No Silêncio das Paixões
De L P Baçan
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No Silêncio das Paixões - L P Baçan
Capítulo 1
O Terminal Tietê, em São Paulo, servido pelo metrô, atende linhas suburbanas de ônibus e viagens normais para outros pontos do estado e do país. Dali partem a todo momento dezenas de ônibus com os mais diferentes destinos, levando visitantes de volta para casa, desiludidos fugindo da cidade grande, esperançosos buscando lá fora o sonho que não conseguiram concretizar ali.
Grupos ruidosos estão em constante despedida. Pessoas solitárias caminham com suas bagagens, levando em seus rostos, estampado indelevelmente, o temor da partida ou a alegria da volta. Um perfeito sistema de som faz chegar ao mais acanhado dos passageiros as mensagens de partida, os horários e informações gerais.
Sentada num banco na ampla área de espera, uma garota aguardava o anúncio de seu ônibus. Quando isso aconteceu, um frio percorreu seu estômago, arrepiando-a. Estava trêmula e se sentiu insegura. Afinal, estava deixando o conforto da cidade que conhecia para ir ao encontro do desconhecido, numa cidade estranha no interior do Estado de São Paulo.
Já não havia mais como retornar. Caminhou lentamente, retardando os passos, até o portão indicado. Propositalmente evitara dormir cedo na noite anterior. Fora tarde para cama e acordara bem cedo para se sentir sonolenta o bastante para dormir, tão logo o ônibus partisse.
Não queria se despedir daquela cidade onde vivera a maior parte de sua vida. Levava consigo seu próprio travesseiro e, assim que ocupou sua poltrona junto à janela, acomodou-se e procurou dormir, o que não foi difícil, pois estava muito cansada.
Lembrava-se vagamente da lentidão do trânsito, dos barulhos tão comuns na cidade, até que chegaram à rodovia, rumando para o interior do estado. Então adormeceu profundamente, enquanto deixava São Paulo para trás.
Acordou duas ou três horas mais tarde. O ônibus rodava macio pela estrada. Sônia Liberato abriu os olhos preguiçosos para observar os campos a perder de vista, com canaviais e pastagens se alternando, estendendo-se, verdes e brilhantes ao sol, pelas colinas que pontilhavam o horizonte.
Sentiu-se mais tranquila e voltou a adormecer. Quando acordou, algumas horas depois, as pessoas já comentava sobre a proximidade de Água Branca, a cidade que era seu destino.
Sentiu-se excitada e nervosa, à medida que o ônibus avançava agora. Em Água Branca a esperava o seu primeiro emprego, sua primeira experiência da vida que, agora, era realmente sua, pois teria de cuidar de si mesma.
Deixara para trás a família, os amigos, a agitação da pauliceia, as festas e a badalações para se atirar corajosamente naquele desafio.
Abriu instintivamente a bolsa e apanhou a carta. Já a lera uma porção de vezes. Custara a acreditar quando a recebera. Fora uma das primeiras alunas da turma. Uma comissão na escola cuidava em conseguir emprego para os primeiros colocados nos cursos.
O difícil fora tomar a decisão. Sônia havia ponderado sobre tudo que havia vivido até então em São Paulo. De certa forma, ficando ali, sempre seria dependente dos pais e dos amigos. Jamais teria de encarar verdadeiramente um desafio.
A decisão de ir, afinal, foi se formando devagarinho, solidificando, até o momento em que, intimamente, não havia mais como retornar. Todos os prós e os contras haviam sido pesados. Sônia se sentiu mais madura após isso.
Finalmente, nada poderia ter sido mais perfeito para seus planos. Água Branca ficava no interior do estado, mas perfeitamente acessível por ônibus. Não estaria, afinal, tão longe de todos.
Tomada a decisão, preparou-se para a viagem. Sua pressa foi tanta que se adiantara uma semana à data mencionada na carta. Queria esse tempo para se estabelecer e conhecer a cidade e seus habitantes.
Não sabia como seriam suas acomodações, embora na carta informassem que ela teria habitação incluída no contrato. Mesmo assim, trazia consigo suas economias.
Imaginou ter de comprar alguns móveis, reformar o ambiente, dando-lhe um toque especial e único. A experiência de morar sozinha e cuidar de si mesma se tornava extremamente excitante para ela. Sempre tivera vontade de viver aquela experiência.
Vinha de uma família muito protetora, até certo ponto sufocante. Não que renegasse agora aquele cuidado excessivo que a família tivera para com ela. Fizeram aquilo de coração, realmente preocupados com ela. Agora, no entanto, era a vez de Sônia se manter em seus próprios pés e romper definitivamente o seu cordão umbilical.
Não se sentia totalmente segura para isso, mas estava decidida e isso importava para ela. Esfregou os olhos levemente inchados de sono, depois olhou o cavalheiro ao seu lado. Ele ressonava tranquilamente. Os vastos bigodes brancos se agitavam ao compasso da respiração. Sônia sorriu.
O ônibus sacolejou ao passar sobre uma ponte de madeira.
— Chegaremos após a próxima curva — disse o velhote ao lado dela, sem abrir os olhos.
Sônia se voltou para ele, olhando-o com surpresa. Ele continuava de olhos fechados, deixando-a curiosa.
— Como soube? — quis ela saber.
— A ponte! — riu ele, abrindo os olhos miúdos e joviais. — Espero não ter roncado, moça. Detestaria saber que atrapalhei o sono de uma garota tão bonita como você — acrescentou ele com um charme espontâneo e cativante.
— Absolutamente! Não ouvi um ruído. Verdade.
— Está bem, aceito sua palavra. Como é seu nome?
— Sônia Liberato.
— Pode me chamar de Vicente — apresentou-se ele, apertando a mão da garota. — Sou o padeiro da cidade de Água Branca. O melhor, é claro, pois sou o único — riu ele da própria brincadeira.
Sônia riu também, achando-o simpático e amigo.
— Pois eu sou a nova professora da cidade. Não sei se a única, mas pretendo ser a melhor.
A testa do velho franziu, demonstrando uma agradável surpresa. Ele encarou Sônia com admiração, examinando-a atentamente a ponto de deixá-la encabulada.
— Eu disse alguma coisa errada? — perguntou ela.
— Não, em absoluto. Eu que fiquei surpreso. Agradavelmente surpreso, confesso. É a primeira professora jovem que vejo. Devo reconhecer que os alunos de agora têm sorte, muita sorte mesmo. No meu tempo, apenas as velhas solteironas lecionavam e nenhuma tinha um décimo de sua beleza.
— Os tempos mudam — riu ela, envaidecida com o elogio.
— Sim, e com eles muita coisa também muda para melhor — concordou ele.
— O que pode me adiantar sobre a cidade, Vicente? — quis saber ela, sem esconder sua expectativa.
— Por que não olha pela janela e descobre por si mesma? — retrucou ele, apontando para fora.
Sônia desviou os olhos para a direção apontada, olhando com atenção. Água Branca era mais que uma vila, mas não chegava a possuir ares de uma cidade de verdade. Suas casas de madeira se esparramavam sobre as colinas ao redor daquela que parecia ser a rua principal. A maioria era pintada em cores vivas, destacando-se da vegetação que preenchia os espaços viçosamente.
Os telhados vermelhos, a fumaça nas chaminés, o sol poente produzindo um delicioso efeito de luz e sombras sobre a cidade, tudo a fez se lembrar de uma cidade de brinquedo, onde, a qualquer momento, um gnomo sairia correndo do meio da vegetação.
Ficou simplesmente encantada com aquela atmosfera calma e acolhedora. As pessoas nas varandas das casas observavam a chegada do ônibus. Homens nos alpendres das lojas pareciam estáticos no tempo.
— Já tem onde ficar, Sônia? — indagou Vicente.
— Bem, creio que sim. Preciso encontrar a Sra. Duarte. Foi quem me mandou a carta.
— É a diretora da escola. É uma pessoa sensacional, você vai adorá-la.
— Sabe onde ela mora?
— Entre a estação rodoviária e a padaria. É meu caminho. Eu a deixarei bem na porta da casa dela, se você me der o privilégio de caminhar com você.
— Vai ser uma honra para mim, Vicente — falou ela. — Ficarei muito grata por isso — acrescentou, sorrindo.
A excitação punha um rubor inesperado em suas faces. Um