Treze
De Duda Falcão
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Sobre este e-book
Pessoas comuns transitam nesse mundo das trevas, desde estudantes universitários a fotógrafos, detetives despreparados e crianças inocentes. Confira essa obra e trilhe os caminhos inusitados do pulp.
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Treze - Duda Falcão
Corvo.
O TREZE
DE DUDA FALCÃO
Marco Aurélio Lucchetti
Duda Falcão graduou-se em História, especializou-se em Literatura Brasileira e tornou-se mestre em Educação. E, atualmente, além de lecionar numa faculdade, é editor (em 2010, ele fundou, junto com Cesar Alcázar, a Argonautas Editora, especializada no gênero Fantástico e cujo carro-chefe é a série Sagas, que já está no quinto volume), organizador de antologias e escritor (na introdução do livro Estranho Oeste¹, Cesar Alcázar o chama de autor campeão de antologias
).
O primeiro livro escrito por Duda Falcão que li foi Mausoléu, um grosso volume com mais de 330 páginas e quase quatro dezenas de contos. A capa, um trabalho de Fred Macêdo, e o conteúdo de Mausoléu logo me fizeram lembrar dos gibis Creepy e Eerie. Na verdade, o livro, que conta com a presença d’O Anfitirão (é ele que nos introduz no mundo de pesadelos forjado por Duda), é uma das maiores homenagens já feitas a essas duas revistas, publicadas nas décadas de 1960 e 1970 pela editora norte-americana Warren.
Terminei de ler Mausoléu nos meados de setembro deste ano. Então, perguntei-me quando iria ler um novo livro de Duda Falcão. A resposta não demorou a vir. No dia 28 de setembro, recebi um e-mail enviado por Duda, no qual ele dizia o seguinte: "Mais uma vez eu por aqui te fazendo um convite. Estou procurando por um prefaciador para o meu novo livro: Treze. Os contos são de Horror/Terror. Você é a minha primeira opção. Em anexo, envio o arquivo para você dar uma olhada. Caso tenha interesse em fazer o prefácio, eu precisaria dele pronto até o final de outubro. O prefácio do Mausoléu, meu livro anterior, foi feito pelo Cesar Silva, também um pesquisador de renome como você. Uma coisa é bem importante: se você não tiver tempo ou não gostar do livro não precisa se comprometer. O.k.? Uma resposta negativa não altera nossa amizade."
O convite de Duda me encheu de alegria e entusiasmo. Eu nunca poderia lhe dizer não, já que tinha certeza de que ele iria mostrar em Treze a mesma maestria demonstrada em Mausoléu para narrar histórias de Horror/Terror.
Agora, aqui estou escrevendo o prefácio de Treze.
Quando recebi o original, confesso que o título não me agradou muito. Entretanto, com o passar dos dias, essa minha opinião foi mudando. E, hoje, penso que Duda deu ao seu livro o título perfeito; não poderia ter escolhido um título melhor.
Treze é um número polêmico. Alguns, os mais supersticiosos, acreditam que ele traz má sorte. Eu, como não sou nem um pouco supersticioso, julgo que é um número como outro qualquer. Mas por que Duda Falcão deu ao seu livro o título de Treze e por que eu disse que esse era o título perfeito e que não poderia ter sido escolhido um título melhor? Ora, porque treze são os contos do livro. Inclusive, o último deles intitula-se Treze
.
Todas as histórias de Treze têm títulos bastante sugestivos, como: Almas Roubadas
, Senhora do Fosso
, O Vampiro Cristão
, Devoradores de Narrativas
. Nelas vamos encontrar alguns elementos clássicos do Horror/Terror: demônios, monstros, vampiros, feitiçaria... E numa delas, Sob os Auspícios do Corvo
, cuja ação se passa no Velho Oeste norte-americano, temos a presença de Kane Blackmoon, um caçador de recompensas mestiço que fez sua primeira aparição no conto Bisão do Sol Poente
².
Por outro lado, em algumas das histórias (Abismos Insondáveis
, já aparecida anteriormente na antologia Ascensão de Cthulhu³, é uma delas) –, nota-se a influência da obra (sobretudo as narrativas relacionadas com os Mitos de Cthulhu) do escritor estadunidense Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) nos textos de Duda.
Em outra história, Eadgar e o Resgate de Lenora
, Duda Falcão nos faz lembrar imediatamente das narrativas do bárbaro Conan, escritas por Robert E. Howard (1906-1936), e de O Corvo
, o mais belo e genial poema criado por Edgar Allan Poe (1809-1849).
E há uma história que chamou por demais minha atenção: Os Bonecos de Rita
. Ela tem apenas três personagens: o pai, a mãe e a filha, a menina Rita. E é uma história simples; mas seu final é horripilante, aterrador.
Bem, não quero tomar mais o tempo dos leitores. Porém, não posso deixar de dizer que as histórias de Treze devem ser apreciadas principalmente em noites de vendaval, quando é possível ouvir o ruído do vento gelado, que, assemelhando-se ao som de gemidos de espíritos errantes, vem açoitar nossas janelas...
Notas:
1 Esse livro, segundo volume da série Sagas, foi lançado pela Argonautas Editora em 2011.
2 Bisão do Sol Poente" apareceu primeiramente na antologia Estranho Oeste, que apresenta cinco contos – todos ambientados no Velho Oeste e do gênero Weird Western – escritos por alguns dos melhores autores brasileiros de histórias fantásticas. Depois, foi republicado em Mausoléu, que foi lançado em 2013 pela Argonautas Editora.
3 Publicada pela Argonautas Editora em 2014, essa antologia reúne, além da história de Duda Falcão, contos de outros seis autores brasileiros que se inspiraram na mitologia criada por H. P. Lovecraft.
Eadgar e o resgate de Lenora
Em sua última batalha, o hoplita ganhara como espólio de guerra um cavalo negro de constituição física superior e excelente resistência, constatada ao longo da extensa viagem. Fazia muitos dias que cruzavam os territórios gregos. Eadgar iniciara sua jornada após consultar o oráculo de sua cidade. Para cumprir seu objetivo, tinha de encontrar um templo abandonado que, segundo o feiticeiro, situava-se mais ao sul das terras em que viviam. Eram as ruínas de um templo dedicado a Palas Atena. Fora destruído em uma escaramuça violenta defensora dos interesses de um culto rival.
Eadgar não possuía um mapa com o local exato da edificação. Por isso, contou com o auxílio do homem ligado às ciências ocultas. Em troca de um favor, que já efetuara, recebera um guia. Um inusitado abre-alas para indicar-lhe o caminho. Sabia tratar-se de algo sobrenatural, pois a ave agourenta não o abandonava. Mostrava os locais por onde devia passar. Às vezes sumia da sua vista por horas, momento em que aproveitava para descansar. Quando achava que o corvo não retornaria, escutava o seu crocitar. Voava em círculos lá no alto ou então se aproximava pousando em seu ombro, exigindo atenção.
Foi em uma tarde de sol esmaecido que se acercaram de uma floresta. As árvores não eram muito imponentes e estavam carregadas de heras e cipós em seus troncos. O hoplita viu o corvo se embrenhar na mata. Deu um tabefe com força no lombo do cavalo, obrigando-o a correr. Por centenas de metros o caminho se fechou, dificultando a passagem. O guerreiro podia sentir galhos secos roçarem seu corpo. Não muito depois, as árvores tornaram-se mais esparsas revelando uma clareira.
Eadgar puxou a crina do corcel parando diante de um templo em ruínas. Ao desmontar afagou sua cabeça equina em forma de agradecimento. Havia chegado, depois de muitos dias de viagem, ao local procurado. O corvo entrou por algum buraco no teto e sumiu dentro da edificação. Algumas paredes estavam derrubadas, mas parte da estrutura ainda resistia. Do lombo do cavalo pegou o alforje repleto de itens importantes. Então, deixou o animal comer o ralo pasto que crescia por ali.
O soldado entrou no templo. A noite se aproximava. As paredes internas estavam negras, chamuscadas. Os belos afrescos perdidos em quase toda sua totalidade. Certamente, o local tinha sido incendiado por inimigos, indivíduos intolerantes que não permitiam o culto de uma divindade diferente.
Mais adiante encontrou no chão a estátua de uma mulher. A cabeça havia rolado alguns metros do corpo. Palas Atena derrotada foi o pensamento que lhe ocorreu. No entanto, se ela pudesse ajudá-lo recuperaria a sua dignidade e imponência.
Não tinha tempo a perder. Quanto antes resgatasse Lenora, melhor. Apanhou alguns galhos e folhas secas para acender uma fogueira diante da divindade derrubada. Do alforje retirou uma panela enchendo-a de água que armazenava em uma garrafa. Mergulhou no recipiente uma erva escura, negra e de aroma doce. Assim que o conteúdo ferveu, deixou esfriar um pouco e bebeu do chá.
Não demorou muito para que as alucinações começassem. Conforme o feiticeiro, não devia se amedrontar. Pois, as visões eram normais, efeitos gerados quando se abriam as portas do Olimpo para dialogar com os deuses. Percebera as sombras aumentarem como tentáculos nas paredes do templo. Movimentavam-se dispostas a se destacar da pedra adquirindo autonomia. Eadgar acomodou-se sentado, com as pernas cruzadas e a espinha ereta, diante do ídolo quebrado.
— Com que permissão tu vens ao meu templo esquecido?
A voz cavernosa manifestou-se de um ponto à sua esquerda. Olhou naquela direção. Viu a cabeça caída, as pálpebras abertas revelavam olhos azuis. Eadgar mantinha-se concentrado e frio como o gume de uma faca para poder suportar aquela visão inexplicável.
— Não havia ninguém para impedir ou permitir minha entrada, suntuosa Palas. Teu templo foi destruído. Vim aqui como um humilde servo pedir-te um favor.
— Se tu és meu servo como dizes, por que não impediste a ruína da minha casa? — a boca de pedra articulava-se com a desenvoltura de algo animado.
— Eu não havia nascido ainda.
— Mas e quanto à tua família, por que não lutaram por minha dignidade?
— Meu bravo pai migrou de terras mais ao norte. Terras que ficam além da minha querida Macedônia. Hoje sou teu seguidor, pois a mulher que amo me ensinou a te venerar.
— Tu és sincero. Posso ver o teu passado como águas cristalinas. Admiro tua resignação por ainda amar alguém que não está mais em solo mundano.
— É por esse motivo que cruzei a Grécia, minha Senhora! Quero resgatar Lenora das sombras.
— Por qual motivo achas que posso te ajudar?
— Simples: tu és a mais poderosa de todas as deusas.
— Não adiantas apenas me bajular, rapaz!
— Lenora seguia teu exemplo. Manteve-se imaculada, virgem! Era, sem dúvida, a mais fervorosa das tuas seguidoras. O amor dela por mim não chegava perto do amor que ela expressava por ti. A mim concedia apenas palavras e olhares gentis. No máximo um carinho sem malícia em minhas mãos calejadas de guerreiro. A pureza de Lenora me espanta, comove e arrebata meu coração ainda hoje. Deixa-me trazê-la do antro vil que o Hades é. Ela não merece estar aprisionada entre as sombras de mortos corrompidos — a cabeça enquanto escutava não demonstrou nenhum tipo de expressão, era rígida e gelada. — Em troca, hoje mesmo levantarei tua imagem de pedra, colocando a cabeça no topo do corpo, local de onde nunca deveria ter saído. E, depois que Lenora estiver comigo, reconstruirei teu templo para que possa ser novamente visitado, recebendo multidões provindas de toda a Grécia.
— Sabes negociar! Assim que fizeres o primeiro ato, segue o corvo. A ave te guiará até o cárcere de tua amada. Lembra-te: a inocência de Lenora é o mesmo que a vida! — a cabeça depois das últimas palavras, voltou a ter o aspecto rústico de uma simples rocha esculpida.
Somente naquele instante, Eadgar constatou que não estava mais sentado, mas sim deitado ao lado da fogueira já extinta. Ele adormecera sem notar. O sol lá no alto podia ser visto entre os buracos do teto do templo. Levantou-se com o corpo dolorido por ter dormido ao relento, no piso frio e duro. Dirigiu-se ao alforje de couro apanhando em seu interior uma corda resistente que amarrou em torno da estátua de Palas Atena. Em seguida, saiu da edificação. Encontrou o seu cavalo robusto pastando. Aproximou-se e o conduziu para dentro da ruína. Enlaçou o restante da corda em seu corpo. Com o auxílio do animal, conseguiu erguer a estátua e encaixá-la em um pedestal circular de pedra. Depois disso, encaminhou-se até a cabeça estirada no chão. Pegou-a para recolocar sobre o tronco. Por sorte, equilibrou-se sem o risco de cair. Levara naquela restauração mais de hora. Quando completou o trabalho escutou, vindo do alto, o crocitar do corvo.
Observou a ave entrar na ruína e pousar sobre um assento de pedra rachado. O pássaro olhava para Eadgar como se dissesse venha. Ao se aproximar, verificou no chão uma entrada na qual havia uma escadaria irregular de pedra. Pôde ver ao longo das paredes, até onde alcançava sua visão, tochas iluminando o caminho. O corvo voou para dentro daquele túnel.
Antes de entrar Eadgar precisava se preparar. Vestiu uma couraça que protegia o peito. Colocou um elmo e grevas para resguardar os tornozelos. Na cintura levava uma xiphos, espada curta que considerava perfeita para a luta corpo-a-corpo. Abriu um pote com um líquido pastoso e escuro. Era uma poção alquímica dada pelo feiticeiro consultado na Macedônia. Passou o produto na espada confiando que cortaria a alma de qualquer sombra que pudesse atacá-lo. Pegou o seu escudo circular e o empunhou com a mão esquerda. Havia pintado um corvo no objeto para reverenciar o pássaro sobrenatural que o guiava.
Finalmente desceu a escadaria rumo ao Hades.
Chegando ao último degrau puxou uma das tochas da parede, precisaria de luz para se orientar. Suas sandálias tocaram o chão irregular e úmido. Estava em uma caverna ampla. Pôde avistar morcegos amontoados