SPMFR
EDITORIAL
COVID-19 e Publicação Científica
COVID-19 and Scientific Publishing
Helena Donato(1)
A COVID-19 e o SARS-CoV-2 já não precisam de
introdução, os sistemas de saúde em todo o mundo
enfrentam o maior desafio de saúde pública e a rápida
disseminação do conhecimento científico tem sido de suma
importância para enfrentar esta pandemia. Logo no início
da pandemia ficou claro que as estruturas tradicionais de
avaliação e publicação científica tinham atingindo o limite,
agravando os problemas estruturais existentes.
Foi preciso conceber estratégias de comunicação eficazes
para fornecer informação credível, não só para combater a
disseminação de desinformação, mas também e
principalmente para orientar as políticas de saúde pública
e desenvolvimento de terapêuticas e de vacinas.1
Perante esta crise sanitária sem precedentes, a necessidade
da rápida disseminação do conhecimento científico exigiu
que se encontrassem formas de transmitir a informação
científica rapidamente e que esta fosse simultaneamente
precisa e fidedigna. Por isso podemos afirmar que a COVID19 está a remodelar a forma como se publica.
Tradicionalmente, as revistas científicas são o principal meio
de comunicação científica e, com a contribuição dos
autores, revisores, editores e equipas editoriais, abraçaram
amplamente o seu papel na pandemia. Fizeram um esforço
notável. O que antes levava muitos meses a ocorrer, foi em
muitos casos reduzido a semanas ou mesmo dias. A maior
redução deveu-se à aceleração do peer review. No entanto,
as revistas reconhecem que esta revisão e publicação ultra-
rápidas podem envolver risco de erro embora não partilhar
informação importante pode ser um risco maior, por isso
têm tentado manter um equilíbrio entre a rapidez e a
qualidade do peer review. 2
É um facto que as revistas científicas estão a fazer o seu
melhor para avaliar e publicar as investigações em tempo
recorde. Mas um outro factor está por trás do vertiginoso
ritmo de disponibilização de informação científica, a vontade
dos investigadores em partilharem os seus manuscritos
rapidamente nas plataformas preprints, tornando-os
imediatamente acessíveis ao público. A necessidade
urgente de respostas rápidas para a pandemia COVID-19
levou os investigadores a favorecer esta forma diferente de
publicação.
Sem dúvida que o surto incentivou os preprints, mas os
servidores de preprints não são uma inovação resultante da
pandemia. Já existiam e eram comuns nas áreas da física e
matemática (arXiv.org, lançado em 1991). Esta abordagem
de disseminação da investigação chegou às ciências
biomédicas através do bioRxiv em 2013 e do medRxiv,
lançado em 2019 pela BMJ Publishing Group, Cold Springer
Harbor e Universidade de Yale.3,4
A maioria das editoras biomédicas convencionais
inicialmente via os preprints como “publicação prévia” que
impediria a aceitação subsequente em revistas com peer
review. Essa objecção está desaparecer devido ao valor que
os preprints têm na difusão da informação.
(1) Serviço de Documentação e Informação Científica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
Autor correspondente: Helena Donato. email: helenadonato@chuc.min-saude.pt, https://orcid.org/0000-0002-1905-1268. Serviço de Documentação e Informação Científica,
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal, Praceta Mota Pinto, Coimbra, 3000-075 Coimbra
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I EDITORIAL
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A evidência mostra que até as revistas de prestígio, como
as editadas pela BMJ, permitem agora a partilha de dados
de investigação importantes antes da revisão por pares,
pelo que o uso das plataformas de preprints não põe em
risco uma futura publicação em revistas de topo com peer
review. Pelo contrário, as políticas editoriais de revistas
como The BMJ e NEJM até apoiam esta prática, desde que
o texto do preprint inclua posteriormente uma referência à
versão publicada do artigo, como preconizam as
recomendações do International Committee of Medical
Journal Editors (ICMJE).
Mas o que são os preprints? São manuscritos completos,
mas que ainda não foram publicados numa revista. Assim,
ainda não foram sujeitos a peer review e edição, ficando por
isso, disponíveis sem atrasos de publicação e em acesso
aberto. Enquanto a publicação tradicional pode levar muitos
meses, a publicação de um preprint é uma forma
instantânea de compartilhar a investigação e reivindicar
novas ideias. Contudo, são submetidos a uma breve
avaliação editorial. Os preprints são disponibilizados ao
público sem peer review, mas não evitam uma triagem e
avaliação.5
Os servidores de preprints estão a aprimorar os seus
procedimentos de triagem. O bioRxiv e o medRxiv têm um
processo de verificação em 2 etapas. Na primeira etapa os
documentos são examinados pela equipa interna para
verificar se há plágio ou informação em falta, e na segunda
etapa, os documentos são examinados por especialistas
que analisam o conteúdo não científico, risco para a saúde
e biossegurança (em 48 horas a bioRxiv, e em 4/5 dias o
medRxiv). No medRxiv os manuscritos são mais
escrutinados. A revisão dos preprints é depois transferida
para a comunidade.
Ao disponibilizarem os preprints, os autores estão também
a ajudar a promover o acesso aberto e transparente à
investigação e a reduzir o desperdício na investigação
devido a esforços duplicados. Usados de forma
responsável, os preprints têm o potencial de acelerar e
melhorar a investigação, inspirando colaborações,
partilhando falhas ou resultados negativos que talvez nunca
fossem publicados nos canais tradicionais.6
Os 3 principais benefícios da disponibilização dos
resultados da investigação nos servidores de preprints são:
- Crédito: os preprints recebem um DOI (um identificador
digital permanente) que permite serem referenciados e
citados
- Feedback: os preprints vão ser escrutinados pelo público,
pois a revisão é transferida para a comunidade, e os
trabalhos podem ser melhorados pelos comentários feitos
por um grupo muito mais amplo
- Visibilidade: os preprints permitem agilizar a divulgação
de resultados de investigação que são disponibilizados
meses antes de serem publicados em revistas científicas
com peer review.
Embora a revisão por pares seja crucial para a validação da
ciência, este surto mostrou a velocidade com que os
preprints podem disseminar informações durante
emergências. Na última década, tem-se debatido sobre a
eficácia da revisão por pares, que introduz um atraso
considerável na disponibilização pública dos resultados da
investigação. Portanto, parece que o palco está montado
para a entrada de um novo actor - o servidor de preprints.4
Mas é também crucial que as revistas optimizem o processo
de revisão por pares de alta qualidade.
Depois da COVID-19 certamente que continuará a ser
exigido às revistas melhorias de eficiência para que
disponibilizem mais rapidamente nova informação,
acelerando o processo de publicação, que tem 2 fases: a
fase de revisão (ou seja a fase entre a submissão dos
trabalhos e a aceitação formal após o processo de peer
review) e a fase editorial (ou seja, a fase entre a aceitação e
a publicação final, online ou impressa). A pandemia da
COVID-19 intensificou a importância de modernizar os
processos científicos de publicação e de peer review.
A crise também inspirou experiências de revisão que podem
persistir. Algumas revistas e editores, incluindo PLOS, eLife
e a UK Royal Society, lançaram uma iniciativa para criar uma
pool de investigadores que estão dispostos a rever
rapidamente os documentos sobre a COVID-19, bem como
a partilhar as revisões entre as revistas. Um esforço
chamado Review Commons, lançado no início de Dezembro
de 2019, permite que os cientistas obtenham a revisão dos
seus manuscritos antes mesmo de serem publicados como
preprints. O manuscrito e suas revisões aparecem juntos no
bioRxiv e podem ser submetidos a uma revista participante.
Esforços como estes mostram que é possível fazer um peer
review exaustivo fora do circuito das revistas científicas – o
que nos levará a reflectir sobre o futuro da publicação
científica. Novas soluções são necessárias para garantir
uma discussão bidirecional oportuna entre editores,
revisores e autores.
Embora o sistema existente de revisão por pares tenha as
suas falhas, modificar o sistema actual parece ser mais
adequado do que aboli-lo completamente.
Algumas mudanças na publicação provavelmente vieram
para ficar. As comunidades científicas que adoptam os
preprints não deixarão de o fazer no futuro.
A pandemia alterará permanentemente a publicação
científica?
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COVID-19 e Publicação Científica
Conflitos de Interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse. Suporte Financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsidio o bolsa ou bolsa. Proveniência
e Revisão por Pares: Comissionado; sem revisão externa por pares.
Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financial Support: This work has not received any contribution grant or scholarship. Provenance and Peer Review:
Commissioned; without externally peer reviewed.
Referências / References
1. Horbach SP. Pandemic Publishing: Medical journals drastically speed up
their publication process for Covid-19. bioRxiv 2020.04.18.045963; doi:
10.1101/2020.04.18.045963 [accessed 8 May 2020]. Available from:
ttps://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.04.18.045963v1.full
2. Kupferschmidt K. A completely new culture of doing research. Coronavirus
outbreak changes how scientists communicate. ScienceMag.org [1 May
2020]. Available from: https://www.sciencemag.org/news/2020/02/
completely-new-culture-doing-research-coronavirus-outbreak-changeshow-scientists
3. Rawlinson C, Bloom T. New preprint server for medical research. BMJ. 2019;
365:l2301. doi:10.1136/bmj.l2301.
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4. Smyth AR, Rawlinson C, Jenkins G. Preprint servers: a 'rush to publish' or
'just in time delivery' for science? Thorax. 2020 (in press).
doi:10.1136/thoraxjnl-2020-214937
5. Khera R. Sharing science at today’s pace: an experience with preprints. [8
May 2020]. Available from: https://blogs.bmj.com/bmj/2018/07/11/sharingscience-at-todays-pace-an-experience-with-preprints/
6. Majumder MS, Mandl KD. Early in the epidemic: impact of preprints on
global discourse about COVID-19 transmissibility. Lancet Glob Health.
2020;8:e627-e630. doi: 10.1016/S2214-109X(20)30113-3.