A procura
De Lyn Stone
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Sobre este e-book
Lyn Stone
Lyn Stone estudou Artes e trabalhou na Europa enquanto visitava os lugares que agora escreve sobre em seus livros históricos. Foi durante seu trabalho como ilustradora que ela começou a escrever seus romances.
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A procura - Lyn Stone
Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
© 2001 Lynda Stone. Todos os direitos reservados.
A PROCURA, Nº 70 - Setembro 2013
Título original: The Quest
Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.
Publicado em português em 2004
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.
® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.
I.S.B.N.: 978-84-687-3409-5
Editor responsável: Luis Pugni
Conversão ebook: MT Color & Diseño
Um
Costa ocidental da Escócia, 1340.
Ao desembarcar, Henri Gillet pensou que a sua chegada à beira-mar não apaziguava em nada a amargura da sua primeira derrota. Arrastou as suas longas pernas pela água, que lhe chegava até às coxas, e gritou por cima do ombro:
– Paga a esse homem, Ev.
O escudeiro atirou uma pequena bolsa de moedas ao pescador e avançou pela água gelada até onde o esperava Henri, na orla coberta de rochas.
– Onde estamos, senhor? – perguntou, a tremer de frio.
Embora se esforçasse para que a sua voz soasse tranquila, Henri sabia que certamente o rapaz temia o que os aguardava. E para dizer verdade, a ele acontecia-lhe o mesmo, embora não pelas mesmas razões.
Necessitava de chegar a um lugar seguro para que o rapaz pudesse ter possibilidades de sobreviver. E no momento não estava certo de o conseguir. Colocava com tranquilidade um pé à frente do outro e procurava combater a dor. Depois de tudo, a ferida aberta exactamente abaixo das costelas doía menos que a ferida do coração. Tinha perdido tudo.
Se morresse, teria que dar contas a Deus. E se vivesse, a seu pai. Para ele não havia muitas diferenças. Não porque esperasse dureza em nenhum dos casos, já que ambos o tinham tratado com benevolência até ao momento e voltariam a fazê-lo. E isso seria muito pior que qualquer castigo que pudesse infligir-se. A derrota era, na verdade, um amargor desagradável.
Ele não a tinha causado. Pelo contrário, tinha feito todo o possível para a impedir. E no entanto, sentia-se de algum modo responsável por perder o que lhe tinham confiado. As vidas dos que o tinham seguido quando os chamaram à guerra. Tinham-se afogado todos excepto o jovem Everand.
– Conheço este terreno, não estamos perdidos – tranquilizou o escudeiro. Sentiu uma ponta de culpa por ter arrastado aquele jovem para tão longe do seu lar, em Sarcelles, para lutar contra os ingleses. E tinha estado quase a acabar numa sepultura marinha quando o seu barco se afundou perto da costa de Portsmouth. O rapaz de catorze anos alargava o passo para não ficar para trás e mostrava-se ainda tão desejoso de servir o seu amo como um cãozinho. Henri moveu a cabeça perante o entusiasmo da juventude.
– Deveria descansar, milorde. A vossa ferida preocupa-me – o escudeiro não disse que Henri tinha começado a cambalear e dava mostras de fraqueza. E este pensou que Everand Mercier era a personificação da compaixão e da lealdade. Por isso tinha escolhido o rapaz, o filho mais jovem de um falecido mercador de roupa, para o servir. Sabia que um dia seria um bom cavaleiro, apesar da sua estatura.
– Penso que há uma aldeia não muito longe, costa acima – disse. – Pararemos lá e enviaremos recado à minha família.
– Restam-nos poucas moedas para pagar a alguém que faça isso, milorde – informou Everand. – Não teria que cruzar quase toda a Escócia?
Henri deteve-se e tirou a corrente de prata que levava em torno do pescoço. Tirou também o anel que levava no dedo e entregou ambas as jóias ao escudeiro.
– Se a morte se apoderar de mim, usa a corrente para pagar a alguém que nos leve de carro até ao castelo Baincroft, em Midlothian. O barão de lá, lorde Robert MacBain, avisará o meu pai e ocupar-se-á do teu futuro.
Everand não discutiu nem se incomodou em argumentar que era impossível que morresse; sabia que podia acontecer. Limitou-se a assentir com a cabeça.
– E o anel, milorde? – perguntou.
Henri sorriu e colocou uma mão no ombro do rapaz.
– O anel é para ti. Dirás a lorde Robert e a meu pai que és meu filho.
Everand corou e riu com incredulidade.
– Eu, milorde? Olhe bem para mim! Sou tão ruivo como vós sois moreno. Além disso, jamais acreditariam que tivésseis tido alguém assim, mesmo que fôsseis mais velho. E não o sois – acrescentou com secura. – Duvido que sejais... suficientemente velho.
– Suficientemente velho? – riu Henri, que sentia a cabeça leve como ar. Ev conseguia arrancar-lhe sempre uma gargalhada, mesmo na hora mais inoportuna.
Embora soubesse que a noite ainda estava longe, a paisagem parecia escurecer e tremer contra o horizonte. Henri deixou-se cair de joelhos e sentou-se nos calcanhares.
– Di-lo de qualquer forma. Lorde MacBain aceitará. És um irmão para mim, embora não partilhemos vínculos de sangue.
– Mas, senhor, não posso enganar a vossa família e fazer-lhes pensar que sou vosso bastardo – argumentou Ev.
– Claro que não. Jamais penses que eu te pediria que renegasses a tua legitimidade, Ev, nem o bom homem que te criou. Mas é minha intenção adoptar-te aqui e agora, se tu não tiveres nada que objectar. Embora nunca possas ser herdeiro do meu título, herdarás uma parte da minha riqueza pessoal. Tu merece-la, por tudo o que fizeste por mim.
– Nesse caso, obrigado, senhor. Sois muito generoso.
Henri respirou com força.
– Temo que tenhas razão numa coisa, Ev. Acho que se impõe um descanso – tocou nas costas e sentiu a humidade pegajosa. Pensou que, depois de dias assim, devia estar já quase sem sangue.
Deu aquilo que temia que pudesse ser a sua última ordem:
– Vai procurar na aldeia e consegue um carro, Ev. Eu vou esperar aqui.
Tombou sobre o lado bom e observou Everand a correr costa cima em busca de ajuda. Quando o rapaz se converteu num ponto distante, Henri cochichou uma prece, fechou os olhos e deu as boas-vindas ao sono. Pelo tempo que durasse.
– Desaparece daqui e deixa-me em paz!
Apesar da curiosidade que sentia pelo rapaz que levava meia hora a atormentá-la, Iana não estava disposta a ter com ele uma missão de misericórdia. Estivera todo o dia a preparar-se para deixar Whitethistle e não tinha tempo para aquilo.
Colocou a faixa onde dormia a menina numa posição mais cómoda nas costas, baixou o balde até ao fundo do poço e esperou que enchesse. Se lavasse a roupa nesse momento, secaria antes que caísse a noite e poderia sair da aldeia antes de amanhecer.
A compaixão pelo rapaz fê-la falar enquanto tirava o balde de água:
– Acho que há uma curandeira a uma légua a norte daqui. Diz-lhe que vá contigo.
– Tendes que vir vós – insistiu o rapaz, mudando com impaciência o peso de um pé para o outro. – Até agora, fostes a única pessoa que vi que entende o que digo. O vosso marido também fala a minha língua? Eu explicar-lhe-ei o que se passa para que a deixe vir. Ficará contente com a nossa recompensa, não?
– Eu não tenho marido – disse ela. – Nem tenho tempo a perder com um vagabundo ferido. E agora sai daqui – levantou o balde e voltou-se para se ir embora.
– Não somos vagabundos, juro. Sir Henri morrerá se não lhe levo ajuda. Por favor.
Iana sabia que era certo que ali ninguém falava francês. E embora o rapaz conseguisse fazer-se entender, ninguém confiaria nele. E que mulher no seu juízo perfeito o seguiria por uma praia deserta onde podia ter amigos maiores à espera para a violarem?
No entanto, podia ver por si mesma que o rapaz não era um mendigo nem parecia um bandido. A sua roupa, apesar de estar enrugada e rota, tinha uma fineza desconhecida por aquelas bandas.
O seu discurso indicava uma certa educação e as suas acções eram gentis. Não duvidava de que era o que afirmava ser, o escudeiro de um cavaleiro.
Deixou o balde de água no chão e olhou para ele com os braços na cintura. Preocupava-a pensar que podia salvar alguém com uns momentos do seu tempo e um punhado de ervas e não o fazer.
– A que distância deixaste esse teu amo?
– Próximo daqui – assegurou-lhe o rapaz.
Iana sabia que mentia. Via-o nos seus olhos. Olhou-o com dureza.
– Está bem – corrigiu ele, envergonhado. – A duas horas de caminho.
– Duas horas? – Iana levantou as mãos para o céu. – Porquê eu? Que te faz pensar que eu saiba algo de curas?
O escudeiro colocou as mãos nas ancas e adoptou um ar de superioridade.
– Muitas damas aprendem essa arte, não? De que outro modo iam cuidar das pessoas a seu cargo? Por favor, senhora. Não lho pediria se não estivesse tão mal. Pagarei bem.
A mulher olhou para ele com astúcia.
– Tu chamas-me dama. Se achas que sou uma dama, por que pensas que necessito da tua moeda?
O rapaz olhou-a de cima a baixo com ar especulador.
– O vosso comportamento e a vossa forma de falar traem a vossa origem, embora o vosso vestido seja pouco melhor do que o de uma camponesa – observou.
Olhou para as casas de ramos e barro que havia perto dali.
– E viveis aqui. Eu diria que a fortuna vos foi adversa. Embora não por culpa vossa, estou certo – apressou-se a acrescentar.
As suas últimas palavras deixavam transparecer as suas dúvidas a esse respeito, e evitou olhar ou mencionar a menina adormecida. Ela tinha-lhe dito que não tinha marido. Certamente pensava que se tinha desonrado com um homem e a sua família a tinha deixado entregue à sua sorte por causa dele. E Iana admitiu que, embora se enganasse no motivo, não andava muito distante das consequências.
– Sir Henri e eu recompensamos as boas acções, asseguro-lhe.
Se conseguisse algumas moedas, seria mais fácil sair daquela maldita aldeia onde a tinha deixado Newell devido à sua rebeldia. E já fazia dias que pensava que qualquer lugar excepto o inferno seria preferível a Whitethistle. Embora não tivesse para onde ir nem como chegar lá, o desespero empurrava-a a ir-se embora já.
Sabia que, se não o fizesse, teria que renunciar à pequena Tam. Newell jamais lhe permitiria ficar com ela e nenhum dos aldeões a ajudaria. Talvez Deus tivesse enviado aquele rapaz para lhe dar os meios para fugir.
– Quanto me darás? – perguntou, tentando não parecer avarenta.
O rapaz tirou uma corrente de prata fina do interior do colete e mostrou-lha.
– Isto – disse de má vontade. – Era para financiar a nossa viagem ao Este, mas suponho que não nos servirá de nada se sir Henri morrer da sua ferida. Cure-o e será vossa.
Iana abriu muito os olhos ao contemplar aquele tesouro. Podia separar facilmente os elos e manter a Tam e a si mesma durante meses. Tomou uma decisão rápida.
– Antes temos que voltar à minha cabana para ir buscar as minhas coisas. Disseste que a sua ferida é um corte?
O rapaz olhou-a, aliviado.
– Sim. Embora ele diga que não é muito profunda, não deixa de sangrar há quase uma semana. A perda de sangue e a febre debilitaram-no, mas não tem o fedor de quem está a apodrecer – fez uma careta. – Ainda.
Iana anuiu com a cabeça e caminhou até à sua cabana. Por sorte, nenhum dos aldeões andava por ali. Os homens estavam ocupados com a pesca e as mulheres, a preparar o comer dessa hora do dia. Até os mais jovens tinham alguma tarefa. E ela preferia que ninguém a visse ir-se embora com aquele desconhecido.
Não demoraria muito a reunir os seus artigos de costura e algumas coisas que não podia deixar para trás. Tam acordou quando entravam, por isso, tirou-a do atilho e deu-lhe a comer o último pedaço de pão e o último leite. Depositou-a num alguidar de barro e o rapaz apressou-se a sair da cabana e esperar lá fora.
– Isso, isso, tesouro – cochichou. – Esta é a minha Thomasina. É uma rapariga estupenda, não é? – Lavou-a com um pano e a água que acabava de tirar do poço e pôs-lhe um vestido de linho limpo.
Os olhos castanhos da menina olhavam-na com tal confiança que Iana sentiu que os seus se enchiam de lágrimas. Passou a mão pelos caracóis escuros de Tam.
– Se de mim dependesse, ninguém nos separava – assegurou-lhe. – Já perdeste demasiado nestes últimos meses, e eu também. Agora vamos lá, querida – colocou a menina magra no tecido que a segurava antes e pendurou-a às costas. A sua carga tinha-se convertido num autêntico consolo para ela nas duas últimas semanas, algo de calor no seu frio isolamento.
A sua mãe tinha morrido de tosse convulsa, não sem antes lhe suplicar que levasse a menina e a ajudasse a sobreviver. A pequena Tam estava também à beira da morte, mas de fome, não da doença que tinha levado a sua mãe.
A única coisa que Iana sabia delas era o nome de baptismo da menina e que a mãe se tinha visto obrigada a deixar a aldeia uns meses antes. Encontrou as duas no bosque quando recolhia ervas. Nenhum dos aldeões falava da mãe e evitavam a menina como se tivesse lepra.
A menina não causava mais incómodo que a leveza do seu peso nas costas. Comia quando lhe dava algo, aliviava-se quando Iana a ajudava e não chorava nunca. A julgar pelos seus dentes, devia ter uns dois anos, embora pelo seu tamanho aparentasse ter metade, e não andava. A primeira noite, quando Iana a tomou nos seus braços, a menina levantou uma mão, tocou-lhe na face e lançou um gemido, como uma gatinha. Sim, Tam era agora sua.
Levantou os olhos e viu o rapaz entrar de novo na cabana.
– Farinha de aveia – murmurou. Tomou o saco que continha a sua provisão. – E uísque – passou a garrafa ao escudeiro. O álcool serviria tão bem como qualquer medicamento que pudesse pedir aos vizinhos.
Ali ninguém apreciava muito as ervas que Iana usava para tratar feridas e doenças. Confiavam mais em partes de animais e nos velhos remédios druidas. E no bosque abundavam coisas melhores. Iana meteu no saco o que achava que ia precisar. A velha curandeira de Ochney tinha sido uma boa professora, embora Iana tivesse gostado de poder permanecer ali depois da infância para ter aprendido mais com dela.
Colocou a pouca roupa que possuía dentro do seu xaile e atou as pontas. Depois de coser a ferida daquele cavaleiro, iria imediatamente para Ayr, o maior porto mais próximo. Os elos de prata da corrente serviriam para pagar uma passagem no primeiro barco que saísse da Escócia. Talvez para a ilha de Eire. Tinha ouvido dizer que era um lugar bonito de habitantes amigáveis.
Era-lhe igual qual fosse o destino, desde que fosse longe dali. Se o seu irmão descobrisse que o seu exílio não lhe tinha ensinado a lição e feito mudar de ideia sobre casar com Douglas Sturrock, Iana não duvidava de que recorreria a medidas mais drásticas. Tinha-a avisado que não desejava ter que ganhar a sua aquiescência à base de pancada. Mal sabia ele o pouco efeito que isso teria. Como se, por lhe bater uma vez, pudesse fazê-la aceitar uma vida inteira de pancadaria! Newell tinha menos cérebro que um sapo. As coisas que a sua esposa lhe tinha contado dele sugeriam que se tinha tornado quase tão mesquinho como tinha sido o seu próprio marido. A Iana custava-lhe a acreditar, mas as suas acções davam força às palavras de Dorothea.
Casar-se com Sturrock era tão prometedor como o seu primeiro casamento. Iana talvez pudesse sobreviver, se Newell forçasse o casamento, mas a pequena Tam não conseguiria. A órfã indefesa seria abandonada e morreria sozinha e agora Iana tinha um modo de evitar isso, uma possibilidade de ambas poderem salvar-se.
Essa ideia fez-lhe apertar o passo até que o rapaz teve que correr para não ficar para trás.
– E dizes que houve uma batalha em Portsmouth? – perguntou ela com curiosidade. – Os franceses já invadiram a Inglaterra? Onde está essa cidade?
– Na costa sul, senhora. Tínhamos deitado fogo ao lugar e voltávamos para casa quando o barco começou a meter água. Fizemos sinais ao mais próximo dos nossos barcos, mas não respondeu. O barco voltou-se de lado e muitos caíram borda fora. Depressa se afundou como uma rocha.
Fez uma pausa para respirar fundo.
– Sir Henri foi atingido por um mastro partido – continuou. – Caiu sobre ele quando soltava os barris atados na coberta. Pensávamos que todos os usariam para flutuar, embora não víssemos mais ninguém a fazê-lo. Pensamos que morreram os trinta homens, que só nos salvámos nós.
Iana moveu a cabeça e estalou a língua com simpatia. Não percebia nada de política, mas parecia-lhe uma pena que morresse tanta gente por causa nenhuma.
A Escócia sempre tinha estado do lado dos franceses, claro. O rei David tinha procurado asilo em França quando Bailliol, amigo do rei inglês, usurpou a coroa escocesa.
Ali, no território ocidental, pouco importava quem governava. A vida continuava como sempre. Mas ela ir-se-ia embora dali antes que terminasse o dia e forjaria o seu próprio destino no mundo.
No castelo de Ochney, ninguém sabia onde tinha ido. Newell chegaria dentro de três dias para lhe perguntar se estava disposta a render-se no que se referia ao casamento.
A ideia de