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03 Diretriz de Arritmias Cardiacas em Criancas PDF

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www.arquivosonline.com.br Sociedade Brasileira de Cardiologia • ISSN-0066-782X • Volume 107, Nº 1, Supl.

3, Julho 2016

DIRETRIZ DE ARRITMIAS
CARDÍACAS EM CRIANÇAS E
CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
SOBRAC E DCC – CP
DiretrizArritmias de
Cardíacas em Crianças e
Cardiopatias Congênitas
SOBRAC e DCC – CP

Autores da Diretriz:

Magalhães LP, Guimarães ICB, Melo SL, Mateo EIP, Andalaft RB, Xavier LFR, Lorga Filho AM,
Fagundes AA, Moreira DAR, Hachul DT, Sternick EB, Andrea EM, Cannavan FPS, Oliveira FJB,
Darrieux FCC, Lima GG, Atié J, Elias Neto J, Zimerman LI, Miana L, Pellanda LC, Sacilotto L, Jatene MB,
Soares MM, Binotto MA, Scanavacca MI, Oliveira Junior NA, Zielinsky P, Salerno PR, Teixeira RA,
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Volume 107, Nº 1, Suplemento 3, Julho 2016


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Sumário

1. Epidemiologia...............................................................................................................................página 1
1.1. Crianças com coração estruturalmente normal.................................................................................página 1
1.2. Crianças com cardiopatias congênitas..............................................................................................página 1

2. Sistema de condução em crianças normais e com cardiopatias e


congênitas............................................................................................................................................página 2
2.1. Morfologia do sistema de condução normal........................................................................................página 2
2.2. Nó sinusal ou sinoatrial.......................................................................................................................página 2
2.3. Condução interatrial e internodal do estímulo elétrico........................................................................página 2
2.4. Morfologia das estruturas da transição atrioventricular.......................................................................página 2
2.5. Nó atrioventricular...............................................................................................................................página 2
2.6. Feixe de His e seus ramos...................................................................................................................página 2
2.7. Condução intraventricular....................................................................................................................página 2
2.8. Suprimento arterial do nó atrioventricular, feixe e ramos....................................................................página 3
2.9. Anomalias congênitas do sistema de condução..................................................................................página 3
2.10. Morfologia das conexões acessórias atrioventriculares ....................................................................página 3
2.11. Variações anatômicas.......................................................................................................................página 4
2.12. Vias acessórias fisiologicamente distintas........................................................................................página 4
2.13. Fibras de Mahaim.............................................................................................................................página 4
2.14. Vias acessórias de condução decremental retrógada........................................................................página 4
2.15. Vias acessórias nodoventriculares – nodofasciculares......................................................................página 5
2.16. Vias acessórias fasciculoventriculares...............................................................................................página 5
2.17. Morfologia do bloqueio atrioventricular congênito.............................................................................página 5
2.18. O sistema de condução nas cardiopatias congênitas........................................................................página 5

3. Avaliação e estratificação não invasiva.............................................................................página 7


3.1. Pacientes sem cardiopatias................................................................................................................página 7
3.2. Pacientes com cardiopatia congênita..................................................................................................página 10

4. Arritmias cardíacas fetais........................................................................................................página 10


4.1. Avaliação de ritmo cardíaco fetal........................................................................................................página 10
4.2. Bradicardia fetal..................................................................................................................................página 10
4.3. Bradicardia sinusal ou ritmo atrial baixo.............................................................................................página 11
4.4. Síndrome do QT longo e outras canalopatias .....................................................................................página 11
4.5. Bigeminismo atrial bloqueado............................................................................................................página 11
4.6. Bloqueio atrioventricular total.............................................................................................................página 11
4.7. Outras doenças associadas ao bloqueio atrioventricular.....................................................................página 14
4.8. Taquicardia fetal.................................................................................................................................página 14
4.9. Taquiarritmias intermitentes ..............................................................................................................página 14
4.10. Taquicardias sustentadas..................................................................................................................página 14
4.11. Flutter atrial......................................................................................................................................página 14
4.12. Taquicardias raras.............................................................................................................................página 15
4.13. Taquicardia ventricular sustentada ...................................................................................................página 15
4.14. Ritmo irregular .................................................................................................................................página 15
4.15. Medicamentos antiarrítmicas ...........................................................................................................página 15
4.16. Algumas considerações sobre o tratamento clínico fetal...................................................................página 16

5. Síncope.............................................................................................................................................página 17
5.1. Etiologia..............................................................................................................................................página 18
5.2. Tratamento..........................................................................................................................................página 22
6. Arritmias nas cardiopatias congênitas..............................................................................página 24
6.1. Epidemiologia e fisiopatologia das arritmias em pacientes com cardiopatia congênita......................página 24
6.2. Tetralogia de Fallot ............................................................................................................................página 25
6.3. Transposição das grandes artérias...................................................................................................página 26
6.4. Taquicardia atrial macrorreentrante ..................................................................................................página 26
6.5. Tromboprofilaxia................................................................................................................................página 26

7. Arritmia no pós-operatório.....................................................................................................página 27
7.1. Taquicardia juncional ectópica ..........................................................................................................página 27
7.2. Arritmia ventricular.............................................................................................................................página 28

8. Canalopatias..................................................................................................................................página 28
8.1. Síndrome do QT longo.........................................................................................................................página 28
8.2. Síndrome de Brugada..........................................................................................................................página 31
8.3. Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica........................................................................página 32
8.4. Síndrome do QT curto..........................................................................................................................página 34
8.5. Fibrilação ventricular idiopática...........................................................................................................página 34
8.6. Repolarização precoce........................................................................................................................página 34
8.7. Morte súbita cardíaca inexplicada e morte súbita cardíaca infantil inexplicada...................................página 35
8.8. Doença progressiva do sistema de condução......................................................................................página 35

9. Tratamento medicamentoso..................................................................................................página 35
9.1. Terapia antiarrítmica em crianças com palpitação, mas taquicardia não documentada.....................página 36
9.2. Terapia antiarrítmica em crianças com QRS estreito e taquicardia documentada...............................página 36
9.3. Tratamento antiarrítmico para crianças com taquicardia de complexos QRS alargados......................página 37

10. Tratamento não medicamentoso......................................................................................página 37


10.1. Ablação por cateter...........................................................................................................................página 37
10.2. Ablação por cateter de taquicardias supraventriculares em crianças com coração
estruturalmente normal............................................................................................................................página 38
10.3. Ablação por cateter das taquicardias ventriculares em crianças com coração estruturalmente normal....página 39
10.4. Complicações relacionadas à aplicação de radiofrequência na população pediátrica.......................página 39
10.5. Mapeamento tridimensional e navegação não fluoroscópica............................................................página 41
10.6. Mapeamento tridimensional.............................................................................................................página 41
10.7. O procedimento de ablação em crianças...........................................................................................página 42

11. Dispositivos implantáveis.....................................................................................................página 43


11.1. Marca-passo.....................................................................................................................................página 44
11.2. Bloqueio atrioventricular congênito...................................................................................................página 44
11.3. Modos de estimulação cardíaca em crianças....................................................................................página 45
11.4. Cardioversor desfibrilador implantável..............................................................................................página 46

12. Cirurgia..........................................................................................................................................página 46
12.1. Cirurgia para profilaxia de arritmias..................................................................................................página 48
Diretriz de Arritmias Cardíacas em Crianças e
Cardiopatias Congênitas SOBRAC e DCC – CP

Realização
Sociedade Brasileira de Cardiologia e Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SBC/SOBRAC)

Conselho de Normatizações e Diretrizes


Antonio Carlos Sobral Sousa, Claudio Pereira da Cunha, Lucélia Batista Neves Cunha Magalhães, Sergio Emanuel Kaiser

Coordenador de Normatizações e Diretrizes


José Francisco Kerr Saraiva

Presidente SOBRAC
Denise Tessariol Hachul

Presidente DCC – CP
Maria Angélica Binotto

Coordenadores
Luiz Pereira de Magalhães, Isabel Cristina Britto Guimarães, Sissy Lara de Melo, Enrique Indalécio Pachón Mateo
e Rogério Braga Andalaft

Autores
Adalberto Menezes Lorga Filho, Alexsandro Alves Fagundes, Dalmo Antonio Ribeiro Moreira, Denise Tessariol Hachul,
Eduardo Back Sternick, Eduardo Machado Andrea, Enrique Indalécio Pachón Mateo*, Fernando Piza de Sousa Cannavan,
Flavio José Bezerra de Oliveira, Francisco Carlos da Costa Darrieux, Gustavo Glotz de Lima, Isabel Cristina Britto
Guimarães*, Jacob Atié, Jorge Elias Neto, Lania Fatima Romanzin Xavier, Leandro Ioschpe Zimerman, Leonardo Miana,
Lucia Campos Pellanda, Luciana Sacilotto, Luiz Pereira de Magalhães*, Marcelo Biscegli Jatene, Marcelo Martins Soares,
Maria Angélica Binotto, Mauricio Ibrahim Scanavacca, Nilson Araujo de Oliveira Junior, Paulo Zielinsky, Pedro Rafael
Salerno, Ricardo Alkmim Teixeira, Ricardo Ryoshim Kuniyoshi, Roberto Costa, Rogério Braga Andalaft*, Salomão Schames
Neto, Simone Rolim F. F. Pedra, Sissy Lara de Melo*, Solange Coppola Gimenez, Tan Chen Wu, Vera Demarchi Aiello

Esta diretriz deverá ser citada como:


Magalhães LP, Guimarães ICB, Melo SL, Mateo EIP, Andalaft RB, Xavier LFR, et al. Diretriz de Arritmias Cardíacas em
Crianças e Cardiopatias Congênitas SOBRAC e DCC – CP. Arq Bras Cardiol 2016; 107(1Supl.3):1-58
Nota: estas Diretrizes se prestam a informar e não a substituir o julgamento clínico do médico que, em última análise,
deve determinar o tratamento apropriado para seus pacientes.

Correspondência:
Sociedade Brasileira de Cardiologia
Av. Marechal Câmara, 360/330 – Centro – Rio de Janeiro
CEP: 20020-907
e-mail: scb@cardiol.br

DOI: 10.5935/abc.20160103
Declaração de potencial conflito de interesses dos autores/colaboradores da
Diretriz de Arritmias Cardíacas em Crianças e Cardiopatias Congênitas SOBRAC e DCC – CP
Se nos últimos 3 anos o autor/colaborador das Diretrizes:

Participou de
Foi palestrante Foi (é) membro Participou
estudos clínicos
em eventos do conselho de comitês Elaborou textos
e/ou experimentais Recebeu
ou atividades consultivo normativos científicos em Tem
Nomes Integrantes subvencionados pela auxílio pessoal
patrocinadas ou diretivo de estudos periódicos ações da
da Diretriz indústria farmacêutica ou institucional
pela indústria da indústria científicos patrocinados indústria
ou de equipamentos da indústria
relacionados à farmacêutica ou patrocinados pela indústria
relacionados à diretriz
diretriz em questão de equipamentos pela indústria
em questão
Adalberto Menezes Lorga Filho Não Não Não Não Não Não Não
Alexsandro Alves Fagundes Não Não Não Não Não Não Não
Daiichi Libbs,
Dalmo Antonio Ribeiro Moreira Não Não Não Não Não
Sankyo Eurofarma
Denise Tessariol Hachul Não Não Não Não Não Não Não
Eduardo Back Sternick Não Não Não Não Não Não Não
Eduardo Machado Andrea Não Não Não Não Não Não Não
Enrique Indalécio Pachón Mateo Não Não Não Não Não Não Não
Fernando Piza de Sousa
Não Não Não Não Não Não Não
Cannavan
Bayer,
Flavio José Bezerra de Oliveira Não Não Não Não Não Não
St. Jude
Francisco Carlos da Costa
Não Não Não Não Não Não Não
Darrieux
Sanofi-Aventis St Jude
Gustavo Glotz de Lima Libbs Não Não Não Não
Bristol Meyers Squibb Biotronik
Isabel Cristina Britto Guimarães Não Não Não Não Não Não Não
Jacob Atié Não Pfeizer, Bayer Não Não Não Não Não
Jorge Elias Neto Não Não Não Não Não Não Não
Lania Fatima Romanzin
Não Não Não Não Não Não Não
Xavier
Leandro Ioschpe Zimerman Não Não Não Não Não Não Não
Leonardo Miana Não Não Não Não Não Não Não
Lucia Campos Pellanda Não Não Não Não Não Não Não
Luciana Sacilotto Não Não Não Não Não Não Não
Luiz Pereira de Magalhães Não Não Não Não Não Bayer Não
Marcelo Biscegli Jatene Não Não Não Não Não Não Não
Marcelo Martins Soares Não Não Não Não Não Não Não
Maria Angélica Binotto Não Não Não Não Não Não Não
Bayer,
Bayer, Daichii
J&J, Daichii Estudo X-Vert Daichii
Mauricio Ibrahim Scanavacca Estudo X-Vert Bayer Sankyo, St. Jude, Abbot Não
Sankyo Bayer Sankyo,
J&J
St. Jude, J&J
Nilson Araujo de Oliveira Junior Não J&J Não Não Não Não Não
Paulo Zielinsky Não Não Não Não Não Não Não
Pedro Rafael Salerno Não Não Não Não Não Não Não
Biotronik,
Medtronic,
Ricardo Alkmim Teixeira Biotronik Não Não St Jude Abbott Não
Biotronik
Medical
Ricardo Ryoshim Kuniyoshi Não Não Não Não Não Não Não
Roberto Costa Não Não Não Não Não Não Não
Rogério Braga Andalaft Não Não Não Não Não Não Não
Continuação
Salomão Schames Neto Não Não Não Não Não Não Não
Simone Rolim F. F. Pedra Não Não Não Não Não Não Não
Sissy Lara de Melo Não Não Não Não Não Não Não
Solange Coppola Gimenez Não Não Não Não Não Não Não
Tan Chen Wu Não Não Não Não Não Não Não
Vera Demarchi Aiello Não Não Não Não Não Não Não
Siglas utilizadas nos textos e nas tabelas
Abreviações Significados
PA: Pressão Arterial
AV: Atrioventricular
PCR: Parada Cardiorrespiratória
BAV: Bloqueio Atrioventricular
QTc: Intervalo QT Corrigido
BAVT: Bloqueio Atrioventricular Total
RCP: Reanimação Cardíaca Pulmonar
BAVT: bloqueio atrioventricular total
RF: Radiofrequência
BCR: bloqueio completo de ramo
RMC: Ressonância Magnética Cardíaca
BR: Bloqueio de Ramo
RMC: ressonância magnética cardíaca
BRD: Bloqueio do Ramo Direito
SC: seio coronário
CC: Cardiopatia Congênita
SM: septo membranoso
CDI: Cardioversor Desfibrilador Implantável
SNC: sistema nervoso central
CEC: Circulação Extracorpórea
SQTL: Síndrome do QT Longo
CR: classe recomendação
TA: taquicardia atrial
DAVD: Displasia Arritmogênica de Ventrículo Direito
TAV: Taquicardia Átrio-ventricular
DPSC: Doença Progressiva do Sistema de Condução
TGA: Transposição das Grandes Artérias
DSAV: Defeito do Septo Átrio-ventricular
TGI: Trato Gastrintestinal
ECG: Eletrocardiograma
TJE: Taquicardia Juncional Ectópica
ECMO: Oxigenação por Membrana Extracorpórea
TORCH: toxoplasmose, outras, rubéola, citomegalovírus e herpes
EEF: Estudo Eletrofisiológico
TPSV: Taquicardia Paroxística Supraventricular
ESSV: extrassísoles supraventriculares
TRAV: Taquicardia por Reentrada Atrioventricular
ESV: extrassístoles ventriculares
TRC: Terapia de Ressincronização Cardíaca
ETE: Ecocardiograma Transesofágico
TRN: Taquicardia por Reentrada Nodal
EV: endovenoso
TSV: Taquiarritmias Supraventriculares
EV: Via Endovenosa
TV: Taquicardia Ventricular
FA: Fibrilação Atrial
TViVD: Idiopática do Ventrículo Direito
FC: Frequência Cardíaca
TViVE: TV Idiopática do Ventrículo Esquerdo
FV: Fibrilação Ventricular
TVNS: Taquicardia Ventricular Não Sustentada
IM: intramuscular
VD: Ventrículo Direito
MCGf: magnetocardiografia fetal
VE: Ventrículo Esquerdo
NAV: Nó Átrio‑ventricular
VO: Via Oral
NE: nível de evidência
WPW: Wolff-Parkinson-White
NYHA: New York Heart Association
Diretriz de Arritmias Cardíacas em Crianças e
Cardiopatias Congênitas SOBRAC e DCC – CP

Diretrizes

1. Epidemiologia coração estruturalmente normal e de 27/1.000 pacientes‑ano


em crianças com cardiopatias estruturais. 7 Em crianças
É difícil avaliar a verdadeira incidência de arritmias em
assintomáticas, o risco de morte súbita foi de 1,93 (Intervalo de
crianças. É possível que muitas alterações permaneçam sem
Confiança de 95% − IC 95% de 0,57‑4,1)/1.000 pacientes‑ano
identificação, pois vários sintomas são vagos e inespecíficos
e o de taquicardia supraventricular foi de 20 (IC 95%
e, em alguns casos, ocorre resolução espontânea dessa
de 12‑31)/1.000 pacientes-ano em uma metanálise que
arritmia. As incidências relatadas são, menores do que
reuniu 20 estudos e 1.869 pacientes assintomáticos com
as observadas em adultos, e as emergências causadas
anormalidades eletrocardiográficas.8
por arritmias são raras. No entanto, as arritmias podem
ter repercussão clínica importante, especialmente se não As arritmias ventriculares são raras em crianças. Em séries
identificadas adequadamente. de crianças que chegam a ser submetidas a Estudo
Eletrofisiológico (EEF), a Taquicardia Ventricular (TV)
Por esse motivo, é importante conhecer a epidemiologia,
compreende cerca de 1,8% dos casos.9
o que pode facilitar seu reconhecimento em cada faixa etária.1
Também é importante definir dois grupos com características As bradiarritmias também são raras em crianças, sendo os
epidemiológicas distintas: as crianças com corações normais mecanismos mais comuns a depressão da função de marca‑passo
e aquelas portadoras de cardiopatias congênitas. do nó sinusal e os bloqueios do sistema de condução. Causas de
bradicardia em crianças incluem estimulação vagal, hipoxemia,
acidose e elevação da pressão intracraniana.10
1.1 Crianças com coração estruturalmente normal
Relata-se, em estudos de base populacional com
Em crianças com corações normais, a incidência e o rastreamento de ECG, que a frequência de bradicardia
mecanismo das arritmias variam de acordo com idade, sexo sinusal é de cerca de 0,025%. 11 Dentre os indivíduos
e etnia. identificados, cerca de um terço é atleta.11 Em um estudo com
Estudo realizado na Inglaterra durante 20 anos, de base acompanhamento de 10 anos desses pacientes, não houve
populacional com mais de 600 mil nascimentos, identificou nenhum evento adverso grave associado à bradiarritmia, com
as arritmias clinicamente significativas e diagnosticadas pelo exceção de episódios sincopais autolimitados.11
Eletrocardiograma (ECG) em recém-nascidos. A incidência A principal bradiarritmia de significância é o BAV completo,
de arritmias foi de 24,4 para cada 100 mil nascidos vivos, cuja frequencia descrita é de um caso para cada 25 mil
sendo as arritmias mais comuns a Taquicardia por Reentrada nascidos vivos.12 Crianças de coração normal em geral têm
Atrioventricular (TRAV) com 16,3/100 mil, o Bloqueio etiologia congênita, algumas vezes ligada à presença de lúpus
Atrioventricular (BAV) completo com 2,1/100 mil e o flutter eritematoso materno.12
atrial com 2,1/100 mil.2
Em outro grande estudo, com mais de 150 mil crianças 1.2. Crianças com cardiopatias congênitas
de duas faixas etárias diferentes (5 a 6 e 12 a 13 anos), a Crianças portadoras de cardiopatias congênitas podem
prevalência de distúrbios do ritmo cardíaco foi de 1,25% apresentar arritmias secundárias a anormalidades estruturais, à
para as crianças do primeiro grupo e de 2,32% para o intervenção cirúrgica ou a repercussões hemodinâmicas crônicas.6
segundo grupo.3 Em geral, a prevalência foi maior para o sexo
masculino (2%) quando comparado ao feminino (1,38%), mas Logo após a cirurgia, as arritmias mais frequentes são a
as prevalências de extrassístoles atriais (0,12%) ou ventriculares taquicardia supraventricular, a Taquicardia Juncional Ectópica
(TJE), o BAV completo, a TV e a Fibrilação Atrial (FA).13
(0,53%) e do prolongamento do intervalo QT (0,03%) foram
No período pós-operatório tardio, a incidência de arrtimais
significativamente maiores nas meninas do que nos meninos
depende da complexidade do procedimento, do número
(respectivamente, 0,09%, 0,50% e 0,02%).3
de intervenções, da presença de sequelas e resíduos, e do
As vias acessórias, os focos atriais ectópicos e a reentrada comprometimento hemodinâmico prévio à cirurgia, ou logo
Atrioventricular (AV) representam os mecanismos da maioria após a mesma. Observam-se frequentemente taquiarrtimias
das taquiarritmias. Os dois primeiros mecanismos são mais atriais, que podem surgir meses a anos após a cirurgia,
frequentes em crianças pequenas, enquanto o último ganha principalemnte após as correções de Fontan, Mustard, Senning
importância nos adolescentes, especialmente do sexo e para tetralogia de Fallot. Nesses casos, muitas vezes, ocorrem
feminino.4-6 Em registros americanos, a população caucasiana mecanismos de reentrada em torno das cicatrizes cirúrgicas.
apresenta maior frequência de taquiarritmias, porém é A presença de materiais prostéticos e a alteração da arquitetura
importante considerar o subregistro nas demais etnias.4 atrial são fatores associados.6,14
Em relação à síndrome de Wolff-Parkinson-White A TJE é uma arritmia observada quase que exclusivamente
(WPW), estudo com 446 pacientes acompanhados de em crianças após a cirurgia cardíaca. Em recém-nascidos, a
forma longitudinal demonstrou que a média de idade ao incidência de TJE após cirurgia cardíaca chega a ser relatada
diagnóstico foi de 7 anos, sendo que 64% dos pacientes em 14,3%. Assim, os fatores de risco incluem idade menor de
apresentavam sintomas no momento da apresentação, e 1 ano, correção de tetralogia de Fallot, defeito do septo átrio-
20% os desenvolveram ao longo do acompanhamento.7 ventricular (DSAV) ou TJE, maior tempo de clampeamento
Menos de 10% dos pacientes apresentavam doença cardíaca aórtico e história de insuficiência cardíaca. Os pacientes com
estrutural.7 Ao longo de todo o estudo, 54% dos indivíduos TJE apresentam um pior prognóstico, com maior tempo de
apresentaram taquicardia supraventricular, e a incidência de internação em unidades de tratamento intensivo, intubação e
morte súbita foi de 1,1/1.000 pacientes-ano em crianças com ventilação mecânica prolongadas.6,15

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Após a cirurgia de Fontan, a maior incidência de arritmias nos condução interatrial. Já as conexões interatriais inferiores
primeiros 30 dias é de flutter atrial. No período pós‑operatório situam-se nas proximidades do Seio Coronário (SC) e das veias
tardio, são mais comuns as taquicardias atriais por mecanismo pulmonares direitas.
de reentrada (flutter e FA, taquicardia reentrante intra-atrial).
A presença de condutos, longas linhas de sutura ou tecido 2.4. Morfologia das estruturas da transição atrioventricular
cicatricial favorece a reentrada. Os principais fatores de risco
O triângulo de Koch (Figura 1), situado na transição
para essas arritmias são o aumento e sobrecarga do átrio direito,
AV das câmaras cardíacas morfologicamente direitas, é
a elevação da pressão no átrio direito e na artéria pulmonar, a
a referência da posição do nó AV. É definido a partir de
dispersão da refratariedade atrial, a disfunção do nodo sinusal,
linhas traçadas pela inserção da cúspide septal da valva
a baixa saturação de oxigênio, a maior idade, as arritmias
tricúspide e do tendão de Todaro, que corresponde à
pré‑operatórias e o tempo desde a cirurgia. O aperfeiçoamento
continuação da veia de Eustáquio da veia cava inferior.
da técnica cirúrgica contribui para a redução das arritmias,16
Na base desse triângulo, encontram-se a abertura do
embora as coortes que relatem essas modificações na
SC e, no seu ápice, o Septo Membranoso (SM), com os
técnica ainda tenham menor tempo de acompanhamento.
componentes atriovenricular e interventricular. O nó AV é
Como o tempo é um importante fator de risco para arritmias, é
responsável pelo retardo na condução AV.
importante manter a vigilância sobre esses pacientes. Em uma
coorte dinamarquesa, a prevalência de arritmias após 20 anos Existe isolamento elétrico entre o miocárdio atrial e
de acompanhamento chegou a 32%.17 ventricular, promovido não apenas pela presença dos
anéis fibrosos das valvas AV e do corpo fibroso central,
mas também pela presença do tecido adiposo do sulco AV.
2. Sistema de condução em crianças A única conexão entre câmaras atriais e ventriculares se faz
normais e com cardiopatias e congênitas pelo feixe de condução.
Definem-se ainda, na área do triângulo de Koch, istmos
2.1. Morfologia do sistema de condução normal anatômicos, o cavo-tricuspídeo e o septal. O primeiro, situado
junto à base do triângulo, representa a musculatura atrial
No coração normal, a iniciação do estímulo elétrico
identificada como o local da gênese do flutter atrial. O istmo
cardíaco, seu retardo e a condução nos ventrículos são feitos
septal situa-se entre a abertura do SC e a valva tricúspide.19
por meio de estruturas e células especializadas, cuja morfologia
Lesões nessa região bloqueiam a via lenta de condução para
e topografia são descritas a seguir.
o nó AV.

2.2. Nó sinusal ou sinoatrial


2.5. Nó atrioventricular
O nó sinusal é o marca-passo intrínseco do coração.
As células que compõem o nó AV agrupam-se em região
Tem forma oval ou fusiforme, e situa-se junto à desembocadura
próxima do vértice do triângulo de Koch, posicionando‑se
da veia cava superior no átrio morfologicamente direito,
no subendocárdio do átrio direito. São cardiomiócitos
na face lateral, sobre o sulco terminal, que é a projeção
especializados, com menor diâmetro e menor quantidade
epicárdica da crista terminal da aurícula. Localiza-se a menos
de miofilamentos que os contráteis.
de 1 mm abaixo do epicárdio. A irrigação sanguínea se faz
por ramos iniciais da artéria coronária direita ou do tronco
da coronária esquerda (proporção aproximada de 50% 2.6. Feixe de His e seus ramos
para cada uma delas). Histologicamente, é constituído por Mais anteriormente, o nó compacto progressivamente se
um aglomerado de células especializadas, com morfologia interioriza em direção ao corpo fibroso central, até que se
de cardiomiócitos modificados. Tais células dispõem-se torna o feixe penetrante, completamente circundado pelo
em feixes sem nenhuma característica particular, porém tecido conjuntivo dessa parte do esqueleto fibroso do coração,
imersos em tecido conjuntivo denso. Existe grande interação atravessando a transição AV em direção aos ventrículos.18
das células nodais com fibras nervosas parassimpáticas O primeiro ramo é o esquerdo, situado no subendocárdio da
provenientes dos plexos e dos gânglios epicárdicos. face esquerda do septo ventricular, também completamente
envolto por tecido conjuntivo fibroso, que aqui também tem
2.3. Condução interatrial e internodal do estímulo elétrico função isolante. O ramo direito é a continuação direta do feixe
ramificante após a completa emergência do ramo esquerdo.
A propagação do estímulo elétrico iniciado nas células do nó
Como em geral o feixe está situado mais à esquerda, o ramo
sinusal é realizada pelas células atriais contráteis. Existem vias
direito penetra na espessura do septo, circundado por tecido
preferenciais de condução nos átrios, que são células contráteis
conjuntivo, emergindo no subendocárdio do Ventrículo
dispostas em feixes, nos quais a distribuição celular é mais
Direito (VD), junto à base da trabécula septomarginal, com
ordenada, como na crista terminal e ao redor da fossa oval.18
trajeto no comprimento da banda moderadora.
Já a propagação do impulso elétrico para o átrio esquerdo se
dá por bandas musculares situadas anterossuperiormente e na
superfície inferior das paredes atriais. O feixe anterossuperior 2.7. Condução intraventricular
é conhecido como feixe de Bachmann e conecta os dois Chegando ao ápice ventricular esquerdo, os fascículos
apêndices atriais. É reconhecido com uma via rápida da perdem a bainha fibrosa e ramificam-se extensamente,

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Figura 1 – Detalhe da transição atrioventricular direita em posição anatômica, sendo possível observar os limites do triângulo se Koch (linhas tracejadas). Um dos lados
corresponde à linha de inserção da cúspide septal da valva tricúspide e o outro, à continuação do tendão de Todaro do átrio direito. No vértice do triângulo, nota-se o
septo membranoso (SM, transiluminado nesta figura). Na base do triângulo, está localizado o orifício do seio coronário (SC).

estabelecendo contato direto com os cardiomiócitos Purkinje, deve ser conduzido apenas pelo chamado sistema
contráteis. As fibras terminais de condução são conhecidas especializado de condução do estímulo cardíaco, que
como células de Purkinje. compreende o próprio nó sinusal, os tratos intranodais, o
feixe de Bachmann, o nó AV, o feixe de His, os ramos direito
2.8. Suprimento arterial do nó atrioventricular, feixe e ramos e esquerdo com seus fascículos, e as fibras de Purkinje.
Quando há falha no isolamento elétrico na região AV, ocorre
O nó AV recebe irrigação arterial da artéria que se origina
condução por outro local, além do sistema especializado
na crux cordis, a partir da artéria coronária dominante, que,
de condução, por feixes acessórios, e a despolarização
na maioria das vezes, é a coronária direita. Há variação ventricular pode se tornar pré-excitada.
anatômica considerável no suprimento do feixe penetrante
e ramificante. Usualmente, a artéria originada na crux cordis A síndrome de WPW resulta da presença de via acessória
penetra no corpo fibroso e irriga não apenas o feixe de His, que conecta eletricamente o miocárdio atrial ao miocárdio
mas também as ramificações mais posteroinferiores do ramo ventricular. Essas conexões podem estar localizadas em
esquerdo.18 As ramificações anteriores e o ramo direito são, diferentes regiões ao longo do anel AV, e são mais comuns em
em geral, supridos pelos primeiros ramos perfurantes da pacientes jovens e sem doença cardíaca estrutural.20
coronária interventricular anterior. Entre os pacientes com WPW, a taquicardia supraventricular
reentrante é a arritmia mais comum, mas a FA pode ocorrer e
2.9. Anomalias congênitas do sistema de condução ser conduzida anterogradamente pela via acessória, causando
arritmia potencialmente maligna, com degeneração para FA.
Todas as estruturas especializadas da condução do estímulo
As vias acessórias (Figura 2) podem ser AV, atriofasciculares,
elétrico podem apresentar anomalias, sejam elas intrínsecas
fasciculoventriculares, intranodais, ou nodoventriculares,
desses tecidos, ou dependentes e associadas a alterações na
sendo as primeiras as mais comuns. A condução por
estrutura cardíaca, como nas cardiopatias congênitas.
um feixe AV pode ser anterógrada, retrógrada ou em
ambos os sentidos. Vias acessórias capazes de conduzir
2.10. Morfologia das conexões acessórias atrioventriculares apenas retrogradamente são chamadas ocultas e aquelas
O estímulo elétrico que despolariza normalmente os com condução anterógrada, manifestas, demonstrando
tecidos do coração, desde o nó sinusal até as fibras de pré‑excitação no ECG.

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Figura 2 – Esquema dos tipos de conexões anômalas atrioventriculares. Em A, notam-se duas conexões atrioventriculares à direita. A seta larga mostra a via acessória
atrioventricular tipo Mahaim, considerada uma duplicação do sistema de condução normal, com ponto de inserção atrial no anel da valva tricúspide e inserção distal
em um fascículo do ramo direito. A outra é uma conexão atrioventricular simples. Em B, notam-se conexões atrioventriculares septais,18 conexão nodoventricular,19
atriofascicular20 e as fascículo-ventriculares.22 Em C, está demonstrada uma conexão atrioventricular simples à esquerda. Coron: artéria coronária.

A maioria dos pacientes com WPW tem corações 2.12. Vias acessórias fisiologicamente distintas
estruturalmente normais, mas alguns têm Cardiopatia Algumas vias acessórias podem ter localização típica
Congênita (CC) associada. Aproximadamente 10% no anel AV, porém demonstrar propriedades fisiológicas
dos pacientes com anomalia de Ebstein têm WPW. não usuais, como condução decremental ou perda de
Outras cardiopatias congênitas associadas incluem defeitos resposta típica, durante a estimulação atrial. Elas são
septais atriais e ventriculares, além de transposição corrigida conhecidas como fibras de Mahaim, feixes de condução
de grandes vasos.21 Assim, a síndrome de WPW é um defeito decremental retrógrada exclusiva, feixes nodoventriculares
embrionário do processo de isolamento elétrico entre o e nodofasciculares, e tratos fasciculoventriculares.
miocárdio atrial e ventricular.
2.13. Fibras de Mahaim
2.11. Variações anatômicas
As fibras de Mahaim são vias acessórias verdadeiras, que
Vias acessórias em crianças são classificadas como conectam a parede livre do átrio direito ao miocárdio ventricular,
endocárdicas ou epicárdicas. A conexão AV ocorre
ou ao sistema de condução infra-hissiano. De modo diverso de
exteriormente ao ânulo fibroso tricúspide ou mitral.
um feixe típico, têm características eletrofisiológicas semelhantes
Em algumas circunstâncias excepcionais, a via acessória é
às do nó AV. Geralmente, localizam-se na região posterior do
realmente epicárdica (usualmente nas veias cardíacas) em
anel tricúspide, conectando o miocárdio atrial e o ventricular por
conexões atriovenosas.23 Essas extensões miocárdicas no SC
meio de um fascículo similar ao feixe de His ou ao ramo direito.26
são eletricamente contínuas a um ou mais pontos do átrio
direito ou esquerdo. Essas vias acessórias, quando ocorrem em crianças com
condução AV nodal relativamente rápida, podem ser difíceis
Enquanto tecnicamente as vias acessórias AV podem
de serem reconhecidas como feixes acessórios. Estes são
conectar os átrios aos ventrículos ao longo de qualquer ponto
caracterizados pela ausência de condução retrógrada e pela
do ânulo AV, uma exceção ocorre na região da continuidade
ativação ventricular precoce, em região próxima do ramo direito.
mitro-aórtica. Feixes acessórios anterosseptais esquerdos
Tais feixes podem se inserir diretamente no ramo direito ou na
são extremamente raros, já que a posição da valva aórtica
impede conexão AV direta nessa região. Aqui, o feixe banda moderadora. As ausências de condução retrógada e de
acessório deve atravessar o corpo fibroso central. Embora isso fisiologia de dupla condução AV nodal distinguem essas estruturas
possa ocorrer, outra possibilidade é a conexão do miocárdio da duplicação verdadeira do nó AV, que é uma entidade rara.
atrial na extensão do miocárdio supravalvar aórtico.24
Outra situação anatômica não anular em que o tecido 2.14. Vias acessórias de condução decremental retrógada
miocárdico atrial e ventricular estão superpostos ocorre na Vias acessórias que conduzem exclusivamente de
região dos apêndices atriais. Feixes acessórios envolvendo maneira retrógada são responsáveis por uma síndrome
conexões miocárdicas eletricamente ativas podem estar chamada taquicardia juncional permanente reciprocante.27
presentes entre os apêndices e os ventrículos subjacentes.25 Essas vias são diferenciadas das fibras de Mahaim, por

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terem inserções ventriculares e atriais perto do ânulo defeitos do septo AV.32 No coração estruturalmente normal,
tricúspide, e por conduzirem retrogadamente. Não existe estudos sugerem que a principal causa do BAV congênito
relação anatômica entre esses feixes e o sistema normal de é o resultado de uma resposta inflamatória desencadeada
condução AV. Geralmente, são encontrados na região do por autoanticorpos maternos, que atravessam a placenta
triângulo de Koch, perto do óstio do SC.28 São associados e entram na circulação fetal. Essa resposta inflamatória
com anomalia de Ebstein, provavelmente por conta do ocasiona injúria tecidual, fibrose e cicatrização do sistema
longo curso através do miocárdio ventricular atrializado, de condução.33-38
com longos tempos de condução e propriedades
Do ponto de vista morfológico, o BAV congênito
decrementais.
em coração estruturalmente normal resulta da falha
na comunicação entre os tecidos atrial e ventricular,
2.15. Vias acessórias nodoventriculares – como consequência da degeneração ou da ausência de
nodofasciculares determinadas estruturas do sistema de condução AV.39,40
As vias acessórias nodofasciculares ou nodoventriculares Nesse sentido, esse padrão patológico pode ocorrer de
conectam o nó AV compacto ao sistema fascicular (ramo três formas distintas (Figura 3): descontinuidade do eixo
direito ou esquerdo) ou ao miocárdio ventricular. atrial, descontinuidade nodoventricular ou descontinuidade
Para esses feixes participarem da taquicardia, é necessária intraventricular - sendo esta última extremamente rara39-42.
alguma forma de dissociação na condução do nó
O BAV congênito é um distúrbio raro devido às
AV, isto é, condução anterógrada através do nó AV
alterações patológicas do sistema de condução AV
e, após, caudalmente, pelo feixe nodoventricular/
associadas ou não a cardiopatias congênitas. Nos casos de
fascicular e retrogadamente para o tecido nodal AV.29-31
coração estruturalmente normal, o BAV congênito decorre
Embora as delineações anatômicas desses feixes não
por degenerações ou ausência completa de determinadas
estejam completamente estabelecidas na literatura,
regiões do sistema de condução AV de padrão variável.
alguns pacientes apresentam pré-excitação com condução
através do nó AV. O local de desconexão AV mais frequente ocorre entre o
tecido atrial e o nó AV, e a descontinuidade intraventricular
isolada é raramente encontrada. Essas alterações geralmente
2.16. Vias acessórias fasciculoventriculares
decorrem de uma resposta inflamatória desencadeada por
Normalmente, há uma bainha fibrosa de isolamento autoanticorpos maternos provenientes de doenças do
do feixe de His e dos ramos direito e esquerdo, até sua tecido conjuntivo.
conexão com o miocárdio. Em alguns pacientes, ocorre
falha nesse isolamento, e a excitação ventricular se dá mais
perto do septo basal, diretamente do feixe de His ou da
região proximal dos ramos. Essa situação é conhecida como
feixe fasciculoventricular. Ela não representa via acessória
AV verdadeira, já que anatomicamente não há conexão
direta do miocárdio atrial com o ventricular. Nesses casos,
quando ocorre bloqueio na condução do nó AV, não há
pré‑excitação ventricular, e a condução decremental
progressiva nodal não é associada com progressão da
pré‑excitação como visto tipicamente nos feixes AV.
Tais vias acessórias fasciculoventriculares não são associadas
com taquiarritmias e não devem ser ablacionadas.25
A maioria dos pacientes com CC e vias acessórias tem
anomalia de Ebstein da valva tricúspide. Entretanto, uma
proporção significativa tem anatomia mais complexa, com
conexão AV discordante. Feixes acessórios múltiplos são
comuns nesse grupo de pacientes, ocorrendo em 30 a
80% dos casos, comparados com 5 a 10% daqueles sem
CC.. Como nos casos de malformação de Ebstein, aqueles
com discordância AV têm seus feixes acessórios associados
com a valva tricúspide, independentemente do situs atrial,
da relação AV ou da função valvar. Este achado contrasta
com a localização mais randomicamente distribuída das
vias acessórias registradas em pacientes sem CC.
Figura 3 – Esquema dos tipos de descontinuidade atrioventricular (AV) do
2.17. Morfologia do bloqueio atrioventricular congênito sistema de condução, o substrato anatômico do bloqueio AV congênito.
Em A, o sistema AV normal com nó AV, feixe de His e ramos direito (D) e
As cardiopatias congênitas mais associadas ao BAV congênito esquerdo (E). Em B, descontinuidade entre o nó AV e o feixe de His. Em C,
são a Transposição das Grandes Artérias (TGA) corrigida e o descontinuidade entre os tecidos atriais e o eixo de condução e, em D, há
isomerismo atrial esquerdo - este é geralmente associado a descontinuidade intraventricular.

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2.18. O sistema de condução nas cardiopatias congênitas O nó AV, consequentemente, está situado em posição mais
Os corações malformados, por apresentarem orifícios posteroinferior do que no coração normal. Quando há
nos septos ou conexões anômalas entre câmaras, podem comunicação interventricular, ela se estende amplamente
apresentar anormalidade na posição e no curso dos tecidos para a via de entrada, e o feixe não ramificante é longo e
de condução do estímulo elétrico.43 se distribui no topo do septo ventricular, ramificando-se
apenas anteriormente.
É preciso conhecer a anatomia normal e a morfologia dos
defeitos, a fim de entender os possíveis desvios dos feixes e • Tetralogia de Fallot
nós. Tais noções são de extrema importância, não apenas para O defeito básico da tetralogia de Fallot é a anteriorização
cirurgiões, nas correções sob visão direta, como também para do septo de saída, promovendo, ao mesmo tempo, a estenose
eletrofisiologistas, nos procedimentos invasivos. subpulmonar, o cavalgamento da aorta e a comunicação
interventricular. Esta costuma ser perimembranosa em mais
2.18.1. Anomalias do nó sinusal de 90% dos casos, e a regra para distribuição do feixe de
condução AV é a mesma já explicada para os defeitos septais
O nó sinusal é uma estrutura que se relaciona com o átrio ocupando essa região. O feixe ramificante se posiciona no
morfologicamente direito. Quando essa câmara está situada lado esquerdo do septo na maioria dos casos.
à esquerda, como no arranjo especular ou situs inversus, o
nó sinusal acompanha o átrio morfologicamente direito, • Anomalia de Ebstein da valva tricúspide
sempre situado junto à desembocadura da veia cava superior. Nesta anomalia, ocorre deslocamento apical da inserção
Em outras anormalidades de situs, deve haver apresentações das cúspides septal e inferior da valva tricúspide, que
distintas.44 No isomerismo atrial direito, espera-se a presença costuma ser bastante insuficiente. Tal deslocamento define
de dois nós sinusais, cada um localizado na desembocadura uma porção da via de entrada ventricular, que funciona
da veia cava superior que se conecta à câmara atrial. Já no hemodinamicamente como átrio (atrialização da via de
isomerismo atrial esquerdo, não se espera a existência de entrada).46,47 A pré-exitação é frequente nesta anomalia, e
um nó sinusal na posição habitual. se verificou presença de conexões AV laterais e também
nodovenriculares. Outra característica anatômica no Ebstein é
a maior proximidade do nó AV com o orifício do SC, quando
2.18.2. Anomalias do nó atrioventricular, feixe de His
em comparação com os corações normais.47
e ramos
Quanto à morfologia da condução AV, duas situações
devem ser consideradas: casos com alinhamento ou b) Malformações cardíacas com desalinhamento entre
desalinhamento entre septo atrial e ventricular. os septos atrial e ventricular
Incluem-se nesta categoria as anomalias da conexão AV,
como a conexão AV discordante (em geral apresentando-se
a) Malformações cardíacas com septos atrial e
como transposição corrigida) e as conexões univentriculares,
ventricular alinhados
como as ausências de conexão à direita ou à esquerda, e as
Dentre as anomalias do coração que cursam com duplas vias de entrada ventriculares. Também apresentam
alinhamento entre os septos atrial e ventricular, estão todos desalinhamento entre os septos aqueles corações com
os defeitos septais isolados, incluindo a tetralogia de Fallot cavalgamento da valva AV direita.
e os defeitos do septo AV, além de casos com anomalias da
conexão ventrículo-arterial, como a transposição simples das • Conexões atriovenriculares discordantes (transposição
grandes artérias, a dupla via de saída ventricular e a via de corrigida)
saída única do coração. Tem relevância a localização do feixe Essas anomalias são definidas pela conexão do átrio
e dos ramos, em relação à comunicação interventricular, morfologicamente direito ao ventrículo morfologicamente
como descrito a seguir.45 esquerdo, e do átrio esquerdo ao VD. Esse grupo de corações é
• Comunicações interventriculares isoladas conhecido como transposição corrigida das grandes artérias, uma
vez que se associa uma conexão ventrículo-arterial discordante,
Definem-se assim as comunicações musculares e com aorta emergindo do ventrículo morfologicamente direito
aquelas com uma borda relacionada espacialmente ao e tronco pulmonar do VD. Uma característica do feixe de
SM, chamadas de perimembranosas. Nas comunicações
condução AV também decorre do desnivelamento: o nó AV
musculares, o feixe de condução situa-se longe das bordas,
situado no vértice do triângulo de Koch não consegue fazer
anterossuperiormente naquelas situadas em posição trabecular
conexão com a massa ventricular. Nesse caso, desenvolve-se,
apical e inferiormente nas musculares de via de saída.
ainda no período embrionário, um nó AV anterior, situado junto
Nas comunicações perimembranosas o feixe ramificante
ao anel da valva AV direita, que é a valva mitral.48 A partir dessa
distribui-se na face esquerda do septo ventricular, relacionado
estrutura, emerge o feixe AV, o qual circunda anteriormente
à borda posteroinferior do defeito.
a circunferência da artéria pulmonar em sua conexão
• Defeito septal atrioventricular com o ventrículo e se ramifica na direção anteroposterior.
No defeito septal AV existe uma junção AV única, Quando existe uma comunicação interventricular, o feixe
no mesmo plano, com consequente ausência do septo se distribui em sua borda anterior, constituindo uma marca
AV. O triângulo de Koch, nessa situação, é bem menor, anatômica que precisa ser conhecida por cirurgiões e
e seu ápice está muito próximo do orifício do SC. intervencionistas. Recentemente, alguns autores identificaram

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situações nas quais o desalinhamento septal é mínimo, como, no local onde o septo ventricular se une ao anel valvar
por exemplo, na presença de atresia ou estenose pulmonar tricuspídeo. O feixe de condução distribui-se, assim, a partir
severa. Em tais casos, o nó AV usual posterior e seu feixe deste ponto, cursando longamente sobre o topo do septo
conseguem fazer contato com a massa ventricular, e o sistema ventricular, o que traz risco quando da correção cirúrgica
de condução é normal ou, alternativamente, mostra um do defeito.43
sling de tecido de condução no topo do septo, com dois nós Particularmente importante será identificar casos com
conectantes, um posterior e outro anterior.49 desalinhamento entre os septos atrial e ventricular (Quadro 1).
• Conexão atrioventricular univentricular com ventrículo
principal esquerdo
3. Avaliação e estratificação não invasiva
Neste grupo de corações, apenas um dos ventrículos tem
conexão com a massa atrial, quer seja por meio de dupla
3.1. Pacientes sem cardiopatias
via de entrada ou por ausência de conexão AV à direita ou
à esquerda. “Ventrículo único” é dos nomes pelo qual esse
grupo de anomalias é conhecido. Na maioria dos casos, 3.1.1. Taquiarritmias supraventriculares
existem dois ventrículos, um principal e outro rudimentar.
Quando o ventrículo principal é morfologicamente
3.1.1.1. Sem documentação eletrocardiográfica
esquerdo, o rudimentar, de morfologia direita, situa-se
anterossuperiormente e existe desalinhamento entre os
septos atrial e ventricular. Também aqui o nó AV posterior História clínica51
não se conecta, desenvolvendo-se um nó e um feixe Os sintomas relacionados às Taquiarritmias Supraventriculares
AV anteriores. 43 O nó AV anômalo situa-se no anel da (TSV) incluem palpitação, fadiga, desconforto e/ou dor
valva AV direita. Nos casos de atresia tricúspide clássica torácica, dispneia, escotomas cintilantes, pré-síncope e
(ausência de conexão AV à direita), o nó AV situa-se no síncope. As extrassístoles são os gatilhos disparadores das TSV;
assoalho do átrio direito, próximo de uma depressão que em geral assintomáticas, podem apresentar sintomas como:
corresponde à porção AV do SM.50 Nos corações com irregularidade do ritmo, descompasso, tosse, pancada do
conexão univentricular, cujo ventrículo principal é o direito coração (relaciona‑se à pausa pós-extrassistólica), e, menos
(ventrículo único direito), os septos atrial e ventricular comumente, pré‑síncope, falta de ar, cansaço e poliúria.
estão bem alinhados posteroinferiormente e, portanto, o A dor retroesternal ocorre em 100% das crianças menores de
nó AV e o feixe de condução são normoposicionados.43 10 anos de idade com TSV. Alguns sintomas podem direcionar
Nos raros casos de conexão AV para ventrículo de morfologia o diagnóstico com maior precisão, como batimento em
indeterminada (ventrículo único verdadeiro), não existe fúrcula esternal na Taquicardia por Reentrada Nodal (TRN)
regra para a localização e nem para a distribuição do feixe AV, sensação de irregularidade do ritmo na Taquicardia Atrial
de condução, uma vez que não existe septo ventricular. (TA) multifocal ou FA, aumento progressivo da aceleração do
• Corações com cavalgamento da valva tricúspide coração na TA e taquicardia sinusal.
A valva tricúspide cavalga o septo posterior, e existe A TSV pode ter um comportamento incessante (mais de
desalinhamento entre este e o septo atrial. Nesses casos, o nó 80% do dia em taquicardia) e provocar a disfunção ventricular,
AV presente no vértice do triângulo de Koch não consegue caracterizando a taquicardiomiopatia (insuficiência cardíaca
fazer conexão com o septo ventricular. Desenvolve-se, então, secundária à taquiarritmia, como, por exemplo: TA, TJE e
um nó conectante, situado na parede atrial direita inferior, taquicardia de Coumel).

Quadro 1 – Regra do alinhamento septal e sistema de condução atrioventricular em corações com conexão univentricular e cavalgamento de
valvas atrioventriculares.

Nó atrioventricular anômalo, anterossuperior ou lateral direito


Septo ventricular não alcança a crux cordis se o ventrículo principal é de
morfologia esquerda Relação do feixe ramificante com as bordas da comunicação interventricular depende
da posição da câmara rudimentar morfologicamente direita
Septo ventricular alcança a crux cordis e está alinhado com o septo atrial se o
Nó atrioventricular e feixe com posição normal (regular)
ventrículo principal é de morfologia direita
Inexistência de septo em corações com ventrículo único de morfologia
Posição variável do nó atrioventricular e feixe
indeterminada
Septo não chega à crux cordis
Valva tricúspide cavalga o septo posterior Nó atrioventricular anômalo na parede atrial inferior, na linha de prolongamento do
septo ventricular
Septo alinhados na crux cordis
Valva mitral cavalga o septo de saída
Nó atrioventricular com posição normal (regular)

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A TSV pode não apresentar queixas clínicas, e o diagnóstico incomuns, a TRN ou TRAV podem ser desencadeada na
ser feito durante avaliação pediátrica, ou diante de estado febril fase de recuperação.
em atendimento emergencial. Em crianças com idade inferior
a 3 anos, o familiar mais próximo é a pessoa que observa o
3.1.1.2. Com documentação eletrocardiográfica52
coração acelerado ou o comportamento diferente da criança,
como dificuldade de mamar ou deglutir, inquietude inicial Na chegada de um paciente à emergência com
progredindo para quietude, com olhos vidrados, seguindo taquiarritmia, o tratamento somente deve ser instituído
para o agravamento do quadro, com respiração ofegante, após o registro do ECG padrão das 12 derivações, pois este
sudorese intensa, sonolência, palidez e cianose labial. pode ser o único momento de registro da crise de arritmia.
No caso de instabilidade hemodinâmica, tal registro do
ECG fica comprometido em prol da segurança do paciente,
Exame físico situação na qual a cardioversão imediata é imperiosa.
Em geral, fora da crise de arritmia, o exame físico é normal, Uma vez tendo-se o registro eletrocardiográfico e
exceto na associação de CC. Nesta situação, o ecocardiograma caracterizada a taquicardia de complexo QRS estreito, alguns
é o exame complementar fundamental. passos são seguidos para o diagnóstico mais provável do
mecanismo dessa TSV (Figura 4).
Avaliação diagnóstica Algumas outras características podem ser úteis na
identificação e localização da taquicardia
Eletrocardiograma
O ECG em repouso pode evidenciar pré-excitação a) Sequência da ativação atrial
ventricular manifesta caracterizando a possibilidade de TRAV A sequência da ativação atrial durante a taquicardia
como causa dos sintomas. Em crianças com idade inferior é a análise da polaridade e o cálculo do eixo elétrico da
a 2 anos de idade, a pré-excitação ventricular pode passar onda P´. Ela é capaz apontar o ponto inicial da ativação
desapercebida, pois o complexo QRS não é tão alargado, mas atrial. Onda P´ positiva em D2 somente é possível na TA,
o intervalo PR é muito curto (menor ou igual a 80 ms). Das TSV visto que a ativação atrial faz-se de forma craniocaudal (de
em lactentes (idade inferior a 2 anos), as mais frequentes são a cima para baixo). Já a onda P´ negativa em D2 demonstra a
mediada por uma via acessória (TRAV) em até 70% dos casos, condução caudocranial (de baixo para cima). TRAV mediada
e a TA em até 30% dos casos. À medida que a criança cresce por via acessória lateral ou anterolateral esquerda apresenta
(idade entre 5 e 10 anos), a TRN representa até 10% das TSV, onda P´ positiva em D3.
chegando a 15% entre 10 e 18 anos, com franco predomínio
do sexo feminino (até 80%).
b) Resposta à manobra vagal ou adenosina
Em recém-natos e lactentes com menos de 1 ano de
Holter idade, o uso de água gelada na face apresenta alto índice
A análise eletrocardiográfica ambulatorial (Holter) pode ser de reversão de taquicardia reentrante – a água gelada na
feita durante 24 a 48 horas. Esse método é bem utilizado nos face gera aumento da pressão arterial com distensão do arco
pacientes com sintomas diários ou para controle da eficácia aórtico, causando um reflexo vagal. Esta reação vagal age no
terapêutica em taquicardias incessantes. Entretanto, em pacientes nó AV, culminado na reversão de taquiarritmias reentrantes,
com sintomas de palpitação taquicárdica, cujo ECG não é que usam o nó AV em seu circuito, como a TRAV, e, no caso
esclarecedor, o Holter, incomumente, pode sugerir a causa da de TA, ocorre aumento de bloqueio da condução AV, sem
taquicardia na presença de excitação ventricular intermitente. reversão da taquicardia, mas facilitando o diagnóstico.
A presença de dois intervalos PR com diferença mínima de
A manobra vagal eficiente em crianças maiores de
100 ms entre si, caracterizando a presença da dupla via nodal
2 anos de idade ocorre com compressão do seio carotídeo,
anterógrada, aponta para a hipótese de TRN.
associado ou não a flexão dos membros inferiores no tórax.
Em casos de sintomas esparsos, o monitor de eventos A deglutição de água gelada tem tido resultado positivo na
tem capacidade de documentação de 1 a 2 semanas. reversão de taquicardias em crianças > 5 anos de idade.
Nessa mesma linha, sistemas mais novos, acoplados até ao A massagem ocular deve ser evitada, pois, além de ineficaz,
telefone celular, tornam-se ferramentas ótimas para os casos de pode ocasionar descolamento de retina.
sintomas muito esparsos e podem ser usados em substituição
No caso de insucesso da manobra vagal, a adenosina
ao loop implantável (dispositivo implantado no subcutâneo do
(0,2 mg/kg/dose) é o fármaco de escolha, sendo obtidos
paciente com capacidade de fazer registro eletrocardiográfico
três tipos de resposta: (1) não reversão com bloqueio AV
contínuo por até 2 anos).
transitório – TA e flutter atrial; (2) alentecimento gradual
– taquicardia sinusal, TA focal e taquicardia juncional;
Teste ergométrico (3) reversão súbita – TRAV, TRN e TA.
O teste ergométrico é útil em casos bem caracterizados No caso de não resposta da adenosina, duas situações
de arritmias desencadeadas pelo esforço físico, sejam devem ser aventadas: a dose inadequada aplicada e a
extrassístoles ou taquiarritmias, como TA, flutter atrial, presença de TV − o complexo QRS em criança não é
desencadeadas durante o esforço físico. Em alguns casos tão alargado quanto o do adulto (duração do complexo

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flutter atrial

Figura 4 – Fluxograma do diagnóstico diferencial das taquiarritmias supraventriculares. AV: atrioventricular; TJE: taquicardia juncional ectópica; TRN: taquicardia por
reentrada nodal; TA: taquicardia atrial; TRAV Coumel: taquicardia reentrante atrioventricular mediada por via acessória de condução ventrículo-atrial lenta; TRN incomum:
taquicardia por reentrada nodal atrioventricular inversa à taquicardia por reentrada nodal; TRAV: taquicardia por reentrada atrioventricular.

QRS  ≥  90  ms em crianças com ≤ 2 anos de idade e TSV em que houve alta freqoência ventricular, sendo mais
QRS > 100 ms em crianças com idade ≥ 3 anos de idade). comum na TRVA.

c) Presença de bloqueio de ramo funcional 3.1.2. Taquiarritmias ventriculares


A presença ocasional de bloqueio de ramo funcional A avaliação e a estratificação da TV passam, primordialmente,
durante a taquicardia pode facilitar o diagnóstico da TSV. pela análise da função ventricular. A disfunção ventricular, em
A TRAV mediada por via acessória lateral esquerda, ao especial do Ventrículo Esquerdo (VE), é marcador de risco
apresentar bloqueio de ramo esquerdo (bloqueio de ramo independente de morte súbita.
homolateral à via acessória), leva ao alentecimento da Dentre os métodos de análise da função ventricular
frequência da taquicardia, já que o caminho da circunvolução temos o ecocardiograma, os métodos com radioisótopos e a
da taquicardia aumenta (aumento do ciclo da taquicardia). ressonância magnética.
No caso de TRAV mediada por via acessória lateral direita
A TV incessante pode ser a causa da disfunção ventricular,
apresentar bloqueio de ramo direito (bloqueio de ramo
sendo caracterizada pelo fenômeno de taquicardiomiopatia.
homolateral a via acessória), leva ao alentecimento da
No caso do coração estruturalmente normal, a TV é classificada
frequência e ao aumento do ciclo da taquicardia.
como idiopática. Neste âmbito, dois tipos são mais comumente
demonstrados, a saber: TV Idiopática do Ventrículo Direito
d) Alternância elétrica do complexo QRS (TViVD) e TV Idiopática do Ventrículo Esquerdo (TViVE).
A alternância elétrica é caracterizada pela mudança de A TViVD pode se apresentar com ou sem relação com
amplitude do complexo QRS (onda R), sem mudança do eixo esforço físico, enquanto a TViVE tem íntima relação com
elétrico, analisada em D2, e se deve ao redirecionamento esforço físico. Assim, o teste ergométrico é a avaliação não
das forças elétricas ventriculares, causado por um bloqueio invasiva mais indicada, apesar da baixa de reprodutibilidade
2:1 de parte da rede de Purkinje. Pode ocorrer em qualquer do método, em especial na população infantil.

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O registro ECG dessas taquicardias em criança é incomum, de pressão intracavitária, são essenciais. Por fim,
sendo eventualmente evidenciado em crianças na unidade a avaliação com Doppler pode mostrar dados
de emergência para atendimento de um quadro febril, após hemodinâmicos de significado prognóstico, como
atividade aeróbica intensa, ou em registro de Holter. gradientes em obstruções, tamanho de shunts e
pressão de artéria pulmonar estimada. A existência
3.2. Pacientes com cardiopatia congênita de disfunção ventricular sistêmica e/ou pulmonar é
fator indicativo de risco aumentado de morte súbita.
A maior parte das cardiopatias congênitas apresenta
risco de evento arrítmico moderado na vida adulta. • Ressonância magnética:57 é especialmente útil para
Estima-se que arritmias malignas e morte súbita ocorram avaliações volumétricas e detecção de fibrose miocárdica.
em aproximadamente 1% de pacientes com CC em Tem sido usualmente indicada em quantificação de
seguimento de 10 anos. Em pacientes com lesões complexas, volume e função ventricular de VD em tetralogia de Fallot
esse risco pode atingir 10% em uma década, sendo a e VD sistêmico, quantificação de insuficiência pulmonar,
disfunção ventricular um marcador importante de arritmias avaliação de aneurismas, estenoses e dissecção em
ventriculares malignas. As patologias de maior risco são artérias pulmonar e aorta, além de avaliação de alterações
a transposição de grandes artérias e VD sistêmico após venosas pulmonares ou sistêmicas.
correção cirúrgica, obstruções ao VE (estenose aórtica ou • Tomografia computadorizada: é especialmente útil
coarctação aórtica) e tetralogia de Fallot. A estratificação para a avaliação de artérias coronárias e colaterais,
do risco desses pacientes é feita com dados de trabalhos anomalias arteriovenosas e doenças parenquimatosas
menores, na ausência de grandes ensaios clínicos.53-56 pulmonares.
A anamnese e o exame físico podem indicar risco • Teste ergoespirométrico: o teste ergoespirométrico
aumentado, como na presença de palpitações rápidas, para avaliação da capacidade cardiopulmonar oferece
sintomas de insuficiência cardíaca e, especialmente, dados como medida direta do consumo máximo de
síncope inexplicada. Ao exame físico, a presença de arritmia oxigênio, eficiência ventilatória, resposta pressórica,
cardíaca, o desenvolvimento de sopro cardíaco ou sinais de resposta cronotrópica e eventual desencadeamento
insuficiência cardíaca indicam pior prognóstico. de arritmias ao esforço. Testes repetidos costumam
ser usados para comparações no seguimento de longo
As arritmias cardíacas são a principal causa de
prazo, a fim de avaliar risco e definir necessidade ou
hospitalização em pacientes adultos com CC. Podem ser
não de intervenção.
sinal de descompensação hemodinâmica, assim como podem
ser muito mal toleradas, devido à condição cardíaca prévia.
A presença de arritmias documentadas aumenta o risco 4. Arritmias cardíacas fetais
de morte súbita, sendo isso especialmente verdadeiro na Os distúrbios do ritmo cardíaco correspondem a capítulo
presença de flutter/FA em pacientes com transposição de importante da cardiologia fetal. Eles podem comprometer
grandes vasos e tetralogia de Fallot. significativamente a evolução da gestação e, por isso, devem
Além da anamnese, exames complementares poderão ser ser identificados e tratados, quando necessário. É de vital
solicitados de acordo com a hipótese diagnóstica, e poderão importância que se reconheça o mecanismo da arritmia e
trazer informações prognósticas. estabeleçam-se as consequências hemodinâmicas, bem como
• ECG de repouso: feito de rotina em praticamente a anatomia cardíaca fetal subjacente, para planejamento
todas as avaliações desses pacientes. Alguns dados terapêutico perinatal. Algumas arritmias fetais não necessitam
que indicam risco aumentado de morte súbita são a de tratamento. No entanto, outras correspondem à
presença de ritmo não sinusal, complexo QRS com emergência em cardiologia fetal, necessitando de rápido
diagnóstico e introdução da terapêutica.
mais de 180 ms e alterações na dispersão do QT.
• Holter e monitor de eventos, para avaliação de
4.1. Avaliação de ritmo cardíaco fetal
sintomas e pesquisa da presença de arritmias atriais
e ventriculares. O ecocardiograma fetal completo deve sempre incluir
a avaliação da frequência e do ritmo cardíaco. Várias
• Raio X de tórax: traz dados importantes se houver
técnicas são utilizadas para tal, incluindo os modos uni
aumento de área cardíaca, sinais de hipertensão
e bidimensional, e o Doppler pulsado.58 O princípio da
pulmonar ou alterações de vascularização pulmonar.
avaliação ecocardiográfica do ritmo cardíaco fetal é o
Índice cardiotorácico > 0,5 e edema agudo de pulmão
estabelecimento da relação entre as contrações atrial
são indicadores de risco aumentado de morte súbita.
e ventricular, sabendo-se que o normal é que esta seja
• Ecocardiograma transtorácico ou transesofágico: de 1:1, com uma Frequência Cardíaca (FC) entre 110 e
fornece informações essenciais sobre a anatomia 180 bpm. Por meio do Doppler, procura-se identificar
cardíaca, permitindo avaliar a morfologia das câmaras simultaneamente traçados que correspondam às contrações
cardíacas, funcionamentos das válvulas cardíacas, atrial e ventricular. Identificam-se a onda “A” do fluxo
função ventricular, presença e severidades de shunts. transmitral e a onda referente à ejeção ventricular esquerda.
Dados que indiquem sobrecarga de volume, como A obtenção concomitantemente de traçados da veia cava
aumento em volume diastólico final, ou sobrecarga superior e aorta, assim como de veia e artéria pulmonares,
de pressão, como hipertrofia ventricular ou aumento também é utilizada para este fim. Já o modo unidimensional

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pode mostrar a movimentação miocárdica durante o ciclo medicações, incluindo betabloqueadores e alguns sedativos,
cardíaco do feto, identificando-se as contrações atriais e que podem suprimir a frequência do nó sinusal do feto.
ventriculares no mesmo traçado.59,60 Estas arritmias não requerem tratamento.

4.2. Bradicardia fetal 4.4. Síndrome do QT longo e outras canalopatias


A causa e o mecanismo da bradicardia fetal determinam A bradicardia fetal persistente e assintomática, isto é,
a estratégia de tratamento. Muitas vezes, este se restringe quando a FC fetal é mantida abaixo do percentil 361 é uma das
à observação cuidadosa dos sinais de comprometimento apresentações mais consistentes da SQTL.62,63 O manejo do
ou sofrimento do feto. As decisões a respeito de adiantar feto com suspeita de SQTL inclui observação atenta, avaliação
o parto, correndo os riscos das complicações secundárias à pós-natal e medida do intervalo QT Corrigido (QTc) por
prematuridade, devem ser avaliadas e comparadas com as Magnetocardiografia fetal (MCGf) ou eletrocardiografia, se estas
terapias disponíveis, sua eficácia e os riscos do uso de drogas técnicas estiverem disponíveis.64 A bradicardia fetal decorrente
ou implante de dispositivos para mãe e feto. da SQTL não deve ser tratada, mas o torsades de pointes, se
presente, deve receber terapêutica medicamentosa (Quadros
O Quadro 2 apresenta um resumo das bradicardias, 3 e 4).63 Sempre que possível, deve‑se evitar anormalidades
incluindo indicações para o tratamento. eletrolíticas maternas, especialmente hipomagnesemia e
hipocalcemia, bem como o uso de drogas e agentes anestésicos
4.3. Bradicardia sinusal ou ritmo atrial baixo que prolongam o intervalo QT.
Os mecanismos básicos do ritmo atrial baixo incluem
deslocamento congênito da ativação atrial, dano adquirido do 4.5. Bigeminismo atrial bloqueado
nó sinoatrial, canalopatia e supressão secundária da frequência O bigeminismo atrial bloqueado produz FC entre 75 e
do nó sinusal. Os isomerismos atriais direito ou esquerdo 95 bpm quando a condução AV encontra‑se em padrão do
podem causar bradicardia como resultado de ritmo atrial tipo 2:1.65 Essa anormalidade pode ser confundida com BAV
baixo ou nós sinoatriais duplos. Nestes casos, a FCdo feto pode de 2º grau. O manejo do bigeminismo atrial bloqueado é
variar de 90 a 130 bpm. Na miocardite viral ou na presença idêntico ao da extrassistolia atrial isolada, sem necessidade
de anticorpos anti-Ro e/ou anti-LA, pode-se observar fibrose de tratamento. A evolução para taquicardia supraventricular
do nó sinusal. A bradicardia sinusal pode ser observada em pode ocorrer em aproximadamente 10% dos casos; por
situações de evolução progressiva para o óbito fetal (feto em este motivo, recomenda-se realizar o ecocardiograma fetal,
condição terminal) ou decorrente do uso materno de algumas para avaliar a anatomia e a função cardíacas de base, e fazer

Quadro 2 – Manejo intrauterino de bradicardias.

Diagnóstico Causas primárias Manejo intrauterino CR/NE Comentários


Descartar sofrimento fetal como
Marca-passo atrial ectópico I/A Pode ser visto nos isomerismos atriais
causa da bradicardia
Disfunção do nó sinusal (incluindo as Observação até resolução da Checar na mãe anti-Ro/LA e IgG/IgM
I/A
Bradicardia sinusal decorrentes deinfecção ou anticorpos) bradicardia para TORCH e parvovírus
Causas secundárias: medicações e
Tratar causa subjacente da
hipotireoidismo materno, sofrimento ou I/A
bradicardia
anomalias do SNC fetal
10% de risco de TSV fetal
Bigeminismo atrial Observar/reduzir estimulantes
Extrassístoles atriais I/A Ausculta semanal da FC fetal até
bloqueado maternos
arritmia resolver
Agressão dos anticorpos maternos
Observação I/A Coração estruturalmente normal
Anti-Ro/La
Dexametasona para BAV de
Fibroelastose endocárdica, disfunção
segundo grau ou de primeiro grau IIb/B
valvar ou miocárdica associadas
com sinais de inflamação cardíaca

BAV Para BAV idiopático ou resultante


de dano ao nó AV normal (pesquisa
Para BAVT como prevenção do óbito
IIb/B de anticorpos negativa) apenas
ou cardiomiopatia
observar; não é recomendado o uso de
dexametasona
A imunoglobulina endovenosa não é
Imunoglobulina endovenosa Ib/C
recomendada como profilaxia
Adaptado de: Donofrio et al.93 CR/NE: classe recomendação/nível de evidência; TORCH: toxoplasmose, outras, rubéola, citomegalovírus e herpes; SNC: sistema
nervoso central; TSV: taquicardia supraventricular; FC: frequência cardíaca; BAV: bloqueio atrioventricular; BAVT: bloqueio atrioventricular total; AV: atrioventricular.

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Quadro 3 – Manejo intrauterino das taquicardias.

Diagnóstico Tratamento intrauterino CR/NE Comentários

TSV ou Observar I/B Controle da FC fetal


Taquicardia flutter atrial
intermitente
TV ≥ 200 bpm Antiarrítmicos IIa/C
Drogas de primeira e segunda
Ver quadro 4 para dosagens e recomendações
linha (transplacentário)
Digoxina I/B
Sotalol I/B Os tratamentos combinados são usados para casos graves, refratários
às drogas
Combinação de drogas (transplancentário) IIb/B Considerar antecipação do parto se próximo do termo
TSV ou flutter Terceira linha (transplacentário)
atrial com
hidropsia ou Amiodarona I/B
disfunção Contraindicado: verapamil III/A
ventricular
Contraindicado: procainamida III/B
Tratamento direto do feto
Digoxina IM IIa/B
Digoxina no cordão IIb/B
Contraindicado: adenosina no cordão III/B
Primeira ou segunda linhas: Ver quadro 4 para dosagens e recomendações de monitoramento
TSV ≥ 200 bpm
sem hidropsia Digoxina I/B
ou disfunção Monitoramento frequente do bem-estar fetal e da toxicidade de drogas
ventricular (em Sotalol I/B
materno-fetais. Considerar antecipação do parto se próximo do termo
Taquicardia geral a TSV tem
sustentada FC ≥ 220 bpm; Terceira linha
considerar
Amiodarona IIb/B
outras
causas se FC Contraindicado: verapamil IIb/A
< 220 bpm)
Contraindicado: procainamida III/B

TSV < 200 bpm


sem hidropsia Observar I/B
ou disfunção
ventricular
Sotalol I/B Digoxina aumentará o BAV e diminuirá a resposta ventricular.
Digoxina I/B Considerar antecipação do parto, se próximo do termo
Flutter atrial
Amiodarona IIb/B
Contraindicado: procainamida III/B
Tratamento de primeira linha
Magnésio EV I/C MCGf (se disponível) para medir intervalo QTc
Lidocaína EV I/C Iniciar com magnésio EV e depois lidocaína em bolo + manutenção
TV ± hidropsia
Propranolol (oral) I/C Magnésio EV na mãe não deve ser usado por > 48 horas
Tratamento de segunda linha
Sotalol I/C Considerar antecipação do parto se próximo do termo
Adaptado de Donofrio et al.93 CR/NE: classe de recomendação/nível de evidência; TSV: taquicardia supraventricular; TV: taquicardia ventricular; IM: intramuscular;
BAV: bloqueio atrioventricular; EV: endovenoso; MCGf: magnetocardiografia fetal; FC: frequência cardíaca; QTc: intervalo QT corrigido.

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Quadro 4 – Drogas antiarrítmicas.

Droga Dose terapêutica Nível sérico terapêutico e efeito Toxicidade


Ataque: 1.200-1.500 μg/24 horas EV a cada Náusea/vômitos, bradiarritmia sinusal ou BAV,
0,7-2,0 ng/mL
8 horas pró-arritmia

Digoxina Manutenção: 375-750 μg/dose/dia a cada 8 a Náusea, fadiga, perda de


12 horas (VO) apetite, bradicardia sinusal, IM fetal: lesão do nervo ciático ou laceração da
Dose IM fetal: 88 μg/kg a cada 12 horas e BAV de primeiro grau, BAV tipo pele devido à injeção
repetir duas vezes Wenckebach noturno (raro)
Náusea/vômitos, tontura, QTc ≥ 0,48 segundos,
160-480 mg/dose/dia a cada 8-12 horas (VO) Níveis não monitorados
fadiga, BCR, pró-arritmia materna ou fetal
Sotalol Bradicardia, BAV de primeiro
grau, alargamento de P e QRS,
QTc ≤ 0,48 segundos
Náusea/vômitos, disfunção de tireoide, rash por
Ataque: 1.800-2.400 mg/d a cada 6 horas por fotossensibilidade, trombocitopenia, BCR, QTc
48 horas (VO); 800-1200 mg se tratamento 0,7-2,8 μg/mL ≥ 0,48 segundos, pró-arritmia materna e fetal,
medicamentoso prévio torsades com SQTL, bócio fetal, problemas do
desenvolvimento neurológico
Bradicardia sinusal materna e
Amiodarona
fetal, perda de apetite, BAV de
Manutenção: 200-600 mg/d (VO)
primeiro grau, alargamento de P e
QRS, QTc ≤ 0,48 segundos
Descontinuar a droga e fazer transição para
outro agente, quando o ritmo for convertido ou
a hidropsia estiver resolvida
Fadiga, bradicardia, hipotensão, BAV, restrição do
60-320 mg/d divididos a cada 6 horas (VO) 25-140 ng/mL
crescimento fetal, aumento do tônus uterino
Propranolol
BAV de primeiro grau, bradicardia,
aumento do tônus uterino
Ataque: 1-1,5 mg/kg EV seguido de Náusea/vômitos, sintomas neurológicos e
Lidocaína 1,5-5 μg/mL
1-4 mg/minuto EV contínuo pró‑arritmia
Fadiga, sintomas neurológicos
Ataque: 2-6 g EV por 20 minutos seguidos de
< 6 mEq/L Se perda do reflexo patelar e/ou níveis > 6 mEq/L,
1-2 g/hora
interromper a infusão
Sulfato de magnésio
Não se recomenda tratamento por > 48 horas
Níveis > 5 mEq/L associados com alterações no
Nova dosagem pode ser considerada, se Monitorar reflexo patelar
ECG materno e pró-arritmia
houver recorrência da TV

Adaptado de Donofrio et al.93 EV: via endovenosa; BAV: bloqueio atrioventricular; VO: via oral; IM: intramuscular; BCR: bloqueio completo de ramo; SQTL: síndrome
do QT longo; TV: taquicardia ventricular; ECG: eletrocardiograma; QTc: intervalo QT corrigido.

seguimento do feto semanalmente, seja pelo ultrassom ou presença de sinais de insuficiência cardíaca ou hidropsia
pelo ecocardiograma fetal. fetal (mesmo que a FC esteja acima desse número). 66
A terbutalina parece ser bem tolerada, embora seja comum
4.6. Bloqueio atrioventricular total o aparecimento de extrassístoles benignas e de taquicardia
Foram descritos três tipos de Bloqueio Atrioventricular sinusal materna.63 Mesmo elevando a FC fetal e, com isso,
Total (BAVT) fetal. Em 50% dos casos, ele ocorre por prolongando a gestação, não existem estudos que demonstrem
malformação do sistema de condução e se associa a doenças o impacto do uso dos simpaticomiméticos na sobrevida.
estruturais, sendo as mais frequentes o isomerismo atrial O uso do marca-passo fetal apresenta importante limitações
esquerdo e a transposição corrigida das grandes artérias. técnicas, sendo ainda considerado experimental.64 O BAVT
O BAVT autoimune, associado aos anticorpos maternos de origem imunológica pode se beneficiar do tratamento
anti‑Ro e Anti-La, representa aproximadamente 40% dos casos. medicamentoso com corticoides, da infusão endovenosa de
O terceiro grupo, menos frequente, tem etiologia indeterminada. gamaglobulina ou da associação de ambos.67-70 Os relatos
A indicação do tratamento do BAVT depende da etiologia, da que descrevem os benefícios da dexametasona, na dose de
frequência ventricular e da presença e grau de repercussão 4 a 8 mg/dia, evidenciam redução da inflamação,67 reversão
hemodinâmica. O uso de betassimpaticomiméticos, como ou estabilização do BAV incompleto (primeiro e segundo
terbutalina, salbutamol ou isoprenalina, pode elevar a graus), e melhora ou resolução da hidropsia e da fibroelastose
FC fetal, quando esta se encontra abaixo de 55 bpm, na endocárdica.67-72 Entretanto, o uso de corticoides pode estar

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associado a complicações importantes como restrição de hidropsia fetal, devem receber tratamento farmacológico, a
crescimento, oligoâmnio, constrição ductal (que também pode menos que a gestação esteja perto do termo, o que determina
ser causada pela própria doença), diabetes melito materno e baixo risco para antecipação do parto.
efeitos adversos sobre o Sistema Nervoso Central (SNC) fetal.70-73
Apesar dessas possíveis complicações, quando existe BAV de 4.9. Taquiarritmias intermitentes
primeiro ou segundo graus associado a sinais de inflamação
A maioria das taquicardias intermitentes permanece como
miocárdica, tais quais ecogenicidade endomiocárdica
tal durante a vida fetal, sem sinais de comprometimento
aumentada, regurgitação valvar, disfunção cardíaca, derrame
cardíaco. Estes fetos não precisam ser tratados.76 No entanto,
pericárdico, entre outros, a dexametasona poderá ser utilizada
é necessário um acompanhamento cuidadoso, pois em raras
para prevenir progressão para BAVT, mesmo que sua eficácia
situações a taquicardia pode se tornar persistente. A exceção
ainda não esteja bem estabelecida. Nos fetos com BAVT
é a TV com frequência > 200 bpm que, mesmo intermitente,
instalado e sem insuficiência cardíaca, a dexametasona também
apresenta risco de rápida progressão para hidropsia fetal.
pode ser considerada e tem como objetivo reduzir a incidência
de cardiomiopatia dilatada.73-75 O medicamento deve ser Os ritmos ventriculares acelerados são um pouco mais
descontinuado ser houver efeitos colaterais importantes na rápidos do que a frequência sinusal e constituem uma forma
mãe ou no feto. A imunoglobulina endovenosa administrada benigna de TV. Em geral, são vistos no final da gestação e não
com a dexametasona constitui outra opção terapêutica. necessitam de tratamento antes ou depois do parto.
Estudo multicêntrico retrospectivo demonstrou melhora da
sobrevida com essa associação quando existe fibroelastose 4.10. Taquicardias sustentadas
endocárdica ou disfunção sistólica.68 O momento ótimo da A taquicardia supraventricular sustentada, cuja FC, em
administração e os intervalos entre as doses ainda não são geral, é ≥ 220 bpm, inclui taquicardia supraventricular por
conhecidos. Apesar deste estudo, não há recomendação para reentrada, o flutter atrial e outras taquiarritmias mais raras.
o uso de imunoglobulinas profiláticas no início da gravidez O tratamento fetal está recomendado se o risco do parto for
de portadoras de tais anticorpos.72 Os principais riscos do maior que o do uso da medicação. A terapêutica combinada,
tratamento com imunoglobulinas são a exposição a produtos isto é, com a associação de drogas apresenta um risco maior
de sangue e as reações alérgicas. de complicações maternas e fetais do que a monoterapia.
Nas crise por perda de fôlego, a maioria dos centros usa a
4.7. Outras doenças associadas ao bloqueio digoxina como droga de primeira escolha. Por ser segura,
atrioventricular ter longa história de uso na gestação e ser bastante familiar
O BAVT idiopático tem melhor prognóstico do que as aos profissionais de saúde, a digoxina pode ser utilizada
outras formas e pode ser manejado sem tratamento do tanto por Via Oral (VO) como endovenosa. Alguns centros
feto. Canalopatias como NKX2.5, Herg (QTL2), mutações utilizam o sotalol como tratamento de primeira linha.59-79
SCN5A (QTL3, síndrome de Brugada) e QTL8 podem se A amiodarona tem perfil de toxicidade mais significativo
manifestar como BAV. O diagnóstico dessas síndromes pode para a gestante e o feto80 do que as outras drogas e deve
ser confirmado por exames genéticos após o nascimento. ser reservada como de terceira linha de tratamento das
taquiarritmias que causam risco de vida fetal. Por isso,
quando usada, deve ser descontinuada assim que a hidropsia
4.8. Taquicardia fetal
estiver resolvida. Devido ao risco de pró‑arritmia, o verapamil
A taquicardia fetal é uma causa rara e importante de e a procainamida não são mais utilizados para o tratamento
hidropsia intrauterina, parto prematuro e morbimortalidade das taquiarritmias fetais.
perinatal. O tratamento intrauterino depende da etiologia.
Na vigência de hidropsia fetal, a transferência
Em geral, o objetivo do tratamento não é a conversão total
transplacentária de medicações fica significativamente
para ritmo sinusal, mas o estabelecimento de ritmo sinusal por
reduzida. Com o intuito de restaurar o ritmo sinusal o
tempo suficiente para permitir a resolução da hidropsia ou da
mais rapidamente possível, o tratamento com infusão
disfunção ventricular. O manejo da taquicardia fetal depende
fetal direta, seja venosa (pelo cordão umbilical) ou
da idade gestacional na apresentação, da presença e grau de
Intramuscular (IM), pode ser realizado concomitantemente
comprometimento do feto, da presença de hidropsia ou outros
com a administração materna da droga.76,81,82 A adenosina
fatores de risco, da condição clínica da mãe e do potencial risco
intracordal não se mostrou eficaz na manutenção do
materno para o tratamento do feto. Nesses casos, as decisões
ritmo sinusal em fetos com taquicardia supraventricular,
sobre antecipação do parto, assumindo as complicações da
não sendo por isso recomendada. O tratamento após
prematuridade, devem ser balanceadas e comparadas com
o nascimento deve ser analisado individualmente,
as terapias disponíveis, sua efetividade e os riscos maternos e
de acordo com a terapêutica utilizada intraútero e o
fetais. No caso das taquicardias persistentes, que são aquelas
mecanismo da taquicardia. Aproximadamente 50% dos
observadas em mais de 50% do período de observação fetal,
casos de taquicardia supraventricular fetal não apresentam
as decisões sobre o tratamento dependem da análise do risco
recorrência pós‑natal.83
fetal versus o materno. Já na taquicardia intermitente, faz-se a
observação do caso de forma cuidadosa, pois, na maioria dos
casos, o risco do tratamento é maior do que seus benefícios. 4.11. Flutter atrial
Todos os fetos com taquicardia persistente e aqueles com O flutter atrial é responsável por aproximadamente 30%
taquicardia intermitente, mas com disfunção ventricular e/ou das taquiarritmias fetais,84 podendo ser observado também

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em fetos com miocardite, cardiopatias estruturais e na linha para TV fetal com FC > 200 bpm, não devendo
vigência de autoanticorpos maternos anti-Ro e anti-La. exceder 48 horas de infusão. 62,88,90 A administração
Em algumas situações, o flutter pode ser decorrente da de nova dose pode ser considerada nos casos de TV
associação de via acessória e mecanismos de reentrada.83 recorrente, desde que os níveis de magnésio maternos
Nesses casos, recomenda-se o uso de sotalol, que tem se sejam < 6 mEq /L91 e não haja sinais de toxicidade materna.
mostrado eficaz e seguro, com taxa de conversão de 50 a Além de magnésio de curta duração, o tratamento inclui
80% para ritmo sinusal e sem mortalidade.79 Outras drogas lidocaína intravenosa ou propranolol oral, principalmente
utilizadas são a digoxina e a amiodarona.80 A procainamida, se houver hidropsia associada. Sotalol e amiodarona
entretanto, está contraindicada. Após o nascimento, a podem interromper a taquicardia, mas só devem ser
estimulação transesofágica ou a cardioversão sincronizada empregados quando excluído o diagnóstico de SQTL.62,89
são as melhores opções para restaurar o ritmo sinusal. Após o nascimento, o tratamento da TV deve ser continuado.
Durante essas manobras, é importante que se esteja
preparado com marca-passo de estimulação externa, pois
4.14. Ritmo irregular
há risco de supressão do nó sinusal, devido à terapêutica
utilizada intraútero. O tratamento após o nascimento deve A extrassistolia fetal ocorre em 1 a 3% de todas as
ser particularizado. A tendência do flutter fetal é de não se gestações e, geralmente, é uma alteração cardíaca bastante
repetir, após sua reversão. benigna. Como as extrassístoles atriais podem ser difíceis de
serem diferenciadas das ventriculares ou de outros tipos de
arritmias mais significativas (SQTL, BAV de 2º grau), os fetos
4.12. Taquicardias raras
com extrassístoles frequentes (bigeminismo, trigeminismo
A TA caótica ou multifocal é rara e geralmente vista ou mais do que um a cada três a cinco batimentos
durante as últimas semanas de gravidez. Ela pode estar em média) devem fazer o ecocardiograma fetal inicial.
associada com a síndrome de Costello.85 A TA ectópica Para avaliar as estruturas cardíacas e determinar o mecanismo
apresenta frequência atrial variável entre 180 e 220 bpm, da arritmia. As extrassístoles atriais são dez vezes mais comuns
com condução 1:1, semelhante à taquicardia juncional do que as ventriculares. O risco de desencadeamento
persistente, cuja frequência também varia. Essas taquicardias de taquicardia fetal é de 0,5 a 1%. O bigeminismo atrial
são de difícil tratamento e frequentemente ocorrem no final bloqueado aumenta o risco de taquicardia supraventricular.
do segundo trimestre ou no terceiro trimestre gestacional. O tratamento clínico não está indicado, mas recomenda-se
Recomenda‑se tratamento quando FC média > 200 bpm, ou ausculta semanal da FC fetal pelo obstetra, nos casos de
> 160 e < 200 bpm, mas com disfunção cardíaca associada. Extrassístoles Ventriculares (ESV) ou atriais frequentes, até
A TJE é comumente associada à presença de anticorpos anti‑Ro a resolução da arritmia. O quadro 5 mostra um resumo do
no feto e tem sido observada associada ou não ao BAVT.86,87 tratamento do ritmo fetal irregular.
A digoxina é a medicação sugerida para o tratamento da
TA multifocal, ou TA ectópica sem hidropsia, ou disfunção
ventricular. A droga mais recomendada para o tratamento da 4.15. Medicamentos antiarrítmicos
taquicardia juncional persistente ou atrial ectópica rápida é o Devido ao aumento do volume sanguíneo circulante
sotalol. Na vigência de anticorpos anti-Ro e anti-La maternos, materno e à elevada taxa de filtração glomerular nos
a administração da dexametasona pode ser considerada. segundo e terceiro trimestres gestacionais, a maioria dos
Após o parto, o tratamento geralmente deve ser continuado. antiarrítmicos deve ser usada em doses relativamente altas.
A taquicardia causada por anticorpos antitireoide pode ser A base do tratamento é o uso de antiarrítmicos por VO,
confundida com TA ectópica ou juncional persistente, mas, administrados em ambiente hospitalar. Eventualmente,
nesses casos, é muito incomum o aparecimento de disfunção utilizam-se ataques de digoxina endovenosa, magnésio
ventricular.29 Frequências cardíacas entre 180 e 190 bpm por curto período de tempo e lidocaína. O tratamento
podem ser decorrentes de anemia, uso de medicamentos, direto do feto, seja Endovenoso (EV) (intracordal) ou IM,
trauma ou hipertireoidismo materno. Por isso, recomenda-se pode restaurar mais rapidamente o ritmo sinusal no feto
o tratamento da causa subjacente. hidrópico. Entretanto, a experiência com esta abordagem
terapêutica é limitada. A via intracordal tem risco de óbito
4.13. Taquicardia ventricular sustentada mais elevado. Na maioria dos casos, o tratamento da arritmia
A TV sustentada pode ser observada em associação fetal é mantido até o parto. Há informações limitadas sobre
com BAVT, tumores cardíacos, miocardite aguda e a transferência materno-fetal desses agentes em seres
canalopatias hereditárias. A coexistência de taquiarritmias e humanos. Na hidropsia fetal, a maioria das drogas apresenta
bradiarritmias sugere SQTL.88 Esta pode cursar também com taxa de transferência transplacentária reduzida, com exceção
TV monomórfica, torsade de pointes, disfunção ventricular do sotalol, que apresenta maior concentração no líquido
importante, insuficiência das valvas AV e hidropsia fetal.84 amniótico do que no feto.92
O diagnóstico pode ser confirmado com MCGf, o que Os efeitos adversos graves na mãe são raros e, na maioria
auxilia ma seleção da droga antiarrítmica a ser empregada. das séries relatadas, foram resolvidos com a descontinuação
Se a taquicardia está relacionada a autoanticorpos maternos do tratamento.58 Avaliação cuidadosa de níveis séricos de
ou miocardite, a dexametasona e a imunoglobulina cálcio, magnésio, eletrólitos e vitamina D deve ser feita
endovenosa podem ser empregadas.76,89 O uso de magnésio durante o tratamento, para reduzir a possibilidade de
materno está recomendado como tratamento de primeira pró‑arritmia na mãe ou no feto. Deve-se pesquisar sobre

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Quadro 5 – Manejo intrauterino do ritmo irregular.

Diagnóstico Causa Manejo intrauterino CR/NE Comentários


Pode parar progressão
Autoimune Dexametasona IIb/B
para BAVT
BAV de segundo grau Se disponível, MCGf para
CC estrutural Seguimento semanal I/C
excluir SQTL
Canalopatia Seguimento semanal I/C
Observação com avaliação de FC fetal em
intervalos semanais, até a resolução da arritmia 2% também têm BAV de primeiro
Idiopático I/A
(bigeminismo, trigeminismo ou extrassístoles a ou segundo grau
cada 3-5 batimentos)
Quando ESSV, 0,5 a 1% de risco
de desenvolver TSV
ESV ou ESSV frequentes
Quando ESV, risco de TV é
Aneurisma da fossa oval desconhecido
A maioria dos episódios é de
curta duração e benigna
Avaliar causas secundárias
Causas secundárias
Observação com avaliação de FC fetal em
Miocardite I/C
intervalos semanais
Avaliação frequente (intervalos de 1 a
2 semanas) da função cardíaca e outros
parâmetros de CC fetal
ESV ou ESSV frequentes
Observação com avaliação de FC fetal em
Tumores cardíacos I/C
intervalos semanais pelo obstetra
Aneurisma ou divertículo Observação com avaliação de FC fetal em
I/C
ventricular ou atrial intervalos semanais pelo obstetra
Estimulantes maternos Observação com avaliação de FC fetal I/C
Adaptado de Donofrio et al.93 CR/NE: classificação da recomendação/nível de evidência; BAVT: bloqueio atrioventricular total; BAV: bloqueio atrioventricular;
MCGf: magnetocardiografia fetal; SQTL: síndrome do QT longo; ESV: extrassístoles ventriculares; ESSV: extrassísoles supraventriculares; TSV: taquicardia supraventricular;
CC: cardiopatia congênita.

história de SQTL ou torsades de pointes induzidas por persistente ou TJE, com frequências médias > 200 bpm, se o
drogas na paciente, ou em membro próximo da família, feto não estiver próximo do termo. A taquiarritmia associada
antes do tratamento com medicações que prolongam o à hidropsia fetal tem alto risco de óbito fetal (Classe de
intervalo QT, sendo importante o monitoramento atento Recomendação I; Nível de Evidência A).
do prolongamento de QTc acima de 500 ms. Também é 1. O emprego de simpaticomiméticos para elevar a FC
muito importante o monitoramento dos níveis séricos das fetal poderá ser considerado nas seguintes situações (Classe
drogas e do ECG materno, para avaliar reduzir o risco de de Recomendação IIa; Nível de Evidência B):
toxicidade, especialmente quando houver aumento de dose.
a. Fetos com bloqueio AV e frequência ventricular
Não há ensaios clínicos randomizados e multicêntricos sobre
o uso de antiarrítmicos nas taquiarritmias fetais e, portanto, < 55 bpm.
os protocolos de tratamento permanecem específicos para b. Fetos com bloqueio AV e FC > 55 bpm se associado à
cada local de tratamento. malformação cardíaca grave ou hidropsia fetal.
O quadro 3 apresenta um resumo das taquicardias, 2. Pode-se considerar tratamento clínico de fetos com
incluindo indicação do tratamento. As medicações usadas TV intermitente com frequências > 200 bpm (Classe de
no tratamento transplacentário (administrados por VO ou Recomendação IIa; Nível de Evidência B).
endovenosa à mãe) e no tratamento fetal direto, incluindo 3. O tratamento clínico com dexometasona pode ser
doses sugeridas, estão relacionados no quadro 4. cogitado em fetos com BAV de segundo grau relacionado a
autoanticorpos ou BAV com sinais de inflamação cardíaca
4.16. Algumas considerações sobre o tratamento clínico fetal (Classe de Recomendação IIb; Nível de Evidência B).
O tratamento medicamentoso deve ser oferecido a 4. O tratamento clínico com digoxina pode ser cogitado
fetos com TV ou supraventricular persistente, incluindo TA em fetos com sinais de insuficiência cardíaca (Classe de
multifocal, TA ectópica, taquicardia juncional reciprocante Recomendação IIb; Nível de Evidência A).

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5. O tratamento clínico não traz nenhum benefício para A crise por perda de fôlego, típica da infância, principalmente
fetos com bradicardia sinusal, ritmos irregulares causados por em crianças de 6 a 18 meses de idade, caracteriza-se por eventos
batimentos extrassistólicos (Classe de Recomendação III; provocados por estímulo emocional, como raiva, frustração,
Nível de Evidência A), taquicardia supraventricular medo súbito ou trauma leve. A criança chora vigorosamente,
intermitente sem comprometimento fetal ou hidropsia ou seguido de apneia no final da expiração, levando à palidez ou
TV intermitente com FC < 200 bpm (ritmo ventricular cianose, e à perda da consciência associada ocasionalmente
acelerado), sem comprometimento fetal ou hidropsia aos movimentos convulsivos. Raramente é descrita em crianças
(Classe de Recomendação III; Nível de Evidência B). com menos de 6 meses, e o pico de incidência ocorre aos
2 anos de idade, com resolução espontânea geralmente ao
redor dos 5 anos. Existem duas formas da síndrome da perda
5. Síncope de fôlego: a forma pálida (ou crise sincopal infantil reflexa) e
Síncope é a perda de consciência e do tônus postural a cianótica (ou perda de consciência por hipóxia ou apneia),
autolimitada, causada por hipofluxo cerebral transitório. sendo a última a mais comum (54 a 62%). A prevalência
Até o final da segunda década de vida, 15 a 20% das crianças estimada é de 4,6 a 4,7%, com relação menino/menina de
e adolescentes terão tido ao menos um episódio de síncope, 3:1. A forma pálida resulta de resposta vagal cardioinibitória
sendo mais frequente em meninas, com pico entre os 15 e exacerbada, levando à hipoperfusão cerebral. É frequente
19 anos.94-97 O episódio geralmente é isolado e relacionado a história familiar positiva para síncope neurocardiogênica
à doença aguda e/ou ao estresse psicológico, ou a estímulos nesses pacientes. A fisiopatologia da forma cianótica ainda
nocivos. Em muitos casos, mesmo após a extensa avaliação, não é muito clara. Desregulação autonômica, distúrbios da
a causa permanece indeterminada. Entretanto, apesar de a quimiossensibilidade ventilatória e shunt intrapulmonar são
maioria dos eventos sincopais em crianças e adolescentes teorias postuladas. A síndrome é geralmente benigna, apesar da
ser benigna, síncopes com alto potencial de morte súbita apresentação preocupante para os familiares. Casos de assistolia
decorrentes de arritmias malignas também podem estar com Parada Cardiorrespiratória (PCR) foram descritos, porém
presentes na população pediátrica, mesmo na ausência de os casos de morte geralmente têm outros distúrbios clínicos
doença estrutural cardíaca. Com etiologia variável, a síncope associados. O diagnóstico diferencial entre a síndrome de perda
abrange desde situações benignas até quadros com risco de fôlego e a epilepsia é fundamental, já que a administração
potencial de morte súbita (Quadros 6 e 7). Assim, toda a diária de anticonvulsivantes não está indicada nessas situações.
atenção se faz necessária, para se identificarem essas raras Características clínicas podem diferenciar a síndrome de
situações de risco de morte iminente, relacionadas à síncope perda de fôlego cianótica da epilepsia. O eletroencefalograma
na infância. Outro ponto importante na investigação da pode ajudar em crises prolongadas ou em casos de histórico
síncope é que, por se tratar de uma entidade multidisciplinar, inconclusivo. O diagnóstico pode ser confirmado pela detecção
frequentemente atendida por pediatras, cardiologistas e de bradiarritmia durante as crises, por meio de monitorização
neurologistas, não raramente síncopes cardiológicas são mal ambulatorial do ECG. História familiar positiva para síndrome
diagnosticadas e tratadas como de origem neurológica e da perda de fôlego pode ajudar no diagnóstico, uma vez que
vice-versa, alertando para a importância e o cuidado com o ela é observada em 23 a 38% dos pacientes com o distúrbio.98
intercâmbio de informações entre as diversas áreas envolvidas A síncope neurocardiogênica apresenta-se clinicamente, na
no atendimento desses pacientes. maioria das vezes com sintomas prodrômicos típicos, como calor,
sudorese fria, palpitações e náuseas, desencadeada por postura
ortostática ou sentada. É muito frequente em adolescentes com
5.1. Etiologia
coração normal; na maior parte dos casos, o diagnóstico é clínico
Para fins práticos, podemos separar as causas da síncope e identificado somente pela anamnese. No entanto, pode se
em dois grupos distintos: síncope neurocardiogênica e manifestar de forma atípica. Nesse caso, a realização do teste de
síncope cardíaca (Quadro 8). A causa neurocardiogênica inclinação é importante para determinação da suscetibilidade do
inclui a síncope vasovagal, hipotensão ortostática e síncope indivíduo à síncope e para confirmação diagnóstica.
situacional, sendo responsável pela maioria dos casos
A síncope vasovagal, especialmente a forma cardioinibitória,
de síncope. Já a síncope cardíaca na infância pode estar
pode estar acompanhada de movimentos convulsivos,
relacionada à doença estrutural cardíaca, como as cardiopatias
gerando confusão diagnóstica com epilepsia. O diagnóstico
congênitas complexas, cardiomiopatia hipertrófica e até
diferencial entre síncope convulsiva e epilepsia, na maioria
estágios avançados de miocardiopatias, que levam a arritmias
das vezes, é estabelecido pela anamnese e, se possível, pela
ventriculares com alto risco de morte súbita, ou a síncopes descrição do evento por uma testemunha visual. A síncope
puramente arrítmicas, sem a presença de cardiopatia estrutural convulsiva manifesta-se geralmente com movimentos tônicos,
(síndrome de WPW e canalopatias). que ocorrem após a perda de consciência, decorrentes da
Com essa ampla variedade etiológica, abrangendo desde desinibição de neurônios excitatórios musculares devido à
situações benignas até quadros com risco potencial de morte interrupção do fluxo cerebral. Pequenos abalos musculares
súbita, torna-se de extrema importância o esclarecimento nas extremidades, desvio do globo ocular e até liberação
da causa. Com esse intuito, é importante estar alerta para esfincteriana podem ocorrer. Acompanha-se de palidez,
outras causas não sincopais de perda de consciência, como náuseas e sudorese. Por fim, os sintomas pós-sincopais,
epilepsia, intoxicações e pseudossíncope psicogênica, que como cansaço e sonolência, são frequentes, mas não são
também devem ser consideradas no diagnóstico diferencial prolongados, como na convulsão epiléptica. O teste de
desses pacientes (Quadro 9). inclinação é um importante auxílio no diagnóstico diferencial.

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Quadro 6 – Causas da síncope.

Mediada por estresse emocional, dor, medo,


Neurocardiogênica (vasovagal) instrumentação e estresse ortostático
Sí ncope reflexa (neuromediada) Tosse, espirro, estímulo gastrintestinal (deglutição,
Situacional defecação, dor visceral), miccional, após exercício e
pós-prandial

Síndrome da perda do fôlego

Síndrome postural ortostática taquicardizante

Síncope por hipotensão ortostática

Síncopes cardíacas

Bradiarritmias Disfunção do nó sinusal

BAV

Disfunção de dispositivos implantáveis

Taquiarritmias Taquicardias supraventriculares, WPW

TRN

Flutter atrial com condução AV 1:1, FA

Taquicardias ventriculares idiopáticas


Arritmias cardíacas Taquicardias ventriculares secundárias a cardiopatias

CC (operadas ou não)

Cardiomiopatia hipertrófica

DAVD

Miocardiopatia dilatada

Canalopatias
Taquiarritmias ventricular induzidas por drogas (efeito
pró-arrítmico)
Cardiopatia valvar

Cardiomiopatia hipertrófica
Cardiopatia estrutural (não relacionada a Tumores cardíacos
arritmias)
Doenças pericárdicas com tamponamento

Coronárias anômalas

Hipertensão pulmonar primária

Outras Tromboembolismo pulmonar

Síndrome de Eisenmenger
WPW: síndrome de Wolff-Parkinson-White; AV: atrioventricular; BAV: bloqueio atrioventricular; CC: cardiopatia congênita; DAVD: displasia arritmogênica de ventrículo
direito; FA: fibrilação atrial; TRN: taquicardia por reentrada nodal.

Quadro 7 – Causas de perda da consciência não sincopais, que devem ser lembradas no diagnóstico diferencial de síncope.

Psicogênicas Crises conversivas, quadro de pânico e hiperventilação


Induzida por drogas ou intoxicação
Distúrbios metabólicos Hipoglicemia, hipóxia e hiperventilação com hipocapnia
Neurológicas Epilepsia e cataplesia

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Quadro 8 – Aspectos clínicos que podem sugerir o diagnóstico na avaliação inicial.

Ausência de doença cardíaca


Síncope recorrente de longa data
Após estímulo súbito e desagradável: visão, audição, olfato ou dor
Síncope neuromediada Náuseas e vômitos associados com a síncope
Durante a refeição ou pós-prandial

Após esforço
Após adoção da postura ortostática
Relação temporal com o início de drogas vasodepressoras
Síncope devido à hipotensão ortostática
Ortostase prolongada (em igrejas ou ambientes quentes, por exemplo)
Após exercício
Presença ou suspeita de doença estrutural cardíaca
História familiar de morte súbita inexplicada (< 30 anos) ou canalopatia
Ausência de pródromos
Durante esforço físico em decúbito supino ou dormindo
ECG anormal
Palpitação de início súbito ou dor torácica antecedendo a síncope
Bloqueios bifasciculares
Síncope cardiovascular QRS ≥ 120 ms
BAV de segundo grau
TVNS
Achados eletrocardiográficos sugestivos de síncope arrítmica Pré-excitação ventricular
Intervalo QT longo ou curto
Repolarização precoce
Padrão ECG de síndrome de Brugada
Padrão sugestivo de DAVD
ECG: eletrocardiograma; BAV: bloqueio atrioventricular; TVNS: taquicardia ventricular não sustentada; DAVD: displasia arritmogênica de ventrículo direito.

Quadro 9 – Critérios de alto risco que requerem hospitalização imediata ou avaliação intensiva.

Doença estrutural cardíaca severa (insuficiência cardíaca e fração de ejeção reduzida)


Achados clínicos e eletrocardiogramas sugestivos de síncope arrítmica
Anemia severa
Importantes comorbidades
Distúrbio hidroeletrolítico

A síndrome postural ortostática taquicardizante, definida Assim, a avaliação inicial é crucial no diagnóstico diferencial e
por aumento da FC > 35 a 40 bpm (crianças e adolescentes) tratamento. A morte súbita é um evento raro em jovens e em
ou acima de 120 bpm durante os primeiros 10 minutos iniciais atletas, mas, quando ocorre nessas populações, é uma situação
no teste de inclinação, associada aos sintomas de intolerância extremamente dramática, e a síncope pode ser um indicador
ortostática, frequentemente é acompanhada de síncopes de risco. Estudos epidemiológicos que avaliaram as possíveis
na apresentação com sintomas crônicos de intolerância causas de morte súbita em jovens atletas demonstraram que
ortostática. Trata-se de uma condição multissistêmica, com quase a metade dos casos tinha referência a síncopes ou
fisiopatologia e características clínicas heterogêneas rara pré‑síncopes previamente ao evento fatal.100-103
em crianças.99 Estudo que avaliou o resultado de necrópsias de
A síncope cardíac, é mais rara (5 a 6%), porém pode 273 jovens, cujos corações eram aparentemente normais e
significar, em muitos casos, risco potencial de morte súbita. que apresentaram morte súbita inexplicada, demonstrou a

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presença de cardiopatia macroscopicamente visível em 72% estruturalmente normal praticamente fecha o diagnóstico
dos casos. A maioria apresentara síncope relacionada ao de SQTL. O mesmo ocorre no paciente com síncope e ECG
exercício antes do evento fatal.104 característico de Brugada.110
A síncope que ocorre durante o esforço físico é um fator A acurácia diagnóstica de outros testes disponíveis para
preditor de causa cardíaca, com especificidade de 96%. avaliação da síncope é, em geral, baixa. Vários estudos têm
No entanto, caso o sintoma ocorra logo após o término do demostrado a pouca utilidade desses testes na avaliação
exercício, a causa é quase invariavelmente vasovagal.105,106 quando aplicados de forma inespecífica.111,112 Portanto, eles
As causas mais frequentes de síncope durante exercício são devem ser indicados somente quando existirem indícios
coronária anômala, arritmias ventriculares, cardiomiopatia de sua utilidade em caso específico, na maioria das vezes
hipertrófica, displasia arritmogênica do VD, síndrome de guiada por achados suspeitos na história clínica ou triagem
WPW, miocardite e as canalopatias. Dentre as canalopatias, com ECG.
a SQTL e a TV polimórfica catecolaminérgica são causa O ecocardiograma deve ser realizado em todos os pacientes
de síncope recorrente relacionada ao esforço físico e
com suspeita de cardiopatia estrutural ou quadro clínico
estresse emocional, manifestando-se frequentemente já na
sugestivo de causas cardíacas. No caso da miocardiopatia
infância e na adolescência, e levando à morte súbita em
hipertrófica, o ecocardiograma pode confirmar o diagnóstico
grande parte dos casos não identificados e não tratados
e, na Displasia Arritmogênica de Ventrículo Direito (DAVD),
adequadamente.107 Na SQTL tipo I, existe predisposição à
pode encontrar alterações que justifiquem investigação com
ocorrência de eventos durante natação e mergulho. Já na
exames mais específicos.
SQTL tipo II, eventos podem ser desencadeados por barulhos
súbitos, como despertadores e estouro de fogos de artifício.108 Pacientes com síncopes, ou outros sintomas sugestivos
Na síndrome de Brugada, existe uma prevalência de de arritmias durante ou após o esforço físico, ou ainda com
ocorrência de TV polimórfica durante a noite, muitas vezes história de dor torácica associada devem ser submetidos a
com o paciente dormindo, o que dificulta sua identificação testes provocativos, como teste ergométrico, para afastar
e seu diagnóstico.109 isquemia miocárdica causada por coronária anômala ou
reproduzir eventuais taquicardias ou bradiarritmias (BAV
Por ser um quadro transitório, na maioria das vezes o
do sistema His-Purkinje), que expliquem a ocorrência dos
paciente não apresenta sinais ou sintomas na avaliação após
o evento. Assim, a anamnese, com histórico da síncope sintomas. Mesmo nos casos de síncope neurocardiogênica,
detalhado, é vital para o diagnóstico diferencial, evitando que ocorrem logo após o término do esforço, o teste
a realização de consultas multidisciplinares e exames ergométrico pode ser útil se reproduzir o sintoma.
desnecessários, demorados, com custos elevados e resultados Em pacientes com palpitações, associadas ao quadro
frustrantes. A história clínica detalhada deve ser sempre o sincopal, os métodos para monitoramento de ritmo podem
ponto inicial e, se não for suficiente para o diagnóstico, deverá ser utilizados. Menos de 5% dos pacientes desenvolvem a
direcionar os passos seguintes (Figura 5). arritmia concomitante com síncope ou pré-síncope durante
Questões sobre história familiar, como morte súbita o exame, e 15% apresentam os sintomas sem alterações
(principalmente em indivíduos abaixo de 35 anos), infarto do arrítmicas. Entretanto, a atividade ectópica ventricular
miocárdio precoce e arritmias, devem ser sempre lembradas, repetitiva e complexa, a pré-excitação ventricular que
devido à possibilidade de doenças genéticas. Dados sugestivos tenha passado desapercebida ao ECG, ou a ocorrência de
de síncope cardíaca, como antecedentes pessoais de arritmia, pausas ventriculares importantes na vigília, e o diagnóstico
doença cardíaca já diagnosticada, palpitações e dor precordial, de bloqueio AV Mobitz II são achados fortemente sugestivos
como pródromo, síncope durante a atividade física ou estresse, de etiologia arrítmica. Em pacientes com episódios de
e síncope sem sintomas premonitórios, devem sempre síncopes pouco frequentes, deve ser considerada a indicação
desencadear avaliação cardiológica com exames específicos de monitorização prolongada externa (loop recorder), ou,
(Quadro 10). naqueles pacientes com síncopes muito infrequentes,
ocorrendo apenas uma a duas vezes por ano, de sistema
O ECG deve ser realizado em todos os pacientes com
de monitoração implantável, quando não se conseguiram
síncope. Apesar da baixa sensibilidade, é útil na triagem
identificar fatores que sugerissem alto risco ao paciente.
para detecção de síncopes cardíacas além de ser um exame
Apesar de ser um teste custo‑efetivo, o monitor de eventos
de baixo custo e de fácil execução. Comumente, também
pode apontar um tipo específico de doença estrutural. sintomáticos externo apresentou baixo poder diagnóstico,
Muitos pacientes com canalopatias ou doenças genéticas ao analisar a relação custo-efetividade nos exames aplicados
não apresentam alterações no exame físico, sendo o ECG a na avaliação diagnóstica da síncope em 169 crianças. O fato
única forma de obter diagnóstico. No entanto, é importante pode ser atribuído à baixa incidência de doenças cardíacas
conhecer as limitações do método. Um ECG normal não nessa população, à intolerância à monitorização prolongada
afasta arritmia como causa da síncope e também não é e à inabilidade ao manejo adequado para registro apropriado
capaz de, por si só, descartar ou confirmar a presença dos eventos próprios da idade.113
de doença cardíaca estrutural. A maioria dos achados de O EEF tem indicação restrita a situações específicas.
ECG só são diagnósticos quando é comprovada a relação Normalmente, deve ser indicado quando houver suspeita
temporal entre a presença dos sintomas e as alterações de síncope por arritmia cardíaca em que a investigação
observadas. Entretanto, o achado de intervalo QTc permanece inconclusiva, após a avaliação com testes não
prolongado (≥ 500 ms) em paciente com síncope e coração invasivos. No entanto, as chances de reprodutibilidade

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Figura 5 – Algoritmo de avaliação do paciente com perda da consciência. PA: pressão arterial; RMC: ressonância magnética cardíaca.

da arritmia clínica variam entre as diferentes patologias clínica do quadro na avalição diagnóstica. A postura ortostática
e arritmias envolvidas, de maneira a alterar muito a é reconhecidamente um estímulo para o desencadeamento da
sensibilidade e a especificidade do método nas diferentes resposta vasovagal, por meio da combinação da diminuição do
situações clínicas. Por exemplo, o EEF parece útil na volume intracavitário, com o aumento do tono simpático sobre
tetralogia de Fallot e pode auxiliar não só no diagnóstico o coração. A dilatação dos vasos de resistência é o componente
da síncope, mas também na estratificação de risco.114 Já na mais importante da hipotensão que leva à síncope. O teste de
cardiomiopatia hipertrófica, não deve ser indicado, pois não inclinação pode ser útil para definir o diagnóstico de síncope
tem boa sensibilidade e especificidade, nem para reprodução neuromediada, como reforço positivo para o reconhecimento do
de possível arritmia clínica, nem para a estratificação de risco pródromo e dos sintomas associados. Também, para os familiares
e os que convivem com a criança em seu dia a dia, o diagnóstico
de morte súbita. Nos casos de forte suspeita ou diagnóstico
de uma causa benigna e, na maioria das vezes, controlável,
prévio de arritmias que possam ser tratadas com ablação
pode minimizar a ansiedade gerada pelo quadro em geral.
por cateter, esse exame é primordial e frequentemente
Apesar das altas taxas de falso-positivos e falso‑negativos, pode
indicado precocemente. ajudar na definição diagnóstica em pacientes com apresentação
O teste de inclinação, ou tilt table test, tornou possível o atípica ou duvidosa, aqueles com síncopes recorrentes que não
estudo dos mecanismos fisiopatológicos relacionados à síncope responderam de forma positiva as medidas terapêuticas iniciais
neurocardiogênica, além da possibilidade de reprodução e pacientes com síncopes convulsivas.

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Quadro 10 – Características clínicas importantes.

Posição (supina, sentada ou em ortostase)


Perguntas sobre as circunstâncias que Atividade (repouso, mudança de postura, durante ou após esforço físico, durante ou após urinar, defecar, tossir ou deglutição)
antecederam o evento
Fatores predisponentes (por exemplo: ambientes lotados ou quentes, ortostase prolongada ou período pós-prandial) e
eventos precipitantes (por exemplo: medo ou dor)

Perguntas sobre o início do evento Náuseas, vômito, desconforto abdominal, sensação de frio, sudorese, aura, visão turva ou tontura
(período prodrômico) Palpitação
Características da queda, cor da pele (palidez, cianose ou rubor), duração da perda de consciência, padrão respiratório,
Perguntas sobre o evento (testemunha) movimentos involuntários (tônico, clônico, tônico-clônico, duração dos movimentos involuntários, início de dos movimentos
involuntários em relação à queda, mordendo a língua
Náuseas, vômito, sudorese, sensação de frio, confusão, dores musculares, cor da pele, injúria, dor torácica, palpitação ou
Perguntas sobre o fim do evento
liberação esfincteriana
História de morte súbita familiar e CC
Doença cardíaca prévia
Antecedentes neurológicos
Outras perguntas Doenças metabólicas
Medicamentos
No caso de síncope recorrente, as informações sobre as recorrências, tais como o tempo desde o primeiro episódio de
síncope, a existência ou não de pródromos, o número de eventos, as circunstâncias (por exemplo: deitado)

Foi reportado um índice de positividade em crianças de Queda da pressão arterial associada à queda da FC.
41,6% e de 50% em adolescentes. O padrão de resposta § Tipo II – resposta cardioinibitória:
hemodinâmica positiva predominante em ambos os grupos
A – Queda da pressão arterial associada à queda da FC a
foi o misto. A média do tempo para a positivação do teste
níveis inferiores a 40 bpm persistente por mais de 10 segundos.
foi menor nas crianças 11,0 ± 7,23 minutos em relação
aos adolescentes, com 18,44 ± 7,83 minutos. Em nenhum B - Pausa sinusal maior que 3 segundos (ou, mais raramente,
caso, observou-se dificuldade técnica ou complicação. BAV transitório) associada à queda da pressão arterial.
Os resultados demostraram que o teste de inclinação § Tipo III – resposta vasodepressora:
é um método útil para avaliação da síncope de origem Queda da pressão arterial sem alterações significativas da FC.
indeterminada em crianças e adolescentes.115,116
2. Resposta disautonômica
Em pacientes com síncope convulsiva, o teste de
inclinação tem sido útil na diferenciação entre a síncope Hipotensão postural mantida durante todo o período de
vasovagal e a epilepsia. Em estudo em 40 pacientes com exposição ortostática, ou queda gradual e progressiva da
diagnóstico prévio de epilepsia, que foram submetidos a teste pressão arterial, acompanhada ou não de aumento da FC.
de inclinação para revalidar o diagnóstico, este foi definido 3. Resposta postural ortostática taquicardizante
como síncope vasovagal em 60% dos pacientes, com teste Incremento de mais 35 a 40 batimentos (crianças e
de inclinação positivo, além de quadro clínico sugestivo de adolescentes) na FC basal imediatamente ao se assumir a
síncope vasovagal na reavaliação. A anamnese inadequada postura ortostática ou um aumento da FC maior que 120 bpm
foi apontada como um dos erros principais no diagnóstico durante os primeiros 10 minutos de inclinação, com ou sem
prévio e concluiu-se que o teste de inclinação deve ser sintomas de intolerância à postura.
realizado principalmente quando existe dúvida diagnóstica
entre síncope e epilepsia.117
5.2. Tratamento
O critério de positividade do teste de inclinação é a
O tratamento da síndrome da perda de fôlego consiste
reprodução de sintomas clínicos associada ao colapso
na orientação sobre a benignidade do quadro, sem
hemodinâmico. O fato de o paciente experimentar os
consequências sobre o desenvolvimento físico e intelectual, e
sintomas durante o teste é um ponto fundamental para
na educação. Para reduzir hipóxia cerebral, as crianças devem
confirmação diagnóstica, para restabelecer sua autoconfiança
ser colocadas em posição de decúbito lateral esquerda durante
e para a diminuição da recorrência, pois o reconhecimento
as crises. Anticolinérgicos, como atropina e escopolamina,
dos sintomas iniciais possibilita ao paciente realizar manobras
têm sido utilizados para antagonizar a hiperatividade vagal
que impeçam sua evolução para a síncope. As respostas ao
e sua consequente cardioinibição. Em casos extremos de
teste de inclinação (Figura 5) classificam-se em:
bradicardia/assistolia, com crises frequentes e refratárias ao
1. Resposta vasovagal clássica tratamento farmacológico, o marca-passo cardíaca artificial
§ Tipo I - resposta mista: tem sido indicado para controle.

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A maioria das crianças e adolescentes com síncope alternativas são os agentes agonistas alfa-adrenérgicos,
neurocardiogênica apresenta remissão dos sintomas na por meio de vasoconstrição de arteríolas e veias, com
evolução, com ou sem tratamento. Reeducação, com redução de represamento venoso em ortostase, evitando,
medidas dietéticas e comportamentais, pode prevenir assim, a ocorrência de síncopes. A midodrine (2,5 a 10
recorrências na maioria dos casos, sendo considerada mg, três vezes ao dia) tem poucos efeitos adversos e,
como recomendação Classe I no tratamento das síncopes segundo alguns estudos de controlados, é bastante eficaz
neuromediadas, resguardando tratamento farmacológico no controle de sintomas. Seu uso em crianças demonstrou
para pacientes refratários a intervenções não farmacológicas. menor recorrência da síncope. Não foram observadas
Pacientes e familiares devem ser aconselhados a evitarem alterações significativas na pressão arterial, FC e nem efeitos
fatores predisponentes, como permanência em ambientes colaterais significativos.124
quentes e fechados, depleções volêmicas, permanência por Outra opção no tratamento é a fludrocortisona (0,1 a
tempo prolongado em postura ortostática, e a reconhecerem 0,3 mg/dia), um mineralocorticoide que promove aumento
os sintomas prodrômicos, como tontura, náuseas, dor da retenção de sódio e expansão da volemia, além de
abdominal, sudorese, zumbido e escurecimento visual, o provocar sensibilização de receptores alfaperiféricos.
que permite alertá-los a tomar medidas para abortar crises Estudos demonstram tendência a menor recorrência de
sincopais, sentando, deitando ou fazendo manobras de sintomas com o uso da medicação.125 O mesmo padrão de
contrapressão e, assim, evitando quedas e traumas. resposta não foi obtido em estudo randomizado e duplo-
cego realizado por Salim e Di Sessa126 com 32 crianças
O aumento na ingesta diária de líquidos é uma das medidas
portadoras de síncope vasovagal. O uso de fludrocortisona
fundamentais no manejo da síncope neucardiogênica. Muitas
foi ineficaz na prevenção da recorrência da síncope (44%)
crianças não tomam líquido suficiente durante o dia, levando
em comparação ao grupo placebo (64,2%) em 1 ano de
à hipovolemia e ao aumentando da predisposição ao reflexo
seguimento. Assim, apesar do provável efeito benéfico
vasovagal. Os supostos mecanismos pelos quais a água atua
teórico, ainda não existem dados conclusivos de seu uso na
beneficamente são a expansão aguda do volume plasmático população pediátrica.126
e o aumento da atividade simpática eferente sobre o
sistema cardiovascular. Outra medida é a suplementação A serotonina desempenha um papel importante na
de sal, benéfica para pacientes normotensos com síncope regulação da FC e da pressão arterial no SNC. Inibidores
neurocardiogênica e naqueles com excreção de sódio pela da recaptação de serotonina têm sido utilizados por
promoverem uma diminuição da sensibilidade dos
urina inferior a 170 mmol/dia. Estudos têm demonstrado
receptores pós-sinápticos, reduzindo os efeitos da serotonina
melhora da tolerância ortostática nestes pacientes.
na mediação da diminuição da atividade simpática.
Também foi evidenciado que manobras isométricas de
Inibidores de serotonina podem ser úteis, principalmente
contrapressão das pernas (cruzamento das pernas com
naqueles pacientes com doença psiquiátrica associada, como
tensionamento da musculatura das panturrilhas) ou dos
ansiedade ou pânico.127,128
membros superiores (aperto das mãos e tensionamento
dos braços) são capazes de elevar a pressão sanguínea O implante de marca-passo na síncope vasovagal
durante a fase de pródromos da síncope neurocardiogênica, cardioinibitória atualmente é indicado para pacientes com
o que permite aos pacientes abortarem ou retardarem síncope recorrente (> 6 episódios), refratária ao tratamento
a perda da consciência na maioria dos casos. Manobras não farmacológico e farmacológico, associada a traumatismos
de contrapressão podem ser úteis a crianças maiores ou físicos ou acidente (sem pródromos), em idade acima de
adolescentes, por serem uma medida proativa, que depende 40 anos e assistolia registrada durante evento espontâneo.
da compreensão do paciente.118,119 Na população pediátrica, esse assunto deve ser tratado
Em caso de refrataridade, o paciente pode ser orientado individualmente e com cautela. Pela evolução benigna com
remissão espontânea na maioria dos casos, e pelas potencias
a realizar treinamento postural como opção terapêutica,
complicações frequentes em população pediátrica, não há
com uma ou duas sessões diárias de 30 a 40 minutos,
indicação formal para implante de marca-passo, mesmo
sendo recomendado que apoie o dorso sobre uma parede
naqueles pacientes que apresentam resposta cardioinibitória
vertical, com os pés a 15 a 20 cm de distância da parede
no teste de inclinação.
e, de preferência, sob a observação de algum familiar.120,121
A síncope de origem cardíaca deve ser tratada
Dados disponíveis apontam para benefício do exercício
prontamente, devido ao frequente risco de morte súbita.
físico moderado em relação à recorrência dos sintomas,
Normalmente, diante de síncope de origem cardíaca,
melhora dos volumes plasmático e sanguíneo total e,
devemos encará-la com um episódio frustro de morte
consequentemente, da tolerância ortostática.122 Isso pode súbita e fazer todo esforço para que não se repita, ou que o
ser útil em crianças e adolescentes mais resistentes e pouco paciente esteja protegido. Armamentos terapêuticos, como
aderentes ao uso de medicamentos. drogas antiarrítmicas, ablação por cateter, marca-passos e
Uma variedade de agentes farmacológicos foi proposta Cardioversores Desfibriladores Implantáveis (CDI), fazem
para prevenir a recorrência de síncope neurocardiogênica. parte do arsenal disponível ao tratamento da síncope
Os betabloqueadores, por exemplo, muito utilizados no arritmogênica na população pediátrica. De forma geral, o
passado, podem exacerbar a bradicardia das síncopes tratamento da população pediátrica não difere do da adulta
cardioinibitória. Atualmente, não têm indicação no e deve ser instituído conforme a patologia de base e/ou a
tratamento das síncopes neurocardiogênicas. 123 Outras arritmia em questão6 (Quadro 11).

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Quadro 11 – Recomendações para o tratamento da síncope por arritmia cardíaca.

Recomendações Classe Nível de evidência


Síncope devido à arritmia cardíaca deve receber tratamento apropriado da causa I B

Marca-passo
Pacientes com síncope e BAV de segundo grau tipo II, avançado ou BAVT I B
Pacientes com síncope, BR e EEF positivo I B

Ablação por cateter


Correlação sintoma-evento eletrocardiográfico (TPSV e TV na ausência de doença estrutural cardíaca) I C

Drogas antiarrítmicas
Podem ser consideradas nos pacientes para os quais a ablação por cateter não tenha indicação ou tenha falhado IIa C

CDI
Pacientes com TV documentada e doença estrutural cardíaca
I B
TV documentada portador de cardiomiopatia herdada geneticamente ou canalopatia
IIa B
BAV: bloqueio atrioventricular; BAVT: bloqueio atrioventricular total; BR: bloqueio de ramo; EEF: estudo eletrofisiológico; TPSV: taquicardia paroxística supraventricular;
TV: taquicardia ventricular; CDI: cardioversor desfibrilador implantável.

6. Arritmias nas cardiopatias congênitas arritmias no pós-operatório tardio permanece associada à


morbidade e à mortalidade nesta população, particularmente
na idade adulta.
6.1. Epidemiologia e fisiopatologia das arritmias em
pacientes com cardiopatia congênita
6.1.1.1. Prevalência
6.1.1. Arritmias em pacientes submetidos à operação A incidência de arritmias é variável, dependendo da técnica
de Fontan cirúrgica utilizada, da idade no momento da cirurgia e do tempo
de evolução pós-operatória. Em casuísticas contemporâneas,
A operação do tipo Fontan é a principal opção de
a incidência global de arritmias é considerada baixa.129-131
tratamento para pacientes com cardiopatias congênitas não
As arritmias supraventriculares são as mais frequentes.
passíveis de correção cirúrgica biventricular. Esse tipo de
O Pediatric Heart Network Fontan Cross-Sectional Study incluiu
procedimento tem sido utilizado para a paliação definitiva 520 pacientes de sete centros com idade média de 8,6 anos,
de uma variedade de anomalias congênitas do coração, com prevalência de 9,4% dos pacientes apresentando arritmias
sobretudo as conexões AV univentriculares, incluindo também supraventriculares.132 Outro estudo multicêntrico, incluindo
situações em que as alterações morfológicas das valvas AV 1.271 pacientes, indicou incidência de taquiarritmias no
ou arteriais impeçam a correção biventricular. As técnicas pós‑operatório tardio de 13%, mais frequentes no grupo com
utilizadas nos anos iniciais incorporavam o átrio direito no túnel intracardíaco.129
circuito (conexão atriopulmonar), favorecendo a criação de
Disfunção do nó sinusal é frequente nesta população, e
um substrato eletroanatômico ideal para arritmias atriais,
até 44% dos pacientes preenchem um ou mais critérios nas
associadas à mortalidade e à morbidade pós‑operatórias
séries publicadas.129,130
tardias. Com o intuito de superar essas limitações, passou-se
a utilizar, a partir do final dos anos 1980, uma modificação
do conceito descrito por Fontan, com a conexão das veias 6.1.1.2. Substrato anatômico e mecanismos das arritmias
cavas com a artéria pulmonar direita (conexão cavopulmonar O substrato para a ocorrência de arritmias deriva da
total). Dessa forma, as circulações pulmonar e sistêmica interação de diversos fatores, como incisões, linhas de suturas,
são colocadas em série e dirigidas por uma única câmara retalhos intracardíacos e cicatrizes, particularmente nos átrios,
ventricular. Na técnica do túnel lateral, o fluxo da veia cava além de fibrose e hipertrofia ventricular.131 Os mecanismos
inferior é tunelizado para a artéria pulmonar direita, por meio são variáveis, e o mais frequente é a taquicardia por reentrada
de um retalho intracardíaco criado na região posterolateral intra-atrial. Na conexão cavopulmonar total com túnel lateral,
do átrio direito. Atualmente, utiliza-se um material protético as linhas de sutura criadas ao longo da parede posterolateral
para a criação do túnel lateral. Posteriormente, foi introduzida do átrio direito permitem o desenvolvimento de circuito de
a técnica utilizando um tubo extracardíaco com a mesma reentrada, usando o anel tricúspide como a barreira central
função. As modificações da técnica e o estadiamento cirúrgico anterior. Outros mecanismos incluem TA focal, reentrada
contribuíram muito para a redução da morbidade e da pelo nó AV, ou utilizando via acessória − ou, ainda, um
mortalidade pós-operatórias. No entanto, a ocorrência de segundo nó AV.132,133

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6.1.1.3. Comparação entre as técnicas de reaparecimento dessas arritmias em seguimentos mais
A introdução da conexão cavopulmonar total resultou em prolongados. Mesmo em casos de recorrência de arritmias
uma prevalência menor de arritmias atriais na evolução tardia, atriais, estas parecem ser melhor toleradas após o fechamento
em comparação com a conexão atriopulmonar. Uma das da CIA. Notavelmente, os pacientes submetidos a fechamento
vantagens propostas, com a utilização do tubo extracardíaco, da CIA antes de desenvolverem arritmias têm maiores taxas
seria uma redução maior na ocorrência de disfunção de de ritmo sinusal a longo prazo.
nó sinusal e de arritmias atriais, já que essa técnica não Nos pacientes submetidos a fechamento percutâneo da
incorpora o átrio direito no sistema cavopulmonar. A maioria CIA, a tendência a maior prevalência de FA pode trazer
dos estudos publicados comparando as duas técnicas foi dificuldades ao tratamento ablativo. A punção transeptal pode
transversal e não demonstrou diferenças significativas ser feita nestes pacientes, embora com maior dificuldade
em relação ao benefício a longo prazo na redução de técnica. Próteses grandes podem necessitar de punção
arritmias.16,129,130,132 Estudo multicêntrico recente, incluindo através da mesma, acompanhada de dilatação do pertuito
1.271 pacientes, demonstrou que a ocorrência de arritmias por balão.142 Isso também pode acontecer em pacientes
foi semelhante nos dois grupos, com maior incidência de submetidos a fechamentos cirúrgicos, nos quais o patch pode
bradiarritmias no pós-operatório precoce no grupo com promover empecilho mecânico à bainha transeptal.
tubo extracardíaco.129 Os pacientes submetidos à correção cirúrgica da CIA
com flutter atrial frequentemente desenvolvem reentrada
6.1.1.4. Conversão relacionada à cicatriz de atriotomia. A incidência dessa
arritmia pode ser diminuída com mudanças na técnica
Pacientes submetidos à conexão atriopulmonar
de canulação.
tendem inexoravelmente a apresentar deterioração
hemodinâmica e incidência crescente de arritmias na vida
adulta. Nos últimos anos, muitos desses pacientes foram 6.2. Tetralogia de Fallot
submetidos à conversão para a conexão cavopulmonar A tetralogia de Fallot é responsável por 10% das
total concomitantemente ao procedimento de Maze para cardiopatias congênitas e a forma mais comum de doença
o tratamento de arritmias atriais resistentes ao controle cardíaca cianogênica além da infância. 141 Apesar de
clínico. As indicações para a revisão cirúrgica são limitação apresentar atualmente excelente prognóstico após correção
importante aos esforços e arritmias refratárias.134-137 total, arritmias ventriculares podem surgir décadas após a
cirurgia, e a morte súbita é a causa de morte mais comum
tardiamente, após a cirurgia.143,144 O reconhecimento de
6.1.1.5. Arritmias na comunicação interatrial
que a morte súbita era consequência tardia e devastadora
A Comunicação Interatrial (CIA) do tipo ostium secundum pós-correção cirúrgica se deu já em 1975.145Até hoje, a
representa cerca de 10% de todos os defeitos cardíacos congênitos. prevenção de morte súbita permanece um grande desafio.
As arritmias se devem primariamente a dois fatores: A complexidade se deve em identificar de forma confiável
remodelamento atrial devido à sobrecarga de volume do pacientes em alto risco dentro de uma população com baixa
coração direito, e cicatrizes da atriotomia, quando esta é incidência de morte súbita, estimada em 0,15% ao ano.144
corrigida cirurgicamente. Devido a esses fatores, as arritmias Na última década, avançou-se bastante. Grandes estudos
secundárias a essa condição são mais frequentes em multicêntricos identificaram fatores de risco invasivos146 e não
pacientes adultos e adultos jovens, nos quais podem estar invasivos147 para TV e morte súbita. Com o refinamento dos
presentes em até 40% dos pacientes sem correção cirúrgica, algoritmos e o aumento da idade dos pacientes com tetralogia
do que em crianças pequenas, nas quais acontecem em de Fallot, um número maior de pacientes considerados
menos de 2% dos casos. 138 Fatores de risco adicionais de risco tem recebido CDI para prevenção primária.
são hipertensão arterial sistêmica, hipertensão arterial Recente estudo multicêntrico comprovou o papel da terapia
pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crônica, fração de com CDI na profilaxia da morte súbita em pacientes de alto
ejeção comprometida e sexo masculino. As arritmias mais risco com tetralogia de Fallot.148 O CDI se mostrou confiável,
frequentemente encontradas nesses pacientes são o flutter tanto na detecção, quanto na interrupção de taquiarritmias
e a FA. Arritmias ventriculares podem ser encontradas em ventriculares. Choques apropriados ocorreram em 31% de
casos mais graves, quando há disfunção ventricular associada. 121 pacientes em um acompanhamento médio de 3,7 anos.
O remodelamento atrial causado pela sobrecarga de Taxas de choques apropriados foram elevadas tanto na
volume ocorre em ambos os átrios, causando aumento da profilaxia primária (7,7% por ano) quanto na secundária
duração do potencial de ação, disfunção sinusal e fibrose (9,8% por ano). Choques apropriados não são marcadores
intersticial.139 O aparecimento de arritmias atriais em pacientes ideais para morte súbita e provavelmente superestimam
com CIA ainda sem correção pode ser um fator adicional para o risco.149 Sabe-se que alguns pacientes com tetralogia de
indicar seu fechamento. Existem dados de melhora importante Fallot podem ter TV monomórfica sem comprometimento
do remodelamento geométrico, embora o remodelamento hemodinâmico a despeito de frequências elevadas.
elétrico pareça ser menos exuberante.140 Aparentemente, há A busca por sinais clínicos/complementares preditivos
uma menor prevalência de novos episódios de arritmias atriais de morte súbita identificou um número de fatores não
após o fechamento de uma CIA.141 No entanto, acredita‑se invasivos preditores de morte súbita, mas, individualmente,
que esses pacientes se encontram em risco aumentado eles não mostraram poder preditivo suficiente para

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identificar, de forma confiável, subgrupos de risco e guiar de 33 anos, do grupo de prevenção primária, teve uma
decisão clínica visando à prevenção primária. A estimulação terapia apropriada. Ele era portador de um conduto tipo
ventricular programada já foi proposta como método Mustard, com grave disfunção do VD, fração de ejeção de
invasivo para a estratificação de risco nessa população. 12%, insuficiência tricúspide moderada e TV não sustentada.
Pelo menos um estudo multicêntrico demonstrou que Dos 18 choques apropriados, identificou-se uma TSV
a indução de TV é preditor independente de arritmia precedendo ou coexistindo com uma taquiarritmia
ventricular espontânea e morte súbita.150 Não obstante, o ventricular em nove pacientes (50%).
assunto ainda permanece controverso151,152. Em contrapartida, nove pacientes (24%) receberam
Preditores não invasivos de morte súbita poderiam 92 choques inapropriados (cinco no grupo prevenção primária
ser utilizados para um rastreamento inicial. Por exemplo: e quatro no de secundária). O uso de betabloqueadores se
complexo QRS com duração maior que 180 ms está associou a uma redução na incidência de choques apropriados.
associado com risco de morte súbita 2,3 vezes maior.153 Assim, não se justifica CDI profilático para indicações
Isolado, ele é insuficiente para justificar a realização de como disfunção do VD sistêmico, TV não sustentada,
estimulação ventricular programada. No entanto, uma síncope ou TV indutível ao EEF. Por outro lado, a taxa de
combinação de fatores de risco não invasivos estático e choques apropriados no grupo de prevenção secundária
dinâmicos, como idade, implante de patch transanular, TV foi elevada. Este estudo trouxe uma grande contribuição
não sustentada, síncope, informações do ecocardiograma e ao entendimento da fisiopatologia da morte súbita neste
hemodinâmica, pode identificar um subgrupo que justificasse contexto, pelo achado de TSV precedendo ou coexistindo
a indicação da estimulação ventricular programada. com arritmia ventricular em pelo menos 50% dos
choques apropriados, sugerindo um relação causa‑efeito.
6.3. Transposição das grandes artérias Possivelmente medidas terapêuticas voltadas para a
O acompanhamento no pós-operatório a longo prazo supressão dessas taquiarritmias atriais possam impactar a
de crianças com essa cardiopatia operadas mostrou maior incidência de morte súbita.156
incidência de morte súbita dentre todas as cardiopatias
congênitas com indicação de correção cirúrgica. 142,154 6.4. Taquicardia atrial macrorreentrante
Estudo populacional encontrou incidência de 4,9 por Em adultos com VD sistêmico, a cirurgia de troca atrial
1.000 pacientes/ano, atrás apenas da estenose aórtica (Mustard ou Senning) tem extensas regiões de fibrose atrial,
(5,3 por 1.000) e mais de três vezes a incidência de morte além de alta incidência de taquiarritmias.142 Após 20 anos
súbita na tetralogia de Fallot.155 A busca por fatores de de cirurgia, a prevalência de taquiarritmias atriais é de cerca
risco e dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos no de 25%, mas continua aumentando com o tempo, sendo
desencadeamento da morte súbita nesses pacientes tem semelhante entre pacientes pós-Mustard e pós-Senning.
sido pouco frutífera. Os fatores de risco identificados estão A taquicardia por macrorreentrada intra-atrial é a arritmia
restritos àqueles pacientes com sintomas de arritmia e à mais frequente, seguida de TA focal e TRN.142
documentação de taquiarritmias atriais.156
A experiência com CDI em pacientes com TGA é 6.5. Tromboprofilaxia
limitada e geralmente indicada ao se documentar TV
Poucos estudos exploraram a associação entre TA ou FA
sustentada ou morte súbita abortada, ou diante de perfil
e complicações tromboembólicas na CC.158-160 Em uma série
clínico considerado de alto risco na ausência de um evento
com 19 pacientes com CC submetidos a ecocardiograma
potencialmente fatal. Ao contrário do que foi observado
transesofágico (ETE) antecedendo cardioversão elétrica de
em outros defeitos congênitos nos quais o risco de morte
súbita só é percebido muitos anos após a cirurgia,145 a taquiarritmia atrial, trombo atrial foi encontrado em 37%.159
propensão para morte súbita em crianças com D-TGA Nessa série pequena, uma estratégia de anticoagulação
receptores de Mustard/Senning surge precocemente. 157 com valores de INR > 2 por no mínimo 4 semanas antes
O risco permance relativamente estável ao longo dos anos, da cardioversão, com ETE reservado a casos de alto risco
estimando-se as taxas de sobrevida livre de morte súbita em (CC complexa, válvulas mecânicas, tromboembolismo
96%, em 10 anos, e 91%, aos 20 anos. Recentemente Khairy prévio, hipertensão sistêmica, CC e disfunção ventricular),
e cols.155 publicaram os resultados de estudo multicêntrico foi associada à baixa incidência de tromboembolismo.159
retrospectivo com o objetivo de determinar as taxas atuariais Deve-se adotar a abordagem padrão pré-cardioversão
de choques apropriados e inapropriados por CDI em elétrica para flutter ou FA não valvular, ou seja, mínimo
pacientes com D-TGA, identificando eventuais fatores de de 3 semanas de anticoagulação sistêmica antes da
risco, bem como caracterizar as complicações relacionadas cardioversão e 4 semanas após para uma arritmia ≥ 48 horas
ao implante do CDI. O estudo incluiu 37 pacientes de sete ou de duração desconhecida, a despeito de qual método
centros. A prevenção foi primária em 23 (62%) pacientes e escolhido para a cardioversão (químico ou elétrico).
secundária em 14 (38%). Registraram-se 139 terapias em Uma alternativa às 3 semanas de anticoagulação prévia
12 pacientes em um período de 3,6 anos. Nos casos de à cardioversão seria a realização de ETE para a pesquisa
prevenção secundária, observou-se elevada incidência (29%) de trombo intracardíaco. 159,160 Durante as primeiras
de choques apropriados ao contrário da baixa taxa (4,3%) 48 horas, a necessidade de anticoagulação pode ser
na prevenção primária, com taxas atuariais anualizadas de baseada no risco individual de tromboembolismo. 159,160
6 e 0,5%, respectivamente (p = 0,03). Apenas um paciente, Arritmias hemodinamicamente instáveis devem

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ser cardiovertidas, a despeito do tempo de evolução. • Tipo de correção cirúrgica: a presença de TJE é
A anticoagulação a longo prazo deve ser estratificada de relacionada ao tipo de cirurgia, devido à manipulação
acordo com o risco de tromboembolismo e sangramento. e ao estiramento das fibras. As principais cardiopatias
Recomenda‑se a utilização dos escores CHADS2-VASC161 e relacionadas à TJE são a correção de total de tetralogia
HAS-BLED.162 Anticoagulação com os novos anticoagulantes, de Fallot, do DSAV, da comuncação interventricular e
sejam eles inibidores do fator Xa (rivaroxabana, apixabana da operação de Norwood.164,168
e edoxabana) ou da trombina (dabigatrana), pode ser feita • Predisposição genética: em estudo recente,
conforme as diretrizes para FA não valvular, pois não há observou‑se a relação do polimorfismo da enzima de
estudos específicos na população de pacientes com formas conversão da angiotensina inserção/deleção com a
simples de CHD, mas não é possível recomendá-los para presença de TJE. Quando o polimorfismo de deleção
pacientes com formas moderadas a complexas de CHD, esteve presente, houve duas vezes mais chances de
para os quais, com frequência, ocorrem graus de disfunção apresentar a arritmia.164
hepática e de coagulação.
O diagnóstico de TJE é feito utilizando ECG, com
frequência de 170 a 260 bpm, dissociação AV e complexo
7. Arritmia no pós-operatório QRS estreito. É importante ressaltar que, após correcão de
A arritmia no pós operatório de cirurgia cardíaca para tetralogia de Fallot, pode-se ter QRS alargado como imagem
correção de cardiopatias congênita apresenta morbidade de bloqueio ou distúrbio de condução do ramo direito.
e mortalidade altas, porém é importante a divisão entre Se houver dificuldade no diagnóstico, é possível administrar
pós‑operatório recente, quando há maior incidência de arritmias adenosina sem que haja alteração na frequência do QRS.
supraventriculares e bloqueio AV, e pós-operatório tardio, que A terapêutica consiste em medidas gerais e para reversão
apresenta maior incidência de arritmias ventriculares, como, ou controle da FC. O objetivo do tratamento é a dimimuição
por exemplo, os pacientes submetidos à correção de tetralogia da FC e controle do baixo débito, uma vez que se trata de
Fallot e de arritmias atriais, como flutter atrial nos submetidos arritmia autolimitada. Medidas gerais consistem na correção
à operação de Senning ou Mustard. dos distúrbios metabólicos especialmente realacionados
ao potássio e ao magnésio, na adequação da volemia, na
A incidência de arritmias varia de acordo com idade, tipo
sedação e na diminuição dos inotrópicos.
de cirurgia e do serviço onde é realizada, oscilando de 27 a
48%, segundo dados de literatura.163 As principais medidas para reversão ou controle da
frequência cardíaca são:
Os distúrbios de ritmo encontrados são as alterações do nó
sinusal, taquicardia supraventricular, TJE, extrasssistolia supra • Resfriamento: mantendo a temperatura de 31 a 35oC
e ventricular, TV e BAV. (em geral de 33oC), obtida utilizando-se colchão e/ou
com solução salina endovenosa a 4oC.
7.1. Taquicardia juncional ectópica • Marca-passo: utilização de marca-passo para sincronizar
o ritmo, visando à melhora do débito cardíaco. Em geral,
Trata-se de uma arritmia automática, autolimitada e
é utilizado quando a frequência é inferior a 200 bpm
caracterizada por QRS estreito e com onda P dissociada.
ou após resfriamento pela diminuição da mesma.
A onda P pode aparecer antes, no meio ou após QRS, sendo
a arritmia mais frequente no pós-operatório, acarretando • Medicamentos: amiodarona é a droga de escolha para
comprometimento hemodinâmico importante nos primeiros reversão e diminuição da FC.164
dias de pós-operatório. Apresenta incidência de 2,7 a 14%, Outras alternativas medicamentosas para o tratamento
variando de acordo com o serviço e o tipo de cirurgia; por da arritmia são a procainamida e o esmolol. A utilização de
exemplo, na correção da tetralogia de Fallot, a incidência é dexmetomedina tem se demonstrado útil no controle da
de aproximadamente 22%.164-166 A etiologia permanece ainda arritmia, como efeito sedativo e diminuição da frequência
desconhecida, mas é possível determinar alguns fatores de risco pelo bloqueio alfa-adrenérgico.164,168-171
para o desenvolvimento dessa arritmia. • Te rap ia p ro f il átic a: e stu do s m o stra m que a
Os fatores de risco para desenvolvimento de TJE são: administração de sulfato de magnésio, na dose de
• Idade: neonatos e lactentes jovens são mais propensos 50 mg/kg, durante a fase de reaquecimento na CEC
a desenvolver TJE, pois o nó AV de neonatos e lactentes diminuiram a incidência de TJE no pós‑operatório.172
jovens apresenta uma maior sensibilidade às variações • Oxigenação por Membrana Extracorpórea (ECMO)
do potencial de ação, em resposta a injúria de isquemia e ablação: nos casos de falha nas terapêuticas acima
e reperfusão.164 com deterioração hemodinâmica, pode-se indicar
• Agentes adrenégicos, como dopamina e dobutamina: ablação ou instalar ECMO, visando à recuperação
estão associados à arritmia, porém, em estudos recentes, hemodinâmica e ao controle da arritmia.164
também demonstraram associação com os inibidores da
fosfodiesterase III (milrinone).167 7.2. Arritmia ventricular
• Tempo de Circulação Extracorpórea (CEC) prolongado, A extrassistolia e a TV não sustentada são as as arritmias
em geral acima de 90 minutos: tem sido associado com mais frequentes, sendo, em geral, relacionadas a distúrbios
arritmia, sendo relacionado ao período de isquemia e metabólicos, como hipopotassemia e hipocalcemia, com
reperfusão do nó AV.164,168 incidência de 15,2%. A TV sustentada não é comum no

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pós-operatório imediato, e a presença dessa arritmia em mulheres), sem causa identificada, associado aos sinais
está relacionada à disfunção ventricular e à arritmia clínicos da doença: antecedente familiar de morte súbita ou
pré‑operatória ou à isquemia miocárdica no pós-operatório, de SQTL, síncope, arritmias ventriculares ou parada cardíaca
apresentando incidência de 2%. O tratamento consiste em recuperada. 175 Os critérios de Schwartz (Quadro 12),
correção dos distúrbios metabólicos e da causa de base. validados em população adulta e pediátrica, são também
Em relação a medicamentos, pode-se utilizar amiodarona recomendados para o diagnóstico de SQTL.173
ou lidocaína.163 É recomendado que o intervalo QT seja mensurado
nas derivações D2 e V5. 176-179 O intervalo QT deve
8. Canalopatias ser corrigido pela FC, utilizando a fórmula de Bazett
(QTc = QT/√RR). O intervalo QTc deve ser usado com
As canalopatias são doenças dos canais iônicos
cautela, quando a FC for maior que 100 bpm, sendo
cardíacos, resultantes de mutação nos genes responsáveis
importante a correlação com outros dados clínicos, além
pela codificação das proteínas formadoras desses canais.
de ECG seriado.
Os defeitos proteicos podem alterar a função dos canais
iônicos envolvidos na homeostase do potencial de ação Na presença de arritmia sinusal, deve ser medido
cardíaco, com consequente risco de arritmias. A associação o intervalo QT no menor ciclo de RR. 180 Em menores
de síndrome da morte súbita infantil com canalopatias já foi de 1 ano de idade, o intervalo QTc pode permanecer
relatada em alguns estudos, sendo que até 35% dos casos de prolongado, sem correlação com a doença, mas, quando
morte súbita em neonatos e crianças podem ser causados acima de 600 ms, reflete maior é o risco de arritmias e
por mutação genética.173 Nesse sentido, com o avanço morte súbita.181,182
do diagnóstico clínico e molecular dessas canalopatias, a São reconhecidos três fenótipos mais prevalentes de SQTL,
tendência é que muitos casos da morte súbita em neonatos que se diferenciam pelo canal afetado, pelo formato da
e crianças, outrora sem explicação etiológica, possam agora onda T, pelo comportamento do intervalo QT ao esforço físico
ser desvendados. (avaliado no quarto minuto da recuperação), pelos fatores
A primeira manifestação das canalopatias pode ser a desencadeantes de arritmias, pela resposta ao tratamento
morte súbita, sendo, assim, fundamental o diagnóstico com betabloqueador e pelo gene mutado (Quadro 13).175
precoce para tratamento e prevenção de eventos. O Holter de 24 horas também pode demonstrar a
Conforme sugerido pelas sociedades europeia, americana variação circadiana do intervalo QT, mas o exame seriado
e asiática, em diretriz publicada em 2013,174 é importante não é custo‑efetivo para diagnóstico e tratamento, devendo
a padronização de alguns termos no contexto canalopatia ser indicado individualmente.183-185
e morte súbita, a saber: síncope arrítmica é um marcador
Em alguns casos, há suspeita clínica de SQTL, porém
de alto risco de morte súbita, pois pressupõe que a causa
o ECG seriado não revela intervalo QT prolongado.
da perda de consciência seja taquicardia ou Fibrilação
Se o paciente tiver contraindicação para esforço físico, o
Ventricular (FV) autolimitada, devendo ser excluída a
teste provocativo com epinefrina pode ser realizado para
síncope reflexa; o indivíduo é sintomático quando os
diagnóstico e avaliação fenotípica.185-187
sintomas arrítmicos preditores de morte súbita são a
síncope, conforme definição acima, ou a TV documentada A medida do intervalo QT e o reconhecimento do ECG
durante uma crise de palpitação. com a repolarização alterada são pontos fundamentais
no diagnóstico e na determinação do prognóstico dos
As principais canalopatias são: SQTL, síndrome de
pacientes com síndrome do QT longo.188
Brugada, TV polimórfica catecolaminérgica, síndrome do
QT curto e Doença Progressiva do Sistema de Condução A síndrome do QT longo apresenta padrão de
(DPSC). Além disso, há outras arritmias mais raras, prováveis hereditariedade autossômico, que pode ser dominante
canalopatias, ainda sem fisiopatologia bem definida, como, (síndrome de Romano-Ward) ou recessivo (síndrome
por exemplo, a repolarização precoce e a FV idiopática. de Jervell e Lange-Nielsen), o último mais raro, sendo
Algumas arritmias geneticamente determinadas não são, acompanhado de surdez neurossensorial. Até o momento,
necessariamente, doenças de canais propriamente ditas, foram identificados 15 genes e mais de 600 mutações
como a TV polimórfica catecolaminérgica, porém, devido responsáveis pela SQTL.189,190
à sua importância clínica e pelo fato de resultarem em A genotipagem, pouco disponível comercialmente e
via final comum com algumas canalopatias, também de alto custo, pode ter contribuição no diagnóstico e,
deve ser contextualizada e comentada neste capítulo. em algumas situações específicas, no tratamento e no
Um subgrupo de pacientes com cardiopatia arritmogênica prognóstico. Pacientes com probabilidade intermediária
do VD, apresenta defeito na rianodina, entretanto a doença de diagnóstico (escore de Schwartz de 3) podem ter a
é classicamente definida como arritmia genética associada doença confirmada, se apresentarem mutação causadora de
à cardiopatia estrutural. SQTL. Por outro lado, a ausência de mutação não exclui o
diagnóstico, já que a chance do teste genético ser positivo
8.1. Síndrome do QT longo é de cerca de 60%.
Esta síndrome, com prevalência descrita de 1:2.000 a A investigação e o rastreamento familiar são algumas
1:5.000 nascidos vivos, caracteriza-se por prolongamento do das principais aplicações dos testes genéticos. Quando o
intervalo QTc (QTc > 440 ms, em homens e QTc > 460 ms, genótipo é conhecido no probando, os familiares podem ser

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Quadro 12 – Escore de Schwartz: probabilidade de síndrome do QT longo

Eletrocardiograma de repouso* Pontos


QTc > 480 ms 3
QTc 460-479 2
QTc 450-459 (homem) 1
Torsades 2
Alternância de T 1
Entalhe de onda T (três derivações) 1
Bradicardia/faixa etária 0,5

4o minutos da recuperação do teste ergométrico


QTc > 480 ms 1

História clínica
Síncope ao esforço 2
Síncope ao repouso 1
Defeito congênito 0,5

História familiar
Familiar com SQTL 1
Morte súbita inexplicada em < 40 anos† 0,5
* Na ausência de causas secundárias, QTc calculado pela fórmula de Bazett; † familiares de primeiro grau. Total de pontos zero ou 1 indica baixa probabilidade; de
1,5 a 3,0 indica intermediário; ≥ 3,5 indica alta probabilidade. SQTL: Síndrome do QT longo; QTc: intervalo QT corrigido.

Quadro 13 – Fenótipo de síndrome do QT longo.

Tipos Canal Onda T QTc Desencadeantes Tratamento Gene


1 IKS Base larga Aumenta Esforço e emoção Melhor resposta KCNQ1
2 IKR Bífida Mantém Puerpério e alarme Resposta parcial KCNH2
3 INa ST retificado Diminui Sono Resposta parcial SCN5a
QTc: intervalo QT corrigido.

identificados com mais precisão, tendo em vista que 35% destes O bloqueio beta-adrenérgico representa a primeira linha
são carreadores silenciosos da mutação, ou seja, apresentam de tratamento. Os betabloqueadores mais estudados são o
intervalo QTc normal.191 Apesar disso, podem ter evento propranolol e o nadolol, que mais comprovadamente reduzem
arrítmico, se não houver orientação comportamental adequada eventos cardíacos e alteram mortalidade. A dose alvo de
e, principalmente, transmitir a doença aos descendentes, que propranolol é 2 a 3 mg/kg, podendo ser aumentada conforme
devem ser estratificados. O uso dos critérios de Schwartz para sintomas ou terapias apropriadas pelo CDI em casos mais
rastreamento familiar tem baixa sensibilidade, sendo todos malignos. O metoprolol é comprovadamente menos efetivo
os familiares de primeiro grau com QTc acima de 450 ms e e seu uso esteve relacionado a eventos fatais.193 O tratamento
acima de 470 ms, em menores de 1 ano, recomendados para farmacológico confere melhor proteção em pacientes com SQTL
acompanhamento clínico e orientação sobre a doença.174,192 tipo I, entretanto também reduz eventos nas SQTL tipos 2 e 3.
As crianças com probabilidade intermediária e alta de A denervação simpática cardíaca esquerda requer o
SQTL devem ser orientadas a evitar situações sabidamente isolamento dos três ou quatro primeiros gânglios torácicos,
de maior risco de evento cardíaco, conforme o fenótipo preservando a porção cefálica do gânglio estrelado, para
suspeito. Os deflagradores conhecidos para a SQTL evitar a síndrome de Horner. A técnica cirúrgica deve ser
tipo I são exercício, especialmente a natação; para a escolhida conforme a experiência local, de cada centro de
SQTL tipo II, são alarmes e toque de telefone. Para todos atendimento, podendo ser por meio de toracotomia, com
os subtipos, esportes competitivos devem ser evitados, abordagem extrapleural, ou da toracoscopia. Para crianças
eletrólitos (potássio e magnésio) devem ser monitorizados pequenas, recomenda-se a abertura no terceiro espaço
periodicamente e as medicações que podem agravar a intercostal, onde há visualização adequada da cadeia
doença devem ser lembradas. simpática e do gânglio estrelado.194

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Mexiletina, flecainida e ranolazina são bloqueadores • Evitar drogas que prolonguem intervalo QT
dos canais de sódio, com indicação restrita em pacientes (www.crediblemeds.org).
com SQTL tipo 3, de alto risco, refratários ao propranolol • Identificar e corrigir rapidamente distúrbios eletrolíticos,
e/ou simpatectomia ou ainda com terapias apropriadas quando o paciente apresentar diarreia, vômito ou
pelo CDI.195,196 situações que favoreçam a desidratação.
A decisão de implante de CDI para profilaxia • Desqualificar de esportes competitivos.
primária é peculiar na criança, devido ao risco maior de
b. Recomenda-se betabloqueador (propranolol) em
complicações, de terapias inapropriadas e pelo maior
pacientes com alta probabilidade de SQTL (Schwartz ≥ 3,5) e:
impacto psicológico. Por outro lado, quanto mais precoce
o aparecimento dos sintomas, pior deve ser o prognóstico • Assintomáticos com intervalo QTc > 470 ms.
da doença. A programação do CDI visa reduzir choques • Sintomático (síncope arrítmica ou TV/FV documentadas).
apropriados e inapropriados, pois a descarga da terapia c. Recomenda-se simpatectomia esquerda quando:
provoca hiperatividade adrenérgica, que aumenta a
• Houver uma contraindicação para o CDI ou por escolha
recorrência de arritmia, levando à tempestade elétrica.
do paciente.
É adequado programar tempo maior para detecção da
arritmia, tendo em vista a natureza autolimitada do • Houver falha terapêutica, recusa ou contraindicação
torsades de pointes, bem como uma FC elevada em zona aos betabloqueadores.
de FV. É possivel indicar CDI AV para usar a estimulação • Houver tempestade elétrica, apesar do uso de
antibradicardia, com fração de ejeção mínima de 70 bpm betabloqueador na máxima dose tolerada, nos
naqueles pacientes bradicárdicos ou de alto risco.197 portadores de CDI.
d. Recomenda-se CDI:
8.1.1. Recomendações • Morte súbita recuperada.
• Síncopes recorrentes, apesar da terapia otimizada com
8.1.1.1. Diagnóstico betabloqueadores ou contraindicação a estes.
1. A SQTL é definida como:
a. Escore de Schwartz ≥ 3,5, na ausência de causas Classe IIa
secundárias de prolongamento do intervalo QT E/OU O betabloqueador (propranolol) pode ser útil em pacientes
b. Presença de mutação comprovadamente causadora com SQTL e QTc < 470 ms.
de SQTL OU 1. O CDI pode ser útil em pacientes com SQTL e síncope
c. Intervalo QTc ≥ 500 ms em ECG seriados, na ausência recorrente, apesar do uso correto de betabloqueador
de causas secundárias, mesmo em pacientes assintomáticos. (propranolol).
2. O teste ergométrico é indicado em: 2. A simpatectomia esquerda pode ser útil em pacientes
com síncope recorrente, apesar do uso correto de
a. Pacientes com escore de Schwartz igual a 3,0 betabloqueador (propranolol).
(probabilidade intermediária), quando o prolongamento do
intervalo QTc na recuperação do exame agrega valor para 3. A mexiletina pode ser usada em pacientes com resposta
o diagnóstico. positiva ao teste oral.
b. Familiares assintomáticos com QTc de repouso
< 440 ms. Classe III
c. Pacientes sem fenótipo ou genótipo definido para 1. O CDI não deve ser indicado em pacientes assintomáticos,
adequação terapêutica. exceto em condições especiais, discutidas conforme síndromes
d. Avaliação de sintomas inespecíficos ao esforço. ou mutações específicas.
3. Sobre o rastreamento familiar:
8.2. Síndrome de Brugada
a. Está indicado para todos os familiares de primeiro grau
do paciente índice e do rastreamento positivo. A síndrome de Brugada é rara em crianças, sendo a maior
série multicêntrica publicada por Probst e cols. em 2007,
b. O ECG de 12 derivações deve ser realizado desde com 30 pacientes menores de 16 anos.198 O diagnóstico
o nascimento. é baseado nos achados clínicos e eletrocardiográficos,
semelhante aos critérios nos adultos. Não há dados
8.1.1.2. Tratamento específicos para a posição dos eletrodos nas crianças,
apesar do formato e do tamanho diferentes da caixa
torácica, conforme faixa etária. Os pacientes podem ser
Classe I assintomáticos; apresentar síncope, respiração agônica
a. As mudanças no estilo de vida estão recomendadas para noturna, palpitações (por TV não sustentada ou arritmias
todos os pacientes com alta e intermediária probabilidade atriais) e PCR recuperada. Em geral, os eventos arrítmicos
de SQTL: ocorrem na quarta década de vida, sendo um diagnóstico

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pouco comum na faixa etária pediátrica. A característica sintomas no sexo masculino não foi comprovada, reforçando
eletrocardiográfica clássica é o supradesnivelamento do a hipótese da influência hormonal androgênica na dinâmica
segmento ST nas derivações precordiais direitas (V1 e V2), dos canais iônicos. A história familiar de morte súbita e a
porém, se houver padrão característico em pelo menos uma identificação de mutação genética no SCN5A não predizem
derivação precordial direita, com as derivações precordiais maior risco de eventos fatais. Novamente, deve ser ressaltado
dispostas na posição paraesteral e superior, este critério que a estratificação de risco na população pediátrica ainda
também é considerado de alta suspeição diagnóstica.199 carece de maiores dados robustos, em virtude da raridade
Há três padrões eletrocardiográficos reconhecidos: do achado eletrocardiográfico nessa faixa etária, bem como
tipo I, supradesnivelamento do segmento ST maior que da baixa ocorrência de eventos fatais.
2 mm, seguido de onda T descendente e negativa; tipos II O estimulação ventricular programada falhou em predizer
e III, supradesnivelamento do segmento ST com onda T eventos arrítmicos de forma consensual. Estudos apontam que
ascendente e positiva, respectivamente com 2 mm e menor a FV induzida no EEF é preditor independente de eventos
que 2 mm. Apenas o tipo I define síndrome de Brugada; arrítmicos.204,207,209 Por outro lado, em todas as demais
os tipos II e III sugerem a presença da canalopatia, porém séries, esse método não demonstrou adequado valor na
necessitam de investigação adicional.200 estratificação de risco, sendo um exame dispensável para
É importante a diferenciação com fenocópias do ECG de alguns autores.203,206,208
Brugada como bloqueios atípicos do ramo direito, pectus Como orientação terapêutica, devem-se evitar os fatores
excavatum, hipertrofia ventricular esquerda, dissecção relacionados com exacerbação do defeito do canal, como
de aorta, distrofia muscular de Duchenne, hipercalemia, hipertermia e uso de drogas antiarrítmicas da classe IC.
hipercalcemia, isquemia aguda de VD, hipotermia, pericardite Não se recomendam esportes competitivos, mas atividades
e repolarização precoce.201 recreativas não são desencorajadas.174
Um dos problemas do ECG na síndrome de Brugada reside O tratamento medicamentoso se restringe ao uso de
no fato do mesmo ter um padrão dinâmico. Assim, na suspeita isoproterenol na tempestade elétrica e de quinidina para
clínica ou no rastreamento familiar, o ECG deve ser realizado tratamento de arritmias supraventriculares concomitantes,
de modo seriado. Quando os sintomas são sugestivos da ou ainda choques apropriados pelo desfibrilador (CDI).174
arritmia ventricular, com deflagradores típicos da síndrome Entretanto, um dos problemas atuais da quinidina é sua baixa
de Brugada (ocorrência noturna, pós-prandial, durante febre disponibilidade no mercado.210 Seu uso é sugerido como
ou outras situações vagais) e o ECG que não é tipo I, há dados ponte para crianças com indicação de CDI ou, ainda, como
de segurança para realização de teste provocativo (ajmalina, alternativa terapêutica, caso haja contraindicação para CDI.
flecainida ou procainamida) na população pediátrica,
seguindo o mesmo protocolo, respectivamente, com doses O CDI ainda é a única opção terapêutica disponível, mas
de 1 mg/kg, 2 mg/kg e 1 mg/kg em 10 minutos de infusão seus efeitos adversos são ainda menos tolerados na população
contínua ou em bólus.201 pediátrica: jovens ativos, inúmeras trocas de gerador, infecção
e choques inapropriados. Algumas séries revelaram menor
O aumento de temperatura corporal, como ocorre em taxa de choques apropriados (8 a 15% em média de 47 meses
estados febris, pode expor o fenótipo eletrocardiográfico ou,
de seguimento) e um risco maior de complicações (20 a 36%
ainda, deflagrar arritmias, pois a temperatura elevada abrevia
de choques inapropriados).211,212 Além disso, crianças com
o fechamento dos canais de sódio. Dada a prevalência de
CDI apresentaram maior risco de depressão. Desde modo, a
convulsão febril benigna na infância, especula-se a influência
indicação de CDI, devido à escassez de dados e à raridade de
da canalopatia na fisiopatologia da convulsão, mas não há
ocorrência na população pediátrica, deve ser individualizada
avaliação cardiológica específica nessas crianças.
e compartilhada com os responsáveis.
A herança genética da síndrome de Brugada tem um
A ablação por cateter pode ser eficiente em portadores
padrão autossômico dominante, atualmente com mais de
de CDI com terapia apropriada, por meio da qual se
250 mutações descritas em 14 genes. O primeiro gene
identifica uma extrassístole deflagradoda da FV, que
associado à síndrome de Brugada foi o SCN5A, que está
seja mapeável pelo EEF. Essa abordagem ainda não foi
presente em 20 a 25% dos pacientes.202,203
descrita em crianças, devendo ser considerada medida
Após o diagnóstico clínico, o próximo passo é a individualizada e discutida em centros de atendimento
estratificação de risco. Entre pacientes assintomáticos, o risco especializado na síndrome de Brugada.213
de arritmias fatais ou potencialmente fatais varia entre as séries
publicadas: Probst e cols.203 falam em 1,5% em 31 meses;
Brugada e cols.204 revelaram 8% em 33 ± 39 meses de 8.2.1. Recomendações
acompanhamento; Priori e cols.205 6% em 34 ± 44 meses;
Gehi e cols.206, 1% após 40 ± 50 meses. 8.2.1.1. Diagnóstico
A maioria dos estudos demonstra que o padrão tipo I
espontâneo, a presença de síncope ou a PCR recuperada
estão relacionados a maior chance de ocorrência de eventos 1. A síndrome de Brugada é definida como:
arrítmicos durante a evolução.205-208 Em metanálise publicada a. ECG espontâneo ou induzido por teste provocativo,
em 2006, o sexo masculino também foi considerado como com padrão de Brugada tipo I nas derivações padrões
de maior risco.207 Em pré-púberes, essa prevalência de ou superiores.

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b. ECG com padrão de Brugada tipos II ou III, que mortalidade, em torno de 30 a 50%, entre 20 e 30 anos de
apresente padrão tipo I com o teste provocativo. idade, e tem prevalência estimada em 1:10 mil indivíduos.215,216
2. O teste provocativo (ajmalina, flecainida ou procainamida) Caracteriza-se por síncopes recorrentes ou morte súbita em
está indicado em: crianças e jovens, especialmente relacionadas ao esforço físico
e ao estresse emocional. Manifesta-se de modo clássico como
a. Pacientes com sintomas sugestivos de síndrome de
TV polimórfica bidirecional, TV polimórfica ou FV, na ausência
Brugada com ECG não diagnóstico (tipos II ou III).
de cardiopatia estrutural. No ECG de repouso, observam-se
b. Parentes de primeiro grau de vítimas de morte súbita tendência à bradicardia sinusal e intervalo QTc limítrofe.217,218
precoce, com autópsia inconclusiva e ECG não diagnóstico Recentemente, tem sido descrita em casos de overlaping
(tipos II ou III). clínico com SQTL, especialmente em famílias com manifestações
3. Sobre o rastreamento familiar: fenotípicas características, como paralisia periódica e anormalidades
a. Está indicado para todos os familiares de primeiro grau no desenvolvimento (micrognatia, baixa implantação de orelhas,
do paciente índice e do rastreamento positivo. hipertelorismo, escoliose, baixa estatura etc.), conhecida como
síndrome de Andersen-Tawil. Essa síndrome é atualmente
b. Deve ser feito com ECG de 12 derivações seriado com
considerada uma SQTL tipo 7, com duas definições genotípicas.
V1 e V2 nos segundo, terceiro e quarto espaços intercostais.
A tipo I, que corresponde a cerca de 60% dos casos, está
relacionada à mutações no gene KCNJ2, com implicações
8.2.1.2. Tratamento terapêuticas específicas, pela alta letalidade da doença. Já a
tipo II corresponde aos casos fenotípicos ainda sem mutações
definidas.219,220
Classe I
Até o momento, há poucos dados para uma estratificação
1. As mudanças no estilo de vida estão recomendadas
de risco eficiente. Quanto menor a idade de aparecimento
para todos pacientes.
dos sintomas, pior o prognóstico. 217 A recorrência
2. Drogas que facilitem a ocorrência das arritmias de síncope, apesar do betabloqueador, também está
(www.brugadadrugs.org) devem ser evitadas. relacionada à maior malignidade.191
3. Recomenda-se CDI em PCR recuperada ou TV Alterações cromossômicas podem ser identificadas em
sustentada espontânea documentada (com ou sem síncope). aproximadamente 50% dos casos, e sua presença não
implica necessariamente um prognóstico pior.
Classe IIa A avaliação genética familiar pode ser considerada para
1. O CDI pode ser útil em pacientes com síndrome de identificar portadores assintomáticos que se beneficiariam
Brugada tipo I espontânea e síncope com característica arrítmica. de terapia com betabloqueador mais precocemente.
As crianças com TV polmórfica catecolaminérgica devem
2. A quinidina pode ser usada no tratamento de arritmias
ser orientadas a evitar situações com mais risco de eventos,
supraventriculares ou ventriculares (em portadores de CDI).
como exercício físico e emoções. Para todos os subtipos,
3. A quinidina pode ser uma opção ao CDI quando houve devem ser evitados esportes competitivos e também deve
contraindicação ou indisponibilidade transitória para mesmo. ser reforçada a importância da aderência ao tratamento,
4. O isoproterenol EV pode ser usado em tempestade evitando riscos de eventos sérios, como síncopes com
elétrica ou alta densidade de arritmias supra ou ventriculares trauma e tempestade elétrica pelo CDI.
durante procedimento cirúrgico. A terapêutica atual baseia-se no uso de betabloqueador
(propranolol ou nadolol) e, nos casos não responsivos
Classe IIb (30 a 59%), na associação com o CDI − este último sempre
indicado com cautela, devido ao risco potencial de choques
O CDI pode ser considerado em pacientes com
e tempestade elétrica.
síndrome de Brugada tipo I com FV sustentada induzida por
estimulação ventricular. Podem ser tentadas terapias adjuvantes para controle da
arritmia em pacientes que apresentam contraindicação ao
A quinidina pode ser considerada em pacientes
CDI ou naqueles com recorrência de terapia apropriada.
assintomáticos com síndrome de Brugada tipo I espontânea. Dois estudos mostraram benefício na associação de
propranolol e verapamil, porém o seguimento clínico foi
Classe III curto e realizado somente em pacientes com mutação
O CDI não deve ser indicado em pacientes com síndrome do gene CASQ2. A flecainida tem uma forte associação
fisiopatológica com a TV polmórfica catecolaminérgica
de Brugada tipo I apenas por história familiar de morte súbita.
por inibir a liberação de cálcio pelo receptor de rianodina
em estudos animais.221 Entretanto, quando a flecainida é
8.3. Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica prescrita, deve ser mantido o uso do betabloqueador, que
A TV polimórfica catecolaminérgica é classicamente uma ainda é a melhor terapia padrão disponível. Nos casos em
arritmia da população pediátrica213,214. Trata-se de uma síndrome que houve confirmação da síndrome de Andersen-Tawil,
arrítmica herdada geralmente por um padrão autossômico pela mutação do KCNJ2, os pacientes podem ser tratados
dominante e, mais raramente, recessivo. Está relacionada à alta com flecainida, porém ela não se encontra disponível no

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Brasil.220 Neste caso, a propafenona pode ser uma opção, paciente; falha terapêutica, recusa ou contraindicação
tendo em vista sua ação de classe. aos betabloqueadores; e tempestade elétrica, apesar do
A denervação simpática por toracoscopia tem uso de betabloqueador na máxima dose tolerada, nos
evidência crescente e deve ser considerada em situações portadores de CDI.
específicas. Pacientes com indicação de CDI, que negam
o implante do mesmo, pacientes com contraindicação Classe IIb
ao betabloqueador ou com terapias apropriadas,
1. Recomenda-se a genotipagem nos casos com alta
apesar da dose máxima de betabloqueador tolerada,
suspeição diagnóstica, especialmente quando houver dúvidas
podem ter a terapia antiadrenérgica otimizada com a
no diagnóstico diferencial com SQTL.
simpatectomia esquerda.194
As terapias adjuvantes ainda não demonstraram redução
de mortalidade e, portanto, devem ser consideradas em Classe III
associação com betabloqueador e CDI. 1. O CDI não deve ser indicado em paciente assintomático
As indicações de CDI devem ser feitas com muita cautela, e responsivo a betabloqueador.
já que, devido à natureza adrenérgica dessa doença,
a possibilidade de tempestades elétricas é muito alta, 8.4. Síndrome do QT curto
principalmente em se tratando de crianças e adolescentes. A síndrome do QT curto resulta da mutação de canais
No entanto, nos casos de prevenção secundária, principalmente iônicos de cálcio e potássio, e é determinada geneticamente
quando houver refratariedade aos betabloqueadores, de forma autossômica dominante, podendo causar TV e
recomenda-se a proteção desses pacientes com o CDI. morte súbita. O ganho de função dos canais de potássio
Ikr, Iks e Ik1 (genes KCNH2, KCNQ1, e KCNJ2), ou a perda
de função dos canais lentos de cálcio (genes CACNA1C,
8.3.1. Recomendações
CACNB2b e CACNA2D1) encurta o potencial de ação e,
consequentemente, a repolarização e o intervalo QT.222
8.3.1.1. Diagnóstico O diagnóstico é ainda controverso, porque a medida que
A TV polmórfica catecolaminérgica é definida como: define o intervalo QT curto é duvidosa. Além disso, não há
1. Demonstração de períodos de TV polimórfica (com ou correlação direta entre a magnitude do QT curto e o risco de
sem padrão bidirecional) ao ECG espontâneo e induzido ao arritmias ventriculares e atriais. Estima-se que a prevalência
esforço por teste ergométrico ou Holter de 24 horas. do intervalo QT curto na população geral seja de 0,4 a 2%j
considerando intervalo QT < 360 ms.223 Causas adquiridas
2. Ausência de demonstração de quaisquer anormalidades
para o intervalo QT curto, como hipercalemia, hipercalcemia,
estruturais cardíacas. acidose, hipertermia, digitálicos e aumento do tônus vagal,
3. Sobre o rastreamento familiar: devem ser afastadas.
a. Está indicado para todos os familiares de primeiro grau A síndrome do QT curto é diagnosticada na presença
do paciente índice e do rastreamento positivo. de QT ≤ 330 mseg ou de QT < 360 ms, associadas
b. Todos os casos rastreados necessariamente precisam ser a pelo menos um dos seguintes dados: genótipo
investigados com teste ergométrico e/ou Holter de 24 horas positivo, história familiar de síndrome do QT curto,
história familiar de morte súbita com ≤ 40 anos de
c. O teste ergométrico deve ser feito com protocolo
idade, sobrevivente de morte súbita por taquicardia ou
mais brando
FV sem cardiopatia aparente (critérios de Goolob). 224
A apresentação clínica dos pacientes correlaciona-se com o
8.3.1.2. Tratamento genótipo, variando de pacientes assintomáticos até os que
apresentam palpitações, síncope, FA ou morte súbita.225
Relatos de caso no grupo pediátrico são raros, o que
Classe I
dificulta uma padronização de conduta.
1. As mudanças no estilo de vida estão recomendadas para
Nenhuma terapêutica é necessária para os pacientes com
todos os pacientes.
intervalo QT curto, assintomáticos, sem história familiar ou
2. Desqualificação de esportes competitivos. genótipo positivo. Os pacientes com síndrome do QT curto,
3. Recomenda-se betabloqueador independente dos que apresentaram TV ou FV, devem realizar implante de CDI.
sintomas, na máxima dose tolerada. Parentes de primeiro grau devem realizar avaliação clínica
4. Recomenda-se CDI nos casos de PCR recuperada associada a ECG e teste genético.
ou síncopes recorrentes, apesar da terapia otimizada com A terapia farmacológica, com antiarrítmicos que
betabloqueadores ou contraindicação aos mesmos. prolongam o intervalo QT, é recomendada aos pacientes
com terapia apropriada e frequente do CDI. A quinidina
tem melhor resultado nos portadores da mutação KCNH2
Classe IIa – síndrome do QT curto tipo I, enquanto outras drogas da
1. Recomenda-se a simpatectomia esquerda quando classe III, como sotalol e amiodarona, parecem ser mais
houver contraindicação para o CDI ou por escolha do efetivas em outros genótipos.

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Nos pacientes com síndrome do QT curto assintomáticos e A única conduta recomendada é o CDI para quem
com história familiar de morte súbita, a quinidina e o sotalol apresentou FV recuperada.
podem ser usados na prevenção primária, sem confirmação
de eficácia a longo prazo.174,226-228 8.7. Morte súbita cardíaca inexplicada e morte súbita
cardíaca infantil inexplicada
8.5. Fibrilação ventricular idiopática A morte súbita cardíaca inexplicada é aquela que ocorre
A FV é considerada idiopática quando o paciente apresenta em indivíduos maiores de 1 ano, previamente sadios,
parada cardíaca recuperada, preferencialmente com FV sem comorbidades aparentes com autópsia e toxicológico
documentada ou ritmo passível de choque, pela leitura negativos. Quando em menores de 1 ano, considera-se
do cardiodesfibrilador externo, sem causa aparente após morte súbita cardíaca infantil inexplicada.233 O diagnóstico
investigação para cardiopatia estrutural e para canalopatia. molecular contribui para elucidação de até 35% das mortes
A anamnese detalhada deve buscar a identificação de súbitas inexplicadas e de 10 a 15% em menores de 1 ano.234,235
deflagradores do evento cardíaco, do tipo de atendimento Diferentemente da FV idiopática, o único meio de
no pronto-socorro (intubação, massagem e desfibrilação) investigação, na ausência de autópsia molecular, é a
e da história familiar de morte súbita. Os exames abordagem de familiares, em busca de doenças cardíacas
complementares recomendados são ECG, ECG de alta incipientes ou canalopatias. As doenças, em geral, têm
resolução, ecocardiograma, angiotomografia de coronária padrão autossômico dominante, e quanto maior o número
ou cineangiocoronariografia, ressonância magnética nuclear de familiares rastreados, maior a chance de encontrar a
e os testes provocativos.229 Os testes provocativos são o pista etiológica e prevenir a recorrência do evento cardíaco
ergométrico e o farmacológico (bloqueadores dos canais na família.174
de sódio e epinefrina). O esforço físico pode ser realizado
em crianças acima de 5 anos, em centros com experiência 8.8. Doença progressiva do sistema de condução
nessa faixa etária. A ajmalina e a procainamida são usadas
A DPSC de origem genética ocorre em indivíduos jovens
para desmascarar o padrão eletrocardiográfico de Brugada.
(< 50 anos), podendo acometer a população pediátrica.
A epinefrina pode induzir arritmias ou prolongamento do É definida como primária na ausência de cardiopatia
intervalo QTc, tal como o estresse físico.230 estrutural ou miopatias esqueléticas. Sua fisiopatologia
Em 1992, com a descoberta da base genética das pode estar relacionada a defeitos em correntes iônicas que
canalopatias, alguns pacientes, antes classificados como participam da formação do impulso cardíaco.
FV idiopática, passaram a ter diagnóstico molecular A descoberta da mutação genética responsável é
definido.231 Ademais, outras entidades, como repolarização recente e tem um padrão autossômico dominante.
precoce e Torsades por extrassístole de acomplamento Algumas mutações do gene SCN5A e TRPM4 foram
ultracurto, foram descritas, reduzindo consequentemente consideradas patogênicas e estão relacionadas à doença
o diagnóstico de FV idiopática, com o avanço do isolada do sistema de condução.174,191 O acometimento
entendimento da fisiopatologia das doenças. estrutural do miocárdio associado foi observado nas
O tratamento é o implante de CDI.174 Algumas medicações mutações do gene LMNA.236
foram usadas para reduzir o número de terapias pelo dispositivo, Além disso, a disfunção do nódulo sinusal foi associada
como a quinidina. Em outros pacientes, a extrassístole a uma variedade de taquiarritmias atriais, particularmente
monomórfica deflagradora da FV traz a possibilidade de ablação a FA. Nos últimos anos, com o desenvolvimento da base
por cateter, apesar de a doença estar geralmente associada a molecular dos canais iônicos e da remodelação proteica
defeitos dos canais, e não a um substrato anatômico. estrutural, foi possível entender melhor a fisiopatologia da
disfunção do nó sinusal e sua relação com a FA.
8.6. Repolarização precoce A bradicardia sinusal em jovens geralmente é fisiológica
A repolarização precoce é um padrão eletrocardiográfico e ocorre por vagotonia. Se a bradicardia também for
comum, que ocorre em cerca de 5% da população, observada em outros membros da família, pode haver um
caracterizada por elevação do ponto J e do segmento ST defeito de canal associado, sem necessidade de investigação
em duas ou mais derivações contíguas. Quando ocorre complementar.176,226 A FA, nessa população, também pode
em derivações precordiais, é considerada um fenômeno ter uma base genética, mas, para ambas as situações, o teste
benigno, mas, em derivações inferiores ou quando ambas genético tem pouca aplicabilidade clínica.191,237 A história
estão acometidas, esteve pelo menos cinco vezes mais clínica familiar de marca-passo em jovens ou morte súbita
relacionada a FV idiopática em estudos caso-controle. precoce pode corroborar o diagnóstico. Na investigação desses
Na faixa etária pediátrica, a repolarização precoce é ainda pacientes, deve-se ter atenção especial para a presença de
mais prevalente, com predomínio do sexo masculino (70%). canalopatias subjacentes potencialmente fatais.
Há piora do padrão eletrocardiográfico sob tônus vagal A indicação de marca-passo independe do
aumentado e melhora do padrão eletrocardiográfico na reconhecimento da canalopatia, entretanto reforça a
adolescência, sugerindo ainda uma participação hormonal. necessidade de acompanhamento, já que a doença é
A repolarização precoce em 11 a 15% pode estar associada progressiva. Devem‑se detalhar as histórias familiar e
às síndromes de Brugada e do QT curto, geralmente com pessoal em pacientes com bradicardia inexplicada ou FA
prognóstico pior.174,232 em jovens sem cardiopatia estrutural.

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9. Tratamento medicamentoso 9.2. Terapia antiarrítmica em crianças com QRS estreito e


taquicardia documentada
A terapia farmacológica é a base do tratamento dos
eventos arrítmicos na infância. Muitas vezes, os riscos dos Dentre as taquicardias supraventriculares estritamente
procedimentos invasivos, principalmente entre os jovens, a regulares na infância, a maioria é mediada por vias acessórias
complexidade da cardiopatia, ou mesmo a impossibilidade de aparentes ou ocultas ao ECG de repouso, principalmente
tratamento por cateter prolongam o tratamento farmacológico. durante a primeira infância.249 As taquicardias mediadas por
Há o papel dos fármacos em algumas canalopatias e para dupla via nodal aumentam sua incidência em fases posteriores
profilaxia de eventos, enquanto se aguarda o momento ideal da infância e na adolescência.250,251
para terapia definitivas ou invasivas. Se ambas as formas de taquicardia são estáveis,
A indicação de um fármaco antiarrítmico deve ser baseada recomendam-se utilizar manobras vagais prioritariamente em
não somente em sua eficácia, mas também na ponderação relação ao antiarrítmico. Em caso de insucesso da manobra
da fisiopatologia do evento arrítmico e nos efeitos colaterais vagal, a adenosina deve ser considerada primeira escolha no
da medicação.238,239 tratamento do evento.245 Quando disponível, a passagem de
Os efeitos pró-arrítmicos da propafenona parecem eletrodo esofágico e a reversão da taquicardia por overdrive
menos relevantes em crianças. A propafenona pode ser podem ser opções.
associada aos betabloqueadores e aos bloqueadores de Em casos refratários ou naqueles com repercussão
canais de cálcio. Durante o uso pediátrico, este farmaco hemodinâmica, o profissional de saúde deve avaliar
apresenta inconvenientes, como o sabor das diluições clinicamente os sinais de gravidade e proceder ao tratamento
e os efeitos anestésicos sobre a mucosa da orofaringe. com cardioversão elétrica após sedação adequada.
A propafenona não deve ser utilizada em pacientes com Vale lembrar que a eficiência da adenosina depende
cardiopatia estrutural. não só da dose como também da forma de administração.
Em nosso meio, há um amplo predomínio do uso da Idealmente, a adenosina deve ser administrada em torneira
amiodarona sobre o sotalol na população pediátrica. de tripla via, seguida de flush de soro fisiológico e elevação
Os efeitos do depósito da amiodarona se estabelecem em do membro superior. Devido à sua meia-vida curta, a
diversos órgãos e sistemas, incluindo tiroide, pulmão, olhos, adenosina pode apenas interromper transitoriamente a
figado e SNC.240,241 O rastreamento dos efeitos colaterais taquicardia. Entretanto, sua dose pode ser progredida e
deve ser feito a cada 6 meses. Os efeitos colaterais parecem repetida sem intervalos.252,253
ser menos frequentes em crianças, quando comparados Dentre os maiores receios da administração de adenosina
aos adultos.242,243 em pacientes portadores de Taquicardia Paroxística
Os antiarrítmicos classe IV estão contraindicados em Supraventricular (TPSV) por vias acessórias está o risco de
crianças abaixo de 1 ano (sendo prudente evitar até os 2 anos), indução de FA durante sua infusão, o que poderia gerar FA
devido ao risco de atividade elétrica sem pulso.244 pré-excitada, e posterior FV e morte em casos de vias com
Adenosina é uma droga de infusão e ação rápidas, que tem condução anterógrada.252 Assim, sua administração em um
efeitos depressores fulgazes sobre as célular do nó sinusal e ambiente adequado, com material para desfibrilação e suporte
nó AV.245,246 Ela é rapidamente metabolizada (meia-vida de de reanimação cardíaca pulmonar (RCP), é obrigatório.
10 segundos). Um efeito colateral conhecido da adenosina é Particularmente na infância, devido ao estágio de
sua capacidade de induzir broncospasmo, o que contraindica maturação dos canais iônicos de K, a amiodarona é bastante
seu uso em crianças asmáticas.247 eficaz, embora possa demorar horas até que converta o ritmo
A digoxina tem ação antiarrítmica por aumentar a à sinusal. Assim, deve ser colocada como última linha.254
ação vagal, diminuindo a automaticidade sinusal e AV.248 Principalmente nos casos de via acessória, a terapia
Os efeitos colaterais são raros e bem conhecidos. Deve‑se tomar antiarrítmica profilática na infância tem a intenção de
particular cuidado com pacientes com alguma disfunção renal. proteger o indivíduo de novas crises, sempre aguardando a
Está contraindicada em pacientes com síndrome de WPW.248 possibilidade de resolução espontânea (perda da capacidade
de condução pela via acessória), fundamentalmente durante
9.1. Terapia antiarrítmica em crianças com palpitação, o primeiro ano de vida.
mas taquicardia não documentada Muitos profissionais de saúde optam pela prescrição de
Como regra geral, é prudente se ter a documentação terapia antiarrítmica apenas nos primeiros 6 a 12 meses de
do evento arrítmico antes de introduzir medicamentos vida, no intuito da remissão espontânea. No entanto, não há
antiarrítmicos a pacientes jovens. Os sintomas, isoladamente, evidências de que estsa forma de abordagem seja ideal.255,256
principalmente quando esparsos, não são forte justificativa para Nos últimos anos têm-se utilizado com maior frequência
o uso de antiarrítmicos. Tais fatos estão baseados na relação as drogas dos grupos III (amiodarona e sotalol) e IC
custo-benefício que obviamente deve ser individualizada para (propafenona). As taxas de sucesso são equivalentes ao
cada paciente e seus sintomas. uso de propranolol e digoxina, porém sempre há o risco

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de efeitos pró-arrítmicos (principalmente com o sotalol). A TV fascicular é sensível à reversão com bloqueadores
Em algumas situações, a associação de fármacos, de canais de cálcio, principalmente o verapamil.
principalmente com betabloqueadores, pode ser necessária. As taquicardias do VD, em especial as de via de saída do VD,
Muitas vezes, para adaptar a dose ao peso da criança, são habitualmente responsivas à adenosina. Nos casos de
é necessário diluir o medicamento para administração. arritmia idiopática, a resposta ao betabloqueador, ou mesmo
Em particular a propafenona, quando diluída, apresenta aos bloqueadores de canais de cálcio, é mais efetiva que o
discreto a moderado efeito anestésico sobre a mucosa oral, uso de fármacos como amiodarona, sotalol ou propafenona.
o que pode ser um obstáculo no uso para lactentes, pelo
risco de incoordenação da deglutição.
10. Tratamento não medicamentoso
O quadro 14 demonstra as principais doses e características
das taquicardias e dos fármacos que podem ser utilizados na
terapia das taquicardias supraventriculares na infância. 10.1. Ablação por cateter
Para pacientes com crises acima do primeiro ano de idade, A ablação por cateter com radiofrequência (RF) sido a
é pouco provável que estas sejam tão intensas ou frequentes terapia padrão para o tratamento das arritmias cardíacas
quanto no primeiro ano de vida. Nesses casos, a terapia deve e vem apresentando enorme desenvolvimento nas últimas
ser individualizada e baseada na intensidade e na frequência décadas. Com a melhoria do conhecimento da técnica,
das crises.257 Em casos em que não há pré-excitação e as aliada ao avanço dos materiais e equipamentos, cada vez
crises são raras, de curta duração e bem toleradas, pode-se mais é possível tratar crianças muito jovens e até de baixo
optar apenas por seguimento clínico. Para todos os pacientes, peso, desde que a arritmia em questão coloque a vida
é fundamental a orientação sobre como se interrompem as em risco. O índice de complicações vem sendo reduzido
crises utilizando manobras vagais. drasticamente, à medida que as equipes aumentam o
grau de treinamento no tratamento da população infantil.
Outra opção terapêutica mais amplamente utilizada Técnicas de mapeamento tridimensional, mapeamento não
entre adultos é o tratamento periódico e ocasional das fluoroscópico, crioablação e cateteres mais finos e macios
crises de taquicardia com a estratégia da abordagem de fazem com que a ablação tenha um risco reduzido aliado a
“pílula de bolso” (pill-in-pocket), que deve ser reservada aos um índice elevado de sucesso.
adolescentes. Apesar de raramente utilizada, habitualmente
é bem tolerada em casos de taquicardia, utilizando uma via
acessória. Esta abordagem tem sido aprovada com dados 10.2. Ablação por cateter de taquicardias
limitados, mas que comprovam sua eficácia.258 Nestes casos, supraventriculares em crianças com coração
a medicação deveria ser utilizada apenas quando as manobras estruturalmente normal
vagais não foram eficazes. Para utilização dessa estratégia, os
pacientes devem estar com função ventricular preservada, 10.2.1. Feixes acessórios incluindo síndrome de Wolff-
sem histórico de bradicardia ou pré-excitação ventricular. Parkinson-White
É prudente que a primeira reversão dessa forma de terapia
Nas crianças sintomáticas, com peso superior a 15 kg,
seja feita em ambiente hospitalar.
a ablação por cateter é atualmente bem estabelecida.
Em adolescentes, a dose única de diltiazem, propranolol A indicação está sustentada, devido à alta taxa de sucesso
ou sotalol é superior ao placebo para reversão de taquicardia em todos os grupos.261,262 Nas crianças que apresentam a
supraventricular.259,260 pré‑excitação manifesta, a localização da inserção da via
O tratamento para prevenção de recorrência deve ser acessória pode ser avaliada por algoritmos que utilizam
considerado nos primeiros anos de vida, em caso de sintomas a polaridade da onda delta no ECG de superfície. 263
mal tolerados ou crises frequentes, até que o paciente atinja É interessante observar que esses algoritmos foram
uma idade segura para o procedimento invasivo. Em casos desenvolvidos para a população adulta, mas se aplicam
excepcionais de intolerância ao tratamento clínico, efeitos plenamente à população infantil. A localização prévia da
colaterais graves dos fármacos, refratariedade ao tratamento via anômala é pré-requisito de sucesso da ablação, pois
ou eventos graves, como síncope associada à pré-excitação, permite conhecer o tipo de cateter a ser utilizado, a via de
o procedimento invasivo pode ser antecipado. abordagem e os riscos envolvidos. A ablação por cateter
das vias anterosseptais e mediosseptais têm o inconveniente
9.3. Tratamento antiarrítmico para crianças com do risco de lesão do nó AV e do feixe de His, e devem ser
taquicardia de complexos QRS alargados reservadas para pacientes muito sintomáticos, refratários
ou com arritmias de alto risco de morte.264 As taxas de
As taquicardias ventriculares estão presentes em todas as
sucesso superam os 90%, e o tempo de fluoroscopia fica
faixas etárias, desde o período perinatal à senilidade, apesar
abaixo de 40 minutos. O uso de sistemas de mapeamento
de mais raras na infância e adolescência.
e navegação, sem o raio X, tem trazido significativa redução
Em ambientes de emergência e urgência, devem ser seguidos no uso de radioscopia, condição extremamente importante
os algoritmos de Suporte Avançado de Vida em Pediatria. no tratamento da população pediátrica.265 Há um risco de
A terapia para profilaxia deve se basear no mecanismo 5 a 10% de recorrência nas ablações de vias anômalas,
subjacente ao evento arrítmico ou ao quadro específico de possivelmente pelo aquecimento e pela interrupção
base, e ser individualizado. transitória da condução.9

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Quadro 14 – Fármacos antiarrítmicos utilizados em pediatria.

Ajuste Efeitos adversos


Agentes Dose ataque EV Dose de manutenção EV Dose VO Ajuste renal
hepático mais comuns
Primeira dose: 0,1mg/kg Rubor, dispneia e
(máximo 6 mg) pressão torácica
Adenosina Não Não Não Não
Segunda dose: 0,2 mg/kg Reduzir dose se
(máximo 12 mg) acesso central
Hipotensão
4-10 mg/kg/dia a cada
Verapamil 0,1-0,3 mg/kg/dose Não Não Sim Não utilizar abaixo de
8 horas
2 anos
Recém-nascido e
Hipotensão
criança: 2,5-5 mg/kg/dia
Amiodarona 5 mg/kg 5-10 mg/kg/dia Não Não Pneumonite
Adolescentes:
Tireoidopatia
200‑400 mg/dia
Recém-nascido: 7-10 mg/kg 20-80 mcg/kg/min 15-50 mg/kg/dia a cada Hipotensão
Procainamida Sim Sim
Criança e adolescente: 15 mg/kg (máximo 2 g/dia) 8 horas Alteração do TGI
Crianças:
150-200 mg/m²/dia Tontura, náusea,
Propafenona 1-2 mg/kg Não Sim Sim
Adolescentes: broncoespasmo
450-900 mg/dia
BAV
Atenolol Não Não 0,5-2 mg/kg/dia Não Não Bradicardia sinusal
Broncoespasmo
Recém-nascido:
0,25 mg/kg/dose a cada
6 ou 8 horas BAV
Propranolol Não Não Crianças: Não Não Bradicardia sinusal
2-4 mg/kg/dia Broncoespasmo
Adolescentes:
40‑320 mg/dia
Crianças:
BAV
Sim (pouco 1-2 mg/kg/dia
Metoprolol Não Não Não Bradicardia sinusal
estudado para crianças) Adolescentes:
Broncoespasmo
50-100 mg/dia
Recém-nascido e Cefaleia
crianças: 5-10 mcg/kg/dia Náusea
Digoxina Não Não Sim Não
Adolescentes: Vômitos
0,125-0,5 mg/dia BAV
Recém-nascido e
crianças: 2 mg/kg/dia
2 vezes ao dia
Sotalol Não Não Sim Não Arritmias
Dose máxima 8 mg/kg
Adolescentes:
120-320 mg/d
EV: via endovenosa; VO: via oral; TGI: trato gastrintestinal; BAV: bloqueio atrioventricular.

10.2.2. Taquicardia juncional reciprocante permanente ou a eliminação da via de condução lenta é o tratamento de
O substrato anatômico para essa taquicardia é uma escolha, usando uma abordagem anatômica e eletrofisiológica
via acessória com condução unicamente retrógrada e combinada.268 Os resultados da ablação dessa taquicardia
comportamento decremental, como ocorre com o nodo AV. em crianças são semelhantes aos encontrados na população
A maioria dessas vias está localizada na região posterosseptal e adulta, com taxa de sucesso entre 95 e 99%, com risco de
é frequentemente associada à chamada taquicardiomiopatia, bloqueio AV entre 1 e 3%, e recorrência entre 3 e 5%.9,261
a qual geralmente regride após a ablação com sucesso, em
algumas semanas. A ablação por cateter dessa taquicardia tem
10.2.4. Taquicardia atrial focal
um índice de sucesso que supera os 90%.266,267
Essa taquicardia é frequentemente incessante e pode,
assim como outras taquicardias incessantes, levar a um
10.2.3. Taquicardia atrioventricular por reentrada nodal quadro de taquicardiomiopatia. Os locais frequentes
Esse tipo de taquicardia é baseado em duas vias de para sua localização são a crista terminalis, a base do
condução nodais, anatomicamente separadas. A modificação apêndice atrial direito e o antro das veias pulmonares no

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átrio esquerdo. O sucesso da ablação é semelhante ao de procedimento, permitindo ainda uma taxa de complicações
outras arritmias supraventriculares em crianças, geralmente de 0,18 a 0,37% dos procedimentos.261,278
ultrapassando os 90%.261,269 A aplicação de RF inadvertidamente em uma artéria
coronária, ou próximo dela, pode gerar graves consequências,
10.3. Ablação por cateter das taquicardias ventriculares como infarto agudo da região irrigada, sendo necessária
em crianças com coração estruturalmente normal imediata intervenção hemodinâmica para recuperar a área
A TV idiopática ocorre em crianças com o coração infartada.279 Cuidado especial deverá ser tomado quando a
estruturalmente normal e pode se originar do VD ou abordagem do foco da arritmia estiver próximo do óstio ou
do VE. O prognóstico parece ser excelente e, em um do trajeto de uma artéria coronária.
número significativo de crianças, ocorre a interrupção A exposição prolongada ao raio X é potencialmente danosa
espontânea dessa arritmia. Há consenso de que a terapia para as crianças, que estão em fase de grande multiplicação
é indicada apenas nos casos sintomáticos.270 O substrato celular. Felizmente, houve uma considerável redução no
eletrofisiológico da taquicardia do VE é principalmente tempo de fluoroscopia nos últimos anos, em decorrência da
um circuito reentrante, envolvendo o fascículo posterior maior experiência das equipes, equipamentos de radioscopia
esquerdo. A ablação com sucesso ocorre em mais de 85% com melhor rendimento (menos raio X e melhor qualidade de
dos pacientes. Complicações sérias não têm sido relatadas, imagem), mapeamento eletroanatômico, uso constante dos
e a recorrência é rara. O mapeamento eletroanatômico colimadores na imagem e radioscopia pulsada. Até o momento,
tem se demonstrado útil na localização da origem da o risco da exposição à radiação parece ser baixo, quando
taquicardia em pacientes selecionados e aumentado a taxa comparado ao benefício da ablação.
de sucesso.271,272 Crianças e bebês com peso inferior a 15 kg estão
A TV originada no trato de saída do VD é geralmente focal relacionados a um número maior de complicações, quando
e frequentemente induzida pelo exercício. É importante comparados a grupos de maior peso corporal, apesar
salientar que ectopias com morfologia bastante semelhante de estudos mostrarem taxas de sucesso e complicações
podem ser originadas na via de saída do VE, na cúspide semelhantes nos dois grupos. Até o momento, não há
coronariana esquerda, tanto em adultos como em crianças.273 dados suficientes que mostrem limitações à aplicação de
Assim como nas taquicardias do VE, estas originadas no VD RF no miocárdio ainda em desenvolvimento. Devido à falta
também são mapeadas com maior sucesso, usando modernas de informações a respeito, o número de aplicações de RF
técnicas de mapeamento.274 nessas crianças deve ser o menor possível, usando-se baixa
dose de energia e por tempo reduzido, além de cateteres
10.4. Complicações relacionadas à aplicação de de baixa superfície.280-285
radiofrequência na população pediátrica A ablação por cateter tem sido uma ferramenta importante
A ablação por cateter pode ser aplicada de forma segura no controle das arritmias cardíacas em pacientes com CC.286
e eficaz, com elevado índice de sucesso nas crianças. O estudo detalhado da cardiopatia deve ser realizado
Não há dados oficiais no Brasil, mas os dados coletados antes da ablação, para avaliar a segurança do procedimento
pelo registro americano mostram entre 3 a 4,2% de e estabelecer a melhor estratégia para abordar a arritmia.
complicações, sendo as mais comuns BAV de segundo A avaliação prévia do acesso vascular é recomendável nos
e terceiro graus, perfuração e tamponamento cardíaco, pacientes com doença cardíaca congênita, com ou sem
e tromboembolismo. O risco de comprometimento das tratamento cirúrgico. Este aspecto torna-se obrigatório em
válvulas cardíacas é extremamente baixo.9,261,275 pacientes com antecedente de cirurgia de Senning, Mustard
Em dois trabalhos americanos, envolvendo 12.251 crianças, e de Fontan. O relatório da técnica cirúrgica utilizada
houve um total de 11 mortes (0,09%) devido à parada para corrigir o defeito também é importante para dirigir o
respiratória, insuficiência cardíaca intratável, tromboembolismo mapeamento eletrofisiológico para as cicatrizes e as linhas de
e lesão em coronárias.9,261,274,276 sutura, substratos comuns dos circuitos de reentrada.
O BAV é a complicação mais frequente relatada na Uma questão importante, especialmente em pacientes
literatura durante ablações na população pediátrica, com malformação congênita com discordância AV, consiste
requerendo o implante de marca-passo cardíaco definitivo. em definir a localização do sistema de condução. pois esses
Esse risco é de 1 a 2% e é diferente de acordo com o tipo pacientes podem apresentar uma localização distorcida
de foco a ser tratado (2,1% para TRN e 3% para feixes do sistema de condução e ficam suscetíveis a aplicações
anterosseptais e mediosseptais). O fator de maior contribuição inadvertidas de energia.
para esse tipo de complicação parece ser a experiência do Nos pacientes encaminhados devido a flutter atrial, o
eletrofisiologista. Nos casos de elevado risco de bloqueio, mecanismo mais provável é a macrorreentrada envolvendo
a crioablação deve ser preferida, embora tenha um menor o anel da valva tricúspide e o alvo da ablação do istmo
índice de sucesso comparado à RF, e deverá ser o tipo de de tecido, entre a veia cava inferior e o anel tricuspídeo.
energia padrão escolhida no futuro.9,261,274,277 Entretanto, é importante investigar a possível participação
A média das complicações tromboembólicas devido à de cicatrizes atriais no circuito de reentrada. Nestes casos,
ablação por cateter é de 0,6%, independente da idade, e se faz necessário criar linhas de bloqueio, da cicatriz até
de 1,8 a 2%, nos grupos de maior risco e do lado esquerdo uma estrutura anatômica, como, exemplo, da cicatriz da
do coração. A heparina não protege completamente o atriotomia até a veia cava inferior.

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A TRAV ocorre em 20 a 30% de pacientes com anomalia 32 pacientes com 34 vias e uma taquicardia por reentrada
de Ebstein. Em geral, a via acessória localiza-se ao redor do nodal.299 Ao se analisar em conjunto, a taxa de sucesso
anel tricuspídeo. Uma consideração importante é suspeitar global gira entre 75 a 88%, com recorrência de 27 a 40%
da presença de via acessória quando o bloqueio do ramo dos casos. Em estudo envolvendo 83 pacientes, 17 dos quais
direito (BRD) não está presente no ECG de base, uma com ventrículo único, a taxa de sucesso agudo foi de 80%
vez que mais de 90% desses pacientes apresentam BRD (82% nas vias esquerdas e 70% nas vias do anel direito).
devido a própria cardiopatia de base e a pré-excitação do Nesta casuística, ocorreram duas complicações graves,
VD o mascara. incluindo uma morte. A ablação de taquicardias atriais e
Esses pacientes apresentam algumas características que supraventriculares pode constituir um procedimento com
aumentam o risco de insucesso ou recorrência, como átrio risco aumentado em crianças menores, com malformações
direito aumentado que dificulta a estabilização do cateter; cardíacas complexas ou nos casos em que a via acessória
eletrogramas fragmentados devido ao VD atrializado, que se encontrar localizada próxima do nó AV. Nestes casos,
preconiza-se a utilização da crioablação, para aumentar a
confunde a identificação dos eletrogramas do anel AV e
margem de segurança no procedimento.
atrapalha a localização exata da via acessória; e múltiplas
vias acessórias que ocorrem em até 50% dos casos, tornando Pouco se tem descrito em relação à ablação daTRN em
o procedimento ainda mais complexo. Nos pacientes com pacientes com CC. A localização da via lenta nodal pode
anomalia de Ebstein, a aplicação de RF apresenta um risco estar bem distorcida nesse grupo.27,300 Em uma série de
maior de lesão coronariana, devido à porção atrializada do portadores de anomalia de Ebstein, ou com transposição dos
VD adjacente ao anel AV. A crioenergia parece diminuir esse grandes vasos, a modificação da via lenta nodal foi obtida com
risco, bem como promover maior estabilidade do cateter, sucesso na parte posterior do septo AV na maioria dos casos.27
devido ao fenômeno de crioaderência do cateter.21,198,287-291 A maior série relatada de ablação de TRN em pacientes
com CC incluiu 83 pacientes (105 procedimentos) com taxa
A transposição congenitamente corrigida das grandes
imediata de sucesso de 80%.301
artérias pode estar associada à malformação do tipo Ebstein,
tendo como consequência a presença de vias acessórias, Em defeitos cardíacos congênitos simples com conexões
encontradas em 2 a 5% dos casos e geralmente localizadas normais AV, dimensões normais das cavidades, posição normal
ao longo do anel da valva AV esquerda. Outro substrato das válvulas AV e retorno venoso normal (ou seja, defeitos
responsável pelas taquicardias supraventriculares neste grupo atriais ou ventriculares septais), espera-se a taquicardia
é o duplo nó AV, em particular nos casos de heterotaxias.292 por macrorreentrada, utilizando o istmo cavo-tricuspídeo
(flutter atrial), ou ao longo da porção inferolateral da parede
Ocasionalmente, a identificação do feixe de His não é atrial direita, entre a extremidade caudal da cicatriz da
possível, tornando ainda mais complexa a ablação de vias atriotomia e o orifício da veia cava inferior, na maioria dos
septais e a modificação da via lenta na TRN, que deve casos. Cicatrizes miocárdicas decorrentes da canulação,
ser realizada somente em pacientes de difícil tratamento da atriotomia e os patches septais são obstáculos elétricos
medicamentoso, pois o risco de bloqueio AV é considerável. típicos, que podem colaborar com as barreiras naturais de
Nesta situação, a crioablação é considerada a opção condução, para perpetuar circuitos de reentrada do miocárdio
mais segura.293,294 no pós‑operatório.253
Uma forma especial de TRN pode ocorrer em pacientes Nas cardiopatias congênitas complexas, espera-se uma cirurgia
com transposição congenitamente corrigida das grandes de correção também mais complexa atrial. Assim, avaliar o
artérias, DSAV e síndrome heterotáxica. Essa arritmia é relatório cirúrgico detalhado é obrigatório para o eletrofisiologista,
mediada por um sistema de condução duplicado, formado além das características individuais do caso e das anomalias
por um nó AV anterior que conduz em direção à porção associadas. Assim como nas demais correções cirúrgicas, a
anterior do anel mitral direito, e um segundo, localizado abordagem corretiva desses corações gera potencialmente um
na região posterior, próximo da porção inferior do septo grande número de circuitos de macrorreentrada mais complexos
interatrial. O diagnóstico pode ser suspeitado ao se observar e múltiplos. Representantes típicos dessa condição são os
alternância espontânea do eixo do complexo QRS superior pacientes com transposição completa das grandes artérias após
e inferior, durante o ritmo básico. Preconiza‑se a ablação a cirurgia redirecionamento atrial tipo Senning ou Mustard,
do nó átrio‑ventricular (NAV) que apresenta condução bem como corações univentriculares após cirurgia paliativa do
retrógrada, pois é o que apresenta condução anterógrada tipo Fontan.302-305
mais reduzida. Na cirurgia de Fontan, tipo túnel, considerando que a
Existem poucas publicações de ablação de taquicardia cirurgia atrial é menos extensa e o paciente é mais jovem e com
átrio-ventricular (TAV) ou TRN em pacientes com CC. As taxas menor grau de alterações ao nível do miocárdio, as arritmias
de sucesso agudo da ablação por cateter em pacientes com nestes casos são geralmente menos complexas. No entanto, a
anomalia de Ebstein são menores do que em pacientes sem grande maioria das arritmias atriais são geradas dentro do átrio
doença estrutural.294-297 No Registro Pediátrico de Ablação venoso funcional. Desse modo, o problema principal para a
com Radiofrequência, foram registrados 65 pacientes com ablação por cateter, nessas condições, é encontrar ou criar
anomalia de Ebstein com 87 vias acessórias (incluindo fibras uma via de acesso segura para essa cavidade cardíaca e outras
de Mahaim), sendo que sete deles apresentavam taquicardia estruturas intra-atriais. As ablações com sucesso são realizadas
por reentrada nodal associada. Em outras séries, observamos comumente por meio de punção no patch intracardíaco.
a inclusão de 21 pacientes com 34 vias acessórias298 e de Além disso, um procedimento híbrido pode ser discutido se

Arq Bras Cardiol. 2016; 107(1Supl.3):1-58 39


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nenhum acesso transvenoso ou arterial for possível. Em centros A crioablação produz destruição celular permanente e
altamente especializados um acesso transtorácico é realizado localizada, com mínima lesão endotelial e preservação do
pelo cirurgião, permitindo ao eletrofisiologista uma entrada tecido conjuntivo. A vantagem desse sistema, em relação à RF,
direta transmiocárdica nos casos mais difíceis.306 consiste na modulação da temperatura liberada, permitindo o
Em pacientes após cirurgia de Fontan, as taxas de mapeamento pelo frio. Se o local for adequado, a redução da
sucesso clássicas são significativamente mais baixas, devido temperatura faz com que o tecido perca transitoriamente sua
à multiplicidade de substratos e limitações atuais sobre a função. A lesão permanente só é criada posteriormente, com
formação da lesão nas paredes do átrio direito, que são redução da temperatura no eletrodo em contato com o tecido
até -60°C a -70°C. A crioablação foi utilizada em diferentes
extremamente espessas. As taxas de recorrência estão entre
arritmias. Nas vias acessórias, a taxa de sucesso agudo variou
20 e 30% para os primeiros 3 anos após a ablação, resultantes
de 62 a 92%.9,310,311 Infelizmente, houve uma taxa elevada
da recriação parcial do tecido alvo ou da criação de uma nova
de recorrência (7 a 29%).278 Os primeiros dados sobre o uso
taquicardia. Dados confiáveis sobre complicações nesses casos
de crioablação em TRN mostraram taxa de sucesso imediata,
são escassos na literatura. A lista de potenciais complicações
variando entre 83 a 96%. Também neste caso, houve elevada
inclui danos acidentais ao nó sinusal ou ao tecido nodal
taxa de recorrência (7 a 29%).284,312
AV, perfurações do miocárdio relacionadas com a punção
transeptal ou os patches, oclusão ou dano de veias ou artérias Várias estratégias de ablação têm sido propostas para
periféricas, e tromboembolismo pulmonar particularmente após melhorar a taxa de sucesso em longo prazo: crioablação
a ablação. Para diminuir o risco dessa última complicação, a prolongada (até 8 minutos) seguida de bônus para consolidar
anticoagulação sistêmica é aconselhável por um período de 3 a lesão;313 uso de cateter com ponta maior (6 a 8 mm); ou a
a 6 meses, nas abordagens por quaisquer cavidades esquerdas, realização de uma linha de lesão.292 Utilizando essas estratégias
após a ablação por RF. de ablação, os resultados de crioablação em crianças com
TRN se comparam com a ablação com RF.267,273,293,314,315
A crioablação parece ser uma alternativa mais segura para
10.5. Mapeamento tridimensional e navegação não ablação das taquicardias juncionais, quando comparada
fluoroscópica com a ablação com a RF.263,316 No entanto, existem poucos
trabalhos relatando sua eficácia e segurança em crianças com
10.5.1. Navegação não fluoroscópica taquicardias ventriculares.317-319
Como o objetivo principal da radiação é o controle das Com o uso da estimulação elétrica programada, é
posições dos cateteres, especialmente o de mapeamento e frequentemente a indução da TV e, se estável
o de ablação, têm sido desenvolvidos sistemas de navegação hemodinamicamente, consegue-se realizar o mapeamento
não fluoroscópica tridimensionais. Os sistemas têm sido durante a taquicardia. Se não houver indução da taquicardia
utilizados para aumentar a eficácia e reduzir significativamente ou se não for tolerada pelo paciente, realiza‑se o mapeamento,
buscando zonas de cicatrizes, barreiras naturais e zonas de
a exposição aos raios X, além do tempo total dos procedimentos
condução lenta. Novas tecnologias fazem parte do arsenal
de ablação da TPSV em pacientes com anatomia cardíaca
terapêutico, como o sistema eletroanatômico, que auxiliam
normal. Os sistemas permitem ainda a integração com a
na ablação de pacientes independente da indutibilidade
tomografia computadorizada ou a ressonância magnética
ou tolerância da arritmia. A maioria dos dados obtidos de
do coração.307-309
sucesso da ablação vem dos pacientes portadores de tetralogia
de Fallot, com sucesso inicial variando entre 50 a 100%, e
10.6. Mapeamento tridimensional com recorrência de 9 a 40%, em um seguimento de 30,4 a
Os sistema de mapeamento eletroanatômico e mapeamento 45,6 meses.290,320
sem contato permitem a construção de um mapa virtual A ablação por cateter pode ser o único tratamento para os
tridimencional da câmara selecionada e sua associação pacientes com TV monomórfica bem tolerada e em pacientes
direta da atividade elétrica, em um determinado local de com função ventricular preservada.
miocárdio, com as estruturas anatômicas correspondentes. Nos casos de TV rápida e mal tolerada, a ablação somente
A ponta do cateter de mapeamento e ablação é exibida na será indicada para os pacientes que apresentarem vários
tela do computador, permitindo a manipulação do cateter, episódios de arritmias e já protegidos pelo CDI.
sem a utilização da fluoroscopia e, assim, com significativa
redução da radiação.
10.7. O procedimento de ablação em crianças
Estruturas anatômicas, áreas de isolamento elétrico,
duplos potenciais e tecidos da cicatriz, bem como lesões de
ablação, podem ser identificados na anatomia reconstruída. 10.7.1. Equipamento e pessoal
Estes sistemas, embora baseados em diferentes tecnologias, Procedimentos de ablação por cateter na população
permitem a avaliação precisa da propagação da frente de pediátrica devem ser realizados em centros especializados e
onda de ativação cardíaca durante o ritmo sinusal e durante por eletrofisiologistas pediátricos, ou eletrofisiologistas adultos
taquicardias por reentrada, além da identificação das áreas com experiência em ablações pediátricas em colaboração com
críticas do circuito de reentrada, pré-requisito para a aplicação cardiologistas pediátricos. Além disso, ablações por cateter
eficaz da RF. O mapeamento eletroanatômico foi introduzido em crianças pequenas devem ser realizadas em instituições
mais recentemente na prática clínica. com a possibilidade de tratar as crianças, incluindo cirurgia

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cardíaca pediátrica e anestesia. O laboratório de cateterismo Esta diretriz tem como objetivo auxiliar o profissional no
cardíaco deve estar preparado para cateterismos pediátricos, manejo das arritmias em crianças com e sem cardiopatia, mas
bem como para estudos eletrofisiológicos e ablação por enfatizando a decisão individual em relação às crianças pequenas
cateter, incluindo materiais específicos, equipamentos e e reconhecendo que a utilização de fármacos antiarrítmicos
pessoal de enfermagem treinado. A redução da exposição podem ser efetivos no tratamento desses pacientes menores.
à radiação é de grande importância em pacientes jovens.
Isso pode ser conseguido utilizando-se equipamentos de
10.7.3.1. Indicações para ablação por cateter em
fluoroscopia modernos, operadores treinados em baixo tempo
crianças com arritmia supraventricular
de fluoroscopia e procedimentos únicos. Hoje em dia, o
mapeamento tridimensional e a navegação não fluoroscópica
tornaram-se indispensáveis para o tratamento das arritmias Classe I
mais complexas, incluindo aquelas em pacientes jovens com • Síndrome de WPW após episódio de morte súbita abortada.
cardiopatias congênitas.321,322
• Presença de síndrome de WPW associada à síncope na
presença de intervalo R-R curto (250 ms), durante FA
10.7.2. Sedação ou período refratário anterógrado do feixe < 250 ms
A maioria dos pacientes pediátricos submetidos a ablação medido na estimulação atrial programada.
por cateter exige alguma forma de sedação, para assegurar o • Taquicardia supraventricular crônica ou recorrente
conforto da criança. Em crianças maiores, os procedimentos associada à disfunção ventricular.
podem ser realizados com segurança sob sedação consciente
ou profunda. Além de anestesia local comumente usada, os
Classe IIa
medicamentos por via intravenosa para sedação profunda
são geralmente midazolam, cetamina, fentanil e propofol. • Taquicardia supraventricular recorrente e/ou sintomática,
Se os procedimentos são realizados sob sedação profunda, refratária ao tratamento clínico convencional, com
monitorização cuidadosa da FC, da frequência respiratória, idade superior a 4 anos.
da pressão arterial e da saturação de oxigênio, é obrigatória, • Cirurgia iminente para correção de CC, cujas vias de
bem como vigilância contínua por um dos funcionários de acessos podem ser restritas após a cirurgia.
enfermagem. Em crianças com idade inferior a 12 anos, os • Taquicardia supraventricular crônica (> 6 a 12 meses
procedimentos são, em sua maioria, realizados sob anestesia do evento inicial) ou incessante na presença de função
geral. Apesar da anestesia geral para ablações em crianças ventricular normal.
obviamente ter algumas vantagens claras para o paciente
e para a equipe médica, as drogas anestésicas, às vezes, • TA reentrante crônica ou com frequentes recorrências.
podem influenciar negativamente na capacidade da indução • Palpitações com taquicardia supraventricular induzível
de taquicardias, especialmente naquelas taquicardias com durante estudo eletrofisiológico invasivo ou esofágico.
mecanismos automáticos.
Classe IIb
10.7.3. Ablação por cateter • Pré-excitação ventricular assintomática (padrão de WPW no
A ablação por cateter em crianças pequenas pode exigir ECG), idade superior a 5 anos, sem taquicardia identificada,
modificações específicas para reduzir o risco potencial de quando os riscos e benefícios do procedimento e da arritmia
complicações vasculares ou cardíacas. Em lactentes e crianças tenham sido claramente explicados.
jovens, essas modificações podem incluir o uso de cateteres • Taquicardia supraventricular em criança maior de 5 anos,
de ablação 5 F e um único cateter de diagnóstico para como alternativa ao tratamento clínico crônico efetivo.
ambos os átrios e ventrículos, tanto para registro como para
• Taquicardia supraventricular em criança maior de 5 anos,
estimulação. O uso de menor energia para a ablação e o ajuste
quando medicações antiarrítmicas, incluindo sotalol e
da temperatura, além de pequenos testes de aplicação, pode
amiodarona, ou são ineficazes ou estão associados a
reduzir o risco de danos ao miocárdio e/ou coronárias.323,324
efeitos colaterais intoleráveis.
Nos últimos anos, a crioablação tem sido cada vez mais
utilizada como terapia para TSV na população pediátrica. • TA recorrente, de um a três episódios por ano,
Na maioria dos centros americanos e/ou europeus que realizam requerendo intervenção médica.
a ablação pediátrica, a crioablação tornou-se o tratamento de • Ablação nodal AV e implante de marca-passo como
escolha para TRN e TRAV por feixes para‑Hissianos, vias alternativa de tratamento para TA recorrente ou intratável.
acessórias mediosseptais, anterosseptais e do VD, em crianças
em idade escolar. Atualmente, a crioablação ainda é o método
Classe III
menos adequado para tratamento de lactentes, devido ao
tamanho relativamente grande e a rigidez do cateter. A falta • Síndrome de WPW assintomática com idade inferior a
de centros no nosso país que disponham dessa tecnologia 5 anos.
atualmente faz com que a ablação por RF seja o método • Taquicardia supraventricular controlada com antiarrítmicos
preferido em todos os casos. convencionais em criança com idade inferior a 5 anos.

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• E p i s ó d i o s n ã o s u s t e n t a d o s d e t a q u i c a r d i a O principal desafio da estimulação cardíaca pediátrica
supraventricular que não requerem outras terapias é o fato de não existirem dispositivos especialmente
e/ou são minimamente sintomáticos. desenvolvidos para tal população. A pequena superfície
corpórea, associada ao fenômeno do desenvolvimento
físico, pode dificultar tanto o implante do sistema quanto
10.7.3.2. Indicações para ablação por cateter em
sua acomodação ao longo do crescimento. Além disso,
crianças com arritmia ventricular idiopática anormalidades anatômicas presentes em cardiopatias
congênitas coexistentes podem aumentar ainda mais o
Classe I grau de dificuldade cirúrgica, especialmente na presença
de shunts e lesões valvares. Não existe consenso quanto
A ablação por cateter é recomendada em crianças com:
à técnica de implante preferencial em crianças. A via
• Dis funç ão vent ricular ou compromet imento endocárdica pode ser muito difícil em recém-nascidos de
hemodinâmico em decorrência da extrassístole ou baixo peso, dadas as limitações anatômicas; alguns autores
taquicardia, como terapia primária ou em pacientes sugerem, no entanto, que essa técnica apresenta taxas
não responsivos à medicação antiarrítmica (Nível de de sucesso e complicações iguais ou melhores do que as
Evidência: C). técnicas epimiocárdicas, exceto em recém-nascidos de
• Taquicardia reentrante intrafascicular verapamil- baixo peso.326,327
sensível, como terapia primária ou em pacientes não Embora muitos distúrbios do ritmo cardíaco que resultam
responsivos aos bloqueadores dos canais de cálcio na indicação de implante de dispositivos implantáveis em
(Nível de Evidência: C). crianças sejam semelhantes aos de adultos, algumas diferenças,
quanto à fisiopatologia, são bastante relevantes. A avaliação da
Classe IIa FC, por exemplo, em relação à idade e aos sinais e sintomas,
é fundamental, particularmente em neonatos e lactentes.
A ablação por cateter pode ser útil em: Além disso, a presença de algumas condições específicas (BAV
• Criança sintomática por provável taquicardia da via de congênitos e doenças dos canais iônicos) e a concomitância de
saída (Nível de Evidência: C). cardiopatia estrutural congênita podem ser fundamentais para
• Criança com sintomas correlacionados a frequentes a definição da melhor conduta.
ESV ou ritmo idioventricular acelerado (Nível de
Evidência: C). 11.1. Marca-passo
Na prática clínica pediátrica, a indicação de marca‑passo
Classe IIb definitivo se deve, principalmente, à ocorrência de síncopes
recorrentes ou do retardo do desenvolvimento físico secundário
É adequado considerar ablação por RF em crianças
a BAVT congênito, doença do nó sinusal ou lesão cirúrgica do
com arritmia ventricular polimórfica, quando houver uma
sistema excito-condutor cardíaco.
morfologia dominante ou suspeita de gatilho que possa ser
identificada (Nível de Evidência: C).
11.2. Bloqueio atrioventricular congênito
Uma das principais indicações de marca-passo em crianças,
Classe III o BAVT congênito, pode estar associada a sinais e sintomas de
A ablação por cateter não é recomendada em: baixo débito cardíaco, síncope ou parada cardíaca recuperada,
• Crianças e neonatos, exceto no caso de TV que não possa situações em que o implante de marca-passo estará sempre
ser controlada adequadamente com medicação e não for indicado. Neonatos hidrópicos, habitualmente com FC menor
tolerada hemodinamicamente (Nível de Evidência: C). que 70 bpm ao nascimento, não costumam ter boa evolução
quando o implante precoce do marca-passo não é realizado.
• Extrassistolia ventricular assintomática ou taquicardia
O implante profilático é justificável em crianças assintomáticas
que não é suspeita de provocar disfunção ventricular
que apresentem disfunção ventricular esquerda, complexo
(Nível de Evidência: C).
QRS largo (> 120 ms), arritmias ventriculares complexas,
• Arritmias ventriculares, devido a causas transitórias, intervalo QT longo, resposta cronotrópica inadequada,
reversíveis, como miocardite aguda ou toxidade por insuficiência mitral ou autoanticorpos maternos (anti-Ro/SSA,
drogas (Nível de Evidência: C). anti-La/S).328-330

11. Dispositivos implantáveis 11.2.1. Doença do nó sinusal


A estimulação cardíaca artificial tem sido utilizada no Ao contrário do BAVT congênito, a doença do nó
tratamento de pacientes pediátricos desde meados de 1960, sinusal não está usualmente relacionada à morte súbita.
mas ainda se apresenta como um desafio para os especialistas. Pausas sinusais, bloqueios sinoatriais e síndrome bradi-taqui
Atualmente, apenas cerca de 1% do total de cirurgias de (taquiarrimias atriais que sucedem pausas ou períodos de
dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (dispositivos bradicardia sinusal importante) com sintomas associados, CC
implantáveis) é realizado em crianças.325 com FC inadequada ou necessidade de suporte para uso de

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fármacos essenciais são as indicações mais frequentemente à estimulação convencional do VD. Na maioria destes
associadas à doença do nó sinusal.329,331,332 estudos, a melhora na função ventricular após a TRC foi
Embora contemplado em diversas diretrizes, a indicação de sensível, sugerindo que a resposta a esta terapia não deve
implante de marca-passo na população pediátrica pode exigir ser menos eficiente do que em adultos. Ademais, em dois
da equipe médica julgamento individualizado que considere dos principais estudos já publicados, a TRC foi instituída em
as complexas associações possíveis entre diferentes anatomias crianças em classe funcional II (New York Heart Association
e os distúrbios elétricos. O quadro 15 traz um sumário das - NYHA), podendo significar que a abordagem mais
principais indicações de marca‑passo em crianças. precoce nesta população possa ser de grande impacto.339,340
Cerca de 40% dos pacientes submetidos à TRC nestes
estudos foram retirados da fila de transplante cardíaco,
11.3. Modos de estimulação cardíaca em crianças sendo que os resultados para os portadores de ventrículo
Uma vez definido o benefício do implante do marca- único, especialmente direito, parecem ser mais limitados.339
passo, devem-se estabelecer o tipo e o modo de estimulação Na ausência de grandes estudos específicos que contemplem
adequado às possíveis cardiopatias, ao contexto clínico e às a indicação de TRC na população pediátrica, as recomendações
perspectivas de reoperações para manutenção do sistema são extrapoladas dos últimos consensos de indicações de
de estimulação artificial ao longo da vida. TRC em adultos e devem priorizar pacientes com terapia
Os critérios utilizados para a escolha do modo de medicamentosa para insuficiência cardíaca otimizada; classe
estimulação pediátrica diferem bastante dos pacientes funcional NYHA II a IV ambulatorial; bloqueio de ramo
adultos. Embora a utilização da estimulação AV alcance esquerdo; QRS ≥ 150ms; fração de ejeção do VE ≤ 35%.335
70% na população adulta, a estimulação unicameral Algumas considerações específicas na indicação de TRC
continua elevada em crianças. A desproporção entre o em pediatria devem ser analisadas: o limite de duração do
tamanho da prótese e a superfície corporal das crianças QRS pode ser individualizado utilizando-se o percentil 98°
não é o único motivo para a preferência de sistemas do normal; pacientes com cardiopatias complexas ou com
unicamerais. Os poucos trabalhos da literatura que estimulação cardíaca convencional podem se beneficiar da
analisaram a contribuição da sístole atrial e da variação pesquisa de dissincronia mecânica por método de imagem;
da FC para a melhora do débito cardíaco em crianças a TRC pode ser indicada quando da correção cirúrgica de
não mostraram ainda resultados consistentes. Já existem defeitos congênitos que determinam dissincronia mecânica.
evidências de que, no BAV congênito, a qualidade de A TRC pode não ter resposta satisfatória em pacientes com
vida e a capacidade funcional dos pacientes submetidos doenças progressivas que não foram bem estudadas (doenças
a implante de marca-passo convencional são muito neuromusculares, miocárdio não compactado etc).338-340
satisfatórias, independentemente do tipo de estimulação
empregada, se ventricular ou AV. 333 Nos bloqueios
11.4. Cardioversor desfibrilador implantável
pós‑operatórios, a presença de defeitos cardíacos,
residuais ou não corrigidos, é fator de risco independente As indicações de CDI em crianças, também com poucas
para a morte, não tendo sido estabelecido, até o momento, publicações direcionadas exclusivamente a esta faixa etária,
se a estimulação AV pode melhorar esses resultados.334 seguem a mesma linha utilizada para os adultos, no que diz
respeito à prevenção primária e secundária, ainda que não
O painel de especialistas da European Society of
existam evidências que suportem a utilização rotineira de CDI
Cardiology sugere a definição do modo de estimulação e
na população pediátrica apenas com disfunção ventricular.
a abordagem do acesso, de acordo com o peso da criança,
levando-se em consideração a dificuldade técnica de acesso O implante de CDI em crianças com CC é bastante
endocárdica em neonatos (Quadro 16).167 controverso, apesar do prognóstico e das raras publicações
sobre o assunto. A identificação das condições que conferem
maiores riscos de morte súbita neste grupo é fundamental
11.3.1. Terapia de ressincronização cardíaca para que a abordagem seja útil. Pós‑operatório de tetralogia
A Terapia de Ressincronização Cardíaca (TRC) está de Fallot, transposição corrigida de grandes artérias e estenose
estabelecida como opção terapêutica capaz de promover aórtica, especialmente se associados à disfunção ventricular e a
melhora funcional e de sobrevida em grupos selecionados arritmias ventriculares espontâneas, habitualmente constituem
de pacientes com insuficiência cardíaca e dissincronia os grupos de maior risco.341 No quadro 17, algumas situações
ventricular. 335-337 Porém, na faixa etária pediátrica, as particularmente importantes são apontadas.
evidências científicas ainda são bastante limitadas, uma vez Para o seguimento clínico e eletrônico, além do ECG e
que não foram publicados ensaios clínicos randomizados da avaliação rotineira do sistema por meio de telemetria, é
em larga escala, semelhantes aos grandes estudos fundamental a realização de radiografias, para acompanhar
envolvendo adultos com cardiopatia isquêmica e idiopática. o comportamento do cabo-eletrodo, de acordo com o
Aproximadamente 60% dos pacientes pediátricos crescimento da criança.
submetidos à TRC nas publicações atuais são portadores de A programação eletrônica também apresenta diferenças
marca-passo convencional com estimulação ventricular em em relação ao adulto. A frequência básica de estimulação deve
sítio único.338 Assim, diferentemente da população adulta, ser apropriada à idade e à cardiopatia; habitualmente varia
o principal motivo de dissincronia e da perda de função de 90 a 160 bpm (adolescentes já costumam acompanhar
ventricular neste grupo de pacientes pode estar relacionado protocolos de adultos). Outros fatores importantes são a

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Quadro 15 – Sumário das principais indicações de marca-passo em crianças.329,333,334

A – Bloqueio atrioventricular congênito

• BAV com sinais e sintomas de baixo fluxo cerebral ou baixo débito cardíaco (Nível de Evidência: B)
• BAVT associado a (Nível de Evidência: B):
◦ FC < 55 bpm sem cardiopatia estrutural ou < 70 bpm com cardiopatia estrutural ou disfunção ventricular
◦ Disfunção ventricular
◦ QRS largo
◦ Arritmia ventricular complexa
Classe I
◦ Intervalo QTc aumentado
◦ Pausas maiores que três vezes o ciclo RR básico
◦ Autoanticorpos maternos (Anti-Ro e Anti-La)
• BAVT relacionado a doenças neuromusculares (Nível de Evidência: B)
• BAVT ou de segundo grau Mobitz II persistentes após 7 dias de procedimento cirúrgico para correção de defeito cardíaco congênito
(Nível de Evidência: B)

• BAVT congênito na ausência dos fatores de risco acima (Nível de Evidência: C)


Classe IIb • BAVT transitório pós-operatório com bloqueio bifascicular residual (Nível de Evidência: C)
• Qualquer grau de BAV assintomático em doenças neuromusculares (Nível de Evidência: C)

• BAV revertidos com menos de 7 dias após procedimento cirúrgico para correção de defeito cardíaco congênito (Nível de Evidência: B)
Classe III • BAV de segundo grau Mobitz I assintomático (Nível de Evidência: C)
• Bloqueio bifascicular pós-operatorio assintomático com ou sem BAV de primeiro grau (Nível de Evidência: C)

B – Disfunção do nó sinusal

• Bradicardia clinicamente significativa ou síndrome bradi-taqui quando os sintomas são nitidamente correlacionados à bradicardia (Nível
Classe I
de Evidência: B)

• Bradicardia em crianças com CC e FC média < 40 bpm ou pausas maiores que 3 segundos na ausência de sintomas (Nível de
Evidência: C)
Classe IIa
• Bradicardia com taquiarrtima atrial qunado não é possível tratar sem antiarrítmicos (Nível de Evidência: C)
• CC com comprometimento hemodinâmico devido a bradicardia ou perda do enlace AV (Nível de Evidência: C)

• Bradicardia em adolescentes com CC e FC média < 40 bpm ou pausas maiores que 3 segundos na ausência de sintomas (Nível de
Classe IIb
Evidência: C)

Classe III • Bradicardia assintomática em adolescentes com FC média > 40 bpm sem pausas > 3 segundos (Nível de Evidência: C)
BAV: bloqueio atrioventricular; BAVT: bloqueio atrioventricular total; FC: frequência cardíaca; QTc: intervalo QT corrigido; AV: atrioventricular; CC: cardiopatia congênita.

utilização do intervalo AV adaptativo e o período refratário sucesso dessas terapias em crianças. As TV polimórficas, mais
atrial pós-ventricular curto. Crianças em pós-operatório de frequentes, costumam cessar mais prontamente com o disparo
CC apresentam maior risco de taquiarritmias atriais, sendo precoce de choques.
muito úteis os modos DDIR e os mecanismos de mudança A perspectiva da progressiva evolução tecnológica na
automática de modo.342 fabricação dos componentes dos dispositivos implantáveis,
A programação eletrônica do CDI e o seguimento clínico associada à maior capacidade médica de salvar e manter
devem ser ainda mais cuidadosos. A facilidade que as vivas crianças com graves arritmias cardíacas, e distúrbios do
crianças apresentam em desenvolver taquicardia sinusal sistema de condução, deverá levar a comunidade científica
com frequência bastante elevada pode resultar em choques a produzir evidências ainda mais contundentes de que esses
inapropriados com grande impacto psicológico. 343,344 dispositivos podem e devem ser utilizados, com critério,
Os critérios de discriminação de arritmias devem ser em pacientes pediátricos.
bem ajustados e a FC de corte para disparo da terapia,
cuidadosamente selecionada.
Na presença de CC, também as TSV (especialmente
12. Cirurgia
a TA e o flutter atrial) podem confundir o diagnóstico de O desenvolvimento de arritmias na criança, especialmente
arritmia ventricular pelo dispositivo cardíaco, resultando em naquelas portadoras de cardiopatias congênitas, impacta
terapias inapropriadas. Nestes casos, a ablação por cateter negativamente na função ventricular, no bem-estar físico e
deve ser considerada, além do uso de antiarrítmicos, quase mental e, consequentemente, na sobrevida destes pacientes.
sempre necessários. Frequentemente, a programação de Com o avanço progressivo da terapia medicamentosa e por
terapias se resume a choques, evitando-se o uso excessivo cateteres dos mais diversos distúrbios do ritmo cardíaco, a
de terapias antitaquicardia (ATP: anti-tachycardia pacing). cirurgia, historicamente, vem ocupando um papel secundário
São raras as situações em que as arritmias potencialmente no tratamento desses pacientes. Poucas são as publicações
fatais se apresentam como TV monomórfica, dificultando o sobre tratamento cirúrgico isolado das arritmias em crianças,

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Quadro 16 – Recomendação do painel da European Society of Cardiology sobre a escolha de modo de estimulação, acesso e sítio de
colocação de eletrodo ventricular em pacientes pediátricos com bloqueio atrioventricular, VE sistêmico e sem shunt intracardíaco.

Peso (kg) Acesso Modo de estimulação Sítio


Epicárdico VVIR Apex VE
< 10
Endocárdico (em situações específicas) DDD (R) casos especiais Septo VD
Epicárdico VVIR Apex VE
10-20
Endocárdico DDD (R) casos especiais Septo VD
Endocárdico DDD (R) Septo VD
> 20 Epicárdico (em caso de cirurgia
VVIR Apex VE ou parece livre
cardíaca concomitante)
VE: ventrículo esquerdo; VD: ventrículo direito. Fonte: Brugada et al.6

mas algumas intervenções já estão bem estabelecidas, Algumas CC, como tetralogia de Fallot e atresia pulmonar,
principalmente nos casos de associação com o tratamento cursam com um alto índice de reoperações em 10 a 15 anos.362
cirúrgico das cardiopatias congênitas. Além disso, trata-se de pacientes com risco aumentado de
A cirurgia para tratamento de vias acessórias associadas morte súbita e desenvolvimento de insuficiência cardíaca
com CC vinha demonstando eficácia, no entanto, com a idade. Na ausência de intervenção para arritmia
concomitantemente, surgia e desenvolvia‑se a ablação por associada nestes pacientes, o impacto das reoperações para
cateter para a síndrome de WPW.345-350 Com isso, o tratamento alívio de alterações hemodinâmicas na incidência de morte
cirúrgico de vias acessórias ficou restrito ao segmento de súbita e TV permanence controverso.356,363
pacientes em que a ablação por cateter não apresenta sucesso, Nas crianças maiores e adultos portadores de CC,
particularmente entre aqueles com anomalia de Ebstein.351-354 as arritmias são um dos principais fatores de risco no
A eficácia da terapia cirúrgica para taquicardia por perioperatório.362,364,365 A presença de arritmia pré‑operatória
reentrada intra-atrial em CC é mais extensivamente estudada pode acometer aproximadamente metade dos pacientes com
em pacientes com corações univentriculares ou lesões necessidade de revisão da cirurgia de Fontan, por exemplo,
obstrutivas do coração direito submetidos a reoperações.355-357 e 16% dos portadores de valvopatias.366-370
Nas crianças portadoras de CC que cursam com elevado
Taxas de sucesso mais modestas foram observadas para
risco de arritmias, é necessário um rastreamento para averiguar
a cirurgia de TV associada com CC, sendo recomendado
a presença ou o substrato para o desenvolvimento delas.
muitas vezes o implante de CDI concomitante.356,358
Avaliação não invasiva inclui ECG e teste de caminhada.
Poucos centros no mundo, e menos ainda no Brasil, O uso do Holter fica indicado nos casos sintomáticos.
realizam cirurgia para correção de arritmias em crianças O estudo eletrofiológico, por sua vez, está indicado em casos
e portadores de CC, isoladamente ou em conjunto comprovados de arritmia, para o tratamento ou planejamento
com a correção cirúrgica. É sabido que a população de uma possível intervenção cirúrgica concomitante.
de pacientes submetidos a reoperações de CC e que
Ablação cirúrgica para tratar taquicardia por reentrada
potencialmente apresentam maior risco de arritmias cresce
intra-atrial é mais comum e destina-se a pacientes com
exponencialmente. Atualmente, muito tem‑se discutido,
arritmia refratária ao tratamento clínico e ablação por cateter,
nestes pacientes de maior risco, o potencial benefício de
ou ainda naqueles com doença estrutural, que necessitem
cirurgias profiláticas para o desenvolvimento de arritmias,
tratamento cirúrgico.356,371
conjuntamente à correção ou paliação destas CC.359
Deve-se levar em conta, ao se pensar em cirurgia, o
A adição do tratamento cirúrgico das arritmias ao
acesso aos átrios por via venosa no pós-operatório ou à
procedimento principal, teoricamente, não aumenta o exclusão de áreas de substrato arritmogênico, especialmente
risco operatório e promove um aumento pequeno do nas cirurgias de Fontan e no tratamento da anomalia
tempo cirúrgico.357 No entanto, assim como o tratamento de Ebstein. O conceito da cirurgia do labirinto do lado
medicamentoso, as cirurgias podem ser pró-arritmicas e direito não foi desenvolvido para portadores de CC e foi
promoverem a necessidade de intervenção adicional, como concebido previamente ao reconhecimento da importância
o implante de marca-passo. Da mesma forma, correntes do istmo cavo‑tricuspídeo como perpetuador de circuitos
de lesão cirurgicamente criadas, quando não atingem de reentradas atriais.372,373 O sucesso da cirurgia de Cox do
transmuralidade, podem não eliminar o foco arritmogênico lado direito, para tratamento das taquicardias atriais, cursa
e, ainda, promover zonas de condução lentificada, com 90% em 10 anos de seguimento. A literatura reportam
favorecendo outras arritmias.360,361 que a adição de crioablação atrial direita nas reoperações
Portanto, intervenções profiláticas devem ser reservadas para tetralogia de Fallot reduz de 78 para 9% a incidência
para pacientes de muito alto risco, para o desenvolvimento de TA tardiamente.356 Em pacientes submetidos à conversão
de arritmias ou aqueles com um substrato arritmogênico de Fontan, a ablação do istmo cavo-tricuspídeo foi inferior
bem definido ao Cox do lado direito, para prevenir recorrência de TA.372

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Quadro 17 – Principais indicações para cardioversor desfibrilador implantável em crianças.

Recuperado de parada cardíaca e excluídas causas reversíveis (Nível de Evidência: B)


TV instável com disfunção ventricular, excluídas causas reversíveis (Nível de Evidência: A)
Classe I
TV sintomática com CC após avaliação hemodinâmica e anatômica. Deve ser afastada a possibilidade de correção cirúrgica ou por ablação
(Nível de Evidência: C)

CC com síncope recorrente e disfunção ventricular ou TV induzida (Nível de Evidência: B)


Síncope recorrente associada a SQTL ou TV polimórfica catecolamina-dependente em uso de betabloqueador (Nível de Evidência: B)
QT longo congênito, assintomático não aderente ao tratamento ou história familiar de morte súbita (Nível de Evidência: C)
Classe IIa
Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva, assintomática, com critérios de alto risco (Nível de Evidência: C)
Cardiopatia arritmogênica de VD com envolvimento extenso, de VE, com TV, história familiar de morte súbita ou síncope indeterminada
(Nível de Evidência: C)

TV incessante (Nível de Evidência: C)


Classe III
TV por causas reversíveis (Nível de Evidência: C)
TV: taquicardia ventricular; CC: cardiopatia congênita; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo, SQTL: síndrome do QT longo. Fontes:329,334,335

Os princípios para intervenção na cirurgia de arritmias 12.1. Cirurgia para profilaxia de arritmias
estão sumarizados no quadro 19 e incluem ablação do istmo As CC com o maior risco de necessidade de reoperações
cavo-tricuspideo (porção inferomedial do átrio direito) para futuras são valvopatias, corações univentriculares, lesões
flutter atrial clássico; cirurgia do labirinto modificada do lado obstrutivas do coração direito e aquelas que necessitam
direito para múltiplos circuitos de reentrada intra-atriais e o uso de condutos extracardíacos. As cardiopatias que
cirurgia do labirinto Cox-Maze III do lado esquerdo para FA cursam com o maior risco de desenvolvimento de arritmias
persistente ou permanente.270 são os corações univentriculares, a anomalia de Ebstein, a
A FA nas CC geralmente ocorre na presença de lesões transposição corrigida das grandes artérias, o pós-operatório
obstrutivas do lado esquerdo, disfunção ventricular ou de switch atrial, a comunicação interatrial e a tetralogia
comunicações intercavitárias não tratadas.374-378 de Fallot.129,393-395
A cirurgia do labirinto Cox-Maze III está indicada no Na presença de feixes acessórios manifestos, são
momento da intervenção, cirúrgica para tratar a CC de recomendadas a realização de EEFe a provável ablação
base.374,379 A cirurgia é sabidamente mais efetiva que a da via acessória antes da correção cirúrgica eletiva.370,396
ablação por cateter, para prevenir recorrências.380 A cirurgia
Poucas séries de cirurgias profiláticas reportadas são
do labirinto pode ser realizada tanto pela técnica tradicional
encontradas na literatura. Alguns estudos envolvendo
de corte e costura, como também as linhas de lesão podem
pacientes submetidos à cirurgia de Fontan ou a revisão
ser obtidas por crioablação ou ablação por RR unipolar ou
desta não foram capazes de demonstrar benefício nesta
bipolar.373,374,376 As ablações cirúrgicas possuem a vantagem
estratégia em 10 anos, uma vez que o número de eventos
de minimizar o tempo cirúrgico e diminuir as chances de
foi muito baixo nos dois grupos.355,397,398 Esudos maiores,
sangramento pelas suturas, mas deve-se evitar minimizar as
com metodologia bem confiável, fazem-se necessários para
linhas de lesão (mini-Maze e variantes), uma vez que o não
isolamento completo das veias pulmonares e a consequente avaliar a eficácia dessa estratégia.399,400
extensão para o anel mitral e a aurícula esquerda provocam Atualmente se tem realizado técnicas cirúrgicas com menor
o aumento do índice de recorrência.381-385 As linhas de lesão ocorrência de arritmias no seguimento. Como exemplo, a
propostas pela cirurgia do Labirinto Cox-Maze III à esquerda, operação de Fontan, que pode ser realizada com o túnel
associadas com as lesões à direita (Cox-Maze III biatrial), intracardíaco e o tubo extracardíaco. O switch atrial na
mais a exclusão da aurícula esquerda, devem ser realizadas D-TGA, dentre outros motivos, vem sendo cada vez menos
nos casos de FA persistente ou permanente, sempre que não utilizado, pelo risco aumentado de desenvolvimento de
promoverem aumento do risco cirúrgico pelo incremento do arritmias no futuro. Nos quadros a seguir (Quadros 18, 19 e
tempo de isquemia miocárdica e CEC.381-385 20), seguem as recomendações para cirurgia das arritmias.

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Diretrizes

Quadro 18 – Recomendações para cirurgia das arritmias atriais concomitante ao tratamento cirúrgico de cardiopatias congênitas.

Cirurgia do labirinto modificada à direita deve ser realizada em pacientes submetidos à conversão de Fontan com taquicardia por reentrada
intra‑atrial sintomática (Nível de Evidência: B)355,371
Classe I
Cirurgia do labirinto à esquerda Cox-Maze III associada a cirurgia do labirinto modificada à direita deve ser realizada em pacientes submetidos à
conversão de Fontan com FA documentada (Nível de Evidência: B)355,371
Cirurgia do labirinto à esquerda Cox-Maze III associada a ablação do istmo cavo-tricuspídeo pode ser benéfica no tratamento de CC associada à
FA (Nível de Evidência: B)270,354,373,381,386-389
Classe IIa
Cirurgia do labirinto modificada à direita pode ser benéfica para pacientes no tratamento de CC associada a episódios clínicos de flutter atrial
sustentado típico ou atípico (Nível de Evidência: B)357,390
Pacientes a serem submetidos à cirurgia para tratamento das CC e com flutter atrial típico e atípico induzíveis sem TA sustentada clínica
Classe IIb documentada podem ser considerados para cirurgia do labirinto modificada à direita ou ablação do istmo cavo- tricuspídeo (Nível de Evidência:
B)357,390
FA: Fibrilação fibrilação atrial; CC: cardiopatia congênita; TA: taquicardia atrial.

Quadro 19 – Recomendações para cirurgia das arritmias atriais concomitante ao tratamento cirúrgico de cardiopatias congênitas.

Classe IIa Ablação cirúrgica guiada por mapeamento eletrofisiológico deve ser considerada para portadores de CC e TV monomórfica sustentada (Nível de
Evidência: B)290,391,392
Ablação cirúrgica guiada por mapeamento eletrofisiológico é razoável em portadores de CC sem TV sustentada clínica, mas com TV monomórfica
sustentada induzida com um risco crítico identificado (Nível de Evidência: C)290
Classe IIb
Ablação cirúrgica guiada por mapeamento eletrofisiológico pode ser considerada para portadores de CC com TV rápida não mapeados pré-
operatoriamente, mas mapeados no intraoperatório (Nível de Evidência: C)392
TV: taquicardia ventricular; CC: cardiopatia congênita.

Quadro 20 – Recomendações para cirurgia anti-arritmica profilática.

Cirurgia do labirinto modificada à direita deve ser considerada para pacientes submetidos à revisão cirúrgica de Fontan sem arritmias atriais
Classe IIa documentadas (Nível de Evidência: B)369
Cirurgia para arritmia atrial pode ser considerada para pacientes submetidos à correção de anomalia de Ebstein (Nível de Evidência: B)396
Pacientes com lesão valvar atrioventricular esquerda e importante dilatação atrial ou com potencial dificuldade de abordagem atrial posterior
Classe IIb podem ser considerados para cirurgia do labirinto Cox-Maze III na ausência de arritmia (Nível de Evidência: C)
Fechamento da aurícula esquerda deve ser considerada em pacientes submetidos à cirurgia para arritmia (Nível de Evidência: C)394

Classe III Nenhuma cirurgia profilática está indicada em pacientes de alto risco cirúrgico (Nível de Evidência: C)
Nenhuma cirurgia profilática para arritmia ventricular empírica está indicada sem TV clínica ou induzível (Nível de Evidência: C)
TV: taquicardia ventricular.

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