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Revista Jurídica JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO E DECISIONISMO JUDICIAL: A POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO DA ADOÇÃO DE UM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO VERDADEIRAMENTE DIALÓGICO NAS DEMANDAS POR DIREITOS SOCIAIS JUDICIALIZATION, JUDICIAL ACTIVISM AND DECISIONISMO: THE POSSIBLE CONTRIBUTION OF ADOPTING A TRULY DIALOGICAL ADMINISTRATIVE PROCEDURE IN DEMANDS FOR SOCIAL RIGHTS Sérgio Santos Melo * Maria Gorete Ferreira ** Resumo: Judicialização, ativismo e decisionismo judicial são temas recorrentes para aqueles que estudam o papel do Estado-juiz como agente de mudança social. Neste artigo são apontadas algumas das causas que levam à ocorrência de tais fenômenos no ordenamento jurídico brasileiro, sugerindo uma estreita relação entre a adoção de uma postura supostamente ativista (na verdade, decisionista) do juiz com o excesso de demandas (judicialização) propostas no Judiciário envolvendo direitos sociais. Conjectura-se que o agigantamento dessas demandas judiciais tem como motivo, dentre outros, a não observância de uma racionalidade realmente comunicativa no âmbito do procedimento administrativo que antecede a ação judicial alusiva a tais direitos sociais. Propõe-se, assim, a adoção de um processo administrativo mais dialógico como maneira de minimizar ativismos judiciais inconsequentes. Palavras-chave: Ativismo judicial. Judicialização. Procedimento administrativo dialógico. Racionalidade comunicativa. Abstract: Legalization, activism and judicial decisionism are recurring themes for those who study the role of the State courts as agents of social change. This article suggests some of the causes for the occurrence of such phenomenons in the Brazilian legal system, suggesting a close relationship between the adoption of an * Juiz Federal Titular e Diretor da Subseção Judiciária de Varginha - Justiça Federal - Seção de Minas Gerais. Graduado em Direito pela UFMG. Mestrando em Constitucionalismo e Democracia na Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Docente do curso de Direito da FACECA e da FADIVA - Faculdade de Direito de Varginha, ambas no município de Varginha-MG. E-mail: sergio.melo@trf1.jus.br ** Advogada. Mestranda em Direito. Área de concentração: Constitucionalismo e Democracia. Programa de PósGraduação em Direito. Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM. E-mail: mgfunivas@hotmail.com Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 53 attitude supposedly activist (actually decisionist) of the judge with excess demands (legalization) proposed the Judiciary involving social rights. It is conjectured that the aggrandizement of these lawsuits is to reason, among others, failure to observe a truly communicative rationality in the administrative procedure before the lawsuit alluding to such social rights. It is proposed, therefore, the adoption of an administrative process more dialogic as the way to minimize judicial activism inconsequential. Keywords: Judicial activism. Judicialization. Administrative procedure dialogical. Communicative rationality. 1 INTRODUÇÃO Os fenômenos da judicialização e do ativismo judicial são temas recorrentes para os estudiosos do papel do Estado-juiz como agente de mudança social. O aumento da propositura de ações judiciais envolvendo matérias até então estranhas ao conhecimento do Judiciário brasileiro e uma postura mais ativa por parte desse Judiciário no enfrentamento dessas novas demandas suscitam calorosos debates, não apenas visando à sua compreensão, mas também à proposição de medidas que minimizem as consequências ditas nefastas por alguns juristas. Para uns, a massificação dos conflitos e uma postura mais ativa por parte do juiz são salutares, sendo a primeira resultado de uma maior confiança no Poder Judiciário como guardiãomor dos direitos dos cidadãos e a segunda, fruto de um novo paradigma de atuação do magistrado, o qual não mais estaria sujeito às amarras da “letra fria” da lei. Outros, no entanto, veem tais fenômenos como consequências de uma verdadeira crise no Estado Democrático de Direito: primeiramente, pela ineficiência do Estado na concretização dos direitos sociais, acarretando uma corrida ao Judiciário para suprir essa carência e, em segundo lugar, pela renitente inércia do Legislativo em enfrentar e discutir em um ambiente político democrático temas atuais e caros para a sociedade. Para esses, não sendo o Judiciário o local adequado de debate e deliberação sobre assuntos que demandem regulamentação de cunho universalizante, tampouco de estabelecimento de políticas públicas alusivas a direitos sociais, o denominado ativismo judicial inverte a lógica democrática ao impedir ou frear a discussão dos importantes temas na esfera apropriada, qual seja, o Legislativo. Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 54 O que se pretende nesta oportunidade é abordar o fenômeno do ativismo judicial através de um recorte que pode ser resumido em duas hipóteses: (i) a judicialização em massa de demandas sociais acarretando um maior volume de processos a ser decididos pelo juiz incentiva uma postura decisionista por parte do magistrado sob o escudo do ativismo judicial; (ii) a adoção de um procedimento administrativo 1 mais democrático e participativo nessas demandas teria o condão de reduzir a judicialização e, por conseguinte, reduzir a possibilidade de posturas judiciais ativistas inconsequentes. Não se pretende neste trabalho abordar tais temas sob o enfoque da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas daquela jurisdição praticada pelas instâncias inferiores, notadamente o juiz de primeiro grau. Trata-se, na verdade, de um artigo que pretende ser o ponta-pé inicial de uma pesquisa mais aprofundada acerca do papel da Administração Pública (Poder Executivo) no atendimento das demandas sociais contra o próprio Estado (litigância de interesse público). Não se tem sequer a pretensão de confirmar as hipóteses ventiladas, mas apenas despertar o assunto para que, mais à frente, em pesquisas de maior densidade, seja possível até mesmo rejeitá-las, se assim se concluir. De início, será apresentado o denominado “ativismo judicial” e a compreensão que se tem atualmente do que ele representa, assim dando ênfase à sua faceta negativa naquilo que se entende ser um estímulo ao decisionismo judicial. Em seguida, far-se-á uma rápida digressão acerca da denominada “judicialização”, com um breve histórico acerca de seu surgimento enquanto fenômeno decorrente da crescente demanda social, notadamente no pós II Guerra Mundial. Logo após serão traçadas algumas linhas sobre a necessidade de que os processos judiciais sejam conduzidos através de uma racionalidade discursiva democrática (Habermas), para, ao final, abordar o procedimento administrativo sob esse mesmo viés como uma possibilidade de redução da excessiva judicialização das demandas sociais. Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 55 2 O ATIVISMO JUDICIAL 2.1 COMPREENDENDO O FENÔMENO As atrocidades vivenciadas pela humanidade na primeira metade do Século XX, com a ascensão ao poder de governos totalitários capitaneados especialmente por Hitler, Mussolini e Stalin, acarretaram a necessidade de repensar o papel do Direito enquanto instrumento de regulação social.Nos estreitos limites deste trabalho não cabe aprofundar no estudo, daquilo que se denominou de pós-positivismo para alguns, neoconstitucionalismo2 para outros, resultados naturais daquele repensar. O ponto de partida é exatamente a premissa de que todo esse processo de releitura, daquilo que incumbiria ao Direito propugnar para que o homem-cidadão voltasse a ser o seu foco principal, trouxe novas compreensões acerca do papel a ser desempenhado pelo Poder Judiciário naquele desiderato. À frente serão abordadas algumas das razões que ensejaram esse fenômeno de agigantamento (judicialização em massa) do papel do Judiciário, sendo que, por ora, o foco é aquilo que Luís Roberto Barroso denominou de primo da judicialização: o ativismo judicial. Para ele: A judicialização e o ativismo judicial são primos [...]. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício de vontade deliberado de vontade política [...] Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.3 (grifo nosso) Descobrir o exato alcance da expressão “ativismo judicial” requer uma abordagem bem mais aprofundada do que simplesmente a aceitação da aludida definição de Luís Roberto Barroso, sendo que na esfera acadêmica inúmeras são as obras que cuidam do tema. 4 Na realidade, a expressão ativismo judicial é oriunda dos Estados Unidos da América do Norte, tendo sido utilizada e documentada pela primeira vez em artigo publicado na revista Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 56 “Fortune” em 1947, de autoria do jornalista Arthur Schlsengir Jr. e o texto publicado tratava da situação curiosa em que se encontrava a Suprema Corte de então. Havia naquele momento uma nítida divisão entre os ministros, sendo que parcela deles era considerada ativista e outra contida. A partir dessa dualidade, as decisões acabavam variando a depender de uma maioria eventual formada para os casos. Portanto, a expressão ativismo judicial nasceu juntamente com a sua antagônica: autocontenção judicial.5 Como, no entanto, até hoje tais expressões suscitam constantes divergências no que se refere à precisão de seus conceitos, para o objetivo proposto neste trabalho tomar-se-á por suficiente a definição de Barroso, entendendo-se o ativismo como uma postura mais proativa do juiz, compreendida como uma atitude de insatisfação com o seu papel tradicional de ser simplesmente a boca da lei6. 2.2 O ATIVISMO JUDICIAL COMO UM PROBLEMA Essa atitude ativista do Poder Judiciário tem sido alvo de inúmeras críticas por parte de juristas, inclusive, integrantes do próprio Judiciário. Se alguns conseguem destacar o aspecto positivo desse fenômeno na medida em que o Judiciário passa a atender “[...] a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento”7 outros apontam que por detrás dessa “couraça” ativista, protegida pelo manto do denominado neoconstitucionalismo, há o risco de um indesejado controle judicial valorativo das políticas e das opções do legislador. A esse respeito, Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia anota: Assiste-se no Brasil a uma tentativa de controle judicial de políticas – não apenas sobre o cumprimento de políticas já aprovadas em leis/regulamentos (como referido acima), mas também controle como “julgamento axiológico” das opções do legislador, a partir de critérios pretensamente neutros como “proporcionalidade” e “razoabilidade” – o que implica juízos, por exemplo, de custo-benefício sobre o que é melhor para a sociedade, trocando-se a dimensão deontológica do direito pela lógica gradual de “valores”. A doutrina que tenta agrupar essas novas formas de compreensão e aplicação da Constituição é conhecida normalmente por “neoconstitucionalismo”. (ênfase no original)8 Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 57 Realmente, os perigos advindos dessa sanha ativista não podem ser desprezados, a saber: (i) os riscos para a legitimidade democrática, na medida em que não sendo eleitos, os magistrados não deveriam poder sobrepor sua vontade à dos agentes escolhidos pelo povo, (ii) os riscos de politização da Justiça, com a possibilidade de o Judiciário se tornar um espaço conservador, de preservação das elites contra os processos democráticos majoritários, (iii) a incapacidade institucional do Judiciário, que seria preparado para decidir casos específicos, e não para avaliar os efeitos sistêmicos de decisões que repercutem sobre políticas gerais e, (iv) a redução da possibilidade de participação da sociedade como um todo, por excluir os que não têm acesso aos órgãos judiciais.9 2.3 ATIVISMO JUDICIAL E DECISIONISMO Consoante já anotado, a face positiva do ativismo judicial, para alguns, é o atendimento pelo Judiciário de demandas sociais não satisfeitas pelo Legislativo ou mesmo pelo Executivo, devendo ser ressalvado, contudo, que muito do que se denomina ativismo não o é. De fato, por detrás das críticas que são feitas ao ativismo judicial, esquece-se que a atuação do Judiciário há de ser entendida como necessária para a concretização de uma ordem estável que paire sobre a sociedade, não podendo justificar eventual fracasso em fazê-lo alegando a mutabilidade e precariedade das leis. Em razão do iura novit curia10 e da proibição do non liquet11, e independente da matéria-prima que tenha em mãos, o Judiciário deve produzir uma ordem que permita à sociedade, com suas diferenças e paradoxos, viver e se desenvolver de modo seguro. Por este prisma, decisões questionáveis quando vistas isoladamente justificam-se quando olhadas sistemicamente, pois foram proferidas tendo em vista a importância que teriam na construção da ordem.12 Assim, a título de exemplificação, conquanto tachadas de ativistas, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal em temas como a lei da ficha-limpa, a união homoafetiva, a interrupção de gravidez em casos de fetos anencéfalos, e outros nem tão recentes como o nepotismo nos três poderes e a marcha pela liberação da maconha, são consideradas por expressiva parcela de integrantes do meio jurídico como substancialmente corretas, embora dificilmente escapem da pecha de frutos de um ativismo não-democrático. Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 58 Entretanto, se na busca dessa construção de uma ordem estável e de uma sociedade mais justa deve-se superar - como bem anotado por Alexandre Bahia e Rafael Simioni concepções positivistas que reduzam a aplicação do direito à mera subsunção, não é admissível, por outro lado, transpor o “[...] código próprio do Direito e transformar a resolução de casos jurídicos em sopesagem de valores, como se direitos fossem ‘bens’ que pudessem ser ‘maximizados’ ou ‘minimizados’”13 Mas não é apenas na esfera da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal que o fenômeno do ativismo judicial merece ser analisado. Conquanto esse aprofundamento não vá ser feito nesta oportunidade, para os limites da presente reflexão é suficiente observar que também os achincalhados juízes “de piso”14 costumam ser criticados – às vezes de forma justa – em razão da adoção de uma postura mais proativa, muitas vezes contra legem. Na verdade, o ativismo é uma “pedra no sapato” também para os juízes das instâncias inferiores. Isso porque, se de um lado se lhe exige – do juiz – a observância do código próprio do direito na sua lógica de lícito/ilícito, de outro se costuma reivindicar que esse mesmo magistrado apresente uma postura “politicamente engajada” Nos dizeres de Ivan César Ribeiro: Poderia se conjeturar que os juízes tendem a superestimar seu ativismo social como forma de mitigar a imagem que a classe tem de não ser politicamente engajada. O recrutamento dos juízes, que também poderia influenciar esse comportamento, prioriza o conhecimento técnico (como, ademais, fazem em feral os concursos para cargos público). O mais provável é que esse critério de seleção resulte no recrutamento de juízes preocupados com a exatidão e a qualidade das decisões judiciais, favorecendo então a contratação daqueles propensos a apenas seguir a legislação, em detrimento dos candidatos que tenderiam a inovar na interpretação da lei.”15 De todo modo, as críticas dirigidas à judicatura sob o título de ativismo procedem em sua maior parte. Isso porque, sob a alegação de ser um ativista, de ser um juiz proativo, de ser um cidadão engajado politicamente, muitos magistrados parecem querer impor a sua vontade sem maiores preocupações com a técnica adequada e coerente de construção de uma decisão jurídica correta. Alegam estar sendo ativistas, quando, na verdade, agem de maneira decisionista. Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 59 Mesmo se o que se pretende é agir de forma ativista, o juiz não está livre para agir conforme as suas convicções próprias, esquecendo-se de que sua atuação se pauta na norma e de que deve procurar a construção da decisão correta para o caso concreto, e não aquela que ele entende ser a melhor sob o seu olhar pessoal.16 É exatamente essa postura do juiz que costuma ser denominada decisionista e que merece contundentes críticas por parte dos estudiosos dos temas relacionados à decisão e interpretação da decisão jurídica, como o fazem Bahia e Simioni: Se já não mais é possível afirmar-se que a aplicação do Direito consista em mera subsunção, por outro lado, não se pode pretender do Judiciário que seja colocado como o guardador das “virtudes” (pressupostamente compartilhadas) da comunidade. De um lado, desde Kelsen já não se acredita mais que o uso de “métodos de interpretação” nos faz alcançar “o verdadeiro” sentido da norma (BAHIA, 2004). De outro lado, não é possível sustentar teorias que supõem valores compartilhados (como a de Alexy, por exemplo), haja vista que confundem o caráter deontológico do direito com a gradação própria dos valores, e ainda supõe a existência de valores que, por serem compartilhados, poderiam ser escalonados.” 17 Assim, ao agir de maneira solipsista, sem atentar para uma correta dinâmica de construção da decisão jurídica através de um adequado procedimento em contraditório 18 o juiz, fatalmente, tenderá a fundamentar o provimento a partir de seus valores pessoais e daquilo que entende ser mais justo, em detrimento de uma racionalidade objetiva. Mas qual o liame entre esse decisionismo e o ativismo judicial? Não seriam fenômenos distintos e completamente dissociados? Poder-se-ia afirmar que uma postura acarreta a outra? Evidentemente que para se afirmar com validade científica que uma postura mais ativista do juiz tenderia a acarretar uma decisão carente de fundamentação racional, ou seja, um decisionismo por parte do julgador seria necessário um estudo empírico, o que transbordaria os limites deste trabalho. Entretanto, é possível conjeturar nesse sentido se se tomar como pressuposto o fato de que tem sido cobrado do juiz uma atuação política mais engajada, principalmente, a partir do momento em que a sociedade não mais deposita confiança nos Poderes Legislativo e Executivo, quer pela omissão do primeiro, quer pela ineficiência do segundo. Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 60 Válido esse pressuposto, não causaria surpresa a constatação de que um juiz acuado por uma maior carga de processos não resolvidos na esfera administrativa, demandado a suprir eventuais lacunas deixadas no ordenamento jurídico pelos demais poderes e pressionado a dar uma resposta jurisdicional mais rápida em nome da efetividade, acabe por construir uma decisão jurídica viciada do ponto de vista procedimental e racional, com o suposto álibi de estar agindo de maneira adequada social e politicamente, ou seja, proativamente. 3 A JUDICIALIZAÇÃO Pelo que foi dito até o momento, é razoável afirmar-se que o ativismo judicial – ou ao menos a sua invocação enquanto postura – proporciona um ambiente favorável a uma atuação mais isolada do juiz que, preocupado em cumprir a sua “missão social” com rapidez e eficiência, esquece-se de que a sua decisão deve ser resultado de um processo em que ele não é o sujeito mais importante, e sim, o responsável pela construção de um ambiente em que todos os atores participem de forma democrática. Viu-se também que o fenômeno da judicialização, ao avolumar os processos perante o Judiciário, contribui para fomentar essa postura de proatividade do juiz, essa ideia de protagonismo do Poder Judiciário, principalmente, no tocante às demandas para a satisfação de direitos sociais frente ao Poder Público. E conforme já mencionado, nas palavras de Barroso, a judicialização e o ativismo judicial seriam primos.19 Pedindo permissão ao indigitado professor, dir-se-ia que melhor do que essa prosopopéia barrosiana é enxergar o parentesco entre judicialização e ativismo como se fora a relação ascendente-descendente, uma vez que o ativismo judicial decorreria, em grande medida, do próprio fenômeno da judicialização. 3.1 ORIGENS DA JUDICIALIZAÇÃO Ao estudar esse fenômeno, aprende-se que o termo “judicialização” é a tradução da palavra judicialization, originária da língua inglesa. Ela é utilizada para designar dois fenômenos Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 61 distintos20, resultantes do crescente protagonismo do Poder Judiciário nas sociedades democráticas.21 O primeiro deles é a expansão do papel do Poder Judiciário como formulador de políticas públicas (apenas políticas, para alguns, já que a ideia de pública estaria implícita), ou como obstáculo à sua implantação,22 em detrimento dos demais poderes estatais. O segundo fenômeno, também chamado de tribunalização 23 indica a disseminação pela Administração e pelo Legislativo de métodos de decisão típicos do Poder Judiciário, como aqueles adotados em comissões parlamentares de inquérito e PROCONS, por exemplo. A partir da primeira acepção – que é aquela que interessa neste trabalho – costuma-se dizer que a judicialização marca um novo padrão de relacionamento entre os poderes, no qual o Poder Judiciário surge como uma alternativa para adjudicação da cidadania.24 Apesar de normalmente ser associado ao momento pós-positivista tão logo vencidos os regimes totalitários, especificamente em meados do Século XX, a origem do fenômeno da judicialização pode ser deslocada para o começo da história independente dos Estados Unidos da América,25 tendo como antecedente a desconfiança dos primeiros legisladores americanos em relação ao governo baseado estritamente na regra majoritária.26 No momento em que a Suprema Corte Americana declarou uma lei inconstitucional pela primeira vez (1803, caso Marbury vs Madson), aquele Tribunal logrou ampliar ainda mais seus poderes e os do restante do Poder Judiciário daquele país, estabelecendo a revisão judicial da constitucionalidade das leis como característica elementar do sistema político americano.27 3.2 A JUDICIALIZAÇÃO NO PÓS-GUERRA (METADE DO SÉC. XX) Foi apenas no final da II Guerra Mundial28 que essa relevância do Poder Judiciário no sistema político ultrapassou a fronteira estadunidense para alcançar os demais países ocidentais.29 30 Com a derrota dos regimes totalitários e diante das atrocidades praticadas na II Guerra Mundial, coloca-se em xeque aquele Estado apenas garantidor dos direitos civis e políticos do cidadão, os denominados direitos de 1ª dimensão ou geração. De fato, a partir do resgate dos direitos humanos como uma nova compreensão do tão vilipendiado jusnaturalismo, os denominados direitos de 2ª dimensão (econômicos, sociais e Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 62 políticos) passam a ser incorporados aos discursos políticos e jurídicos. Esse resgate somente se mostrou possível a partir de um novo paradigma, o da Filosofia do Direito, que “[...] é uma resposta ao processo de crescente positivação do Direito pelo Estado[...]”.31 Destaque-se, ainda, que por estar associado ao fascismo na Itália e ao nazismo na Alemanha – regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade – o positivismo, como paradigma da teoria do direito, começa a ser duramente golpeado. Essa associação das barbáries totalitárias ao positivismo jurídico é, para alguns, injusta, por entenderem que aquelas era fruto de uma visão distorcida desse paradigma. 32 Fato é que com esse enfraquecimento do positivismo jurídico ganhou força uma nova corrente jusfilosófica caracterizada pela intensa carga valorativa do fenômeno jurídico, denominada pós-positivismo33. Esse pós-positivismo costuma ser associado a uma nova dimensão dada ao constitucionalismo, o dito neoconstitucionalismo, que se relaciona às ideias jurídicas, filosóficas e sociológicas de outra concepção de Estado e de Direito, num viés mais humanístico. Nessa visão neoconstitucionalista, não há mais espaço para conceber como apenas programáticas as normas constitucionais que definem direitos prestacionais, até porque “[...] o ‘sistema’ dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrado concebe-se como um complexo normativo de hierarquia superior no conjunto do ‘sistema’ jurídico em geral e do sistema jurídico-constitucional em particular.”34 Frise-se, no entanto, que a expressão neoconstitucionalismo não é imune a críticas, as quais, no entanto, não serão abordadas neste trabalho.35 Essa nova realidade – decorrente do advento do Estado Social Democrático de Direito – implicou no fenômeno da maximização das atividades jurisdicionais, o qual se intensificou, no caso do Brasil, com o advento da Constituição da República Federativa de 1988 que consagrou extenso rol de direitos individuais e sociais. 36 Diante desse novo quadro em que o papel do Estado é ampliado no que tange às políticas voltadas para os direitos fundamentais sociais, é inconteste que tais ações políticas deveriam ocorrer precipuamente no âmbito do Legislativo em termos de justificação, e no campo do discurso de aplicação precipuamente na esfera da Administração. É inegável que o Poder Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 63 Judiciário, se convocado a participar de tais discursos/debates, não poderá furtar-se a fazê-lo, em virtude mesmo do princípio da inafastabilidade da jurisdição. 37 E não poderia se negar a fazê-lo também pelo fato de que, no caso brasileiro, as garantias conferidas à magistratura pela Carta de 1988 visam a, dentre outros objetivos, propiciar ao juiz um ambiente que lhe permita decidir de modo a efetivar os processos de mudança social,38 por meio do preenchimento dos conceitos jurídicos indeterminados contidos na Constituição de 1988,39 com vista a dar-lhes plena efetividade, limitando a atuação do legislador ordinário em relação aos temas constitucionalizados. 40 Contudo, o que era para ser excepcional – a judicialização das políticas e dos pleitos sociais – torna-se algo corriqueiro, como se a transposição para o Judiciário da arena ideal dos discursos de aplicação – e, o que é pior, até mesmo dos de justificação – não ocasionasse uma distorção na conformação democrática do Estado de Direito. Reafirmando o que já fora dito, são vários os fatores que contribuem para esse deslocamento, podendo ser destacado: (i) a elevação da dignidade da pessoa ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito; (ii) a maior percepção por parte do cidadão do rol de seus direitos; (iii) o cipoal decorrente do imobilismo legislativo; (iv) as escusas de ordem econômico-financeira amparadas na “reserva do possível”; (v) a ineficiência da administração pública na implementação das políticas/direitos sociais. E é exatamente esse último fator apontado o que mais interessa neste trabalho: a ineficiência da administração pública na implementação das políticas ou concessão de direitos sociais. Fazendo um recorte ainda mais incisivo, percebe-se que a falta de um processo administrativo adequado nos casos em que o Estado é demandado para a concessão de benefícios prestacionais/sociais é questão que merece ser estudada quando se propõe a tratar da excessiva judicialização e, consequentemente, do ativismo judicial. Mas antes disso, algumas palavras sobre a construção de um processo judicial mais democrático e dialógico. Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 64 4 O PROCESSO JUDICIAL NO CONTEXTO DESSES FENÔMENOS 4.1 A JUDICIALIZAÇÃO LEVANDO O JUIZ AO ATIVISMO E AO DECISIONISMO Consoante exposto na seção anterior, acuado por essa nova realidade e ciente da importância e dimensão das quais se revestem os direitos sociais, o Judiciário procurou fundamentos que justificassem uma atuação mais rápida e eficaz de forma a satisfazer os anseios de uma nova sociedade consciente de seus direitos. É certo que o juiz brasileiro passou a compreender o seu papel como relevante para o preenchimento dos conceitos jurídicos indeterminados contidos na Constituição de 1988, notadamente em relação aos direitos fundamentais sociais, com vista a dar-lhes plena efetividade. Em um primeiro momento, o sucesso dessa empreitada somente reforçou o ponto de vista dos defensores da judicialização, segundo os quais o incremento da busca do Poder Judiciário (e, obviamente, de suas respostas positivas) por direitos sociais “[...] provoca o desenvolvimento do próprio exercício democrático, ao colocar o problema na agenda política [...]”41 E a partir desse novo contexto, muitos passaram a defender um novo protagonismo do denominado “juiz do futuro” brasileiro, como reação à falta de ética na política, ao mau exemplo das cúpulas, ao descompasso com a moral. 42 O juiz, influenciado por esse discurso e talvez premido pela massificação das demandas resultante do próprio “sucesso” inicial dessa intensa judicialização, sente-se provocado “[...] a assumir um papel garantista de direitos fundamentais e implementador de espaços contramajoritários para minorias que não obtinham voz nas arenas políticas institucionalizadas.” 43 Mas, se existe um lado positivo nesse “novo juiz”, o contraponto é a possibilidade de surgimento do problema já mencionado: a tendência de o juiz, com menos tempo para cuidar de cada processo, passar a julgar de acordo com suas convicções pessoais, já que a formulação de um arcabouço de argumentos ditos políticos serve, muitas vezes, como apanágio para a maioria dos casos, dispensando, de maneira indevida, uma fundamentação específica para cada caso concreto. Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 65 Se, inicialmente, esse papel ativo do juiz poderia ser bem quisto na medida em que suprisse, de maneira excepcional, a ausência ou deficiência de um discurso de justificação (legislativo) ou de aplicação por excelência (administração), passou posteriormente a ser questionado em sua protagonização dos discursos. Isso porque, ao protagonizar esse cenário, não raramente – e talvez na maior parte dos casos – o juiz adota um modelo ético consequencialista de processar e julgar o caso a ele submetido. Esse modelo, na mesma vertente do utilitarismo, entende que o importante é o bom, e não o correto. Para esse modelo, “[...] lo correto no sólo está subordinado a lo bueno, sino que en el consecuencialismo ni siquiera se define de manera independiente de lo bueno. Para um utilitarista, lo correto consiste entoces em maximizar la felicidad.”44 E, repise-se, ao adotar esse modelo, é natural que o juiz fique tentado a buscar nos seus valores pessoais o fundamento daquilo que entende ser o melhor, o que encontra eco em boa parte dos juristas brasileiros que agasalham a técnica denominada “processual instrumentalista” ou “constitucional materialista”, juristas esses “[...] atrelados a um axiologismo tributário da jurisprudência de valores alemã – de viés comunitarista – não condizente [...] com o ‘modelo constitucional do processo’, adequado a um pluralismo discursivo-democrático que será defendido.45 4.2 A NECESSIDADE DE UM PROCESSO JUDICIAL VERDADEIRAMENTE DIALÓGICO Essa técnica, a nosso ver, não parece a mais consentânea com a democracia, eis que, de certa maneira, se não alija as partes da construção da decisão, rebaixa-as à condição de coadjuvantes no processo. Melhor seria, a partir de uma racionalidade discursivo-comunicativa46, que o juiz desempenhasse um papel de terceiro observador do conflito, cuidando da observância da coerência das interpretações levantadas pelas partes quanto aos fatos, bem como quanto à norma adequada, tornando a decisão não uma obra sua (do juiz), mas uma construção conjunta de todos os sujeitos do processo.47 Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 66 Importante ressaltar que a ausência de um procedimento mais dialógico nem sempre pode ser debitada apenas ao juiz, pois que também as partes e até mesmo alguns advogados carecem de uma vivência democrática que lhes permita entender o papel a eles destinado na construção da decisão judicial, atribuindo ao magistrado os atributos divinos da onisciência e da onipotência, omitindo-se de sua responsabilidade de partícipes ativos no procedimento. Entretanto, é inegável que a adoção de uma prática mais democrática no âmbito judicial consome um tempo processual maior do que a simples atitude solipsista do juiz, já que nesta o juiz pode simplesmente adotar a solução que lhe parecer mais justa e “acelerar” o julgamento do feito, ainda que em detrimento de um procedimento que preze a interlocução dialógica. Não há dúvida de que os argumentos da celeridade processual, da efetividade da decisão, da padronização de provimentos, são extremamente sedutores em uma sociedade carente em termos de direitos fundamentais sociais, nos quais estão incluídos, por exemplo, os sociais previdenciários. A essa altura, a formulação dos seguintes questionamentos parece adequada: a) O que fazer para “enfraquecer” esses argumentos de maneira a viabilizar o ideal dialógico democrático? b) Se menos demandas sociais chegassem ao Judiciário, não haveria um tempo maior para que o juiz se dedicasse a cada processo, evitando-se, com isso, um ativismo judicial inconseqüente, um decisionismo? c) Será que o cidadão, no âmbito do procedimento administrativo tendo como objeto, v.g. a concessão de direito social, não estaria mais propenso a aceitar a decisão administrativa, ainda que desfavorável, se lhe fosse garantida a efetiva participação na construção dessa decisão? 5 O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO NAS DEMANDAS SOCIAIS E para equacionar esses questionamentos formulados ao fim da seção anterior, uma outra pergunta parece pertinente: Se a racionalidade discursiva dos procedimentos é que garante a Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 67 validade dos resultados obtidos no processo judicial, por que não adotá-la também no âmbito dos procedimentos administrativos voltados para a concessão de direitos sociais? 5.1 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE JURISDIÇÃO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO A adoção do sistema de jurisdição una no Brasil, em decorrência da amplitude do princípio da tutela judicial efetiva enunciado no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”48, sempre foi reconhecida como uma conquista decorrente do Estado de Direito que se consagra em meados do Séc. XIX. Não cabe aqui traçar o histórico da evolução do conceito de jurisdição 49, mas entende-se relevante destacar que a concepção de Estado de Direito como um ordenamento jurídico em que estaria excluída a arbitrariedade estatal, assegurando-se as liberdades individuais, nasce no início do Século XIX, com o trabalho de Robert Von Mohl.50 A partir do desenvolvimento dessa concepção, passa a ser compreendido que esse Estado de Direito não pode ter por base apenas o princípio da legalidade, devendo fundar-se no princípio que, Oswaldo Luiz Palu denomina princípio da constitucionalidade. 51 Nesse diapasão, toma corpo a ideia de que um dos pilares para se consagrar o chamado Estado Direito Constitucional e Democrático é exatamente a previsão do controle jurisdicional da Administração Pública52. Sob essa inspiração, o Estado passa a ser enxergado sob óticas diversas. Na condição de responsável pelo bem estar comum, posiciona-se acima de cada cidadão individualmente considerado, exatamente para que essa supremacia do todo sobre a parte possa ser viabilizada. No entanto, apresentando-se o Estado ou outras entidades estatais em conflito com o particular, a posição estatal passa a ser de igualdade com esse particular. E dentro desse contexto, com a criação de seus tribunais, o Estado sai de si e os cria como instâncias decisórias exclusivamente subordinadas à ordem jurídica e destinadas a resolver conflitos de interesses de acordo com os critérios legais: em cada caso e a pedido de um dos Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 68 contendores, o juiz atualiza a decisão normativa, verificando a ocorrência concreta dos fatos de que depende a pretensão reconhecida pela norma. 53 E é exatamente para garantir a supremacia da lei que também esse Estado, agora como parte em um conflito, deve se submeter à superioridade do mesmo tribunal ao qual se submete o particular, uma vez que, apesar de também integrar o Estado, o órgão do Poder Judiciário está a serviço da lei de maneira imparcial, o mesmo não podendo ser dito do Estadoadministrador. Esse Estado-administrador, apesar de ter por escopo o bem comum, age em função de interesses distintos daqueles que inspiram o Estado-julgador: enquanto aquele age sempre de maneira a realizar os comandos da lei na condição de sujeito de direitos e, por isso, com a possibilidade de se envolver em conflitos de interesses com outrem, o último atua de forma imparcial, sem qualquer interesse próprio que não a realização da justiça, que é, na verdade, um interesse uniforme de toda a sociedade. Por tudo isso, compreende-se a opção da maioria dos ordenamentos jurídicos, entre eles o do Brasil, pelo sistema judicialista, onde prevalece a ideia de incompatibilidade do exercício da função julgadora – com o atributo de definitividade típico da jurisdição - pelas autoridades administrativas. No entanto, como toda verdade, à luz do criticismo kantiano, é relativa, possuindo cada indivíduo um ponto de vista e uma perspectiva, qualquer compreensão acerca de um tema deve ser feita analisando os diversos ângulos e de forma contextualizada. Sob essa perspectiva, conquanto seja certo que ainda hoje o melhor sistema é o judicialista ou de jurisdição una, afastando-se a ideia de uma jurisdição verdadeiramente administrativa, a ampliação do número de conflitos envolvendo particulares versus administração pública e a compreensão de que a atividade administrativa, por também ser uma emanação estatal, há de primar pela imparcialidade, vem causando ruídos importantes que merecem consideração. De fato, é inegável que dentro de uma ótica mais contemporânea, o papel do EstadoAdministrador vem sendo concebido, paulatinamente, como convergente dos interesses Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 69 coletivos, inclusive, no que tange à solução dos conflitos envolvendo os próprios interesses do Estado. E é essa inspiração que moveu o constituinte brasileiro de 1988, a creditar uma maior importância aos processos e procedimentos administrativos, o que pode ser constatado em diversos direitos e garantias fundamentais consagrados no art. 5º da Constituição da República. Na Carta Constitucional de 1988, diversos são os dispositivos que conferem aos processos administrativos as mesmas garantias e características típicas dos processos judiciais, podendo ser destacados os incisos LIV (devido processo legal), LV (contraditório e ampla defesa) e LXXVIII (razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação), todos do artigo 5º. Por outro lado, em nível infraconstitucional, a Lei 9.784/99 agasalhou vários desses princípios constitucionais voltados para o processo administrativo. Consoante observa Ricardo Perlingeiro: Como se percibe, es característica del derecho administrativo brasileño una consticucionalización marcada por princípios que acaban siendo reproducidos em la legislación infraconstitucional. De acuerdo a la Ley nº 9.784/99, se aplican a los procedimientos administrativos, también afectos a la Administración Pública, los princípios de legalidad, finalidad, interés público, moralidad, igualdad, motivación, razoabilidad, proporcionalidad, publicidad, seguridad jurídica y e eficiência, así como los princípios procesales del debido proceso legal, de amplia defensa, contradictión, doble grado, duración razoable, oficiosidad, defensa técnica facultativa, buena fé procesal, proteción de intereses colectivos y diifusos, imparcialidad, informalidad, prohibición de prueba ilícita, razonable duración administrrativo e medidas cautelares.54 É inegável, pois, que o procedimento administrativo no Brasil vem sendo alçado a um patamar bastante superior ao que lhe era reservado até bem pouco tempo, constituindo-se em utilíssima ferramenta para que o administrado possa, ainda na esfera não judicial, apresentar o seu ponto de vista acerca dos interesses em conflito, permitindo que a autoridade administrativa possa emanar sua decisão de forma mais consentânea ao direito, e não apenas com a visão estreita que caracterizava o administrador do passado. Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 70 5.2 POR UM PROCESSO ADMINISTRATIVO DIALÓGICO Se a racionalidade discursiva dos procedimentos é que garante a validade dos resultados obtidos no processo judicial, por que não adotá-la também no âmbito dos processos administrativos voltados para a concessão de direitos sociais previdenciários? Antes de mais nada, fique bem claro que não se está propondo um estratagema para redução de demandas judiciais pura e simplesmente. Como bem alertado por Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre Bahia: Obviamente que uma crítica ao consequencialismo não poderá representar a defesa de supressão da via processual para a obtenção de direitos fundamentais. Qualquer discurso de redução do acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV, CRFB/88) para vedação da litigância (especialmente de interesse público) pode representar a inviabilização da única via hábil para muitos na proteção de seus direitos fundamentais. 55 (grifo nosso) De fato, não é reduzindo demandas “a fórceps” que se corrige o excesso de judicialização no país, principalmente, no que diz respeito à litigância de interesse público. É exatamente por não se anuir com essas estratégias pouco democráticas de redução drástica de processos judiciais (v.g., súmula vinculante, julgamento único de recursos repetitivos, utilização inadequada de um sistema de precedentes, etc) que se propõe uma nova concepção que torne o procedimento administrativo mais democrático e participativo. Ainda que não se compactue com o viés consequencialista ou utilitarista do pragmatismo jurídico propugnado por Richard Posner, não se pode deixar de emprestar-lhe razão quando afirma que boa parte do valor social do direito não está na solução de disputas, mas em evitar seu surgimento mediante o estabelecimento de normas que regem a vida das pessoas.56 Evidentemente que nessa linha de pensamento não se pode conceber o estabelecimento de normas ou de medidas que tornem o processo administrativo mais dialógico e, portanto, mais palatável para o cidadão, mas que, por outro lado, implique no estabelecimento de uma série de exigências substantivas e procedimentais para que o tema seja discutido em juízo, cujo efeito prático poderia ser o de tornar o Poder Judiciário mera instância de confirmação de uma decisão administrativa. 57 Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 71 Claro que o desenvolvimento de uma ideia sobre como melhor aplicar essa lógica dialógica no processo administrativo haverá de ser objeto de um outro trabalho de maior fôlego; contudo, a motivação para essa empreitada passa pela aceitação da premissa de que os resultados de um processo administrativo produzido comunicativamente certamente serão mais satisfatórios do que aqueles resultantes de uma atitude voluntarista do servidor público incumbido de expressar o poder administrativo naquele caso concreto.58 A aceitabilidade racional dos resultados obtidos em conformidade com o processo explica-se pela institucionalização de formas de comunicação interligadas que garantem de modo ideal que todas as questões relevantes, temas e contribuições, sejam tematizados e elaborados em discursos e negociações, na base das melhores informações e argumentos possíveis.59 De fato, a partir da teoria discursiva do direito proposta por Habermas, o Estado passa a exercer um papel crucial na medida em que detém a legitimidade para utilizar o direito como instrumento de mudança social. Nas palavras de Rafael Simioni na obra em que analisa o pensamento de Jürgen Habermas acerca da teoria discursiva do direito: [O] Estado conquista uma função primordial na teoria discursiva do direito. Não porque ele é quem cria o direito, mas porque é nele que podem ser institucionalizados os procedimentos discursivo-democráticos de formação da opinião e da vontade pública, que produzem o poder comunicativo: o único poder que confere legitimidade para o direito. O Estado, portanto, é uma categoria fundamental para os ideais de emancipação social. É nele que a sociedade deve encontrar o espaço público para a realização dos direitos.60 Como se vê, ainda que o Estado possa comparecer como parte interessada – e tecnicamente adversária do demandante - quando dos procedimentos administrativos que visem o atendimento de demandas sociais, é imprescindível que se adote um modelo discursivodemocrático também nessa esfera administrativa, já que não o Poder Judiciário não é o único espaço público adequado para a realização dos direitos sociais. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este trabalho, procurou-se demonstrar que sob a couraça denominada ativismo judicial ou atitude proativa do magistrado, muitas decisões judiciais são adotadas pelos órgãos Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 72 julgadores sem a adequada construção de um diálogo entre as partes e o Estado-juiz, acarretando um déficit de legitimidade por muitos denominados como decisionismo. Ventilou-se a hipótese que a excessiva judicialização, notadamente de demandas sociais, sobrecarregam de tal maneira o Judiciário que um ambiente favorável a essa postura decisionista e solipisista por parte do juiz acaba sendo montado, uma vez que do juiz é cobrada uma postura politicamente engajada e uma rapidez no julgamento em nome da efetividade. Algumas linhas foram traçadas acerca da adoção de um processo judicial mais dialógico como remédio contra esse ativismo judicial inconsequente (decisionismo) e, ato contínuo, foi sugerida a adoção desse mesmo diálogo – com referencial na racionalidade discursiva de Habermas – nos procedimentos administrativos envolvendo demandas sociais. Pressupôs-se que a aceitação por parte do administrado do resultado, ainda que contrário ao seu interesse, de um procedimento administrativo será maior na medida em que o cidadão sinta que participou ativamente da formatação do caso e da construção da decisão, de maneira democrática e constitucionalmente adequada. Com isso, provavelmente menos demandas serão apresentadas ao Judiciário, o qual, por sua vez, com uma carga menor de processos, poderá mais facilmente adotar o paradigma procedimentalista democrático, ouvindo os atores do processo e protegendo, ao cabo, a própria Constituição sem necessidade de recorrer a “ativismos” não legítimos. Evidentemente, estudos mais aprofundados acerca dessa questão serão necessários para confirmar as hipóteses ventiladas, sendo que essa empreitada é a que se objetiva a partir de novas pesquisas em outra oportunidade. NOTAS 1 2 Para os fins deste trabalho, serão utilizados indistintamente os temos “processo administrativo” e “procedimento administrativo” como sinônimos, conquanto se saiba que existe diferença ontológica entre ambos, o que, no entanto, não será relevante para os objetivos aqui traçados. Adiante será apresentando um conceito de neoconstitucionalismo. Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 73 3 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. RDE. Revista de Direito do Estado, v. 13, 2009, p.71-91. 4 Além de diversos artigos e textos avulsos, o mercado editorial jurídico-brasileiro fez publicar no ano de 2010 duas obras de fôlego sobre o tema do ativismo judicial. São elas: a obra de Saul Tourinho Leal, fruto de curso de mestrado sob orientação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, intitulada: “Ativismo ou Altivez?”; e a obra de autoria de Elival Silva Ramos, fruto do concurso o cargo de professor da Universidade de São Paulo, intitulada “Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos”. 5 BRILHANTE, Tércio Aragão.Controle judicial das penalidades disciplinares. 2011. 141 f. Dissertação (Direito) – Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2011. 6 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2004, p.92. 7 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. RDE. Revista de Direito do Estado, v. 13, 2009, p.71-91. 8 BAHIA, Alexandre G.M.F. Fundamentos de Teoria da Constituição: a dinâmica constitucional no Estado democrático de Direito brasileiro. In: FIGUEIREDO, Eduardo H. L et al. (coord.). Constitucionalismo e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 118. 9 BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 40 10 Dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la por sua própria autoridade. 11 O juiz não se exime de julgar alegando lacuna na lei. 12 VILELA, Hugo Otávio Tavares. O ativismo judicial e o jogo dos três poderes. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2912, 22 jun. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19387>. Acesso em: 21 ago. 2013. 13 BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Como os juízes decidem? Proximidades e divergências entre as teorias da decisão de Jürgen Habermas e Niklas Luhmann. Revista Sequência, Santa Catarina, nº 59, dez.2009, p. 61-88 14 15 16 17 A expressão “juiz de piso” tem sido utilizada por alguns tribunais para se referir ao magistrado de 1ª instância, sendo alvo de críticas por parte de associações de magistrados em razão de entende-la pejorativa. Cf. http://www.amma.com.br/artigos~2,748,,,juiz-de-base-que-base RIBEIRO, Ivan César. Robin Hood versus King John: Como os juízes locais decidem casos no Brasil?. Disponível em: <http://www.esaf.fazenda.gov.br/premios/premios-1/premiosrealizados/pasta-premio-ipea-caixa/monografias-premiadas/?searchterm=robin hood>. Acesso em: 3 set. 2013 Para uma boa compreensão da ideia de única “decisão correta”, o estudo da obra do jusfilósofo Ronald Dworkin é imprescindível. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Como os juízes decidem? Proximidades e divergências entre as teorias da decisão de Jürgen Habermas e Niklas Luhmann. Revista Sequência, Santa Catarina, nº 59, dez.2009, p. 61-88 Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 74 18 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p.103 19 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. RDE. Revista de Direito do Estado, v. 13, 2009, p.76. 20 TATE, Chester Neal, VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of judicial power. New York; London: New York University Press, 1995, p.14. 21 GARAPON, Antoine. O Guardador de Promessas: justiça e democracia. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p.176. 22 MORO, Sérgio Fernando. Jurisdição constitucional como democracia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.14. 23 EISENBERG, José. Pragmatismo, Direito reflexivo e judicialização da política. In: VIANNA, Luiz Werneck (org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002, p. 47. 24 VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.22. 25 TATE, Chester Neal, VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of judicial power. New York; London: New York University Press, 1995, p.17. 26 CARVALHO, Ernani. Revisão judicial e judicialização da política no direito ocidental: aspectos relevantes de sua gênese e desenvolvimento. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 28, p. 161-179, Jun. 2007, p.164. 27 KOOPMANS, Tim. Courts and political institutions. A comparative view. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, p.41. 28 TATE, Chester Neal, VALLINDER, Torbjörn. Op.cit., p.19. 29 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.50. 30 KOOPMANS, Tim. Op. cit., p.16. 31 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 6ª reimp., São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.17. 32 33 SOUZA, Marlon. Pós-positivismo, “sujeito perfeito” e a atuação humanística do magistrado à luz da ética da alteridade. I Jornada de ciências sociais/Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Escola de Magistratura Federal da 1ª Região. Brasília: ESMAF, 2012, p.195 SOUZA, Marlon. Pós-positivismo, “sujeito perfeito” e a atuação humanística do magistrado à luz da ética da alteridade. I Jornada de ciências sociais/Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Escola de Magistratura Federal da 1ª Região. Brasília: ESMAF, 2012, p.195 Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 75 34 35 CANOTILHO, J.J.Gomes. Estudo sobre direitos fundamentais. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.177 “Nesse sentido, torna-se necessário afirmar que a adoção do nomen juris ‘neoconstitucionalismo’ certamente é motivo de ambiguidades teóricas e até de mal-entendidos. Reconheço, porém, que, em um primeiro momento, foi de importância estratégica a importação do termo e de algumas das propostas trabalhadas pelos autores da Europa Ibérica. Isto porque o Brasil ingressou tardiamente nesse ‘novo mundo constitucional’, fator que, aliás, é similar à realidade europeia, que, antes da segunda metade do século XX, não conhecia o conceito de constituição normativa já consideravelmente decantada no ambiente constitucional estadunidense.” STRECK, Lênio. Cf. http://www.abdconst.com.br/revista5/Streck.pdf. 36 Acerca do papel de uma Constituição atenta a essa nova ordem democrático, a obra de J.J. Canotilho é de imprescindível consulta. Leciona o professor lusitano: “Em primeiro lugar, em termos jurídicoprogramáticos, uma Constituição dirigente —já explicitei isso várias vezes — representa um projecto histórico pragmático de limitação dos poderes de questionar do legislador, da liberdade de conformação do legislador, de vinculação deste aos fins que integram o programa constitucional.” COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. 2.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.15. 37 Sobre os discursos de aplicação e justificação, ver a obra de Klaus Günther. GUNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação, São Paulo: Landy, 2004. 38 VIANNA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.14 39 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 312. 40 Ibidem, p.362. 41 MELO, Paulo Hibernon Pessoa Gouveia de. A judicialização da política: disfunção ou pluralidade e circularidade de procedimentos do estado democrático de direito? Revista da ESMAPE, Recife, v. 14, n. 39, p. 407-432, Jan/jul. 2009, p.414. 42 NALINI, José Renato Nalini. Filosofia e Ética Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 43 NUNES, Dierle José Coelho. Fundamentos e dilemas para o sistema processual brasileiro: uma abordagem da litigância de interesse público a partir do processualismo Constitucional democrático. In: FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes, MONACO, Gustavo Ferraz de Campos, MAGALHÃES, José Luiz Quadros (coord.). Constitucionalismo e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p.166. 44 SERRANO, Javier Saldaña. Etica judicial: virtudes del juzgador. México, D.F.: Suprema Corte de Justicia de La Nación, 2007, p.14. 45 FERNANDES, Bernardo Gonçalves, PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m) crise. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p.2. 46 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 2v. Sérgio Santos Melo e Maria Gorete Ferreira Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 76 47 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Op. cit., p.25. 48 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 27 ago. 2012. 49 Para isso, consultar trabalho de nossa autoria como requisito para aprovação na disciplina Estado e Administração, no PPGD/Mestrado, da Faculdade de Direito do Sul de Minas, intitulado Jurisdição administrativa no ordenamento jurídico brasileiro: apontamentos sobre a pertinência da adoção da jurisdição administrativa no Brasil, 08 fev.2013. 50 MORAES, Vânila Cardoso André de. Demandas repetitivas decorrentes de ações ou omissões da administração pública: hipóteses de soluções e a necessidade de um direito processual público fundamentado na Constituição. Brasília: CJF/CEJ, 2012, p.43 51 PALU, Oswaldo Luiz apud MORAES, Vânila Cardoso André de.Op. cit., p.43 52 CRETELLA JÚNIOR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993 53 MACHETE, Pedro. Estado de Direito Democrático e Administração Paritária. 1ª ed. Coimbra: Almedina, 2007, p.436/441. 54 ABERASTURY, Pedro y BLANKE, Hermann-Josef (Coord.). Tendências Actuales del Procedimiento Administrativo em Latinoamérica y Europa. Buenos Aires: Eudeba,.2012, p. 317/318 55 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações da politização do judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas de padronização decisória. 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Judicialização, ativismo e decisionismo judicial: a possível contribuição da adoção de um procedimento administrativo verdadeiramente dialógico nas demandas por direitos sociais Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 36, p. 53 - 80, maio/ago. 2014 77 REFERÊNCIAS ABERASTURY, Pedro y BLANKE, Hermann-Josef (Coord.). Tendências Actuales del Procedimiento Administrativo em Latinoamérica y Europa. Buenos Aires: Eudeba. 2012. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Fundamentos de Teoria da Constituição: a dinâmica constitucional no Estado democrático de Direito brasileiro. In: FIGUEIREDO, Eduardo H. L et al. (coord.). Constitucionalismo e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Como os juízes decidem? Proximidades e divergências entre as teorias da decisão de Jürgen Habermas e Niklas Luhmann. Revista Sequência, Santa Catarina, nº 59, dez.2009. BARROSO, Luís Roberto. 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