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Nas Trilhas de J J Gallahade

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Eliana Nagamini (org.

Nas trilhas de J.J.Gallahade:


leitura crítica
da poética de Jayro Luna.

São Paulo
2006

1
Copyright © 2006 by Editora Vila Rica
Capa: Wilson Babaçu
Revisão: Editora Vila Rica
Ilustração da Capa: Sucesso, Gênio, Magnificência (poema visual de
Jayro Luna, 1998).

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada
ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico,
fotocópia, gravação, etc. - nem apropriada ou estocada em sistema de banco
de dados, sem a expressa autorização do autor, ou desta editora, enquanto
legalmente constituída nestes direitos pelo autor.

Impressão e Acabamento: A.D. Cópias.

Editora Vila Rica


vilarica@bol.com.br

Nagamini, Eliana.
Nas Trilhas de J.J. Gallahade: Leitura Crítica da Poética de
Jayro Luna. - São Paulo: Vila Rica, 2006.

Bibliografia: ISBN: 85 - 60121 - 02 - 2

1. Nagamini, Eliana - Teoria Literária - Literatura Brasileira:


Crítica Literária. I. Título.

CDD: -801.95
-869.9309

Índices para catálogo remissivo:


1. Teoria Literária - 8091.95
2. Literatura Brasileira: Crítica Literária - 869.9309

2
Sumário
Apresentação:
Jayro Luna ou Jayro Jhade Gallahade: o poeta e a máscara -
Eliana Nagamini, p.5
PRIMEIRA PARTE – cartas - p.12
CARTA 1 – Antônio Carlos Lucena (I), p.13
CARTA 2 – Paulo Leminski, p.15
CARTA 3 – Antônio Carlos Lucena (II), p.16
CARTA 4 – Caio Graco, p.18
CARTA 5 – Uílcon Pereira (I), p.19
CARTA 6 –Philadelpho Menezes (I), p.20
CARTA 7 – Uílcon Pereira (II), p.23
CARTA 8 – Rubervan du Nascimento, p.24
CARTA 9 – Philadelpho Menezes (II), p.26
CARTA 10 – Álvaro de Sá, p.28
CARTA 11 – Haroldo de Campos, p.30
CARTA 12 - Zanoto, p.32

SEGUNDA PARTE – artigos - p.36


“Ópium de Jairo Jhade Gallahade”, de Eloésio Paulo dos Reis, p.37
“Bagg’ Ave: sonetos e rock’n’roll”, de Douglas de Almeida, p.38
“Rock é poesia e poesia é rock”, de Roberto de Campos, p.42
“Rock and roll em grande estilo”, de Luiz Fernando Ruffato, p.p.45
“O jogo poético em Infernália Tropicalis”, de Raimundo
Franklin de Meneses, p.47
“Leitura de dois poemas de Infernália Tropicalis de Jayro
Luna”, de Jonas Negalha, p.49
“Jayro Luna – Florilégio de Alfarrábio”, de Ricardo Alfaya e
Amelinda Alves, p.52
“Jayro Luna”, de Antônio Miranda, p. 54
“Tristes trópicos trôpegos”, de Fabio Ulanin, p. 56

3
TERCEIRA PARTE – textos acadêmicos - p.58
“Anotações esparsas de uma aula dum curso de poesia”, de
Jayro Luna, p.59
“Dom Quixote Reciclado: Leitura semiótica de um poema de
Jayro Luna”, de Carlos Henrique Tonelli e Rosa Maria
Bertholdo, p. 64
“A gênese de uma jovem poesia na peleja da utopia com
paupéria”, de Carlos Alfredo Fernandes Verdasca, p. 68
“Traduzir o ‘Tom’?”, de Profª Drª Yun Jung Im, p. 102
“Acerca do ritmo na poesia visual”, de Profª Drª Cristina de F.
L. Marques, p. 108
“Acerca de alguns experimentos formais em Florilégio de
Alfarrábio de Jayro Luna”, de Profª Drª Cristina de F. L.
Marques, p. 117
@: poema de Jayro Luna, de Prof.ª Dr.ª Cristina de F. L.
Marques, p. 125

4
Apresentação: Jayro Luna ou Jayro Jhade Gallahade:
o poeta e a máscara
Eliana Nagamini

Os poemas de J.J. Gallahade, pseudônimo de Jayro Luna,


contém uma diversidade na composição da forma e do conteúdo,
do soneto à poesia concreta, do esoterismo à cibernética.
Intertextualidade e confronto com o mundo contemporâneo são
marcas presentes em poemas como “O Exílio da Canção”
(Infernália Tropicalis). Há também muitas referências daquela
geração que viveu sob o prisma do rock, da contracultura, da
rebeldia, do desbunde, como em “Rock-poesia” (Infernália
Tropicalis). Influenciado pelo movimento Tropicalista, pelo
mundo do rock, os poemas de Jairo revelam sua busca pela
natureza da produção poética e se transforma, no presente, em
poesia ainda marginal.
Jayro Luna iniciou corajosamente a publicação de seus
poemas, nos idos dos anos 80, em plaquettes, peregrinando com
eles debaixo do braço entre editores e pessoas ligadas ao universo
literário. Nem sempre encontrou uma resposta positiva; muitos
elogios, mas sem a esperada publicação. Assim poucos conhecem
a obra poética de Jayro Luna.
O pseudônimo J.J.Gallahade revela muito mais sua busca
por uma identidade poética do que para escondê-la. Não é à toa
que na composição do próprio pseudônimo contenha o nome do
poeta: Jayro que se funde com Jhade Gallahade, situando o poeta
num mundo fictício em que está presente/ausente, que o lança
para um vir a ser, na tentativa de encontrar o seu espaço como
poeta. No pseudônimo está o desejo expresso por um lugar
predestinado, como o cavaleiro da Távola Redonda; o cavaleiro,
no entanto, é um cavaleiro errante, um poeta marginal.
Segundo Glauco Mattoso, “do ponto de vista literário,
marginal seria toda poesia que se afasta dos modelos
reconhecidos pelos críticos e professores, pelo público leitor e,

5
conseqüentemente, pelos editores” 1 . A geração-mimeógrafo só
encontrou seu público – pequeno - por ser itinerante. O conceito
de marginal aplicado aqui não se restringe, no entanto, somente à
sua circulação, mas principalmente pela transgressão aos modelos
tradicionais. Em J.J. Gallahade essa transgressão ultrapassa a mera
negação desses modelos, pois eles fornecem elementos estéticos
na composição de seus poemas, ou seja, o poeta assume a
liberdade de expressão, de criação para compor sonetos com uma
temática incomum para uma forma clássica (“Cavaleiro Menestrel
Errante”, em Bagg’Ave’).
Mesmo sendo marginal, o que já implica em dificuldades
na publicação de seus poemas, o poeta quer ser lido. Aliás, o
fenômeno literário só se efetiva na existência da trilogia
autor/obra/leitor. Porém como afirma Mattoso, citando Carlos
Alberto Messeder Pereira, autor da tese Retrato de época: poesia
marginal anos 70 (Funarte/1981), a autonomia do poeta marginal
contribui negativamente para seu ingresso no mercado editorial,
tornando-se cada mais distante a conquista por um prestígio
literário. No contexto dos anos 70, o poeta vivia um “grande
dilema”, isto é, “de um lado existe o obstáculo de submeter seu
trabalho a intermediários (editores, conselhos consultivos,
comissões julgadoras), que exercerão sobre o mesmo algum tipo
de seleção ou censura; de outro, a necessidade de atingir um
público cada vez mais amplo para se tornar um nome popular e,
por que não, badalado. Tal contradição não fica resolvida pela
“opção” marginal. Ao contrário, mesmo entre os poetas
marginais por “convicção” prevalece o mito da consagração e da
fama, a luta pelo status cultural, ainda que o alcance desse status
fique restrito a um público muito reduzido” 2 .
Esse paradoxo entre a marginalidade e a consagração
também ocorre com Jayro Luna. Das cartas fornecidas pelo poeta
aos textos acadêmicos, acompanhamos a trajetória da produção
1
MATTOSO, Glauco. O que é poesia marginal. São Paulo: Brasiliense,
1981, p. 31.
2
Idem, p.74.

6
literária do poeta e sua tentativa em estabelecer um diálogo com o
meio editorial, literário e acadêmico.
Assim, esta coletânea sobre a produção poética de J.J.
Gallahade apresenta textos de caráter informal – parte da
correspondência recebida pelo poeta – , de caráter público –
como artigos de jornais e revistas- e de caráter acadêmico – como
a dissertação de mestrado e tese de doutorado.
A primeira parte conta com uma série de cartas enviada
para o poeta, cujo diálogo nos permite compreender a trajetória
de Jayro na conquista de um espaço não apenas no meio editorial,
mas também entre aqueles envolvidos com a Literatura. Vale
destacar que a reunião dessas cartas não tem como objetivo
apenas o resgate da luta do poeta para ser reconhecido.Trata-se,
numa esfera mais ampla, de considerarmos o impacto de algumas
mensagens contidas nelas, principalmente tendo em vista o seu
interlocutor. Pois, de acordo com Valverde, “a carta contém uma
possibilidade intrínseca de provocar modificações no destinatário,
o poder de influenciar idéias, atitudes, de enriquecer e permitir
reflexão” 3 .
Tanto o conteúdo como o grau de intimidade entre o
emissor e o receptor são fatores importantes na reconstituição do
perfil artístico de J.J. Gallahade, embora esse não tenha sido o
critério seguido para a organização das cartas, pois elas foram
organizadas a partir de dados cronológicos para situar o leitor no
processo de formação do poeta: do jovem estudante de Letras da
PUC ao professor de Literatura em instituições de nível superior.
O leitor notará que a informalidade ou não da linguagem
utilizada nas cartas revela o grau de aproximação ou

3
VALVERDE, Maria de Fátima. “A carta, um gênero ficcional ou
funcional?”. In: Anais do IV Congresso Internacional da Associação
Portuguesa de Literatura Comparada, Universidade de Évora
(www.eventos.uevora.pt/comparada/VolumeI/A%20CARTA_UM%20
GENERO%20FICCIONAL%20OU%20FUNCIONAL.pdf - acesso em
9 / 8/2006)

7
distanciamento do interlocutor. Fator decisivo no impacto da
mensagem apresentada, pois, de modo geral, elas se constituem
cartas-comentário, na medida em que o conteúdo apresenta
apreciações críticas sobre algum poema ou plaquette enviado por
Jayro. As cartas trazem à luz a insistência do poeta para publicar
seus poemas e dialogar com outras personalidades ligadas ao
meio literário. Entre elas constam nomes como Paulo Leminski,
Caio Graco, Haroldo de Campos, todos escritores reconhecidos
pelo meio artístico-literário. Outros nomes de poetas, com
propostas literárias muito próximas de Jayro, como Antônio
Carlos Lucena 4 , conhecido como Touchê, Álvaro de Sá 5 ,
Rubervan do Nascimento 6 . E ainda de pessoas ligadas ao meio
acadêmico como Uilcon Pereira 7 , Philadelpho Menezes 8 .

4
Foi poeta da geração marginal dos anos 70, começo dos 80, publicou dois
livros: "Jujubas Essenciais"(1979) e "Pílulas de Vida do Dr. Touchê"
(1980), participou como um dos líderes de um grupo de poetas marginais
chamado "Sanguinovo" do qual também participaram outros como Tanussi
Cardoso (também compositor), Réca Poletti, Fred Maia (atualmente
professor universitário e crítico de música e literatura), entre outros.
5
Poeta do chamado movimento do poema-processo, década de 70, junto
com Wlademir Dias Pino, Moacy Cirne, Joaquim Branco, entre outros;
participou de uma antologia de poesia visual na qual Jayro também fez
parte. Jayro conheceu o poeta na ocasião do lançamento e mantiveram
correspondência durante um tempo até a morte de Álvaro.
6
Editor de fanzines de poesia voltados para a poesia visual e concreta, e
também a versificada de caráter regional e marginal; ele é do Nordeste e
Jayro não o conhece pessoalmente.
7
Foi professor da Unesp e da Ufscar, entre outras, ministrando aulas sobre
Literatura, publicou nos anos 80 dois romances,"O Livro do Biúte" e "A
Implosão do Confessionário". O crítico carioca Aricy Curvello fez uma
compilação de parte da sua correspondência crítica, em que há algumas
referências ao Mimeógrafo Generation, editado por Jayro.
8
Foi professor da PUC-SP, atuando na graduação e na pós-graduação.
Especializou-se no estudo e na crítica da poesia visual, sonora e concreta.

8
Há alguns comentários precisos sobre os poemas de
Bagg’Ave como os de Antônio Carlos Lucena, em que há destaque
para a composição da estrutura dos poemas e do caráter
underground, elementos que valorizam a produção poética de
Jayro. Outros comentários como os de Paulo Leminski são
incentivadores por destacar a importância das escolhas
vocabulares, mas na opinião do escritor revelam a imaturidade do
poeta que precisa construir seu caminho (“Espero que os
caminhos da poesia sejam para você uma espécie de pé na estrada
com direito a definição de itinerário”).
Talvez a carta-comentário de Caio Graco seja a que mais
tenha causado impacto no poeta pela recusa de seus poemas para
publicação e pela ambigüidade: “talvez eu pudesse propor estudar
a publicação de seus poemas para outro ano, mas para ser franco,
embora tenha gostado de sua poesia e entendido o espírito de
contracultura que a domina, ela me parece muito comprometida”.
Apenas a possibilidade de publicação dos poemas já seria uma
conquista, porém essa possibilidade é anulada posteriormente
com termo “comprometida”, pois não há o complemento
necessário para que a idéia seja apresentada na sua totalidade. O
próprio Jayro vai levantar algumas conjecturas a este respeito em
seu livro Participação e forma. Algumas reflexões sobre a função social da
poesia, publicado pela Épsilon Volantis,2001.
O comentário de Phipladelpho Menezes acerca do poema
“Poema semiótico para Ziggy” também apresenta uma
observação que em princípio pode parecer negativo (“o seu
poema tem um quê de improvisação e desarranjo”), mas que
corresponde com a linha poética adotada por Jayro, isto é, o do
experimento visual apoiado na liberdade de criação, na
“irreverência”, no “desbunde”, com o espírito da poesia marginal.
Em todas as cartas, o leitor encontrará como traço
semelhante indícios da preocupação do poeta JJ Gallahade ou

Autor de Roteiro de Leitura: poesia concreta, publicado pela Ática.

9
Jayro Luna com o processo de produção literária, tanto em
relação à forma quanto ao conteúdo, e sua proposta na
construção do conceito de “metamodernidade”.
As cartas-artigo de jornal são assinadas por Zanoto, cujo
diálogo se divide entre a correspondência enviada por Jayro e as
respostas ou comentários publicados no jornal Correio do Sul
(Varginha – MG), na década de 80. Elas trazem mais uma face do
poeta Jayro, com sua poesia marginal voltada para a contracultura,
o rock e com referências ao Mimeógrafo Generation, editado por
Jayro. Aqui o leitor deixa de ser somente o poeta, visto que a
publicação num jornal propaga a existência de um J.J. Gallahade e
de seus poemas.
Na segunda parte da coletânea, a publicação de
comentários sobre os poemas de Jayro em artigo de revistas ou
de jornais representa a conquista de um espaço, ainda que
pequeno. Jayro Luna deixa de ser um leitor solitário, como nas
cartas, para compartilhar com outros leitores o comentário sobre
seus poemas, pois o poeta continua enviando seus plaquettes, na
década de 80 e já em livro, na década de 90. Os comentários, nem
sempre tão breves, se compõem a partir de pressupostos teóricos
mais precisos.
Douglas de Almeida, da Revista Sem Perfil, ressalta
importância da diversidade na composição poética de Jayro e
destaca a perfeição de “sonetos que matariam Petrarca de inveja”,
mas que surpreendentemente trazem o rock como temática. Tal
característica é “fruto de pesquisas e trabalho”, que só seria
possível, como observa Antônio Miranda, em resenha eletrônica,
porque Jayro “deve ter lido todos os livros de seu sebo fino, de
suas estantes iluminadas. Tragou-os todos numa cuia de açaí
como néctar puro, como pó de guaraná!”. Para quem não sabe
Jayro Luna teve um sebo entre 1992 e 1997; chamava-se Sebo
Paulista e continha um acervo de 50.000 livros, além de partituras
e discos.

10
Nos artigos, o leitor encontrará um olhar um pouco mais
analítico e que revelam a busca de Jayro por uma teoria poética
do metamodernismo. É o caminho para o meio acadêmico.
As anotações de Jayro durante a realização do curso
“Redação e poesia”, ministrada pelo Prof. Dr. Carlos Felipe
Moisés, na FIG (Faculdades Integradas de Guarulhos), abrem a
terceira parte desta coletânea e marcam a entrada dos poemas de
Jayro no meio acadêmico, em que a questão da metamodernidade
foi debatida. O “metamoderno”, para Jayro, é “uma estratégia,
mais do que um conceito de escola”.
Jayro Luna chega ao meio acadêmico quando seus
poemas passam a constituir objeto de estudo em trabalhos
monográficos, dissertação de mestrado e tese de doutorado, cujo
aporte teórico está voltado para estudo da Semiótica, devido ao
diálogo entre a linguagem visual e verbal que encontramos nos
poemas. Mesmo no meio acadêmico, o poeta não deixou de ser
underground, beat, integrante da geração mimeógrafo...um poeta
marginal!
J.J. Gallahade é o “cavaleiro menestrel errante”, “com sua
espada elétrica”, de “jeans azul”, que luta “contra o rei e sua
filha”, tem a experiência de um leitor apaixonado pela linguagem
poética. J.J. Gallahade é tão misterioso quanto seu “Bagg’Ave”,
embebido no “Ópium”, viajando no “Infernalis Tropicalis”...é um
verdadeiro “Florilégio de Alfarrábio”.

11
CARTAS

12
CARTA 1: ANTONIO CARLOS LUCENA (TOUCHÊ)- I 9

Caro J.J.Gallahade, agradeço a análise que você fez do


meu poema “Bailinho”, mas acho que a ligação com a música
“With a Little Help From My Friends” 10 dos Beatles é casual ou
então fruto de alguma coisa do inconsciente. De qualquer modo
achei legal sua comparação, mas a intertextualidade ali é fruto de
uma coisa mais intuitiva, não sou um poeta que se possa chamar
de técnico no domínio dos manuais de versificação. O
underground acho que tem essa coisa de ser mais livre, mais do
desbunde em relação aos padrões e modelos. Estou bolando um
livro que trate do underground no Brasil, trabalhando
principalmente a poesia marginal que enfoque essa coisa. Seu
Bagg’Ave tem um quê de underground que me impressionou bem,
desde a forma, a diagramação improvisada e escrachada, o visual
rude e marginal, o tema dos poemas (rock, contracultura, rebeldia
juvenil), mas ao mesmo tempo ali se vê o rigor da composição (os
sonetos, por exemplo). Gostei muito do poema “Gotham City”,
o verso “É preciso ser Batman em Gotham City” é um achado.
Sem dúvida, meu caro, que para se ser o homem morcego só se
for em Gotham City, porque em Sampa o herói ia virar suco.
Falar que é preciso “ler gibi antigo e desfolhado” é outra grande
sacada, coloca os quadrinhos numa atmosfera cult e de
característica underground que valoriza a marginalidade e a recusa
ao sistema. E aquele verso final que diz que é preciso morar em
caverna ao som do rock, põe uma chave de ouro no soneto. A
relação do nosso herói, de sexualidade ambígua, aparece quando
9
Carta manuscrita autografada em meia-folha de sulfite, escrita dos dois
lados. O título é da própria carta. A data, no entanto, se apresenta rasurada,
legível apenas o mês e o ano: .
10
O motivo da comparação entre o poema “Bailinho” (Pílulas de Vida do
Dr. Touchê, 1985, p. 30-31) com a música dos Beatles (“With a Little Help
from My Friends”) tem como ponto de partida a terceira estrofe do poema
de 6 estrofes que diz: “(nesse momento / a vitrola irônica / ainda lhe dizia: /
‘a little help from my friends’). A ilustração do De Carlo na página 31
também faz referência explícita à canção e aos Beatles.

13
você fala da mulher-gato e do Robbin, e ainda, a necessidade que
ele tem de ter seus super-inimigos (o Coringa, o Pingüim) para se
afirmar como herói completa o panorama crítico.
Você chamou de micro-fotonovela a abertura de meu
Pílulas de Vida do dr. Touchê, e percebeu que o Batman é uma
referência também para mim: “bapoeta e o ilustrarobin”... Acho
que por isso que seu poema me agradou bastante. Essa jogada da
forma do soneto é novidade pra mim, ainda estou deglutindo,
mas de início me parece muito boa.

(Abril/85)

14
CARTA 2: PAULO LEMINSKI 11

Meu caro roqueiro Jairo Jhade Galahade, foi com prazer e


curiosidade que recebi o seu pequeno volume de poesias
intitulado misteriosamente de Bagg’Ave. Não sei ainda o que
significa, mas me parece ser uma palavra cunhada por você, me
traz sonoridades como Baghavida Gita e bagagem. Percebi o
cuidado que você tem com o vocabulário, palavras como
“florchameja” (recuperação de vocábulo do Sousândrade),
“briluze”, “protexto” demonstram esse trabalho. O artifício de
suas rimas, como no poema “Hendrix”, a recuperar para o
contexto da contracultura uma sonoridade mallarmaica: ônix,
fênix, mandrix, mix, cálix, hendrix. Esse mandrix, já por si um
dos mais famosos trocadilhos contraculturais. E, ainda, a fênix
colocada entre a rima de físsil com míssil, tudo a ver no caso do
apocalíptico Hendrix.
O seu “Rock Barroco” é um dos melhores poemas que li
dos marginais nos últimos tempos. Um palimpsesto de caráter
barroco, com sutilezas vorazes vindas de Gregório de Matos.
Você sabe ao que me refiro, seu poema foi construído, tomando
por base estrutural sintática um poema do boca do inferno, mas
você o recria num contexto paradigmático completamente novo,
surpreendente, inusitado. Aquela metáfora das cordas de guitarra
com a linha do trem e a nódoa do jeans nos apresenta uma
imagem que eu diria caleidoscópica. Aliás o poema
“Caleidoscópio” sabe brincar com o ritmo das imagens do
referido objeto por meio de repetições rítmicas e vocabulares.
Esses são apenas alguns exemplos que fazem com que eu o
aclame como o mais novo poeta paulista do rock’n’roll. Espero
que os caminhos da poesia sejam para você uma espécie de pé na
estrada com direito a definição de itinerário.
(Curitiba, jun./85)

11
Carta datilografada em papel fino, sem data, autografada. A data provável
é a partir do envelope do correio, ilegível quanto ao dia.

15
CARTA 3: ANTÔNIO CARLOS LUCENA (TOUCHÊ) - II 12

Obrigado, cara, pelo Ópium. O livro me parece que


continua bem no tom do anterior, o Bagg’Ave. O primeiro poema,
o soneto “Poema Beatle” é bem bolado. A ilustração que você
colocou parece que foi feita com desenho-copy, lembra disso? A
terceira estrofe é muito bem sacada: “Fosse eu mais famoso que
Cristo” e também faria da poesia uma revolução.
Outro poema bacana é “Rock’n’Road”, o trocadilho do
título é uma boa tirada. Participo da idéia “Injeto palavras nas
veias: meu vício!”.
A forma do seu “Energia Cósmica” que sugere uma
pirâmide me faz lembrar do meu poema da lua cheia 13 . E além da
forma, os dois falam de uma energia esotérica que existe na vida.
Acho que por caminhos diferentes chegamos à forma e conteúdo
parecidos nesse caso.
O “Juventude Transviada” me fez lembrar dos filmes do
James Dean que curti pacas.
O “Udigrudi” é a cara do underground no Brasil, você me
disse que um bar dum amigo seu na zona leste foi batizado com
esse nome por sua sugestão. Fiquei com vontade de ir visitar o
lugar, quem sabe, se as coisas melhorarem pro meu lado, a gente
pode ir lá tomar umas e bater um papo sobre poesia: “make love,
not war, / make glue in the bar”.
O poema “Ruínas” recupera de uma forma crítica aquela
questão que já tinha te comentado da forma do soneto na poesia
12
Carta manuscrita autografada em meia-folha de papel sulfite.
13
O poema a que se refere Touchê é do livro Pílulas de Vida do Dr.
Touchê, p. 57: “a lua / cheia / assusta / no escuro / e clarabóia / no céu
urbano / acendendo o sol/ na alma distraída / de quem não liga / no delírio
da vida”. As palavras são centralizadas nas linhas, de maneira que a mancha
sugira a forma de uma pirâmide. O poema “Energia Cósmica” diz: “ . / a luz
luziu / ó qéops, / eia! Sus! / qual o pop- / star: só reluz / risco uns rocks /
teço esta clâmide / de palavra: pirâmide”, cujo efeito de forma também é
conseguido com a centralização e também com um espaçamento irregular
entre as palavras e os sinais de pontuação.

16
underground. O poema em forma de guitarra mostra sua ligação
com a vanguarda dos concretistas, que eu ainda não digeri bem,
mas acho instigante. A poesia para mim ainda é mais no ritmo do
modernismo, do Oswald, gosto de poemas curtos e sintéticos. A
síntese na forma pode ser um caminho a ser explorado. O último
poema, o “Mimeógrafo Generation” é bem evocativo, lembra um
pouco os poemas do beats.
O livro todo justifica o título, é um como uma experiência
para os sentidos e as idéias.

(11/08/1985)

17
CARTA 4: CAIO GRACO*

Prezado Jayro Jhade Gallahade, recebi sua plaquette de


poesias, Bagg’Ave. Nome enigmático, algo místico. Gostei de
vários dos poemas, com um espírito rebelde, jovem, beatnik
tupiniquim. No momento, porém, a editora Brasiliense não tem
mais espaço para a publicação de novos livros de poemas, já
temos tudo planejado e comprometido para o ano. Talvez eu
pudesse propor estudar a publicação de seus poemas para outro
ano, mas, para ser franco, embora tenha gostado de sua poesia e
entendido o espírito de contracultura que a domina, ela me parece
muito comprometida.
No próximo número do Primeiro Toque devemos acusar o
recebimento de sua obra e possivelmente publicaremos um
poema, gostei do “Flash Back”, de “Pedra Rolante”, muito bom
esse “Um Rock Barroco”.
Você demonstra em seus versos ter uma vivência de
estrada e de rock’n’roll. O leitor jovem quer um pouco disso, de
ousadia, de rebeldia, mas sem mesmice ou gratuidade, e no seu
caso, acrescente-se que além de evitar esses enganos, faz tudo
com criatividade e originalidade. Isso, por exemplo, de escrever
sonetos com temas da contracultura eu não tinha visto ainda.
Desejo-lhe sorte, quem sabe num futuro próximo
possamos pensar em editar seus poemas. Talvez pudéssemos
pensar numa série de publicações de obras de beatniks
tupiniquins, tem o Glauco Mattoso, o Roberto Piva, o Luís
Carlos Maciel, o Wally Salomão, o Jorge Mautner e vários outros.

*Caio Graco Prado Jr. Dirigiu a editora Brasiliense nos anos 80, lançando
várias obras relativas à poesia marginal e à contracultura. Morreu aos 60
anos em 1990 num acidente de moto. Este texto é uma breve carta
datilografada acompanhada de um cartão personalizado sem data, mas
provavelmente escrita entre o final de 1985 e o início de 1986.

18
CARTA 5: UÍLCON PEREIRA - I

Jairo, parabéns pela sua luta na poesia. O seu Bagg’Ave e o


seu Ópium são dois evangelhos do rock materializados em poesia.
Aqui em Marília estou dando aos alunos alguns de seus poemas e
solicitando que eles façam interpretações. O tema da
contracultura e do rock é um grande atrativo para que os jovens
discutam a poesia, uma vez que você não faz só a poesia do rock,
o que você faz é mais, é a poesia no rock. Em “Cavaleiro
Menestrel Errante”, por exemplo, que me faz lembrar um pouco
a figura dum quixote contemporâneo, pós-moderno, podemos
ver essa coisa 14 . Em “Disco Riscado” o dístico final que fecha seu
soneto inglês (“E aquela canção do outro lado / - Side B - do
disco riscado”), ali não se fala, penso, da canção esquecida no
outro lado do disco, mas se fala da poesia, a poesia é nessa nossa
sociedade, aquilo que está do outro lado do disco, e ainda, por
cima, um disco riscado que repete sempre as mesmas idéias e
frases. É preciso vencer o risco, correr o risco para poder dar
seqüência à melodia. A poesia é o futuro da humanidade 15 e esse
futuro está do outro lado do disco-realidade.
O palíndromo em “Rock” 16 e o palimpsesto em “Rock
Barroco” abrem uma boa discussão acerca dos valores da poesia
atual, a quebra da tradição, o passado que emerge na leitura do
presente. Isto também pode se ver em “Cantiga Moderna” em
“Ruínas” e em outros vários exemplos.
Sua poesia consegue sobreviver da matéria orgânica em
decomposição do underground, é como um vírus mutante que se

14
Parece ser uma alusão ao personagem de Uilcon Pereira no Livro de Biúte
(Scortecci, 1986).
15
Veja em Ruidurbano: entre/vistas, Macondo, p. 99.
16
Na edição de 1984, o poema em Bagg’Ave se chamava “Rock” e era um
único verso em palíndromo colocado como um quadrado mágico: “ÉASAE
/ AMORA / SOLOS / AROMA / EASAÉ”. Na edição de 2006 o poema se
chama “Eco Palindrômico” e é bem mais extenso, com várias outras
referências.

19
revolta contra o meio e começa a devorá-lo antropofagicamente.
É como uma implosão do confessionário 17 . Você vai
esquartejando o horizonte de eventos abrindo novas
possibilidades, resgatando a vida e a liberdade criativa do poeta.
E aí você faz aquele rascunho de garrafa de coca-cola
saltar do meio do seu livrote como se quisesse inundar a mente
do leitor da mais pura reação de surpresa ante a possibilidade
concreta da poesia em revolucionar a percepção da realidade, ou
naquele “Rock’n’Roll” numa grande jogada ao modo do
Anastácio Ayres de Penhafiel desentravando de lá do meio da
expressão inglesa um coro contínuo que fica ecoando em
sinestesia pelos olhos e pelos ouvidos e, por fim, pelo nariz e pela
boca.

Uilcon Pereira (1956-1996), carta manuscrita enviada em


14/abril/1986, escrita em folha de sulfite dobrada.
Em Outubro de 1986, Jayro Luna publicou uma matéria sobre a obra
de Uilcon Pereira no folhetim Mimeógrafo Generation, que passou a
figurar como referência em quase todas as orelhas dos livros publicados
por Uilcon.

17
Referência ao título do livro de Uilcon Pereira: A Implosão do
Confessionário (1984).

20
CARTA 6: PHILADELPHO MENEZES - I 18

Meu caro J.J.Gallahade, tenho recebido os números


mensais do seu Mimeógrafo Generation. A sua atividade marginal de
crítica e de levantamento da produção poética marginal
contemporânea é louvável e, de certo modo, heróica. Tenho
percebido de uns tempos para cá sua preocupação em definir um
conceito próprio de “Metamodernidade”. De certo modo, o
termo muito me agrada, e atualmente estou escrevendo um livro
que pretenda discutir os diferentes conceitos acerca da produção
de poesia de vanguarda, como processo, concreto, práxis,
intersignos, visual, etc 19 . O seu conceito de “Metamodernidade”,
embora ainda me pareça titubeante e até mesmo um pouco
polêmico, me chama a atenção pela intenção de também aglutinar
as diferentes poéticas num arcabouço teórico que não crie a
exclusão das diferenças entre elas sem, no entanto, cair no
ecletismo acrítico, antes, pelo contrário, existe, ao que me parece,
uma evidente preocupação em ajustar tudo numa rigorosa
perspectiva de olhar crítico.
Se a poesia experimental contemporânea tem
demonstrado a crise das formas tradicionais e mais do que isso, a
crise da originalidade experimental também já está posta, seu
plano estético-poético de metacrítica no sentido de valorizar as
estratégias e técnicas variadas, não mais como estéticas
propriamente ditas, mas apenas e tão somente como material
18
Transcrição de carta datilografa enviada em fins de agosto de 1993.
Philadelpho Menezes cita, ao final, o fato de que Jayro Luna estivera
presente em uma das aulas dadas por Philadelpho em seu curso de pós-
graduação, atendendo a um convite do mesmo, para comentar com os
alunos acerca de alguns de seus poemas.
19
Em 1994, Philadelpho Menezes publicou o livro A crise do passado -
modernidade. vanguarda. metamodernidade, São Paulo, Experimento.
Embora conste do subtítulo do livro o termo “Metamodernidade”é curioso o
fato de praticamente nada se explicar no livro acerca do seu significado.

21
instrumental a serviço de um poeta para-contemporâneo que ao
sabor e ao acaso do instinto criativo, estes em consonância com
uma visão depurada e analítica da sociedade urbana e tecnológica
que domina o tempo presente, possa dispor desse conjunto de
instrumentos à atividade criadora do poeta. Assim, sua
“Metamodernidade” não se confirma como uma nova estética ou
poética pós-moderna - e você já mesmo aponta isso no início de
sua proposta de definição do termo - mas como uma supra-
estratégia orientada para a atividade de composição poética.
Desse modo, desde o barroco até o poema visual, ou ainda e até,
um soneto parnasiano, pode dependendo do contexto e do
momento, ser a característica norteadora da composição do poeta.
Isso, embora corra o risco de se perder num horizonte de eventos
amplo demais e disforme, pode levar o próprio poeta a
desenvolver uma crítica constante a cada novo poema sobre o
fazer poético, daí o sentido do “meta” no seu conceito. Fiquei a
pensar até que o termo mais adequado fosse “Meta-pós-
moderno”, mas entendi, depois, relendo sua carta, que o termo
“pós-moderno”, na verdade, entra em contradição com sua
metamodernidade, uma vez que o presente característico desse
prefixo (“meta”) não implica numa visão ideal de se estar depois,
após o moderno, mas revitaliza o termo moderno no seu sentido
mais lato: a contemporaneidade. Assim, compor um poema pela
ótica da metamodernidade é discutir o presente na poesia tendo
em vista uma biblioteca de possibilidades avaliativas das heranças
culturais que de um modo ou de outro preconfiguram o presente.
Por fim, termino por agradecer sua disponibilidade em
comparecer em meu curso de pós-graduação da PUC para
comentar com meus alunos sobre seus poemas.
(20/08/1993)

22
CARTA 7: UÍLCON PEREIRA - II 20

Jayro, ponta de lança da brigada ligeira, abração e amizade


do Uilcon.
Perguntaram-me, dia desses: “Cê conhece o tal de Jhade?”
Eu, na hora, na pinta: “Mas claro, é persona minha!”
O cara, meio estulto e babaquara da vida e morte nas
belas-letras: “outra, além de Biúte”. Pode?
“A inocência da biblioteca está morta!!” 21 Meu amigo Luiz
que me desculpe, então - Oh, tristeza, oh, pobreza... Há que
reinventá-la, e já já...
Gallahade, meu caro,
Só um palpite: “Eclipse” 22 é “obra em progresso” 23 ,
merecem cartão, cartaz, suporte “nobre” e “permanente”. - são
muito bons, muito criativos.
09/julho/1990.

20
Bilhete manuscrito e assinado de Uilcon Pereira que veio junto com dois
exemplares do Livro de Biúte. Uílcon responde ao envio por Jayro Luna de
um exemplar de Odeon, outro de A Peleja de Flash Gordon & Os
Acadêmicos do Planeta Mongo.
21
A frase é de Luiz Milanesi e está citada em “Bibliotecas Metamodernas”,
prefácio de A Peleja de Flash Gordon & Os Acadêmicos do Planeta
Mongo, plaquette de Jayro Luna. São Paulo, edição do autor, 1990.
22
“Eclipse”, poema visual de Jayro Luna, no libreto Odeon, 1990 - versão
xerocopiada (em escala de cinza). Posteriormente editado no Educart,
Boletim Informativo do Curso de Educação Artística das Fac. Int. de
Guarulhos, ano 2, n.° 3, março e abril/2001. Versão colorida.
23
“Obra em Progresso”, poema visual de Jayro Luna, publicado
primeiramente na plaquette Odeon, 1990 e depois em LUNA, Jayro. Rolling
Poetry, 1991. A segunda versão é em inglês: “Work In Progress” o que
aproxima mais a referência a Ezra Pound.

23
CARTA 8: RUBERVAN DU NASCIMENTO

Jairo Jhade, meu irmão:

Hoje só MIMEÓGRAFO Folhetim Alternativo. Zzap!


GENERATION n.° 26 24 . Porra! Essa coisa de escrever da
esquerda pra direita me dá nojo.
BL OW! 25
Gostei do saque visual exportação Nossa geração precisa
antropofagear outros idiomas. Voltar ao tupy. Patatá cuzcus de
milho 26 .
Uni/versal. Peido. Foda.
Mendonça chupa DES/CARA da mente 27 . Preciso de
outros números para olhar melhor. Brincar de rotina com eles
nos dentes.
Avelino 28 , meu querido, comedor de q.em come índia em
Rio Norte. Hugo Pontes 29 . EX/PLÊNDIDO. Da tradução à...
Lembra que AMOR é título. E a boca é marginalia. 30
Tor 31 pegou com conhecimento e fez GELÉIA GERAL. Lembra?

24
Rubervan du Nascimento está se referindo ao n.° 26 do Folhetim
alternativo de poesia Mimeógrafo Generation editado por Jayro Luna, com
a colaboração neste número de Carlos Verdasca e de Vicente Mendonça na
ilustração, diagramação e matérias sobre quadrinhos.
25
Referência à onomatopéia da capa do MG 26, em que o personagem de
HQ, Hulk é atingido por uma explosão.
26
Referência à composição de Jairo Jhade Gallahade: “Da tradução verbal à
visual (Intersemiose)” em que o poema de Oswald de Andrade
(amor/humor) e traduzido em tupi, alemão, inglês e visual.
27
Referência ao fato de que Vicente Mendonça, ilustrador, fez a capa do
MG 26 com uma paródia dos quadrinhos de Hulk, e ao lado, na vertical, se
lê a nota: “Mendonça chupa descaradamente o desenho de Sal Buscema!”
28
O MG 26 contém um poema visual de Avelino Araújo - Natal, RN.
29
O MG 26 contém um poema visual de Hugo Pontes - Poços de Caldas,
MG.
30
Na composição de Jairo Jahde Gallahade (“Da Tradução Verbal à Visual
(Intersemiose)”, a última tradução do poema oswaldiano é a Visual,
formada por um coraçãozinho e um sorriso esquemático logo abaixo dele.

24
Sebo Paulista. Fica perto de quê? Como funciona, meu
caro? PUC semiótica. Que história é essa? Conhece o barco
bêbado que navega por lá?
Promessa furada: não foi a Santo André, não foi?
Perguntei. Implorei. Quem? Quem? Seu Quem Quem? Não
apareceu.
Florentin Smarandache chegou mesmo? Tenho por lá o
Ramsés Ramos que é daqui e não. O correio é uma outra porra.
Tudo muito caro. E às vezes nem chega.
E o RUIDURBANO chegou. Veio de carona. Via
Araraquara. E o SACIEDADE 32 atravessa o pântano, tá
chegando. Quero ver TV/VOCÊ. A rima não ta mais pra lua
nem rua. P.puta que pariu a RIMA não é. VISUAL.
Além de OUTROS estou aqui.
Escreva. E...
Yarrrrr!
Abração grande do Rubervan Du Nascimento.
Distanteresina, dezembro de 1993.

31
Torquato Neto, autor de “Geléia Geral” e “Marginalia”.
32
Saciedade os Poetas Vivos - Vol. V - Poesia Visual. Rio de Janeiro,
Blocos, 1992. Contém, entre outros poetas, poemas de Jairo Jhade
Gallahade, Hugo Pontes, Hugo Mund Jr., Sebastião Nunes, Gilberto
Mendonça Teles, Philadelpho Menezes e Rubervan du Nascimento.

25
CARTA 9: PHILADELPHO MENEZES - II 33

Caro J.J. Gallahade, estou te enviando o convite para


participar da I Mostra Internacional de Poesia Visual de São Paulo a se
realizar no Centro Cultural São Paulo 34 , a mostra contará com
poetas visuais de vários países. O motivo de meu convite se deve
aos seus poemas de caráter visual e neoconcreto. O poema
“Quadrophenia” me parece bem a propósito desse evento. Na
minha leitura pude notar o arranjo matemático entre algarismos e
letras numa estrutura geométrica. Suponho que as letras
compõem uma mensagem cifrada que ainda não consegui decifrar,
o motivo desta é também que ainda não tive tempo o bastante
para me pôr ao árduo mas prazeroso trabalho de analisá-lo. A
geometrização como está proposta nesse poema me parece que
contém elementos próximos aos experimentos mais ousados dos
barrocos portugueses e brasileiros. Os signos que compõem o
poema envolvem múltiplas linguagens, eu diria que é um caso de
intersemiose.
Um outro poema que me parece interessante é
“Enigmagem do Rock’n’Roll” que lembra os experimentos de
Augusto de Campos. O termo “enigmagem” é uma criação do
Augusto, você se apropria do termo e recria num contexto mais
da contracultura ao criar essa “Enigmagem do Rock’nRoll”. O
acabamento precário do poema fortalece essa questão do
improviso e da espontaneidade que caracterizam a contracultura e
da poesia marginal. As formas triangulares se ajustando para
formar o ícone de algumas letras (K, N) ou associadas às formas
semi-circulares para compor outras (os RR) e, por fim, o círculo

33
Transcrição de carta datilografada enviada por Philadelpho Menezes em
resposta ao envio por Jayro Luna de seu livro de poesias, Ópium (1985)
remetido em fins de 1987. O poema “Quadrophenia” foi enviado em anexo
no mesmo envelope em formato de cartão.
34
Jayro Luna acabou não participando da I Mostra Internacional de Poesia
Visual, realizada no Centro Cultural São Paulo de 30 de junho a 14 de
agosto de 1988, por não ter enviado os pôsteres dos poemas.

26
do “O” e os retângulos ajustados dos dois LL finais contém
aquela passagem da escrita para a forma, algo próximo dos
logotipos modernos.
Há ainda um outro poema que me chamou a atenção,
“Poema Semiótico Para Ziggy”. O poema, embora se proponha
como um experimento daqueles poemas semióticos que os
concretos produziram em certa época, em que a chave léxica, a
meu ver, faz do experimento visual uma presa da linguagem
verbal, uma vez que a chave impõe uma leitura e ao mesmo
tempo faz dos elementos visuais algo como simples traduções do
que está na chave, seu poema tem um quê de improvisação e
desarranjo, inclusive na própria chave léxica em que a leitura se
enriquece com outros elementos que a chave não consegue
determinar. Aquele balão “Crash!” que lembra as onomatopéias
dos comics e a forma reconhecível da guitarra, inteira e depois se
partindo, dão ao seu poema semiótico a impressão de se tratar
mais de um poema marginal do que concreto. De uma
marginalidade que se nutre dos mais variados vanguardismos para
recriar uma atmosfera de experimentação caracterizada pela
liberdade imaginativa, pela irreverência e pelo desbunde
característico.
Não quero dizer que sejam estes os poemas que você
deva inscrever na Mostra Internacional, mas fica a seu critério se
esses [ou] outros poemas, esses comentários é apenas para que
você tenha uma noção de quais são os objetivos da mostra. As
normas de composição dos pôsteres estão colocadas no convite
que te enviei.

(28/02/1988)

27
CARTA 10: ÁLVARO DE SÁ

Prezado J. J. Gallahade, lembro de você sim, de nossa


conversa no lançamento do volume de poesia visual da Saciedade
dos Poetas Vivos. Sobre sua pergunta acerca de como eu vejo as
relações entre a linguagem dos quadrinhos e a poesia visual, eu
vejo todas as possibilidades, quer dizer, o poeta visual pode
utilizar indefinidamente os recursos da linguagem dos quadrinhos
para a composição dos poemas. Você acerta em comentar esses
aspectos nos meus poemas. Por outro lado, no caso do poema-
processo, você bem comenta acerca das infinitas relações
intertextuais que o conceito de versão abre para o poema. No
caso do seu “Poema-processo para Tommy” observo que você
usou bem os recursos da teoria do poema-processo em um novo
âmbito. A Contracultura dos anos 60 é o seu forte. O nome da
personagem que dá título à ópera-rock do The Who é tomado
como matéria para a composição do poema. E ao nos apresentar
duas versões iniciais na sua plaquette Ópium, você está já
colocando a possibilidade de outras versões possíveis. Você está,
por assim dizer, abrindo a série. Na primeira versão, que você
chama de “Tommy” as letras que compõem o nome da
personagem sugerem a imagem de uma figura cuja cabeça é o
próprio ícone da contracultura. Na segunda versão, “Mito”, o
duplo MM do nome da personagem se dispõe num espelhamento,
em que o segundo M vira o W de The Who. E a questão do
espelhamento é importante para o entendimento dessa
personagem que se debate entre o ser e a possibilidade de
existência que a sociedade lhe propõe. A mitificação da rebeldia
juvenil acaba por ser o tópico final e decisivo de sua segunda
versão. No volume de poesia visual da Saciedade dos Poetas Vivos
você nos brinda com mais duas versões, a terceira e a quarta.
Perceptível também a modificação do idioma do poema, agora o
inglês, o que já implica numa superação dos limites da língua
verbal, são quatro versões de um mesmo poema, em dois idiomas
diferentes, de tal forma que quaisquer das versões tem o mesmo

28
status, não há um original, um primeiro. Você está certo em se
referir à série como as séries de quadros que o pintor compõe
com o mesmo tema, apenas, saliento que no caso do poema-
processo a série é aberta no âmbito da autoria, coisa que sei você
bem compreendeu.
Na sua terceira versão temos a sugestão de que a
personagem é carregada pela multidão de seguidores, daí os dois
MM a carregar o T com a cabeça do ícone da contracultura. Na
quarta versão, a personagem parece isolada diante de um sistema
de formas geométricas que cresce diante dele, é a opressão do
sistema sobre o jovem rebelde. Mas esse monstro gigante tem
uma só perna e sua estrutura é vazada, daí o frágil Tommy pode
derrotá-lo como Davi derrotou Golias.
Eu proporia uma quinta versão, em que as letras se disporiam
como personagens de comics, como eu faço com as formas
geométricas e os balões, série de poemas que você diz ter muito
se agradado. Veja a minha versão 35 :

Espero que compreenda minha proposta de diálogo com seu


texto e também o outro diálogo, este que se desenvolve entre as letras
“Y” - ícone da contracultura e o “T”.
(?/01/1994)

35
O poema se encontrava anexado à carta em forma de cartão, com
assinatura no verso.

29
CARTA 11: HAROLDO DE CAMPOS

Agradeço, meu jovem poeta, o envio de sua plaquette


Infernália Tropicalis 36 e da breve análise que fez em sua carta acerca
da importância que a poesia concreta teve para sua formação.
Não costumo responder por carta aos jovens autores que não
conheço ou que me mandam constantemente suas novas
publicações porque sei que a filosofia não é para os jovens e para
mim a poesia está cada vez mais próxima da filosofia 37 . Chega
um momento na vida do poeta, quando o peso dos anos e a
vivência de muitas situações se sobrepõem ao ímpeto precipitado
da juventude, em que o melhor a se fazer é buscar o silêncio
sapiente ao invés do comentário impensado fruto só das
benevolências e das vazias congratulações. No entanto, seus
poemas me aguçaram a fazer este ínfimo comentário que, ao
contraponto de sua brevidade está a concisão para deciframento.
Sua poesia você mesmo a define como marginal e contracultural.
Se isso se refere ao tema, à evocação de bandas de rock, ao
revival do on the road again numa estrada BR, então você é
contracultural (Rock-Poesia) 38 . Se seus poemas são marginais
porque existe na sua poesia a intenção e a estratégia de se colocar
36
Haroldo faz referência à primeira versão de Infernália Tropicalis,
impressa em desk-jet e encadernada em espiral, o autor (Jayro Luna) a
distribuiu por mala direta em 1997 para cerca de 50 pessoas. A edição de
1999, pela Epsilon Volantis, traz uma série de acréscimos e modificações
tanto na quantidade de poemas quanto na modificação dos poemas que já
constavam da plaquette. Quando dessa edição pela Epsilon Volantis, Jayro
Luna chegou a pensar em colocar a carta de Haroldo como apresentação,
mas optou por suprimi-la tendo em vista que o comentário de Haroldo era
baseado numa versão bem diferente.
37
No dia 2 de março de 1991, na Folha de S.Paulo, Haroldo publica o
poema “Meninos eu vi” em que se lê na última estrofe do poema: “mas vi
tudo isso / tudo isso e mais aquilo / e tenho direito a uma certa ciência / e a
uma certa impaciência / por isso não me mandem manuscritos datiloscritos
telescritos / porque sei que a filosofia não é para os jovens / e a poesia (para
mim) vai ficando cada vez mais parecida / com a filosofia”.
38
Poema de Infernália Tropicalis, p. 31.

30
criticamente em relação não só ao sistema, mas ao sistema que
criou a contracultura, então você é marginal (I Remenber Jeep) 39 .
Essas duas condições, porém, e está claro para mim, você as tem
em domínio. Você fala na sua carta acerca da importância que o
resgate do barroco significa para o próprio entendimento das
contradições das vanguardas e também do sentido do
concretismo. Por essa sua fala, já se percebe, lendo-deslendo seus
poemas, que a compreensão do que seja neobarroco está bem
definida em sua poética. Ainda não digeri antropofagicamente o
conceito de “metamodernidade” que você constrói, mas de início
se coloca ao lado do que eu escrevi na questão do seqüestro do
barroco e também na abordagem que fiz da ruptura na literatura
latino-americana 40 . Seu percurso poético parece pautado na
transgressão da transgressividade e na transcriação do incriado.
Sua poesia pós-leminski e também ante-apocalíptica soa como a
prefiguração do caos do verbo no momento do naufrágio. No
final das contas, nós sabemos que a poesia é sempre marginal e
contracultural.

Carta datilografada, datada de 05/08/97. 41

39
Poema de Infernália Tropicalis, p. 13.
40
Referências às obras: O Seqüestro do Barroco na Formação da
Literatura Brasileira: O Caso Gregório de Matos. Salvador, Bahia,
Fundação “Casa Jorge Amado”, 1989 e Ruptura dos Gêneros na Literatura
Latino-Americana. São Paulo, Perspectiva, 1977.
41
A carta de Haroldo de Campos é uma resposta à correspondência
remetida por Jayro Luna que incluía o volume em preparação (vide nota
1 deste artigo) Infernália Tropicalis e uma carta comentando da admiração
e da importância que a obra haroldiana e a poesia concreta tiveram na
sua formação de poeta e professor.
31
CARTA 12: ZANOTO
[Diversos Caminhos: Fragmentos de um Discurso
Poético] 42

“Com grande surpresa recebo de São Paulo a plaquette de


poemas de Jairo Jhade Gallahade: BAGG’AVE. Poemas da
contracultura, do rock, da urbanidade com boa dose de rebeldia e
invenção poética. A poesia da linha beat ganha com esse pequeno
volume uma nova dimensão. Vale a pena ler.” 02/85.

“Recebo mais um número do fabuloso Mimeógrafo Generation


produzido pelo beat poeta paulista Jairo Jhade Gallahade. A
sessão PIM BALL traz Patt Raider: “(Trancado em seu quarto
Patt Raider joga dados)” e Gallahade “trancado em seu Cast
castelo de espelhos mágicos trama figuras com a forma de seu
espírito”. ((jun/86)

“O poeta beat morcego de ‘Gothan City’ J. J. Gallahade me


manda seu ‘Ópium’ - segundo livrote de poemas - como o próprio
autor diz. Porém, mais do que um livrote, é a poesia em
constante invenção em liberdade criativa. Divino, com um tom
de heresia. Bruxo no castelo do rock”. (jul/86)

“Jairo Jhade Gallahade “na torre de seu castelo faz operações de


Grande Obra Alquímica em busca da pedra Filosofal da Poesia” e
nos revela parte dos segredos no Mimeógrafo Generation (SP/SP), o
número 9 tem Rocha Pita: “um barroco baiano” e Pink Floyd
vibra na nossa língua em Let Me Traduceslation: “Algo que você
conheça / O que você insulta, / Pelo que você luta. / O que é já,

42
Zanoto tinha uma coluna no jornal Correio do Sul (Varginha - MG) e
entre os anos de 1984 e 1998, com maior ênfase no período 84-92,
costumeiramente saía notas e considerações acerca da correspondência entre
Jayro Luna e Zanoto. O texto que aqui se apresenta é uma reunião de
algumas dessas notas, quando possível informamos a data precisa, mas
muitos dos recortes estão nos arquivos do autor sem a menção da data.

32
/ O que já foi, / O que virá, / E toda coisa / sob o Sol / está no
tom, / Porém o Sol / foi encoberto pela lua.” (out./86)

“E busco a revelação lendo o Mimeógrafo Generation: ‘(J.J.


Gallahade em seu laboratório de alquimista da palavra, na tarefa
diária da água pesada e da pedra filosofal: a grande obra!): É A S
A E / A M O R A / S O L O S / A R O M A / E A S A É’. Só
para quem é iniciado... e “Sol o sol da Bahia, KZé, Themroc
baiano, dá o grito primoridal!” (Out/86)

“Na leiteria Korova, J.J. Gallahade com seu olhar observa uma
‘diva devotcha’: Ópium, livro de poemas da idade da pedra à
idade do rock. Mimeógrafo Generation - não agora o fanzine, mas o
poema de Ópium: “Eu li poemas de poetas malditos, / álacres
proscritos / exilados pelas cortes arcádicas! / Poemas de poetas
impressos nas gráficas de fundo de quintal!’ Precisa dizer mais? A
poesia alquímica da marginalidade em sua dimensão mais
vigorosa.” (Nov/86)

“Krug Pillard me pergunta sobre o último Mimeógrafo Generation


do J.J. Gallahade, se eu já o recebi... Sim, estou lendo / relendo...
‘Ronda Tonta Mina: Eu me meti numa ginga / no barro com
uma garota de Minas’ - Stones com sabor mineiro... Jagger e
Richards aculturados nas montanhas de Minas. Só mesmo o lance
criativo-inventivo do poeta que vive num Cast castelo”. (Fev/87)

“P.H.Xavier comenta acerca dos poemas de BAGG’AVE do


poeta bat beat paulista J.J. Gallahade (SP/SP). Diz que ficou
impressionado com a idéia de escrever sonetos sobre o rock e a
contracultura e o modo como Gallahade faz isso.” (Mar/87)

“Krug Pillard me chama a atenção para Metamorphoses


N’Ovídio, terceira plaquette de poemas do poeta-rock J.J.
Gallahade. Genial o soneto homenagem a Farenheit 451 de
Bradbury. ‘Fogo! Fire! Queimarão todos os livros / Ardem nas

33
ruas as odes, albas, liras! / Quando o saber é subversivo, a ira /
Louca em trevas lança a alma dos vivos!’. Andy Warhol
revisitado e redescoberto na sua relação criativa com a arte: ‘Mas
tão logo descrê do acreditável, / Porque entrevê no imóvel da
mudança / O que é a Arte: Eterna e descartável!’ (“Andy
Warhol”).” (s.d.)

“Falves Silva em Mimeógrafo Generation (J.J.Gallahade - SP/SP). O


poeta bat beat assim comenta sobre Falves: ‘que na terra de
nossos foguetes espaciais produz uma poesia de vanguarda, bem
para além das barreiras do inferno e das mesmices vanguardeiras!’
Nada a acrescentar, apenas que Gallahade também ultrapassa
com seu Mimeógrafo Generation as barreiras da mesmices. É sempre
estimulante e prazeroso a leitura desse fanzine recheado de
criação e invenção crítica e poética.” (s.d.)

“Verinha, na semana que passou, na redação esteve folheando


encadernações do arquivo do ‘Correio do Sul’. Me disse que viu
inúmeros ‘caminhos’ de 1982, 83, 84 e 85. Então ela me
perguntou se eu ainda tinha notícias de Kzé y Gaet, Semirames Sá,
Douglas de Almeida, Jornal da Taturana de Cláudio Feldman
(Santo André / SP), Mimeógrafo Generation que era produzido pelo
‘bat beat’ Jairo Jhade Galahade, de Luiz Fafau, Hugo Mund Jr. e
Jaime Vieira.
Tenho tido contato com Cláudio Feldman, que tem
produzido muitos livros. No que diz respeito ao Jornal da
Taturana, está parado. Lembro-me que Fafau fazia o ‘Gillete
Press’ em Goiânia. De Jairo J. Gallahade (SP/SP), há muitos anos
não tenho notícia. Gallahade, aliás, morava num castelo de
espelhos. Jaime Vieira, de repente, sumiu” (29/02/98)

“ ‘Uma rato morava / numa sacristia, / Era um mau


católico / e a tudo roía’... (Ledo Ivo). *** E vejo nota sobre Aricy
Curvello , hoje em Jacaraípe (ES), na ‘Sessão PIM-BALL! - ópera-
rock da poesia marginal’, in ‘Mimeógrafo Generation’ (julho / 86),

34
do ‘alquimista-beat’ Jairo Jhade Gallahade (SP/SP), que recordo
com especial satisfação: ‘(Indo curtir a praia de Copacabana,
Aricy Curvello, vindo de Niterói, de bermuda colorida e chinelos
japoneses observa enquanto espera o sinal verde de pedestre do
tumultuado trânsito da zona sul - Nitz’cherói....):’” (08/05/98)

35
ARTIGOS

36
ÓPIUM DE JAIRO JHADE GALLAHADE
*Eloésio Paulo dos Reis

Acuso o recebimento da plaquette de Jairo Jhade


Gallahade, Ópium. O pequeno livro em edição xerocopiada,
marginal, vem de São Paulo, cidade do poeta. Os poemas têm
como temas dominantes a contracultura, o rock e a marginalidade
poética. Nesse sentido podemos ler os poemas “Rock’n’Road”,
“Udigrudi”, “Flower Power” e outros. Também o esoterismo se
faz presente como corolário da contracultura, poemas como
“Halley”, “Hare Krishna” e “Energia Cósmica” são exemplos
desse aspecto. O cinema também comparece como referência,
destacando filmes que seguiram o tema da contracultura, assim
temos poemas com títulos como “Laranja Mecânica”, “Juventude
Transviada”, “Rock Horror Show” e “Tommy”.
A forma nas poesias de Jairo vai do soneto ao
experimento concretista, demonstrando que o autor tem amplo
conhecimento das questões que envolvem as vanguardas poéticas
contemporâneas. Quanto ao vocabulário do poeta, percebemos
que é bem trabalhado, com rimas em inglês-português, palavras
raras ou eruditas ao lado de gírias e do jargão roqueiro.
A simplicidade do volume e o acabamento tosco
conferem aos poemas o âmbito da produção marginal por
excelência, ressente-se por isso seus poemas mais experimentais,
em que a forma se restringe aos parcos recursos do xerox, mas,
talvez, seja esse também o propósito, uma vez que é à
contracultura que o autor devota maior entusiasmo.

(Jornal dos Lagos, Alfenas - MG, dezembro / 1985)

37
BAGG'AVE : SONETOS E ROCK'N'ROLL
Douglas Almeida

Eis que me chega pelo correio mais um pequeno grande


livro. Trata-se do 'Bagg'Ave', publicação do poeta paulista Jayro
Luna, editado e prefaciado pelo autor, com 44 páginas contendo
33 poemas abordando o homem e suas relações com a sociedade,
através da música. Fiquemos com o primeiro texto do livro:

CAVALEIRO MENESTREL ERRANTE


“Em cest sonet coind’ e leri
Fau motz e capuig e doli,
E serant verai e cert
Quan n’aurai passat la lima”
Arnaut Daniel

Sou cavaleiro menestrel errante


Que vaga pelos vales da cidade,
Sou da aventura um eterno seu amante
Que também ama e canta a liberdade;

Sou cavaleiro menestrel errante,


Brasão vinil em trinta e três rotações,
De espada elétrica, acordes vibrantes,
Cantando os romances das gerações;

De armadura em desaire, jeans azul,


Vou sob os céus da América do Sul
Montado em dragões contra o rei e sua filha!

Sou cavaleiro menestrel errante,


Que em rocks canta o amor agonizante,
Trago em meu coldre um rádio de pilha!

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Não conheço o autor nem outras publicações do mesmo,
sequer alguns dados biográficos, por isso restringirei-me a tecer
comentários tão somente ao conteúdo bagg'aviano.
No Bagg'Ave, o autor vai buscar sua temática na música, e
nesse caso, a música é o Rock'N'Roll... E o rock (a música) é
muito mais do que uma música (o rock), é toda uma relação
socia/sensual, é toda uma filosofia, é todo um jeito de (vi)ver o
Mundo, e Jayro vai fundo.
Jayro nos fala das gerações roqueiras e dos seus valores,
desde o tênis e a calça lee aos discos dos grandes astros e seus
conflitos existenciais. Pelos textos bagg'avianos, percebe-se que o
autor percebeu que a sociedade capitalistacomputadorizada está aí,
firme e forte, com suas redes/rédeas e infinitas relações, e sacou
(como muitos) que o Rock como tudo, é transformado em
consumo e as vitrines são milhões. Que o Rock é o marketing, é a
batida, é a alienação. O Rock é bailes para garotas e garotos nos
fins de semana. É o rebelde e revolucionário, é o
alternativo/artesanal.

ARTESANATO

Estilete ágil, finas mãos,


Esteira ou barraquinha rústica,
Euforia numa multidão,
Solitária aquarela acústica.

Rebeldes cabelos compridos,


Amor ácido em bijouterias,
Primitiva arte livre dos
Prêmios, bilhetes de loterias!

Em colorida feira hippie


Espalha-se um odor estranho,

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Púrpura, azul, um velho jeep,
Batas, sacolas, cintos, banhos.

Corantes, luz dum sol intenso,


Pontos, traços, cortes em couro,
Gravar em metal – seda, incenso,
Bronze anel, imitação de ouro...

Camisetas com mil estampas,


Posters febris, tudo às pampas!

Jairo brinca com as palavras e seus sons-significados-


significantes, e seus poemas têm música como toda a poesia, e a
esta música alia outra música, a música cantada/tocada vinda da
relação homem-instrumento. Então as onomatopéias, melopéias,
metonímias e aliterações dançam entre línguas claras e metáforas
e os pensamentos são em versos, em prosa, imagens e muito mais,
pois como o próprio autor declarou: "sobre a discussão se o
soneto já morreu ou se o que vale são os versos livre ou a forma
estudada do poema concreto, prefiro ficar com a posição do
Chacrinha: - 'Vale Tudo'!"
Acontece que o 'vale tudo' de Jayro é pra valer mesmo, e
as formas utilizadas por ele, (percebe-se) são fruto de pesquisas e
trabalho. Há poemas figurativos, concretos, palavras cruzadas,
sonetos e alguns que eu, nem ousaria tentar definir. A forma mais
utilizada, porém, é a do soneto, e são sonetos na mais pura forma
tradicional (catorze versos dispostos em dois quartetos e dois
tercetos), sonetos que matariam Petrarca de inveja. Ainda tem o
soneto inglês, formado de três quartetos independentes e um
dístico, com rimas em abab/bcbc/cdcd/ee.

LE BAL

Crack! Crash! Stroom! Blum! Stroll!


Lonely lonely lonely long time;

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Bola louca colore o show,
Coisa estranha que tão bem cai-me.

Vrum! Íon! Win! Who! Room! Spoom! Flash!


Ruído rebel, mascar chiclet.
Rasga, singra, a flecha me fleche;
Vôa foguete, explode asa pan air!

Led Zep, Deep Purple, Betlestones,


Cabelos molhados aos sóis,
Gotas brilhando à luz néon-ônix;
Sabbath, Iron, AC/DC, Big Boys!

Dedos agitados no ar:


Guita imaginária a tocar!

Sonetos e rock'n'roll, quem imaginaria?


Ao meu ver, aí é que reside em Jayro, a originalidade, com
conteúdo (tema) e forma nada originais, ele origina algo 'novo',
interessante, como por exemplo no soneto "Flash Back", onde as
rimas foram realizadas nas línguas inglesa e portuguesa: "músical"
com "know-how"; "tacape" com "seven-up"; "moleque" e "flash
back".
Os exemplos não ficam por aí, e estas linhas não
pretendem fazer apologia ao Bagg'Ave, apenas externar uma das
mais gratas surpresas que eu tive neste início de 1985, dentro da
chamada produção alternativa/independente.

Douglas de Almeida, Revista Sem Perfil, edições tupyanarkus, ano 1,


número 1, Salvador, BA--set/out,1985, p. 22-24.

41
ROCK É POESIA E POESIA É ROCK
Roberto de Campos 43

Acabo de receber pelo correio o livrote de poemas, Ópium,


da autoria de Jairo Jhade Galahade. Não conheço o autor, nem
tenho informações biográficas a seu respeito. Sei apenas, pelo
endereço do remetente que ele é de São Paulo, zona leste de São
Paulo mais precisamente. Já por si, indicativo de uma postura
mais marginalizada em relação ao contexto social e cultural dessa
grande metrópole.
O poeta desfila pelos 33 poemas do livro as mais variadas
formas (soneto, verso livre, experimentos visuais, trova) tudo
girando em torno do tema da contracultura e do rock.
Referências aos Beatles, aos Rolling Stones, Bob Dylan, Deep
Purple David Bowie, Jimi Hendrix, The Who e Mutantes passam
pelos poemas. Referências ao cinema underground e cult também:
a ópera-rock Tommy, Laranja Mecânica, Rock Horror Show
estão lá. O poeta demonstra um domínio singular da sonoridade
em versos como: “Briluze físsil e cintila um som / Friccionadas
as cordas de metal / Retilantes sibilissivos, Com / cactenassilvos
ri-fis-fis-fa-tal!” (“Rock’n’Roll Circus”). No exemplo, as
assonâncias e aliterações se fundem de tal forma que as palavras
parecem se deformar e se justapor para compor novos vocábulos,
que por si no contexto se explicam, como se fosse mesmo um
solo - não mais de guitarra elétrica - mas um solo de palavras,
livre, criativo sobre a escala dos fonemas.
Em “Festivaia” temos mais uma amostra desse trabalho
de sonoridade: “Woodstock tupiniquim / fracasso fantástico / a
vigília da polícia / Pasárgada? Não! / Guarapari”. O substantivo
“Woodstock” tem uma sonoridade que se opõe à “Guarapari”, os
sons fechados ante os abertos, mas “Pasárgada” - como signo da
idealização - também tem sons vocálicos abertos, mas a expressão
“fracasso fantástico” se interpõe entre “Guarapari” e “Pasárgada”,

43
Poeta, professor e editor do Jornal Literário Gazeta Poética.

42
de forma que o “i” no final do nome da cidade capixaba que
sediou um concerto de rock tupiniquim na década de 70,
imitando o evento californiano dos anos 60, não teve nem a
repercussão nem o dinamismo deste, de forma que entre a
sociedade alternativa, preconizada pela contracultura que teve seu
auge naquele evento, se vê minimizada e estigmatizada no evento
sul-americano. Assim o “i” do final de “Guarapari é o resultado
de algo que vinha perpassando os versos da estrofe, já na
definição do verso primeiro (“woodstock tupiniquim”) e no
terceiro verso: “a vigília da polícia”, conotando todo o clima de
censura e de ditadura que dominava o Brasil.
Na estrofe seguinte, o festival de Saquarema, faz
referência ao casuísmo e a improvisação dos eventos artísticos no
país: “tudo confuso Confúcio em saquarema”, valorizando a
garra dos artistas, que apesar das adversidades lutam para colocar
sua obra à mostra: “mas a música... sem problemas! / sonho de
nausícaa”. Na estrofe final de “Festivaia”, o recente festival de
Iacanga na assonância “entre mangas, pitangas e tangas”, e mais
suavemente no antepenúltimo verso: “deu saudades de torquato,
o pirado”.
Em “OM”, o mantra se apresenta vinculado ao
vocabulário de tal forma que quase todo o poema se funde na
sonoridade da palavra sagrada dos vedas: “Balança o candelabro
ao som de suaves címbalos / Com um bombom na boca à
alquimia me lanço / Derretido o campanil dos sinos eu danço /
Como um arlequim no camarim de seus tímpanos” Os “am”,
“im” e “om” criam uma progressão melódica que não temos
outro termo para defini-la em poesia do que o conceito de
melopéia poundiano.
Em “Haxixe” a experimentação sensorial se concretiza
também no som das palavras: “Ó louco ser que experiência /
Com um milhão de orelhas & olhos! / Quando com Luzbel
negocia / Qual o herege Allen não me tolho”. Aqui, orelhas -
olhos - Allen - tolho sugerem uma relação harmônica de tal
forma que os dois personagens citados (Luzbel e Allen) tem uma

43
continuidade, eu diria, metonímica. Os dois LL de Allen, unidos
no centro da palavra, aparecem separados, em oposição ao início
e ao final do nome demoníaco. Vejo, pois, nos dígrafos “LH” a
relação entre Luzbel (o Demônio) e Allen Ginsberg (o Homem).
Os sentidos (visão e audição) devem ser assim aguçados para se
compreender essa sonoridade poética. A epifania não está na
referência ao experimentalismo com alucinógenos ou drogas, mas
na articulação envolvente com as palavras, essa me parece ser a
lição do poema: “Para ter visões apocalípticas / Tu entregas tua
alma estertora / De cadente rota elíptica / Por uma poesia
transgressora”.
No caligrama ao modo de Apollinaire que é o poema
“Fendrix”, sonoridade e forma se interpenetram e as notas
musicais transformam-se em signos no poema: “O /
s/om/da/musa/toca-/da:/mi/fá/sus/sol/jus/lá/pus/si/dó/
nus/ré/luz/mi/fá/mus/sol!” Essa é a seqüência de sons que
formam o braço da guitarra.
Assim a poesia de Jairo Jhade Galahade se apresenta
como uma das mais gratas revelações entre os jovens poetas
marginais, não tanto pela temática ou pela habilidade de se utilizar
das diferentes fôrmas poéticas, mas pelo trabalho com as palavras,
pela riqueza sonora com que transforma seus versos em cantos
melódicos de grande riqueza sonora.

Publicado originalmente no jornal literário Gazeta Poética, Ribeirão Preto-


SP, em dez./1986, p. 2-3.

44
ROCK AND ROLL EM GRANDE ESTILO
Luiz Fernando Ruffato

Confirmando que boa parte da poesia brasileira de qualidade


não passa pelos grandes circuitos, não sai das oficinas das grandes
editoras e (infelizmente) não é conhecida do grande público,
basta ler o pequeno (mas enorme) livro de Jayro Luna,
"Bagg'Ave".
Reunindo 32 poemas num livro de bolso (bolso de camisa,
diga-se a bem da verdade), onde a temática é o rock e suas
adjacências, Jairo consegue nos legar um livrinho que se filia,
formalmente a dois grandes (e quase únicos) épicos da poesia
brasileira: Jorge de Lima (em "Invenção de Orfeu") e Marcus
Accioly (em "Sísifo").
Em "Bagg'Ave", o leitor encontra todo o ciclo do rock e sua
influência junto aos jovens, na nova tomada de consciência e
nova postura frente à sociedade, muitas vezes, podre. E a poesia
de Jairo tem fôlego, porque a cada página ela presenteia o leitor
com o que ele sabe de melhor, utilizando, para mostrar o seu
tema, desde sonetos tecnicamente perfeitos (de deixar babar
muito acadêmico), mesmo que esse uso seja para ironizar, até a
poesia concreta, que ele também demonstra sacar numa boa.
E Jairo consegue fazer que sua poesia, em momento algum, seja
pedante, mas mantém um grande estilo o tempo todo. Drogas,
movimento hippie, rock, expressões americanizadas, jeans, heróis
de histórias em quadrinhos, enfim, tudo o que compõe o
universo jovem, a quem, na tentativa de marginalizar, cunha-se de
alienante, Jairo capta, coma precisão antropofágica do
Modernismo da primeira hora.
Se o título do livro, "Bagg'Ave" é um mistério, não o são os
poemas que o compõe, que dão a melhor prova da poesia ainda
subterrânea que é feita aqui e em outros lugares. E essa poesia
que, lutando contra tudo, vai se impondo, num circuito
alternativo, que ultrapassa, em número e qualidade, o circuito

45
oficial. Para quem não conhece Jairo e não vai poder conhecer, só
resta ter pena deste País que não é feito de homens e livros.

Luiz Fernando Ruffato, Jornal de Cataguases, dez./1986


(L.F. Rufato, autor de Mamma, Son Tanto Felice: Inferno Provisório -
Vol. 1 e Mundo Inimigo: Inferno Provisório - Vol. 2, Record, 2005; Os
Sobreviventes, Boitempo, 2000; Eles eram muitos cavalos, Boitempo,
2001)

46
O JOGO POÉTICO EM INFERNÁLIA TROPICALIS 44
Raimundo Franklin de Meneses 45

É com um misto de prazer e de surpresa que acuso o


recebimento pela redação do nosso boletim do livro Infernália
Tropicalis do poeta paulista Jayro Luna. Segundo o autor, em carta
anexa, me informa que nasceu em São Paulo, mas que tem
familiares morando na cidade do Crato e que conhece bem a
região, tendo por ela apego e satisfação.
O livro Infernália Tropicalis em causa prazer e surpresa por
ser, ao meu modo de ver, um dos mais originais livros de poesia
dos últimos tempos. Como diz a página inicial que ele contém
“56 poemas para o deleite de ratos de bibliotecas, traças de sebos,
quatro-olhos literatos e cus de ferro em qualquer tipo de poesia.”
E realmente, qualquer tipo de poesia, ou quase, poemas visuais,
sonoros, sonetos, paródias, odes, baladas compõem o conjunto.
Cada poema é acompanhado por um conjunto de epígrafes (um
deles, “@” - é esse o título mesmo - tem 7!). Conforme o autor
informa no texto “Primeiro Manifesto da Poesia Poli-sígnica:
Mais um manifesto do tipo bicho de sete cabeças e inútil!”, essas
epígrafes visam criar com o poema um conjunto de relações
intertextuais dinâmicas. O referido poema, como exemplo, é
também uma paródia do conhecido poema de Oswald de
Andrade; “amor” (amor/humor). Em Luna o poema é lido assim:
“amor.com / amor.com.br”). Além das epígrafes um cem
número de notas de rodapé (que na maioria das vezes são outros
poemas, inclusive do próprio autor) e até as citações dentro dos
poemas contribuem para aumentar essa teia significante ou
“polissígnica”. Ao lado dos poemas, uma série de desenhos,
garatujas, ícones aumentam as relações significativas, de modo

44
Publicado na Revista Dimensão da Palavra, Juazeiro do Norte-CE, n.°2,
ano 1, out/nov., 1999, p.6-7.
45
Graduando do Curso de Letras da URCA (Universidade Regional do
Cariri), poeta e dramaturgo. Livro de Poesias: Araripe Apocalíptico, ed. do
autor, 1998.

47
que leva um tempo para que nos situemos na página e
comecemos a entender o que está acontecendo. Poesia de um
poeta paulista acostumado ao caos urbano e à dinâmica de
imagens em contínua rotação. Mas, se a primeira impressão é a de
caos, de fragmentação, essa, depois de algum tempo começa a se
desfazer pelo sentimento de que tudo faz parte de uma grande
orquestração, de um grande labirinto, meticulosamente
engendrado. Esse sentimento fica ainda mais forte quando
começamos a entender o sentido da tabela final do livro intitulada
“Tábua de Correspondências Ocultas”. Cada poema é
relacionado a um arcano do jogo de tarô, a uma arte ou ciência, a
um tema específico (que pode ser o cotidiano, a cultura, o
simbolismo, a lingüística, a mitologia, a semiótica, o teatro, o
marketing, o perigo, etc...) e depois a uma técnica (colagem,
montagem, cubismo, futurismo, expressionismo, etc...) e por fim,
a uma enigmática coluna chamada “Tom Dominante”, que parece
ser de caráter pictórico, pois temos classificações como “cinza +
vermelho”, “violeta” ou “amarelo + lilás”, etc.
Tal tábua de correspondências ocultas lembra tanto a
proposta das correspondências da teoria da poesia simbolista
como o quadro final de Ulisses de James Joyce, aliás, com este as
relações da tábua parecem mais determinadas.
Desse modo, cada poema de Infernália Tropicalis parece ser
uma peça de um quebra-cabeça cujo resultado final sempre
aponta para uma revisão da história e do conceito de poesia e de
arte poética.

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LEITURA DE DOIS POEMAS DE
INFERNÁLIA TROPICALIS DE JAYRO LUNA
Por: Jonas Negalha

É com grande prazer que li esse Infernália Tropicalis do


jovem poeta, professor e amigo Jayro Luna. O pequeno volume
de poesias tem um arcabouço teórico e estético muito bem
engendrado, em que cada poema se ajusta numa estrutura - que
pode ser entrevista na tabela das últimas páginas - complexa que
relaciona técnicas, vanguardas e temas.
Nesse breve comentário, quero chamar a atenção para
dois poemas, não porque eles possam ser os melhores, ao
contrário, o volume possui uma grande unidade, de forma que
não vejo um poema que se sobressaia em termos de forma ou
conteúdo sobre os demais, todos são bem elaborados nesses
aspectos e, acima de tudo, originais. Destaco esses dois poemas
por questões de preferência pessoal relativas aos temas que eles
abordam.
O primeiro é um pequeno poema, mas de grande título,
“Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas”. O
título, é claro, é uma referência à obra de André João Antonil
(pseudônimo do italiano João Antônio Andreoni) que em 1711
fez publicar em Lisboa o livro cujo título completo é “Cultura e
Opulência do Brasil, por suas drogas e minas, com várias notícias curiosas do
modo de fazer açúcar; plantar e beneficiar o tabaco; tirar ouro das minas; e
descobrir as de prata”. O livro de Antonil apresenta uma visão de
progresso em que defende a necessidade de conhecimento
técnico e cultural dos proprietários de terras no Brasil, para que
possam desenvolvê-la de modo a sustentar uma sociedade
baseada no apego à religião e aos valores sociais e morais que a
completam. Descreve Antonil, com grande propriedade, aspectos
técnicos relativos às diversas atividades econômicas da colônia
com uma visão arguta e com um colorido na forma de escrever
que dá prazer à leitura. O poema de Jayro Luna ao fazer

49
referência ao livro de Antonil acrescenta ainda uma dedicatória a
Oswald de Andrade, cuja teoria da antropofagia poética também
defendia uma autonomia cultural do país, mas com maior
enfoque nacionalista e artístico. Duas epígrafes, uma de
Capistrano de Abreu que dialoga com uma do próprio Antonil
(apresentado com seu verdadeiro nome: Andreoni de Luca).
Os versos do poema, escrito num tom próximo da
coloquialidade e da ruptura versificatória dos modernistas,
buscam se apresentar como um diálogo amistoso com Antonil:
“Meu caro Antonil”. Porém, no lugar do ufanismo ou do
nativismo, o que se apresenta é a ironia como forma de criticar os
desmandos políticos que não permitiram a realização completa do
projeto de Antonil para o país: “Devia o Brasil / De fazer uma
obra monstra / Coisa que há de se ver muito pouco / Um
enorme Santo de Pau Oco”. Esse “enorme santo de pau oco”,
artifício já folclorizado pela cultura popular pela qual religiosos
não muito escrupulosos e ladrões praticantes da simonia
guardavam dinheiro e valores num vão escondido na parte de trás
de estátuas de santos, seria agora feito pelo país para esconder as
riquezas que o estrangeiro cobiça: “Que os gringos nessa parte /
Haviam de ficar meio moucos / De nossa indústria nessa arte!”.
O segundo poema que me chama a atenção e que gosto
de ler e reler é “Poema Látex”. O poema tem quatro epígrafes
(Chico Buarque, Raul Bopp, Raul Pompéia e Márcio Souza), duas
delas quero lembrar se referem a autores cuja obra tem ligação
com a região amazônica (Márcio Souza e Raul Bopp).
O poema faz uma sutil referência a Plácido de Castro,
herói do estado do Acre, que liderou os seringueiros na luta com
as forças bolivianas que culminou no tratado entre Brasil e
Bolívia pela cessão daquele território - originalmente boliviano -
ao Brasil: “um castro / não fidel, mas plácido”. Os nomes
próprios (Fidel e Plácido) são aqui transformados em adjetivos,
de modo que Plácido de Castro teria sido claro no seu propósito
de lutar pela posse da terra que em princípio o governo federal
julgava não ser de direito, assim contrariando orientação inicial

50
(portanto, não “fidel” ao governo, mas ao sentimento patriótico).
Numa segunda parte do poema, se faz referência ao
acontecimento mais recente que foi a morte de Chico Mendes -
líder seringueiro - em Xapuri do Acre: “90 anos depois / Chico
cai como Castro”. As seringueiras que motivaram a luta de
Plácido de Castro agora “sangram” “seu alvo látex / num rubro
rastro”. A cor branca do látex se vê transformada no sangue de
Chico Mendes. O poema ainda apresenta ao final uma sugestiva
indicação de que teria sido escrito em “Basiléia”. O propósito
dessa indicação de lugar é mais poética que verídica. Basiléia é de
sentido ambíguo, uma vez que designa famosa cidade da Suíça,
mas ao mesmo tempo é o nome de uma pequena cidadezinha do
Acre. Assim a morte de Chico Mendes é mais do que um crime
regional, tem repercussão internacional pelos valores que a
sociedade em geral hoje devota ao contexto da floresta amazônica.
Podemos perceber como nesses dois poemas, Jayro Luna
faz uma teia de ligações entre a história, a literatura, a cultura,
enfim com todos os valores da civilização. E isso pode ser lido
em todos os poemas de Infernália Tropicalis, abordando os mais
diferentes, polêmicos e instigantes aspectos de nossa grande
nação.

(press-release para artigo que não chegou a ser publicado, Guarulhos, 1999).

51
JAYRO LUNA - FLORILÉGIO DE ALFARRÁBIO 46
Ricardo Alfaya e Amelinda Alves 47

Jayro Luna (1960) é poeta, ficcionista, ensaísta,


compositor e guitarrista, além de professor de literatura brasileira,
literatura portuguesa e teoria literária em cursos de graduação e
pós-graduação. Possui prêmios e várias publicações de caráter
independente. É editor da revista virtual independente Orfeu
[Spam]. Dele recebemos Florilégio de Alfarrábio, que contém,
conforme o autor: “poemas incompletos, livros inéditos, textos
sem gênero definido, poemas esparsos incluídos aqui por uma
seleção casual”.
Trata-se, enfim, de uma obra de ousado e assumido
caráter eclético, despreocupada como beletrismo,
deliberadamente um tanto caótica e apocalíptica, como se pode
perceber nos dizeres de poemas como “O Poeta Alucinado”:

“Minhas alucinações de gasolinas mornas,


Perfumes de flores do mal,
Palácios do fundo do mar...
Eu danço a dança da poeira no vendaval
E não escolho mais minhas visões!
Minha máquina de escrever
Como quem cumpre uma promessa
Faz alegorias, críticas, paródias...”

Referências a Nostradamus e a símbolos cabalísticos; uma


“Apresentação Estapafúrdia”, assinada por um impossível
Machado Penumbra Filho; o título; a capa com “Santo Agostinho

46
Publicado em Nozarte 12 (página 21) - Informativo Impresso e Eletrônico
- Ano X - n.°12 - jun.2004. Registrado na Biblioteca Nacional sob o n.°
105.802, liv. 154, folha 446. Blogue: http://nozarte.blig.ig.com.br - e-mail:
ricard50@ig.com.br
47
Ricardo Alfaya e Amelinda Alves, poetas que têm um trabalho
participante no âmbito da poesia alternativa e da poesia visual.

52
em seu Escritório” (de Botticelli); a presença de poemas
concretos e visuais em meio a textos em prosa e também junto à
poesia discursiva (esta, ora lírica; ora satírica). Tudo contribui,
enfim, para um artístico conjunto, de insólito e inigualável sabor
medieval-contemporâneo.

53
Jayro Luna por Antônio Miranda
Antônio Miranda, 2005

Nasceu em São Paulo em 1960. Poeta (premiado em alguns


concursos:
Projeto Nascente - USP/Abril - 1992 e 1993). Publicou dois
livros de poesias:
Infernália Tropicalis (Epsilon Volantis, 1998) e Florilégio de Alfarrábio
(Epsilon Volantis, 2002). Trabalha como professor de literatura
brasileira e portuguesa em universidades de São Paulo.
Durante a década de 80 e início dos anos 90 publicou um fanzine
marginal de poesia (Mimeógrafo Generation) que contava com a
colaboração e a leitura de diversos poetas e escritores.
Desenvolveu uma teoria poética própria: O Metamodernismo.
Jayro Luna tem a formação teórica adequada e a liberdade de
criação de um pensamento complexo imerso na pós-modernidade.
Não apenas sua temática é hodierna, também sua técnica é atual,
resultado de sua teoria poiétca do metamodernismo. Ou seja,
mantendo a liberdade e a antropofagismo mais autênticos do
modernismo e cultivando a expressão mais heterodoxa e
intertextual da pós-modernidade. Na acepção de Edgar Morin de
que o novo está hasteado no tradicional, superando, reciclando-o
– daí o sentido de um metamodernismo. Vai do poema livre ao
soneto sem nenhum constrangimento e faz citações num
exercício de relações que bem podem ser entendidas como
hipermidiáticas... Recorre ao verso marginal e ao estilo erudito,
mesclando idiomas e valendo-se de recursos ideogramáticos e até
de apelos visuais: parafraseando, caleidoscopicamente.
Descobri o Jayro na Internet. Identifiquei-me com o seu poetar
irreverente mas consciente de suas capacidades criativas. Nada
ingênuo ou meramente intuitivo. Ao contrario de muitos que
fazem experiências às cegas, ele parece hastear-se numa
metodologia para a construção poética, o que faz a diferença.
Seus poemas são elaborados para serem aparentemente até

54
óbvios, casuais, sobre banalidade e o solene, num rigor
construtivo indiscutível.
Florilégio de Alfarrábio:
Só mesmo um alfarrabista poderia escrevinhar tantos florilégios!
Deve ter lido todos os livros de seu sebo fino, de suas estantes
iluminadas. Tragou-os todos numa cuia de açaí como néctar
puro, como pó de guaraná!
FLORILÉGIO DE ALFARRÁBIO (São Paulo: Epsilon
Volantis, 2002) é uma antologia torrencial, equatorial, desigual,
que vai do auto-biográfico à iconografia verbal da brasilidade.
Livro dos livros de um erudito maldito.
Invejei pra valer seu “Terra do Brasil”. Vai do alegórico ao
panegírico, do lírico ao colírico... Irreverente.
Onde eu “maravilhei” foi mesmo com o “Hiléia: poemeto-
epifânico-ecológico da Amazônia – 1988”. Genial, insuperável.
Merecia uma edição exclusiva, ilustrada, acompanhada de um
glossário ao final ou no rodapé par ajudar os leigos na
interpretação da língua e das lendas indígenas. Raul Bopp
redivivo e superado. Aliás, o Poeta-Bopp aparece no texto como
um Virgílio adentrando a hiléia na narrativa poética. Talvez fosse
o caso de produzir-se um e-book hipermidiático com links para um
vocabulário-fabulário... Fica a sugestão.

Antônio Miranda em:


http://www.antoniomiranda.com.br/PoesiadosBrasis/Sudeste/jayro_luna.htm

55
Tristes Trópicos Trôpegos
Fabio Ulanin*

Marx que me perdoe, mas apenas citando o seu mais fiel


discípulo, Groucho, para poder definir este Infernália Tropicalis, de
Jayro Luna: não é um livro para ser deixado indolentemente de
lado; pelo contrário, deve-se atirá-lo longe, com toda a força.
Encontramos neste volume o que há de melhor como
exemplo de não se fazer poesia, a tal ponto que qualquer mortal
incauto que se pretenda poeta, ao tomar contato com estes 56
“poemas”, mudará de idéia imediatamente e procurará qualquer
carreira mais promissora, como teórico da pós-modernidade, por
exemplo, que pelo menos garantirá sua sobrevivência através de
um non-sense honesto, possibilitando, inclusive, a publicação de
inúmeros artigos no Mais!, sem contar com o reconhecimento
quase imediato pela nossa intelligenzia.
Mas não se pode esperar demais neste contexto
citacionista no qual (sobre)vivemos, embolorado de
academicismo tacanho e engajamento auto-condescendente
sombrio. Os textos que se pretendem poemas, voltados para um
público muito bem definido (“ratos de biblioteca, traças de sebo,
quatro-olhos literatos e cus-de-ferro em qualquer tipo de poesia”),
conseguem atingir seus objetivos principais: a desratização das
bibliotecas, causar indigestão nas traças, ampliar a miopia dos
literatos, e haja ferro para agüentar tanto cu à guisa de poesia.
Não que este livro seja de todo ruim. Longe disso. O
autor teve o cuidado de selecionar bons textos como epígrafes
dos “poemas” (mais epígrafes que poemas, diga-se), assim como
rechear as páginas de notas de rodapé, algumas vezes excelentes,
quando de autoria de outrem; as outras, do próprio serial killer que
assina o volume, deveriam permanecer inéditas.
Mas sempre existe alguma desculpa para o desfrute de
páginas inúteis. E, caso o possível leitor (tem louco para tudo
neste mundo - e eu mesmo fui um, para tecer estes elogios)
procure algo entranhado nas fossas abissais destes textos, basta

56
que se mantenha na segurança das epígrafes e de algumas notas.
Não tem erro: encontrará - estes sim - poemas e poderá se
divertir muito tentando imaginar o que, afinal, tem a ver o dito
com as calças.
Mas nosso amado autor não deve esmorecer. Este livro
tem um futuro garantido, ainda que na imanência intolerante do
silêncio. Se a ABL tem como membro um cirurgião plástico, se
elegeu o senhor Rabbit, se nosso Citzen Kane toma chá por ali,
Jayro Luna pode candidatar-se assim que um imortal perca a sua
categoria eterna e passe desta para o merecido olvido. Pelo menos
não será esquecido sozinho.

_____
* Fabio Ulanin é professor universitário, tem surtos repentinos de
ira sôfrega e hidrófoba e só não sofre perseguições pelo
policiamento intelectual por que ninguém faz a menor idéia de
quem ele seja. E que ele existe. (Texto de apresentação ao livro de
poesias Infernália Tropicalis. O sentido de ironia e blague para com a
poesia de Jayro Luna é proposital e faz parte da intenção geral do
livro de ser de certa forma um anti-livro).

57
TEXTOS ACADÊMICOS

58
Anotações Esparsas de uma aula dum Curso de
Poesia
Carlos Felipe Moisés / Jayro Luna

(Anotações feitas por Jayro Luna de uma aula do curso de “Redação e


Poesia”, ministrado pelo poeta e prof.dr. Carlos Felipe Moisés nas FIG -
Faculdades Integradas de Guarulhos)

CFM: - Bem, estamos aqui hoje para comentar e discutir com os


colegas a poesia “Frankenstein Metamoderno” do colega de
trabalho, professor Jayro Luna. Como vocês sabem, nossa
intenção não é apresentar uma leitura única, mas apenas discutir o
texto de maneira que possamos, a partir da leitura e da discussão,
chegarmos a reavaliar ou pelo menos, acrescentar elementos a
nosso entendimento acerca das características do poético.(...)
Vocês receberam cada um, uma cópia do poema e
estamos agora abertos às leituras que fizeram. Em primeiro lugar,
gostaria de dizer que foi com surpresa, surpresa no sentido
agradável, a leitura desse “Frankenstein” que o autor denomina
de “Metamoderno”. O poema simula a forma de um soneto,
uma vez que ele se compõe de dois quartetos e dois tercetos, no
entanto, uma leitura mais atenta aos aspectos formais poderá nos
fazer perceber algumas inconsistências ou incongruências no
ritmo do poema. Entre o primeiro e o segundo versos, por
exemplo, somos forçados a evitar a elisão na terceira sílaba do
primeiro verso, para que recuperemos o decassílabo: “Des / ven
/ tra / o / ven / tre...” e não “Des / ven / tra - o / ven / tre...”
como seria mais natural. No sétimo verso, já no segundo quarteto,
o Jayro se utiliza de uns colchetes para acrescentar um sílaba ao
verso original: “[E] / res / mun / gan / do / com / ar / car /
ran / cu / (do)”... No oitavo verso, temos que fazer uma elisão
entre duas sílabas átonas, mesmo tendo entre elas as reticências:
“Em / to / da... ex / ten / são... / pu / lu / lam / de / se /
(jos) !” No verso doze, então, temos o excesso de alterações
rítmicas a que somos forçados fazer para enquadrar o poema no

59
ritmo do decassílabo: “Es / pí / ri / to, (...) é / ter / (...), subs /
tân / cia / fluí / da.” Entre a 4.ª e 5.ª sílabas uma elisão forçada,
apesar de uma pausa enorme criada pelos parênteses com
reticências, na sexta sílaba forçamos “subs” numa só sílaba e na
décima, ou para chegarmos nessa conta à décima, elidimos com a
seguinte: “fluí”. Assim, diante dessas alterações de ritmos
forçados podemos retomar o tema do “Frankenstein” num
sentido metapoético. E isso, me parece, é a proposta principal do
poema. O “Frankenstein” que nos fala aqui é o próprio poema, e
quando notamos na nota de rodapé, que cada verso foi retirado
de um outro poeta, como aqui está escrito, “Este poema-
frankenstein foi criado com partes de corpus dos seguintes vates:
Oswald de Andrade, Haroldo de Campos, Mário Faustino,
Torquato Neto, Da Costa e Silva, Casimiro de Abreu, Bernardo
Guimarães, Carvalho Júnior, Machado de Assis, Fernando Pessoa,
Carlos Drummond de Andrade, Augusto dos Anjos, Sousândrade
e Mário de Andrade”, temos a confirmação explícita dessa
intenção.
Podemos ler esse poema como a metáfora do desejo de
permanência da poesia e ao mesmo tempo, como sua constante
necessidade de superação temática e contextual, lembrando aqui
de T.S. Eliot, para quem cada nova obra deve necessariamente
alterar o sentido com que lemos as obras anteriores, esse poema
composto com versos ou pedaços de versos de 14 poemas de
outros poetas é, pois, a exposição clara dessa necessidade. (...)
Vejamos o que o autor nos diz a respeito disso...
JL: Sim, concordo plenamente com a leitura feita, o poema é este
“Frankenstein” que nos fala no poema. Eu quis criar uma rede de
significações e relações entre os poemas que serviram de base
para compor esse “monstro”, mas como no mito de
“Frankenstein”, só costurar os pedaços de corpos dos mortos
para montar um novo corpo, um tanto quanto desconjuntado e
deformado, não cria ainda um novo ser vivo, é necessário uma
centelha de energia para dar vida ao monstro. E aqui, no meu

60
poema-frankenstein a centelha não vem de uma nuvem carregada
eletricamente, mas da mente do leitor.
Fabio Ulanin (intervenção): É interessante notar que o corpo
formado se parece mesmo com um todo, isto é, as partes se
encaixam para formar um novo corpo. Na leitura podemos
perceber essa unidade, lemos a fala do Frankenstein reclamando
de sua condição monstruosa, de sua diferença, de sua necessidade
de possuir uma identidade, de se reconhecer.
Jonas Negalha (intervenção): De fato, e se a gente ler esse verso
quarto, que diz “Não é você, nem sou mais eu” temos aqui a fala
desse monstro que não sabe mais onde termina o que era parte
do corpo do outro e onde começa seu próprio ser.
Antônio (intervenção): A mesma coisa a gente pode perceber no
último verso, que é um conhecido verso de Mário de Andrade:
“Sou trezentos, sou trezentos (e) cinqüenta”.
CFM: - Sim, sem dúvida, mas observe, no caso desse verso do
Mário de Andrade que ele foi corrompido, esses parênteses
cercando o “e” (preposição) é um corte que fratura o verso do
Mário. E isso ocorre em outros versos do poema, como se
fossem as costuras feitas pelo cientista louco na sua busca insana
de criar seu “golem”, de dar vida imitando Deus. (...)
Uma coisa que gostaria que o autor nos explicasse é o
significado do termo “Metamoderno” no título do poema; é claro
que a fala do autor, pouco importa, ou importa menos que nossa
leitura. O poema, uma vez lido pelo público, não pertence mais
exclusivamente ao poeta, agora, cada um ao acrescentar sua
leitura, faz como que novos poemas, pessoais, intransferíveis.
Vejo o termo “Metamoderno”, no sentido de que o elenco de
autores de que se serviu nosso poeta-médico-louco para compor
/ costurar seu monstro é um conjunto de autores que podemos
definir como modernos ou ligados na perspectiva da
modernidade, de modo que tanto um Bernardo Guimarães ou um
Casimiro de Abreu são profanados para servir ao projeto de dar
vida ao poema-frankenstein, assim, temos um discurso acerca da

61
modernidade, portanto, metamodernidade. Mas gostaria de ouvir
a opinião do poeta...
JL: - É uma instigante leitura do termo “Metamoderno” no
poema, e não tenho como negar que ele possa ter esse significado,
que, aliás, se encaixa perfeitamente com a intenção de que
falávamos há pouco. Mas o termo “Metamoderno” ou seus
derivados como “Metamodernismo” e “Metamodernidade”
fazem parte de uma proposta teórica, por enquanto, pessoal, mas
que desejo “transferível” para o que eu considero serem os
impasses da pós-modernidade. Escrevi já alguns textos acerca
dessa proposta, publiquei esparsamente em algumas revistas e
periódicos nada regulares em termos de periodicidade.
Resumidamente o “Metamoderno” é para mim uma estratégia,
mais do que um conceito de escola, tendência ou movimento.
Nessa nossa época de fastio da modernidade, em que a “tradição
do novo” se impõe sobre a “tradição do velho”, em que a
reciclagem se mostra como recurso constante do pós-moderno, e
em que a “dessacralização” não mais dessacraliza, e em que a
busca da originalidade já se tornou padrão repetitivo, penso que o
poeta deva considerar todo o passado histórico-literário não
apenas como historiografia, mas como material de que deva se
servir para fazer a análise crítica do presente. Desse modo, fazer
um soneto, ou um simulacro de soneto, um canto épico sem
heróis ou misturar gêneros, ou ainda, um poema de amor
romântico ou um poema de vazio descritivo parnasiano podem
ser instrumentais importantes para a composição duma obra
poética que navegue pelas rupturas ou fissuras do discurso
poético na busca de novas soluções, que podem não ser novas,
mas pelo menos, motivadoras de novas idéias.
CFM: - Notável! Interessante! Cabe, porém, muita discussão
sobre o assunto. A “Pós-modernidade”, o “metapoema”, a
“tradição do novo” são expressões e conceitos que têm
provocado várias visões críticas, muitas vezes, discordantes acerca
do modo de interpretar o presente, ou a situação presente da
poesia e da colocação do poeta na sociedade. De qualquer modo,

62
seu “Frankenstein Metamoderno” tem o mérito de colocar tudo
isso de um modo provocativo, e a poesia contemporânea tem se
pautado por uma espécie de náusea da crítica ou do espírito
crítico. Vejo, seu “monstro” agora não apenas na questão da
busca da identidade perdida, mas ao se mostrar ao leitor,
provocando nesse leitor a discussão acerca da sua própria
identidade. Quem é o criador, o que é a criatura? Podemos,
lembrando do conceito moderno de palimpsesto, ler através de
seu poema, alguma coisa da obra e da vida dos que forneceram
membros para compor seu “Frankenstein”, mas não é isso o que
importa, mas sim, essa visão, algo antropofágica do passado que
torna sua estratégia provocante.

(Guarulhos, Outubro de 1999)

63
Dom Quixote Reciclado: Leitura Semiótica de um
poema de Jayro Luna48
Carlos Henrique Tonelli e
Rosa Maria Bertholdo
Cavaleiro Menestrel Errante
“Em cest sonet coind’ e leri
Fau motz e capuig e doli,
E serant verai e cert
Quan n’aurai passat la lima”
Arnaut Daniel

Sou cavaleiro menestrel errante


Que vaga pelos vales da cidade,
Sou da aventura um eterno seu amante
Que também ama e canta a liberdade;

Sou cavaleiro menestrel errante,


Brasão vinil em trinta e três rotações,
De espada elétrica, acordes vibrantes,
Cantando os romances das gerações;

De armadura em desaire, jeans azul,


Vou sob os céus da América do Sul
Montado em dragões contra o rei e sua filha!

Sou cavaleiro menestrel errante,


Que em rocks canta o amor agonizante,
Trago em meu coldre um rádio de pilha!

O poema acima é Jayro Luna, nele percebemos uma


insinuação da figura de Dom Quixote, mas essa insinuação se faz

48
Trabalho acadêmico apresentado à disciplina de Semiótica, ministrada
pelo Prof. Dr. Norval Baitello Júnior, no curso de Letras (Língua e
Literatura Portuguesas) da PUC-SP em 1982.

64
por partes. Primeiro temos a figura medieval do “cavaleiro
errante”, expressão que inclusive dá título ao poema. Esse
cavaleiro ainda se adjetiva pela qualidade de ser menestrel. A
figura do cavaleiro menestrel errante era relativamente comum no
imaginário medieval e do humanismo e indo além, ressurgindo no
romantismo, como vemos em Tännhauser de Richard Wagner. A
epígrafe de Arnaut Daniel já evoca a figura do cavaleiro menestrel
medieval, este que foi um dos maiores trovadores e inventor da
forma poética chamada de “sextina”. O rei português Dom Dinis
foi um grande trovador e vários outros exemplos podemos
buscar dessa relação entre o cavaleiro e o menestrel. O
personagem Dom Quixote de Miguel de Cervantes é a paródia do
cavaleiro, sua espada cega (a durindana), seu cavalo pangaré
(Rocinante) seu fiel escudeiro (o gorducho bonachão Sancho
Pança) são os índices dessa paródia. Dom Quixote tornou-se um
símbolo da loucura por excesso de imaginação, do lunático.

Ao lado temos a ilustração de


Cândido Portinari: Dom
Quixote e Sancho Pança saindo
para suas aventuras (1956).

65
Assim temos uma transformação dos índices que
caracterizavam o tom elevado do cavaleiro menestrel errante: a
espada afiada (e por vezes mágica), o cavalo alazão ou corcel
veloz, o habilidoso escudeiro, a lança inquebrável, a armadura
brilhante e forte, o estandarte de nobreza e no caso específico da
ação de cantar ou trovar, a cítola ou o alaúde. No Modernismo,
Mário de Andrade já se definira como “um tupi tangendo um
alaúde”(“Trovador”, Paulicéia Desvairada, 1922). Em Dom
Quixote de Miguel de Cervantes os índices são modificados para
baixo de forma que temos a paródia exatamente pela modificação
dos índices que apontavam para o cavaleiro.
Em Jayro Luna esses índices são revisitados, ou melhor,
reciclados agora segundo um novo contexto: urbano, século XX,
industrial. E o que temos são índices que são modificados em
novos índices, de forma que o cavaleiro menestrel errante de
Jayro Luna nos leva ao Dom Quixote que, por sua vez, nos
remete ao cavaleiro medieval propriamente dito. Em Jayro Luna
o cavaleiro está equipado com um “brasão vinil em trinta e três
rotações” (disco Long Play), “espada elétrica de acordes
vibrantes” (guitarra) e armadura de “jeans azul”. A guitarra já é
um índice que é o resultado metafórico de uma composição entre
a espada, a lança e o alaúde, é arma e instrumento musical, nesse
caso, a música é a arma: “Que também ama e canta a liberdade!”
O cavaleiro menestrel errante de Jayro Luna é um cantor de
protesto, um Dylan, um Chico Buarque fazendo de suas canções
a arma contra a tirania. Porém, se esse cavaleiro padece do
mesmo mal que Dom Quixote essa luta será inglória ou até
mesmo vã? Se lemos com atenção o primeiro terceto, vemos que
o personagem não tem um cavalo, mas vai montado sobre um
dragão e luta contra o rei e sua filha. Aqui a inversão completa
dos papéis. Se Dom Quixote quixotescamente imitava o modelo
idealizado, mas descontextualizado do cavaleiro medieval, agora
em Jayro Luna, o cavaleiro é o anti-cavaleiro, ele inverte o sentido
de sua luta, não mais para manutenção ou restauração de uma

66
ordem ou status quo, mas para inversão da ordem, para uma nova
ordem. Nesse caso sua luta ou causa é revolucionária. Esse
cavaleiro canta “rocks”, mas observemos que a palavra significa
denotativamente “pedras” e aqui também o sentido é de
ambigüidade, onde a música se transforma em arma. No coldre
esse cavaleiro traz um “rádio de pilha” com que ouve as músicas
de protesto, mas também que lhe permite ouvir notícias políticas
e compreender e informar-se e, portanto, deixar o mundo da
imaginação idealizada e contextualizar-se na luta contra a
ideologia da sociedade industrial.

Cavaleiro Dom Quixote Cavaleiro


Medieval Menestrel Errante
- JL
Cavalo corcel Cavalo pangaré Dragão
Espada mágica Espada velha Guitarra
Lança inquebrável Lança torta Guitarra
Estandarte nobre Estandarte Disco LP
copiado
Escudeiro hábil Escudeiro gordo Sem escudeiro
Alaúde Livros de cavalaria Rádio de pilha

Pela tabela podemos perceber as transformações indiciais


que apontam para a figura do cavaleiro menestrel errante como
paródia do cavaleiro medieval, mas num sentido diferente do de
Dom Quixote. No novo contexto, a metáfora subverte e inverte
o sentido da luta do cavaleiro. Não mais em defesa de sua amada
e de seu rei, mas antes contra o rei e em favor da liberdade.

67
A GÊNESE DE UMA JOVEM POESIA NA PELEJA DA
UTOPIA COM PAUPÉRIA 49
*Carlos Alfredo Fernandes Verdasca 50

Resumo: O trabalho apresenta um estudo sobre a produção


poética de um jovem escritor, observando em seu processo uma
poética que, em seus resultados, é considerada de vanguarda, mas
que tal situação é decorrente de uma inadequação do canal aos
projetos manuscritos da obra. Considera ainda uma análise
semiótica da obra ao nível de interpretantes. Observa que a
inexecutabilidade dos projetos do poeta, por motivos sócio-
econômicos, leva a uma tradução desses projetos para o espaço
da bidimensionalidade da folha de papel.

1. A Crítica Genética e o Meio Sócio-Cultural

A Crítica Genética é a crítica de um processo, o processo


de criação. Ciência do estatuto recente, que tem seu marco inicial
num ano assaz conturbado (1968) e num país que se associou a
este ano de modo especial (A França). Não poderia pois a Crítica
Genética deixar de ser uma ciência desencadeadora de energias de
revigoração e desenvolvimento dos estudos literários. Aliás, como
diz Cecília Almeida Salles:

“O papel da Crítica Genética é, na verdade, revelar uma


teoria da criação implícita em cada processo criador;

49
Monografia apresentada à disciplina de “Códigos Intersemióticos:
Linguagem e Criação - Módulo 2” ministrada pela Profª. Drª. Cecília
Almeida Salles no Curso de Mestrado do Programa de Comunicação e
Semiótica da PUC-SP, 1.° Semestre de 1993.
50
A professora Cecília de Almeida Salles fez o seguinte comentário à
caneta na avaliação do trabalho, na página final: “Trabalho interessante e
bem apresentado. A interpretação semiótica talvez necessitasse de um
maior aprofundamento ou a busca de instrumentos - na própria semiótica -
mais adequados. Bom trabalho. Nota: 9,0”

68
teoria essa manifesta na ação do criador que o
manuscrito, por sua vez, (res)guarda. Esses princípios
teóricos, raramente conscientes para o criador, regem o
processo criativo daquela obra específica. Isto implica em
dizer que em toda prática ou em toda ação criadora há
um teoria implícita. O papel do geneticista é retirar do
manuscrito, com os instrumentos que ele tem à sua
disposição, essa teoria e, assim uma poética vai sendo
revelada” (1992:102).

Assim, nesse trabalho, através de um conjunto de


manuscritos e de depoimentos conseguiremos, se não demonstrar
uma teoria implícita, pelo menos, entrever uma obra que revela
uma tensão entre a realidade e a utopia.
Abordaremos também o conceito de Interpretante de
Peirce e o relacionaremos com essa tensão, de modo a
demonstrar que o processo criativo que estudamos apresenta uma
proposta que não se realiza por causa de um conjunto de
elementos que não lhe sendo estranhos, impedem essa realização,
resultado disso é que no lugar da realização imaginada pelo autor
surge um substituto, fruto do choque com esses elementos que
lhe opõem, fruto esse que inaugura uma cadeia interpretante que
é relacionada com a cadeia interpretante imaginada pelo autor.
Deste modo, “autor” e “escritor” inauguram duas cadeias
diversas sendo, no entanto, o processo o mesmo. Como isso é
possível? É o que veremos nessas páginas.
João Alexandre Barbosa percebe em As Ilusões da
Modernidade a relação de intertextualidade entre consciência e
história:

“Por isso, o poeta moderno é aquele que sabe o que há


de inatável na condição de encantamento de seu texto,
sempre dependente de sua condição de enigma.
Consciência e história são vinculadas pelo mesmo
processo de intertextualidade: o novo enigma é a

69
resolução transitória de numerosos enigmas anteriores.
Para o poeta moderno, a consciência histórica sendo
basicamente social e de classe, também é cultura”
(1986:15).

O conjunto de manuscritos que estudamos pertence a um


autor que se insere nessa perspectiva de poeta moderno.
Consciente dessa condição de enigma, vê-se imerso numa
sociedade que dificulta a exposição desse enigma, fazendo com
que um esboço de seu trabalho como sendo o seu trabalho, o que
faz com que o enigma de cada obra torne-se inatingível ao leitor.
O fato de o autor estudado encontrar obstáculos de
origem sócio-cultural e econômica à plena realização de sua obra
pode levar à questão da realidade social do artista num país
subdesenvolvido, da relação da literatura com uma espécie de
realidade social que se interpõe como obstáculo intransponível à
realização artística. Neste caso, vejamos, por exemplo, ainda mais
uma vez, João Alexandre Barbosa em seu estudo “Linguagem &
Realidade do Modernismo de 22”:

“Não se tratava mais de uma linguagem de


representação da realidade circunstancial, para a qual
fosse decisiva a invenção de uma ‘língua brasileira’, mas
da transformação, no nível do significante, dos dados
oferecidos por aquilo que chamou-se de ‘crise de
representação da realidade’.
Não uma substituição: uma recodificação, tendo-se
em vista o que a própria evolução da crise ia compondo
no conjunto da vida social.” (1974:104).

Com efeito, observaremos um caso em que há uma


constante e necessária recodificação nos termos observados
acima, acrescido de uma dinâmica característica de uma época
finissecular de revisão de conceitos e ideologias como é a nossa.
Aliás, como está expresso no “Tratado do Sublime” de Longino,

70
que apesar de seus quase dois milênios de distância, ainda
permanece atual:

“Não é talvez a paz universal que corrompe as


grandes naturezas, mas, sobretudo, esta guerra
interminável que sustenta a cupidez em seu poder, e, por
Zeus, acrescente a isso as paixões que assolam o século
presente e o devastam de começo a fim. Com efeito, o
amor pelas riquezas, cuja busca insaciável nos torna
doentes, e o amor do prazer nos escravizam; mais ainda,
pode-se dizer, eles hoje nos invadem o corpo e a
alma.”(citado em BRANDÃO, 1979:79).

Feitas essas considerações sobre a influência de aspectos


da realidade, notadamente das circunstâncias sócio-culturais,
podemos nos ater ao trabalho da análise dos manuscritos do
autor em questão, que, creio, revelarão aos leitores desse trabalho,
uma situação de intensa tensão que caracteriza uma poética em
explosão.

2. Uma Poética em Tensão

O autor em que me detive para estudos é um jovem poeta


premiado em alguns concursos: Jairo Jhade Gallahade. Desde
1984 mantém publicações ditas marginais como folhetos e
fanzines. Vencedor em 1991 e 1992 do Concurso Projeto
Nascente da USP e classificado para integrar a Antologia do II
Concurso Universitário de Poesia dos Países de Língua
Portuguesa, promovido pela PUC-SP. Quando lhe propus fazer
um trabalho sobre sua poesia, abriu-me, quase sem restrições,
seus “arquivos”. A escolha do autor deveu-se, em muito, à
amizade que tenho por ele, mas também e, principalmente, à
riqueza de seu trabalho que, como pretendo demonstrar, possui
requintes de elaboração que creio sui generis. Uma poética fruto de
intensas reflexões sobre sua criação e sobre o mundo em que ela

71
se cria. Começarei pela análise dos manuscritos e notas que
levaram a composição de um poema intitulado “Piazza XIV”,
publicado dentre outros lugares no Jornal da USP da semana de 9
a 15/11/92, página 15, cuja versão final é seguinte:

Piazza XIV 51
A Roberto Piva

Segui Rimbaud & Verlaine


Ouvi um cravo barroco
Tocar Greensleeves e Martin Códax.
Dei alguns níqueis
para Camões, o zarolho,
que mendigava,
Delatei Pound
aos caçadores de nazistas!
Tirei de um vagão de trem
o corpo pútrido de Cruz & Sousa!
E agora sou guerilheiro
Da Anarquia Poética!

A primeira coisa a observar é a origem do título e da


dedicatória, que já serão suficientes para delimitar aspectos
estruturais desse poema.
Em carta enviada a Roberto Piva de 12 de junho de 1984
se lê o seguinte trecho:

51
Publicado também em Infernália Tropicalis (1999), acrescido de quatro
epígrafes (Roberto Piva, Leopardi, Dante Alighieri e Samir Savon) a
dedicatória a Roberto Piva foi substituída para uma tríplice dedicatória (a
Charles Bukowski, Jack Kerouac e Serguei). Ao final do poema, aparece a
indicação (imaginária) de lugar de escrita do poema: “Terminal Ferroviário
de Santos, 1990”, além de um hieróglifo (figura) que ilustra abstratamente o
poema.

72
“Encontrei num sebo o seu livro ‘Piazzas’. Gostei do
clima beatnik. Há ali alguns versos que gostaria de ter
escrito.”

O livro de Roberto Piva, poeta paulista, característico de uma


posição contracultural na poesia urbana e beatnik, possui 13
poemas chamados de Piazzas. O desejo de Gallahade em escrever
versos semelhantes não poderia deixar de ser expresso de outra
forma (Piazza XIV) e com dedicatória para não deixar dúvidas e
render homenagens. Mas uma tabela datilografa e rabiscada à
esferográfica nuns apontamentos de um de seus cadernos, revela
uma coisa interessante sobre a gênese desse poema. Observemos:

Considerações sobre Piva


J.J.Gallahade Roberto Piva
Paideuma Paideuma <só>
<beatnik> beatnik
Jack Kerouac Jack Kerouac
Gregory Corso
Rimbaud <para
Gregory Corso
mim vale pelas Rimbaud <para
vogais e por Piva Rimbaud é
vender armas> um beatnik
Verlaine <não precursor>
curto muito> Verlaine <acho
que RP gosta
deles por causa
da viadagem>
Outro Paideuma:
Pound
<concreto>
Torquato [Chacal]
Homero
<Odorico>
Oswald <de
Andrade>
Rock’n’Roll

73
Por essa tabela podemos observar que o paideuma que se
insinua no poema a Roberto Piva é também uma sutil provocação.
Confidenciou-me o poeta que Roberto Piva não gostava e não
gosta das vanguardas poéticas brasileiras como os Concretos, por
exemplo. Sua poesia é de vísceras e escrita automática ao modo
dos poetas californianos. Assim, no poema, o nome de Ezra
Pound é revelador desse choque entre os dois paideumas.
Notemos a diferença mesmo no motivo de gostar dos mesmos
nomes (Rimbaud e Verlaine).
Mas o ponto mais revelador dessa gênese pode ser
entrevisto na seguinte anotação em papel avulso, encontrada em
um dos seus cadernos:

“Admiro em Pessoa a capacidade de Outrar-se


Pound e suas máscaras.
Projeto: Outrar-se em outros poetas:
Augusto <RP> Pound, Oswald <Murilo>
<Quando era pequeno fingia ser Drummond>”

Sobre essa última frase, escrita a lápis, disse-me o poeta


que algumas vezes colocou em trabalhos de Língua Portuguesa,
no Ginásio, poemas seus ou poema de Drummond com
“modificações” e alterações que Gallahade julgava necessárias e
assinava como se fosse C.D.A. Na entrelinha, a sigla “RP” só
pode se referir a Roberto Piva e, efetivamente, em seu poema
“Piazza XIV”, Gallahade “outrou-se” em Piva para seguir
Rimbaud & Verlaine, delatar Pound e relembrar os fins infelizes
de Camões, Cruz e Sousa, ambos na miséria.
Esse aspecto de Paideuma é bem esclarecido na gênese de
outros dois poemas, bem diversos na forma, mas produzidos
mais ou menos na mesma época, e que não têm a característica de
citar nomes nos versos.

74
Farenheit 451

Fogo! Fire! Queimarão todos os livros!


Ardem nas ruas as odes, albas, liras!
Quando o saber é subversivo, a ira
Louca em trevas lança a alma dos vivos!

O inferno de Dante, o Uivo, a Ilíada!


Bombeiros incendiando uma odisséia;
A magia dos Tiranos: sua Panacéia!
Sopra Adamastor as letras lusíadas!

Cante Menestrel! Pé na estrada, Hippie!


Guarde uma estória ulisseida leitor,
Pois se amanhã calar-te o ditador,

Às ocultas numa das últimas trips


De segunda, foges para a floresta,
Qual Montag, cante sua canção de Gesta!

O outro poema, já de características formais mais


modernas, foi inscrito no II Concurso Universitário de Poesia
dos Países de Língua Portuguesa. Sua versão final é esta a seguir 52 :

52
O poema “Livro-Povo” é o poema final da plaquette Flash Gordon & Os
Acadêmicos do Planeta Mongo, 1990.

75
O poema é acrescido de um impressionante conjunto de
notas, que de fato, fazem parte do poema:

“Notas: Os tipos que compõem este poema foram


xerocopiados a partir das seguintes obras:
1) – Homero. Ilíada, tradução de Manuel Odorico Mendes,
p. 275, Clássicos Jackson, vol. 21.Rio de Janeiro, W.M.
Jackson Editores inc., Rio de Janeiro, 1952.
2) – James Joyce. Ulisses, trad. Antônio Houaiss, p. 683. São
Paulo, Abril, 1983.
3) – Carlos Drummond de Andrade. Obra Completa, org.
Afrânio Coutinho, p. 135. Rio de Janeiro, Aguilar editora,
1967.
4) – Revista Portugal Futurista, capa. Lisboa, Novembro, 1917.
5) – Luís de Camões. Os Lusíadas, 1.ª edição, capa, 1572.
6) – Revista Klaxon, capa. São Paulo, Brasil.
7) – Homero. Odisséia, trad. Manuel Odorico Mendes, p.
219, Biblioteca clássica, vol. 34, 2.ª ed. São Paulo, Atena,
1957.
8) – Décio Pignatari. Poesia Pois É Poesia, poema
“Organismo”. São Paulo, Livraria Duas Cidades, São
Paulo, 1977.
9) – Goethe. Fausto, trad. Jenny Klabin Segall, p. 43. Belo
Horizonte, Itatiaia, 1981.
10) – Umberto Eco. O Nome da Rosa, trad. Aurora Fornoni
Bernardini e Homero Freitas de Andrade, 11.ª edição.
São Paulo, Nova Fronteira, 1983.
11) - Mário Faustino. Poesia Completa, p. 305. São Paulo, Max
Limonad, 1985 (trata-se da tradução do poema de Bertolt
Brecht, “Na Die Nachgeborenen”, p. 304, op. Cit.)
12) - Raul Bopp. Cobra Norato e Outros Poemas, coleção Vera
Cruz, vol. 168, p. 40. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 12.ª edição, 1978.

76
13) - Gonçalves Dias. Coleção Nossos Clássicos, p. 36, v. 18,
poema “I – Juca Pirama”. Rio de Janeiro, Agir, 13.ª
edição, 1989.
14) – Paulo Leminski. Distraídos Venceremos, p. 87. São Paulo,
Brasiliense, 1984.
15) – Homero. Ilíada, ibidem, p. 277.
16) – Gregório de Matos. Poemas Escolhidos, org. José
Miguel Wisnik, p. 58. São Paulo, Cultrix, s.d.
17) – João Cabral de Melo Neto. Antologia Poética, p. 9. Rio
de Janeiro, José Olympio, 1979.
18) – Augusto de Campos. Viva Vaia, poema “Rever”. São
Paulo, Duas Cidades, 1979 (a letra “v” a seguir é do
mesmo poema).
19) – Poesia Russa Moderna. Vários Autores, trad. Boris
Schnaiderman, Haroldo de Campos e Augusto de
Campos, poema de Vassili Kamienski, p. 65, 2.ª edição.
São Paulo, Brasiliense, 1985. (Veja também a letra “p”
invertida, retirada do mesmo poema).

Demais letras do poema são da separata “Um Coup de


Dés Jamais N’Abolira le Hasard”. Stéphane Mallarmé.
Col. Signos, vol. 2, Mallarmé, trad. Augusto de Campos,
Haroldo de Campos e Décio Pignatari. São Paulo,
Perspectiva, 1974.”

Antes de observarmos algumas anotações, levantemos de


imediato o paideuma implícito em cada poema e comparemos
com as anotações de Piazza XIV:
Paideuma dos Poemas
FARENHEIT 45 LIVRO-POVO
Homero (verso 5) -cf. notas de 1 a
Luís de Camões (v.5) 19:
Dante (v.5) Homero
Truffaut (título) James Joyce
James Joyce (v.10) Drummond

77
Trovadorismo (v.14) Camões
Décio Pignatari
Goethe
Umberto Eco
Mário Faustino
Raul Bopp
Gonçalves Dias
Paulo Leminski
Gregório de
Matos
João Cabral
Augusto de
Campos
Mallarmé

Existe uma evidente continuidade entre os três poemas.


Nomes constantes: Homero, Camões - poetas épicos.
Numa anotação, encontramos a seguinte observação:

“Épica: é uma solução para a poesia.


<ópera-rock>. Serei um poeta de espírito épico?”

Murilo Araújo em sua Arte do Poeta diz a respeito do


gênero épico:

“O gênero épico, pouco usado hoje, foi inicialmente


uma criação do povo, constituída pela epopéia, a
narrativa exaltada de um acontecimento heróico, de
episódios da vida de um grande homem ou nação. Os
Lusíadas, de Luís de Camões, oferecem o melhor
exemplo da grande epopéia no idioma que falamos.”
(s.d.: 49)

78
Numa série esparsa de anotações Gallahade vai deixando
um mosaico que compõe uma espécie de quadro sobre a poesia
épica. Observemos algumas:
1. “Entre a lírica, a épica e a dramática. A épica é a que
mais espelha meu espírito <cf. Emil Staiger,
Poética>”
2. “Projeto de tese na USP: A Poesia Épica do Brasil
<Raul Bopp e o Inferno de WS>
[Sousândrade]
C. Norato [Moderno, ligeiro]
Inferno: esquematização, geo(métrico)”
3. “Hiléia”: poema épico em 24 cantos pequenos
=Macunaíma (caldeirão de mitos)
=ecológico (destruição da floresta)
=rever aspectos fonolíricos.”
4. “O Cinema é a poesia épica de hoje.
A Música é a lírica.
Por isso estamos cheios de poetinhas dramáticos.”
A última observação (4) é importante para relacionarmos
com a escrita de “Farenheit 451”. O poeta refere-se ao filme e
não ao livro. Aliás, disse-me só ter visto o filme, dirigido por
Truffaut.
O poema “Livro-Povo” só ganhou título para ser inscrito
no II Concurso Universitário de Poesia de Países de Língua
Portuguesa. Originalmente, ele pertence a uma espécie de cordel
com elementos de história em quadrinhos, cujo título é “A Peleja
de Flash Gordon & Os Acadêmicos do Planeta Mongo”. É o
poema XVI, final da historieta em versos e que era iniciado com
uma explanação em parênteses “ao modo de Sousândrade”,
confidenciou-me o poeta. Eis a explanação original do poema:

“XVI
(Enquanto a milícia tirana e os acadêmicos fugiam em
pânico. Flash Gordon e seus amigos com a ajuda do Povo que

79
assistia a peleja do lado de fora e nas galerias do anfiteatro salvam
os volumes que podem, antes da ruína do grande edifício):”
(Gallahade, J.J.: p. 11)

Daí, segue-se então o poema com as 19 notas de rodapé.


A eliminação deste trecho entre parênteses deve-se, ao
que parece, ao fato de retirá-lo de um corpo épico-narrativo.
Assim, para dotar o poema de autonomia, o autor optou por
retirar os elementos indiciais dessa narrativa (o número romano e
os parênteses) e dotá-lo de título.
Além do caráter de paideuma comum a esses poemas, é
evidente que existe, na origem, um caráter épico. E, como
veremos, é uma poética de uma épica moderna. Reestruturada
segundo elementos modernos e futuristas.
Iniciemos essa trajetória pela de análise de um aspecto
micro-estético visível nos rascunhos do poema “Farenheit 451”.
Trata-se do verso 1:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 (10) 11(10)
Fo go Fo go quei ma rão to dos (os) li vros
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Fo go Fire quei ma rão To dos os li vros

A terceira e quarta linhas da tabela apresentam a medida


da versão final. A troca de “Fogo” (sílabas 3 e 4 da 1.ª versão) por
“Fire” (sílaba 3 da segunda versão), não é apenas justificável pela
questão métrica, como pode parecer. A primeira versão, para que
seja um decassílabo (métrica escolhida) propõe a supressão do
artigo “os” (sílaba “10” desconsiderada da primeira versão). O
poeta resolve pela manutenção do artigo, suponho por questões
sintáticas e rítmicas, e adota como saída a substituição do
vocábulo em português pelo vocábulo em inglês. Solução que
permite, pela constituição silábica e a sonoridade, a correção
métrica.

80
No entanto, uma breve anotação a lápis, quase apagada,
no alto do manuscrito, elucida muito da opção:
“Dublagem: Cinema: ing/port.”
Parece que a opção também se faz pela referência ao
aspecto de dublagem do filme e, como que para indicar o filme e
não o livro, “Fire” é a palavra utilizada. Assim, a colocação do
vocábulo inglês, logo após seu correlativo em português, tem
uma valoração bem para além da métrica. Aproxima-se deste
aspecto épico através do cinema.
Há como que uma ligação estrutural entre paideuma e
épica na poética de J.J.Gallahade. A esse respeito, observemos
Phillipe Willemart que analisa o aspecto da gênese ba Bíblia e em
Hesíodo:

“As musas respondem por uma história de


nascimento de geração que se sucedem, mas que não
supõem origem, no máximo de uma ordem. É mais uma
história de família que se escalona ao longo de uma árvore
genealógica. Não há criador, nem eixo vertical. Tudo se
passa no eixo horizontal. Cada um encontra sua origem
naqueles que o antecederam como as gerações que se
sucedem numa mesma família. Não é mais o agir de Deus
ou sua palavra que gera, mas o desejo sexual dos
antecessores. É a pulsão genital que manda o gozo. Este
ignora talvez que está a serviço da espécie, portanto do
outro, e acredita pelo contrário que está submetido a Eros,
dando a ilusão de horizontalidade. A transcendência não
existe a princípio. O primeiro deus, início da série, é muito
curiosamente o Caos que, em nossas línguas modernas,
significa a desordem, mas que aqui, pelo contrário, é o
primeiro que ordena as coisas, o que não deixa de nos fazer
sorri quando as teorias modernas do caos, são, de fato,
meios epistemológicos de colocar ordem em fenômenos
aparentemente sem ordem.
(WILLEMART: 1991, p. 91)

81
Ocorre na poesia, aliás, no processo de criação de
Gallahade, essa associação de um conjunto de autores (paideuma)
que se relacionam horizontalmente independente das épocas
distintas. É que são contemporâneos sincrônicos nesta criação. É
como se a poesia de Gallahade fosse um comentário contínuo aos
antecessores. A origem desta poesia estaria neste paideuma
antecedente da criação. O outro assim pode ser na criação tanto a
imaginação do poeta se transfigurando num Piva como num
outro nome qualquer do paideuma.
Estamos prontos agora a adentra um aspecto estrutural
dessa poesia que é fruto dessa épica em choque com os tempos
modernos, em função de um desejo de permanência do espírito
épico na contínua descoberta. Porém, esse desejo se rompe com a
situação concreta da condição social do poeta, seus meios de
produção e de comunicação de sua obra.

2.2. A Épica

“A Arte é uma antecipação do mod pelo qual todo


trabalho será vivido no futuro.”
(Georges Sorel, Réflexions sur la Violence, Paris, 1950, p. 53)

O entendimento da noção de épica em Gallahade pode


ser apreendido através do estudo que Fredric Jameson faz do
conceito de Utopia para o filósofo Ernst Bloch:

“A hermenêutica de Bloch, contrariamente, encontra


sua riqueza na própria variação de seus objetos, enquanto
seu conteúdo conceitual de partida permanece
relativamente simples, relativamente inalterado: assim,
pouco a pouco, para onde quer que olhemos, tudo no
mundo torna-se uma versão de certa figura primordial, uma
manifestação daquele movimento em direção ao futuro e à
identidade derradeira com um mundo transfigurado que é a

82
Utopia, cuja presença vital, por trás de qualquer distorção,
sob qualquer nível de repressão, pode ser detectada, não
importa quão fragilmente, pelos instrumentos e dispositivos
da esperança.”
(JAMESON: 1985, p. 97)

A poesia de Gallahade é pensada num plano utópico. São


roteiros de musicais para o cinema, épicos cinematográficos,
shows de rock’n’roll, documentários, nunca filmados por
Gallahade, pois o autor é só um poeta marginal e inédito. Assim,
fragmentos de seus rascunhos são depois reaproveitados por ele
mesmo como motivos para poemas, poemas que serão
reproduzidos em xerox, mimeógrafo, quando muito, off-set. Daí
ocorre uma transformação: uma idéia antes pensada para ser
realizada por meios audiovisuais é transformada para poema
numa folha de papel. Pode-se pensar aqui numa distinção entre
autor e escritor. Uma distinção nos mesmos termos da colocada
por Cecília Almeida Salles:

“Essa inevitável constatação da presença da percepção


e da mão criadora tem desdobramentos. Willemart
esclarece que o estudo do manuscrito obriga o crítico a
separar nitidamente o escritor do autor. Escritor sendo ‘a
instância mais próxima da mão, do corpo e da pulsão de
escrever, que tem família, bens, um nome no cartório (...); é
aquela que tem passado inconsciente freudiano e cultura
determinada. É ela que prepara seu romance, anotando,
copiando ou viajando. O escritor é o ‘autor’ das
correspondências, das anotações e dos cadernos’. No
entanto, continua Willemart, ‘uma vez sentado à sua mesa e
disposto a escrever, o escritor se ‘transmuta’, ouso dizê-lo,
em autor... A página branca abre para o mundo da arte, esse
fora-do-mundo onde o cotidiano se transforma, no sentido
literal da palavra (toma outra forma), em poesia, ficção ou
drama. É no manuscrito que nasce essa outra entidade que

83
se chama autor, um espaço entre a mente do escritor e o
que se lê no livro impresso.’ É o nome desse autor que
vemos nas capas dos livros.”
(SALLES: 1992, p. 85)

Em Gallahade é como essas duas entidades (autor e


escritor) fossem distintas. De um lado, chamemos de “Autor”
aquele que rascunha roteiros, shows, filmes, épicos, etc. De outro,
o escritor, assim o chamaremos, aquele que reaproveita esse
trabalho para fazer poemas. Quando publicado, produz-se a
figura de um outro autor que tem relação distante com o primeiro
e que é mediado por esse escritor que usa o espólio de obras
irrealizáveis, não por esta inexecutabilidade estar relacionada com
características intrínsecas da obra, mas sim porque a condição
social do poeta, só, à margem dos meios de produção da mídia,
não lhe permite realizar seus projetos.
Observaremos isso nos seguintes manuscritos e
comparando-os com os poemas que surgirão daí.

3.Utopia Versus Paupéria.

Entre os poema premiados no 1.° Concurso Projeto


Nascente da USP (1991), encontra-se o poema intitulado “Poema
Concreto Pau-Brasil”. Originalmente integrante de um pequeno
conjunto de poemas chamado “Odeon” e publicado em cópias
xerocopiadas. O poema, formalmente, é um poema concreto. As
palavras “verde” e “amarelo” são colocadas de modo a destacar
de suas letras as palavras internas “amar”, “é”, “love”.
O projeto inicial desse poema era de uma realização
multimídia: sonoro e visual. Vejamos o projeto inicial:

“Tela:
Verdeamarelove...

Fundo azul ⇒ verde (amar) é (love)...

84
<cor: verde> <vermelho>
amarelo = amarelo

Elenco:
Chorus de anjos cantando numa catedral
<lembra da propaganda do café seleto?>

Pauta:

-Partitura: solo de guitarra (16 primeiros compassos do Hino Nac.


- introdução).
Órgão de Igreja fazendo a base.”

Apenas nos atendo a esse projeto, vemos três níveis de


realização: 1) - tela, 2) - Elenco: Coro de Anjos, 3) - Música
instrumental. Não há indicações espaciais, mesmo assim, percebe-
se que seu nível de realização não é a folha de papel.
Recentemente, a USP produziu em vídeo esse poema, por
intermédio da Pró-reitoria de Cultura, porém, disse o poeta
(Gallahade), “deixei o produtor livre e no lugar do coro de Anjos,
Romagnoli, o produtor, colocou os acordes inicias de ‘Alegria,
Alegria’ em repetição. Aquela batida “pam! Pam! Pam!” em Sol,
ré maior e ré maior com sétima menor nos acordes.”
Esse projeto é de 1988 e o vídeo da USP é de 1992. Em
1989, uma versão do projeto em poema impresso já circulava no
âmbito da poesia marginal. O poema é, em relação ao projeto,
uma pálida versão. O canal é outro, típico da verbalidade. Parece
que a adesão de Gallahade às vanguardas poéticas, deve-se muito

85
mais a essa necessidade de adaptar o canal para receber
mensagens que não lhe são próprias, ocorrendo então uma
saturação, ou melhor, uma explosão dos limites desse meio
bidimensional.
Vejamos uma versão colorida do “Poema Concreto Pau-
Brasil” publicado originalmente em “Odeon” (1989) em cópia
xerox (portanto em escala de cinza, sem as cores), observando
que o título não consta do projeto original. Isto é indicador que o
título do poema é uma etapa dessa adaptação do projeto para a
folha de papel:
“Poema Concreto Pau-Brasil
A Oswald, Macunaíma, Ronald, Blaise, Tarsila e Pagu.
“porque o mundo namorado / he lá, senhor, outro mundo / que esta além do
Brasil” Gil Vicente.
“Nem o canhão ribomba, que assinale / Que este Dia ao Brasil é consagrado.
/ Só o escritor ressoa / de turbulento povo, indiferente / Da Pátria minha à
glória.” Gonçalves de Magalhães.
“Festa na mesa do horizonte / eis a paisagem que eu fitava: / pontas de
estrela, arcos e flora / postos na terra, entre as estátuas.” Ledo Ivo.

v e r d e a m a r e
l o v e r d e a m a
r e l o v e r d e a
m a r e l o v e r d
e a m a r e l o v e
r d e a m a r e l o
v e r d e a m a r e
l o v e r d e a m a
r e l o v e r d e a
m a r e l o v e r d
e a m a r e l o v e
Catetinho, Brasília, 07/09/2000.”

86
Por ser xerocopiado, o poema não podia prever a
utilização de cores, o que encareceria demais a impressão. Daí o
poeta optou pela modificação de tipos que deveriam sobressair-se
e criou um contraste visual. As cores ficam só sugeridas pelas
palavras “verde” e “amarelo”, no entanto, o vermelho do projeto
inicial para as palavras “love” e “amar” sumiram. Bem como o
coro de anjos...
Retomando o ponto de citação de Fredric Jameson,
podemos observar a Utopia, aquela que Sorel supõe sejam os
artistas quem nesse nosso mundo a antevêem, é a mesma Utopia
que permite ao poeta Jayro Jhade Gallahade sonhar projetos
áudio-visuais e, através daquele recurso que Ernst Bloch
denomina de “Esperança”, poder realizá-los num outro nível
estético: “por trás de qualquer distorção, sob qualquer nível de
repressão, pode ser sempre detectada” (Jameson, Op. Cit).
Veremos agora um outro projeto. Um projeto de um
objeto que depois passou a ser planejado em termos de realidade
virtual. Um vitral pós-moderno que surge da contemplação de
obras, no caso, barrocas e que finda como um estranho poema.
Monólito erodido pelo tempo desse vitral. O poema, desde o seu
projeto original intitulava-se “Quadrophenia”. Observemos as
notas iniciais do autor para sua confecção:

1. “O disco Quadrophenia do The Who é muito bom,


Montanari, mas uma das coisas que mais gosto, além
daquele som que vem de Tommy, com gosto de castelo
inglês, é o título. Com ph. É muito lúdico”. (trecho de
carta jamais enviada ao amigo e crítico de música popular
Valdir Montanari).
2. “Poema Quadrophenia com ph
Artes Plásticas - objeto
Estudar Oiticica
Parangolé pode ser outro poema

87
Vitral Barroco ou Castelo Gótico Inglês?”
3. “Quadrophenia:
Móbile Vitral
-forma de cubo
-estudar Quadrados Mágicos (ver em “Formulário de Alta
Magia - P.V. Piobb”)
-Quadro de Dürer que sua quadrado mágico: A
Melancolia.
Face A: n.° - soma de coluna, linhas, diagonal da mesmo
valor.
Face B: substituir n.° por letra.
Letras na ordem dos números = forma frase
“Todo poema tem um mistério”
bolar frase que corresponde aos números
vitral barroco. Cubo em vitral colorido, relação cor,
número, letra.”
4. Segundo Manuscrito do Projeto Quadrophenia (Realidade
Virtual):
-Quadrophenia: Objeto geométrico (cubo) = 6 faces
(tensão: ordem e dificuldade... [ ilegível] - Anastacyo
Ayres de Penhafiel.
-Realidade Virtual: 9 faces.
Óculos especial para ver o “jogo”.
-2’ para o leitor tentar decifrar a frase.
Local do jogo: relação: sator arepo tenet opera rotas
Paredes. - Realidade virtual - instalação neobarroca -
movimento: ordem e linguagem enigmáticas.
Urbi et orbe
Quadrado Mágico: soma 15 (maior)
Soma 34 (menor)
Frase secreta: XXXXXXXXXXX [rabiscado no original]
(português) XXXXXXXXXXXXX (inglês)
Em inglês destacar “Christ” em freqüência ou cor -
vibratória.”

88
Este poema revela uma alta complexidade no processo de
criação. Primeiro surgiu o título “Quadrophenia”, impressão que
ficou do nome de um disco do grupo de rock inglês The Who
(“com ph” e “com gosto de castelo inglês”). Essa impressão
aparece plenamente depois numa segunda anotação que mostra a
intenção de se fazer um poema ou um objeto artístico com esse
nome. O “gosto” subjetivo e sinestésico é que se mostra vacilante:
“vitral barroco ou castelo gótico inglês?” Após o estudo de Hélio
Oiticica, suponho, surgiu o projeto de se fazer um “móbile em
vitral” chamado “Quadrophenia”: um cubo, onde em cada face a
figura de um quadrado mágico (figura matemática em que cada
coluna ou cada linha e as diagonais apresentam sempre o mesmo
resultado de soma).
Posteriormente, um segundo projeto, devido ao aumento
de faces do cubo: De 6 para 9 lados. Geometricamente
inconcebível, mas a ilusão da realidade virtual pode criar um cubo
com 9 faces diferentes. Cada face, vista de frente, apresenta uma
seqüência de números e letras. A decifração revelará uma frase
secreta em inglês ou português. Tal projeto virtual é visível com
óculos especiais e aparelho de realidade virtual apropriado. Assim
que surge, o objeto vai mostrando em tempos regulares as suas
faces. Esse incrível objeto seria o primeiro poema em realidade
virtual, segundo o autor. A sua inexecutabilidade é por motivos
de ordem econômica, pois tecnicamente é perfeitamente possível,
como afirmou o autor após consultar especialistas em “realidade
virtual”. O poema custaria algo em torno de U$ 10,000 entre
software, hardware e instalações. O poeta publicou em 1991 o
poema “Quadrophenia” num “voluminho” xerocopiado de 40
páginas intitulado Metamorphoses n’Ovídio. O poema
“Quadrophenia” na sua versão impressa xerocopiada é como se
mostra a seguir:

89
C A O S 1 15 14 4
12 6 7 9 1 O R B E
8 10 11 5 8 10 11 5
13 3 2 16 13 3 2 16
A O A I
Á N D S
3 7
E Ó H O
C U Q S
1 15 14 4 1 15 14 4
12 6 7 9 9 12 6 7 9
T U D O 8 10 11 5
13 3 2 16 N A D A

Olhando-o atentamente é até possível imaginar a riqueza


do espetáculo proposto. No entanto, ele, assim, é apenas o
monólito erodido de um monumento ainda virtual. Como quem
olha as ruínas de Tróia e imagina os tempos lendários narrados
por Homero. Por isso é que em muitos poemas de Gallahade
existe como que uma violação do código, do meio. Mas, ao
contrário dos poetas concretos e visuais, não parte essa violação
de uma análise do código pretendido, mas da dificuldade do
código em receber uma mensagem que não preparada ou pensada
originalmente para ele.

4. Semiótica de uma Poética

A poética de J.J. Gallahade apresenta uma curiosa relação


ao nível dos interpretantes. Charles Sanders Peirce assim define o
Interpretante:

“Um signo, ou representâmen, é aquilo que, sob


certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.

90
Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um
signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.
Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro
signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto.
Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas
com referência as um tipo de idéia que eu, por vezes,
denominei fundamento do representâmen. ‘Idéia’ deve aqui
ser entendida num certo sentido platônico, muito em
comum no falar cotidiano; refiro-me àquele sentido em que
dizemos que um homem relembra o que estava pensando
anteriormente, relembra a mesma idéia, e em que, quando
um homem continua a pensar alguma coisa, digamos por
um décimo de segundo, na medida em que o pensamento
continua conforme consigo mesmo durante esse tempo,
isto é, a ter um conteúdo similar, é a mesma idéia e não, em
cada instante desse intervalo, uma nova idéia.” (PEIRCE:
1977, p. 46)

A poética de Gallahade tem necessidade dessa adaptação


ao código, cria, por assim dizer, duas séries de interpretantes, a
saber:
1. Série de Signos Interpretantes A: criada na mente do
autor / escritor a partir do projeto ou por meio do projeto
original.
2. Série de Signos Interpretantes B: criada na mente dos
leitores (inclua-se aí também o próprio autor) a partir da leitura
dos poemas surgidos da adaptação ao código impresso.
Relembrando a definição de signo baseando-nos no
esquema de Lúcia Santaella em O que é Semiótica:

91
Nesta situação, os projetos são, em relação a seus objetos
(a obra), objetos imediatos. Isto é, quando poeta Jayro Luna
modifica os projetos originais de característica multimídia plástica
para que sejam vistos como poemas impressos ele está
transformando a obra (virtual) em objeto imediato. De outra
forma, os planos, ou parte deles, têm, em relação com o objeto (a
obra virtual), uma relação semelhante ao do diagrama para com
seu objeto, são, pois, hipoícones de segundo nível. O diagrama
não é o objeto (conjunto de dados), mas a visualização deles,
desse modo, o poema impresso não é a obra pensada e planejada
originalmente, mas a possibilidade visual que se oferece para
fruição.

92
Nas duas séries interpretantes pode ocorrer uma relação
de proximidade par-a-par. Se assim for, podemos dizer, que a
“tradução” ou adaptação da obra para o nível bidimensional da
folha de papel foi bem realizada. Quanto menor for o nível dessa
relação par-a-par, mais precária será a situação da obra e ela
tenderá a ser um “monólito erodido”. Um “Stonehenge”
indecifrável no seu modo de uso na origem. Podemos dizer que a
obra será satisfatória para o poeta, na medida que, enquanto leitor
ou para um leitor real, parecer-se com a intenção do projeto.
Conforme explica Lúcia Santaella:

“Ora, aquelas formas, de fato, não representam essas


imagens. Podem, quando muito sugeri-las. É por isso que o
interpretante que o ícone está apto a produzir é, também
ele, uma mera possibilidade (qualidade de impressão) ou,
no máximo, no nível do raciocínio, um rema, isto é, uma
conjectura ou hipótese. Daí que, diante de ícones,

93
costumamos dizer: ‘Parece uma escada...’, ‘Não. Parece
uma cachoeira...’, ‘Parece uma montanha...’ e assim por
diante, sempre no nível do parecer. Aquilo que só aparece,
parece.” (SANTAELLA: 1983, p. 87)

Neste aspecto, a poética de Gallahade remete a um


constante “parecer-se”. Parece uma história em quadrinhos,
parece um filme, parece um móbile, parece uma música, uma
bandeira, etc. É a poética do Rema. Aliás, como parafraseou /
parodiou Gallahade ao ler minhas conclusões: “Mundo, mundo,
vasto mundo. Se eu me parecesse com Raimundo Lullio 53 ; seria
um Rema, não seria uma solução!”

*Carlos Alfredo Fernandes Verdasca, foi aluno de mestrado no


programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, onde
apresentou essa monografia para a disciplina “Códigos
Intersemióticos: Linguagem e Criação - Módulo 2” ministrado
pela prof.ª dr.ª Cecília Almeida Salles. Carlos Verdaska é roteirista
de HQ em várias tiras de quadrinhos desenhados por Vicente
Mendonça.

53
Raimundo Lullio: matemático da Idade Média. Inventor de uma curiosa
máquina de cálculo, considerado um dos engenhos ancestrais do
computador.

94
ANEXOS
(Reproduções xerográficas de manuscritos citados no trabalho):
a) [Considerações acerca de Roberto Piva]:

95
b) [Fernando Pessoa e o Outrar-se]:

96
c) [ Considerações acerca da natureza da épica]:

97
d) [Manuscrito - rascunho do soneto “Farenheit 451”]:

98
e) [Projeto Multimídia “Verdeamareloverde”]:

99
f) [Papel avulso com descrição do projeto para “Quadrophenia”];

100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARBOSA, João Alexandre. A Metáfora Crítica. São Paulo,


Perspectiva, 1974, p. 104
________. As Ilusões das Modernidade. São Paulo, Perspectiva, 1986,
p. 15
BRANDÃO, Roberto de Oliveira. A Tradição Sempre Nova. São
Paulo, Ática, 1976, p. 79 (citação do “Tratado do Sublime”).
GALLAHADE, Jairo Jade. A Peleja de Flash Gordon & Os
Acadêmicos do Planeta Mongo. São Paulo, edição do autor, 1990.
JAMESON, Fredric. Marxismo e Forma. São Paulo, Hucitec, 1985.
p. 97.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1977.,
p. 46.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica Genética: Uma Introdução. São
Paulo, EDUC, 1992, p. 85 e 102.
SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo, Brasiliense,
1983, p. 80 e 87.
WILLEMART, Phillipe. “O Nascimento do texto e o Conceito
de Criação”. In: Manuscrítica, Assoc. de Pesq. Do Manuscrito
Literário, n.° 2, 1991, p. 91.

101
Traduzir o “Tom”? 54
Prof.ªa Dr.ª Yun Jung Im
Do Depto. De Letras Orientais da USP

(...)Tudo isso já foi feito, já há muito tempo, por vários


pensadores, por outras vias. Entre eles vale lembrar Hugh
Kenner, e a importância que ele deu em traduzir o “tom”. É claro
que o “tom” é algo tão nebuloso que pode nos levar de volta ao
impressionismo. Mas quem negará que ele existe? Quem negará
que existe “o ‘espírito’, o ‘clima’ particular” ao qual Pound,
mesmo em suas mistranslations de peças Nô, teria conseguido ser
fiel? (apud H. de Campos, 1975: 26). Podemos falar por meio de
analogia, citando Leroi-Gourhan:

“A antropologia radical possui todas as características


externas de uma ciência exacta; mas se é verdade que o
antropólogo experiente reconhece em um segundo a
origem geográfica de um dado crânio, o facto é que passa
depois várias semanas tentando fornecer uma
demonstração quantificada que, aliás, contém a maior parte
dos aspectos em que fundamentou inconscientemente a sua
identificação espontânea” (LEROI-GOURHAN: 1985, vol.
2., p. 80)

O “tom”, apesar de conter em si uma questão de forma -


predileções lexicais, sintáticas, ritmo, pausas, figuras, etc. -, não se
deixa ser descrito por meio de estatísticas dos elementos formais.
Ocorre algo parecido com o antropólogo citado quando
reconhecemos e nos identificamos com um ou outro autor. A
citação é-nos duplamente útil: aplicada ao indivíduo poético, e
54
O presente texto é um subcapítulo da tese de doutoramento da autora
apresentada ao programa de pós-graduação de Comunicação e Semiótica da
PUC-SP em 1995: IM, Yun Jung. Por Uma Tradução Cultural da Poesia:
Um Olhar sobre o Extremo Oriente. São Paulo, PUC-SP, tese de
doutoramento, 1995. p. 43-47.

102
também à tradução poética de uma coletividade. E Leroi-
Gourhan é ainda mais preciso no seu raciocínio quando afirma
que “o estilo étnico poderia, pois, definir-se como a forma
específica de uma dada colectividade assumir e definir as formas,
os valores e os ritmos” (1985, vol 2, p. 82).
Dizer que o “tom” contém em si uma questão da forma é
frisar que não existe a forma (função poética) de um lado e o
espírito poético (tom) do outro. Eles formam em poesia uma
correlação plasmada, sem a consciência da qual toma a cena a
operação grosseiramente sinedóquica da paronomásia. Traduções
que, a muito custo, conseguem reconstruir a estrutura formal, em
particular, a rímica e a métrica, produzem, muitas vezes,
resultados talvez tecnicamente perfeitos, porém, poeticamente
fracassados. Há nelas um strain (“forçação de barra”, seria a
tradução mais adequada para essa palavra inglesa) quase sempre
inevitável.

Os Homens Ocos The Hollow Men


(...)
Entre a idéia (...)
E a realidade Between the Idea
Entre o movimento And the reality
E a ação Between the motion
Tomba a Sombra And the act
Porque Teu é o Reino Falls the Shadow
Entre a concepção For Thine is the Kingdom
E a criação Between the conception
Entre a emoção And the creation
E a reação Between the emotion
Tomba a Sombra And the response
A vida é muito longa Falls the Shadow
Entre o desejo Life is very long
E o espasmo Between the desire
Entre a potência And the spasm
E a existência Between the potency
Entre a essência And the existence
E a descendência Between the essence

103
Tomba a Sombra And the descent
Porque Teu é o Reino Falls the Shadow
(...) (grifo meu) For Thine is the Kingdom
(…)

T.S. Eliot, trad. Por Ivan Junqueira (1981: 120-121).

A solução de “Falls the Shadow” por “Tomba a Sombra”


evidencia a opção do tradutor. Uma das nossas premissas de que
existe, pelo menos a posteriori, uma espécie de simbolismo
fonético, deve ser relembrada aqui para observar que “Falls the
Shadow” é uma construção sibilante, com fricativas surdas /f/ e
/s/, além do /th/. A imagem é de um cortinado escuro que vem
sombreando de forma suave. Mas o resultado é um bloco de
escuridão despencando bombasticamente. Idelma Ribeiro de
Faria faz a opção semântica e traduz por “Cai a Sombra” (1991:
52-5), que obedece à naturalidade e simplicidade da construção de
Eliot, sem contar que consegue um bom efeito rítmico, através
do ditongo “cAI”, que alonga a sílaba, e o encontro nasal
“sOMbra”, que também alonga a sílaba, bastante condizente com
o motivo rítmico de “Falls the Shadow”. Mas se se quisesse
observar, de qualquer maneira, a aliteração sibilante, poder-se-ia
tentar talvez “Desce a Sombra” ou “A Sombra sobrevém”, mas,
certamente, não “Tomba a Sombra”.
Para ilustrar a importância do “tom”, analisaremos um
poema de William Blake traduzido por Regina de Barros
Carvalho (1984: 110-111):

104
Spring (terceira estrofe)

Little Lamb
Here I am,
Come and lick
My white neck.
Let me pull
Your soft Wool.
Let me kiss
Your soft face.
Merrily Merrily we welcome in the Year

Primavera (terceira estrofe)

Lambidinha
Quem não quer!
Lambe carneiro
O que quiser.
Eu abraço
Seu pescoço
Eu arranco
Seu pelo branco
Contentes
Contentes saudamos o ano.

No exemplo acima, vemos uma paisagem bucólica do


Songs of Innocence transformado numa cena de sado-masoquismo,
que só seria interessante se a proposta fosse declaradamente uma
paródia, como é a excelente paródia de Jairo Jade Gallahade 55 :

55
Publicado em Mimeógrafo Generation, n.° 26, folhetim alternativo de
poesia, produzido e distribuído por Jairo Jade Gallahade, Karl Verdi e
Vincent Mendonça.

105
Da tradução à Paródia (Metassemiose)

Eugen Gomringer Philadelpho J.J. Gallahade


(Poeta Concreto) Menezes (Metamoderno)
(Poeta Visual)
ireland sERtÃo
green and irlanda caatinga
sheep pasto e e cabra
ovelha
sheep and cabra
cow ovelha e e gado
gado
cow and gado e
green gado e caatinga
pasto
green and caatinga e
cow pasto e gado
gado
cow and gado e
sheep gado e cabra
ovelha
sheep and cabra e
green ovelha e caatinga
pasto
have been a obra
seen olhar gasto é ginga.

Lista de Proibições

Seria oportuno mencionar certas fixações a que muitos


tradutores se apegam: uma delas é a fidelidade sonora ipsis litteris
- construção sibilante por uma sibilante, por exemplo - a título de
“recuperação” da sonoridade original. É evidente que cada língua
cria uma espécie de simbolismo fonético com sons distintos, à
sua maneira. Desta forma a rima green / sheep / been / seen
corresponde a pasto / gado / gasto, e à caatinga / cabra / ginga.

106
Recuperar uma sonoridade semelhante ao do original, manter o
mesmo número de sílabas constituem preciosismos irrelevantes, e
traduzem uma atitude de veneração ao original, que opta por uma
“redistribuição lúdica na direção regressiva das marcas
logocêntricas, ainda que em expansão produtiva, da origem do
original.” (A. Pinheiro: 1994, p. 51). Na mesma vertente está a
tentativa de traduzir textos antigos de forma “a dar a impressão
de antiguidade”, ambição essa que uma simples leitura de “Pierre
Monard: o autor de Quixote” de Borges curaria de pronto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLAKE, William, Escritos de William Blake, tradução de Alberto


Marsicano e Regina de Barros Carvalho, L&PM Editores, Porto Alegre,
1984.
CAMPOS, Haroldo de (org). Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem. São
Paulo, Cultrix/Edusp, 1977.
_________. A Operação do Texto. São Paulo, Perspectiva, 1975.
ELIOT, T.S. Poesia. Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1981.
LEROI-GOURHAN, André. O gesto e a palavra. Lisboa, Edicões 70 ,
1985. 2v.

107
Acerca do Ritmo na Poesia Visual 56
Prof.ª Dr. Cristina de F.L. Marques - UNIP

1. Jairo Jade Gallahade. Acid-Rain


(Saciedade dos Poetas Vivos. - Poesia Visual, Volume V. Rio de
Janeiro, Blocos, 1993, p. 50)

O poema visualmente se compõe de elementos simples,


imitando a queda da chuva, quase como um “caligrama” de

56
O presente texto é um excerto da dissertação de mestrado, apresentada no
programa de pós-graduação de Comunicação e Semiótica, PUC-SP, 1996,
sob orientação do Prof. Dr. Philadelpho Menezes. MARQUES, Cristina. O
Ritmo na Poesia Visual. São Paulo, PUC-SP, dissertação de mestrado,
1996. p. 168-175 e 187-188.

108
Apollinaire, dois sinais da máquina de escrever: um de
porcentagem e um sinal de pontuação - exclamação. Sinais que se
sucedem alternadamente e continuamente para compor essa
chuva. É da relação semântica dos dois sinais que o autor compõe
parte importante de sua mensagem: a porcentagem relacionando-
se ao lucro, ao mundo financeiro e a exclamação decorrente do
estado de estupefação com que nos defrontamos ao saber e/ou
presenciar da causa e dos efeitos da chuva ácida, sabendo que a
solução desse problema ecológico é, muitas vezes, dificultada
pelo financeiro, em razão dos prejuízos que sanções contra os
causadores - indústria poluidora, automóveis - causariam.
Evidentemente se é de relação semântica dos sinais que o autor
extrai ou tenciona colocar aí sua mensagem, há como que um
desvio do propósito da visualidade. O autor utiliza assim
elementos visuais, não para comunicar através de sua forma, mas
sim para comunicar através do que semântica e culturalmente
essas formas representam dentro de um código. É como um
projeto de visualidade invertido.
Philadelpho Menezes, a respeito dos “Caligramas” de
Apollinaire assim se coloca:

“Os Caligramas de Apollinaire romperam essa


arbitrariedade pelo processo de representação figurativa
típica do pictograma, espécies de ideograma-imagem. O
método caligrâmico resulta de uma adequação do discurso
verbal à forma figurativa do tema, em geral apresentando
uma estrutura sintática intocada, tradicional.”
(MENEZES, Philadelpho. Poética e Visualidade, p. 36)

O que é de salientar pe que justamente o diferenciar-se


dessa “estrutura sintática intocada, tradicional” que podemos
dizer que o poema de J.J. Gallahade não chega a ser um caligrama

109
da chuva, embora assemelha-se ao que seria um caligrama da
chuva 57 , como no seguinte poema de Augusto de Campos:

p
p l
p l u
p l u v
p l u v i
p l u v i a
p l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l
f l u v i a l

57
Vejamos, por exemplo, o poema concreto japonês de Seiichi Niikuni,
1966, onde o ideograma da chuva é dinamizado para mostrar os pingos da
chuva com sinais já existentes no próprio ideograma. Eis aqui um
ideograma caligramático:

110
Em J. J. Gallahade os sinais representam sons. Qual o
som do sinal %? Sabemos somente que ele significa
“porcentagem”, mas a palavra porcentagem não é o som de %,
apenas seu referente no mundo das palavras com som. Do
mesmo modo, qual o som de “!”? Um “Oh!” ou um “Ah!” são
transposições verbais de um estado de surpresa, mas não
propriamente o som do sinal de exclamação. Assim a sintaxe que
se compõe de “!” e “%” é uma sintaxe muda, puramente feita de
grafemas, sem referente sonoro 58 . De modo que quem não
conheça o significado semântico desses sinais não poderá ler a
relação causa-efeito da chuva-ácida, mas poderá relacionar a
forma com a chuva. Vejamos a figura da estátua de “Vênus de
Milo”: os seus braços partidos, sua imagem corroída sob a chuva
ácida parecerá ao leitor ignorante do conteúdo semântico de “!” e
“%”, do poder da chuva-ácida (seus efeitos, mas não sua causa).
Por fim, em relação a esse poema, perguntamo-nos sobre que
efeito tem sobre nós a figura de “Vênus” sob a chuva-ácida?
Ocorre uma disfunção de um dado histórico e cultural: Sabemos
que a causa dos braços amputados da estátua não é a chuva-ácida,
há o inverso em relação aos sinais gráficos: O conteúdo
semântico da visão da “Vênus de Milo” não nos informa muita
coisa sobre a chuva-ácida, mas é o estranhamento de vê-la sob a
chuva-ácida que nos informa, podemos inferir que a “chuva-
ácida” pode ser uma metáfora, metáfora de toda a história da
civilização, da cultura, ou da arte a corroer um princípio edênico
simbolizado pela “Vênus de Milo”.

58
“A língua é, ela mesma, uma metáfora (que já ‘está’ no lugar de outra
coisa) e autoriza, no seu âmbito, a metaforização dos objetos representados,
transformando-se quase em outra natureza: diz-se ‘estou aborrecido’ ou
‘sou feliz como um sapo nas tomateiras’ ou ‘ugh’, ou mesmo não se diz
nada.” (PADIN, Clemente. “A Arte Latino-americana de Nosso Tempo”
em: Catálogo da I Mostra Internacional de Poesia Visual, p. 45)

111
Visualmente o poema será Polimorfo 59 , pela utilização de
mais um elemento visual (imagem da estátua, sinais gráficos) e
será Regular 60 , pela precisa colocação de cada elemento no espaço,
orientado de modo geométrico e eqüidistantes entre si.

2.Jairo Jade Gallahade. To Bob Kane


(Saciedade dos Poetas Vivos, vol V, Poesia Visual. Rio de Janeiro,
Blocos, p. 46)

59
Polimorfo é um conceito desenvolvido pela autora em sua dissertação de
mestrado para se referir a um tipo de ritmo da poesia visual, ritmo esse
caracterizado pela variedade de formas significantes e relações de
significado, em contrapartida, existiria o ritmo Monomorfo, que ao
contrário, seria caracterizado pela homogeneidade de formas. Ver mais em
MARQUES, Cristina. O Ritmo na Poesia Visual. São Paulo, PUC-SP,
dissertação de mestrado, 1996.
60
Ritmo Polimorfo Regular, tipo de ritmo, segundo Cristina Marques,
definido pela exploração geométrica e de ocorrência regular dos elementos
visuais utilizados.

112
O poema parece, à primeira vista, um simples exercício
de grafismo. Letras de diversos tipos colocadas em quadrinhos de
comics sugerindo onomatopéias e exclamações. Somente uma
pálida imagem do morcego “Batman” surge num dos quadrinhos
inferiores, sob um conjunto de letras.
Podemos ler verbalmente na primeira coluna de
quadrinhos mais o quadrinho maior ao alto, no centro: “The
Citizen Kane”. Na coluna do lado direito podemos ler: “Orson
Welles”. Na linha do meio iniciada pelo “K, the proces (s)”. E na
última linha: “Anedotic”. Além dessas expressões e nomes, as
palavras são partidas pelos quadrinhos em diferentes tipos, a
compor outras palavras: “Or / Son”, “Well”, “Zen”, “Citi (Y)”,
“Ane”, “Dot”, “Cic”.
Não entraremos na análise das relações conteudístico-
semânticas dessas palavras, uma vez que delongaríamos alguns
parágrafos de modo a poder relacionar Orson Welles com Kafka,
por exemplo. Salientamos ainda que o poema se intitula através
de uma dedicatória: “To Bob Kane”. Bob Kane, o criador do
personagem Batman. É a ele que é oferecido o poema. Daí o
processo onomatopaico e a divisão espacial a imitar os comics.
Analisando as onomatopéias nos quadrinhos Antonio Luiz
Cagnin assim se coloca:

“Apresenta igualmente o duplo aspecto: analógico e


lingüístico. Enquanto analógico, com motivação fácil
(tamanho dos grafemas, volume, tridimensionalidade,
formas as mais variadas), participa da montagem da cena.
Enquanto lingüístico, normalmente só aproveita a
qualidade sonora do grafema representado, por isto, varia
de língua para língua.”
(CAGNIN, Antonio Luiz. Os Quadrinhos, p. 135)

Portanto, para Bob Kane, J.J. Gallahade compôs um


poema visual feito de onomatopéias que por sua vez são citações
de um paradigma literário-cinematográfico (Orson Welles, Kafka).

113
Álvaro de Sá tem uma série de poemas que são formados por
essa seqüência de quadrinhos típica dos comics, e que
reproduzimos a seguir um exemplo, as letras e as figuras
geométricas compõem uma noção de ruído, porém, não
propriamente onomatopaico, mas paródico do código verbal:

O ritmo do poema de J.J. Gallahade é Polimorfo, afinal


temos letras e formas diversas (quadrados, retângulos, a sombra
do morcego, a “explosão” do “Process”). E será Dismorfizante
pois as letras tensionam a ordem geométrica dos quadrinhos
como a querer rompê-la, como se fosse um ruído sobre a ordem
de leitura que os quadrinhos compõem. Nesse sentido pode-se
tentar várias rotas de leitura entre os quadrinhos, enquanto numa
historinha de comics, há, regra geral, uma via única, ou pelo
menos, principal, a seguir.

3. Jairo Jade Gallahade. Incêndio na Biblioteca.


(Flash Gordon Contra os Acadêmicos do Planeta Mongo. Folheto
de 12 páginas, edição do autor, 1993, p. 11)

114
Esse poema de Jairo Gallahade será polimorfo pela
utilização de mais de uma figura (grafemas, figuras, linhas e
formas geométricas) de forma que também são colocados
segundo um princípio de caos, de acaso, como sugere o título.
Assim só pode ser POLIMORFO IRREGULAR.
O poema em questão é, na verdade, um episódio / cena
de uma história (“Flash Gordon Contra os Acadêmicos do
Planeta Mongo”), em que o poeta, utilizando-se da figura do
personagem dos quadrinhos, compõe um enredo em que o
referido herói enfrenta no planeta Mongo vilões que buscam a
destruição dos livros daquele planeta, notadamente os da

115
biblioteca pública central. No caso a cena do “Incêndio na
Biblioteca” é aquela em que os vilões praticamente alcançam seu
objetivo. As obras colocadas pelo poeta neste “incêndio” são
curiosas e raras, p.ex.: O livro perdido de Aristóteles sobre o riso.
As figuras, como a do mapa da biblioteca de O Nome da Rosa, de
Umberto Eco, ou a figura de uma imprensa gutemberguiana
misturam-se num redemoinho. A sugestão de caos é o que faz
esse poema ser irregular em termos de ritmo visual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAMPOS, Augusto de. Viva Vaia: Poesia 1949-1979. São Paulo,
Duas Cidades, 1979.
CAMPOS, Haroldo de (org.). Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem.
São Paulo, Edusp, 1997.
MENEZES, Philadelpho. Poética e Visualidade: Uma trajetória da
poesia brasileira contemporânea. São Paulo, Unicamp, 1991.
MÍCCOLIS, Leila e FAUSTINO, Urhacy (orgs.) Saciedade dos
Poetas Vivos - volume V: Poesia Visual. Rio de Janeiro, Blocos, 1993.

116
ACERCA DE ALGUNS EXPERIMENTOS FORMAIS EM
FLORILÉGIO DE ALFARRÁBIO DE JAYRO LUNA
Por: Prof.ª Dr.ª Cristina F. L. Marques

O livro de poesias Florilégio de Alfarrábio (São Paulo,


Epsilon Volantis, 2002) de Jayro Luna não é um só livro, mas um
conjunto de livros diversos que o autor - em sua maioria - deixava
permanecer inédito. Como diz o quase-heterônimo e prefaciador
Machado Penumbra F.° “é uma antologia de poemas inéditos,
escritos a partir de 1987, e que permaneceram em grande parte
inéditos devido ao desinteresse das editoras”. O mesmo
Machado Penumbra F.° escreve na segunda orelha do livro: “Os
textos aqui colocados originalmente pertenciam aos mais
variados projetos e intenções.” A diversidade de “projetos e
intenções” é uma das características de Florilégio de Alfarrábio. Não
é a primeira vez, porém, que Jayro Luna compõe uma obra que é
uma reunião de outras obras. Quando venceu o concurso “Cadê
o seu Talento?” (Projeto Nascente - USP/Abril Cultural, 1991)
foi com um livro de poesias intitulado “Seleta de Versos de 8 livros
inéditos”. Livro que não chegou a ser publicado, ao que parece,
pelo fato de não ser um livro, mas um “seleção” de alguns
poemas de 8 livros, portanto, caracterizado por um recorte, mais
ou menos, casual ou pelo menos, ao gosto pessoal, de um
produção bem maior.
Em Florilégio de Alfarrábio encontramos livros bem
definidos como “Terra do Brasil” (p.131-160) ou “Hiléia” (p.161
- 191), além de poemas avulsos ou dispersos que não
compunham originalmente qualquer projeto de livro, em sua
maior parte agrupados entre as páginas 9 e 61 de FA. Entre os
“livros” que compõem FA não existe de imediato uma
uniformidade temática, se “Terra do Brasil” e “Hiléia” podem ser
relacionados em função do nacionalismo e da valorização poética
de aspectos da história do Brasil, o mesmo não se dá com “Fitas”
(p. 62-69) ou “Arquivo Confidencial Pasta 410: O Escaravelho de
Prata” (p. 115-129) em que uma impressão do vago simbolista

117
evanescente se dispersa entre poemas de variadas formas, desde o
soneto à prosa poética. Entre os poemas avulsos, um grande
poema - em extensão - intitulado “Ode às Putas” (p.. 102-113)
apresenta-nos um caráter novo na poesia de Jayro Luna que é a
poesia erótica. Com desenvoltura e ousadia o autor distribui pelos
versos de “Ode às Putas” um conjunto de imagens provocantes e
polêmicas acerca do tema, recuperando, inclusive, referências em
Bocage e Gregório de Matos.
Ao lado de tudo isso, desenvolve-se entre as páginas de
versos alguns poemas que se caracterizam pelo experimento
formal de vanguarda com fundamentos no Concretismo e no
pós-concretismo (poema processo, neoconcretismo, poesia-
práxis).
É sobre esses poemas de Florilégio de Alfarrábio que
pretendo tecer alguns comentários.
Começo por comentar um conjunto específico de poemas
que surge quase ao final do volume, “Videogramas reciclados
com legenda”. O termo “Videograma” é já um achado. A SPA
(Sociedade Portuguesa de Autores) define “Videograma” como
“Videograma é o registo resultante da fixação, em suporte
material, de imagens, acompanhadas ou não de sons, bem como a
cópia de obras cinematográficas ou audiovisuais.”
Em Jayro Luna, “Videograma” se refere a um conjunto de
8 poemas, todos iniciados por reproduções de ideogramas
japoneses. O texto que segue os ideogramas, em versos livres ou
até em prosa poética, tem como ideograma o sentido de um
comentário poético acerca da sugestão imagética que os
caracteres orientais causam no poeta. Assim, por exemplo, no
primeiro poema do conjunto, “O Sol e o Horizonte”, após uma
conhecida seqüência de ideogramas que compõem a frase “O Sol
nasce a leste” lemos os versos: “O Sol aparece pela janelinha de
um pagode. / Por isso o sol é quadradinho e cortado ao meio...”
Se nesse primeiro “Videograma” existe uma correlação
semântica entre o significado do Ideograma e os versos do poema,
em outros, apenas o aspecto da imaginação explorando a

118
visualidade do ideograma é que dá origem aos versos. No poema
“5. João Batista e Salomé”, a relação entre o ideograma e o mito
bíblico é produzida por esse aspecto exploratório das
possibilidades imaginativas que o desenho ideogramático oferece.
Se Ernest Fenollosa, Ezra Pound, Eisenstein e Haroldo
de Campos viram no ideograma oriental capacidades poéticas
exatamente pelo aspecto icônico e estético que encerra essa
escrita, Jayro Luna recupera o ideograma num sentido que faz
dos versos desses poemas, espécie de tradução de uma percepção
ao nível da primeiridade, descolando dos caracteres sua camada
tênue de significação para recriá-los como pictogramas originais.
Assim, o primeiro poema que se segue aos 8
“Videogramas” é um intitulado “Auto-retrato verbivocovisual”.
Poema em que um arranjo espacial de letras de diferentes tipos e
tamanhos justapostos forma a caricatura de um rosto, as letras
não me parecem casuais, uma vez que consigo ler a palavra
“poeta” com algumas delas.
Antecedendo os “Videogramas” temos mais dois poemas
visuais: “Pendão da Esperança” e “Xico Xavier
Photopsicografado”.
O primeiro é formado pela bandeira do Brasil, em tudo
idêntica à verdadeira, exceto pela inscrição na faixa central na
abóbada, no lugar do lema positivista “ordem e progresso”, o
poeta coloca o lema poundiano “obra em progresso”. A
substituição tem vários significados, entre eles, o de que o Brasil é
um país ainda em construção, de uma nacionalidade em
desenvolvimento, não apenas econômico ou político, mas
também cultural. Existe uma versão anterior desse poema, numa
plaquette de 1993, “Rolling Poetry”, o poema aparece sem título e
frase é no original poundiano, em inglês, “work in progress”.
O outro, “Xico Xavier Photopsicografado” já possui uma
provocação na ortografia do título e na epígrafe (onde se lê:
“ ‘Engana-se, replicou o animal, nós vamos a origem dos séculos’.
Maxado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas”). Sugere assim
uma ortografia fonética, ao modo - e parece-me referenciado - de

119
Franklin Maxado (poeta repentista que propõe uma ortografia
fonética para o português). O termo “photopsicografado” sugere
um processo de obtenção de imagem fotográfica pela psicografia
e o poema visual se constitui de uma foto de rosto de Chico
Xavier sobre uma foto de miniatura de um Hipopótamo. Assim,
faz o autor uma provocação sobre o processo misterioso pelo
qual Brás Cubas - de Machado - se comunica com o leitor, mas
essa provocação é em mão dupla, no sentido irônico - pois
também infere sobre a natureza do processo psicográfico dos
espíritas.
Pouco após o conjunto de “Videogramas” seguem-se
também dois poemas de característica visual: “Quadrophenia” e
“Energia Cósmica”. Ambos são poemas já publicados em
plaquettes no início da década de 90.
“Quadrophenia” é um poema matemático construído
sobre a estrutura dos quadrados mágicos (artifício matemático
usado por cabalistas e alquimistas medievais, em que a soma das
colunas ou das linhas ou das diagonais dá sempre o mesmo
resultado). Existe um quadrado mágico maior na base de 3x3
(denominado de “Selo de Saturno”, cuja soma de cada linha,
coluna ou diagonal dá 15, e tem os números de 1 a 9), das 9
células para colocação dos números de 1 a 9, notamos que 5 delas
foram substituídas por quadrados mágicos menores de base 4x4
(“Selo de Júpiter”, soma: 34, números de 1 a 16). Estes quadrados
mágicos de Júpiter também têm números substituídos por letras.
Por um processo de correlação entre número e letra é possível
reconstituir um verso enigmático que se acha inscrito
esotericamente no quadrado mágico central. Não creio que o
poeta se proponha como um mago alquimista, mas sim que faz
uso do estratagema lúdico para motivar o leitor a um trabalho de
leitura e descoberta.
Em “Energia Cósmica”, as palavras são dispostas a
compor um “caligrama” - ao modo de Apollinaire - na forma de
uma pirâmide. A energia dessa “pirâmide”-poema não me parece

120
que venha do espaço sideral ou esotérico, mas do processo
estético de leitura do poema.
Na página 100 de Florilégio de Alfarrábio nos deparamos
com um poema visual: Ode ao Mecenas (Salve o Patrocinador
Artístico). Tomando por base um processo paródico em que se
apropria de uma reprodução fotográfica do quadro “Nascimento
de Vênus” de Sandro Botticelli, o poeta vai inserindo em vários
lugares e objetos da tela ícones e logomarcas de conhecidas
empresas. Assim, a concha marinha que da qual Vênus parece
surgir tem o patrocínio da Shell (empresa multinacional do ramo
petrolífero), o ventre da musa tem a logomarca da Rede Globo de
Televisão, e assim por diante, logomarcas de empresas como a
Ford (automóveis), Kodak (fotografia), Coca-cola (bebidas) e
outras “patrocinam” a tela de Botticelli. Evidente crítica ao
processo de subvenção e filiação econômica de projetos artísticos,
em que muitas vezes, o artista se vê obrigado a recorrer tendo em
vista a falta de recursos e de meios, tendo, por vezes, que aviltar
aspectos criativos de sua obra em favor das características e
exigências do processo de patrocínio.
No quadro de Botticelli, Jayro Luna coloca
“patrocinando” a ação dos Ventos D’oeste (que representariam as
paixões terrenas) as marcas Kodak, Ray-ban, Windows e Uol,
portanto marcas ligadas a produtos relativos à visão (fotografia,
óculos escuros, Windows e provedor de Internet), já
“patrocinando” a Hora (deusa das estações) que oferece um
manto de flores à deusa citeréia, temos as marcas: Benetton,
Cacharel, Mcdonald’s e Coca-cola (marca de grife, perfume,
refrigerante e fast food) como representativos da efemeridade. O
mar ao fundo tem o “patrocínio” da cerveja Antarctica (bebidas,
portanto, líqüido), e a margem em que está Hora tem a marca
Ford (automóveis, transporte terrestre). Como já dissemos, o
ventre da deusa tem o “patrocínio” da Rede Globo, numa
evidente ironia ao processo de transformação de notícia que
coisifica e mitifica pessoas em estrelas de telenovelas.

121
Um conjunto de três poemas visuais relacionados à idéia
do “auto-retrato” se dispersa pelo livro. O primeiro é “Auto-
retrato composto” (p. 55), formado pela justaposição geométrica
de 6 fotografias do autor tiradas em viagens. Uma foto banhando
os pés na praia, ligeiramente distorcida no sentido vertical se
sobrepõe a uma foto em que se vê o poeta ao longe, próximo, ao
que parece a um encosta coberta de matagal, embaixo, uma
pequena foto, mais escura, com o poeta de perfil vendo/lendo a
tela de um computador, ao lado uma foto (também ligeiramente
distorcida na vertical) com o poeta tomando um banho numa
cachoeira e, acima, duas fotos de tamanhos diferentes, uma maior
em que o poeta aparece pondo as mãos à cabeça como quem se
surpreendesse ou se preocupasse com alguma coisa
repentinamente, a outra, menor, uma foto do poeta sentado em
uma poltrona ou sofá olhando diretamente à frente. O poema
tem uma rubrica abaixo do título: “Muito embora, muitas vezes,
eu sinta que este Auto-Retrato é Simples”. Aqui a tensão se
instala entre a simplicidade e a complexidade. O arranjo
geométrico das fotos se sobrepondo é relativamente simples,
assim como o tema abordado nelas: viagem para o contato com a
natureza, o poeta em sua casa (trabalhando no computador ou
sentado numa poltrona) e a foto com a preocupação do poeta
acerca disso tudo, ou seja, da vida e de sua obra. A complexidade
está justamente na percepção desses temas, ao final das contas,
filosófico e existencial.
Na página 99 do livro encontramos o “Auto-retrato
simples” com a rubrica “Porém, muitas vezes, eu sinto que este é
o Auto-retrato complexo!” A tensão entre simplicidade e
complexidade se instala na observação já da fotografia, uma única,
ao contrário do “Auto-retrato complexo”. O poeta de costas,
observa a imensa paisagem à sua frente, um lado e a floresta ao
fundo. De mãos cruzadas colocadas para trás, parece que o poeta
está pensativo, meditando. A simplicidade da fotografia, o tema
da natureza, a meditação se convertem em complexidade na
medida em que buscamos observar detalhes como o fato do

122
poeta estar de costas, isto é, sua interioridade, os aspectos mais
subjetivos de seu processo criativo, só a ele pertencem, a
Natureza diante de si dá os elementos de Mimesis, de
verossimilhança e de unidade da obra como valores a serem
trabalhados clássica ou modernamente, mas não vemos o rosto
do poeta, não sabemos de fato seus aspectos mais íntimos, afinal,
como dizia o Pessoa, “o poeta é um fingidor”.
O terceiro poema é um “Auto-retrato Verbivocovisual”
(p. 197) constituído por um conjunto de letras de tipos e
tamanhos diversos sobrepostas, sugerindo a forma de um rosto.
Um “O” imenso forma o contorno do rosto, dois “rr”
minúsculos, um de cada lado, fazem as orelhas, um “a” o nariz,
um “e” deitado sugere uma boca e parte de um “a” mais abaixo o
contorno do queixo. Um “o” e um “p” sobre o “a” do nariz
fazem os olhos e também a armação dos óculos que lhe é
característico. Parece estar embaixo dos óculos um “A”
maiúsculo completando o desenho de olhos/óculos. As letras não
são casuais, com elas podemos ler de orelha à orelha: orar, operar,
ópera (obra). No sentido vertical dos olhos ao queixo podemos
ler poeta e poetar. Assim, recuperando a técnica maneirista das
alegorias de Giuseppe Arcimboldo, o poeta compõe seu rosto
como que formado por letras da poesia. Ao lado, um retângulo
como se fosse um imenso “I” maiúsculo representa um volume
de sua obra, talvez, o presente livro, visto de lombada. Não é por
acaso que na página de rosto do livro está uma pequena
reprodução do quadro “O Bibliotecário” de Arcimboldo, como
que a sugerir a relação com seu “Auto retrato verbivocovisual”. O
termo aliás, retirado da teoria da poesia concreta, demonstra a
possibilidade de se classificar esse poema como um poema
semiótico, visual, concreto.
Outros poemas visuais e experimentais se encontram no
volume, seria aqui dispendioso e além do espaço a que se destina
esse artigo comentar todos eles. Mas cada um guarda uma chave
interpretativa, em que os mais variados recursos semióticos e
visuais são utilizados na sua composição, como o misterioso

123
poema da página 95, “Index Prohibitorum” formado por um
conjunto de letras e números, para mim, ainda indecifráveis; ou
ainda, os poemas “Poema Processo num Autógrafo-I” e “II” (p.
70 e 81) feito ao que nos parece a partir da reprodução
xerográfica de dedicatórias de poetas em livros para Jayro Luna.
Temos ainda o poema “Br” (p. 56) e “Epílogo” (p. 57), este, aliás,
pelo que sei, é uma paródia de um poema visual de Jaroslav
Supek, que por sua vez, fez o seu numa tríplice justaposição
paródica de poema de Richard Konstelanetz, Radomar Masic e o
seu próprio. Jayro acrescenta ao conjunto um signo que é retirado
da logomarca de um filme de ficção (“Signs” - dirigido por M.
Night Shyamalan, com Mel Gibson e Joaquin Phoenix no elenco,
2002).
Assim, nos parece que a poesia visual e experimental
continua sendo uma tônica forte do trabalho poético de Jayro
Luna, uma poesia visual rica de elementos semióticos que discute
a própria natureza metapoética da poesia visual e sua capacidade
comunicativa ao âmbito estético e também contextual.

124
@: poema de Jayro Luna 61
Cristina F.L. Marques- UNIP

Jayro Luna, no Brasil, é um dos novos poetas visuais e


concretos que trabalha os recursos do microcomputador para
composição de seus poemas. Em seu livro Infernália Tropicalis está
escrito nos créditos: “Nas ‘ilustrações poéticas abstratas’ o autor,
por vezes, utilizou na composição ícones ou clip-arts do Microsoft
Clip Gallery 1997”. Anunciando numa espécie de manifesto, logo
no início do livro, a “poesia poli-sígnica”, que sua “poética é a
poética do websitebuilder! Ícones, imagens coladas ao lado do texto,
acima, abaixo, por detrás do texto” como se fossem janelas ou
links do poema para outros poemas.

@
Para Décio Pignatari e Linus Torvalds
“Pixel, unidade mínima de percepção visual proporcionada
pelos meios informáticos, mas por isso também a unidade da
construção infopoética.” E.M. DE MELO E CASTRO
“The culture shocked person, like the soldier and disaster victim, is
forced to graphe with unfamiliar and unpredictable events,
relationships and objects.” ALVIN TOFFLER.
“Se a Bíblia fala por personagens, objetos, eventos, se cita
flores, prodígios da natureza, pedras, se põe em jogo
sutilezas matemáticas, será necessário procurar no saber
tradicional qual é o significado daquela pedra, daquela flor,
daquele monstro, daquele número.” UMBERTO ECO.
“Sin entrar detalladamente en la técnica de la operación – cosa que
ningún autor se ha atrevido a hacer -, diremos, no obstante, que el
Espiritu universal, materializado en los minerales bajo el nombre

61
Trecho da tese de doutoramento de Cristina F.L. Marques apresentada à
FFLCH/USP em 2003, As Vanguardas Visuais e a Poesia Experimental
Portuguesa, p. 201-202. Orientadora: Prof. ª Dr.ª Elza Assumpção Miné. O
texto que ora se apresenta é acrescido de algumas ligeiras alterações e
acréscimos feitos pela autora com vistas à publicação nesse livro.

125
alquímico de Azufre, constituye el principio u el agente eficaz de
todas las tinturas metálicas.” FULCANELLI.
“O tempo e o espaço estão aqui sob o domínio da imagem. O
além e o outrora são mais fortes que o hic et nunc. O ser-lá é
sustentado por um ser do além. O espaço, o grande espaço, é
o amigo do ser. Ah! Como os filósofos aprenderiam se
acedessem a ler os poetas!” GASTON BACHELARD.
“A linguagem poética, conforme por força desta lógica
poética consideramos, flui tanto por tanto tempo pelo tempo
histórico, como os grandes e rápidos rios se esparzem dentro
do mar, conservando doces as águas para ali levadas com a
violência do curso.” GIAMBATTISTA VICO.
“Ja, ich weiss, wohler ich stamme! / Ungesättigt gleich der Flamme
/ Glühe und verzehr ich mich. / Licht wird alles, was ich fasse; /
Kohle alles, was ich lasse: / Flamme bin ich sicherlich!” FRIEDRICH
NIETZSCHE.

amor 62 com
humor 63 com br

USP, 1994.

62
“O mundo que venci deu-me um amor, / Um troféu perigoso, este cavalo /
Carregado de infantes couraçados.” (Mário Faustino, Sete Sonetos de Amor
e Morte).
63
MONTY PYTHON: O cálice sagrado / do frade ébrio / Cocos para cascos
de cavalos / “Tu-tu-tu-tu-Tu-tu!” / A piada mais engraçada do mundo / Só
Aristóteles é que sabia contar. (Palamedes, inédito avulso).

126
Vejamos, por exemplo, o poema “@” que é uma espécie
de reatualização do “amor / humor” oswaldiano para os tempos
da internet. O poema apresenta de início uma seqüência de sete
citações em epígrafes (E.M. de Melo e Castro, Alvin Toffler,
Umberto Eco, Fulcanelli, Gaston Bachelard, Giambattista Vico e
Nietzsche) que já por si contém uma rede de relações das mais
complexas em termos de discussão sobre literatura e linguagem
poética. Segue-se uma paródia ao texto oswaldiano (amor com /
humor com br), que contém duas notas de rodapé que ligam o
poema a uma citação de Mário Faustino e a um outro poema de
Jayro Luna (“Monty Python” - que se apresenta com pseudônimo:
“Palamedes”).
Retirando o ponto (coda) do endereço típico da internet
(“.com” e “.com.br” - este no caso dos endereços do Brasil) de
modo que o “com” que originalmente significa “comercial” passa
a ser agora não uma abreviatura mas uma preposição “com” e o
complemento fica sendo, no primeiro caso: “amor com humor”
que é a referência direta ao poema oswaldiano e no segundo
momento “humor com br” que passa a discutir a questão da
característica da brasilidade de Paulo Prado.
Abaixo uma ilustração feita no Word Art, recurso do
programa MS Office em que com formas geométricas se escreve
a palavra “amor”, assim o poema contextualiza a síntese poética
oswaldiana para o mundo virtual da internet e o leitor é levado a
uma postura dinâmica de exploração de várias janelas e a ligá-las
numa espécie de hipertexto poético.

127
Capa,
Revista Sem Perfil, 1985

128
Infernália Tropicalis, capa. São
Paulo, Epsilon Volantis, 1999.
Florilégio de Alfarrábio, capa. São
Paulo, Epsilon Volantis, 2002.

Recorte de jornal com o artigo


de Luiz Fernando Rufato,
“Rock an roll em grande estilo”,
Jornal de Cataguases, Dez./1986.

Autógrafo de Haroldo de
Campos, em carta resposta
a Jayro Luna.

129
Capa da plaquette Ópium,
de Jayro Jade Gallahade,
1985. 42 páginas, foram
tiradas 350 cópias
xerocopiadas.

Abaixo, carta de Uílcon


Pereira, 9/07/1990.

130
Carta de Rubervan Du Nascimento:

131
Mimeógrafo Generation 2, capa, fevereiro de 1986. Fanzine xerocopiado,
produzido todo em máquina de escrever portátil, em duas ou três
folhas de sulfite dobradas. Tiragem média de 250 exemplares. O
fanzine teve 26 números.

132

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