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Amiúde relacionados à geração de poetas boêmios alcunhada “cancioneiro alegre” da época romântica (FRANCHETTI, 1987), Bernardo Guimarães (1825-1884) e Luiz Gama (1830-1882) dispõem, entre si, afinidades poéticas que se manifestam,... more
Amiúde relacionados à geração de poetas boêmios alcunhada “cancioneiro alegre” da época romântica (FRANCHETTI, 1987), Bernardo Guimarães (1825-1884) e Luiz Gama (1830-1882) dispõem, entre si, afinidades poéticas que se manifestam, conforme propomos no presente artigo, não somente nos arranjos formais e temáticos de sua sátira, mas no sentido que ambos conferem à prática poética moderna e seu papel em meio à proeminência estético-cultural do Romantismo no século XIX. Mediante análise do legado devido à sátira latina e gregoriana (HANSEN; MOREIRA, 2013) nos versos de Poesias (1865) e Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859), reconhecemos nestas obras os sintomas da visão de mundo romântica, orientada por projeções nostálgico-utópicas, expressas tanto em desencanto melancólico, como em revolta e insubordinação perante as rupturas causadas pelo racionalismo e pelo progresso capitalista (LÖWY; SAYRE, 2015). O manuseio do humor permite aos poetas lamentar a condição impossível da Musa em semelhante contexto, mesmo enquanto troçam a ira desta deidade para com os vates, cuja artificialidade fundamenta novas relações entre a arte e vida, e divertem-se às custas de sua própria Weltanschauung romântica.
A expressão do amor nos versos de Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974) de Hilda Hilst (1930-2004) atua como um aceno reverente à diferentes tradições poéticas, cujos delineamentos e amálgamas compreendem um legado filosófico do... more
A expressão do amor nos versos de Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974) de Hilda Hilst (1930-2004) atua como um aceno reverente à diferentes tradições poéticas, cujos delineamentos e amálgamas compreendem um legado filosófico do sentimento amoroso passível de ser mapeado, conforme propomos, sob três aspectos: a) o desatino do amor, tido por enfermidade cujas tensões e contrassensos reverberam na forma, no metro e nas imagens poéticas; b) a solidão do sujeito lírico amante, herança da jornada platônica rumo ao Amor ideal, e duradoura nas deliberações sobre a condição de existência do ser amado – mediante pesquisas de Giorgio Agamben (2007) e Octavio Paz (1994); e finalmente, c) o esforço de harmonização realizado por Hilst, na última sessão da obra, entre o isolamento lírico e a consciência do “outro”. Nesse espaço derradeiro, desfaz-se o veredito ancestral sobre o desvario da solidão como necessidade do poeta que ama, no qual a devoção ao “amar-em-si” do cantar lírico prescinde o amado como ente, e testemunhamos a aventura solitária da poeta entreabrir-se ao outro e sua historicidade.
Fundamentado na vida e obra do advogado, jornalista e poeta Luiz Gama (1830-1882), homem negro, escravizado na juventude, que transitou espaços institucionais do Brasil Imperial, e nas origens do lundu como amálgama de concepções... more
Fundamentado na vida e obra do advogado, jornalista e poeta Luiz Gama (1830-1882), homem negro, escravizado na juventude, que transitou espaços institucionais do Brasil Imperial, e nas origens do lundu como amálgama de concepções estéticas europeias e afro-brasileiras, o presente artigo explora a composição temática, formal e ideológica de “Uma orquestra”, poema-canção integrante do volume Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859). Trata-se de uma composição conciliadora do duplo entrelugar (SANTIAGO, 2000) habitado tanto por seu autor, quanto pelo seu gênero musical-literário, dos quais expressa o temperamento engajado nos embates, contradições, resistências e assimilações historicamente presentes na arte e na sociedade brasileira. Por intermédio de pesquisas históricas sobre a elaboração e a performance do lundu, de José Ramos Tinhorão (2013) e Edilson Vicente de Lima (2010), e o conceito de sujeito lírico abrangente, que excede o texto literário, de Dominique Combe (2010), “Uma orquestra” afigura-se uma manifestação do alcance e do valor do lundu – em sua versão desprezada e compelida à marginalidade no século XIX – e que encontrou em Luiz Gama o vate que não apenas o registrou literariamente, mas o reputou relevante e belo em sua suposta imperfeição, afirmando-o como componente idealizado de um engajamento romântico.
A elaboração narrativa de histórias da literatura, diferentemente da prosa literária em si, não foi profundamente remodelada pelas rupturas subversivas e experimentais das vanguardas do século XX. Com algumas ressalvas, as formas de se... more
A elaboração narrativa de histórias da literatura, diferentemente da prosa literária em si, não foi profundamente remodelada pelas rupturas subversivas e experimentais das vanguardas do século XX. Com algumas ressalvas, as formas de se contar histórias da literatura mantiveram-se uniformemente lineares, coesas e conservadoras, reféns da claridade exigida por seus propósitos pedagógicos. A partir da indagação de David Perkins (1999) sobre a possibilidade de enredos de história literária mais intrincados, este artigo explora a obra Uma história da poesia brasileira (2007) do poeta e ensaísta Alexei Bueno (1963-). Exemplar do século XXI, o livro de Bueno, devido a seu afastamento dos – e aberta antipatia pelos – círculos acadêmicos, afeta um potencial renovador no arranjo formal e conceitual de sua narrativa, permitindo-se elipses na narração e insubordinação à cronologia, sob o enfoque impressionista de um narrador iconoclasta; em contrapartida, a obra está sujeita a abordagens convencionais nas demandas de hierarquização canônica e na disposição dos períodos literários. Não obstante, mesmo em sua insubordinação apenas relativa às normas e formas da História da Literatura como disciplina, o texto de Alexei Bueno é emblemático das atribulações que envolvem o arranjo narrativo da historiografia literária em geral, bem como os limites epistêmicos de sua estética e os interesses ideológicos que a permeiam.
Em obras literárias de caráter particular a um contexto histórico, como as três novelas abolicionistas que compõem As vítimas-algozes (1869), de Joaquim Manuel de Macedo, o leitor moderno é submetido a um texto cujo horizonte moral... more
Em obras literárias de caráter particular a um contexto histórico, como as três novelas abolicionistas que compõem As vítimas-algozes (1869), de Joaquim Manuel de Macedo, o leitor moderno é submetido a um texto cujo horizonte moral evidencia o racismo como doutrina hegemônica do Brasil Imperial. O contato franco com um texto legitimador desses valores evoca reações emocionais cujas origens o presente trabalho contempla sob dois enfoques: a) o âmbito interior da recepção, no domínio cognitivo do leitor individual, através dos conceitos de “vazio” e “romance de tese” na estética da recepção de Wolfgang Iser (1979), e de impacto da leitura conforme Vincent Jouve (2002); e b) os retratos da mentalidade leitora do século XIX, segundo Regina Zilbermann e Marisa Lajolo (1999). O parecer crítico sugere a adequação do ato de leitura contemporâneo, sob a compreensão do intenso racismo ostentado nas páginas das novelas em questão, em descartar ressalvas relacionadas ao período histórico e seus “padrões culturais”. Essa intromissão emocional da revolta indignada nega ao leitor a indiferença, suspende a discriminação entre o lido e o vivido, e propicia a atuação da ficção literária em dimensões sociais.
Este trabalho tem por objetivo investigar a origem do estranhamento provocado pela leitura de Eu, Tituba, feiticeira... Negra de Salem (1986), de Maryse Condé. Ambientada no século XVII, o livro trata de Tituba, negra natural da ilha de... more
Este trabalho tem por objetivo investigar a origem do estranhamento provocado pela leitura de Eu, Tituba, feiticeira... Negra de Salem (1986), de Maryse Condé. Ambientada no século XVII, o livro trata de Tituba, negra natural da ilha de Barbados e escravizada na América do Norte. Conforme as teorias Leonor Arfuch (2010), Ingedore Koch (2012) e Ritchie Robertson (2009), a análise revela que Eu, Tituba... é, estilisticamente, uma espécie de mock-epic pós-moderno, projetada com o intuito consciente de desafiar os códigos de expectativa do receptor. Uma performance poética que celebra a cultura e a espiritualidade caribenhas, com fortes elementos de fantasia, interpelando temas como racismo, misoginia, a opressão das estruturas coloniais e o apagamento do negro da história.
Ciclos míticos podem modificar uma linguagem – costumes, imaginário – para além do reconhecimento, alterando profundamente as relações de uma população com a sua terra. Relações estas que transitam entre tradição e progresso, manutenção e... more
Ciclos míticos podem modificar uma linguagem – costumes, imaginário – para além do reconhecimento, alterando profundamente as relações de uma população com a sua terra. Relações estas que transitam entre tradição e progresso, manutenção e destruição, quebra e continuidade, e que permeiam a narrativa de Assim na terra, romance de Luiz Sérgio Metz. O espaço do Rio Grande do Sul, seus edifícios e seus personagens, além de seu processo histórico, encontra na literatura e em seu repertório de mitos, símbolos e tradições, um novo vigor que ilustra o consolo dos eufemismos frente ao esquecimento e a morte. Entre a afetividade poética dos espaços de Gaston Bachelard (1975) e as harmonias e redundâncias da imaginação simbólica de Gilbert Durand (1982;1988;1996), testemunhamos na obra de Metz uma jornada rumo à afirmação da saudade, intuição afetiva que dá sentido ao olvido e aos ciclos míticos da qual deriva.
Esta obra reúne artigos de autoria de pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre a interpretação crítica da canção popular em suas diversas formas. Gêneros musicais como o samba, o rock, o congo e o rap ditam o “tom” das reflexões,... more
Esta obra reúne artigos de autoria de pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre a interpretação crítica da canção popular em suas diversas formas. Gêneros musicais como o samba, o rock, o congo e o rap ditam o “tom” das reflexões, provocadoras da historiografia tradicional à medida que se prestam a compreender o sentido e o papel exercido pela arte cancioneira em diversos contextos. Os debates aqui presentes transitam, basicamente, entre quatro eixos-temáticos: “Ancestralidade e tradição na canção brasileira”, “Poesia e canção: performance e tradução intersemiótica”, “Canção e identidade, juventude e cenas urbanas” e “A canção como espaço autobiográfico”.
A presente dissertação oferece um exame crítico de Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859), único livro de poemas de Luiz Gama (1830-1882). Obra que, relegada a apêndices e notas de rodapé nos volumes de história da literatura,... more
A presente dissertação oferece um exame crítico de Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859), único livro de poemas de Luiz Gama (1830-1882). Obra que, relegada a apêndices e notas de rodapé nos volumes de história da literatura, constitui o testemunho literário de um poeta negro que viveu a escravidão no Brasil Imperial. Sua leitura demonstra, através da analogia com Perseu (CALVINO, 2016), o herói mítico que combateu a Medusa, a qualidade dual da poética de Luiz Gama. Suas duas “armas”, a sátira e a lírica, traduzem duas estratégias de engajamento com a realidade que o cerca: a sátira revoltada e zombeteira agride a realidade, dedicada a expor suas chagas – é a espada de Perseu; enquanto a lírica, encantadora e melancólica, exprime uma contemplação utópica da sociedade, refletindo-a distorcida – é o escudo espelhado de Perseu. Essa realidade, naturalmente, é Medusa, cujo olhar tem poder de petrificar os que vivem sob seu domínio. A espada e o escudo espelhado de Perseu-Gama representam, ademais, seu vínculo com o Romantismo, definido como expressão de revolta e melancolia (LÖWY; SAYRE, 2016) perante o mundo moderno, e compõem o impulso estético que guia seu engajamento literário (SARTRE, 2015). Diante de um mundo petrificado, Luiz Gama faz da poesia uma tarefa existencial, capaz de tornar leve o peso do viver.