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Xamã: Trilogia Xamanismo, #1
Xamã: Trilogia Xamanismo, #1
Xamã: Trilogia Xamanismo, #1
E-book324 páginas3 horas

Xamã: Trilogia Xamanismo, #1

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Sobre este e-book

Sinopse:

 

Poder-se-ia dizer que tudo o que O Código Da Vinci omitiu ou deixou por resolver, O Xamã esclarece.

De facto, tanto o verdadeiro início do Cristianismo, como o que significa a magia nas sociedades humanas (algo que era apenas aflorado no Código), são aqui desmontados peça a peça, numa história que também critica ferozmente a Universidade e os jogos de influência que o poder político e económico mundiais sempre carregam consigo.

Esta é, no entanto, uma história de amor. Mas uma história de amor que nasce no meio do caos, do desespero bem educado do homem moderno.

. Psicologia

. Religião

. Linguística.

E, finalmente, Astronomia.

Um jogo do conhecimento muito especial, jogado por um intuitivo.

E um livro que não esquecerá.

 

 

Excertos do livro:

 

"A vida de quem sou, a vida que me és

Dizem-me que és a coisa mais importante da minha vida

Dizem-me que és muito bela, em teu interior

Dizem-me tudo isso, para que eu sinta a tua vida esquecida...

Na vida da vida da vida de meu amor

Sinto-te tão bela e tão pura...

Que penso em vidas de outras vidas

Sinto-me tão plena da tua loucura...

Que já tornei essas vidas esquecidas

E vivo para sempre quem és, sendo quem ama o que sou...

Que essa vida é a minha vida, que te ama aqui onde estou."

 

 

"- Sei isso muito bem. Não penses que nasci ontem. Mas diz-nos, Tiago, como se chama esse prevaricador irresponsável?

- Ele... recusa-se a dizer-nos como se chama, professor Carlos. Mas um colega disse-nos que ele se chamava Paulo. Paulo... Lam.

- O quê? O puto do Victor Masse? Sérgio, nós...

- Sim, eu sei Carlos. E vamos ter de gramá-lo nos próximos 5 anos. Prepara-te. Isto não vai ser fácil. Nem para ele... nem para nós. É que, sabes... o puto do Victor é Mesmo inteligente, este não é como os outros carneirinhos que vão, ordeiros, para a matança..."

 

 

"Uma fracção de segundo depois, e com um gesto brusco e seco, revelou a sua mão esquerda sob o casaco leve de camurça, e o seu dedo indicador iniciou uma perigosa e imprevisível dança, balançando ao redor do pulso como um ambíguo pêndulo. Dir-se-ia que um enorme sinal de STOP acabava nesse momento de ser esculpido no seu rosto.

O denso silêncio tornou-se insuportável. De repente, saiu intempestivamente da sala, deixando atrás de si o rasto da fúria silenciosa que só a dignidade ainda tem."

 

 

"- Victor, vai em paz. E boa viagem.

A porta abriu-se de novo. A sombra elegante era agora mais trémula, e movia-se fazendo pequenos gestos bruscos.

- Victor! Antes de te ires…

- Sim…?

- A tua ideia… Victor, terá de ser genial."

 

IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de jul. de 2020
ISBN9781393440208
Xamã: Trilogia Xamanismo, #1

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    Xamã - Francisco Capelo

    XAMÃ

    ..

    ..

    .Tempestade.

    (Primeira Parte)

    Tempestade - I

    Era uma tarde como outra qualquer, envergonhada talvez da sua própria banalidade,  mas o sol fazia toda a diferença. Gabriel passou a bola a Pedro Antunes, que a perdeu para Lam. Não era um sobredotado para o basquete, mas o tio tinha-lhe ensinado os passos básicos do jogo. E, nesta tarde de domingo, um domingo como outro qualquer, esta tarde e este jogo nunca lhe tinham parecido tão belos. Os seus amigos da Universidade tinham vindo visitá-lo. Pessoas muito boas, pensava no seu íntimo. Pessoas realmente boas. Estes não se vendiam aos bufos do reitor por tuta e meia, como os outros, estes não. Havia dez anos que tinha regressado a Portugal, estudando do alto dos seus 27 anos, com a sobranceria de uma certa juventude, mais confiante nos seus próprios méritos do que pura e simplesmente arrogante. Dois anos desses dez tinham sido perdidos, a penar nos confins e na existência anónima de um curso de Matemática sempre demasiado abstracto, sempre demasiado vago. Será que se poderia medir a poesia com números, apenas ? Será que as emoções seriam parte de alguma contabilidade privada de Deus ? Não. Não deveria ser assim. Tinha ido para Matemática por influências várias, mas voltou atrás na decisão. E fez bem. Muito bem, mesmo. Agora, o seu mestre de sempre tinha como que tomado conta do seu destino. Victor. Sempre ele. Victor Masse, um professor brilhante que, aliás, tudo o que queria era o seu bem. Victor era, desde a mais tenra infância, um grande amigo. Mas agora estava ali, com Pedro e Gabriel, e Luís. Parecia que a sua geração falava mais alto, mais forte, e parecia até que todos tudo conheciam da alma uns dos outros, ali; sem qualquer tipo de mágoa do passado, por ele ser tão curto, e total confiança no futuro. E, em termos de presente, José Santos tinha acabado de marcar o cesto mais importante da sua vida.

    – Ganhámos, Paulo ! Ganhámos !

    – Eh, pá, pronto, foi um bom jogo mas não exageres. Quero ver o teu Sporting hoje à noite, guarda-te mas é para isso ! Não deites foguetes antes da festa ! , disse Gabriel, tombando no chão de cansaço, alagado em suor.

    Lam sorveu o ar da ribeira que serpenteava a uns metros dali e pensou, pela primeira vez naquela tarde, no seu tio. Estará bem? Há tanto tempo que não o vejo...

    Grupos de rapazes saíam de suas casas e reuniam-se ali, naquele ringue. Todos queriam jogar contra a equipa dos vencedores. Lam escolheu a equipa adversária com um breve olhar.

    Como é bom jogar este jogo. Como é fácil ser feliz assim.

    Tempestade - II

    Era um dia já longo de trabalho. Masse dera tudo de si naquele dia. Estava exausto. Aquele departamento tinha estado atarefado com questões menores, burocráticas mesmo, havia algumas semanas. Nem aqui temos descanso com esta papelada... que canseira. Para isto tinha ficado num gabinete qualquer de um Ministério qualquer, lá na lusa parvalheira... nem nos states nos deixam em paz com estas tricas que metem montes de papéis... uff. Masse foi interrompido por um moço de recados, que fazia a distribuição de correio entre os vários departamentos. Chegou a 200 à hora, montado no seu cavalo branco. Que o mesmo é dizer: nuns patins supersónicos. Enfim... mariquices americanas.

    - Sim, Dos Passos? Alguma coisa para mim, hoje?

    - Senhor Victor, tem aqui 4 cartas: uma de Washington, do congressista Louis...

    - Ah, o bom velho Louis... e que mais?

    - ... uma da tesouraria, da Martha...

    - Ah, já sei, já falei com ela. E as outras?

    - ... uma de um tal de Boris Kepps...

    - Sim, é um investigador da NASA meu amigo. E a última...?

    - ... uma carta registada com aviso de recepção...

    - Ora essa. De onde? Uma carta registada...? De quem é?

    - É de Portugal, e...

    - Deixa-me ver!

    Victor Masse analisou a carta de alto a baixo. Tinha um aspecto simples, pobre, mesmo. Notavam-se algumas manchas, de gordura, talvez. O selo tinha sido colado com a saliva: estava a desprender-se em pelo menos um dos cantos, meio torto. A letra do remetente era horrível. Nunca vi nada assim... meu Deus, Que Letra...

    - Senhor Victor, eh...

    - Ah, desculpa, Dos Passos, queres que eu...

    - Sim, falta assinar o aviso de recepção, apenas, é rápido, eu tenho de...

    - Tens de ir a outros departamentos, eu sei, eu sei. Deixa-me cá ver uma caneta... assino aqui, não é?

    - É sim, é aí mesmo.

    - Ora bem, podes ir à tua vida. Diz-me só uma coisa...

    - Sim, senhor Victor?

    - A vida em cima dos patins não é comparável a andar de barco em pleno mar? Deve haver por aí muitos icebergs, muitas ondas bravas... Eheh...

    - Ahahah. Não, senhor Victor, eu adoro o que faço! Até logo!

    - Até logo, até logo, rapaz. E tem juízo! No outro dia quase atropelaste o Kramm, hein? Ele está que nem te pode ver! Lembra-te disso!

    - Vou lembrar-me, da próxima vez que o veja!, disse um Dos Passos acelerado, já a passar a esquina daquele andar, para o próximo departamento.

    Abriu a carta lentamente, com um sentimento surdo de uma tímida apreensão. O que será que esta Helena Silva me quer...? Nunca a vi mais gorda... Como será que ela conseguiu o meu contacto...? Ah! Já sei. Deixei o contacto do departamento naquele maldito documentário da NASA... a partir daí é fácil. Demasiado fácil. Agora já não há nada a fazer, paciência. Resta ser prudente... há informações que o melhor é esconder, para o bem de todos...

    - Hm. Uma folha, apenas. Vamos lá a ver onde isto vai dar.

    Caro senhor Victor Masse, apelo ao seu bom coração. Vi o contacto do departamento onde trabalha num documentário, e tomei a liberdade de lhe escrever, pedindo uma coisa que nunca pediria, se fosse para mim. Mas não é. É para a minha filha. Tenho a certeza que será uma filha. Quero o melhor para ela, mas devido a complicações da minha vida, o Tribunal vai-me com certeza retirar a sua custódia, assim que eu der à luz. Peço-lhe apenas que trate dela como um pai, se ela o tivesse, faria. Quero que a minha filha tenha o futuro que eu nunca tive. Mas, que poderei eu fazer para que o senhor se convença, não é? Pois bem, também pensei nisso. E aqui lhe deixo um poema de minha autoria, dedicado à minha filha. Se mesmo assim, o senhor não ficar convencido, então não haverá, certamente, nada que eu possa fazer. Mas a minha consciência estará muito mais tranquila.

    Ora esta... nem que foras o Fernando Pessoa... bom, deixa-me ler ao menos mais isto. Depois de um dia de trabalho destes... uma carta com um poema. Olha, pode ser que sirva de tranquilizante para toda a burocracia que tive de gramar hoje. Afinal a poesia não serve para muito mais: apenas e só para não embrutecermos tudo de uma vez. Eugénio de Andrade, Herberto Hélder, Sophia de Mello Breyner, Al Berto... tenho a obra completa de todos esses grandes poetas. Esta deve pensar que me vai surpreender, com a sua poesia de trazer no bolso, de uma qualquer viela da Mouraria... Amo a poesia, sim, mas sempre detestei o fado; não suporto nem Carlos do Carmo, nem Mariza, nem esse tal de Camané – são todos insuportavelmente iguais, no fim das contas. E quanto a poemas cantados, apenas os Trovante e o Ary dos Santos fizeram algumas coisitas engraçadotas. Bem, vou ler isto e depois vou para casa. Já são 20h33 e eu estou infinitamente cansado.

    O Poema estava no verso da única folha contida no envelope. Masse voltou a folha e alisou um pouco o papel, que já viera assim, um pouco amachucado. E não fora o envio por avião o culpado disso.

    "A vida de quem sou, a vida que me és

    ––––––––

    Dizem-me que és a coisa mais importante da minha vida

    Dizem-me que és muito bela, em teu interior

    Dizem-me tudo isso, para que eu sinta a tua vida esquecida ...

    Na vida da vida da vida de meu amor

    Sinto-te tão bela e tão pura ...

    Que penso em vidas de outras vidas

    Sinto-me tão plena da tua loucura ...

    Que já tornei essas vidas esquecidas

    E vivo para sempre quem és, sendo quem ama o que sou ...

    Que essa vida é a minha vida, que te ama aqui onde estou.

    ––––––––

    Obrigada, senhor Victor. Muito obrigada.

    Helena Silva. Lisboa. 12/Novembro/ 1979"

    Masse ficou em profundo silêncio. Não contava que um só poema de uma pessoa que lhe era totalmente desconhecida e com apenas algumas linhas, escrito a milhares de quilómetros de distância, o pudesse afectar daquela maneira.

    ––––––––

    - Que alma... faz-me lembrar Florbela Espanca. Nestes dias conturbados, entre a guerra e o consumismo fácil, um pensamento ainda desta pureza...

    ––––––––

    Helena. Quem tem de dizer: muito obrigado...

    Sou eu.

    Tempestade - III

    2/ Maio/ 2006

    - Dizes-me então, Tiago, que esse aluno...

    - Sim, senhor reitor. Ele recusa-se a ser...

    - Mas isso é muito grave... mesmo muito grave. Em trinta e dois anos, é a primeira vez que me acontece. Ele... estará bom da cabeça? Aparenta ser normal?

    - Um pouco exaltado, senhor reitor. Mas apenas quando o picamos. Acho que isso é normal.

    - Olha, eu desde que que vi uma senhora num concurso da televisão a dizer que Papua Nova Guiné era uma província de Moçambique, que já acho tudo normal!

    - Eheheh..., anuiu Carlos. – sim, realmente...

    - Mas querias dizer-me alguma coisa mais, Tiago?

    - Ele... ele tem uma t- shirt...

    - T- shirt? O que é isso? Sabes o que isso é, Carlos?

    - Uma camisola, Sérgio. Uma camisola leve, para simplificar. É isso.

    - Ah. Sim, e o que tem essa camisola, Tiago?

    - Hum. Tem tem uns dizeres... esquisitos.

    - Esquisitos? Alguma asneira cabeluda, talvez? Estes jovens agora são capazes de tudo... esses teus colegas...

    - Não, senhor reitor... bem, diz o seguinte: Brigada Anti- Praxe – 21 457... 69 69 – imagine!

    - Ahahah! E tu assustaste-te com isso? Ouviste, Carlos? Ouviste esta?

    - Sérgio, sim, tem piada, mas pode haver aqui qualquer coisa que nós...

    - Ele ameaçou-me a mim, e ao Filipe, com um processo em tribunal, se nós...

    - Estás a ver, Sérgio? Havia aqui qualquer coisa que estava mal explicada... agora, é óbvio o que ele quer.

    - Ou o que não quer! E não quer é ser praxado, como todos os outros são, Carlos! Há que manter a ordem, caramba, sabes perfeitamente que os professores pactuam em silêncio com este sistema, que existe há décadas nas Universidades, até porque nos convém e de que maneira, e se nós agora permitirmos uma excepção, os putos... eles vão revoltar-s...

    - Sei isso muito bem. Não penses que nasci ontem. Mas diz-nos, Tiago, como se chama esse prevaricador irresponsável?

    - Ele... recusa-se a dizer-nos como se chama, professor Carlos. Mas um colega disse-nos que ele se chamava Paulo. Paulo... Lam.

    - O quê? O puto do Victor Masse? Sérgio, nós...

    - Sim, eu sei Carlos. E vamos ter de gramá-lo nos próximos 5 anos. Prepara-te. Isto não vai ser fácil. Nem para ele... nem para nós. É que, sabes... o puto do Victor é Mesmo inteligente, este não é como os outros carneirinhos que vão, ordeiros, para a matança...

    Tempestade - IV

    O refeitório da Universidade era bastante grande, em relação às dimensões da própria Escola. No entanto, havia sempre alguns alunos que sentiam dificuldades em percorrer os corredores entre as mesas e cadeiras abandonadas, como náufragos dolentes num mar demasiado salgado, à tona de uma superfície sempre demasiado gordurosa.

    Margarida não susteve um pequeno gemido, no momento em que o seu tabuleiro rasou a cabeça de Lam e quando, com um gesto brusco, se conseguiu equilibrar, ele sorriu:

    - Acontece. Estás bem?

    Paulo Lam. Um aluno não muito brilhante: costumava dizer, por brincadeira, que, se o trabalho o encontrasse alguma vez, estaria a inspirar-se novamente, e não a fazer fosse o que fosse. Era um pouco mais velho que os seus colegas, pois tinha tentado e conseguido o reingresso na Universidade, tendo redescoberto alguns dos seus companheiros de turma de há dois anos. Francamente, já não tinha paciência para aturar nada daquilo de novo, e o seu mais forte desejo era fazer os 5 anos de uma assentada, sem pedir uma única vez a melhoria de nota. Lam não conseguia encontrar algo de positivo na Universidade: demasiada teoria, demasiada palha, dizia, entre dentes, para si mesmo. Por outro lado, o seu estudo era feito da intuição mais extremada, da inspiração mais pura, de um instinto quase animal, e não da análise atenta e racional das matérias maçudas com que tenho de levar todos os dias. Cabelo muitíssimo escuro e sempre curto, mas já com bastantes brancas, olhos de um castanho também muito escuro, e donos de um olhar terrivelmente ambíguo, unindo o bem e o mal da infância, feições quase nobres, qual príncipe renascentista, Lam distinguia-se dos seus pares pelos seus já habituais repentismos geniais nas aulas: ora passava uma aula de duas horas a olhar para o tecto, distraído, ora era capaz de, com uma tirada de oratória surpreendente, apanhar toda a turma de surpresa, inclusivamente e sobretudo o professor, a quem não restava outra coisa que não fosse defender-se de tão grande brilhantismo intelectual com uma resposta evasiva ao estilo de um político de nomeada. Um terror, diziam os professores, uns para os outros. - Já viste o que ele disse na minha aula ? - Ai sim? Bom, na minha ainda foi pior: imagina que...

    Apesar de ser uma Universidade vincadamente de direita, havia um certo desprezo, por parte de muitos alunos, por essa ideologia; era sabido que, em Portugal, os intelectuais eram mais dados às ideias de esquerda, e, como quem ia para Ciências Sociais eram sobretudo os intelectuais, formava-se desde a nascença uma evidente contradição entre professores e alunos. Contradição essa com que Lam jogava vários equilíbrios instáveis, dando verdadeiras lições nas barbas daquela gente, ao confrontar as ideias estruturais dos mestres com as dos professores conjunturais da Universidade. O seu físico não impressionava: alto, é certo, mas algo corcunda, e de tez quase castanha clara, longos braços, mãos e pés muito grandes e dedos extremamente compridos, os colegas chamavam-lhe por vezes o árabe, e alguns até o alcunharam, devido às suas constantes façanhas na argumentação com os professores, de o terrorista. Era evidente que a personagem Lam era muito discutida no meio académico, não só por alunos, como também por professores, que, ora questionavam a sua sanidade mental e a capacidade para estar numa Universidade, ora lhe elogiavam, entre as restritas paredes do Conselho Superior, a luminosa inteligência e a clareza de análise. E parecia não haver forma de lhe deitar a mão em termos disciplinares. Temos aqui um enigma, era a frase que mais se ouvia. Finalmente um desafio à nossa altura, era a ideia dominante entre as cabeças pensantes da Universidade.

    E, no entanto, havia alguma coisa nele que inquietava. Que provocava apreensão. Um estranho temor, que apenas os mais talentosos, de entre os professores, ousavam perscrutar. Compreender, tornar visível esse pormenor, poderia fazer toda a diferença. Com Lam ali, algo de profundamente perturbador tinha vindo à superfície.

    Para o bem e... para o mal.

    Tempestade - V

    Victor Masse já tinha andado uns bons 400 metros, por entre corredores intermináveis e escadas que mais não faziam do que servir de labirintos para quem não estivesse habituado àquelas andanças. O local certo dever-se-ia chamar de local secreto. As indicações, essas, também eram vagas: o primeiro e talvez último nomes de uma mulher que estava quase a dar à luz, na Maternidade Alfredo da Costa, segundo as últimas informações, que tinha obtido de um atarefado e nada solícito reitor. Que a moça era conhecida de um aluno da Universidade, de família humilde, mas que tinha descambado para a má vida... a droga... e por vezes a prostituição, que é o que vem a seguir nessa curta lista. Um contacto breve com esse aluno, proporcionado pelo seu professor, tinha sido o suficiente para saber o que Masse queria saber. Maldito Sérgio. Sempre o mesmo desconfiado... nem parece que já tem netos. Gere aquela Universidade com o espírito clássico de sempre, a régua e esquadro. Enfim, será que tem mesmo de ser assim? Foi interrompido nos seus pensamentos pela corrida desenfreada de uma enfermeira em pânico, que surgiu de uma porta quase invisível: vinha pelas escadas de serviço, aparentemente do andar de baixo.

    - Depressa, Marília, estamos a perdê-la! A senhora que teve um menino... já entrou em coma, e... chama o Afonso e o Zé – Depressa, mulher!!

    Masse tentou ficar indiferente àquela mulher desesperada. Talvez fossem normais, aquelas situações de stress profissional. E humano. Sobretudo isso. Dirigiu-se para a recepção daquele piso, já desiludido: era a terceira tentativa que fazia, e o quarto onde estava a misteriosa Helena tornava-se cada vez mais inacessível.

    - Peço desculpa, eu procuro...

    - Desculpe-me, um momento, por favor, tenho de fazer um telefonema. Está? Afonso? Vai já ter à sala da Felisbela, leva o Zé, e ele que traga o desfibrilhador cardíaco, depressa, vai já! Oh meu Deus... diga, peço desculpa, eu...

    - Tudo bem, é perfeitamente compreensível... eu queria saber se é neste piso que se encontra uma parturiente, apenas tenho o primeiro e o que julgo ser o último nome dela, chama-se Helena Silva, sabe se está neste piso?

    Marília ficou petrificada. Muda. Nem um músculo de seu rosto se mexia, e a alma do seu olhar tinha desaparecido para outro lugar. Masse ficou perplexo, estranhando este comportamento.

    - Minha senhora...? Está a sentir-se bem...? Passa-se alguma cois...

    - Ela..., balbuciou a recepcionista – ela não está aqui no terceiro andar, mas... não deve visitá-la agora, ela... está em trabalho de parto neste momento, e...

    - Tudo bem. Eu espero. Posso esperar aqui?

    - P... pode, pode, sim...

    - Já agora, não me sabe dizer em que sala ela está? Para eu depois do parto, poder ir visitá...

    - Ai por favor não me peça isso. Por favor.

    - Desculpe? Há algum regulamento interno que não permita que eu...

    - Não é isso. É que a dona Helena está... ela está...

    - Siim?

    - Na sala 16.

    - Muito bem, eu espero aqui pelo nascimento.

    - Oh meu Deus, o senhor não está a perceber...

    - Marília! Marília!

    - O que foi, Afonso? Diz-me o que se passa!

    ––––––––

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