A Odisseia
De Homero
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Homero
Según la tradición, el poeta griego Homero (ss. IX-VIII a. de C., aproximadamente) fue el autor de la Ilíada y de la Odisea, por lo que es considerado uno de los escritores más influyentes de todos los tiempos. Algunos críticos modernos, sin embargo, mantienen que Homero no fue el auténtico creador de estas obras, sino que se limitó a compilar y unificar una gran cantidad de relatos orales que él mismo recitaba. Sea como fuere, ambos poemas se convirtieron en la base de la educación y cultura griega en la época clásica, así como de la literatura occidental moderna.
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A Odisseia - Homero
Esta é uma publicação Principis, selo exclusivo da
Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.
© 2020 Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.
Texto
Homero
Tradução
Odorico Mendes
Cotejo da tradução
Ibraíma Dafonte Tavares e Shirley Gomes
Preparação
Ibraíma Dafonte Tavares
Notas
Ivi Paula
Revisão
Fernanda R. Braga Simon
Diagramação
Fernando Laino Editora
Ebook
Jarbas C. Cerino
Capa
luma_art/Shutterstock.com;
Michaelica/Shutterstock.com;
Mott Jordan/Shutterstock.com
Texto fixado a partir de: Homero, A Odisseia, tradução de Manuel Odorico Mendes,
São Paulo, Atena Editora, 1955.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
H766o Homero
A Odisseia [recurso eletrônico] / Homero ; traduzido por Odorico Mendes. - Jandira, SP : Principis, 2021.
320 p. ; ePUB ; 2,8 MB. - (Clássicos da literatura mundial)
Tradução de: Вечный муж
Inclui índice. ISBN: 978-65-5552-356-0 (Ebook)
1. Literatura grega. 2. Poesia épica. I. Mendes, Odorico. II. Título. III. Série.
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura grega 883
2. Literatura grega 821.14'02-3
1a edição em 2020
www.cirandacultural.com.br
Todos os direitos reservados.
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Livro I
Canta, ó Musa, o varão que astucioso,
Rasa Ílion santa, errou de clima em clima,
Viu de muitas nações costumes vários.
Mil transes padeceu no equóreo ponto,
⁵ Por segurar a vida e aos seus a volta;
Baldo afã! pereceram, tendo insanos
Ao claro Hiperiônio os bois comido,
Que não quis para a pátria alumiá-los.
Tudo, ó prole Dial, me aponta e lembra.
¹⁰ Da guerra e do mar sevo recolhidos
Os que eram salvos, um por seu consorte
Calipso, ninfa augusta, apetecendo,
Separava-o da esposa em cava gruta.
O céu porém traçou, volvendo-se anos,
¹⁵ De Ítaca reduzi-lo ao seio amigo,
Onde novos trabalhos o aguardavam:
De Ulisses condoíam-se as deidades;
Mas, sempre infenso, obstava-lhe Netuno,
Este era entre os Etíopes longínquos,
²⁰ Do oriente e ocidente últimos homens,
Num de touros e ovelhas sacrifício
A deleitar-se; e estavam já no alcáçar
Do Olimpo os habitantes em concílio.
O soberano, a recordar Egisto
²⁵ Do Agamêmnon Orestes imolado,
Principia: "Os mortais ah! nos imputam
Os males seus, que ao fado e à própria incúria
Devem somente. Contra o fado mesmo,
Do porvir não cuidoso, há pouco Egisto,
³⁰ Em seu regresso o Atrida assassinando,
Esposou-lhe a mulher, bem que enviado
O Argicida sutil o dissuadisse:
– De o matar foge, e poluir seu leito;
Senão, tem de vingá-lo, adolescente,
³⁵ Sendo investido no seu reino Orestes. –
Mercúrio o amoestou, mas surdo Egisto,
Os delitos por junto expia agora".
A quem Minerva: "Sumo pai Satúrnio,
Jaz com razão punido esse perverso;
⁴⁰ Todo que o imitar, com ele acabe!
Mas a aflição de Ulisses me compunge,
Que, há tanto longe dos amenos lares,
Em ilha está circúnflua e nemorosa,
Lá no embigo do mar; onde é retido
⁴⁵ Pela filha de Atlante onisciente,
Que o salso abismo sonda, o peso atura
Das colunas que a terra e o céu demarcam.
A deusa com blandícias o acarinha;
De Ítaca ele saudoso, o pátrio fumo
⁵⁰ Ver deseja e morrer. Não te comoves?
Irritou-te faltando, em sua amada
E em Troia, com ofertas e holocaustos?"
E o Junta-nuvens: "Que proferes, filha,
Do encerro dessa boca? Eu deslembrar-me
⁵⁵ Do mortal mais sisudo, o mais devoto,
Aos Celícolas pio e dadivoso!
Da terra o abarcador é quem o avexa,
Por ter do olho privado a Polifemo,
O mor Ciclope, que, num antro unida
⁶⁰ A Netuno, pariu Toosa, estirpe
De Fórcis, deus do pego insemeável.
O Enosigeu d’então lhe poupa a vida,
Mas de Ítaca o arreda. Provejamos
Na vinda sua; aplaque-se Netuno:
⁶⁵ Só contra todos contender não pode".
A olhicerúlea: "Ó padre, ó rei supremo,
Se vos praz que à família torne Ulisses,
Da ínsula Ogígia à ninfa emadeixada
Mercúrio o intime, o herói prudente parta.
⁷⁰ A Ítaca baixo a confortar o filho:
Os comantes Argeus convoque ousado;
Suste aos vorazes procos a carnagem
De flexípedes bois e ovelhas pingues.
Dali, na Esparta e na arenosa Pilos,
⁷⁵ Do amado genitor se informe e indague,
E entre humanos obtenha ilustre fama".
Já liga alparcas de ouro incorruptíveis,
Que a propelem como aura pelas ondas
Ou pelo amplo terreno; a lança empunha
⁸⁰ De érea afiada ponta e desmedida,
Com que turmas de heróis desfaz metuenda,
Progênie de tal pai. Do Olimpo frecha;
Em Ítaca, ao vestíbulo de Ulisses
Tem-se, e de hasta na destra, parecia
⁸⁵ O hóspede Mentes campeão dos Táfios.
Ao pórtico acha intrusos pretendentes
Sobre couros de bois que morto haviam,
Os dados a jogar. Servos e arautos
Misturam nas crateras água e vinho,
⁹⁰ Ou com povosa esponja as mesas pulem,
E partem nelas abundantes carnes.
Distante a vê Telêmaco deiforme:
No meio, taciturno e consternado
No genitor pensava, que expulsá-los
⁹⁵ E reger venha o leme do governo.
Entrementes a avista, e não sofrendo
Por mais tempo de fora um peregrino,
Corre, aperta-lhe a mão, sua arma toma:
"Hóspede amigo, salve; o que precisas,
¹⁰⁰ Depois do teu repasto o saberemos".
Ei-lo encaminha a deia, e já na sala
Ante celsa coluna encosta a lança
À nítida hastaria, onde em fileira
As de Ulisses valente em pé dormiam.
¹⁰⁵ Num trono a põe dedáleo de alcatifa
E de escabelo aos pés, senta-se perto
Em variegada sela; à parte ficam,
Para que, à bulha e ao trato com soberbos,
O hóspede o apetite não perdesse,
¹¹⁰ E do pai ele a folgo o interrogasse.
De gomil de ouro às mãos verte uma serva
Água em bacia argêntea, a mesa lustra,
Que enche a modesta afável despenseira
De pães e das presentes iguarias;
¹¹⁵ Escudelas de várias novas carnes
O trinchante apresenta e copos de ouro,
Que arrasa de almo vinho arauto assíduo.
Suspenso o jogo, os feros pretendentes
Ocupam já cadeiras e camilhas;
¹²⁰ Dão água às mãos arautos, pão cumulam
Servas em canistréis; atiram-se eles
Aos regalados pratos, e as crateras
Lhes coroam mancebos. Farta a sede,
Farta a fome, em prazer os embriagam
¹²⁵ Música, dança, adornos de banquetes:
Cítara ebúrnea entrega um dos arautos
A Fêmio, que forçado ali tangia
E o cântico ajustava ao som das cordas.
Inclinou-se Telêmaco a Minerva,
¹³⁰ Dizendo à puridade: "Hóspede caro,
Vou talvez enfadar-te? Eles só curam
De cantigas e danças, porque impunes
Comem do alheio, os bens do herói consomem,
Cuja ossada ou jaz podre em longes terras,
¹³⁵ Ou rola entre maretas; ah! se o vissem
Cá reaparecer, mais que ouro e galas,
Planta leve amariam. Fado acerbo
Urge-o porém, e embora algum terrestre
A volta sua afirme, as esperanças
¹⁴⁰ Murchas estão, nem luzirá tal dia.
Ora, quem és? De que família e pátria?
Com que gente vieste e em que navio?
Vindo a pé não te creio. Uses franqueza,
Hóspede me és recente ou já paterno?
¹⁴⁵ A muitos nosso teto agasalhava,
E meu pai atraía os forasteiros".
A de azuis claros olhos: "Não duvides,
Mentes sou, de ser nado me glorio
De Anquíale belaz, e os Táfios mando,
¹⁵⁰ Náuticos hábeis. Vim, com meus remeiros
Sulcando o negro pélago, a Temeses
De estranha língua permutar meu ferro
Pelo seu cobre: o vaso tenho surto
No Retro porto, fora da cidade,
¹⁵⁵ Junto ao Neio frondoso. Antigo hospício
Me une a teu pai, e o diga o bom Laertes;
Herói que, é fama, a corte mesto esquiva,
Em campo solitário, onde ama idosa
Lhe apresta a mesa, ao vir cansado e lasso
¹⁶⁰ De amanhar fertilíssimos vinhedos.
Cuidei, corria voz, tornado Ulisses;
Mas os deuses o impedem, que inda vive
Em ilha de mar vasto circunfusa,
Por bárbaros detido e involuntário.
¹⁶⁵ O que o Céu sugeriu-me, eu to assevero,
Se bem áugur não seja ou grão profeta:
Não tardará; que, embora o tenham ferros,
Ardis cogita. Sê sincero; os olhos
E a cabeça tens dele, és tu seu filho?
¹⁷⁰ Como agora frequentes conversávamos;
Desde que para Troia, entre os mais cabos
Se embarcou, nunca mais nos avistamos".
E o príncipe modesto: "Hóspede, é certo
Que minha mãe de Ulisses me diz prole;
¹⁷⁵ Por si mesmo ninguém seu pai descobre.
Oh! gerado fosse eu de um mais ditoso,
Que em suas possessões envelhecesse!
A porvir de um herói, já que o perguntas,
Esse é desgraçadíssimo dos homens".
¹⁸⁰ E Palas: "Deu-te o Céu preclaro berço,
És da casta Penélope nascido.
Mas, dize, que festim, que turba é esta?
Para que a tens? São núpcias? É banquete?
Por escote o não fazem. Que insolência!
¹⁸⁵ Qualquer homem de siso há de irritar-se
De os ver assim". – Telêmaco prudente:
"Hóspede, honesta e rica era esta casa,
Quando aquele varão conosco estava;
Mas obscuro ocultá-lo aprouve aos deuses.
¹⁹⁰ Menos dor fora se acabasse em Ílion,
Ou no meio de amigos triunfante:
Erigindo-lhe a Grécia um monumento,
Ao filho seu legara imensa glória.
As Harpias cruéis mo arrebataram;
¹⁹⁵ Sem brilho algum morreu, só lutos, herdo.
Outros prantos o fado me suscita:
Os chefes de Dulíquio ambiciosos,
De Ítaca rude e Samos e Zacinto
Pretendem minha mãe, que os não repulsa,
²⁰⁰ Bem que fiel tais himeneus deteste;
Famélicos o haver me dilapidam,
E malvados a morte me aparelham".
Palas com dó: "Precisas de que Ulisses
A mão carregue sobre audácia tanta.
²⁰⁵ Oh! de seu paço à entrada aparecesse
De elmo, adarga e hastas duas, qual chegando
O vi de Éfira e de Ilo Mermérida,
Aonde fora numa nau veleira
Comprar veneno para ervar as setas;
²¹⁰ Mas, como Ilo o negou temendo os numes,
Lho deu meu pai, que amigo em nossa casa
O regalou de saborosos vinhos:
Surdisse, e a boda amargaria aos procos.
Se cá deva o Laércio ou não vingar-se,
²¹⁵ Arcano é divinal; tu considera
De enxotá-los o modo, eu to aconselho:
Em assembleia aos teus amanhã fala,
Atesta o Céu, despede esses intrusos;
A desejar Penélope outro esposo,
²²⁰ Torne a seu pai, que as núpcias lá celebre,
E um dote para a filha haja condigno.
Se outro cordato aviso adotar queres,
Navegues, a indagar de Ulisses novas,
Em ótimo baixel de vinte remos:
²²⁵ Talvez alguém te informe, ou soe o brado
Com que Jove aos mortais gradua a fama.
Interroga a Nestor primeiro em Pilos,
Na Esparta ao louro Atrida, que o postremo
Dos lorigados reis entrou na Grécia.
²³⁰ Vivo Ulisses, paciente um ano esperes;
Morto, regressa, um monumento exalça
E consagra-lhe exéquias dignas dele;
De ti novo marido a mãe receba.
Isto acabado, às claras ou por fraude,
²³⁵ Sério dos procos desfazer-te busca:
De brincos pueris não é mais tempo.
Ouves de Orestes o renome honroso,
Por ter vingado o pai no infame Egisto?
Sê no valor qual és no garbo e talhe;
²⁴⁰ Gabem-te, filho, as gerações futuras.
Vou-me à inquieta nau por minha ausência:
Tudo observes, amigo, e nada esqueças".
E o moço: "Hóspede, os sábios teus conselhos
Preceitos são de pai, que eu n’alma guardo.
²⁴⁵ Mas demora-te ainda, a fim que um banho
O coração te alegre, e prenda exímia
Aceites hospital, que tu conserves,
Doce memória da amizade nossa".
Não me estorves
, replica, "ansioso parto.
²⁵⁰ A tua oferta para a volta aceito;
A Tafo hei de levá-la, e dignamente
Retribuir". Eis voa a gázea deusa,
Águia Anopeia, infunde-lhe coragem,
Na alma avivando o pai. Crendo-a celeste,
²⁵⁵ O deiforme assombrado aos mais se agrega.
Mudos a Fêmio atendem, que o de Troia
Triste regresso dos Aqueus modula,
Por Minerva disposto. A nobre Icária
Penélope a divina cantilena
²⁶⁰ Do alto percebe, e desce pela escada.
Não só, com duas servas; ante os procos,
À porta, o véu de pejo ao rosto abaixa,
Entre as servas lagrima, ao vate fala:
"Fêmio, outros carmes e trabalhos sabes
²⁶⁵ De homens e deuses, da poesia assunto;
Escolhe um que a beber te escutem ledos:
Suspende esse cantar, que amargo sempre
O coração me rala e mo entristece,
À lembrança do herói, cuja alta glória
²⁷⁰ Por toda Hélade e Argólida ressoa".
Reprovas, minha mãe
, contesta o filho,
"Que nos deleite a impulsos do seu gênio?
Os poetas não culpes, culpa a Jove
Que a prazer os inspira e o estro acende.
²⁷⁵ Não peca em celebrar de Aqueus os males,
E se é nova a canção, mais prende os homens:
Reforça o ânimo teu para sustê-la.
Se luz não teve para a volta Ulisses,
Em Troia outros heróis também ficaram.
²⁸⁰ Mas dentro as servas atarefa, intende
Na roca e no tear: varões discorram,
E eu mormente que sou da casa o dono".
Recolheu-se com pasmo, na prudência
Do filho meditando, pela escada,
²⁸⁵ Mais as fâmulas duas, vai carpindo
O amado ausente esposo, até que em sono
Boa Minerva as pálpebras lhe fecha.
De compartir seu leito ávidos, eles
Na escurecida sala tumultuam;
²⁹⁰ A quem Telêmaco: "O alarido cesse,
De Penélope amantes ultrajosos:
Ora à mesa o cantor saboreemos,
Na harmonia parelho às divindades.
Amanhã sem rebuço, em parlamento,
²⁹⁵ Exporei meu desejo de expulsar-vos:
Mutuando os festins, comei do vosso.
A preferirdes consumir sem termo
Os bens de um só, recorro aos Sempiternos:
Júpiter o castigo vos fulmine,
³⁰⁰ E nestes paços expireis inultos".
Aqui, mordendo os beiços, da ousadia
Pasmavam do mancebo; a Antino, garfo
De Eupiteu, rebentou: "Do Olimpo, certo,
A sublime linguagem te ensinaram;
³⁰⁵ Se és audaz, é que de Ítaca circúnflua,
Oh! destinam-te o cetro hereditário".
Mui ponderoso o príncipe: "O que ajunto
Não te exaspere, Antino: eu de vontade
Granjeara de Júpiter o cetro.
³¹⁰ Mau reputas reinar? Quem reina goza
Opulenta morada e as mores honras.
Na ilha há jovens e anciãos que aspiram,
Morto Ulisses, ao mando: quero apenas
O rei ser desta casa, e dos meus servos
³¹⁵ Pelo braço paterno conquistados".
E Eurímaco de Pólibo: "Quem seja
De Ítaca rei, no grêmio está dos numes:
Senhor és do palácio, e enquanto a pátria
For habitada, príncipe, não temas
³²⁰ Que da riqueza tua alguém te esbulhe.
Mas conta-nos, amigo, donde veio,
Que herdades o teu hóspede cultiva,
Qual é sua prosápia. Anunciou-te
Perto Ulisses, ou dívida reclama?
³²⁵ Foi-se rapidamente, e se encobria;
Porém no aspecto seu nobreza inculca".
Eurímaco
, responde o cauto moço,
"Ah! não verei meu pai, nem creio anúncios,
Nem curo de adivinhos que na régia
³³⁰ Consulta minha mãe. Aquele é Mentes,
Hóspede meu paterno, que se jacta
Filho do ilustre Anquíale; é de Tafo,
Governa os Táfios, navegantes hábeis".
Fala assim, mas conhece a divindade.
³³⁵ Na dança e melodia eles se enleiam,
Té que Vésper assoma, e fusca a noite
Vão-se à casa lograr do mole sono.
Cuidados com Telêmaco rolando,
Um pátio busca interno, onde aposento
³⁴⁰ Soberbo tinha; avante, aceso um facho,
Ia a castíssima Euricleia, filha
De Opes de Pisenor, que, enrubescida,
Por vinte bois comprada, igual da esposa
A estimava Laertes, mas honesto
³⁴⁵ Nem lhe tocou, para forrar ciúmes;
De Telêmaco a serva era dileta,
Porque infante o pensara. Esta é quem abre
O camarim formoso: ele na cama
Despe a macia túnica; dobrada
³⁵⁰ Em cabide a pendura junto ao leito
A boa velha, que ao sair, a porta
Por um anel de prata a si puxando,
Corre da aldrava o loro. De ovelhuna
Lã coberto, a cismar despende a noite
³⁵⁵ Na viagem que a deusa lhe ordenara.
Livro II
Veste-se, à luz da dedirrósea aurora,
Sai da alcova o amadíssimo Ulisseida;
Ao tiracolo a espada e aos pés sandálias,
Fulgente como um deus, expede arautos
⁵ A apregoar e reunir os Gregos.
De hasta aênea, ao congresso alvoroçado,
Não sem dous cães alvíssimos, se agrega;
Minerva graça lhe infundiu celeste.
Seu porte e ar admira o povo inteiro;
¹⁰ Cedem-lhe os velhos o paterno assento.
Egípcio ergueu-se, de anos curvo e sábio,
A lembrar-se de Antifo, que audaz indo
Com Ulisses a Troia, do Ciclope
Foi na seva espelunca última ceia;
¹⁵ O herói carpia o filho, e bem que houvesse
Três outros, um dos procos Eurínomo,
Dous nas lavouras ocupados sempre,
Concionou lagrimando: "Nunca, atentos
Cidadãos, em congresso nos sentamos,
²⁰ Desde que Ulisses embarcou divino:
Que provecto ou mancebo o ajunta agora?
Que urge? Anúncio há de exército inimigo?
Ou tratar vem de público interesse?
Nas justas intenções o assiste Jove".
²⁵ O Ulisseida não mais fica em seu posto;
Ledo, orar cobiçando, em pé recebe
Do arauto Pisenor sisudo o cetro,
Por Egípcio começa: "Eis-me, tens perto
Quem, ancião, convoca esta assembleia;
³⁰ Nem há novas de exército inimigo,
Nem trato hoje de público interesse,
Mas do meu próprio. Hei duas graves penas:
Falta-me o pai, que o era do seu povo;
O pior é que amantes importunos,
³⁵ Filhos dos principais aqui presentes,
Minha mãe vexam, minha casa estragam.
A Icário temem ir, que a filha dote
E escolha o genro que lhe for mais grato;
Em diários festins, meus bois tragando,
⁴⁰ Cabras e ovelhas, minha adega exaurem.
Nem outro Ulisses que remova o dano,
Nem forças tenho e militar perícia;
Mal seria tentá-lo: oh! se eu pudesse!
Da ruína e infâmia, cidadãos, salvai-me;
⁴⁵ Os vizinhos temei, temei que os deuses
Em vós a indigna tolerância punam:
E vos rogo por Júpiter, por Têmis,
Que demite ou congrega as assembleias,
Socorro, amigos; só me reste a mágoa
⁵⁰ Do extinto pai. Se dele ofensas tendes,
E contra mim os instigais, mais vale
Vós os móveis e imóveis consumirdes:
Assim, tinha o recurso de que a tempo
Em Ítaca meus bens vos reclamasse,
⁵⁵ Compensações recíprocas fazendo.
Ora, insanável dor me infligis n’alma".
De cólera chorando, o cetro arroja;
Comisera-se o povo. À queixa amarga,
Em roda emudeceram, mas Antino
⁶⁰ Rompe o silêncio: "Altíloquo e impotente,
Da ignomínia o ferrete em nós imprimes?
A ninguém mais, Telêmaco, a mãe cara
Somente arguas, que de astúcias mestra,
Quatro anos quase, nos contrista, ilusos
⁶⁵ De promessas, recados e esperanças,
E al tem no coração. Com novo engano,
Nos disse, ao predispor fina ampla teia:
– Amantes meus depois de morto Ulisses,
Vós não me insteis, o meu lavor perdendo,
⁷⁰ Sem que do herói Laertes a mortalha
Toda seja tecida, para quando
No longo sono o sopitar o fado:
Nenhuma Argiva exprobre-me um funéreo
Manto rico não ter quem teve tanto. –
⁷⁵ Esta desculpa ingênuos aceitamos.
Ela, um triênio, desmanchava à noite
À luz da lâmpada o lavor diurno;
Ao depois, avisou-nos uma escrava,
E a destecer a teia a surpreendemos:
⁸⁰ Então viu-se obrigada a concluí-la.
Saibas nossa resposta, e a saibam todos:
Penélope de Icário ao paço envies,
Marido a sabor dela o pai lhe escolha.
De indústria, engenho e ardis, a ornou. Minerva,
⁸⁵ Quais não dera às mais célebres Aquivas,
Tiro e Alcmena e Micena emadeixadas;
Mas dos dotes abusa em que as supera,
A príncipes da Grécia atormentando.
A insistir na repulsa, na vontade
⁹⁰ Que os imortais no peito lhe puseram,
Terá glória perene, embora sintas
Esgotados rebanhos e tesouros;
Pois, o assevero, a empresa não largamos,
Antes que ela um consorte a gosto eleja".
⁹⁵ Logo Telêmaco: "A expulsar, Antino,
Quem me pariu e amamentou me instigas?
Viva Ulisses ou não, se tal cometo,
A meu avô dar cumpre estreita conta;
Aflito pelo pai, depois que as Fúrias
¹⁰⁰ Penélope, este lar deixando, impreque,
Me incitará mau gênio humanos ódios:
Não, não proferirei tamanho crime.
Mutuando os festins, comei do vosso,
A casa despejai-me. A preferirdes
¹⁰⁵ Gastar os bens de um só, recorro aos deuses:
Júpiter o castigo vos fulmine,
E nestes paços expireis inultos".
Aqui despede o próvido Satúrnio
¹¹⁰ Do alto águias duas, que, de pandas asas
Pelas auras a par, ante o congresso
Mirando em giro e sacudindo as penas
Sobre as cabeças, prometiam mortes;
Lacerando-se à unha a testa e o colo,
Da cidade por cima à destra voam.
¹¹⁵ No anúncio a refletir, pasmaram todos.
Ergueu-se o herói Mastórida Haliterse,
Agoureiro o melhor entre os coevos,
E orou de grado: "Cidadãos, ouvi-me,
Risco iminente pressagio aos procos:
¹²⁰ Não tarda Ulisses, que vizinho traça
Deles o exício e de outros Itacenses.
De os refrear o modo averiguemos,
Ou se abstenham por si, que é mais cordato.
Inexperto não sou; predisse aos Gregos,
¹²⁵ No embarcar para Troia o astuto Ulisses,
Que sem nenhum dos seus, após vinte anos
E transes mil, ignoto aqui viria:
Quanto prenunciei vai ser cumprido".
Eurímaco retorque: "Eia, a teus filhos
¹³⁰ Corre a vaticinar, para que um dia
Sério desastre, ó velho, não padeçam:
Profeta eu sou maior; nem quantas aves
Ao sol adejam, prognosticam males.
Como Ulisses, ao longe oh! pereceras,
¹³⁵ Áugur falaz; com olho só no lucro,
O ódio nunca em Telêmaco excitavas.
Mas, se de teu prestígio e idade abusas
Irritando o mancebo, eu te asseguro,
Funesto lhe serás, sem nada obteres,
¹⁴⁰ E a ti multa imporemos, que te grave
E ao vivo doa. Mande, eu lho aconselho,
A Icário a mãe: as núpcias lhe aprontemos,
E um dote para a filha haja condigno.
Cesse a porfia assim; pois ninguém medo,
¹⁴⁵ Nem o loquaz Telêmaco, nos mete.
Predições desprezamos, cujo efeito
Único é detestarmos o adivinho.
A desfalcar seus bens continuaremos,
Enquanto ela indecisa entretiver-nos:
¹⁵⁰ Todos rivais, pela virtude sua,
Longos dias passamos na esperança,
Outras nobres senhoras enjeitando".
Dissimula Telêmaco: "Não quero
Nisto, Eurímaco e ilustres pretendentes,
¹⁵⁵ Falar mais: tudo os Céus e os Gregos sabem.
Mas dai-me ágil baixel de vinte remos,
No qual, o instável pélago sulcando,
Eu vá, na Esparta e na arenosa Pilos,
Do suspirado pai colher notícias:
¹⁶⁰ Talvez alguém me informe, ou soe o brado
Com que Jove aos mortais gradua a fama.
Vivo Ulisses, paciente um ano espero;
Morto, aqui volto, e um monumento exalço
E consagro-lhe exéquias dignas dele;
¹⁶⁵ De mim novo marido a mãe receba".
Mal toma o seu lugar, Mentor ergueu-se,
Sócio do grande Ulisses que à partida
Confiou-lhe interesses da família,
Que ao velho obedecia; este prudente
¹⁷⁰ Orou de grado: "Cidadãos, ouvi-me,
Cetrígero nenhum benigno seja,
Nem precatado e bom, sim duro