente a finanças tem o intuito de estimular a mobilização de recursos financeiros, com o fim de auxiliar os países em desenvolvimento. Além de propiciar o regime de promoção de investimentos para os países menos desenvolvidos, um dos mecanismos utilizados é a chamada assistência oficial ao desenvolvimento, que define percentuais mínimos da renda nacional bruta dos países desenvolvidos economicamente a serem direcionados para esta finalidade. Em seguida, o eixo da tecnologia trata da promoção do desenvolvimento, transferência, disseminação e difusão de tecnologias entre os países em condições favoráveis e inclusivas. O terceiro eixo referente à capacitação foca em países em desenvolvimento, apoiando os planos nacionais para concretizar os objetivos de desenvolvimento sustentável, em seus diferentes setores. O quarto eixo do comércio concerne à promoção de um sistema multilateral de comércio, mais equitativo, aberto e com maior participação dos países menos desenvolvidos sob o manto da Organização Mundial do Comércio 316 Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável (OMC). O último eixo trata das questões sistêmicas e pode ser subdividido em três subitens, quais sejam: Ciência de política institucional: Visa atingir um mundo com mais estabilidade, onde haja sinergia de esforços, buscando acima de tudo o respeito ao espaço político de cada país e as suas particularidades. Parcerias multisetoriais: Trata-se da importância da parceria do poder público com atores não estatais que mobilizem e compartilhem conhecimento, expertise, tecnologia e recursos financeiros e podem ser alcançadas por meio de parcerias público-privadas e com a sociedade civil. Dados, monitoramento e prestação de contas: Tem como objetivo reforçar o apoio à capacitação para os países em desenvolvimento, inclusive para os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento, para aumentar significativamente a disponibilidade de dados de alta qualidade, atuais e confiáveis, categorizados por renda, gênero, raça, etnia, status migratório, localização geográfica e outras características relevantes em contextos nacionais. Além da ODS 17, as metas específicas, particularmente, as metas 17.10 e 17.12 são relevantes para análise. A Meta 17.10 diz respeito à promoção de um sistema multilateral de comércio universal, baseado em regras abertas, não discriminatórias, equitativas no âmbito da OMC, inclusive por meio da conclusão das negociações no âmbito de sua agenda. A Meta 17.12, por sua vez, visa concretizar a implementação oportuna de acesso a mercados livres de cotas e taxas, de forma duradoura, para todos os países de menor desenvolvimento relativo, de acordo com as decisões da OMC, inclusive por meio de garantias de que as regras de origem preferenciais aplicáveis às importações provenientes de países de menor desenvolvimento relativo sejam transparentes, simples e contribuam para facilitar o acesso ao mercado e resolva questões sistêmicas. 2. Responsabilidade socioambiental das empresas A responsabilidade social das empresas no que se refere ao desenvolvimento sustentável deve integrar suas políticas internas para que se efetive a preservação do meio ambiente e consequentemente o bem estar social na nova vertente de atuação empresarial. A internalização deste princípio nos códigos de condutas poderão contribuir em grandes proporções com o avanço social e ecológico. Segundo Barbieri (2009), uma empresa pode ser dirigida de diversas formas, dentre as quais, a que condiz com sócios ambientalmente responsáveis, em que todas as tomadas de decisão empresariais levam em conta os inúmeros reflexos internos e externos que possam gerar inclusive impactando de alguma forma a vida dos funcionários, da comunidade, da sociedade, o meio ambiente e também as gerações futuras. 317 Paradiplomacia Ambiental Sendo assim, agir com responsabilidade socioambiental é preocupar-se com as consequências que determinadas ações podem causar às pessoas. Por conseguinte, para que uma empresa cumpra com seu objetivo - que é agir de maneira socioambientalmente responsável -, as empresas devem adotar ferramentas de gestão que permitam planejar, implementar, avaliar e fiscalizar os trâmites e tomadas de suas decisões das empresas de forma a propiciar o mapeamento de medidas capazes de evitar eventuais prejuízos a sociedade. Um desses instrumentos consiste no compliance. Portanto, tem-se que a responsabilidade socioambiental, além de implicar uma série de benefícios à sociedade, é benéfica para as próprias empresas, pois elas passam a dar mais atenção ao processo de adequação e evitam o descumprimento de normas legais que geram multas e penalidades, além de obter uma imagem sustentável positiva perante os consumidores e investidores que estão à sua volta, potencializando a marca empresarial perante o mercado econômico. No entanto, há uma preocupação crucial que é a preservação do meio ambiente. Diante dos inúmeros desastres ambientais e impactos na natureza, reflexos de nossa maneira de produzir e consumir, as ações devem ser reavaliadas de forma a reduzir tais efeitos deletérios. José Segundo Carlos e Jorge Emanuel Reis Cajazeira: “O setor empresarial tem o poder de ditar a agenda do presente e do futuro, uma agenda que dependerá do avanço da cultura da responsabilidade social no meio empresarial. Quanto mais avançar filosófica, conceitual e concretamente, mais chances teremos de evitar as catástrofes e de promover o desenvolvimento sustentável. Um desenvolvimento socialmente responsável “. CAJAZEIRA, JORGE EMANUEL, p.03 Por meio dessa agenda, podemos chegar à conclusão de que se as empresas agirem de forma responsável, teremos a longo prazo um desenvolvimento sustentável e social mais real, além de contribuir para a redução de impactos negativos ao meio ambiente. Baseado na pirâmide de Archie Carroll,(1979), podemos definir a responsabilidade social empresarial em quatro patamares nos termos da figura 1 a seguir: 318 Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável A responsabilidade econômica constitui a principal responsabilidade social da empresa, vez que todas as empresas visam ao lucro e, segundo Carroll, o sucesso econômico é basilar para a sociedade, e por esse motivo sua produção buscará sempre o fornecimento de produtos de qualidade capazes de satisfazer as necessidades de seus consumidores, com o intuito de obter lucro. A partir do momento que a empresa assume seu papel produtivo na sociedade, consequentemente o próprio sistema jurídico lhes impõe regras básicas para o seu funcionamento, isto é, as empresas ficam submetidas a cumprir com as leis que estejam em vigência. Portanto, a sociedade espera que tal empresa esteja em conformidade com o ordenamento jurídico ao qual esteja submetida. O terceiro patamar da pirâmide refere-se à responsabilidade ética, essa diferente da responsabilidade legal, que impõe que o indivíduo deva agir de acordo com a lei. A questão ética refere-se à obrigação de fazer o que é certo e justo. Em outras palavras, agir com ética está diretamente atrelado à postura e ao comportamento no meio social. Dessa forma, é possível evitar e minimizar danos à sociedade. Por fim, o quarto patamar da pirâmide de Carroll não mais se trata de uma imposição social como as demais responsabilidades acima trazidas. Este patamar fica a cargo de escolhas e julgamentos morais individuais, do qual se espera um posicionamento cidadão nas tomadas de decisões, ou seja, a empresa (e seus líderes) deve ter em mente o bem estar social e a preocupação com o bem estar da humanidade. Diante da análise da pirâmide de Carroll (1979), que nos permite ter uma visão geral de quais são os objetivos empresarias bem como suas responsabilidades sociais, as empresas devem ao mesmo tempo em que visam obter lucros, obedecer o ordenamento jurídico a qual estejam submetidas e atender às expectativas da sociedade. Espera-se que contribuam para a sociedade, pois somente dessa forma é possível alcançar o desenvolvimento sustentável e, a longo prazo, 319 Paradiplomacia Ambiental garantir a continuidade da própria organização empresarial. 3. Compliance como contribuição ao alcance da ODS 17 De acordo com Dício (2019), o termo compliance tem origem no verbo inglês to comply, que se refere a agir em conformidade com uma regra, uma instrução interna, um comando ou uma norma, seja ela corporativa ou legislativa. Portanto, compliance constitui o conjunto de ações internas que permite fazer um mapeamento de determinada instituição com o objetivo de prevenir e minimizar os riscos de violações às leis decorrentes de atividades ou ações praticadas pelas empresas e seus colaboradores e para monitorar a implementação e o andamento desse conjunto de ações (MENDES e CARVALHO 2017). Franciso Mendes e Vinícius Carvalho (2017):descrevem: Um programa de Compliance visa estabelecer mecanismos e procedimentos que tornem o cumprimento da legislação parte da cultura corporativa. Ele não pretende, no entanto, eliminar completamente a chance de ocorrência de um ilícito, mas sim minimizar as possibilidades de que ele ocorra, e criar ferramentas para que a empresa rapidamente identifique sua ocorrência e lide da forma mais adequada possível com o problema (MENDES, CRVALHO 2017). Por meio do compliance identifica-se se determinado ato não está em conformidade com as obrigações contraídas por determinadas instituições e, a partir daí, criam-se estratégias que permitam adequar as condutas da organização dentro do que dispõe as normas legais e institucionais. Neste sentido, o compliance permite um monitoramento e verificação de irregularidades ou descumprimento dos critérios legais, mediante meios de coleta de informações e dados, a fim de identificar os riscos, minimizá-los e promover a transparência dentro da organização. Com o objetivo de promover o constante aperfeiçoamento e a modernização do sistema financeiro, a ABBI - Associação Brasileira de Bancos Internacionais, por meio do Comitê de Compliance, e a FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos, pela Comissão de Compliance, têm desenvolvido temas e estudos técnicos que estão diretamente ligados à função e às boas práticas de compliance. 4. A evolução histórica do compliance O cumprimento das regras sociais sempre foi essencial para que a sociedade mantivesse a ordem social entre seus indivíduos, de forma a propiciar um melhor convívio entre todos. De acordo com o a ABBI - Associação Brasileira de Bancos Internacionais (2009), as normas constituem um imperativo de con320 Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável duta cujo objetivo é coagir os sujeitos a se comportarem de forma esperada, isto é, em conformidade com os princípios éticos e morais estabelecidos pelo seu ordenamento. Com o passar dos anos, o cumprimento de normas acabaram por se tornar algo indispensável para os países e instituições, surgindo a necessidade de se encontrar um mecanismo capaz de mapear estratégias para o efetivo cumprimento do ordenamento, a que determinada instituição esteja inserida. De acordo com os relatos da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos,(2009) o marco referencial do compliance foi a Conferência de Haia em 1930 e a qual deu origem à fundação do Bank for International Settlements (BIS), sediado em Basiléia, na Suíça. Essa instituição cuida da supervisão bancária e visa promover a cooperação entre os bancos centrais e outras agências na busca por estabilidade monetária e financeira. Verifica-se que tal instituição adota os princípios de um programa de compliance e teve como objetivo principal proporcionar a cooperação entre os bancos centrais, a fim de se combater os crimes associados à “lavagem de dinheiro”. Em 1960 deu-se origem ao compliance, quando a agência americana “SEC Secutities and Exchange Commission”, passou a contratar os “Compliance Officers” (profissionais de compliance), para que estes pudessem criar estratégias de controle interno, treinar pessoas e monitorar, com o intuito de auxiliar as áreas de negócios e propiciar a efetiva supervisão dentro das organizações. Segundo a FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos (2009), em 1974 foi instituído o Comitê de Regulação Bancária e Práticas de Supervisão, fundado pelos Bancos Centrais dos países membros. Nesse comitê são discutidas questões relacionadas à indústria bancária, onde são estabelecidos padrões de conduta, estímulos a supervisão bancária a fim de propiciar uma maior segurança ao sistema bancário internacional. Nesse período o mundo passava por diversas transformações e crises, como a crise do petróleo de 1973, fazendo com que muito pilares constituídos ao longo da história tivessem que ser revistos. No ano de 1988, os controles internos começam a ganhar força, tendo como marco o “Acordo de Basiléia”, constituído pelo Comitê da Basiléia, em que foram estabelecidos parâmetros básicos de liquidez e responsabilidade para todo o mercado. Foram publicados 13 princípios relacionados com a supervisão dos bancos e instituições financeiras por intermédio de seus administradores, além de fiscalização e controle interno para se alcançar a estabilidade do sistema financeiro de forma geral. No Brasil, em 1998, o Congresso Nacional cria a Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores. A prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nessa norma cria o Conselho de Atividades Financeiras (COAF). 321 Paradiplomacia Ambiental No mesmo ano, o Brasil adota os 13 princípios do Basiléia II acordo este instituído em 2004 para substituir o Acordo Basiléia I, assinado pelo comitê de supervisão bancária de Basiléia, o qual o Brasil por meio da publicação da Resolução de n° 2.554/98, incluiu em seu ordenamento, essa resolução por sua vez dispõe sobre a implementação de sistema de controles internos relativos a tais princípios. O Bacen (Banco Central do Brasil), durante o processo de preparação do ambiente para início da implementação das regras definidas no referido acordo, estabeleceu exigências de desenvolvimento e controle interno das normas, direcionando as instituições financeiras para a necessidade de criação do compliance. Através da instituição da Basiléia II, o Bacen estabeleceu procedimentos para implementação desta nova estrutura, que posteriormente foi alterado pelo comunicado de nº 16.137/2007. Diante das inúmeras imposições legais, os governos e instituições financeiras brasileiras foram criando regulamentos e adotando práticas de forma que pudessem estar adequadamente dentro das normas e exigências a eles impostas, necessitando consequentemente da criação do “compliance”. Salientamos ainda que neste mesmo ano foi criada a norma Australiana AS 3806;1998, como a primeira referência do mundo a estabelecer os princípios para o desenvolvimento, a implementação e a manutenção de programas de compliance eficazes tanto em organizações públicas como em organizações privadas. Nota-se que diante das inúmeras imposições legais instituídas às empresas e organizações, o compliance serve como um mecanismo de prevenção, pois permite se fazer o mapeamento do que está fora das normas legais e o que é possível fazer para melhorar determinadas falhas dentro das organizações. 5. Compliance ambiental O compliance, por ser uma estratégia não obrigatória, mas que permite o acompanhamento e fiscalização dos atos praticados pelas organizações, e com isso evitar eventuais irregularidades ou violações as normas legais, começou a ser aplicado em outros ramos do Direito, como o ambiental. Conforme GOMES (2017), pode-se se dizer que as normas legais, têm aumentado significativamente em razão dos inúmeros desastres ambientais que vem ocorrendo, sendo que muitos desses desastres são causados pela falta de fiscalização dentro das organizações e às vezes pelo descumprimento das regras impostas pelo ordenamento jurídico. O compliance pode ser utilizado como um instrumento de transparência, mapeamento de eventuais irregularidades ambientais e meio primário para 322 Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável implementação de medidas preventivas. Contudo segundo Gomes (2017) apesar de o ordenamento normativo estar à disposição para orientar o seu efetivo cumprimento, nem sempre é o que acontece, muitos optam por se omitir ou negligenciar, com a finalidade de obter maiores lucros. Assim, temos que diante dos inúmeros impactos ambientais gerados pela falta de responsabilidade das empresas, bem como o descumprimento das normas legais, com consequências também para as empresas e os processos produtivos tem impulsionado as organizações pela busca de estratégias eficientes capazes de potencializar o cumprimento das normais legais bem como a criação de estratégias preventivas, proporcionando desta forma a mitigação dos riscos ambientais. O compliance pode ser aplicado a diversas áreas do conhecimento, todavia, trazendo particular benefício para a esfera ambiental de acordo com o entendimento do autor mencionado (GOMES, 2017). Além de se levar ao cumprimento das normas e diretrizes governamentais do Direito Ambiental, de forma a evitar multas, notificações, advertências e processos judiciais, a empresa que respeita as normas legais vigentes acaba por se tornar bem vista perante o mercado de consumidores. Além do cumprimento de normas nacionais e internacionais, o compliance por ser um mecanismo de prevenção quanto a eventuais processos judiciais e penalidades, garantia de transparência dos negócios, pode ser também um forte auxílio para o alcance do ODS 17. Através de ações preventivas, que possibilitam a não ocorrência de danos ambientais, o compliance pode estimular a implementação de treinamentos internos que poderão ter reflexos globais, vez que através da educação pode-se criar estratégias que contribuam não só com o cumprimento de normas internas, mas também com o fortalecimento dos meios de implementação e revitalização. Temos ainda, que a adoção de tal sistemática pelas organizações privadas viabiliza a parceria entre o setor público e o setor privado, onde juntos podemos contribuir com a cooperação mútua entre os entes da sociedade é possível se alcançar os ODSs. 6. Empresas signatárias do pacto global e sua contribuição para os ODS O Pacto Global da ONU tem como objetivo mobilizar empresas que possuam o interesse em contribuir com o desenvolvimento sustentável. O mesmo foi desenvolvido tendo como norte a Declaração Universal de Direito Humanos, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direito Fundamentais no Trabalho, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra Corrupção. 323 Paradiplomacia Ambiental O Pacto traz 10 (dez) princípios que as empresas signatárias devem cumprir no dia-a-dia de suas operações, em linhas gerais tais princípios versam sobre questões de direito humanos, condições dignas de trabalho, preservação do meio ambiente e ações voltadas a anticorrupção. O grupo de direitos humanos é composto por dois importantes princípios, o primeiro “respeitar” diz que as empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, o segundo “assegurar” buscar a não participação das empresas em violações destes direitos. O progress report, feito pelo Pacto Global, traz alguns dados numéricos para fim de elucidação da efetividade de tais princípios, nele é apontado que 92% das empresas instituíram políticas e práticas relacionados aos direitos humanos, no qual 80% instituíram princípios que versam sobre direitos humanos em seus códigos de conduta, além disso 53% ofereceram treinamentos para conscientização, ainda 72% relatou que o Pacto global foi uma das fontes primárias para adoção de tais medidas em suas respectivas empresas. O segundo grupo diz respeito a questões relacionadas ao trabalho, este contempla 5 (cinco) princípios, sendo eles “apoiar” a liberdade de associação e reconhecer o direito à negociação coletiva, “eliminar” todas as formas de trabalho forçado ou compulsório, “erradicar” todas as formas de trabalho infantil de sua cadeia produtiva e “estimular” práticas que eliminem qualquer tipo de discriminação no emprego. Este mesmo relatório dispõe que 85% têm políticas de não discriminação, igualdade de oportunidade e garantia de condições de trabalho dignas, os outros 62% afirmam que o pacto global foi quem incentivou-os ao alcance de tais princípios e implementação em suas corporações. O grupo meio ambiente contempla 03 (três) princípios “assumir práticas” que adotem uma abordagem preventiva, responsável e proativa para os desafios ambientais, “desenvolver” iniciativas e práticas para promover e disseminar a responsabilidade socioambiental e “incentivar” o desenvolvimento e a difusão de tecnologias ambientalmente responsáveis. Segundo dados extraídos da pesquisa realizada pelo progress report, 78% dos entrevistados atestam ter consumo sustentável e objetivos de uso responsável, 1/2 alega integrar totalmente questões de água, alterações climáticas, energias renováveis e biodiversidade em suas estratégias corporativas e operações, 2/3 relatam que o pacto global foi forte influenciador para a abordagem destas temáticas. Por fim, temos o último e não menos importante grupo, o de anticorrupção, cujo princípio central é “combater” a corrupção em todas as suas formas, incluindo extorsão e suborno. Este mesmo relatório apresenta que cerca de 82% dos entrevistados afirmam integrar esse princípio em seu código de conduta, enquanto 2/3 relatam adotar políticas de tolerância zero em relação à 324 Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável corrupção, para outros 62% o pacto global foi um forte influenciador para a abordagem da temática. Além dos 10 (dez) princípios defendidos pelo Pacto Global, este visa criar ações estratégicas com o fim de se alcançar as metas mais amplas, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por este motivo temos que, o estudo destes princípios é de extrema relevância para que possamos entender que o mesmo refere-se a estratégias e ações que possibilitam o alcance da Agenda 2030. Neste contexto, empresas, organizações da sociedade civil, associações empresarias, organizações trabalhistas e instituições acadêmicas, ao se tornarem signatárias do Pacto Global assumem a responsabilidade por seguir os 17 ODSs, trazendo benefícios para sociedade global e sucesso a longo prazo às próprias empresas. A Rede Brasil afirma que 78% das empresas que adotaram o Pacto Global estão alinhando suas estratégias aos ODSs. Logo fazer parte deste Pacto constitui uma forma de promover o desenvolvimento sustentável com preservação ambiental, bem estar social e equilíbrio financeiro. Nesta linha, foi desenvolvida uma plataforma online a “SDG Action Manager”, cuja finalidade é auxiliar as empresas a agirem e melhorarem continuamente suas ações direcionadas ao alcance da Agenda 2030 e, consequentemente, a promoção do bem comum. Criado pelo B Lab e pelo Pacto Global das Nações Unidas, trata-se de uma ferramenta de impacto de gerenciamento gratuita e confidencial, a qual contribui para o desenvolvimento e melhoramento do setor. 7. Padrões e certificações O setor privado desempenha um papel de extrema relevância para o alcance dos ODS em especial a ODS 17, isso porque as empresas movimentam a economia, além de que muitas ações empresariais acabam por impactar diretamente no ambiente social e ambiental. Neste contexto, temos que as empresas direta ou indiretamente exercem grande influência sobre a sociedade, logo a conscientização dos líderes coorporativos pode ser uma eficaz estratégia para o conseguimento dos ODS. Normalmente esses líderes podem inclusive ser responsabilizado, por exemplo na legislação brasileira os diretores de uma empresa podem ser processados civilmente tendo de pagar multas e inclusive criminalmente no caso de danos ambientais. Para evitar esses problemas, afastar eventuais barreira técnicas ao comércio internacional e comprovar o atendimento a normas internacionais de qualidade, existem diversas certificações independentes, criadas por stakeholders, visando suprir a falta de ação do governo nesse sentido (PIACENTE, 2005). 325 Paradiplomacia Ambiental Além das certificações existem também os padrões privados ou padrões de mercado quando designam os originários das empresas ou de organizações não governamentais que são diferentes dos padrões privados internacionais elaborados por instituições reconhecidas pelos governos como a ISO. Também podem ser chamados de padrões de sustentabilidade quando contribuem para uma gestão mais eficiente da produção e da distribuição, colocando em prática métodos mais sustentáveis (DENNY, 2018). A metodologia de padronização tem se mostrado útil principalmente por permitir maior facilidade para a interação nacional, internacional, pública e privada. Nesse contexto, as normas precisam ser ágeis e pragmáticas para serem eficazes, pois ganhos de convergência, coerência e cooperação (THORSTENSEN; MESQUITA, 2016) regulatória são essenciais para assegurar a competitividade nesse contexto em que a eficiente administração da logística global representa o diferencial estratégico entre as empresas. Apesar de serem oficialmente voluntários, uma vez que nenhuma entidade governamental ou internacional exige seu cumprimento, podem na prática, ter muita aplicabilidade e representar um tipo de barreira à entrada em mercados mais regulados. Essa característica, no sentido de Terence C. Halliday e Gregory Shaffer (HALLIDAY; SHAFFER, 2015), faria com que houvesse uma obrigatoriedade, como se fosse a conseguida por força de norma transnacional. Dessa maneira, padrões privados se mostram eficientes para articular o novo institucionalismo (HALL; TAYLOR, 1996), focado na governança. Exercem três papéis simultaneamente: substituem regulação pública inadequada, criam regulamentação cada vez mais rigorosa em áreas como a ambiental, por exemplo, superando as regulamentações públicas e fornecendo bases sistematizadas para a diferenciação dos produtos (VIEIRA; THORSTENSEN, 2016), ou seja formas de comparação uniforme para permitir distinguir um produto dos demais. Os padrões privados são uma de quatro combinações possíveis entre formas de regulação público/privado e obrigatória/voluntário (HENSON; HUMPHREY, 2010, p. 1630). Os quatro tipos são: padrões públicos obrigatórios: denominados regulamentos, obrigam por força de lei interna; normas públicas voluntárias: padrões que são criados por organismos públicos, mas cuja adoção é voluntária, podem ser condição para a consecução de algum tipo de vantagem ou acesso a mercado; normas desenvolvidos pelo setor privado que são, em seguida, tornadas obrigatórias pelo poder público, pois são consideradas exigências de comprovação de uma determinada qualidade; e normas privadas voluntárias: desenvolvidos e aprovados por organismos privados e que são exigidas apenas por esses entes privados, mas que, porém podem ter bastante efetividade caso essa empresa privada seja uma grande empresa transnacional que detenha 326 Compliance e a parceria global para o desenvolvimento sustentável parcela substancial do mercado. Além disso, as normas privadas voluntárias têm cinco funções a desempenhar (HENSON; HUMPHREY, 2010, p. 1631): formular os procedimentos operacionais de um padrão; decidir sobre a adoção ou não de um padrão; implementar a regra prevista a partir de procedimentos de adequação, avaliação de conformidade para verificar se aqueles que afirmam cumprir a norma podem fornecer provas documentais para comprovar o cumprimento das normas; certificação, recomendação de medidas corretivas ou desacreditação caso não haja conformidade. É destacável a existência de uma divisão temática (THORSTENSEN; VIEIRA, 2015, p. 5) entre: padrões relacionados a segurança alimentar; regulações exigindo o cumprimento de normas ambientais e sociais; padrões técnicos e de qualidade; e, por último, quadros normativos meta regulatórios, a respeito de melhores práticas para serem elaboradas as normas privadas voluntárias. Assim, existem várias alternativas eficientes que o setor privado pode implementar em suas organizações, a fim, de contribuir com o ODS 17 e melhoramento da ordem global. CONCLUSÃO Isoladamente os governos não são capazes de atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU. Especificamente o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 17 com seus diversos eixos de atuação não conseguirá ser atingido plenamente se for limitado às políticas e interesses públicos, também as empresas devem compartilhar e auxiliar. A atuação conjunta de atores públicos e privados é essencial para a efetividade de políticas públicas de desenvolvimento sustentável. Os mecanismos e sistemas desenvolvidos no ambiente empresarial podem contribuir para essa atuação conjunta. O compliance empresarial - com seus pilares de mapeamento dos riscos, plano de ação, implementação das políticas internas para mitigação de riscos e monitoramento das políticas implementadas – possui ferramentas para auxiliar na prevenção de condutas indesejadas e mitigação dos riscos, bem como meios para auxiliar no encaminhamento de condutas desejadas para implementação dos objetivos pré-definidos na Agenda 2030. REFERÊNCIAS ALVES, Flávia, et.al. Os padrões privados e sua relação com o Acordo TBT da OMC, ICTSD, [S.1]. outubro de 2014. Disponível em <https:// www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/os-padr%C3%B5es-privados- 327 Paradiplomacia Ambiental e-sua-rela%C3%A7%C3%A3o-com-o-acordo-tbt-da-omc > Acesso em: 25/03/2020. AMARAL Manuela Kirschner. Padrões privados e outras fontes não tradicionais de governança no âmbito dos regimes de mudança climática e multilateral de comércio da OMC. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) – Universidade de Brasília UNB, Brasília/DF, 2014. 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