Fernão de Magalhães - Biografia Romanceada
Fernão de Magalhães - Biografia Romanceada
Fernão de Magalhães - Biografia Romanceada
A Lisboa de Fernão de Magalhães está transformada. Nos poucos anos em que esteve
fora, a cidade crescera e modificara-se. Desapareceu até a pequena igreja onde jurara
lealdade à cristo e ao rei de Portugal, em seu lugar construíram o suntuoso mosteiro dos
Jerônimos. No Estuário do Tejo, velas e bandeiras de toda a Europa esvoaçam. Nos cais e
armazéns amontoam-se as especiarias. Pimenta, cravo, noz-moscada, marfim, sedas,
madeiras aromáticas... as fabulosas riquezas que ele ajudou a conquistar. Belos palácios
brotaram nas ruas da velha cidade. Fernão quase não reconhece Lisboa mas reconhece as
pedras ostentadas por nobres damas e que um dia já estiveram em suas mãos.
O Rei D. Manuel chegou a enviar a Roma um extraordinário cortejo após a conquista
de Malaca e em toda a Europa não se fala em outra coisa: Escravos negros, aves exóticas,
sedas, pedrarias, ouros e até um elefante que aspergia a multidão com perfumes orientais e
que dobrou por três vezes o joelho diante do Papa.
De toda esta riqueza, sobrou para Fernão de Magalhães apenas algumas cicatrizes e
um escravo malaio. Para quem combateu e ajudou a conquistar um império no Oriente, que
transformou sangue e suor em ouro que abarrota agora os cofres dos grãos-senhores, sobrou
apenas uma pensão de 1850 reais mensais e pensão esta não por haver combatido no
Oriente, mas porque ainda tem um brasão e direito a vegetar na antecâmara real. Esta vida
não satisfaz a Fernão, que não a considera digna da sua honra de guerreiro. Pede ao Rei para
engajá-lo em uma nova expedição militar, mas fica ainda por um ano inativo, roído pelo ócio,
quando finalmente parte para o Marrocos e luta com os mouros, onde recebe um ferimento de
lança no joelho que o deixará mutilado para sempre. É ainda caluniado de fazer pacto com o
inimigo na partilha do espólio de guerra. Volta novamente à Lisboa, irritado, e sem prestar
satisfação ao alto-comando, exige uma audiência com o Rei, não para se defender, mas para
atacar. Ele sabe de seu valor, das privações que passou para o engrandecimento da pátria e
quer seu desagravamento público e uma posição mais condigna de sua tradição.
O rei pouco se importa com um soldado anônimo, não concede a audiência exigida e
ainda manda que se apresente imediatamente ao alto-comando em Marrocos, sob pena de ser
considerado desertor. A contragosto ele vai. O alto-comando não ousa acusá-lo, mas acaba o
licenciando novamente, obrigando-o a regressar a Lisboa e ao marasmo. Torna-se então um
homem suspeito, ferido, mas com uma vontade férrea e silenciosa, articulando um plano
audacioso, digno da têmpera em que se forjou seu caráter.
A Entrevista com o Rei
Depois de um tempo, Fernão novamente exige que o rei o receba. Mesmo de má-
vontade, desta vez Sua Majestade D. Manuel lhe concede a audiência. Apresenta-se sozinho,
orgulhoso, dono de uma ambição secreta e desmedida. Arrastando a perna aproxima-se de
Sua Majestade, curva-se numa reverência respeitosa e entrega-lhe os documentos que
comprovavam sua inocência no caso de Marrocos. Fala altivamente ao Rei, olhando-o de
frente. Exige ainda que sua pensão seja aumentada em 100 míseros reais. Pouco importa a
Fernão a quantia, o que lhe interessa é a dignidade que ela envolve. O Rei, irritado, recusa. A
ele também pouco importam os 100 reais, mas ele está acostumado a curvaturas dengosas, a
pedidos feitos em punhos de renda, e estava incomodado com o olhar ferino de um
conquistador que lhe devia obediência e respeito.
Fernão não se verga ante à má disposição do monarca e faz uma segunda exigência: o
comando de um navio para a Índia. Alega que ninguém como ele conhece os segredos da arte
náutica, que tem apenas 35 anos e energia de sobra para ficar inativo à sombra de uma
simples pensão.
O Rei recusa-se secamente, mas Fernão não se retira, insiste. Formula agora uma
terceira pergunta:
— Majestade, desejo saber se por acaso vos parecerá ofensa eu ir procurar servir
outro monarca católico, na esperança de alcançar maiores proventos?
— Não, que não! Faz o que quiseres... Sua Majestade se desinteressa pelo assunto.
Mancando, altivo e escorraçado, Fernão de Magalhães retira-se da sala do trono.
A Teoria e a Prática
Fernão de Magalhães sabe ao que vai se expor ao emigrar para a Espanha. Será
considerado para sempre um cavaleiro desonrado em Portugal, um traidor de seu Rei e de sua
gente, um suspeito aos olhos de outros Reis, já que abandonou aquele a quem jurou
obediência e lealdade. Mas o que fazer se tem ele em mente um plano fantástico a realizar e o
próprio D. Manuel o escorraçara da corte? Além de que, tem uma permissão formal de seu Rei
para servir a qualquer outro monarca católico que lhe pague melhor. Sendo assim Fernão
cruza a fronteira. Rui Faleiro, menos corajoso, fica em Lisboa, aguardando as diligências do
amigo.
Fernão sabe da desconfiança que lhe espera. Não se dirige à “Casa Del oceano”, onde
eram considerados todos os projetos marítimos e todos os empreendimentos que se
relacionavam com o ultramar, e nem sequer tenta uma audiência com o jovem Carlos V.
Aproxima-se de um velho combatente português, Diogo Barbosa, que vivia em Sevilha
e era naturalizado espanhol, e que como ele, combatera por vários anos nos mares da Índia.
Isto os tornava grandes amigos. Diogo é um homem já idoso e conceituado na corte de
Valhadoli, já que era cavaleiro da Ordem de Santiago.
Fernão acaba por casar com a filha do amigo, Beatriz, e torna-se genro de Diogo
Barbosa, cavaleiro da Ordem de Santiago, além de alcaide do arsenal de Sevilha. Está certo
de que estas atribuições estão abrindo seus caminhos para a “Casa del Oceano”. Consegue
enfim marcar uma audiência. Mas a comissão de três representantes da Casa em uma primeira
reunião consideram o plano de Fernão extraordinário e irrealizável. Fernão se desilude na hora.
Porém poucos dias mais tarde recebe surpreendido a notícia de que Juan de Aranda, um dos
três conselheiros, ficara pessoalmente muito impressionado com o projeto e convida-o a expô-
lo de maneira mais detalhada em sua casa. Fernão fica então muito empolgado e talvez tenha
até mesmo confidenciado a latitude da passagem para conseguir seu intento, apesar das
recomendações em contrário de Rui Faleiro. O certo é que Aranda realmente se entusiasmou
com o projeto e depois de recolher informações em Portugal sobre a competência de Fernão
de Magalhães e Rui Faleiro, tratou de abrir caminho através das armadilhas burocráticas da
corte, até conseguir uma audiência com Carlos V.
Fernão manda chamar Rui Faleiro para vir a Sevilha. Quando este sabe que uma
terceira pessoa está a par da “passagem”, e que além disso Aranda queria participar dos lucros
da expedição, eles discutem violentamente, quase que destruindo sua sólida amizade por
conta das desavenças. Porém, quando estavam quase chegando às portas de Valhadoli,
acabam entrando em acordo: estará tudo certo se Aranda ficar com um oitavo dos lucros em
troca de suas diligências no negócio.
Encerrado o entrevero, Fernão e Rui vão juntos à Audiência com Carlos V.
O Rei e o Conselho da Coroa olham interessados para o português renegado. Um dos
presentes , o bispo de Burgos, fora um dos maiores inimigos do projeto de Cristóvão Colombo.
Magalhães não se amedronta e fala altivamente como sempre. O Rei e o Conselho sentem que
tem diante de si uma forte personalidade. Fernão de Magalhães sabe mais sobre o Oriente do
que todos os arquivos secretos da Coroa, cruzou os Mares das Índias, combateu em Cananor,
foi derrotado em Malaca e cinco anos depois retornara para se vingar, vencendo e
conquistando.
Fernão manda chamar Henrique, o escravo que trouxera de Malaca. O Rei e os
conselheiros espantam-se ao ver a raça desconhecida para eles. Depois manda vir uma
escrava de Sumatra, vestida com os trajes de sua terra, falando uma língua incompreensível,
que remetia a algo longínquo e misterioso. Os espanhóis ficam impressionados mas ainda não
sabem da real intenção de Magalhães.
E assim, mancando, rude, altivo, Fernão se aproxima do Rei.
— Majestade, os portugueses esforçaram-se para atingir as ilhas das especiarias
contornando a África, fazendo escala em Calecute, Cochim e Malaca, avançando sempre mais
para oriente. Mais fácil seria atravessar as Índias Ocidentais e avançar para as ilhas das
especiarias pelo Ocidente.
Carlos V e os conselheiros novamente se espantam.
— E só eu, Majestade, só eu e Rui Faleiro sabemos da passagem que liga o Atlântico
aos Mares do Sul. Não revelamos agora exatamente por onde, pois pretendemos guardar
segredo até o último momento. Não quero no entanto deixar de chamar a atenção para o fato
de que as ilhas das especiarias estão dentro da metade que vos cabe, de acordo com o
Tratado de Tordesilhas. Rui Faleiro, melhor do que eu, poderá explicar a Vossa Alteza os
motivos por que essas ilhas se encontram na esfera cedida pelo Santo Padre ao reino de
Espanha.
A convicção de Fernão de Magalhães e a detalhada e competente apresentação do
projeto por Rui Faleiro, que incluía um globo onde mostrava que as fabulosas ilhas cabiam por
direito à Espanha, empolgam de vez Carlos V, que pensa poder dar o golpe de morte em D.
Manuel de Portugal, pois de nada valeria aos lusitanos o domínio das Índias, se acaso as ilhas
das especiarias fossem de propriedade de Espanha, de acordo com o Papa, que dividira o
mundo em duas metades, traçando a 370 léguas de Cabo Verde uma linha divisória. A metade
ocidental caberia à Espanha e a oriental à Portugal.
O que o Rei não sabia é que os cálculos de Rui Faleiro estavam baseados em
hipóteses e não eram nada precisos. Faleiro não imaginava naquela época a imensidão do
Oceano Pacífico, daí seu erro. Mesmo assim, com o impacto que a apresentação proporcionou,
Carlos V acaba cedendo a Fernão de Magalhães e a Rui Faleiro a frota pedida, assim como
todos os interesses e prerrogativas exigidas: o controle exclusivo para ambos, durante dez
anos, de todas as expedições ao mar e terras a descobrir, a vigésima parte dos lucros de todas
as expedições às novas ilhas, o governo de todas as terras descobertas, com direito de
transmissão aos herdeiros e posse de duas ilhas, no caso de descobrirem seis.
Assim, subitamente, a “Casa Del Oceano” passa a gravitar em torno de dois
portugueses desconhecidos até a véspera. É uma honraria inesperada, que fere
profundamente o brio nacionalista dos senhores de Espanha.
A intriga
Ao fazer a escala em Tenerife, uma caravela vinda de Espanha traz uma carta a
Fernão. Era de seu sogro, Diogo Barbosa, que lhe avisava sobre uma conspiração dos
capitães castelhanos para minar sua autoridade.
Juan de Cartagena, personagem com proteção da corte de Espanha, vedor principal da
frota, “Conjuncta persona”, como rezam os documentos, fomenta esta afronta, não se
colocando como subordinado, já que estes mesmos documentos não especificam nada sobre o
assunto. Tudo dependeria de qual personalidade se vergaria primeiro. Desde o início Fernão
exerceu uma disciplina férrea, rumou para o sul, ao largo da costa africana, em vez de seguir a
rota do Brasil. Talvez pretendesse evitar a esquadra portuguesa que ouvira dizer ter D. Manuel
enviado para lhe dar combate, ou talvez pretendesse seguir até a costa da Guiné para tomar
barlavento, um segredo de navegação que nesta época apenas os portugueses detinham. Mas
o fato é que acabou por cair em uma calmaria estagnada, seguida por súbitas tempestades e
perdeu com esta manobra cerca de quinze dias de viagem. E quando Juan de Cartagena foi
indagar-lhe o porque deste rumo, respondeu-lhe secamente que o seguissem sem mais
perguntas. Isto aumentou à sua volta o clima de desconfiança e despeito.
Ao cair da noite, segundo praxe estabelecida por Fernão de Magalhães, o San Antonio
deveria aproximar-se do Trinidad e Juan de Cartagena deveria aparecer e saudar com esta
frase: — Deus vos guarde, senhor capitão-general, e ao mestre e à boa companhia.” Mas o
que aconteceu foi a aparição do furriel, que a plenos pulmões gritou de modo a que todos os
tripulantes de todas as embarcações pudessem ouvir:
— Deus vos guarde, senhor capitão e mestre.
Fernão sofre o golpe em silêncio, sem demonstrar um gesto de irritação ou
contrariedade, apenas manda dizer a Juan de Cartagena que espera no futuro ouvir a
saudação que lhe é devida. Cartagena logo manda responder que lamenta mas que não vai
obedecer.
Acendeu-se o rastilho da insubordinação. Fernão ouve ainda por três dias a saudação
que o insultava, simulando uma derrota contemporizada e depois convida todos os capitães a
se reunirem no Trinidad, para decidirem um caso de atentado à moral acontecido entre dois
marinheiros. Os capitães ficam agradavelmente surpreendidos e julgam haverem dobrado o
conquistador inflexível. Comparecem à reunião e Juan de Cartagena lhe indaga novamente o
porquê do desvio até a costa da Guiné. Fernão não responde. Cartagena novamente ataca e
Magalhães não se defende. Empolgado pelo seu silêncio, precipita-se em um ataque cada vez
mais violento, lança insultos, chama-o de incompetente. Só então Fernão reage, segura Juan
de Cartagena bruscamente pelos braços e lhe dá ordem de prisão. Tem agora o motivo para
agir assim. Os outros capitães ficam paralisados com a rapidez do golpe e percebem que
caíram numa ardilosa armadilha. Em vão Juan de Cartagena os instiga a reagir, mas todos
percebem o poder que emana daquele português inflexível. Está vencida mais uma batalha.
Juan de Cartagena fica sob a guarda de Luis de Mendoza, comandante do Victória, dando a
palavra de honra que o terá sempre ao dispor do Almirante. Porém é uma amarga vitória, pois
se agora o novo comandante do San Antonio já te saúda como estabelecido, o orgulho
espanhol continua, mais do que nunca, por vingar.
E assim, na mais calma das serenidades, a frota chega enfim, a 13 de dezembro de
1519, na baía de São Januário, a maravilhosa baía a que mais tarde seria dado o nome de Rio
de Janeiro.
A tripulação passa apenas 13 dias na baía de São Januário. São breves mas felizes
dias, onde os marinheiros maravilham-se com a paisagem magnífica e divertem-se com a
amabilidade e ingenuidade dos Guaranis. Fernão de Magalhães deixa que desfrutem do
descanso mas não admite excessos. E ao fim destes treze dias, com grande pesar da
marinhagem, manda levantar âncoras.
Navegam agora sem escalas rumo aos ansiados e secretos 40 graus de latitude. Uma
fúria interna apoderou-se do Almirante, não há descanso nem quartel, rumando sempre para o
sul. A 10 de janeiro avistam uma colina a qual dão o nome de Montevidi, e logo depois uma
grande enseada, um grande caudal. Estas águas correndo tão impetuosamente para oeste só
podem ser um indício de um canal ligando dois oceanos. Um espanto e uma súbita alegria
toma conta de todos, fora mais fácil do que se supunha encontrar a passagem para os Mares
do Sul.
Fernão mal pode ocultar sua íntima satisfação. O imenso estuário coincidia com as
secretas informações de Rui Faleiro. E manda que se inicie a descoberta da “passagem”, com
os navios menores na frente. E passam dois, três dias, uma semana e as pesquisas revelam-
se infrutíferas. Magalhães insiste, perde ainda mais uma semana e finalmente aceita que o
fabuloso canal nada mais era do que um gigantesco rio. E manda rumar mais para o sul.
A paisagem vai se tornando desértica, desolada, a temperatura cai mais e mais.
Aparecem os primeiros gelos e Magalhães enfrenta agora uma dupla frente de batalha. A
desconfiança dos comandantes espanhóis que o olham quase como vitoriosos e a dúvida
interna que lhe consome a altivez. A tripulação começa a ficar impaciente e os comandantes
espanhóis aguardam ansiosos a hora de caírem sobre ele, de o humilharem perante toda a
marinhagem, afinal o português não conhecia a passagem como tão veementemente afirmara.
Juan de Cartagena, embora ainda preso, sente-se vitorioso.
Mas o sombrio capitão-general não se verga, tem agora que disputar sua autoridade
palmo a palmo. Seria mais prudente que retornassem um pouco, para passar o inverno em
uma região de clima mais ameno e suave, mas Fernão achava que ao dar ordem para que
rumassem ao norte sua competência seria colocada em questão e os comandantes espanhóis
promoveriam um motim. Assim sendo, para horror de todos, D. Fernão de Magalhães ordena
que se franqueie a desolada baía de São Julião e que se baixem as âncoras. Deverão passar
por ali todo um inverno.
O Motim
O Estreito de Magalhães
Cinco meses se passam, marcados pelo inverno rigoroso e pela tragédia do motim. Os
marinheiros saem à terra, encontram pegadas enormes e se atemorizam, julgando haverem
chegado à uma terra de gigantes. Chamam estes seres de “patagões”, ou seja, de pés
grandes. Cria-se uma lenda. Mais tarde acabam encontrando os índios que produziam estas
pegadas, não eram absolutamente gigantes, apenas faziam calçados com volumosas tiras de
pele de guanaco, que deixavam as enormes e misteriosas pegadas, e junto aos índios se
divertiram com suas danças e seu voraz apetite, até as ferozes tempestades começarem a
amainar.
O Santiago é enviado à frente, para fazer um reconhecimento da costa mais ao sul,
mas acaba naufragando na foz de um rio, que recebeu o nome de Santa Cruz, durante um
súbito vendaval. Com isso Fernão decide que é hora do tudo ou nada, manda levantar âncoras
e começam a rumar lentamente em direção à barra. Dos quatro navios restantes os
marinheiros olham por uma última vez a desolada baía de São Julião. É possível distinguir dois
vultos que ficaram abandonados à sua própria sorte, Juan de Cartagena e o sacerdote.
Após finalmente dobrarem a barra, surge novamente o grande oceano à sua frente e
continuam rumando cada vez mais ao sul. Mas o inverno ainda não amainara por completo os
obriga a ficar ainda mais dois meses ancorados na foz do rio Santa Cruz, onde naufragara o
Santiago.
Fernão de Magalhães começa a aceitar a idéia de dobrar o Cabo da Boa Esperança,
caso a “passagem” não seja em breve encontrada. Sua férrea vontade e obstinação começam
a abalar-se, já admite a derrota, pensando em como ficará sua situação diante de Carlos V, em
uma expedição fracassada e com penas capitais a fidalgos espanhóis.
Mas haveria uma última tentativa, navegariam no máximo mais 10 graus ao sul e
estaria concluída a exploração. No entanto, navegando apenas dois graus abaixo de onde
ficaram por dois meses parados e estagnados, encontraram uma agreste e estreita enseada.
Todos olham desconfiados, dizendo estarem diante de um fiorde sem saída, como os da
Noruega, mas a última esperança de Magalhães lhe levanta o ânimo. Manda que o San
Antonio e o Concepción entrem no estreito e lhes dá cinco dias de prazo para a exploração.
Uma tempestade açoita a frota em pleno estreito e Fernão teme pelas duas unidades
avançadas. Se acaso a passagem fosse apenas um fiorde estreito como quase todos
suspeitavam, os navios deveriam ter-se despedaçado de encontro à parede de rochedos.
Os dias escorrem lentamente, a apreensão aumentando, quando um vigia avista uma
coluna de fumaça. Fernão teme que seja um sinal dos náufragos, mas logo em seguida eis que
todos avistam um, dois mastros, as velas enfunadas e ouvem um rugido de trovão, uma salva
da artilharia. É a alegria, a louca alegria da vitória que toma conta do Concepción e do San
Antonio e começa a tomar forma em toda a frota. “Há passagem!”, gritam os marinheiros.
Existe um labirinto a se decifrar, mas certamente a passagem existe, devido ao constante fluxo
e refluxo das marés. Está descoberto o estreito a quem a história haveria de chamar de
Magalhães. Depois de esquadrinhar cada um dos falsos canais, finalmente avistam o imenso
Mar do Sul, o imenso Oceano Pacífico, como lhe batiza Fernão de Magalhães. Neste momento,
dizem, demonstrou-se o primeiro sinal de que o grande capitão-general era um ser humano.
Lágrimas sulcaram seu rosto curtido de sol.
A Travessia
O Término da Viagem
Os espanhóis destroem em pouquíssimo tempo o que Magalhães havia construído
pacientemente. Abusam, roubam, saqueiam. Incitam o rei de Cebu à traição. E
inesperadamente, durante um banquete que aparentava normalidade, os capitães e mestres de
navegação são trucidados pelos nativos.
Os quatro navios vagueiam agora pelo arquipélago de Sonda, sem rumo, sem uma voz
de comando que os conduza. Praticam a pirataria pura e simples para se abastecerem.
Finalmente atingem Ternate. Ficam sabendo pelo rei que Serrão, o grande amigo de
Magalhães morrera há poucas semanas.
Se por vinte e sete meses haviam navegado às cegas, o rumo agora era mais fácil e
conhecido. Carregam com as preciosas especiarias o único navio capaz de suportar a viagem
de volta à Espanha e cinqüenta e um homens ficam voluntariamente na ilha de Tidore,
esperando um resgate que talvez lhes mandasse Sua Majestade Carlos V.
O Victoria, comandado por Sebastian Del Cano, o antigo amotinado, contorna o Cabo
da Boa Esperança, e após inúmeras e desesperadas aventuras, entra no porto de Sevilha. Dos
cinco navios, apenas um regressara. Dos duzentos e cinqüenta homens que partiram, apenas
dezoito retornam. Dezoito espectros, dezoito heróis para a Espanha. As especiarias trazidas no
Victoria cobriram as despesas de toda a frota.
Fernão de Magalhães é logo esquecido e Sebastian Del Cano é glorificado, concedem-
lhe até direito a usar brasão. Talvez tenha sido ele mesmo quem destruiu os diários do
Almirante da frota. Del Cano não pode esquecer que também participou do motim na baía de
São Julião...
Até mesmo depois de sua morte o grande conquistador continuava suspeito. Para
lançar uma última afronta à sua memória, Carlos V vende a concessão das ilhas das
especiarias para D. Manuel por trezentos e cinqüenta mil ducados, um vil e miserável negócio é
no que se transforma o grande plano que consumiu a vida de Magalhães.
Nem seus herdeiros sobraram para reclamar os haveres devidos, a desgraça atinge
também a todos seus entes queridos. Morreu Beatriz, sua esposa e morreram seus dois filhos,
o mais novo Fernão nem chegou a conhecer. Duarte Barbosa, seu cunhado, morreu em Cebu.
Henrique continuou sendo tratado como escravo. Rui Faleiro é detido ao entrar em Portugal.
Álvaro Mesquita, seu primo, comandante do San Antonio, é preso por lhe ter sido fiel.
Foi um destino trágico, grandioso e fatal. “Mas a terra é redonda!” podem agora os
homens afirmar com segurança. E Fernão de Magalhães havia escrito seu nome para sempre
na história da humanidade.
O vento continua açoitando a desolada baía de São Julião e quem para ela olhe, talvez
ainda possa distinguir dois vultos perdidos, vagando sem rumo pela praia...
Fim
Fernão de Magalhães
(1480? – 1521)
Adaptação baseada na obra de Fernando Correa da Silva, “Os Descobridores”, de 1960.
Por Mauricio Figueiredo em agosto de 2005.