Afroperspectivismo

Esta tese apresenta os resultados finais de nossa pesquisa no/com/para o Sarau Divergente, evento mensal que teve sua primeira edição em dezembro de 2013 sob o título de Sarau da APAfunk. Tendo o funk carioca como mote principal para a sua existência este evento congrega pessoas na sua maioria negros e negras moradores de periferias e favelas da cidade do Rio de Janeiro. Seu repertório é composto por canções e poesias que abrangem um universo amplo, porém conectados a uma ideia de africanidade, priorizando gêneros musicas reconhecidos como afrodiaspóricos, e a temática das letras e poesias estão sempre conectados a discursos de resistência, luta anti-racista e contra o genocídio do povo negro, valorizando conhecimentos e saberes africanos e afro-brasileiros. A metodologia desenvolvida em nossa pesquisa foi a da pesquisa-ação participativa, realizando o processo etnográfico coletivamente pelo Grupo de Pesquisa em Etnomusicologia Dona Ivone Lara (GPEDIL), criado para este fim em janeiro de 2016. Desde então o GPEDIL vem realizando reuniões semanais nas quais debatemos e lemos textos, materiais audiovisuais, músicas relacionados àquilo que observamos a partir dos registros que fazemos em nossas idas a campo no Sarau Divergente, e também produzimos coletivamente perspectivas metodológicas, análises e interpretações que norteiam nossas produções acadêmicas. O GPEDIL é composto pelos autores desta tese efetivamente escrita a várias mãos e a partir de diversos pontos de vista, sendo eles Matheus Ferreira, Lucas Assis, Raphaela Yves, Jhenifer Raul e Pedro Mendonça. A partir de breve revisão de literatura apresentaremos tendências recentes da área de etnomusicologia que pretendem repensar questões epistemológicas, metodológicas e políticas que possibilitem amplificar as “vozes” de populações historicamente oprimidas, como é o caso de nosso próprio grupo de maioria negra e periférica. Pautado principalmente no trabalho do grupo Musicultura e Samuel Araújo, nossa tese dialoga com conceitos como violência, conflito e práxis sonora. Para que o leitor possa compreender bem esta metodologia não tão comum em um trabalho de pós-graduação em música, realizamos uma meta-etnografia, na qual cada membro do grupo pode discorrer sobre o processo de dois anos e meio de pesquisa a partir de sua perspectiva, entendo o lugar de cada um, as opressões as quais estamos sujeitos e também os privilégios dentro do próprio grupo. Propomos também a partir do pensamento filosófico afroperspectivista, uma luta contra o epistemicídio que sofre o povo negro, buscando afrocentrar nossas análises do Sarau, encontrando na figura do orixá Exú, e da função da Ialodê, cruzamentos que nos auxiliaram na compreensão da música enquanto elemento central do evento, possibilitando uma troca entre os presentes que funciona enquanto relação de cuidado, de fortalecimento e de cura, a partir da exposição em forma de canções e poesias “pesadas” e “doloridas” das consequências do racismo e do machismo na rotina daqueles corpos presentes na roda. Abdicamos de qualquer discurso de neutralidade, afirmando a partir da práxis acadêmica um construção que possa promover transformação social sendo também útil à comunidade estudada – o Sarau Divergente.

O presente artigo analisa a construção das categorias jurídicas, de Sujeitos e de Humanidades na Améfrica Ladina de Lélia González para compreender o projeto de silenciamento e gerenciamento das identidades dentro do nosso regime colonial cis-heteropatriarcal racializado do Direito no Brasil. Através de um arcabouço interdisciplinar, e pelas lentes de Intelectuais Negros Contemporâneos, adota-se a categoria político-cultural de Amefricanidade como um dos marcos teóricos para pensar uma outra noção de direitos humanos em pretuguês. Partindo de uma afroperspectiva, buscamos entender como são construídos os Direitos Sexuais para a comunidade LGBTI+ e a sua positivação. A percepção do caráter racial, de gênero, sexualidade e classe das categorias jurídicas revelam o projeto político de gerenciamento das identidades por meio do controle dos corpos utilizando leis e normas para criar a realidade a partir de uma escala de humanidade nomeada pelo Estado-nação criado por um modelo de Sujeito que é a norma. Os Silêncios Planejados pelos grupos dominantes, sob a égide do pacto narcísico da branquitude, conferem legitimidade ao Direito; universalização ao discurso dos direitos humanos; a desumanização da comunidade LGBTI+ que segue desprotegida pelo Estado Democrático de Direito. Conclui-se que a produção de políticas públicas para reconhecimento e promoção dos Direitos Sexuais deste grupo não se concretizam devido ao projeto de eliminação das diferenças que se contrapõe à norma de humanidade, embora se faça necessária para acesso a outros direitos fundamentais.