Salvador Os Impactos Da Copa
Salvador Os Impactos Da Copa
Salvador Os Impactos Da Copa
FEDERAL DA BAHIA
Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira
Assessor do Reitor
Paulo Costa Lima
Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Ninõ El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
José Teixeira Cavalcante Filho
Maria Vidal de Negreiros Camargo
Promoção:
Observatório das Metrópoles
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Realização:
LabHabitar − Laboratório de Habitação e Cidade
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia
Financiamento:
Financiadora de Estudos e Projetos
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
Institutos nacionais de ciência e tecnologia
2015, autores.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1991, em vigor no Brasil desde 2009.
7,5 MB ; epub.
O livro tem base no projeto Metropolização e MegaEventos: impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do Mundo/2014, desenvolvido pelo
Observatório das Metrópoles
ISBN 978-85-232-1395-4
1. Copa do Mundo 2014 – Salvador (BA). 2. Futebol – Aspectos socio-econômicos - Brasil. I. Souza, Angela Gordilho. II. Observatório das
Metrópoles . III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional IV. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal da Bahia
CDD 796.3340981
CDU 796.332
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Editora filiada a
APRESENTAÇÃO
Os megaeventos esportivos vêm se consolidando como elemento estratégico para investimentos em escala
internacional, tendo como objeto de realização, além dos jogos e produtos acessórios, o consumo da cidade-
sede como mercadoria. Os resultados desse processo abrangem diversos aspectos, com destaque para os
impactos nas cidades que os acolhem, onde se evidenciam os investimentos e as contradições sociais e
políticas, trazendo à tona tanto as vantagens a serem auferidas como os problemas urbanos, tais como
acessibilidade, segurança e intervenções em áreas degradadas, que impõem um amplo debate pelo direito à
cidade.
Com o objetivo de avaliar os impactos dos eventos previstos no Brasil, o Observatório das Metrópoles,
sediado no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(IPPUR/UFRJ), desenvolveu em rede nacional, nas 12 cidades-sede, o projeto de pesquisa Metropolização e
MegaEventos: impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do Mundo/2014, de forma articulada às
universidades locais nessas cidades.
Para isso, foi definida uma matriz de abrangência nacional, tendo como objetivos: a) elaborar e aplicar
instrumentos de monitoramento dos impactos dos eventos relacionados à Copa do Mundo/2014 a ser realizada
no Brasil e Jogos Olímpicos/2016, no Rio de Janeiro, na estrutura urbano-metropolitana onde serão realizados
esses eventos, para além dos tradicionais instrumentos de mensuração econômica correntemente utilizados;
b) produzir metodologia e indicadores baseados na experiência acumulada pelo Observatório das Metrópoles,
demais instituições e pesquisadores envolvidos em rede nacional; c) identificar e analisar os possíveis
impactos desiguais nas cidades/metrópoles que sediarão os eventos e, ao mesmo tempo, propor alternativas
na perspectiva da reforma urbana e da democratização das metrópoles brasileiras; d) contribuir para o debate
teórico acerca dos novos formatos de governança urbana e metropolitana e como esses novos modelos
colaboram para o acirramento da fragmentação das cidades ou sinalizam para uma maior coesão
urbana/metropolitana, em prol do direito à cidade.
O Núcleo Salvador, integrado a essa rede de pesquisa, esteve sediado no Laboratório de Habitação e
Cidade (LabHabitar), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, na Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (PPGAU/FAUFBA). Com essa finalidade, realizou as pesquisas
locais relativas aos impactos da Copa do Mundo/2014 em Salvador, agregando vários pesquisadores no
decorrer dos quase três anos de pesquisa, iniciada em maio de 2011 e concluída em maio de 2014, às
vésperas do início do evento.
Os resultados da pesquisa para Salvador, tendo como referência as indicações dos eixos e subeixos
temáticos de investigação definidos pela matriz da pesquisa nacional, enfatizaram as questões de maior
relevância nas suas especificidades locais, que, por sua vez, orientaram os enfoques apresentados nos
capítulos que compõem esta coletânea. Na metodologia também foram considerados os itens estabelecidos na
Matriz de Responsabilidade para realização desse megaevento mundial, contendo os compromissos pactuados
com a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) e estabelecendo articulação das diferentes esferas
de governo – federal, estadual e municipal –, documento que foi assinado em 13 de janeiro de 2010. Dessa
forma, os eixos da pesquisa foram confrontados às intervenções requeridas para a realização dos jogos nessa
cidade-sede no que se refere a: arenas e seus entornos, mobilidade, portos e aeroportos, segurança, turismo e
telecomunicações.
As principais fontes consultadas nas pesquisas primária e secundária para Salvador foram: o Plano Diretor
da Copa 2014 na Bahia (setembro de 2011), o Plano Plurianual (PPA/BA) 2012-2015, sites oficiais,
institucionais, de entidades sociais e da internet livre, notícias e pronunciamentos em jornais e revistas,
realização de entrevistas e pesquisa de campo. Essa coleta de informações locais foi sistematizada na forma
de um Diário da Copa 2014/Salvador, utilizando-se de metodologia própria, o que surtiu um rico resultado de
conjunto para os propósitos da pesquisa, servindo de subsídios para os diversos trabalhos produzidos.
Também foi de grande proveito informativo as oficinas e seminários promovidos pelos participantes da
pesquisa nacional, envolvendo pesquisadores das 12 cidades-sede, bem como os eventos promovidos em
Salvador sobre o tema. Destaque para o seminário Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do
Mundo 2014 em Salvador, organizado pelo núcleo local, ocorrido nos dias 30 e 31 de outubro de 2013,
oportunidade em que se promoveu uma ampla discussão, com vários segmentos acadêmicos, institucionais e
de movimentos sociais. Muito contribuíram as discussões dos profissionais especialistas na mesa-redonda
proposta sobre Fonte Nova: passado e presente e os resultados das pesquisas sobre Metropolização atual em
Salvador, do grupo de pesquisa Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Católica do Salvador (UCSAL), com financiamento da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), também convidado para o evento como parceiro desse
projeto. No âmbito dos movimentos sociais, participaram das exposições e debates: Observatório da Copa
Salvador 2014/FAUFBA, Comitê Popular da Copa, Fórum de Articulação das Lutas em Territórios afetados pela
Copa, Linha Viva, não!, Movimento Passe Livre, Projeto Salvador, Fórum a Cidade também é Nossa e Vozes de
Salvador.
A pesquisa local também coletou artigos relacionados ao tema, publicados na imprensa local por outros
professores vinculados ao PPGAU/UFBA, que em diversas oportunidades expressaram depoimentos e análises
prospectivas sobre os projetos anunciados nos preparativos para o evento em Salvador e seus impactos,
alguns dos quais foram cedidos para integrar esta coletânea.
Nesta oportunidade, agradecemos por todas essas contribuições que, com suas diferentes abordagens,
certamente enriquecem esse registro acadêmico institucional, de um momento de grandes oportunidades de
investimentos para a cidade de Salvador, que em tão curto prazo de definições infelizmente pouco aproveitou
os projetos existentes direcionados às demandas mais problemáticas da cidade. Entretanto, grandes somas de
recursos públicos foram alocadas para os novos projetos na realização dos jogos, distantes dos anseios da
maioria da população pelo direito à cidade, como demonstram os estudos e artigos apresentados nessa
coletânea.
O conjunto de textos ora apresentado sobre a cidade do Salvador, com um texto introdutório dos
coordenadores do projeto nacional, Orlando Alves dos Santos Junior e Christopher Gaffney, está organizado
em dois blocos de contribuições locais. Na primeira parte estão os capítulos que resultaram das pesquisas
vinculadas à rede nacional, elaborados pelo grupo de pesquisadores vinculados ao LabHabitar, com foco nos
principais eixos definidos pela pesquisa nacional, de forma a promover a interlocução com os pesquisadores
dos demais núcleos constituídos nas cidades-sede. A segunda parte, como contribuição complementar, são
apresentados artigos com depoimentos de pesquisadores vinculados a outros grupos de pesquisa desse
mesmo programa de pós-graduação da UFBA, que foram publicados em periódicos locais, com reflexões
prospectivas sobre os impactos dos projetos anunciados para a realização do megaevento. Valoriza-se, assim,
essa junção analítica de trabalhos resultantes de pesquisa científica, com textos de opinião de especialistas
como forma de ampliar a extensão da universidade, subsidiando a opinião pública sobre os assuntos de
interesse coletivo.
Assim, compondo a primeira parte desta coletânea, o capítulo 1 traz no eixo de discussão da “Moradia,
mobilidade e meio ambiente urbano” o texto de Angela Gordilho Souza, contendo uma análise das principais
mudanças na dinâmica de produção e gestão urbana a partir do anúncio desse megaevento, analisando os
resultados na abrangência territorial e no ambiente urbano, os impactos das intervenções ocorridas e dos
projetos anunciados para além da Copa 2014 e pontuando as tensões emergentes e as perspectivas de real
enfrentamento das problemáticas urbanas aí presentes no que tange o direito à cidade. O capítulo 2, de
autoria de Luciana Viana Carpaneda, intitulado “Esporte e segurança pública”, analisa como ocorreu a
adequação dos equipamentos esportivos aos critérios impostos no caderno de recomendações e requisitos
técnicos da FIFA, com foco na demolição do antigo estádio Octávio Mangabeira e da respectiva Vila Olímpica
na cidade de Salvador, ambos de gestão pública, para dar lugar a uma arena multiuso, de gestão privada, a
nova Arena Fonte Nova, bem como as medidas de segurança que vêm atreladas a essas mudanças. No eixo
das “Intervenções e configuração urbana”, que nomeia o capítulo 3, Heliana Faria Mettig Rocha privilegia na
sua leitura a análise dos impactos gerados pela construção da nova arena na área central de Salvador,
confrontando com outros projetos de requalificação urbana previstos para o centro antigo, com os conteúdos
propostos pelo Plano Diretor da Copa (PDC) e pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, designado
PDDU da Copa e, ainda, com os projetos de intervenção propostos para a cidade a partir do anúncio das
cidades-sede indicadas para Copa 2014 em maio de 2009. O capítulo 4, referente ao eixo de análise das
“Instituições e investimentos”, em um texto de coautoria, Angela Gordilho Souza e Mariana Moreira Pereira
Dias buscam traçar um quadro aproximado do portfólio de investimentos para Salvador, considerando, além
dos documentos oficiais disponibilizados, as informações coletadas em diversas fontes primárias, visando
avaliar os custos e os efetivos legados locais. Finalizando esse bloco, o capítulo 5, de autoria de Any Brito Leal
Ivo, analisa o eixo da “Governança urbana e atores sociais”, em que apresenta as especificidades locais no que
diz respeito às arenas, aos atores e conflitos ligados à preparação de Salvador para a Copa de 2014 que
sinalizam um novo contexto político no que diz respeito à governança urbana.
Na segunda parte desta coletânea estão registradas as contribuições de artigos, do tipo depoimentos, dos
professores Ana Fernandes, Paulo Ormindo de Azevedo, Angelo Serpa e Solange Araújo, professores também
vinculados ao PPGAU/FAUFBA, que se pronunciam, no calor dos debates, sobre as grandes intervenções
urbanas propostas no ensejo da Copa 2014 em Salvador. Os artigos estão organizados por autor e por ordem
de data de publicação, no sentido de uma linha do tempo de surgimento dos temas mais polêmicos. A crítica
maior recai sobre a demolição do antigo complexo esportivo da Fonte Nova, que foi contestada amplamente
pelas instituições profissionais e movimentos sociais, tendo à frente a FAUFBA na defesa desse patrimônio
cultural. Esse conjunto de artigos afirma a cidade como um bem comum e denuncia a falta de transparência
nas decisões, as contratações milionárias sem projeto, a expulsão das comunidades pobres, enfim, a falta de
participação da sociedade, o que configura um retrocesso nas conquistas sociais a partir do Estatuto da
Cidade, Lei Federal de 2001, que assegura o direito social à moradia e a cidades mais justas.
Na realização desta publicação, destacamos a iniciativa do Observatório das Metrópoles por desenvolver
essa pesquisa nacional, pela sua condução democrática, agregadora e enriquecedora, realização que não seria
possível sem o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que concederam as bolsas de apoio técnico. Os resultados
colhidos pelo Núcleo Salvador devem-se também ao empenho dos pesquisadores que foram se agregando às
atividades em diferentes momentos do desenvolvimento da pesquisa, com diversas e importantes
contribuições para o alcance desse trabalho coletivo, aos quais aqui agradecemos.
Por ordem de ingresso, agradecemos a Luciana Carpaneda, presente desde o início do trabalho, como
bolsista e depois como doutoranda, com funções de assistente de pesquisa, cuja contribuição foi valiosa,
mantendo as sistemáticas necessárias ao bom andamento dos trabalhos e nas análises produzidas. A Jandira
Assis Borges, como bolsista responsável pela coleta de informações e preenchimento de dados para o Diário
da Copa 2014/Salvador, instrumento que se tornou de grande utilidade para as consultas. O apoio de Mariana
Moreira Moreira Dias, na coleta de dados oficiais e pesquisa de campo, também foi fundamental e logo
incentivada a contribuir com as reflexões que deram origem ao artigo em coautoria. As demais pesquisadoras,
professoras da FAUFBA, Heliana Faria Mettig Rocha e Any Brito Leal Ivo, que se incorporaram a esse trabalho
no ano de 2013, trazendo contribuições relacionadas às suas áreas de investigação. Esse grupo foi também
indispensável na organização do seminário Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo
2014 em Salvador, juntamente com o apoio de Silvandira Carneiro de Oliveira, secretaria, e Igor Queiróz e
Naiara Rezende, na produção e divulgação do evento, quando muito se ampliaram as contribuições, dando
assim origem a esta coletânea, oportunidade em que também agradecemos a todos os convidados e
participantes.
Angela Gordilho Souza
Coordenadora da pesquisa local/Núcleo Salvador
Coordenadora do LabHabitar − PPGAU/FAUFBA
INTRODUÇÃO
O projeto nacional Metropolização e Megaeventos: impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do
Mundo/2014 nas metrópoles brasileiras, coordenado pela Rede Observatório das Metrópoles, teve como
objetivo ampliar o espectro analítico sobre as transformações físico-territoriais, socioeconômicas, ambientais e
simbólicas associadas a esses megaeventos. Especial ênfase foi dada à distribuição dos benefícios e dos custos
nas diversas esferas que envolvem o processo de adequação da cidade às exigências infraestruturais para a
realização dos referidos eventos, partindo-se de um ponto de vista comparativo em relação a experiências
internacionais similares anteriores.
Assim, combinando uma metodologia qualitativa e quantitativa, o projeto investigou as transformações
urbanas ocorridas nas cidades-sedes onde se realizarão os jogos da Copa do Mundo e das Olimpíadas (Rio de
Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza, Natal, Manaus
e Cuiabá), bem como seus desdobramentos socioespaciais. Visando alcançar esse objetivo, a análise se pautou
pela utilização de quatro eixos interligados, quais sejam: a) desenvolvimento econômico; b) esporte e
segurança; c) moradia e mobilidade; e d) governança urbana.
A pesquisa evidenciou que os megaeventos esportivos no Brasil estão associados à implementação de
grandes projetos urbanos e vinculados a projetos de reestruturação das cidades. Dessa forma, não é possível
separar a Copa do Mundo e as Olimpíadas dos projetos de cidade que estão sendo implantados. E isso se
traduz no próprio orçamento que foi disponibilizado e nos investimentos realizados. A análise da pesquisa, até
o momento, confirma a hipótese inicial de que, associado aos megaeventos, estaria em curso o que é pode ser
chamado de “nova rodada de mercantilização” das cidades, traduzida na elitização das metrópoles brasileiras
associada à difusão de uma certa governança urbana empreendedorista de caráter neoliberal e do
fortalecimento de certas coalizões urbanas de poder que sustentam esse mesmo projeto. É preciso registrar
que essa é uma análise do ponto de vista nacional, que deve levar em consideração diferenças significativas
entre as cidades-sede. O presente livro ressalta exatamente os resultados dessa análise do ponto de vista das
pesquisas realizadas em Salvador por ocasião dos preparativos para o megaevento nessa cidade.
No processo de preparação da Copa do Mundo fica evidenciado que a gestão pública teve um papel central
na criação de um ambiente propício aos investimentos, principalmente aqueles vinculados aos setores do
capital imobiliário, das empreiteiras de obras públicas, das construtoras, do setor hoteleiro, de transportes, de
entretenimento e de comunicações. Tais investimentos seriam fundamentais para viabilizar as novas condições
de acumulação urbana nas cidades brasileiras. Nesse sentido, a reestruturação urbana das cidades-sedes da
Copa do Mundo de 2014 deve contribuir para a criação de novas condições de produção, circulação e
consumo, centrada em alguns setores econômicos tradicionais importantes. Esses setores são, principalmente,
os de ponta e o setor de serviços, envolvendo o mercado imobiliário, o sistema financeiro de crédito, o
complexo petrolífero, a cadeia de produção de eventos culturais (incluindo o funcionamento das arenas
esportivas), o setor de turismo, o setor de segurança pública e privada e o setor automobilístico. Este último
aquecido com as novas condições de acumulação decorrente dos (des)investimentos em transporte de massas.
Nessa perspectiva, o poder público tem adotado diversas medidas vinculadas aos investimentos desses
setores, tais como: isenção de impostos e financiamento com taxas de juros reduzidas; transferência de
patrimônio imobiliário, sobretudo através das Parcerias Público-Privadas (PPPs) − e operações urbanas
consorciadas; e remoção de comunidades de baixa renda das áreas urbanas a serem valorizadas. De fato, a
existência das classes populares em áreas de interesse desses agentes econômicos se torna um obstáculo ao
processo de apropriação desses espaços aos circuitos de valorização do capital vinculados à produção e à
gestão da cidade. Efetivamente, tal obstáculo tem sido enfrentado pelo poder público através de processos de
remoção, os quais envolvem reassentamentos das famílias para áreas periféricas, indenizações ou
simplesmente despejos. Na prática, a tendência é que esse processo se constitua numa espécie de
transferência de patrimônio sob a posse das classes populares para alguns setores da capital.
Além disso, no que diz respeito à governança urbana, percebe-se a crescente adoção dos princípios do
empreendedorismo urbano neoliberal, nos termos descritos por David Harvey, pelas metrópoles brasileiras,
impulsionada em grande parte pela realização desses megaeventos. Esse projeto empreendedorista de cidade
que está em curso parece ser marcado por uma relação promíscua entre o poder público e o poder privado,
uma vez que o poder público se subordina à lógica mercantil de diversas formas, entre elas através das
parcerias público-privadas. Mas essa não é a única forma de subordinação do poder público verificada. Por
exemplo, a Lei Geral da Copa, replicada em todas as cidades-sedes tanto por meio de contratos firmados entre
as prefeituras e a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) como por meio de leis e decretos
municipais, expressa uma outra forma de subordinação, pelo fato de o Estado adotar um padrão de
intervenção por exceção, incluindo a alteração da legislação urbana para atender aos interesses privados.
Por tudo isso, parece evidente que as intervenções vinculadas à Copa do Mundo/2014 e às Olimpíadas/2016
envolvem transformações mais profundas na dinâmica urbana das cidades brasileiras. Com isso, torna-se
necessário aprofundar a análise dos impactos desses megaeventos esportivos a partir da hipótese aqui
exposta de emergência do padrão de governança empreendedorista empresarial urbana e da nova rodada de
mercantilização/elitização das cidades. Este livro busca discutir essa hipótese à luz da experiência realizada
em Salvador e contribuir para o enfrentamento dos processos em curso, na perspectiva da promoção do
direito à cidade e da justiça social.
Os artigos que compõem esta coletânea sobre os impactos da Copa 2014 em Salvador configuram um
importante documento institucional desse momento de grandes investimentos e tensões na cidade ao analisar
o conjunto de ações dos diferentes atores sociais envolvidos, que revelam o fortalecimento de um processo
urbano de grandes investimentos públicos direcionados a uma seletividade excepcional no uso coletivo da
cidade. São práticas que intensificam a segregação e exclusão social produzidas na dinâmica de modernização
e privatização dessa cidade desde o início do século passado, ao tempo em que geram resistências ampliadas,
como revelam os artigos apresentados. Em Salvador, a Copa 2014, semelhante a o que ocorreu nas demais
cidades-sede, não representa, portanto, uma inflexão na trajetória política dessas cidades, que já vinham
vivenciando uma transição na adoção de modelos neoliberais de política urbana. Mas representa uma
aceleração e aprofundamento nessa direção, estabelecendo um padrão de produção e gestão urbana
altamente centralizador e privatista, como demonstram os estudos ora apresentados sobre Salvador. A política
urbana municipal, sustentada na aliança das três esferas de governo, conforme estabelecida pelo governo
brasileiro e a FIFA na Matriz de Responsabilidade, também em Salvador agregou a prefeitura municipal, o
governo do estado e o governo federal para a realização do evento na cidade. Esse pacto caminhou na direção
da elitização de Salvador, sustentada em uma coalizão de poder que subordina o interesse público à lógica do
mercado. Ao mesmo tempo, observam-se diversos processos de resistência e contestação que questionam esse
modelo e reivindicam uma cidade mais justa e democrática.
O projeto desenvolvido pela Rede Observatório das Metrópoles contou com uma rede de pesquisadores e
um engajamento de diversas instituições de pesquisa e universidades espalhadas pelo país. Em Salvador, a
pesquisa teve o apoio do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo e da Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (PPGAU/FAUFBA), com especial dedicação do grupo de
pesquisa Laboratório de Habitação e Cidade (LabHabitar), onde foram desenvolvidas as pesquisas vinculadas
à rede nacional. Esse núcleo local viabilizou uma ampla discussão e engajamento de vários segmentos, entre
acadêmicos, estudantes e movimentos da sociedade civil organizada, resultando na coletânea que aqui será
apresentada.
O projeto nacional contou com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao
Ministério da Ciência e Tecnologia, a quem a rede de pesquisa do projeto agradece e sem o qual não seria
possível desenvolver tal estudo. Além disso, cabe um agradecimento especial aos Comitês Populares da Copa,
organizados nas cidades-sedes, e à Articulação Nacional dos Comitês Populares (Ancop), que se constituíram
em interlocutores privilegiados dos resultados da pesquisa ao longo do seu desenvolvimento.
Orlando Alves dos Santos Junior
Christopher Gaffney
Coordenadores do Projeto Metropolização e Megaeventos:
Impactos da Copa do Mundo e das Olimpíadas nas metrópoles brasileiras
PARTE I
Capítulos temáticos
Metropolização e Megaeventos em Salvador
CAPÍTULO 1
Moradia, mobilidade e meio ambiente urbano: Afinal, o que ficou da Copa 2014 para as
cidades-sedes no Brasil? Uma análise dos impactos urbanos em Salvador
Introdução
A realização da copa do mundo, organizada pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), a cada quatro anos
desde 1930 tem sido um megaevento internacional de grande alcance pela popularidade do futebol em escala global e pela
sua ressonância ampliada, com as possibilidades avançadas de comunicação e negócios corporativos na atualidade. Como
crescentemente vem ocorrendo nas edições das últimas décadas, a realização da vigésima Copa do Mundo, que ocorreu no
Brasil entre os dias 12 de junho a 13 de julho de 2014, demandou recursos públicos muito elevados nos preparativos para
receber tal evento. A partir do anúncio das cidades-sede, em 31 de maio de 2009, definiu-se uma Matriz de
Responsabilidades, com um amplo escopo de compromissos, incluindo intervenções urbanas nas 12 cidades selecionadas para
a realização dos jogos, o que tem gerado polêmicas e ambiguidades na adesão coletiva. Se, por um lado, esse mundial traz
grandes expectativas para os torcedores desse esporte, por outro, as medidas adotadas nos preparativos têm provocado
fortes resistências no país. No âmbito desse processo, outros condicionantes ocasionaram um elenco de grandes projetos para
essas metrópoles que sediarão os jogos, com destaque para a (re)construção de novas arenas, intervenções na mobilidade
urbana, renovação de espaços centrais ociosos e remoções em áreas habitadas, com fortes implicações na privatização
ampliada dessas cidades.
Neste momento, às vésperas do torneio mundial, já é possível fazer uma avaliação dos principais alcances desse processo,
com base nas pesquisas desenvolvidas nos últimos dois anos1, analisando-se, neste capítulo, os resultados dessa dinâmica
urbana recente de Salvador, uma das cidades-sede. Buscou-se analisar a abrangência, as alterações e os impactos dessas
intervenções, bem como dos projetos anunciados para além da Copa 2014, com foco na produção, gestão e configuração
espacial, pontuando as tensões emergentes e perspectivas de real enfrentamento das problemáticas urbanas aí presentes, o
que impõe um amplo debate pelo direito à cidade.2
O legado dos megaeventos no contexto urbano dos países emergentes e a Copa 2014
No processo crescente de globalização da economia e ampliação do consumo dos lugares, os megaeventos mundiais, que
recorrentemente ocorrem nos países centrais, passam a ser sediados, em alternância, nos países de economias emergentes,
como recentemente na China (2008) e na África do Sul (2010), seguidos pelo Brasil (2014 e 2016) e Rússia (2014 e 2018).
Nessas situações, as adversidades urbanas, decorrentes do imenso passivo de déficits sociais e de infraestrutura acumulados,
acabam por trazer outros desdobramentos quanto aos investimentos preparatórios nas cidades-sede, como se observa nos
projetos realizados para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
O legado anunciado para as cidades que acolhem o megaevento são os grandes investimentos públicos realizados, que
trazem outros benefícios indiretos, além dos novos equipamentos urbanos e melhorias implantadas: atraem capitais e novos
investimentos, criam empregos e geram renda. Com base nesses argumentos, justifica-se a agilidade de execução dos
preparativos, decididos de forma centralizada para atender às exigências da FIFA. Tais preparativos acabam por imprimir
medidas de exceção nos ajustes legais para a sua realização, com grandes investimentos públicos que se viabilizam por meio
de parcerias do setor público com o setor privado.
Utiliza-se, assim, o receituário surgido com o chamado “planejamento estratégico”, implantado com sucesso emblemático
em Barcelona, por ocasião das Olimpíadas de 1992, sendo replicado mundo afora desde então. (BORJA; CASTELLS, 1997;
GÜELL, 1997) Como amplamente é discutido por diversos autores que se debruçaram sobre o tema, essas intervenções
trazem, como principais pressupostos conceituais, a recuperação de áreas urbanas degradadas, o redesenho da cidade a
partir de grandes projetos-âncora, que criam novas centralidades alavancadas pelo marketing urbano e pelas Parcerias
Público-Privadas (PPP).3
Ao analisar o caso da área portuária desativada de Baltimore, uma das primeiras experiências desse tipo de intervenção
urbana na década de 1970, Harvey (2004, p. 190) acusa os investimentos públicos permanentemente aplicados de “alimentar
o monstro do centro da cidade”. Para esse autor, a parceria entre o poder público e a iniciativa privada significa que o poder
público entra com os riscos, e a iniciativa privada fica com os lucros. Nessas iniciativas, são visualizados nichos de
oportunidades de negócios no território. Mais do que o solo urbano em si, a cidade aparece nelas como agente econômico,
mercadoria, sendo o marketing promocional o elemento propulsor. (VAINER, 2000) Segundo Arantes (2012, p. 14), esse é “um
dos traços do urbanismo dito de última geração; vive-se à espreita, de ocasiões [...] para fazer negócios! Sendo que o que está
à venda é um produto inédito: a própria cidade, que para tanto precisa adotar uma política agressiva de marketing.” Nos seus
estudos comparativos sobre os casos de Barcelona e Berlim, ela destaca o papel do almejado consenso, que viabiliza
celeridade sem riscos. Seguindo esse caminho, salienta, como um dos principais ingredientes desse urbanismo empresarial, a
cultura como marketing urbano: a cidade espetáculo posta à venda. São processos de renovação urbana que acabam por
atrair novos usos e rendas superiores às dos moradores tradicionais, elevando os preços imobiliários e, nas palavras da
autora, provocando um “arrastão gentrificador de grandes proporções”. (ARANTES, 2012, p. 8)
Essas ações, ao serem replicadas, têm gerado um intenso debate sobre os reais benefícios urbanos trazidos para a
coletividade. Ao atingirem os objetivos de ganhos de capital, com base em processos altamente especulativos, as avaliações
dessas iniciativas assinalam que nem sempre as intervenções promovem benfeitorias duradouras para os lugares. Acarretam
prolongado endividamento público e dívidas sociais geradas pela expulsão de moradores pobres das áreas de objeto de
intervenção, seja diretamente, pela apropriação das antigas moradias, seja indiretamente, com o enobrecimento das áreas em
que se inserem.
Nos países de economia avançada, essas práticas ocorreram num contexto urbano em que as principais demandas
coletivas estão atendidas; busca-se, então, a atração de novos capitais e a ampliação de consumo dessas cidades. Os
megaeventos mundiais, alinhando-se a essas estratégias, potencializam, além dos investimentos para sua realização, projetos
de renovação urbana, em função de uma maior visibilidade internacional do país que os sedia. Eles detêm, na imagem
midiática do espetáculo e da cidade turística, sua principal fonte de lucros para os patrocinadores e organizadores.
No caso do Brasil, integrante do bloco composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS), países de grandes
economias emergentes, o anúncio da realização da Copa 2014 e das Olimpíadas 2016 no país vem se somar a outros grandes
investimentos urbanos que já estavam em curso. Depois de um longo período de recessão do mercado imobiliário brasileiro
entre os anos 1980 e 1990 – décadas consideradas perdidas, com a forte contenção de gastos públicos imposta pelas medidas
econômicas de equilíbrio fiscal e de controle inflacionário –, verifica-se, na década seguinte, a retomada de investimentos
federais, a partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, de forma integrada ao fortalecimento da Caixa
Econômica Federal como principal instituição financeira federal responsável pela operação de recursos destinados ao fomento
do desenvolvimento urbano.
As novas políticas urbanas implementadas a partir de então tiveram um amplo espectro de atuação. Foi criada, para isso,
uma nova sistemática federal descentralizada para implantação de novas políticas de habitação, saneamento, mobilidade e
programas urbanos. Na produção habitacional, a partir de 2005, simultaneamente ao incentivo de produção via mercado,
foram criadas, de forma pioneira, as condições para uma produção subsidiada de habitação de interesse social, resultando em
um boom imobiliário sem precedentes. De 2002 a agosto de 2010, foram produzidas, no Brasil, 4,3 milhões de novas unidades
habitacionais, com investimentos da ordem de R$ 243 bilhões para todo o Sistema Nacional de Habitação (SNH). Para o
subsistema de interesse social, foi investido um total de R$ 68,5 bilhões, incluindo-se aí R$ 3,6 bilhões em urbanização de
favelas, ainda que fosse prevista uma maior alocação, com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
em 2006. (MARICATO, 2011) No que tange a essa nova política de habitação, o ponto de inflexão constitui o lançamento do
programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), em 2008, com fortes subsídios para produção de novas unidades destinadas às
faixas de renda de interesse social, dinamizando, de forma inédita, esse segmento que sempre esteve aquém da produção de
mercado, embora imprimindo outra sistemática, mais centralizada, entre agente financeiro e empresas cadastradas,
acelerando, assim, o processo de produção, o que tem suscitado fortes críticas no que tange à qualidade do projeto e sua
inserção urbana.4 Em apenas três anos, na sua primeira fase, de 2009 a 2011, o programa cumpre a meta de construção de
um milhão de novas habitações. É reeditado como MCMV 2, com previsão de mais 2 milhões de unidades a serem construídas
entre 2012 e 2014, sendo a maioria – 60% – para famílias com renda de até R$ 1.395,00, em grande parte localizadas em
municípios médios e pequenos.5 Assim, o MCMV vem contribuindo para o aquecimento do setor da construção civil e para a
geração de emprego num momento em que se intensifica a crise financeira mundial de 2008, o que leva a identificá-lo
também como um instrumento de dinamização da economia brasileira nesse novo quadro internacional. (ROLNIK; NAKANO,
2009)
Considerando esse contexto de enfrentamento de profunda desigualdade social e carências urbanas, confrontado com a
condição econômica favorável que se apresenta para o Brasil como país emergente no panorama da presente crise financeira
mundial, os projetos urbanos realizados para as cidades-sede da Copa 2014 encontram um campo fértil para investimentos.
Acaba-se por acionar outros projetos urbanos de grande porte na produção do espaço dessas cidades, para além dos
preparativos demandados por tal evento. Seguindo essa lógica, a pretexto da realização do megaevento, ampliam-se as
possibilidades de negócios e o consequente aquecimento da economia, com forte ingerência de recursos públicos e de capital
corporativo em parcerias público-privadas.
Essas iniciativas se expandem nas áreas com potencial de valorização e resultam em processos urbanos duradouros para
as próximas décadas, com ganhos extraordinários de capital, possibilitados pela captura da valorização imobiliária na
utilização do território e pela concessão de serviços coletivos que geram mais-valias urbanas ampliadas.6 A cidade em si
passa a ser objeto de negócios e apropriações privadas, que envolvem a associação de grandes empresas na definição
vantajosa de novos empreendimentos não apenas nos processos de produção, como também na ampliação de encargos, na
gestão privatizada de equipamentos públicos e de serviços urbanos coletivos, como foi verificado na requalificação dos
antigos estádios em novas arenas para os jogos da Copa 2014 no Brasil. Acentua-se um novo padrão de produção das cidades
no Brasil, com desdobramentos dessas relações na configuração da metrópole expandida e fragmentada, indicando um
crescente movimento de privatização seletiva e exclusividade de uso e consumo do espaço urbano, o que requalifica
espacialmente a cidade e a região de entorno, conforme se ilustra no caso de Salvador. (GORDILHO-SOUZA, 2014)7
Figura 1 – Imagens da Vila Olímpica e do Estádio Octávio Mangabeira − Fonte Nova, 2010
a) Poligonal da área da Vila Olímpica. b) Estádio Otávio Mangabeira. c) Implosão da Fonte Nova em 29/08/2010.
Fonte: (BAHIA, 2009; ESTÁDIO..., 2010).
A demolição ocorreu em 29 de agosto de 2010, por meio de contratação em regime de PPP na modalidade concessão
administrativa, incluindo, também, reconstrução, gestão e manutenção do novo estádio-arena. A concessão do governo baiano
foi indicada para o consórcio formado pelas empresas Odebrecht e OAS.13 O valor total estimado para a reconstrução do
equipamento foi de R$ 591,7 milhões, incluindo elaboração de projetos, licenciamentos, demolição, construção e
agenciamento de áreas externas de entorno. Para sua construção, foram viabilizados financiamentos específicos por meio do
programa do BNDES, o ProCopa Arenas, programa nacional de apoio a projetos de construção e reforma das novas arenas,
em até 75% do valor, incluindo a urbanização do entorno. A Concessionária Fonte Nova Participações S/A foi contratada em
janeiro de 2010, pelo prazo de 35 anos, para reconstruir e operar essa arena multiuso a partir da sua inauguração, que
ocorreu em 5 de maio de 2013. O valor da contraprestação anual foi fixado em R$ 107,32 milhões, a ser adimplida durante 15
anos, a partir do início das operações, o que perfaz um montante de R$ 1.609, 8 milhões a ser pago, com recursos públicos,
pela sua gestão. (BAHIA, 2009)
a) Maquete virtual do projeto da Arena. b) 2010 Vista da Arena e complexo viario. c) 2013 Inauguração em 05/04/2013.
Fonte: (CONSÓRCIO..., 2012; GALERIA..., 2013).
Quanto à mobilidade, na capital baiana, o acordo para sediar a Copa 2014 previa inicialmente financiamento de R$ 541,8
milhões para o sistema de conexão do Aeroporto Internacional de Salvador à zona norte da cidade. Essa intenção foi
modificada para uma proposta mais ampla de mobilidade urbana, conforme foi publicado pelo Governo da Bahia, no Edital de
Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), no final de março de 2011. Esse edital previa a obtenção de estudos
preliminares de viabilidade e a definição do modal – Bus Rapid Transit (BRT) ou Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) − integrado
ao metrô, incluindo a modelagem econômico-financeira e jurídica para implantar e operar o sistema metroviário de Salvador e
Lauro de Freitas.14 Essa questão adquiriu maior complexidade, tendo o Governo do estado da Bahia assumido a
responsabilidade do sistema de metrô e da ferrovia do Subúrbio, que estava sob a tutela do governo municipal de Salvador.
Derivando em uma intensa discussão, o repasse se delongou por cerca de dois anos para se chegar a uma solução de
entendimentos entre as partes no dia 5 de abril de 2013, poucas horas antes da inauguração da Arena Fonte Nova, quando,
finalmente, houve a assinatura do convênio com a Prefeitura de Salvador.15
Em relação ao aeroporto e ao porto de Salvador, além dos recursos federais assegurados pelo PAC para ambos, também
houve participação dos três níveis de governo nessas definições. Para o terminal de passageiros do porto de Salvador, sob a
responsabilidade da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba) e da Secretaria Especial de Portos (Federal), foi
proposta a requalificação dos armazéns 1 e 2, desativados, sendo o projeto elaborado pela Prefeitura de Salvador. O trecho
modificado compreende dois quilômetros às margens da Baía de Todos os Santos, devendo impactar o bairro do Comércio, na
Cidade Baixa, atualmente com intenso grau de esvaziamento. Previsto para ser finalizado em meados de 2013, mas até então
não concluído, nele estarão funcionando, além do terminal de passageiros, restaurantes e outros serviços turísticos.
(CODEBA..., 2012) Quanto à reforma e ampliação do Aeroporto Internacional de Salvador, o projeto, sob a responsabilidade
da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), prevê uma nova pista, reforma no acesso e outros
equipamentos de apoio, como estacionamento ampliado para mais 300 automóveis. Já o terminal de ônibus será ampliado e
adaptado ao novo modelo de transporte, que ligará o aeroporto de Salvador ao centro da cidade. As obras tiveram início em
10 de janeiro de 2013, prevendo seu término para a Copa das Confederações, em junho de 2013. (INFRAERO..., 2011) Isso,
entretanto, não ocorreu, culminando com o adiamento da segunda etapa do projeto para depois do evento da Copa 2014,
evitando-se, assim, maiores transtornos para passageiros e visitantes.
No que se refere à hotelaria, visando atrair novos investimentos para o município, foi apresentada pelo executivo
municipal à Câmara, em dezembro de 2011, uma proposta de modificação do Plano Diretor de 2008, com alterações na
legislação para hotelaria na orla, conhecida como Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PPDU) da Copa. Essa proposta
previa, entre outras medidas, a liberação do gabarito para a ampliação dos atuais hotéis em 10 pontos distintos da orla
marítima de Salvador e a construção de novos empreendimentos hoteleiros na região, inclusive na Ilha de Frades. Discutido
na Câmara Municipal, ainda que sub judice do Ministério Público da Bahia, o projeto foi rejeitado por todos os segmentos,
inclusive do setor hoteleiro, que, na audiência, manifestou o temor da falência de hotéis de médio e pequeno porte em
Salvador diante das novas propostas. (DISCUSSÃO..., 2012)
Quanto ao planejamento para a segurança pública, antecedendo-se ao evento mundial em Salvador, em maio de 2011,
foram criadas as bases comunitárias de segurança nos bairros populares inseridos na área formal da cidade, a exemplo do
Calabar, Nordeste de Amaralina, Bairro da Paz, Alto de Coutos e Itinga, à semelhança do projeto carioca de UPP, implantado
desde 2010. Também foram instaladas unidades móveis de segurança, com o programa Pacto pela Vida, para atuação no
corredor turístico de Salvador: região do Centro Histórico à Lagoa do Abaeté.
a) Reforma do Hotel da Bahia. b) Projeto de reforma do Aeroporto c) Área portuária - projeto do novo Terminal.
Fonte: (HOTEL..., 2012; INFRAERO..., 2013; NOVO..., 2012).
Com o início de uma nova gestão municipal em 2013, outras iniciativas que não estavam anteriormente previstas já se
encontram em execução, algumas com etapas a serem finalizadas até a Copa. A Ecopa lançou o projeto Salvador Vai de Bike,
em parceria com o Banco Itaú, com 40 estações públicas de compartilhamento de bicicletas, já implantadas em vários pontos
turísticos. Esse projeto inclui também a promoção de políticas voltadas para o setor, visando melhorar a mobilidade urbana e
a qualidade de vida na cidade. Para toda a orla de Salvador foi lançado um novo projeto de requalificação, com investimentos
do Ministério do Turismo e parcerias privadas, na ordem de R$111,6 milhões, num total de nove trechos. Ainda que a
finalização tenha sido anunciada até a Copa 2014, o andamento das obras indica que estarão prontos apenas os trechos da
Barra, Ribeira, de Paripe-Subúrbio e do Rio Vermelho. (NOVA..., 2013) Também se encontra em andamento, no âmbito
municipal, o projeto Verde Perto, com plantio de árvores associado a eventos pró-cidadania, visando à revitalização de
espaços públicos e áreas verdes da cidade.
Em síntese, conforme é indicado na Figura 1, os projetos que estarão finalizados até a Copa atendem basicamente aos
requisitos da Matriz de Responsabilidade, ainda que redimensionada, sendo o investimento de maior impacto urbano a nova
Arena Fonte Nova, que também corresponde à maior parte do investimento total, conforme os números divulgados.
Construída no mesmo local onde estava o antigo estádio, ela vem reforçar a centralidade da ocupação antiga da cidade,
embora constituindo um novo equipamento urbano de gestão privatizada, para um consumo solvável, ainda sem definições
efetivas para sua utilização plena diante do vultoso investimento público-privado.
Quanto ao Centro Oficial de Treinamento (COT) e Centro de Treinamento de Atletas (CTA), os locais credenciados em
Salvador são o estádio de Pituaçu e a Fonte Nova. Como Centro de Treinamento de Seleções (CTS), dentre os 54 anunciados
para o Brasil, dois estão na Bahia: o Tivoli Ecoresort, em Praia do Forte, Mata de São João, e o Resort La Torre, em Porto
Seguro. As Bases Comunitárias de segurança, em um total de seis, foram implantadas em comunidades próximas ao circuito
da Copa, com exceção da unidade do Subúrbio Ferroviário, na periferia, com altos índices de criminalidade. Na mobilidade,
além de nova cobertura asfáltica nas principais vias do corredor da Copa e novos viadutos de cruzamento na Av. Paralela,
principal via de acesso Aeroporto–Arena, foi inaugurada, recentemente, a via expressa de ligação entre o Porto e a BR-324, já
prevista antes das definições de intervenções para a Copa 2014. Na questão habitacional, os projetos do MCMV, já
implantados em Salvador, localizam-se todos na periferia mais valorizada da cidade, conforme indicado no mapeamento, sem
qualquer relação direta com as intervenções previstas até o evento. Até então, em Salvador, não ocorreu remoção de
habitações em função da realização da Copa 2014.
a) Proposta de linhas do metrô de Salvador. b) Projeto de linha 2 do metrô. c) Complexo de viadutos do Imbuí
Fonte: (REDE..., 2012; METRÔ..., 2012; AUTORIZADO..., 2013).
Ainda em relação à ampliação de vias, o Governo da Bahia recentemente autorizou a construção de três viadutos sob a
Avenida Luiz Viana Filho, mais conhecida como Paralela, e de uma via marginal no bairro de Narandiba, como parte do
chamado complexo de viadutos do Imbuí. A intervenção, já licitada no valor de R$ 95 milhões, faz parte de um conjunto de
obras voltado para a melhoria da mobilidade urbana, no valor total de cerca de R$ 1 bilhão, incluindo-se aí intervenções que
só estarão prontas depois da Copa 2014. Nesse projeto, estão previstas desapropriações no entorno das novas vias, que
representam R$ 20 milhões do valor da obra. Segundo o próprio governador: “Isso porque o metrô, por si só, mesmo quando a
primeira etapa entrar em funcionamento em 2014, não será capaz de resolver o problema de mobilidade da cidade.”
(AUTORIZADO..., 2013)
Como iniciativa do Governo da Bahia, incluem-se, nesse plano, a nova Arena Fonte Nova, uma grande passarela ligando a
arena ao Centro Histórico e a proposta de uma megaponte entre Salvador e a Ilha de Itaparica, com cerca de 13 km de
extensão, como alternativa para viabilizar um acesso mais rápido às regiões sul e oeste da Bahia.19
A proposta de uma ponte para fazer face a essa travessia constitui, originalmente, uma indicação do plano do Centro
Industrial Aratu (CIA), da década de 1970, como forma de viabilizar um anel rodoviário que ligasse Salvador à zona industrial
definida para o Recôncavo Baiano. Pelos altos custos e pela inviabilidade técnica atestada então, a proposta não teve
seguimento e, como alternativa, foi implantado o sistema de ferryboat. Em 2010, esse projeto é retomado, justificando-se essa
ligação pelo crescimento econômico a ser gerado e as facilidades de logística, bem como pela perspectiva da expansão
imobiliária para essa área vizinha a Salvador, ainda pouco habitada, alegando-se também a crise do sistema de travessia
marítima. O Governo da Bahia anunciou, então, a construção desse empreendimento, com uma estimativa inicial de custo de
R$ 2 bilhões, logo corrigidos para um valor quatro vezes maior, de cerca de R$ 8 bilhões. (O CUSTO..., 2011) Em continuidade
a essa intenção, foram publicados os decretos nº 13.387, 13.388 e 13.389 no Diário Oficial da Bahia de 28 de outubro de
2011, que declaram de utilidade pública, para fins de desapropriação, áreas dos municípios de Vera Cruz e Itaparica com
vistas à implantação do projeto sistema viário oeste. A área total indicada corresponde a 4.841 hectares, o que equivale a 33%
do total de 146 km² de superfície da ilha. Outra medida do Governo da Bahia, visando a implantação dessa ponte, foi a
efetivação do contrato de um estudo de viabilidade, com a empresa McKinsey&Company, consultoria internacional, por um
valor de R$ 40 milhões, sem licitação, conforme divulgado no Diário Oficial de 23 de março de 2013.20
a) Proposta da Ponte Salvador – Itaparica. b) Desenho virtual da travessia. c) Distância do trajeto – 13 km
Fonte: (PONTE..., 2009).
Essa intenção tem gerado fortes críticas e amplas discussões no meio técnico e cultural, com prós e contras sobre a sua
construção. (PONTE..., 2013) Sobre essa ligação do continente com a ilha, faz-se mister observar que outras alternativas vêm
sendo apresentadas para um percurso viário, que seria contornar o Recôncavo para fazer a ligação entre Salvador e Itaparica.
(AZEVEDO, 2010; GORDILHO-SOUZA, 2004; 2010a) De uma forma mais econômica, um percurso viável seria por meio de
vias existentes até as proximidades da Foz do Paraguaçu, para atravessar um trecho de apenas 1 km, seguindo-se por via
terrestre para acessar a ilha na sua contracosta pela ponte do Funil, já existente. O dispêndio total de tempo de Salvador para
Itaparica, com essa alternativa, seria similar ao do ferryboat. Essa proposta, de custos muito menores, por aproveitar as vias
existentes, traria impactos positivos para toda a região do Recôncavo, de grande riqueza histórica e cênica, potencializando,
também, uma grande área de expansão metropolitana em locais aprazíveis para moradia. (GORDILHO-SOUZA, 2004)
Um traço comum a esses grandes projetos de requalificação urbana, ora anunciados pelos governos estadual e municipal
para Salvador e sua região de entorno – além dos custos estimados em bilhões de reais – é que praticamente todos vêm sendo
definidos pela iniciativa privada, em parceria com o poder público, sem que haja um planejamento metropolitano integrado,
tanto na esfera estadual quanto na dos municípios inseridos. Observa-se, também, a dissonância com planos diretores
recentes e, nesse sentido, procede-se a adequações inusitadas na legislação urbana dos municípios envolvidos, o que tem
suscitado ações do Ministério Público da Bahia, de entidades profissionais e da sociedade civil envolvidas com o interesse
público da cidade.21
Assim, na esteira das ações requeridas pela FIFA para a realização da Copa 2014, outros megaprojetos urbanos, que não
estão diretamente vinculados à realização do evento mundial, surgem com essa justificativa. São de natureza similar quanto
às suas definições privatistas e de exceção e implicam grandes mudanças na reestruturação do espaço urbano. Além da ponte
Salvador-Itaparica – que certamente trará indesejáveis impactos ambientais à Baía de Todos os Santos, bem como a todo o
sítio antigo da cidade de Salvador, acarretando um o grande fluxo de veículos para esse sítio tombado –, entre os projetos
mais polêmicos, também se destaca, para essa mesma área histórica, a indicação recente de uma arena aberta para shows,
inserida na Praça Castro Alves, sem que houvesse tramitado nos setores do patrimônio.22
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VAINER, C. B.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
1 Este trabalho toma como referência pesquisas desenvolvidas pela autora no LabHabitar, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, na
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (PPGAU/FAUFBA), entre 2012 e 2014, no âmbito do projeto nacional em rede
Metropolização e Megaeventos: impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do Mundo/2014 − coordenado pelo Observatório das Metrópoles, no Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), com núcleos de pesquisa nas 12 cidades-sede.
2 Um primeiro ensaio dessa análise foi desenvolvido em trabalho anterior da autora, (GORDILHO-SOUZA, 2014), integrado a outra rede de pesquisa local:
Metrópoles na Atualidade Brasileira: Região Metropolitana de Salvador – Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Católica do Salvador
(UCSAL).
3 Otília Arantes (2012) refere-se a esse receituário ao recuperar o conceito de planejamento estratégico dos projetos pioneiros de cidades-empresa
americanas nos anos 70 e a sua aplicação convergente nos casos do redesenho de Barcelona e Berlim, como “cidades postas à venda”, após cerca de 20
anos de renovação urbana nessas cidades; no caso da primeira, como sede das Olimpíadas, em 1992, e da segunda, a partir da queda do muro e a
reunificação da Alemanha, em 1989.
4 Vários autores trabalham essa questão: Rolnik e Nakano (2009), Maricato (2011), Ferreira (2012), Cardoso (2013), dentre outros.
5 O MCMV 2 foi formalizado pela Medida Provisória nº 514/2010, convertida na Lei nº12.424, de 16 de junho de 2011. Apesar desse incremento, em 2011,
o Ministério das Cidades foi o mais afetado no corte do Orçamento Geral da União (OGU), com redução de R$ 8,57 bilhões, ainda que fosse alocado R$ 1
bilhão a mais do que em 2010. Na dotação de recursos no PAC 2, a modalidade Urbanização recebeu recursos inferiores em relação ao PAC 1, somando,
até início de 2013, cerca de R$ 8,9 bilhões, quando o programa já havia atingindo R$ 472,4 bilhões. Da previsão total de R$ 955 bilhões até 2014, R$
461,6 bilhões destinam-se ao PAC-Energia, seguido por R$ 278,2 bilhões destinados ao PAC-MCMV, sendo o restante para mobilidade urbana e logística.
(BRASIL, 2007, 2009, 2010; GOVERNO..., 2011)
6 O conceito de mais-valias fundiárias urbanas tem sido introduzido no Brasil na análise de operações urbanas em parcerias público-privadas versus
instrumentos da legislação urbana, para a recuperação da valorização do solo e imóveis urbanos, originada pela atuação do poder público. Ver, nesse
sentido, Fix (2002); Furtado; Smolka (2008).
7 David Harvey (1993), na sua análise da condição pós-moderna nos anos 1980, refere-se ao poder corporativo dominante do capital financeiro como
principal patrocinador da arte, identificando o fenômeno como novo, pelo seu alcance na contemporaneidade. Posteriormente, irá analisar a expansão do
capital corporativo na produção da cidade, estudando o caso de Baltimore. (HARVEY, 2004) No Brasil, Milton Santos (1990) conceitua a metrópole
corporativa fragmentada, estudando o caso de São Paulo no final dos anos 1980.
8 Sendo o candidato único, o Brasil é anunciado pela FIFA, em 30 de outubro de 2007, em Zurique, Suíça, como sede da Copa do Mundo de 2014. Começa,
então, a corrida para a seleção das cidades concorrentes para sediar os jogos (21, na época), que apresentaram seus projetos à Confederação Brasileira
de Futebol (CBF). As 12 cidades-sede escolhidas entre as 18 que se candidataram são: Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Porto
Alegre (RS), Brasília (DF), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Natal (RN), Recife (PE) e Salvador (BA). (FIFA, 2009)
9 O documento original da Matriz de Responsabilidades, assinado em 13 de janeiro de 2010 pelo então ministro do Esporte e por 11 prefeitos e 12
governadores (Brasília, como Distrito Federal, não tem prefeito), define as responsabilidades de cada ente federativo na preparação do evento. Outras
resoluções do Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 trouxeram revisões e atualizações nas ações previstas na forma de aditivos incorporados a
esse documento. (MATRIZ..., 2010)
10 Os estádios brasileiros que já eram de iniciativa privada – Morumbi, em São Paulo, Grêmio, de Porto Alegre, Estádio Independência, em Minas Gerais, e
Estádio Presidente Vargas, no Ceará –, mesmo imprimindo reformas recentes para transformação em arenas, não serão os estádios oficiais nas suas
cidades-sede. As arenas onde ocorrerão os jogos são equipamentos de propriedade pública, que, depois da Copa 2014, serão geridos pela iniciativa
privada em regime de PPP.
11 A Lei Municipal n° 101/2009 criou a operação urbana consorciada da área de especial interesse urbanístico da região portuária do Rio de Janeiro, que
autoriza o aumento do potencial construtivo na região, para atrair o interesse de investidores e conseguir financiamento para as obras de renovação
urbana. Sua finalidade é promover a reestruturação local por meio da ampliação, articulação e requalificação urbana da região. O projeto abrange uma
área de 5 milhões de metros quadrados, com previsão de construção de novas moradias, edifícios de escritórios, áreas de cultura e lazer, terminal de
passageiros, além de ações para a valorização do patrimônio histórico da região. (PORTO..., 2009)
12 A Odebrecht foi a empresa que ganhou a licitação para a construção e operação da Arena Pernambuco para a Copa do Mundo de 2014. Trata-se de um
consórcio formado por duas empresas da organização, a Odebrecht Participações e Investimentos (OPI) e a Construtora Norberto Odebrecht (CNO). A
organização também é responsável pela construção de outras quatro arenas para a Copa no Brasil: a Arena Corinthians, em São Paulo, a Arena Fonte
Nova, em Salvador, e o Maracanã, no Rio de Janeiro. (ODEBRECHT, 2013)
13 O novo projeto para a Arena Fonte Nova foi selecionado dentre sete empresas de engenharia que participaram do Procedimento de Manifestação de
Interesse (PMI), realizado pelo Governo da Bahia, Edital 01/2009. A avaliação das propostas foi realizada pelo núcleo técnico constituído pelo governo do
estado, que contou com o suporte da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA/USP). O projeto arquitetônico vencedor e
que está sendo executado é o da empresa Setepla Tecnometal Engenharia, Marc Duwe e Schulitz + Partner, baseado no modelo da AWD Arena, da
cidade alemã de Hannover. (SETEPLA TECNOMETAL ENGENHARIA, 2009)
14 Quanto à questão da mobilidade urbana, a prioridade indicada é para a Avenida Paralela, principal ligação entre o Aeroporto e o centro antigo, nas
proximidades da arena onde acontecerão os jogos. Segundo declarações do Secretário da Copa, Ney Campelo, na ocasião: “O BRT traz como vantagens a
tecnologia nacional e maior rapidez de execução – e isto para a Copa é muito importante – e o fato de ser bem mais barato que um metrô, por exemplo,
ou que um sistema de VLT – Veículo Leve sobre Trilhos”. No resultado do PMI, em 26 de julho de 2011, entre as sete propostas apresentadas, saiu
vencedora a do sistema em VLT. (BAHIA..., 2010)
15 A finalização da Linha 1 do Metrô (Lapa–Rótula–Pirajá) conta com recursos já viabilizados pelo Governo Federal. O processo de indicação do projeto e a
empresa vencedora ainda não foram definidos, o que dificilmente viabiliza a implantação do metrô antes da realização da Copa, com exceção dos 13 km
da Linha 1 (Lapa–Rótula), porém ainda sem funcionamento pela falta de viabilidade econômica.
16 O projeto do metrô de Salvador foi definido em 1998, com um sistema de interligação de três linhas e conexão com o trem do Subúrbio. Sobre o edital do
Governo da Bahia, definiu-se por: parceria público-privada na modalidade de concessão patrocinada para implantação das obras civis e sistemas,
fornecimento do material rodante, operação, manutenção e expansão do Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas. (PROJETO..., 2012)
17 A Mensagem do Executivo foi lida pelo prefeito João Henrique, na sessão de instalação do 2° Período Legislativo da 16ª Legislatura da Câmara
Municipal de Salvador, em 1 de fevereiro de 2010, quando anunciou, entre outras ações, o referido projeto, em função da escolha de Salvador como uma
das cidades-sede do Mundial, destacando as mudanças que teriam de ser feitas no Plano Diretor de 2008. (PREFEITO..., 2010)
18 Os decretos de utilidade pública para fins de desapropriação, publicados no Diário Oficial dos dias 9, 17 e 20 de abril, abrangem 19 trechos, numa área
total superior a 5 milhões de metros quadrados. Pelas tensões geradas, foram, em seguida, revogados pelo prefeito, que assinou a anulação em 29 de
março de 2010. Depois disso, a Fundação Baía Viva, que havia doado os projetos para o município, retirou sua doação. Essa parceria havia sido
questionada pela suspeita de que, por trás da doação, estariam interesses econômicos do próprio grupo diretor da fundação, que conta com empresários
do mercado imobiliário entre seus membros. (BARRACAS..., 2010)
19 A Ilha de Itaparica é formada pelos municípios de Itaparica e Vera Cruz, com uma população total de pouco mais de 58 mil habitantes, conforme o censo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, com baixo índice de ocupação e uma forte tradição de veraneio e turismo.
20 Além da contratação da empresa de consultoria McKinsey, como anunciado pelo governo estadual, será necessária a contratação de outras empresas
para a realização dos planos diretores das 21 cidades que serão impactadas com a construção da ponte, devendo alcançar um custo total superior a R$
80 milhões. O governo reconhece essa necessidade, considerando que essas cidades sofrerão um forte impacto urbano com a chegada de 40 mil
moradores novos num prazo estimado de três décadas.
21 Nesses últimos dois anos, com a profusão de projetos sem apreciação e debate da sociedade e segmentos diretamente envolvidos, vários movimentos de
resistência têm se formado – Vozes de Salvador, A cidade também é nossa, Movimento desocupa e Projeto Salvador –, dentre tantos outros que,
juntamente com entidades profissionais e sindicais, têm-se pronunciado e reivindicado o “direito à cidade”.
22 Sobre esse projeto, anunciado pela Secretaria Estadual de Turismo à imprensa em dezembro de 2012, praticamente houve unanimidade de protestos
contra a sua efetivação, analisando-se negativamente seus conteúdos e a forma de gestão, com destaque para as análises técnicas feitas pelas
representações de arquitetos e urbanistas de Salvador, como o Instituto de Arquitetos da Bahia (IAB-BA), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia
da Bahia (Crea-BA), Universidade Federal da Bahia (UFBA), dentre outros.
CAPÍTULO 2
Esporte e segurança pública: De Vila Olímpica a Arena Fonte Nova
Introdução
Ao longo do processo preparativo para a realização da Copa das Confederações, ocorrido em 2013, e a Copa do
Mundo de Futebol, a realizar-se em junho de 2014 no Brasil, a maior dúvida dos cidadãos brasileiros pairou sobre
uma questão provocativa: Quem terá acesso ao legado da Copa?
Na tentativa de contribuir para a reflexão sobre esse questionamento, considera-se que, no âmbito específico
das cidades-sede, exigências da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) cerceiam a acessibilidade
urbana e social, em especial perante a normatização de equipamentos urbanos e arenas esportivas, a programação
da segurança pública para os jogos da Copa e a exigência de mobilidade e comodidades necessárias à realização
do evento.
Portanto, diversas modificações nos espaços urbanos foram, e ainda estão sendo, definidas e estipuladas pela
própria FIFA. Tais direcionamentos colaboram para uma dinâmica mais seletiva, muitas vezes conflituosa e
excludente, da configuração atual das cidades, sobretudo quando associados a grandes projetos de requalificação
urbana, definidos pela iniciativa privada em parceria com o poder público, sem a existência de um planejamento
metropolitano integrado, ou seja, um plano de cidade (GORDILHO-SOUZA, 2011):
Nesse entendimento, visualizam-se nichos de oportunidades de negócios no território, abrangendo mais do que
os processos de construção e marketing promocional; a cidade, ela própria, passa a ser objeto de novas
possibilidades de empreendimentos de longo prazo, ao envolver a gestão privatizada desses equipamentos
urbanos. (GORDILHO-SOUZA, 2011, p. 2)
Para o escopo deste texto,1 será analisada a necessária adequação dos equipamentos esportivos aos critérios
impostos no caderno de recomendações e requisitos técnicos da FIFA, com foco na demolição do antigo estádio
Octávio Mangabeira e da respectiva Vila Olímpica na cidade de Salvador, ambos de gestão pública, para dar lugar
a uma arena multiuso, de gestão privada.
Figura 1 – Situação dos compromissos firmados pelo Governo da Bahia em relação a acesso ao esporte e lazer para a
Copa 2014.
Equipamentos de Esporte e Lazer previstos pelo Governo da Bahia
Fonte: Metropolização e Megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014 Finep/CNPQ (2011/2014), Núcleo Salvador.
No que se refere especificamente à preparação do estádio da Fonte Nova para o mundial, o governo do estado
propôs a realização de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para a escolha de um novo projeto
arquitetônico. A empresa vencedora foi a Setepla Tecnometal Engenharia e Schulitz Architek + Technologie. Em
entrevista, o arquiteto Marc Duwe, da empresa Setepla Tecnometal, reconhece a importância da Fonte Nova para
a arquitetura moderna brasileira e afirma o desejo de conservar sua memória no novo partido proposto:
Manteremos apenas uma pequena parte do projeto original, que é de 1950, assinado pelo arquiteto Diógenes
Rebouças, considerado o primeiro arquiteto baiano moderno. O problema é que o edifício está em más condições,
com infiltrações e outros problemas que exigirão uma grande obra de recuperação. Permanece, porém, a forma de
ferradura do estádio, com a abertura que dá para o lado sul, para o dique do Tororó. O dique é um bem tombado
pelo patrimônio, e um referencial turístico importante. No mais, tudo no nosso projeto reflete a busca pelo novo e
persegue a qualidade técnica preconizada pela Fifa para os estádios da Copa. (DUWE, 2009)
O projeto inicial previa a manutenção do estádio, com a substituição do anel superior, recuperação do anel
inferior no lado leste e reconstrução do lado oeste para abrigar área VIP, para jogadores e imprensa. A partir de
sugestões do comitê organizador da FIFA para a melhoria das instalações e a possibilidade de retirada dos
equipamentos de atletismo, decidiu-se pela total demolição do equipamento e posterior reconstrução, mantendo o
partido original de ferradura com abertura para o lado sul.
O antigo estádio Octávio Mangabeira foi, portanto, considerado inadequado, tanto pelas dificuldades de
reconstrução quanto pelas exigências da FIFA, fatores determinantes para a sua implosão, juntamente com os
outros equipamentos da Vila Olímpica − ginásio Antônio Balbino e piscinas olímpicas − (Figuras 3 e 4), apesar de
demonstrações públicas da sociedade civil e institucional contrárias ao ato.
Fonte: (PASSADO..., 2012)
Figura 4 –Implosão do estádio Octávio Mangabeira. Manuela Cavadas/EFE
Fonte: Lepiani, 2012.
Fonte: (DETALHES..., 2014).
O novo projeto prima pelo uso de tecnologia construtiva avançada, com cobertura de estrutura metálica e
membrana protetora de incidência solar e chuva,4 além de reutilização da água para irrigação do gramado e para
uso nos sanitários. A arena possui também três anéis de assentos com menor distância do campo e visualização
completa de qualquer lugar das arquibancadas; gramado com moderno sistema de irrigação, drenagem, poda e
iluminação artificial; iluminação cenográfica programável5 e consultoria de gestão prestada pela empresa
Amsterdã Arena.
Verifica-se a ausência de pista para atletismo, piscinas olímpicas6 e ginásio de esportes, elementos
anteriormente presentes na antiga Vila Olímpica, juntamente com o estádio Octávio Mangabeira, que eram de
grande importância para essa variedade esportiva.
A Arena possui ainda o programa Arena Premium Clube (Figura 5), que oferece assentos premium e camarotes
especiais, de ordem privativa e exclusiva, destinados à realização de reuniões empresariais, conforme evidencia a
propaganda exibida no site do equipamento:
Conforto, bons negócios e muito estilo. Tudo isso reunido em um espaço sofisticado e exclusivo. Os Camarotes
Arena proporcionam uma visão privilegiada do campo e ainda funcionam diariamente como ambientes
empresariais. São escritórios privativos totalmente climatizados, equipados para receber reuniões e almoços de
negócios, servidos por um staff especial. E nos dias de jogos e eventos, o titular e seus convidados têm ingresso
livre para todas as partidas de futebol (com exceção dos eventos organizados pela FIFA) e a todos os shows
nacionais. Os Camarotes Arena ainda oferecem acesso exclusivo, poltronas acolchoadas, estacionamento e
prioridade na compra de shows internacionais. (CAMAROTE..., 2014, grifo nosso)
Além dos novos usos e funções, o modelo de gestão adotado foi o de Parceria Público-Privada (PPP) − Lei
Estadual nº 9.290/2004 e Lei Federal Nº 11079/04 −, modalidade concessão administrativa. (BAHIA..., 2004;
BRASIL..., 2004) O consórcio Fonte Nova Participações S/A (FNP), composto pelas empresas Odebrecht
Investimentos em infraestrutura Ltda. e Construtora OAS Ltda., é parceiro do estado da Bahia através da Setre,
poder cedente, e foi contratado em janeiro de 2010, pelo prazo de 35 anos, para reconstruir e operar a Arena
Multiuso, tendo até 31 de dezembro de 2012 para conclusão das obras e início da operação administrativa do
estádio em janeiro de 2013.
Figura 6 – Delimitação da arena e das áreas laterais passíveis de exploração comercial pela FNP (entorno).
Fonte: (PROJETO..., 2009).
O valor da contraprestação anual estabelecido no contrato foi de R$ 107,32 milhões, a ser executado durante
15 anos, a partir do início das operações do empreendimento. A FNP, responsável pela demolição, reconstrução e
gestão da arena, possui autorização para explorar o entorno7 (Figura 6) para fins de receitas adicionais. Dentre as
atividades passíveis de implementação nesses locais, destacam-se: hotelaria, casa de shows, edifício comercial e
shopping center.8
A arena passou a ser chamada Itaipava Arena Fonte Nova (Figuras 7 e 8) a partir de um contrato de naming
rights, segundo o qual a Itaipava (Grupo Petrópolis), fabricante da cerveja Itaipava, tornou-se patrocinador do
equipamento com perspectiva de investimentos na ordem de R$ 10 milhões por ano, durante 10 anos. O contrato
concede ao grupo direito de comercialização exclusiva de seus produtos nos bares e restaurantes do equipamento.
(ITAIPAVA..., 2013)
(DEMONSTRAÇÕES..., 2013).
Em acréscimo às arrecadações acessórias, a arena deverá abrigar uma série de eventos culturais, shows, festas
e feiras e, em virtude do acesso regulado e privativo, a administração criou o Tour 100%,9 visita guiada que
permite conhecer a arena mediante pagamento.
De forma a articular a arena (Figura 9) ao entorno, foram previstas duas ações de acessibilidade: ligação do
estacionamento da arena com o sistema viário existente e a criação de rotas de pedestres por intermédio da
requalificação e identificação de caminhos de ligação entre o Porto de Salvador, estacionamentos e estações de
metrô. No entanto, somente a ligação do estacionamento da arena ao sistema viário do entorno foi concluído até o
momento.
Figura 9 – Intervenções de mobilidade urbana no entorno da Arena Fonte Nova.Em vermelho: Arena Fonte Nova; em
verde: articulação da Arena com o sistema viário existente; em azul: rotas para pedestres
Fonte: (BALANÇO..., 2012).
Um breve histórico (Quadro 1) permite destacar a brusca transformação física e funcional ao longo do processo
de demolição e posterior construção da arena multiuso, adaptada aos critérios exigidos pela FIFA, bem como a
redefinição do território e da forma de gestão do novo equipamento esportivo.
Durante os dias de jogos da Copa das Confederações em Salvador (20, 22 e 30 de junho de 2013), foi
estabelecida uma zona de segurança que limitou a circulação da população. Dentro dessa zona, varias vias foram
interditadas, e o ingresso foi permitido somente a veículos cadastrados (Figura 10). O acesso de moradores locais
às residências foi autorizado até seis horas antes das partidas de futebol ou após uma hora do término do jogo.
Figura 10 – Esquema dos limites de acesso no entorno da Arena Fonte Nova nos dias de Jogos da Copa das
Confederações, em 2013
Fonte: (MOBILIDADE..., 2013).
Além da Zona de Segurança, foi estabelecida uma zona de exclusão comercial, com respaldo na Lei Geral da
Copa (Lei Federal 12.663/2012). O município instituiu o Decreto 24.012 de 18 de junho de 2013 (SALVADOR...,
2013), que regulamentou o direito de conduzir atividades comerciais, promocionais e/ou de publicidade nas zonas
de proteção comercial nos dias de eventos e em suas respectivas vésperas. As normas de conduta referentes ao
acesso, à publicidade e ao marketing foram largamente divulgadas pela prefeitura a partir da distribuição de
folders informativos (Figuras 11 e 12).
Fonte: (INFORMAÇÕES..., 2013; VIZINHO..., 2013).
Durante a Copa do Mundo, na cidade de Salvador, além das previsões usuais de policiamento e de apoio a
situações emergenciais, cabe destacar os perímetros de segurança na região da Arena Fonte Nova, estabelecidos
pela FIFA, para controle de acesso físico e de fluxo de veículos. Um dos perímetros de segurança corresponde à
Rua Anfrísia Santiago, que estará totalmente interditada entre os dias 21 de maio e 11 de julho de 2014 para
acesso exclusivo da FIFA. Outras vias10 no entorno da Arena serão interditadas apenas nos dias de jogos. O acesso
de moradores será feito a partir de credenciamento prévio na Superintendência de Trânsito e Transporte de
Salvador (Transalvador). (FIFA..., 2014)
Além dessas precauções de segurança, a arena Fonte Nova contará com 227 câmaras de vigilância conectadas à
sala de Comando e Controle, onde é possível monitorar áreas internas e do entorno, realizar reconhecimento facial
e identificação de torcedores. (FIALHO, 2013)
A gestão da Arena e do seu território passa para a FIFA no período de 21 de maio a 11 de julho de 2014. Após a
realização dos jogos da Copa 2014, a FIFA vai devolver a gestão da arena para a o consórcio FNP, que continuará a
oferecer espaço para jogos de futebol, palco para grandes espetáculos, megaestrutura para datas especiais e
ambiente confortável e sofisticado para rodada de negócios, reuniões e almoços empresariais.
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1 Este texto toma como referência as pesquisas desenvolvidas no LabHabitar, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Bahia (PPGAU-UFBA), entre os anos de 2012 a 2014, para o projeto nacional em rede Metropolização e
Megaeventos: Impactos dos Jogos Olímpicos/2016 e Copa do Mundo/ 2014 – coordenado pelo Observatório das Metrópoles, no Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ), abrangendo as 12 cidades-sede.
2 Dentre elas, destacam-se: Associação de Engenheiros Civis dos Brasil (Abenc); Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa
Econômica Federal (Aneac); Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/BA); Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo (Crea-BA); Instituto
Brasileiro de Avaliações e Perícias (Ibape); Sindicato dos Engenheiros do Estado da Bahia (Senge); Sindicato dos Arquitetos do Estado da
Bahia (Sinarq); Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá); Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (Germem); União por Moradia
Popular (UMP/BA) e Federação das Associações de Bairros de salvador (FABS); Fórum A Cidade Também é Nossa; e Movimento Vozes de
Salvador.
3 De acordo com esses documentos, não houve comprometimento das peças estruturais do edifício e, por essa razão, sua adaptação às
normas da FIFA seria viável e gastaria apenas 20% do orçamento.
4 Projeto da cobertura realizado pela empresa alemã RFR Ingenieure GmBH. Fonte: <http://infraestruturaurbana.pini.com.br/solucoes-
tecnicas/20/artigo271661-2.aspx>. Acesso em maio 2014.
5 Empresa responsável: Luz Urbana. Fonte: <http://www.luzurbana.com.br/projetos.php> Acesso em mar. 2014.
6 Com a demolição da Vila Olímpica, foi proposta a construção de uma nova piscina. Em 21 de setembro de 2011 foi apresentado, pela
Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), pela Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), pela Superintendência
dos Desportos do Estado da Bahia (Sudesb) e pela Superintendência de Construções Administrativas do Estado da Bahia (Sucab), um
projeto da piscina olímpica, a ser construída na sede da Fundac, em Brotas. Ainda não concluída, a ação não é mencionada no PPA nem no
PDC.
7 Espaço anteriormente ocupado pelo Ginásio Antônio Balbino (Balbininho) e piscinas olímpicas.
8 Para a concretização dessas atividades, a Administração Municipal de Salvador solicitou ao Tribunal de Justiça alterações no PDDU e da
Lei de Ordenamento de Uso e da Ocupação do Solo (Louos). Dentre elas, está o aumento do gabarito no entorno da Fonte Nova; no entanto,
essa proposta não foi acatada pelo judiciário. (DUARTE, 2014)
9 O valor pago para o tour guiado é de R$ 20,00 a entrada inteira e R$ 10,00 a meia entrada, para estudantes, idosos e portadores de
necessidades especiais. Fonte: <http://www.itaipavaarenafontenova.com.br/tour-100/index.html a>. Acesso em: 27 mar. 2014.
10 A Avenida Presidente Costa e Silva será interditada às 20h do dia anterior às partidas. As vias: Avenida Vasco da Gama, Ladeira do
Desterro, Rua da Mouraria, Rua Professor Hugo Baltazar da Silveira, Rua Boulevard América, acesso ao viaduto Rômulo Almeida, Ladeira
da Independência, Avenida Joana Angélica e Avenida Castelo Branco serão bloqueadas cinco horas antes dos jogos e liberadas uma hora
depois do fim dos jogos. (FIFA..., 2014)
CAPÍTULO 3
Intervenções e configuração urbana: Quais os impactos da Arena Fonte Nova
na área central de Salvador?
Introdução
Na Copa do Mundo no Brasil já foram gastos até agora R$ 28 bilhões, enquanto a da África do Sul R$ 7,3 bi (2010) e
Alemanha R$10,7 bi (2006)” (BBC Brasil em Londres, 27 de junho de 2013).
Com a finalização das intervenções previstas para as 12 cidades-sede dos jogos da Copa do Mundo FIFA
Brasil 2014, já são evidentes as dimensões dos impactos urbanos nessas cidades. Foram gastos, até então,
valores bem maiores do que os despendidos por outros países que recentemente sediaram eventos da Copa do
Mundo de futebol, organizados pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA).1
Há uma questão principal que norteia as pesquisas sobre esse tema: Quais os legados da Copa para as
cidades brasileiras? Essa questão é tratada, neste texto, com foco na inserção urbana de um novo projeto de
arena construída em Salvador, em substituição ao antigo estádio da Fonte Nova, localizado na área central,
como parte de um estudo conjunto realizado para Salvador,2 uma das cidades-sede da Copa 2014.
A cidade de Salvador é palco de uma situação atípica dentre as outras cidades-sede do Brasil. Desde sua
inclusão, em dezembro de 2008, na lista oficial das anfitriãs do mundial até o momento atual, véspera do
início do grande evento em Salvador – com jogos nos dias 13, 16, 20 e 25 de junho e 1º e 5 de julho –,
acumulam-se registros de uma história recente, contada por poucos, embora percebida por muitos. A
controvérsia tem início com o anúncio da escolha por construir uma nova arena na mesma localização do
antigo Estádio Octávio Mangabeira (conhecido também como Estádio da Fonte Nova), optando-se por sua
demolição completa, incluindo a única vila olímpica existente nessa cidade-metrópole.
É preciso destacar que, para se compreender o processo de escolha do local de construção da arena em
Salvador, que teve início em dezembro de 2008, buscou-se encontrar registros de um estudo estratégico do
município sobre possíveis alternativas para a definição de sua localização, antes da escolha da Fonte Nova.
Apenas foram encontradas notícias publicadas em 2009 que apontam os clubes de futebol Bahia e Vitória
estudando a possibilidade de se construir uma nova arena com a empresa Luso-Arena de Portugal, às margens
da estrada CIA-Aeroporto, no Cassange, município de Lauro de Freitas, vizinho a Salvador. Além do estádio,
faziam parte desse projeto um anfiteatro com capacidade para 50 mil pessoas, um ginásio multiuso e um
centro de convenções, em um terreno de 800 mil metros quadrados próximo ao bairro de Itinga.
Já em outro momento, surgiu a hipótese de se construir a arena no atual centro de exposições. Entretanto,
nessa época, a população estava a favor de reformar a Vila Olímpica da Fonte Nova, com um estádio
modernizado, em função do acidente ocorrido em 2007, quando houve o desabamento de uma arquibancada,
interditando o estádio, juntamente com o centro aquático e o ginásio Antônio Balbino. A comunidade do
esporte sempre defendeu a Fonte Nova por ser ela uma vila pluriesportiva, com uso diário pela população, e
não apenas uma arena de futebol. (CARNEIRO, 2009) Em resumo, o governo não considerou a proposta da
Luso-Arena por não haver estudo de viabilidade econômica. Por outro lado, segundo entrevista concedida pelo
arquiteto Carl Hauenschild, que participou do concurso de projetos para a nova arena (ASSIZ, 2011), a vila
olímpica da Fonte Nova já era um terreno de propriedade do governo, disponível para a construção de uma
arena de futebol que atendesse à FIFA, sem o problema de encontrar uma alternativa, inclusive já com
transporte de massa e um metrô quase finalizado nas proximidades.
É com o intuito de verificar essa questão que, neste texto, aprofunda-se a análise sobre os impactos
gerados pela construção de uma nova arena na área central de Salvador, confrontando com outros projetos de
requalificação urbana previstos para o centro antigo, com os conteúdos propostos pelo Plano Diretor da Copa
(PDC) e pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e, ainda, com os projetos de intervenção
propostos para a cidade a partir do anúncio das cidades-sede indicadas para Copa 2014, em maio de 2009.
Originados de agentes institucionais distintos, o PDC foi proposto pelo governo estadual em 2011, para
atender as demandas da FIFA, englobando a gestão privatizada de equipamentos públicos e reiterando a
Matriz de Responsabilidade entre o governo brasileiro e a FIFA; o PDDU da Copa, em nível municipal, no final
de 2011, foi elaborado já com a definição do local da nova arena, com o intuito de potencializar as ações do
setor imobiliário no seu entorno; e o Plano de Requalificação do centro antigo de Salvador, anterior a todos
esses, foi elaborado entre 2009 e 2010, quando ainda não se tinha a definição das cidades-sede da Copa,
objetivando atender as questões do centro antigo em si, através dos 12 projetos previstos para sua
sustentabilidade.
Figura 1 − Intervenções urbanas na área central de Salvador:até a Copa, pós-Copa e para além da Copa.
Fonte: Elaborado pela autora, com base no mapeamento da pesquisa Metropolização e Megaeventos –Núcleo Salvador/Observatório das
Metrópoles (GORDILHO-SOUZA, 2014). Limites do centro antigo e do centro histórico, conforme Plano de Reabilitação do Centro Antigo
(ERCAS, 2011).
Fonte: Elaborado pela autora com base no Plano de Reabilitação do CAS, 2011.
Na leitura da proposta para habitação de espaços vazios no CAS, identificam-se, nas proximidades da
Arena, duas ZEIS para implantação de novas habitações e melhorias habitacionais com subsídio. Porém, essas
também não foram efetivadas, nem tampouco as áreas indicadas para habitação de mercado. Ressalte-se
ainda que a requalificação das ruas e áreas verdes no entorno da Arena Fonte Nova também não foram
executadas.
Portanto, o que se observa é que, até a Copa de 2014, ocorreram algumas poucas intervenções diretamente
ligadas com aquelas previstas pelo Plano de Reabilitação do CAS. Por terem sido previstas muito antes, não se
comprova uma real integração entre as ações para o fortalecimento da área central antiga de Salvador na
execução da nova Arena Fonte Nova e demais intervenções “até a Copa”. Até então, o que se observa é uma
grande intervenção situada no centro antigo de Salvador, entretanto isolada, sem integração com o seu
entorno.
Com as intervenções previstas e ainda não executadas propostas pelo ERCAS em 2011, espera-se uma
requalificação das áreas residenciais e comerciais adjacentes em paralelo à integração com o centro antigo
nas suas proximidades.
Com outra lógica, o consórcio OAS-Odebrecht anuncia o intuito de transformar a Arena e seu entorno em
um centro de negócios que funcione 24 horas por dia e manifestou o interesse de construir um shopping
center, um hotel, uma casa de shows e uma torre empresarial, que seriam viabilizadas pelas mudanças
propostas na legislação.
Nesse mesmo sentido, ao se considerarem as diretrizes que estão estabelecidas no PDDU da Copa para a
área central, despontam, com mais evidência, os interesses econômico-fundiários sobre os terrenos situados
nas imediações da Arena Fonte Nova do que uma conotação direta com o fortalecimento da centralidade do
centro antigo.
Sobre o PDDU da Copa, antes de tratar de seus principais conteúdos e dessa dissociação com o centro
antigo, é importante salientar que o processo para sua aprovação pela Câmara de Vereadores do Município de
Salvador, desde que foi encaminhado em 2011, gerou controvérsias, suspensão temporária por liminar judicial
logo em dezembro de 2011 e culminou com uma ação sub judice, em outubro de 2013. O Mandado de
Segurança de 21 de janeiro de 2013 foi movido por entidades associadas e encabeçada pela Federação das
Associações de Bairros em Salvador (FABS), junto ao Ministério Público Estadual (MPE), contra a Prefeitura
de Salvador e a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom), tendo
como maior questionamento as leis aprovadas pela Câmara Municipal sem a devida participação da sociedade
por meio de audiências públicas para debater os projetos, além das inúmeras inconstitucionalidades
verificadas nos artigos da Lei. (DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO, 2013)
O CAU-BA, o IAB-BA e o Sinarq-BA, signatários da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN),21
reforçaram pontos essenciais inegociáveis: o interesse público sempre deve ancorar o campo normativo, seja
no âmbito do PDC, seja nas leis dele derivadas. Nessa ADIN, foram enfocadas as diretrizes pertinentes aos
elementos estruturais do novo Plano, como mobilidade urbana e o zoneamento do uso e ocupação do solo,
comprovando que esses pontos não deveriam ser alterados casuisticamente para não trair a essência do
Estatuto da Cidade no que ele tem de essencial – a função social da propriedade.
Em um primeiro momento, outubro de 2013, a prefeitura, com o MPE-BA, propôs a modulação para os
efeitos da ADIN. A modulação foi considerada inconsistente por seus signatários, contraditória e incapaz de
superar os danos insanáveis. Foram analisadas as questões problemáticas envolvidas pelas alterações da Lei
no 7.400/2008 (PDDU de 2008) e pela Lei nº 8.378/2012a (PDDU da Copa), incluindo as definições de
alterações de zoneamento do PDDU, justificadas pela preparação para a Copa do Mundo e pela viabilização da
PPP. O PDDU da Copa, por sua vez, foi composto por artigos que elevavam o gabarito das edificações
adjacentes à Arena Fonte Nova, ampliando o uso da área residencial para comércio e negócios, abrindo
exceções para o gabarito das edificações no percurso do Corredor da Copa e ampliando o limite do gabarito
de edificações com função de hotelaria na orla marítima, dentre outros. Essas novas regras impactariam, em
muito, a área do centro antigo da cidade, da qual a Arena faz parte.
Em fevereiro de 2014, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) acolheu o pedido de modulação dos
efeitos das Leis Municipais 8.167/2012, 8.378/2012a e 8.379/2012b, que modificaram a Lei de Ordenamento
do Uso e da Ocupação do Solo do Município de Salvador (Louos) e o PDDU. Em sua maioria, os
desembargadores votaram no sentido de deferir parte da modulação solicitada, desconsiderando a maioria dos
artigos e mantendo apenas alguns pontos exclusivos: edificação e construção do Centro Administrativo
Municipal no Vale dos Barris;22 a Zona de Uso Especial – ZUE VI, que cuida do Centro Administrativo
Municipal; a substituição dos Mapas 4 e 5 pelos Mapas 4A e 5A da Lei n. 8.378/2012a, no tocante à “Linha
Viva”;23 e a regulamentação do EIV24 para novas edificações. (DIÁRIO BA – JUSTIÇA, 2014)
Essa apreciação feita pelo TJ-BA foi acompanhada por entidades-membro do Fórum A Cidade Também é
Nossa, que a analisaram de forma criteriosa e enviaram um documento para os desembargadores
responsáveis pela análise. Em resumo, alguns dispositivos das leis que foram declaradas inconstitucionais,25
em outubro do ano anterior, passaram a vigorar temporariamente (prazo de 12 meses) até a edição de uma
nova lei,26 que deve ser elaborada respeitando o devido processo legislativo especial, a realização de estudos
técnicos necessários e a participação popular, ainda de acordo com a Central Integrada de Comunicação
Social (Cecom) do MP-BA.
Enfim, os prejuízos a serem causados pela aprovação do PDDU da Copa em 12 de dezembro de 2011 (Lei n
° 028/2011) e pelas sucessivas tentativas de sua reapresentação em forma de novas leis (Lei n° 8.378/12a e
Lei n° 8.379/12b) que estendiam sua vigência, além de sua colocação sub judice e a modulação aprovada com
ressalvas, foram responsáveis pelos impedimentos de maiores impactos em toda a cidade de Salvador. Nesse
período, especificamente na área central próxima à Arena, ocorreram algumas desapropriações para a
construção do novo acesso previsto pelo projeto de microacessibilidade do seu entorno. Em paralelo, na área
central antiga, mais próxima ao mar, no bairro do Comércio, surgiu a possibilidade de aumento dos gabaritos
das edificações associada à facilidade para a aquisição de imóveis por valores baixos, principalmente pelo
setor imobiliário estrangeiro, o que já tem repercutido no acréscimo exponencial no valor dos imóveis,
transformando essas áreas em nobres espaços para construção e, ao mesmo tempo, expulsando a população
local, num processo evidente de gentrificação. (MOURAD, 2011)
Considerações finais
Com essa análise das espacializações e dos conteúdos das três frentes de atuação recentes na área central,
mesmo que provenientes de lógicas e tempos diferenciados, ao serem absorvidas nos preparativos para a
Copa 2014, se relacionaram e foram adaptadas para as vantagens econômicas propiciadas pelo evento no
centro antigo de Salvador. Foi possível perceber que, ao se mesclarem e indicarem uma lógica de intervenção
urbana que, longe de se aproximar de um planejamento integrado, em prol da valorização da centralidade
dessa área histórica da cidade, pautou-se numa fragmentação de ações, com favorecimento dos ganhos
empresariais, com impactos negativos para a preservação do patrimônio e ampliação de benfeitorias coletivas.
Evidentemente, entendendo os processos sociais em sua plenitude diversificada, esta conclusão não pode ser
considerada finalista, mas certamente aponta para o direcionamento que essas intervenções tomaram até as
vésperas da realização da Copa.
Entretanto, até o momento, é notável que o planejamento estratégico, tal qual se apresenta em Salvador
com o advento da Copa 2014, revela como resultado analisado não apenas seu caráter de fragmentação
urbana e ganhos imobiliários extraordinários, como também uma condição de não transparência e ausência de
participação coletiva nas definições, ainda que essa se mostre incisiva junto ao poder judiciário para refutá-
las. Demonstra, sobretudo, que as ações de requalificação do centro antigo em curso constituem uma das
frentes de novos investimentos de caráter privado, tendo a nova Arena Fonte Nova e seu território de entorno
como elemento central para esses grandes investimentos, comprovando-se essa tendência com as análises
apresentadas. A população, mais uma vez, fica à mercê de grupos empresariais que decidem sobre a cidade,
recebendo alguns benefícios sob a forma de melhorias indiretas, apenas em função da proximidade ou não de
áreas de interesse imobiliário ou de investimento turístico.
Muitos dos impactos na centralidade de Salvador já estão sendo sentidos pela população, principalmente
pelos inúmeros trechos em obras no centro antigo da cidade e pelo aumento repentino dos impostos
municipais. Além da degradação de vários monumentos, aos poucos, o casario antigo ainda existente está
sendo comercializado a preços módicos para valorização no mercado imobiliário, e os moradores se veem
estrategicamente acuados. Entretanto, ainda não se vislumbra completamente o verdadeiro impacto das
intervenções da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 na área central de Salvador. São muitas as propostas
identificadas para essa área, sendo algumas mais abrangentes, outras mais isoladas, também muitas vezes
com lógicas diferenciadas, desconectadas ou mesmo integradas. As mais efetivas, concluídas até a Copa,
sinalizam uma dinâmica de forte fragmentação urbana e privatização de áreas públicas. Na resistência, não se
vislumbram contrapropostas que perfaçam outras tendências, mais resilientes. Caso todas as ações aqui
identificadas para essa antiga área central da cidade se realizem, o que fica claro é a falta de uma ação
pública e coletiva, capaz de vislumbrar uma cidade que atenda aos anseios de transformação, com impactos
que não comprometam o seu patrimônio coletivo, material e imaterial, o que inclui as pessoas com sua cultura
local no meio ambiente urbano, para além da cidade como mercadoria.
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1 Um estudo da consultoria KPMG levantou o custo de cada assento nos estádios construídos pelo mundo, utilizando metodologia
própria. Pelos cálculos, a Copa de 2014 consumiu mais que tudo o que a Alemanha gastou em estádios para a Copa, em 2006, e a
África do Sul, em 2010. (CHADE, 2013)
2 Este estudo está integrado à pesquisa nacional Metrópoles e Megaeventos, desenvolvida no âmbito do Observatório das Metrópoles
(IPPUR-UFRJ), a partir dos estudos do Núcleo de Salvador, conjuntamente com as pesquisas locais coordenadas pela profa. Angela
Gordilho Souza, no LabHabitar/PPGAU-FAUFBA.
3 Caderno de Encargos ou Football Stadiums Technical recommendations and requirements, em sua 5ª edição, 2011.
4 A PPP se deu entre o estado da Bahia, por intermédio da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre) e a Sociedade
Empresária de Propósito Específico Fonte Nova Negócios e Participações S.A. (FNP - Consórcio Odebrecht/OAS).
5 Associação Brasileira de Engenheiros Civis (Abenc); Associação Nacional dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa Econômica Federal
(Aneac); Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/BA); Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA); Companhia de
Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da Bahia (CERB); Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape);
Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge); Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado da Bahia (Sinarq); Grupo Ambientalista
da Bahia (GAMBÁ); Grupo em Defesa e Promoção Socioambiental (Germem); UNIÃO por Moradia Popular Bahia (UMP/BA);
Federação das Associações de Bairros de Salvador (FABS); Fórum A Cidade Também é Nossa; e Movimento Vozes de Salvador.
6 O Epucs foi criado no final de 1942; liderado por Mário Leal Ferreira entre 1942 e 1947 e por Diógenes Rebouças entre 1947 e 1950;
desde 1942, tinha elaborado o projeto do Estádio da Fonte Nova de acordo com as diretrizes de planejamento. (ANDRADE JÚNIOR,
2011)
7 Tombamento determinado pelo Processo 464-T-1952, item 9º da Ata de tombamento do Conselho Nacional do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de 12 de maio de 1959, que tombou nove conjuntos arquitetônicos e urbanísticos da cidade de
Salvador e, entre eles, o “Dique, com os limites atuais de suas águas, compreendendo os conjuntos urbanísticos e florestais dos vales
que o circundam”. Assim, no ano do tombamento, a Vila Olímpica da Bahia na Fonte Nova já estava construída desde 1952 e se
encontrava dentro dos limites do bem tombado, passando, assim, a integrá-lo.
8 O projeto da Arena Fonte Nova foi o único entre os estádios da Copa escolhido por uma chamada pública para proposições
conceituais de recuperação ou construção de um novo estádio, intitulada Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI),
equivalente a um concurso de ideias. Com um total de seis concorrentes (ERNEST; YOUNG; KPMG; PONTO Z; SETEPLA-SCHULITZ;
URPLAN; TECNOSOLO), a parceria Setepla-Schulitz superou os cinco escritórios na seleção realizada em 2008. Apenas uma proposta
apresentou projeto de recuperação, de autoria da URPLAN; a Ernest & Young propôs deslocar a arena para o centro de exposições. A
avaliação das propostas foi realizada pelo Núcleo Técnico constituído pelo governo do estado, que contou com o suporte da Fundação
Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP), baseada em mais de 50 critérios técnicos, entre eles os de
sustentabilidade e segurança. (CARVALHO, 2012)
9 Portal da Copa, Rafael Massimino, publicado em 9 de outubro de 2009 e atualizado em 8 de setembro de 2010.
http://www.portal2014.org.br/noticias/1351/ARENA+SALVADOR+O+ESTADIO+DA+COPA+E+DA+OLIMPIADA.html.
10 O estádio foi transformado para o formato de arena (sem pista de atletismo), mantendo-se pouco do partido arquitetônico original (a
forma em ferradura, a abertura no lado sul) e programa arquitetônico modificado.
11 Sigla para as leis que versam sobre ajustes no solo urbano, justificados para a viabilidade da Copa, A Lei no 028/2011 desde dezembro
de 2011 passou por muitas controvérsias e suspensão temporária, tendo sido reapresentada à Câmara dos Vereadores um ano depois
da primeira, através das Leis no 8.167/2012, no 8.378/2012a e no 8.379/2012b. Foram consideradas inconstitucionais sub judice em 22
de outubro de 2013. Somente em 20 de fevereiro de 2014, depois de um tempo após o pedido de modulação pela Prefeitura de
Salvador junto ao Ministério Público Estadual, acabou sendo deferida com ressalvas.
12 Conhecido como Plano de Reabilitação do CAS e desenvolvido no período entre 2008 e 2010 pelo Escritório de Reabilitação do Centro
Antigo (ERCAS), o plano é o resultado de um acordo firmado entre as três esferas de governo (União, Estado e Município) e de um
convênio com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com o objetivo de preservar e
valorizar o patrimônio cultural, impulsionar as atividades econômicas e culturais da região e propiciar condições de sustentabilidade
para o centro antigo de Salvador.
13 Foi realizado em substituição ao EIV, uma vez que o órgão competente da cidade de Salvador dispensou a FNP de elaborar esse
instrumento, pois ainda não existia lei municipal específica definindo as atividades e empreendimentos sujeitos à apresentação do EIV
para a concessão de licenças.
14 A contratação da operação em pauta efetivou-se sem o cumprimento integral dos requisitos previstos no item 10 da Resolução BNDES
nº 1888/2010, pois, na fase de análise da operação, a documentação sobre o projeto, até então apresentada pelo Governo do estado
da Bahia ao BNDES, ainda carecia de elementos complementares.
15 Conceito que tem origem no campo da Física, como propriedade de um corpo de recuperar sua forma original após sofrer choque ou
deformação. O conceito vem sendo ampliado para as ciências sociais aplicadas e para as cidades, como a capacidade de superar ou de
se recuperar de adversidades, num sistema urbano ou mesmo numa comunidade. Nesse caso, é de fundamental importância as
dimensões socioambientais. Esse tema é objeto de estudo da autora na sua pesquisa de doutorado, em andamento no PPGAU/UFBA.
(ROCHA, 2013)
16 Plano elaborado em sua primeira versão em novembro de 2010 e reapresentado de forma mais abrangente em setembro de 2011,
pela Secretaria Extraordinária para Assuntos da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 (Secopa), vinculada ao Governo do estado da
Bahia, que contém as principais informações sobre as estratégias do governo do estado para a realização da Copa das Confederações
FIFA Brasil 2013 e da Copa do Mundo FIFA, Brasil 2014. (BAHIA, 2011)
17 Documento elaborado pelas entidades Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), IAB e Sinarq (2013) para analisar Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN) e a proposta de modulação feita pela prefeitura e o Ministério Público do Estado (MPE).
18 Para os limites dessas áreas concêntricas, foram consideradas as poligonais definidas para o centro histórico de Salvador, pelo
IPHAN, 1984, com 78,28 hectares, ou seja, 0,78km2; e para o centro antigo de Salvador, área Contígua à Área de Proteção Rigorosa,
conforme Lei Municipal 3.289/1983, com 645,95 hectares (6,45km²). (ERCAS, 2011)
19 Com 500 unidades novas, entre bancas e boxes, beneficiando cerca de mil feirantes nessa etapa. (BAHIA TODA HORA, 2014)
20 Como era conhecido popularmente o arquiteto João da Gama Filgueiras Lima, cuja obra se destaca pelo uso do concreto pré-moldado.
21 Em consulta à movimentação processual da ADIN 0303489-40.2012.805.0000, foi constatada a aprovação, em 12 de dezembro de
2012, pela Câmara de Vereadores do Município de Salvador, de uma nova Lei de Ordenamento, do Uso e da Ocupação do Solo
(LOOUS) do município de Salvador, com conteúdo idêntico ao da Lei Municipal nº 8.167/2012, que possui dispositivos suspensos por
força de medida cautelar deferida pela ADIN.
22 Artigo 181, inciso VI da Lei 7.400/2008.
23 Artigo 9º da Lei 8.378/2012a.
24 Artigos 34 a 39º e 120 da Lei 8.379/2012b.
25 Essas leis, além de conterem artigos relativos a gabaritos e sombreamentos da praia, também estavam repletas de irregularidades.
26 Segundo o atual prefeito, ACM Neto, o novo PDDU e a nova Louos já estão em elaboração, com conclusão prevista para 2015.
CAPÍTULO 4
Instituições e investimentos: Quem pagou e quanto custou a Copa 2014 em
Salvador e na Bahia?
Introdução
A realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, de modo semelhante ao que ocorreu em países que
anteriormente sediaram esse megaevento internacional, foi precedida da efetivação de um contrato de
compromissos entre a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) e os representantes institucionais do
país-sede. Nessa edição brasileira, em 5 de junho de 2012, foi aprovada a chamada Lei Geral da Copa (Lei nº
12.663), que dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA
2014 e aos eventos relacionados, que serão realizados no Brasil. Entre outras medidas, essa lei assegura que a
União colaborará com os estados, o Distrito Federal e os municípios que sediarão os eventos e com as demais
autoridades competentes para assegurar a realização dos eventos em conformidade com os compromissos
estabelecidos. As competições da Copa das Confederações foram marcadas para o período entre 15 e 30 de junho
de 2013, e as competições do campeonato final da Copa do Mundo para o período de 12 de junho a 13 julho de
2014. Para sua efetivação, foi prevista a criação do Comitê Organizador Brasileiro Ltda. (COL), pessoa jurídica de
direito privado, reconhecida pela FIFA, constituída sob as leis brasileiras, com o objetivo de promover tais
eventos. (BRASIL, 2012)
Para os preparativos, definiu-se uma Matriz de Responsabilidades, instrumento cujo objetivo é “viabilizar a
execução das ações governamentais necessárias à realização da ‘Competições’, sob regime de mútua cooperação,
mediante as considerações, cláusulas e condições” estabelecidas”. (BRASIL, 2010) Foram, assim, estabelecidas as
responsabilidades de cada um dos signatários (União, estados, Distrito Federal e municípios) para a execução das
medidas conjuntas e projetos voltados para a realização do evento mundial. Firmada entre a União por intermédio
do Ministério de Esporte, com os 12 governos de estado, 11 prefeituras e o Distrito Federal, em 13 de janeiro de
2010 e vigorando até 31 de dezembro de 2014, na sua essência, ela trata das áreas prioritárias de infraestrutura
das 12 cidades que irão receber os jogos dessa competição, incluindo aeroportos, portos, mobilidade urbana,
estádios, segurança, telecomunicações e turismo. Vem, assim, assegurar os investimentos necessários e
responsabilidades de cada ente federativo na preparação dos eventos para realização da Copa do Mundo no
Brasil.1
As primeiras projeções feitas pelo governo federal para os gastos com a Copa 2014 no Brasil indicavam uma
despesa de infraestrutura da ordem de R$ 33 bilhões. (BRASIL, 2010) Mas o próprio governo, no curso das
intervenções, alertava que algumas obras não estariam prontas até o evento e que outras intervenções
complementares se fariam necessárias para os preparativos da Copa e que seriam incluídas posteriormente na
contabilidade final.2
Em 2012, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que as obras que não fossem ficar prontas para o
Mundial saíssem da lista de previsão da Matriz de Responsabilidades. Assim, as estimativas de valores a serem
gastos, de acordo com atualização oficial em setembro de 2013, considerando todas as rubricas indicadas, previa-
se, então, um investimento global de cerca de R$ 25,6 bilhões, conforme indicado na Matriz de Responsabilidades
Consolidada.3 (BRASIL, 2013) Nesse documento, estão discriminados os valores estimados por tipo de
investimento e por cidade, considerando-se os empreendimentos necessários (obra, projeto e desapropriação),
com as seguintes proporções na distribuição de responsabilidades: financiamento federal (32,5%), investimento
federal (22,3%), investimento do governo local (30,5%) e investimento de iniciativa privada (14,7%). A realização
das grandes intervenções urbanas previstas envolveu fortemente o setor privado em contratos do tipo Parceria
Público-Privada (PPP), com os investimentos que estavam também estabelecidos na referida matriz, constituindo-
se, entretanto, na menor parcela. Até o momento do fechamento deste trabalho, no início de junho de 2014, pouco
antes da abertura desse megaevento mundial, diversos levantamentos extraoficiais indicavam que o valor já
contratado atingia patamares maiores, alcançando estimativas de até R$ 35 bilhões, considerando a inclusão de
obras com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que não constavam no orçamento original,
a ampliação dos custos finais das arenas, além de investimentos que não estavam previstos inicialmente.
Tampouco estavam contabilizados, nas contas oficiais, valores relativos à renúncia fiscal e juros subsidiados nos
empréstimos para a Copa, os quais, segundo o TCU, representavam R$ 1,5 bilhão em 2013. (AMORA; COUTINHO,
2014) Vários itens de exigência da FIFA não entraram nos cálculos de despesas, como as estruturas temporárias
− aluguel de tendas, implantação do sistema de tecnologia de informação e de segurança. (LEITE, 2014) Também
não estavam incluídas as despesas de montagem e funcionamento dos eventos FIFA Fan Fest, os quais, até às
vésperas, em casos como em Recife e Salvador, ainda eram discutidos para definir o impasse de quem iria pagar a
conta. (FIFA..., 2014)
Quanto às despesas não realizadas, elas se referem, sobretudo, às obras de mobilidade, que previam
implantação e ampliação de metrô em várias das 12 cidades-sede, bem como às ampliações e à modernização de
aeroportos, não concluídas a tempo, salientando-se que essas intervenções confluiriam para o que seria o maior
legado social para as cidades-sede, em vista dos grandes problemas de mobilidade urbana e congestionamento de
aeroportos presentes nas metrópoles brasileiras.
Portanto, distinguindo-se daqueles países de economias mais desenvolvidas que sediaram esse evento na
última década, o Brasil teve um gasto muito superior. Isso se deve, por um lado, ao fato de suas cidades não
apresentarem níveis de infraestrutura urbana satisfatórios, demandando muitos novos investimentos, e, por
outro, à definição de prazos exíguos para finalização de obras de infraestrutura mais complexas. Imprimiu-se,
assim, uma política de exceção na sua condução, justificando-se a emergência do evento e sua visibilidade
internacional, o que levou a custos muito elevados para realização e praticamente nenhuma visibilidade
antecipada das decisões de projetos de intervenção. Comparativamente, segundo estudos consultados, as copas
do mundo de Japão (2002), Alemanha (2006) e África do Sul (2010) consumiram, respectivamente, R$ 10,1
bilhões, R$ 10,7 bilhões e R$ 7,7 bilhões de reais. (DE ONDE..., 2013) No Brasil, até então, mesmo com os dados
oficiais defasados, os custos estimados já ultrapassam esses valores.
Em relação à proporção de recursos públicos e privados investidos, quando o Brasil foi escolhido como sede da
Copa, estimava-se que entre 60% e 70% dos investimentos seriam privados. As informações obtidas, com base em
dados oficiais da matriz consolidada divulgados em setembro de 2013, indicam que essa proporção é muito maior,
ou seja, de 85,3% de recursos públicos, sem contabilizar subsídios e isenções fiscais.4 Nos países que sediaram
megaeventos recentes, a maior parte dos investimentos foi oriunda do setor privado.
Às vésperas do torneio no Brasil, mesmo com alguns preparativos relativos às intervenções urbanas nas
cidades ainda em fase de finalização, todas as novas arenas já estavam praticamente finalizadas, restando, para
algumas delas, as melhorias do entorno. Entretanto, nem todos os compromissos complementares previstos pela
Matriz de Responsabilidade foram realizados, o que torna difícil visualizar os gastos efetivos e, portanto, avaliar a
relação custo-benefício do evento com base apenas nas ações definidas no escopo desse contrato com a FIFA.
Outros projetos urbanos foram iniciados em decorrência de decisões locais pautadas na emergência desse
megaevento − como será demonstrado neste estudo para Salvador, uma das 12 cidades-sede, com base em
informações colhidas até o início da Copa 2014 no Brasil.
Verifica-se que, no ensejo da Copa 2014, outras grandes intervenções urbanas foram definidas como propostas
complementares às exigências demandadas, como é o caso dos investimentos em sistema de metrô e reforma de
aeroportos para várias das cidades-sede, com grandes impactos urbanos, mas com obras não concluídas. Outras,
para além da Copa 2014, foram definidas na euforia do processo acelerado de grandes investimentos para o
megaevento, num contexto de exceção de financiamentos públicos e regulamentos urbanos. Por outro lado, se
forem considerados determinados gastos a serem efetuados no decorrer do evento, inerentes ao custeio de gestão
das cidades-sede, como aqueles relativos à segurança, saúde, administração urbana, dentre outros, nem todos
foram incluídos na previsão orçamentária dos investimentos, mas incidem no custo final de recepção do evento.
As alterações na condução da gestão pública certamente impactaram o portfólio inicial de investimentos
previstos. Nesse sentido, foram observadas diferenças entre ações e valores listados pelo governo federal e
aqueles obtidos na pesquisa de campo junto às instituições locais responsáveis. Considere-se, ainda, que as ações
foram conduzidas por diversos órgãos e diferentes esferas de governo, o que torna complexa a tarefa de uma
soma precisa dos gastos efetuados.
Portanto, há uma grande dificuldade para realizar o somatório real do total de investimentos, não se
encontrando um documento oficial que espelhe o conjunto de todos os gastos públicos realizados por diferentes
esferas de governo, tampouco aqueles relativos aos investimentos privados das empresas envolvidas em PPPs, ou,
ainda, aqueles promovidos pela FIFA em cada cidade-sede. Essa identificação é indispensável para compor uma
análise mais apurada dos impactos da Copa do Mundo 2014 nas cidades-sede brasileiras.
Nesse sentido, com base nas investigações e metodologias desenvolvidas para esta pesquisa ao longo dos
últimos dois anos, visando avaliar os custos e os efetivos legados locais, buscou-se traçar um quadro aproximado
desse portfólio de investimentos, a seguir apresentado para Salvador, que considerou, além dos documentos
oficiais disponibilizados, as informações coletadas em diversas fontes primárias, consolidadas na elaboração de
um Diário da Copa 2014/Salvador.
Para isso, optou-se por organizar o resultado das pesquisas sobre os recursos públicos despendidos por esse
segmento, por instituições atuantes e por esferas de governo (União, estados e municípios), somados às demais
fontes de recursos previstos. Foram também distinguidos três momentos desses resultados: até a Copa 2014,
depois da Copa 2014 e para além da Copa 2014, considerando que o anúncio dos projetos foi motivado pela
realização dos jogos na cidade, previstos, em Salvador, para os dias 13, 16, 20, 25 de junho e 1 e 5 de julho de
2014.
Figura 1 - ações relativas à Copa do Mundo FIFA 2014 em Salvador e na Bahia conforme Plano Plurianual (PPA 2012-
2015) do Governo do estado da Bahia e atribuições dos municípios envolvidos
Fonte: Bahia (2011); Ecopa (2012). Montagem desta pesquisa.
Todo o processo ocorreu por meio de contratação em regime de PPP, na modalidade concessão administrativa,
incluindo, além da implosão, a reconstrução, gestão e manutenção do novo estádio-arena. A concessão do governo
baiano foi indicada para o consórcio formado pelas empresas Odebrecht e OAS, dentre sete empresas de
engenharia que participaram do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), realizado pelo Governo do
estado da Bahia, Edital 01/2009. A Concessionária Fonte Nova Participações S/A foi contratada em janeiro de
2010, pelo prazo de 35 anos, para reconstruir e operar essa Arena Multiuso a partir da sua inauguração, que
ocorreu em 5 de maio de 2013.
Na Bahia, também foram previstas três unidades de CTS, fora de Salvador, e um COT, sendo cogitado, como
provável COT, o Estádio de Pituaçu, em Salvador, reformado em 2009, com capacidade para 32 mil espectadores,
ou em Camaçari, o que não foi confirmado. Para a localização dos CTS, as opções foram Praia do Forte, com apoio
de R$ 1 milhão do governo estadual, e região da Costa do Descobrimento, com obras em fase de conclusão. Para
esse último, a escolha foi Porto Seguro, sendo reformado o seu Estádio Municipal, com investimentos de R$ 4,2
milhões do governo do estado. Em Cabrália, as instalações foram realizadas por iniciativa privada estrangeira
para receber a seleção alemã, com investimentos da ordem de R$ 50 milhões, tendo a Secopa acompanhado a
implantação do projeto.
Sob a responsabilidade do governo municipal de Salvador, para atender aos compromissos e metas voltados
para realização do evento, praticamente toda a estrutura da prefeitura foi mobilizada, seja a relativa ao
arcabouço legal (Procuradoria, Secretaria da Fazenda), seja a relativa às melhorias de mobilidade e infraestrutura
(Secretaria de Transportes e Infraestrutura), e, ainda, para a execução das atividades de gestão durante a Copa
(Secretaria de Ordem Pública, Secretaria de Saúde), dentre outras. Constituiu-se, para isso, um comitê gestor da
Copa, formado por representantes de órgãos envolvidos. O Comitê Gestor possui nove grupos de trabalho e
estrutura semelhante à da esfera estadual e federal, lidando com as diferentes ações por tema (Arena, Meio
Ambiente, Tecnologia, etc.). Sua formação é interdisciplinar e envolve diversos órgãos ou secretarias. (ECOPA,
2012)
Logo após o anúncio de Salvador como cidade-sede, o governo municipal apresentou, em mensagem do
Executivo à Câmara de Vereadores em 2010, um polêmico projeto de grandes intervenções urbanas para a
cidade, o plano urbanístico denominado Salvador Capital Mundial, destacando também as mudanças que teriam
de ser feitas no Plano Diretor de 2008, bem como as parcerias a serem firmadas com o setor privado e com o
Governo da Bahia. (PREFEITO..., 2010) Pelas tensões geradas, o projeto foi revogado pelo prefeito, que assinou a
anulação de ações desapropriatórias em 29 de março de 2010. (SALVADOR, 2010)
Em dezembro de 2011, foi apresentado à Câmara de Vereadores o Projeto de Lei 428/2011, que visava
modificar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 2008 do município, que ficou conhecido como
PDDU da Copa. Nele eram previstas a redefinição do zoneamento do entorno da Arena Fonte Nova, obras de
mobilidade urbana e a construção de mais hotéis em oito áreas na faixa da orla da cidade. No caso da Fonte Nova
– área integrante dos limites do centro antigo de Salvador –, a liberação propunha viabilizar a recuperação
urbana da área com a construção de hotéis e shoppings centers. Essa iniciativa gerou muitas controvérsias,
resultando na emissão de liminar judicial a pedido do Ministério Público Estadual e do Federal, que, em Ação Civil
Pública, apontaram nulidades no processo de elaboração e tramitação do projeto. As diversas tentativas de
reformulação, sob a forma de leis, foram consideradas inconstitucionais e mantidas sub judice até 22 de outubro
de 2013. Só recentemente, em 20 de fevereiro de 2014, depois de um tempo após o pedido de modulação pela
Prefeitura de Salvador junto ao Ministério Público Estadual, elas acabaram por ser deferidas, com ressalvas.
(DIÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA, 2014)
Quanto à mobilidade, o acordo para sediar a Copa 2014 previa, inicialmente, um financiamento de R$ 541,8
milhões para o sistema de conexão do Aeroporto Internacional de Salvador à zona norte da cidade, que já estava
assegurado para a prefeitura anteriormente pelo PAC. Essa intenção foi modificada para uma proposta mais
ampla de mobilidade urbana, conforme foi publicado pelo Governo da Bahia no edital do PMI, no final de março
de 2011. Esse edital previa a obtenção de estudos preliminares de viabilidade e a definição do modal – Bus Rapid
Transit (BRT) ou Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) − integrado ao metrô, incluindo a modelagem econômico-
financeira e jurídica para implantar e operar o sistema metroviário de Salvador e Lauro de Freitas.5 Essa questão
adquiriu maior complexidade, tendo o Governo do estado da Bahia assumido a responsabilidade do sistema de
metrô e da ferrovia do Subúrbio, que estava sob a tutela do governo municipal de Salvador, anunciando, então, a
sua implantação até o início da Copa 2014, após 17 anos de iniciadas as obras, em 1997, com gastos efetivados de
R$ 1 bilhão, correspondendo apenas à Linha 1, de 14 km. (BARRETO, 2013) Derivando em uma intensa discussão,
o repasse se delongou por cerca de dois anos para se chegar a uma solução de entendimentos entre as partes no
dia 5 de abril de 2013, poucas horas antes da inauguração da Arena Fonte Nova, quando, finalmente, houve a
assinatura do convênio com a Prefeitura de Salvador.6 A partir de então, o governo do estado deu início ao
processo de leilão por concessão, realizado em agosto de 2013, portanto, sem viabilidade de construção da Linha
2, de acesso ao aeroporto antes do evento da Copa 2014, prevendo-se apenas a inauguração do trecho de 7,3 km
da Linha 1, que já estava pronto, para acessibilidade dos torcedores à Arena Fonte Nova.7 O sistema desse novo
projeto metroviário inclui a conclusão da Linha 1 e a implementação da Linha 2 de Salvador e Lauro de Freitas,
totalizando 33,4 km de linhas e 19 estações, com orçamento de R$ 3,6 bilhões.8
Em relação ao aeroporto e ao porto de Salvador, além dos recursos federais assegurados pelo PAC para ambos,
também houve participação dos três níveis de governo nessas definições. Para o terminal de passageiros do porto
de Salvador, sob a responsabilidade da Codeba e da Secretaria Especial de Portos (Federal), foi proposta a
requalificação dos armazéns 1 e 2, desativados, sendo o projeto elaborado pela Prefeitura de Salvador.9 Quanto à
reforma e ampliação do Aeroporto Internacional de Salvador, o projeto, sob a responsabilidade da Infraero, prevê
uma nova pista, reforma no acesso e outros equipamentos de apoio, como estacionamento ampliado para mais
300 automóveis. Já o terminal de ônibus será ampliado e adaptado ao novo modelo de transporte que ligará o
aeroporto de Salvador ao centro da cidade. As obras tiveram início em 10 de janeiro de 2013, prevendo-se seu
término para a Copa das Confederações, em junho de 2013. (INFRAERO..., 2013) Isso, entretanto, não ocorreu,
culminando com o adiamento da segunda etapa do projeto para depois do evento da Copa 2014, evitando, assim,
maiores transtornos para passageiros e visitantes no período do evento.
Nessa participação institucional nas intervenções propostas para Salvador, observa-se, ainda, que uma nova
gestão municipal assumiu a Prefeitura de Salvador em 2013, a partir das eleições de outubro de 2012. A estrutura
anterior do Ecopa foi mantida, mas foram anunciados novos projetos para receber a Copa 2014 em Salvador, a
exemplo dos projetos para renovação da orla, Salvador vai de Bike, além de recapeamento, paisagismo e
sinalização das principais vias do circuito. Também foi anunciado o Carnaval da Copa 2014, para ocorrer nos dias
14 e 15 de junho, sendo, entretanto, cancelado por falta de patrocínio. A FIFA Fan Fest Salvador foi confirmada
pela prefeitura apenas às vésperas do início do evento, com programações de shows a serem realizados nos dias
dos jogos na Fonte Nova e dos jogos da seleção brasileira.10
Tabela 1 - Investimentos previstos para Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 por cidade-sede, conforme Matriz de
Responsabilidades Consolidada, set. 2013
Fonte: Matriz de Responsabilidades Consolidada, setembro de 2013. (BRASIL, 2013).
Gráfico 1 - Investimentos previstos para Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 por cidade-sede, conforme Matriz de
Responsabilidades Consolidada, set. 2013
Fonte: Matriz de Responsabilidades Consolidada, setembro de 2013. (BRASIL, 2013).
Tomando-se os dados isolados desse reajuste de ações em Salvador, conforme pode-se constatar na tabela a
seguir, verifica-se que, além de recursos ajustados para a demolição e reconstrução do Estádio da Fonte Nova (R$
689.40 milhões), sendo 53% investimento do governo local e 47% investimento federal, os recursos acrescidos
referem-se à reforma do aeroporto internacional (R$ 16,14 milhões), ao terminal marítimo (R$ 40,70 milhões) −
esses últimos investimentos federais − e de recursos menores para microacessibilidade, infraestrutura para o
turismo e instalações complementares, constituídos de investimentos federais e do governo local.
Em relação à mobilidade urbana, a ser financiada com recursos do PAC, o governo federal decidiu, de início,
não apoiar as obras metroviárias para o Mundial, ação que já estava prevista no PAC I, com horizonte para além
da Copa 2014. Assim, em relação à Matriz de Responsabilidade de 2010, nota-se que os maiores recursos foram
destinados aos sistemas de BRT, ação que visa modernizar e integrar o sistema de transporte público, com um
investimento destinado de R$ 4,627 bilhões, e ao monotrilho, ação que recebeu o segundo maior investimento, R$
4,166, bilhões até 2014. Além desses, estava prevista a construção, ou melhoria, de eixos, corredores e rodovias,
com previsão de R$ 1,507 bilhão. Desse total de investimentos em mobilidade do PAC, para Salvador, inicialmente
estavam previstos R$ 567,70 milhões, correspondendo a 5 % do total nacional, previsto de R$ 11.461,97.
(SINDICATO DA ARQUITETURA E DA ENGENHARIA, 2010) Na matriz consolidada, a mobilidade passa a
corresponder a um total de R$ 8,02 bilhões, sendo destinados, para Salvador, R$ 19,55 milhões.
Tabela 2 - Investimentos previstos para a Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 em Salvador, conforme Matriz de
Responsabilidades Consolidada, em setembro de 2013
Fonte: Matriz de Responsabilidades Consolidada, (2013).
Ao se analisar, com maior aproximação, os investimentos do governo local (estadual e municipal), tomando-se
Salvador e a Bahia em geral como estudo de caso, esse quadro de investimentos toma outra dimensão, com
diferenças e ampliação dos investimentos efetivados, conforme é apontado a seguir.
No final de 2013, de acordo com dados da Secopa obtidos em entrevistas com os gestores dessa secretaria,
verifica-se, na tabela a seguir, que o portfólio inicial do governo do estado continha 60 projetos, que foram
reduzidos para 40 (executados: 7; em execução: 19; a executar: 14). Quanto aos investimentos previstos, o total
era R$ 1.042.873.702,47 (executados: 72%; em execução: 23%; e a executar: 5%). Em termos comparativos, essa
previsão local não é muito diferente do total previsto para Salvador na Matriz de Responsabilidades Consolidada,
divulgada em setembro de 2013 pelo governo federal, indicando um total de R$ 918,99 milhões para Salvador.
Entretanto, as ações indicadas são diversas, o que dificulta comparações e verificação de gastos efetivos.
Assim, a seguir, busca-se detalhar, a partir de informações colhidas junto à Secopa/BA e Ecopa/SSA, os gastos
efetivados até então pelo governo local, para uma maior clareza sobre custos e benefícios desse megaevento em
Salvador e no restante da Bahia.
Desse total executado, o maior investimento foi direcionado para infraestrutura, acessibilidade e mobilidade,
correspondendo a R$ 998,4 milhões, apresentando 95,7% do total investido. Nessa rubrica, maior porção, 70% foi
destinada à Arena Fonte Nova (R$ 695 milhões), somada aos valores investidos no Sistema Viário, a Arena–
Viaduto (R$ 12,361 milhões), que corresponde a aproximadamente R$ 707 milhões, conforme se indica na Tabela
3. Inicialmente, o valor total estimado para a reconstrução do equipamento era de R$ 591,7 milhões, incluindo
elaboração de projetos, licenciamentos, demolição, construção e agenciamento de áreas externas do entorno, mas
ao final, esse valor foi ampliado em cerca de 17%. Para sua construção, foram viabilizados financiamentos
específicos por meio de programa do BNDES, o ProCopa Arenas, programa nacional de apoio a projetos de
construção e reforma das novas arenas, em até 75% do valor, incluindo a urbanização do entorno. Acrescente-se
ainda ao custo da construção e gestão desse equipamento, o valor da contraprestação anual, que foi fixado em R$
107,32 milhões, a ser adimplido durante 15 anos, a partir do início das operações, o que perfaz um montante de
R$ 1.609,8 milhões a ser pago com recursos públicos pela sua gestão pós-Copa 2014. (BAHIA, 2009)
Quanto aos investimentos sob a responsabilidade do governo municipal de Salvador para a realização do
megaevento, basicamente a maior parte executada correspondeu aos serviços públicos inerentes à gestão, como
eventos, manutenção da cidade, serviços (segurança, iluminação, saúde, transporte, promoção turística,
promoção cultural etc.), licenças necessárias, elaboração de projetos e isenção de impostos, custos que são
diluídos nos respectivos orçamentos anuais da prefeitura, impossíveis de ser isolados. Em termos de
infraestrutura, além de grandes projetos que foram anunciados, mas não executados, o sistema de BRT, previsto
para instalação até a realização do evento, com o financiamento do PAC de R$ 567,70 milhões, foi apenas
parcialmente implantado, correspondendo a algumas vias que já estavam em projeto antes da Copa 2014, como a
melhoria da Av. Vasco da Gama. No terminal de passageiros, a prefeitura investiu na elaboração do projeto,
executado pela Codeba, com recursos federais. (LEAL, 2012) Apenas em 2013, com o início de uma nova gestão
municipal, é que algumas obras de infraestrutura foram iniciadas para os preparativos da cidade durante o
evento, como já foi assinalado anteriormente, como a Requalificação da Orla da Barra (trecho 1) e o projeto
Salvador Vai de Bike. O primeiro teve um custo de R$ 15 milhões, e o sistema de instalação de postos de bicicleta
de uso público foi feito em parceria com o Banco Itaú. O Carnaval da Copa, fora de época, conforme anunciado
pela prefeitura, não foi realizado por falta de patrocinadores, e o FIFA Fan Fest foi organizado pela prefeitura,
mas com patrocinadores privados. Outra esfera de atuação do município foi a capacitação para atendimento aos
turistas, no controle da qualidade dos alimentos comercializados e a fluidez do tráfego, que não são
compromissos com a FIFA, mas que precisam ser assegurados, segundo entrevista realizada com o gestor da
Ecopa-SSA em 2012,
Além desses dados para a realização local do evento em Salvador, às vésperas do início dos jogos da Copa do
Mundo no Brasil, conforme declaração do secretário estadual da Bahia para Assuntos da Copa do Mundo FIFA
Brasil 2014 (SECOPA-BA), estima-se que, entre gastos públicos e privados, R$ 4 bilhões tenham sido investidos
para a realização do megaevento futebolístico em Salvador. Desse montante, R$ 689 milhões foram aplicados no
processo de implosão do antigo estádio e na construção da nova Arena Fonte Nova (17% de recursos estaduais e
83% de financiamento); R$ 126 milhões investidos no Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães; R$ 30
milhões destinados ao novo terminal de passageiros do porto de Salvador; e R$ 17,3 milhões correspondem ao
projeto de construção de dois viadutos e obras de microacessibilidade no entorno da Arena Fonte Nova. Além
desses investimentos em grandes projetos de infraestrutura urbana, R$ 100 milhões foram investidos em
segurança pública (compra de equipamentos, Novo Centro de Comando e Controle, etc.); R$ 4,1 milhões foram
disponibilizados para a obra de reforma do Estádio Municipal de Pituaçu; R$1,6 milhão do Ministério do Esporte
atendeu à obra de construção do CTS de Mata de São João, que contou também com recursos da prefeitura
municipal da região. Informa-se também que o projeto que deveria ser o maior legado da Copa, o da mobilidade
urbana, praticamente não andou (deduzindo-se que o secretário se refere ao metrô). O novo terminal de
passageiros do porto, praticamente pronto, ainda não foi inaugurado, tampouco os itens reformados e ampliados
na primeira etapa da obra do Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães, previstos para receber os turistas
que desembarcam em Salvador, estimados em cerca de 300 mil. (CAMPELLO, 2014)
Em vista de esse valor global ser bem superior ao que foi divulgado anteriormente por representantes de
diferentes esferas de governo, questiona-se, então, o que estaria incluso no total dos R$ 4 bilhões divulgados para
a realização desse megaevento em Salvador, considerando que a soma dos itens mencionados acima não
ultrapassa o patamar de R$ 1 bilhão. Nesse sentido, indicam-se outros investimentos direcionados para o evento,
que não foram contabilizados na Tabela 3, mas efetivamente realizados, sejam aqueles assumidos pela iniciativa
privada, sejam os que foram voltados para a implantação de serviços, ou ainda gastos indiretos, também
mencionados pelo titular da Secopa-BA em outra entrevista (JANAY, 2014), relacionados a seguir por segmentos
públicos e privados.
Investimentos do setor privado:
7) Recursos oriundos de investidores alemães no CTS da seleção alemã, em Santa Cruz Cabrália, cujo
valor foi de R$ 50 milhões.
8) Reforma do Parque Hoteleiro de Salvador, iniciativa do Banco do Nordeste, que disponibilizou R$ 300
milhões para esse fim, com a ampliação de 4 mil leitos nos últimos sete anos.
9) Dispêndios com os profissionais do Comitê Organizador Local (COL) da FIFA (quase 2,6 mil
profissionais).
10)Despesas com atuação de pessoal em cada dia de jogos dentro da Arena Fonte Nova; além dos
contratados e de 1,3 mil voluntários da FIFA (ao menos 5 mil profissionais vão atuar).
11)Contratação, pela FIFA, de 2,5 mil seguranças privados durante os jogos.
12)Ampliação do número de trabalhadores do setor hoteleiro, de bares e restaurantes, os prestadores de
serviços a operadoras de telefonia celular e motoristas de táxi, além de 600 ambulantes que vão vender
produtos no entorno da Arena e nas Fanfests, eventos oficiais nos dias em que os jogos foram
realizados.
Investimentos do setor público:
13)Despesas com a “convocação” de mais de 25 mil profissionais para trabalhos durante a Copa do Mundo
em Salvador e nos centros de treinamento de seleções estrangeiras no interior da Bahia. Entre esses
profissionais, estão seguranças privados, policiais militares, homens da Força Nacional, voluntários da
FIFA, servidores municipais e estaduais nas áreas de segurança, mobilidade e saúde, além de monitores
e guias turísticos bilíngues, para atuar em plantão dentro e fora da Arena Fonte Nova, entre os dias 13
de junho e 5 de julho.
14)Qualificação profissional, com disponibilização, ao todo, de cerca de 6,5 mil oportunidades através do
Programa de Qualificação da Secopa.
15)Ações de segurança, em operações articuladas com os mais diversos órgãos dos setores estadual e
federal, com disponibilização de 13,2 mil policiais militares e 2,2 mil homens da Força Nacional,
respectivamente.
16)Atuação de 500 profissionais da Secopa durante o Mundial, entre servidores e prestadores de serviço.
17)Contratação de mais de 180 monitores e guias turísticos fluentes em dois idiomas estrangeiros pela
Secretaria de Turismo da Bahia, para dar suporte aos mais de 100 mil turistas estrangeiros esperados
para a Copa do Mundo. Segundo a empresa Checklist Soluções, que ganhou a licitação para contratar
os profissionais, os salários são de R$ 1.450,00 para monitores e de R$1.650,00 para guias.
(SECRETARIA..., 2014)
O secretário da Secopa-BA não informou o quanto foi gasto com remuneração de prestadores de serviço, além
do orçamento normalmente direcionado para a Secretaria. Nessa mesma reportagem, informa-se que, na equipe
da Prefeitura de Salvador, serão utilizados mais de 4,6 mil servidores e 600 novos terceirizados convocados para
os dias de jogos. Só na Superintendência de Trânsito e Transporte de Salvador (Transalvador), 926 servidores
estarão trabalhando para regular o trânsito e o transporte público durante o evento, e cerca de R$ 1 milhão foi
direcionado para a contratação de 600 terceirizados. (JOGOS..., 2014)
Ainda segundo o secretário, as greves e paralisações recentes no Brasil, que projetaram negativamente o país
para o resto do mundo, além das obras inacabadas para o Mundial de Futebol, não diminuíram o contingente de
estrangeiros previstos para vir à Copa do Mundo no Brasil, estimado em 500 mil. Diante desse cenário, a Secopa-
BA trabalha com a estimativa de receber, no estado, 300 mil turistas, cerca de 150 mil estrangeiros. Segundo
dados do governo federal, os turistas devem injetar R$ 25 bilhões na economia do país. Às vésperas da Copa,
havia 370 mil reservas internacionais de passagens aéreas comercializadas. A Bahia aparece, nos levantamentos,
como a terceira sede na procura dos turistas. Segundo o Ministério do Esporte, 50% dos ingressos dos jogos
baianos foram vendidos para estrangeiros.
Considerações finais: quanto custou, quem pagou e quem ganhou na Copa 2014 em
Salvador?
Esse cenário local de aproximação do montante de investimentos e possíveis retornos, apesar de difícil
mensuração em termos dos valores totais para realização da Copa 2014 em Salvador, demonstra, primeiramente,
que os gastos efetivados estão muito acima dos que foram praticados em outros países que receberam a Copa do
Mundo da FIFA nas últimas décadas e que os possíveis retornos esperados são pequenos frente aos grandes
endividamentos públicos, que devem perdurar por décadas futuras, comprometidas com os financiamentos e as
contrapartidas dos governos locais.
Nesse sentido, para se analisar os legados para as cidades-sede, não podem ser desconsiderados aqueles que
foram os maiores investimentos da Copa 2014 no Brasil, as novas arenas, com os altos custos já efetivados e os
futuros dispêndios. Esses últimos incidem, sobretudo, no valor da contraprestação anual, no caso da Arena Fonte
Nova, fixado em R$ 107,32 milhões anuais, a serem adimplidos durante 15 anos, a partir do início das operações
da gestão privada, que podem alcançar um montante de R$ 1,609 bilhões a serem pagos com recursos públicos
no pós-Copa 2014. (BAHIA, 2009) Ou seja, somados aos valores investidos para sua construção e vias de entorno
(R$ 707 milhões), o valor global, ao final desse contrato, poderá chegar a R$ 2,316 bilhões, o que representa um
investimento incompatível com o custo/beneficio desse equipamento, agora destinado exclusivamente ao consumo
solvável. Por outro lado, não se pode mensurar as perdas decorrentes da mudança de uso desse equipamento,
com a eliminação do ginásio de esportes, da piscina olímpica e da pista de atletismo, uma vez que essas
instalações públicas não foram viabilizadas até então em outros espaços para servir à população de Salvador e da
Bahia.
No que se refere à infraestrutura, segurança e comunicação, conforme exigidos pela FIFA na Matriz de
Responsabilidades, esses itens, apesar de serem os gastos até então mensurados oficialmente, nos seus
quantitativos não estão considerados os valores de impostos não auferidos, as isenções e subvenções em
financiamentos, o que certamente eleva os custos públicos na recepção do megaevento. Por outro lado, as
propostas estruturantes de mobilidade e espaços públicos urbanos, conforme foram projetadas para Salvador, não
foram tomadas como prioridades na efetivação de investimentos. No caso de Salvador e de outras cidades-sede, a
implantação do metrô e de um adequado sistema de mobilidade urbana, projeto de grande importância e urgência
para as metrópoles brasileiras, sequer saiu do papel, resumindo-se, até então, na indicação de corredores
seletivos de mobilidade para acesso aos jogos, sob intenso controle policial.
Para além dos gastos efetivados nessas demandas, verificou-se também que os governos locais realizaram um
grande investimento em serviços de gestão, apoio e manutenção. No caso de Salvador-Bahia, chegou-se a
números próximos a 25 mil profissionais extras demandados para o período do evento. Somam-se a esse amplo
contingente os gastos efetivados com instituições públicas específicas para implementação da Copa 2014, com a
criação de Secopas e Ecopas em praticamente todas as cidades-sede, com despesas de pessoal e manutenção por
cerca de cinco anos, desde o momento do anúncio das cidades-sede, em 2010, até o prazo final de compromissos
com a FIFA, em 31 de dezembro de 2014.
Diante desses arranjos institucionais, verificou-se também, com base no levantamento de investimentos
efetivados para Salvador, que a contrapartida do setor privado e da instituição promotora, a FIFA, foi ínfima
diante dos significativos gastos públicos efetivados, que alcançaram patamares de mais de 90% do total investido.
Para além dos investimentos, certamente haverá um retorno intangível, de difícil mensuração, primeiramente
pelos jogos de futebol desse campeonato mundial diante da paixão que esse esporte inspira culturalmente no
Brasil. Também pela ampla exposição da imagem do país, dos brasileiros e das cidades-sede. Entretanto, indaga-
se, nesta pesquisa, quem ganhou e quem perdeu nessa movimentação de recursos aplicados no país para sediar
esse megaevento mundial no âmbito de uma economia amplamente globalizada.
No caso da inserção de Salvador-Bahia na Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, verificou-se que, com um enorme
aporte de recursos públicos, ao final, os dados levantados revelam que alguns segmentos privados tiveram
possibilidades de ganhos extraordinários na mercantilização do evento, concentrados na remuneração das
grandes empresas corporativas ligadas ao setor da construção, infraestrutura, comunicação, turismo, segurança e
patrocinadores. Já na economia local – apesar da grande expectativa de inserção de recursos externos, viabilizada
por uma presença mais intensa de visitantes no país, situação que favorece o consumo ampliado e a alta
empregabilidade no período do megaevento –, as longas paralisações de atividades quotidianas e do trabalho
regular, previstas para o período dos jogos, certamente deverão impactar negativamente em muitos outros
setores da produção e dos serviços no país.
Para a FIFA, entidade organizadora desse mundial, seus eventos internacionais têm sido crescentemente
lucrativos, sendo essa a fonte de maior arrecadação dessa organização (venda de ingressos, direitos televisivos,
direitos de marketing). Em 2006, na Copa da Alemanha, a renda foi de US$ 2,634 bilhões, e em 2010, na Copa da
África do Sul, passou para US$ 4,189 bilhões, sendo que, em média, 70% das despesas da entidade vão para
reaplicação no futebol. (FIFA, 2014) Na Copa Brasil 2014 haverá um novo recorde, com renda estimada em R$ 10
bilhões de reais (cerca de US$ 4,5 bilhões). (FIFA..., 2013; O MUNDIAL..., 2014) Declarações recentes indicam
que a FIFA cobriu todos os custos operacionais da Copa do Mundo no Brasil no valor de cerca de US$ 2 bilhões (O
MUNDIAL..., 2014), o que representa cerca de 40% da receita e, portanto, um ótimo negócio, uma vez que os
riscos e grandes investimentos ficaram com o país-sede.
Verifica-se que público e privado, em eventos dessa natureza e magnitude, parecem se confundir. (CONTI,
2014) Como ressaltou Christopher Gaffney, ao analisar os megaeventos no mundo atual, a Copa era a
oportunidade de usar um investimento federal em benefício da população, mas se tornou um evento esportivo
financiado com dinheiro público para o lucro privado: “o governo assume o risco e os patrocinadores é que vão
receber os benefícios”. (GAFFNEY, 2011)
O que se verifica nesse modelo de plano estratégico urbano, o padrão FIFA, tal qual foi implementado na Copa
do Mundo 2014 no Brasil, é que se vende um projeto privado com uma matriz seletiva de investimentos locais
para um consumo solvável seletivo, com a ilusão do retorno coletivo profícuo no seu legado. Que o pós-Copa nos
ilustre as dimensões sociais e urbanas desse projeto na busca de outros horizontes para as cidades brasileiras!
Referências
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2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/06/1470996-copa-do-mundo-vai-custar-r-35-bi-a-mais-ao-
governo.shtml>. Acesso em: 25 jun. 2014.
BAHIA. Projeto Arena Fonte Nova. 2009. Disponível em: <http://www.sefaz.ba.gov.br/administracao/ppp/projeto_fontenova.htm>.
Acesso em: jan. 2011.
BAHIA se prepara para 2014. A Tarde, Salvador, 21 jun. 2010.
BAHIA. Pano Diretor da Copa 2014 na Bahia. Salvador, 2011a.
BAHIA. Plano Plurianual 2012-2015 – PPA/BA. Salvador, 2011b.
BAHIA-SEDUR. Metrô de Salvador vai funcionar de graça de junho a setembro. Disponível em:
<http:http://www.sedur.ba.gov.br/metro-de-salvador-vai-funcionar-de-graca-de-junho-a-setembro/>. Acesso em: 10 maio 2014.
BARRETO, Marcelo. Em obra desde 1997, metrô de Salvador começará a circular 2 meses após Copa. Uol Copa, 15 out. 2013.
Disponível em: <http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/10/15/metro-de-salvador-nao-ficara-pronto-ate-a-
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BRASIL. Lei Geral da Copa – Lei No.12.663, de 5 de junho de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
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2014.
1 O documento original, assinado em 13 de janeiro de 2010 pelo então ministro do esporte, Orlando Silva, e por 11 prefeitos e 12
governadores (Brasília, uma das cidades-sede, não tem prefeito), define as responsabilidades de cada ente federativo na preparação do
evento. (BRASIL, 2010) Ao longo do tempo, resoluções do Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 trouxeram revisões e
atualizações nas ações constantes na Matriz de Responsabilidades. (BRASIL, 2013)
2 Na última revisão do governo, em setembro de 2013, se, por um lado, as arenas apresentaram o maior aumento de custo de
infraestrutura, passando de R$ 5,66 bilhões para R$ 8,01 bilhões, a mobilidade foi exceção, pois apresentou redução no custo total das
obras para o evento, já que 14 projetos foram retirados da lista inicial do Mundial 2014. Com essas reduções, o repasse para as
intervenções caiu de R$ 11,56 bilhões para R$ 8,02 bilhões. Até então, foram gastos, para atender à Matriz de Responsabilidade nas 12
cidades-sede, R$ 25,56 bilhões. (BRASIL, 2013)
3 Do total dos R$ 25.569.300,00 previstos, em milhões, tem-se que: R$ 8,005 destinavam-se aos estádios; R$ 8,024 para mobilidade urbana;
R$ 6,280 aos aeroportos; R$ 1,879 em segurança; R$ 0,587 em portos; R$ 0,404 em telecomunicações; R$ 0,208 para instalações
complementares; e R$ 0,180 em turismo. (BRASIL, 2013)
4 A participação de recursos públicos nas obras das arenas foi ainda maior que a média geral dos preparativos para a Copa, sendo, ao final,
97% do montante consumido pelas 12 arenas. Além de pesar diretamente para o contribuinte, também ficaram muito mais caras do que
previsto, passando de R$ 5,6 bilhões para R$ 8 bilhões, conforme valores anunciados pelo governo na última revisão da Matriz de
Responsabilidade. (BRASIL, 2013)
5 Na mobilidade urbana para a Copa, a prioridade indicada era para a Avenida Paralela, principal ligação entre o Aeroporto e o centro
antigo, nas proximidades da arena onde acontecerão os jogos. Segundo declarações do secretário da Secopa, na ocasião: “O BRT traz
como vantagens a tecnologia nacional e maior rapidez de execução – e isto para a Copa é muito importante – e o fato de ser bem mais
barato que um metrô, por exemplo, ou que um sistema de VLT – Veículo Leve sobre Trilhos”. No resultado do PMI, em 26 de julho de
2011, entre as sete propostas apresentadas, saiu vencedora a do sistema em VLT. (BAHIA.., 2010)
6 A finalização da Linha 1 do Metrô (Lapa–Rótula–Pirajá) conta com recursos viabilizados pelo governo federal. O processo de indicação do
projeto e a empresa vencedora ainda não haviam sido definidos em função desse adiamento, o que dificilmente viabilizaria a implantação
do metrô antes da Copa 2014, com exceção dos 13 km da Linha 1 (Lapa–Rótula), porém ainda sem funcionamento na ocasião pela falta de
viabilidade econômica.
7 O trecho da Linha 1 do metrô foi inaugurado às vésperas do evento mundial, com funcionamento diferenciado durante os dias de jogos da
Copa na Arena Fonte Nova: exclusivo para os torcedores, com acesso viabilizado pela apresentação do ingresso aos jogos. O percurso
ligava o terminal Acesso Norte ao Campo da Pólvora, com disponibilidade de duas horas antes das partidas até duas horas depois.
(BAHIA-SEDUR, 2014)
8 O Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas (SMLS) será operado pelo grupo CCR Metrô Bahia (composto por Andrade
Gutierrez, Camargo Corrêa e Soares Penido), único consórcio a se apresentar e vencedor do leilão de concessão realizado em agosto de
2013, com um lance de R$ 127,6 milhões que corresponde a quanto o governo pagará ao Consórcio anualmente (por 30 anos). Os
investimentos totais são estimados em R$ 3,6 bilhões, liderados pela iniciativa privada no âmbito do modelo PPP, sendo que a CCR
investirá cerca de R$ 1,4 bilhão, montante a ser aplicado também por meio de financiamentos. O estado da Bahia irá pagar outros R$ 1
bilhão, e a União repassará R$ 1,2 bilhão, com recursos oriundos do PAC. (CCR..., 2013)
9 O trecho modificado compreende dois quilômetros às margens da Baía de Todos os Santos, devendo impactar o bairro do Comércio, na
Cidade Baixa, atualmente com intenso grau de esvaziamento. Previsto para ser finalizado em meados de 2013, mas até então não
concluído, nele estarão funcionando, além do terminal de passageiros, restaurantes e outros serviços turísticos. (COMPANHIA DAS
DOCAS DO ESTADO DA BAHIA, 2012)
10 A demora nessa confirmação se deu em função de uma ação civil pública do Ministério Público da Bahia que impedia que o evento fosse
realizado com recurso público. (MP..., 2014)
Tabela 3 - Ações e investimentos para a Copa do Mundo FIFA 2014, em Salvador (BA) sob a responsabilidade do
governo do estado e do governo federal
Fonte: Secopa/BA, conforme entrevista para esta pesquisa, em outubro de 2013.
CAPÍTULO 5
Governança urbana e atores sociais: Uma “nova” governança urbana? Arenas e conflitos na Copa 2014 em Salvador
Introdução
Este artigo pretende apresentar as especificidades locais no que diz respeito às arenas, atores e conflitos ligados à preparação de Salvador para a Copa de 2014
que constituem um novo contexto político no que tange à governança urbana. Para a análise desse cenário, toma-se como fonte de dados o Diário da Copa –
importante base de dados desenvolvida no âmbito da pesquisa Metropolização e Megaeventos: impactos da Copa do Mundo/2014. Por outro lado, toma-se como
referência, também, dados empíricos levantados durante a pesquisa de doutorado da autora no Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Bahia (PPGAU/UFBA), além dos dados preliminares de sua pesquisa em andamento, A nova governança urbana e o desmonte das instâncias
de participação nos processos urbanos, a partir da Copa de 2014, na Cidade de Salvador, que conta com o financiamento Programa de Apoio a Projetos Institucionais
com a Participação de Recém-Doutores (Prodoc/UFBA).
Considerando governança urbana como o processo interativo e dinâmico da malha de instituições e agentes que asseguram a tomada de decisões coletivas no
âmbito das políticas urbanas, essa noção se refere à construção de processos de legitimidade e de responsabilidade assumidos pelas estruturas públicas, com base
num novo modelo de cooperação entre atores públicos e privados e na responsabilidade – a accountability – que invoca a transparência e o controle social pela via da
participação da cidadania nas decisões e na implantação de políticas urbanas1. Nesses termos, é possível afirmar que a preparação do país para a Copa de 2014 traz
inovações nesses arranjos entre o público e o privado, que chamaremos provisoriamente de uma “nova governança urbana” (IVO, 2013), orientada segundo novos
valores e princípios governamentais, agora subordinados a interesses de grandes corporações internacionais e atrelados a um novo padrão de planejamento
estratégico protagonizado pelo Estado nacional, o qual, num contexto de crise econômica e de urgência imposta pelo megaevento, emerge e potencializa-se como
uma nova via de desenvolvimento urbano implementado em âmbito nacional.
Como se deu a integração política em Salvador, mediada pelas obras de preparação da cidade para o mundial de futebol? Ou seja, como se esboçaram os arranjos
políticos-participativos no processo de candidatura e preparação da cidade de Salvador como sede para a Copa de 2014 no Brasil? Essa é a questão central que
orienta este texto.
Para responder a essa indagação, privilegia-se a descrição do processo de preparação de Salvador para a Copa de 2014, destacando as cooperações estabelecidas
entre as instâncias nacional e transnacionais e a atuação da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), avançando na busca de entendimento dos novos
limites e contradições impostos às condições de participação da população local. Busca-se, portanto, identificar e analisar criticamente a experiência local, tendo
como referencial o “bom governo.”2 Esse esforço permitirá avaliar as arenas e conflitos, possibilitando o entendimento dos nexos entre política, mercado e sociedade,
dentro do paradigma atual dos megaeventos como oportunidades estratégicas para o desenvolvimento urbano. Com essa perspectiva, dois vetores de análise são
adotados como princípios da ação pública, desenvolvidos por Anete Ivo (2002):
a) O primeiro é o da competitividade, orientado para o empreendedorismo urbano, em consonância com os interesses de mercado.
b) O segundo, o da solidariedade, relacionado às formas de participação mais ampla e de redistribuição ampliada dos bens públicos como meio de
incorporação de demandas sociais e de fortalecimento da cidadania.
Fonte: Apresentação da Prefeitura Municipal de Salvador, Gabinete – Escritório da Copa – Prodeb, 2014.
Em novembro de 2011, o então prefeito encaminha para aprovação a Lei 7.400.08, conhecida como Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da Copa.
Em 29 de dezembro de 2011, a conhecida Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Louos) da Copa – Lei 8167/2012 – é sancionada pelo prefeito. Ela
previa alterações legais no uso e ordenamento do solo, tendo como justificativa os compromissos para a Copa de 2014.
No final de 2013 (Decreto nº 24.348 de 9 de outubro de 2013), é criado o Ecopa 2014, com a missão de:
Desempenhar papel central na coordenação de eventos, mobilização do portfólio de projetos e ações voltadas para Copa do Mundo da FIFA 2014 em Salvador,
cidade-sede, de forma a realizar um evento que repercuta positivamente e que otimize o legado para cidade. (BRASIL, 2013)
O escritório, apesar de existir institucionalmente desde 2009, não contava com endereço próprio, o que dificultava o acesso e o encaminhamento de solicitações.
Após as eleições e a mudança de governo, no ano de 2013, uma nova composição foi implantada e a página oficial foi criada, ampliando a transparência mediante a
disponibilização de documentos. Apesar do pequeno número de documentos disponíveis, é uma ação de natureza diversa da qual, até então, marca a preparação de
Salvador para a Copa de 2014. Se, por um lado, isso significa mais transparência, por outro, transfere à gestão anterior as responsabilidades pelo caráter dos acordos
firmados, tendo em vista, naquele momento, o crescimento das críticas à Copa e às ações para a Copa, o que culminou nos confrontos na Copa das Confederações
naquele mesmo ano.
Além da pouca documentação oficial, estão disponíveis cartilhas e cartazes. Dentre essas peças, existem orientações para evitar o marketing de emboscada, ou
seja, definições sobre o que é ou não é permitido expor ou usar nas áreas de exclusão, tendo em vista as restrições impostas pela FIFA. Além dos acordos com
patrocinadores e marcas que ganharam a exclusividade de exposição, a FIFA registrou algumas expressões historicamente usadas pela torcida brasileira, como, por
exemplo, “seleção canarinho”. Com isso, a decoração de ruas e casas no entorno da arena fica restrita ao uso das cores verde e amarela e a imagem da bandeira
nacional.
No âmbito do poder estadual, no ano de 2007, cria-se o Comitê Gestor para a Copa, pelo Decreto 10455 de 17 de setembro de 2007. No ano de 2009, pelo decreto
11.904 de 2009, o Comitê Gestor da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 passa a ser composto pelo Secretário Extraordinário da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014
e mais 18 membros representantes de órgãos e/ou instâncias estatais.7
Cria-se, em 2011,8 a Secretaria Estadual para Assuntos da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 (Secopa), com o papel de protagonizar a mobilização do mercado e
da sociedade civil para esse megaevento: “Ser o principal indutor da construção de legados para uma Bahia economicamente forte, socialmente justa e sustentável
após a Copa de 2014”. Nesse mesmo ano, o Governo da Bahia publica o Plano Diretor da Copa na Bahia (PDC). Dentre os pontos tratados, está a governança,
estruturada em cinco instâncias-chave: as Secretarias, os Grupos Executivos de Trabalho (GETs), a Secopa, o Comitê Gestor da Copa e o Comitê Organizador
Unificado, e, mais uma vez, o quesito participação não faz parte da estrutura e do modelo de ação para a Copa de 2014 em Salvador.
Caberá à Secopa a organização de cursos de capacitação em cooperação com outros órgãos governamentais (tanto do estado como do município), assim como com
outras instituições, a exemplo do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e as
Instituições de Ensino Superior (IES) – dentre essas o Instituto Federal da Bahia (IFBA) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Ao todo, foram oferecidas
50.103 vagas, das quais 7.840 são para cursos de idioma. (SECOPA, 2014a) O grande número de vagas e o envolvimento de organizações de diversas naturezas
servem à construção positiva do megaevento e, consequentemente, fortalece a imagem do estado, contribuindo para a legitimação dos discursos oficiais sobre o
legado intangível da Copa. Publicações disponíveis on-line também compõem as ações da Secopa, como o Manual do Cidadão Consciente, que ensina como ser um
“consumidor consciente” (SECOPA, 2014b) durante o mundial de futebol no Brasil.
No dia 13 de abril de 2010, buscando fortalecer a sinergia entre as cidades-sede, o governo federal e o Local Organising Committee (LOC/FIFA), decide-se, no
encontro das cidades-sede da Copa de 2014 em Salvador, “constituir um Fórum Permanente composto pelos estados e as cidades-sede, objetivando a troca de
experiências e ações de cooperação” para “dar continuidade ao fortalecimento do diálogo institucional entre os diversos entes federativos e demais promotores do
evento.” Trata-se de uma instância de articulação sob a coordenação do executivo federal. (ENCONTRO..., 2014)
Apesar da assinatura de termo de cooperação entre o estado da Bahia e a Prefeitura Municipal de Salvador9, em maio de 2011, tendo como objeto a determinação
de competências e responsabilidades para implementação de ações conjuntas e imprescindíveis para o mundial de futebol, a Copa e os arranjos políticos são temas de
destaque na campanha eleitoral municipal no ano de 2012, principalmente no segundo turno. O candidato da “situação” enfatizava a importância da cooperação entre
as instâncias do governo, defendendo a importância de se eleger o candidato do mesmo partido que governava a Federação e o Estado como meio de garantir as
obras estruturantes da cidade para o megaevento. Por outro lado, a campanha da oposição defendeu que as obras para a Copa ocorreriam independentemente da
composição partidária entre os poderes, uma vez que os compromissos e recursos já haviam sido acordados, sem que houvesse a possibilidade de retrocesso.
Até a eleição, na capital baiana, apenas a obra de construção da arena se encontrava em pleno andamento. As obras do aeroporto e do porto já se iniciavam. As
obras de mobilidade urbana, com a chancela Copa de 2014, apresentadas como um dos legados mais importantes para a cidade, não se iniciaram e serviram de
disputa no decorrer da eleição.
Com esse quadro, além de interesses econômicos locais e estratégias para a eleição de Salvador como cidade-sede,10 é possível associar os atrasos nas obras de
maior impacto sobre o urbano – o corredor estruturante – às disputas partidárias para a eleição da prefeitura, em especial as disputas entre as duas coligações – “É
hora de defender Salvador” e “Todos juntos por Salvador” – que disputaram o segundo turno da eleição. As campanhas eleitorais tiveram como pano de fundo os
arranjos entre o nacional, o transnacional e o internacional e adotaram as obras da Copa como proposta para a cidade. Na medida em que as campanhas, direta ou
indiretamente, referendaram a coletânea de propostas elaboradas na gestão anterior para a Copa de 2014 (HORÁRIO..., 2012), as disputas, de certa forma,
deslocaram-se do projeto de cidade para os modelos de arranjo e jogos políticos partidários entre as instâncias de poder sob o pretexto de quem daria melhores
condições de ação à Prefeitura de Salvador.
Mas de que projeto de cidade trataram as campanhas eleitorais? Dois anos antes da eleição para prefeito, registra-se a primeira iniciativa do governo municipal de
preparação da capital baiana para o grande mundial de futebol em 2014. Com a participação mais ampla, uma coletânea de projetos para a cidade, intitulada
“Salvador – Capital Mundial”, foi apresentada no ano de 2010 aos soteropolitanos. Inicialmente como um catálogo de projetos para a cidade, a coletânea de propostas
foi exposta em evento privado para convidados. Posteriormente, essa exposição foi apresentada em um grande shopping de Salvador, como meio de difundir de forma
ampla a “Salvador do futuro” aos seus cidadãos. Segundo o então prefeito, “pela primeira vez, nossa cidade tem um planejamento concreto, exclusivo, baseado em
suas características físicas e históricas e, principalmente, nos hábitos, demandas e sonhos de sua população”. (DOM, 2010)
Em consonância com a manchete do Diário Oficial do Município (DOM), de 29 de janeiro de 2010, toda a campanha municipal e de veiculação dos projetos trazia a
ideia de “Rumo ao Futuro”. Além dos poderes municipal e estadual, estavam envolvidos, na elaboração das propostas, a Fundação Bahia Viva, o Instituto Viver a
Cidade e as empresas Engenharia de Tráfego e Transporte (TTC), Empreendimentos e Participações Ltda. (ABFI), Empreendimentos Costa Espanha e profissionais de
arquitetura. A publicidade institucional apresentou o conjunto de 20 propostas como o que projetaria a “Salvador do futuro”: “Salvador sintonizada com o modelo de
desenvolvimento das grandes capitais do mundo”. (INFORME..., 2010)
Além de notícias em jornais e da campanha publicitária em televisão, um site foi criado para a divulgação desses projetos, sem disponibilização das peças gráficas
necessárias11 para a compreensão do que era proposto. A campanha publicitária na televisão enfatizava os aspectos culturais, destacando o “dengo acolhedor de
nosso povo”, reforçando a reestruturação urbana da cidade, dando maior ênfase às intervenções de mobilidade urbana e associando a ideia de crescimento,
planejamento e expectativas ao resgate da “vocação de cidade mundial” da primeira capital do país.
Num outro sentido, essa exposição também marcou o processo preparatório de Salvador para a Copa de 2014 por apresentar, pela primeira vez, outra faceta desse
processo: o liame entre os projetos propostos, a prefeitura e o empresariado local. Segundo uma reportagem veiculada por um jornal de grande circulação local, a
Fundação Bahia Viva, com possíveis ligações com empresariado local, doou um dos projetos da exposição Salvador Capital Mundial. Segundo o jornal, após essa
reportagem, a fundação retirou o projeto doado:
Na carta, em tom de desabafo, Suarez destaca a natureza da instituição, ressaltando que a Fundação foi criada em 1999, antes da atual gestão municipal, e
justifica o pedido de devolução do projeto como forma de esclarecer que a iniciativa da Baía Viva, ao doar o projeto à prefeitura, foi ‘desinteressada’. (FUNDAÇÃO...,
2012)
Em agosto de 2010, a implosão do Estádio Octávio Mangabeira tornou-se um marco simbólico do início das obras para a Copa de 2014, servindo para a construção
da ideia de ação, eficiência e realização. “Aqui se inicia uma nova história” foi uma das afirmações relacionadas a esse evento, registrada e replicada em jornais e
revistas.
No ano de 2008, o Governo da Bahia organizou um concurso para decidir o futuro do estádio Octávio Mangabeira, comumente conhecido por Fonte Nova. Seis
propostas distintas12 concorreram, com soluções que tinham como partido ou o total aproveitamento da Fonte Nova, ou a construção de um novo estádio na Av.
Paralela, ou a demolição e construção de uma nova arena. Os custos eram distintos, e os programas também. Centro de convenções, shopping center e hotel, praça
do torcedor e centro comercial e esportivo, ginásio e praça pública foram alguns usos propostos. A proposta final escolhida demoliu em 10 segundos a Fonte Nova.
A força simbólica da implosão do Estádio Octávio Mangabeira volta à cena principal quando a construção da nova Fonte Nova torna-se espetáculo pago no centro
de visitação da Arena Fonte Nova, inaugurado em janeiro de 2012. O espetáculo da nova Arena Fonte Nova (depois denominada Arena Itaipava) se inicia no ato da
implosão do antigo estádio, documentado e exposto em imagens que conduzem a uma tela com simulações do novo estádio, seguidas de um grande painel de vidro
em que era possível acompanhar a obra em andamento. Uma pequena lojinha vendia lembranças do momento histórico: pequenos pedaços do antigo estádio são
comercializados em caixas de acrílico, ao preço de R$ 35,00, com a frase: “Aqui dentro tem guardado um pedacinho da história dos baianos”. Outros souvenirs,
elaborados com tecidos das roupas dos trabalhadores da obra, são comercializados com preços variados. E assim, mais uma vez, a derrubada do Estádio Octávio
Mangabeira torna-se símbolo de um novo tempo. A propaganda da Arena Fonte Nova, distribuída no Centro de Visitação, traz o seguinte dizer: “Aqui vai rolar mais do
que uma bola de futebol”. No dia 7 de abril de 2013, com show e jogo do campeonato baiano, o novo estádio foi inaugurado com um novo nome: Itaipava Arena Fonte
Nova.
Outra campanha de destaque foi a disputa pelo jogo de abertura da Copa. Lançada em fevereiro de 2011, essa campanha ganha amplo apoio do Governo do estado
do Amazonas, Governo do estado do Rio Grande do Norte, Prefeitura Municipal de Manaus, Prefeitura Municipal do Natal, Prefeitura do Recife, Secretaria
Extraordinária para Assuntos da Copa do Mundo Brasil, assim como da imprensa, artistas, como Margareth Menezes, e outras organizações da sociedade civil13, que
mobilizam a população em defesa da capital baiana.
O sorteio dos jogos para a Copa de 2014 ocorreu em dezembro de 2013 e foi um evento sediado na Bahia, tendo como endereço o complexo hoteleiro Costa do
Sauípe, a 76 km da capital baiana – distância importante para evitar possíveis confrontos com movimentos sociais organizados já atuantes nesse momento. Segundo a
organização desse evento, o impacto foi positivo.14
Se por um lado, até as Copa das Confederações de 2013, a postura estatal em Salvador é marcada pelo “silêncio” e estreitamento dos canais de participação, por
outro lado, ela reafirma a relevância do megaevento como oportunidade de negócios, tendo como modus operandi o não enfrentamento das resistências locais para a
pacificação durante os jogos em junho de 2013. Assim como em outras cidades do Brasil, pelo o seu poder de polícia violentamente demonstrado na repressão aos
eventos locais relacionados com o que foi chamado de “Jornadas de Junho”, no âmbito nacional, o estado da Bahia reafirma os seus compromissos econômicos com os
agentes internacionais mediante a defesa dos limites sob jurisdição da FIFA: as áreas de exclusão. Apesar desses intensos confrontos, reconhecidos em estudos como
o maior problema para a Copa de 2014 em pesquisa sobre a organização da Copa das Confederações, o relatório de avaliação do evento afirma: “A FIFA foi analisada
de uma forma muito positiva no evento – o que pode ser visto principalmente em cartazes de manifestantes que disseram: ‘Nós queremos o padrão FIFA para o
Brasil’”. (COPA..., 2013)
Associada à marca Brasil, uma Salvador composta de seus fragmentos e de imagens de outros recantos do estado da Bahia é comumente veiculada nas
propagandas oficiais: Pelourinho, Farol da Barra, Jardim de Alá e Itapuã são mixados às trilhas e praias desertas no filme que apresenta Salvador ao mundo da Copa
de 2014.
Fonte: (SALVADOR, 2010).
Salvador, “Capital Mundial”, passa a ser cidade-sede da Copa e cidade-sede do trabalho. As imagens iniciais e finais do informe publicitário da Prefeitura
Municipal de Salvador – “Prefeitura de Salvador apresenta Copa do Mundo da FIFA de 2014” (FILME..., 2012) – reafirmam a relação dessa cidade com o evento da
Copa do Mundo de 2014.
Fonte: (CIDADE, 2011).
Além de associar a cidade ao evento, as imagens do filme publicitário – repletas de pessoas trabalhando nas obras em andamento e nas atividades preparatórias
da cidade para receber os jogos – estabelecem um nexo entre a cidade de Salvador, a dimensão do trabalho e o evento, consolidando, assim, a função social de
geração de emprego relacionada à Copa. Esse filme representa uma amostra da construção simbólica da Copa como um suposto nicho de oportunidades e de geração
de emprego e renda, como uma alternativa e solução para as questões urbanas de infraestrutura e serviços, de emprego e renda, num curto espaço de tempo.
A articulação das palavras “festa” e “trabalho”, ou “alegria” e “esforço”, e a afirmação “o time está em casa e aqui suamos a camisa, mesmo” contribuem ainda
mais para o entendimento da Copa como momento estratégico de desenvolvimento econômico local, uma “oportunidade de todos”, que une, supostamente, interesses
dos trabalhadores com os dos agentes econômicos transformadores implicados no empreendedorismo local.
Os arranjos institucionais, somados à contração da participação na definição das arenas, e a instrumentalização dos parcos espaços participativos, juntamente com
as ações de controle, o exercício do poder de polícia e o aparato de construções simbólicas mobilizado e retroalimentado por diversos atores econômicos e políticos,
nas instâncias nacional e transnacional, fazem do contexto de preparação de Salvador para a Copa de 2014 um momento emblemático, marcado pela convergência e
declarada predominância dos compromissos econômicos sobre os pactos sociais e políticos na cidade. Esse quadro significa, na prática, um movimento de inflexão
das conquistas da cidadania na cidade, expresso pelo descolamento das propostas e projetos implementados para o mundial das reais demandas urbanas da maioria
da população.
Fonte: (CEAS, 2011).
Dentre as propostas reativas ao que foi apresentado nesse encontro, destacam-se a criação de um fórum de articulações e a divulgação mais ampla dos projetos da
exposição Salvador Capital Mundial. No dia 18 de dezembro de 2010, o Fórum de Articulação das Lutas nos Territórios Afetados pela Copa 2014 (FALTA – Copa 2014:
Salvador é de todos!) inicia suas atividades com os objetivos de debater os projetos da Copa 2014 para a cidade de Salvador, estabelecer a articulação com as demais
cidades-sede, fomentar e mobilizar a participação local e, também, monitorar e controlar as obras da Copa 2014. Segundo esse documento, “estes objetivos visam a
ampliar a luta por uma cidade digna, socialmente justa, plenamente democrática, ambientalmente equilibrada e economicamente viável.” O seu manifesto foi
assinado por 14 organizações da sociedade civil, com o seguinte compromisso:
O nosso compromisso no presente é apresentar o projeto de cidade que queremos. E a cidade que queremos tem espaços que agregam as pessoas e é inclusiva.
Queremos uma cidade que seja de todos. Que os oprimidos usufruam dos direitos básicos de sobrevivência digna. Que haja efetiva participação popular nos projetos
de intervenção urbanística propostos. (FALTA..., 2010)
Além do blog criado para divulgação de informações e articulação com outras organizações e movimentos sociais nas demais cidades-sede, destacam-se as visitas
a algumas ocupações,15 à Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) e ao Tribunal de Contas da União (TCU), apresentando e analisando essa coletânea de
projetos na tentativa de mobilizar e preparar as lideranças populares, assim como sensibilizar organizações políticas estratégicas no contexto de desconhecimento
dos impactos desses projetos para a cidade e seus cidadãos.
Buscando maior divulgação do processo, o evento A abertura da Copa 2014: um baba de rua no Brasil foi organizado pelo FALTA no dia 11 de abril de 2011, na
Praça da Piedade, com distribuição de panfletos e fala pública.
No aniversário da cidade de Salvador, no dia 29 de março de 2011, o FALTA entregou ao MPE/BA uma petição arguindo a ausência de informação sobre as obras
da Copa de 2014. Após um ano, o FALTA publicou Um ano sem resposta do Ministério Público da Bahia, lamentando o silencio do MPE/BA à já referida petição e
concluiu:
No caso de Salvador, estamos comemorando no mesmo dia do aniversário da cidade um ano sem resposta ao pleito coletivo pelo direito à informação, pelo direito
à participação e pelo direito à cidade: comemoramos um ano sem resposta do Ministério Público, um ano de silencio dos nossos direitos. (FALTA..., 2012)
Quase no mesmo momento da criação do FALTA, a campanha Se a Copa é Boa, Eu Também Quero é lançada. Em 6 de dezembro de 2011, a Comissão de
Articulação e Mobilização dos Moradores da Península de Itapagipe (Cammpi) apresenta esse movimento, buscando incluir a sociedade civil organizada nas
discussões sobre a Copa em Salvador. Como o próprio nome diz, almejava-se que os investimentos previstos beneficiassem toda a cidade, em especial a Península de
Itapagipe. Com isso, a pauta principal posta é a da inclusão e participação. Além do uso da internet como meio de divulgação, a participação em festas populares –
Festa de Iemanjá, Festa do Bonfim, Carnaval, 2 de julho, entre outras – é a estratégia diferenciada adotada. Em 7 de junho de 2011, esse movimento passou a
constituir o Comitê Popular da Copa, potencializando as ações e ampliando a pauta. Sendo responsável por inúmeros eventos para debate e análise das obras da
Copa, “este Comitê Popular assume perante a sociedade civil o compromisso de combate em defesa da maioria da população da cidade e daqueles segmentos mais
vitimizados”.
Outras iniciativas nesse ano são referenciais para o entendimento do cenário e dos atores da capital baiana que se relacionam à Copa de 2014. Dentre essas, a
criação do Observatório da Copa, no âmbito do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura da UFBA, que abraça o desafio da difusão de notícias e
análise do processo em andamento, assim como busca constituir uma rede entre pesquisadores da área.
Organizações da sociedade civil com tradição na defesa pelo direito à cidade e cidadania foram atuantes e presentes durante o processo: Vozes da Cidade,
Instituto Ethos e, mais recentemente, o Passe Livre. Apesar de não surgir como ação popular relacionada diretamente com a Copa, o movimento Desocupa assumiu o
centro das ações de resistência no ano de 2012, conseguindo grande mobilização popular. Esse movimento conseguiu que a aprovação da Louos da Copa e do PDDU
da Copa seja declarada inconstitucional. O Desocupa surge, originalmente, como protesto contra a construção de um camarote privado em área pública para o
Carnaval de Salvador, sem apresentar uma estrutura hierárquica clara. Apesar de não apresentar uma pauta própria, fechada e definida, gradativamente incorpora
diversas questões urbanas que têm como pano de fundo os processos de privatização dos espaços e recursos públicos e da exclusão na cidade. Com isso, abraça as
causas emergentes, pontuais e fragilizadas que, apesar de não resultarem diretamente das obras da Copa, implicam processos de expulsão dos mais pobres da cidade
consolidada. Esses processos são implementados conjuntamente com as transformações “impostas” pela Copa de 2014: Largo 2 de Julho, Linha Viva, Ladeira da
Preguiça e Quilombo Rio dos Macacos são alguns grupos apoiados pelo Desocupa. Além da capacidade de mobilização e da presente atuação nas redes sociais, com a
consequente articulação criada, o Desocupa, recorreu às instâncias jurídicas como forma de barrar a efetivação das legislações da Copa em Salvador. O humor
também foi aliado de luta: a Pipoca16, indignada antes do Carnaval, já incorporada na agenda dos soteropolitanos, traz às ruas do circuito Barra–Ondina os protestos
e reivindicações.
No contexto local, os protestos das baianas de acarajé como resistência à proibição de trabalharem na área de exclusão ganham o amplo apoio popular e
extrapolam os limites territoriais do estado, passando a compor a campanha nacional “#copapraquem?”.
Fonte: Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa – ANCOP
Seguindo o momento de convergência política possibilitada pelo megaevento, outras ações de expulsão de comunidades, no tecido consolidado da cidade, ganham
fôlego, como o dos moradores do centro histórico, da Chácara Santo Antônio e da Gamboa, assim como o Movimento de Moradores de Rua, que clamam por proteção
contra os processos perversos de expulsão em andamento. A visita da relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) a Salvador, ocorrida nos dias 20 e 21 de
fevereiro de 2014, participando do Encontro por Moradia Adequada17, soma-se às estratégias adotadas pelos movimentos sociais, que sofrem atualmente a real
ameaça de expulsão. Nessa ocasião, foram visitados o Quilombo Rio dos Macacos, a Ocupação Quilombo Paraíso/MSTB, Saramandaia (Linha Viva) e a Chácara Santo
Antônio (centro antigo).
Sem uma relação direta com as obras da Copa de 2014, mais uma vez, os movimentos por moradia no centro histórico, a Chácara Santo Antônio, a Gamboa, o
Quilombo dos Macacos, Saramandaia (Linha Viva), 2 de Julho, Ladeira da Preguiça, entre outras áreas, representam comunidades com reais risco de expulsão. Essas
são comunidades localizadas no centro antigo de Salvador, que abriga bairros do centro histórico, próximo à Arena e ponto turístico “obrigatório” para os visitantes
da cidade. A única obra de maior impacto prevista nessa área, além da arena e do entorno imediato, era a construção de uma passarela, que não foi implementada.
No entanto, no ano de 2011, o Escritório de Referência do Centro Antigo lançou a proposta de um fundo imobiliário para os imóveis dessa região, seguindo os moldes
do que foi implementado no Porto Maravilha do Rio de Janeiro. Essa proposta constitui, portanto, o marco de uma nova onda dos históricos conflitos na área central
antiga de Salvador.
Esse panorama dá mostras das dificuldades enfrentadas pelos atuais movimentos sociais urbanos em Salvador frente aos projetos de reconfiguração da cidade
justificados pelo megaevento, que encontram, na Copa de 2014, condição favorável para implantação.
Divergentemente do contexto do Rio de Janeiro – que já passou por experiência semelhante com as obras do Pan-Americano de 2007 –, há especificidades locais,
marcadas pela demora no início das obras, silêncio inicial das instâncias jurídicas locais, número menor de grupos atingidos, algumas divergências e disputas
históricas entre esses grupos e dificuldades de articulação e ação conjunta. A essas especificidades, somam-se as estratégias de inteligibilidade da violência simbólica
e efetiva, além do potencial do futebol como unidade nacional, constituindo um campo que favorece o estreitamento dos canais de participação e a manipulação para
a pacificação dos conflitos, cujo resultado é o esgarçamento das instâncias regulatórias da sociedade civil como último limitador aos projetos corporativos de cidade
em desenvolvimento.
Considerações finais
As obras da Copa em Salvador tornaram-se, então, expressão do modelo democrático vigente, explicitando as ações e contra-ações desses agentes em luta. Os
espaços físicos e de construções simbólicas são instâncias desses conflitos, interferindo, decididamente, no exercício da cidadania num momento de inflexão das
práticas participativas historicamente conquistadas – quer pela interferência e imposição de agentes econômicos internacionais (nesse caso, representados pela
FIFA), quer pelo deslocamento das instâncias decisórias centralizadas, ou aparentemente centralizadas, no âmbito federal, ou, ainda, pela liquidação das arenas de
participação mais ampla.
Esse deslocamento do poder é real, mas também permeia o campo daquilo que Bourdieu (1989) chama de “violência simbólica”,18 contribuindo, decididamente,
para a anulação das forças locais resistentes aos interesses econômicos em jogo. É nesse cenário que a preparação de Salvador para a Copa de 2014 se insere. Ele
significa, na prática, o enfraquecimento da participação local, debilitando, portanto as últimas instâncias reguladoras e limitadoras ao avanço daquilo que Harvey
(2009) denomina de “incorporação reguladora”.
Em lugar da “crise de realização” (BRANDÃO, 1979), constata-se a realização como enfrentamento da crise, de modo a justificar os investimentos públicos e
amenizar os conflitos, o que reforça a ideia de oportunidade associada aos megaeventos. Essa construção simbólica oculta os processos que, gradativamente, tornam
privados os bens públicos. A oportunidade, a possibilidade de transformação da realidade e a grandeza do país são associadas à paixão nacional – o futebol –,
constituindo um lastro imagético determinante da implementação de uma nova governança urbana para uma cidade empreendedora, pacificada pelas mensagens,
pela festa, pelo silêncio e, mais recentemente, pela violência. Os conflitos intrínsecos a esse processo são marcados pelo estreitamento dos canais participativos e
pela soberania dos compromissos econômicos internacionalmente firmados sob a influência do executivo nacional e pelos arranjos econômicos locais.
A Copa inaugura um novo contexto: altera significativamente a articulação política entre as instâncias representativas locais, estaduais e nacionais, por influência
de agentes financeiros internacionais e locais, impondo, por fim, o estreitamento dos canais participativos da população. Esse panorama, marcado pela violência
estatal – simbólica ou demonstrada pelo seu poder de polícia – e pela redução dos canais participativos, evidencia a incipiente ressiginificação da ideia de
participação.
A recente história urbana de Salvador permite-nos questionar: se, na década de 1980, assistimos ao desmonte da máquina estatal por sua “inoperância”, os
processos recentes no Brasil apresentam, de forma não explícita, o desmonte das instâncias institucionais de participação popular nos processos decisórios para as
cidades e a criação de outras instâncias decisórias, cada vez mais descoladas e descompromissadas com as agendas locais? Não estamos tratando apenas da
instrumentalização das esferas participativas, mas do desmonte do direito à cidade, com argumentos que relacionam a democracia e a participação à inoperância do
Estado e pelo tempo demandado para o estabelecimento de pactos legítimos entre os atores envolvidos versus o tempo do evento, ou seja, o tempo do capital
financeiro. Em que medida a afirmação do secretário geral da FIFA – “menos democracia às vezes é melhor para se organizar uma Copa do Mundo” (EXCESSO...,
2014) − sintetiza os processos implementados pela e para a Copa de 2014 como paradigma de uma “nova” governança? Como se construirá o pós-Copa? É uma
questão que se coloca como incógnita nas novas arenas que despontam e com as recorrentes manifestações nas ruas das cidades brasileiras.
Referências
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Os organismos internacionais, que sempre serviram às grandes potencias, estão em baixa. A Organização
das Nações Unidas (ONU) não tem autoridade para nada. Sua força de paz, os capacetes azuis, é expulsa ou
executada na África. O Fundo Monetário Internacional (FMI), além de inócuo, pede fiado ao Brasil, e a
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) não consegue evitar a proliferação atômica nos países
nanicos, enquanto Obama pede a Lula para convencer os iranianos a fazerem o dever da AIEA.
Nesse quadro, é surpreendente a força da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), que nunca
fez nada pelo futebol amador ou educação esportiva. Exigir que a África do Sul construísse cinco mega-arenas,
quando se sabe que a crise que ameaça o euro e o mundo se deve, em grande parte, aos gastos
extraordinários da Grécia nas Olimpíadas de 2004, é um absurdo. Pior ainda é admitir que o Brasil,
pentacampeão e com a melhor infraestrutura de futebol do mundo, aceite construir ou reformar 12 estádios
no estilo jokey club, com áreas para cartolas, museus, camarotes, restaurantes finos, estacionamento, escadas
rolantes, e ingresso de US$ 40,00.
Numa época de TV de alta definição e 3D, é discutível a capacidade desses eventos de atrair milhares de
turistas, como ocorre na Europa dotada de trens a autopistas velozes e hotelaria de ponta. A pouca afluência à
Copa sul-africana parece desmentir essa premissa. Cerca de 40 mil torcedores em uma semana não vão fazer
nenhuma diferença a Salvador, acostumada a receber 600 mil foliões no Carnaval. Mas a Copa pode ser um
pretexto para arrancar dinheiro do governo federal e implementar melhorias urbanas. E aí varia muito o
tratamento dado ao tema por cada cidade. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba não
aceitaram fazer novos estádios, senão reformar os existentes. As sete cidades restantes, de menor peso
político, capitularam as exigências da FIFA e vão bancar arenas novas.
Salvador é uma delas, preferindo desembolsar R$ 1,6 bilhões nos próximos 15 anos para construir e gerir
uma arena em vez de reciclar a Fonte Nova a um custo de R$ 150 milhões (A Tarde, 30 de janeiro de 2010).
Além do mais, demolir e reconstruir um estádio naquela área pode trazer muitas surpresas: por estar sobre
um antigo lago, ser parte do entorno do Dique do Tororó, do Desterro e da Casa de Anfrísia Santiago,
tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artistíco Nacional (IPHAN), por sua história ligada ao
futebol, à natação e ao atletismo e por não sabermos o que fazer com o entulho. Ao contrário do time de
futebol Vitória, que aproveitou um lixão para construir o Barradão, estaríamos demolindo a Fonte Nova para
criar um lixão.
Dezessete das mais representativas entidades profissionais, ambientalistas e sociais baianas, entre as quais
o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA/BA), o Institutos de Arquitetos do Brasil
(IAB/BA), o Sindicato dos Engenheiros (Senge), o Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (Germem) e a
Federação das Associações de Bairros de Salvador (FABS), enviaram ao governador, no último dia 18, um
posicionamento, que, entre outras coisas, afirma:
1) Não cabe a destruição de um complexo olímpico composto de estádio, ginásio e piscina para
substituí-lo por uma arena exclusiva para futebol justamente no momento em que o Brasil se prepara
para sediar, pela primeira vez, os Jogos Olímpicos [...]
2) A estrutura principal [...] atualmente existente do estádio é perfeitamente aproveitável, como
afirmou o especialista em estruturas Eng. João Leite, no I Debate da Copa 2014, realizado no Crea-
BA em 2009. A execução de novas fundações terá um alto custo, visto que a Fonte Nova está
apoiada, em boa parte, em área embrejada [...]
3) Até o momento, não está claro como se dará a demolição e a posterior retirada dos milhares de
toneladas de escombros resultantes da demolição [...]”
Temendo a não conclusão das obras a tempo e transferência dos jogos para outra cidade, o posicionamento
sugere a paralisação da demolição e início da recuperação do atual estádio:
“Reconhece-se que implementar as propostas aqui elencadas não se constitui em tarefa fácil por exigir uma
profunda mudança de rumo. Porém ainda há tempo e, certamente, a população baiana saberá reconhecer esse
gesto do governo do estado em favor do cuidado com a coisa pública, especialmente avaliando o quanto do
orçamento do Estado se vai comprometer para esta e para as gestões futuras e, sobretudo, o quanto de
retorno social será garantido pelos recursos aplicados.”
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 6 de junho de 2010.
Está errado demolir a Fonte Nova
Ana Fernandes
Arquiteta, profa. PPGAU/FAUFBA
Argumentos de toda ordem têm sido levantados por diversos autores e entidades para mostrar que a
demolição da Fonte Nova é inadequada e descabida enquanto decisão de política pública para Salvador e para
a Bahia em geral. Projeto equivocado, produção desmesurada de lixo, desperdício de recursos públicos,
comprometimento severo do tesouro estadual, afronta ao patrimônio histórico, cultural e ambiental e
incompatibilidade do tipo de espaço proposto com o cotidiano social e esportivo da cidade são apenas alguns
dos vários questionamentos já aventados. Ou seja, para usar o jargão atual, o programa que ali se propõe
construir é insustentável, com redução drástica da utilização esportiva do estádio, substituindo um complexo
olímpico por uma arena de luxo.
Vale lembrar o contexto no qual a Fonte Nova foi concebida. Num dossiê do início dos anos 40, intitulado
Praça de Esportes da Bahia − Sugestões para a Organização do Departamento Estadual de Educação Física,
Mário Leal Ferreira, reconhecido por seu importante trabalho frente ao Escritório do Plano de Urbanismo da
Cidade do Salvador (Epucs)1, assim escreve: “As obras do Estádio em construção na capital da Bahia fazem
parte de um conjunto de instalações destinadas ao desenvolvimento do programa de atividades educacionais a
ser posto em prática por um novo órgão do governo, que será criado no devido tempo, sob a denominação de
Departamento Estadual de Educação Física”. Continua ele: “[o projeto], com a firme determinação de
assegurar, à educação física e à prática dos esportes, legítimas características cívico-sociais, visará o
desenvolvimento harmonioso das qualidades físicas, morais e intelectuais do indivíduo, – penhor de alegria,
felicidade e eficiência, na paz, e de intrepidez e fortaleza de ânimo, nas grandes emergências. Procurará,
assim, associar, intimamente, a recreação do espírito ao exercício do corpo, de modo a interessar indivíduos
de todas as idades, condições sociais e educação, despertando neles o elevado e comum anseio de uma vida
mais forte e digna de ser vivida.”
Embora bastante focados também em ideais de eugenia, que serão correta e severamente criticados nas
décadas seguintes, há de se destacar três valiosos pontos nessa proposta. Primeiro, ela insere o esporte na
política de educação, integrando-o à política de desenvolvimento do estado. Segundo, é universalista e busca
atingir toda a população. Terceiro, introduz valores imateriais na condução da coisa pública, como alegria,
felicidade, intrepidez. Dessa política resultou uma feliz resolução plástica do estádio, particularmente em
termos de sua integração à paisagem. União de espírito público com modernidade de pertencimento e sintonia
com o mundo.
Quais as justificativas que vêm sendo divulgadas para a demolição da Fonte Nova? Exigências da
Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA), a criação de centro de negócios, construção de
shopping center, centro empresarial, camarotes, salas e acessos vip, estacionamentos a granel e arena
monofuncional. Rigorosamente, um programa de obras que, nesse caso, nada tem a ver com o esboço de uma
política pública para os esportes e para o desenvolvimento da Bahia.
A Copa pode também ser acolhida em Salvador e, com ela, seu suposto corolário de investimentos com a
recuperação da Fonte Nova, em vez de sua demolição. O plano de negócios e de compromissos certamente
poderá ser refeito, tendo em vista o que está em vias de acontecer em outras cidades e o propalado
compromisso social e público das empresas envolvidas, como recorrentemente explicitado em colunas
semanais desse mesmo prestigioso jornal.
Como educadora, resisto a utilizar o erro como classificação de propostas muitas vezes incongruentes dos
estudantes, dado que o erro é uma forma legítima de exploração do aprendizado e, muitas vezes, de criação.
No entanto, dado que, no presente caso, a experimentação é já a destruição, só me resta afirmar: está errado
demolir a Fonte Nova. E perguntar: que legado público – e não apenas privado – se quer deixar para a cidade
do Salvador e para a Bahia no pós-2014?
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 25 de junho de 2010.
1 O dossiê está depositado, junto com todo o acervo do Epucs, no Arquivo Histórico Municipal de Salvador.
BRT, VLT, metrô e a Copa
Todos sabem que nenhum turista irá direto para a Fonte Nova depois de 10 horas de voo. A ligação Acesso
Norte/Lauro de Freitas não servirá à Copa e sua evocação é apenas um artifício para obter dinheiro para
obras que se supõem mais úteis que a multimilionária arena. Ela em nada facilitará o trânsito de táxis entre o
aeroporto, os hotéis de Ondina e a Fonte Nova, rota de engarrafamentos e alagamentos. A questão, portanto,
não é a Copa, mas Salvador e a Região Metropolitana de Salvador (RMS).
Dentro dessa ótica, o sistema buscado não pode ser pensado só como resposta à demanda atual senão
como um instrumento de reestruturação da RMS. Para definir o modal da ligação Acesso Norte/Lauro de
Freitas, seria necessário conhecer as prioridades do desenvolvimento da RMS. Como o estado e a prefeitura
não têm essa resposta, a escolha será inevitavelmente improvisada. Mas algumas considerações de bom senso
podem ser úteis.
Diante do fiasco da primeira etapa do minimetrô de Salvador, qualquer sistema que se implante na Paralela
irá definir a mobilidade ou engarrafamento de toda a RMS para os nossos netos. Hoje, 81% da população da
RMS consome literalmente Salvador e enriquece outros municípios. Nisso reside o principal problema de
Salvador: sua pobreza, déficit fiscal, travamento, destruição do verde e preço inflacionado do solo, resultado
da falta completa de planejamento. Todos os equipamentos de educação, saúde, abastecimento, cultura e lazer
estão concentrados na capital. Para mudar esse quadro, é necessário reestruturar o território, a começar com
uma rede inteligente de transporte de massa.
A partir da década de 1960, Salvador tem duplicado de população a cada duas décadas. Ao manter-se esse
ritmo, dentro de 20 anos ela terá cerca de 5 milhões de habitantes e não poderá dispensar uma rede coletora
de metrô. Ideal seria, primeiro, estender a Linha 1 até Águas Claras, mas isso é, no momento, inviável, por ela
não ter o apelo da Copa. A “bola da vez” é implantar algum sistema de transporte mais eficiente que o
sucateado sistema de “buzus” entre o acesso Norte e Lauro de Freitas.
Transitam por aquela via, hoje, cerca de 1.500 ônibus e 250 mil automóveis. Como sempre, não existem
projetos. Para o poderoso lobby do Sindicato das Empresas de Transporte Público de Salvador (SETPS), esse
volume de tráfego não justifica um metrô. Mas o Bus Rapid Transit (BRT) proposto estaria em pouco tempo
saturado. Sua implantação provocaria enormes impactos ambientais, como a queima de mais diesel, o
asfaltamento de uma faixa de 14 metros do canteiro central da Paralela, destruindo a vegetação e
impermeabilizando o solo, além de sua incompatibilidade com o metrô.
Embora o sistema possa ter um rendimento razoável na Paralela, com ônibus de circulação expressa e
local, a velocidade final será ditada pelo gargalo da Bonocô, onde os ônibus circularão em fila indiana. Por
outro lado, a transformação do BRT em metrô é praticamente impossível, pois implicaria em paralisação do
sistema durante três anos para colocação de trilhos, provocando um caos urbano. Há também uma questão
cultural: o preconceito compreensível da classe média contra esse tipo de transporte e consequente aumento
da frota de automóveis.
A implantação imediata da Linha 2 do metrô não é tão onerosa e demorada como se apregoa, pois não
implicará em grandes obras de arte e desapropriações, e os trens já estão ai enferrujando. Não faz nenhum
sentido operar uma linha de metrô de 6 km. Estendida até Lauro de Freitas, ela teria uma extensão de 26 km
e sustentabilidade. Com os recursos já prometidos para a sua conclusão, se tocaria a Linha 1 até Águas
Claras, o que não ocorrerá tecnicamente em menos de três anos. O custo da Linha 2 não seria muito maior
que o das quatro faixas do BRT. Sintomaticamente, no procedimento de manifestação de interesse aberto pelo
estado/prefeitura, sem audiência da comunidade, cinco das sete propostas apresentadas são de Veículos sobre
Trilho (VLT) e apenas duas de BRT.
O VLT, de custo intermediário, também teria vida curta, mas tem o mérito de não poluir, nem
impermeabilizar o solo e poder ser convertido facilmente no futuro em metrô, desde que sua linha férrea já
seja feita para suportar os carros do metrô. Que venham os trilhos e ciclovias.
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 9 de junho de 2011.
Defender a cidade como bem comum
Ana Fernandes
Arquiteta, profa. PPGAU/FAUFBA
1 MATTEI, Ugo. Tornar inalienáveis os bens comuns. O Monde Diplomatique, dez. 2011.
E se chover?
Não sou do tempo do acendedor de lampiões de gás, mas ainda alcancei os guardas sanitários que
armavam ratoeiras nas casas para combater pragas e os garis com carrinho de mão e escumadeira em punho
limpando as bocas-de-lobo. Tudo isso desapareceu com o desmonte do estado e a privatização da cidade. Hoje,
a água e os ratos correm soltos pelo leito das ruas, acabando com a pavimentação e alagando os vales.
As bocas-de-lobo estão entupidas ou foram concretadas por seus vizinhos, já que suas redes viraram, em
grande parte, coletores de esgoto. Somado a isso, temos a crescente impermeabilização do solo, com garagens
de edifícios ocupando 100% do lote. O resultado são os frequentes alagamentos da cidade e a buraqueira
sazonal que criou o lucrativo negócio de recapeamento das vias à custa de trocarmos áreas verdes pela ganga
petrolífera da Petrobrás. Em muitos pontos, o recapeamento ultrapassa o passeio.
Um deficiente sistema de recolhimento de lixo e obras públicas sem nenhuma tecnicidade pioram
dramaticamente a situação de drenagem da nossa cidade. Um exemplo paradigmático é a estrada de rodagem
com escape a apenas cada 4 km, apelidada de Avenida Paralela, que represou os rios que corriam para a Orla
do Atlântico, formando pequenas lagoas hoje contaminadas por conjuntos habitacionais em sua volta.
É incrível que isso ocorra em uma cidade muito fácil de ser drenada. Não somos uma cidade plana e
cortada por grandes rios, com imensas bacias de captação a montante, como Manaus, São Paulo e Recife.
Possuímos desníveis de 60 metros que permitiriam captar a água no alto e desviá-la por gravidade facilmente
para uma das suas três frentes marítimas.
Há três semanas, Salvador voltou a ser alagada provocando um caos no tráfego. Os remendos acabam
sendo piores que o soneto como a inversão de fluxo de vários rios urbanos. Vistosas placas dos governos
federal, estadual e municipal na Avenida Vasco da Gama anunciam as obras de macrodrenagem do Rio Lucaia.
Na verdade, aquela é uma obra para implantação de um Bus Rapid Transit (BRT) que irá cruzar em viaduto o
que restou do Dique do Tororó para chegar à Estação da Lapa. Mas isso implica, também, na morte e
sepultamento de mais um rio urbano, pois não há como o Sol e o oxigênio entrarem na galeria subterrânea
que está por debaixo do BRT.
Como praticamente não existe rede de esgoto nas encostas da Vasco da Gama e as redes de aguas pluviais
que correm para essa galeria estão contaminadas de esgotos, óleo e graxa das oficinas, postos de gasolina e
lixo daquela avenida, toda essa porcaria vai parar no Rio Vermelho, onde estão uma colônia de pescadores, os
mais luxuosos hotéis da cidade e a praia da Mariquita, que é utilizada pelos moradores locais. Quanto custa
isso à economia urbana de Salvador? O correto seria separar e completar a rede de esgoto da de águas
pluviais antes de ligá-la ao Rio Lucaia saneado.
Obras semelhantes feitas nas avenidas Antônio Carlos Magalhães (ACM), Centenário e Imbuí não evitaram
os alagamentos da cidade e o travamento do tráfego. O que poderá ocorrer durante a Copa das Confederações
e a Copa do Mundo se chover, considerando que elas ocorrerão em períodos que coincidem com a estação
chuvosa? Não iremos ter metrô, e nem este e o BRT estão a salvo dos alagamentos. Declarar feriado só não
basta. São Pedro não tira férias. Qual será o legado dessa festa para a cidade que nós pagamos mas a
Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) fica com o lucro?
A Copa seria um grande pretexto para replanejarmos nossas cidades, mas não como está sendo preparada.
Não é possível que um país que sedia a Rio+20 e tem a mais limpa matriz de produção energética do mundo
possa destruir 12 estádios para refazê-los nos mesmos locais e com a mesma tecnologia ultrapassada,
atendendo a um capricho da FIFA. Precisamos repensar as cidades em função da sua população.
Nossas cidades estão parando por falta de transporte de massa e pelo pavor dos que não comem, nem
consomem, mas se drogam e matam. A ordem, hoje, não é mais aumentar a produção e o descarte sem limite,
é representada por quatro Rs: redistribuir, reduzir o consumo, reutilizar e reciclar.
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 17 de junho de 2012.
Pão e circo já não bastam
“A gente não quer só comida/ a gente não quer só dinheiro/ a gente quer dinheiro/ e felicidade/ a gente
quer inteiro/ e não pela metade [...]” (Os Titãs). Esse é o recado dos jovens de todo o país nessa semana de
protestos, como não se via desde a queda de Collor. É sintomático que seu estopim tenha sido a mobilidade,
um direito fundamental. Mas o que está subjacente é a falta de participação, a violência, os maus serviços, “a
corrupção e o uso indevido do dinheiro público”, nas palavras de Dilma. E os alvos são claros: os palácios
governamentais e as arenas da nebulosa Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA). Um recado
para todo o mundo. As arenas já não bastam, mesmo quando abunda o pão azedo do consumo.
Esta semana foi muito dura em Salvador. Além dos protestos, as chuvas voltaram a castigar, causando
mortes e infartando a cidade. Abandonada ao “deixa como está, para ver como é que fica”, há pelo menos
meio século, a cidade carece de tudo: sistema de drenagem, contenção de encostas, pistas refratarias às
chuvas e sistema de transporte eficiente. Já disse nessa coluna que o metrô não é tudo e ele ainda vai demorar
alguns anos.
A melhoria da mobilidade na nossa cidade depende de três fatores: infraestrutura adequada, gestão urbana
compartilhada e uma nova cultura de mobilidade. Para arrancar esse “trem” da inércia, é necessário dinheiro,
coragem e algum tempo. Dinheiro para investir em sistemas de drenagem e galerias de redes de serviços,
evitando as valas abertas nas ruas, para pôr em funcionamento metrôs, Veículo Leve sobre Trilho (VLT) e
ônibus em calhas e, também, para dotar as vias de sub-base de concreto, acabando com as meias-solas
sazonais. Se o estado quer participar, seria melhor investir nesses itens em vez de viadutos, que só servem
para engordar as empreiteiras e espalhar os engarrafamentos.
Coragem para enfrentar os cartéis, para compatibilizar o uso do solo com a capacidade das vias, para
exigir o recolhimento de lixo desde as periferias, para a criação de um sistema integrado de transporte,
incluindo metrô, ferryboats, ônibus, táxis, ciclovias, ascensores, passarelas e calçadas. Nesse sentido, o
acordo entre estado e prefeitura para compartilhar metrô e ônibus é positivo.
Tempo não só para realizar as obras, como para mudar os valores e comportamentos da nossa classe
média, inclusive emergente, com relação ao carro. Mas 10 medidas simples podem começar a mover este
“trem” muito antes de seus trilhos chegarem a Cajazeiras e a Lauro de Freitas. São medidas de caráter
administrativo, que não custam dinheiro, senão coragem.
A primeira delas é criar faixas monitoradas para ônibus, táxis e motos. A segunda é regulamentar o
transporte de cargas, segurando os caminhões pesados em Porto Seco-Pirajá e fixando horários para a entrega
de cargas em furgões. Terceiro, qualificando a frota de ônibus com veículos de piso baixo e ar-condicionado.
Quarto, acabando com os itinerários labirínticos de ônibus e estabelecendo o bilhete integrado, válido por uma
hora.
Quinto, criando ciclovias nas avenidas de vale e bicicletários nos terminais de transporte para os 30% da
população que hoje se deslocam a pé por não ter como pagar passagens. Sexto, recriando os estacionamentos
periféricos servidos por vans circulares. Sétimo, colocando os táxis para rodar, como nas cidades
desenvolvidas, em vez de ficarem esperando os passageiros nos pontos. Oitavo, proibindo as filas de carros
nas entradas de clínicas, shoppings, universidades e escolas. Nono, criando algumas áreas de circulação
restrita de veículos. Décimo, limitando e taxando as vagas de carros nos novos condomínios.
E o metrô? Sem discussão, ele vai ser um trenzinho suburbano barulhento, correndo entre muros e cercas
com a adaptação fajuta de um projeto carimbado de Bus Rapit Transit (BRT) em metrô. Se fosse um subway
em trincheira, como em Brasília, não seriam necessários viadutos e não se destruiria o verde e a paisagem. O
povo não quer mais viadutos e pontes. Há multidões de titãs nas ruas clamando: “a gente não quer só comida/
a gente quer a vida/ como a vida quer”.
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 23 de junho de 2013.
Saramandaia existe
Ana Fernandes
Arquiteta, prof. PPGAU/FAUFBA
“É verdade que nossa cidade vai sair daqui?” pergunta, apreensiva, Vitória, nome fictício de uma menina
de 8 anos, em oficina de construção de um plano de bairro para Saramandaia, realizado pela sua Rede de
Associações e pelo grupo de pesquisa Lugar Comum da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da
Bahia (FAUFBA). Vitória expressa a tensão de muitas famílias que se encontram sob a linha da Companhia
Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) e nas redondezas do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN),
alvo de decreto de desapropriação da Prefeitura de Salvador em 2010 e 2012.
O objeto do decreto é a construção da polêmica Linha Viva, retomada pela atual prefeitura, segundo o
jornal A Tarde de 16 de junho de 2013. Via expressa pedagiada, sob a faixa de domínio da CHESF, ela liga a
Rótula do Abacaxi à CIA-Aeroporto, com extensão de 17,7 km e três faixas de tráfego por sentido, exclusiva
para carros: transporte coletivo e talvez bicicletas não poderão ali circular. O custo estimado é de R$ 1,5
bilhão, a ser financiado em regime de Parcerias Público-Privadas (PPPs) e concessão pelo prazo de 35 anos.1
Críticas de toda ordem são feitas ao projeto. Vou me deter em três de seus aspectos: a forma pontual com
que soluções de mobilidade continuam a ser pensadas para a cidade; a utilização equivocada do patrimônio
ambiental; e o descaso com as áreas habitadas por ele impactadas.
A Linha Viva pretende ser uma alternativa ao tráfego da Paralela, avenida já saturada pelas regras de uso
do solo ali praticadas e pela insuficiência aguda da política pública de transportes. A retomada do projeto se
ancora num equívoco que todas as grandes cidades mundiais buscam atualmente evitar: o privilégio do
transporte motorizado individual, com produção de novos tipos de vias segregadas – e, no caso, pedagiadas –,
de caráter meramente funcional e monomodal, desconectadas da cidade ao redor. Embora se possa
argumentar que 10 acessos de pedágio são propostos no projeto, eles estão muito distantes da possibilidade
de constituir a capilaridade urbana necessária a Salvador para driblar a atual concentração do fluxo em
apenas grandes canais de tráfego. Assim, cerca de 464 hectares de área, em sua maioria públicos – cedidos à
CHESF –, integram o decreto de desapropriação. Algo como sete bairros do tamanho da Barra dedicados
unicamente a uma solução superada de mobilidade.
O projeto atinge, ainda, uma das últimas reservas ambientais da nossa cidade. Ele corta ao meio a área de
200 hectares de vegetação nativa do 19º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro (BC) e a represa do
Cascão. Devasta diversas reservas verdes e hortas urbanas, patrimônio sobre o qual zelam as cidades
inteligentes, pelo seu papel ambiental, social e educativo.
Mas os espaços habitados atingidos pela proposta da via são o seu aspecto mais dramático. São muitas
comunidades e bairros afetados, sem que o projeto disponibilizado minimamente a eles se refira em termos de
adequação ou de políticas compensatórias a serem implementadas.
No caso do bairro de Saramandaia, apesar de o projeto da Linha Viva reconhecer que ali existe intensa vida
urbana, nada é aventado como política para a área, só a desapropriação. Com dados desatualizados, o projeto
afirma que apenas 5% da área será afetada. Mas o que fazer com os cerca de 3 mil moradores que podem vir,
de fato, a ser removidos em função do projeto? Quais os custos dessa remoção, considerando o alto valor da
terra urbana ali localizada? Onde serão relocadas essas pessoas, atendendo aos parâmetros do Estatuto da
Cidade? Até o momento, nenhum contato com moradores ou lideranças comunitárias foi feito para apresentar
e discutir o projeto.
É necessário aprofundar a democracia e o compromisso público de governantes, entendendo que a
abstração de projetos e percentuais esconde Vitórias, Claudsons, Damianas, sujeitos que fazem a cidade e que
nela devem ter seu lugar garantido. Saramandaia existe. O clamor estridente por direitos urbanos está nas
ruas.
Em vez da Linha Viva, vamos resolver o problema da mobilidade em Salvador com uma enxurrada de
transporte público? Vamos enterrar a linha de transmissão da CHESF, urbanizar as áreas ocupadas e
conquistar um grande e vital parque linear para nossa combalida e bela cidade? Salvador, seus moradores e
visitantes merecem.
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 25 de junho de 2013.
1 PITOMBO, João Pedro. De Olho em 2014, Wagner e Neto abrem temporada de grandes obras. A Tarde, Salvador, p. B 3.
Falta de transparência e judicialização
Angelo Serpa
Prof. titular de geografia, POSGEO/UFBA e PPGAU/UFBA
O Instituto Ethos avaliou os canais de informação e participação dos governos municipais e estaduais para
as cidades-sede do Mundial a partir de seus indicadores de transparência e classificou Salvador no nível
“muito baixo”. Na pesquisa divulgada em 2012, a capital baiana aparecia entre as cidades pior avaliadas, com
14,46 pontos numa escala de 0 a 100. Uma lei federal de 2011 dispõe sobre o acesso à informação pública,
mas só recentemente foi regulamentada no município. E a falta de transparência inviabiliza a participação
popular nos processos de planejamento e gestão da cidade.
Ressalta-se que a Lei nº 10.257, de 2001, mais conhecida como Estatuto da Cidade, estabelece em seu
artigo 2º a obrigatoriedade da participação popular nas etapas de formulação, execução e acompanhamento
de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (BRASIL, 2001). E, também, que o julgamento −
ocorrido em outubro de 2013 −, pelo pleno do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), da ação de
inconstitucionalidade movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), que contestava a Lei de Ordenamento
do Uso e da Ocupação do Solo (Louos) e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador,
ambos aprovados em 2011 pela Câmara Municipal, decidiu pela inconstitucionalidade dos instrumentos. O
MPE norteou sua ação pela ausência de realização de audiências públicas para debater os projetos, o que
caracterizaria aprovação das leis sem participação popular.
Com a mudança de comando na prefeitura, o novo governo apresentou pedido de modulação em relação ao
PDDU e à Louos, com o objetivo de flexibilizar e garantir a efetividade provisória de determinados pontos das
leis. Mas a mesma sessão do TJ-BA também não considerou e deixou de fora da modulação os pedidos de
elevação do gabarito em determinados trechos da orla para construção de hotéis para a Copa do Mundo, bem
como para empreendimentos em torno da Fonte Nova e em corredores viários importantes na cidade.
Nesse contexto tão adverso à participação e ao acesso à informação, não causam espanto os últimos
acontecimentos. Em uma mesma semana de fevereiro, o TJ-BA confirmou as proibições em relação aos
aumentos de gabarito solicitados, embora tenha acatado três itens do pedido (entre os quais, a aprovação da
Linha Viva é, sem dúvida, o mais polêmico). Com isso, ficam mantidos o PDDU de 2008 e a Louos de 1984, até
a aprovação de novas regras legislativas. Nesse interim, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Bahia
entrou com uma ação de inconstitucionalidade no TJ-BA contra o reajuste do Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU). A prefeitura tentou evitar a judicialização, clamando por diálogo e negociação e traçando um
cenário de sombras caso se concretize uma eventual decisão contrária ao reajuste do IPTU “que poderá
paralisar a cidade”.
Em Salvador, onde na prática inexistem conselhos municipais de meio ambiente e desenvolvimento urbano,
em que só às vésperas da abertura de nova licitação para linhas de ônibus tenha sido instalado o conselho
municipal de transportes e, ainda, uma simples consulta aos sites da prefeitura mostra a precariedade ou a
ausência de informações de interesse de seus cidadãos, não parece razoável falar de diálogo para evitar a
(legítima) judicialização. Assim como o Estatuto da Cidade, os conselhos municipais são inovações
institucionais que por si mesmos não garantem maior participação, mas podem estabelecer estruturas mais
horizontais para a discussão pública de uma nova Louos e de um novo PDDU para Salvador. Em vez de falar
que os novos documentos legislativos estarão “sob o guarda-chuva do programa Salvador 500” (que ninguém,
aliás, imagina o que seja), a prefeitura deveria estar engajada, de modo transparente e claro, na
institucionalização de conselhos representativos e de caráter deliberativo na cidade.
A judicialização das questões soteropolitanas é, portanto, consequência de práticas verticais de governo,
que inviabilizam o acesso às informações de interesse público e a participação popular no cotidiano da
administração municipal.
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 28 de fevereiro de 2014.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes
gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 2001. Disponível em:
<http://www010.dataprev.gov.br/sislex/ paginas/42/2001/10257.htm>. Acesso em: 10 fev. 2014.
Legado da Copa e padrão FIFA
Durante muito tempo, a propaganda oficial do governo falava do legado da Copa. Esse discurso mudou
para obras padrão Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA). Quanto ao legado, na quase
totalidade das 12 cidades onde serão realizados jogos, a Copa deixará apenas a reconstrução de estádios, que
poderiam ser reformados por um terço do custo de novos, estes com menor capacidade que os antigos. É
lamentável termos perdido a oportunidade de direcionar a cidade para outros rumos, diminuindo sua
congestão. Só Pernambuco soube fazer isso, porque tem planejamento.
Se para cada espectador da arena vierem mais dois acompanhantes, teremos, no máximo, 150 mil pessoas
ou um quarto das que vêm anualmente ao Carnaval da Bahia. Em Salvador, nem metrô, nem Veículo Leve
sobre Trilho (VLT) ou Bus Rapid Transit (BRT), nem mesmo a renovação dos velhos hotéis. Os R$ 400 milhões
de financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) para melhoria urbana foram repassados
integralmente para a concessionária Fonte Nova Negócios e Participações (FNP). Recursos praticamente
doados, pois, com garantia do governo federal. Pela construção e gestão do estádio, por 15 anos a FNP irá
receber R$ 1,6 bilhões e mais 25.000 metros quadrados de terreno no centro da cidade para construção de
shopping e escritórios.
Afinal, qual é o saldo dessa Copa? Perdemos um complexo esportivo com duas grandes piscinas, pistas de
atletismo e um ginásio de esportes. Perderam os times, em especial o Bahia, que terá que dividir a bilheteria e
os direitos de transmissão com o novo dono do estádio. Perdeu a Bahia ao ter a homenagem a um dos seus
maiores filhos, Otávio Mangabeira, transferida para uma cervejeira de Alagoinhas.
Imaginem o Maracanã ser reduzido à Arena Schin, ou o estádio Mané Garrincha ser transformado em
Arena Pitu ou 51. Perdeu o torcedor, que teve o seu estádio com a capacidade reduzida a quase a metade e os
ingressos aumentados em proporção inversa. Perdeu, também, por não mais poder escolher o que beber e
comer. A publicidade não é mais sugestiva ou subliminar, é compulsória.
Quanto ao padrão de qualidade FIFA, é preciso analisar a construção dos estádios. A quase totalidade deles
foram projetados por arquitetos indicados pela FIFA, com coberturas da RFR Stuttgart. Deixemos de parte os
prazos e orçamentos estourados. O nosso, projetado pelo Arq. Marc Duwe, tem erros elementares, como a não
articulação do estádio com o metrô vizinho e sua saída principal em escadaria, despejando diretamente na
pista de uma das vias mais velozes da cidade. Para alojar as bilheterias e portarias de entradas, foi
improvisado um colar de barraquinhas de lona em volta ao estádio. Embora bonito por fora, imitando o antigo,
o acabamento de seu interior é de terceiro mundo.
Esse padrão estaria ligado à transparência. A pergunta é: para onde vão os direitos de transmissão de TV,
bilheterias, patrocínios e merchandising que a FIFA arrecada sem investir um centavo? A FIFA não faz nada
pelo futebol amador e pela educação esportiva. Ainda que por acaso, a sede da associação está na Suíça, onde
as contas são sigilosas. Sobre a FIFA, é preciso ler o livro de Andrew Jennings, publicado na Inglaterra em
2006, cujo título em português seria “O mundo secreto da FIFA: subornos, manipulação de votações e
escândalos de bilheterias”. Ao livro, se seguiram outras denúncias apontadas no parlamento inglês e na
British Broadcasting Corporation (BBC).
Uma delas é que três membros do conselho da FIFA, incluindo Ricardo Teixeira, teriam recebido suborno
para escolherem o Qatar como sede da Copa de 2022, um país com a metade da população de Salvador, com
temperaturas acima de 40ºC e sem futebol.
João Havelange, presidente da FIFA durante 24 anos, teve que renunciar em 2013 a presidência de honra
da FIFA para não ser julgado pelo seu conselho de ética e justiça da Suíça1. Seu sucessor, Joseph Blatter, está
no poder há 16 anos, numa administração nebulosa. O genro de Havelange, Ricardo Teixeira, presidente da
Confederação de Brasileira de Futebol (CBF) durante 23 anos, teve que renunciar em 2012, três anos antes do
prazo, e ir morar no exterior diante de reiteradas denúncias de corrupção e sonegação fiscal2. É esse o legado
ou o padrão FIFA?
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 16 de março de 2014.
Solange Araújo
Arquiteta, profa. FAUFBA e presidente IAB-BA
Trata-se da proposta da mudança na Lei de Licitações, que regula a contratação de obras públicas, cuja
revisão ora se encontra em tramitação no Congresso Nacional. Localmente, o Instituto dos Arquitetos do
Brasil (IAB) – Departamento da Bahia − tem levado a discussão ao Poder Público, em busca de um diálogo que
realmente garanta que as obras públicas urbanas atendam prioritariamente às exigências democráticas de
licitações isonômicas, como processo que eleve a qualidade do projeto e da produção de espaços públicos.
Explicando melhor, é indispensável prover a cidade de infraestrutura e de equipamentos que sejam
concebidos com vistas à qualificação dos espaços e à universalização dos serviços públicos. Além disso, os
espaços devem ser projetados e construídos em correspondência ao grau de desenvolvimento e da cultura
local e do país. Ainda com veemência, é também preciso que exista a garantia das escolhas por preços justos,
que não sirvam como instrumento para a corrupção.
É fato que a falta de um “projeto completo” no momento da licitação da obra contribui sobremaneira,
quando não é o principal fator, para a sua baixa qualidade e grandes irregularidades nos preços e prazos das
obras, em geral aumentando muito o investimento destinado à obra.
Muito pior é a Contratação Integrada, em que a licitação é feita a partir de um anteprojeto. Essa
modalidade foi instituída pela Lei 12.462/2011 − Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) −,
originalmente pensada para atender a obras de aeroportos, que na atualidade foi estendida para obras da
Copa do Mundo, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e agora o novo texto proposto pela relatora
Gleisi Hoffmann amplia enormemente a abrangência do RDC. Versão essa a ser examinada pelo plenário da
Câmara Federal e do Senado, que, pela forma como se encaminha, levará à extinção da Lei de Licitações sem
a devida discussão entre congressistas, nem por profissionais e cidadãos interessados na questão. Certamente
que a sociedade verá o resultado dessa facilitação nos contratos de obras, pelo poder público, através de
serviços incompletos e mal executados, a preços exorbitantes − pagos pela taxação tributária cada vez maior
aos cidadãos.
Não é preciso ser um gênio para afirmar que tamanha responsabilidade nas mãos de um único agente gera
uma transferência da responsabilidade governamental ao poder privado. Com isso, são feitos gastos
inadequados dos recursos públicos e, mais grave ainda, é que a ação de projeto é autoral, indivisível, e nas
suas etapas de desenvolvimento não devem ser contratados entes diferentes.
Outro ponto importante é que, ao se contratar um “projeto padrão” para equipamentos públicos, está sendo
totalmente banalizada e desconsiderada a cultura local, pois há a recorrente confusão entre “projeto padrão”
com “sistema construtivo padrão”. A realização de um Projeto Completo norteia a realização da obra, inclusive
caracterizando o espaço urbano de acordo com as suas necessidades reais e características regionais,
possibilitando um melhor uso pela população, seu fim maior.
Finalizando, a generalização e ampliação desse sistema de contratação, RDC, se contrapõe a qualquer
processo democrático e da garantia à transparência no uso dos recursos públicos. O IAB continua defendendo
o Concurso Público de Projetos como o melhor instrumento de contratação pela qualidade dos projetos, das
obras e dos custos, bem como para a qualificação do ambiente construído. Assim, inúmeras são as entidades
nacionais de Arquitetura e Urbanismo, assim como entidades de Engenharia e Agronomia, que recomendam
que na revisão da lei 8.666/93 passe-se a exigir que a licitação de obras públicas se dê somente a partir de
Projetos Completos; e que na revisão da lei 12.462/2011 (RDC) – que altera a Lei no 10.683, de 28 de maio de
2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, a legislação da Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac) e a legislação da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária
(Infraero), dentre outros, – exclua-se o sistema de “Contratação Integrada” para obras públicas urbanas, por
ser prejudicial ao interesse coletivo quanto à qualidade e ao custo das mesmas, bem como pelo atendimento
da transparência e do princípio de ética nos negócios públicos.
Texto ampliado do artigo publicado originalmente no jornal A Tarde,Salvador-BA, 10 de maio de 2014.
A eficácia da participação popular e o papel dos conselhos
Angelo Serpa
Prof. titular de geografia, POSGEO/UFBA e PPGAU/UFBA
Uma manchete do A Tarde destacou em março que “PDDU e Louos saem em 2015” (SANTOS, 2014). O
compromisso foi firmado pela prefeitura municipal no Seminário Salvador 500 anos, que reuniu especialistas
em desenvolvimento urbano em um hotel de luxo da cidade, com o objetivo de “elaborar o planejamento
urbano, social e econômico da cidade nos próximos 35 anos”. A expectativa do governo municipal é a de que o
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo
(Louos) sejam votados na câmara municipal ainda no primeiro semestre de 2015.
Para evitar a judicialização, afinal, ambos os instrumentos aprovados em 2011 pela câmara foram
decretados inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça da Bahia, a prefeitura enfatiza que a elaboração dos
projetos terá participação garantida da sociedade, para diagnosticar, projetar e debater a cidade que os
soteropolitanos desejam para as próximas décadas. Em um contexto institucional tão adverso, com pouca
transparência na disponibilização de informações de interesse social e com conselhos municipais inexistentes
ou inoperantes, pergunta-se: que modelo de participação será adotado pelo governo municipal para em tão
pouco tempo viabilizar a votação de ambos os instrumentos?
Deve-se insistir aqui na obrigatoriedade da participação popular para elaboração da Louos e do PDDU,
como já fizemos em outras ocasiões. Porém, a participação deve ser incorporada não só na elaboração dos
novos instrumentos, mas no cotidiano de gestão e planejamento da cidade, se constituindo em um valor
inegociável que perpasse governos e instituições, garantindo eficácia operacional aos processos de gestão
urbana.
Segundo Sean Cornely, já desde a decisão de elaborar determinado plano, programa ou projeto, a
participação proporciona uma imagem favorável, com foros de credibilidade junto à população; durante suas
diversas fases, o processo será participado por amplos setores da sociedade, gerando dados mais realistas e
elementos qualitativos, evitando-se, desse modo, a utilização exclusiva de dados quantitativos que, muitas
vezes, escamoteiam informações importantes para o processo de mudança social. A participação estimula os
cidadãos a tomar consciência de seus problemas e a desenvolver sua criatividade na busca de soluções.
(CORNELY, 1980)
O planejamento participativo gera planos mais realistas e adaptados à realidade concreta que se quer
mudar e aos meios que a sociedade pode dispor, fortalecendo as forças favoráveis à mudança e minando as
forças de resistência; amplia e fortalece o foco decisório, incorporando-lhe novos contingentes populacionais;
canaliza positivamente os conflitos de interesses, garantindo uma visão mais pluralista com predomínio dos
interesses das maiorias. Isso diminui também o risco da descontinuidade político-administrativa comum na
execução de planos, programas e projetos.
Obviamente, como alerta Cornely, a participação pressupõe uma estratégia clara de institucionalização
para evitar manobras manipulatórias, que redundem em uma participação aparente, concedida, limitada,
vigiada e tutelada pelos governos, como forma de aliviar tensões e pressões e, assim, perpetuar situações
indesejáveis, que os planos, programas e projetos deveriam transformar. (CORNELY, 1980) Isso exige uma
reflexão séria sobre o funcionamento dos conselhos municipais (de meio ambiente, de desenvolvimento
urbano, de transportes etc.), canais institucionais que podem possibilitar maior controle sobre as atribuições
da prefeitura, devendo ter caráter deliberativo, abrangente e permanente em todo o processo de formulação e
implementação de políticas públicas. Aqui é importante pensar também na legitimidade das representações do
governo e da sociedade civil nos conselhos, sua representatividade em termos sociais e territoriais.
Com conselhos funcionando plenamente, evitar-se-ia a velha prática de realização de audiências públicas
pontuais para legitimar uma frágil participação popular nas discussões sobre os destinos da cidade, evitando-
se, também, futuras batalhas judiciais em torno dos novos PDDU e Louos.
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador-BA, 14 de maio 2014.
Referências
CORNELY, Sean. Subsídios sobre Planejamento Participativo. Brasília: MEC, Secretaria Geral, 1980.
SANTOS, Luan. PDDU e LOUOS saem em 2015. Jornal A Tarde, Salvador, 25 mar. 2014.