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Unid - 1 (Patologia)

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Patologia dos Sistemas

Autora: Profa. Bárbara S. Gutierres Aguiar


Colaboradoras: Profa. Renata Guzzo
Profa. Raquel Machado Coutinho
Profa. Laura Criastina da Cruz Dominciano
Professora conteudista: Bárbara S. Gutierres Aguiar

Mestre em Engenharia de Produção em 2013 e bacharel em Enfermagem em 2010, ambos pela Universidade
Paulista – UNIP.

Dedica sua carreira desde o início à área de Saúde do Adulto, voltada para Oncologia e Sistematização da Assistência
de Enfermagem (SAE). Realizou durante o mestrado a construção de um protótipo facilitador na mensuração da
qualidade da assistência de enfermagem baseado na tríplice aliança Nanda – Noc – Nic (N – N – N). Orienta trabalhos
de iniciação científica e conclusão de curso, principalmente, na área de cancerologia clínica, na qual possui diversas
publicações científicas nacionais e internacionais, desde banners a apresentações em plenária.

Professora adjunta desde 2013 nos cursos de Enfermagem, Farmácia e Nutrição da Universidade Paulista.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A282p Aguiar, Bárbara Gutierres.

Patologias dos Sistemas. / Bárbara Gutierres Aguiar. – São Paulo:


Editora Sol, 2017.

148 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2-102/17, ISSN 1517-9230.

1. Patologias. 2. Bases moleculares do câncer. 3. Hipertensão.


I. Título.

CDU 616

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo Okida


Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Kleber Nascimento
Vitor Andrade
Sumário
Patologia dos Sistemas

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 VISÃO GERAL DA PATOLOGIA DOS SISTEMAS...................................................................................... 11
1.1 Respostas celulares aos estímulos nocivos................................................................................. 11
1.2 Hipertrofia................................................................................................................................................ 11
1.3 Hiperplasia............................................................................................................................................... 12
1.4 Atrofia........................................................................................................................................................ 12
1.5 Metaplasia................................................................................................................................................ 12
1.6 Alterações morfológicas nas células lesionadas....................................................................... 13
1.6.1 Calcificação................................................................................................................................................ 14
1.6.2 Inflamação.................................................................................................................................................. 14
1.6.3 Inflamação crônica................................................................................................................................. 16
1.6.4 Inflamação granulomatosa.................................................................................................................. 16
1.7 Efeitos sistêmicos da inflamação.................................................................................................... 17
1.8 Regeneração e fibrose......................................................................................................................... 17
1.9 Edema........................................................................................................................................................ 19
1.10 Hiperemia e congestão..................................................................................................................... 19
1.11 Trombose................................................................................................................................................. 20
1.12 Choque hemodinâmico.................................................................................................................... 21
1.13 Neoplasias.............................................................................................................................................. 21
1.13.1 Definição................................................................................................................................................... 22
1.14 Diferenciação e anaplasia............................................................................................................... 23
1.15 Velocidade de crescimento............................................................................................................. 23
1.16 Invasão local......................................................................................................................................... 23
1.17 Metástases............................................................................................................................................. 24
1.18 Fatores de risco.................................................................................................................................... 24
1.19 Variáveis geográficas e ambientais............................................................................................. 25
1.19.1 Hábitos alimentares............................................................................................................................. 25
1.19.2 Tabagismo................................................................................................................................................ 25
1.19.3 Etilismo...................................................................................................................................................... 26
1.19.4 Hábitos sexuais....................................................................................................................................... 26
1.19.5 Exposição solar....................................................................................................................................... 27
1.19.6 Atividades físicas................................................................................................................................... 27
1.19.7 Radiações ionizantes........................................................................................................................... 27
1.19.8 Medicamentos........................................................................................................................................ 28
1.19.9 Idade........................................................................................................................................................... 28
1.19.10 Genética.................................................................................................................................................. 29
2 BASES MOLECULARES DO CÂNCER.......................................................................................................... 29
2.1 Oncogenes – autossuficiência em relação a fatores de crescimento.............................. 30
2.2 Genes supressores de tumores − insensibilidade aos inibidores do crescimento....... 31
2.3 Evasão da apoptose.............................................................................................................................. 31
2.4 Potencial replicativo ilimitado......................................................................................................... 31
2.5 Desenvolvimento de angiogênese.................................................................................................. 32
2.6 Capacidade de invadir e metastatizar.......................................................................................... 32
2.7 Evasão do sistema imune................................................................................................................... 32
2.8 Instabilidade genômica....................................................................................................................... 33
2.9 Aspectos clínicos dos tumores......................................................................................................... 34
2.10 Diagnóstico do câncer...................................................................................................................... 34
2.11 Estagiamento do câncer................................................................................................................... 35
3 PATOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR........................................................................................ 36
3.1 Vasos sanguíneos.................................................................................................................................. 36
3.2 Vasos normais......................................................................................................................................... 36
3.3 Anomalias congênitas......................................................................................................................... 38
3.3.1 Aneurismas................................................................................................................................................. 38
3.3.2 Fístulas arteriovenosas.......................................................................................................................... 38
3.3.3 Displasia fibromuscular......................................................................................................................... 38
3.3.4 Aterosclerose............................................................................................................................................. 38
3.3.5 Dislipidemia................................................................................................................................................ 39
3.3.6 Hipertensão................................................................................................................................................ 40
3.3.7 Tabagismo................................................................................................................................................... 40
3.3.8 Diabetes mellitus...................................................................................................................................... 40
3.3.9 Aumento da proteína C reativa (PCR)............................................................................................. 40
3.3.10 Outros fatores de risco menores..................................................................................................... 40
3.4 HIPERTENSÃO......................................................................................................................................... 41
3.4.1 Patogênese................................................................................................................................................. 42
3.5 Aneurismas e dissecções.................................................................................................................... 42
3.6 Vasculites.................................................................................................................................................. 43
3.6.1 Vasculites não infecciosas.................................................................................................................... 43
3.6.2 Vasculites infecciosas............................................................................................................................. 44
3.7 Patologias das veias............................................................................................................................. 44
3.7.1 Patologia dos linfáticos......................................................................................................................... 45
3.8 Coração...................................................................................................................................................... 45
3.9 Insuficiência cardíaca.......................................................................................................................... 45
3.10 Cardiopatias congênitas................................................................................................................... 46
3.11 Cardiopatia isquêmica....................................................................................................................... 47
3.12 Cardiopatia valvular.......................................................................................................................... 48
3.13 Valvulopatia reumática.................................................................................................................... 49
3.14 Endocardite infecciosa..................................................................................................................... 49
3.15 Miocardiopatias................................................................................................................................... 50
3.16 Patologias do pericárdio.................................................................................................................. 50
4 DOENÇAS DO APARELHO RESPIRATÓRIO............................................................................................... 51
4.1 Doenças infecciosas do sistema respiratório............................................................................. 51
4.1.1 Pneumonia................................................................................................................................................. 51
4.1.2 Abscesso pulmonar................................................................................................................................. 51
4.1.3 Tuberculose................................................................................................................................................. 52
4.2 Doenças inflamatórias pulmonares............................................................................................... 53
4.2.1 Asma brônquica........................................................................................................................................ 53
4.3 Doenças pulmonares obstrutivas.................................................................................................... 55
4.3.1 Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).............................................................................. 55
4.3.2 Enfisema pulmonar................................................................................................................................. 56
4.4 Atelectasia................................................................................................................................................ 58
4.5 Doenças intersticiais............................................................................................................................ 58
4.5.1 Pneumoconioses...................................................................................................................................... 58
4.6 Silicose....................................................................................................................................................... 59
4.7 Sarcoidose................................................................................................................................................ 60
4.8 Hipertensão pulmonar........................................................................................................................ 62
4.9 Doenças pulmonares de origem vascular................................................................................... 65
4.9.1 Hemorragia pulmonar........................................................................................................................... 65
4.9.2 Tromboembolia pulmonar.................................................................................................................... 67
4.9.3 Pneumotórax............................................................................................................................................. 70
4.9.4 Derrame pleural........................................................................................................................................ 70

Unidade II
5 SISTEMA GASTROINTESTINAL: PATOLOGIAS DO TUBO DIGESTIVO.............................................. 75
5.1 Atresia do esôfago................................................................................................................................ 75
5.2 Fístulas do tubo digestivo.................................................................................................................. 76
5.3 Disfunções motores do esôfago: acalasia................................................................................... 77
5.4 Hérnia do hiato esofágico................................................................................................................. 78
5.5 Doença do refluxo gastroesofágico............................................................................................... 80
5.6 Úlceras gástricas.................................................................................................................................... 81
5.6.1 Úlcera péptica........................................................................................................................................... 82
5.7 Hemorragia digestiva alta................................................................................................................. 83
5.8 HDA varicoza........................................................................................................................................... 83
5.9 Lacerações................................................................................................................................................ 84
5.10 Doença diverticular do cólon......................................................................................................... 85
5.11 Enterocolites.......................................................................................................................................... 86
5.12 Patologias de má absorção intestinal – doença celíaca..................................................... 87
5.13 Transtornos vasculares do cólon.................................................................................................. 88
5.13.1 Hemorroidas............................................................................................................................................ 88
5.13.2 Isquemia mesentérica......................................................................................................................... 89
6 SISTEMA GASTROINTESTINAL – PATOLOGIAS DO FÍGADO, VIAS BILIARES E PÂNCREAS.... 91
6.1 Cirrose........................................................................................................................................................ 91
6.2 Hipertensão portal................................................................................................................................ 92
6.3 Ascite.......................................................................................................................................................... 93
6.4 Icterícia...................................................................................................................................................... 94
6.5 Colestase................................................................................................................................................... 95
6.6 Complicações da insuficiência hepática...................................................................................... 96
6.6.1 Encefalopatia hepática.......................................................................................................................... 96
6.6.2 Síndrome hepatorrenal......................................................................................................................... 98
6.7 Hepatites agudas................................................................................................................................... 99
6.8 Hepatopatia alcoólica........................................................................................................................101
6.9 Hepatopatias metabólicas...............................................................................................................102
6.9.1 Hemocromatose.....................................................................................................................................102
6.9.2 Doença de Wilson..................................................................................................................................103
6.10 Hepatopatias congênitas...............................................................................................................104
6.10.1 Cirrose biliar primária........................................................................................................................104
6.10.2 Colangite esclerosante primária....................................................................................................106
6.11 Colelitíase e colecistite....................................................................................................................107
6.12 Pancreatites.........................................................................................................................................109
6.12.1 Pancreatite aguda...............................................................................................................................109
6.12.2 Pancreatite crônica............................................................................................................................. 110

Unidade III
7 SISTEMA URINÁRIO.......................................................................................................................................114
7.1 Síndrome nefrótica.............................................................................................................................114
7.2 Síndrome nefrítica..............................................................................................................................115
7.3 Pielonefrite.............................................................................................................................................116
7.4 Litíase urinária......................................................................................................................................116
7.5 Rim policístico......................................................................................................................................118
7.6 Cistite.......................................................................................................................................................119
8 SISTEMA GENITAL...........................................................................................................................................120
8.1 Criptorquia.............................................................................................................................................120
8.2 Hiperplasia da próstata.....................................................................................................................121
8.3 Vaginoses................................................................................................................................................122
8.4 Adenomiose uterina...........................................................................................................................123
8.5 Endometriose........................................................................................................................................124
8.6 Hiperplasia endometrial...................................................................................................................124
8.7 Ovários policísticos.............................................................................................................................125
APRESENTAÇÃO

A Patologia dos Sistemas é uma das áreas das Ciências da Saúde em constante evolução, com
novas possibilidades diagnósticas e tratamentos. Neste livro, nossos objetivos serão discutir algumas
das principais doenças que acometem o ser humano durante toda sua vida, bem como os fatores de
risco, a patogênese, a fisiopatologia e as consequências que cada uma delas acarreta para o indivíduo
acometido por afecções.

Estudaremos o corpo humano desde sua visão microscópica, constituição dos mecanismos
fisiopatológicos até visão macroscópica, sinais e sintomas, além de possíveis resultados nos exames
laboratoriais e de imagem.

Na Unidade I estudaremos os mecanismos de inflamação, de coagulação, de divisão e reparação


celular, neoplasias e fatores de risco mais intrínsecos para o seu aparecimento, além dos sistemas
cardiovascular e respiratório.

Na Unidade II serão expostos temas relacionados ao sistema gastrointestinal divididos em doenças


que acometem o tubo digestivo, o fígado, as vias biliares e o pâncreas.

Na Unidade III, por fim, explanaremos acerca do sistema urinário e do trato genital masculino e feminino.

INTRODUÇÃO

Você está começando um estudo sobre as Patologias dos Sistemas. Através de um vocabulário
didático, será possível entender os mecanismos que desencadeiam as principais doenças de cada sistema,
isto é, cardiovascular, respiratório, digestivo, urinário e trato genital.

Vamos constatar que os mecanismos celulares de inflamação, a cascata da coagulação e a resposta


do organismo aos corpos estranhos provocam uma série de doenças com consequências locais e,
algumas vezes nas formas mais graves, sistêmicas.

Através deste livro, perceberemos o quanto o organismo do ser humano é capaz de reconhecer
estímulos lesivos e como respondemos a cada um deles. Também poderemos entender as opiniões
emitidas em laudos para diagnóstico das doenças e seu grau de gravidade.

9
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Unidade I
1 VISÃO GERAL DA PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Patologia significa o estudo das enfermidades. Na prática, ela conecta os aspectos observados na
clínica com a ciência básica em uma busca pelas causas da doença e suas respectivas consequências.
São utilizadas técnicas moleculares, microbiologia e imunologia para compreender as mudanças
bioquímicas, morfológicas e funcionais provocadas pela enfermidade.

1.1 Respostas celulares aos estímulos nocivos

As células participam ativamente do seu meio ambiente e modificam sua estrutura e função de
modo dinâmico para se adaptar às diferentes demandas ou aos estresses celulares. Embora o meio
intracelular seja menos vulnerável às modificações, permanecendo dentro de uma gama estreita de
parâmetros fisiológicos, a esse equilíbrio celular chamamos de homeostasia.

Quando as células se deparam com diversos tipos de estresses ou estímulos nocivos, podem
sofrer uma adaptação, alcançando um novo estado de equilíbrio. As principais respostas
adaptativas são hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia. Caso o estímulo nocivo seja superior
à capacidade de adaptação celular, ocorrerá uma lesão que pode ser reversível, se o estímulo
nocivo for revertido. Entretanto, situações de estresse celular intenso podem provocar lesão
celular irreversível ou morte celular.

As células não respondem somente a estímulos nocivos (adaptações patológicas), mas também
fisiológicos. É o que chamamos de adaptações fisiológicas (por exemplo, as mudanças que afluem no
organismo da gestante ou as modificações ovarianas que acontecem a cada ciclo menstrual).

1.2 Hipertrofia

A hipertrofia é um aumento do tamanho das células, que pode acarretar o crescimento do tamanho
do órgão. Portanto, ela é diferente de hiperplasia, que significa aumento no número de células.

Esse fenômeno adaptativo ocorre em resposta a uma maior demanda funcional do órgão cujas
células não são capazes de se replicar. Como exemplo temos os tecidos musculares que podem
apresentar hipertrofia (ou crescimento) após estímulos fisiológicos, como a musculatura uterina
(miométrio) durante a gravidez, ou estímulos patológicos, como a musculatura cardíaca (miocárdio)
em indivíduos hipertensos. O crescimento muscular ocorre em decorrência da síntese de mais
proteínas e miofilamentos por célula.

11
Unidade I

Observação

Quaisquer que sejam os mecanismos da hipertrofia, haverá um limite,


que, quando ultrapassado, pode levar a mudanças degenerativas nas células
e perda de função.

1.3 Hiperplasia

Tal como descrito, haverá hiperplasia toda vez que a célula que sofre o estímulo de desenvolvimento
for capaz de se replicar. Apesar do termo estar intensamente relacionado à proliferação celular que
ocorre nas neoplasias, a hiperplasia pode ser um fenômeno fisiológico, como no exemplo da proliferação
do epitélio glandular da mama durante a gestação ou do epitélio endometrial do útero que acontece a
cada novo ciclo menstrual.

De modo geral, a hiperplasia decorre de uma resposta a estímulos de crescimento que podem ser
hormônios como os já informados, ou fatores quimiotáticos produzidos de modo fisiológico ou patológico.

Existem também alguns vírus que podem estimular a hiperplasia do epitélio e que infectam. É o que
se verifica nos casos de infecção pelo papilomavírus humano (do inglês, HPV), causador de verrugas na
pele ou na região genital. Alguns sorotipos do HPV (6, 11, 16 – principal e 18) provocam uma alteração
nos genes que codificam proteínas responsáveis pelo reparo do DNA durante as divisões celulares e
aumentam o risco de desenvolvimento de tumores, principalmente no colo do útero, na hipofaringe, no
ânus e nas genitálias feminina e masculina.

1.4 Atrofia

A atrofia é a redução no tamanho da célula em consequência da perda de material intracelular.


Quando um órgão se encontra afetado por um número significativo de células, ele sofre uma
diminuição global, tornando‑se atrófico. Embora as células atróficas estejam diminuídas de
tamanho e função, não estão mortas.

As causas da atrofia incluem redução da carga de trabalho (por exemplo, um músculo imobilizado
durante a fixação de uma fratura óssea), perda de inervação (como ocorre nos pacientes com lesões
medulares), diminuição da irrigação sanguínea, desnutrição energético‑proteica, perda do estímulo
hormonal (tal qual acontece com os ovários após a menopausa) e envelhecimento (como a atrofia senil
observada no encéfalo de indivíduos idosos).

1.5 Metaplasia

A metaplasia realiza‑se quando um tipo de célula adulta é substituído por outro. Em geral, esse
fenômeno é reversível. Tal adaptação ocorre porque as células sensíveis a um estresse são substituídas
por outro tipo mais resistente através de uma reprogramação genética das células‑mães.

12
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Um exemplo clássico de metaplasia epitelial ocorre no trato respiratório dos indivíduos tabagistas. As
células ciliadas do epitélio colunar, normais na traqueia, são substituídas por células epiteliais escamosas
estratificadas. O epitélio escamoso estratificado é mais rígido, mas não é capaz de eliminar as secreções
nem de produzir muco.

Além disso, as influências genéticas que levam à metaplasia, quando persistem, podem promover
uma transformação maligna no epitélio, originando um câncer. A metaplasia ocorre também no epitélio
de transição gastroesofágico de indivíduos portadores de doença do refluxo gastroesofágico e no epitélio
de transição do colo uterino em indivíduos infectados pelo HPV.

1.6 Alterações morfológicas nas células lesionadas

As células podem sofrer lesão celular reversível, necrose ou apoptose.

Os principais fenômenos da lesão celular reversível são o inchaço celular e a substituição gordurosa.
O inchaço celular é decorrente do fracasso das bombas de íons dependentes de energia localizadas
na superfície plasmática, o que leva à incapacidade para manter a homeostasia hidroeletrolítica.
A substituição gordurosa ocorre em hipóxia e em várias formas de lesão tóxica ou metabólica e se
caracteriza por um aspecto de vacúolos lipídicos pequenos ou grandes distribuídos pelo citoplasma. Ela
acontece, principalmente, nas células responsáveis pelo metabolismo lipídico como os hepatócitos e as
células do miocárdio.

O termo necrose se refere à morte celular resultante da ação degenerativa de enzimas sobre as células
lesadas de maneira irreversível. As enzimas responsáveis pela necrose são liberadas pelos lisossomos das
próprias células que estão lesadas irreversivelmente ou pelos lisossomos dos linfócitos recrutados para
o foco de necrose. Existem diversos padrões de necrose tecidual que são específicos para determinados
órgãos e certas patologias.

A necrose de coagulação ocorre quando as células estão mortas, mas a arquitetura tecidual continua
preservada. Os tecidos afetados adotam uma textura firme e um aspecto pálido amarelado. Este tipo
de necrose é característica dos infartos de todos os órgãos, exceto do cérebro. O formato da necrose de
coagulação define exatamente a área irrigada pela artéria que se ocluiu, levando à isquemia.

A necrose de liquefação acontece nas infecções bacterianas ou em ocasiões fúngicas focais porque os
micróbios estimulam a acumulação de células inflamatórias e as enzimas liberadas pelos leucócitos que
digerem as células afetadas, formando focos líquidos de necrose. Por motivos ainda não completamente
reconhecidos, as isquemias cerebrais dão origem a focos de necrose de liquefação no tecido cerebral infartado.

A necrose gangrenosa dá‑se nas extremidades isquemiadas dos membros inferiores e é decorrente
de uma necrose de coagulação sobreposta a uma necrose de liquefação, pois ocorre a superposição de
bactérias no tecido isquemiado.

Por fim, a necrose caseosa é observada frequentemente na infecção tuberculosa. O termo cáseo
significa semelhante ao queijo e foi escolhido pois neste tipo de necrose é verificado o acúmulo de um
13
Unidade I

material branco amarelado friável. Microscopicamente, o foco necrótico se mostra como uma coleção
de células fragmentadas ou lesadas com aspecto granular amorfo. Diferentemente da necrose de
coagulação, não há preservação da estrutura morfológica da área afetada.

A expressão necrose gordurosa é utilizada para as áreas focais de destruição gordurosa que
tipicamente acontecem após a liberação de lipases pancreáticas ativadas no interior do pâncreas lesado
ou até na cavidade peritoneal. Trata‑se de uma urgência abdominal grave que ocorre nos casos mais
avançados de pancreatite aguda.

Finalmente, a necrose fibrinoide é uma forma especial de necrose observada nas reações autoimunes
que afetam os vasos sanguíneos nas vasculites. Microscopicamente, são identificados depósitos de
imunocomplexos junto à fibrina que escapa dos vasos, dando origem a um material rosa brilhante e
amorfo na coloração por hematoxilina e eosina.

A apoptose é uma via de morte celular programada na qual a célula ativa enzimas denominadas
caspases, que são responsáveis por degradar o DNA, as proteínas nucleares e as citoplasmáticas. Os
fragmentos celulares se desprendem e são rapidamente eliminados antes que seus componentes sejam
liberados, causando uma ampliação da lesão tecidual. Assim, a apoptose difere da necrose por ser um
evento programado e controlado que não afeta as células vizinhas àquela lesada.

A apoptose é um fenômeno muito importante durante o desenvolvimento fetal, sendo responsável


pela involução e modificação de todos os tecidos fetais que não serão reaproveitados após o parto.

Lembrete

No indivíduo adulto, a apoptose é importante para degradar células


que apresentaram defeitos na duplicação do DNA.

1.6.1 Calcificação

A calcificação patológica é um processo comum em uma ampla variedade de estados patológicos e


se caracteriza pelo depósito anormal de sais de cálcio, com pequenas quantidades de ferro, magnésio e
outros minerais. Quando ela ocorre em tecidos mortos ou que estão morrendo, é denominada calcificação
distrófica. Algumas vezes o cálcio pode se depositar em tecidos sem qualquer lesão, geralmente esse
fenômeno é decorrente de distúrbios do metabolismo do cálcio.

1.6.2 Inflamação

A sobrevivência de todos os organismos requer o potencial de eliminar os agentes invasores ou


estranhos, como patógenos infecciosos e tecidos próprios danificados. Essa função é mediada por uma
complexa resposta do hospedeiro chamada inflamação. Assim, a inflamação é uma resposta protetora
do hospedeiro cuja intenção é exterminar a causa inicial da lesão celular, bem como as células necróticas
resultantes da lesão original.
14
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

A inflamação cumpre sua missão através da diluição, destruição ou neutralização dos agentes
prejudiciais. Depois da inflamação, iniciam‑se os processos de reparação que serão descritos a seguir.
Embora o objetivo da inflamação seja protetor, uma reação exacerbada pode provocar um dano
considerável, como ocorre nas doenças autoimunes. Esse dano acontece porque os mesmos mecanismos
responsáveis pela eliminação de agentes prejudiciais geram lesões nos tecidos normais.

As células e a molécula responsáveis pela defesa do organismo hospedeiro circulam normalmente no


sangue periférico e durante a reação inflamatória devem ser levadas ao sítio de dano tissular.

1.6.2.1 Inflamação aguda

A inflamação aguda é uma resposta rápida a um agente lesivo, micróbios e outras substâncias
estranhas que estão preparadas para liberar leucócitos e proteínas plasmáticas nos sítios de lesão. Seus
principais componentes são as alterações vasculares e os fenômenos celulares.

Inicialmente, em decorrência da liberação de substâncias quimiotáticas oriundas da lesão tissular,


ocorre uma alteração no calibre vascular que dá lugar a um aumento do fluxo sanguíneo (vasodilatação),
ocasiona mudanças estruturais que ampliam a permeabilidade vascular e a liberação de proteínas
plasmáticas provenientes da circulação.

A seguir, há a migração dos leucócitos que são recrutados e ativados por substâncias liberadas
no foco de lesão tissular. Os principais leucócitos da inflamação aguda são os neutrófilos
(leucócitos polimorfonucleares).

Apesar de as consequências da inflamação aguda se modificarem de acordo com a natureza e a


intensidade da lesão, o sítio afetado e a capacidade do hospedeiro para organizar a resposta à inflamação
aguda têm geralmente um dos três desfechos descritos a seguir.

Resolução que ocorre quando a lesão é limitada e de breve duração. Não há dano tecidual ou ele
é mínimo. O término da resposta inflamatória resulta em neutralização, decomposição ou degradação
enzimática dos mediadores responsáveis pela inflamação. Os leucócitos colaboram com a resolução da
inflamação por meio da produção de mediadores anti‑inflamatórios que autolimitam a resposta do
hospedeiro.

Outras vezes, a inflamação aguda progride para uma inflamação crônica ou mesmo uma lesão
irreversível do tecido inflamado, que dará lugar a um tecido cicatricial fibroso.

1.6.2.2 O papel dos leucócitos na inflamação aguda

Os leucócitos são recrutados ao sítio lesado através de um complexo processo composto de várias
fases, que se iniciam no aumento da permeabilidade endotelial estimulada por substâncias liberadas
no foco de lesão. Para sair da circulação até o tecido inflamado, os leucócitos necessitam aderir ao
endotélio (por meio de integrinas) e rolar sobre as células endoteliais por selectinas. Tanto a expressão
de integrinas quanto a de selectinas são reguladas pelas citocinas produzidas no tecido lesionado.
15
Unidade I

Os leucócitos podem eliminar os micróbios e as células mortas por fagocitose (macrófagos) ou


destruição química através da liberação de substâncias tóxicas como o óxido nítrico e outros radicais
livres do oxigênio potentes, acumulados nos lisossomos dos leucócitos (polimorfonucleares e linfócitos).

Os leucócitos acumulados na região lesada são causa importante de diferentes mecanismos de dano
nas células e nos tecidos normais circunjacentes. Essa lesão pode ocorrer como parte da reação de
defesa normal frente aos agentes microbianos infecciosos, especialmente os difíceis de erradicar, por
exemplo, o bacilo da tuberculose. Os leucócitos talvez promovam uma resposta inflamatória exuberante,
que chega a ser mais nociva ao indivíduo que o próprio agente infeccioso.

Além disso, o dano tecidual resultante da inflamação pode ocorrer na tentativa de eliminar
os tecidos danificados e mortos, por exemplo, o miocárdio necrosado após um infarto agudo do
coração. A inflamação provavelmente prolongue e exacerbe as consequências lesivas, em especial,
quando há a reperfusão e um consequente aumento no fluxo de substâncias e células responsáveis
pela resposta inflamatória.

Por fim, a lesão tecidual secundária aos leucócitos pode aparecer quando a resposta inflamatória é
exacerbada ou tem uma duração excessiva, como nas neoplasias alérgicas, tal qual a asma.

Dado que os leucócitos desempenham uma função central na defesa do hospedeiro, não surpreende
o fato de defeitos na função leucocitária comprometerem a resposta inflamatória do indivíduo. As causas
mais frequentes de inflamação defeituosa são as supressões da medula óssea ocasionada por invasão
por células neoplásicas, uso de quimioterápicos, exposição à radiação ionizante e doenças metabólicas,
como o diabetes. Existem também alguns defeitos genéticos que comprometem a adesão e o rolamento
dos leucócitos, alterando a resposta inflamatória do hospedeiro.

1.6.3 Inflamação crônica

A inflamação crônica é uma inflamação de duração prolongada (de semanas até anos) cuja reação
inflamatória, lesão tissular e cicatrização sucedem‑se simultaneamente. Em contraste com a inflamação
aguda, não ocorrem alterações vasculares de infiltrado de polimorfonucleares, mas infiltrado de células
mononucleares como macrófagos, linfócitos e células plasmáticas.

A inflamação crônica pode ser derivada de uma inflamação aguda, mas ocorre também em virtude
de uma exposição prolongada a agentes potencialmente tóxicos, sejam eles exógenos, como nas
inflamações crônicas pulmonares pela silicose, sejam endógenos, como na aterosclerose.

1.6.4 Inflamação granulomatosa

A inflamação granulomatosa é um padrão específico de inflamação crônica caracterizado por


agregados de macrófagos ativados que adotam um aspecto epitelioide, circundando em camadas o
agente invasor. Os granulomas são observados em certas patologias específicas. Eles podem se formar
no marco de respostas de células T persistentes a certos micróbios, como a micobactéria da tuberculose
e o Treponema pallidum, que são difíceis de combater e, por isso, ficam anulados dentro do granuloma.
16
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Contudo, a progressão da inflamação granulomatosa e a posterior fibrose podem ser mais danosas ao
funcionamento do órgão que a própria infecção que deu origem à resposta inflamatória.

A tuberculose é o protótipo de enfermidade granulomatosa causada por infecção e deve ser sempre
excluída como causa quando são identificados granulomas. Entretanto, os granulomas conseguem se
desenvolver como resposta a corpos estranhos.

1.7 Efeitos sistêmicos da inflamação

Os efeitos da reação de fase aguda, ou síndrome da resposta inflamatória, são causados pela liberação
de citocinas pró‑inflamatórias como o fator de necrose tecidual (do inglês, TNF) e interleucinas tal qual
a IL‑1 e a IL‑6.

Essas substâncias caem na circulação e provocam diversos sinais e sintomas. A febre ocorre por
causa de substâncias pirógenas (especialmente as prostaglandinas), que no sistema nervoso central
elevam o ponto de controle do centro regulatório da temperatura corporal, desencadeando o mal‑estar
e os tremores característicos do quadro febril.

Algumas proteínas de fase aguda se elevam no sangue periférico em resposta ao estímulo


inflamatório. A mais importante é a proteína C reativa. Ocorre também um aumento na contagem
total de leucócitos (leucocitose) devido ao incentivo à produção e liberação de formas ainda imaturas
de leucócitos para a resposta ao agente invasor (fenômeno reconhecido no hemograma como desvio
à esquerda).

Outras manifestações sistêmicas incluem o aumento das frequências cardíaca e respiratória com
o objetivo de obter um maior fluxo sanguíneo e consequente aporte de oxigênio para as reações
necessárias na resposta inflamatória.

Nos casos mais graves, a liberação de citocinas promove uma resposta inflamatória exacerbada,
que provoca um quadro clínico conhecido como choque séptico caracterizado por hipotensão arterial
em decorrência da extrema vasodilatação periférica provocada pelos mediadores pró‑inflamatórios,
além da disfunção de diversos sistemas como renal, hepático e coagulador, colocando a vida do
indivíduo em séria ameaça.

1.8 Regeneração e fibrose

A reparação tecidual é fundamental para a sobrevivência do organismo. A resposta inflamatória


não serve somente para eliminar agentes invasores, mas também para colocar em marcha o processo
de reparação. Esta reparação pode ser feita por meio de dois mecanismos diferentes. Alguns tecidos
são capazes de repor os componentes danificados e retornar ao estado normal, isso é denominado
regeneração; outros são reparados através do depósito de tecido conjuntivo fibroso, processo denominado
cicatrização. O termo fibrose é utilizado para descrever o extenso depósito de colágeno que se produz
em pulmões, fígado, rins e outros órgãos devido a uma inflamação crônica.

17
Unidade I

A reparação tecidual implica a proliferação de várias células e interações estreitas entre as células
e a matriz extracelular. A capacidade dos tecidos de se reparar é influenciada de modo crítico pela
capacidade intrínseca de replicação tecidual.

Os tecidos que se dividem continuamente (também denominados tecidos lábeis) podem se regenerar
facilmente. Eles são compostos de células que se perdem e se replicam constantemente. Nesse grupo
estão o tecido hematopoiético e a maioria dos epitélios superficiais como superfície escamosa
estratificada da pele, cavidade oral, vagina e colo do útero; epitélio colunar do trato gastrointestinal e
epitélio transicional do trato urinário.

Existem também alguns tecidos estáveis cujas células se encontram quiescentes (paradas na fase
G0 do ciclo celular) e têm uma atividade replicativa mínima em seu estado normal. Além disso, essas
células podem se replicar em resposta a uma lesão tecidual. O parênquima da maioria dos órgãos sólidos
é composto de tecidos estáveis.

As únicas exceções são o miocárdio e os tecidos neuronais centrais e periféricos cujos tecidos são
permanentes. As células destes tecidos estão totalmente diferenciadas e não se replicam ao longo de
toda a vida adulta.

A sinalização para a proliferação celular é feita por muitos mediadores químicos, como fatores de
crescimento, hormônios e citocinas. Contudo, os hormônios e as citocinas apresentam outras funções
fundamentais, sendo a replicação celular um efeito secundário destes compostos. Já os fatores de
crescimento são polipeptídios que se ligam em receptores da membrana celular, ativando uma cascata
de sinalização intracelular, que culminará com a replicação celular.

Existem diversos fatores de crescimento descritos, mas o mecanismo de ação é basicamente


o mesmo (ligação ao receptor da membrana, cascata de sinalização citoplasmática e ativação
nuclear de fatores da replicação celular). Os fatores de crescimento têm alta especificidade por
seus receptores, embora possam exercer funções semelhantes em células distintas que apresentem
igual receptor. Muitos fatores de crescimento implicados na reparação tecidual são produzidos
por leucócitos recrutados ao sítio de lesão durante o processo inflamatório. Outros fatores são
produzidos por células parenquimatosas ou células estromais (tecido conjuntivo) em resposta à
lesão tecidual ou perda celular.

A reparação tecidual depende não somente da atividade dos fatores de crescimento, mas de
interações entre as células e os componentes da matriz extracelular. Na matriz extracelular, a água é
represada para manter o tônus do tecido, além de diversos fatores de crescimento que se encontram
diluídos na matriz. Os principais componentes da matriz extracelular são proteínas estruturais fibrosas
como colágeno e elastina; géis hidratados como proteoglicanas e hialuronato; e glicoproteínas adesivas
que conectam os elementos da matriz em si e as células adjacentes.

Caso a lesão tecidual seja intensa ou crônica, ocorrerá um dano nas células epiteliais e
parenquimatosas assim como no estroma, dificultando a reparação do tecido danificado. Somam‑se
ainda as lesões nos tecidos permanentes que não podem ser reparados. Nessas situações, a reparação se
18
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

dá por meio da substituição das células lesadas por tecido conjuntivo ou pela combinação de algumas
células regeneradas e a formação de uma cicatriz.

A reparação começa nas 24 horas seguintes à lesão por meio da migração de fibroblastos e proliferação
de células endoteliais. Entre o terceiro e o quinto dias, aparece um tipo de tecido especializado,
característico da cicatrização, que é denominado tecido de granulação. Esse termo deriva do aspecto
macroscópico granular de coloração rosada como se observa debaixo da crosta de uma ferida cutânea.
Sua aparência histológica se caracteriza pela proliferação de fibroblastos e novos capilares delicados de
paredes finas (angiogênese).

O tecido de granulação acumula, de modo progressivo, matriz de tecido conjuntivo, o que leva à
formação de uma cicatriz. Portanto, a reparação por depósito de tecido conjuntivo consta de quatro
processos sequenciais: formação de novos vasos sanguíneos, migração e proliferação de fibroblastos,
depósito de matriz extracelular e maturação com reorganização do tecido fibroso (remodelamento).

Diversas afecções podem dificultar ou alterar o processo de cicatrização. As principais são as infecções
que impedem a adequada cicatrização; pacientes portadores de Diabetes mellitus que apresentam dificuldade
para cicatrização; além disso, a cicatrização depende de tipo, volume e localização da lesão.

Em alguns casos, a produção excessiva de matriz extracelular pode causar cicatrizes excessivamente
volumosas, conhecidas como queloides. Em outras circunstâncias, a estimulação persistente da síntese
de colágeno das enfermidades inflamatórias crônicas leva a uma fibrose do tecido com perda de função.

1.9 Edema

O edema é um extravasamento de líquido desde os vasos sanguíneos e linfáticos até os espaços


intersticiais. O fluído pode ser pobre (transudato) ou rico (exsudato) em proteínas.

O edema pode ser consequência de um aumento da pressão hidrostática, produzida por uma redução
do retorno venoso (como na insuficiência cardíaca ou na hipertensão portal).

Alguns eventos são decorrentes da diminuição da pressão coloidal osmótica, produzida por uma
redução da concentração de albumina plasmática não somente pela menor produção oriunda de
hepatopatias, mas pelo aumento na degradação proteica derivada de patologias renais.

A obstrução linfática ainda é causa de edema comum nos casos de neoplasias que comprimem e
obstruem a drenagem linfática. Situações menos comuns como a retenção primária renal de sódio e o
aumento da permeabilidade vascular também podem ser causas de edemas.

1.10 Hiperemia e congestão

Os termos hiperemia e congestão indicam aumento local do volume de sangue em um determinado


tecido. A hiperemia é um processo ativo que resulta de um crescimento do fluxo sanguíneo devido
à dilatação arterial (por exemplo, em locais inflamados ou na musculatura esquelética durante um
19
Unidade I

esforço físico intenso). O tecido afetado torna‑se mais avermelhado que o normal por causa do acúmulo
de sangue oxigenado.

A congestão é um processo passivo consequente de um retorno venoso alterado. O tecido afetado


adquire uma coloração azulada (cianose), decorrente do acúmulo de hemoglobina desoxigenada nos
tecidos afetados. A congestão dos leitos capilares tem uma estreita relação com o desenvolvimento do
edema, de modo que a congestão vascular periférica e o edema ocorrem simultaneamente.

1.11 Trombose

A fluidez do sangue é mantida por meio da hemostasia normal, que é consequência de processos
estreitamente regulados e equilibrados entre a parede vascular, as plaquetas e a cascata da coagulação.

As células endoteliais intactas conservam o fluxo de sangue líquido mediante a inibição ativa da
adesão plaquetária, evitando a ativação dos fatores da coagulação e lesando os coágulos de sangue que
podem se formar no endotélio. As células endoteliais talvez se estimulem por lesão direta ou por várias
citocinas que são liberadas durante a inflamação. A estimulação endotelial leva à expressão de proteínas
pró‑coagulantes que contribuem para a formação local de trombos. A simples perda da integridade
endotelial expõe o fator de von Willebrand subjacente e o colágeno presente na membrana basal, ambos
substratos para a agregação plaquetária e a formação de trombos.

A lesão endotelial também promove a agregação plaquetária à matriz extracelular, e o fator de von
Willebrand ligado aos receptores plaquetários GpIb ativam as plaquetas para que elas se agreguem.

Após a ativação, as plaquetas secretam produtos dos grânulos plaquetários que incluem cálcio
(fundamental para a ativação das proteínas da coagulação) e ADP, que se ligam aos receptores
plaquetários GpIIb e GpIIIa, promovendo uma maior agregação e degranulação plaquetária. As plaquetas
ativadas secretam também TXA2, que propicia uma vasoconstrição local.

A formação do coágulo hemostático secundário definitivo requer a ativação da trombina e do


fibrinogênio que leva à produção de fibrina polimerizada durante a cascata da coagulação, que é uma
conversão sequencial de enzimas plasmáticas em cascata.

A coagulação está normalmente circunscrita aos locais de lesão vascular por limitação da atividade
enzimática aos complexos fosfolipídicos proporcionados pelas plaquetas ativadas somente no local
lesionado e anticoagulantes naturais elaborados em vários sítios de lesão endotelial durante a ativação
da cascata da coagulação (mecanismo de feedback negativo).

A trombose é, portanto, uma desregulação causada por um dos três pilares da tríade de Virchow:
lesão endotelial, estase ou turbulências no fluxo sanguíneo e transtornos dos fatores de coagulação que
causem hipercoagulabilidade.

Um êmbolo é uma massa intravascular sólida, líquida ou gasosa transportada pelo sangue a um
local distante da sua origem. Quase a totalidade dos êmbolos representa alguma parte de um trombo
20
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

fragmentado. A principal complicação da embolia é a obstrução vascular total ou parcial, levando a


isquemias dos tecidos acometidos.

1.12 Choque hemodinâmico

O choque hemodinâmico é a consequência comum de diversas situações clínicas, que podem


ser fatais em casos extremos porque o choque causa hipoperfusão sistêmica, alteração da perfusão
tissular e hipóxia.

Existem três categorias de choque hemodinâmico: cardiogênico, hipovolêmico e distributivo.


O choque cardiogênico é resultante de uma falha na bomba cardíaca. Pode ser devido a um dano
miocárdico (como no infarto agudo), arritmias ventriculares ou obstrução ao fluxo sanguíneo (como na
tromboembolia pulmonar).

O choque hipovolêmico é consequência da perda de sangue, que pode ser devido à hemorragia,
perda de líquidos em grandes queimados e traumatismos. O choque distributivo difere do hipovolêmico
pois não há diminuição no volume de sangue circulante, mas é o tônus vascular que se torna insuficiente
para manter a pressão mínima a fim de perfundir órgãos e tecidos. A principal patologia que causa o
choque distributivo é a sepse, na qual os mediadores inflamatórios presentes em altas concentrações
no sangue levam a uma vasodilatação significativa das principais artérias que promovem hipotensão e
hipóxia tecidual periférica.

Os choques hemodinâmicos possuem três fases principais. Na etapa inicial, os mecanismos


compensadores: reflexos (como a taquicardia e o aumento no tônus vascular) se ativam e mantêm a
perfusão dos órgãos vitais. Em seguida, ocorre uma fase progressiva que se caracteriza por hipoperfusão
tecidual e início de desequilíbrios metabólicos. Por fim, ocorre um passo irreversível, que é também
conhecido como falência de múltiplos órgãos e tecidos, quando o organismo sofreu lesões tão severas
que não é mais possível haver sobrevivência do indivíduo.

1.13 Neoplasias

As neoplasias são a segunda principal causa de morbidade e mortalidade nos países ocidentais. De
acordo com dados de BRASIL (2016b), quase 600 mil novos casos de câncer são estimados para o biênio
2016‑2017 no Brasil e quase 200 mil pessoas morreram de câncer no país em 2014.

A dificuldade em compreender e tratar o câncer deriva do fato de as células cancerosas apresentarem


um defeito de crescimento complexo, que envolve múltiplas vias metabólicas, intercomunicadas entre
si. Por isso o câncer possui elevada letalidade (cerca de um a cada três pacientes que descobre a doença
acaba morrendo). Além do mais, o diagnóstico é feito nas fases mais avançadas da doença devido à
escassez de sintomas específicos e de testes preventivos com eficácia comprovada cientificamente. Isso
tudo promove uma fobia social frente a esse diagnóstico.

Serão descritos os aspectos gerais das neoplasias benignas e malignas, as bases moleculares das
transformações neoplásicas e a resposta do organismo hospedeiro a uma neoplasia em desenvolvimento.
21
Unidade I

1.13.1 Definição

Neoplasia significa, literalmente, crescimento novo. Willis (1952) definiu neoplasia como uma massa
anormal de tecido cujo crescimento é excessivo e descoordenado comparado aos tecidos normais
adjacentes e que persiste mesmo depois da interrupção do estímulo que induziu à proliferação inicial.

Lembrete

A célula neoplásica não depende de estímulo para permanecer em


crescimento, desenvolvimento e divisão.

De acordo com a hipótese clonal, todas as células neoplásicas se originam de uma única célula‑mãe
que apresentou mutação genética hereditária, levando à proliferação excessiva e à imortalidade celular.

Atualmente, a hipótese mais aceita é a de que as células cancerosas são policlonais, apresentando
múltiplas linhagens genéticas distintas que foram adquirindo mutações genéticas diferentes ao longo
do tempo de desenvolvimento da neoplasia.

Os tumores benignos são neoplasias que demonstram crescimento desordenado, embora não
possuam a capacidade de desenvolverem metástases a distância. Em relação à nomenclatura, essas
neoplasias recebem o sufixo OMA associado ao tipo celular que deu origem ao tumor.

Os tumores malignos são também chamados de câncer e, além de terem crescimento desordenado,
podem desenvolver metástases a distância através da circulação de células neoplásicas nos vasos
sanguíneos. A nomenclatura desses tumores depende do tipo histológico.

São quatro características microscópicas básicas que auxiliam na diferenciação entre células
benignas e malignas. São elas: diferenciação e anaplasia, velocidade de crescimento tumoral, invasão
local e presença de metástases a distância.

Saiba mais

Através do Manual de Oncologia proposto pelo Instituto Nacional de


Controle do Câncer, será possível aprofundar seus conhecimentos sobre as
neoplasias e seu manejo. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
à Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle. Coordenação
Geral de Sistemas de Informação. 23. ed. Edição. Manual de bases
técnicas da oncologia – SIA/SUS – Sistema de informações ambulatoriais.
Brasília: 2016a. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/
Manual‑Oncologia_23a‑edicao_10_10_2016.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2017.

22
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

1.14 Diferenciação e anaplasia

Diferenciação e anaplasia se referem às células parenquimatosas que formam o tecido tumoral. A


diferenciação das células faz referência ao grau em que se assemelha às células que lhes deram origem.

As neoplasias benignas são formadas por células bem diferenciadas que se assemelham às células
que lhe deram origem. Um exemplo clássico é o lipoma constituído por células maduras adiposas
preenchidas por vacúolos lipídicos citoplasmáticos. Além disso, nos tumores benignos as mitoses são
raras e de aspecto normal.

Nas neoplasias malignas as células podem ser bem diferenciadas, mas são completamente primitivas
e indiferenciadas, a tal ponto que impedem a identificação da célula que lhe deu origem (células
anaplásicas). Ademais, as neoplasias malignas apresentam elevada taxa de mitose com componentes
aberrantes no ciclo celular (como alterações cromossômicas).

Observação

É importante diferenciar anaplasia de displasia. Displasia é um


termo dado para a perda da uniformidade das células individuais e de
sua arquitetura habitual. Contudo, displasia não é neoplasia, já que não
há proliferação celular. Mais do que isso, nem sempre as displasias estão
relacionadas ou são lesões precursoras de neoplasias.

1.15 Velocidade de crescimento

A maioria dos tumores benignos cresce lentamente, enquanto grande parte dos tumores malignos
cresce muito mais rápido.

Esta regra destaca exceções como, por exemplo, os leiomiomas uterinos (tumores benignos do
músculo liso). Tais tumores são influenciados pelos níveis circulantes de estrógenos e, por isso, podem
crescer rapidamente, apresentando volumes finais significativos.

Nos tumores malignos, a velocidade de crescimento se correlaciona com o grau de diferenciação.


Exemplos clássicos são os tumores neuroendócrinos típicos, ou bem diferenciados, que revelam um
ritmo de desenvolvimento extremamente lento.

1.16 Invasão local

Uma neoplasia benigna se mantém localizada em seu lugar de origem. Não tem a capacidade
de infiltrar, invadir e produzir metástases a distância. Dado que fibromas e adenomas se expandem
lentamente, a maioria se desenvolve em uma cápsula fibrosa fechada que os separa do tecido do
hospedeiro. Contudo, o crescimento dos tumores benignos pode ocorrer em regiões do organismo
sensíveis e pouco acessíveis. Por exemplo, os meningiomas (tumores benignos da meninge) podem levar
23
Unidade I

à morte em casos extremos nos quais seja impossível a ressecção cirúrgica do tumor. Neles, o baixo
índice proliferativo reduz muito a sensibilidade dos tumores à quimioterapia ou radioterapia.

Os cânceres se desenvolvem por infiltração, invasão, destruição e penetração do tecido que os


circundam. Além do mais, os tumores malignos não costumam revelar uma cápsula fibrosa exuberante
e, por isso, tanta importância é dada às margens cirúrgicas da neoplasia.

Microscopicamente, as células malignas penetram na borda da lesão e infiltram estruturas adjacentes


como finas patas de um caranguejo. Daí a nomenclatura câncer (caranguejo em latim).

1.17 Metástases

O termo metástase significa implantes secundários não contínuos ao tumor primário, ou seja, presença
de doença a distância. Essa é uma característica exclusiva das neoplasias malignas. Uma neoplasia de
comportamento interessante é o tumor ósseo de células gigantes, considerado uma neoplasia benigna,
apesar de poder apresentar implantes (não denominados metástases, já que o tumor é benigno) no
pulmão.

De maneira geral, quanto mais anaplásica a neoplasia primária, maior a probabilidade de que se
desenvolvam metástases. O tamanho do tumor primário indica pouca ou nenhuma relação com o risco
de desenvolvimento de metástases.

A disseminação da doença a distância impossibilita a cura e, no Brasil, mais da metade dos casos
de câncer são diagnosticados já na presença de metástases a distância. As metástases ocorrem por três
vias principais de disseminação: contiguidade dentro das cavidades corporais, disseminação linfática e
disseminação hematogênica. Cada neoplasia primária tem uma característica própria de disseminação.
Por exemplo, os tumores de células germinativas (primários dos testículos ou dos ovários) do tipo
não seminomatosos possuem uma disseminação primariamente linfática, exceto pelo componente
coriocarcinoma que apresenta uma disseminação hematogênica, podendo levar a metástases
pulmonares, hepáticas e até cerebrais sem o acometimento linfonodal.

1.18 Fatores de risco

Estudos recentes demonstraram que a grande maioria das neoplasias (cerca de 70%) são decorrentes
de falhas genéticas aleatórias que ocorrem ao acaso e não são transmitidas aos sucessores.

Fatores ambientais e comportamentais são responsáveis por cerca de 20% dos casos, enquanto os
fatores genéticos hereditários são responsáveis por não mais que 10% dos casos de câncer.

Mais recentemente, agentes infecciosos foram identificados também como precursores no


desenvolvimento de neoplasias.

Essas proporções diferem de acordo com o sítio primário da neoplasia. Por exemplo, o câncer de
pulmão decorre de fatores externos como o tabagismo em até 60% dos casos. O câncer de colo do
24
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

útero é decorrente de uma infecção pelo papilomavírus humano em 100% dos casos. Em oposição,
as neoplasias malignas do sistema nervoso central são causadas por alterações genéticas na quase
totalidade dos eventos.

A seguir serão revelados os principais fatores de risco para o desenvolvimento de neoplasias.

1.19 Variáveis geográficas e ambientais

Apesar de todo o desenvolvimento da biologia molecular tumoral, alguns fatores ambientais


provocam mutações somáticas, que estão entre as principais causas de neoplasias esporádicas no mundo.

Este conceito deriva da observação de indivíduos migrantes apresentarem as mesmas incidências


de câncer da população destino, e não da população de origem. Mais do que isso, o câncer de mama
ocorre de 4 a 5 vezes mais em mulheres caucasianas, enquanto o câncer de estômago é 26 vezes mais
frequente no Japão do que nos Estados Unidos.

Não são poucos os carcinógenos ambientais. Eles podem estar presentes no meio ambiente, no lugar
de trabalho, na comida e nos hábitos pessoais.

1.19.1 Hábitos alimentares

Algumas características alimentares foram implicadas na causalidade de câncer. Recentemente


alimentos embutidos foram relacionados a um risco elevado de desenvolvimento de neoplasia do
tubo digestivo, bem como as carnes vermelhas frescas, ainda que estas últimas em menor grau de
importância. O consumo de alimentos frescos, ricos em fibras, reduz o risco de o indivíduo desenvolver
neoplasias do tubo digestivo.

1.19.2 Tabagismo

O tabagismo é o maior fator de risco evitável de adoecimento e morte no mundo. Ele tem relação
com vários tipos de câncer (pulmão, cavidade oral, laringe, faringe, esôfago, estômago, pâncreas, fígado,
rim, bexiga, colo do útero e leucemias) e é responsável por cerca de 30% das mortes por câncer.

O principal câncer associado ao tabagismo é o de pulmão. Fumantes chegam a ter 20 vezes mais
chances de ter esse tipo de câncer do que não fumantes, dez vezes mais chances de desenvolver câncer
de laringe e de duas a cinco vezes mais chances de possuir câncer de esôfago. Não há limite seguro para
o uso do tabaco.

Observação

A cessação do tabagismo deve ser uma luta constante de todos


os profissionais da saúde em cada momento de interação com os
pacientes tabagistas.
25
Unidade I

1.19.3 Etilismo

Estudos mostram que o etanol, em quaisquer quantidades, pode causar o desenvolvimento de


câncer de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon e reto) e mama (pré‑
e pós‑menopausa). A recomendação de se evitar o abuso do etanol serve para todas as bebidas
alcoólicas. Além disso, a combinação de álcool com tabaco aumenta a possibilidade do surgimento
desse grupo de doenças.

O etanol tem efeito cancerígeno sobre as células e, quando chega ao intestino, pode funcionar como
solvente, facilitando a entrada de outras substâncias carcinogênicas nas células. É importante destacar
que há uma evidente relação dose‑resposta entre o consumo de bebidas alcoólicas e o risco de câncer.

Quanto maior a dose ingerida e o tempo de exposição, maior será o risco de o indivíduo desenvolver
os tipos de cânceres citados.

1.19.4 Hábitos sexuais

Certas características de comportamento sexual aumentam a chance de exposição aos vírus


carcinogênicos sexualmente transmissíveis.

A precocidade do início da vida sexual, bem como a variedade de parceiros, tanto da mulher como
do seu companheiro, estão relacionados ao maior risco de câncer do colo do útero, o que sugere que
os hábitos sexuais contribuem para a propagação de agentes sexualmente transmissíveis, capazes de
induzir ao câncer.

Veja alguns tipos de vírus com potencial carcinogênico que podem ser transmitidos sexualmente:

• o HPV está relacionado ao câncer do colo do útero, da vagina, da vulva, do pênis, do canal anal e
da hipofaringe;

• o vírus da imunodeficiência humana (do inglês, HIV), associado a outros tipos de vírus, como o
citomegalovírus e os herpes‑vírus I e II, pode desencadear o aparecimento de sarcoma de Kaposi,
câncer de língua e de reto, respectivamente, em pacientes portadores de imunodeficiência
decorrente à infecção pelo vírus;

• o vírus HTLV‑I está associado a leucemias e ao linfoma de linfócitos T;

• os vírus das hepatites B e C estão relacionados ao câncer de fígado, embora apenas o vírus B possa
ser transmitido por meio de relações sexuais.

26
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

1.19.5 Exposição solar

A exposição solar excessiva é o principal fator de risco para o câncer de pele. No Brasil, este tipo de
câncer não melanoma é o tumor mais frequente em ambos os sexos.

Lembrete

As pessoas que se expõem ao sol de forma prolongada e frequente


constituem o grupo com maior risco de contrair câncer de pele,
principalmente aquelas de pele, cabelo e olhos claros.

No geral, crianças se expõem anualmente ao sol três vezes mais que adultos. Pesquisas indicam que
a infância é uma fase particularmente vulnerável aos efeitos nocivos do sol e a exposição cumulativa
e excessiva durante os primeiros 10 a 20 anos de vida aumenta muito o risco de câncer de pele na fase
adulta ou na velhice.

O clima tropical, a grande quantidade de praias, a ideia de beleza associada ao bronzeamento,


principalmente entre os jovens, e o trabalho ao ar livre (por exemplo, na construção civil e na lavoura)
favorecem a exposição excessiva à radiação solar.

1.19.6 Atividades físicas

A atividade física promove o equilíbrio dos níveis de hormônios, reduz o tempo de trânsito
gastrointestinal, fortalece as defesas do corpo e ajuda a manter o peso corporal adequado. Com isso,
contribui para prevenir contra o câncer de intestino (cólon), endométrio e mama (pós‑menopausa).

Caminhar ou ir de bicicleta ao trabalho, subir as escadas em vez de usar os elevadores, descer do


ônibus um ou dois pontos antes são algumas opções para aumentar a atividade física no dia a dia e
devem ser estimuladas aos pacientes por todos os profissionais da saúde.

1.19.7 Radiações ionizantes

Radiações de certos comprimentos de onda, chamadas de radiações ionizantes, têm energia


suficiente para danificar o DNA das células e causar câncer. Elas podem ser classificadas como não
evitáveis (naturais) e evitáveis (não naturais). Para a maioria das pessoas, a exposição natural é a maior
parte da exposição à radiação ionizante. As duas maiores fontes de radiações ionizantes naturais são os
raios cósmicos e a radiação proveniente da crosta terrestre.

As radiações ionizantes não naturais são encontradas na área de saúde – radiografia (raios X),
tomografia, mamografia, radioterapia, medicina nuclear, braquiterapia – e na indústria nuclear, para
geração de energia e nas armas nucleares. O risco de câncer proveniente dessa exposição depende da
dose, da duração, da idade em que se deu e de outros fatores, por exemplo, a sensibilidade dos tecidos
frente aos efeitos carcinogênicos da radiação.
27
Unidade I

Estudos feitos com sobreviventes da explosão das bombas atômicas e pacientes que se submeteram
à radioterapia mostraram que o risco de câncer aumenta em proporção direta à dose de radiação
recebida, e que os tecidos mais sensíveis às radiações ionizantes são o hematopoiético (medula óssea),
o tiroidiano, o mamário e o ósseo. As leucemias ocorrem entre dois e cinco anos após a exposição, e os
tumores sólidos surgem entre cinco e dez anos depois.

O risco de desenvolvimento de um câncer é significantemente maior quando a exposição à radiação


aconteceu na infância. Pessoas que trabalham na indústria nuclear ou próximo a equipamentos que
emitem radiação (em instituições médicas ou em laboratórios) estão expostos a esse fator de risco.

1.19.8 Medicamentos

Um pequeno número de medicamentos tem o potencial de induzir o aparecimento do câncer. Dentre


eles, o principal grupo é constituído por aqueles utilizados para tratar o câncer. Embora em curto prazo
os benefícios superem os riscos, é preciso ficar atento aos possíveis malefícios em longo prazo.

Outros grupos de medicamentos que podem aumentar o risco de câncer são aqueles à base de
hormônios e os imunossupressores. O primeiro tipo pode elevar os riscos para determinados tipos de câncer
ao mesmo tempo em que diminuem a ameaça para outros (por exemplo, anticoncepcionais apresentam
risco aumentado de câncer de mama e cervical e subtraído risco de câncer de endométrio e ovário).

O total de cânceres induzidos por medicamentos é muito baixo e nos países de baixa e média renda
deve ser inferior ao risco nos países de alta renda pela diferença de disponibilidade e utilização destes
medicamentos pela população.

BRASIL [s.d.]a categoriza 23 medicamentos (ou combinações de agentes) como carcinogênicos para
humanos (Grupo 1). Deste grupo de medicamentos, 18 são antineoplásicos, imunossupressores e hormônios.

Em relação à exposição às radiações por fontes naturais, o radônio merece destaque. Trata‑se de um
gás natural que tende a se concentrar em ambientes fechados como minas subterrâneas, residências ou
locais de trabalho. Uma vez inalado, ele é depositado no trato respiratório. Está associado ao câncer de
pulmão, sendo a sua segunda causa depois do tabagismo. Uma forma de se proteger é a manutenção
de ambientes ventilados, evitando a concentração desse gás.

1.19.9 Idade

Em geral, a frequência de câncer aumenta com a idade. A mortalidade pela doença é maior na
faixa etária dos 55 aos 75 anos de idade, diminuindo consideravelmente após. Esse fenômeno pode ser
explicado pelo fato de as mutações somáticas se acumularem ao longo da vida.

Outro aspecto interessante é que os tumores da infância, adolescência e fase jovem do adulto
são característicos, sendo extremamente raros outros tipos de tumores nessas faixas etárias ou o
desenvolvimento dessas neoplasias fora das idades respectivas.

28
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

1.19.10 Genética

Apesar de ser responsável por não mais que 10% dos casos de neoplasias malignas, as mutações
genéticas hereditárias são bem conhecidas e estabelecidas. A tabela a seguir apresenta os principais
genes e as referentes síndromes aos quais eles predispõem quando mutados.

Tabela 1 − Predisposição hereditária ao câncer

Gene Predisposição
RB Retinoblastoma
Síndrome de Li‑Fraumeni
p53
Diversas neoplasias
p16INK4A Melanoma
Polipomatose Adenomatosa Familiar
APC
Câncer de cólon
NF1 Neurofibromatose tipo 1 e 2
NF2
Câncer de Mama
BRCA1 Câncer de Ovário
BRCA2 Câncer de Próstata
Câncer de Pâncreas
MEN1, RET Neoplasia endócrina múltipla 1 e 2
Síndrome de Lynch
Câncer de Cólon Hereditário Não Polipose
MSH2, MLH1, MSH6, PMS2
Câncer de Endométrio
Câncer de Estômago
PATCH Carcinoma Basocelular Nevoide
Xeroderma Pigmentoso
Ataxia‑teleangiectasia
Genes do Reparo do DNA
Síndrome de Bloom
Anemia de Fanconi

Adaptado de: Kumar et al. (2012).

2 BASES MOLECULARES DO CÂNCER

Para compreender as bases moleculares do câncer, é útil encarar a doença como a proliferação
monoclonal a partir de uma célula com mutação em genes de proliferação e imortalidade. Existem quatro
principais lesões genéticas: proto‑oncogenes (promotores do crescimento celular), genes supressores de
tumores (inibidores do crescimento), genes reguladores da morte celular programada (relacionados com
a imortalidade celular) e genes relacionados com a reparação do DNA, que levam a uma instabilidade
gênica e à possibilidade de mutações em qualquer um dos itens anteriores.

29
Unidade I

Os alelos mutantes dos proto‑oncogenes são denominados oncogenes, sendo capazes de provocar
uma transformação celular. Geralmente esses alelos são dominantes e a mutação, em apenas um alelo,
já é suficiente para o desenvolvimento da alteração celular, diferentemente dos genes supressores de
tumores, que são recessivos e necessitam de mutação em ambos alelos para significância fenotípica.

Portanto, a carcinogênese é um processo de múltiplos passos decorrente de múltiplas mutações, até se


tornar clinicamente significativa. Por vezes, as mutações podem promover mais de uma característica vantajosa
à célula tumoral (por exemplo, mutações em genes de crescimento são também responsáveis por inibir a
apoptose e estimular a neovasculogênese). Ao fim do processo, a célula cancerosa arrecadará oito características
fundamentais para o sucesso da oncogênese, que são conhecidos como hallmarks do câncer, são eles:

• 1.2.1 Autossuficiência em relação aos fatores de crescimento.

• 2.2.1 Insensibilidade aos inibidores do crescimento.

• 3.2.1 Evasão da apoptose.

• 4.2.1 Potencial replicativo ilimitado.

• 5.2.1 Desenvolvimento de angiogênese.

• 6.2.1 Capacidade de invadir e metastatizar.

• 7.2.1 Evasão do sistema imune.

• 8.2.1 Instabilidade genômica.

2.1 Oncogenes – autossuficiência em relação a fatores de crescimento

Os oncogenes favorecem uma proliferação celular descontrolada através de vários mecanismos.


Pode ocorrer a superexpressão de fator de crescimento tecidual ou do receptor do fator de crescimento,
como nos tumores de cabeça e pescoço do fator de crescimento epidérmico humano (EGFR).

Talvez aconteçam mutações nos genes que codificam os receptores do fator de crescimento, que
passa a ficar independente do fator de crescimento para se ativar. Como uma lâmpada que permanece
o tempo todo acesa sem precisar do interruptor para acioná‑la. Um exemplo desse fenômeno ocorre em
alguns tumores de mama e de pulmão nos quais há ativação de membros da família do EGFR devido a
mutações específicas nos genes que codificam esses receptores.

Algumas vezes a mutação acontece em sinalizadores intracelulares, tornando a célula independente


do complexo receptor‑estimulador para se dividir. Um exemplo frequente ocorre nos tumores de cólon
nos quais uma mutação no gene da proteína do sarcoma de rato (muito mais conhecida pela sigla em
inglês, RAS) leva a um estímulo do citoplasma para o núcleo de modo constante e independente do
EGFR para a proliferação celular.
30
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Por fim, mutações nos genes que codificam as proteínas que coordenam o ciclo celular (ciclinas) ou
da quinase dependente de ciclinas (CDK) podem provocar uma proliferação celular excessiva. Isso ocorre
em um tipo específico de linfoma, chamado linfoma do manto.

Os oncogenes não se ativam somente através de mutações ativadoras nos proto‑oncogenes.


Algumas vezes, o que acontece são translocações, que colocam os oncogenes lado a lado com genes
que sinalizam uma maior replicação. Essa fusão genética existe, por exemplo, nas leucemias linfocíticas
agudas nas quais o gene BCR, localizado no cromossomo 22, e o gene ABL, encontrado no cromossomo
9, se fundem, gerando um cromossomo conhecido como Filadélfia. Essa fusão promove uma proliferação
descontrolada dos linfócitos imaturos doentes.

2.2 Genes supressores de tumores − insensibilidade aos inibidores do


crescimento

Por vezes, o estímulo ao desenvolvimento tumoral se faz por meio de mutações de silenciamento
dos genes supressores de tumores que codificam proteínas inibidoras da proliferação celular mediante a
regulação do ciclo celular. Um grande exemplo é a proteína RB, responsável por iniciar ou não a divisão
celular. Uma vez mutada, leva a uma predisposição ao retinoblastoma.

Outro exemplo extremamente frequente é a proteína p53, que é encarregada por toda a checagem
do ciclo celular, interrompendo‑o mediante qualquer falha detectada na duplicação do DNA. No
entanto, mutações na proteína p53 levam a um controle ineficaz e consequente produção de células
com diversas mutações somáticas no DNA, ou com elevada instabilidade genômica. Essas alterações
predispõem o indivíduo a diversos tipos de neoplasias.

A proteína p53 parece ser tão importante, que mutações somáticas no gene que a codifica já
foram detectados em praticamente todos os sítios de neoplasia. Além disso, cientistas descobriram
recentemente que a sua estabilidade genômica pode ser a responsável pela longevidade e ausência de
neoplasias que ocorre nos elefantes.

2.3 Evasão da apoptose

Apoptose, ou morte celular programada, pode se iniciar por meio de uma via intrínseca ou extrínseca
à célula. A permeabilidade da membrana mitocondrial é regulada por um equilíbrio existente entre as
moléculas pró‑apoptose (por exemplo, BAX e BAK) e as moléculas antiapoptose (por exemplo, BCL2 e
BCL‑XL). Em 85% dos linfomas de células B foliculares, o gene BCL2 encontra‑se inativado em decorrência
de uma translocação entre os cromossomos 8 e 14. Essa alteração torna a célula tumoral imortal.

2.4 Potencial replicativo ilimitado

Nas células normais, com o passar dos anos e das múltiplas divisões celulares, os telômeros (porções
finais) dos cromossomos vão se encurtando. Isso ocorre porque nos telômeros existem repetições de
genes fundamentais para as células, que podem sofrer mutações durante a duplicação do DNA, pois
estão localizados nas porções centrais do cromossomo. Quando isso acontece, as repetições presentes
31
Unidade I

nos telômeros são transcritas para manter o bom funcionamento da célula. Entretanto, quando o
encurtamento dos telômeros se torna excessivo, a célula entra em senescência e interrompe seu ciclo
para sempre. Esse mecanismo propicia a estabilidade cromossômica e impede que mutações sejam
levadas adiante na divisão celular.

As células tumorais reativam uma proteína chamada telomerase, isso faz com que a célula continue
se replicando descontroladamente e aumente de modo gradativo a instabilidade cromossômica, já que
as falhas na duplicação do DNA permanecem a cada nova divisão celular.

2.5 Desenvolvimento de angiogênese

A vascularização dos tumores é essencial para seu crescimento e desenvolvimento e, por isso, as
células tumorais expressam fatores angiogênicos em quantidade suficiente para a formação de novos
vasos em direção ao tumor.

O principal estímulo para a produção de novos vasos é a hipóxia. Em momentos de baixa concentração
parcial de oxigênio, os tecidos liberam um fator induzido pela hipóxia (conhecido pela sigla em inglês,
HIF1α). Entretanto, em condições normais, uma proteína conhecida como VHL é capaz de degradar o
HIF1α, inibindo a angiogênese e atuando como um verdadeiro gene supressor de tumor. Quando o gene
que codifica a proteína VHL apresenta mutações, ocorre uma liberação da angiogênese tumoral. Esta
alteração predispõe o câncer de células renais.

2.6 Capacidade de invadir e metastatizar

A capacidade de invadir tecidos é um fator fundamental para o desenvolvimento de neoplasias


malignas. Inicialmente, há um afrouxamento da fixação intercelular das células hospedeiras (através da
inativação da E‑caderina), depois ocorre uma degradação da matriz extracelular original e substituição
por uma matriz extracelular tumoral (rica em fatores quimiotáticos para atrair mais células tumorais
e fatores angiogênicos para garantir o sucesso das células tumorais). Por fim, as células tumorais se
desenvolvem no tecido invadido.

É interessante observar que algumas neoplasias revelam tropismos por órgãos específicos (por
exemplo, câncer de próstata e esqueleto ou câncer de pulmão e suprarrenais). A principal hipótese
para explicar esse fenômeno é a expressão de receptores de adesão e fatores quimiotáticos específicos
produzidos em alguns tecidos que são atraentes para as células tumorais.

2.7 Evasão do sistema imune

O sistema imunológico é capaz de reconhecer as células tumorais como não próprias e proceder com a
destruição delas. A atividade antitumoral se faz mediada predominantemente por mecanismos celulares
(linfócitos T ativados). Os antígenos celulares decorrentes de proteínas mutadas são apresentados aos
linfócitos T CD8+, que reconhecem como não próprios e desencadeiam uma resposta celular contra as
células tumorais.

32
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Os pacientes imunodeprimidos demonstram um risco elevado de câncer por falha nesse


mecanismo de reconhecimento e destruição celular. Contudo, nos pacientes imunocompetentes,
as células tumorais possuem diversos dispositivos para evadir do sistema imunológico. As mais
primitivas são a produção e a liberação de fatores quimiotáticos imunossupressores como o TGF‑β.
Além disso, as células tumorais são capazes de estimular a diferenciação de linfócitos T em células
T regulatórias que, diferentemente dos linfócitos T CD8+, são completamente irresponsivas a
estímulos não próprios. Ademais, a célula tumoral pode expressar em sua superfície proteínas de
ligação para o receptor de morte programada de linfócitos, inativando a resposta dos linfócitos
às células tumorais.

Essa relação entre o sistema imunológico e o câncer é dividida em três fases:

• Eliminação: as células imunológicas reconhecem os antígenos das células tumorais como não
próprias e procedem com a eliminação delas. Acredita‑se que aquelas que conseguirem vencer os
mecanismos de reparo do DNA são eliminadas pelo sistema imunológico em 99% das vezes. Essa
fase ocorre diversas vezes, diariamente, no organismo normal de um indivíduo sem câncer.

• Equilíbrio: algumas células conseguem vencer a fase de eliminação através dos mecanismos
descritos anteriormente e entram em uma etapa de equilíbrio na qual os linfócitos não respondem,
mas as células tumorais também não se replicam.

• Escape: é o último estágio, quando a neoplasia se torna clinicamente visível e caracteriza‑se por
uma replicação significativa das células tumorais sem qualquer resposta do sistema imunológico.

2.8 Instabilidade genômica

A instabilidade genômica foi associada ao desenvolvimento do câncer a partir da observação dos


pacientes com mutações hereditárias dos genes que participam do sistema de reparação do DNA,
apresentando um risco elevado de câncer. Sabe‑se que cerca de 10 mil falhas na duplicação do DNA
são reparadas diariamente quando os mecanismos de reparo do DNA se encontram em funcionamento.

O risco elevado de câncer decorre da instabilidade genômica que se instala quando os tais
dispositivos falham. Estas células acumulam diversas mutações pontuais, que podem levar a um
aumento no risco de câncer.

Pacientes com a síndrome de Lynch têm defeito nos genes que codificam as proteínas de reparo por
excisão de bases no DNA. A referida mutação leva a uma instabilidade de microssatélites, predispondo
esses indivíduos principalmente a um câncer de cólon hereditário não polipose.

Além disso, alguns pacientes possuem defeitos nos genes BRCA1 e BRCA2 de reparo do DNA. Estas
pessoas apresentam risco elevado de uma série de tipos de neoplasias, mas principalmente câncer de
mama e câncer de ovário.

33
Unidade I

2.9 Aspectos clínicos dos tumores

Os sintomas iniciais das neoplasias dependem do órgão acometido pelo tumor, embora na maior
parte das vezes o organismo tolere bem a sua presença e, por isso, o diagnóstico seja extremamente
tardio em geral.

Nas fases mais avançadas, além dos sintomas locais, a liberação de citocinas pelo tumor causa
caquexia (perda progressiva de massa corporal magra e gorda) e é associada à debilidade intensa, anorexia
e anemia. Existe a hipótese de que os sintomas gerais sejam mais intensos quanto mais indiferenciada,
e consequentemente mais agressiva, for a neoplasia.

Alguns tumores podem produzir substâncias endócrinas ou parácrinas, responsáveis pelo surgimento
de síndromes conhecidas como paraneoplásicas. A mais importante é a produção de uma substância
semelhante ao paratormônio, que estimula a absorção de cálcio no intestino e a liberação de cálcio dos
ossos, provocando uma hipercalcemia.

Outra síndrome paraneoplásica importante ocorre nos tumores neuroendócrinos, ou carcinoides.


Eles produzem uma quantidade excessiva de serotonina, que, na circulação sistêmica, provoca uma
série de sintomas como diarreia, rubor e calor facial, taquicardia e até valvulopatias nos casos mais
severos. Essa síndrome é denominada síndrome carcinoide e auxilia no diagnóstico de tumores
neuroendócrinos substancialmente.

Observação

Deve‑se sempre examinar a presença de trombose venosa profunda ou


tromboembolismo pulmonar que ocorre em diversas neoplasias, sendo, às
vezes, o gatilho da investigação tumoral.

2.10 Diagnóstico do câncer

O diagnóstico do câncer é feito por meio do exame anatomopatológico do espécime recolhido


junto ao tumor. Existem vários métodos de obtenção de amostras como excisão cirúrgica do tumor,
biópsia incisional realizada em procedimento cirúrgico, biópsia por aspiração com agulha fina ou
amostras citológicas.

A imuno‑histoquímica é um teste realizado com anticorpos específicos para reagir com a amostra
tumoral, servindo como base para a determinação da expressão de certas proteínas na superfície tumoral.
Este teste tem importância crescente na oncologia moderna. Por meio dele, conseguimos classificar o
sítio primário do tumor quando a biópsia é coletada na metástase e não há nenhum sinal ou sintoma
que aponte a origem do tumor. Além disso, a imuno‑histoquímica é útil para estabelecer a expressão
de proteínas resultantes de mutação em alguns genes que podem predizer o risco daquela neoplasia ou
permitir um tratamento molecular alvo‑dirigido.

34
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Nos tumores hematológicos, a citometria de fluxo é um teste importante para a determinação


específica das células tumorais e classificação dos tumores, que será fundamental para estabelecimento
do tratamento e do prognóstico da doença.

Alguns tumores liberam proteínas que podem ser detectadas no sangue periférico, essas substâncias
são conhecidas como marcadores tumorais. O único marcador tumoral que serve para o diagnóstico da
neoplasia (sem a necessidade de realização de biópsia da lesão) é a alfafetoproteína no hepatocarcinoma.
Caso o marcador esteja elevado e existam imagens inequívocas da neoplasia, o diagnóstico será feito
sem a necessidade de biópsia.

Outros marcadores são importantes para a classificação do prognóstico da doença e auxiliam inclusive
na definição do melhor tratamento para a neoplasia. O principal exemplo nessa categoria é o antígeno
prostático específico (PSA). Por meio da dosagem do PSA sérico, é possível estimar o prognóstico do
câncer de próstata e eleger o tratamento mais adequado para o paciente. Além disso, o PSA serve para o
seguimento da doença, sendo extremamente sensível nos casos de recorrência ou piora do tumor.

Alguns marcadores servem somente para o acompanhamento de pacientes já sabidamente


portadores da neoplasia e que eventualmente já tenham concluído o tratamento. Existem diversos
exemplos como o antígeno carcinoembrionário (CEA) nos tumores de cólon e reto. É vital ressaltar que
marcadores como o CEA não funcionam para o diagnóstico e tão pouco servem como preditores do
prognóstico da doença. Portanto, essa classe de marcadores deve ser solicitada somente pelo médico
oncologista durante o seguimento dos pacientes já sabidamente portadores de câncer. Jamais devem
ser requeridos como exames de rastreamento nem na população geral, nem em indivíduos com risco
elevado para neoplasias.

A determinação do perfil molecular dos tumores mediante testes de sequenciamento do DNA


permite conhecer a expressão de segmentos específicos do genoma que possam evidenciar mutações
fundamentais para o tratamento do câncer. Esses testes são feitos, em geral, com a própria amostra
obtida na biópsia, embora alguns mais modernos estejam utilizando o DNA livre circulante no sangue
periférico para precisar a presença de mutações específicas.

2.11 Estagiamento do câncer

Após o diagnóstico de câncer, procede‑se com o estagiamento tumoral. Afinal, o estágio da doença
é o principal fator prognóstico para todas as neoplasias e serve também para orientar o tratamento.

O estagiamento pode ser realizado por meio de exames de imagem ou durante procedimentos cirúrgicos.

Observação

O método ideal varia conforme o sítio primário da neoplasia, mas


somente após o adequado estagiamento a equipe multidisciplinar poderá
discutir o melhor tratamento para o indivíduo portador do câncer.
35
Unidade I

3 PATOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

O sistema cardiovascular é composto de coração, artérias, veias e linfáticos. As patologias do sistema


cardiovascular representam a principal causa de morbidade e mortalidade em quase todos os países do
mundo. Em 2015, uma em cada três mortes ocorridas no País relacionam‑se às referidas patologias, ou
seja, quase 350 mil óbitos.

3.1 Vasos sanguíneos

A patologia vascular produz enfermidade por meio de dois mecanismos principais:

• estenose ou obstrução da luz dos vasos, que pode ocorrer de modo progressivo (aterosclerose) ou
súbito (trombose ou embolismo);

• debilidade das paredes vasculares, que podem predispor dilatação ou ruptura do vaso.

Antes de abordar detalhadamente as patologias que acometem os vasos sanguíneos, é preciso fazer
uma rápida revisão sobre anatomia e funcionamento das artérias e veias.

3.2 Vasos normais

A morfologia dos vasos sanguíneos segue um padrão praticamente constante ao longo de todo o
sistema vascular.

As artérias são responsáveis por receber e transportar o sangue oriundo das câmaras cardíacas e
precisam resistir aos pulsos de intensas pressões sanguíneas. Por esse motivo, elas apresentam uma
camada muscular que as tornam mais espessas e resistentes que as veias.

A camada interna das artérias, que fica em contato com o sangue, é denominada íntima. A íntima
é composta de uma única camada de células endoteliais que ficam em contato contínuo com o fluxo
sanguíneo. Classicamente, acreditava‑se que o papel dessas células seria somente regular a permeabilidade
dos vasos sanguíneos não somente ao oxigênio, mas também aos linfócitos e aos outros componentes
celulares do sistema hematológico. Entretanto, foram descobertas e atribuídas novas funções às células
endoteliais. Uma importante e complexa liberação de substâncias regulatórias fundamentais para todos
os tecidos do corpo humano respondem a diferentes agressões. A tabela a seguir resume as utilidades
das células endoteliais em resposta a lesões vasculares.

36
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Tabela 2 − Propriedades e funções das células endoteliais

Função Substâncias liberadas


Regulação da permeabilidade vascular
Prostaciclina
Trombomodulina
Liberação de antitrombóticos
Moléculas tipo heparina
Ativador do plasminogênio
Fator de von Willebrand
Liberação de protrombóticos Fator tissular
Inibidor do ativador do plasminogênio
Colágeno
Produção da matriz extracelular
Proteoglicanas
Modulação do fluxo sanguíneo: Vasoconstritores Endotelina e enzima conversora da angiotensina
Óxido Nítrico
Modulação do fluxo sanguíneo: Vasodilatadores
Prostaciclina
Interleucinas
Molécula de adesão vascular (VCAM)
Regulação da inflamação Molécula de adesão intercelular (ICAM)
Selectinas
Antígenos de histocompatibilidade
Fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF)
Regulação do crescimento celular e Desenvolvimento Fator estimulante de colônias (CSF)
vascular (Vasculogênese) Fator de crescimento de fibroblastos (FGF)
Fator de crescimento tumoral (TGF)
Oxidação do LDL

Adaptado de: Kumar et al. (2012).

A segunda camada da parede arterial é a média ou muscular. Ela é composta basicamente de


diversas camadas de células musculares lisas e uma matriz extracelular que inclui elastina, colágeno
e glicosaminoglicanas. A espessura dessa camada varia ao longo do sistema vascular, sendo maior nas
artérias próximas do coração e menor nas arteríolas e nos capilares periféricos. As células musculares
lisas mais internas são nutridas diretamente por difusão do oxigênio através de fenestras do vaso
sanguíneo. Contudo, aquelas mais externas necessitam de pequenos vasos oriundos da própria artéria
para receberem aporte de oxigênio.

Observação

Os pequenos vasos são denominados vasa vasorum, ou seja, vaso


dos vasos, em latim.

37
Unidade I

A camada externa das artérias é chamada adventícia e apresenta pouco significado nas patologias
do sistema vascular.

3.3 Anomalias congênitas

As anomalias congênitas do sistema vascular têm uma frequência indeterminada, uma vez que
raramente vão se tornar sintomáticas. Em geral, as anomalias vasculares são detectadas ao acaso por
exame solicitado por outro motivo ou durante um procedimento cirúrgico. A seguir serão destacadas as
anomalias congênitas mais importantes.

3.3.1 Aneurismas

Os aneurismas são observados nos vasos cerebrais e se caracterizam por pequenas dilatações
esféricas que apresentam uma debilidade vascular. Quando se rompem, podem produzir hemorragia
intracraniana potencialmente fatal.

3.3.2 Fístulas arteriovenosas

As fístulas arteriovenosas são comunicações anormais entre os sistemas arterial e venoso que
ocorrem comumente nos vasos intermédios. Essa comunicação pode não somente acontecer por uma
falha no desenvolvimento das artérias e veias, mas também ser criada cirurgicamente para a obtenção
de um acesso a fim de realizar sessões de hemodiálise. Quando as fístulas arteriovenosas são grandes
ou extensas, podem fazer com que um volume exagerado de sangue retorne ao coração. Essa alteração
hemodinâmica é capaz de produzir uma falência cardíaca.

3.3.3 Displasia fibromuscular

A displasia fibromuscular é um engrossamento focal irregular das paredes das artérias médias e
grandes. Sua consequência é uma estenose da luz do vaso, que pode causar baixo débito e hipofluxo no
órgão irrigado.

3.3.4 Aterosclerose

A aterosclerose se caracteriza por lesões da camada íntima das artérias denominadas ateromas
(também conhecidas como placas de ateromas ou placas ateromatosas) que se desenvolvem e ocupam
a luz vascular.

Uma placa ateromatosa consiste em uma lesão sobrelevada internamente, preenchida por um
conteúdo lipídico amarelo e pastoso, recoberto por uma capa fibrosa firme e esbranquiçada.

Além de obstruir o fluxo sanguíneo, as placas ateromatosas debilitam a camada média subjacente e
podem se romper, produzindo uma trombose potencialmente catastrófica no vaso.

38
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

A aterosclerose é a patologia mais frequente na maior parte do mundo ocidental, levando em


consideração que ela é a causa principal dos eventos isquêmicos cardíacos e cerebrais.

3.3.4.1 Fatores de risco

Os fatores de risco principais serão listados e divididos em constitucionais e modificáveis. Citaremos,


a seguir, os fatores de risco constitucionais.

• Idade

A idade tem uma influência importante, uma vez que as lesões das placas ateromatosas crescem
progressivamente, até ficarem clinicamente evidentes. Em consequência, homens entre 40 e 60 anos de
idade têm uma incidência de infarto do miocárdio cinco vezes maior do que os mais jovens.

• Sexo

As mulheres no menacme estão relativamente protegidas contra a aterosclerose e suas


consequências comparadas aos homens da mesma idade. Isso se deve ao fato de os hormônios
regulatórios do ciclo menstrual serem produzidos a partir dos ésteres do colesterol. Após a
menopausa, a incidência de enfermidades ateroscleróticas aumenta e fica relativamente igual à
dos homens de mesma idade.

• Genética

A predisposição familiar à aterosclerose e às doenças cardiovasculares é bem estabelecida.


Tanto indivíduos de grupos familiares com alto risco de hipertensão ou diabetes quanto aqueles
de grupos familiares com deficiências no metabolismo das lipoproteínas apresentam risco elevado
para aterosclerose.

A seguir, apresentaremos os aspectos referentes aos principais fatores de risco modificáveis.

3.3.5 Dislipidemia

A dislipidemia, especialmente a hipercolesterolemia, é o principal fator de risco modificável


para a doença ateromatosa. O componente fundamental do colesterol sérico, associado com o
desenvolvimento da doença aterosclerótica, é o colesterol nas lipoproteínas de baixa densidade
(em inglês, LDL), que tem função de entregar o colesterol aos tecidos periféricos e, nas artérias
lesionadas, deposita-o no interior das placas de ateroma. Contudo, o fator essencial de risco
relacionado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares é a deficiência de lipoproteínas de
alta densidade (em inglês, HDL), responsável por mobilizar o excesso de colesterol dos tecidos (e
dos vasos) de volta ao fígado.

39
Unidade I

3.3.6 Hipertensão

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é outro fator de risco maior para a aterosclerose. São
importantes tanto os níveis pressóricos sistólicos quanto os diastólicos. A hipertensão pode elevar o risco
de evento cardiovascular ao redor de 60% comparado com indivíduos normotensos. Sem tratamento,
cerca de metade dos pacientes hipertensos morreria de eventos cardiovasculares.

3.3.7 Tabagismo

O consumo do tabaco é um fator de risco bem estabelecido para aterosclerose. A principal causa é a
instabilidade na placa de ateroma provocada pelo tabaco e pelo alto risco de rompimento da placa com
o consumo de cigarros. Acredita‑se que o risco de aterosclerose em mulheres tenha aumentado para
níveis comparáveis ao dos homens devido ao maior tabagismo entre elas nas últimas décadas.

3.3.8 Diabetes mellitus

O Diabetes mellitus induz a dislipidemias e a uma síndrome metabólica que provoca um efeito
pró‑inflamatório, aumentando significativamente o risco de doença ateromatosa.

3.3.9 Aumento da proteína C reativa (PCR)

A inflamação está presente em todos os estágios de evolução da doença aterosclerótica, mas


intimamente relacionada com instabilidade e rotura da placa de ateroma. Alguns estudos recentes
demonstraram que níveis séricos elevados de PCR estão associados a um risco maior de eventos
cardiovasculares.

3.3.10 Outros fatores de risco menores

Estudos prospectivos populacionais apontam que a obesidade, o estresse e o sedentarismo são


responsáveis por aumentos discretos no risco de desenvolvimento de aterosclerose. Além disso, esses
motivos podem ser causas indiretas de condições de risco maiores para o desenvolvimento de doenças
do aparelho cardiovascular.

3.3.10.1 Patogenia

A visão contemporânea da aterosclerose tenta explicar a doença como uma resposta inflamatória
crônica da parede arterial em resposta a uma lesão endotelial causada pelo acúmulo de lipoproteínas.

A progressão da lesão ocorre por causa das interações entre as lipoproteínas, os macrófagos derivados
dos monócitos, os fibroblastos e os constituintes celulares normais da parede arterial.

A doença começa com uma lesão endotelial inicial provocada por alterações decorrentes dos fatores
de risco principais citados, que levam à disfunção das células endoteliais, ao aumento da permeabilidade
dos vasos, à adesão de leucócitos e à trombose.
40
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

A lesão endotelial crônica promove um acúmulo de lipoproteínas na parede do vaso. A adesão de


monócitos ao endotélio lesado recoberto por lipoproteínas acumuladas conduz à transformação dos
macrófagos em células espumosas.

A liberação de fatores ativadores de plaquetas, macrófagos e fibroblastos transforma a parede do


vaso lesado por meio da produção de uma camada muscular lisa e uma matriz extracelular que vai
aumentando o diâmetro da placa de ateroma e, consequentemente, diminuindo a luz do vaso sanguíneo.

A camada doente de células endoteliais que recobre a placa é frágil e pode sofrer erosão facilmente.
Isso expõe substâncias trombogênicas do interior da placa à corrente sanguínea, levando a uma trombose,
que pode ocluir totalmente a parede do vaso, previamente estreitada pela presença da placa de ateroma.

Saiba mais

O Manual do Ministério da Saúde do Brasil pode ajudá‑lo a aprofundar


seus estudos sobre HAS de forma multiprofissional. Para mais conhecimento,
leia: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa
com doença crônica: hipertensão arterial sistêmica. Brasília: Ministério da
Saúde, 2013a. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/
publicacoes/caderno_37.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2017.

Observação

O principal meio de prevenção da aterosclerose se dá pela prevenção


ou pelo controle dos fatores fundamentais de risco causadores da
doença. A prevenção pode ser primária, quando o indivíduo nunca teve
evento cardiovascular pregresso, ou secundária, para evitar que pacientes
apresentem recorrência de eventos cardiovasculares.

3.4 Hipertensão

A pressão arterial sistêmica deve variar dentro de um intervalo estreito e bem controlado para não
haver complicações decorrentes de variações excessivas para mais ou para menos. A hipotensão pode
provocar a perfusão inadequada de órgãos e, em último caso, lesão tecidual. Por outro lado, a hipertensão
pode causar lesões vasculares como a aterosclerose, gerando eventos isquêmicos ou hemorrágicos.

Apesar de a hipertensão ser um problema de saúde frequente e estar relacionado a doenças por
vezes devastadoras, a detecção da hipertensão arterial se faz nas fases mais avançadas, uma vez que ela
geralmente não apresenta sintomas.

41
Unidade I

Além disso, o conhecimento cada vez maior das vias moleculares que regulam a pressão arterial não
foi suficiente para elucidar as causas da hipertensão na maior parte dos casos, sendo denominada como
hipertensão essencial.

Os efeitos prejudiciais do aumento da pressão arterial ocorrem de forma contínua e diretamente


proporcional ao crescimento da tensão vascular.

De maneira geral, o diagnóstico de hipertensão se dá quando a pressão diastólica se conserva acima


de 90 mmHg e a pressão sistólica mantém‑se acima de 140 mmHg.

A regulação da pressão arterial se dá através de diversos mecanismos físicos e químicos complexos


e interativos. De maneira simplificada, a tonicidade dos vasos sanguíneos e hormônios produzidos pelos
rins e suprarrenais regulam a tensão arterial.

3.4.1 Patogênese

Como descrito, 90 a 95% dos casos de hipertensão são idiopáticos e compatíveis com uma sobrevida
extensa, sem que ocorra qualquer complicação cardiovascular.

A maior parte da hipertensão de causa definida ocorre em consequência a patologias renais (como
as glomerulonefrites agudas, a doença renal crônica ou a doença renal policística) ou, em menor
frequência, a uma estenose da artéria renal. Outras raras vezes a hipertensão é secundária a patologias
suprarrenais como o hiperaldosteronismo primário, a síndrome de Cushing e o feocromocitoma.

Fatores genéticos também contribuem para o desenvolvimento da hipertensão arterial. Os estudos


que comparam a pressão arterial em gêmeos monozigóticos e aqueles de agrupamento familiar da
hipertensão estabelecem claramente um componente genético, ainda que desconhecido, associado.

Observação

Além de acelerar a aterosclerose, as mudanças degenerativas


relacionadas à hipertensão podem potencializar tanto a dissecção aórtica
como a hemorragia cerebrovascular.

3.5 Aneurismas e dissecções

Um aneurisma é uma dilatação anormal e localizada de um vazo sanguíneo. Quando ele afeta as três
camadas da parede arterial, é chamado aneurisma verdadeiro. Os aneurismas ateroscleróticos, sifilíticos
e congênitos são deste tipo.

Em contraposição, um falso aneurisma é uma abertura na parede vascular que dá lugar a um


hematoma extravascular, que se comunica livremente como espaço intravascular (aneurisma pulsátil).

42
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

As causas mais importantes dos aneurismas são a aterosclerose e a degeneração cística da camada
muscular média da artéria. Outras situações menos frequentes são os traumatismos (aneurismas
congênitos), as infecções (aneurisma sifilítico) e as vasculites.

Os aneurismas ateroscleróticos se produzem com maior frequência na aorta abdominal. Outras


condições de risco para o aneurisma de aorta abdominal são a idade (já que mais de 95% dos casos
ocorrem após os 60 anos de idade) e os fatores genéticos. As consequências clínicas dos aneurismas
de aorta abdominal incluem a rotura do vaso na cavidade peritoneal com hemorragia massiva e
potencialmente fatal. Além disso, o curso da dissecção pode promover obstrução em alguns ramos do
vaso acometido pelo aneurisma, causando isquemia (por exemplo, nas artérias renais ou mesentéricas).

Uma dissecção arterial se produz quando o sangue entra na parede da artéria, como um hematoma
que vai dissecando as camadas do vaso. As dissecções são quase sempre relacionadas a aneurismas.

A dissecção aórtica é um feito catastrófico pelo qual o sangue separa os planos laminares da média
para formar um canal preenchido por sangue dentro da parede do vaso. A hipertensão arterial é o
principal fator de risco para a dissecção aórtica. A aorta de indivíduos hipertensos mostra hipertrofia da
vasa vasorum e alterações degenerativas na matriz extracelular.

O risco decorrente da dissecção aórtica depende principalmente da localização da lesão. As


lesões proximais (dissecções tipo A) são mais graves, pois afetam a aorta ascendente ou percorrem
além da porção ascendente para até a porção descendente. As lesões distais não afetam a porção
proximal da aorta.

O sintoma clássico da dissecção da aorta é a dor torácica intensa e transfixante de início súbito. O
diagnóstico diferencial elementar, pela apresentação da doença, é o infarto agudo do miocárdio.

3.6 Vasculites

Vasculite, ou inflamação dos vasos sanguíneos, ocorre em distintos contextos clínicos. Dependendo
do leito vascular afetado (por exemplo, sistema nervoso central, próximo ao coração ou no intestino
delgado), as manifestações podem ser diversas. Existem também sintomas gerais como febre, mialgias,
artralgias e mal‑estar geral.

Elas conseguem, teoricamente, acometer todo e qualquer vaso sanguíneo, embora se observe uma
predileção por conjuntos vasculares específicos em cada tipo de vasculite. Atualmente, mais de vinte
formas primárias da doença foram descritas e diversos modelos de classificação já foram desenvolvidos.

3.6.1 Vasculites não infecciosas

Os principais mecanismos que iniciam as vasculites não infecciosas são depósitos de


imunocomplexos, liberação de anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos (em inglês, Anca) e
anticorpos anticélulas endoteliais.

43
Unidade I

3.6.2 Vasculites infecciosas

As arterites localizadas em um único ramo vascular são decorrentes da invasão local por agentes
infecciosos, geralmente bactérias ou fungos, em particular das espécies Aspergillus e Mucor. A invasão
vascular pode ser parte de uma infecção tissular mais geral como pneumonia e abcessos adjacentes.

Observação

As infecções vasculares podem debilitar as paredes arteriais e dar lugar a


aneurismas micóticos ou ainda induzir a trombose e a infarto. Um exemplo
clássico desse fenômeno ocorre na meningite bacteriana, e nela a vasculite
causada pela bactéria pode provocar trombose e infarto.

3.7 Patologias das veias

As veias varicosas e as tromboflebites representam 90% das patologias associadas com as veias. As
veias varicosas são veias tortuosas anormalmente dilatadas produzidas por um aumento prolongado
da pressão intraluminal e perda do tônus da parede do vaso. As veias superficiais das partes superior e
inferior da perna são as mais afetadas. Quando o indivíduo permanece em pé por períodos prolongados,
as pressões venosas podem ser até dez vezes superiores à normal.

A dilatação varicosa faz com que as valvas venosas fiquem incompetentes, dando lugar a estase,
congestão, edema e trombose. As varizes podem ocorrer também em outras localidades.

As varizes esofágicas são decorrentes da obstrução da veia porta que produz uma hipertensão portal,
aumentando o fluxo de sangue nas veias da união gastroesofágica. Elas são comumente observadas em
pacientes portadores de cirrose hepática. A rotura de varizes esofágicas pode provocar hemorragia do
trato digestivo superior potencialmente fatal.

As hemorroidas podem ser consequência de uma dilatação varicosa do plexo venoso na união
anorretal. Esta dilatação é provocada pela congestão pélvica prolongada complicada pela força realizada
ao defecar e também pela gravidez.

As hemorroidas são incômodas e podem ser fonte de sangramento ou trombose. A trombose dessas
pequenas veias provoca a dor, que ocorre em alguns casos de hemorroidas.

As veias profundas da perna representam mais de 90% dos casos de tromboflebites. Tal denominação
decorre do aspecto de inflamação e trombose sobrepostos que caracterizam a patologia.

Os principais fatores de risco para a trombose venosa profunda (TVP) são insuficiência cardíaca
congestiva, neoplasias, gravidez, obesidade e repouso prolongado (especialmente em pós‑operatórios).

44
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Observação

A tromboembolia pulmonar (TEP) é uma complicação potencialmente


grave da TVP. Trata‑se da consequência da fragmentação e rotura de um
trombo venoso. Dependendo do tamanho e do número de êmbolos, a
evolução pode ser desde assintomática até uma morte súbita.

3.7.1 Patologia dos linfáticos

Os transtornos primários dos vasos linfáticos são muito raros, diferentemente dos processos
secundários, que se desenvolvem em decorrência de métodos inflamatórios e de neoplasias.

A linfangite é uma inflamação aguda produzida geralmente por infecção. Os linfáticos afetados ficam
dilatados e repletos de um exsudato de neutrófilos e monócitos, que pode se estender através da parede do
linfático, causando celulite e abcessos focais. Clinicamente, a linfagite é assinalada por cordões subcutâneos
vermelhos e dolorosos com um aumento doloroso do tamanho das adenopatias que os drenam.

3.8 Coração

O coração é um órgão fundamental na fisiologia do corpo humano. Através de suas câmaras, cerca
de 6 mil litros de sangue fluem todos os dias para perfundir todos os órgãos e tecidos do corpo de um
indivíduo adulto.

Como consequência, as patologias cardíacas são responsáveis pela causa prevalecente de morbidade e
mortalidade nos países ocidentais. A seguir serão apresentados os aspectos das principais patologias cardíacas.

3.9 Insuficiência cardíaca

A insuficiência cardíaca (ICC) é o desfecho frequente de múltiplas enfermidades que acometem o


coração. A maior parte dos casos de ICC se deve a uma disfunção sistólica decorrente da deterioração
da função contrátil do miocárdio. Na maior parte dos casos, tal processo é desencadeado por um evento
isquêmico ou pela hipertensão arterial crônica, entretanto, a ICC também pode ocorrer em consequência
de defeitos nas válvulas cardíacas.

Existe também a insuficiência cardíaca diastólica, que é um defeito no relaxamento cardíaco e se dá


em indivíduos de maior idade, geralmente portadores de hipertensão arterial e Diabetes mellitus.

Na ICC, o coração é incapaz de bombear o sangue satisfatoriamente. A doença é assintomática nas


fases iniciais, pois o aparato cardiovascular pode se adaptar a uma redução da contratilidade miocárdica
através de diversos mecanismos hemodinâmicos como regulação do tônus vascular periférico e modificação
estrutural da musculatura cardíaca (hipertrofia miocárdica). As principais patologias que comprometem a
hemodinâmica cardíaca levam a uma insuficiência cardíaca inicial das câmaras esquerdas.

45
Unidade I

Nas fases mais avançadas, surgem os sintomas. Na ICC predominantemente de câmaras esquerdas
ocorre um aprisionamento do sangue na circulação pulmonar, levando a uma hipertensão arterial
pulmonar (HAP) e à congestão dos vasos pulmonares. Clinicamente, os pacientes costumam apresentar
dispneia, tosse e dor ventilatório‑dependente que pode ser decorrente de derrame pleural. Outra
manifestação típica se origina do maior retorno venoso ao coração quando o paciente se deita; é a
ortopneia caracterizada por dispneia ao decúbito com melhora após se levantar.

A ICC predominantemente de câmaras direitas acontece devido à insuficiência cardíaca das câmaras
esquerdas ou, em uma proporção menor dos casos, em decorrência de valvulopatias de câmaras
cardíacas direitas ou patologias pulmonares primárias, que levam a um aumento da pressão arterial
pulmonar. O quadro clínico destes pacientes é menos específico, podendo ser observada congestão
sistêmica (caracterizada por hepatomegalia ou esplenomegalia, ascite e edema periférico).

3.10 Cardiopatias congênitas

As cardiopatias congênitas são malformações do coração ou dos grandes vasos que estão presentes
no momento do nascimento. Existe um amplo espectro de malformações cardíacas, geralmente
classificadas como cianóticas ou acianóticas, dependendo da presença ou ausência desse achado no
exame clínico do neonato.

A causa das malformações cardíacas é indeterminada em cerca de 90% dos casos. Nas outras situações,
a infecção pela rubéola pode ser responsável por anomalias cardíacas congênitas. Existem também
eventos decorrentes de alterações genéticas já conhecidas, como as trissomias dos cromossomos 13, 15,
18 e 21, além da síndrome de Turner.

Observação

As malformações mais comuns são as comunicações interventriculares


(CIV), responsáveis por cerca de 42% dos casos e as comunicações interatriais
(CIA), encarregadas por aproximadamente uma a cada dez ocorrências.

As CIV são a principal causa de ligação (ou em inglês: shunt) da circulação cardíaca esquerda com
a direita. Em decorrência das malformações, ocorre um afluxo sanguíneo maior na circulação arterial
pulmonar, podendo ocasionar sintomas como dispneia e derrames pleurais. Entretanto, esta patologia
costuma corrigir‑se na vida adulta espontaneamente e não requer um tratamento específico na grande
maioria dos casos.

A principal patologia que representa as cardiopatias congênitas cianóticas é a tetralogia de Fallot, e


nela ocorre:

• comunicação interventricular;

• obstrução do trato de saída do ventrículo direito (estenose pulmonar);


46
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

• aorta sobreposta ao defeito septal ventricular;

• hipertrofia ventricular direita.

Nesta patologia, a cianose é decorrente da comunicação entre câmaras direitas e esquerdas, fazendo
com que o sangue venoso retorne à circulação periférica sem ser oxigenado na circulação pulmonar.

Existem também cardiopatias congênitas obstrutivas que dificultam o fluxo sanguíneo através do
coração. A principal patologia desta categoria é a coartação da aorta, um estreitamento da saída da
aorta observado com frequência em indivíduos portadores de síndrome de Turner. Tal doença apresenta
como principal sintoma dor claudicante dos membros superiores, pulso débil e diferenças de pressão
arterial entre os membros superiores e inferiores.

3.11 Cardiopatia isquêmica

A cardiopatia isquêmica é decorrente da isquemia do miocárdio, caracterizada por um desbalanço entre


o aporte e a necessidade de oxigênio na musculatura do coração. A grande maioria dos casos é consequência
de baixo fluxo sanguíneo provocado pela trombose de uma placa de ateroma, mas existem eventos raros
decorrentes de outras situações como anemias graves e intoxicação por monóxido de carbono.

A isquemia do miocárdio provoca dor localizada na região precordial, que pode irradiar para o
membro superior e para a região submandibular.

No espectro da isquemia cardíaca, o paciente pode apresentar somente um quadro repetitivo de dor
precordial: em decorrência do esforço (angina pectoris), que se relaciona com uma obstrução parcial da
artéria coronária pela placa de ateroma; um infarto do miocárdio agudo, quando a obstrução coronariana
é completa; cardiopatia isquêmica crônica, que é uma insuficiência cardíaca decorrente de um evento
agudo inicial ou morte súbita decorrente de uma isquemia miocárdica extensa, que compromete áreas
responsáveis pelo controle do ritmo cardíaco, levando a arritmias fatais.

O infarto do miocárdio agudo, popularmente conhecido como ataque cardíaco, é a necrose do


músculo cardíaco devido à isquemia. Qualquer forma de oclusão arterial coronariana pode produzir
infarto agudo, mas a imensa maioria decorre da rotura de uma placa aterosclerótica com consequente
formação de trombo. Existem também alguns casos menos frequentes referentes a espasmos das artérias
coronárias (por exemplo, após intoxicação exógena por derivados da cocaína). Uma zona infartada se
manifesta macroscopicamente como uma zona pálida, amarelada. Microscopicamente, ela apresenta
uma necrose de coagulação.

Observação

O infarto pode acometer as camadas mais superficiais do miocárdio


(infartos subendocárdicos) ou se aprofundar por todo o miocárdio
(infarto transmural).
47
Unidade I

Infartos de pequenas extensões ou ocorridos em indivíduos mais idosos, que geralmente denotam
circulação colateral coronariana mais exuberante, são assintomáticos. O diagnóstico é feito após o
evento agudo através das alterações funcionais decorrentes do evento agudo.

Cerca de três em cada quatro pacientes apresentará uma ou mais complicações após um infarto
agudo do miocárdio. A disfunção contrátil é uma alteração da função de bombeamento oriunda
da necrose das fibras musculares isquemiadas. Em casos de infartos grandes, a disfunção pode ser
significativa, causando um choque cardiogênico, que ocasionará morte em aproximadamente 70%
das ocorrências. Nos outros eventos, a disfunção contrátil poderá se expressar como uma insuficiência
cardíaca como foi descrita.

Outra complicação potencialmente severa é o desenvolvimento de arritmias em decorrência da


lesão isquêmica de feixes responsáveis pelo controle ou pela condução do ritmo cardíaco. Nos casos
mais graves, tais arritmias podem ocasionar a morte súbita do paciente.

A rotura miocárdica é uma complicação incomum (1 a 5% dos casos), mas é a causa mais frequente
de mortalidade relacionada ao infarto do miocárdio (até 25% dos casos fatais apresentam rotura
miocárdica). Esta complicação é caracterizada pela rotura da parede ventricular com consequente
hemopericárdio. A rotura pode acontecer em quase qualquer momento após um evento agudo, embora
seja mais habitual de três a sete dias após o evento inicial.

Observação

A combinação de perda da contratilidade com uma lesão endocárdica


isquêmica pode favorecer o desenvolvimento de trombos murais e eventos
tromboembólicos.

O aneurisma da parede ventricular é uma complicação tardia decorrente de infartos profundos no


miocárdio, levando ao surgimento de um tecido cicatricial fibroso delgado e altamente suscetível à
formação de trombos murais, arritmias e insuficiência cardíaca.

Por fim, a disfunção do músculo papilar pode provocar uma súbita e significativa alteração na
função valvular, que talvez afete ainda mais a hemodinâmica do coração lesado e provoque a sua
falência irreversível.

3.12 Cardiopatia valvular

As valvulopatias são caracterizadas por estenose, insuficiência ou ambas.

A estenose é a impossibilidade de uma válvula abrir‑se completamente. Isto provoca desde obstrução
ao fluxo sanguíneo de graus variáveis até refluxo anterógrado do sangue. Geralmente, a estenose valvar
decorre de um processo crônico produzido por alterações nos folhetos valvares (por exemplo, calcificação
ou cicatrização da válvula cardíaca).
48
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

A insuficiência ocorre pela impossibilidade de uma válvula fechar‑se inteiramente, o que permite o
refluxo sanguíneo. A insuficiência deriva de uma destruição do folheto valvar.

Observação

A estenose e a insuficiência podem coexistir na mesma válvula cardíaca.


Além disso, o mesmo indivíduo pode apresentar valvulopatias em mais de
uma válvula cardíaca simultaneamente.

As consequências das valvulopatias dependem da válvula afetada, do grau de comprometimento, da


evolução cronológica da doença e da velocidade de evolução da lesão valvar. Por exemplo, a destruição
súbita de um folheto da válvula aórtica por uma infecção pode produzir uma insuficiência massiva com
rápida insuficiência cardíaca. Em oposição, a estenose mitral reumática habitualmente aparece após
alguns anos e seus efeitos clínicos são bem toleráveis.

O fluxo sanguíneo anormal através das válvulas cardíacas produz um ruído típico conhecido como sopro.

3.13 Valvulopatia reumática

A febre reumática é uma enfermidade inflamatória sistêmica autoimune aguda que aparece
várias semanas depois de um episódio de faringite por estreptococos B‑hemolíticos do grupo A. As
deformidades valvulares crônicas são as consequências mais importantes da cardiopatia reumática e
se caracterizam por cicatrização difusa e densa das válvulas, que produzem disfunção valvar. A mais
frequente é a estenose mitral.

Clinicamente, a febre reumática ocorre entre duas e três semanas após a faringite aguda e se
caracteriza por uma poliartrite aguda assimétrica migratória acompanhada de febre. Os sintomas da
valvulopatia reumática dependem das válvulas afetadas, embora os achados mais comuns sejam sopros,
hipertrofia e dilatação cardíaca. A maioria dos casos permanece somente em acompanhamento, sem
necessidade de troca da válvula afetada.

3.14 Endocardite infecciosa

A endocardite infecciosa é uma infecção grave que precisa de diagnóstico e intervenção rápidos.
É assinalada por uma invasão microbiana das válvulas cardíacas ou do endocárdio mural, dando lugar
a vegetações bacterianas friáveis. Estas vegetações podem ganhar a corrente sanguínea, levando à
formação de êmbolos sépticos para diversos órgãos do corpo.

A maioria dos casos é decorrente da infecção pelo estreptococo viridans, um grupo relativamente
banal da flora oral normal, embora o germe mais virulento na prática clínica seja o estafilococo aureus.
Além disso, pode ocorrer infecção por enterococos ou bactérias do grupo Hacek (hemófilos, actinobacilo,
cardiobactéria, Eikenella e Kingella). Mesmo assim, cerca de um em dez eventos permanece sem o
agente infeccioso isolado.
49
Unidade I

A principal situação que predispõe à endocardite infecciosa é a presença da bactéria no sangue. A


porta de entrada pode ser a cavidade oral – devido à má higiene oral ou a procedimentos dentários.
Pacientes com dispositivos de infusão de medicamentos (cateteres de longa permanência) ou aqueles
que fazem uso de substâncias injetáveis também apresentam risco elevado de desenvolvimento de
endocardite infecciosa.

Clinicamente, a febre é o sinal mais constante da endocardite infecciosa. Outro sinal clínico
característico é o surgimento repentino de um sopro cardíaco. O diagnóstico final é feito por meio da
hemocultura positiva e de ecocardiografias (transtorácica e, em caso negativo, em paciente de alta
suspeita diagnóstica, endoscópica).

3.15 Miocardiopatias

Miocardiopatia é um termo que se aplica às enfermidades intrínsecas do músculo cardíaco. Tais


patologias podem ser consequência de alterações prévias ou idiopáticas.

A miocardiopatia dilatada é responsável por cerca de 90% dos casos de miocardiopatia e produz
uma disfunção sistólica. No Brasil, uma de suas causas frequentes é a infecção pelo Trypanosoma cruzi,
responsável pela doença de Chagas. Outros motivos são a exposição a tóxicos (por exemplo, álcool) e
defeitos genéticos das proteínas citoesqueléticas.

A miocardiopatia hipertrófica cria uma disfunção diastólica ou de relaxamento. A imensa maioria


dos eventos se deve a mutações autossômicas dominantes dos genes que codificam o aparato contrátil,
em particular a cadeia pesada da β‑miosina.

A miocardiopatia restritiva dá lugar a um miocárdio rígido, sendo geralmente resultante de patologias


de depósito como a amiloidose e a hemocromatose. Existem ainda alguns casos decorrentes de fibrose
intersticial (produzida pela radiação) ou cicatrizes endomiocárdicas.

3.16 Patologias do pericárdio

As principais patologias do pericárdio são a pericardite e o derrame pericárdico.

A pericardite primária é infrequente pois a maioria das situações são decorrentes de inflamações
produzidas por infecções virais (ou, em menor proporção, bacterianas ou fúngicas) ou doenças
inflamatórias (por exemplo, lúpus eritematoso sistêmico).

A uremia é um transtorno metabólico sistêmico mais frequentemente associado à pericardite.


Neoplasias que acometem o pericárdio também podem provocar pericardites e derrames pericárdicos
difíceis de tratar.

Geralmente as pericardites se resolvem de modo espontâneo ou com o tratamento adequado da


causa de base, embora elas possam produzir complicações hemodinâmicas imediatas se houver um
volume significativo de derrame pericárdico ou até progredirem para um processo fibrosante crônico.
50
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

4 DOENÇAS DO APARELHO RESPIRATÓRIO

As doenças do aparelho respiratório são classificadas de duas formas: agudas ou crônicas. As doenças
respiratórias crônicas (DRC) foram responsáveis por aproximadamente 7% das mortes em âmbito
mundial e mais de 6 milhões de internações hospitalares entre os anos de 2003 e 2013.

4.1 Doenças infecciosas do sistema respiratório

Há diversas doenças infecciosas que atacam o sistema respiratório. Veremos as mais comuns.

4.1.1 Pneumonia

Trata‑se de uma inflamação dos pulmões, mais especificamente dos alvéolos. Esta infecção pulmonar
ocorre após um microrganismo ter vencido as barreiras de defesa do hospedeiro. Tais barreiras incluem
os mecanismos nasais, traqueobrônquicos e alveolares, que são capazes de filtrar, neutralizar e remover
partículas e/ou microrganismos inalados.

O microrganismo conseguirá infectar o sistema respiratório quando algum dos fatores de defesa
respiratório não tiver eficiência suficiente ou a quantidade de agente infeccioso saturar os mecanismos
de defesa do organismo. A etiologia da pneumonia pode ser, principalmente, de origem bacteriana, viral
e fúngica. A pneumonia bacteriana é ocasionada por microrganismos Gram‑positivos e Gram‑negativos.

Quando acometida a região brônquica ocorre a broncopneumonia; por outro lado, quando a região
de lóbulos pulmonares é afetada, damos o nome de pneumonia lobar.

A broncopneumonia caracteriza‑se pela consolidação exsudativa focal do parênquima pulmonar.


Trata‑se de uma doença comumente causada por bactérias.

A pneumonia lobar, diferentemente da broncopneumonia, acomete grande parte ou a totalidade de


um lobo pulmonar.

4.1.2 Abscesso pulmonar

É a necrose do parênquima pulmonar resultante de infecção microbiana, causada principalmente


por estafilococos, estreptococos Gram‑positivos ou Gram‑negativos e anaeróbicos.

O abcesso pulmonar ocorre de 7 a 14 dias após a inoculação do microrganismo.

Primariamente, o abscesso pulmonar está frequentemente associado aos casos de pacientes que
sofreram aspiração do conteúdo oral.

Os secundários se relacionam a portadores de anomalias pulmonares como: neoplasias, corpos


estranhos, bronquiectasias, complicações cirúrgicas ou doenças sistêmicas que comprometem a defesa
imunológica (por exemplo, HIV).
51
Unidade I

4.1.3 Tuberculose

A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa e transmissível crônica que afeta prioritariamente os
pulmões, e ela é causada pelo Mycobacterium tuberculosis. É um bacilo aeróbio, ou seja, que necessita
de oxigênio para sobreviver.

Sua principal forma de transmissão é através de gotículas infectadas (tosse, espirro etc.) de indivíduos
já contaminados.

É uma importante doença em âmbito de saúde pública, com notificação compulsória aos órgãos
competentes. No Brasil, compõe um problema de saúde pública com profundas raízes sociais. A cada
ano, segundo BRASIL [s.d.]b., são notificados aproximadamente 70 mil novos casos e 4,5 mil mortes em
decorrência da doença.

A tuberculose pulmonar apresenta como principal sintoma a tosse seca por mais de três semanas.
Além dele, pode haver febre vespertina, sudorese noturna, emagrecimento e fadiga.

O paciente que demonstra alguns desses sinais ou sintomas deve investigar a possibilidade de estar
infectado pelo M. tuberculosis. Para isso, recomenda‑se a pesquisa do bacilo álcool‑resistente (Baar).
Trata‑se de uma técnica simples e de baixo custo, que solicita ao paciente colher uma amostra do seu
escarro, no mínimo, em duas amostras: na primeira consulta e na outra, independentemente do resultado
da primeira, na manhã do dia seguinte. Caso necessário, amostras adicionais serão solicitadas ao paciente.

Outro teste também recomendado para o diagnóstico da tuberculose pulmonar é a prova


tuberculínica (PT). Trata‑se de uma técnica em que se insere por via intradérmica um derivado proteico
do M. tuberculosis para mensurar a resposta imune celular a este antígeno. Após a aplicação, a leitura do
resultado deve ser feita entre 48 e 72 horas após; e o maior diâmetro transverso do endurado palpável
causado pelo PT deve ser medido com uma régua milimetrada.

Para a prevenção da tuberculose, o Ministério da Saúde fornece cobertura através da vacina BCG,
usualmente realizada nos primeiros dias de vida do bebê.

Saiba mais

Para aprofundar seus conhecimentos sobre as diretrizes brasileiras


no manejo da doença, veja: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Tuberculose na Atenção
Primária à Saúde. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em:
<http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/livro_tuberculose11.
pdf>. Acesso em: 7 jul. 2017.

52
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

4.1.3.1 Tuberculose pulmonar primária

A tuberculose primária ocorre quando o sistema de defesa do indivíduo é vencido pela primeira vez
e adoece, o que pode acometer qualquer órgão ou sistema.

Sua sintomatologia pode ser desde disfunções ganglionares ou gânglios no pulmão. Outra forma de
acometimento é a meningoencefalite tuberculosa, que atinge o sistema nervoso central do indivíduo.

4.1.3.2 Processos de reinfecção da tuberculose

Quando as defesas imunes são efetivas, conseguem deter a infecção inicial e a doença se desenvolve a
partir de um foco latente, recebendo o nome reinfecção endógena. Se a infeção for consequência de uma nova
infecção que o organismo do indivíduo não foi capaz de combater, dá‑se o nome de reinfecção endógena.

Apesar de na maioria das vezes a tuberculose apresentar um quadro sintomatológico pulmonar, ela
também pode ter formas clínicas extrapulmonares, que são resultantes da disseminação dos bacilos
pela corrente sanguínea e/ou linfática, a partir de um foco de inoculação pulmonar. Tal disseminação do
bacilo no organismo pode se efetivar através de quatro vias:

• Via linfo‑hematogênica: responsável pela maioria das formas extrapulmonares, ocorre por se
tratar de uma via primária que o bacilo utiliza para a infecção após sua entrada no organismo –
utiliza‑se a via linfática e o sangue. Este tipo de via pode ocasionar tuberculose ganglionar, renal,
adrenal, óssea, meningoencefálica e genital feminina.

• Via hematogênica: acontece através da ruptura da lesão diretamente em um vaso sanguíneo,


levando a diversas formas disseminadas da doença.

• Por contiguidade: responsável pela forma clínica pleural, a partir dos pulmões. Dá‑se também por
via pericárdica, a partir de gânglios mediastinais; peritoneal, a partir de gânglios mesentéricos, alças
intestinas ou trompas (por rompimento de divertículos) e algumas formas de tuberculose cutânea.

• Intracanalicular: há o comprometimento de diferentes locais do pulmão, através da árvore


brônquica; pode ocorrer também a infecção pelo trato urinário inferior e genital masculino, com
fonte primária do rim; e do endométrio e peritônio, por via primária das trompas.

4.2 Doenças inflamatórias pulmonares

Vejamos a seguir alguns tipos de asma:

4.2.1 Asma brônquica

A asma brônquica é uma doença inflamatória recidivante crônica, caracterizada por aumento da
responsividade da árvore traqueobrônquica a diversos estímulos, resultando em contrações paroxísticas
das vias aéreas brônquicas.
53
Unidade I

O processo inflamatório característico da asma é complexo e envolve múltiplas células e mediadores.


Apesar de, primariamente, as células do aparelho respiratório de modo tradicional não serem consideradas
potencialmente inflamatórias, seus produtos estão envolvidos na inflamação típica da asma. Nesse
contexto, podemos incluir: as citocinas (por exemplo, interleucinas), fator estimulador de colônias
de granulócitos‑macrófagos (GM‑CSF), fator de necrose tumoral (TNF‑α), fator transformador do
crescimento‑beta (TGF‑β), radicais reativos de oxigênio, tais como ânion peróxido, peróxido de hidrogênio,
radicais hidroxilas e peróxidonitrito, produtos granulares pré‑formados (por exemplo, proteína básica
principal do eosinófilo e proteína catiônica eosinofílica), histamina e triptase do mastócito, mediadores
lipídicos (prostaglandinas), leucotrienos e fator ativador de plaquetas, moléculas de adesão (molécula
intracelular de adesão), molécula de adesão da célula vascular‑1 e selectinas.

Cabe ressaltar que cada um dos mediadores da inflamação que antecedem os quadros de crises
asmáticas têm sua função na sintomatologia da doença. Destacaremos tais mediadores a seguir:

• os leucotrienos são potentes mediadores que produzem broncoconstrição prolongada e aumentam


a permeabilidade vascular e a secreção de mucina;

• a acetilcolina que é liberada pelos nervos motores intrapulmonares; o que produz a constrição do
músculo liso das vias aéreas diante do estímulo direto dos receptores muscarínicos;

• a histamina, que produz broncoespasmo e aumenta a permeabilidade vascular, por se tratar de


um importante mediador de reações alérgicas;

• as prostaglandinas, que causam broncoconstrição e vasodilatação;

• o fator ativador plaquetário que estimula a agregação plaquetária e libera a histamina dos
seus granulócitos.

Contudo, devido a sua fisiopatologia extensa e moderada, por diversos fatores estimulantes, esta
doença pode ser classificada em:

• Extrínseca atópica, que tem origem por estímulo de alérgenos

A asma extrínseca atópica é o tipo mais comum entre os indivíduos, ela é desencadeada por
estímulos ambientais alérgenos (poeira, pólen etc.), contudo frequentemente está associada à história
familiar de alergias. Trata‑se de uma doença mediada pela imunoglobulina E (IgE), que, durante a fase
aguda, liga‑se ao antígeno através dos mastócitos recobertos por IgE; esta ligação gera mediadores
primários (por exemplo, leucotrienos) e também mediadores secundários (citocina e neuropeptídios).
Em consequência a todo esse processo, poderá ocorrer broncoespasmo, edema, secreção de muco e
recrutamento dos leucócitos.

Há reação tardia subsequente, mediada pelos leucócitos (eosinófilos e leucócitos), que trazem as
características clínicas de broncoespasmo e edema persistentes, infiltração leucocitária e perda das
células epiteliais lesadas.
54
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

• Intrínseca não reagínica, de origem idiopática

A asma não reagínica é desencadeada por infecções das vidas aéreas, irritantes químicos e drogas;
sem precedente familiar e com pouca ou nenhuma ligação à hipersensibilidade mediada pelo IgE. Até
então, ainda não há evidências conclusivas sobre a causa primária do aumento da reatividade das vias
aéreas neste tipo de asma.

• Asma induzida por fármacos

Alguns fármacos podem provocar a asma, por exemplo, o ácido acetilsalicílico. Isto ocorre em
indivíduos que são sensíveis a tal componente e que indicam recorrentes quadros de rinites, pólipos
nasais, urticária e broncoespasmo. Ainda se desconhece completamente o mecanismo de ação que
causa esta sensibilidade medicamentosa e o aparecimento da asma, porém supõe‑se que ele ocorra
graças à inibição da via da ciclo‑oxigenase do metabolismo do ácido araquidônico, sem afetar a via da
lipo‑oxigenase, resultando em um desequilíbrio dos leucotrienos, que causam broncoconstrição.

• Asma ocupacional

É uma doença intrinsicamente ligada à profissão do indivíduo. Pessoas que atuam com vapores
(resinas epóxi, plástico), materiais orgânicos e químicos (madeira, algodão) e gases (tolueno), além de
outros produtos químicos, podem apresentar o quadro da doença.

As crises não aparecem no primeiro contato com os produtos, mas depois de uma exposição contínua
aos antígenos desencadeantes.

Contudo, em todas as classificações de asma, podemos encontrar consequências morfologicamente


bastante parecidas, apesar de mecanismos de indução diferentes. Os pulmões apresentam‑se
hiperinsuflados e têm focos de atelectasia, com oclusão das vias aéreas por tampões de muco. Em
termos microscópicos os pulmões ficam edemaciamos, com presença de infiltrado inflamatório das
paredes brônquicas com numerosos eosinófilos, hipertrofia da musculatura da parede brônquica
e das glândulas mucosas da submucosa, rolhas espiraladas de muco (conhecidas como espirais de
Curschmann) e restos cristaloides de membranas dos eosinófilos (chamados cristais de Charcot‑Leyden)
no interior das artérias.

4.3 Doenças pulmonares obstrutivas

Entre os modelos de doenças pulmonares obstrutivas, destacamos:

4.3.1 Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) possui caráter primariamente respiratório (mas que
pode, secundariamente, trazer consequências sistêmicas), prevenível e tratável, caracterizando-se pela
presença de obstrução crônica do fluxo aéreo com caráter progressivo.

55
Unidade I

A DPOC está associada a um processo inflamatório anormal dos pulmões frente à inalação de
partículas e gases tóxicos, principalmente relacionados ao tabagismo.

Observação

O processo inflamatório crônico traz consigo alterações progressivas


e irreversíveis de brônquios (bronquite crônica), bronquíolos (bronquiolite
obstrutiva) e parênquima pulmonar (enfisema pulmonar). Estas mudanças
variam de acordo com cada indivíduo, mas sempre se relacionam ao quadro
sintomatológico que o paciente apresenta.

Do ponto de vista fisiológico, a DPOC pode ser classificada como:

• doença obstrutiva, caracterizada por aumento da resistência do fluxo aéreo;

• doença restritiva, reconhecida por redução da expansão do parênquima pulmonar e consequente


diminuição da capacidade pulmonar total.

A DPOC refere‑se ao espectro de doenças clínicas que incluem desde o enfisema pulmonar até a
bronquite. Embora haja diferença entre as duas doenças citadas, ambas possuem uma característica
primordial: o mesmo patógeno, o cigarro.

4.3.2 Enfisema pulmonar

O enfisema pulmonar é uma doença obstrutiva crônica, resultante de um processo de alterações


estruturais da região distal do bronquíolo terminal, seja por dilatação do espaço aéreo, seja por destruição
da parede alveolar, que ocorre por diminuição do recolhimento elástico e hiperinsuflação pulmonar.

Por muitos anos atribui‑se como sua causa o desequilíbrio enzimático proteinase‑antiproteinase,
que, através da liberação de enzimas proteolíticas ativas, produzidas principalmente por macrófagos e
neutrófilos, degrada a matriz extracelular, afetando a integridade dos seus componentes, em particular
das fibras de colágeno e elástica.

A hipótese da protease‑antiprotease afirma que a destruição das paredes dos alvéolos no


enfisema resulta de um desequilíbrio entre as proteases e seus inibidores no pulmão, com as
seguintes evidências clínicas:

• Hereditariedade na deficiência do principal inibidor da protease, a α1‑antitripsina. Caracterizada


por ocorrer em indivíduos jovens fumantes.

• A instilação pulmonar de enzimas proteolíticas, como a elastase dos neutrófilos.

56
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Através do estímulo do tabaco, o enfisema pode ocorrer por:

• recrutamento de neutrófilos para os pulmões, por meio dos fatores presentes em macrófagos
alveolares, que são ativados graças à fumaça;

• incentivo à liberação de elastase dos neutrófilos;

• potencialização da atividade da elastase dos macrófagos;

• inativação da α1‑antitripsina por oxidantes que estão presentes na fumaça do tabaco ou pelos
radicais livres liberados pelos neutrófilos ativados.

Nas formas difusas, quando os pulmões são afetados pelo enfisema, tornam‑se volumosos e macios,
com possíveis rupturas das paredes, que levam a sua característica morfológica de colmeia.

Entretanto, novos conceitos que envolvem eventos celulares e moleculares têm sido propostos, por
exemplo, o estresse oxidativo, a apoptose celular, a senescência celular e a falha no processo de reparo
do tecido pulmonar. Contudo, tais propostas ainda não se mostraram contundentes para uma aceitação
universal, tal como a primeira e já descrita proposta patogênica.

Essas alterações permanentes e progressivas na dilatação dos espaços aéreos, anatomicamente,


podem atingir apenas uma parte do ácino ou toda a estrutura acinar, indicando a etiologia e o
comportamento fisiopatológico da doença.

ENFISEMA PULMONAR

Destruição e aumento das partes


centrais ou proximais do ácino Comprometimento predominante
com preservação dos alvéolos dos lobos superiores e ápice
distais

Figura 1 – Apresentação fisiopatológica do quadro de enfisema

Como apresentado, observa‑se que o enfisema ocorre de duas formas distintas, que podem ser
entendidas principalmente por sua diferença de locais de prejuízos anatômicos causados pelo processo
da doença. Secundariamente, ele pode ser classificado como enfisema pan‑acinar e enfisema parasseptal.

O enfisema pan‑acinar caracteriza‑se por destruição uniforme e aumento do ácino, predominância


nas zonas basais inferiores, além de forte associação com a deficiência de α1‑antriprisina.

57
Unidade I

O enfisema parasseptal afeta principalmente o ácino distal, poupando o proximal. Ocorre próximo à
pleura e nas áreas adjacentes à fibrose ou às cicatrizes, constitui frequentemente a lesão subjacente do
pneumotórax espontâneo.

4.4 Atelectasia

A atelectasia refere‑se à expansão incompleta ou ao colapso dos pulmões ou de parte dele. Pode ser
aguda ou crônica em adultos. Sua etiologia tem frequente associação a tampões de exsudato brônquico
viscoso, tumores endobrônquicos, granulomas ou corpos estranhos, além de compressões pulmonares
por líquido ou ar na pleura e deficiência de surfactante.

Após a obstrução súbita de um brônquio, o ar que estava presente nos alvéolos periféricos é absorvido
pelo sangue circulante, causando a não aeração e a retração pulmonar em pouco tempo, levando o
pulmão a contrair‑se e entrar em colapso completo.

No quadro inicial da atelectasia, o sangue do indivíduo perfunde o pulmão não aerado, causando
hipoxemia arterial. Se as hipóxias tecidual e capilar resultarem em transudação de líquido e edema
pulmonar, os espaços alveolares ficarão cheios de secreções e células, o que evitaria um colapso
atelectásico pulmonar completo.

Para cada conjunto de causas que levam o indivíduo a ter atelectasia, subdivide‑se o tipo de doença em:

• atelectasia absortiva: causada pela obstrução completa de uma via aérea, ocasionada, por
broncoaspiração de corpo estranho, presença de tumor etc.;

• atelectasia compressiva: quando o espaço pleural é expandido pela presença de ar (pneumotórax)


ou de sangue (hemotórax);

• atelectasia focal: que se desenvolve através da perda de surfactante pulmonar, que pode ocasionar
a síndrome respiratória do neonato.

4.5 Doenças intersticiais

Há muitas formas de doenças intersticiais, inclusive com sintomas distintos. Vejamos exemplos.

4.5.1 Pneumoconioses

Trata‑se de um conceito genérico acerca de pneumopatias relacionadas à inalação de poeiras no


ambiente de trabalho, ou seja, é um conjunto de doenças que causa repercussões pulmonares.

As pneumoconioses podem ser divididas, didaticamente, em dois grandes grupos: fibrogênicas


e não fibrogênicas. Esta classificação se dá pelo potencial da poeira (estímulo) em produzir uma
reação tecidual.

58
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Fisiopatologicamente, tal grupo de doenças acontece a partir de um estímulo de poeira não


orgânica, sais inorgânicos e/ou fumos metálicos que causam fibrose pulmonar ou não. É importante
para o diagnóstico da doença que fique evidenciado a qual tipo de substância o indivíduo foi
exposto, de forma que isso contribui para saber qual a reação tecidual que pode ocorrer, bem como
o prognóstico da doença.

4.5.1.1 Pneumoconioses não fibrogênicas

Também conhecidas como pneumoconioses simples, caracterizam‑se por lesão de tipo macular com
deposição intersticial de partículas e discreto grau de desarranjo estrutural, com ausência de proliferação
fibroblástica e de fibrose.

Observação

Quando conhecida a fonte de estímulo que levou à doença, a pneumoconiose


recebe denominações mais específicas: siderose (causada pelo ferro), baritose
(causada pelo bário), estanose (causada pelo estanho) etc.

Contudo, a intensidade do estímulo desencadeador da pneumoconiose depende de algumas


variáveis das partículas, tais como o tamanho, a forma, a solubilidade e a reatividade que cada
uma delas possui. Quanto maior a partícula, menor o seu potencial para causar danos. Aquelas que
medem de 1 a 5 µm são as que possuem o maior potencial de lesão nos pulmões, por se alojarem
nas bifurcações das vias aéreas distais.

As partículas que possuem a tendência de se depositar nas vias aéreas distais desencadeiam
uma reação do sistema imune, que as reconhece como corpo estranho. Esta resposta em cadeia
inicia‑se com o macrófago alveolar pulmonar, que é fundamental para o início e a perpetuação da
lesão e da fibrose pulmonar.

Os macrófagos são ativados por uma reação ao corpo estranho (partícula) depositado na via
respiratória. Liberam diversos produtos no organismo e, consequentemente, levam a uma resposta
inflamatória. Nesta ação inflamatória estão presentes os fibroblastos e o depósito de colágeno,
provocando uma reação localizada.

Indivíduos com reação inflamatória por pneumoconiose, quando em contato com o cigarro (tabaco),
tendem a ter uma piora acentuada em comparação a não fumantes, pois o tabaco acentua os efeitos
das partículas inaladas.

4.6 Silicose

Epidemiologicamente trata‑se da doença ocupacional mais comum do mundo. Esta doença está
associada aos profissionais que manejam vidro, devido à densa e grande presença de sílica nos produtos
manuseados por eles.
59
Unidade I

A sílica pode apresentar‑se cristalina e amorfa ou cristalina. A forma cristalina é a principal causadora
da pneumoconiose induzida por sílica, pois possui partículas potencialmente mais tóxicas e fibrógenas.

Quando inaladas, as partículas de sílica induzem a ativação e liberação de mediadores através


dos macrófagos pulmonares, entre eles IL‑1, TNF, fibronectina, mediadores lipídicos, radicais livres do
oxigênio e citocinas fibrógenas.

Morfologicamente, os nódulos silicóticos, causados pelo depósito de sílica nas vias respiratórias, se
caracterizam por serem minúsculos, apesar de palpáveis, bem delimitados e com uma coloração que varia
do pálido até o enegrecido. Tal variação pode acontecer porque junto ao depósito de sílica há também
partículas de carbono, que escurecem os nódulos. Microscopicamente, pode‑se observar que as lesões são
ricas em fibras de colágeno, que, na maioria das vezes, concentra‑se ao redor de um certo amorfo.

4.7 Sarcoidose

A sarcoidose é uma doença relativamente comum, que está no conjunto


de afecções histopatologicamente caracterizadas por granulomas, sem
participação de agentes infecciosos. Estes granulomas são classificados
como não caseosos e podem acometer praticamente qualquer tecido
(DALDON; ARRUDA, 2007, [on‑line]).

Observação

Trata‑se de uma doença que, epidemiologicamente, afeta mais mulheres


do que homens; os negros americanos são dez vezes mais afetados quando
comparados à população de etnia branca.

O granuloma apresenta‑se como uma resposta do hospedeiro formada, sobretudo, pelos histiócitos,
que são macrófagos residentes no tecido. Os granulomas não infecciosos dividem‑se em:

• granulomas sarcoídeos: o granuloma consiste em um arranjo concêntrico de células epiteloides


(histiócitos modificados). Devido à participação dos linfócitos T neste processo, pode ser
denominado granuloma imunológico. Os protótipos do grupo são a sarcoidose e também a
queilite granulomatosa de Miescher.

• granulomas necrobióticos: sua característica principal é a degeneração do colágeno dérmico,


chamado necrobiose, envolto por histiócitos e linfócitos dispostos em paliçada. Pode‑se citar
como exemplos de doenças neste caso o granuloma anular, a necrobiose lipoídica, o granuloma
actínico, o nódulo reumatoide, o granuloma multiforme e o granuloma elastolítico.

• granulomas de corpo estranho: são doenças provocadas por substâncias incapazes de elicitar
a resposta imune especializada, mediadas por linfócitos T, sendo também designados como
granulomas não imunológicos. Microscopicamente, exibem um material estranho fagocitado
60
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

por histiócitos, que se aglomeram em células gigantes multinucleadas. São tipos de doenças
nesses casos, os granulomas de corpo estranho provocados, por exemplo, por fio de sutura.
Etiologicamente, a sarcoidose apresenta uma complexa resposta granulomatosa, mediada de uma
forma que pode ser desencadeada.

• alveolite linfocítica: com numerosas células T CD4 + ativadas (causada pelo aumento da produção
de IL‑2 e da proliferação do antígeno HLA‑DR), a presença de macrófagos alveolares ativados de
modo semelhante (devido ao aumento da IL‑1 e da produção de radicais de oxigênio).

• anergia cutânea: uma ampla variedade de agentes que induzem à reação cutânea de
hipersensibilidade tardia, como a reação tuberculina.

• linfopenia absoluta: causada pela redução das células T circulantes. Com isso, as células B
circulantes permanecem em número normal, porém elas são hiper‑reativas.

• secreção de células T auxiliares ativadas e suas citocinas: são responsáveis pelo influxo de monócito
e subsequente desenvolvimento de granulomas e lesão mediada por células nos tecidos.

• elevação do número de células T‑γ‑δ circulantes: está associada a uma doença micobacteriana, e,
algumas vezes, à reação em cadeia da polimerase para o DNA micobacteriano no tecido sarcoide.

Existe também a sugestão de indivíduos que são geneticamente predispostos à doença. Tal
suscetibilidade genética relaciona‑se aos alelos do HLA classe II (HLA‑DR 3, 5, 8, 9, 11, 12, 14,
15, 17, HLA‑DPB1, HLA‑DQB1), enquanto outros alelos conferem a proteção conta a doença
(HLA‑DR1, HLA‑DR4).

Morfologicamente, a sarcoidose apresenta uma organomegalia, que consiste no aumento de fígado,


baço e linfonodos, sem outras características macroscópicas aparentes.

Os linfonodos são quase sempre afetados na sarcoidose, sendo mais comum as regiões hilar e
mediastínica. Porém, vale ressaltar que entre 25 e 33% dos casos também afetam as amígdalas.

Os pulmões também são um sítio comum de acometimento na sarcoidose. Neles, ocorre a presença de
granulomas difusos e espalhados (exibindo um padrão reticulonodular nas radiografias), que geralmente
não são visíveis de forma macroscópica. As lesões têm uma forte tendência à cicatrização, de forma que
somente as cicatrizes hialinizadas conseguem ser observadas no exame microscópico.

O baço e o fígado são microscopicamente afetados em uma média de até 75% dos casos de sarcoidose.
Apesar desse alto índice de acometimento, somente em 18% dos casos pode ocorrer esplenomegalia
nos indivíduos portadores da doença e a hepatomegalia é ainda menos frequente.

Além desses órgãos, a sarcoidose afeta a pele e os olhos. A sarcoidose cutânea pode ocorrer em
cerca de 33 a 50% dos pacientes, manifestando‑se na forma de nódulos subcutâneos isolados, placas
eritematosas descamativas e lesões nas membranas mucosas. Já os olhos são afetados em cerca de 20
61
Unidade I

a 50% das situações, com ocorrência de irite (inflamação da íris), iridociclite (inflamação que surge na
parte anterior dos olhos; inclui a íris e o corpo ciliar) ou a retinite coroide.

O diagnóstico clínico da sarcoidose se dá de modo majoritário por suas manifestações sistêmicas,


principalmente referentes ao sistema respiratório. Portanto, muitos utilizam‑se dos testes de função
pulmonar. Nas fases iniciais da sarcoidose, os volumes pulmonares em geral estão normais. Com a
progressão da doença, a sarcoidose produz alterações gasosas importantes, na relação ventilação‑perfusão.

A sarcoidose pode ter uma manifestação aguda, que é completamente atípica em relação a outras
enfermidades. Considera‑se como tal quando o início dos sinais e dos sintomas ocorre em até dois
anos. Com isso, pode‑se afirmar que no quadro agudo da sarcoidose existem períodos de relevante
sintomatologia, intercalados com absoluta ausência de sintomas.

Já na sarcoidose crônica, há a necessidade de medicamentos por um período maior do que dois anos,
sendo sua principal diferença quanto ao quadro agudizado.

Para ambos os casos, a terapêutica clínica adotada é feita através de corticoides, preferencialmente
com o uso de prednisona. Porém, devido ao longo tempo de terapia para a sarcoidose, foi estabelecido
um novo grupo denominado sarcoidose refratária, que ocorre por causa da falta de adesão do indivíduo
ao tratamento e/ou da presença de doença fibrótica, hipertensão pulmonar, hidrocefalia e resistência
ao corticosteroide. Neste último caso, a terapêutica adotada é o uso de imunoterapia (infliximab,
adalimumab e etanercept).

4.8 Hipertensão pulmonar

Hipertensão pulmonar é a consequência hemodinâmica comum a várias etiologias e a diversos


mecanismos que determinam o aumento dos níveis pressóricos na vascularização pulmonar.
Caracteriza‑se como tal quando o valor se encontra maior ou igual a 25 mmHg.

Lembrete

O valor normal da pressão média da artéria pulmonar (PAPm), em


repouso, é de 14 ± 3 mmHg.

No decorrer dos últimos anos, muitos estudos foram feitos a respeito dessa doença e a melhor
forma de classificá‑la. Durante os anos 1950, a classificação mais aceita na comunidade científica era a
proposta por Heath e Edwards (1958), a qual utilizava premissas qualitativas das lesões morfológicas de
hipertensão pulmonar, que consistiam em graus que variavam entre I e VI, de forma evolutiva.

• grau I: hipertrofia da túnica média;

• grau II: hipertrofia da túnica média acompanhada de espessamento intimal;

62
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

• grau III: espessamento intimal com fibrose oclusiva da luz vascular;

• grau IV: lesões plexiformes;

• grau V: lesões angiomatoides;

• grau VI: arterite necrotizante.

Entretanto outros estudos tentaram uma melhor classificação da hipertensão pulmonar, visto que
a proposta anterior continha limitações consideráveis, principalmente em razão de ser feita através de
uma biópsia, ou seja, um pedaço muito pequeno para representar o verdadeiro grau da doença.

A partir disso, foi concebido e adotado pela comunidade científica o modelo proposto por Rabinovitch
et al. (1978), que classifica as lesões quanto à quantidade de lesões mais precoces como hipertrofia da
túnica média e número de artérias periféricas.

Contudo, sabe‑se que a hipertensão pulmonar pode ser classificada através de um agrupamento
de pacientes que apresentem semelhanças anatomopatológicas, do perfil hemodinâmico e de manejo
terapêutico em cinco diferentes grupos: HAP; hipertensão pulmonar causada por doenças do coração
esquerdo; hipertensão pulmonar causada por doença pulmonar e/ou hipóxia; hipertensão pulmonar
tromboembólica crônica e hipertensão pulmonar com mecanismos multifatoriais não esclarecidos.

Morfologicamente, a HAP causa lesões vasculares em toda a árvore arterial, que inclui: artérias
elásticas principais, ateromas similares aos encontrados na aterosclerose sistêmica; artérias musculares
de tamanho médio, proliferação das células miointimais e das células musculares lisas, que produzem o
espessamento da íntima.

• Hipertensão arterial pulmonar (HAP)

Trata‑se de um conjunto de características clínicas que acometem predominantemente o


compartimento pré‑capilar, com presença de pressão arterial pulmonar ≤ a 15 mmHg, quando ausente
de doença pulmonar ou tromboembólica crônica.

• Hipertensão arterial pulmonar idiopática

É assim definida por se tratar de um caso esporádico, sem qualquer tipo de antecedente, seja ele
familiar, seja de fatores de risco.

• Hipertensão arterial pulmonar hereditária

Também é conhecida como hipertensão arterial pulmonar familiar, que se trata de uma doença de
caráter genético e hereditário, seja por herança familiar, seja por mutações genéticas (mesmo quando
ausentes antecedentes familiares).

63
Unidade I

Sabe‑se que neste tipo de hipertensão arterial pulmonar estão associadas alterações nos genes bone
morphogenetic protein receptor type 2 (BMPR‑2), ALK1, endoglina, Smad9, CAV 1 e KCNK3.

• Hipertensão induzida por drogas e outras toxinas

Associada ao uso dos inibidores do apetite (aminorex) ou da fenfluramina, dasatinib utilizado no


tratamento da leucemia mieloide crônica. É importante ressaltar ao indivíduo exposto a esse tipo de
medicações a possibilidade de adquirir hipertensão pulmonar e seus sintomas clínicos para que seja
tratado o quanto antes possível.

• Hipertensão relacionada a doenças sistêmicas

A HAP pode estar vinculada a doenças do tecido conectivo, por exemplo, a esclerose sistêmica, o
lúpus eritematoso sistêmico, e dentre suas complicações crônicas está a hipertensão arterial pulmonar.
Com isso, é de suma importância que indivíduos diagnosticados com essa doença façam o rastreamento
adequado de suas complicações para que o tratamento inicie o mais rápido possível, de forma a diminuir
a mortalidade em decorrência das consequências graves.

• Hipertensão associada à infecção por HIV

Pacientes contaminados com HIV compõem um grupo com risco elevado para o desenvolvimento
da hipertensão arterial pulmonar.

• Hipertensão porto‑pulmonar

Este tipo de hipertensão arterial pulmonar tem relação com a presença de pressão aumentada no
sistema portal, independentemente do estado de gravidade da doença hepática de base. A doença pode
afetar principalmente indivíduos que foram submetidos a transplante hepático, já que o diagnóstico
precoce melhora o desfecho clínico destes pacientes.

• Hipertensão arterial pulmonar vinculada à doença cardíaca congênita

Com o avanço das intervenções e terapêuticas aplicadas para o tratamento das doenças cardíacas
congênitas, aumentou o número de pacientes que chegam à idade adulta e podem desenvolver HAP.

• Esquistossomose

É uma doença infecciosa que, entre suas complicações crônicas graves tem a HAP, devido a seu
quadro de acometimento hepatoesplênico. Apesar de possuir grandes semelhanças com outras formas
de HAP, o diagnóstico distinto de tratamento prévio ou análise prévia de esquistossomose é o principal
diferencial para o diagnóstico correto da doença.

64
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

• Hipertensão pulmonar provocada por doenças do coração esquerdo

Esta doença caracteriza‑se por elevação da pressão arterial pulmonar em decorrência a alterações
valvar e/ou ventricular esquerda. Tal aumento causa, consequentemente, crescimento retrógrado da
pressão do átrio esquerdo e, por fim, da pressão na circulação pulmonar.

• Hipertensão pulmonar causada por doença pulmonar e/ou hipóxia

Neste tipo de HAP, existe relação direta com uma enfermidade prévia no sistema respiratório, como
DPOC, doença intersticial pulmonar, doenças respiratórias relacionadas ao sono, hipoventilação alveolar,
exposição crônica a altas altitudes, fibrose cística, bronquiectasias crônicas e fibrose‑enfisema.

• Hipertensão pulmonar tromboembólica crônica

Pode acometer indivíduos que sofreram com tromboembolismo pulmonar (TEP) agudo, fator este
que predispõe o desenvolvimento do tromboembolismo pulmonar crônico hipertensivo. Seu tratamento
é cirúrgico, através da realização de uma tromboendarterectomia; considerado na maioria das vezes um
tratamento curativo neste grupo de doença.

• Hipertensão pulmonar com mecanismos multifatoriais ou não esclarecidos

Está incluída no grupo doenças que geram, entre outras consequências clínicas, hipertensão arterial
pulmonar, entre elas: sarcoidose, doenças hematológicas, mediastinite fibrosante, histiocitose de células
de Langerhans etc.

4.9 Doenças pulmonares de origem vascular

Seguem as doenças pulmonares de origem vascular que acometem um grande número de indivíduos.

4.9.1 Hemorragia pulmonar

As síndromes pulmonares hemorrágicas são designadas como: hemorragia pulmonar, hemorragia


alveolar (HA), hemorragia intraparenquimatosa pulmonar, hemorragia microvascular difusa do pulmão,
entre outras. Entretanto, são termos que designam, amplamente, sangramentos que se originam
na microvasculatura pulmonar, seja em arteríolas, capilares e vênulas, que muitas vezes envolvem a
membrana alvéolo pulmonar.

Do ponto de vista de diagnóstico e tratamento, pode‑se dividir as hemorragias alveolares difusas em


dois grandes grupos:

• Associadas à capilarite pulmonar: granulomatose de Wegener, poliangeíte microscópica, síndrome


antifosfolípide, crioglobulinemia mista, glomerulonefrites, indução por drogas e redução aguda
em transplante de órgãos.

65
Unidade I

• Relacionadas à capilarite: correlatadas a quadros de hemossiderose pulmonar idiopática, lúpus


eritematoso sistêmico, síndrome de Goodpasture, lesão alveolar difusa, estenose mitral, doenças
veno‑oclusivas e hemangiomatose.

A nomenclatura HA tem a intenção de diferenciar o tipo de sangramento de outro, muito mais comum
como causa de hemoptise, geralmente originado em lesões focais das vias aéreas e do parênquima
pulmonar; acomete a circulação brônquica, e não a pulmonar, que afeta os alvéolos apenas de maneira
secundária, quando o sangue proveniente das vias aéreas maiores é aspirado.

Seus sinais e sintomas expressam-se através de dispneia, tosse, hipoxemia, aumento do gradiente
alvéolo‑arterial, hemoptise, febre, dor torácica, anemia e infiltrado alvéolo‑intersticial em imagem
radiológica.

Dispneia significa dificuldade para respirar, já hipoxemia é a diminuição dos níveis de oxigênio
no sangue.

Histologicamente, a HA pode exibir três diferentes padrões:

• Capilarite: trata‑se de forma isolada ou em associação que causa a inflamação de arteríolas,


vênulas e vasos de grande e médio calibres. É uma alteração mais comum em casos secundários
a vasculites, doenças reumatológicas e infecções. Histopatologicamente, apresenta infiltrado
intersticial neutrofílico, no qual boa parte dos neutrófilos encontram‑se em apoptose, o que
resulta em espessamento do espaço intersticial composto de células íntegras e fragmentadas,
edema e fibrina. Tal processo gera como consequência necrose fibrinoide, que lesa a membrana
basal dos capilares alveolares e permite o extravasamento de fibrina, neutrófilos e hemácias
na luz alveolar.

• Dano alveolar difuso.

• Hemorragia branda.

Contudo, estudos realizados por Schlomo Cohen, sugerem que células presentes na circulação
pulmonar seriam responsáveis por filtrar os imunocomplexos e carregá‑los até os capilares alveolares,
com uma forte relação com o sangramento (BORGES; AB’SABER; BARBAS, 2005). Com isso, tais neutrófilos
levariam imunocomplexos em sua superfície ou já fagocitados e, durante o transporte, ocorreria a
liberação de enzimas (mediadas ou não) pela ação de anticorpos contra esses imunocomplexos ou
contra os neutrófilos que os apresentam, de forma que acarreta a destruição neutrofílica, com liberação
de substâncias quimiotáticas e pró‑inflamatórias com perpetuação do processo.

Através deste mecanismo, segundo a teoria de Schlomo Cohen, os neutrófilos pulmonares teriam
a função de retirar da circulação sistêmica os vírus, as bactérias, os parasitas ou qualquer tipo de
imunocomplexo, o que pode acentuar o risco de esses imunocomplexos desencadearem reações que
causam a HA (BORGES; AB’SABER; BARBAS, 2005).

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PATOLOGIA DOS SISTEMAS

4.9.2 Tromboembolia pulmonar

Define‑se como TEP a doença que ocorre como consequência de um trombo, formado no sistema
venoso profundo, que se desprende e, atravessando as cavidades direitas do coração, obstrui a artéria
pulmonar ou um de seus ramos (CARAMELLI, 2004).

Epidemiologicamente, no Brasil a prevalência está entre 3,9 e 16,6% na população. Um terço dos
pacientes com tromboembolismo venoso cursam com TEP, que é a manifestação mais grave, com uma
mortalidade de 30%. De forma intra‑hospitalar, a embolia pulmonar é responsável por cerca de 5 a 10%
dos casos de morte (STAFUZZA, PIRES, 2015).

Para a estratificação dos casos de TEP, existe a tríade de risco de Virchow, que tem sua patogênese
constituída pelos seguintes fatores:

• Estase sanguínea: em decorrência de estase (fluxo sanguíneo lento) e/ou turbulência (perda do
fluxo sanguíneo linear saudável). Quando causados pela estase, os elementos que compõem o
sangue passam a circular mais próximos do endotélio, o que aumenta a chance de as plaquetas
entrarem em contato com o colágeno subendotelial; a estase também permite que fatores de
coagulação ativados se acumulem e tenham sua remoção retardados. Já na turbulência do fluxo,
há a ocorrência do trauma na túnica íntima vascular ou do endocárdio, que predispõe a adesão
entre as plaquetas.

• Lesão ao endotélio vascular: em virtude da lesão do endotélio vascular, que, por si só, já é capaz
de gerar uma trombose. Entre os eventos de risco constam presença de aterosclerose, traumas
mecânicos, flebites, rejeição de transplantes e erosão de parede vascular devido a células neoplásicas.

• Hipercoagulabilidade do sangue: ocorre em virtude de modificações na composição do


sangue que facilitam a trombose. Geralmente se dá pelo aumento dos níveis plasmáticos de
tromboplastinas teciduais.

Dentre os principais fatores de risco para a ocorrência do tromboembolismo venoso estão: trauma
cirúrgico e não cirúrgico; idade superior a 40 anos; tromboembolismo venoso prévio; imobilização;
doença maligna; insuficiência cardíaca; infarto do miocárdio; paralisia de membros inferiores; obesidade;
veias varicosas; estrogênio; parto; doença pulmonar obstrutiva crônica (CARAMELLI, 2004).

A sintomatologia do TEP possui espectro bastante amplo e inespecífico. Normalmente, há presença


de: (VOLPE; JOAQUIM; MENEZES; MORIGUTI, 2010).

• dispneia e dor torácica, que podem ser súbitas ou ter evolução ao longo de dias ou semanas;

• síncope, que raramente ocorre, no entanto sua presença está relacionada a quadros mais graves,
que podem ser seguidos de hipotensão e/ou parada cardíaca;

• dor pleurítica e hemoptise, que estão fortemente relacionadas com o infarto pulmonar;
67
Unidade I

• dor precordial anginosa, que pode estar presente e indicar isquemia do ventrículo direito;

• tosse, palpitações e tontura, que são, apesar de inespecíficas, eventualmente secundárias às


doenças associadas;

• taquipneia e taquicardia, que são os achados clínicos mais prevalentes nos indivíduos com TEP;

• hipertensão pulmonar (com presença de veias do pescoço túrgidas, B2 hiperfonética e impulso do


ventrículo direito palpável) é mais raro, porém contém sinais e sintomas específicos do TEP;

• dor, edema e empastamento muscular também devem ser pesquisados durante o exame físico do
indivíduo, pois eles podem estar presentes.

Para confirmar o diagnóstico do TEP, são necessários exames subsidiários. São eles:

• Radiografia de tórax: raramente pode‑se concluir o diagnóstico somente através da radiografia.


Porém, trata‑se de um importante exame para diagnóstico de outras doenças que podem destacar
a sintomatologia parecida com o TEP (STAFUZZA; PIRES 2015).

Entretanto, os achados radiológicos que podem estar presentes no quadro de TEP são áreas de
hipoperfusão pulmonar (sinal de Hampton), dilatação da artéria pulmonar (sinal de Palla), atelectasia,
derrame pleural e elevação da hemicúpula diafragmática (CARAMELLI, 2004).

• Eletrocardiograma: pode ser útil quando demonstra sinais de sobrecarga ventricular direita, padrão
QR em V1, principalmente se forem de caráter agudo. Apesar de inespecífico, pode‑se achar na
maioria das vezes uma taquicardia sinusal (VOLPE; JOAQUIM; MENEZES; MORIGUTI, 2010).

• D‑dímero: trata‑se de um produto da degradação da fibrina, que possui uma importante


acurácia e especificidade. Pode ser encontrado elevado na presença de trombos e também
em outras situações, como em período pós‑operatório, gestação, puerpério, doença vascular
periférica, câncer, insuficiência renal, sepse e outras doenças inflamatórias (CARAMELLI,
2004; STAFUZZA; PIRES, 2015).

• Gasometria arterial: presença de hipoxemia e PaCO2 normal.

• Ecocardiograma.

• Tomografia computadorizada.

• Marcadores de necrose miocárdica: creatinoquinase e troponina I, que podem estar elevados.

• Duplex scan venoso.

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PATOLOGIA DOS SISTEMAS

• Ultrassonografia de membros inferiores: para casos iniciais em que o indivíduo apresente sinais e
sintomas de TVP.

• Ressonância magnética.

• Arteriografia pulmonar (AGP).

Quando diagnosticado o TEP, o Task Force on Pulmonary Embolism, classifica-se o embolismo


pulmonar em três grupos distintos:

• EP maciça: manifesta‑se com quadro de choque ou hipotensão arterial, definida como pressão
arterial sistólica <90 mmHg ou queda da pressão arterial >40 mmHg por mais de 15 minutos, que
não seja em decorrência de arritmias, hipovolemia ou sepse. Seu quadro clínico pode apresentar
síncope, hipotensão arterial, choque, taquicardia, dispneia e cianose.

• EP não maciça: é diagnosticada na ausência dos sinais de EP maciça.

• EP submaciça: caracteriza‑se por sinais ecocardiográficos de disfunção do ventrículo direito


e presença de pequenas embolias. Seus achados clínicos mais comuns são dor torácica, dor
pleurítica, dispneia, taquipneia, tosse, hemoptise, taquicardia, febre e cianose.

Contudo, para facilitar a avaliação do indivíduo com suspeita de TEP, propõe‑se o uso do escore de Wells.

Tabela 3 – Escala de Wells

Critérios Pontos
Suspeita de tromboembolismo venoso 3,0 pontos
Alternativa menos provável que EP 3,0 pontos
Frequência cardíaca >100 bpm 1,5 pontos
Imobilização ou cirurgia nas 4 semanas anteriores 1,5 pontos
Tromboembolismo venoso ou EP prévia 1,5 pontos
Hemoptise 1,0 ponto
Malignidade 1,0 ponto
Escore Probabilidade de EP% Interpretação do risco
0‑2 pontos 3,6 Baixa
3‑6 pontos 20,5 Moderada
> 6 pontos 66,7 Alta

Fonte: Caramelli et al. (2004, p. 3).

69
Unidade I

4.9.3 Pneumotórax

O pneumotórax refere‑se à presença de ar ou de gás na cavidade pleural (KUMAR et al., 2010). Sua
classificação pode ser feita de duas formas: pneumotórax espontâneo e pneumotórax adquirido.

A fisiopatologia do pneumotórax espontâneo é primária, ou seja, sua origem ocorre em pacientes sem
doença pulmonar evidente. Já o pneumotórax espontâneo secundário acontece em indivíduos que já
possuem doença pulmonar e seu aparecimento se dá em decorrência de uma complicação primária, por
exemplo, de enfisema bolhoso, asma e rolha de secreção em pacientes portadores de doença pulmonar
obstrutiva crônica.

Geralmente, o pneumotórax espontâneo é verificado com o indivíduo em repouso. Em sua


sintomatologia, prevalecem a dor torácica e a dispneia, que são proporcionais ao tamanho e à velocidade
de acúmulo do pneumotórax na reserva cardiopulmonar.

O pneumotórax adquirido pode ser dividido em:

• Pneumotórax iatrogênico: decorrente de procedimento médico invasivo, de toracocentese ou de


biópsias transtorácicas.

• Pneumotórax por barotrauma: surge devido à pressão positiva a que os pulmões são submetidos.

• Pneumotórax traumático: ocorre por causa de um trauma no organismo do indivíduo, por


exemplo, fratura de costela. Este trauma pode ser penetrante ou fechado.

O diagnóstico do pneumotórax deve ser baseado na história e no exame físico da pessoa e


complementado com métodos de imagem.

4.9.4 Derrame pleural

Trata‑se de uma doença que ocorre no acúmulo anormal de líquido na cavidade pleural, que é o
espaço virtual entre as pleuras visceral e parietal, que deslizam uma sobre a outra e são separadas por
uma fina película de líquido (PINHEIRO; OLIVEIRA; JARDIM, 2000).

A formação do derrame pleural envolve um ou mais mecanismos capazes de aumentar ou de diminuir


a saída de líquido no espaço pleural. Tais dispositivos podem ser (SILVA, 1998):

• aumento da pressão hidrostática, na microcirculação sistêmica;

• diminuição da pressão oncótica, plasmática;

• aumento da permeabilidade capilar, pleural;

• diminuição da pressão no espaço pleural.


70
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Entretanto, o líquido acumulado no derrame pleural pode ser classificado como transudato ou
exsudato. Esta diferenciação é muito importante durante o diagnóstico, pois os seus agentes causadores
são diferentes, o que altera a terapêutica. Para realizá‑la, a proposta mais adequada é a de Light, ilustrada
do quadro a seguir:

Tabela 4

Parâmetros Transudatos Exsudatos


Relação entre proteína do líquido pleural e sérica ≤ 0,5 > 0,5
Relação entre DHL do líquido pleural e sérica ≤ 0,6 > 0,6
DHL no líquido pleural > 2/3 do limite superior do soro Não Sim

Fonte: Pinheiro; Oliveira; Jardim (2000, p. 4).

As principais causas que acarretam a presença de transudato no derrame pleural são os quadros de:
insuficiência cardíaca congestiva, embolia pulmonar, atelectasias, hipoalbuminemia, diálise peritoneal,
cirrose hepática, síndrome nefrótica, glomerulonefrites e neoplasias.

Já os exsudatos pleurais serão encontrados principalmente nos quadros de: neoplasias (metastáticas e
mesotelioma), doenças infecciosas (infecção bacteriana, tuberculose, infecções por fungos, parasitas e vírus),
tromboembolia pulmonar, doenças cardíacas (após cirurgia de revascularização do miocárdio, doenças do
pericárdio, cirurgia de aneurisma da aorta), doenças gastrintestinais (pancreatite, perfuração de esôfago,
abscesso subfrênico/intra‑hepático/esplênico), colagenoses e outras condições infecciosas (artrite reumatoide,
lúpus eritematoso sistêmico) e drogas (metotrexato, interleucina 2, amiodarona).

Para o diagnóstico do derrame pleural, utilizam‑se técnicas de exame físico (inspeção, palpação,
percussão e ausculta), raios X, toracocentese (retirada do líquido com anestesia local, com o uso de
seringa), tomografia computadorizada e ultrassonografia.

Resumo

Patologia é a ciência que estuda as doenças do organismo. As células do


corpo humano estão sujeitas a sofrerem lesões, seja por agentes externos,
seja por alterações internas do próprio organismo. Uma vez lesionada, a
célula apresenta diversos mecanismos de reparação contra o dano.

O primeiro passo para que haja reparação celular e tecidual é a resposta


inflamatória. Após o estímulo lesivo, existe liberação de citocinas, que
sinalizam para o organismo a região do corpo na qual deve ocorrer a
resposta inflamatória. A seguir, há a permeabilização do endotélio capilar,
permitindo rolamento e extravasamento dos linfócitos e de outras células
de defesa. Tais células de defesa serão responsáveis pelo recrutamento de
todo aparato necessário para a reparação tecidual.
71
Unidade I

Embora a resposta inflamatória tenha diversos mecanismos para


autocontrole, em alguns casos pode haver estímulo excessivo, o que leva
ao aparecimento das doenças autoimunes. Em outros casos, o estímulo
inflamatório pode persistir por maior tempo, ocasionando inflamação
crônica. Por fim, em outras situações, a reparação tecidual acontece de
maneira exagerada, dando origem à fibrose.

Exercícios

Questão 1. (EBSERH/HU‑UFGD, 2014) A neoplasia é uma massa anormal de tecido cujo crescimento
excede aquele dos tecidos normais e não está coordenada com ele, persistindo da mesma maneira
excessiva após o término do estímulo que induziu a alteração. De acordo com algumas características
morfológicas, é possível diferenciar um tumor maligno de um benigno. Sobre tais características, analise
as afirmativas e assinale a alternativa correta.

I – Uma célula cancerígena, quando sofre um processo de diferenciação, dizemos que ela se tornou
diferente da célula de origem do tecido, assim esta é classificada como maligna.

II – A célula tumoral, quando apresenta um crescimento mais lento, dizemos que apresenta uma
característica benigna, enquanto que o contrário é uma característica do tumor maligno.

III – Nos tumores, é possível distinguir o parênquima (constituído por células neoplásicas) e o estroma
(tecido de sustentação), assim um tumor que tem um crescimento lento faz com que seu estroma seja
mais espesso, o que consequentemente não terá invasão local.

IV – A partir do momento que uma célula tem a capacidade de invasão local, esta terá a propensão
à metástase para outros tecidos e órgãos, o que é uma característica de um tumor maligno.

A) Apenas I está incorreta.

B) Apenas I e II estão incorretas.

C) Apenas II e III estão incorretas.

D) Apenas III e IV estão incorretas.

E) I, II, III e IV estão corretas.

Resposta correta: alternativa A.

72
PATOLOGIA DOS SISTEMAS

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a tromboembolia não corresponde a uma doença com relação à ocupação do indivíduo,
pois está diretamente relacionada à formação de um trombo na luz do vaso que se desprende, até que
chegue às artérias pulmonares.

O câncer é uma doença de diferenciação, o qual produz clones descontrolados de células com
alterações genéticas e epigenéticas, com capacidade de invadir tecidos e órgãos vizinhos ou distantes,
como exemplificado na figura a seguir.

2. Divisão celular 3. Célula mutada


Células normais crescem, se Células normais pode
1. Células normais repoduzem (duplicação de sofrer alteração no matérial
Formam tecidos e órgãos DNA) e morrem genético (DNA)
Agentes cancerigênicos

4. Reprodução celular
5. O câncer
Célula mutada pode
Células mutadas invadem se dividir de maneira
outros tecidos e órgãos desordenada e dar origem
ao tumor

Figura 2

II – Afirmativa correta.

Justificativa: os tumores benignos (com crescimento lento), raramente apresentam necrose e


hemorragia. Os tumores malignos se duplicam rápido e desorganizados, com capacidade infiltrativa,
gerando necrose ou hemorragia.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: os tumores benignos possuem estroma e uma rede vascular adequada e, por isso,
raramente apresentam necrose e hemorragia. Os tumores malignos apresentam uma desproporção
entre o parênquima tumoral e o estroma vascularizado, gerando necrose ou hemorragia.
73
Unidade I

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: uma neoplasia maligna é capaz de invasão e destruição local e de crescimento


neoplásico a distância, descontínuo e independente do foco primário.

Questão 2. (TRT 2009, 3ª Região/MG) A insuficiência respiratória:

I – Aguda pode ser causada pelas alterações da capacidade de carreamento do oxigênio até as
células, como ocorre em situações de choque, mesmo em pulmões normais.

II – É classificada quanto ao tempo de instalação da doença em aguda e crônica, podendo a forma


aguda ocorrer em pacientes com pulmões previamente sadios ou se sobrepor a uma insuficiência crônica.

III – Crônica tem instalação lenta e gera poucos sintomas devido aos mecanismos compensatórios
que minimizam as alterações fisiopatológicas.

IV – Hipoxêmica está invariavelmente associada à hipocapnia secundária e ao aumento do


volume minuto.

V – Aguda tem como alteração mais importante a redução da ventilação alveolar, definida como a
porção da ventilação minuto, que efetivamente alcança os alvéolos e participa das trocas gasosas.

Está correto o que se afirma em:

A) I, II, III, IV e V.

B) I, II, III e V, apenas.

C) II, IV e V, apenas.

D) III, apenas.

E) III, IV e V, apenas.

Resolução desta questão na plataforma.

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