Homero
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Homero
Según la tradición, el poeta griego Homero (ss. IX-VIII a. de C., aproximadamente) fue el autor de la Ilíada y de la Odisea, por lo que es considerado uno de los escritores más influyentes de todos los tiempos. Algunos críticos modernos, sin embargo, mantienen que Homero no fue el auténtico creador de estas obras, sino que se limitó a compilar y unificar una gran cantidad de relatos orales que él mismo recitaba. Sea como fuere, ambos poemas se convirtieron en la base de la educación y cultura griega en la época clásica, así como de la literatura occidental moderna.
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Homero - Homero
Esta é uma publicação Principis, selo exclusivo da Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.
© 2020 Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.
Texto
Homero
Tradução
Odorico Mendes
Cotejo da tradução
Ibraíma Dafonte Tavares e Shirley Gomes
Preparação
Ibraíma Dafonte Tavares
Revisão
Fernanda R. Braga Simon
Diagramação
Fernando Laino Editora
Ebook
Jarbas C. Cerino
Capa
Leremy/Shutterstock.com;
luma_art/Shutterstock.com;
Michaelica/Shutterstock.com;
Mott Jordan/Shutterstock.com
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
H766i Homero
Ilíada [recurso eletrônico] / Homero ; traduzido por Odorico Mendes. - Jandira, SP : Principis, 2021.
496 p. ; ePUB ; 2,6 MB. - (Clássicos da literatura mundial)
Tradução de: Iliáda
Inclui índice. ISBN: 978-65-5552-360-7 (Ebook)
1. Literatura grega. 2. Poesia épica. I. Mendes, Odorico. II. Título. III. Série.
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura grega 883
2. Literatura grega 821.14'02-3
1a edição em 2020
www.cirandacultural.com.br
Todos os direitos reservados.
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Texto fixado a partir de: Homero, Ilíada, tradução de Manuel Odorico Mendes, São Paulo/Campinas, Ateliê Editorial/Editora Unicamp, 2008.
Livro I
¹ Canta-me, ó deusa, do Peleio Aquiles
A ira tenaz, que, lutuosa aos Gregos,
Verdes no Orco lançou mil fortes almas,
Corpos de heróis a cães e abutres pasto:
⁵ Lei foi de Jove, em rixa ao discordarem
O de homens chefe e o Mirmidon divino.
Nume há que os malquistasse? O que o Supremo
Teve em Latona. Infenso um letal morbo
No campo ateia; o povo perecia,
¹⁰ Só porque o rei desacatara a Crises.
Com ricos dons remir viera a filha
Aos alados baixéis, nas mãos o cetro
E a do certeiro Apolo ínfula sacra.
Ora e aos irmãos potentes mais se humilha:
¹⁵ "Atridas, vós Aqueus de fina greva,
Raso o muro Priâmeo, assim regresso
Vos deem feliz do Olimpo os moradores!
Peço a minha Criseida, eis seu resgate;
Reverentes à prole do Tonante,
²⁰ Ao Longe-vibrador, soltai-me a filha".
Que, aceito o preço esplêndido, se acate
O sacerdote murmuraram todos;
Mas desprouve a Agamêmnon, que o doesta
E expele duro: "Em cerco às naus bojudas
²⁵ Não me apareças mais, quer ouses, velho,
Deter-te ou retornar; nem áureo cetro,
Nem ínfula do deus quiçá te valha.
Nunca a libertarei, té que envelheça
Fora da pátria, em meu palácio de Argos
³⁰ A urdir-me teias e a compor meu leito.
Sai, não me irrites, se te queres salvo".
Taciturno o ancião treme e obedece,
Busca as do mar flutissonantes praias.
Ao que pariu pulcrícoma Latona
³⁵ Afastando-se impreca: "Arcitenente,
Ouve, Esminteu, que Tênedos enfreias,
Crisa proteges e a divina Cila,
Se de festões colguei teu santuário,
Se de cabras e touros coxas pingues
⁴⁰ Te hei queimado, compraze-me os desejos,
A tiros teus meu choro os Dânaos paguem".
Febo, a tais preces, arco e aljava cruza,
Do vértice do céu baixa iracundo;
Vem semelhante à noite, e a cada passo
⁴⁵ Tinem-lhe ao ombro as frechas. Ante a frota
Suspenso, a farpa do carcás descaixa,
Terrível o arco argênteo estala e zune:
Moles primeiramente a cães e a mulos,
Depois com vira acerba ataca os homens,
⁵⁰ De cadáveres sempre a arder fogueiras.
As tropas dias nove asseteadas,
Ao décimo as convida e ajunta Aquiles;
Inspiração da bracinívea Juno,
Que seus Dânaos morrer cuidosa via.
⁵⁵ Ele, em pinha o congresso, velocípede
Se alça e diz: "A escaparmos, julgo, Atrida,
Retrocedermos errabundos cabe:
Peste os nossos consome e os ceifa a guerra.
Eia, adivinho, arúspice, ou de sonhos
⁶⁰ (Jove os envia) conjector se inquira,
Que explique a ofensa do agastado Febo:
Se a votos e hecatombes lhe faltamos;
Se, para desarmar-se, olor de assados
Cordeiros nos reclama e nédias cabras".
⁶⁵ A seu lugar tornou. De áugures mestre,
No passado e presente e porvir sábio,
Surgiu Calcas Testórides, que a Troia
Por influxos de Apolo as naus guiara,
E concionando exordiou prudente:
⁷⁰ "Mandas-me, ó caro a Júpiter, o agravo
Do grão frecheiro expor. Aqui prometas
Com braço e voz cobrir-me: o fel eu temo
Do amplo-reinante que domina os Graios;
E ao fraco se um monarca ódio concebe,
⁷⁵ Cose-o e concentra, enquanto o não sacia.
Tu me assegura. —
Afouto, brada Aquiles,
Vaticina. Por Febo, a Jove grato,
A quem rogas e oráculos te ensina,
Nenhum, desfrute eu vivo o térreo aspecto,
⁸⁰ Nenhum violentas mãos te porá, Calcas;
Nem que seja Agamêmnon, que entre Aquivos
De mais prestante e augusto se ufaneia."
Anima-se o bom velho: "Sacrifícios
Nem votos pede Apolo; em nós o ultraje
⁸⁵ Punindo vai do Atrida, que ao ministro
O livramento rejeitou da filha;
Nem grave a destra poupará castigos,
Se não reverte a jovem de olhos pretos,
Sem resgate ou presente, ao pai querido,
⁹⁰ Remetendo-se a Crisa uma hecatombe.
Com isto por ventura o deus se aplaque".
O áugur mal se abancava, o rei soberbo,
Senhor pujante, merencório ergueu-se:
Raiva as entranhas lhe intumesce e afuma,
⁹⁵ Cintila a vista em brasa; esguelha a Calcas
Tétrico cenho: "Desastroso vate,
Nunca essa boca aprouve-me: o teu ponto
É pregoar desditas; nem palavra
Nem obra tens que preste. Agora os Dânaos,
¹⁰⁰ Pena-os Febo em vingança da retida
Criseida em quem me inflamo, a quem pospunha
Clitemnestra gentil que esposei virgem,
Que não lhe cede em garbo, engenho e prendas.
Pois mais convêm, liberta a restituo;
¹⁰⁵ Sadio o anseio, não padeça o povo.
Mas preparai-me um prêmio; eu só dos Gregos
Dele excluído ser não me é decente;
O meu, testemunhais, me foi roubado".
Controverte o Peleio: "Vanglorioso
¹¹⁰ Avidíssimo Atrida, que outra paga
Exiges dos magnânimos Aquivos?
Por dividir ignoro onde haja espólio;
Partiu-se o das cidades saqueadas;
Hoje um novo sorteio é repugnante.
¹¹⁵ Ao deus concede-a; recompensa triple,
E quádrupla terás, quando o Satúrnio
Derrocar nos outorgue a excelsa Troia".
Retorque o rei: "Se és bravo ó divo Aquiles,
Com dolo e subterfúgios não me enganes:
¹²⁰ Possuis tua cativa, eu perco a minha;
E impões que de perdê-la me contente?
Meu peito satisfaçam de igual prenda
Os liberais Aqueus; senão, teu prêmio,
De Ulisses ou de Ajax, trarei comigo:
¹²⁵ Amargará quem for. Sobrestejamos
Nisto por ora. Ao pélago deitemos
Negra nau bem remada, que transporte
A hecatombe e Criseida esbelta e linda.
Um dos cabos, Ajax, o egrégio Ulisses,
¹³⁰ Idomeneu comande-a, ou tu Pelides,
Tremendíssimo herói, para que Apolo
Nos tentes granjear com sacrifícios".
"Ah! Como, o vulto fecha e estronda Aquiles,
Vulpina alma sem pejo, a teus acenos
¹³⁵ Há quem marche a conflitos e emboscadas?
Não vim bater os valorosos Teucros
Por queixa pessoal: corcéis nem reses
Me furtaram, nem agros destruíram
Da altriz guerreira Ftia; entre nós muita
¹⁴⁰ Serra medeia opaca e o mar sonoro.
Viemos, cão protervo, para em Troia
A Menelau e a ti lavar a nódoa.
Alardeias, ingrato, e nos desprezas;
Audaz cominas arrancar-me a escrava,
¹⁴⁵ A dádiva de Aqueus por tantas lidas.
Caia Ílion famosa: embora o peso
Da guerra em mim carregue, o mais opimo
Quinhão terás; com pouco eu volte a bordo
Sem boquejar, de choques fatigado.
¹⁵⁰ A Ftia me recolho e os meus navios,
Já que aviltas a mão que de tesouros
A fome te fartava: eu te abandono.
Foge
, Agamêmnon replicou-lhe, "foge,
Se é teu prazer; que fiques não te imploro:
¹⁵⁵ Honram-me outros, e em Júpiter confio.
Dos reis alunos dele és quem detesto;
Só respiras discórdias, rixas, pugnas.
Tens valor? agradece-lho. Os navios
Recolhe e os teus; nos Mirmidões impera:
¹⁶⁰ Não te demoro; esse rancor desdenho.
Priva-me de Criseida Febo Apolo:
Em nau minha esquipada vou mandá-la.
À tenda hei de ir-te mesmo, eu to previno,
Tomar-te a elegantíssima Briseida;
¹⁶⁵ Sentirás em poder como te excedo,
E outrem se me antepor e ombrear trema".
Chameja o herói, no hirsuto peito volve
Se de ante o fêmur desbainhe o estoque
E por entre os Aqueus lho embeba todo,
¹⁷⁰ Ou se o furor no coração reprima.
Já meia espada a cogitar sacava:
Eis da alva Juno, que os escuda e preza,
Por ordem Palas desce, e aos mais invisa,
Atrás o aferra pela flava coma.
¹⁷⁵ Volta-se ele espantado e a reconhece
Pelo medonho olhar, e sem demora:
"A que vens ó do Egífero progênie?
A assistir aos convícios de Agamêmnon?
Pois to declaro, e conto já fazê-lo,
¹⁸⁰ Tem de acabar a vida esse orgulhoso".
E a deia olhicerúlea: "Vim, de acordo
Com Juno albinitente, amiga de ambos,
Comedir-te e amansar. Anda, em palavras
Tu desabafa, a lâmina embainha.
¹⁸⁵ Por esta injúria, to predigo certo,
Inda haverás em triplo insignes prêmios.
Sê-nos pois dócil, a paixão modera".
Cumpre
, o fogoso torna-lhe, "é cordura
Mesmo irado curvar-me a tais preceitos:
¹⁹⁰ Quem se submete, os deuses mais o escutam".
Logo a pesada mão no argênteo punho
Conteve, encasa e esconde o gládio horrendo.
Ela a Júpiter se ala e às mais deidades.
Não deposto o furor, contra Agamêmnon:
¹⁹⁵ Ébrio
, acérrimo Aquiles vocifera,
"Cara de perro e coração de cervo,
Nunca te armas e à liça te abalanças,
Nunca às ciladas os homens acompanhas:
Isto te é morte. Em vasto acampamento,
²⁰⁰ Sim, mais vale esbulhar os que te arrostam:
Cobardes reges, vorador do povo;
Senão, tanta insolência aqui findara.
Por este cetro juro, que estroncado
Jamais rebentará, pois na montanha
²⁰⁵ Folhas e casca cerceou-lhe o gume;
Por este, que os Grajúgenas arvoram
Do justo guarda e das leis divinas,
Juro, Atrida, é solene o juramento,
Suspirarão sem falta por Aquiles;
²¹⁰ Nem lhes serás de auxílio, quando em barda
Esse Heitor homicida os vá segando.
Então de raiva e nojo hás de comer-te,
Porque o maior dos Gregos rebaixaste".
Nisto, arrojando o cetro auricravado,
²¹⁵ Sentou-se. O Atrida em cólera abafava.
Nestor Pílio intervém, de cuja língua
Doce eloquência mais que o mel fluía.
Dos falantes que, nados na alma Pilos,
Criaram-se com ele, idades duas
²²⁰ Decorridas, reinava na terceira.
Discreto e afável, o discurso tece:
"Numes eternos, oh! que luto à Grécia!
Oh, que júbilo a Príamo e seus filhos!
Folgue Ílio à nova de que assim litigam
²²⁵ Os de mor pulso e tino. Obedecei-me,
Sou velho, ó moços. Tido em boa conta
Com melhor que vós me dava outrora.
Varões vi nunca, nem verei, qual Drias
Das gentes regedor, Ceneu e Exádio,
²³⁰ Um Pirítoo, um divo Polifemo,
Teseu Egides a imortais parelho.
Outros como estes não nutria a terra:
Feros pugnaram trucidando a feros
Montícolas Centauros. Lá de Pilos,
²³⁵ Da Ápia eu vinha rogado; conversava-os,
Quanto era em mim nas lutas me exercia.
Ninguém dos vivos de hoje os contrastara;
Atendiam contudo os meus conselhos:
Atendê-los vos praza. Ao mais estrênuo
²⁴⁰ Tu não tomes dos nossos a só paga;
Nem de ao rei contravir, Pelides, cures;
Dos eleitos que Júpiter estima,
Cetrígero nenhum se lhe equipara:
Mãe deusa te gerou, valor te sobra;
²⁴⁵ Tem ele mais poder, que impera em muitos.
Eu to suplico, Atrida, a fúria amaina,
Sê brando para quem nesta árdua empresa
É baluarte e escudo aos Gregos todos".
E Agamêmnon: "Com tento nos falaste,
²⁵⁰ Reto ancião. Primar quer sempre esse homem,
Poderio se arroga, e eu não lho sofro.
Se os imortais invicto o constituíram,
Permitem-lhe por isso os impropérios?"
Fraco eu seria e vil
, o atalha Aquiles,
²⁵⁵ "Se inda me sujeitasse: os mais o aturem;
Cesse em mim teu domínio, eu to recuso.
Digo, e na mente o grava: ao retomardes
Meu galardão, contigo nem com outrem
Pendência travarei; mas não me toques
²⁶⁰ Al do que encerro em leve bojo escuro.
Ousa-o; que saberão como o defendo
Como em teu sangue impuro ensopo a lança".
Finda a rixa, o congresso Aqueu dissolvem.
O herói para seu bordo retirou-se,
²⁶⁵ A escolta e o seu Menécio. Ao mar o Atrida
Baixel deita, e remeiros vinte elege;
Conduz no embarque a nítida Criseida,
Mais a hecatombe: sob o cauto Ulisses
Fendem rápido as úmidas campinas.
²⁷⁰ Com lustrações o exército Agamêmnon
Expurga e n’água a lavadura atiram;
Cabras e touros cento a Febo ao longo
Do inesgotável pego sacrificam:
Monta ao céu pingue cheiro envolto em fumo.
²⁷⁵ Ali mesmo efeitua o chefe Argivo
Sua ameaça; dous arautos chama,
Taltíbio e Euríbate, expeditos servos:
"Ide ao Pelides e agarrai-me a escrava;
Aliás, mais agro transe, à força aberta
²⁸⁰ A formosa Briseida eu vou tirar-lha".
E com ríspidas ordens os despede.
O infrugífero mar cercando invitos,
Junto ao real e à capitânia quedo,
Entre os seus Mirmidões na praia o acharam:
²⁸⁵ Por certo não gostou de os ver Aquiles.
De assombro estacam, nem tugir se atrevem
Ante o herói formidável, que o percebe:
"Salve, núncios de Jove e dos guerreiros;
Sus, não vos culpo, arautos. Agamêmnon
²⁹⁰ Vo-lo ordenou. Vai tu, celeste aluno,
Vai por ela, Patroclo, e a moça levem.
Aos mortais, ao rei sevo, às divindades,
Vós mo atesteis, se for mister meu braço
A desviar dos outros a vergonha…
²⁹⁵ Que furor cego! Alheio do presente,
O porvir não prevê, nem como os Dânaos
Das naus sem risco em derredor pelejem".
Da tenda, à voz do amigo, traz Patroclo
E entrega-lhes Briseida fresca e bela,
³⁰⁰ Que os seguiu pesarosa à esquadra Argiva.
Só, carpindo-se, Aquiles na espumante
Beira ficou-se; o ponto azul esguarda,
As palmas tende e à boa mãe recorre:
"De curta vida, ó Tétis, me pariste;
³⁰⁵ Sequer me engrandecesse o Altipotente;
Mas ele não me outorga a menor glória.
Em meu despeito o soberano Atrida
Arrebatou-me o prêmio e dele goza".
Ao pé do anoso pai, lá no áqueo fundo
³¹⁰ Sentiu-lhe o pranto a veneranda ninfa:
Da salsa espuma, como névoa, surde;
Conchegada ao Pelides lamentoso,
Com mão fagueira consolando o anima:
"Choras? que ânsia te aflige? Nada encubras,
³¹⁵ Comunica-me, filho, as penas tuas".
Do íntimo o celerípede suspira:
"Sabes; que val dizer-to? A sacra Tebas
De Eetion depredada, o espólio todo
Arrecadou-se, e em regra o dividimos:
³²⁰ Teve o Atrida a pulquérrima Criseida.
Remir a filha com riqueza imensa
Do Longe-vibrador veio o ministro
Às lestes naus de cobre encouraçadas;
Nas mãos faixa Apolínea e o cetro de ouro,
³²⁵ Roga e aos dous potentados mais se abate:
Que, em reverência ao cargo, se receba
O esplêndido resgate, áfio aprovam;
Menos o Atrida, que o repulsa e afronta.
Parte o velho indignado; e o deus que o ama,
³³⁰ Dele a instâncias, vibrou feral contágio,
De que a gente em cardumes fenecia,
Pestíferas as setas rechinando
Por todo o exército. Eminente vate
O oráculo solveu-nos; e eu primeiro
³³⁵ A apaziguar o nume exorto os sócios.
Furente ergue-se o rei, minaz fulmina,
E não debalde; que olhiespertos Gregos
Em ágil nau Criseida reconduzem
Com pios dons, e arautos mesmo agora
³⁴⁰ Do pavilhão transferem-me a donzela
Que os Dânaos me doaram. Tu, que o podes,
Socorre o filho, ao grão Tonante ascende;
Se o já serviste com palavras e obras,
Hoje o depreca. A mim no pátrio alvergue,
³⁴⁵ De única blasonavas que entre os deuses
Preservaste o nubícogo Satúrnio
Do feio opróbrio, quando, à frente a esposa
E Minerva e Netuno, o encadearam:
Mas tu, madre, lhe acorres e o desprendes,
³⁵⁰ Convocas em auxílio o Centimano,
Que é nos céus Briareu, na terra Egéon.
Mais robusto que o pai, da honra altivo,
De Jove a par se teve, e de assustados
Os imortais do empenho desistiram.
³⁵⁵ Recorda-lhe isto, abraça-lhe os joelhos:
Que ajudar queira os Troas; que os Aquivos,
Té às popas e ao mar cerrados, paguem
Por seu tirano e a maldizê-lo expirem.
O amplo-dominador confesse a culpa
³⁶⁰ De insultar o fortíssimo dos Gregos".
E em lágrimas a deia: "Ai! Filho, como
Te amamentei gerado em hora infausta?
Oh! Se de mágoa ileso a bordo fosses!
Urge-te a Parca, e mais que todos penas:
³⁶⁵ Malfadado nasceste em régios paços.
Em paz, nas prestes naus, teu ódio ceves;
Que hei de ao nevoso Olimpo ir ver se dobro
Quem se deleita com trovões e raios.
Ele e sua corte, às abas do Oceano,
³⁷⁰ De inocentes Etíopes desd’ontem
A mesa logram. No dozeno dia,
Ao voltar à mansão de aênea base,
Revolvida a seus pés tocá-lo espero".
Nisto, sumiu-se-lhe e o deixou raivando
³⁷⁵ De o desfalcarem da mulher garbosa.
De Crisa em funda barra entrava Ulisses.
Ferram-se as velas, no atro bojo as metem;
Enxárcias afrouxando, o mastro arreiam;
A remo aportam, a âncora seguram,
³⁸⁰ E atadas as rajeiras, desembarcam;
Pós a hecatombe do arciargênteo Febo,
Da sulcadora nau saiu Criseida.
No altar o sábio Ulisses a apresenta,
Vira-se ao pai querido: "Aqui mandou-me,
³⁸⁵ Crises, o rei dos reis trazer-te a virgem
E estas cem reses com que o deus mitigues
Que em dores nos soçobra". Alvoroçado
O velho ao peito ansioso aperta a filha.
A perfeita hecatombe então colocam
³⁹⁰ Em torno da ara; e, os dedos já lavados,
Pegam do salso bolo. O sacerdote
Orando eleva as palmas: "Se a meus rogos,
De Tênedos Senhor, ó tu que amparas
Crisa e a divina Cila, em desagravo
³⁹⁵ O campo Argeu feriste, hoje me escuta,
Remove a peste que devora os Dânaos".
Febo o escutou. Completa a rogativa,
Esparso o farro, à vítima o pescoço
Vergam atrás, e degolada a esfolam;
⁴⁰⁰ Cérceas as coxas, no redenho envoltas,
Cobrem-nas vivas postas. Ao tostá-las
Crises na lenha tinto baco asperge:
Quinquedentado espeto lhe sustinha
Cada servente. Provam-se as fressuras,
⁴⁰⁵ Já combustas as coxas, e em tassalhos
A mais carne enroscada assam peritos,
E a obra é feita. Apronta-se o convívio:
Ninguém do seu quinhão queixar-se pôde.
Exausta a sede e a fome, das crateras
⁴¹⁰ Coroadas almo vinho os moços vertem;
Cada qual auspicando os copos liba.
Por captarem favor, o dia inteiro
Jovens Dânaos entoam ledo péan,
E seus cantos o deus regozijavam.
⁴¹⁵ Cedendo o sol à treva, ao pé repousam
Do amarrado navio, e assim que alveja
A aurora dedirrósea, o porto largam.
Ereto o mastro, as pandas brancas velas
A brisa enfuna que o certeiro Apolo
⁴²⁰ Bafeja, e a ressoar cerúlea vaga
Do buco em derredor, cortava a quilha
O páramo salobre. No abordarem
O arraial dos Aqueus, varado em seco
Sobre longos rolhões o bruno casco,
⁴²⁵ Por tendas e outras naus se repartiram.
Sempre enfadado nos baixéis, o ardente
Generoso Pelides na assembleia
De heróis não comparece ou nas batalhas;
Do ócio porém seu coração ralado,
⁴³⁰ Almeja o alarma e pela guerra brame.
Ao duodécimo dia, à casa etérea,
Em testa Jove, os numes se encaminham.
Dos mares Tétis, sem que olvide o filho,
Surgindo matutina, ali se alteia;
⁴³⁵ Semoto encontra o providente Padre
No fastígio do Olimpo cumioso;
Para, da sestra prende-lhe os joelhos,
Da destra o mento afaga, e assim lhe implora:
"Se entre imortais, senhor, te fui profícua
⁴⁴⁰ Por dito e ação, preenche-me este voto:
Orna a meu filho a vida, já que é breve;
Que o rei possante o assoberbou de insultos
E retém-lhe o só prêmio. Glorifica-o,
Ó pai celeste; aos Frígios dá vitória,
⁴⁴⁵ Té que de honras os Dânaos o acumulem".
O anuviador calou-se, e ela mais insta:
"Pois que receias? Ou concede ou nega;
Que a deusa ínfima sou prove-se agora".
Do imo geme o Tonante: "É mau que incites
⁴⁵⁰ A com seus ralhos molestar-me Juno,
Que, assídua em me aturdir perante os numes,
Desses Troianos parcial me acusa.
Vai-te, ela não te enxergue. A mim o tomo:
Do certíssimo aceno entre as deidades,
⁴⁵⁵ Selo à minha promessa irrevogável".
Então franze as cerúleas sobrancelhas,
Da cabeça imortal sacode a coma,
E estremece abalado o imenso Olimpo.
Obtido o fim, do éter puro Tétis
⁴⁶⁰ Pula ao mar, e o Satúrnio à régia passa.
Nenhum dos deuses o esperou sentado;
Vão respeitosos cortejá-lo todos.
Ele entronou-se; e Juno, que aventara
Da Nereida argentípede o segredo,
⁴⁶⁵ Assaltando o invectiva: "Quem, doloso,
Fora de mim se conluiou contigo?
Sempre agradam-te ajustes clandestinos;
Nunca um só pensamento me descobres".
E o rei supremo: "Em penetrar não cuides
⁴⁷⁰ Arcanos meus; esposa embora sejas,
Penosos te serão. Nem deus nem homem
Quanto ouvir devas me ouvirá primeiro:
Mas o que a parte no ânimo concebo,
Não mo perguntes, nem mo inquiras, Juno".
⁴⁷⁵ A augusta irmã contesta: "Que proferes?
Jamais pergunto nem te inquiro nada;
A teu sabor tranquilo deliberas.
Mas temo te seduza, ó cru Satúrnio,
A branca filha do marinho velho:
⁴⁸⁰ Madrugou-te abraçando-te os joelhos;
E suspeito anuíste a que ante a frota
Sucumbam Dânaos por amor de Aquiles".
Redargui o que as nuvens amontoa:
"Ruim maliciosa, eu não te escapo;
⁴⁸⁵ No desagrado meu com isso incorres.
Trago pior terás; que lucro esperas?
Se é verdade o que dizes, foi meu gosto.
Não mais, submissa em teu lugar sossega:
Se as mãos te calmo invictas, pouco importa
⁴⁹⁰ Que te acudam do polo os moradores".
A olhitáurea, tremente e silenciosa,
Volve a seu posto, na alma a dor sopeia;
Os demais carregaram-se tristonhos.
Por consolar a bracinívea madre,
⁴⁹⁵ Vulcano ínclito fabro assim começa:
"É praga intolerável que aos Supremos
Questões humanas alvoroto excitem;
Se o mal grassa, os festins seu preço perdem.
À mãe discreta aviso a que amacie
⁵⁰⁰ Meu pai dileto; a repreensão de novo
Não nos turbe as delícias do banquete:
Pois, se tal se lhe antoja, o Onipotente
Destes assentos nos derriba a todos.
Sim, com ternos obséquios o acarinhes:
⁵⁰⁵ Plácido ele nos seja". E em tom mais baixo;
Duplicôncava taça, erguido, oferta:
"Paciente, cara mãe, sufoca o anojo;
Estes olhos batida ah! não te vejam.
Meu zelo e meu pesar que prestariam?
⁵¹⁰ Contra o fulminador árduo é lutarmos.
No acorrer-te uma vez, do pé travado,
Precipitou-me do limiar divino.
Toda a noite rolei na imensidade;
A Lemnos, posto o Sol, fui ter exânime,
⁵¹⁵ E os Síntios ao cair me agasalharam".
Sorrindo, a clara deia o copo aceita.
Pela destra, em redor, seu filho aos numes
Da cratera entornava o doce néctar.
Os beatos celícolas romperam
⁵²⁰ Numa infinita cachinada, quando
Vulcano a escancear se azafamava.
É já tarde, e regalam-se os convivas
De iguais porções de opíparos manjares.
Tange na lira Apolo, e as Musas cantam
⁵²⁵ Com suave cadência e melodia.
Dês que a diurna luz desaparece,
Desencostados, cada qual procura
Seu domicílio no esplendente alcáçar,
Do coxo mestre fábrica estupenda.
⁵³⁰ O fulgurante Olímpio ao toro sobe,
Onde usa o meigo sono acometê-lo;
Dorme-lhe em braços a auritrônia Juno.
Livro II
¹ Deuses e campeões a noite os lia;
Só vela o Padre, a ruminar de que arte
Levante Aquiles e escarmente os Gregos.
A Agamêmnon soltar por fim resolve
⁵ Um maléfico Sonho, e o chama e apressa:
"Voa, Sonho falaz, do Atrida às popas;
Quanto prescrevo, exato lho anuncia:
Que arme os crinitos Graios e as falanges,
De extensas ruas a cidade expugne;
¹⁰ Que, intercedendo Juno, o Céu concorde
Ameaça de ruína a excelsa Troia".
De cor este recado, o Sonho parte
Às naus ligeiras, e acha o Atrida preso
Do sono, que lhe cerca e embebe a tenda.
¹⁵ À cabeceira, os traços do Nelides
Nestor vestindo, a quem o Argeu potente
Mais do que a todos venerava, o argui:
"Dormes, de Atreu guerreiro ó nobre filho?
E dorme em cheio o próprio em quem descansa,
²⁰ A quem do exército o cuidado incumbe?
Escuta; mensageiro eu sou de Jove,
Que de longe em ti pensa e te lastima:
Arma os crinitos Graios e as falanges,
De extensas ruas a cidade expugna;
²⁵ Por Juno o Céu concorde, a mão suprema
De iminente ruína ameaça Troia.
Estas expressas ordens não te esqueçam,
Do melífico sono ao despertares".
Eis some-se, e o rei fica em devaneios
³⁰ De ir assolar de Príamo a cidade;
Ignora o que o Satúrnio lhe maquina,
Suspiros e aflições que em duros transes
A Troianos e Aquivos se aparelham.
Acorda, e em torno inda a visão lhe soa:
³⁵ Sentado, a nova túnica luzente
Mórbida enfia, embrulha-se no manto,
Liga as sandálias que nos pés lhe fulgem,
Do ombro suspende a claviargêntea espada,
Cetro paterno empunha incorruptível;
⁴⁰ Passa da tenda aos bronzeados bucos.
Do Sol embaixatriz à corte Olímpia,
A Aurora abria; com pregões o Atrida
Os comados Grajúgenas convoca,
E à voz canora dos arautos correm.
⁴⁵ Primeiro, ante o baixel do rei de Pilos,
Os príncipes longânimos consulta:
"Sócios, visão divina eu tive à noite;
Era Nestor em talhe, em gesto e porte.
À minha cabeceira, assim me increpa:
⁵⁰ — Dormes, de Atreu guerreiro ó nobre filho?
E dorme em cheio o próprio em quem descansa,
A quem do exército o cuidado incumbe?
Escuta; mensageiro eu sou de Jove,
Que de longe em ti pensa e te lastima:
⁵⁵ Arma os crinitos Graios e as falanges,
De extensas ruas a cidade expugna;
Por Juno o Céu concorde, a mão suprema
Em Troia pesa. O mando não deslembres. —
E evolou-se a visão, deixou-me o sono.
⁶⁰ De armar a gente o meio imaginemos.
Quero apalpá-la, intimarei que fujam
Nossas naus; de propósito espalhadas,
Persuadi vós outros o contrário".
Ei-lo assentou-se, e da arenosa Pilos
⁶⁵ O cordato reinante em pé discorre:
"Da Grécia esteios, príncipes e amigos.
Se outrem, que não do exército o cabeça,
Tal sonho referisse, de mentira
O tacháramos todos impugnando:
⁷⁰ Grave é seu testemunho e irresistível.
Arme-se a gente; examinemos como".
Larga o velho o conselho, e o mesmo fazem,
Obsequiando ao maioral dos povos,
Cetrados reis. A multidão fervia:
⁷⁵ Quais de oca pedra, em sucessivos bandos,
Brotam nações de abelhas, pressurosas
No multíplice adejo, e em cachos pousam
Do verão sobre as flores; tais, brotando
De naus e tendas, sobre a vasta praia
⁸⁰ Grupos e grupos à assembleia afluem.
Pica-os a Fama, que enviara Jove;
Cresce a balbúrdia, arengam, tumultuam.
Do tropel freme a terra, o estrondo ecoa.
De arautos nove a brados, o alarido
⁸⁵ Lá cede à voz dos reis, do Olimpo alunos.
Cala a turba e se abanca; alçou-se o Atrida.
O seu cetro esculpiu Vulcano a Jove,
Que ao de Argos matador brindou com ele,
E ao cavaleiro Pélope Mercúrio;
⁹⁰ Atreu régio pastor houve-o de herança:
Depois coube a Tiestes pecoroso;
A Agamêmnon Tiestes o transmite,
Com a Argólida inteira e bastas ilhas.
Neste se apoia, e rápido se explica:
⁹⁵ "Ó fâmulos de Marte, amigos Dânaos,
Enreda-me o Satúrnio em lance infesto:
Selou que, Ílio extirpada, eu regressasse;
Hoje enganoso, tanta vida extinta,
À pátria exige que eu reverta inglório.
¹⁰⁰ Do prepotente é gosto, cujo braço
Pujante há mil cidades derrocado,
E mil derrocará. Mancha indelével!
Ressoe no porvir que inumeráveis,
Sem êxito nenhum, travamos guerra
¹⁰⁵ Com tão poucos varões; pois, lealmente
Ferida a paz, e os Troas computados
E em decúrias os Gregos, vinho um Troa
Vertesse a cada Grego, faltariam
Escanções a muitas decúrias:
¹¹⁰ Tanto julgo aos de Troia sobejamos.
Porém grandes cidades a auxiliam,
Bravas lanças brandindo, que, mau grado,
Reparos seus desmoronar me tolhem.
De Júpiter nove anos decorreram,
¹¹⁵ Lenhos já podres, cabos já delidos;
E em casa à espera esposas e filhinhos
Talvez estão. Da empresa desistimos;
Assim nos é forçoso: velas dadas,
Volte-se ao ninho pátrio; não podemos
¹²⁰ Ílio soberba conquistar; fujamos".
Isto comove os corações estranhos
Ao privado conselho, e se afervoram,
Quais do Icário as maretas que Euro e Noto,
Fendendo a Jove as nuvens, encapelam.
¹²⁵ Como ao volúvel Zéfiro a seara
Cicia em ondas, a assembleia toda
Se atira às naus com militar celeuma,
E à marcha o pó se enrola e o céu remuge.
Da volta ansiosos, em limpar caneiros
¹³⁰ E em deitá-las ao pélago porfiam.
As quilhas, dos rolhões desimpedidas,
Iam partir, contra a fatal vontade
Se não se dirigisse a Palas Juno:
"Quê! Do Egíaco prole, em fuga os nossos
¹³⁵ Traçam por entre o equóreo dorso imano
Rever a pátria, a Príamo o triunfo
E aos dele abandonando Helena Argiva,
Por quem tantos em Troia hão perecido
Longe da mesma pátria? Ah! Com doçura
¹⁴⁰ Os Dânaos suadindo eriarnesados,
Coíbe homem por homem, que não desçam
Ao mar nenhum baixel que a remo vogue".
A olhigázea Minerva incontinente
Lá do pino do Olimpo se despenha;
¹⁴⁵ Baixa à frota veloz, de Ulisses perto:
Sisudo como Jove, em dor imerso,
Na embarcação, de apelamento pronta,
Pausado nem tocava; e a deusa o aborda:
"Generoso Laércio, astuto Ulisses,
¹⁵⁰ Em bem providas naus fugis, a palma
A Príamo deixando e em Troia Helena,
Por quem já pereceram tantos Gregos
Longe da pátria? Sem tecer demoras,
Revista o exército, e com brandas vozes
¹⁵⁵ Coíbe homem por homem, que não desçam
Ao mar nenhum baixel que a remo vogue".
Ele a compreende, e arremessando a capa,
Que, Ítaco e arauto seu, lhe apanha Euríbate,
Ao quartel se encaminha de Agamêmnon;
¹⁶⁰ Toma-lhe o cetro avito. As naus perlustra
E Aqueus de ênea loriga; e, se encontrava
Magnata ou rei, dulcíloquo o detinha:
"Quê! Trepidas, varão? Teu posto guarda,
Sossega as tropas. O ânimo do Atrida
¹⁶⁵ Sondaste acaso? Agora os Gregos tenta,
E breve os punirá. Nem tudo ouvimos
Do que expôs no conselho. Contra os nossos
A cólera do rei quiçá dispare.
Jove ao trono o moldou, Jove o protege".
¹⁷⁰ Mas, se topa um plebeu vociferando,
Lhe imprime o cetro e grita: "Ímprobo, cal-te;
Atende aos superiores. Néscio e ignavo,
No alvitre és nulo, és nulo nas pelejas.
Pois tantos reinaremos? Dana e empece
¹⁷⁵ De muitos o primado: um rei domine,
Que houve este cetro e o jus do deus supremo".
E assim refreia a chusma. A congregar-se
De naus e tendas outra vez ruíam
Estrepitosos, qual batendo as praias
¹⁸⁰ Muge horríssima vaga e o mar reboa.
Quietos já, Tersites inda gane,
Petulante motino que, de inépcias
Pleno o bestunto, contra os reis verboso
Alterca e à soldadesca excita o riso:
¹⁸⁵ Dos cercantes feiíssimo, era manco,
Vesgo e giboso, e tinha o peito arcado
E em pontuda cabeça umas falripas;
Mordia sempre a Ulisses e o Pelides,
Cego de inveja; estruge então com ladros
¹⁹⁰ O rei dos reis e a todos afeleia,
E quanto mais se indignam mais braveja:
"Atrida, que te falta? A rodo os bronzes,
Tens contigo mulheres que, ao rendermos
Qualquer cidade, escolhes o primeiro.
¹⁹⁵ Que inda cobiças? Ouro que te oferte
Équite Frígio em remissão do filho,
Quer o eu traga em prisões, quer outro Grego?
Ou moça que se mescle em teus amores
E apartada retenhas? É miséria
²⁰⁰ Ser escândalo aos súditos. Voguemos,
Gregas, não Gregos, raça mole e inerte:
Cá permaneça e o que tragou digira;
Aprenda se de ajuda ou não lhe somos
Quem, de baldões coberto o mais valente,
²⁰⁵ A escrava arrebatou-lhe. Ah! Se o Pelides
Não remitisse a cólera e afrouxasse,
O teu descoco, Atrida, último fora".
Assim contra Agamêmnon blasfemava.
Carregado no vulto, o assalta Ulisses:
²¹⁰ "Pare a cantiga, charlator Tersites,
Abarbar-te com reis tu só não queiras:
Escória dos sectários dos Atridas,
Na língua os teus balofa e audaz censuras?
Vil pela fuga opinas: duvidamos
²¹⁵ Se é bem, se é mal, que efeito isso produza;
Mas porque vituperas Agamêmnon,
O maior potentado, nos é claro:
De heróis te pesa dádivas receba.
Guar-te que eu te inda veja em tais loucuras:
²²⁰ Fora mesmo a cabeça tenha Ulisses,
Nem pai do meu Telêmaco me chamem,
Se não te agarro e dispo-te os vestidos,
Capa, túnica e o mais que o pudor vela,
Se, da assembleia expulso e azorragado,
²²⁵ Choramingando às naus te não remeto".
Na espádua eis o fustiga: ele se encolhe
E lagrimeja à dor; sangrento as costas
Lhe incha o vergão do cetro; indo sentar-se,
Pávido e oblíquo olhando, enxuga as faces;
²³⁰ Do afogo em meio espraia-se a risada.
Um virou-se ao vizinho: "À fé, que o douto
Conselheiro sagaz, na guerra instruto,
Nunca entre Aqueus obrou com tanto acerto,
Como açaimando agora esse palreiro,
²³⁵ Que os reis há de poupar de escarmentado".
Sussurra o vulgo, e em pé de cetro acena
O de cidades vastador Ulisses;
De arauto em forma a deusa olhicerúlea
Impõe silêncio nas fileiras todas,
²⁴⁰ Para que simultâneo o sábio aviso
Do eloquente orador nos Dânaos cale:
"Querem-te, ó rei dos reis, que o labéu sejas
Dos falantes mortais, os que a ti mesmo
Juraram não rever da Grécia os campos,
²⁴⁵ Sem que de Ílio as muralhas destruíssem:
Qual ou pobre viúva ou criancinha,
Da casa estão chorando com saudades.
Após fadigas tais, regresso triste!
Longe um mês da mulher definha o esposo
²⁵⁰ Em nau remeira, de invernais marulhos
Retardada: nove anos devolvidos,
Como estranhar ao povo a impaciência?
Porém se é torpe, amigos, a demora,
Não o é menos tornarmos de vazio.
²⁵⁵ Constância um pouco mais, e averiguemos
As predições de Calcas: bem nos lembram;
Testemunhai-me, todos vós da Parca
Redimidos fatal. Inda ontem, Gregos,
Não foi que em Áulis congregou-se a frota
²⁶⁰ Contra Príamo e Troia? Ante uma fonte,
No imolarmos completas hecatombes,
De um plátano frondoso, donde mana
Límpida veia, surge grão prodígio:
Drago horrendo, malhado em sangue o lombo,
²⁶⁵ (À luz o Olímpio sumo o expediu mesmo)
Do supedâneo da ara deslizando,
Ao plátano rojou. Nele acoutadas
Sob a rama oito implumes avezinhas,
Novena a mãe fagueira as aninhava.
²⁷⁰ Pipitando era dó se debaterem,
Quando ele as engolia, e a mãe carpindo
Em torno revoar; última o drago
Da asa lhe trava e súbito a devora.
Mas, durante o holocausto, em pedra o muda
²⁷⁵ Quem o mandara; e a nós, emudecidos
E extáticos do horrífico portento,
Calcas vaticinou: — Comantes Graios,
Estupefatos sois? Previsto Jove
Daqui nos prognostica um tardo evento,
²⁸⁰ Se bem de glória eterna. As oito implumes,
E nona a mãe, tragou-as a serpente:
Forçoso é pelejar por tantos anos,
Mas ao dezeno cairá Dardânia. —
A profecia é tal, cumprir-se deve.
²⁸⁵ Eia, grevados sócios, persistamos,
Té sucumbir a soberana Troia".
Um geral grito, horrendo retumbando
Pelas côncavas naus divino o aclama.
Presto o Gerênio: "Discursais, oh! pejo,
²⁹⁰ Fracos meninos da milícia alheios.
Onde a jurada fé? Tem gasto o fogo
Viris projetos e consultas, pactos
Que as libações e as destras consagraram?
Disputas vãs! O tempo aqui perdemos.
²⁹⁵ Cessem palavras: como sempre, Atrida,
Rege firme os combates. Apodreçam
Em ócio os raros díscolos; mas nunca
Tornar conseguirão, sem deslindarmos
Se nos falseia o egífero Satúrnio:
³⁰⁰ Ele anuiu, no dia em que embarcamos
De Ílio trazendo o fado em naus veleiras,
E à destra fulgurou, propício agouro.
Com a esposa de um Teucro antes que durma,
Rapto e mágoas de Helena assim vingando,
³⁰⁵ Nenhum se apresse; e quem, da fuga amigo,
De crenado baixel tocar nos bancos,
O mortal trago provará primeiro.
Agamêmnon, reflete e os bons escuta,
Nem este meu alvitre, ó rei, desdenhes:
³¹⁰ Divisa em tribos toda a gente e em cúrias,
Socorra cúria a cúria e tribo a tribo.
Coadjuvem-te os Dânaos; que, seu braço
Na ação mostrando cada qual, o esforço
Distinguirás do chefe ou do soldado;
³¹⁵ Se obstam os deuses a que expugnes Troia,
Ou dos teus a imperícia e cobardia".
Respondeu-lhe Agamêmnon: "Consumado
Na eloquência, ó Nestor, superas todos.
Júpiter, Palas, Febo, quem me dera
³²⁰ Dez conselheiros tais! Breve arrasadas
As muralhas de Príamo seriam.
De pesares transbordo! Em lide amarga
Pelo Satúrnio imersos eu e Aquiles,
Acres sobre a donzela contendemos;
³²⁵ Primeiro eu me irritei. Se inda o congraço,
Num só momento acabará Dardânia.
Ide comer, que pelejar nos cumpre:
Afilem-se hastas, lustrem-se rodelas;
Bem fartos os sonípedes, os coches
³³⁰ Bem revistados, cuide-se na guerra;
É sacro o dia todo a Marte sevo.
Depois, nem trégua nem repouso, enquanto
A noite resfriar o ardor não venha:
Quente o suor do escudo a soga banhe,
³³⁵ Pulsos fatigue o menear da lança,
Ao carro terso o corredor espume.
Porém se algum, para fugir à pugna,
Eu souber se desleixa em nau rostrada,
Aos abutres e cães fugir não conte".
³⁴⁰ Alteia-se um clamor, qual de onda equórea
Que arroja Noto sobre aguda penha,
Sempre de opostos ventos combatida:
Já se levantam; pelas tendas lume
Acendem logo, a refeição preparam;
³⁴⁵ Cada Argivo a seu nume ofrenda, roga
Livre-o da morte e bélicos perigos.
Ao pai sumo Agamêmnon sacrifica
Pingue touro quinquene; os mais conspícuos,
Nestor em frente e Idomeneu, convida;
³⁵⁰ Um e outro Ajax, Diomedes; sexto Ulisses,
No siso igual a Jove: per si mesmo
Vem Menelau guerreador, ciente
Dos generosos fraternais cuidados.
Com seus bolos nas mãos, a rês circundam,
³⁵⁵ E ora o chefe de heróis: "Senhor etéreo
Das cerrações, glorioso onipotente,
Antes que o sol transmonte e assome a treva,
Dá-me o esplêndido paço, em brasa as portas,
A Príamo assolar; de Heitor ao seio
³⁶⁰ Romper a brônzea túnica, e de rastos
Os seus em torno dele a terra mordam".
Sem que anua, lhe aceita a oferta Jove,
E aumenta o afã. Perfeita a rogativa,
Esparso o farro, à vítima o pescoço
³⁶⁵ Vergam atrás, e degolada a esfolam;
Cérceas as coxas, no redenho envoltas,
Vivas postas em cima, esgalhos secos
As vão tostando. As vísceras ao fogo
No espeto enroscam; mas, provadas estas,
³⁷⁰ Já combustas as coxas, em tassalhos
A mais carne enfiada assam peritos.
Finda a obra, adereça-se o banquete,
E das iguais porções nenhum se queixa.
Exausta a sede e a fome, assim perora
³⁷⁵ O picador Gerênio: "Ó rei sublime,
Augustíssimo Atrida, ócios quebremos,
Urge a façanha que nos fia o Padre:
Os arautos na praia, eia, arrebanhem
Emalhados Aqueus; pelo amplo exército
³⁸⁰ Vamos nós despertar mavórcios brios".
Agamêmnon concorda, e arautos manda
O assalto apregoar: crinita gente
Convocada referve; os circunstantes
Reis da escolha de Jove as linhas formam;
³⁸⁵ A gázea Palas a imortal embraça
Égide incorruptível, donde pendem
Cem franjas de áurea tela, cada franja
Do preço de cem bois: de fila em fila
A vibrá-la, os Aquivos apressura
³⁹⁰ A pugnar valorosos e incessantes;
E combater então lhes foi mais doce
Que à pátria regressar. Como edaz fogo,
Selva imensa abrasando em serranias,
Longe fulgura; a hoste assim marchava
³⁹⁵ Entre aêneo esplendor, que inflama os ares.
Como, aleando em batalhões volúveis,
Por Ásio pasto, em cerco do Caístro,
Ora uns, ora outros a avançar, exultam
Gansos ou grous ou colilongos cisnes,
⁴⁰⁰ E o grasnido confuso atroa o prado;
Assim da frota e pavilhões as turbas
Ali se esparzem, do tropel medonho
De homens e de corcéis rebrama a terra;
Tantos as veigas do Escamandro pisam.
⁴⁰⁵ Quantas folhas vernais ou flores brotam.
Quais erram moscas pelo estio, quando
Nos tarros do pastor esguicha o leite;
É tal no plaino a soma desses Dânaos,
Do sanguíneo triunfo ambiciosos.
⁴¹⁰ Mas, de inúmeros fatos nos pastios
Se o cabreiro separa as notas crias,
Seus soldados na ação discerne e alinha
Cada chefe. Exalçava-se Agamêmnon:
O Tonante emprestou-lhe o porte e os olhos,
⁴¹⁵ Netuno os peitos, a cintura Marte.
Entre novilhas armental o touro
A fronte eleva: Júpiter não menos
Fez que o primaz Atrida aquele dia
Entre celsos varões se abalizasse.
⁴²⁰ Oh! Celícolas Musas, inspirai-me;
Sois deusas e na mente abrangeis tudo:
Roçou-nos único o rumor da fama.
Nem que dez bocas, línguas dez houvesse,
Voz infrangível, coração de bronze,
⁴²⁵ Pudera eu memorar quantia e nomes
Dos que às plagas Ilíacas vieram:
Isso às filhas do Egífero compete.
Vou pois enumerar as naus e os cabos.
Os Beócios governa Peneleu,
⁴³⁰ Protenor, Clônio, Leuto e Arcesilau:
De Aulide pétrea, Esqueno, Téspia, Escolo,
Da Serrana Eteone íncolas eram,
De Híria, Graia e espaçosa Micalesso;
Ou de Hile, Harma, Elíola, Hésio, Eritas,
⁴³⁵ Péteon, Ocaleia, Eutresis, Copas,
Da columbosa Tisbe e torreada
Medeona; ou de Glissa e Coroneia,
Da virente Haliarto e de Plateias,
Ou de Hipotebas de edifícios nobres;
⁴⁴⁰ Mais do aprazível Netunino luco,
Ou de Mideia e de Arne pampinosa,
Da augusta Nissa, Antédona postrema.
Cada Beócia nau, de umas cinquenta,
Guerreiros tripulavam cento e vinte.
⁴⁴⁵ Os da Minieia Orcómeno e de Asplédon
São com Iálmeno e Ascálafo, que a Marte
Pariu de Actor Azida em casa Astíoque:
À interna alcova da pudica virgem
O deus subiu furtivo e entrou com ela.
⁴⁵⁰ Naus destes filhos abordaram trinta.
Sob Epístrofo e Esquédio, nado insigne
De Ífito Naubolides, os Focenses,
Quer de Píton fragosa e augusta Crissa,
Dáulida, Ciparisso e Panopeia,
⁴⁵⁵ De arredores de Hiâmpole e Anemória,
Quer do ilustre Cefisso, ou de Lilaia
Dele matriz, em galeões quarenta,
Dos Beócios à esquerda os colocaram.
Não como o Telamônio alto e membrudo,
⁴⁶⁰ Pequeno em corpo e o seu jubão de linho,
Mas no dardo excedendo Aqueus e Helenos,
O lesto Ajax de Oileu movia os Lócrios,
De Cino, Escarfe, Opóente e Calíaro,
De Bessa a Angeia amena habitadores,
⁴⁶⁵ De Tarfe e Trônio, às abas do Boágrio:
Dos que d’além da sacra Eubeia moram,
Seguem-lhe a voz quarenta escuros vasos.
Eubeia expede Abantes alentados:
São de Estira e Caristo, Erétria e Cálcis,
⁴⁷⁰ De Histieia racimosa, Dio alpestre
E litoral Cerinto. O Calcodôncio
Príncipe Elefenor, de márcia estirpe,
Em quarenta galés os petrechara;
Ágeis, forçosos, de comada nuca,
⁴⁷⁵ Destros na hasta fraxínea e aos tresdobrados
Peitos hostis em desfazer couraças.
Os da orgulhosa Atenas (corte egrégia
De Erecteu magno, da alma Télus parto,
A quem Palas Dial, que o educara,
⁴⁸⁰ Deu sede em ricas aras, onde o povo
De lustro em lustro imola e de ano em ano
Cordeirinhos e bois que a deusa abrandem)
Capitaneia-os Menesteu Petides.
Homem nenhum como ele ordenar soube
⁴⁸⁵ Jungidos carros e adargadas hostes,
Salvo o experto Nestor por mais longevo.
Cinquenta embarcações lhe obedeciam.
De Salamina as doze, reuniu-as
O Telamônio às Áticas falanges.
⁴⁹⁰ De Tirinto munida, Argos, Trezene,
Lá do golfo de Hermíone e de Asine,
De Eiona e da vitífera Epidauro,
E de Egina e Masete a flor guerreira,
Tidides fero, Estênelo do exímio
⁴⁹⁵ Capaneu filho amado, os reprimiam;
Mais o divino Euríalo, do régio
Talaionides Mecisteu progênie:
Diomedes belicoso o máximo era.
Bojos negros oitenta os encerravam.
⁵⁰⁰ Os de Órnias, da magnífica Micenas,
Da altaneira Cleona, áurea Corinto,
Sicíone em que reinou primeiro Adrasto;
Os da fresca Aretírea, os que Hiperésia,
Agros de Hélice extensa e a costa habitam,
⁵⁰⁵ E Gonoessa altiva, Égion, Pelena:
Todos em cascos cem trouxe Agamêmnon.
Tropa extremada e imensa o rei mantinha;
Em bronze reluzindo, galhardeia
De ser entre os Aqueus o assinalado,
⁵¹⁰ Em forças o maior e o mais possante.
Os do vale da grã Lacedemônia,
Fáris e Esparta, Messa altriz de pombas,
De Amiclas, Lãa, Brísea e leda Augia;
De Helos marinha, de Étilo e contornos:
⁵¹⁵ O estrênuo Menelau, segundo Atrida,
A parte armou-os em galés sessenta.
Afouto os acorçoa, ardido anela
Desagravar o rapto e ais da esposa.
Nestor o velho de Gerena, em cavos
⁵²⁰ Baixéis noventa, presidia os Pílios,
Os de Épi encastelada e Arena aprica,
De Trio vau do Alfeu, Ciparessenta,
Ptéleon e Anfigênia, de Helos, Dórion,
Onde ufanoso, ao vir de Eurito e Ecália,
⁵²⁵ A cantar provocou Tamires Trácio
As do Egíaco filhas doutas Musas,
Que o tino e a vista irosas lhe apagaram:
Da alma a poesia lhe fugiu celeste,
Nem na cítara mais dedilhar soube.
⁵³⁰ Os de perto pugnazes, das da Arcádia
Cilênias faldas, junto à Epítia campa,
De Feneu, Ripe e Orcômeno armentosa,
Tégea, Estrátia e risonha Mantineia,
Ventosa Enispe, Estínfalo e Parrásia,
⁵³⁵ Práticos na milícia, os acaudilha
Em naus sessenta, cada qual mais cheia,
O Anceides Agapénor. Para o ponto
Cérulo transfretano atravessarem,
Pois que eles da marinha careciam,
⁵⁴⁰ Deu-lhas aparelhadas Agamêmnon.
Os de Hirmine e Buprásio, Elide santa,
Mírcino extrema, Alísio, Olênia sáxea,
Em dez quadripartida ocupam frota
Que Epeus esquipam. De Cteato filho,
⁵⁴⁵ Os manda Anfímaco; após ele Tálpio,
Do Actoriônio Eurito; o Amarineides
Belaz Diores é terceiro; é quarto
O divinal formoso Polixino,
Do Augeiada Agastenes procriado.
⁵⁵⁰ Os Dulíquios e os mais das ilhas sacras
Equínades, ao mar de Elide sitas,
Em quarenta baixéis com márcio arrojo
Meges dirige: a vida a Fileu deve,
Équite a Jove grato, que em Dulíquio
⁵⁵⁵ Emigrando esquivou paternas iras.
Os Cefalenses e Ítacos briosos,
Os da áspera Egilipe e de Crocílio,
Zacinto, Samos, Nérito sombria,
E os do Epiro e fronteiro continente,
⁵⁶⁰ Ao divo prudentíssimo Laércio
Em doze rubros galeões seguiam.
Em quarenta os Etólios velejaram,
De Olenos, de Pleurona e de Pilene,
Cálcis marinha e Cálidon fragosa,
⁵⁶⁵ Sob o Andremônio Toas, que imperava;
Eneu já sendo e a boa prole extintos,
Pois nem restava o louro Meleagro.
Fuscos oitenta cascos, das famosas
Licto, Mileto, Rício, Festo e Cnosso,
⁵⁷⁰ Da murada Gortina, alva Licasto,
Na hecatômpola Creta abastecidos,
Anima Idomeneu de invicta lança,
E o de Belona Merion querido.
Nove outros forneceu dos Ródios feros,
⁵⁷⁵ Entre Jalisso, Linde e a branquejante
Camiro tripartidos, grande e forte
O hábil hasteiro Tlepolemo, estirpe
De Astioqueia e de Hércules, que a trouxe
De Efírio e do Seleis, cidades várias
⁵⁸⁰ Tendo a alunos de Jove derruído.
Crescendo em casa, ele matou Licinos,
Idoso de seu pai materno tio,
Renovo do Gradivo. Esquadra a furto
Forma e guarnece, e escapa-se dos netos
⁵⁸⁵ E outros filhos de Alcides à vingança.
Flutua e a Rodes, pesaroso, arriba:
Em tribos três seu povo ali segrega,
Povo benquisto ao nume soberano,
Que largueou-lhe pródigas riquezas.
⁵⁹⁰ Nireu três naus irmãs de Sine ostende,
Nireu do rei Caropo e Aglaia prole,
O Grego mais gentil que veio a Troia,
Depois do em tudo sem senão Pelides;
Mas, pusilânime, arrebanha poucos.
⁵⁹⁵ Fídipo e Antifos trinta bucos enchem
(Tessalo Heráclida é seu pai) de quantos
Cultivam Cason, Crápato e Nisiro,
E Cós ilha de Eurípilo e as Calidnas.
De Álope, Argos Pelasga, Álon, Trequina,
⁶⁰⁰ De Ftia e de Hélade em beldades fértil,
Os Mirmidões e Aqueus e Helenos ditos,
Aquiles em cinquenta os refreava.
De horríssonas contendas se deslembram,
Falta-lhes capitão; que, ausente a jovem
⁶⁰⁵ Crinipulcra Briseida, o herói a bordo
Irado jaz. Tomou-a de Lirnesso,
Que ele a bem custo soverteu com Tebas,
Mortos Mínete e Epístrofo belazes,
De Eveno Selepíada nascidos.
⁶¹⁰ Mas do ócio ainda surgirá terrível.
Os de Fílace e Itone mãe de ovelhas,
Do Pirrásio de Ceres flóreo parque,
De Ptélon pascigosa e Ântron costeira,
Denodado os juntara em naus quarenta
⁶¹⁵ Protesilau, que a terra já cobria:
Primeiro no saltar, um Teucro o mata;
No inacabado alvergue as faces rasga
Em Fílace a mulher. Saudosos dele,
Do em rebanhos ali possante Ificlo
⁶²⁰ Nado menor, Podarces ordenava-os;
Tão prestante não era e apessoado,
Mas dignamente pelo irmão supria.
Dos de Glafire e altíssima Iaolcos,
Beba e Feres ao pé do lago Bébis,
⁶²⁵ Tem galés onze Eumelo, prenda cara
De Admeto e Alceste, exemplo de matronas,
Das que Pélias gerara a mais formosa.
Das sete em que os Metônios e os Taumácios,
Os da tosca Olizona e Melibeia,
⁶³⁰ Continha o magno archeiro Filoctetes,
Remavam sagitíferos cinquenta
Cada bélica popa. Em Lemnos sacra
Dos seus desamparado, ele agras dores
Da úlcera de tetra e feroz hidra
⁶³⁵ Mestíssimo curtia. Os próprios Gregos
Se hão de amiúde lembrar de Filoctetes;
Mas, bem que tarde por seu rei suspirem,
Submetem-se a Medon, que em Rena espúrio
Houve o urbífrago Oileu. — Tem Podalírio
⁶⁴⁰ E Macaon, herdeiros de Esculápio,
Trinta vasos de Trica e bronca Itone,
Também de Ecália capital de Eurito.
De Evemon garfo ilustre, manda Eurípilo,
Da alva serra Titane, Hipéria fonte,
⁶⁴⁵ Ormênio e Astério, embarcações quarenta.
Noutras tantas os de Orte, Elon, Gírtone,
Da branca Oloossona e Argissa, o firme
Campeador Polipetes sujeitava-os.
Do rebentão de Jove Pirítoo
⁶⁵⁰ Bela Hipodame o concebeu, do Pélion
Nesse dia em que às Étices montanhas
Ultriz lançara os híspidos Centauros.
Leonteu se lhe agregou de márcio esforço,
Digna vergôntea de Coron Cenides.
⁶⁵⁵ Em vinte duas traz Guneu de Cifo
Aguerridos Perebus e Enienes,
Os da fria Dodona, os que residem
Nas lavras do suave Titarésio,
Que sem mesclar-se no Peneu deságua
⁶⁶⁰ De vórtices de argento e pulcra a veia
Como óleo sobrenada; pois da Estige,
Grave para jurar-se, ele dimana.
Em quarenta os Magnetes, do frondoso
Pélion e margens de Peneu, vogaram
⁶⁶⁵ Sob o veloz Protoo Tentredônio.
Tais são da Grécia os cabos. Lembra, ó Musa,
Qual o mais forte assecla dos Atridas,
Quais dos ginetes os melhores eram.
De um livel, pelo e dorso, equevas ambas,
⁶⁷⁰ Éguas de Feres que maneja Eumelo,
Alípedes que Apolo arco de prata
Na Piéria nutrira, muito excelem,
Fêmeas de ímpeto e fogo e as mais tremendas.
O Telamônio Ajax vencia a todos,
⁶⁷⁵ Enquanto Aquiles, que sem par sofreia
Os mais guapos frisões, raivoso estava
Nos bicudos baixéis contra Agamêmnon.
Nas tendas a coberto, junto aos carros,
Aipo os corcéis palustre e loto pascem.
⁶⁸⁰ Pela praia os soldados se divertem
Ao disco, ao dardo e seta; ou, desgostosos
Da inação, na peleja o herói ver querem,
Nos arraiais aqui e ali vagueiam.
Os demais Graios fervem, qual se a flama
⁶⁸⁵ Vorasse a terra; e a terra do estrupido
Muge e calcada geme, como quando
Em cólera o Tonante o chão verbera
De Arima, em que Tifeu se diz repousa.
Eles transpunham rápido a campina.
⁶⁹⁰ Mais que o vento ligeira, aos Teucros Íris
Do Egífero desceu com triste anúncio:
Mistos velhos e moços discutiam
Aos pórticos reais; com rosto e fala
Do Priâmeo Polites, sentinela
⁶⁹⁵ De Esiete no túmulo vetusto,
Que, em pés fiado, a ponto vigiava
Se do recinto os Gregos se buliam,
Acomete a celeste mensageira:
"Como em dias de paz, senhor, debates,
⁷⁰⁰ E a guerra hoje rebenta inelutável.
Afeito a pugnas, tropas tais e tantas
Nunca vi: da cidade assaltadores
Iguais às folhas e às areias marcham.
Heitor, ouve-me agora. Auxiliares
⁷⁰⁵ De vária casta e língua em Troia abundam.
Cada príncipe os seus, tu firma os nossos;
Mas a suma ordenança a ti pertença".
Heitor, apenas reconhece a deusa,
Despede o parlamento; o al’arma soa.
⁷¹⁰ Abertas, precipitam-se das portas
Em burburinho equestres e pedestres.
Ante Ílio na planície avulta um cole,
De caminhos cercado, que os humanos
Batícia, imortais sepulcro chamam
⁷¹⁵ De Mirina agilíssima: distintos
Aí perfilam Teucros e aliados.
Dos Troianos à testa, o Priamides
Cristado exímio Heitor em cópia armara
Seletos belacíssimos hastatos.
⁷²⁰ Os Dardânios alenta o grande Eneias:
A deusa Vênus do mortal Anquises
Teve-o no cume Ideu. Com ele Acamas
E Arquíloco Antenóridas comandam,
Em omnígeno prélio examinados.
⁷²⁵ Aos que às raízes do Ida em Zélia bebem
Água do fundo Esepo, venturosos,
De Licaon precede o claro filho
Pândaro, a quem doou seu arco Apolo.
Nos de Pitieia, Adéstria, Apeso e Téries,
⁷³⁰ Alto monte, imperava Adrasto e Ânfio
De couraça de linho; irmãos que o padre
Percóssio Méropo, adivinho e cauto,
Vedou que entrassem na homicida guerra:
Surdos a nera Parca os atraía.
⁷³⁵ Os varões de Percote, Sesto e Abido,
Prátio e Arisba divina, desta o Hirtácio
Príncipe Ásio os viera estimulando;
Ásio que doma férvidos cavalos,
Das ribas do Seleis famosas crias.
⁷⁴⁰ Das Larisseias glebas os Pelasgos
Lanceiros com Pileu manda de Hipótoo,
Do Teutâmides Lito márcios filhos.
Do estuoso Helesponto rege Acamas
E herói Piroo os Traces. — Rege Eufemo
⁷⁴⁵ Sagitários Cicones, de Trezênio
Ceades geração, dileta a Jove.
Tem Pirecme os Peônios de arco e amentos,
Lá de Amídone, do Áxio largo à margem,
Do Áxio que inunda límpido a campanha.
⁷⁵⁰ Pilemeneu veloso os Paflagônios
De Enete move, altriz de agrestes mulas,
Os que o Cítoro e Sésamo possuem,
As lindas várzeas do Partênio rio,
Comna e Egíalo e os celsos Eritinos.
⁷⁵⁵ Da longe Aliba vêm de argênteas minas,
Sob Epistrofo e Hódio, os Halisones.
Os Mísios Crómis guia, e o vate Enono,
A quem da morte agouros não livraram:
Furente o Eácida o prostou no rio,
⁷⁶⁰ Que rubro intumesceu de humano sangue.
Acesos Fórcis e o deiforme Ascânio
Da Ascânia os Frígios à batalha impelem.
Das Tmólias faldas os Meônios seguem
A Antifo e Mestles, Pilemênios ambos,
⁷⁶⁵ Da Gigeia lagoa produzidos.
Os Cares de Mileto e Ftiro umbroso,
Do Meandro e Micale de árduos picos,
De linguagem barbárica, os sopeiam
Os filhos dois de Nômion preclaro,
⁷⁷⁰ Nastes e Anfímaco. Este, qual donzela
De ouro enfeitado, insano floreava:
O enfeite o não salvou; que às mãos de Aquiles
Tem de haurir no Escamandro o gole amaro,
Será do vencedor esse ouro presa.
⁷⁷⁵ Os Lícios lá do Xanto vorticoso
Conduz Sarpédon, e o sem mancha Glauco.
Livro III
¹ Os Teucros em batalha, após seus cabos,
Gritando avançam: tal se eleva às nuvens
Dos grous o grasno, que em aéreas turmas,
Da invernada e friagens desertores,
⁵ Contra o povo Pigmeu com ruína e morte,
O Oceano transvoam. Desejosos
De entreajudar-se, tácitos os Gregos,
Força e coragem respirando, marcham.
Qual se, ingrato ao pastor, Noto enche os cumes
¹⁰ De névoa, mais que a noite ao furto asada,
Pois que a tiro de pedra mal se enxerga;
Aos pés túrbido pó não menos surge
Dos que iam pelo campo acelerados.
Perto eles já, da prima Troica fila
¹⁵ Páris nítido sai: com arco e espada,
Pele de um pardo enverga; de ênea ponta
A vibrar dois hastis, os mais valentes
Um por um desafia. Em grave passo
Vendo-o vir Menelau, como esfaimado
²⁰ Leão exulta que, ao topar fornido
Galheiro cervo ou corpulenta corça,
Ferra-o voraz, embora em cerco o apertem
Viçosos moços, vívidos sabujos.
Do coche em armas vingativo salta;
²⁵ Mas Alexandre, que na frente o avista,
Para os