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A Odisseia
A Odisseia
A Odisseia
E-book420 páginas7 horas

A Odisseia

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Sobre este e-book

Um dos principais poemas épicos da Grécia Antiga, a obra A Odisseia é consagrada ao retorno do rei Ulisses ou Odisseu , que durante dez anos enfrentou perigos na terra e no mar até conseguir chegar ao reino de Ítaca. Herói da Guerra de Troia, Ulisses ficou preso em uma ilha durante anos, até finalmente partir com seus doze navios e homens, em uma espetacular jornada repleta de obstáculos, para encontrar a mulher Penélope e o filho Telêmaco. A batalha contra o Ciclope, o sedutor canto das sereias e a fúria de Netuno, deus dos mares, são alguns dos episódios fabulosos dessa obra, retratados em versos ao mesmo tempo dramáticos e poéticos.Como se diz na proposição, A Odisseia é a história do herói de mil estratagemas que tanto vagueou, depois de ter destruído a cidadela sagrada de Troia, que viu cidades e conheceu costumes de muitos homens e que no mar padeceu mil tormentos, enquanto lutava pela vida e pelo regresso dos seus companheiros. Texto de Clóvis de Barros Filho.
IdiomaPortuguês
EditoraPrincipis
Data de lançamento19 de fev. de 2021
ISBN9786555523560
A Odisseia
Autor

Homero

Según la tradición, el poeta griego Homero (ss. IX-VIII a. de C., aproximadamente) fue el autor de la Ilíada y de la Odisea, por lo que es considerado uno de los escritores más influyentes de todos los tiempos. Algunos críticos modernos, sin embargo, mantienen que Homero no fue el auténtico creador de estas obras, sino que se limitó a compilar y unificar una gran cantidad de relatos orales que él mismo recitaba. Sea como fuere, ambos poemas se convirtieron en la base de la educación y cultura griega en la época clásica, así como de la literatura occidental moderna.

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    A Odisseia - Homero

    Esta é uma publicação Principis, selo exclusivo da

    Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.

    © 2020 Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.

    Texto

    Homero

    Tradução

    Odorico Mendes

    Cotejo da tradução

    Ibraíma Dafonte Tavares e Shirley Gomes

    Preparação

    Ibraíma Dafonte Tavares

    Notas

    Ivi Paula

    Revisão

    Fernanda R. Braga Simon

    Diagramação

    Fernando Laino Editora

    Ebook

    Jarbas C. Cerino

    Capa

    luma_art/Shutterstock.com;

    Michaelica/Shutterstock.com;

    Mott Jordan/Shutterstock.com

    Texto fixado a partir de: Homero, A Odisseia, tradução de Manuel Odorico Mendes,

    São Paulo, Atena Editora, 1955.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

    H766o Homero

    A Odisseia [recurso eletrônico] / Homero ; traduzido por Odorico Mendes. - Jandira, SP : Principis, 2021.

    320 p. ; ePUB ; 2,8 MB. - (Clássicos da literatura mundial)

    Tradução de: Вечный муж

    Inclui índice. ISBN: 978-65-5552-356-0 (Ebook)

    1. Literatura grega. 2. Poesia épica. I. Mendes, Odorico. II. Título. III. Série.

    Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

    Índice para catálogo sistemático:

    1. Literatura grega 883

    2. Literatura grega 821.14'02-3

    1a edição em 2020

    www.cirandacultural.com.br

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada em sistema de busca ou transmitida por qualquer meio, seja ele eletrônico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização do detentor dos direitos, e não pode circular encadernada ou encapada de maneira distinta daquela em que foi publicada, ou sem que as mesmas condições sejam impostas aos compradores subsequentes.

    Livro I

    Canta, ó Musa, o varão que astucioso,

    Rasa Ílion santa, errou de clima em clima,

    Viu de muitas nações costumes vários.

    Mil transes padeceu no equóreo ponto,

    ⁵ Por segurar a vida e aos seus a volta;

    Baldo afã! pereceram, tendo insanos

    Ao claro Hiperiônio os bois comido,

    Que não quis para a pátria alumiá-los.

    Tudo, ó prole Dial, me aponta e lembra.

    ¹⁰ Da guerra e do mar sevo recolhidos

    Os que eram salvos, um por seu consorte

    Calipso, ninfa augusta, apetecendo,

    Separava-o da esposa em cava gruta.

    O céu porém traçou, volvendo-se anos,

    ¹⁵ De Ítaca reduzi-lo ao seio amigo,

    Onde novos trabalhos o aguardavam:

    De Ulisses condoíam-se as deidades;

    Mas, sempre infenso, obstava-lhe Netuno,

    Este era entre os Etíopes longínquos,

    ²⁰ Do oriente e ocidente últimos homens,

    Num de touros e ovelhas sacrifício

    A deleitar-se; e estavam já no alcáçar

    Do Olimpo os habitantes em concílio.

    O soberano, a recordar Egisto

    ²⁵ Do Agamêmnon Orestes imolado,

    Principia: "Os mortais ah! nos imputam

    Os males seus, que ao fado e à própria incúria

    Devem somente. Contra o fado mesmo,

    Do porvir não cuidoso, há pouco Egisto,

    ³⁰ Em seu regresso o Atrida assassinando,

    Esposou-lhe a mulher, bem que enviado

    O Argicida sutil o dissuadisse:

    – De o matar foge, e poluir seu leito;

    Senão, tem de vingá-lo, adolescente,

    ³⁵ Sendo investido no seu reino Orestes. –

    Mercúrio o amoestou, mas surdo Egisto,

    Os delitos por junto expia agora".

    A quem Minerva: "Sumo pai Satúrnio,

    Jaz com razão punido esse perverso;

    ⁴⁰ Todo que o imitar, com ele acabe!

    Mas a aflição de Ulisses me compunge,

    Que, há tanto longe dos amenos lares,

    Em ilha está circúnflua e nemorosa,

    Lá no embigo do mar; onde é retido

    ⁴⁵ Pela filha de Atlante onisciente,

    Que o salso abismo sonda, o peso atura

    Das colunas que a terra e o céu demarcam.

    A deusa com blandícias o acarinha;

    De Ítaca ele saudoso, o pátrio fumo

    ⁵⁰ Ver deseja e morrer. Não te comoves?

    Irritou-te faltando, em sua amada

    E em Troia, com ofertas e holocaustos?"

    E o Junta-nuvens: "Que proferes, filha,

    Do encerro dessa boca? Eu deslembrar-me

    ⁵⁵ Do mortal mais sisudo, o mais devoto,

    Aos Celícolas pio e dadivoso!

    Da terra o abarcador é quem o avexa,

    Por ter do olho privado a Polifemo,

    O mor Ciclope, que, num antro unida

    ⁶⁰ A Netuno, pariu Toosa, estirpe

    De Fórcis, deus do pego insemeável.

    O Enosigeu d’então lhe poupa a vida,

    Mas de Ítaca o arreda. Provejamos

    Na vinda sua; aplaque-se Netuno:

    ⁶⁵ Só contra todos contender não pode".

    A olhicerúlea: "Ó padre, ó rei supremo,

    Se vos praz que à família torne Ulisses,

    Da ínsula Ogígia à ninfa emadeixada

    Mercúrio o intime, o herói prudente parta.

    ⁷⁰ A Ítaca baixo a confortar o filho:

    Os comantes Argeus convoque ousado;

    Suste aos vorazes procos a carnagem

    De flexípedes bois e ovelhas pingues.

    Dali, na Esparta e na arenosa Pilos,

    ⁷⁵ Do amado genitor se informe e indague,

    E entre humanos obtenha ilustre fama".

    Já liga alparcas de ouro incorruptíveis,

    Que a propelem como aura pelas ondas

    Ou pelo amplo terreno; a lança empunha

    ⁸⁰ De érea afiada ponta e desmedida,

    Com que turmas de heróis desfaz metuenda,

    Progênie de tal pai. Do Olimpo frecha;

    Em Ítaca, ao vestíbulo de Ulisses

    Tem-se, e de hasta na destra, parecia

    ⁸⁵ O hóspede Mentes campeão dos Táfios.

    Ao pórtico acha intrusos pretendentes

    Sobre couros de bois que morto haviam,

    Os dados a jogar. Servos e arautos

    Misturam nas crateras água e vinho,

    ⁹⁰ Ou com povosa esponja as mesas pulem,

    E partem nelas abundantes carnes.

    Distante a vê Telêmaco deiforme:

    No meio, taciturno e consternado

    No genitor pensava, que expulsá-los

    ⁹⁵ E reger venha o leme do governo.

    Entrementes a avista, e não sofrendo

    Por mais tempo de fora um peregrino,

    Corre, aperta-lhe a mão, sua arma toma:

    "Hóspede amigo, salve; o que precisas,

    ¹⁰⁰ Depois do teu repasto o saberemos".

    Ei-lo encaminha a deia, e já na sala

    Ante celsa coluna encosta a lança

    À nítida hastaria, onde em fileira

    As de Ulisses valente em pé dormiam.

    ¹⁰⁵ Num trono a põe dedáleo de alcatifa

    E de escabelo aos pés, senta-se perto

    Em variegada sela; à parte ficam,

    Para que, à bulha e ao trato com soberbos,

    O hóspede o apetite não perdesse,

    ¹¹⁰ E do pai ele a folgo o interrogasse.

    De gomil de ouro às mãos verte uma serva

    Água em bacia argêntea, a mesa lustra,

    Que enche a modesta afável despenseira

    De pães e das presentes iguarias;

    ¹¹⁵ Escudelas de várias novas carnes

    O trinchante apresenta e copos de ouro,

    Que arrasa de almo vinho arauto assíduo.

    Suspenso o jogo, os feros pretendentes

    Ocupam já cadeiras e camilhas;

    ¹²⁰ Dão água às mãos arautos, pão cumulam

    Servas em canistréis; atiram-se eles

    Aos regalados pratos, e as crateras

    Lhes coroam mancebos. Farta a sede,

    Farta a fome, em prazer os embriagam

    ¹²⁵ Música, dança, adornos de banquetes:

    Cítara ebúrnea entrega um dos arautos

    A Fêmio, que forçado ali tangia

    E o cântico ajustava ao som das cordas.

    Inclinou-se Telêmaco a Minerva,

    ¹³⁰ Dizendo à puridade: "Hóspede caro,

    Vou talvez enfadar-te? Eles só curam

    De cantigas e danças, porque impunes

    Comem do alheio, os bens do herói consomem,

    Cuja ossada ou jaz podre em longes terras,

    ¹³⁵ Ou rola entre maretas; ah! se o vissem

    Cá reaparecer, mais que ouro e galas,

    Planta leve amariam. Fado acerbo

    Urge-o porém, e embora algum terrestre

    A volta sua afirme, as esperanças

    ¹⁴⁰ Murchas estão, nem luzirá tal dia.

    Ora, quem és? De que família e pátria?

    Com que gente vieste e em que navio?

    Vindo a pé não te creio. Uses franqueza,

    Hóspede me és recente ou já paterno?

    ¹⁴⁵ A muitos nosso teto agasalhava,

    E meu pai atraía os forasteiros".

    A de azuis claros olhos: "Não duvides,

    Mentes sou, de ser nado me glorio

    De Anquíale belaz, e os Táfios mando,

    ¹⁵⁰ Náuticos hábeis. Vim, com meus remeiros

    Sulcando o negro pélago, a Temeses

    De estranha língua permutar meu ferro

    Pelo seu cobre: o vaso tenho surto

    No Retro porto, fora da cidade,

    ¹⁵⁵ Junto ao Neio frondoso. Antigo hospício

    Me une a teu pai, e o diga o bom Laertes;

    Herói que, é fama, a corte mesto esquiva,

    Em campo solitário, onde ama idosa

    Lhe apresta a mesa, ao vir cansado e lasso

    ¹⁶⁰ De amanhar fertilíssimos vinhedos.

    Cuidei, corria voz, tornado Ulisses;

    Mas os deuses o impedem, que inda vive

    Em ilha de mar vasto circunfusa,

    Por bárbaros detido e involuntário.

    ¹⁶⁵ O que o Céu sugeriu-me, eu to assevero,

    Se bem áugur não seja ou grão profeta:

    Não tardará; que, embora o tenham ferros,

    Ardis cogita. Sê sincero; os olhos

    E a cabeça tens dele, és tu seu filho?

    ¹⁷⁰ Como agora frequentes conversávamos;

    Desde que para Troia, entre os mais cabos

    Se embarcou, nunca mais nos avistamos".

    E o príncipe modesto: "Hóspede, é certo

    Que minha mãe de Ulisses me diz prole;

    ¹⁷⁵ Por si mesmo ninguém seu pai descobre.

    Oh! gerado fosse eu de um mais ditoso,

    Que em suas possessões envelhecesse!

    A porvir de um herói, já que o perguntas,

    Esse é desgraçadíssimo dos homens".

    ¹⁸⁰ E Palas: "Deu-te o Céu preclaro berço,

    És da casta Penélope nascido.

    Mas, dize, que festim, que turba é esta?

    Para que a tens? São núpcias? É banquete?

    Por escote o não fazem. Que insolência!

    ¹⁸⁵ Qualquer homem de siso há de irritar-se

    De os ver assim". – Telêmaco prudente:

    "Hóspede, honesta e rica era esta casa,

    Quando aquele varão conosco estava;

    Mas obscuro ocultá-lo aprouve aos deuses.

    ¹⁹⁰ Menos dor fora se acabasse em Ílion,

    Ou no meio de amigos triunfante:

    Erigindo-lhe a Grécia um monumento,

    Ao filho seu legara imensa glória.

    As Harpias cruéis mo arrebataram;

    ¹⁹⁵ Sem brilho algum morreu, só lutos, herdo.

    Outros prantos o fado me suscita:

    Os chefes de Dulíquio ambiciosos,

    De Ítaca rude e Samos e Zacinto

    Pretendem minha mãe, que os não repulsa,

    ²⁰⁰ Bem que fiel tais himeneus deteste;

    Famélicos o haver me dilapidam,

    E malvados a morte me aparelham".

    Palas com dó: "Precisas de que Ulisses

    A mão carregue sobre audácia tanta.

    ²⁰⁵ Oh! de seu paço à entrada aparecesse

    De elmo, adarga e hastas duas, qual chegando

    O vi de Éfira e de Ilo Mermérida,

    Aonde fora numa nau veleira

    Comprar veneno para ervar as setas;

    ²¹⁰ Mas, como Ilo o negou temendo os numes,

    Lho deu meu pai, que amigo em nossa casa

    O regalou de saborosos vinhos:

    Surdisse, e a boda amargaria aos procos.

    Se cá deva o Laércio ou não vingar-se,

    ²¹⁵ Arcano é divinal; tu considera

    De enxotá-los o modo, eu to aconselho:

    Em assembleia aos teus amanhã fala,

    Atesta o Céu, despede esses intrusos;

    A desejar Penélope outro esposo,

    ²²⁰ Torne a seu pai, que as núpcias lá celebre,

    E um dote para a filha haja condigno.

    Se outro cordato aviso adotar queres,

    Navegues, a indagar de Ulisses novas,

    Em ótimo baixel de vinte remos:

    ²²⁵ Talvez alguém te informe, ou soe o brado

    Com que Jove aos mortais gradua a fama.

    Interroga a Nestor primeiro em Pilos,

    Na Esparta ao louro Atrida, que o postremo

    Dos lorigados reis entrou na Grécia.

    ²³⁰ Vivo Ulisses, paciente um ano esperes;

    Morto, regressa, um monumento exalça

    E consagra-lhe exéquias dignas dele;

    De ti novo marido a mãe receba.

    Isto acabado, às claras ou por fraude,

    ²³⁵ Sério dos procos desfazer-te busca:

    De brincos pueris não é mais tempo.

    Ouves de Orestes o renome honroso,

    Por ter vingado o pai no infame Egisto?

    Sê no valor qual és no garbo e talhe;

    ²⁴⁰ Gabem-te, filho, as gerações futuras.

    Vou-me à inquieta nau por minha ausência:

    Tudo observes, amigo, e nada esqueças".

    E o moço: "Hóspede, os sábios teus conselhos

    Preceitos são de pai, que eu n’alma guardo.

    ²⁴⁵ Mas demora-te ainda, a fim que um banho

    O coração te alegre, e prenda exímia

    Aceites hospital, que tu conserves,

    Doce memória da amizade nossa".

    Não me estorves, replica, "ansioso parto.

    ²⁵⁰ A tua oferta para a volta aceito;

    A Tafo hei de levá-la, e dignamente

    Retribuir". Eis voa a gázea deusa,

    Águia Anopeia, infunde-lhe coragem,

    Na alma avivando o pai. Crendo-a celeste,

    ²⁵⁵ O deiforme assombrado aos mais se agrega.

    Mudos a Fêmio atendem, que o de Troia

    Triste regresso dos Aqueus modula,

    Por Minerva disposto. A nobre Icária

    Penélope a divina cantilena

    ²⁶⁰ Do alto percebe, e desce pela escada.

    Não só, com duas servas; ante os procos,

    À porta, o véu de pejo ao rosto abaixa,

    Entre as servas lagrima, ao vate fala:

    "Fêmio, outros carmes e trabalhos sabes

    ²⁶⁵ De homens e deuses, da poesia assunto;

    Escolhe um que a beber te escutem ledos:

    Suspende esse cantar, que amargo sempre

    O coração me rala e mo entristece,

    À lembrança do herói, cuja alta glória

    ²⁷⁰ Por toda Hélade e Argólida ressoa".

    Reprovas, minha mãe, contesta o filho,

    "Que nos deleite a impulsos do seu gênio?

    Os poetas não culpes, culpa a Jove

    Que a prazer os inspira e o estro acende.

    ²⁷⁵ Não peca em celebrar de Aqueus os males,

    E se é nova a canção, mais prende os homens:

    Reforça o ânimo teu para sustê-la.

    Se luz não teve para a volta Ulisses,

    Em Troia outros heróis também ficaram.

    ²⁸⁰ Mas dentro as servas atarefa, intende

    Na roca e no tear: varões discorram,

    E eu mormente que sou da casa o dono".

    Recolheu-se com pasmo, na prudência

    Do filho meditando, pela escada,

    ²⁸⁵ Mais as fâmulas duas, vai carpindo

    O amado ausente esposo, até que em sono

    Boa Minerva as pálpebras lhe fecha.

    De compartir seu leito ávidos, eles

    Na escurecida sala tumultuam;

    ²⁹⁰ A quem Telêmaco: "O alarido cesse,

    De Penélope amantes ultrajosos:

    Ora à mesa o cantor saboreemos,

    Na harmonia parelho às divindades.

    Amanhã sem rebuço, em parlamento,

    ²⁹⁵ Exporei meu desejo de expulsar-vos:

    Mutuando os festins, comei do vosso.

    A preferirdes consumir sem termo

    Os bens de um só, recorro aos Sempiternos:

    Júpiter o castigo vos fulmine,

    ³⁰⁰ E nestes paços expireis inultos".

    Aqui, mordendo os beiços, da ousadia

    Pasmavam do mancebo; a Antino, garfo

    De Eupiteu, rebentou: "Do Olimpo, certo,

    A sublime linguagem te ensinaram;

    ³⁰⁵ Se és audaz, é que de Ítaca circúnflua,

    Oh! destinam-te o cetro hereditário".

    Mui ponderoso o príncipe: "O que ajunto

    Não te exaspere, Antino: eu de vontade

    Granjeara de Júpiter o cetro.

    ³¹⁰ Mau reputas reinar? Quem reina goza

    Opulenta morada e as mores honras.

    Na ilha há jovens e anciãos que aspiram,

    Morto Ulisses, ao mando: quero apenas

    O rei ser desta casa, e dos meus servos

    ³¹⁵ Pelo braço paterno conquistados".

    E Eurímaco de Pólibo: "Quem seja

    De Ítaca rei, no grêmio está dos numes:

    Senhor és do palácio, e enquanto a pátria

    For habitada, príncipe, não temas

    ³²⁰ Que da riqueza tua alguém te esbulhe.

    Mas conta-nos, amigo, donde veio,

    Que herdades o teu hóspede cultiva,

    Qual é sua prosápia. Anunciou-te

    Perto Ulisses, ou dívida reclama?

    ³²⁵ Foi-se rapidamente, e se encobria;

    Porém no aspecto seu nobreza inculca".

    Eurímaco, responde o cauto moço,

    "Ah! não verei meu pai, nem creio anúncios,

    Nem curo de adivinhos que na régia

    ³³⁰ Consulta minha mãe. Aquele é Mentes,

    Hóspede meu paterno, que se jacta

    Filho do ilustre Anquíale; é de Tafo,

    Governa os Táfios, navegantes hábeis".

    Fala assim, mas conhece a divindade.

    ³³⁵ Na dança e melodia eles se enleiam,

    Té que Vésper assoma, e fusca a noite

    Vão-se à casa lograr do mole sono.

    Cuidados com Telêmaco rolando,

    Um pátio busca interno, onde aposento

    ³⁴⁰ Soberbo tinha; avante, aceso um facho,

    Ia a castíssima Euricleia, filha

    De Opes de Pisenor, que, enrubescida,

    Por vinte bois comprada, igual da esposa

    A estimava Laertes, mas honesto

    ³⁴⁵ Nem lhe tocou, para forrar ciúmes;

    De Telêmaco a serva era dileta,

    Porque infante o pensara. Esta é quem abre

    O camarim formoso: ele na cama

    Despe a macia túnica; dobrada

    ³⁵⁰ Em cabide a pendura junto ao leito

    A boa velha, que ao sair, a porta

    Por um anel de prata a si puxando,

    Corre da aldrava o loro. De ovelhuna

    Lã coberto, a cismar despende a noite

    ³⁵⁵ Na viagem que a deusa lhe ordenara.

    Livro II

    Veste-se, à luz da dedirrósea aurora,

    Sai da alcova o amadíssimo Ulisseida;

    Ao tiracolo a espada e aos pés sandálias,

    Fulgente como um deus, expede arautos

    ⁵ A apregoar e reunir os Gregos.

    De hasta aênea, ao congresso alvoroçado,

    Não sem dous cães alvíssimos, se agrega;

    Minerva graça lhe infundiu celeste.

    Seu porte e ar admira o povo inteiro;

    ¹⁰ Cedem-lhe os velhos o paterno assento.

    Egípcio ergueu-se, de anos curvo e sábio,

    A lembrar-se de Antifo, que audaz indo

    Com Ulisses a Troia, do Ciclope

    Foi na seva espelunca última ceia;

    ¹⁵ O herói carpia o filho, e bem que houvesse

    Três outros, um dos procos Eurínomo,

    Dous nas lavouras ocupados sempre,

    Concionou lagrimando: "Nunca, atentos

    Cidadãos, em congresso nos sentamos,

    ²⁰ Desde que Ulisses embarcou divino:

    Que provecto ou mancebo o ajunta agora?

    Que urge? Anúncio há de exército inimigo?

    Ou tratar vem de público interesse?

    Nas justas intenções o assiste Jove".

    ²⁵ O Ulisseida não mais fica em seu posto;

    Ledo, orar cobiçando, em pé recebe

    Do arauto Pisenor sisudo o cetro,

    Por Egípcio começa: "Eis-me, tens perto

    Quem, ancião, convoca esta assembleia;

    ³⁰ Nem há novas de exército inimigo,

    Nem trato hoje de público interesse,

    Mas do meu próprio. Hei duas graves penas:

    Falta-me o pai, que o era do seu povo;

    O pior é que amantes importunos,

    ³⁵ Filhos dos principais aqui presentes,

    Minha mãe vexam, minha casa estragam.

    A Icário temem ir, que a filha dote

    E escolha o genro que lhe for mais grato;

    Em diários festins, meus bois tragando,

    ⁴⁰ Cabras e ovelhas, minha adega exaurem.

    Nem outro Ulisses que remova o dano,

    Nem forças tenho e militar perícia;

    Mal seria tentá-lo: oh! se eu pudesse!

    Da ruína e infâmia, cidadãos, salvai-me;

    ⁴⁵ Os vizinhos temei, temei que os deuses

    Em vós a indigna tolerância punam:

    E vos rogo por Júpiter, por Têmis,

    Que demite ou congrega as assembleias,

    Socorro, amigos; só me reste a mágoa

    ⁵⁰ Do extinto pai. Se dele ofensas tendes,

    E contra mim os instigais, mais vale

    Vós os móveis e imóveis consumirdes:

    Assim, tinha o recurso de que a tempo

    Em Ítaca meus bens vos reclamasse,

    ⁵⁵ Compensações recíprocas fazendo.

    Ora, insanável dor me infligis n’alma".

    De cólera chorando, o cetro arroja;

    Comisera-se o povo. À queixa amarga,

    Em roda emudeceram, mas Antino

    ⁶⁰ Rompe o silêncio: "Altíloquo e impotente,

    Da ignomínia o ferrete em nós imprimes?

    A ninguém mais, Telêmaco, a mãe cara

    Somente arguas, que de astúcias mestra,

    Quatro anos quase, nos contrista, ilusos

    ⁶⁵ De promessas, recados e esperanças,

    E al tem no coração. Com novo engano,

    Nos disse, ao predispor fina ampla teia:

    – Amantes meus depois de morto Ulisses,

    Vós não me insteis, o meu lavor perdendo,

    ⁷⁰ Sem que do herói Laertes a mortalha

    Toda seja tecida, para quando

    No longo sono o sopitar o fado:

    Nenhuma Argiva exprobre-me um funéreo

    Manto rico não ter quem teve tanto. –

    ⁷⁵ Esta desculpa ingênuos aceitamos.

    Ela, um triênio, desmanchava à noite

    À luz da lâmpada o lavor diurno;

    Ao depois, avisou-nos uma escrava,

    E a destecer a teia a surpreendemos:

    ⁸⁰ Então viu-se obrigada a concluí-la.

    Saibas nossa resposta, e a saibam todos:

    Penélope de Icário ao paço envies,

    Marido a sabor dela o pai lhe escolha.

    De indústria, engenho e ardis, a ornou. Minerva,

    ⁸⁵ Quais não dera às mais célebres Aquivas,

    Tiro e Alcmena e Micena emadeixadas;

    Mas dos dotes abusa em que as supera,

    A príncipes da Grécia atormentando.

    A insistir na repulsa, na vontade

    ⁹⁰ Que os imortais no peito lhe puseram,

    Terá glória perene, embora sintas

    Esgotados rebanhos e tesouros;

    Pois, o assevero, a empresa não largamos,

    Antes que ela um consorte a gosto eleja".

    ⁹⁵ Logo Telêmaco: "A expulsar, Antino,

    Quem me pariu e amamentou me instigas?

    Viva Ulisses ou não, se tal cometo,

    A meu avô dar cumpre estreita conta;

    Aflito pelo pai, depois que as Fúrias

    ¹⁰⁰ Penélope, este lar deixando, impreque,

    Me incitará mau gênio humanos ódios:

    Não, não proferirei tamanho crime.

    Mutuando os festins, comei do vosso,

    A casa despejai-me. A preferirdes

    ¹⁰⁵ Gastar os bens de um só, recorro aos deuses:

    Júpiter o castigo vos fulmine,

    E nestes paços expireis inultos".

    Aqui despede o próvido Satúrnio

    ¹¹⁰ Do alto águias duas, que, de pandas asas

    Pelas auras a par, ante o congresso

    Mirando em giro e sacudindo as penas

    Sobre as cabeças, prometiam mortes;

    Lacerando-se à unha a testa e o colo,

    Da cidade por cima à destra voam.

    ¹¹⁵ No anúncio a refletir, pasmaram todos.

    Ergueu-se o herói Mastórida Haliterse,

    Agoureiro o melhor entre os coevos,

    E orou de grado: "Cidadãos, ouvi-me,

    Risco iminente pressagio aos procos:

    ¹²⁰ Não tarda Ulisses, que vizinho traça

    Deles o exício e de outros Itacenses.

    De os refrear o modo averiguemos,

    Ou se abstenham por si, que é mais cordato.

    Inexperto não sou; predisse aos Gregos,

    ¹²⁵ No embarcar para Troia o astuto Ulisses,

    Que sem nenhum dos seus, após vinte anos

    E transes mil, ignoto aqui viria:

    Quanto prenunciei vai ser cumprido".

    Eurímaco retorque: "Eia, a teus filhos

    ¹³⁰ Corre a vaticinar, para que um dia

    Sério desastre, ó velho, não padeçam:

    Profeta eu sou maior; nem quantas aves

    Ao sol adejam, prognosticam males.

    Como Ulisses, ao longe oh! pereceras,

    ¹³⁵ Áugur falaz; com olho só no lucro,

    O ódio nunca em Telêmaco excitavas.

    Mas, se de teu prestígio e idade abusas

    Irritando o mancebo, eu te asseguro,

    Funesto lhe serás, sem nada obteres,

    ¹⁴⁰ E a ti multa imporemos, que te grave

    E ao vivo doa. Mande, eu lho aconselho,

    A Icário a mãe: as núpcias lhe aprontemos,

    E um dote para a filha haja condigno.

    Cesse a porfia assim; pois ninguém medo,

    ¹⁴⁵ Nem o loquaz Telêmaco, nos mete.

    Predições desprezamos, cujo efeito

    Único é detestarmos o adivinho.

    A desfalcar seus bens continuaremos,

    Enquanto ela indecisa entretiver-nos:

    ¹⁵⁰ Todos rivais, pela virtude sua,

    Longos dias passamos na esperança,

    Outras nobres senhoras enjeitando".

    Dissimula Telêmaco: "Não quero

    Nisto, Eurímaco e ilustres pretendentes,

    ¹⁵⁵ Falar mais: tudo os Céus e os Gregos sabem.

    Mas dai-me ágil baixel de vinte remos,

    No qual, o instável pélago sulcando,

    Eu vá, na Esparta e na arenosa Pilos,

    Do suspirado pai colher notícias:

    ¹⁶⁰ Talvez alguém me informe, ou soe o brado

    Com que Jove aos mortais gradua a fama.

    Vivo Ulisses, paciente um ano espero;

    Morto, aqui volto, e um monumento exalço

    E consagro-lhe exéquias dignas dele;

    ¹⁶⁵ De mim novo marido a mãe receba".

    Mal toma o seu lugar, Mentor ergueu-se,

    Sócio do grande Ulisses que à partida

    Confiou-lhe interesses da família,

    Que ao velho obedecia; este prudente

    ¹⁷⁰ Orou de grado: "Cidadãos, ouvi-me,

    Cetrígero nenhum benigno seja,

    Nem precatado e bom, sim duro

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