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PROGRAMA DE

PÓS- GRADUAÇÃO
EM PSICOLOGIA

Um Cheiro de Moxa no Ar:


Terapias Naturais, Integrativas e Complementares nos
Serviços Públicos de Saúde em Niterói-RJ.
Que Saúde, Que Cuidado?
Doutoranda: Maria Aparecida dos Santos
Orientadora: Márcia Moraes

Niterói

Setembro de 2016
S237 Santos, Maria Aparecida dos.
Um cheiro de moxa no ar : Práticas Integrativas e Complementares no
SUS de Niterói. Que Saúde? Que Cuidado? / Maria Aparecida dos Santos. –
2016.

146 f.

Orientadora: Marcia Oliveira Moraes.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de


Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de Psicologia, 2016.
Bibliografia: f. 138-146.

1. Saúde. 2. Cuidado. 3. Racionalidade. 4. Prática de saúde pública. 5.


Política de saúde. 6. Sistema Único de Saúde (SUS). 7. Terapias
Complementares. I. Moraes, Marcia. II. Universidade Federal Fluminense.
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título.

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoat


Maria Aparecida dos Santos

Um Cheiro de Moxa no Ar:


Terapias Naturais, Integrativas e Complementares nos
Serviços Públicos de Saúde em Niterói-RJ.
Que Saúde, Que Cuidado?

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Psicologia do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutora em Psicologia.

Orientadora: Dra. Marcia Oliveira Moraes

Niterói

Setembro de 2016

Maria Aparecida dos Santos


Um Cheiro de Moxa no Ar:
Terapias Naturais, Integrativas e Complementares nos
Serviços Públicos de Saúde em Niterói-RJ.
Que Saúde, Que Cuidado?

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Psicologia do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutora em
Psicologia.

Banca Examinadora:
__________________________________________________
Profa. Doutora Marcia Oliveira Moraes
(Orientadora) Universidade Federal Fluminense

__________________________________________________
Prof. Doutor Ronald João Jacques Arendt
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

_______________________________________________
Profa. Doutora Heliana de Barros Conde Rodrigues
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

_______________________________________________
Prof. Doutora Silvana Mendes Lima
Universidade Federal Fluminense

_______________________________________________
Prof. Doutora Laura Cristina de Toledo Quadros
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
AGRADECIMENTOS
Não se faz uma tese sozinha!

Muitas mãos me apoiaram de forma generosa no caminho. Isto, por si só, me fez
uma pessoa melhor. Agradeço imensamente ao meu irmão André Luiz que foi meu
principal protetor, apoiador de cada passo do caminho e me deixou estruturalmente o
mais confortável e segura para que eu cumprisse todas as oportunidades do doutorado e
amplio este agradecimento a sua esposa Arlinda. Agradeço ao meu grande amigo,
companheiro espiritual de muitas vidas, André Alfradique que cuidou da minha saúde
com acupuntura, moxa e conversas búdicas que me encheram a alma de brilho.
Agradeço, de maneira especial, a minha prima Valéria que fez longas leituras amorosas
da tese, em voz alta, nos dias em que minha visão já não estava tão boa. Agradeço a
querida Raquel Rodrigues, uma pessoa singular, lingüista que aceitou trocar cuidados
interessantes: revisão do texto por terapias naturais. Agradeço aos meus filhos Mariana,
Luciana e Ariom que me apoiaram como bons companheiros nestes quatro anos.
Agradeço aos meus sobrinhos Júlia e Arthur, ao meu irmão Kike, a minha cunhada
Idenir e aos meus amigos que tiveram a paciência e respeito de aguentar minha pouca
presença entre eles. Agradeço postumamente a minha mãe que me ensinou a ter
responsabilidade, coragem, ética e determinação. Ao meu pai “o Velho de Rio”, a
Raquel e aos meus irmãos de Curitiba sou agradecida pelas histórias contadas, os teatros
e filmes feitos em família – Ô gente criativa! Em especial, agradeço a Ana Cláudia
Figueiró, que me acolheu na sua equipe da Fiocruz, incentivou meus estudos e deu
sentido ao que é ser amiga. Agradeço a Márcia Moraes minha querida orientadora e as
companheiras do grupo de estudos das quartas-feiras que mostraram as múltiplas
versões do pensar. Obrigada colegas. Foi muito divertido!

Agradeço a Liliane, que em meio ao doutorado me deu um presente: deu a luz a


minha neta Nailah a quem dedico esta tese.

“Nailah! Vovó espera contar muitas histórias para você!”


LISTAS DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AJ – Acórdãos Judiciário

ACSs – Agentes Comunitários de Saúde

AB – Atenção Básica

AP – Atenção Primária

APS – Atenção Primária de Saúde

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CID – Código Internacional de Doenças

CFM – Conselho Federal de Medicina

CMI – Complexo Médico Industrial

CMSN – Conferência Municipal de Saúde de Niterói

CRM – Conselho Regional de Medicina

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNS – Conselho Nacional de Saúde

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

DAB/SAS – Departamento de Atenção Básica / Secretaria de Atenção à Saúde

DASE / PROAES – Departamento de Atenção à Saúde do Estudante / Pró-Reitoria de


Assuntos Estudantis

EEAAC – Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa

ESPUM - Ècole de Santé Public de l‟Université de Montréal

ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

ESF - Estratégia de Saúde da Família

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz

HMA – Hospital de Medicina Alternativa

IHB - Instituto Hannemaniano do Brasil

LASER – Laboratório de Avaliação DE Situações Endêmicas Regionais


INAMPS – Instituto Nacional de Previdência Social

MT&C - Medicina Tradicional e Complementar

MT – Medicina Tradicional

MTC – Medicina Tradicional Chinesa

MNPC – Medicina Natural e Práticas Complementares

MS – Ministério da Saúde

NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NEPIC – Núcleo de Estudos das Práticas Integrativas e Complementares

NOB – Norma Operacional Básica

OMS – Organização Mundial de Saúde

PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PICs – Práticas Integrativas e Complementares

PNAB – Política Nacional de Atenção Básica

PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares

PSF – Programa Saúde da Família

SUS – Sistema Único de Saúde

TAR – Teoria do Ator Rede

UBSS – Unidades Básicas de Saúde

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFF – Universidade Federal Fluminense

UFPR – Universidade Federal do Paraná

UNIPAZ – Universidade Internacional da Paz

QUADROS
Quadro 1: Relação de profissionais autorizados para a prática destes serviços
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11

1 PRIMEIRO MOVIMENTO: O TEMA E O PROBLEMA..................................14


1.1 Terapeutas naturais e médicos dos pés descalços ................................................14
1.2 Metodologia........................................................................................................... 20
1.3 O contexto político das práticas não biomédicas............................................... 30
1.4 Fios em nós .............................................................................................................41

2 SEGUNDO MOVIMENTO: PARTOS, PADRES E CURANDEIROS.............. 48


2.1 As PICs entre reais controvérsias ........................................................................ 48
2.2 O incômodo do parto natural............................................................................. 57
2.3 As PICs ... Entre saberes, lutas e resistências..................................................... 63
2.4 Os sanitaristas em paz com as PICs...................................................................... 70
2.5 As PICS...entre os saberes estrangeiros e nacionais.......................................... 73
2.6 As PICS e o estrangeiro: colonizados desfazemos de nós?................................ 79

3 TERCEIRO MOVIMENTO: MEMÓRIA, SILÊNCIO E RESISTÊNCIA....... 88


3.1 Por que lembrar?................................................................................................... 88
3.2 As PICS por Niterói: o cheiro de moxa no ar......................................................91
3.3 Tempos de PICs no Caramujo: Que saúde, que cuidado, que racionalidades
médicas?...................................................................................................................... 114

4 QUARTO MOVIMENTO: APRENDIZADOS E INSCRIÇÕES NO


DOUTORADO............................................................................................................ 128
4.1 Inscrições.............................................................................................................. 129

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 134

6. REFERÊNCIAS...................................................................................................... 138
RESUMO
SANTOS, Maria Aparecida. Um Cheiro de Moxa no Ar: Terapias Naturais, Integrativas
e Complementares nos Serviços Públicos de Saúde em Niterói-RJ. Que Saúde? Que
Cuidado? Tese (Doutorado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2016.

A Política das Práticas Integrativas e Complementares, do Ministério da Saúde do


Brasil, desde 2006 solidifica-se no Sistema Único de Saúde (SUS). A intenção deste
trabalho é mostrar como a dinâmica da relação de poder dos saberes hegemônicos e
não-hegemônicos faz aparecer e desaparecer o serviço dos centros de saúde. Tais
dinâmicas compostas de múltiplos interesses são aqui mediadas por narrativas de
pessoas que viveram intensamente a experiência de atuar nestas práticas no SUS, nas
décadas de 1900 e 2000, em Niterói-RJ. Procurando um cheiro de moxa no ar de
Niterói, este trabalho foi atravessado pela pergunta: Que saúde? Que cuidado?
Procurou encontrar respostas e fazer análises na utilização do ferramental qualitativo da
História Oral e da Teoria do Ator-Rede por versões não oficiais. Encontrou múltiplas
racionalidades de saúde e de cuidado que norteiam as Práticas Integrativas e
Complementares na rede de saúde brasileira.

Palavras-Chave: Saúde; Cuidado; Racionalidades Médicas; Práticas Integrativas e


Complementares
Abstract

Brazil's Ministry of Health's policy of Complementary and Integrated Practices has,


since 2006, been consolidated into the Single System of Health (SSH). This work
intends to show how the dynamics of power relations that take place between
hegemonic and non-hegemonic types of knowledge are responsible for the appearance
and/or disappearance of such services at the health centers. Such dynamics, composed
of multiple interests, are presented in the text by people (and their narratives) who lived
intensively the experience of using these practices within the SSH, in the decades of
1990s and 2000s, in Niterói, RJ. In search of a smell of moxibustion in the air of the
city, this work was characterized by the questions "Which type of health?", "Which type
of care?". The intention was to try to find answers and propose analysis with the use of
qualitative instruments found in Oral History and in the Theory of Net Player, instead
of utilizing the official versions. As a result, multiple health and care rationalities have
been found, being used as parameters to the Complementary and Integrated Practices in
the Brazilian health system.

Keywords: Health; Care; Medical rationalities; Complementary and Integrated Practices


11

INTRODUÇÃO
Buscando encontrar o cheiro da moxa no ar de Niterói, esta pesquisa de doutorado
baseou-se na memória oral, em pistas disponibilizadas por narrativas construídas por
profissionais que viveram ativamente um período em que Niterói serviu de exemplo de
envolvimento com as Práticas Integrativas e Complementares (PICs) nas policlínicas de
saúde do SUS, nas décadas de 1990 e 2000. O trabalho apresenta como, em rede e por
paixão, servidores, gestores, usuários e comunidade fizeram acontecer uma realidade
potente das PICs na saúde pública de Niterói, seu quase esquecimento e os esforços para
uma coexistência de racionalidades distintas de saúde e de cuidado na rede de saúde
brasileira.

Nos entremeios das narrativas, reflexões são articuladas na tentativa de desfazer os


nós estabilizados em interesses políticos pelo caminho. Meu pai, o “Velho do rio”,
ensinou-me desde muito cedo que o bom pescador tem um cuidado amoroso com sua
tralha1 e exercita a calma meditativa quando desata os nós das redes de pesca e faz
novas costuras onde buracos surgem no exame com olhos detalhantes e com a
sensibilidade dos dedos e digitais como olhos tateantes que seguem as linhas quase
inaudíveis da rede. E se pergunta: o que a rede quer me dizer? Foi mais ou menos isso o
que aconteceu nesses quatro anos de trabalho de pesquisa. Fui ao mar todos os dias.
Encontrei dias bons, dias ruins entre tempestades e bonança. 1.460 dias meditando sobre
o tema, coletando material, trocando escuta, acolhendo, estudando, aprendendo.

Assim, carreguei a minha caixa de tralhas com o ferramental da história oral de


Portelli, Rodrigues e Pollak. Afinal, uma contadora de histórias, filha do meio do
“Velho do rio”, haveria de encontrar pérolas pelo caminho nas narrativas coletadas.
Carreguei mais uma vez a caixa de tralhas com o pessoal da Teoria do Ator-Rede de
Callon, Latour, Law, Mol, Despret, Moraes, Arendt. Convidei as companheiras do
grupo de pesquisa de todas as quartas-feiras e tantos outros bons encontros me ajudaram
a seguir os rastros das pequenas marcas deixadas pelo caminho das histórias contadas.

Desta maneira, ao longo do tempo fui exercitando a escrita de textos, pois uma das
coisas que eu queria aprender no doutorado era escrever artigos. Entendo que isto não
seja algo nobre a se apreender de um doutorado. No entanto pensava: qual lugar melhor

1
Tralhas: conjunto de material importante para a pesca.
12

para exercitar em acertos e erros uma escrita acadêmica se não na academia e


acompanhada por uma orientadora e por outros professores e colegas? E por sorte, fui
acolhida por uma equipe da Fiocruz como assistente de pesquisa. Assim, o doutorado
me ajudou na Fiocruz e ambos me ajudaram a amadurecer no doutorado como
pesquisadora. Escrever artigos? Ainda estou aprendendo.

No caminho entre algo estabilizado e outra margem estabilizada percebi que teria de
atravessar um terreno muito instável e perigoso. Portanto, não teve desvio. Carregada
com as minhas tralhas para conduzir o texto convidei o leitor para comigo fazer uma
travessia por dentro de uma areia movediça e chegar ao outro lado, sempre com a calma
do pescador, porém sem qualquer estabilidade do solo. Uma experiência que pode ser
boa para todos. Ou não. Só passando por ela para dizer ao final. Assim, organizei a tese
em quatro movimentos.

No primeiro movimento apresento o tema, o problema, o cheiro de moxa no ar e o


desencontro com este. A busca pela metodologia que pudesse apoiar uma viagem para
fora de centro de saúde que escolhi como campo: a metodologia qualitativa utilizando a
Teoria do Ator-Rede (TAR) e a História Oral como ferramental. Esta desterritorização
obrigatória me fez pensar no pesquisador de fronteira como método de pesquisa. Com
esta disposição, deixei revelar uma pesquisadora insegura, meio cega, tateante, meio
enamorada do caos, mas sempre curiosa e corajosa. Uma pesquisadora aberta aos
encontros, reflexiva nas histórias contadas pelo diplomata brasileiro Ricardo Primo
Portugal ao assistir um espetáculo de dança sobre as escrituras chinesas, sensível aos
sentimentos que brotavam como um poema escrito no canto de uma pintura, em
nanquim. Em uma articulação tento mostrar para o leitor como a filosofia da saúde na
racionalidade oriental pode ser pensada com a lógica do cuidado de Mol, e a
normatividade vista por Canguilhem.

No segundo movimento o texto apresenta um percurso de histórias vividas por nós


dentro do movimento das PICs pelo Brasil. De lugar em lugar no tempo, encontra-se as
PICs com o “desbunde” da contracultura, na chegada dos imigrantes orientais e como
conseguiram transladar seus conhecimentos entre nós, no estabelecimento cada vez
mais potente do modelo biomédico, no fortalecimento das indústrias bioquímicas de
medicamentos. Com os Acórdãos Judiciários, a cidade de São Paulo foi exemplo de
como o Brasil empurrou para a periferia o cuidado mais suave da cultura popular e
13

chamou o seu saber de curandeirismo. Entre partos e discussões com padres e fiscais do
Conselho Regional de Medicina-CRM, entre São Paulo, Niterói, Colatina, Rio Quente e
o meu retorno a Niterói, dentro deste caldo movediço, as PICs borbulharam para tudo
remexer. Encontros com interlocutores como uma etnobotânica que estuda os erveiros e
mateiros da Mata Atlântica trouxe reflexões sobre como no Brasil vemos a propagação
nas clínicas do SUS das práticas tradicionais orientais e não as brasileiras. Isto nos
remete à poesia de Chico Buarque de Holanda e ao Norte colonizador que em nós
habita... “ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso
Portugal!”. E entre chás e bolos é apresentada uma conversa de amor fraternal entre as
primas Maria Dente de Leão e Valéria Estrela de Aniz que refletem como a Reforma
Sanitária , Reforma Psiquiátrica e as PICs modificaram a vida de quatro mulheres
envolvidas com a saúde.

No terceiro movimento acontece um mergulho em Niterói. Nas histórias contadas


por Vânia Marapuama, Ana Capim Cidreira, Fátima Camomila discute-se como o
sistema de saúde, em certo momento, possibilitou a participação ativa delas, abrindo
espaços na Atenção Básica para as PICs ou ao contrário, elas abriram espaços para
novas ações de cuidado e visão de saúde para o SUS. Nas narrativas, o serviço se torna
um exemplo de cuidado ampliado e integrado de saberes e de “convênios extraoficiais”,
como na história em que a médica fez parceria e passou a encaminhar pacientes
portadores de erisipela para o senhor que rezava e curava, no bairro do Caramujo. Em
meio a atividades de acupuntura, moxa, Reiki, danças, horta de ervas, discute-se
questões como: a participação dos usuários na falta do Estado; a forma de gestão e a
dúvida sobre as condições dos gestores para acolher este tipo de cuidado; avaliações
dos serviços e o repasse de verbas para sua manutenção; Ato Médico, e a influência do
Complexo Médico Industrial colados nas PICs. Isto nos fez pensar e desenrolar os nós
para compreender o quase desaparecimento desta atividade no SUS de Niterói.

O quarto movimento é composto por sugestões dos narradores para que as PICs
voltem a fazer parte de Niterói com uma participação mais comprometida, amarrada ao
ensino de saúde da Universidade Federal Fluminense (UFF). Apresenta as inscrições
construídas durante a tese deixando marcas como pistas pelo caminho e novos
encontros com sinais para o futuro. As considerações finais levam o leitor novamente à
terra firme. Ao menos momentaneamente.
14

1 PRIMEIRO MOVIMENTO: O TEMA E O PROBLEMA

1.1 Terapeutas naturais e médicos dos pés descalços

Venho trabalhando com Terapias Naturais há trinta anos. Um tempo onde a idéia
sobre estes terapeutas (terapeutas alternativos) era atravessada pela referência dos
“médicos dos pés descalços”. Esses foram terapeutas orientais, camponeses, da China
pós revolução de 1966, que cuidavam da sua comunidade e não tinham formação
acadêmica, pois, recebiam ensinamentos sobre cuidados na forma tradicional:
oralmente, de mestre para discípulo. Tais terapeutas tiveram um papel importante na
sociedade chinesa porque estavam mais próximos das comunidades e conseguiam
manter uma referência cultural de cuidado em saúde (JAYASURIYA, 1995).2

No Brasil, entre as décadas de 1960 e 1970, o advento da contracultura fez


despertar inúmeros terapeutas – dos pés descalços e calçados – com base nas técnicas
milenares das práticas orientais de saúde. Ficaram conhecidos como “terapeutas
alternativos” e conviveram em constante tensão com a medicina hegemônica
(BARROS, 2006).3 Entre a utilização das agulhas de acupuntura, ervas, alimentação,
banhos, massagens, danças e lutas, o cheiro da moxa queimada constantemente
perfumava os ambientes deste tipo de cuidado e concepção de saúde. A moxa é feita a
partir do veludo da planta Artemisia (Artemisia vulgaris, família Compositae) que
queimada produz um calor mais penetrante. Seu efeito é semelhante à acupuntura, que
age estimulando pontos no corpo para fortalecer a circulação do Qi (energia)
(GUFINKEL, 2001).4

Nas minhas andanças, praticando e vivendo experiências com as terapias


alternativas, um centro de saúde do SUS de Niterói, na década de 2000, no qual atuei
com iridologia (diagnose orgânica e emocional pela observação da Iris), apresentou um
trabalho expressivo com as Práticas Integrativas e Complementares (PICs) na
comunidade, servindo de exemplo da convivência entre diferentes racionalidades em
um mesmo local de saúde. Esta memória de bem estar e bom cuidado, me fez propor o

2
Ver JAYASURIYA As Bases Científicas da Acupuntura. Rio de Janeiro: Sohaku-in Edições, 1995
3
Ver Nelson Felice de Barros, A Construção da Medicina Integrativa, 2006.
4
Para aprofundar o conhecimento ver a tese de doutorado de GUFINKEL, E. da Escola Paulista de
Medicina, 2001.
15

projeto de pesquisa para o doutorado. Pretendia olhar mais de perto, desta vez como
pesquisadora e mostrar para a academia e outros interessados em saúde e cuidado, os
efeitos da Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares (PNPICs)
aplicadas no sistema de saúde da cidade de Niterói-Rio de Janeiro. Portanto, o local
ponto de partida da pesquisa de campo deste trabalho foi uma policlínica comunitária e
minhas memórias.5

1.1.2 Memórias e o reencontro com o campo

Convido o leitor a olhar uma imagem, chamo sua atenção para uma construção
destacada da Avenida Ary Parreiras, em frente à Universidade Federal Fluminense -
Veterinária, no bairro Vital Brazil, em Niterói. Trata-se de um prédio de três andares,
concreto cinza aparente se contrapondo com algum branco na pintura das paredes e os
vidros das janelas. Nesta construção, blocos de concreto retangulares e quadrados se
misturam aos jardins por toda volta e no vão central. Possui um estilo que lembra arte
em arquitetura, lembra Oscar Niemayer em Niterói. Está inserido em uma das pontas de
uma praça. Possui corredores abertos ao ar livre, com bancos de cimento liso
incrustados nas muretas frontais às portas dos consultórios e ambulatórios. Permite que
as pessoas, em espera, permaneçam em contato com a claridade, ar livre,verde das
folhas das árvores, o marrom da terra exposta e o canto dos passarinhos. Tudo
misturado a conversas de gente...muita gente!

Subindo dois lances de escada, atingindo o terceiro andar desta construção,


mesmo com as portas dos consultórios fechadas, é possível sentir, no corredor, o cheiro
peculiar de moxa6 queimada. Tal cheiro indica que pessoas estão sendo cuidadas, de
maneira onde aspectos complexos como energia circulante e o efeito vivificante da
restauração da fluidez da vida está sendo levado em consideração. Ao menos,
aparentemente.

5
Achei por bem não nomear a policlínica porque o que aconteceu nesta pode estar acontecendo em outra,
portanto, a relevância está nos acontecimentos, processos e caminhos, conexões e controvérsias das PICs
em Niterói: em rastrear o “cheiro de moxa no ar”.
6
A moxa é feita a partir do veludo da planta Artemisia (Artemisia vulgaris, família Compositae) que
queimada produz um calor mais penetrante. Seu efeito é semelhante à acupuntura, que age estimulando
pontos no corpo para fortalecer a circulação do Qi (energia). Para saber mais sobre moxa ver a tese de
doutorado de GUFINKEL, E. da Escola Paulista de Medicina, 2001.
16

É possível contemplar o que acontece na parte interna de uma destas salas. Porta
aberta cuidadosamente, se vislumbra um ambiente em penumbra, suficientemente
silencioso, algum sinal de fumaça que exala dos bastões de moxa. Os quadros nas
paredes lembram símbolos orientais do Yin e do Yang; canais dos meridianos da
acupuntura desenhados no corpo humano; flores da cerejeira e traços de escritas em
nanquim confundindo movimentos corpóreos com símbolos da comunicação oriental
escrita à mão e pincel, talvez um poema. Os cheiros se misturam entre a suavidade seca
da Artemísia queimada e algum óleo de cravo, cânfora e sândalo. Talvez cinco macas
espalhadas no espaço, pessoas deitadas com agulhas de acupuntura fixadas nos pontos
da pele; outras recebem massagem nos pés (reflexoterapia plantar) e aparentam
relaxamento. Um profissional postado ao lado de outra maca possui um bastão de moxa
em brasa na mão direita. Ele aproxima a moxa da pele do usuário deitado na maca. Tal
aproximação, a menos de dez milímetros do contato com a pele, cria uma espécie de
tensão - entre se deixar levar pelo calor curativo e o medo de ser queimado. Será este
um ato de cuidado gerador de saúde; um ataque que leve a lesão; um ato de fé e crença?

Nesta fronteira, entre a pele e a moxa em brasa, entre as lembranças e aquilo que
foi produzido no encontro das PICs com a racionalidade da biomedicina com o passar
do tempo em Niterói, aconteceu a reflexão do meu trabalho. Será que a saúde
vivenciada neste lugar é atravessada pela circulação da energia vital (Qi), ou seja, pela
racionalidade da filosofia da Medicina Oriental? Será que o cuidado leva em
consideração a potência criativa dos modos de viver saúde? Existe o reconhecimento da
cultura dos conhecimentos locais/populares em saúde e cuidado? Como essas pessoas
tomam doença e adoecimento? A doença é positiva, faz parte do vivo e não é exceção
ou algo que deva ser extirpado como maléfico, maldito, indizível? Poderei encontrar
pessoas que vivenciam outras formas de cuidado, saúde e de se sentir saudável ou
encontrarei uma situação na qual o uso das terapias diferenciadas não passe de repetição
e utilização mecânica de uma tecnologia sem questionamentos filosóficos sobre saúde e
cuidado, mas, com o único intuito de alcançar os padrões de normalidade instituídos?

Com estas questões apresentei meu projeto de doutorado ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense em 2012 e voltei a
policlínica comunitária das minhas lembranças, após alguns anos morando fora de
Niterói e agora como pesquisadora.
17

1.1.3 Quando a realidade se apresentou em tom cinza escuro

Após algumas trocas de emails, consegui marcar uma visita à policlínica


comunitária de saúde, para apresentar o projeto e dar início ao campo. Foi um dia
chocante para mim, pois, o lugar das lembranças descritas acima, me pareceu de um
tom cinza escuro, velho, sem vida. Encontrei pessoas amontoadas em filas que
aguardavam vacinas para gripe, a maioria das pessoas que aguardava e circulava estava
com cara de poucos amigos, taciturnas, mas, o dia estava ensolarado. O jardim acerca
do prédio onde antes se via plantas decorativas e uma horta de ervas medicinais, havia
se transformado em estacionamento de carros para pessoas do serviço; mal se podia
andar sem esbarrar a perna entre para choques de ferro, O ar já não era mais fresco, em
meio aquele tanto de latarias reluzindo ao sol, o calor abafava. O canto onde antes
assistia as aulas do Projeto Gugu7 para a terceira idade, com música animada e muita
gente sacudindo e acordando o corpo, agora estava ocupado por carros e nenhuma
música e riso. O que teria acontecido?

Por fim, na visita. a conversa caminhou inicialmente para perguntas sobre como
apareceu o meu interesse em pesquisar sobre este assunto e o porquê da escolha do
lugar. De pronto notei que a pessoa que me recebia não tinha conhecimento do meu
projeto de pesquisa de doutorado que enviara semanas antes, junto ao pedido da carta de
autorização do trabalho de campo. Estranhei e respondi ser frequentadora como usuária
do lugar desde a minha adolescência até os dias de hoje. Bem como que acompanhara
de perto a vida da policlínica em seus inúmeros momentos, incluindo a entrada das
Terapias Naturais Integrativas e Complementares com suas práticas da acupuntura,
moxa, terapias corporais, homeopatia, etc. Expliquei que eu mesma havia atuado no
local com irisdiagnose (leitura e análise da iris – parte colorida dos olhos), dando
supervisão de estágio do curso que desenvolvia na época, incluindo inúmeras palestras
para funcionários e usuários sobre o tema.

7
O Projeto Gugu é um programa de ginástica e incentivo à qualidade de vida voltado para
idosos, idealizado pelo médico ortopedista Carlos Augusto Bittencourt Silva com início em abril
de 1995, na Praia de Icaraí, em Niterói. Maiores informações em
http://www.funcab.org/gugu.php
18

Entre expressões de espanto e olhares duvidosos a pessoa me inquiria “Sei, mas


você fez pós-graduação em acupuntura, uma especialização?”; respondi que estudara
acupuntura com o mestre Liu Pai Li de São Paulo, com o doutor Wu de Brasília, que
havia feito um curso de dois anos em Belo Horizonte com Marco Aurélio Cozi
presidente da Federação Nacional de Medicina Alternativa e Naturopatia e que havia
trinta anos de estudos e envolvimentos com estas práticas. Contei que desde a década de
1970 até os dias de hoje, antes mesmo de existirem os cursos de pós e especialização na
área, antes mesmo do primeiro conselho profissional (Fisioterapia e Terapia
Ocupacional) aceitar a acupuntura como especialidade, meu interesse pelo tema fora
sempre contundente.

Em algum momento dos olhares e movimentos de corpo entre nós, ela falou que
só no dia anterior havia baixado o arquivo e lido aquele “calhamaço” da Política
Nacional sobre as Práticas Integrativas e Complementares do SUS (PNPICs) e que não
havia gostado! Justificou dizendo que era homeopata e que colocaram a homeopatia no
meio destas “terapias”. Disse estarem bagunçando com a homeopatia, assim como na
Alemanha o fizeram, deixando quem não é médico prescrever. Onde já se viu leigo
prescrever! Neste momento retruquei que não só na Alemanha, mas em toda a Europa e
em países de outros continentes a homeopatia não era exclusividade médica e que as
pessoas não eram leigas em homeopatia, pois estudavam para isso. A pessoa retrucou,
disse saber desta informação e se irritar deveras com ela, pois acredita que este trabalho
deveria ser feito apenas por médicos. Para não seguir em frente com a disputa, informei
que nas PNPICs, a homeopatia estava prevista para ser efetuada apenas com atuação dos
médicos. Afirmou não ser assim e eu afirmei - Sim, eu tenho a portaria do SUS que faz
a recomendação de quem pode atuar em cada prática das Terapias Naturais, Integrativas
e Complementares; enviarei por email.

Após meia hora de conversa percebi que a pessoa da policlínica não conhecia
nada da história do lugar e menos ainda da forte relação que o lugar tivera com as
terapias naturais. Saímos da sua sala para que me mostrasse onde o serviço de
acupuntura estava sendo feito. Neste caminhar fui apresentando as salas que já haviam
sido ocupadas pela acupuntura8, moxabustão, ventosas9, Shiatsu10, Tui-Na11 e o local

8
Criada há mais de dois milênios, a acupuntura é um dos tratamentos médicos mais antigos do
mundo. Consiste na estimulação de locais anatômicos sobre ou na pele – os chamados pontos de
acupuntura.
19

onde antes fora a horta de ervas terapêuticas. Servi de guia e fui guiada. Tive a
impressão de estar tendo uma conversa controversa. Passamos pela tal sala do terceiro
andar de onde o cheiro da moxa tomava o ambiente há tempos atrás marcados na minha
memória e a pessoa espantou-se quando contei que era naquela sala que outro modelo
de saúde e cuidado era repartido com as funções biomédicas do posto de saúde. Disse-
me que nunca soube disto! Que esta sala era o almoxarifado e precisam desta sala para
guardar coisas!

Perguntei “Onde está o pessoal do Projeto do Gugu? Eles há anos têm parceria
com esta policlínica e sempre assíduos”. A resposta foi que a parceria havia sido
cancelada este ano! Comentei que no lugar onde acontecia o projeto com a terceira
idade estava lotado de carros. Ela retrucou que sim, pois precisavam de estacionamento,
pois os carros corriam risco de serem roubados se estacionados no em torno da praça.

Voltei para casa lembrando um tanto impressionada da informação de que nos


últimos dois anos, três diretores diferentes passaram pela policlínica comunitária.

Algum tempo depois deste encontro de tom cinza escuro, após receber a carta de
autorização do Comitê de Ética para dar início à pesquisa de campo, escrevi um email
para os interessados da policlínica e novamente fui chamada para uma reunião .

1.1.4 O segundo desencanto

Desta vez, chegando à sala, escutei os comentários e perguntas feitas no contato


anterior, principalmente sobre sua opinião pessoal de que somente médicos deveriam
praticar acupuntura ou homeopatia. Pediu-me o projeto. Desta vez, me passou alguns
nomes de médicos homeopatas que atuavam na policlínica, dentre eles um médico que
pratica acupuntura nos seus clientes de cardiologia. Frisou que este médico não tem

9
É uma técnica milenar que usa a sucção da pele com aplicação de copos de vidro, acrílico ou
bambu e que tem como finalidade criar um vácuo para eliminação de toxinas do sangue e
tratamento da saúde.
10
O Shiatsu é uma terapia de reequilíbrio energético que consiste em pressionar
determinados pontos (da acupuntura) que formam linhas ou canais de energia pelo corpo.
11
O Tui-Na, é uma das mais antigas formas de medicina chinesa que usa as mãos em
automassagem ou em outras pessoas como instrumento para tratar a saúde.
20

matrícula para acupuntura, portanto, o faz como terapêutica complementar à sua atuação
como cardiologista. Esclareceu que os médicos só podem ter duas matrículas na
policlínica e que, este médico teve que escolher entre acupuntura e homeopatia, pois
além de cardiologista e acupunturista, também é homeopata. Suspirei e perguntei para
mim mesma: Onde foram as PICs que estavam aqui?

Percebi que teria que seguir outro rumo para conseguir respostas e desta vez
seria seguir o cheiro da moxa onde quer que ela estivesse. Até onde ela me levaria? A
quais conexões? E assim, nesta toada, seguindo em frente, um pouco abatida com o que
vira, decidi postar-me mais como um pesquisador de fronteira, mais pelas bordas, mais
da terceira margem do rio (ROSA, 1994) e seguir os fluxos, os pequenos caminhos
(MOL, 2002). E assim, segui em frente buscando encontrar fios, que ao final, me
apresentasse uma amostra da rede das PICs na saúde de Niterói e seus nós, em
encontros e desencontros.

1.2 METODOLOGIA
“Um pesquisador interceptado-intercedido
embriagado torna-se imperceptível, em lugar de
transcendente-soberano, ou seja, ao invés de postado
em recuo quanto aos pontos de problematização
vigentes e/ou emergentes. Correlativamente, esses
pontos colorem o mundo a explorar (bem como
aquele que o explora) de sua própria cor, instaurando
univocidade, isto é, ausência de hierarquia nos
modos de ser” (RODRIGUES, 2011, p.237).

1.2.1 O pesquisador de fronteira: uma questão de método


Não seria fácil, mas era necessário manter-me nas bordas como pesquisadora,
para conseguir encontrar a fumaça da moxa que, naquele momento, já havia se
dissipado daquele lugar. Chamei este ato de “o pesquisador de fronteira” e tento
explicar a singularidade, apostas e medos desta posição.
Os caminhos e vicissitudes de o pesquisador de fronteira, aquele que, encarnado
na sua pesquisa, assume politicamente sua posição de “pesquisar com” e insiste em
novos caminhos textuais para suas reflexões acerca da ciência e de suas práticas é
tortuoso e não garante nem a partida, nem a chegada. Este modos de escrita e
posicionamento político me liga ao Grupo de Pesquisa do CNPq Entre_redes, linha de
21

pesquisa PesquisarCOM. Nele, nos envolvemos com leituras de autoras inspiradas na


Teoria Ator Rede – TAR (LATOUR 1997, 2000, 2001,2005, 2012), tais como
Vinciane Despret (2001, 2004; 2011), Isabelle Stengers (1998, 2002, 2003, 2011),
Donna Haraway (1993,1995, 2000, 2009), Annemarie Mol (1999, 2002, 2008, 2010),
Márcia Moraes (2000; 2004, 2010, 2013) - algumas feministas outras nem tanto - e
também parceiros como John Law (2001, 2003; 2004, 2015) e sua escrita barroca e
Ronald Arendt (2008, 2011, 2015, 2016).
Este grupo de pesquisa tem afirmado o feminino em um certo modo de conhecer
e fazer ciência. A aposta é por um conhecer situado e que opera pelo laço, pelo
vínculo, mais do que pelo corte e pela separação. Uma importante consequência desse
modo de propor o conhecer – como um fazerCOM e não SOBRE o outro. Está na
proposição de uma escrita que não oculte suas marcas, que faça vibrar em suas linhas
seus posicionamentos, suas formas de composição com o outro, suas impurezas e
gagueiras. Nesse sentido, entende que os relatos de pesquisa povoam o mundo e são
performativos porque fazem existir realidades. Narrar histórias, povoar o mundo com
histórias locais e situadas é uma das formas pelas quais se resiste ao poder de
dominação da epistemologia desencarnada e deslocalizada de que nos fala Haraway
(1995).

Desta maneira, pesquisei na fronteira entre a prática hegemônica da biomedicina


que possui foco na medicalização para remissão da doença e as terapias naturais, com
foco na ação do desbloqueio e/ou estímulo das forças vitais para manutenção da
capacidade do próprio corpo manter-se são (LUZ, 1998, 1996; 2000). Ao habitar essa
fronteira, acompanhei seus tensionamentos mais proximamente. Às vezes a passagem
foi porosa, e entre essas formas “complementares” de cuidar muitas vias de
atravessamento aconteceram. Outras vezes, no entanto, a fronteira foi tão impermeável
que sequer pude acompanhar a possibilidade de interferências mútuas se operando no
concreto das práticas de cuidado e saúde. Tal como aconteceu nos contatos com a
pessoa da policlínica, que nem mesmo sabia que em algum dia as práticas integrativas e
complementares existiram na área onde estava gerindo e que o lugar do almoxarifado de
hoje havia sido uma sala de expansão do cuidado em saúde no SUS.
Segui a inspiração da Teoria do Ator-Rede que me facilitou a pesquisar as PICs
em ação, na multiplicidade de lugares e influências, usos e efeito mediador por onde
passou.
22

Tal como para Haraway (1995), que sugere ser nas fronteiras que se delimitam e
instauram o que conta ou não como objetividade, assim pude perceber, nos dois
encontros com a pessoa do centro de saúde , que em um dado momento, a homeopatia
(ou a biomedicina e o Ato Médico) era indicada para ser reafirmada como a
objetividade marcada e escolhida por alguém que estava no poder de dizer.
Na TAR, um fim pode sempre ser modificado em função de desvios, através de
mediações imprevisíveis (LATOUR, 2005). E, no processo do fazer fazer não cabe
estabelecer causalidade. Como afirma Ronald Arendt , a questão está sempre nos
vínculos estabelecidos que proporcionam boas ou más articulações (ARENDT, 2014)

Logo, nesse lugar de fronteira conduzi a pesquisa lançando mão de algumas


ferramentas, humanas e não humanas, como: revisão e análise de documentos; análise
dos usos de materiais, serviços, cuidados e tecnologias em ação (moxa, agulha de
acupuntura, massagem, shiatsu, tui-na, sementes de mostarda, etc.) nas PICs; de
subjetivações produzidas nos envolvidos no processo, ações dos gestores, posições
políticas; de histórias contadas, algumas vividas por mim em encontros com
companheiros de estrada; outras através de algumas narrativas de entrevistas realizadas.

Fiz uso da História Oral, pois já havia trabalhado com esta metodologia por
ocasião do mestrado e achei confortável e necessário incluí-la no manejo das narrativas.
Pensava que seria importante encontrar pessoas do passado, aquelas que atuaram na
mesma época que eu na policlínica e ouvir delas suas histórias e memórias, suas versões
do que havia ocorrido. Pois, poderia eu estar sendo “enganada por um gênio maligno”
que me confundia! Todavia, neste ponto de dúvidas em que me encontrava, triangular
metodologias de pesquisa me favoreceu o encontro com as respostas. Portelli (1996)
afirma que “ (...) Se considerarmos a memória um processo, e não um depósito de
dados, poderemos constatar que, à semelhança da linguagem, memória é social,
tornando-se concreta apenas quando mentalizada ou verbalizada por pessoas.” (p.4).
Assim sendo, eu precisava resgatar estas memórias e as narrativas - minhas e dos
colegas - as tornariam presentes e vivificadas; e, por fim, alguma coisa ficaria marcada
na tese escrita que serviria para outro alguém que lesse o trabalho. Seriam memórias
compartilhadas em encontros à beira do fogão, envoltos por atmosfera de chás, bolos,
pães e cafés. Em vista desta possibilidade de encontros, o autor destaca que “as
recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese
alguma, as lembranças de duas pessoas são – assim como as impressões digitais, ou, a
23

bem da verdade, como as vozes – exatamente iguais.” (ibidem, p.7). Ao trabalhar com
narrativas orais, uma visão de mundo está mais para uma colcha de patchwork do que
para padrões coerentes e organizados de representações pré-estabelecidas. Não importa!
Seja qual for a (jamais garantida) verdade factual, o que importa, para a história oral é a
versão dos narradores (ibidem, p. 20). E esta posição da História Oral se alinhava
fortemente com as contadoras de histórias da Teoria do Ator-Rede.

A postura do pesquisador respeitoso - consigo mesmo, com seu entrevistado e


com sua pesquisa –, daquele que está no campo para aprender, para encontrar e trocar
em um movimento dialógico, pode sustentar a ética na pesquisa. Neste sentido, Portelli
assim definiu uma ética para o trabalho de campo: “O resultado final da entrevista é
produto tanto do narrador quanto do pesquisador. Quando a voz do pesquisador é
eliminada, a do narrador é distorcida” (PORTELLI, 1991, apud RODRIGUES, 2005).
Por isso, na medida do possível, mostrei também as minhas histórias, lembranças que
dialogaram todo o tempo com os entrevistados e situação que construíram as narrativas.

Se hoje, as terapias naturais estão oficialmente incorporadas ao sistema público


de saúde brasileiro como uma complementaridade à biomedicina, isso não ocorreu e
ainda não ocorre sem grande tensão e controvérsias. É um pouco desta história que aqui
quero contar. Se, parto de uma narrativa, não é no intuito de traçar a história de um
“eu”, mas antes, como salientam Despret e Stengers (2011) para articular um “nós”, isto
é, para compor o campo da saúde no Brasil com histórias que não foram contadas nos
documentos oficiais, mas que são histórias de práticas efetivas, de ações de cuidado
exercidas nas tensas fronteiras entre a saúde considerada como oficial e o quê, de certo
lugar, diz-se integrativo e complementar. De forma alguma se quer narrar aqui uma
história pelo viés queixoso, acusatório ou mesmo ressentida. O que se pretende é
oferecer novas versões (Despret, 2001), um olhar diferente.

Portanto, pesquiso este campo da saúde por interesse em criar mundo, em fazê-
lo variar, pois aposto em novas possibilidades de inscrever na saúde e nas práticas de
cuidado em saúde um outro trato, longe do destrato, como sugere Santos (2002), mais
perto de outras gramáticas possíveis, alternativas, múltiplas, mais perto da fronteira e
mais afastado do centro, para melhoria de condições do atendimento de quem depende
do sistema público de saúde.
“A fronteira enquanto espaço, está mal delimitada,
física e mentalmente (...). Por este motivo, a
24

inovação e a instabilidade são, nela, as duas faces


das relações sociais. (...) Espaço provisório e
temporário, onde as raízes se deslocam tão
naturalmente como o solo que as sustenta. (...) Viver
na fronteira significa viver fora da fortaleza.
Significa prestar atenção a todos os que chegam e
aos seus hábitos diferentes e reconhecer na diferença
as oportunidades para o enriquecimento mútuo”
(SANTOS, 2001,p.349).

Para mapear como e quem decide quem fica de fora da ciência, o pesquisador
de fronteira segue em movimentos de composição e rodeio, de idas e vindas, ao
redesenhar a todo momento a área investigada, de permanentes ajustes (negociações).
Era o que eu tinha que fazer, buscar na memória sem temer, as histórias que me
ajudariam a compor o cheiro que queria seguir “da moxa no ar de Niterói”, mas, para
isto buscaria uns anos mais longe com memórias da minha infância e do meu tio médico
que trabalhava com acupuntura nos anos de 1960, em São Paulo e outras histórias que
haviam ficado entre as margens da história oficial. Sem dúvida uma ação trabalhosa,
difícil, complexa, extenuante e divertida.
É preferível procurar ir pelas periferias e olha-las como zonas de fronteira, como
define John Law (2004), olhar para a fronteira supõe-se olhar para a negociação, porém,
fronteira é local de conflito onde se encontra controvérsias, não é um lugar cômodo. O
que tomo por lugar cômodo é aquele lugar onde aparentemente tudo está estabilizado,
seguro e, portanto, pouca energia de trabalho é mobilizada para se chegar ao final: um
lugar previsível. A fronteira é lugar vibrante, vivo, efervescente onde a qualquer
momento pode-se romper a estabilidade.

Fronteira é o que está à frente, tem a ver com o front - que se traduziu num
sentido de batalha, muitas vezes. Logo, o que marca a fronteira é justamente a sua
capacidade de fricção, de atrito, de porosidade, o que faz passar, o que se negocia.
Podemos pensar fronteiras como projeto e projeto como algo não dado, não delimitado,
mas tecido, feito e refeito, negociado.

Estas fronteiras quando são transgredidas, formam potentes fusões e perigosas


possibilidades. Pode significar realidades sociais e corporais vividas, nas quais a luta
política consiste em ver a partir de ambas as perspectivas ao mesmo tempo, porque cada
uma delas revela inimagináveis possibilidades e combinações (HARAWAY, 2000).
Fronteiras transgredidas e potentes fusões podem acontecer quando saberes
25

frequentemente locais se esbarram, se atritam, negociam e amalgamam, se mesclam


produzindo um novo estilo de pensar e trabalhar sobre um assunto.

O deslocamento daquilo que parece estável, já dado, naturalizado para uma nova
conformação, quer seja no conhecimento sobre algo, quer seja sobre as técnicas
utilizadas a partir do conhecimento sobre algo, leva a modificação das estruturas e
estratégias praticadas anteriormente; portanto, desestabiliza. Como efeito, a modificação
afeta, inquieta, desassossega o estabelecido e por isto produz perigosas possibilidades.
Estamos falando de possibilidades de polifonia, onde pesquisar é ter que ouvir todas as
vozes, é feito de encontros inusitados e transgressores, encontros de condições potentes.
Por este lado, já vejo como um encontro promissor o meu com a pessoa da conversa
controversa!

Nesse modo de operar, conformaram-se arranjos, configuraram-se novas


fronteiras, territórios e agenciamentos. Todo esse processo e disponibilidade me expôs,
como pesquisadora a novas condições e produções de subjetividades; também fui me
transmutando com as evidências produzidas no processo da pesquisa, pisei em falso. Eis
então um aviso e recomendação para seguir este caminho:
Na areia movediça, quanto mais você luta, mais você afunda; mas como seu
corpo é menos denso do que ela, basta relaxar para flutuar. O segredo é não entrar em
pânico, nem precipitar uma reação afoita. A maior parte das pessoas que afundam na
areia movediça ou em qualquer outro tipo de líquido é formada por aquelas que entram
em pânico e começam a se debater. No caso do pesquisador de fronteira o avisado deve
aprender a flutuar, a sentir a textura e as rugosidades da areia, em vez de entrar em
pânico ou se afobar.12
Em um destes momentos de flutuação na areia movediça, com mais ou menos
um ano de doutorado, após um email que circulou no grupo de estudos com um pedido
de indicação de alguém que pudesse trabalhar em pesquisa com a Teoria do Ator Rede
(TAR) e após uma seleção que incluiu uma espécie de prova teórica e entrevista fui
contratada para trabalhar como pesquisadora assistente da equipe de avaliação de
programas em saúde pública do Laboratório de Situações Endêmicas Regionais
(LASER), da FIOCRUZ. Este grupo, coordenado por Ana Cláudia Figueiró viria com

12
Para saber visite FREITAS, Eduardo De. "Areia Movediça"; Brasil Escola. Disponível em
<http://brasilescola.uol.com.br/geografia/areia-movedica.htm>.
26

uma proposta de avaliação aproximada com o Instituto Canadense de Saúde Pública


chefiado por Louise Potvin, (ESPUM/ Universidade de Montreal e Institutes of Health
Research), juntamente com Zulmira Hartz (Instituto de Higiene e Medicina Tropical/
Universidade Nova de Lisboa). Assim, desde 2013, me desterritorizei e como boa
nômade que sou, fui ao encontro do mundo que temia (ciência hard) e que ao mesmo
tempo me deixava curiosa. Entrei no núcleo duro dos saberes em saúde. Mais adiante
contarei um pouco desta história e seus efeitos na minha pesquisa.

Decerto lembrei-me de uns autores companheiros para minha trajetória e segui


outra recomendação: aquela dada por Deleuze e Guatarri (1997), em que o pesquisador
de fronteira tem de ser meio nômade, porque a terra se desterritorializa debaixo dos seus
pés, se move e o pesquisador se reterritorializa por alguns instantes, em um suporte
momentâneo para pensar sua pesquisa, pensar seu olhar e intervir sobre aquele
território. Como nômade se distribui em um espaço liso, ele ocupa, habita, mantém esse
espaço, e aí reside seu princípio territorial. O espaço nômade é liso, porque é marcado
apenas por “traços” que se apagam e se deslocam com o trajeto. Eu estava em busca
desses “traços”, alguma rugosidade histórica e factual que me apoiasse a contar algumas
outras histórias deixadas pelo caminho, mas, que poderiam ser interessantes para variar
a reflexão sobre o tema.
Desta maneira, os autores companheiros deste pensar completavam que um
espaço liso heterogêneo, abriga um tipo muito particular de multiplicidades: as
multiplicidades assimétricas, descentradas, rizomáticas, que ocupam o espaço sem
“medi-lo”, e que só se pode explorar “avançando progressivamente”, tateando. Para
Deleuze e Guattari:

“O nômade não tem pontos, trajetos, nem terra,


embora evidentemente ele os tenha. Se o nômade
pode ser chamado de o Desterritorializado por
excelência, é justamente porque a reterritorialização
não se faz depois, como no migrante, nem em outra
coisa, como no sedentário (com efeito, a relação do
sedentário com a terra está mediatizada por outra
coisa, regime de propriedade, aparelho de Estado...).
Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização
que constitui sua relação com a terra, por isso ele se
reterritorializa na própria desterritorialização. É a
terra que se desterritorializa ela mesma, de modo
que o nômade aí encontra um território. A terra
deixa de ser terra, e tende a tornar-se simples solo ou
27

suporte. A terra não se desterritorializa em seu


movimento global e relativo, mas em lugares
precisos, ali mesmo onde a floresta recua, e onde a
estepe e o deserto se propagam. (...) No espaço liso
do Zen, a flecha já não vai de um ponto a outro, mas
será recolhida num ponto qualquer, para ser
relançada a um ponto qualquer, e tende a permutar
com o atirador e o alvo” (DELEUZE&GUATTARI,
1997, vol.5).

Portanto, a noção de rede da Teoria do Ator-Rede se aproximou da noção de


rizoma, elaborada por Deleuze (1995), que propõe um fluxo diferente do modelo da
árvore ou da raiz, que fixam um ponto, uma ordem. De acordo com os autores de Mil
platôs, no rizoma não há unidade, apenas agenciamentos; não há pontos fixos, apenas
linhas, e o mesmo acontece na Teoria do Ator-Rede. Márcia Moraes (2000) compara
uma rede a uma totalidade aberta, capaz de crescer em todos os lados e direções, como
um rizoma, sendo seu único elemento constitutivo o nó, o encontro, a conexão. Para a
TAR, a palavra “rede” indica que os recursos estão concentrados em poucos locais – nas
laçadas interligando fios e malhas. Para Latour (2000), essas conexões transformam os
recursos esparsos numa teia que parece se estender por toda parte (p.294). Desde o
início, meu pensamento era desenhar esta rede, com seus nós e elementos que se
compactassem momentaneamente, que se territorizassem para depois dissiparem-se,
porém, que deixassem rastros que eu fosse capaz de enxergá-los e cartografá-los, deixá-
los mais evidentes para que eu pudesse compreender melhor e para que outros o
encontrassem em algum momento oportuno. Talvez, quando quisessem saber para além
das histórias limpas, oficiais e desconectadas.
Para um pesquisador da Teoria do Ator-Rede, faz parte do seu cotidiano de
investigação tatear, “mapear as redes sóciotécnicas e seguir pistas propiciadas por
actantes agindo dentro de uma rede, e se caracteriza pela maneira particular por onde
define os outros actantes aos quais ele se liga e faz conexões” (Latour, 2001).

De tal jeito que, para encontrar o que realmente interessa (inter-esse) é preciso
saber coexistir como nômade, na área de fronteira, mutável, invisível, pouco explorada,
caótica e conspirar com as controvérsias criando pontes. Tal disposição exige um estilo
de pesquisador que vai ao encontro do desconhecido com jeito enamorado, se
implicando com as evidências e principalmente com aquilo que não está aparente. Às
vezes, como no texto de Guimarães Rosa, se postando na terceira margem do rio, no
28

limbo entre fronteiras, lugar onde, aparentemente, seria o seu fim. E de lá enxergar o
que acontece nas fronteiras: negociações, sempre políticas. Dessa subjetivação mutante
que se dá com o pesquisador de fronteira advêm possibilidades de novas gramáticas, as
formas alternativas de conhecimento. E assim pude seguir a pesquisa. Com medo da
terra que desapareceria dos meus pés, confiando numa memória que seria flutuante
como pisar em nuvens e feliz por estar um aprendiz pesquisante.
Com a experiência junto ao grupo da Fiocruz, pude vivenciar como a Teoria do
Ator-Rede vem sendo utilizada nas pesquisas em saúde. Participei de algumas pesquisas
avaliativas e aprendi sobre os modos e usos da avaliação, que segundo Figueiró
(FIGUEIRÓ at all, 2012, 2014) podem ser: a) instrumental (para orientar a política e a
prática), b) conceitual (para gerar novas ideias ou conceitos que sejam úteis para prover
de sentido o cenário político), e c) político (ou simbólico – para justificar preferências e
ações preexistentes). Assim, este encontro, com as pesquisas avaliativas e seus
caminhos, fizeram-me perceber e ficar atenta aos modos políticos que insistiam em
aparecer na minha pesquisa do uso das PICs em Niterói. Ao reconstruir a rede
sóciotecnica das PICs em Niterói, pude deixar visível alguns problemas que convocam
para alguma solução mais estratégica.
Busquei uma entrada na rede pelo fio puxado das memórias das PICs em uma
policlínica de saúde de Niterói, mas, penso que sejam problemas que estejam em outras
cidades e outros estados do Brasil e que esta metodologia possa ser replicada na idéia de
se construir um SUS com as PICs e suas ferramentas e modos de cuidar.

Ainda neste propósito, concordo com a avaliação contextual, com foco na


reflexividade (BOURDIEU & WACQUANT, 1992), com o envolvimento dos
interessados, possibilitando mudanças de pensamento, comportamento e programáticas
nas práticas e cultura, como resultado da aprendizagem durante o processo pesquisante.

Como nos diz Heliana Conde (2011), referindo-se a Deleuze e Guattari (1995)
sobre as árvores imperativas das verdades epistemológicas da ciência e a produção de
ervas e musgos na cabeça dos cientistas sociais “(...) as ciências ditas “duras”, qual as
neurociências, podem também tornar-se intercessoras – não por cânones de verdade
frente aos quais deveríamos nos curvar, mas pelas eventuais linhas de fuga que sejam
capazes de propiciar” (p. 237). Deste modo, este trabalho poderá trazer reflexividade
para todos os envolvidos.
29

1.2.2 O que conta ou não como objetividade nesta pesquisa?

O método de pesquisa, longe de apreender uma realidade, ele performa uma


realidade colocando em cena o que conta ou não conta como objetividade e
racionalidade. Para Márcia Moares (2000), estudar a ciência em ação nos leva a um
universo filosófico que não se confunde com o paradigma dualista típico do pensamento
moderno, a ciência em ação se movimenta num mundo cuja realidade é múltipla, um
mundo de conexões e elementos díspares, só dizível na mestiçagem das bricolagens dos
saberes ( p.5). Na bricolagem dos saberes, escolhas são feitas e a ação da escrita se
maneja politicamente.
Assim, o pesquisador escreve para manejar e fazer existir mundo. Portanto, há
uma luta que se faz também na escrita, uma luta política, usando o recurso da escrita e
atentando em cada palavra para intervir na existência do que conta. Neste sentido, a
escrita é encarnada, a linguagem pode criar mundo e mundos podem ser criados pelo
leitor. Para Law, o maior é que nos constitui, a Grande Ciência nos constitui, no
entanto, para criarmos outros mundos, o pesquisador que resiste traz a visão para o
pequeno, o local, o parcial, o barroco (LAW, 2004).
O que aprendemos com a análise do pequeno? Aprendemos que é nas nuances
do barroco onde se encontra a complexidade. Quando deixamos de falar do geral, do
vôo panorâmico e superficial dos acontecimentos, tentamos modificar os modos de
pesquisa, tentamos desfamiliarizar a tradição canônica e hegemônica do saber e abrimos
espaço para o que não conta como objetividade para a Ciência; politicamente pensamos
na mediação feita com conexões possíveis para uma coexistência de racionalidades não-
coerentes, caracterizando assim o olhar e a escrita barroca.
Objetividade e racionalidade propõe análise corporificada. A ideia de
“racionalidade” para Mol atravessa o sentido da organização ou “modos de ordernar”,
que derivam mais de uma ação como verbo, um esforço contínuo, feito nas práticas, nas
conexões, no suor para produção do real. Desta maneira, para esta autora, o papel do
cientista social é conseguir encontrar as “conexões” “locais” e “parciais” em busca da
“racionalidade” que performa o campo. O cuidado está em fazer pequenos ajustes sem
saber previamente onde vai chegar, a finalidade não transcende a ação da própria
prática. Sendo assim, mais de um modo é relevante em qualquer tempo e em qualquer
espaço e o pesquisador cientista deve manejar com esses modos de operar (MOL, 2008;
2010, p. 263).
30

Nesta fronteira, entre a pele e a moxa em brasa, reflete-se que a convivência das
Terapias Naturais, Integrativas e Complementares com a medicina ortodoxa dentro do
sistema oficial de saúde proporciona uma zona na espera do que virá a ser, onde nem
mais se pertence ao território de origem e nem se é aceito totalmente pelo novo
território, trata-se de um estado de transição, que poderá durar por muito tempo.
Por fim pensei em navegar na areia movediça por analisadores que descobertos
pelo caminho ( gestores – práticas judiciárias – ideário do SUS – servidores – usuários –
imigrantes – economia- indústrias – colonizadores – sabedoria cultural – academia),
todos relacionados as PICs e ligados em um “e” que na análise mostraram uma
estabilização momentânea e aqui no texto fez uma rede aparecer. Convido o leitor a
navegar nesta areia movediça comigo, sem esquecer-se de manter a calma.

1.3 O CONTEXTO POLÍTICO DAS PRÁTICAS NÃO BIOMÉDICAS

O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas públicos de saúde


do mundo. Ele abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de
órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país.
Amparado por um conceito ampliado de saúde, o SUS foi criado, em 1988 pela
Constituição Federal Brasileira (PAIM, 2009) e “apesar das dificuldades enfrentadas, o
seu balanço expressa um saldo positivo em diversas dimensões e atributos de sistema de
serviços de saúde, quando comparados com a situação anterior à Constituição de 1988
(PAIM, 2007,p.259).

Sua construção foi uma conquista, depois de um longo processo de acúmulo e de


lutas que, desde os anos 70, envolveu movimentos populares, trabalhadores em saúde,
usuários, intelectuais, sindicalistas e militantes dos mais diversos movimentos sociais,
que também se constituíram no mesmo período.

Em São Paulo, por exemplo, juntaram-se à luta donas de casa de bairros da


periferia, militantes de comunidades de base da igreja católica, oposições sindicais e de
entidades populares, jovens médicos sanitaristas, estudantes universitários, junto a
outros trabalhadores em saúde, que então assumiram a direção das unidades de saúde
nos bairros, passando a impulsionar a organização popular e as lutas por saúde e
melhores condições de vida (MERHY, 2002).
31

Nesta pressão social, a Constituição de 1988 tratou da questão saúde de forma


ampla e abrangente e aprovou a criação do Sistema Único de Saúde, que pela primeira
vez na história, considerou saúde como “direito de todos e dever do Estado garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”. Em seguida a promulgação da Constituição, divulgou-se a Lei
Orgânica da Saúde (Lei nº 8080/90), que dispôs sobre as condições para a promoção, a
proteção e a recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes, definindo os parâmetros para o modelo assistencial e estabelecendo os
papéis das três esferas de Governo (Ministério da Saúde, 1993).

Desde 2006, o Sistema Único de Saúde (SUS) incentiva o uso, pesquisa e


expansão das Terapias Orientais, Integrativas e Complementares (Política Nacional das
Práticas Integrativas e Complementares – PNPIC - Portaria número 853, de 17 de
novembro de 2006). Esta política, de caráter nacional, recomenda a adoção pelas
Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a implantação e
implementação das ações e serviços relativos às Práticas Integrativas e
Complementares. Levando em consideração que a Organização Mundial da Saúde
(OMS) vinha estimulando o uso da Medicina Tradicional/Medicina
Complementar/Alternativa (MT/MCA) nos sistemas de saúde de forma integrada às
técnicas da medicina ocidental moderna através de seu documento "Estratégia da OMS
sobre Medicina Tradicional 2002-2005". Assim, as diretrizes deste documento
preconizavam o desenvolvimento de políticas observando os requisitos de segurança,
eficácia, qualidade, uso racional e acesso.

Neste sentido, as terapias recomendadas para implantação imediata no SUS


foram: acupuntura, moxabustão, homeopatia, termalismo social/crenoterapia, práticas
corporais. O documento considerava ainda, que a melhoria dos serviços, o aumento da
resolutividade e o incremento de diferentes abordagens configuravam prioridade do
Ministério da Saúde, tornando disponíveis opções preventivas e terapêuticas aos
usuários do SUS e, por conseguinte, aumento do acesso.

1.3.1 Como arranjos internacionais induziram a entrada das PICs na política de


saúde do Brasil?
32

O tema que revolucionou a política internacional de saúde nasceu com a


Declaração de Alma-Ata, em seus dois momentos, 1962 e 1978, culminando na meta
“Saúde para todos no ano 2000” (SPT2000). Essa meta principal, de cunho social,
apoiada por 155 Estados membros da Organização Mundial de Saúde (OMS), ficou
sendo a pedra angular da reorientação e reestruturação de muitos sistemas de saúde.

Neste momento, o documento da Declaração de Alma Ata definiu saúde como


“estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de
doença ou enfermidade” e preconizou que “os cuidados primários de saúde constituem a
chave para que essa meta fosse atingida”. Definiu Atenção Primária de Saúde (APS)
como “a assistência sanitária essencial baseada em métodos e tecnologias práticos,
cientificamente fundados e socialmente aceitáveis, posta ao alcance de todos os
indivíduos e famílias da comunidade mediante a sua plena participação e a um custo que
a comunidade e o país possam suportar, em todas e cada etapa do seu desenvolvimento,
com um espírito de autoresponsabilidade e autodeterminação”.

Neste contexto as Terapias Alternativas vieram gradativamente ocupando lugar


na saúde social, pois, possuem características de cuidados mais voltados para atenção e
disponibilidade de tempo dedicado ao paciente. Os procedimentos destas práticas têm
como base a relação terapeuta-paciente em uma transferência positiva. É necessário
ouvir atentamente as queixas, tocar o paciente já que muitas terapêuticas são técnicas de
relaxamento e conforto corporal com acompanhamento semanal para os procedimentos
terapêuticos ou, pelo menos, mais de uma vez por mês, coisa que proporciona muitas
das vezes, um vínculo forte de confiança e alívio do quadro de saúde (LUZ, 2005)

O primeiro passo foi dado na reunião de Alma-Ata de 1962, com a criação do


Medicina Alternativa Institute13. Em 1977, a trigésima Assembléia da Organização
Mundial de Saúde (OMS) adotou uma resolução dando a recomendação aos países que
dessem “adequada importância à utilização de seus sistemas tradicionais de medicina,
com regulamentação apropriada para atender às necessidades nacionais em saúde”.
Imediatamente após a resolução de 1977 da OMS, foi lançada uma campanha a nível
mundial para promover as Medicinas Naturais e Tradicionais (JAYASURIA &
BASTOS, 1966; BARROS, 2006, 2007).

13
Atualmente, afiliado a The Open University, com sede administrativa em Colombo, Sri Lanka, com
representação em 120 países. .
33

No ano de 1986, em Otawa, no Canadá, por ocasião da Primeira Conferência


Internacional sobre promoção de saúde, concluiu-se o evento com uma Carta de
Intenções, cuja finalidade foi de contribuir para se atingir Saúde para Todos no Ano
2000 e anos subseqüentes. Esta Conferência foi um marco de resposta às crescentes
expectativas por uma nova saúde pública. As discussões focalizaram principalmente as
necessidades em saúde nos países industrializados, embora tenham levado em conta
necessidades semelhantes de outras regiões do globo.

A saúde passou a ser vista como o maior recurso para o desenvolvimento social,
econômico e pessoal, assim como uma importante dimensão da qualidade de vida.
Fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, comportamentais e
biológicos podem tanto favorecer como prejudicar a saúde. Portanto, as ações de
promoção da saúde objetivam, através da defesa da saúde, fazer com que as condições
descritas sejam cada vez mais favoráveis (Otawa, 1986).

O documento Estratégia da Organização Mundial de Saúde sobre Medicina


Tradicional 2002-2005, descreve a amplitude que tem tomado a Medicina Tradicional
no mundo e compara as diferenças, principalmente referentes aos gastos públicos, sendo
esse dispositivo sugerido, muito mais barato. Bem como definiu o que é Medicina
Tradicional como um termo amplo utilizado para se referir tanto aos sistemas de
medicina tradicional como, por exemplo, os da medicina chinesa, indiana, árabe ou
indígena. Suas abordagens incluíram medicamentos a base de ervas, partes de animais
e/ou minerais e terapias sem medicações como no caso o uso da acupuntura, as terapias
manuais e espirituais.

Este documento citado também descreveu a amplitude que tomou a Medicina


Tradicional no mundo e justificou seu uso crescente, afirmando que nos países em
desenvolvimento, por exemplo, o amplo uso desta medicina se atribuiu a sua
acessibilidade em contraste com as pessoas praticantes da medicina alopática. Para isto,
os praticantes da Medicina Tradicional/Medicina Alternativa e Complementar
(MT/MCA) podiam ser de origem popular ou de origem alopática como médicos,
dentistas e enfermeiros que utilizavam de terapêuticas alternativas, como no caso da
acupuntura.

Também comparou os gastos sanitários, considerando a medicina com ervas


para certos tratamentos ser consideravelmente mais barata e mais de acordo com as
34

possibilidades financeiras do cliente. Descreveu em dados estatísticos a popularidade da


MT , indicando a média da população que utiliza ou utilizou pelo menos uma vez na
vida este serviço, sendo 48% na Austrália, 70% no Canadá, 42% nos Estados Unidos da
América, 38% na Bélgica e 75% na França. Uma vez que em muitos países
desenvolvidos a utilização popular da MT/MCA foi motivada pela preocupação sobre
os efeitos adversos causados pelos medicamentos farmacológicos. Frequentemente
havia maior acesso da população às informações a respeito da manutenção da saúde, a
composição dos farmacoquímicos e efeitos colaterais dos medicamentos alopáticos
formando uma consciência contrária ao uso irrefletido deste tipo de medicamento.

O documento ainda analisou que o prolongamento da expectativa de vida e a


convivência com doenças crônicas impeliram a população em busca de práticas
terapêuticas mais suaves. No entanto, em termos relativos, são poucos os países que
desenvolveram uma política sobre MT/MCA: apenas 25 dos 191 estados membros da
OMS. Mesmo assim, esta política ofereceu bases sólidas para se criar mecanismos
normativos e legais necessários para promover e manter uma boa prática, que assegure
a autenticidade, segurança, qualidade e eficácia das terapias.

1.3.2 As PICs na política de saúde do Brasil

No Brasil, em 1986, no Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde,


apareceu pela primeira vez, em documento oficial, a proposta de introdução de práticas
alternativas de assistência à saúde, no âmbito de serviços de saúde, possibilitando ao
usuário o direito democrático de escolher a terapêutica preferida e a inclusão no
currículo de ensino em saúde do conhecimento de praticas alternativas.

A legitimação e a institucionalização dessas abordagens de atenção à saúde


iniciaram-se então, a partir da década de 80, principalmente após a criação do SUS.
Com a descentralização e a participação popular, os estados e os municípios ganharam
maior autonomia na definição de suas políticas e ações em saúde, vindo a implantar as
experiências pioneiras.

Como esclarece Barros (2007), em relação aos objetivos da PNPIC para o SUS,
foram enfatizados: (i) a prevenção de agravos e a promoção e recuperação da saúde,
com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral
em saúde; (ii) a contribuição ao aumento da resolubilidade e a ampliação do acesso,
35

garantindo qualidade, eficácia, eficiência e segurança no uso; (iii) a promoção e


racionalização das ações de saúde; (iv) o estímulo das ações de controle/participação
social, promovendo o envolvimento responsável e continuado dos usuários, gestores e
trabalhadores da saúde.
No que diz respeito às diretrizes da PNPIC, foram nomeadas 11 principais, com
o fim de definir estratégias de inserção, gestão e avaliação das práticas complementares
no SUS, quais sejam: 1. Estruturação e fortalecimento da atenção; 2. desenvolvimento
de qualificação para profissionais; 3. divulgação e informação de evidências para
profissionais, gestores e usuários; 4. estímulo às ações intersetoriais; 5. Fortalecimento
da participação social; 6. acesso a medicamentos; 7. acesso a insumos; 8. incentivo à
pesquisa sobre eficiência, eficácia, efetividade e segurança; 9. desenvolvimento de
acompanhamento e avaliação; 10. cooperação nacional e internacional; 11.
Monitoramento da qualidade.

Desta maneira consideramos que alguns eventos e documentos merecem


destaque na regulamentação e tentativas de construção da política de institucionalização
das Terapias Alternativas:

Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde foi um marco para a oferta das


Práticas Integrativas e Complementares no sistema de saúde do Brasil, visto que,
impulsionada pela Reforma Sanitária, deliberou no seu relatório final pela "introdução
de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços de saúde,
possibilitando ao usuário o acesso democrático de escolher a terapêutica preferida"
(MS/ 8ªCNS, 1986). No ano de 1988, as Resoluções da Comissão Interministerial de
Planejamento e Coordenação nºs 4, 5, 6, 7 e 8/88, fixou normas e diretrizes para o
atendimento em homeopatia, acupuntura, termalismo, técnicas alternativas de saúde
mental e fitoterapia (MS/ Ciplan, 1988). Em 1995, foi instituído o do Grupo Assessor
Técnico-Científico em Medicinas Não-Convencionais, por meio da Portaria nº
2543/GM, de 14 de dezembro de 1995, editada pela então Secretaria Nacional de
Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

Por ocasião da 10ª Conferência Nacional de Saúde, seu relatório final aprovou a
"incorporação ao SUS, em todo o País, de práticas de saúde como a fitoterapia,
acupuntura e homeopatia, contemplando as terapias alternativas e práticas populares"
(MS/ 10ªCNS, 1996). Três anos após esta conferência de saúde ocorreu a inclusão das
36

consultas médicas em homeopatia e acupuntura na tabela de procedimentos do SIA/SUS


(Portaria nº 1230/GM de outubro de 1999). Foi por ocasião da 11ª Conferência Nacional
de Saúde que aconteceu a recomendação "incorporar na Atenção Básica: Rede PSF e
PACS práticas não convencionais de terapêutica como acupuntura e homeopatia". Em
2003 formou o Grupo de Trabalho no Ministério da Saúde com o objetivo de elaborar a
Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares (PMNPC ou apenas
MNPC) no SUS. Em 2004, na 2ª Conferência Nacional de Ciência Tecnologia e
Inovações em Saúde à MNPC (atual Práticas Integrativas e Complementares) foi
incluída como nicho estratégico de pesquisa dentro da Agenda Nacional de Prioridades
em Pesquisa. Em um Levantamento realizado junto a estados e municípios, mostrou a
estruturação de algumas dessas práticas já existentes em 26 estados, em um total de 19
capitais e 232 municípios (MS/GT MNPC, 2004).

Por ocasião do Relatório da 1ª Conferência Nacional de Assistência


Farmacêutica, de 2003, que enfatizou a importância de ampliação do acesso aos
medicamentos fitoterápicos e homeopáticos no SUS e de acordo com o interesse do MS
e MC&T, em 2005, foi promulgado o Decreto Presidencial de 17 de fevereiro, que criou
o Grupo de Trabalho para elaboração da Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos.

Esta progressão de interesses pelas práticas não biomédicas no SUS, em 2006


fez com que culminasse na Portaria n º 971, de 3 de maio, do Ministério da Saúde que
aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no
SUS. Entendendo que as PNPIC compreendem o universo de abordagens denominado
pela OMS de Medicina Tradicional e Complementar/Alternativa – MT/MCA. No
mesmo ano foi promovida a Portaria nº 1.600, de 17 de Julho, que aprovou a
constituição do Observatório das Experiências de Medicina Antroposófica no Sistema
Único de Saúde (SUS), de maneira complementar à Portaria nº 971/GM, de 3 de maio
de 2006. Bem como a Portaria nº 853, de 17 de novembro, do Ministério da Saúde
considerando a necessidade de identificar integralmente os procedimentos da PNPIC no
SUS, relativos à Medicina Tradicional Chinesa-acupuntura, Homeopatia, Fitoterapia e
Práticas Corporais nos Sistemas Nacionais de Informação em Saúde, incluindo na
Tabela de Serviços/classificações do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos
de Saúde - SCNES de Informações do SUS, o serviço de código 068 – Práticas
37

Integrativas e Complementares. Nela está incluída uma relação de profissionais


autorizados para a prática destes serviços. Sendo eles:

Atividade em MT/MCA Profissional indicado

Acupuntura Médicos acupunturistas, enfermeiros,


biomédicos, biologistas, fisioterapeutas,
psicólogos e farmacêuticos.

Fitoterapia Farmacêuticos, médicos e odontólogos.

Outras técnicas de Medicina Tradicional Médicos acupunturistas, enfermeiros,


Chinesa biomédicos, biologistas, fisioterapeutas,
psicólogos e farmacêuticos.

Práticas corporais e atividade física Qualquer profissional da saúde.

Homeopatia Médico homeopata e os farmacêuticos.

Termalismo/crenoterapia Médicos.

Medicina antroposófica Médicos e enfermeiros.

Quadro 1: criado a partir das informações da PNPICs (MS, 2006)

É possível considerar que o surgimento e institucionalização destas práticas de


saúde podem ser justificadas por inúmeros analisadores, não sendo possível apontar um
como o mais correto, mas, uma complexidade de razões e interesses.

Podemos aventar que talvez as razões estejam numa espécie de resistência


cultural, afinal, grande número dos praticantes foi criado observando e reconhecendo a
eficácia dos cuidados de saúde da cultura leiga e alternativa. Deste modo, atravessados
pelo gosto de cuidar, buscaram a formação acadêmica na área de saúde. Mesmo, em
alguns casos, de proibição pelos seus conselhos profissionais, da utilização destas
ferramentas, não se afastaram destas maneiras de cuidado em saúde, fazendo uso delas
em seus consultórios particulares. Ainda, contribuíram para popularizar e dar estatuto de
confiabilidade a população sobre as Terapias Alternativas.

Talvez o desencanto e decepção com a relação terapeuta/paciente dentro do


formato alopático, que promoveu um distanciamento do humano, setorizando o corpo e
distinguindo as emoções das condições sociais de existência, encontra a possibilidade
de mudança de mentalidade através das práticas das Terapias Alternativas. Nesta visão,
38

“o projeto epistemológico da medicina passa a ser a produção de conhecimento sobre as


doenças, suas origens, causas e localização” (LUZ, 1988). Ainda neste caso, a doença
tendeu a ser objetivada e a terapêutica, por sua vez, orientada pela identificação e pelo
combate desses objetos (doenças), a noção de vitória sobre a doença embasando a
medida da eficácia terapêutica” (SOUZA & LUZ, 2009). Como observa:

“A biomedicina tem como preocupação central o


diagnóstico e o tratamento de órgãos e sistemas
doentes em todo corpo; ainda uma visão mecanicista
de consertos em peças avariadas, descrita numa
típica linguagem militar do pós Segunda Guerra
Mundial, expressa através de conceitos como
“ataque”, “combate” e “defesa”. (...) Ao analisar
pejorativamente outras culturas e racionalidades
como “crenças”, ajuda a reproduzir uma
epistemologia subalterna, submetida a uma
prevalente, numa recorrente estrutura de relação de
poder” (DINIZ, 2006, p.151).

Outra possibilidade, as condições econômicas da saúde pública nos países


pobres e em desenvolvimento que promoveram um sucateamento das condições de
oferta do produto pelo Estado, fazendo com que as condições de atendimento às
populações fossem precárias e desumanas, abrindo espaços para que as práticas de
saúde alternativas com base na cultura popular fossem ocupando os espaços e de forma
ampla. No entanto, é possível se pensar que, as tais terapias entraram na lista de
produtos oferecidos à população pelo Sistema Único de Saúde porque o Estado ao invés
de perder dividendos (econômicos) resolveu regulamentar a profissão e incluir nova
categoria de profissionais entre os pagantes de impostos.
Ainda na esfera econômica entram na questão os gastos sanitários com
medicamentos, internações e tratamentos secundários. Dentro das possibilidades que a
medicina com ervas poderia sair consideravelmente mais barata para o poder público do
que a alopática e que, os tratamentos energéticos e corporais trariam maior bem-estar
físico e psíquico passível de diminuir as ocorrências hospitalares e desafogar as filas
para os especialistas.

Percebe-se, nos documentos oficiais analisados, que o leque de profissionais que


são indicados a praticar as Terapias Alternativas é bem amplo: farmacêuticos, médicos,
dentistas, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas e todos os outros profissionais de
39

saúde. Deixando de fora aqueles, que realmente são práticos constituídos na cultura e
racionalidade desta prática de cuidado em saúde e que não passaram pela formação
acadêmica. Dessa maneira, ocorrerá a manutenção do discurso desqualificador do
curador formado na cultura popular sob o poder da hegemonia científica do especialista.

Dentre as razões que explicam o florescimento das práticas alternativas, Ávila-Pires


(1995) afirma que
“(...) se destacam os problemas ocorridos com
medicamentos modernos tais como a talidomida,
assim como a ineficácia de certos tratamentos para
os quais a alopatia ainda é impotente. Acresce o alto
custo da medicina científica, dos exames
sofisticados, das intervenções cirúrgicas complexas
e dos equipamentos modernos de diagnóstico. Um
aspecto sempre criticado é a tendência de se
restringir a atenção à patologia de órgãos e sistemas,
desconsiderando-se os componentes psicológicos,
emocionais e sociais da doença (ÁVILA-PIRES,
1995, p.147).

Outra condição que atravessou a institucionalização das terapias não biomédicas no


SUS foi o fato de que a implantação do programa das Terapias Alternativas aconteceu
em um momento em que o SUS ainda está sendo consolidado, portanto, tendo plenas
condições de absorver novos serviços e demandas.

Talvez, os meios de comunicação social tenham favorecido o conhecimento popular


destas práticas do cuidado em saúde através de ampla divulgação da eficácia das
Terapias Alternativas para os problemas que abarcam o universo contemporâneo, como
por exemplo, o estresse e as fobias (LUZ, 2005).

No cotidiano da vida moderna surgiram problemas de doenças crônico-


degenerativas e diante do envelhecimento da população brasileira, esses problemas são
de longa duração, de tratamento sem cura, e, com conseqüências psicológicas - como
depressão, fadiga, impotência, baixa auto-estima; bem como, de doenças secundárias.
Neste sentido as terapias não biomédicas constituem um meio de atenção e conforto a
esses pacientes (CARVALHO & GARCIA, 2003).

Nomeadamente, diante de um quadro social de aumento da violência urbana que


possivelmente amplia a incidência de disfunções psíquicas, provocadas pela
convivência com o estresse e medo constante, o cuidado em saúde através das terapias
40

de outra racionalidade que não a biomédica traz apoio à comunidade para que leve sua
vida mais ativa, de forma continuada, evitando afastamentos, paralisias ou rompimentos
com o processo de viver (MINAYO & SOUZA, 1993).

Por fim, uma série de patologias contemporâneas que levam a uma espécie de mal-
estar geral e que não necessitam de serem tratadas com medicamentos alopáticos, mas,
que obstaculizam os sujeitos. Tais patologias formadas pelo atual modo de existência,
do mundo globalizado e consumista, são carentes de tratamentos mais sutis, mais
globais, mais indiretos, mais humanizados, disponíveis nesse tipo de terapêutica
proposta pela Organização Mundial de Saúde e sistematizada pelo Sistema Único de
Saúde (SOUZA E LUZ, 2009).

1.3.3 Mudanças ocorreram dos termos “alternativo”, “integrativo” e


“complementar”14

De acordo com o documento Estratégia da Organização Mundial de Saúde sobre


Medicina Tradicional 2002-2005, o termo “medicina tradicional” é utilizado quando se
faz referência à África, América-Latina, Sudeste Asiático e/ou Pacífico-Ocidental.
Quando se utiliza o termo “medicina complementar e alternativa” há referência a
Europa, América do Norte e Austrália.

O termo MT/MCA (Medicina Tradicional/Medicina Complementar e


Alternativa) faz referência em um sentido geral englobando todas essas regiões descritas
anteriormente. Para Luz (2005, p.5) trata-se de um grupo de novas terapias designadas
como "alternativas", "paralelas" ou "complementares" à biomedicina, introduzidas nos
últimos vinte anos na cultura urbana dos países latino–americanos, como "medicinas
alternativas". São terapias derivadas de sistemas médicos complexos tradicionais que
têm sua própria racionalidade, como a medicina tradicional chinesa, a medicina
ayurvédica, ou ainda a homeopatia. Segundo Trovo, Silva & Leão (2003), o termo
“terapias alternativas/complementares” (TAC) é designado às técnicas que visam à
assistência à saúde do indivíduo, seja na prevenção, tratamento ou cura, considerando-o
como mente/corpo/espírito e não um conjunto de partes isoladas (p.03).

14
Este trabalho deixará os termos utilizados sobre estas práticas exatamente como foram utilizados no
tempo para que o leitor perceba suas modificações .
41

No entanto, o que se verifica é que a partir da década de 1980, se justificava como


terapia “complementar”, para qual a mediação deixava de ser “alternativa”, ou seja,
deixava de haver a conjunção “ou” e passava-se a conjunção “e”. Onde, aquilo que
complementa não se opõe a priori. Passava a ser um grupo de “racionalidades médicas”
e de cuidado em saúde, práticas e produtos que não necessariamente faziam parte da
biomedicina, mas que poderia ser utilizada como práticas terapêuticas que
complementariam os tratamentos da medicina ortodoxa.

1.4 FIOS EM NÓS

1.4.1 Haveria possibilidade de construir pontes entre ontologias diferentes?

Proponho um exercício de reflexão para pensar uma aproximação da ontologia


de base oriental que costure “vida-corpo-cuidado à arte-luta-saúde” com a lógica do
cuidado em Annemarie Mol (2008) e a normatividade da vida em Georges Canguilhem
(1987) no ponto comum onde inúmeras negociações superam crises na saúde e faz
pensar com as Práticas Integrativas e Complementares no cuidado para o Sistema Único
de Saúde.

1.4.2 Uma cena , um palco, uma dança

Em certa noite de verão, do ano de 2012, tomei contato com a leitura de um


texto. Tratava-se de uma descrição narrativa sobre uma apresentação artística de dança
no teatro chinês, redigido pelo diplomata e literato brasileiro Ricardo Primo Portugal
(PRIMO PORTUGAL, 2011). Fiquei tão envolvida e emocionada com a descrição lida,
que mais adiante, revivendo-a em meus sonhos de maneira constante, resolvi trazê-la
para o texto sem antes complementá-la com minhas alegorias poéticas e é com esta
costura entre mim e Ricardo Portugal que proponho em uma viagem meditativa
dançada irromper percepções de como a filosofia oriental vive corpo-cuidado em saúde
em conexões que se materializam nas práticas de dança, arte, luta, em múltiplas
artesanias da saúde. Como corpos performados na diferença.

...
42

Em uma noite, no teatro da Companhia de Dança Moderna de Guangzhou


(Cantão), província do Sul da China, no ano de 2010, um grupo apresentou um
espetáculo de dança, chamado Sobre a Caligrafia.

O espetáculo de dança se desdobrava como poesia coreografada em sequências


de movimentos corporificados, entre longas mangas das vestes que reproduziam as
cerdas das pontas dos pincéis, circunscrevendo formas e sombras que reproduziam
estilos de época e de execução da caligrafia chinesa. Os corpos bailando, imitavam
caracteres específicos e enunciavam radicais componentes das letras dançadas.

Em um instante, os bailarinos trabalhavam em zonas quadradas no palco, seus


traços se combinavam dentro desse espaço, traçando a evolução histórica dos caracteres
chineses. A dança desenhava formas amplas, voluptuosas, curvilíneas e vigorosas, de
movimentos alongados que se vinculavam ao encantamento e à adivinhação em cascos
de tartarugas e ossos de animais; levando aos bronzes da Dinastia Xia. Em outro
momento, havia delicadeza e leveza nos movimentos e gestos, executados por
bailarinas, em roupas prateadas brilhantes que no escuro se expandia, pela explosão de
movimentos circulares velozes, ágeis, quase voadores, horizontalizados ... confundindo
desenho de nuvens nas montanhas, como em certas pinturas tradicionais. Nuvens se
dissolvendo a partir de um poema escrito em um canto superior da tela.

O cheiro do incenso encantava o ar e confundia os sentidos, fazia ferver o


fascínio de estar em outra dimensão, em outro tempo, em tempo algum. Nada mais
importava naqueles momentos.

A conexão com os movimentos lembrava vida vigorante, primaveril e poesia; a


fixidez da letra, sólida e fria, nanquim preto no branco em papel de arroz lembrava um
instante cristalizado, paralisado, de quase morte. De outra feita, em um novo
movimento, diante da manifestação de outro ideograma, ocorria o renascimento. E
assim por diante, de fluxos fugidios à instantes estáticos, em nós condensados se
pressupunha a rede da vida.

O caractere reproduz e imita visualmente o corpo em diferentes posições e


funções; o corpo em movimento anima o caractere conduzindo-o a significados, e
manifestações de arte. A vida em seu curso, respirando, inspirando e expirando,
derivando e ressurgindo, encenada no palco.
43

1.4.3 Fluidez no traço do pincel no canto da tela

A relação entre a dança e a caligrafia é muito antiga, na China, cujo exercício


como arte é uma manifestação peculiar a esta cultura. A caligrafia é vista como dança
fixada, congelada, concentrada a um espaço; a dança, uma caligrafia fluida ou
estendida.

A arte da dança chinesa tem suas origens anteriores ao aparecimento do primeiro


caractere escrito. Movimentos coreográficos das mãos e dos pés fazem expressar a
reverência aos espíritos do céu e da terra, as estações do ano, aos aspectos da vida
cotidiana e expressões aos sentimentos compartilhados de alegria, prazer e penar.

As lutas orientais são como caligrafias dançadas no ar e riscadas no chão. Ao


usar instrumentos, como leques, adagas, espadas, bastões de bambu, os corpos se
metamorfoseiam em corpos estendidos, híbridos com suas ferramentas e, os mesmos
instrumentos utilizados para a dança cultural folclórica, podem lutar, sulcando feridas
abertas, marcadas pelo vermelho sangue ou podem trazer saúde. Como no Kung-Fu15
Tchi Kun16, Tai-Chi-Chuan17, Tui Na, os exercícios feitos em ritmo lento, com atenção
à respiração - à inspiração da luz do sol passando por pontos de acupuntura e,
movimentos circulares ou inspirados nos animais são praticados para aquisição da
saúde.

O que os diferencia o toque é a intenção (guerreiro-ator-cuidador): Um toque


dos dedos da mão em um ponto de acupuntura no corpo do outro, pode desbloquear o
QI (fluxo de energia) estagnado, e deixar fluir o rio da saúde em energia; porém, com a
força empregada como arma, o mesmo toque, pode fazer desfalecer, pode matar.
15
O Kung Fu é a arte marcial chinesa que remonta ao período da dinastia Chou (1111 a.C.-255
a.C.), simultaneamente forma de cultura física, técnica de desenvolvimento espiritual baseada
em exercícios de concentração e instrumento de defesa pessoal.
16
O Tchi Kun é uma técnica milenar chinesa de treino interior para promover a saúde,
longevidade e expandir a consciência, praticado de forma regular no dia-a-dia. O Tchi Kun
também está associado a diversas artes marciais e também pode ser empregue como método de
defesa.
17
O Tai-Chi-Chuan é uma prática corporal complexa de movimentos que visam a harmonia Yin
e Yang como meio de melhorar o desenvolvimento da mente e das habilidades físicas, com
movimentos naturais do corpo estimulados por energia interna.
44

As práticas do cuidado e manutenção da saúde pelo viés oriental, muitas vezes,


acontecem via atividades que são consideradas por nós ocidentais como lúdicas. Refiro-
me aos exercícios, meditação, contemplação, dança e todo tipo de arte. Na visão da
medicina oriental, tais atividades são importantes métodos terapêuticos para a
manutenção da vida em saúde, num cotidiano de saúde fluida e reorganizada a cada
instante de dificuldade.

Como no Tchi Kun, corpos em atitude de gafanhotos, tigres, macacos, águias,


serpentes, dragões e tartarugas são corpos múltiplos, híbridos, auscutados nos elementos
da natureza, que inscrevem múltiplas histórias.

Assim racionalizando, como tecer rede com os fios puxados da cultura oriental
versada aqui, com a lógica do cuidado, de Mol e a normatividade da vida em
Canguilhem? De que saúde e de que cuidado estamos falando aqui?

Para alguns ocidentais, a idéia de crise, fragilidade e adoecimento é pouco ou de


forma alguma aceita como parte da vida e saúde. Não compreendemos a doença como
parte da vida e oportunidade de ressignificação do trajeto. Esta base de conhecimento
envolve a população e o serviço de saúde como um todo, em uma espécie de
condensado cultural, sem paciência para o processo da travessia do viver.

No entanto, para outras cosmovisões de saúde e de modos de viver, no momento


de fragilidade e crise pode-se encontrar uma nova ordem, um amadurecimento criativo
da vida. Para tanto, é necessário estar afeito a posição de fronteira - entre o estado que
era antes e o novo estado que será depois da crise. É nesta impaciência de estar um
desterritorizado momentaneamente, que se encontra uma importante diferença entre a
filosofia da medicina oriental e a ocidental. É no cultivo da paciência, da calma, do
tempo de aguardar entre lançar a flexa e ser a flecha ou o alvo é que se vive a dança da
saúde.

Falamos de um estado de ser mais fluido, aquele que valoriza o tempo do


processo de espera para encontrar novos caminhos. Para Mol (2008), “a fragilidade faz
parte da vida e a calma é imprescindível ao bom cuidado” (p. 25). Na saúde e nos
modos de cuidado Mol afina-se com Boff (2001), para quem a auscuta dá lugar a rigidez
das recomendações inflexíveis e idealizadas, onde cuidar exige uma abertura ao outro,
“(...) entrar em sintonia com, auscutar-lhes o ritmo e afinar-se com ele” (p. 96). O que
45

significa que na lógica do cuidado, o paciente faz parte da equipe e os coletivos se


auscutam; o conceito de normal passa a ser colocado em outra instância e acontece com
ontologias diferentes da biomedicina.

O termo normal, explica Canguilhem (1995), em medicina, costuma-se


identificar com o estado que se deseja restabelecer, no caso de acometimento de
doenças. Normal, portanto, é aquilo que deve ser, mas também é entendido como
aquilo que se encontra na média (p.97). Para este pensador, “(...) um ser vivo é normal
num determinado meio na medida que ele é a solução morfológica e funcional
encontrada pela vida para responder às exigências do meio (...)” (p.113). Portanto, o
conceito de normatividade da vida dado por este autor, irá fazer uma torção qualitativa
na noção de normalidade, pois, os fatores em que o processo vital antecede e determina
a emergência de normas, podem ser alterados conforme os caminhos percorridos e,
aceita as leis naturais em estado patológico (PUTTINI & PEREIRA JÚNIOR, 2007).

Nesta idéia, o patológico não é ausência de uma norma biológica, mas a


ocorrência de uma norma recusada pela vida; é um constrangimento da vida. Portanto, a
normatividade indica que a vida estabelece normas para si mesma e que essas podem ser
negociadas e renegociadas para que se estabeleça o fluxo da vida (Canguilhem, 1995).

Oposto a isso, entender a vida como a normalidade tomada como um ideal a ser
alcançado, traz insegurança e medos. Afasta a possibilidade de melhor convivência com
as desordens, acontecimentos inesperados, pedras no caminho e diferenças. Diminuiu a
capacidade de produção de novos sujeitos e novas práticas, de ser tal qual água que
aceita o desvio do encontro com a pedra do rio, tomando a vida em seu movimento, de
produção de novas normas.

Logo, na saúde, tanto Canguilhem como Mol buscam evidenciar que “doentes” e
“crises” são momentos de vida, na sua lógica. Diferente seriam as pessoas saudáveis.
Pois, os “modos de ordenar” a saúde para Mol e a “normatividade vital” para
Canguilhem derivam mais de uma ação como verbo, envolve esforço contínuo em
auscutar-lhe a vida em movimento; e mesmo assim, pode falhar.

Portanto, na lógica do cuidado, Mol (2008) sugere que “sincronizar as


viscosidades da vida é um processo contínuo, ele segue, segue, segue, até o dia em que
você morre” ( p. 62). Nesta lógica, o tempo é diferente, pois não é linear, mas, sim o
46

tempo que gira, dá voltas e os problemas emergem. As práticas e cuidados em saúde


não podem ser realizadas com movimentos robóticos, estanques, travados, previstos e
controlados. Neste contexto, “estabelecer um alvo é uma parte do tratamento. (...) não
faz sentido a fixidez sem levar em conta as negociações com as variáveis, sintonizar as
variáveis umas com as outras, ajustar tecnologias a cada situação específica (...)”
(ibidem, p. 63). Por isso Mol sugere que é necessário variar as perguntas, de quem
cuida, de quem é cuidado e de quem pesquisa. Talvez a pergunta do pesquisador
devesse ser mudada para: “O que uma pessoa com diabetes (com uma doença) faz
cotidianamente para se manter em saúde?” (Mol, 2008, p.11).

Desta maneira, os pensamentos ocidentais destes autores citados parecem se


aproximar à filosofia das terapias orientais que estão no SUS. Com base nesta maneira
de olhar para a saúde, pode-se dar importância ao Projeto do Gugu para acordar e
movimentar o corpo em um espaço nos jardins do posto de saúde, mais do que para
alocar espaço a veículos para protegê-los dos arrombadores. Assim, é possível perceber
que dança-luta-arte faz mais sentido para manter o corpo-cuidado-saúde no seu tempo
de vida, com paciência e compreensão aos movimentos de crises e prazer. É vida
vivendo em dança corporificada.

Neste sentido, tanto para os usuários, quanto para o pessoal do serviço é


importante que a ideia de fluidez e variação, como uma tinta do pincel vista como
nuvem no canto superior da tela, possa fazer parte da negociação do bom cuidado em
saúde.

Pois, na lógica do cuidado assim como na normatividade da vida inúmeras


negociações superam crises (Mol, 2008; Canguilhem, 1987). Se “A normatividade vital
funciona através de crises e superações, estando intimamente ligada à existência e seus
incontornáveis movimentos e diferenciações” (Canguilhem 1990, p.261). Se, em
Canguilhem, a normatividade da vida propõe criatividade, coragem para assumir novas
normas, mesmo que carregando outras conformações de saúde, distantes daquele estado
que já se foi, na compreensão de Annemarie Mol, a lógica do cuidado necessita de
criatividade e negociação, não podendo ser expressada seguindo as regras da
normalidade técnica.

Portanto, a vida diante da possibilidade de constrangimento cria novas normas.


Esta nova forma de viver não é parada, estática ou segura. É como um Ouroborus (a
47

serpente que morde o rabo): em algum momento encontrará nova crise, outro obstáculo
e nova ação criativa, em um quantum constante de criação. Na lógica do cuidado, assim
como na normatividade ou no pensamento da MTC (Medicina Tradicional Chinesa)
não se quer o retorno ao estado anterior e sim a possibilidade de continuar,
amadurecendo na criatividade.
48

2 SEGUNDO MOVIMENTO: PARTOS, PADRES E CURANDEIROS


2.1 As PICs entre reais controvérsias

Diante das controvérsias no encontro com as PICs, na policlínica comunitária,


passei por muitas noites em claro, pensando na possibilidade de encontrá-las em outros
lugares de Niterói, ou não. Cheguei a pensar que talvez fosse só ilusão ou erro, que tudo
havia acabado ou perdido a força e desaparecido por mais uma vez. No entanto, esta
insegurança me fez buscar na memória as inúmeras vezes em que estas terapias já
haviam crescido no apreço popular, para decair em seguida, diante de algum lobby
(político e dos veículos de comunicação) forçado pela biomedicina. Lembrei-me que,
em muitas destas ocasiões, eu havia participado intimamente dos fatos e seria
importante fazer esse caminho nas memórias para saber que outras histórias eu teria
para contar.

Por esta situação, me veio à mente a história da “aparição do demônio na


fábrica”, contada por José de Souza Martins, em que de uma lembrança da juventude,
quando trabalhou em uma fábrica de azulejos do ABC paulista fora marcado pela
memória de “o menino que entregava papéis” e participou na ocasião, repetidas vezes,
em que algumas operárias viam um demônio em um canto de uma sala na fábrica. Ele
teve dúvidas sobre o seu imaginário juvenil e o que teria acontecido e partiu em uma
pesquisa motivada pessoalmente por sua dúvida na veracidade da sua memória, mas
que, ao final revelou interessante escrito para a sociologia do trabalho e para todos nós
que lemos seu livro (MARTINS, 2008).

Percebi que pelo lado de dentro de uma família como a minha: misturada, um tanto
confusa, nada ortodoxa, formada de histórias de ciganos contadas pela avó paterna,
viajantes inquietos, por vezes ocultos, secretos, subterrâneos, outras vezes instituídos,
seria possível desvendar pequenos detalhes do cotidiano. Falar de um lugar ao mesmo
tempo secundário por se tratar de uma família não tradicional e central ao mesmo tempo
por estarmos envolvidos com a temática da saúde e com as terapias naturais. Para
Michel de Certau (2008), “(...) a narrativização das práticas seria uma maneira de fazer
textual, com seus procedimentos e táticas próprias” (CERTAU, 2008, p.152). É um
„saber dizer‟, „arte de dizer‟, „arte de fazer‟, são táticas e „sutis cá e lá‟ no tempo
oriundo do trabalho, da culinária às lendas, das astúcias das histórias vividas, às
histórias narradas (ibidem, p.151).
49

Por conseguinte, quando Certeau (2008), refere-se aos jogos e artes do dizer, traz
a idéia de que a linguagem está submetida à lógica dos jogos de ações, relativos aos
tipos de circunstâncias. Argumenta que narrativa não se trata de descrição e observa que
se o discurso produz efeitos e não objetos, então é narração e não descrição. Portanto é
uma arte de dizer.

A narratividade como estilo desloca os campos em que sucessivamente se


insinua, cria um novo arranjo do conjunto. Não possui discurso próprio. Não se diz a si
mesma. Pratica-se o não lugar, o ali e não ali. Induz-se como um dançarino disfarçado
em arquivista (ibidem, p. 154). Assim sendo seguiremos com a força atemporal da
narratividade em muitos fios e nós nesta porção da rede de saúde da qual fizemos parte.
Como nos narra Maria dente-de-leão18,

“Fui criada com apreço ao conhecimento brasileiro sobre saúde. Minha bisavó
materna era parteira em Belém do Pará, recebeu todos os filhos de sua filha em casa e
por suas mãos; minha mãe quando menina teve crupe (doença infectocontagiosa grave)
e foi desenganada pelos médicos para ser curada com embrocações (pinceladas direto
na garganta e amígdalas) de óleo de copaíba feitas pela avó (memórias 2014,MARIA
dente-de-leão)”.

Nascida ao final da década de cinqüenta na capital paulista, estudo e atuo como


terapeuta das práticas naturais de saúde desde o final da década de 1970. Desde menina
convivi com as histórias da bisavó materna, a parteira de Belém do Pará, bem como as
histórias da bisavó paterna uma cabocla da cidade de Goiás Velho (terra da sábia
poetiza Cora Coralina), senhora que em certo momento da velhice escolheu viver
sozinha no silêncio de uma casinha à beira do Rio Araguaia, acocorada, pitando seu
cigarro de palha e cuidando das pessoas que a procuravam. Com sabedoria e com as
ervas.

Tais entrelaçamentos de saberes, vividos por mim, iniciados na cidade de São


Paulo, produziram histórias por vezes confusas, talvez intrigantes, tanto no que se refere
à promoção das práticas naturais de atendimento alternativo à biomedicina, como na
desmoralização deste tipo de cuidado.

18
Os sobrenomes dos entrevistados estão dados a partir da escolha dos mesmos. Foi sugerido que dessem
o nome da erva ou fitoterápico de maior sinergia consigo. Dente-de-leão (Taraxacum officinale) é uma
erva desintoxicante para o fígado. Maria Dente de Leão é quem escreve esta tese.
50

“O crescimento do uso de novas práticas


terapêuticas (...) denominadas alternativas,
complementares, integrativas ou holísticas, essas
práticas ganharam progressivo espaço em grupos
civis e em instituições e serviços públicos de saúde.
Seu surgimento e desenvolvimento remontam ao
final da década de 1960, tendo desempenhado
importante papel no conjunto de transformações
denominado contracultura (Campbell, 1997; Luz,
1997; Queiroz, 2006). Naquele momento, uma
juventude revolucionária partia em busca de novas
soluções terapêuticas, utilizando tais práticas não
apenas como terapias, mas como símbolos de uma
„revolução cultural‟ (SOUZA E LUZ, 2009, p.394).

Madel Luz (2005) observa que o surgimento e desenvolvimento das terapias


chamadas “holísticas” iniciados nos EUA e na Europa a partir dos anos 1960 e
prolongados nos anos 1970, sendo que, principalmente na década de 1980, atingiram os
países latino-americanos (Luz, 2005). Na década de 1960, tais terapias eram parte de
uma tentativa de unidade profissional de pessoas que se reconheciam como “terapeutas
holísticos” e integravam o movimento social urbano denominado contracultura,
(Tavares, 2003; Luz, 2005; Souza & Luz, 2009). Dentre as possíveis profissões
incluídas na terapia holística, temos: “acupunturistas, terapeutas florais, psicanalistas,
fitoterapeutas, terapeutas em estética, cromoterapeutas, terapeutas corporais,
quiropraxistas, terapeutas ortomoleculares, radiestesistas, reikianos, etc.” (Vieira Filho,
2004, p. 3).

Desta maneira, ao final da década de 1960 e início da década de 1970, quando o


público buscava as terapêuticas naturais influenciadas pela idéia de uma vida mais
integrada à natureza, ao equilíbrio da energia, aos cuidados mais simples, porém
eficazes, também se vivia com as marcas do período de ditadura civil-militar no Brasil.

2.1.1 O médico multifário

“Na minha família tínhamos um médico e minha avó paterna (que contava histórias de
quando foi roubada por ciganos aos 12 anos de idade... e eu adorava e estranhava tais
histórias) fazia a vez de enfermeira dele. Era bem engraçado, pois o que acontecia na
minha família era uma espécie de reflexo do que acontecia no Brasil: existia um
conhecimento da cultura nacional sobre saúde, inegavelmente forte e bem sucedido nos
seus efeitos terapêuticos. Por outro lado, meu tio médico também trazia para seu
campo os aprendizados do momento, ou seja, a acupuntura, a hipnose, a ortomolecular
51

da Dra. Aslan. Ele treinava comigo estas práticas. Às vezes fazia demonstrações em
família dos poderes da hipnose e me fazia inclinar para frente, até a um ângulo
provavelmente impossível de estabilidade. Outras vezes, aplicava agulhas de
acupuntura em mim e mostrava para o meu pai (que temia), como aquilo não doía. Em
outros momentos recebi injeções de polivitamínicos, antibióticos e aqueles recursos da
biomedicina que ele também fazia. O meu tio era um médico multifário, complexo ou
era confuso? (memórias 2014,MARIA dente-de-leão)”

Assim era o Brasil, naquela época. Possuía uma imensa sabedoria popular de
saúde que havia dele cuidado até aquele momento e estava em mudança para o
desenvolvimento que contava com a industrialização dos medicamentos e insumos para
esta „evolução‟ do rótulo do que era considerado como científico.

“As transformações na medicina moderna ilustram


muito bem um movimento mais geral, o da
construção da ciência na sociedade ocidental e sua
ascensão à forma socialmente legítima de produção
de conhecimento, em detrimento da arte e da
experiência comum cotidiana („senso comum‟)”
(SOUZA E LUZ, 2009, p.399).

São Paulo, capital, era recheada de novidades e uma delas era a acupuntura,
passada de mestre para discípulo oralmente e, a cidade estava cheia deles. Mestres
oriundos da grande imigração chinesa, japonesa e coreana, fugidos das misérias do pós-
guerra e vendo no Brasil um bom lugar para tudo acontecer. Esses imigrantes trouxeram
e mantiveram fortemente a sua maneira e cosmovisão de saúde e conseguiram
transladar19 seus conhecimentos para os nacionais. Para Madel Luz (1996), a busca
social de culturas médicas orientais, intensificada a partir dos anos setenta, sobretudo
das medicinas chinesa e hindu, com suas visões da saúde estava mais enraizada no
sentido de serem espiritualizadas. Afirma a autora que se tratava de um sintoma de um
abalo sísmico de natureza ideológica que se propagava, desde então, na cultura
ocidental, com maior ou menor intensidade nacional ou conjuntural (p. 361).

19
Aqui no sentido da translação do conhecimento que é um processo que promove mudanças nas relações
entre os atores envolvidos e novas formas de conciliação entre diferentes saberes, pois possui a
capacidade de não somente trocar como transformar maneiras de conceber, conhecer e agir. Para saber
mais sobre o assunto consultar Clavier & Potvin (2011); Callon (2008) e Latour (2005).
52

O termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da


juventude que marcaram os anos 60 com o movimento hippie, o rock, um movimento
nas universidades, viagens de mochila, drogas, orientalismo, etc. bem como a certo
modo de contestação, de enfrentamento da ordem vigente e bastante diferente do
movimento de oposição mais tradicional (PEREIRA, 1986). Tratou-se de manifestações
mais ou menos espontâneas, ainda que carregados de teor político. Pode-se definir como
a representação dada a um conjunto de manifestações de repúdio ao modus vivendi
predominante no Ocidente, que resultaram em algumas transformações socioculturais,
tais quais: a) a desvalorização do racionalismo a favor de novas visões de mundo; b) a
recusa ao american way life; c) o pacifismo e d) a valorização das emoções e revolução
sexual (CAPELLARI, 2007).

A contracultura brasileira em geral é descrita pela rebeldia da juventude de


classe média e alguns visceralmente contrários à ditadura pegaram em armas, outros
tantos, ainda que de esquerda ou até de extrema-esquerda, acabaram internalizando
posturas do desbunde, mas também underground, alternativo, experimental, vanguarda,
ou seja, aqueles que se recusavam a participar dos ritos sociais consagrados pela
tradição ocidental (FAVARETTO, 1980).

“Para estrangeiros ou brasileiros, a revolução, nesses


termos, não consistia jamais na tomada do Estado,
mas na implantação, nos insterstícios da realidade
dominante, de formas alternativas de viver. (...) a
contracultura propôs a vida em comunidade (...) uma
maneira barata e agradável de viver (...) baseada no
contato com a natureza, na produção agrícola sem
uso de pesticidas e fertilizantes químicos, na
alimentação natural com base na macrobiótica ou do
vegetarianismo. (...) as comunidades rurais ou
urbanas, representavam uma forma de contestar o
way life do consumo” (CAPELLARI, 2007, p.50).

2.1.2 Jurisprudência: curandeirismo ou reserva de mercado profissional?

Por outro viés, Carvalho (2005) aponta que no período dos anos 1950 a 1980
ocorreram mudanças culturais significativas quanto aos hábitos e valores vigentes na
sociedade brasileira. Transformações na estrutura produtiva formando de maneira
crescente uma “sociedade de consumo”, com desdobramentos na área da saúde,
aplicando uma reeducação da população com vistas a incorporar novos hábitos e
53

práticas próprios da medicina erudita, ortodoxa. Dessa maneira, a repressão visando à


expropriação das práticas populares de saúde inclui a criminalização e a inclusão do
termo “curandeirismo” aos terapeutas de fora da biomedicina (p. 12).

Curioso é que Carvalho (2001, 2004, 2005) pesquisou sobre as práticas


populares de saúde em São Paulo, a partir de 179 Acórdãos Judiciários (AJ) relativos
aos casos de práticas de Curandeirismo, Práticas Ilegais da Medicina, da Odontologia e
da Farmácia, entre outros, publicados na Revista dos Tribunais em São Paulo, entre os
anos de 1950 e 1980. Tais acórdãos possibilitaram obter algumas informações
importantes e permitiram refletir sobre as concepções vigentes sobre as práticas
populares de saúde. Na década de 1960, por exemplo, segundo a fonte pesquisada, ou
seja, a Revista dos Tribunais (vol. 185 a 536. Maio de 1950/Junho de 1980), os AJ
marcavam os temas e volume: curandeirismo (50), exercício ilegal da medicina (16),
exercício ilegal da arte dentária (13), exploração da credulidade pública (06), homicídio
culposo (02), estelionato (01). De todo modo, o autor chama a atenção para ser neste
período que se forma a jurisprudência sobre o curandeirismo e práticas correlatas no
Brasil, sendo estas mais interessantes do que homicídio ou estelionato (in Carvalho,
2004). Uma verdadeira caça às bruxas!

Já na década de 1970, notou-se uma evidente redução destes delitos. Na mesma


fonte de pesquisa, os AJ marcavam os temas e volume: curandeirismo (13), estelionato
(08), exercício ilegal da arte dentária (07), exercício ilegal da medicina (05), exploração
da credibilidade pública (05), exercício ilegal da arte farmacêutica (05), homicídio
culposo (01), estupro (01). Chamo sua atenção para o item curandeirismo estar em
reduzida quantidade nos AJ da época, talvez pelo fato do quase esgotamento das forças
de um saber popular cultural sobre saúde, se vendo obrigado a calar-se e esconder-se
nas bordas da sociedade.

De outra ponta a modernização, imposição de saberes colonizadores e


organização econômica também perseguiam e faziam morrer a arte da prática dentária e
da arte farmacêutica, disponibilizando estas práticas para uma classe de sujeitos
profissionais oficializados, instituídos.

Por conta disso, de acordo com a análise de processos-crime realizada por


Carvalho (2001), a maioria das denúncias contra curandeiros continua a ser feita por
médicos diplomados e também, principalmente nas décadas de 60 e 70, por órgãos de
54

fiscalização do exercício profissional, ligados à Secretaria de Saúde do Estado de São


Paulo. Órgãos como os Serviços de Fiscalização Profissional da Medicina, da
Odontologia e da Farmácia.

Não obstante, naquela época, cada vez mais era tido como moderno e superior
usar medicamentos da indústria farmacêutica com influência européia e norte-
americana. As marcas do colonialismo se refaziam na demonstração de como a ciência
do norte (Europa e Estados Unidos da América) era séria e culta, separando e impondo
um saber fazer de práticas de saúde, onde cada vez mais a imagem do caboclo, do índio,
do negro, do caipira estaria vinculada à crendice e ignorância. Como nos diz Boaventura
de Souza Santos, “(...) O que há de específico na dimensão do colonialismo é a
violência apresentada na ideia da inferioridade do outro (...)” (Santos, 2006). Desta
maneira, os saberes da cultura nacional ficariam guardados em casa, nas zonas rurais,
nas beiras dos rios e nas matas. As pessoas que ousavam exercer os cuidados naturais,
populares, tradicionais e culturais brasileiros poderiam ser presas.

2.1.3 Captando energia e corpos abraçando árvores

A década de 1980 foi marcada por longos períodos de aprendizagem sobre as práticas
de conhecer e cuidar do corpo inseparadas da natureza. Fazia-se conexão com a terra em
cataplasmas, com as águas em banhos, com as árvores (quem nunca abraçou ou quis
abraçar um Jequitibá centenário?). No uso das ervas nós aprendíamos sobre garrafadas,
unguentos e chás; com os cristais desbloqueávamos os chakras; com a acupuntura
fazíamos mover a energia fluida dos meridianos, com as benzeduras e impostação das
mãos fazíamos circular a energia do corpo. Maria dente-de-leão conta-nos deste
momento,

“Estávamos muito envolvidos em captar e resgatar estes conhecimentos, ainda sob


efeito de resistência à ditadura militar, tais fustigações movia-nos na contracultura, dos
movimentos alternativos, da preocupação com a ecologia e o meio ambiente. Quando
engravidei da minha primeira filha, fazia o pré-natal no Instituto Hannemaniano do
Brasil, que formava obstetras homeopatas e a Maternidade Pública da Praça XV tinha
a primeira sala preparada para receber parto de cócoras; na época um parto
experimental. Fiz todos os exercícios preparatórios de yoga de saudação ao sol
prescritos no livro Parto das Índias do doutor Moysés Parcionik, mas, como a sala de
parto só fazia o experimental às terças e minha filha quis nascer no sábado... ficou
para o próximo filho o parto do jeito das índias brasileiras. Nos deslocávamos para
55

lugares com menos poluição do ar e sonora. Buscávamos água da fonte para beber,
cozinhar e tratar” (memórias 2014, MARIA Dente-de-leão).

E assim, em meados da década de 1980, fui morar em Colatina, no interior do


estado do Espírito Santo. Morava em frente ao Rio Doce (hoje soterrado por resíduos de
lixo tóxico de uma mineradora). Fui para aquele local por conta de uma transferência de
trabalho do marido que atuava como representante da indústria farmacêutica alemã de
medicamentos químicos Merck (um contrasenso?).

Ao me instalar em Colatina, com o passar do tempo (6 meses), iniciei


atendimentos em um pequeno consultório de terapias naturais. Em pouco mais de um
ano, estava ocupando um andar inteiro de um prédio e trazia da capital (Vitória)
profissionais para práticas de Yoga, Tai-Chi-Chuan, meditação, palestras sobre os
benefícios da homeopatia. Não tardou para saber que o pároco da cidade estava
alertando aos fiéis (muitos deles meus clientes) sobre uma mulher que estava trazendo
novas seitas para o local e que aquilo era deveras perigoso. Maria dente-de-leão
continua seu relato,

“foi um tempo muito curioso, em que os embates aconteciam publicamente nos jornais,
rádios e revistas. Por vezes, mostrando como a meditação, o Tai-Chi-Chuan, a Yoga
ofereciam benefícios para a saúde de estudantes e trabalhadores. Por outras vezes, tais
elogios se contrapunham a um forte lobby da classe biomédica que anunciava em
veículos publicitários, revistas populares e televisão a charlatanização dos terapeutas e
destas práticas. Em Colatina tive minha segunda filha e foi outra condição estranha,
pois foi considerado por muitos profissionais médicos uma aberração ter um parto
natural na cidade onde quase cem por cento dos partos eram cesáreas. O médico que
aceitou fazer o meu parto me disse que foi chamado por colegas para ser alertado que
estava cometendo uma irresponsabilidade, uma loucura! Sim, foi parto normal! De
Colatina eu viajava para Belo Horizonte, duas vezes por mês, de trem, passando por
cidades do interior, por oito horas seguidas, para estudar acupuntura e naturopatia.
Em certo momento, recebi aulas com o mestre chinês Wu, que havia recém chegado ao
Brasil e um tanto aflito buscava apoio para trazer a mulher e filha da China de onde
estava exilado por conta da época de protestos da Praça Celestial de 1989. Entretanto,
o período de Colatina terminou e ao final de quatro anos de rica atividade e grandes
debates, quando deixei a cidade, ela contava com uma farmácia homeopática, um
farmacêutico especializado em homeopatia, uma loja de produtos naturais e dois
médicos especialistas em homeopatia. Influenciados pela vertente naturalística que
ocupava as nossas vidas. (memórias 2014, MARIA dente-de-leão)”

Neste período, mestres chineses davam aulas pelo Brasil, muito por conta desta
fuga dos intelectuais e profissionais da China, por serem perseguidos em seu país. A
56

esta altura o mestre Liu Pai Li já era chamado para congressos e mantinha um grande
centro de Tai Chi e escola de acupuntura na cidade de São Paulo. Os mestres orientais
eram convidados a Brasília para administrar aulas na UNIPAZ – Universidade
Internacional da Paz, coisa que os fez muito conhecidos e fortalecidos na disseminação
dos seus conhecimentos. Neste tempo, a busca por medicinas naturísticas ganhava
adesão de camadas, por vezes elitizantes, das populações urbanas e além da importação
de antigos sistemas médicos, como a medicina tradicional chinesa e a ayurvédica, por
conseguinte tal fato podia ser evidenciado no crescimento de farmácias e lojas de
produtos naturais (LUZ, 1997).

2.2 O incômodo do parto natural

O assunto parto natural entra neste trabalho porque ocupa um importante espaço
na narratividade que compõe o terreno em rede por onde as PICs passam. Uma das
entrevistadas que fez parte do movimento das PICs no centro de saúde que inicia este
trabalho também atuou com a saúde feminina em Niterói. Assim, as coisas se
mesclaram: PICs, mulheres, partos, cadeira de parto de cócoras, etc. Humanos e não
humanos em um importante agenciamento de mediação e translação do conhecimento.

Explorar os acontecimentos aproximadamente,


através das práticas, torna mais claro os movimentos
e as agências dos atores. Além disso, há uma
diferença, a partir da TAR, em considerar um ator
como mediador ou intermediário. Nas palavras de
Latour (2005), um intermediário seria aquele que
transporta o significado ou a força numa situação,
sem ocasionar, no entanto, algum tipo de
transformação. Os mediadores, por outro lado,
alteram as circunstâncias, fazem a translação,
distorcem e modificam o significado daqueles a
quem deveria representar. Os actantes são inúmeros
e a TAR não tem preferência por algum tipo de ator
como mediador. Suas ações possuem sempre um
resultado inesperado e sua natureza é complexa
(LATOUR, 2005). (CAMILIS et al, 2013, p. 13).

Neste sentido, no Brasil, segundo o trabalho de Helena Torres (2014), os partos,


antes realizados por parteiras ou “aparadeiras”, foram progressivamente incorporados
como práticas médicas com o advento da obstetrícia nas Escolas de Medicina e Cirurgia
57

da Bahia (em 1818) e do Rio de Janeiro (em 1812). Neste sentido, o discurso e
intervenção anatomo-patológico do parto tornou-se potente e a obstetrícia uma
especialização médica que passou a incluir toda a gestação, a sexualidade, higiene e
moral feminina (BRENES, 1991 in TORRES, 2014). Desta maneira, a parteira ficou na
ilegalidade no Brasil até 1973, quando o ensino de obstetrícia passou do curso de
medicina para o curso de enfermagem (COSTA, 2002).

O parto, após a segunda metade do século XX, dentro das maternidades


funcionou como uma linha de produção estereotipada (DINIZ, 2005), colocando a
mulher parturiente afastada da sua feminilidade e na sua hora ela foi uniformizada,
separada dos seus familiares e pertences pessoais. Além disto, se sujeitou ao ato da
tricotomia (raspagem dos pelos púbicos), lavagem intestinal e a episiotomia de rotina
(corte do tecido vaginal para ampliar o diâmetro de passagem do bebê), constituindo a
hora do parto como evento extremamente medicalizado20. Desta maneira, independente
de haver risco ou não, de ser vaginal ou cirúrgico, o hospital foi privilegiado como
ambiente propício com o maior uso de tecnologias e instrumentos que levaram a
redução do tempo do procedimento (TORRES, 2014).

Em 2013, também esquentou a discussão sobre a atuação das parteiras no Brasil.


Uma tradição cultural importante e de grande serviço para as mulheres de comunidades
ribeirinhas, onde, por inúmeras vezes, o SUS não consegue ter cobertura.

“Parteiras tradicionais integram o SUS e melhoram


atendimento a mulheres e recém-nascidos. Mulheres que
aprenderam a realizar o parto no dia a dia ou com outras
parteiras são respeitadas onde residem e apontadas como
referência para a saúde de mulheres e crianças da sua
comunidade. [...] Através do projeto, as parteiras vêm
participando de encontros de saberes e trocas de
experiências, onde recebem informações sobre como
melhorar a assistência à mulher e ao recém-nascido, e são
beneficiadas com equipamentos médicos e de apoio como
balança pediátrica, estetoscópio, toalha, capa de chuva,
fraldas, entre outros. [...]” Fonte: Jornal Conexão
Tocantis, Saúde 12/12/2013,

20
A medicalização é o processo onde problemas não médicos são definidos e tratados como problemas
médicos. Tais como define doenças, condições de alcoolismo, menopausa, fadiga, tristeza, nervosismo
com conseqüente prescrição de medicamentos. A gestação e o parto não são doenças, porém esteve cada
vez mais associado a potenciais riscos (CORDEIRO, 1980).
58

http://conexaoto.com.br/2013/12/12/parteiras-
tradicionais-integram-o-sus-e-melhoram-atendimento-a-
mulheres-e-recem-nascidos. Consultado em 14/09/2014,

No entanto, atualmente, a humanização do parto é uma preocupação para o


cuidado no SUS. Em maio de 2014, a ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, lamentou o alto índice de cesarianas, que chega
a 40% no Sistema Único de Saúde (SUS) e a 84% nos hospitais privados, contra um
índice de 15% referido como aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Segundo ela, o número mais elevado na rede privada revela um “viés econômico”,
devido ao custo mais alto do parto cirúrgico21.

Nesta determinação, a humanização do parto, hoje é uma questão central para o


Programa Rede Cegonha e também um desafio, pois envolve mudar a organização e a
cultura vigentes nas estruturas de saúde. Segundo Dario Frederico Pache (MS),
historicamente a cultura produzida pelo campo médico avançou para a “medicalização
da vida”. Assim, a gestação, o parto e nascimento acabaram se transformando antes de
tudo num “ato médico”.

A OMS destaca que as medidas são pactuadas com estados e municípios, para
que as mulheres possam contar com orientação sobre direitos reprodutivos e que o
acompanhamento pré-natal, além do parto seguro, se enquadram dentro de programa
mais amplo de atenção à saúde da mulher, o Rede Cegonha.

Neste sentido, para que o sistema público possa avançar mais rapidamente, uma
das estratégias é favorecer o parto natural, em centros de natureza não-hospitalar, com
acompanhamento de profissionais de enfermagem qualificados em obstetrícia. Segundo
Pache, o modelo é o sistema inglês, em que 85% dos partos são “absolutamente
fisiológicos”.

“Uma questão problemática para os militantes da


humanização é a confusão que às vezes se estabelece
quanto ao próprio termo “humanização”, pois não se
restringe ao toque no paciente, ao atendimento acolhedor,
embora este seja um dos princípios e efeitos
fundamentais. Do mesmo modo, a humanização como
política pública diz respeito também à democratização

21
Ver assunto http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/05/27/debate-sobre-parto-humanizado-e-marcado-por-
criticas-ao-alto-numero-de-cesarianas sobre humanização do parto Programa Rede Cegonha.
59

das relações, desverticalização nas relações de trabalho, à


cogestão, em suma, a uma luta que certamente inclui a
sensibilidade do toque, mas a ultrapassa também”
(BARROS & GOMES, 2011).

Desta maneira, em outro momento, ao final da década de 1990, de volta à


Niterói, Maria Dente-de-leão se vê em outro acontecimento interessante,

“A coisa já tinha mudado bastante, tanto no Rio de Janeiro como em Niterói. Em


Niterói, lugar onde naquele momento morava, tínhamos a „Casa do Parto Nove Luas
Lua Nova‟, onde o parto tinha uma proposta de ser humanizado. No âmbito do SUS,
era na Maternidade Santa Rosa, em uma salinha ambientada, com uma cadeira própria
para este tipo de parto, luz em penumbra, musica new-age no ambiente de teto azul
violáceo com estrelas pintadas em branco, esse era o lugar onde acontecia o parto de
cócoras. A médica fazia as vezes de aparadeira do bebe que descia para suas mãos.
Nada de apressar, cada um no seu tempo...e olha que eu nem fiz aquela preparação do
Dr. Parcionik, nem precisou. A médica dizia que todas estavam prontas e que tudo
sairia bem. E saiu! Nasceu o meu terceiro filho, finalmente de cócoras (memórias 2014,
MARIA Dente-de-leão)”

E por falar em parto de cócoras e Dr. Parcionik nas minhas andanças do


doutorado, procurando por onde passeava o cheiro de moxa no ar, consegui encontrar
uma pessoa importante para as mulheres e humanização do parto em Niterói. Ela criou a
Casa do Parto Nove Luas Lua Nova nos anos de 1980 e participou ativamente das PICs
no centro de saúde que iniciou este trabalho. Quando a convidei para um chá com bolo e
entrevista descobri naquele momento que ela também havia participado do evento do
nascimento do meu terceiro filho em parto de cócoras. Conta como adquiriu,
influenciou os médicos e colocou a cadeira de parto de cócoras na Maternidade Santa
Rosa. Vânia Marapuama22revelou que

“(...) uma vez a gente convidou o Moysés Paciornik, porque eu sabia que ele viria ao
Rio. Eu li em algum lugar que ele viria ao Rio. Eu falei: Eu vou convidar o velho pra ir
lá na Maternidade Santa Rosa.
Porque era lá que a gente fazia o nosso laboratório (de saúde da mulher e
humanização do parto), porque a gente era amigo de todo mundo e fazia o que queria,
né23? E fazia na rede pública. As minhas clientes do centro de saúde eu acompanhava o

22
Marapuama (Ptychopetalum olacoides) erva indicada para esgotamento físico e mental como
tônico em geral, antifadiga e antidepressivo suave; para síndrome da fadiga crônica como
estimulante do sistema nervoso central; para impotência sexual como afrodisíaco masculino e
feminino.
23
Esta frase “naquela época nós fazíamos o que queríamos” não foi retirada para deixar o texto limpo ou
jogada para debaixo do tapete ou fechada em uma espécie de caixa preta. Na TAR ela é uma pista a seguir
que me fará compreender melhor as conexões da rede de saúde evidenciadas em um tempo e lugar.
60

parto no Hospital Santa Rosa. Nessa época a gente podia fazer tudo o que bem
entendia. E aí como Moysés vinha, aí eu falei com uns amigos:
Gente, vamos trazer o Moysés (Parcionik) e vamos encher a platéia. Vocês
tragam todos os alunos e coloquei todo mundo para trabalhar na divulgação do evento.
E aí chegou aquele velhinho lindo de morrer de gravata borboleta e tinha muita gente,
todo mundo se acotovelando. Mais de 100 pessoas no auditório do centro de saúde.
Ai eu liguei pro filho (filho do Parcionik), porque eu sabia que ele tava
produzindo a cadeira para parto de cócoras. Ele tinha produzido 4 cadeiras, as
primeiras 4 cadeiras dele, tudo vendido. (...). Foi uma negociação difícil mas consegui!
E o valor foi dividido entre amigos médicos interessados em atuar com o parto de
cócoras. Foi a primeira cadeira de parto de cócoras de Niterói, esta comprada quando
o Parcionik esteve aqui e ficou na Maternidade Santa Rosa, onde seu filho nasceu!
(Vânia Marapuama).

Após este feito veio a Casa do Parto?

E aí a gente fez um anteprojeto da Casa do Parto e entregou ao secretário de


saúde... que era até acupunturista (...) explicamos que não tinha gastos enormes, não
tinha isso. Não tinha grandes investimentos. O cara falou que (...) já tava minimizando
tudo, que (...) Eu saí aos prantos do lugar dessa apresentação. Aí eu cheguei em casa
não conseguia dormir, falei:
- Marcelo, eu vou abrir.
Ele falou:
- Pirou, né?
Eu falei:
- Não, não pirei. Tenho certeza que eu vou abrir e vou abrir a Casa do Parto e
certeza que não é muito gasto, entendeu? (...) visualizei, fui ver uma daquelas casinhas
agarrada no Santa Rosa, porque assim que eu queria. Eu queria uma casa pequena
agarrada no Santa Rosa e era tudo meio tido de herança, ninguém queria vender nada
(...). Eu falei:
- Ah, não vou desistir.
Aí um dia eu ta… fui acompanhar um parto ali na Otávio Kelly na casa de uma
amiga, mas na hora que eu pisei na casa..., primeiro ela me mostrou a casa uma
semana antes, eu falei:
- Deixa eu olhar a casa, deixa eu ver como é que é, né? Parto em casa dá
sempre um certo… teu nome tá na reta, né? Pode dá tudo certo, tem tudo pra dar certo.
Mas não pode dar errado, né? Aí a gente, quando ele abriu a porta eu falei:
- Que engraçado, eu vi a Casa do Parto. O filho da minha amiga(...) cada
movimento dentro da casa eu vi, eu vi o parto. Falava:
- Cara, isso aqui vai ser a Casa do Parto. Isso aqui vai ser a Casa do Parto.
Aí na hora que nasceu o filho da minha amiga, dentro d‟água, Denise olhou pra
ele e falou assim:
- Entendeu, não entendeu?
Isso assim, ela não tinha um mês de casa reformada. Ela mudou dois meses
depois. Um neném de dois meses (...) ela já morava em São Francisco e deixou a casa
pra gente, a gente inaugurou três meses depois. Foi um… assim. Esse neném é do final

Durante as entrevistas vocês verão que várias entrevistadas falaram a mesma frase referindo-se àquele
tempo. Discutiremos isto mais adiante.
61

de Julho, a Casa do Parto foi inaugurada 18 de Janeiro. Então ela mudou em dois, três
meses, nós inauguramos em dois, três meses. (Vânia Marapuama)24

Para dar continuidade a essas histórias vividas e contadas, no ano de 2015 o


filho da Maria Dente-de-leão engravidou de uma menina junto com a esposa. Os dois
procuraram todas as informações pelas redes sociais de como ter um parto humanizado
e natural. Fizeram os exercícios para o parto de cócoras durante toda a gestação. Agora
mais do que a saudação ao sol do Dr. Parcionik, contavam com a bola da fisoterapia
para sentar e alargar a pelve. Fizeram alimentação natural, alongamento, yoga e
meditação. Procuraram pelo SUS o acompanhamento pré-natal pelo Programa Rede
Cegonha. Receberam do programa um enxoval muito cuidadoso e de boa qualidade para
o bebê que chegaria. Tiveram atendimentos cuidadosos, gentis, de bom trato.
O jovem casal escolheu pelo SUS a Maternidade Municipal Alzira Reis Vieira,
no bairro de Charitas, Niterói, onde equipes do sistema Programa Saúde da Família
(PSF)25, contendo doulas26 estavam prontas para o parto de cócoras ou o mais natural e
humanizado possível. Para estas equipes o parto é um momento natural e de preferência

24
A Casa do Parto, à princípio, foi pensada para o município de Niterói, que, na época, não bancou. E,
foi aí, que alguns “loucos” já cansados de colocar cadeiras em hospital para acolher gestantes e
sensibilizar equipes médicas, resolveram que não podiam mais. (...) queriam provar que não era
necessário ser frio, intervencionista, para ser respeitado como obstetra. A Lua Nova celebra a vida; as
nove luas, o processo... A Casa do Parto Nove Luas, Lua Nova acolheu ambas... Grupos de gestante e
casais, consultas de pré-natal, acompanhamento terapêutico durante o trabalho de parto, partos (normais,
cócoras, água e cesáreas necessárias ), orientação no pós-parto e amamentação, cursos e reciclagem
profissional... foram algumas das ofertas oferecidas por esse espaço.. Consultado em 28-04-2016. Fonte:
http://casadopartonoveluasluanova.blogspot.com.br/
25
O Programa de Saúde da Família vem sendo implantado pelo MS/SUS desde 1994, com a expectativa
de imprimir nova dinâmica na organização dos serviços e ações de saúde, com maior integração e
racionalidade. O princípio operacional do PSF visa estabelecer um vínculo das unidades básicas de saúde
da família com a população, possibilitando, em tese, o resgate da relação de compromisso e co-
responsabilidade entre profissionais de saúde e usuários dos serviços. Reafirma os princípios do SUS –
universalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade (CAETANO e DAIN,
2002). Para maior conhecimento ver “Saúde da família: uma estratégia de organização dos serviços de
saúde” (BRASIL, 1997).
26
A doula é uma prestadora de serviços que recebeu treinamento básico sobre parto, estando
familiarizada com uma ampla variedade de procedimentos de assistência. Tem como atividades, fornecer
apoio emocional por meio de elogios, reafirmações, contato físico, como friccionar o dorso da parturiente,
segurar suas mãos, como atendê-la em suas necessidades básicas; enfim, dar-lhe explicações sobre o que
está acontecendo durante o trabalho de parto; sendo assim, uma presença amiga constante. E um elemento
importante no elo entre a parturiente-família-equipe de assistência (OLIVEIRA, 2002).
62

não necessita de intervenção médica. Assim, a gestante entrou em trabalho de parto em


casa. Sabia de tudo o que era necessário saber sobre a sua hora: contagem das
contrações, como respirar, como melhorar a dilatação trabalhando com a bola da
fisioterapia, etc.
O casal passou a gestação morando na casa da mãe do pai da criança. Quando
havia passado mais quatro horas das dores terem dado início Maria Dente-de-leão
sugeriu ao pai que começasse a apertar os pontos de shiatsu para facilitar a passagem do
bebê e diminuir as dores da mãe. Quando se passaram 15 horas do trabalho em casa,
Maria sugeriu que fossem para a maternidade e lá eles continuaram com as massagens
nos pontos de shiatsu, exercícios na bola de fisioterapia. Isto chamou a atenção também
da equipe de serviço que quis informações sobre o que o pai fazia para ajudar naquela
hora de dor. Perceberam que as dores cediam quando os pontos eram massageados sem
a necessidade de outra intervenção da equipe e medicamento. Assim, mesmo com todo
esforço e dedicação de todos para proporcionar um parto de cócoras a moda das índias,
24 horas após o início das contrações mas sem o encaixe da criança e dilatação
suficiente para o parto natural, nasceu Nailah, neta da Maria Dente-de-leão, de parto
cesariana.
É importante ponderar que mesmo sendo um parto de cesariana, com corte no
baixo ventre e costura, ele foi um parto humanizado. Tratado com atenção, carinho,
paciência, com a participação ativa de todos (pai, mãe, pessoal de serviço) e com
aplicação de saberes diferentes integralizados e complementares. Parece claro que as
ações foram em benefício do nascimento e do bem estar para a mãe, o bebê, a família e
para o serviço.
Os médicos, enfermeiros e doulas que acompanharam este processo pediram
para conhecer os recursos que o pai utilizara. Perguntaram como podiam receber este
conhecimento focado no processo do parto, pois acharam que muito ajudaria para o
serviço e também para a participação do pai no pré-parto.
Com estas marcas, contadas neste momento, pudemos verificar que não acontece
nada que não esteja implicado a outras pessoas (DESPRET & STENGERS, 2011) e à
actantes humanos e não-humanos (LATOUR, 2005). Por exemplo, a cadeira de parto de
cócoras das histórias contadas por Maria Dente de Leão e Vânia Marapuama, foi um
mediador potente, local e momentâneo,ou seja, aquele que age e faz agir em agências e
agenciamentos (LAW & MOL, 2008), que transforma por onde passa, direta e
indiretamente.
63

Para o movimento da TAR este actante não humano foi um mediador que
transformou e não deixou nada igual. Vânia Marapuama, no seu ideal de fazer uma
casa de parto para facilitar às suas clientes a terem um momento de parto mais
humanizado e de cócoras,implantou uma cadeira para parto de cócoras em uma
maternidade do serviço público de saúde de Niterói, influenciou médicos e outros
profissionais a outro tipo de relação com o nascer das crianças.

Coincidentemente Maria Dente-de-leão encontrou Vânia Marapuama, 21 anos


após o nascimento do seu terceiro filho, de parto de cócoras e descobriu que esta
(Vânia) foi quem colocou a cadeira de parto de cócoras e trouxe o Moyseis Parcionik
para Niterói. Ele foi “o velhinho lindo de gravata borboleta” que ensinou os médicos a
fazer aquilo que a natureza já induzia. E em outro momento, mais recente, o filho de
Maria Dente de Leão teve sua filha em um novo programa de saúde pública nomeado
Programa Cegonha que oferece o parto natural e de cócoras, mas pelas circunstâncias da
dificuldade do parto recebeu Nailah das mãos do médico após o parto de cesariana por
vezes necessário e sem ser desumano.

2.3 As PICs ... Entre saberes, lutas e resistências

Na busca por boa qualidade de vida para a família, junto à natureza, fui trabalhar
na região central do Brasil. Atuava na Pousada do Rio Quente, em Goiás, na década de
2000, com prestação de serviços em promoção de saúde, bem-estar com terapias
naturais (acupuntura, massagens, iridologia, florais de Bach, cataplasmas, orientações
do uso dos banhos termais e orientação sobre sucos terapêuticos). Naquela ocasião,
recebia algumas visitas de representantes do Conselho Regional de Medicina (CRM) de
Goiás com ameaças sobre o que fazia como prática. Naquele momento, ocorria um
enfrentamento bem tenso entre a medicina e os praticantes não médicos da acupuntura,
em todo o Brasil. No interior de Goiás não era diferente e representantes do CRM
ameaçavam-me.

Maria Dente-de-leão nos dá conta das discussões que aconteciam de tempos em


tempos em Goiás,

“Dois homens que se diziam representantes do Conselho Regional de Medicina


chegavam à Pousada do Rio Quente, dentro do ambiente onde eu atuava dizendo assim
64

- A senhora está fazendo uma prática proibida, clandestina, de falsa medicina. Apenas
médicos podem fazer acupuntura. A senhora pode ser presa! - Diante desta fala eu no
mesmo instante telefonava para São Paulo e pedia orientações legais para lidar com
aquela interferência e baseada no aconselhamento respondia: Pois os senhores
ponham-se daqui para fora e me processem. Não existe legislação sobre acupuntura.
Ela não pertence à biomedicina, nem a nenhuma classe. É uma prática livre. E assim,
os homens iam embora, para voltarem em menos de um ano para uma nova tentativa de
constranger meu trabalho (memórias 2014, MARIA Dente-de-leão)”.

Aquelas ameaças representavam outra coisa: a medicina queria a prática da


acupuntura como exclusividade para a sua classe. Assim como, de tempos em tempos
naquela década, o Ato Médico27 ressurgia e se reforçava, reivindicando para a classe
médica os espaços terapêuticos. O Ato Médico foi e ainda é um movimento da
biomedicina que obriga a presença do médico na acupuntura e em todas as outras
formas de terapia. Tal evento continua se atualizando. Portanto, sugiro relembrar o
encontro da pesquisadora com o desconhecimento e apagamento das memórias quanto
às PICs. Pergunto: estará a presença ou sumiço das PICs no SUS na dependência do
gestor ser um adepto ao Ato Médico?

Chamo a atenção para este tipo de governança focada no gestor ser deveras
controversa. Pois, se, uma pessoa é posta em uma missão de gerir um serviço público de
saúde, suas convicções não deveriam estar de fora da sua administração e missão?
Afinal, o foco de uma administração de saúde para o SUS seria privilegiar e promover o
bem estar e saúde dos usuários, estamos falando de uma administração municipal
inserida em um estado democrático.

Neste sentido, o movimento de reforma na saúde brasileira, que tomou forma em


meados da década de 1970 e deu origem a formatação do SUS , em 1988, trouxe como
fim a descentralização do poder, a variação e multiplicidade na governança. O ideário
político do movimento da Reforma Sanitária brasileira “defendia a saúde não como uma
questão exclusivamente biológica a ser resolvida pelos serviços médicos, mas sim como
uma questão social e política a ser abordada no espaço público” (Paim et al,2011). Um
gestor sanitarista estaria mais implicado com o conceito de saúde elaborado na reforma?

27 Lei do Ato Médico atualizada em 2013. Consultado a 24/09/2014.


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12842.htm
65

Um gestor despreparado para o SUS reforçaria o modelo biomédico focado na clínica


ambulatorial?

Um gestor “de fora”, que desconhece as atividades locais anteriores à sua gestão,
poderia ser criativo ou inovador apenas tirando ideias da sua cabeça sem consultar as
bases sociais que constituem o local de sua recomendação? Esta é uma atitude comum e
que vem dando problemas onde quer que seja praticada. Uma gestão participativa, nos
moldes democráticos e sanitaristas estaria com melhores possibilidades de acertar no
seu propósito.

A descentralização e gestão participativa conferiu ao gestor municipal maior


autonomia. No entanto, trouxe o efeito da “dança das cadeiras” e a queixa da frequente
descontinuidade do serviço e daquilo que se implantara na gestão anterior (uma cultura
política brasileira em todos os níveis). Lembro-me que quando fui procurar o posto de
saúde, em 2012, havia a realidade de três gestores trocados em um período de dois anos
e ao final do doutorado contavam com o quarto gestor. O que poderia ter acontecido?
Niterói passava (como ainda passa) por uma grande crise na saúde e este dado me fez
ver no Conselho Municipal de Saúde a responsabilização dos atos dos gestores. Em
agosto de 2011, por ocasião da VI Conferência Municipal de Saúde de Niterói, foi
adotada a Lei de responsabilidade fiscal, em que os gestores passaram a ser
responsabilizados (civil e criminalmente) pela verba que vinha do SUS e não era
utilizada. Uma ação de proporcionalidade para os diferentes setores no
comprometimento orçamentário com Recursos Humanos (CMSN, p.8). Isso fez crescer
a insegurança naquele que assumisse este cargo. Talvez tenha sido este um motivo para
tantas trocas.

Outro problema que aparece com certa frequência nos textos sobre a gestão de
saúde foi o despreparo dos gestores municipais. Mesmo com o SUS fornecendo cursos e
apostilas como orientadores para os gestores, ainda é apontado uma defasagem a
eficácia destes programas28.

Por exemplo, nos estudos de André e Ciampone (2007), que mostra a análise
referente a percepção do gestor sobre as competências necessárias para a gestão de

28
Curso de Qualificação de Gestores do SUS (MS, 2009).
http://faa.edu.br/portal/PDF/livros_eletronicos/medicina/19_qualificacao_gestores_sus.pdf
66

Unidades Básicas de Saúde, o primeiro tema emergente dos estudos referiu-se aos
conhecimentos gerenciais necessários para desempenhar o seu papel de maneira
eficiente e eficaz.

As percepções revelaram que estes deveriam conhecer: as propostas do SUS, a


máquina administrativa, a população, a Unidade, o pessoal, a dinâmica das relações
humanas, o potencial de cada funcionário e como trabalhar a intersetorialidade.
Destacaram a necessidade de ter compromisso com a proposta da atenção básica; ter
participado das propostas ou estar consciente das metas e prioridades da região e do
município.

Os conhecimentos básicos que aparecem como fundamentais para a formação


de um gestor da saúde são os seguintes temas: estatística, economia, epidemiologia,
sociologia, tecnologia da informação, teoria geral da administração, psicologia,
legislação em saúde, políticas de saúde e outros que propiciam a instrumentalização
mais específica como: administração financeira, contabilidade, administração de
recursos humanos, logística, administração de recursos físicos e materiais.

Comparando os conhecimentos gerenciais necessários na percepção dos gestores


com os conhecimentos fundamentais dos cursos de gestão da saúde percebe-se um hiato
entre uma habilidade humana e uma habilidade burocrática. A segunda pode trazer base
para a primeira, mas por si só não proporcionará as habilidades necessárias para a
gestão de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), tais como: capacidade de negociação
com as instâncias externas da unidade, com a hierarquia superior e com a máquina
administrativa; habilidade de diálogo com os funcionários e com a população;
persistência para manter um projeto construido coletivamente mantendo clareza dos
objetivos; manter-se atualizado tecnicamente e na sua área de atuação; ter jogo de
cintura, flexibilidade para relacionar-se com a população e colegas da equipe; ter
controle emocional e da maneira de se portar e de conduzir; ter habilidade para lidar
com dados e interpretá-los e paciência. Verificou-se que as atitudes dos gerentes frente
à inovação influenciaram as atitudes dos seus subordinados e que o modelo de
administração burocrática em vigor em muitas instituições públicas é ainda de cunho
patrimonialista, com o objetivo dominante de conquistar e manter espaços de poder(16-
17).
67

Com os resultados da investigação se pode concluir que o gestor despreparado


para tal é hoje um dos nós críticos do serviço público, pois propicia discrepâncias
quanto à liderança necessária para conduzir processos de mudança e executar políticas
de saúde, levando à manutenção de projetos que devem ser superados.

Assinala-se ainda, que construir competências para a gestão de Unidades Básicas


de Saúde ainda é muito mais um projeto individual do gestor de buscar capacitação ou
não do que uma política de recursos humanos do Estado ou Município que valorize esse
desenvolvimento como essencial. (...) Uma hipótese formulada diz respeito ao fato da
lógica política predominar em relação à lógica técnica que opera a condução de
mudanças tanto assistenciais como gerenciais no sistema público.

Não se pode deixar de mencionar que há necessidade de redesenhar os


macroprocessos e de entender que novas competências devem ser desenvolvidas para
que haja condições de melhorar os serviços prestados à população no serviço público,
especificamente nas Unidades Básicas de Saúde.

Os dados mostraram que a percepção dos atuais gerentes, em relação às


competências para gerir as UBS, tende a uma visão simplista e que existe despreparo
desses agentes para assumirem a posição (...) se sabe que o despreparo do gestor
influencia diretamente o modo de operacionalização das estratégias e a dinâmica das
equipes envolvidas nos serviços podendo levar à ineficácia e ineficiência dos processos.

De toda maneira, se, as PICs já se encontravam implantadas quando o gestor


chegou, por que desativá-las, em nome do que ou de quem se desativa um serviço de
baixo custo e indicado pela OMS como um bom cuidado para os pacientes crônicos que
tanto ocupam os consultórios médicos ?

“Todo serviço depende muito da gestão. Nenhum, nenhum serviço se sustenta se não
houver o apoio da gestão. (...) uma coisa é você desconhecer (as PICs), outra coisa é cê
não querer conhecer” (Fátima Camomila).

“(...) a Estela fazia acupuntura nas pessoas todas aqui do Largo da… ali no Bairro de
Fátima Camomila. Aí (o gestor) falava assim: - Ela é muito mais importante no
atendimento público do que fazendo isso” (Vânia Marapuama).
68

Para André e Ciampone (2007), além das limitações de ordens práticas,


financeiras e as ligadas à legislação municipal, na administração da saúde existe a
subjetividade permeando as relações de poder advindas da dimensão político-partidária.
A ascensão à posição de gestor de UBS não é decorrente de avaliação meritória, mas
proveniente de indicação política, relações de amizade e confiança mantidas com o
superior hierárquico imediato ou com instâncias políticas superiores. Por exemplo, cada
vez que muda o Prefeito, ocorrem indicações para cargos considerados de confiança,
que se estendem também aos escalões técnicos no âmbito dos serviços de saúde,
gerando descontinuidade de ações em função de interesses partidários e não em função
de avaliações ancoradas em necessidades reais. Nestes interesses, o processo decisório
de um gestor de UBS envolve não somente a análise dos dados, dos processos, dos
recursos, da relação custo-benefício como também da base de suporte político que o
gestor deve ter para a aprovação e sustentação de planos de ação. Assim, a gestão do
serviço de saúde legitima um conjunto de intervenções como modo operatório de um
dado modelo. O modelo de gestão empregado permite ou não transitar de um modelo
assistencial pautado na atenção médica para um modelo de atenção à saúde; de um
modelo tradicional (flexneriano) para um modelo de produção social da saúde, ou seja,
de um modelo clínico para um modelo epidemiológico; da lógica da programação
tradicional para a da organização tecnológica do processo de trabalho em saúde
(ANDRÉ & CIAMPONE, 2007).

Além disto, na década de 1990 um tipo de regulamentação negociada


para dar continuidade aos fluxos financeiros e à funcionalidade ao sistema, grandemente
baseado na compra de serviços, vão forçar os gestores do SUS a estabelecer formas
negociadas de definição dos critérios de distribuição dos recursos, de caráter precário,
consubstanciadas em instrumentos normativos denominados Normas Operacionais
Básicas (NOBs).

As duas primeiras Normas Operacionais, a NOB 91 e a NOB 92 foram editadas


ainda no período do governo Collor de Mello. Editada pela Presidência do Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), à época recém
incorporado à estrutura do Ministério da Saúde. A NOB 91 transplantará para os
serviços públicos a mesma lógica de financiamento de pagamento por produção de
serviços com que aquele órgão remunerava os serviços privados contratados:
69

(...) a NOB 01/91 redefiniu toda a lógica de


financiamento e, conseqüentemente, de organização
do SUS, consolidando um sistema de pagamento por
produção de serviços ao setor público que
permanece, em parte, vigente até hoje. Estados e
municípios passaram a receber por produção de
serviços de saúde, executados em unidades
ambulatoriais e hospitalares próprias, nas mesmas
tabelas nacionais existentes para o pagamento dos
prestadores privados, impondo um modelo de
atenção à saúde voltada para a produção de serviços
e avaliado pela quantidade de procedimentos
executados, independentemente da qualidade e dos
resultados alcançados. Ou seja, continuou
prevalecendo a estrutura de compra de serviços
privados de saúde do INAMPS, aplicados aos
gestores públicos estaduais e municipais.
(OLIVEIRA JR., 2000, p. 4 in BRASIL/MS, 2001,
p. 93).

As críticas ao modelo também se estendiam ao seu papel indutor de práticas


médico assistenciais, predominantemente curativas, relegando a um segundo plano
ações preventivas e de promoção à saúde. Posteriormente, várias dessas ações passaram
a ser paulatinamente incorporadas à Tabela de Procedimentos, ainda que remuneradas
na mesma lógica de produção de serviços (BRASIL/MS, 2001).

Desta maneira, a partir de uma época em que a regulamentação via NOB passou
à normatizar a entrega financeira aos centros de saúde vinculada à produção, uma
cobrança mais acirrada aos atendimentos de consultórios, de forma mais hegemônica e
ortodoxa foi enrijecendo a relação dos gestores com as PICS. Muito por se tratar de uma
prática de cuidado ainda não mensurável o suficiente no seu valor epidemiológico; outra
por não haver interesse político do seu fazer, uma vez que por diversas vezes nas
entrevistas escutei a queixa de que os gestores cobravam dos profissionais que
utilizavam as PICS, questionando a homeopatas e acupunturistas, que estes estavam
fazendo com que os usuários deixassem de freqüentar os atendimentos de consultório e
visitas aos médicos. Coisa importante, uma vez que a racionalidade administrativo
70

financeira estava e ainda está vinculada à produção, ou seja, controlado por uma
contagem do número de atendimentos em consultórios.

Juntando a isto, a formação e pactuação ao qual o gestor foi estruturado conta


nas suas escolhas. Se decorre de um saber-fazer sanitarista ou corporativista aderido ao
Ato Médico.

Por exemplo, ao perguntar a uma das entrevistadas sobre a posição dos gestores
e sua importância nas PICs, Fátima Camomila responde assim:

“E aí a gente tinha a gestora, que é uma médica que cê deve lembrar, né? Eu já
entrei com a Mônica lá, porque quando eu entrei a Mônica tava assumindo, tinha
acabado de sair de uma gestão que era de uma enfermeira (...). E a gestora era uma
pessoa que dava muita carta branca, sabe? Desde que você fizesse o seu trabalho e
esse trabalho tivesse um desempenho com resultado, mas se eu quisesse um usar uma
técnica de, sei lá:

- Ah, eu resolvi botar esparadrapo, bandagem nas pessoas.

- Então vamos lá, vamos conseguir esparadrapo, vamos ver recurso pra isso.

2.4 Os sanitaristas em paz com as PICs

Pergunto de onde seria a origem desta gestora e deste movimento das Terapias
Alternativas (PICs) naquele lugar, sanitaristas? Fátima Camomila responde:

“Ela era sanitarista e depois ela fez formação em homeopatia. É, uma pessoa
muito bacana, ela ficou muito tempo lá com a gente, aí depois quando ela saiu, e aí ela
saiu também porque não tava aguentando a pressão política de, das gestões que
vinham na, no governo e que mandavam arrochar é, produção, mandavam arrochar,
não pro posto, o posto tinha uma produção muito grande, mas isso ia descaracterizar o
bom atendimento. Se ao invés de fazer 8 atendimentos por turno, tivesse que fazer 14,
então assim, e aí ela começou a se sentir, assim, como se as pessoas tivessem invadindo
muito a gestão dela, nesse meio tempo ela também recebeu esse convite pra trabalhar
na secretaria de saúde de Itaboraí, era uma coisa nova.” (Fátima Camomila).

Iniciou a rotatividade dos profissionais e seus efeitos sobre as PICs naquele


centro de saúde. Comenta que:

“Naquela época Não tinha (rotatividade de profissionais), porque quando eu


entrei na, na fundação, o salário que a gente ganhava, profissional de nível superior,
que era tudo igual para os profissionais, tudo igual pra médico, pra fisio, pra TO, pra
71

psicologia, era equivalente a 10 salários mínimos, então a gente não ganhava mal.
Quando eu saí pra ir pra universidade meu salário chegava, não chegava a 3, então
com essa desvalorização do salário as pessoas começaram a fazer outros concursos ou
investir em consultório, porque ninguém dava conta de trabalhar 16 horas pra ganhar
2 mil Reais, né? Que é o que tá hoje pagando a fundação, né?” (Fátima Camomila)29.

As mudanças de gestão e o encobrimento do serviço das PICs:

“E aí, assim, o que a gente percebe é que algumas coincidências aconteceram,


foi mudar a gestão e o serviço acabar, né? E eu não tô colocando a culpa em nenhum
gestor, né? Eu tô colocando a culpa em várias coisas de gestões superiores também.
Nós passamos a ganhar muito mal. O salário foi achatando… e as pessoas, assim, pelo
mesmo motivo que eu saí a 3 anos atrás, eu saí porque eu não posso, eu não podia me
sustentar aposentada com o que eu ganhava lá, eu não vou conseguir fazer consultório
o resto da vida. Eu tô ficando velha, então assim, eu precisava ganhar pelo menos o
dobro do que eu ganhava lá, fiz um concurso, passei, e gente, eu moro em (...), o que
que eu estou fazendo do outro lado da baia, minha vida toda certinha aqui em Niterói,
eu adoraria poder ficar aqui o resto da minha vida, mas as pessoas precisam ganhar
dinheiro.” (Fátima Camomila).

2.4.1 A política do Ato Médico nas PICs

Desde 2001, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) pediu à Justiça a


anulação de resoluções que autorizavam enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos,
farmacêuticos e fisioterapeutas a praticar acupuntura, a tensão vem aumentando, mas
nunca esteve ausente. O CFM defendeu e defende ainda hoje, que a acupuntura é usada
para tratar dores que precisam ser diagnosticadas, atividade exclusiva dos médicos.

No entanto, uma interessante controvérsia que aquece este caso é quando se


pergunta: Qual é a base do diagnóstico que está sendo discutido e postulado? Qual é a
ontologia e racionalidade médica que faz o diagnóstico da acupuntura: biomédica ou
energética? Se, o diagnóstico parte de cosmovisões totalmente diferentes, então há de
argumentar que a biomedicina não possui aptidão para fazer diagnóstico da Medicina
Tradicional Chinesa (MTC), a não ser que o médico se torne especialista na MTC. E,
para fazer isto, seguindo a tradição do conhecimento ontológico destes saberes (o Tao),

29
Matricaria chamomilla, também conhecida como Camomila-vulgar, Macela-nobre, Macela-galega ou
Camomila, muito utilizada no tratamento da ansiedade, devido a seu efeito calmante.
72

a visão do movimento energético (do Yin e do Yang), o médico precisa antes de tudo,
despir-se dos conceitos que embasam a biomedicina (não existiriam doenças conhecidas
por sua nomenclatura), para então pensar de outro jeito, por outras versões de saúde.
Madel Luz argumenta:

“Tanto a homeopatia como a medicina oriental


tradicional prestam-se admiravelmente para mostrar
que, sob o ponto de vista de um paradigma, os fatos
dimensionados por um outro são invisíveis ou não-
existentes. É precisamente o caso quando se pensa
nos princípios terapêuticos da homeopatia ou no
conceito de meridiano da medicina chinesa. Esses
aspectos não podem ser percebidos pela medicina
ocidental simplesmente porque falta nela a lente e o
mapa que dimensionam esse tipo de realidade”
(LUZ, 1996, p.21).

Notadamente é algo muito difícil e angustiante para o profissional que parte para
este desafio de atravessar uma fronteira e rumar para o desconhecido. Deste modo, não
há como não reconhecer uma grande controvérsia nestas justificativas e lutas judiciais
de mais de dez anos.

Fontes jurídicas são apenas a “ponta do iceberg”, neste sentido, autores como
Mandrou (1979: 17/18) e Ginzburg (1989: 39) afirmam que estas fontes podem ser
consideradas como verdadeiras “cristalizações” e “luzes” reveladoras de complexas e
abrangentes relações sociais de uma época (in Carvalho, 2004).

Por exemplo, no ano de 2012, outra luta jurídica foi travada entre os conselhos
de medicina e de farmácia e o resultado foi:

[...] Em primeiro lugar, não existe lei determinando que a


acupuntura é um ato privativo do médico. Em segundo, o
Código Brasileiro de Ocupação prevê a figura do médico
acupunturista, ou seja, a medicina também pode exercer a
atividade. Em terceiro, o Ministério da Saúde, por meio da
Portaria 971/06, que trata da Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares do SUS, inclui a acupuntura,
SEM restrição profissional. [...] Consultado a 24/09/2014.
http://www.fenafar.org.br/portal/emprego-e-trabalho/66-
emprego-e-trabalho/1477-conselhos-de-farmacia-e-fisioterapia-
vao-recorrer-de-decisao-que-da-aos-medicos-exclusividade-no-
exercicio-da-acupuntura.html ).
73

Desta maneira, observamos que as apelações civis sobre o exercício profissional


da atividade de acupuntura no Brasil, desde o ano de 2001 até os dias de hoje, vêm
caindo na mesma sentença. Diante deste forte embate entre conselhos profissionais de
especialistas vindos de formação acadêmica. Maria Dente-de-leão constata nas suas
experiências que,

“Nestes lugares por onde andei, pelo interior, pude perceber que os erveiros
continuavam sua função, porém, distantes da zona da cidade. Para fazer uma consulta
com esses conhecedores dos efeitos curativos das plantas, este contato era envolvido
por certo silêncio. Deixando claro que algo estava errado: o medo de ser preso, o risco
de ser considerado um fora da lei. O que primava era a força ativa da biomedicina e
por fora das vistas dos doutores as pessoas se tratavam com o senhorzinho ou
senhorinha conhecedores das ervas e garrafadas. (memórias 2014, MARIA dente-de-
leão)”

Entretanto, onde estariam os saberes nacionais nas PICs?

2.5 AS PICS...ENTRE OS SABERES ESTRANGEIROS E NACIONAIS

2.5.1 Café e bolo de milho com Mariana uma etnobotânica

Em um dado momento, do doutoramento houve um encontro com Mariana, uma


etnobotânica começando o seu pós-doutorado em Biologia interessada em continuar
seus estudos sobre como os erveiros poderiam passar seus ensinamentos adiante, uma
vez que tais ensinamentos, transladados tradicionalmente na família, estavam se
perdendo. A etnobotânica é o estudo para a investigação de sociedades humanas,
passadas e presentes e suas interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e
culturais com as plantas (FONSECA-KRUEL e PEIXOTO, 2004).

Ao finalizar o seu doutorado, havia percebido que quando os filhos e sobrinhos


dos erveiros da Mata Atlântica seguiam os estudos formais, logo que acessavam a
escola formal, descredenciavam o saber popular e familiar sobre cuidados em saúde.
Uma vez que a cientificidade, descritas nos livros e cobrada nas provas escolares,
indicava que fora da visão biomédica o que existia era ignorância (QUINTEIRO, 2012).

Ao mesmo tempo, nós duas pesquisávamos as terapias naturais e sua


implementação no serviço público de saúde. Isso fazia-nos interrogar: por quanto tempo
o ensino formal iria continuar (des)informando os jovens quanto ao que vale e ao que
74

não vale como verdade em saúde? Quem decide e ao decidir, colonializa? A quem se
obedece quando se decide o que conta e o que não conta como saber responsável,
autorizável? Será possível transladar saberes culturais dos erveiros antes de se
extinguirem?

A etnobotânica tenta explicar

“(...) Primeiro o conceito de tradicional, que é muito difícil e... e o que seria medicina
tradicional, então cada povo teria a sua. A tradicional da Índia, a tradicional da China,
a tradicional da Tailândia, que foram as três que a gente viu muito lá no congresso e
teria a tradicional brasileira, que é aí que a gente não se fala, não se vê...” (MARIANA
rosa-branca30).

Aquelas dúvidas acessavam outras: por que as terapias orientais estavam tão
fortemente nas policlínicas do SUS e não os saberes, por exemplo, dos erveiros da Mata
Atlântica ou da Mata Amazônica? Mariana lembrou-se que no ultimo congresso sobre
as PICs em que havia comparecido, o seu trabalho era o único que versava sobre a
prática nacional do cuidado em saúde; o restante todo era sobre as terapias orientais de
saúde.

“(...) A crítica que eu levei naquele congresso é que aqui no Brasil quando a gente fala
medicina tradicional, é tradicional chinesa, é tradicional indiana, é tradicional
japonesa, mas não é tradicional brasileira (...). Então a gente não fala a medicina
cabocla, a medicina indígena um pouco, porque é aquilo que eu te falei... O trabalho
com os xamãs indígenas tem um pouco, mas bem mais ligado à planta de poder
também... ou é o Kambô, que é o sapo, ou é a Ayahuasca o máximo da nossa medicina
tradicional assim que eu vejo” (MARIANA rosa-branca).

31
Dias mais tarde, em uma conversa realizada por skype , Mariana estava
angustiada com sua pesquisa de pós-doutoramento, pois, para falar com os erveiros do
alto da Mata Atlântica, teria que passar por tantos protocolos de „proteção‟ à mata e às
pessoas dela consideradas „desprotegidas‟ que já não estava certa se conseguiria tempo
propício para fazer a pesquisa. Estava desanimada. Isso provocou em nós angústias e
controvérsias.

30
O banho de chá de rosa-branca (Rosa Alba) é passado pelos erveiros para a sinergia da paz.

31 Mariana rosa-branca vive em Visconde de Mauá na Mata Atlântica e Maria dente-de-leão


vive em Niterói.
75

“Estou tendo dificuldades em dar continuidade ao trabalho de pesquisa. Eles


(academia) pediram para os informantes assinarem um monte de papéis, mas a maioria
nem sabe escrever, será um constrangimento. Eles (erveiros) ficam super desconfiados.
Os erveiros tem uma relação de desconfiança com o pessoal que controla o parque,
eles acham que sou do parque. (...) Talvez as pessoas de fora tenham mais acesso ao
conhecimento da nossa medicina natural brasileira do que nós mesmos e nós tenhamos
mais acesso à medicina tradicional de fora... que coisa mais difícil (...)” (MARIANA
rosa-branca).

Para pensar no que estava acontecendo era necessário entender de qual realidade
estávamos falando. Em seu livro Reagregando o Social, Latour afirma que as conexões
transformam os recursos em uma teia que parece se estender por toda parte (Latour,
2012: 294). Portanto, são os mediadores que performam uma realidade que não existia
antes, e nós pesquisadores, precisamos cartografar as conexões para fazer uma
realidade, que nunca é dada à priori. A saber, é uma questão política.

Para trabalhar com o conceito de política ontológica, uma expressão utilizada


por Mol (1999), bem como por Law e Urry (2003) é necessário pensar que o “real” está
implicado no “político” e vice-versa. A combinação dos termos “ontologia” e “política”
de pronto sugere-nos que a realidade não precede às práticas banais nas quais
interagimos com ela, antes sendo modelada por estas práticas. Portanto, a realidade é
modelada pelas práticas, política é ação, processo de modelação; a pergunta é: como
interagem? Era isto que precisávamos saber fazer.

2.5.2 Um país megadiverso perdido do seu conhecimento tradicional

O Brasil pertence a uma minoria de países ditos megadiversos contando com,


aproximadamente, 200.000 espécies registradas (FUNARI & FERRO, 2005).
Megadiversidade é o termo utilizado para designar a riqueza de países mais ricos em
biodiversidade do mundo. O número de plantas endêmicas – aquelas que só existem no
país e em nenhum outro lugar – é o critério principal para que ele seja considerado „de
Megadiversidade‟. Outros critérios são o número de espécies endêmicas em geral e o
número total de mamíferos, pássaros, répteis e anfíbios.

Além dessa rica biodiversidade, conta com rica diversidade étnica e cultual que
detém um valioso conhecimento tradicional associado ao uso de plantas medicinais e
práticas naturais em saúde.
76

Campeão absoluto de biodiversidade terrestre, o Brasil concentra 55 mil espécies


de plantas superiores 22% de todas as que existem no mundo], muitas delas endêmicas;
524 espécies de mamíferos; mais de três mil espécies de peixes de água doce; entre 10 e
15 milhões de insetos [a grande maioria ainda por ser descrita]; e mais de 70 espécies de
psitacídeos: araras, papagaios e periquitos.

Quatro dos biomas mais ricos do planeta estão no Brasil: Mata Atlântica,
Cerrado, Amazônia e Pantanal. Infelizmente, correm sérios riscos. Muitas áreas mantêm
apenas 3 a 8% do que existia inicialmente, como a Mata Atlântica, que hoje guarda 7%
de sua extensão original e o Cerrado, que possui apenas 20% de sua área ainda
intocadas32 .

Entretanto, a diversidade sociocultural brasileira se constitui uma “riqueza”, em


que pesem alguns exemplos de comunidades tradicionais como os povos indígenas, os
quilombolas, ribeirinhos, caipiras, caiçaras, grupos extrativistas, entre outros.

Igualmente, diversas são as figuras dos curandeiros, parteiras, mateiros, erveiros


e benzedeiros, especialistas locais que recebem seus saberes de formas orais ou através
de contatos com o mundo que a ciência considera como mágico, simbólico e o repassam
a pessoas específicas, escolhidas, que nascem com ou adquirem esses saberes ao longo
da vida. Possuem intensa ligação com os recursos naturais locais, mais notadamente as
plantas, mas também os animais e minerais, sendo a própria natureza o meio primeiro
para o restabelecimento da saúde.

Mariana não entendia como esta riqueza estava desprestigiada na prática, no


chão das policlínicas, nos caminhos das pesquisas e nas dificuldades do pesquisador.

“(...) é isso, vemos movimentos das parteiras, das benzedeiras, mas é de município pra
município. (...) das medicinas tradicionais, ou seja, das garrafadas, da planta, dos chás,
das infusões. (...) o grande gargalo, é onde (...) se você quiser fazer um sabonete de
aroeira você pena, tem que passar pela ANVISA etc. Mas se você quiser comprar uma
tintura chinesa, você compra. Ou sei lá, a Schering-Plough já lançou esse sabonete de
aroeira” (MARIANA rosa-branca).

32 Fonte: Conservação Internacional Brasil, disponível em www.conservation.org.br, acesso em


09/09/2014.
77

É evidente que o SUS e as prefeituras têm feito cada vez mais um movimento de
aproximação das práticas naturais e tradicionais da cultura brasileira. Em 2012, por
exemplo, de forma pioneira, a prefeitura de Rebouças, no Paraná, chamou benzedeiras,
erveiros e raizeiros para oficializarem suas atuações junto à Rede Básica de saúde. Com
todo esse histórico de ameaças e lutas por poder, não poderia ter outro efeito: as pessoas
que desenvolviam estas atividades ficaram deveras desconfiadas e demoraram o
processo de aproximação, pois pensavam ser uma espécie de armadilha para prendê-los.

“No Paraná: benzedeiras são reconhecidas como profissionais da saúde.

A proposta, que é de 2010, também permite que estas pessoas colham plantas
medicinais nativas no município livremente para o exercício do ofício. A lei
concretizou uma parceria entre a tradição e as políticas públicas voltadas para a
saúde. “O município de Rebouças reconhece os saberes e os conhecimentos
localizados realizados por detentores de „ofícios tradicionais‟ , como
instrumento importante para a saúde pública do município”, diz o Artigo 3º da
lei.[...] Para poder exercer o oficio livremente, a benzedeira deve ir à Secretaria
Municipal de Saúde e solicitar a Carta de Auto-Definição, na qual deve
descrever de que forma trabalha. Depois, o órgão emite o Certificado de
Detentor de Oficio Tradicional de Saúde Popular e uma carteirinha. [“...]”

Fonte: http://susbrasil.net/2012/05/23/benzedeiras-sao-consideradas-
profissionais-da-saude-no-parana/ . Consultado em 14/10/2014.

Essa aparente negociação de fronteiras parece, por vezes, como uma tentativa de
controle desses saberes tradicionais, para a manutenção do poder biomédico. Não se
tratando de transladar o conhecimento entre as diversas cosmovisões e interesses, e sim
de tentar fechá-los, orientá-los, formalizá-los naquilo que seja condizente a maneira de
cuidar da biomedicina. Para alguns pesquisadores o que se observa é que se, por um
lado, os organismos internacionais influenciam o processo de elaboração das políticas
públicas nacionais; por outro, o Estado se apoia nos discursos internacionalmente
veiculados para instaurar um sistema de vigilância sobre as populações adstritas ao seu
território, bem longe do propósito de transladar o conhecimento sobre cuidado em saúde
de cada região (FERREIRA, 2010).

“temos uma controvérsia aqui, os saberes tradicionais da cultura brasileira têm


dificuldades para serem implantados nos cuidados brasileiros. Foi mais fácil
incorporar os saberes tradicionais da medicina oriental” (observa Maria dente-de-
leão).
78

Curiosamente, nota-se nas comunicações acima, que os erveiros (raizeiros,


benzedeiras e parteiras) estão classificados como pessoas oriundas da “população” ou
“sociedade tradicional” e este detalhe classificatório lhes conferem a herança do
cuidado em saúde, dono de um saber tradicional. Ocorre que tal conceito “população
tradicional” é bastante conflituoso dentre os historiadores, sociólogos e antropólogos.
Para o antropólogo Arruda (2000), as populações tradicionais são as que apresentam um
modelo de ocupação do espaço e dos recursos naturais voltados principalmente para a
subsistência, com fraca articulação com o mercado, baseado em uso intensivo de mão-
de-obra familiar, tecnologias de baixo impacto, derivadas de conhecimentos
patrimoniais e, habitualmente, de base sustentável (p. 278). Para o sociólogo Diegues
(2001), algumas características identificam culturas e sociedades tradicionais: modo de
vida, dependência e até simbiose com a natureza; conhecimento aprofundado da
natureza e de seus ciclos que se reflete no manejo dos recursos naturais. Esse
conhecimento é transferido de geração em geração por via oral; noção de território ou
espaço e ocupação desse território por várias gerações, dentre muitas outras
características difíceis de serem comprovadas.

Aparentemente, não existe definição universalmente aceita de quem são as


“comunidades tradicionais” ou “nativas”. No sentido mais literal, o termo “tradicional”
(indigenous) implica uma longa residência em uma determinada área. Contudo, as
tentativas de definições são, por vezes, contestadas e por outras esvaziadas de
significado e embargadas quando tentam representar uma comunidade humana na
prática. Além disso, se muitos grupos podem ser caracterizados como tradicionais
genuínos, como as comunidades indígenas e quilombolas, outros se definem justamente
pela mistura das matrizes que compõe o povo brasileiro, como é o caso dos caipiras e
dos caiçaras, oriundo da miscigenação entre determinada etnia indígena, negros de
origem africana e europeus. Com isso, sua identidade esporadicamente é reconhecida
como “tradicional” e isso se torna um embaraço na hora de uma integralidade na Rede
de Saúde.

Por outra vertente argumentativa, no Brasil, observamos que a Política Nacional


das Práticas Integrativas e Complementares - PNPIC acredita que o conhecimento
tradicional sobre as plantas medicinais deve ser cientificamente validado por meio da
realização de pesquisas voltadas para o desenvolvimento tecnológico destes recursos. A
promoção do uso racional de plantas medicinais e dos fitoterápicos e o monitoramento
79

da qualidade desses produtos deve ser feito pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) e isto também está previsto no escopo desta política (LUZ, 2000).
Neste caso, é sabido que a pesquisa sobre medicamentos leva muitos anos para seu
credenciamento desde a entrada em pesquisa até o momento do consumo. Portanto,
talvez seja esta uma manobra controversa em que no discurso se promete agregar
saberes populares aos cuidados em saúde e por outro lado, na prática se legisla no
sentido oposto deste querer, já que um dos grandes patrocinadores das pesquisas de
medicamentos é a indústria farmacêutica, a qual não leva vantagem alguma quanto ao
uso dos tratamentos culturais a não ser a captura deste saber.

Se, por um lado se reivindica o desafogo do sistema de saúde no intuito de


estabelecer melhorias no atendimento e maior humanização do serviço, por outro lado, a
proposta dos cuidados naturais, visando o bem-estar, o cuidado familiar regional e usos
de sistemas culturais tradicionais brasileiros não encontram caminhos para vingarem.
Talvez seja por isso, encontremos tantos serviços orientais no chão das policlínicas e
não os nacionais.

“A sabedoria vai passando de geração em geração. Os


netos vão aprendendo para repassar para seus filhos e
assim por diante. Minha vó passou para mim...eu passei
para os filhos e os netos. Ela era parteira, garrafeira e
raizeira. Fazia remédio, garrafada e ensinou tudo o que
sabe (...)” (Souza & Loureiro, 2012, Memória Oral e
Troca Intergeracional: a voz silenciosa de mateiros,
erveiros e cultivadores do bairro do Sapê, Niterói, Rio de
Janeiro).

Mediante tensões e controvérsias, a polissemia do cheiro de moxa, dos sons de


rezas e da distribuição de fármacos propõe algo a ser apreendido: nós mesmos.

2.6 AS PICs E O ESTRANGEIRO: COLONIZADOS DESFAZEMOS DE NÓS?

“[...] Com Avencas na caatinga Alecrins no carnaval


Licores na moringa Um vinho tropical
E a linda mulata Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata Arrebato um beijo

[...] Guitarras e sanfonas Jasmins, coqueiro, fontes


Sardinhas, mandioca Num suave azulejo
E o Rio Amazonas Que corre Trás-os-Montes
80

E numa Pororoca Desagua no Tejo

Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal


Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um Império Colonial”.

(“Fado –Tropical”; autoria de Chico Buarque de Holanda, 1973)

Tomando a bela letra da canção de Chico como um artefato para pensar sobre a
condição de colonizador e colonizado podemos notar a complexa polissemia desta
canção apontada no trabalho de Florent (2007), em que acontece o entrelaçamento do
fado das guitarras com a modinha das sanfonas.

Pensando na etimologia, a palavra fado aponta para o fatum, no caso, o destino


do Brasil como nação, condenada pelo refrão profético a permanecer para sempre “um
imenso Portugal”, ou mais precisamente, um “império colonial”33.

Para tanto, Chico mostra em alegoria simbólica a imagem bucólica das avencas
recobrindo a dureza seca da caatinga e o cheiro doce dos alecrins camuflando o cheiro
acre do suor dos escravos na lida dos canaviais e nas danças carnavalescas.

A linda mulata usada sexualmente é esbranquiçada pelas rendas do Alentejo e


roubada por beijos sem consentimento.

Por sua vez, os azulejos brancos e azuis, alegorias da cultura portuguesa, na


música de Chico retratam paisagens combinadas de comidas lusitanas e elementos dos
trópicos em que, surpreendentemente, compõem “sardinhas com mandiocas”.
Portanto, sinais lusitanos encobrem na colônia insalubre aquilo que não se pretende ver.

Por conseguinte, o colonizador pressupõe a necessidade da domesticação do


outro colonizado para satisfazer seus olhos e sintetiza seu querer em uma pororoca
desaguando no Tejo. “Ai esta terra vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso
Portugal” - e nos detalhes impõe o corpo do colonizador a “esta terra” ainda sem
corpo, para em algum dia ter um nome dizível: Brasil.

33 Para saber mais sobre a análise das estrofes desta música consulte o artigo “Um Suave Azulejo: O
Retrato Ambivalente da Nação” de autoria da Mestra de conferências da Universidade de Paris 8 Adriana
Coelho Florent (2007). Fonte:
http://www.abralic.org.br/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/complemento/AD
RIANA_FLORENT.pdf Consultado em: 03/10/2014.
81

Por fim, o Rio Amazonas se consome dominado nas suas curvas, onde a
população ribeirinha é ignorada na sua sabedoria local, exotizada nas suas maneiras de
viver e de cuidar da saúde. A colônia é capturada pelo eurocentrismo aculturalizante,
violento e devastador. Como esclarece Marilena Chauí (2000), somos um país
historicamente articulado ao sistema colonial do capitalismo mercantil como colônia de
exploração, em uma constante “dependência consentida” da elite. Nossa identidade
surge lacunar e feita de privações, definida como subdesenvolvida. Aqui fica claro o
porquê para nós cabe, passivamente consentido, a exaltação das belezas da natureza do
Brasil, do paraíso tropical, já que este é seu produto e seu lugar no sistema colonialista.

A Europa colonialista, segundo o filósofo e historiador argentino naturalizado


mexicano Enrique Dussel (1993), quando se confronta com o seu “Outro” procura
controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo. Quando pôde se definir como um descobridor,
conquistador, colonizador, esse “Outro”, para o europeu, não foi “descoberto” como
“Outro”, mas foi “en-coberto” como diferente, oponente ao que fora considerado
hegemônico.

Feita a história européia desta maneira, constituiu-se ela mesma o centro e


firmou-se a periferia (o Outro) do pensamento. Para Dussel (1993), foi desta maneira
que se estabeleceu a mundialidade como centro da Europa; e, em contrapartida
constituiu a América Latina, África e Ásia como periferia. Firmou-se o cânone
colonialista de imposição da razão eurocêntrica sobre as outras culturas, assinalada pela
estratégia da desconsideração do grau de desenvolvimento de culturas totalmente
particulares, de cosmovisões próprias, como as provenientes do Peru, México, Brasil
dentre outras, na intenção de determinar tais racionalidades como primitivas.

À discussão política que separa centro e periferia, Donna Haraway (1995)


acrescenta a questão epistemológica a ela interligada. É pois, a um modelo de ciência
colonialista que a autora lança a provocadora pergunta: : “Com o sangue de quem foram
feito os meus (e os teus) olhos?”. Esta pergunta lança mão da idéia da
(ir)responsabilidade em escrever sobre as coisas que se tornam realidades e marcam a
vida das pessoas. Há um modo de conhecer, eurocentrico e colonizador, que encobre de
onde fala e com que interesses fala, imprimindo por esta via, verdades sobre o
colonizado. Para esta autora, não existe inocência. O sujeito da ação, em qualquer
perspectiva dada, deve ser responsável por este movimento, por sua escolha de visão,
82

mesmo que dominada pela hegemonia instaurada. A visão é sempre uma questão do
poder de ver - e talvez da violência implícita em nossas práticas colonialistas de
visualização. Dominadores são seres auto-idênticos e não-marcados pelo outro e
infelizmente é possível que os subjugados desejem e até disputem essa posição de
sujeito (Haraway 1995, p.27).

Mediante tal justificativa - da salvação pela razão sobre a ignorância -, se


evidencia a utilização do colonizador, dono da razão embasado pela filosofia, de um
tipo de domínio sangrento e o encobrimento dos saberes de outros povos. Na visão do
colonizador, o mundo deve ser objetivado como coisa, não como agente (Haraway,
1995) e como tal pode-se isolar para conhecer e mesmo utilizar até seu esgotamento.

Para escapar desse modo de olhar – olho de deus –, Santos (2006) indica que a
partir do olhar das margens ou das periferias, é por onde as estruturas de poder e de
saber são mais visíveis (p.36). Para este autor, a emancipação social exige uma atenção
à ação ética e política, que dê igual peso à ideia de indispensabilidade e à ideia de
inadequação, ou seja, de incompletude, portanto, exigente de co-dependência. De todo
o modo, ao subverter os essencialismos, a hibridez pode alterar as relações de poder
entre os sentidos dominantes e os sentidos dominados (ibidem, p.220).

Enrique Dussel (1993), por sua vez, propõe uma Filosofia da Libertação e
afirma a razão como faculdade capaz de estabelecer um diálogo, um discurso
intersubjetivo com a razão do Outro, como razão alternativa propondo um novo
momento.

2.6.1 Chá e amanteigados com Valéria Estrela de anis34: escovando à contrapelo o


Norte e o Sul em nós

Em Niterói-RJ, 2013, Valéria35, recém chegada de Manaus-AM se aconchega a


mesa de chá, onde pães, bolos e biscoitos amanteigados são oferecidos pela prima

34
Estrela-de-anis ou Anis-estrelado (Illicium verum) é uma planta originária da China e do
Vietnã. É considerado uma especiaria de uso medicinal e culinário. O Aroma do Anis
estrelado tem um efeito estimulante sobre várias enzimas digestivas e também promove a
produção de saliva. Um chá do Anis estrelado é um bom remédio para evitar dores de gases e
edemas.
83

Maria. As duas primas possuem fortes correntes de afinidades adquiridas com a vida.
Suas mães, Célia e Ana, oriundas de Belém do Pará sempre foram cuidadoras uma da
outra. Em certo momento da vida, Célia, que vivia em São Paulo, após uma forte crise
existencial maltratada pela perda do marido, desencadeou esquizofrenia paranóide Sua
irmã, Ana, vivendo em Niterói, decidiu pela não internação de Célia e resolveu acolhe-
la em sua casa. Célia foi morar com Ana, levando seus três filhos, duas meninas gêmeas
e um menino para o apartamento de dois quartos onde Ana já vivia com seus três filhos,
dois meninos e uma menina.

O núcleo familiar passou de quatro para oito pessoas: seis jovens adolescentes e
duas mulheres de meia idade , sendo que uma delas passava por doença mental. Ana
atuava como técnica de enfermagem e se desdobrava trabalhando em dois e as vezes
em três plantões para dar conta de apoiar financeiramente a sua família aumentada. Em
momentos especiais trazia para casa bolo de laranja que era consumido na maior
voracidade. Sua preocupação era visível: “Comam devagar, mastiguem, lavem as mãos,
silêncio eu preciso dormir” . De manhã muito cedo quando se levantava para a primeira
jornada de trabalho encontrava a porta do único banheiro fechada e mais uma vez
educava: “por favor, Kike abra a porta”. Kike era seu filho mais velho, portador de
deficiência auditiva que pela manhã ocupava o banheiro com o aparelho auditivo
desligado.

Em meio a esta loucura geral familiar Célia ficou boa (controlada com as
medicações) e todos entenderam que o acolhimento cuidadoso e amoroso da irmã fez
toda a diferença para ela e para todos os jovens. Esses, passaram pela adolescência
juntos e embolados, curtiram, aprontaram, disputaram por comida, tudo com muita
alegria. É desta cumplicidade que vem o forte laço de amizade destas duas primas,
Valéria uma das gêmeas da Célia e Maria, filha da Ana.

Essa história possui algumas conexões interessantes para este trabalho, pois
iniciamos a narrativa com mulheres que estavam sem os companheiros, que

35 Valéria é auxiliar de enfermagem orientada pela biomedicina mas que, neste momento,
convive com as práticas integrativas e complementares (PICs) – acupuntura, fitoterapia, shiatsu,
moxabustão, etc.) orientadas por outras cosmovisões – medicina chinesa, medicina ayurvédica e
medicina natural brasileira - , no serviço de saúde do estudante da Universidade Federal
Fluminense. Esta atuação a faz conviver com questões angustiantes entre o Norte e o Sul que
nela habitam.
84

sustentavam a casa, que criavam filhos, que cuidavam e eram cuidadas, como tantas
outras mulheres do Brasil e das fronteiras do sul colonizado. Três delas tinham algo em
comum: eram envolvidas com a área da saúde. Ana foi técnica de enfermagem, Valéria
é auxiliar de enfermagem e Maria é terapeuta natural há mais de trinta anos, além de
formada em Psicologia e pesquisadora assistente da Fiocruz. Nesta tríade feminina já se
percebe a existência de burburinhos entre o Norte hegemônico na área da saúde e o Sul
de saberes mais encobertos, composto de cosmovisões particulares.

Ana trabalhou no Hospital da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, desde a


década de 1970 até a década de 1990. Teve sua formação na Escola Ana Neri de
enfermagem em Curitiba-PR, conhecida escola clássica, exigente, orientada pela
biomedicina. Viveu a Reforma Sanitária36, a Reforma Psiquiátrica37 e por ocasião do
seu conflito pessoal entre internar sua irmã ou tratá-la em casa. Seus conhecimentos
sobre a Reforma Psiquiátrica, mesmo que em dúvida sobre sua eficácia, fez com que sua
decisão tenha sido por um acolhimento mais cuidadoso, ou seja, o tratamento
psiquiátrico com o paciente junto à família.

Maria, sua filha, estudou inúmeras terapias naturais, de origem oriental e


brasileira seguindo uma linha de cuidado mais alternativo à medicalização química e
procedimentos de alta tecnologia. Estudou acupuntura e massagens orientais e

36
“A Reforma Sanitária brasileira nasceu na luta contra a ditadura, com o tema Saúde e
Democracia, e estruturou-se nas universidades, no movimento sindical, em experiências regionais de
organização de serviços. Esse movimento social consolidou-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em
1986, na qual, pela primeira vez, mais de cinco mil representantes de todos os seguimentos da
sociedade civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil. O resultado foi garantir na
Constituição, por meio de emenda popular, que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado."
Sergio Arouca, 1998. Fonte: http://bvsarouca.icict.fiocruz.br/sanitarista05.html Consultado em
10/10/2014.

37 A partir da segunda metade do século XX, impulsionada principalmente por Franco Basaglia,
psiquiatra italiano, inicia-se uma radical crítica e transformação do saber sobre os tratamentos nas
instituições psiquiátricas. Esse movimento tem repercussão em todo o mundo e muito particularmente no
Brasil. A luta manicomial marcada pelos direitos humanos e do resgate da cidadania das pessoas
portadoras de transtornos mentais levaram a Reforma Psiquiatrica, contemporânea da Reforma Sanitária
no Brasil. Consultar o documento “A Reforma Psiquiátrica brasileira” e o tema “A Reforma Psiquiátrica
brasileira e a política de Saúde Mental” no site: http://www.ccs.saude.gov.br/vpc/reforma.html
Consultado em 10/10/2014.
85

ocidentais, mas, também cursou técnico de fisiatria orientado pela biomedicina; e isso
proporcionou, em certo momento, estagiar no serviço de fisiatria e reabilitação no
mesmo hospital onde sua mãe trabalhava ao final da década de 1980. Isso provocava
nela angústias entre os saberes da biomedicina e os saberes de outras cosmovisões.
Maria após este período, entrou para a faculdade de Reabilitação pelos modelos
hegemônicos, para abandoná-la dois anos depois, decidindo por qual caminho seguir:
outras cosmovisões de saúde e cuidado. Só mais velha e experiente entrou novamente
para a academia, desta vez podendo versar sobre as terapias integrativas e
complementares. Maria pode cuidar das outras três mulheres desta história com seus
conhecimentos de naturopatia. Ana resistia, mas recorria à acupuntura e moxa quando
tinha dores e os medicamentos alopáticos se esgotavam na eficácia. Célia, ao contrário,
gostava de ser tratada com as terapias complementares para amenizar as dores e Valéria
foi cuidada por Maria em momentos de crises existenciais com acupuntura, sucos e
ervas.

Valéria na vida adulta saiu de Niterói e foi viver em Curitiba-PR. Lá, trabalhou
no Hospital de Clínicas da UFPR por vinte anos e exerceu as práticas da função
orientada pela biomedicina. Após este tempo se mudou para Manaus-AM.

Em lá estando teve contato com outra cultura, voltada para a alimentação de


frutas ricas como o açaí, comidas fortes como o tacacá, o uso do óleo de copaíba como
antiinflamatório e curativo e os cuidados das parteiras ribeirinhas do Rio Amazonas.
Lembrava-se das histórias da sua mãe e da sua tia, que eram da região Norte do Brasil e
haviam nascido amparadas pelas mãos da parteira, sua bisavó.

Via nas mulheres que passavam por ela na rua, o corpo mais atarracado, as
pernas um tanto arqueadas, o pescoço curto que costumava ver nas mulheres da família
e , mais que isso, via o sorriso acolhedor, o cuidado fraterno elevado pela relação do
jeito de chamar “mirmã”. Mana, mirmã, assim se tratam os nortistas e assim se trataram
Ana e Célia por toda vida38.

Dois anos após esta experiência voltou a Niterói e foi alocada no serviço de
saúde do estudante universitário da UFF e passou a conviver com outras cosmovisões

38
Célia faleceu em Março de 2009 e sua irmã Ana, a “mirmã”, exatamente um mês depois.
86

que não a biomedicina, pois a sala de promoção da saúde onde trabalha além do serviço
de Psicologia oferece algumas ferramentas das PICs para o acompanhamento do aluno
no cotidiano da passagem pela faculdade.

Valéria e Maria, - assim como Ana viveu a dúvida entre aceitar uma coisa ou
outra -, convivem com saberes do Norte e do Sul dentro de si. Muitas vezes se
angustiam com isto. Às vezes conversam sobre isto. Porém, se sentem privilegiadas por
estarem na posição de fronteira (Santos, 2006; 2003), onde parece que algo vai mudar,
mas, ainda não mudou. Onde as notícias brotam como flores de um terreno próprio que
conversa com outras espécies diferentes sem querer sobrepujá-las. E mediante tantas
notícias, as primas amigas, em uma mesa de chá, pães e bolos, podem contar histórias e
repensar seus passos.

Contando esta história, nos damos conta de que a rede de saúde brasileira é,
neste momento, tecida com inúmeras linhas e cosmovisões numa tensão polissêmica
que poderá trazer bons encontros para fazer pensar saúde, cuidado e educação em saúde.
Poderá fazer pensar sobre o encobrimento do colonizador sobre o colonizado, suas
profundas marcas deixadas em nós, incluindo nelas o destrato dos nossos saberes
oriundos das margens ribeirinhas e das pororocas. Assim como Valéria e Maria
percebem o Norte e o Sul convivendo e brigando dentro delas causando uma angústia
que faz pensar e pesquisar, acreditamos que o mesmo aconteça com outros profissionais
da saúde, usuários destes “novos” serviços e com estudantes da área de saúde.

Nesta aproximação construímos uma rede de conexões para nossa maneira de


viver e pesquisar, que inclua a capacidade parcial de traduzir conhecimentos entre
comunidades muito diferentes - e diferenciadas em termos de poder. Apoiamos
conhecimentos aplicáveis, sobre as coisas, que não sejam redutíveis a lances de poder e
a jogos de retórica de alto coturno, agonísticos, ou à arrogância cientificista, positivista
(Santos. 2006). Propomos fortalecer a escrita no feminino e resgatar nosso jeito de
contar nossas histórias.

De maneira próxima, Haraway (1995) propõe que explicações de um mundo


"real" não dependam da lógica da "descoberta", mas de uma relação social de
"conversa" carregada de poder. O mundo nem fala por si mesmo, nem desaparece em
favor de um senhor. E assim, uma diversidade epistemológica no mundo (SANTOS et
all, 2004), bem como um espaço híbrido que crie aberturas para desestabilizar as
87

representações hegemônicas (SANTOS, 2006), desloca o antagonismo de tal modo que


deixa de sustentar as polarizações puras que o constituíram.
88

3 TERCEIRO MOVIMENTO: MEMÓRIA, SILÊNCIO E RESISTÊNCIA

3.1 Por que lembrar?

Desde o início deste trabalho existe um esforço para marcar ações de práticas
naturais, alternativas ou integrativas e complementares (seja qual for o nome utilizado)
para referenciar um momento na saúde pública brasileira e em especial em Niterói,
como um movimento político na saúde.

Este trabalho é atravessado por narrativas de pessoas que participaram (e


participam) ativamente deste movimento com propostas, por vezes, diferentes da
racionalidade biomédica sobre a saúde e formas de cuidado e tem por política uma
convivência com a multiplicidade de realidades existentes nesta área.

Tal multiplicidade traz, por força política, a prerrogativa do repensar ações de


saúde, pois a coexistência de conceitos de saúde e de cuidado diferentes nas
racionalidades oferecidas pelas PICs em um centro de saúde, cujo modelo dominante
seja o biomédico, faz pensar e faz fazer outras realidades performadas que podem ser
melhor compreendidas no conceito de “política ontológica” (MOL, 1999).

O termo “política ontológica”, utilizado por Annemarie Mol39, chama-nos a


atenção por se tratar da afirmação de que “a realidade” (se é que há uma única
realidade) não está afastada da política e vice-versa. Ao contrário, “a realidade” (ou as
construções socioculturais de diferentes realidades) possui(em) um modo ativo de
interação e modelação com a política, de caráter aberto. Na perspectiva deste estudo, a
realidade não é dada de partida, portanto pode ser contraproducente considerar únicas
histórias, que são aqui apresentadas como objetos de interpelação e disputa40, ou seja,
não se deve considerar apenas uma única racionalidade sobre o que é saúde, cuidado e
ser saudável no intuito de ditar normas para um coletivo. Antes disto é preciso
compreender a existência de múltiplas culturas de racionalidades diferentes sobre saúde,
como, por exemplo, o que faz fazer as PICs no SUS, com protocolos diferentes e
ontologias distintas.

39
Mol diz que este termo foi criado por John Law (2002) e faz um agradecimento a ele no seu texto de
2007, no livro Objetos Impuros, organizado por João Arriscado Nunes e Ricardo Roque
40
Sobre os prejuízos de uma única história ver Adichie, C. O perigo de uma única história.
http://www.ted.com/talks/lang/por_br/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html
89

Desta maneira, ocorre certo consenso de que a realidade é um tanto mutável, e


depende de ações e motivações políticas para que se torne realidade. No entanto, incide
uma relação forte de poder entre a realidade da biomedicina e as outras realidades que
estão se firmando. É uma tensão constante entre uma versão que não quer perder o
poder de dizer e fazer e as outras que desmantelam uma única história. Nesta tensão
permanente se configura a rede de saúde brasileira. Não mais a mesma antes das
PNPICs, mas na tensão permanente, lutando para o fortalecimento de outras redes
envolvidas na racionalidade da biomedicina (indústria farmacêutica, especialistas
profissionais que investiram tempo e dinheiro na formação baseada nos cuidados com a
visão da biomedicina, indústria de aparelhos hospitalares, manutenção do corpo
biológico, psicológico, etc). Estamos nos referindo aqui a um sistema econômico que
foi apoiado e apoiou esta racionalidade operante do modelo hegemônico biomédico.

Nesta luta para a manutenção de um programa político-econômico da saúde, a


ilusão é de que um modelo único prescritivo de ciência seja possível de controlar a
inconstância da natureza e produzir segurança. Mol aponta para o fato de que esta ideia
de controle e poder é a base da tecnologia e da política. Porém, lembra que a exemplo
da “teoria queer” 41 outras modalidades de cultura criam outras realidades performadas.
Nesta visão, é necessário que um “s” seja acrescido nesta realidade plural. Se as
ontologias estão envolvidas com modos de estar no mundo, de culturas diversas, então
as realidades também são diversas. Um único modo de fazer ciência não daria conta de
múltiplas realidades. E não dá!

“Ontologias, note-se. A palavra tem agora que vir no


plural. Porque, e trata-se de um passo fundamental,
se a realidade é feita, se é localizada histórica,
cultural e materialmente, também é múltipla. As
realidades tornaram-se múltiplas” (MOL, 2007).

41
Movimentos teóricos e sociais em que homens, mulheres (cis e trans) assim como pessoas não-binárias
problematizam e desafiam as normatividades relativas a performatividades de sexualidades e gêneros
legitimadas e seus limites. As teorias queer pretendem desenvolver uma analítica da normalização
(Miskolci, 2009) e uma crítica aos processos de legislação não voluntária da identidade (Butler, 2004).
Louro (2001) afirma que “queer significa colocar-se contra a normalização – venha ela de onde vier [...].
Queer representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de
ação é muito mais transgressiva e perturbadora” (p. 546).
90

Desta maneira, a promessa de controle feita pela ciência (da natureza, de


comportamentos, saúde, corpo, etc) leva ao medo do diferente, do adoecimento e da
escassez, como foi sinalizado no capítulo anterior. Porém, de modo geral o medo da
escassez constitui o pensamento da sociedade, alimenta a política, cria realidades e
move a economia. Nesta relação, o sistema econômico da sociedade ocidental possui
uma interface com a ciência, por ser esta quem apoia, conscientemente ou não, o
sistema econômico, criando técnicas e aparatos para o controle.

De maneira que é necessária uma enxurrada de múltiplas histórias e


possibilidades de vida diferentes do hegemônico para que novas ideias sobre vida,
natureza, cuidado, saúde e nossa relação com isso seja passível de outras modalidades
de observações e validações consideradas como científicas.

Assim, por intenção de criar outros modos de mundo, assinalo aqui não apenas
as lembranças, mas também, o silêncio resistente e perturbador de uma “memória
subterrânea” (POLLAK, 1989) que precisou ser elencada como agente desta política de
fazer existir realidades potentes. Com a finalidade de ressaltar a memória coletiva dos
narradores silenciados por forças de quem dita o que fica dentro e o que fica fora do
interesse da ciência, foi possível pensar com Pollak que:

“Numa perspectiva construtivista, não se trata mais


de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de
analisar como os fatos sociais se tornam coisas,
como e por quem eles são solidificados e dotados de
duração e estabilidade. Aplicada à memória coletiva,
essa abordagem irá se interessar, portanto, pelos
processos e atores que intervêm no trabalho de
constituição e de formalização das memórias. Ao
privilegiar a analise dos excluídos, dos
marginalizados e das minorias, a história oral
ressaltou a importância de memórias subterrâneas
que, como parte integrante das culturas minoritárias
e dominadas, se opõe à "Memória oficial", no caso a
memória nacional” (POLLAK, 1989, p.3).
91

Deste modo, utilizo a seguir as narrativas das histórias de Niterói sobre as PICs
envolvidas nas relações de poder entre uma força hegemônica na saúde e outras idéias,
conceitos e estratégias por vezes inovadoras e por vezes capturadas e amalgamadas no
mesmo poder que tentam combater.

3.2 AS PICs POR NITERÓI42: O CHEIRO DE MOXA NO AR

As PICs, no caso de Niterói e provavelmente por outros tantos lugares do


Brasil, ao longo do tempo, por alguns momentos foram realçadas na saúde pública para
em outros momentos encolherem-se, até chegar à ideia da improvável existência. Basta
lembrar que no centro de saúde por onde começa este trabalho, mesmo tendo um
momento, de dez anos ou mais, de apogeu nas décadas de 1990-2000 e ter servido de
exemplo para outros centros de saúde no Brasil, não constava na memória das pessoas
que ali estavam na minha aproximação para o trabalho de campo em 2013.

O mesmo aconteceu com os trabalhos de humanização do parto e da saúde


feminina ocorridos no mesmo período do apogeu das PICs, como se pode notar no
relato de Vânia Marapuama que se espantou com o discurso de uma “nova proposta”
para Niterói sobre saúde da mulher em um evento institucional em 2015. Na ocasião os
oradores pareciam estar totalmente sem conhecimento e sem memória ao omitir o que já
havia sido feito há alguns anos atrás na cidade. Vânia Marapuama em voz alta e
aborrecida conta:

“Niterói foi ponta em saúde da mulher. Ponta da ponta da ponta. Nós tínhamos grupos
de adolescentes, grupo de prevenção de AIDS, grupo de tudo que é doença
transmissível sexual, produzindo material junto com as meninas. Era super ponta.
Entendeu? Desde sala de espera até grupo continuado que só saia de lá quando sabia
botar e tirar o diafragma quantas vezes. Todas as mulheres com DIU acompanhado
não sei quantos anos de follow-up e (...). Não tô entendo que cês tão falando. Hoje eu
não consigo uma pílula. Então assim, (...) detonou com Niterói, é diferente, Entendeu?
Cada um que entra destrói o trabalho do outro, entendeu? Acha que isso tá falando de
política. Isso é ridículo. Entendeu? Se mudar o partido então? Aí ferrou geral. Mas nós
já fomos, assim, referência e a gente ia pro Brasil inteiro ensinar método

42
Não pretendo neste trabalho abarcar toda história das PICs de Niterói, mas sim, trazer em narrativas a
riqueza nas reminiscências do movimento político das PICs por Niterói, que foi referência em certo
momento para o Brasil.
92

anticoncepcional pra todos os lugares. E como que Niterói não teve? Entendeu?”
(Vânia Marapuama)

E outra entrevistada confirma a força de Niterói nas ideias sobre saúde da


mulher e o uso das PICs neste sistema, citadas por Vânia Marapuama:

“(...) o Santa Rosa na época tinha um perfil de uma atenção muito voltada pra saúde da
mulher, então tinha várias, é, obstetras e foi feito um trabalho, saúde da mulher e
materna e infantil, e tinha um acompanhamento por sinal muito interessante que as
enfermeiras faziam, e a Vera fazia grupo pra gestantes, fazia, é, sala de antessala, fazia
uma roda de conversa, o trabalho dela era muito legal. E aí eu fiquei muito interessada
de ir pra lá, não pra trabalhar com as gestantes, mas porque lá eu sabia que tinha um,
um núcleo de terapias integrativas, na época a gente chamava de terapias alternativas,
né? É Niterói era referência neste tipo de serviço de terapias alternativas. Era assim
que chamava antes, terapias alternativas. (...) Então, chegou uma época que eu achava
que o posto tinha uma característica tão alternativa que se valorizava muito pouco a
questão da consulta médica. A gente recebia televisão, jornal, toda semana, pra falar
de todos os trabalhos que estavam acontecendo por lá, então era uma coisa assim, eu
mesmo saí na Bandeirantes, é, a, programa de rádio, vários, né? E a gente falava da
técnica, no dia seguinte tava lá uma fila de pacientes que não eram municipalizados,
que na época não tinha essa exigência e tal, né?”(Fátima Camomila).

Podemos então dizer que estes tipos de eventos são movimentos políticos,
que participam das relações de forças na construção da saúde pública que faz fazer
“aparecer e desaparecer” as realidades.

No entanto, para compreender melhor as relações de forças políticas,


convoco da história oral as observações sobre as evidências e os movimentos
subterrâneos e da margem, em que Pollak (1989), salienta que aquilo que faz silenciar
torna-se memória clandestina e daquelas ações que, aparentemente, como muitas
encontradas nas entrevistas, ficam muito mais como ressentimentos acumulados no
tempo, silenciadas ou jogadas para debaixo do tapete da consciência (pública). Uma é
apagada ou marginalizada na fronteira para que outra memória apareça, forjada de
recentes realidades hegemônicas e oficiais acobertando a outra. Essa memória proibida
e, portanto clandestina fica subterrânea, mas, é contada em histórias entre pares e
familiares.

No caso das PICs, observamos que mesmo com o apagamento institucional


da memória de tempos ativos nos centros de saúde, muitos dos profissionais
continuaram passando seus conhecimentos em cursos extraoficiais ou mesmo de forma
93

particular e assim, passaram suas memórias oralmente. No entanto, em todos os


entrevistados notei uma forte emoção emergir e desde o mais “duro” ao mais “suave”,
com a possibilidade de resgate das memórias subterrâneas do que viveram e da
possibilidade de ser contada na tese. Isto os fez demonstrar que havia um ressentimento
pelo esquecimento

“(...) com toda aquela luta, com tantos anos fazendo aquelas coisas e tudo perdido no
tempo... a sensação que eu tive é de que nadei, nadei, nadei e morri na praia.” (Anna
Capim Cidreira)

“Fiquei muito emocionada quando você contou sobre sua ida ao centro de saúde e não
encontrar memória alguma e sua exclamação – Como puderam esquecer tudo aquilo
que foi feito? Confesso que escondi minhas lágrimas” (Vânia Marapuama).

E assim, podemos pensar que o silêncio, a voz calada de uma prática em


saúde conspira nos subterrâneos e faz fazer realidades outrora enterradas. Em algumas
medidas o que é real socialmente é feito por e através, dos instrumentos da análise
social. As relações do mundo vão colocar maior ou menor resistência a maioria das
realidades que podem ser criadas (LAW & URRY, 2003). Assim, no campo da política
ontológica (MOL, 1999) se métodos ajudam a fazer (faz fazer) realidades que eles
descrevem, então precisamos afirmar enquanto pesquisadores qual realidade fazemos
existir com nossas investigações. Para Pollak (1989), “uma vez que as memórias
subterrâneas conseguem invadir o espaço público, múltiplas reivindicações
imprevisíveis se acoplam a essa disputa da memória” e fazem emergir,
momentaneamente, como ataques de guerrilha, de solapo invadem a memória oficial
que está no poder. Esta invasão confunde as mentes de quem não acreditava na
inexistência de outras histórias ou outras versões de histórias (DESPRET &
STENGERS, 2011).

Para multiplicar as possibilidades de compreensão de como um conjunto de


racionalidades como estas pode “aparecer e desaparecer” sem deixar vestígios nas
instituições por onde passaram pode ser especial pensar com os estudos de Latour sobre
as “ciências em ação” (LATOUR, 2000; LATOUR & WOOIGAR, 1997).

Para a dinâmica da produção de racionalidade no escopo da ciência ocidental,


pode-se entender este “aparece e desaparece” como uma operação performativa para
94

deixar as ações das PICs esquecidas no limbo dos enunciados que importam para os
técnicos do serviço e cientistas, pois, possui a tentativa de aniquilar irrevogavelmente
sua importância para a saúde e cuidado e produz um fenômeno: faz desaparecer a
memória, valor e consideração sobre essas práticas ou as coloca na periferia da principal
relevância e racionalidade.

Nas pesquisas de Bruno Latour em Vida de Laboratório (1997) e Ciência em


Ação (2000) quando um enunciado é imediatamente tornado de empréstimo, utilizado e
reutilizado, chega-se ao estágio em que ele não é mais objeto de contestação. Penso que
esta insistência para trazer as narrativas e versões de fatos faça por resistência este
papel. Para Latour:

“Este é um acontecimento relativamente raro. Mas


quando ele se produz, o enunciado integra-se ao
estoque das aquisições cientificas, desaparecendo
silenciosamente das preocupações da atividade
cotidiana dos pesquisadores. O fato é incorporado
aos manuais universitários, ou, por vezes, toma-se a
ossatura de um novo aparelho (LATOUR, 1997,
p.91)

Com isto, a exposição de outras versões (DESPRET & STENGERS, 2011) de


um período da história da saúde pública de Niterói atravessado pelas PICs, passados nas
décadas de 1990-2000, aponta para uma possibilidade de colocar este assunto em ação.

3.2 Outras versões: o Vital Brazil ou Santa Rosa

Fui novamente ao centro de saúde que me inspirou para realizar esta tese. Já
havia telefonado por inúmeras vezes e não atendiam ao telefone. Já sabia que a última
gestora (terceira em quatro anos) havia deixado o cargo e não queria falar mais do
assunto. Assim, fui pessoalmente, entrei pelo setor de serviço e subi ao terceiro andar.
Entrei na sala da administração, encontrei uma jovem administradora e contei minha
história. Esta moça chamou a enfermeira mais velha e me fez repetir a história para ela.
A história era a seguinte: - Estou fazendo um trabalho de doutorado em psicologia pela
Universidade Federal Fluminense, sobre uma época em que aqui no terceiro andar teve
95

intensamente um movimento das Práticas Integrativas e Complementares. Aqui se fazia


acupuntura, práticas corporais, homeopatia e moxa, que deixava esse andar com um
cheiro específico. Já quase ao final da tese ainda não consegui atenção do centro de
saúde que me inspirou um projeto de doutorado.

A senhora, muito angustiada com o tempo, pois olhava a todo o momento para o
relógio e olhando para alguém que a chamava à porta disse se lembrar e perguntou o
que eu queria exatamente. Expliquei que queria alguém que tivesse participado deste
movimento e práticas ou que se lembrasse desta época. Então ela foi direta e disse que
ali não tinha ninguém para eu fazer esta entrevista. No entanto, ela se lembrou de uma
fisioterapeuta que havia trabalhado naquela época com a qual ainda tinha contato e
pediu que eu deixasse o número do meu telefone que ela ligaria para a fisioterapeuta
para saber se poderia dar o contato dela para mim e saiu da sala para responder às
demandas.

Desci as escadas sem esperanças de conseguir qualquer entrevista com alguém


que trabalhara naquela época. Quando cheguei ao térreo ouvi a voz da enfermeira e me
aproximei. Pois ela estava comentando com seu grupo sobre o meu projeto e pedido.
Assim que me viu reafirmou que faria a ligação para a fisioterapeuta e depois me daria
um retorno pelo telefone. Não acreditei! Porém algumas horas depois deste encontro, no
tardar da noite recebi o telefonema da enfermeira, senhora que animada me deu o
contato da fisioterapeuta e desejou-me boa sorte.

Após alguns contatos por celular e WhatsApp fui ao encontro de Fátima


Camomila no seu consultório. Ela parecia um pouco ansiosa e mesmo confusa sem
saber o que iria acontecer. Expliquei-lhe como começou a minha tese e que eu estava
atrás do cheiro de moxa que marcava o terceiro andar do centro de saúde. Para minha
surpresa ela disse:

Ah, então, aquela sala fedia a moxa, né? O cabelo da gente era um negócio que
no final do dia falava “aí, meu Deus! Hoje foi muita moxa” (Fátima Camomila).

Argumentei: Mas não só moxa, porque vocês usavam óleos também...

“É, óleos, mas, a moxa pro cabelo era o que eu mais me lembro. E a janela da
sala era um basculantezinho que nem todos funcionavam, não tinha janela aberta,
então a gente vivia naquela „bate, assim‟... Aquelas nuvens de fumaça, gente aquilo era
muito gostoso, muito legal isso!!! (brincou em tom de ironia).
96

“É, o cabelo ficava assim... e era muita moxa, porque a Isabel e o Renato eles
tinham hábito de trabalhar com a caixa de moxa, eles recortavam vários pedaços e
ficava aquela caixa igual a um dragão. É, exalando fumaça, não era só o bastão, eram
muitas, muitas moxas acesas no paciente, né?” (Fátima Camomila).

Achei este comentário muito engraçado e divertido por nossas lembranças serem
tão diferentes. Para mim, aquele cheiro que dominava o ar do terceiro andar era
delicioso e fazia-nos levar para lugares imaginários de cuidados orientais e para esta
moça era muito ruim, pois grudava nos cabelos. A moxa queimada tem um odor
aproximado ao cheiro da maconha queimada e gruda mesmo. Impregna a pele, roupas e
cabelos e leva dias para sair.

Comecei a entrevista pedindo para contar-me sobre suas lembranças sobre a


experiência com as PICs no centro de saúde onde trabalhou. Começa contando como foi
que chegou àquele lugar e àquelas práticas. Assim Fátima Camomila relata:

“Ah. Então, eu sou terapeuta ocupacional e prestei concurso pra prefeitura em


92. Em 93 fui chamada e fui alocada no hospital psiquiátrico. (...) pós-graduação em
psicomotricidade, depois eu comecei uma formação em terapia corporal com método
de cadeias musculares e aí, (...)tinha uma amiga minha, da mesma turma que eu, que é
a Vera, que é TO também, que foi pro Santa Rosa (Hospital Maternidade)” (Fátima
Camomila)

(...) lá no posto (aquele que inicia o trabalho da tese) eu comecei a fazer um


trabalho de grupo de correção postural e comecei a me relacionar muito com o pessoal
da acupuntura, que era uma sala no terceiro andar, grande, dividida, assim, com
biombos, onde trabalhava a Isabel, enfermeira, o Gilberto, fisioterapeuta, a Ana,
médica, o Renato, médico, são casados os dois, o César, também é médico. Uma
equipe de 5 acupunturistas, e o rodízio de pacientes era muito grande, porque tinha
muito paciente, sempre. tinha, sei lá, umas 6 macas na sala, as 6 ficavam ocupadas a
cada 20, 30 minutos no rodízio. (Fátima Camomila)

Conta da sua aproximação com a equipe das Terapias Alternativas (PICs):

“E aí eu comecei a me aproximar dessa equipe e comecei a fazer um trabalho conjunto,


eles me mandavam paciente pro grupo de corpo e eu mandava paciente pro grupo da
acupuntura. E aí a gente começou a fazer um trabalho mais próximo e nesse tempo a
Vânia (Marapuama), junto com a outra Fátima, que chama Regina. Elas tinham um
trabalho de corpo anterior a minha chegada. Quando eu cheguei elas já estavam mais
na questão da gestão, é, da reabilitação e tal, elas já não estavam mais atendendo. E aí
eu peguei essa clientela e continuei (...)” (Fátima Camomila)

3.2.1 Sobre a participação dos usuários


97

As soluções encontradas para a melhoria das condições de trabalho das PICs e


da atividade corporal muitas vezes envolvia a colaboração dos usuários.

“Lembro, como se fosse hoje é... os biombos, porque os pacientes ajudaram


muito, Porque os biombos foram construídos pelos pacientes, no princípio que eles
pintavam a mão, e a sala era uma sala fria de janelão, como todo prédio, é um prédio
muito frio, cada maca de um tamanho, de uma cor, rasgada ou não, mas assim, a gente,
às vezes os pacientes doavam lençol. Ventilador. Enfim, a gente ganhava muitas coisas,
né? (Fátima Camomila)

“ (...)E aí no início do trabalho de corpo era no auditório do centro. Tinha um


carpete podre de sujo e, e assim, se tinha alguma goteira no auditório e a gente não
podia trabalhar, e aí o que nós fizemos? Arrancamos aquele carpete e descobrimos que
a gente tinha uma taboa corrida linda ali embaixo. Os pacientes que estavam na época
se organizaram, fizeram uma vaquinha e nós fizemos (...), que era pra dar pra usar, e aí
começamos a usar, depois veio uma nova leva de pacientes e botaram uma divisória, ou
seja, se tivesse evento no auditório, mesmo assim a gente podia usar, porque era uma
sala fechada. Depois eles se cotizaram e botaram um armário. Então assim, as
almofadas, o ventilador, tudo foi doação de paciente, né? E a gente fez uma mega
sala.” (Fátima Camomila)

Partindo desta narrativa surgiu um questionamento: será o envolvimento dos


usuários no processo das PICs no centro de saúde um processo de implicação e trabalho
de todos para existir uma realidade como um ator-atuado, comprometimento ou falta de
compromisso do Estado? Difícil compreender a complexidade desta questão.

“Um ator-atuado trabalha em parceria com os


outros, na medida em que nem sempre é claro quem
faz o quê. A ação se move. É como um fluido
viscoso. O que faz com que cada ator também
dependa de seus co-atores, se permitindo agir o que
é permitido fazer, depende de regras e regulamentos.
Mas isso não significa que um ator-atuado é
determinado pelo que o rodeia. Ele tem sua própria
teimosia e suas especificidades: é cheio de surpresas.
Assim, a diferença que produz um ator não é
previsível. Antes, pelo contrário, o que os atores
fazem atuar é essencialmente indeterminado. Grande
parte é formada em redes colaborativas de práticas
complexas” (LAW & MOL, 2008, p.75).

Podemos então pensar, neste envolvimento dos usuários e de todos os actantes


humanos e não humanos que fazem as PICs manifestarem-se como um ator-atuado. Mol
98

e Law (2008) analisaram algumas múltiplas formas em que as ovelhas de Cúmbria


foram atuadas nos contextos apresentados por ocasião de uma epidemia de febre aftosa
em 2001. É um texto que a Mol e o Law escrevem e que tem uma situação em que em
meio a uma febre aftosa que está atacando as ovelhas na Inglaterra, mostra que tem a
ovelha do veterinário, tem a ovelha do economista, tem a ovelha do dono da fazenda,
existe uma ovelha material, mas existem inúmeras ovelhas, cada uma entrando em redes
de imbricações diferentes, mas é a mesma ovelha. Os agenciamentos ocorridos
evidenciaram que os atores não atuam se não são habilitados e produzidos por uma
complexa rede de relações com outros atores, ou seja, para converter-se em ator tem de
ser atuado como tal, por estes outros envolvidos.
No caso do envolvimento dos usuários com o reparo do material do ambiente
proporcionou que tanto profissionais como usuários, moxas, agulhas, macas, lençóis,
ventiladores, basculantes fizessem das PICs um ator-atuado e passível de mediação43,
com aquele centro de saúde.

Outra coisa é a questão da obrigação do Estado em fazer uma boa política de


saúde para melhores condições da qualidade do atendimento do SUS. Percebo que isto
daria outra tese, porém, não há dúvidas de que falta o envolvimento deste importante
actante para maior possibilidade de existência de bem-viver a saúde de todos no SUS44.

Ainda, neste exercício do ator-atuado, outros contextos estão em conexão para o


agenciamento e mediação das PICs em Niterói, como será visto daqui para diante.

3.2.3 Do bem-estar global ao mal-estar difuso

O cotidiano e o mal estar difuso

As questões do cotidiano são tão importantes e influenciam um estado de


consciência coletiva que, se intrincam com a saúde quando se pensa no bem-estar
43
Mediação é compreendida como noção, como processo, como uma ação implicando uma transformação
de uma situação e não uma simples interação entre elementos já constituídos e, ainda menos, uma
circulação de um elemento de um polo a outro. Nesse sentido, ele não se confunde com um intermediário
com um ator específico. A partir das mediações, qualquer coisa se passa, produz-se um acontecimento,
uma passagem, que modifica relações, processos de trabalho, modo de circulação dos fatos; “não deixa
nada como dantes” (LATOUR, 2005).
44
Sugiro para consulta deste assunto ver em Paim, 2002; Cantillano, 1983; Merhy, 2002; Tsallis, 2014.
99

coletivo como definição de saúde. No cotidiano estão as inúmeras maneiras de


promoção da saúde sem necessariamente estar relacionado a não chegar ao
adoecimento. No entanto, é necessária a compreensão de que estar doente também faz
parte do viver em saúde. Possuir ferramentas internas e externas, múltiplas no ambiente
coletivo para a própria comunidade para lidar com as crises, quer sejam elas derivadas
dos desequilíbrios da condição física, energética, da condição social de pobreza, de
violência, da ignorância ou da tentativa de subordinação e controle da sua existência (e
de tudo ao mesmo tempo), isto é um importante sinal de boa saúde e talvez inovador.

O cuidado, nesta compreensão, está distanciado de um saber terapêutico no


sentido prático. Sequer de um sentido de um saber acadêmico do lato ou do stricto
sensu. O cuidado está na possibilidade da auscuta dos afazeres cotidianos e de toda sua
rede de acontecimentos (BOFF, 2005). Está na possibilidade de oferecer as ferramentas
para que todos possam cuidar dos seus ou ser cuidados por eles, na sua comunidade e,
se for preciso recorrer a um médico. Sem vício, não por medo de viver refletido na
angústia de viver para obter a tal saúde padronizada e idealizada.

Além disso, existe um mal estar difuso que faz parte do mundo contemporâneo,
que não pode ser significado como doença, mas que, se distribui entre as pessoas de
modo geral, tanto para os usuários, como para os servidores da saúde, como para os
pesquisadores e praticamente todas as pessoas da comunidade. Este mal estar difuso
constantemente é medicalizado, quando os usuários pedem exames e medicamentos
para saberem o que tem e um jeito de retirar isto deles.

Os sintomas indefinidos, ao não se encaixarem nos referenciais da biomedicina,


tornam-se um problema para o diagnóstico, colocando em xeque o saber médico, já que
esses pacientes possuem persistentes sintomas físicos sem que o médico possa detectar uma
doença. Entendemos que os portadores desse tipo de queixa não são pacientes, mas “quase-
pacientes”, visto que ficam vagando e estabelecendo uma rotina de ir e vir nas instituições
de saúde sem que haja resolutividade de seus sintomas.

“De acordo com a Organização Mundial de Saúde


(OMS), a somatização constitui relevante questão de
saúde pública mundial. Identificamos que esse tipo
de manifestação corresponde a uma parcela
importante da demanda ambulatorial; no entanto, ao
receberem atendimentos inadequados, terminam por
comprometer o potencial resolutivo da atenção
100

médica e aumentam consideravelmente os custos dos


serviços de saúde” (GUEDES; NOGUEIRA;
CAMARGO Jr., 2008).

Podemos ainda pensar que este mal seja referente à complexidade da vida e a
pouco acesso ao conhecimento e habilidades para lidar com problemas da vida. Para isto
a medicalização apenas acoberta a dificuldade de lidar com fatos duros e realísticos.
Seria mesmo esta medicalização da vida a melhor forma de lidar e atingir um estado
bom de saúde ou seria apenas um modo de reforçar o Complexo Médico Industrial -
CMI?

“(...) devido em grande parte às condições


socioeconômicas que originam a crise sanitária,
desenvolve-se atualmente no mundo capitalista o
que sociólogos franceses, que tratam das relações
entre saúde e cidade, entre os quais Michel Joubert,
têm denominado de “pequena epidemiologia do
mal estar”, ao analisarem uma síndrome coletiva
que se poderia definir como biopsíquica, com
grande repercussão na saúde física e mental da
força de trabalho, caracterizando-se por dores
difusas, depressão, ansiedade, pânico, males na
coluna vertebral etc., que atinge milhões de
indivíduos das populações de quase todos os países
nas grandes cidades, ocasionando uma situação
permanente de sofrimento para os cidadãos e de
perda de muitos milhões de dólares anuais para as
economias desses países, em função de dias de
trabalho perdidos” (LUZ, 2005).

A saúde vista como um recurso para a vida ou como objetivo de viver?

Madel Luz em uma entrevista acena para a existência de mudanças na visão da


saúde, tentando sair do foco da doença e passar o foco para a vida saudável, preventiva
e promotora de saúde. Uma saia justa, diz ela:

“Está crescendo na sociedade uma ideia do „estar


saudável‟. Começa a emergir de novo a categoria
saúde associada à ideia de vitalidade, vida
101

saudável, qualidade de vida, harmonia, estar bem


consigo e com o outro. Isso tem um lado positivo,
que é superar o paradigma da saúde/doença que
vigeu durante três séculos, do XVII ao XX. Mas,
por outro lado, significa também ver quase todas as
coisas pela ótica da saúde. Antes você caminhava
porque gostava, agora caminha para ter saúde.
Existe uma utopia da saúde (...) a valorização da
forma física e da qualidade de vida (...). Se o
paradigma da doença era horrível e provocou muita
mutilação e morte, o paradigma da saúde também é
uma saia justa para todas as pessoas” (LUZ, 2003).

A meu ver esta ideia de “vida saudável” refletida por Luz na entrevista acima,
comandando as ações do dia a dia não destitui o paradigma saúde/doença e sim o
reforça, numa corrida obsessiva para ser saudável e viver saudável, gerando culpa e
angústia quando não se consegue seguir as normas restritas para esta condição ou
mesmo quando tudo falha e a pessoa adoece. Estas pessoas que vivem esta busca de
estado com sacrifícios não estão preparadas para as novidades do viver.

Neste sentido, alguma mudança há de ser interessante para que as pessoas


possam viver seu cotidiano sem uma bolsa cheia de medicamentos para dormir, acordar
e olhar para o outro com paciência, para deixar dormente seus sentimentos. Bem como,
não dá para correr atrás de fazer mil exames com ideias preventivas ou mesmo tentar
estar nas normas restritas de “vida saudável”.

Abaixo o depoimento de uma médica entrevistada ao lidar com seus pacientes


usuários do atendimento público desde a década de 1980:

“(...) e a gente foi trabalhando. Sendo que logo com… primeiro ou segundo ano
de trabalho nessa unidade, e aí entra a articulação com as práticas integrativas, eu e o
professor Eduardo Almeida nos vimos diante da seguinte dificuldade: a medicina que a
gente havia aprendido e que a gente sabia ensinar não se aplicava a demanda que a
gente tinha que atender. A gente tinha 75 a 80 por cento dos pacientes funcionais, sem
lesão. A clínica que a gente conhecia era do paciente com lesão, com a doença
instalada no corpo agora, e aí a gente não tinha instrumento pra lidar com aquela
realidade, então, é, a maioria na época a gente tinha que preencher um protocolo.
Mas, assim, a gente tinha que preencher um relatório mensal de atividade, né? De
trabalho feito e a gente tinha que dar o código do atendimento pra cada pessoa que a
gente atendia, não é verdade? E aí a gente viu que 75 a 80 por cento dos casos caíam
102

naquele código do Queixas Vagas e Sintomas Mal Definidos, que é o que a gente tinha
na CID 9, né?” (Anna Capim Cidreira)45

“diante da insuficiência da medicina que a gente tinha aprendido pra lidar com
aquela demanda(...). Eduardo foi pra medicina chinesa, eu fui pra homeopatia e
passamos a usar essas medicinas no atendimento a população e o posto de saúde do
Caramujo foi desenvolvendo formas de cuidado mais abrangente do que a maioria das
unidades oferecia na época.” (Anna Capim Cidreira)

Hoje, “A tendência é medicalizarem todos os mal estares difusos. Então a gente


já tem síndrome da fadiga crônica, fibromialgia, transtorno de déficit de atenção, a
gente não tinha nada disso. Na época das queixas vagas e sintomas mal definidos eu
acho, assim, por um lado essa tendência de construir essas novas síndromes, por um
lado eu compreendo que ela ofereça a pessoa que sente esses desconfortos, um grau de,
assim, de acolhimento, uma certificação de que o seu sofrimento ta sendo respeitado e
reconhecido, eu entendo isso, né? Se a pessoa vai... e aí, é, eu acho que tem isso, mas
por outro lado eu acho que aprisiona a pessoa um pouco nesse diagnóstico.” (Anna
Capim Cidreira)

A Primeira Conferência Internacional Sobre Promoção da Saúde realizada em


novembro de 1986, em Otawa, Canadá, definiu a Promoção da Saúde e a diferenciou da
Atenção Básica de Saúde46 no que se refere à visão e importância da saúde. A Atenção
Básica está vinculada e é influenciada pelo modelo médico flexeneriano de saúde-
doença e a primeira aborda a saúde numa proposta mais positiva, ao menos no seu
ideário, na proposta de ações preventivas como vacinação e cuidados mais relacionados
ao cotidiano das pessoas, tais como atividades de exercícios em que saúde não se refere
apenas à ausência de doença ou objetivo a ser perseguido e sim de toda a complexa rede
do viver.

Nesta direção, a Promoção da Saúde com o conceito de saúde mais positivo, não
é responsabilidade exclusiva do setor saúde e vai para além de um estilo de vida
saudável, na direção de um bem-estar global. É definida como a capacitação das
pessoas e comunidades para modificarem os determinantes da saúde e de atuar em
benefício da própria qualidade de vida, enquanto sujeitos e/ou comunidades ativas.

45
Anna diz que adora esta erva, que a tem plantada em vasos na sua casa. Cymbopogon citratus, capim-
santo, capim-limão, capim-cidró, capim-cheiroso, cidreira. É indicada para cólicas intestinais e uterinas e
como um calmante suave.
46
A Atenção Básica é um conjunto de ações, de caráter individual e coletivo, situadas no primeiro nível
de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, tratamento
e a reabilitação. (PNAB, 2006).
103

Incentiva condutas adequadas à melhoria da qualidade de vida, distinguindo-se da


atenção primária ou ações que identificam precocemente o dano. Rabello (2010)
assinala que se trata de um novo paradigma e que este se contrapõe ao modelo
flexeneriano que se expressa através do individualismo (atenção individual), da
especialização, da tecnologização e do curativismo na atenção à saúde, predominantes,
até então, nas práticas de saúde.

A Atenção Básica é conhecida como a "porta de entrada" dos usuários nos


sistemas de saúde. Ou seja, é o atendimento inicial. Seu objetivo é orientar sobre a
prevenção de doenças, solucionar os possíveis casos de agravos e direcionar os mais
graves para níveis de atendimento superiores em complexidade. No Brasil, há diversos
programas governamentais relacionados à Atenção Básica, sendo, por exemplo, um
deles a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que leva serviços multidisciplinares às
comunidades por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBSs), e o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que busca alternativas para melhorar as
condições de saúde de suas comunidades.

A Promoção da Saúde47 consolida-se na Estratégia da Saúde da Família


reforçando os princípios do SUS, especialmente o da integralidade na atenção à saúde e
o da participação social (BUSS, 2010). Neste sentido, pode-se considerar, também, a
relação das PICs (MS/PNPICs, 2006) com a Política Nacional de Promoção da Saúde
(MS, 2009), tendo em vista que a promoção da saúde pode ser compreendida como um
campo de propostas, ideias e práticas, crescente na saúde pública, que propõe a
articulação de saberes técnicos e populares e a mobilização de recursos institucionais e
comunitários, públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução (BUSS, 2000). A
inserção das PICs no SUS configura uma ação de ampliação de acesso e qualificação
dos serviços, na tentativa de envolver a integralidade da atenção à saúde da população
(SANTOS & TESSER, 2012).

No entanto, o que as ações do SUS revelam está muito próximo ao que vimos no
caso do centro de saúde de Niterói. Quando é sugerida ou montada uma ação de

47
A Promoção da Saúde foi definida como o processo de capacitação da comunidade para atuar na
melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo.
Onde a saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a
saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades
físicas (WHO, 1986).
104

promoção da saúde de maneira mais cotidiana, ou seja, não incluindo a remoção da


doença como objeto principal, a burocratização e não compreensão do que este serviço
realmente traz de positivo para o sistema de saúde na sua organização econômica faz-se
com que o serviço seja despontecialiazado, enfraquecido e colocado fora da memória
oficial, ou seja, não levado em consideração nas ações políticas mais adiante. A coisa
toda emperra!

Ainda é muito confusa a proposta de integralização dos diversos saberes e da


horizontalidade na escuta do saber do outro. É cultural entre os gestores, pessoal de
serviço e pesquisadores (professores e estudantes da saúde) a verticalidade do saber e
das hierarquias e das ações. Mesmo que teoricamente e os documentos utilizados para
orientação e o fortalecimento do SUS indiquem um caminho, a dificuldade de escuta do
diferente ainda é o usual.

Por este caminho podemos compreender o quanto esta cultura hierarquizante e


verticalizadora do saber-poder dificulta as PICs no SUS e tem dificultado a integração
da cultura dos saberes tradicionais brasileiros no nosso sistema público de saúde. Este
tipo de mentalidade sempre cria o isolamento e a exclusão de alguém e de algum saber.

Por conta disto, para quebrar a distorção de como agir em beneficio do SUS
integralista e promotor de saúde, percebe-se o quanto é importante o trabalho de
comprometimento e envolvimento de todos quando um coletivo quer um conjunto de
práticas que promova melhor o bem-estar no cotidiano. Essa dificuldade de
integralidade pode ser notada em um exemplo em que as PICs são atuadas como
intermediário e não um mediador. Quando são incentivadas na Atenção Básica e PSF
com oferta de um curso gratuito de Auriculoterapia (reflexoterapia do pavilhão
auricular) aberto para dois mil profissionais do cuidado na saúde, os beneficiários do
curso são os que possuem o terceiro grau, ou seja, os especialistas, verticalizando um
saber sobre a saúde que poderia muito bem ser promovida no cotidiano como propõe a
Promoção da Saúde.

Um curso de auriculoterapia utilizando sementes de mostardas e não agulhas


pode ser oferecido para todos incluindo os Agentes Comunitários de Saúde com o
segundo grau de escolaridade ou outros. Como moradores das comunidades onde atuam
e conhecem a todos, poderiam atuar com este saber nas suas casas e ampliar este
cuidado no seu coletivo próximo em prol da promoção de saúde no cotidiano.
105

“O Ministério da Saúde, através da Área


Técnica/DAB/SAS, em convênio com a
Universidade Federal de Santa Catarina, está
oferecendo o CURSO FORMAÇÃO EM
AURICULOTERAPIA PARA PROFISSIONAIS
DE SAÚDE DA ATENÇÃO BÁSICA, com o
objetivo de capacitar profissionais de nível superior
da atenção básica de municípios selecionados por
meio de ensino semi-presencial.Trata-se de mais
uma ação estratégica do Núcleo responsável pela
coordenação da Política Nacional de PICS, que
busca qualificar as Práticas no Sistema Único de
Saúde. Quanto ao critério de seleção, os
participantes devem ser profissionais de saúde de
nível superior da atenção básica, com especificação
do número do CNES do serviço em que trabalha, e
devem estar atuando na assistência em funções de
nível superior, prioritariamente nas equipes de Saúde
de Família e NASF” (MS, 2016).48

Por outro lado, nos relatos de fundo desta tese também vimos a importância dos
gestores para a existência e manutenção das PICs no serviço. Coisa que ao olharmos
podemos perceber nos esforços para a manutenção de uma realidade PICs no centro de
saúde. Sem constrangimentos, percebe-se que é necessário muito trabalho e esforço de
todos os envolvidos para que exista uma rede de interesse que se mantenha ativamente
em conexão com outras tantas outras redes para o fortalecimento e concretude (mesmo
que parcial e momentânea) de uma realidade.

Portanto, explorar os acontecimentos através das práticas, torna mais claro os


movimentos e agenciamentos dos atores e diferenças entre ser um ator-atuado, um
intermediário ou um mediador. Deste modo, o curso de auriculoterapia do SUS
oferecido este ano para os profissionais de terceiro grau é possível que faça mais o papel
de intermediário, ou seja, aquele que age e nada muda.

Se, o mesmo curso fosse aberto para os ACSs e estes transladassem este
conhecimento na comunidade, não de maneira a medicalizar a vida e sim como algum
apoio ao cotidiano, isto ao meu entender poderia promover alguma mediação. No
48
http://auriculo.fett.digital/index.php/sobre-o-curso/informacoes-gerais
106

entanto, sem radicalismos ouso esperar alguma mediação, pois “os actantes são
inúmeros e suas ações possuem sempre um resultado inesperado e complexo”
(LATOUR, 2005).

Assim como podemos pensar em ator-atuado, agenciamento e mediação quando


as entrevistadas contam, detalhadamente, como aconteciam as ações para que o trabalho
das PICs pudesse existir e ser feito no centro de saúde de Niterói, pudemos perceber a
gestora que comprou o algodão, o usuário que pintou o biombo e reformou o carpete
estragado do chão, as técnicas que chegavam mais cedo para cortar os esparadrapos e
deixarem prontos para o uso, um setor de cuidado indicando o usuário para as PICs e
vice versa e o comparecimento de uma gestora, aos sábados, no centro de saúde para
fazer uma triagem especial para os atendimentos de Reiki.

3.2.4 Reiki no centro de saúde

“e aí a Vânia (Marapuama), ela se ligou numa, como se fosse um convênio com


a Sociedade Brasileira de Reiki e aí a Sociedade Brasileira de Reiki dava o curso e os
reikianos praticavam pra fazer como se fosse um estágio todos os dias de meio dia a
uma, então nessa sala, todos os dias de meio dia a uma a gente tinha que sair no
máximo 5 pra meio dia porque eles entravam, esborrifavam aquela essência
maravilhosa com cânfora e tal, e energizavam água e eles tinham os recursos próprios,
eles, eles que compravam os copinhos, eles que compravam papel toalha, eles eram,
assim, perfeitos. Isso durou muitos anos, muitos anos.” (Fátima Camomila)

Pergunto: E quem eram os pacientes do Reiki, os mesmos pacientes do trabalho


de corpo e acupuntura? Como vocês faziam um encaminhamento?

“É, a gente ia mandando paciente pro Reiki. Isso, e aí tinha uma triagem, que
normalmente no sábado era feita pela Vânia, e a Vânia via lá quais eram os pontos que
ia energizar e quem aplicava eram os alunos, ficou muito legal. E isso ficou
acontecendo até a Vânia se aposentar... durou uns 5 anos.” (Fátima Camomila)

“Nesse, nesse tempo que tava, o serviço tava a todo vapor a gente teve
conhecimento, eu e Isabel, de uma técnica japonesa chamada Spiral Tape, é, e a gente
foi pra São Paulo fazer a formação e eu comecei a atender dentro do setor de
acupuntura só com spiral tape, que é uma terapia usando o esparadrapo. (...)e a gente
trabalhou uns 10 anos juntas nisso até que a Isabel saiu. Fizemos uma pesquisa,
publicamos um artigo, (...)a homeopatia era super integrada com a gente. A Mírian
era muito integrada, depois a Mirian foi ser médica de família (...) A Ana, que é essa
médica homeopata e acupunturista, ela dava um horário na acupuntura, um horário na
homeopatia, mas ela trabalhava muito com floral, então a gente tinha a Ana como
referência pro floral, então se a gente for pensar teve uma época que tudo funcionava,
107

a gente tinha acupuntura, a gente tinha o reiki, a gente tinha o floral, a homeopatia e o
spiral tape.” (Fátima Camomila)

3.2.5 O cuidado muito além da assistência

Seguindo mais uma linha de argumentação, uma das questões mais


problemáticas e controversas que os profissionais e usuários das PICs enfrentam (na
maioria das vezes sem consciência) está na nutrição e solidificação da medicalização da
vida. O termo medicalização pode ser entendido pelo menos de duas maneiras: por um
lado, o ocultamento de aspectos usualmente conflitivos das relações sociais, por sua
transformação em “problemas de saúde”, e por outro, a expropriação da capacidade de
cuidado das pessoas em geral, em especial (mas não apenas) os membros das camadas
populares, tornando-as dependentes do cuidado dispensado por profissionais (incluindo
os de outras racionalidades médicas que não a hegemônica), em particular (ou quase
exclusivamente, para alguns) médicos (CAMARGO JUNIOR, 2007). Assim, entende-se
que mesmo oferecendo serviços e práticas menos comuns ao que é encontrada em um
centro de saúde, na sua maioria a fala dos usuários e a escuta dos terapeutas está
inundada de uma razão biomédica.

Para Camargo Junior (2007), uma das linhas mais estruturadas de crítica ao
modelo biomédico, em geral, acontece no bojo da tradicional saúde pública, quando
centra seu foco nas distorções produzidas como a redução da concepção de saúde à
mera ausência de doenças, ênfase excessiva na tecnologia “dura” na produção de
diagnósticos, à redução da terapêutica (sem cuidado), à prescrição medicamentosa e à
ênfase numa perspectiva dita curativa, ou no máximo contemplando a prevenção das
ditas doenças, mas sempre excluindo de seu horizonte de preocupações toda a dinâmica
social e subjetiva produzida (no cotidiano), que dá de fato sentido à existência humana.
Estas ideias dicotômicas, muitas das vezes, não estão afastadas daqueles que trabalham
e utilizam as PICs como ferramenta. Mesmo quando tentam buscar um ideal
diferenciado do modelo criticado, acabam por relacionar qualquer ação de saúde à
remoção de doenças.

Conforme vemos nas políticas do SUS mais recentes, contrapondo-se a realidade


do modelo biomédico, a produção do conhecimento científico como empreendimento
humano, deve estar aberto também às descrições baseadas nas Ciências Sociais e
108

Humanas, em especial a História, a Antropologia e a Sociologia, em articulações


interdisciplinares. No entanto, observa-se que os possíveis problemas gerados pela
naturalização das necessidades de medicalização da vida com foco nos ditos
“necessidades de saúde”49 é a apreensão, ainda que esquemática, do escopo das
técnicas, saberes, instituições, práticas e profissões envolvidas neste campo, ou seja, o
chamado complexo médico-industrial – CMI (indústria farmacêutica, a indústria de
equipamentos médicos, as instituições oficiais de formação de pessoal na área de saúde,
um setor da indústria de publicações , instituições de pesquisa, instituições alternativas
de formação de práticas em saúde e praticantes de várias formas de terapia alternativa
com ou sem reconhecimento do Estado) que engendram-se em uma espécie de
manutenção de uma rede dita de saúde (CAMARGO JUNIOR 2007, p.68).

Na ponta da racionalidade desta rede teríamos, então, a emergência (ameaça ou


medo) de problemas de saúde que constituiriam a demanda50 por serviços de saúde. Ao
setor saúde caberia identificar e responder a essa demanda, identificando prioridades e
alocando recursos de acordo com as mesmas. Tendo por objetivo atendê-las, e esperar
que eventualmente estes tentem ativamente expandir sua base de usuários (ibidem).

Neste sentido, quaisquer agentes do CMI - e mesmo os praticantes não-


hegemônicos, “alternativos” das PICs podem ser agentes dessa medicalização em
sentido lato, convencendo de que um dado evento é um “problema de saúde”, que visa
uma solução eficaz e segura - em outras palavras, confiável. Usando a utilização dos
meios de comunicação de massa para veicular todo um imaginário de “saúde perfeita”
através do consumo. Constata-se assim, que mesmo racionalidades de outras origens
podem participar do mesmo fundo, ainda que em posição mais limitada no alcance de
suas estratégias (CAMARGO JUNIOR, 2003).

“(...) há uma mercantilização das medicinas


alternativas e complementares, decorrente de sua
existência no mundo privado e liberal das práticas
49
Termo utilizado para justificar a constituição de uma demanda, através de processos culturais, políticos
e sociais bastante estudados, por serviços ditos “de saúde”. Este uso decorre da necessidade lógica de
identificar metas, objetivos para a intervenção que justificarão o curso de ação escolhido. O que se tem
em mente são problemas de saúde que se deseja evitar, corrigir ou minimizar, traduzíveis na racionalidade
biomédica por doenças claramente identificadas (CAMARGO JUNIOR, 2007).
50
Baseada na impossibilidade de uma vida útil para o capitalismo (FOUCALT 1979), no medo da doença
mortal, de dar trabalho para a família e outras tantas razões inculcadas e divulgadas vertiginosamente.
109

curadoras, que enfatiza certos aspectos das mesmas;


há uma incorporação lenta, mas progressiva, ao
establishment biomédico de técnicas dessas
racionalidades como procedimentos especializados
restritos a especialistas (acupuntura, por exemplo)”
(TESSER &LUZ, 2008, p.203).

Desta maneira, como pensar em resistência e novas possibilidades?

Sugiro assim, pensar no apoio ao cotidiano. Pensar na desmedicalização da vida.


Uma ação no sentido do atirar a flexa do arqueiro zen, de pouco em pouco, apalpando o
caminho, catando a flexa do chão onde ela cai, sem saber se o alvo foi alcançado ou
não, deixando acontecer de maneira que quando aconteça já não se saiba mais quem é o
arqueiro, quem é a flexa e quem é o alvo. Talvez apenas para produzir pequenos furos
no pensamento hegemônico.

Como já mostrei anteriormente para as racionalidades orientais faz parte da vida


respirar, meditar, contemplar, praticar inúmeras artes marciais ou não, culturais no
cotidiano. Bem como faz parte de sua tradição cuidar de si e de sua família com
conhecimentos de apoio a energia circundante nos meridianos de acupuntura, na
circulação de energia da casa, dos chakras, do campo áurico, em energizações com as
mãos, com rezas, com cristais, com prana ou o que for próprio da sua cultura. Assim,
nas ocasiões em que a comunidade saiba de alguém que esteja precisando de alguma
ajuda, trocam-se conhecimentos de ervas, pequenos tratamentos caseiros vindos da
sabedoria milenar e, em último caso, se precisar, ir para o médico e ao hospital.

Nas ocorrências de desequilíbrios, não há necessidade da hipervalorização


expressada como doença, apenas aquelas que chegam a constranger a vida como nos
fala os estudos de Canguilhem (1978), aventado no primeiro capítulo desta tese.

Talvez seja confusa a consciência implicada nesta rede de saúde hegemônica,


incluindo muitos naturopatas das PICs, parte da conceituação de “problema de saúde”
110

como equivalente a doença, como um objeto dado e não uma comunicação complexa
entre vários actantes51 cujos resultados são contingentes e instáveis ao longo do tempo.

O apoio da saúde no cotidiano pode ser exemplificado quando o pessoal do


serviço do centro de saúde de Niterói é convidado para fazer parte de um grupo para
cuidar de dores provocadas pelo peso dos arquivos carregados no serviço ou por
excesso de vacinação na semana. No entanto, do que mais cuidaram foi de fazer contato
uns com os outros e trocarem outras informações como onde dançar, como cozinhar
algo, dentre outros assuntos, incluindo neles as dores. Como pode ser visto a seguir:

“E aí uma época eu, eu vi que os funcionários estavam usando demais a


acupuntura, a homeopatia e tal, e resolvi fazer um grupo de funcionários, inicialmente
foi um fracasso, porque as pessoas não queriam um grupo de funcionários, elas
queriam ser cuidadas como pacientes. (...) E aí, assim, uma das coisas que eu percebi é
que as pessoas precisavam falar das dores do trabalho. E aí, assim, pro exemplo, lá no
arquivo tinha aqueles arquivos pesados, todo mundo tinha dor no ombro, né? Aí
pegaram e mudaram o arquivo, mas sem consultar as pessoas da reabilitação, botaram
várias caixas de madeira, que piorou muito a situação, porque as pessoas começaram a
andar com 2, 3 caixas empilhadas assim, com a cervical totalmente descompensada e
tal, só que a gente não pôde dar nenhuma opinião, isso foi feito por um projetista da
prefeitura, que não passou pela opinião, nem de quem trabalha dentro do hospi… do
lugar, né? Então, assim, com o tempo eu fui falando...

E aí no final eu tinha lá uns 10 funcionários, era na quarta-feira, de meio dia a


uma, então quem tava saindo podia fazer e quem tava entrando podia chegar mais cedo
pra fazer, durou até a hora de eu sair, esse grupo, foi muito bacana.

Até se falava um pouco “pô, aquela cadeira tá ruim”, “Fatinha, eu acho que
fiquei assim porque foi vacinação e eu fiquei muito tempo agachado e tal”, mas em
geral as pessoas queriam mais era se conhecer, começaram a sair entre si.“Cê tem um
negócio pra me emprestar, então eu passo na sua casa”, pessoas que não tinham essa
relação antes, entendeu? Foi muito interessante, muito interessante, mas assim... Era
assim, foi começando a estreitar uma relação muito melhor no trabalho e pessoal.”
(Fátima Camomila).

Pergunto como se dava a relação entre as racionalidades diferentes no centro de


saúde. Ou seja, o serviço da biomedicina do primeiro e segundo andar, com o pessoal
das PICs no terceiro andar?

51
Humanos e não humanos tais como: ambulância, estetoscópio, balanças, aparelho de medir a pressão
arterial, medidor de glicose, propagandas de medicamentos, bolsas de medicamentos ou mesmo agulhas
de acupuntura, etc.
111

“Então eu acho que não tinha uma coisa, assim, do, é, “esse serviço não
funciona bem”, pelo contrário, as pessoas encaminhavam, né? Assim como a gente
também usava bem as consultas médicas. Os médicos tinham uma afinidade muito
grande com a equipe da gente, depois as coisas foram mudando” (Fátima Camomila).

Pergunto como era visto o cuidado e a saúde nessa relação?

“Então, a gente tinha uma concepção de saúde muito, é... acho que a gente tinha
uma concepção do cuidado muito pra além da assistência. A gente tinha um
envolvimento, tinha, é, uma implicação de todos nós, apesar da gente não ter reuniões
de equipe.” (Fátima Camomila).

As reuniões pelos corredores: menor burocratização da saúde e do serviço?

“A gente… não precisava. A gente tinha umas paradas de corredor do lado do


bebedouro, assim, era sempre do lado do bebedouro onde a gente falava, assim, e
tentava:

- Gente, não tá dando conta. Ele não melhora com isso, ele não melhora com
isso.

- Vamo chama fulaninho, vamo…

Né? E aí era uma coisa, assim, que era uma implicação, que eu me lembro que
eu ia pro trabalho e, a gente começava a atender 1 hora, eu chegava lá 11 e meia, eu
almoçava 11 horas, 11 e 15, 11 e meia eu tava lá cortando esparadrapo, porque senão
se eu começasse 1 hora cortando o esparadrapo eu não ia conseguir atender aquele
monte de paciente. Então eu e Isabel a gente ficava na hora do almoço fazendo as
tirinhas de esparadrapo, que chamava na época cross, e montando aquele monte de
papel, assim. Nunca ouvi ninguém falar “não, não tem recurso, eu não posso atender”,
“não tem luz eu não posso atender”, “não tem água eu não posso atender”, a gente
dava um jeito.

Eles (usuários) tinham uma relação de muito, de muito vínculo com a gente, até
porque a gente não tratava do joelho, nem do pé, nem do ombro, a gente tratava das
pessoas ali, né? Eles se sentiam muito bem cuidados, eles se sentiam acolhidos no
nosso serviço, né?(...) o vínculo era de tanta confiança, que se eu tivesse que enfiar um
prego ou um esparadrapo ou uma agulha ou um negócio que dá choquinho...

É. Não existia aquela anamnese, assim, do “seu joelho dói quando eu estico ou
quando dobro?”, “cê dorme bem?”, “cê tem gases?”, “seu coco é marrom?”, sabe
aquela preocupação que é pro além da queixa, né? Que às vezes o paciente traz uma
queixa que é um sintoma mais aparente e que às vezes aquele sintoma tem a ver com
um estilo de vida, um hábito, ou nem é ele que é tão importante, às vezes o
desequilíbrio do canal energético é mais importante naquele momento. Então, assim, é,
todos nós fazíamos uma anamnese muito minuciosa. Porque não é coluna que dói… é o
eixo que dói, é a estrutura que dói, né? E quais são as dores estruturais que o ser
112

humano tem? Que não são... que precisam ser ditas, ou que precisam ser sentidas, ou
precisam ser compartilhadas, né? Então, acho que todos nós tínhamos essa percepção,
não existia alguém que chegasse lá, agulhasse e tchau!

E assim, não existia trocar o nome do paciente, trocar a história do paciente, a


gente conhecia muito aquelas pessoas,... E eram muitas pessoas, ... E a gente dava
conta de conhecer aquela imensidão de pacientes. E milhares de presentes, a gente teve
uma época que a gente atendeu muita gente da feira, então a moça do coco trazia coco,
o cara da verdura trazia agrião, trazia alface, trazia, então era muito bacana, assim.

E eles entendiam que ali... Que ali a gente não tinha fragmentação no
cuidado, que a Dra. Mirian era tanto quanto nós ali, ... Não tinha é, assim, “ah, a Dra.
Mirian é mais legal que é médica”, né? “O outro é TO, não é Doutora”, não existia
isso. Então, assim, se passasse no corredor, “olha, hoje não é meu dia, mas hoje eu não
tô bem”, podia falar comigo, com a Mirian, até acho que a faxineira acolhia diferente,
né? Porque todos nós tínhamos uma percepção de que aquilo ali era um cuidado com,
assim, que não era fragmentado, ... Tinha uma visão mais integral.” (Fátima
Camomila).

Durante a pesquisa de campo, ouvi relatos de alguns profissionais médicos


homeopatas que em algum momento começaram a ser questionados pelos gestores das
unidades sobre sua atuação “contraproducente” para o centro de saúde, porque depois
que os usuários passavam a ser atendidos por esta racionalidade e pelas outras
ferramentas das PICs, de maneira integrativa, muitos usuários deixavam de lado os
atendimentos biomédicos comuns às doenças crônicas. Notadamente se o serviço de
saúde do SUS vincula o número de atendimentos para justificar a quantidade de verba
para repasse, o entendimento dos gestores sobre isto levava a este tipo de cobrança
desconectada do bom atendimento. Confuso para um SUS cujo valor maior é produzir
saúde e bem estar à população.

“(...) assim, do quanto é preciso trabalhar na equipe mesmo, qual é o papel de cada um
nisso e tal, porque através do corpo a gente ia conversando sobre isso, foi muito legal,
foi muito legal. Mas, assim, uma coisa que chamava a atenção era quanto os
funcionários do posto eram adeptos das terapias, né? E , assim, isso diminui muito o
uso de anti-hipertensivo, de antidepressivo, né?

“Minha pressão regulou com o Dr. Cesar”, Dr. Cesar era (...), né? Muito legal. Saia
todo mundo do trabalho de negocinho na orelha.” (Fátima Camomila).

Por outro lado, as ferramentas, ideias diferenciadas de ver saúde e cuidado e


serviços interessantes podem desaparecer quando não há implicação e força de
113

manutenção da rede, para fazer existir. Quando um serviço que vem trabalhando em
uma crescente de relação de confiança, passa a falhar, principalmente na sua oferta e
frequência, a confiança é perdida, o serviço passa a ser pouco procurado e divulgado e
pode desaparecer. Fátima Camomila dá um exemplo deste processo:

“E aí a Vânia se aposentou, deixou esse cargo na mão de um voluntário, e aí,


assim, não tô, não é porque é voluntário, mas, assim, voluntário ele não tem que
cumprir exatamente as, a hora de chegar, a hora de sair e aí não tem também uma
autoridade pra pegar uma chave, abrir, entendeu? Então aí acabou que o serviço foi
minguando, minguando, isso foi mais ou menos concomitante ao, ao que foi acabando
também na acupuntura, porque o Gilberto recebeu um convite, Gilberto era muito
metido com a política, pra ser secretário de saúde em Itaboraí, foi embora. A Isabel,
por sua vez, passou num concurso pro UERJ e ela tinha dois vínculos, ela tinha que
escolher um, então ela ficou com a prefeitura do Rio, UERJ, que ela morava no Rio. A
Ana, casada com o Renato, passou num concurso pra ser perita do INSS em
Florianópolis e o César já tava no Vital Brasil, lá numa coisa de gestão. Então quando
a gente viu não tinha mais ninguém na acupuntura.” (Fátima Camomila)

3.2.6 O processo de declínio do serviço das PICs no centro de saúde.

Percebe-se que no serviço as PICs foram declinando por forças político-


econômicas. Alguns profissionais com a característica de liderança e paixão
encontravam-se no momento de aposentadoria. Outros que foram assumindo a função
de gestores sentiram-se pressionados pelas novas regras vindas de cima, ou seja, pelo
aumento da produtividade e as cobranças disto. No caso de a produtividade não ser
notificada pelas ferramentas de controle, o centro não receberia verbas suficientes para
sua sustentabilidade.

A mudança de conduta dos gestores para com os profissionais das PICs, por
conta das novas regras, cobranças, controle e avaliação do centro de saúde do SUS não
comportando metodologia que abarcasse a experiência da promoção de saúde mais
direcionada para o apoio ao cotidiano do usuário, efetivou-se como um contra-senso
importante, o que produziu o afastamento destes profissionais para outros centros e
outros estados do país.

De outro modo, o olhar para a saúde e para o cuidado do serviço das PICs,
naquele momento e contexto, era mais voltado para a saúde de modo ampliado e não
114

para a doença; e, os servidores envolvidos com as PICs não reivindicavam verbas para
material de fomento e sim, nas lutas internas, reivindicavam boas condições de trabalho.

“Ah, eu acho que a gente tinha, assim, uma união que vinha de vários lugares,
primeiro que a gente tinha um grupo muito politizado ali no terceiro andar. No terceiro
andar fazia uma greve, fazia, organizava uma, então, assim, eu fui do sindicato, Renato
foi do sindicato, Isabel foi do sindicato, não na mesma época, mas nesses anos todos,
todos (...) talvez a gente tenha se aproximado um pouco por isso, né? A gente nunca
brigou muito por salário, a gente sempre brigou muito por condições de trabalho (...)”
(Fátima Camomila).

“A gente chamava os mutirões, fazia assembleia, convidava outros profissionais de


outros postos, visitava outros postos pra saber quais eram as dificuldades dos outros
postos, né? Então, assim, mandava memorando, carta pro secretário, mandava pros
representantes das... Independente da gestão… Aliás, a gente nem gostava muito de
mexer com essa coisa da gestão, era um movimento dos funcionários e se a gente
falasse (...) que fosse no segundo andar, no primeiro andar, todo mundo concordava.
Até porque, uma coisa que é importante, todos os funcionários usavam nosso serviço.”
(Fátima Camomila).

Para além do centro de saúde que iniciou a tese, em outro bairro da cidade de

Niterói acontecia algo parecido e muito interessante.

3.3 Tempos de PICs no Caramujo: Que saúde, que cuidado, que racionalidades
médicas?

“Não se trata de simplesmente combater ou


erradicar doenças: trata-se de incentivar a
existência de cidadãos saudáveis, capazes de
interagir em harmonia com outros cidadãos, e de
criar para si e para os que lhe são mais próximos
um ambiente harmônico, gerador de saúde. Em
princípio tais medicinas tendem a propiciar um
conhecimento maior do indivíduo em relação a si
mesmo, de seu corpo e de seu psiquismo, com uma
consequente busca de maior autonomia em face de
seu processo de adoecimento, facilitando um
projeto de construção (ou de reconstrução) da
própria saúde (LUZ, 2005, p.163)”
115

Minha formação em medicina foi toda na UFF. “Então eu fiquei fora da UFF só 6
meses. Essa era minha vida aqui. Eu cheguei a ser professora de clínica médica, de
semiologia, (...). E um grupo de alunos que tava entrando no internato e que tinha
intenção de ir pra o interior, clinicar no interior, queria fazer um internato fora do
hospital, que eles acreditavam que o internato feito dentro do hospital, com base nessas
patologias mais raras, mais graves, não os prepararia para a clínica geral, no nível
primário e secundário que toda pessoa que vai pro interior tem que dar conta de fazer.
Então eles reivindicavam fazer um internato fora, na rede, e não havia isso na época.

Anna Capim Cidreira fala de uma demanda do ensino de medicina na UFF que
surgia no momento de reformas políticas na saúde. “Eram meninos (alunos)
politicamente bem articulados que queriam experiências na atenção básica”.

“Eles eram meninos, assim, politicamente muito articulados, que tinham


participado de movimento estudantil. Tinham essa demanda natural pela atenção
básica, pela organização, do cuidado pras populações. Eu acho que era uma motivação
ideológica ao mesmo tempo que profissional, né? Então o professor Santini começou a
procurar professores que se dispusessem a ir com esse grupo de alunos, que eram 6,
pra alguma unidade básica. Eu e outro professor, Eduardo Almeida, que era do mesmo
departamento, nós na época éramos do departamento de medicina clínica ainda da
faculdade de medicina, nem havia o estímulo de sair da comunidade.” (Anna Capim
Cidreira)

Como vimos anteriormente, estes meninos politizados que estudavam medicina


na UFF estavam atravessados pelos acontecimentos políticos na saúde da década de
1970 e 1980. O aparecimento da Atenção Básica - AB (Atenção Primária - AP ou
Atenção Primária de Saúde - APS), influenciado por movimentos oriundos de
experiência de outros países, tais como China, Indonésia, Guatemalam Cuba dentre
outros, na década de 1970, no Brasil se consolidou na década de 1980 (MELLO et al,
2009; AROUCA, 2003). Segundo Paim (2002; 2003), o movimento da atenção primária
de saúde enfatizando tecnologias ditas simplificadas e de baixo custo se contrapunha ao
modelo hospitalocêntrico. Este modelo alimentava uma crítica político-ideológica com
propostas de reformulação das políticas públicas e de reorganização do sistema de
serviços de saúde.

Segundo Madel Luz (2005), a demanda social da clientela para serviços públicos
de saúde pressionavam as instituições médicas no sentido de uma “abertura” para as
medicinas ditas alternativas nos anos 80. De tal modo que em agosto de 1985, a
homeopatia, a fitoterapia e a medicina tradicional chinesa, através da acupuntura, foram
legitimadas nos serviços médicos da previdência social, através de um convênio
116

celebrado pelo então presidente do Instituto Nacional de Assistência Médica da


Previdência Social (INAMPS) e o ministro da Previdência Social, com instituições
acadêmicas como a Fiocruz e a UERJ, além do Instituto Hahnemanniano Brasileiro
(IHB), no sentido de estabelecerem-se atividades não apenas de atendimento médico
envolvendo homeopatia, acupuntura e fitoterapia, mas também atividades de pesquisa e
ensino sobre essas “medicinas alternativas”. Para esta autora, esses médicos e seus
alunos com vocação terapêutica encontravam na atenção básica e nas medicinas
alternativas, basicamente na homeopatia e na acupuntura, uma saída para o exercício
dessa vocação.

3.3.1 Como assim? Vocês vão abandonar a medicina, ir pra uma unidade de saúde
fazer atenção primária pra fazer outra coisa que não é medicina?

“o nosso departamento de medicina clínica não aceitava nos liberar, nós eramos
professores de semiologia e clínica médica, ao sair deixaríamos uma falha, e também
porque na opinião deles, eu ouvi isso de um querido professor de clínica, que nós
éramos tão bons médicos, como é que íamos, assim, abandonar a medicina. Ele usou
essa frase, abandonar a medicina, ir pra uma unidade de saúde fazer atenção primária
pra fazer outra coisa que não era medicina.” (Anna Capim Cidreira)

Na pergunta feita pelo mestre médico a seus discípulos médicos bem


conceituados, observamos que a racionalidade médica do mestre tinha algo diferenciado
daquela necessidade dos jovens estudantes de medicina da UFF e dos professores que
notavam algo novo no ar (quem sabe um cheiro de moxa...). Com este evento já se
percebe existir diferentes conceitos de saúde pairando dentro de uma mesma
racionalidade médica ocidental. O campo da saúde parece confundir-se na consideração
ao conceito de saúde que embasa suas atividades, bem como atinge ao campo do
cuidado. Assim sendo, proponho fazer uso do conceito de racionalidades médicas,
muito já trabalhado por Therezinha Madel Luz, para compreendermos algumas
necessidades ideologizadas nas narrativas deste capítulo52.

52
Racionalidades Médicas (RM) é uma linha de estudos iniciada no Instituto de Medicina
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ) em 1991. Hoje a linha é desenvolvida
em várias unidades acadêmicas do Brasil, sendo também um Grupo de Pesquisas do CNPQ sediado na
Universidade Federal Fluminense (UFF) liderado pela Profª Drª Madel Luz. Os estudos do grupo
abrangem comparações em nível teórico e prático entre sistemas médicos complexos, como a Medicina
Ocidental (Biomedicina), a Homeopatia, a Medicina Tradicional Chinesa, o Ayurveda e outros. Ver em
http://racionalidadesmedicas.pro.br/sobre/
117

Racionalidades médicas é todo o sistema médico complexo construído sobre seis


dimensões: uma morfologia humana, uma dinâmica vital, uma doutrina médica (o que é
estar doente ou ter saúde), um sistema diagnóstico, uma cosmologia e um sistema
terapêutico53. Portanto, descreve/interpreta um conjunto de fenômenos observáveis,
logicamente definido, que é a posteriori comparado com realidades empíricas,
particulares e específicas para estabelecer se estes enquadramentos fazem sentido a uma
realidade médica (LUZ, 2012).

"racionalidades médicas é um operador conceitual


que permite analisar ou comparar sistemas médicos
complexos em perspectiva teórica, analítico-
descritiva, ou empírica, seja globalmente, como um
todo, seja dimensão a dimensão" (LUZ 2012, p.
219).

Neste sentido, para compreendermos melhor a dúvida do mestre, procura-se


entender de qual medicina ele fala. A medicina ocidental moderna que se origina a
partir da anátomo-clínica é uma medicina do corpo, das lesões e das doenças. A
incorporação da anatomia patológica ao arsenal técnico-científico da medicina
configurou uma ruptura metodológica de tal importância que foi considerado um marco.
A partir da segunda metade do século XVIII até o final da primeira metade do século
XIX, consolidou–se uma das vertentes da caracterização das doenças, que serão vistas
não mais como um fenômeno vital, mas como a expressão de lesões celulares. Aqui se
opera uma importante mudança de perspectiva central do saber e da prática médica.
Torna-se definitivamente, uma ciência das doenças, contrapondo–se a "arte de curar"
como propunha a homeopatia de Hanneman (CAMARGO JUNIOR, 1990).

Na biomedicina, a construção das teorias das


doenças associou-se à organização institucional de
prática clínica especializada e de produção de saber
(...) em torno das especialidades. E estas se
organizaram em torno das doenças e partes
específicas do homem (órgãos, aparelhos, sistemas).
(...) E esse processo simbólico permeou todos os

53
A proposta não é entrar em detalhes sobre as RMs, pois isto está bem documentado nos livros e artigos
da Madel Luz e do seu grupo, além do que caberia fazer outra tese. No entanto, é interessante depreender
a potência deste conceito quando se tenta compreender o descompasso dos discursos, quando todos
pensam que estão falando da mesma coisa, mas, não estão!
118

extratos sociocognitivos desse estilo de pensamento,


(...). Assim, as doenças dominaram cognitivamente o
exercício clínico dos círculos intermediários, dos
clínicos (TESSER & LUZ, 2008).

Deste modo, o saber terapêutico ficou centrado no combate e controle das


doenças. Na prática e no ensino da Medicina, a partir de então, o foco é
caracteristicamente hospitalar (ACKEMECHT, 1986; FOUCAULT, 1981), nos médicos
especialistas, em protocolos cada vez mais padronizados, afastando da pessoa que
adoece a capacidade de curar-se por si, pelo coletivo cultural onde vive ou
naturalmente. E, como vimos anteriormente, na crítica feita por Camargo Junior (2007),
o CMI está imbricado em mão dupla no viés da biomedicina (mas não só), no sentido
cartesiano, atravessado pela relação dualista de saúde-doença. Para tal percepção, as
práticas de ação em saúde indicam invariavelmente a direção da recuperação da saúde e
saúde como ausência de doença biológica. E era disso que o mestre médico tentava
alertar aos seus discípulos, no sentido de dizer que o saber médico se constrói dentro do
hospital e que fora dele, provavelmente, seria uma espécie de charlatanismo.

Ainda dentro do âmbito da saúde-doença, mesmo quando da tentativa de


mudança do conceito de saúde, considerada mais ampla e positiva, conceito ainda
utilizado nos dias de hoje, definida como “Um estado de completo bem-estar físico,
mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (Carta de Otawa -
OMS), muitas críticas surgiram em oposição a este conceito por se tratar mais de uma
declaração do que uma definição sistemática (NARVAI, 2008).

“Há uma incorporação crescente pelo saber médico


das concepções e explicações médico-sociais na
etiologia das doenças no século XX, através da
epidemiologia e do modelo médico sanitarista. Tal
incorporação favorece as abordagens terapêuticas
menos medicalizadoras. (...) Entretanto, do meu
ponto de vista, essa abordagem, crescentemente
incorporada ao saber médico, favorece a superação
do paradigma clássico da biomedicina, embora não
favoreça as medicinas alternativas, devido a seu
grande cientificismo.” (LUZ, 2005)
119

A Homeopatia, por exemplo, fundamenta-se em quatro princípios básicos, a


saber: princípio da similitude; experimentação no homem são; medicamento
dinamizado (doses mínimas) e medicamento único. Sammuel Hahnemann (1755-1843)
enunciava, no princípio da similitude, que um medicamento para curar um conjunto de
sintomas em um indivíduo doente, deveria despertar estes mesmos sintomas nos
indivíduos sadios que o experimentassem (similia similibus curantur). O segundo
princípio requer a experimentação no homem são, catalogando todos os sinais,
sintomas, características despertadas, sejam eles de ordem psíquica, emocional, geral ou
físicas. Desta forma, comparando os sintomas do paciente doente com os sintomas
semelhantes apresentados nos indivíduos sãos. E assim, escolhia o medicamento que
conseguia abranger o mais próximo da totalidade dos sintomas característicos àquele
indivíduo e com isso provocar uma reação positiva no organismo através do equilíbrio
da energia vital (TEIXEIRA, 1998).

Desta maneira, o homem da homeopatia é formado de um corpo material, que é


animado pela energia vital, que o move e guarda seu espírito unindo ambos de maneira
indissociável. Por conta disto é um ser inseparado da natureza que o cerca e o envolve,
com a qual tem relações que ultrapassam sua razão (LUZ, 1993).

Nas buscas por histórias das PICs nos SUS descobrimos como se formou uma
homeopata:

-Professora, a senhora tem jeito de homeopata, tem cara de homeopata e não sabe o
que é homeopatia?

Bem, e aí a partir daí um aluno, um desses internos, virou pra mim e perguntou se eu
não tinha vontade de usar homeopatia na unidade. Eu falei: - Como assim? O que é
homeopatia? - Que eu nem sequer sabia o que era … e ele participava de um grupo de
estudantes de medicina, que sob a orientação de um médico homeopata já falecido,
João Emanuel, um grande homeopata, eles tinham um grupo de estudo e ele me levou
pra conhecer esse médico e virou médico da minha mãe, foi meu primeiro professor de
homeopatia, por causa deles, do aluno e desse médico, eu comecei então a fazer curso
de homeopatia..(Anna Capim Cidreira)

É o vitalismo54 que norteia a homeopatia por uma doutrina que afirma a


existência de um princípio irredutível ao domínio físicoquímico para explicar os

54
Estou consciente da existência de inúmeras formas conceituais de vitalismo, no entanto para este
trabalho e nesta passagem procurei sintetizar o conceito de vitalismo e energia vital assimilado para a
homeopatia hannemaniana. Sobre vitalismo ver Portocarrero (2009) e Luz e Scofano (2008).
120

fenômenos vitais. No Vitalismo, a força vital é definida como a unidade de ação que
rege a vida física, conferindo-lhe as sensações próprias da vida e da consciência. Este
princípio dinâmico, imaterial, distinto do corpo e do espírito, integra a totalidade do
organismo e rege todos os fenômenos fisiológicos. O seu desequilíbrio gera as
sensações desagradáveis. No estado de saúde mantém o organismo em harmonia. Deste
modo, a energia vital dos vitalistas homeopatas não é apenas aquela medida pelo
trabalho mecânico, nem tampouco a hoje denominada energia potencial da física. Eles
evocam a existência de uma energia essencial que move a vida, que antecede a atividade
mecânica e elétrica do organismo e que, na verdade, é sua mantenedora (Rosenbaum,
1996).

A racionalidade da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) se estabelece na


filosofia e cosmovisão do TAO, na integração entre natureza e humanidade em uma
totalidade cósmica, o TAO, cujo movimento rítmico determina a ordem no mundo é
uma espécie de caos primordial com potencial criativo. Dinâmico, manifesta-se na
matéria através do movimento de alternância entre as polaridades Yin-Yang e da
interdependência entre os cinco elementos (madeira, fogo, terra, metal, água). As
noções de Yin-Yang foram desenvolvidas conforme a observação do movimento de
rotação da Terra, que resulta nas bipolaridades noite-dia, escuro-claro, conjugadas à
oposição complementar entre feminino e masculino. Os cinco elementos, por sua vez,
correspondem às fases climáticas do ano (considera-se uma quinta, a estação das
chuvas). São categorias simbólicas que organizam a estrutura social e a vida cotidiana.

A racionalidade da medicina chinesa tradicional está alicerçada na existência e


circulação de CHI55 no organismo, e na correspondência analógica entre as categorias
simbólicas (yin-yang e cinco elementos). O CHI perpassa tudo no universo e circula no
organismo seguindo trajetos mapeados pelos chineses e denominados “meridianos”.
Cada ser nasce com uma determinada quantidade de CHI, que é armazenada no
SHEN56, e sua longevidade depende da administração dessa reserva. Esses canais
possuem pontos determinados, que ao serem estimulados permitem a desobstrução do

55
Seu significado literal seria “vapores que emanam do solo (ou da fermentação do arroz) em direção ao
céu” (FERREIRA, 1993). Ch‟i também seria para alguns "o movimento de uma substância sutil e
invisível”, e para outros equivaleria ao “movimento da água se transformando em vapor” (BARSTED,
2003).
56
Energia primordial recebida dos antepassados.
121

fluxo de CHI, restabelecendo naturalmente a saúde e a vitalidade. A manipulação de


CHI segue a complexa teoria de relações entre yin-yang e cinco fases, procurando
devolver o equilíbrio entre as forças que operam no organismo. A manipulação dos
pontos por onde caminha esta energia vital pode ser estimulado com agulhas, moxa,
toque de massagem, com a mente, dança, arte marcial e de muitas maneiras. Portanto, se
a longevidade e saúde dependem de uma boa manutenção do CHI no corpo, isto pode
ser feito nas atividades e cuidados do cotidiano.

Outra racionalidade médica, a Ayurveda, se refere ao conhecimento médico


desenvolvido na Índia há cerca de 7 mil anos, o que faz dela um dos mais antigos
sistemas medicinais da humanidade. A racionalidade da Medicina Ayurvédica tem
como princípio da vida a energia Prana (o sopro da vida), a energia vital universal que
permeia o cosmo, absorvida pelos seres vivos através do ar que respiram. A Ayurveda
afirma que tudo no universo é formado pelos cinco elementos básicos da natureza,
chamados panchamaha-bhutas; são eles: éter, ar, fogo, água e terra. O objetivo desta
racionalidade é estudar as influências destes elementos na natureza e no ser humano.
Nesta filosofia o homem é um microcosmo do universo. Os elementos unem-se dois a
dois para formar os doshas. Espaço e ar formam o dosha Vata; o fogo e água formam o
dosha Pitta e a água e terra formam o dosha Kapha. Os doshas são expressões naturais
em equilíbrio não exato, sempre em movimento. Em desarmonia suas expressões
tornam-se marcantes em um dosha e a pessoa pode demonstrar o desequilíbrio e
desarmonia, tanto emocionalmente quanto fisiologicamente.
A Ayurveda é um sistema complexo de medicina e utiliza diversas ferramentas
terapêuticas para equilibrar os doshas: massagenm ayurvédica, óleos medicinais, dieta,
rotina diária de hábitos saudáveis, oleação e sudação (puryakarma), fitoterapia, terapias
urificadoras (panchakarma), medicamentos com metais, minerais, pedras preciosas (rasa
shastra), prática de yoga, meditação, entre outras.
A racionalidade da Medicina Tradicional Indiana ou Ayurveda chegou
oficialmente ao Brasil em 1985, por força de um convenio do Instituto Nacional de
Assistência e Previdência Social (INAMPS) e do Ministério da saúde com o Instituto de
Ciência e Tecnologia Maharishi. No estado de Goiás, o projeto se desenvolveu e, nos
anos 1985 e 1987, ocorreu o primeiro curso de Medicina Ayurvedica para profissionais
de saúde da rede publica estadual contemplando médicos, farmacêuticos, agrônomos e
enfermeiros.
122

A partir de então e até por volta de 1995, mais de dez médicos indianos vieram a
Goiânia, em grupos que passavam de dois a quatro anos ensinando e acompanhando os
profissionais brasileiros em cursos e estágios práticos. No ano de 1988, deu-se a
criação, pelo governo do estado de Goiás, de um centro ambulatorial denominado
Hospital de Terapia Ayurvedica, hoje se denomina Hospital de Medicina Alternativa. O
HMA oferece também serviços nas áreas de Homeopatia e Acupuntura, além da
Fitoterapia e do Ayurveda (CARNEIRO, 2007).

Nunca foi fácil montar um serviço de terapias mais suaves para o público na
atenção básica e mais difícil ainda é mantê-lo ativo e produtivo.

“Então uma ex-aluna nossa, que à época era diretora médica do Hospital
Azevedo Lima, nos pediu que assumíssemos um postinho de saúde, que na época era um
subposto estadual de saúde do Caramujo. Era um subposto vinculado ao Hospital
Azevedo Lima. Nessa época essa médica, que era a Doutora Cristina Boareto, ela era
responsável pela residência médica do estado, que tinha nessa unidade do Caramujo 4
residentes e ela dava supervisão à distância, com dificuldade. Então juntando a fome
com a vontade de comer ela nisso ofereceu o espaço, em troca a gente oferecia a
supervisão para os residentes dela e pros nossos internos. E aí foi a maravilha, porque
nessa unidade de saúde nós assumimos a gestão da unidade. Contávamos com uma
confiança absoluta da Doutora Cristina que nos entregou a unidade:

- Bom, trabalhem como cês acharem que devem.

E aí tudo que a gente imaginava que podia construir a gente foi construindo. Então,
gradativamente foram surgindo várias necessidades. Além da vacinação, a gente
começou a fazer grupo de floricultura, grupo de acompanhamento de mulheres, que a
gente chamava Grupo Fundo de Quintal, se reunia nos fundos dos quintais das
mulheres, que elas achavam melhor do que na própria unidade e grupo de saúde
escolar na escola que era ao lado (...)” (Anna Capim Cidreira).

3.3.2 Os “convênios extraoficiais”

“A gente passou a ter atendimento com homeopatia, chegamos a ter 4 pessoas


atendendo com homeopatia na unidade, eu e mais 3 médicos do Ministério da Saúde
que eram cedidos a UFF pra esse trabalho. Nós tínhamos o atendimento com medicina
chinesa. O doutor Eduardo conseguiu interessar um farmacêutico, Marcos Turci, que
tem farmácia de manipulação, ele é dono da Satia. Ele trabalhava conosco
voluntariamente, preparamos na unidade 40 itens, entre xaropes, tinturas, cremes,
pomadas. A entrega, a distribuição de medicamentos pela rede era muito precária,
123

faltava coisas básicas. Então nós fomos gradativamente produzindo aqueles


medicamentos mais necessários de acordo com o tipo de demanda que a gente tinha.
(...) a gente chegou num nível, que 80% dos itens que a gente prescrevia a gente
fabricava e entregava gratuitamente.” (Anna Capim Cidreira)

“Nas reuniões entre diretores de unidade havia sempre uma certa pressão é,
em cima da unidade, que a unidade ficava inventando moda, fazendo coisas diferentes,
porque começava a repercutir na demanda das outras unidades que queriam(...). A
gente chegou a ter até, é, um horário da semana que a gente fazia harmonização
energética. E eu me lembro muito de um dia que eu cheguei e uma paciente falou
assim:

- Ô, Doutora, a senhora tá pior do que eu, acho melhor a senhora deitar que eu
que vou harmonizar a senhora.

Eu rapidamente deitei, nem discuti. Então, assim, a gente chegou a ter um, uma
situação na unidade de muito trabalho, intenso trabalho, todos os dias da semana. A
gente fechava o posto 6 horas da tarde e aí começávamos o trabalho na comunidade,
na associação de moradores, nas visitas domiciliares...” (Anna Capim Cidreira)

Anna Capim Cidreira mostra como aconteceu uma experiência de integralidade e de


translação do conhecimento nos usos das PICs, o que chamou de “convênios
extraoficiais”. Durante os atendimentos no Caramujo a médica observara que os casos
de erisipela eram muitas vezes tratados por um senhor rezador da comunidade. Doença
que persistia em não ser curada rapidamente com as recomendações da medicina
hegemônica e com a medicina homeopática feitas por ela. No entanto, o senhorzinho
atendia, fazia as rezas e não precisava mais do que uma vez para a pessoa ficar curada.
Eram pessoas que a médica acompanhava há anos no posto de saúde e via nas consultas
seguintes ao posto de saúde os resultados das rezas. Assim, diante desta realidade de
saúde, ela buscou contato com o rezador sem muito sucesso.

“Foi uma certa luta encontrar com esse moço, porque toda vez que eu ia na casa dele
a, a esposa dizia que ele não estava, porque eu me identifiquei como médica do posto, e
eu acho que ele temia algum tipo de represália. Até que um dia, numa dessas visitas,
num… numa dessas tentativas eu disse à esposa:

- Olha, eu queria deixar um recado pro seu José. Eu sou médica do posto, eu tô
vindo aqui pedir ajuda a ele, porque eu ouvi dizer que ele trata muito bem erisipela, a
que eu trato, volta, eu trato, volta, e me disseram que ele trata uma vez só e não volta,
eu queria saber se eu posso...

Aí ela:

- Pera um instantinho.
124

E aí o senhor José me mandou entrar, tomamos café, conversamos muito, eu


passei a encaminhar todas as erisipelas pro seu José, que de fato tratava só uma vez e
não voltava. Eu assisti ele tratando uma vez, ele tratava, ele pegava um galhinho de
mato não sei de qual erva, porque também não prestei atenção, e rezava, e falava umas
palavras assim por baixo que eu não consegui ouvir muito bem, mas era na verdade
uma oração usando um galhinho de alguma planta, que num, de forma nenhuma tinha
nenhum risco pro paciente, porque eu fui tratar de verificar o que é que ele fazia antes
de encaminhar, e tínhamos muito.(...,) eu encaminhava todas as erisipelas pra ele, né?
Num papel do posto timbrado. (Anna Capim Cidreira)

O respeito ao saber oriundo da comunidade e às suas maneiras de cuidar no


cotidiano é o que se recomenda hoje o SUS quando aponta para a necessidade da
integralidade na atenção básica de saúde. Muitos anos se passaram entre esta atitude da
médica na relação entre saberes e os dias de hoje, ainda com a constância de
recomendação do uso da integralidade. Esta recomendação está em livros e artigos, está
em alguns cursos e é recomendado tanto para estudantes de medicina como para
médicos da atenção básica. Para lidar com a saúde em contato direto com o usuário, por
exemplo no PSF é necessário que os profissionais da saúde sejam sensíveis e escutem
como a comunidade se mantém saudável ou cura algumas doenças que não seja por um
único saber.

A médica que participou da criação das PICs do posto de saúde do Caramujo e


fez parceria extra-oficial com o senhor José rezadeiro, trazia para a formação médica
suas experiências de atendimentos com a população na atenção básica de saúde.

““Enfim, então a gente teve a homeopatia com, inclusive a dispensação do


medicamento, a gente teve acupuntura com a prescrição de ervas também, tratamentos
da medicina chinesa, não era só acupuntura. Tinha moxa, tinha a fitoterapia, e tinha
até durante um tempo, um ano ou dois, teve até esse grupo de harmonização
energética...depois do internato em atenção primária, a gente criou um curso de
especialização por demanda de alguns internos que terminavam o curso e queriam
continuar na área, em 84, 85. E aí o que aconteceu foi que depois de 2 anos de tentativa
do curso de especialização, a gente criou mesmo foi a residência médica, na época a
gente chamava Atenção Primária a Saúde.” (Anna Capim Cidreira)
125

“É, 15 anos a gente ficou lá, a ponto de conhecermos as famílias. Tão


interessante que eles associavam acupuntura com problema de coluna e homeopatia
com problemas da psicodinâmica, né?” (Anna Capim Cidreira)

3.3.3 Acabou “essa rica experiência”

Importante notar que na entrevista para este trabalho, a percepção da médica


sobre o final deste percurso foi a de que tinha “nadado, nadado, nadado e morrido na
praia”.

“Enfim, tudo isso se perdeu. Eu fico até, assim, emocionada quando me lembro
sabe. Quase choro...” (Anna Capim Cidreira)

Para ela, a experiência havia acabado ali, no Caramujo. No entanto não foi isso o
que aconteceu. Mais adiante poderemos notar que outras inscrições aconteceram na
educação dos médicos da UFF após o período de 15 anos no Caramujo revelado como
uma rica experiência. Inscrições de grande potência para influência das PICs como
mediador no campo da saúde.

“Então é isso, isso a gente tinha. E aí como é que acabou essa rica experiência,
né? Que parecia, por isso o título do relatório Desabafo de Um Náufrago, que a gente
nadou, nadou, nadou e morreu na beira da praia, porque em 98 a fundação municipal
de saúde proibiu que a gente continuasse fabricando na unidade os fitoterápicos. Por
quê? Porque a gente trabalhava numa copa de um metro por dois e meio que não era
azulejada e que não tinha a bancada própria. A gente trabalhava com um fogão assim
de duas bocas, duas panelas de inox, uns garrafões, então, o que precisava, que era
azulejar uma saletinha de um metro por dois e azulejar a bancada não, não, não foi
feito e ao invés disso preferiram proibir a produção. O Doutor Eduardo Almeida já
tinha dito que nossa unidade podia produzir aqueles 40 itens pra toda a rede. Então o
Eduardo disse:

- Olha, nós podemos produzir pra toda a rede e podemos construir uma
apostilinha e treinar as pessoas pra usar cada item. A gente tinha um item ótimo para
gastrite, úlcera gástrica com tintura de espinheira-santa. A gente tinha um xarope de
tomilho que é o melhor antitussígeno que eu já conheci. A gente tinha um creme
hidratante com óleo de gergelim a 10% que o Martuci que preparou, para aquele
pessoal catador de lixo do Morro do Céu que tinha a pele toda destruída, que a, a
escabiose graçava pra todo lado. Com aquele creme todo mundo ficou com a pele linda
e saudável. Ninguém tinha mais micose, ninguém tinha mais sarna, ninguém tinha mais
nada, pele ficou resistente e hidratada. Melhor hidratante que existe.”(Anna Capim
Cidreira)
126

3.3.3.1 E aí a gente preferiu ir embora

“E então a gente se viu diante da seguinte situação: ou a gente ia continuar lá


só que trabalhando sem as condições que a gente havia lutado 15 anos pra construir,
voltando a ter a consulta e não poder oferecer o medicamento, como era no início da
década de 80, ou a gente ia embora. E aí a gente preferiu ir embora, porque andar 15
anos pra trás no mesmo lugar é, é difícil, pra nós foi muito difícil, nós não demos conta
e fomos embora. Outros professores que tinham se unido a nós mais ao final, continuou
lá supervisionando residentes, e a residência continuou funcionando lá. Nós
disponibilizamos, claro, as fichas, o arquivo de todos os pacientes de homeopatia pra
que continuasse o tratamento” (Anna Capim Cidreira)

Mais adiante, no sub-título “inscrições” , encontraremos novamente a médica


recriminada pelo seu mestre de “abandonar a medicina” , de volta ao ensino de
medicina da UFF, ainda querendo sensibilizar os futuros médicos a fazer medicina com
a integralidade dos saberes, incluindo a percepção do que é saúde e do que é cuidado
para população no seu cotidiano.

A Escola de Enfermagem da UFF contribuiu para difundir as PICs em Niterói

Há muito tempo a escola de enfermagem se interessou nas PICs. Em 1992, a


Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa da UFF fez um curso informativo sobre as
Práticas Alternativas em Saúde, o que resultou em uma disciplina de Práticas
Alternativas em Saúde no curso de Saúde Coletiva Era um período de mudança
curricular. Foi o primeiro curso a inserir uma disciplina de práticas alternativas em
saúde no Brasil. Depois veio o de Santa Catarina, que hoje é disciplina obrigatória.
“E os estudantes simplesmente amaram. Cinesiologia, cinesiotarapia,
iridologia... eu comecei a chamar outras pessoas, né? Alba se aposentou e eu fiquei
única na disciplina, e aí continuamos com nossos parceiros e tudo, e os alunos cada vez
mais interessados. Aí foi o bum. Eu cheguei a ter turma de 45 alunos, aí eu tive que
botar um limite. Como eu trabalho com as práticas, você sentir na pele, então a gente...
eu passei a reduzir para 24, mas sabendo que ia chegar a 30. Aí eu comecei a receber
alunos da nutrição, da educação física, da matemática” (Fata Rosmarino57).

57
Rosmarinus officinalis, conhecido popularmente por Alecrim, alecrim-de-jardim, erva da recordação,
erva-da-graça, erva-da-alegria, erva-mágica ou ainda erva-das-bruxas , no seu uso terapêutico é indicado
como cardio-tônico.
127

Em 2012, no Hospital Universitário Antônio Pedro aplicamos um trabalho de


pesquisa utilizando a reflexoterapia das mãos58 com Idosos com hipertensão
hospitalizados e constatamos que reduz a pressão arterial, portanto, pode ser uma prática
complementar ao cuidado. Esse trabalho está sendo publicado na revista internacional
Cultura de Los Cuidados.

Em 2014, passaram a fazer um ambulatório para idosos no Espaço Avançado do


Gragoatá, que é um espaço para idosos, lá na Faculdade de Serviço Social da UFF. Faz
parte de um projeto da saúde do idoso e do cuidador.

“Aí o que é que eu fiz? Eu peguei, eu comecei no Gragoatá fazendo terapia floral eu, o
meu grupo de pesquisa e bolsista indo pra lá e mais alguns enfermeiros que se
agregaram comigo. Aí a gente começou a fazer atendimento lá com esses idosos. Você
não tem noção. No ano passado a gente atendeu, ou melhor, não é atendeu mais de 200
pessoas. O que é que a gente faz? A gente ouve, a gente faz Moxa, porque eles tem
muitas dores musculares, muitos processos inflamatórios, deformidade nos pés que
prejudica a osteoartrite ... comecei a trabalhar bastante com Aurículo, bastante, com
Dança” (Fata Rosmarino).

Fata Rosmarino esclarece que em sua opinião estes serviços podem ser
considerados inovadores. Pergunto como:

“Eu acho que é inovador59 porque você rompe, você oferece uma outra possibilidade
de cuidado, entendeu? A pessoa que escolhe. Ela tem autonomia para escolher, mas ela
tem o direito de conhecer outras formas, sabe? Ela tem o direito de saber que se ela
vestir vermelho ela talvez se sinta mais ativa, sabe? Ela tem o direito de saber que um
chá de amora pode melhorar a parte, sei lá, de menopausa dela, a parte óssea,
entendeu? Acho que as pessoas têm o direito, porque esse é um saber que veio antes e
quem é que tem o poder de controlar o que você pode saber e o que você não pode
saber?” (Fata Rosmarino).

No entanto, Fata Rosmarino é mais uma profissional que se sente sozinha no seu
fazer com as PICs na universidade. As entrevistadas mostraram uma percepção de
isolamento. No entanto, as novas propostas de ação dentro da UFF, caminham para uma
integração das pessoas de todas as áreas interessadas nas PICs. Como veremos nas
inscrições. “A gente se sente sozinho sim. Mas eu acho que às vezes a gente se isola
também, não é?” (Fata Rosmarino).

58
Massagem reflexa nas mãos com a intensão de diminuir a ansiedade e relexar.
59
Sobre o tema das PICs como inovação, pretendo pensar sobre ele posteriormente.
128

4 QUARTO MOVIMENTO: APRENDIZADOS E INSCRIÇÕES NO


DOUTORADO

Em outro caso, mais atual, mas que remete a esta discussão, o envolvimento dos
usuários e serviço com a academia, nos estudos da saúde vem utilizando a translação do
conhecimento como um caminho metodológico, tanto nas pesquisas quanto na gestão
em saúde60. São trabalhos desenvolvidos no Canadá e em Portugal, que vem sendo
aplicados e discutidos em oficinas, na Fiocruz, sobre como fazer produtos (inovadores
ou não) para o SUS, no campo da Atenção Básica e da Promoção da Saúde. As
pesquisadoras consultoras Louise Potvin (ESPUM/ Universidade de Montreal e
Institutes of Health Research) e Zulmira Hartz (IHMT/ Universidade Nova de Lisboa)
apontam para a importância do envolvimento de todos os interessados, em rede, para a
concretização de um bom sistema de saúde para um coletivo.

. Neste aprendizado, o mais importante é o envolvimento dos usuários desde a


idealização de um projeto e produto, a participação em todo o processo, observação da
aplicação no campo do produto finalizado e acompanhamento deste produto e seus
efeitos, momentâneo e posterior, para a saúde de um coletivo. E, se formos apreciar o
que fazia acontecer o movimento de saúde com as PICs , em Niterói, suponho que
naquele momento se conferia, mesmo que de forma experimental, uma translação do
conhecimento, como se busca hoje implementar nas mentes de pesquisadores, gestores,
usuários, pessoal de serviço e outros atores do Ministério da Saúde.

Assim sendo, atuando na translação do conhecimento se pensa que um produto


para o SUS, para gerar melhor qualidade de vida aos moradores de um território
necessita do saber, da escuta e envolvimento de quem antes era considerado apenas
como um objeto a ser investigado ou a ser “empoderado”. Hoje, a proposta da
translação do conhecimento é de uma horizontalidade e trabalho de todos, inclusive na
escolha do produto para o SUS, e necessariamente de interesse para as pessoas que
vivem no território.

60
Neste sentido tenho aprendido com os trabalhos que acompanhei nos últimos três anos, como assistente
de pesquisa na Fiocruz, sobre a translação do conhecimento aplicado à saúde pública.
129

4.1 Inscrições

Entende-se por inscrição “todos os tipos de transformação que materializam uma


entidade num signo, num arquivo, num documento, num pedaço de papel, num traço.
Usualmente, mas nem sempre, as inscrições são bidimensionais, sujeitas à sobreposição
e combinação. São sempre móveis, isto é, permitem novas translações e articulações, ao
mesmo tempo em que mantém intactas algumas formas de relação” (LATOUR, 2001).

Em 2016, acontece uma pesquisa, da qual participo ativamente, coordenada por


Ana Cláudia Figueiró do Laboratório de Situações Endêmicas Regionais- LASER da
Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP /FIOCRUZ, nomeado “Articular pontes
entre pesquisa-serviços de saúde-políticas públicas-comunidade: uma experiência de
Mediação e Translação do Conhecimento no Centro de Saúde Escola Germano Sinval
Faria da ENSP/FIOCRUZ”, no movimento de fazer existir este tipo de cuidado das
PICs na rede, não só como prática, mas como uma possibilidade de mediação
(LATOUR, 2005) com aqueles que cuidam e os demais envolvidos no processo de
saúde. Com isto, um braço da pesquisa propõe que as PICs sejam utilizadas como
ferramenta de cuidado dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), em uma proposta
denominada de “Cuidando de quem Cuida”. Ocorre com isto um envolvimento
expressivo dos agentes em um esforço de fazer existir esta prática das PICs no seu
cotidiano, dentro do Centro de Saúde.

Esta proposta é ampliada para oficinas de massagem de reflexoterapia das mãos,


dos pés e aplicação de sementes de mostarda nos pontos reflexos das orelhas para os
ACSs, para que possam usar para além do autocuidado, nas suas famílias e na
comunidade. Portanto, com toda possibilidade de acolhimento e resistência desta
modalidade de prática é nesta tensão que faz existir as PICs como ator-atuado e
mediador no contexto hegemônico de saúde.

Neste envolvimento entre usuários, pessoas do serviço, gestores, pesquisadores,


fazedores de políticas públicas faz-se necessário transladar os diversos saberes entre
todos os envolvidos e reconhecer a influência dos actantes não humanos (por exemplo,
as regras do financiamento acadêmico da investigação, a burocratização das ações, as
ferramentas de monitoramento e avaliação das atividades nos centros de saúde, dentre
outros), na interação de que todos aprendam com todos, encontrem os caminhos e
controvérsias que faz fazer ou não, existir algo a ser pesquisado, transformado em
130

indicadores importantes para o MS, que geram leis da saúde e produtos para o SUS, que
retornam ao território produzindo efeitos e avaliações.

Assim sendo, a ferramenta mais interessante para compor com esta maneira de
caminhar nas pesquisas, para essas duas pesquisadoras consultoras é a Teoria do Ator-
Rede.

“Aplicado à pesquisa participativa, o conceito de


translação como desenvolvido na ANT (TAR) passa
a importância de se considerar tanto as relações reais
entre os parceiros envolvidos e os conteúdos de suas
trocas (POTVIN et al. 2010). Em outras palavras, ela
enfatiza os processos de mediação e alinhamento de
interesses - as ações e estratégias implementadas
para encontrar um terreno comum entre os
respectivos interesses de uma gama de parceiros de
investigação -, bem como a co-construção de novos
conhecimentos através de intercâmbios
multidirecionais entre os parceiros (POTVIN 2007
in CLAVIER et al, 2011)”.

Por conta da minha aproximação com este conhecimento e participação em


pesquisas avaliativas de programas de saúde, pude evidenciar a grande dificuldade por
parte dos pesquisadores com este tipo de abordagem. Afinal, verificou-se em uma
pesquisa avaliativa de um programa contendo inúmeros projetos de atenção básica para
o território de Manguinhos, no Rio de Janeiro, que para a maioria dos pesquisadores
completar o trabalho com uma produção acadêmica (artigo, capítulo de livro, etc)
respondia ao objetivo da pesquisa. Portanto, é perceptível existir um esforço para uma
mudança de cultura na base (no ensino universitário, na escola de saúde pública e
instituições de pesquisas para o SUS) que é evidenciado nestas propostas enredadas
entre países e atuadas por nós, mesmo sendo duvidoso seu êxito final, penso ser
importante para a saúde da população esta tensão entre um poder hegemônico e outros
nem tanto.

Outras inscrições desta pesquisa foram as pontes criadas com parcerias entre a
Divisão de Atenção à Saúde do Estudante da Universidade Federal Fluminense
DASE/PROAES e a escola de medicina da mesma universidade no seu projeto
“Cuidado Integrativo na Promoção de Saúde do Estudante”, coordenado pela médica
NEPIC/UFF. A escola de medicina, através do NEPIC, tem como objetivo principal
131

introduzir o estudante no campo da medicina integrativa e do cuidado integrativo. Para,


desta form, melhorar sua capacitação para o atendimento a pacientes e familiares,
abrindo uma conexão de cuidado e aprendizagem entre professores com experiências
nas PICs e seus alunos, construindo uma oportunidade de autoconhecimento e
autocuidado, bem como aprendizado sobre atendimento com energização, meditação e
acupuntura.

Essa ponte será concretizada em um estágio que visa oferecer uma introdução à
prática de meditação,algumas modalidades de relaxamento, yoga, toque terapêutico,
visualização dirigida, terapia expressiva, entre outras. Pretende-se, desta maneira,
despertar no estudante a motivação para o cuidado de si, fundamental para todo
profissional que pretende participar do cuidado do outro; apresentar algumas técnicas e
saberes do campo da medicina integrativa e do cuidado integrativo, incluindo suas
indicações, evidências de eficiência e segurança, de forma a tornar o estudante capaz de
apresentar, indicar , discutir esses procedimentos e oferecer ao estudante a oportunidade
de experimentar alguns processos terapêuticos em si mesmo e entre colegas, para que
possa testemunhar seus possíveis benefícios61.
Outra inscrição aconteceu com a ponte firmada entre o DASE e a Escola de
Enfermagem Aurora Afonso Costa (EEAA/UFF) na sua coordenação de Práticas
Integrativas e Complementares. Após algumas tentativas de aproximação e alguma
resistência justificada e não justificada (lembrei-me da dificuldade do encontro entre o
senhor José rezadeiro e a médica) e da quase desistência da gestão do DASE para
executar a conversa para parceria.Foi finalizado o acordo de parceria entre as áreas.
Fazendo tecer mais um nó nesta rede de saúde tendo as PICs como mediador. Ficou
evidente a necessidade de grande esforço para que estes laços sejam concretizados e
para que gerem e mantenham uma tensão tal que propicie um terreno das PICs na UFF e
em Niterói.

Foi interessante notar que os trabalhos feitos com as PICs nos diversos
departamentos da UFF eram desconhecidos entre si, mesmo estando na mesma
universidade. Isso é bem comum, um tipo de desconhecimento que também acontecia
no departamento de psicologia onde construímos esta tese. No entanto, a aproximação

61
http://www.uff.br/isc/site_2_5/index.php/noticias/todas-as-noticias/197-aprovada-proposta-para-a-
criacao-do-nucleo-de-estudos-e-praticas-integrativas-e-complementares
132

entre estes pode ser feita, enredada com grande esforço. Pois, apesar dos contatos por
email, whatsapp, mensagens, telefone, etc, o encontro real para conversas, como
aconteceu no exemplo anterior, foi negociado por meses para finalmente acontecer.
Pensava: o que acontecia por trás desta resistência? Afinal, unir trabalhos e objetivos
evitaria muitos retrabalhos, informações equivocadas repassadas e ações políticas
errôneas executadas.

Ainda durante a construção desta tese duas inscrições foram retificadas em


artigos publicados sobre o tema: “O pesquisador de fronteira e outras subjetivações:
62
uma questão de método” e “Práticas Integrativas e Complementares no Sistema
63
Único de Saúde do Brasil: inusitadas mediações” ; além da apresentação de trabalhos
em Coimbra-PT “Práticas de Cuidados Orientais Aplicadas no Sistema Único de Saúde
no Brasil: Traduções e Controvérsias”64; em Buenos Aires-AR “Longe do destrato,
próximo do cuidado: conexões sul-sul na saúde”65 e no Rio de Janeiro-BR “Corpo-
cuidado em saúde pública: mediação com as terapias orientais66.

Outras inscrições estão acontecendo enquanto escrevo o final desta tese. Por
exemplo, está previsto para o mês de outubro, um evento de encontro das PICs, em
Niterói, na UFF, organizado pelo NEPIC, com participação ativa de todas as pontes
realizadas durante a tese, agregando conhecimentos. A proposta do encontro é trabalhar
com GTs formas de reconexão para ações em prol do fortalecimento das PICs em
Niterói. Trata-se do Fórum “10 anos de Práticas Integrativas em Saúde Para Todos:
Trajetória em Niterói”, a ser realizado como atividade da Agenda Acadêmica, em 21 de
outubro de 2016, de 09 às 17 horas. Seu objetivo é o de celebrar os 10 anos da Política
Nacional (PNPIC) e refletir sobre a trajetória das PICs em Niterói, com vistas a

62
Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia-UERJ v.15, n.4 (2015). www.e-publicacoes.uerj.br .
63
Aceito em 2016 para publicação na Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais da Universidade Federal
de São João Del-Rei. www.seer.ufsj.edu.br
64
http://alice.ces.uc.pt/coloquio_alice/wp-content/uploads/2013/05/Abstracts_Book.pdf
65
II CONGRESO DE ESTUDIOS POSCOLONIALES; III JORNADAS DE FEMINISMO
POSCOLONIAL; - Instituto de Altos Estudios Sociales (Universidad Nacional de San Martín) Diálogos
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133

promover sua expansão na UFF (ensino, pesquisa e extensão) e na rede de saúde do


município. Nesta ocasião acontecerá a apresentação desta tese, no sentido de chamar a
atenção para o muito que foi feito com as PICs em Niterói e como se fez. Certamente
para dar novos passos potentes para ações nos centros de saúde e na formação do
pessoal da saúde.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na busca por responder as questões iniciais deste trabalho: que saúde e que
cuidado são estabelecidos e aplicados nos usos das Práticas Integrativas e
Complementares no Sistema Único de Saúde, Niterói foi a cidade escolhida por estar
marcada nas minhas memórias, de uma intensa atividade deste movimento nas décadas
de 1990 e 2000.

Para estabilizar momentaneamente aquilo que foi trabalhado nesta tese, podemos
nas considerações finais apoiá-la em um tripé de categorias analíticas: a) Histórias
contadas; b) Interesses descobertos e c) Racionalidades médicas, Políticas ontológicas e
multiplicidades.

Foram inúmeras histórias contadas e outras tantas ficaram guardadas para outro
momento. No entanto, as histórias contadas, não oficiais, trouxeram para o campo
verdadeiras guias que apontaram para caminhos e alguns nós, que foram descobertos
algumas vezes, desatados e analisados com maior cuidado. Sempre que possível
desviados das histórias oficiais naturalizadas. Não! Não existe apenas uma forma de
saúde e de cuidado! Sejamos razoáveis. Pois, em uma tese com limites de tempo e
espaço vimos múltiplas maneiras de lidar com estes conceitos. Como saberíamos se não
abríssemos os ouvidos para as narrativas de pessoas que estavam por aqui, por esta
cidade?

Como saberíamos que o parto de cócoras esteve envolvido com as PICs em um


mesmo período de tempo, em Niterói? Só Vânia Marapuama para nos revelar esta parte
da história. Como ficaríamos sabendo que atos de integralidade, hoje estimulados
vivamente pelo SUS, haviam sido feitos por Ana Capim Cidreira, no centro de saúde do
Caramujo, em “convênios extra-oficiais” que funcionavam muito bem? Ou como se faz
fazer um serviço das PICs acontecer intensamente por dez anos em um centro de saúde
e como se desfaz, assunto revelado nas histórias de Fátima Camomila?

Por certo, foi seguindo estes rastros, tateando estas guias das histórias contadas
que os interesses foram se revelando, de forma local e parcial. Apoiada pela TAR e pela
posição da pesquisadora de fronteira, foi possível mapear aqui e ali, ações políticas,
econômicas, de reserva de mercado e condições do viver saúde que possibilitavam ou
não o trabalho das PICs por Niterói. Foi possível também perceber ações que levaram as
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atividades das PICs nos centros de saúde ao quase esquecimento e ao final da tese penso
que deixo uma inscrição marcada a tinta de que existiu sim este tempo forte das PICs e
pessoas fizeram isso acontecer como realidade. Também ficou evidente que houve
muita resistência de todos que participaram desta empreitada, pois aquele movimento de
práticas interessantes e contra-hegemônicas continuou sendo disseminado pelos
subterrâneos da memória, passada de forma oral ou atendendo fora dos centros de
saúde.

Por fim, ao observar o movimento destas práticas nos seus usos por terapeutas
médicos e não médicos, por especialistas de outras áreas, e atravessá-los pelo viés das
racionalidades médicas, das políticas ontológicas e da multiplicidade, pude notar que é
uma falha pensar em saúde e cuidado a partir da biomedicina e tentar encaixar nesta
base racional outras racionalidades e ontologias com cosmovisões diferentes. Ou seja,
não adianta forçar e colocar tudo dentro de uma mesma caixa, como se estivéssemos
falando da mesma coisa. Isto é impossível! Pois, tratar da saúde pelo viés da
biomedicina é lutar no corpo contra doenças e patologias que sequer são catalogadas
com o mesmo nome ou a mesma fisiologia nas outras racionalidades médicas. A idéia é
outra! Tanto na medicina chinesa, como na medicina ayurvédica, na homeopatia e em
outras cosmovisões, tudo depende de conhecer de onde se fala. Falamos do TAO, de
prana, do simillimum?

No entanto, é totalmente possível a convivência da multiplicidade de cuidados


em um mesmo centro de saúde e ainda cabe nesta multiplicidade a integração dos
saberes da tradição cultural brasileira.

Esta tese, revela que existem inúmeros conceitos de saúde e de cuidado possíveis
e movimentos múltiplos de realidades performadas diferentemente, como nos
mostraram as políticas ontológicas trabalhadas por Mol (1999; 2010).

Propus ainda, que um tipo de visão de saúde e de cuidado, integralizadas com


conhecimentos não hegemônicos e populares possam cuidar do cotidiano da população
sem a hipervalorização do corpo são. Penso que as PICs transladadas entre a
coletividade trariam a idéia de cuidado mais humanizada evitando medicalizar qualquer
efeito da vida cotidiana. Afinal, a saúde e o cuidado devem levar em conta a potência
criativa dos modos de viver.
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Ainda há muito que pensar, pois, temos problemas sérios para os centros de
saúde que comportarem as PICs. Conforme foi relatado, o sistema de repasse para os
centros de saúde no SUS, vinculado a linha de produção não acolhe as PICs como um
serviço que traga medidas positivas que possam ser mostradas pelas ferramentas de
controle do SUS, pois seu maior valor é promover saúde e a capacidade de levar a vida
menos medicalizada possível e isso afasta os usuários das filas dos consultórios.
Portanto, há que se pensar em outros métodos de monitoramento e avaliação que
coloquem força nas atuações da promoção da saúde, na assistência básica, no programa
saúde da família incluindo as PICs.

No serviço público de saúde as PICs ainda dependem de quem está na gestão.


Isto é, se é um adepto à idéia de práticas complementares à biomedicina ou ao Ato
Médico. Isso irá dizer o que pode e o que não pode ser feito dentro da policlínica na sua
gestão ou mesmo terá poder de desfazer serviços que antes eram oferecidos à
população. Sendo assim, o campo da saúde no Brasil, com suas diferentes versões de
cuidado e saúde, é uma tensão permanente. No entanto, esta tensão mostra que a rede é
performada por vários atores e entre eles estão os erveiros, os mateiros, as parteiras, os
acupunturistas, médicos e não médicos todos enredados nas políticas públicas de saúde
que entremeiam a realidade e a fazem existir.

As controvérsias não são um mero aborrecimento a evitar, e sim aquilo que


permite ao social estabelecer-se. Os fluxos, conexões e agenciamentos são bem mais
complexos. Porém, a partir destas evidências da agregação do social em torno das PICs,
das práticas orientais e das práticas brasileiras de saúde formando redes e realidades
como políticas ontológicas, se evidenciou como são momentâneos, interrompidos,
embaraçados, confusos, desviados pelas incertezas e espantos, assim como entrar em
uma areia movediça.

Não obstante, a coexistência das PICs e os múltiplos actantes na saúde brasileira


traz consigo pequenos furos na parede dura, uma configuração mais flexível de viver a
saúde e cuidado para os centros de saúde do SUS e para a população que as adota.

Na conclusão deste trabalho de pesquisa, ao ter que sair e rastrear o cheiro da


moxa que havia se dissipado do terceiro andar de um serviço de saúde de Niterói,
percebi que ousadia e coragem foram energias necessárias de serem cultivadas nesta
pesquisadora de fronteira, um tanto enamorada do caos. No entanto, aprendi na pele que
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um trabalho é escrito literalmente por inúmeros autores. Companheiros que me


conduziram para que de mão em mão eu pudesse sair tateando as guias e encontrasse
uma complexa rede de implicações e acontecimentos políticos encobertos por notas
oficiais ou nenhuma nota. Assim, para sair da areia movediça além de calma é precioso
ter outras mãos para lhe ajudar a tatear e chegar à outra margem. E chegamos!
138

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