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MENTAL
RESUMO
Por meio da metodologia de pesquisa empregando o levantamento bibliográfico,
temos o objetivo de fundamentar teoricamente a Arteterapia, ou seja, informar qual a
definição de arteterapia, o seu contexto histórico, quais os principais recursos
utilizados, o público a quem se destina e aplica-se e de que forma a prática
arteterapêutica pode promover a saúde nos consultórios particulares e,
principalmente, na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Essa terapêutica foi
integrada oficialmente na Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC), por meio da Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, do
Ministério Público, após constatarem como essa prática psicoterapêutica está em
consonância com o entendimento atual de saúde mental e das dimensões
estratégicas que a promovem.
INTRODUÇÃO
A arteterapia é uma técnica terapêutica utilizada para a prevenção da doença
e promoção da saúde tanto em consultórios particulares, quanto nas Redes de
Atenção à Saúde (RAS) e na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Não é restrita
ao psicólogo, entretanto, exige do arteterapeuta conhecimento do campo do saber
da psicologia, bem como de materiais e técnicas artísticas, da história da arte e ter
desenvolvido sua própria linguagem artística (SEI, 2009; PAÍN, 2009). Muitos
1
Juliana Regina Tavares: graduanda no curso de Psicologia, UNIFAMMA, Maringá – PR, E-mail:
julianaretavares@gmail.com
2
Vivian Rafaella Prestes: Mestre em Psicologia pela UEM, docente da UNIFAMMA, Maringá – PR. E-
mail: psicologa.vivian@hotmail.com.
1
psicólogos e demais profissionais se especializam em cursos oferecidos por
associações ou cursos de pós-graduação que os tornam capazes de exercer a
prática da arteterapia.
O que nos provoca curiosidade é como o processo de criação artística,
mesmo sem necessitar ter valor estético, pode ser terapêutico, isto é, ele é capaz de
oferecer melhora na qualidade de vida do paciente, e como essa produção artística
atrelada à psicoterapia no âmbito da atenção psicossocial promove a saúde mental
e está em concordância com as estratégias previstas na Reforma Psiquiátrica
Brasileira.
O objetivo geral de nossa pesquisa é o de analisar a arteterapia como recurso
estratégico para a promoção da saúde mental, e, para isso, forneceremos uma
breve apresentação sobre o assunto, informaremos a definição de arteterapia, seu
contexto histórico, quais os principais recursos utilizados, o público a quem se
aplica, assim como de que forma a prática arteterapêutica pode promover a saúde
mental.
A metodologia utilizada é a de pesquisa bibliográfica que, segundo Gil (2002),
diz respeito, a um levantamento teórico e bibliográfico em livros, artigos,
dissertações e teses dos principais autores estudiosos do tema.
Portanto, para podermos falar sobre a arteterapia como estratégia para a
saúde mental precisamos, a priori, contextualizar brevemente o que é saúde mental
e o que significa estratégia para esse campo. Depois, nos concentraremos na
definição da arteterapia, seus fundamentos básicos e como essa prática
psicoterapêutica pode promover estrategicamente a saúde mental e a qualidade de
vida do sujeito em sofrimento psíquico.
Escolhemos seguir esse trajeto porque compreendemos, conforme Amarante
(2011), que nosso entendimento sobre os fenômenos não é acabado, os conceitos e
a forma de se produzir conhecimento sempre estarão em movimento. A produção
desses saberes complexos, em constante transformação, envolve diversas
disciplinas, crenças, ideologias, juízos de valores, representações socioculturais e, a
própria condição do ser humano ser e estar no mundo, seus direitos e deveres, o
2
direito de exercer sua cidadania, com isso, poder desfrutar do que a sociedade tem
a oferecer.
A justificativa para a elaboração deste trabalho está, sobretudo, em estudar
uma das dimensões estratégicas que promovem o processo social complexo e que
regem a saúde mental e a atenção psicossocial no Brasil: a dimensão sociocultural,
a qual discutiremos de forma mais abrangente no decorrer desse texto. A referida
dimensão diz respeito, à transformação das representações sociais que se tem em
relação ao sujeito em sofrimento psíquico. Segundo Amarante (2011), uma das
atividades capaz de promover essa mudança é a produção acadêmica.
3
dominante a cultura, a justiça e a política de tal forma que a sociedade passou a ser
planejada e administrada pelo modelo positivista de ciência.
Em um contexto mundial de crescente crítica ao modelo biomédico, de
indignação do pós-guerra pelas atrocidades que o ser humano foi capaz de cometer,
passou-se a analisar a situação deplorável em que se encontrava a saúde mental
que consistia em internar, ou melhor, prender, extrair da sociedade pessoas em
sofrimento psíquico, tidos como loucos e incapazes de exercer cidadania. Essas
pessoas se encontravam em condições desumanas em hospícios imundos,
submetidos às “terapêuticas” de disciplina e normatização, na lógica do vigiar e punir
descrita por Foucault (apud Amarante, 2011), com o pretexto de que isso ajudaria os
internos a se enquadrarem nas normas sociais vigentes, de trabalho e obediência e,
assim, pudessem retornar a sociedade. Tal cenário horripilante passou a ser
questionado e reformas passaram a ser feitas em muitos países, sendo a reforma
italiana, instituída por pensadores como Basaglia e Rotelli, a mais influente na
construção do processo da reforma brasileira.
Amarante (2011) enfatiza como pressuposto para pensar o campo da saúde
mental e atenção psicossocial no Brasil o conceito de processo social complexo de
Rotelli et al. (1990, apud AMARANTE, 2011), que consiste em um movimento de
transformação permanente, sem que se considere o campo da saúde mental como
um modelo acabado e fechado, propondo uma mudança para além da estrutura dos
serviços e de desinstitucionalização apenas entendida como desospitalização. Trata-
se de um processo constante, que engloba princípios e estratégias que permitam
resolver conflitos sociais comuns em uma sociedade, como diferenças ideológicas,
religiosas, éticas, de classe, étnicas, dentre outras que surgem e se renovam o
tempo todo.
Para pensar de forma sistematizada esse processo social complexo,
Amarante (2011) propõe quatro dimensões estratégicas de reflexão: a dimensão
teórico-conceitual, a técnico-assistencial, a jurídico-política e a sociocultural.
4
A dimensão teórico-conceitual3 consiste em uma mudança epistêmica ao
pensar o campo da saúde mental, pois a psiquiatria clássica ocupava-se da doença
e não do sujeito em sofrimento psíquico. Ao suspender a doença, colocá-la entre
parênteses, prioriza o sujeito e sua experiência, abrem-se novas possibilidades de
pensar e fazer políticas em saúde mental e atenção psicossocial. Isso não significa
negar a doença mental, convencionada pela psiquiatria e que não exista sofrimento,
diferença e dor, mas o foco passa a ser o sujeito e sua vivência, e a partir desta
concepção poder pensar novas formas deste paciente ser e estar no mundo, sem
reduzi-lo a sintomas, estigmatizá-lo, nem o tornar invisível.
Relacionada com a dimensão teórico-conceitual, temos a dimensão técnico-
assistencial. Enquanto, a primeira concepção amplia a noção de integralidade ao
considerar o sujeito em sua experiência, em seu cotidiano familiar, de trabalho,
enfim, em toda sua vivência social, a segunda dimensão diz respeito a dispositivos
estratégicos de cuidado, de trocas sociais e ao acolhimento que esse sujeito irá
receber ao ser atendido pela atenção psicossocial. Esses lugares devem possibilitar
a produção de subjetividades e de sociabilidade.
A dimensão jurídico-política diz respeito ao tratamento recebido pelo indivíduo
que está em sofrimento psíquico pelo Estado, seja no código civil, penal ou em
outras leis e normas. Um exemplo é o do Estado, que prevê benefícios monetários,
desde que o beneficiário não realize trabalho remunerado, mesmo que por meio de
cooperativas, projetos de geração de renda, dentre outras formas, e que sua família
não tenha renda per capta acima de ¼ do salário mínimo nacional. A Lei nº 8.742/93
(Lei Orgânica da Assistência Social – Loas) que legisla no Capítulo IV sobre esse
Benefício de Prestação Continuada, e que foi atualizada por diversas vezes desde
sua criação, contudo, continua a não permitir a inclusão social e autonomia
econômica ao indivíduo que tente se inserir no mercado de trabalho. Além de que,
essa lei e outras relacionadas, como a Lei nº 10.216/01, continuam a tratar jurídica e
politicamente de pessoas que estão em sofrimento psíquico como portadores de
3
Inspirada no conceito de “redução analógica” de Edmund Husserl, que consiste em colocar entre
parentes o conceito, em suspende-lo. Essa atitude abre possibilidades de pensar os fenômenos de
uma outra forma empírica, por isso, pode ser considerada uma atitude epistêmica de produção do
conhecimento, uma vez que, contradisse a norma vigente da psiquiatria e colocou a doença em
suspensão para priorizar o sujeito e sua experiência. (AMARANTE, 2011).
5
transtornos mentais e pessoas com deficiência. Nada mudou nesse sentido desde
que Amarante (2011) criticou essa forma de nomenclatura e concessão de benefício
social excludente realizada pelo Estado brasileiro, o que representa um impedimento
ao exercício de cidadania e, portanto, de inclusão social desses indivíduos.
Amarante (2011) afirma que a quarta dimensão, a sociocultural, é a que
realmente garante as modificações concretas propostas nas demais dimensões, pois
seu objetivo é envolver a sociedade no debate e promover a reflexão e
transformação das representações sociais que dizem respeito às condições
enfrentadas pelas pessoas em sofrimento psíquico. O envolvimento social pode ser
realizado por meio de atividades culturais, artísticas, políticas, esportivas,
acadêmicas, e quaisquer outras que promovam a alteração do imaginário do senso
comum em relação aos sujeitos em sofrimento mental e que eles possam ser
ouvidos e acolhidos por espaços que permitam o exercício de sua cidadania, que
garantam seus direitos e que promovam novas subjetividades e sociabilidades.
Amarante (2011) traz a importância dos atores sociais envolvidos na saúde
mental e atenção psicossocial de protagonizarem essas atividades e se organizarem
em movimentos sociais para sua realização. Além de trazer exemplos de diversos
eventos de alcance nacional, como a instituição do Dia Nacional da Luta
Antimanicomial, no dia 18 de maio, que passou a ser celebrado com esse tipo de
atividade, esse autor enfatiza a importância do conceito de território para essa
dimensão, uma vez que os atores sociais agem e promovem debates e reflexões em
seus territórios.
Para que essas estratégias possam ser praticadas, Amarante (2011) diz que
dois princípios são essenciais, um é o de território e o outro de intersetorialidade. O
primeiro vai além dos lugares instituídos como sendo sede do serviço da atenção
psicossocial, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), uma vez que as
equipes multiprofissionais de base territorial devem atuar na comunidade de forma
geral. Já o princípio de intersetorialidade concerne acerca do respeito a essas
equipes trabalharem em conjunto com parceiros da sociedade civil que tenham o
interesse em formar vínculos para a formulação de estratégias para o território em
6
questão, sempre com atenção para a inclusão da participação das pessoas que são
atendidas pela rede de atenção psicossocial.
Até aqui, apresentamos a proposta de Amarante (2011), para a Reforma
Psiquiátrica Brasileira, e as dimensões estratégicas que devem ser realizadas para a
promoção da saúde mental nos âmbitos da atenção psicossocial que,
consequentemente, influenciam na melhoria da saúde geral da população, uma vez
que integra as equipes multidisciplinares com a família, os demais serviços sociais,
os atores sociais e os sujeitos em sofrimento psíquico, permitindo uma conduta de
cuidado e acolhimento para com esses últimos, inserindo-os novamente na
sociedade.
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comparação das produções artísticas de pessoas consideradas doentes mentais,
artistas e pessoas tidas como “normais”, proporcionou um entendimento da vida
psíquica, a história de vida e os conflitos pessoais contidos nessas produções e
influenciou diversos autores como Rorschach e Murray a elaborarem seus testes
projetivos; e posteriormente influenciou Binet-Simon e Bender a desenvolverem os
testes de inteligências e avaliação perceptomotora.
O fundador da psicanálise, Freud, mediante a análise de obras de arte e de
seus autores, apresentados principalmente em seus textos de 1906, a “Gradiva de
Jensen”, o texto sobre a vida de Leonardo da Vinci publicado em 1910, “Uma
memória de infância”, e em sua análise sobre Moisés de Michelangelo, de 1913,
examinou as manifestações inconscientes que se dão por meio de imagens que
escapam a censura consciente e transmitem significados de forma mais direta do
que as palavras. Descobriu que a manifestação inconsciente por meio de imagens é
uma comunicação simbólica com função catártica, ou seja, é um modo de escoar de
forma apropriada os afetos patogênicos, servindo-se da arte, neste caso, como
recurso para liberá-los.
Andrade (2000) explica que, diferente de Freud o qual acredita que a
produção artística é fruto da sublimação de instintos sexuais e agressivos, Jung
considera que a criatividade é uma função natural da mente humana, que estrutura o
pensamento com a simbolização do inconsciente individual ou do inconsciente
coletivo. A partir de 1920, Jung, começou a solicitar que seus pacientes fizessem
desenhos de seus sonhos e de situações conflitivas em suas vidas, depois passou a
pedir que fizessem desenhos livres para facilitar a comunicação com os pacientes.
Jung acreditava que a criatividade tinha o poder de “cura” em si mesma e a utilizava
em seus atendimentos.
Ulysses Pernambucano, mesmo não tendo publicado seus estudos, foi o
primeiro no Brasil a estudar a vinculação entre arte e loucura, no início da década de
1920, utilizando as produções artísticas dos doentes mentais do Hospital da
Tamarineira. Inspirou o médico Silvio Moura, que elaborou sua tese, Manifestações
Artísticas nos Alienados, a primeira publicação brasileira a respeito do tema,
publicada em 1923 (Andriolo, 2003).
8
Em seu artigo, Andriolo (2003) descreve a vida e obra de Osório César,
psiquiatra que foi responsável pelo amplo estudo e elaboração de um método de
análise de arte consistente no Brasil. Trabalhou no Hospital de Juqueri a partir de
1923 e em 1925 publicou seu primeiro artigo, A Arte Primitiva nos Alienados, e em
1929 publicou sua principal obra A Expressão Artística nos Alienados (Contribuição
ao Estudo dos Symbolos na Arte). Influenciado pela teoria psicanalítica de Freud,
Osório César teve como principal objetivo a análise dos símbolos contidos na arte
dos pacientes internados e o método comparativo, proveniente da influência da
leitura das pesquisas de Lombroso, contudo, além de relacionar a arte dos internos
do hospital com a arte dos primitivos, também as comparava com a arte das
crianças, com arte arcaica, acadêmica, clássica, esta sem grande relevância para
seus estudos, e com a arte de vanguarda.
De acordo com Andriolo (2006), outra influência de Osório César foi do
estudioso Prinzhorn, também influenciado pela psicanálise, este foi o primeiro a
encontrar semelhança na criação de todos os seres humanos. Portanto, Osório
César, apesar das críticas que recebeu, assim como Prinzhorn, era contra as
classificações e entendia a semelhança simbólica encontrada nas produções
artísticas de todos os seres humanos. Fez a análise das obras produzidas
livremente por pacientes do hospital, criou a Escola Livre de Artes Plásticas do
Juqueri, em 1925, sempre ressaltando a dignidade humana de seus pacientes.
Andrade (2000) diz que outra personalidade importante no cenário brasileiro
que utilizou as expressões artísticas como forma de promoção da saúde foi Nise da
Silveira que, a partir de 1946, na Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro
Psiquiátrico D. Pedro II em Engenho de Dentro, iniciou seus trabalhos e,
posteriormente, em 1952, este local se transformou no Museu de Imagens do
Inconsciente. Frayze-Pereira (2003) afirma que, além de expor as obras de seus
pacientes, o lugar também se tornou uma comunidade para eles, e enfatiza o valor
sociopolítico de todo trabalho de Nise da Silveira.
Andrade (2000) anuncia que a sistematização da arteterapia, enquanto
aplicação para a promoção da saúde mental ocorreu a partir de 1941, nos EUA, com
trabalho de Margaret Naumburg e de sua irmã Florence Cane. A primeira
9
desenvolveu seu trabalho em psicoterapia, denominado arteterapia de orientação
dinâmica, e a segunda utilizava métodos pedagógicos e desenvolveu a arte-
educação, ambas se fundamentaram na teoria da psicanálise.
Outra precursora da arteterapia foi Edith Kramer, em 1958, que entre seus
pressupostos, baseados na psicanálise, introduziu um importante requisito na
formação profissional do arteterapeuta, o de que esse profissional também deveria
ser professor de arte e artista, uma vez que o artista consegue por meio da criação
resolver conflitos entre a realidade externa e interna.
No Brasil, Maria Margarida M. J. de Carvalho fez um curso de extensão, em
1964, na USP, com Hana Kawiatkowska, sobre arteterapia familiar e começa a
ministrar cursos em 1968. Dentre outros nomes, destacam-se também o de Angela
Phillipini, que segue orientação junguiana em arteterapia e organizou o curso de
arteterapia na clínica POMAR, em 1982; e Selma Cionai, que estudou diretamente
com Jaine Rhyne, precursora em arteterapia que segue a abordagem Gestalt. Sei
(2011) diz que hoje existem muitas associações de arteterapia no Brasil.
Em busca realizada em setembro de 2017, no site da União Brasileira de
Associações de Arteterapia (UBAAT), fundada em 2006, verificamos onze
associações ligadas a essa instituição.
Sobre os materiais empregados na arteterapia, há aqueles advindos das artes
plásticas como desenho, pintura, modelagem, colagem; e de vários tipos de
expressões como a dança, dramatização, expressão corporal e escrita (Andrade,
2000). Gonçalves (2010b, apud SEI, 2011) defende o uso de materiais e recursos
mais acessíveis à população, com baixo custo e que essa deve ser uma
preocupação constante do arteterapeuta, propõe a transformação de sucatas em
materiais expressivos, que além do preço baixo, também tem o simbolismo de
transformação desse tipo de material com a transformação do próprio paciente.
Sei (2014) destaca que o arteterapeuta deve refletir sobre o tipo de material e
sua consonância com as fases de desenvolvimento do indivíduo, uma vez que a
arteterapia pode ser aplicada em todas as faixas etárias, desde a infância,
adolescência, fase adulta até a velhice, podendo ser executada de forma individual
10
ou em grupo. Segue abaixo alguns exemplos de materiais utilizados na arteterapia,
bem como os usos e indicações,
COLAGEM: é necessário que o arteterapeuta mantenha um banco de dados
de imagens atualizado (policromáticas e monocromáticas) ou ofereça revistas
e jornais para o paciente fazer suas escolhas e seus cortes. Podem ser
utilizados, também, papéis coloridos, sementes, retalhos de tecidos e
fotografias. Indicada para todas as faixas etárias, pois tem pouca dificuldade
operacional e é facilitadora do processo terapêutico no início, por diminuir a
ansiedade de se expressar “artisticamente”. Possibilita a expressão simbólica,
a integração, à estruturação, a organização espacial em um continente
(papel) e a sintetização dos sentidos e significados produzidos. (SEI, 2009;
PHILIPPINI, 2009)
DESENHO: podem ser feitos com lápis de cor, lápis de cera, grafite, canetas
(nanquim, hidrocores, pincéis atômicos), carvão de desenho, pastel seco e a
óleo, cada tipo de material tem suas particularidades e maior ou menor
dificuldade. No entanto, o desenho por si só já é considerado difícil pelos
pacientes e gerador de ansiedade, sendo aconselhável a utilização quando o
vínculo paciente-terapeuta for suficientemente sólido. Crianças e
adolescentes se adaptam melhor a essa atividade do que adultos e idosos.
Essa atividade requer maior controle motor, precisão e inteligência, também
propicia o desenvolvimento da coordenação visomotora e espacial, da
atenção e da concentração. Permite expressar a história pessoal com maior
nitidez, facilita a compreensão dos símbolos que vão gradualmente do
inconsciente para a consciência (SEI, 2009; PHILIPPINI, 2009).
PINTURA: para a pintura, deve-se levar em consideração, além dos tipos de
tinta, como acrílica (restrições), a óleo, aquarela, guache, cola colorida e tinta
de pigmentos naturais, também se tem que levar em conta o material, como
pincéis, esponjas, algodão, e os suportes em que serão realizadas as
pinturas. A pintura é realizada com materiais e cores de maior ou menor
fluidez e secagem mais rápida ou lenta, possibilitando a correção ou não de
erros. Essas características permitem uma intensa fluidez emocional e
11
mobilização ou relaxamento dos mecanismos de defesa. Cada técnica ou
material utilizado tem suas próprias características. É recomendada para
adolescentes por facilitar a expressão da subjetividade e pouco indicada para
adultos, principalmente pelo temor do não saber fazer (SEI, 2009;
PHILIPPINI, 2009).
MODELAGEM: pode ser utilizada a argila, papel machê, massa de modelar
ou massa de farinha caseira comestível para crianças e massa para biscuit.
Não é aconselhável para o início do trabalho terapêutico, pois é do plano da
tridimensionalidade, sendo necessária já alguma experiência com trabalhos
bidimensionais. Envolve a capacidade de formar estruturas, organização
espacial, desenvolve a coordenação motora. Esse tipo de material propicia
diversas sensações ao tato, como textura e sensação térmica, além de
intensa resposta emocional pela projeção dos afetos. Pode causar rejeição ou
prazer e alívio devido à textura do material (SEI, 2009; PHILIPPINI, 2009).
Paín (2009) elucida que a arteterapia como a conhecemos hoje só foi possível
devido à transformação da concepção de doença mental em nossa sociedade e,
com isso, da transformação da clínica psicoterapêutica. Pois, como explicado por
Amarante (2011), só com a transformação sociocultural do entendimento do que
seja um sujeito em sofrimento psíquico é que se podem realizar outras mudanças
estratégicas no campo da saúde mental. A arteterapia, como definiu Sei (2009),
enfatiza o indivíduo em suas necessidades, na sua expressividade e experiência em
12
seu sofrimento, esse destaque está de acordo com a mudança epistêmica teórico-
conceito proposta por Basaglia ao se suspender a doença e priorizar o sujeito e sua
experiência.
Sei (2009) enfatiza a preocupação em ofertar um ambiente propício para a
expressividade desse sujeito, assim como preconiza a dimensão técnico-assistencial
apresentada por Amarante (2011), que visa promover novas subjetividades e,
principalmente, em relação a aberturas de ateliês em espaços sociais diferentes das
sedes de serviços CAPS, o que esse autor aponta como tendência mundial de
estratégia de prestação de serviços de base territorial que atuam na comunidade,
permitindo dessa forma a socialização indiscriminada de diversos sujeitos, estando
em sofrimento psíquico ou não, o que nos leva novamente a dimensão sociocultural
de transformação das representações sociais que se tem dos sujeitos em sofrimento
mental. Na dimensão jurídico-política, o arteterapeuta pode tanto participar da
formulação de políticas públicas como de movimentos sociais que reivindiquem
modificações legislativas para que os sujeitos em sofrimento psíquico possam
exercer sua cidadania.
A União Brasileira de Associações de Arteterapia (UBAAT) divulgou a cartilha
“Contribuição da Arteterapia para a Atenção Integral do SUS” (2017), após a
promulgação da Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, do Ministério Público, que
inclui oficialmente a Arteterapia entre as práticas terapêuticas previstas na Política
Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC).
Conforme a Cartilha da UBAAT (2017), o arteterapeuta pode contribuir para
promoção integral à saúde em diferentes níveis da atenção básica, tanto pela
educação, quanto com as ações de reparação e recuperação da saúde dos
indivíduos. Algumas atividades realizadas pelo arteterapeuta são: instruir em relação
ao uso do álcool, tabagismo e outras drogas; ressaltar a importância da realização
de exames de rotina; instruir sobre o planejamento familiar; cuidados na gestação e
amamentação; participar de programas intersetoriais com escolas (PSE) e
comunidades; participar e promover ações nos Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador; bem como realizar trabalhos de acolhimento e ressignificação de
traumas sofridos como violência doméstica e abuso sexual; realizar trabalhos no
13
âmbito hospitalar seja nas salas de espera ou em outros locais, em comum acordo
com a equipe da saúde, para amenizar o sofrimento físico e emocional dos
pacientes e seus familiares. São diversas ações envolvendo todas as faixas etárias
do desenvolvimento humano e suas especificidades.
No atendimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), o arteterapeuta
pode integrar a equipe multidisciplinar da atenção básica, participar da elaboração e
implementação de diversos níveis e projetos da RAPS, como: participar do
Programa de Desinstitucionalização, na elaboração e implementação de Projetos
Terapêuticos Singulares, participar nos Serviços Residenciais Terapêuticos, no
Serviço de Atenção em Regime Residencial, nas Unidades de Acolhimento, dentre
outros. A arteterapia na atenção psicossocial, principalmente através da expressão
simbólica, promove à auto-organização, estimula o protagonismo do indivíduo
propiciando a autonomia dele, desenvolve a criatividade, permite uma melhor
expressão das emoções e novas formas de ser, agir e sentir o mundo. O
atendimento pode ser individual ou em grupo, sempre visando o acolhimento do
sujeito que está em sofrimento psíquico e sua reintegração na sociedade e na
família.
CONCLUSÃO
Em nossas pesquisas, pudemos verificar que o tratamento recebido pelo
sujeito em sofrimento psíquico foi diferente ao longo da história e que este depende
intimamente do conceito de doença mental, que interfere nas políticas públicas de
saúde mental e atenção psicossocial, bem como na sistematização de áreas do
conhecimento que hoje em dia fazem parte das estratégias de promoção da saúde,
como a arteterapia.
Ao resgatar brevemente o conceito de saúde mental de Amarante (2011) e as
dimensões estratégicas que os atores sociais da atenção psicossocial devem
promover, pudemos entender a arte como recurso psicoterapêutico, a importância
do campo psi para seu desenvolvimento, bem como dos movimentos sociais ligados
a desinstitucionalização da loucura e a promoção de uma saúde mental que prioriza
o sujeito e sua experiência no lugar da doença, como anteriormente era feito pelo
14
conhecimento hegemônico, dualista e reducionista da ciência positivista que pautava
a ciência da psiquiatria e que administrava de forma unilateral o conhecimento sobre
o que é saúde mental.
Em relação à arteterapia, foi possível mostrar apenas um fio de luz do
conhecimento que abrange essa área do conhecimento, pois não temos formação
em arteterapia e, portanto, conhecimento técnico da utilização dos recursos e da
prática arteterapêutica. Ainda assim, com a pesquisa bibliográfica tivemos o suporte
para compreender a complexidade e importância dessa atuação.
O objetivo aqui foi o de conhecer melhor a arteterapia, o contexto histórico de
seu desenvolvimento e atrelá-lo ao campo da saúde mental em suas dimensões
estratégicas, uma vez que essa forma de psicoterapia, desde antes de sua
sistematização, ainda quando a arte era apenas utilizada como terapia ocupacional,
como Nise da Silveira a utilizou, ela já contribuía para um entender diferente do que
é saúde mental, pois o fazer arte por si só, com seu potencial criativo, proporciona a
organização do eu. Mais que isso, como nos revela Paín (2009), a utilização da arte
como recurso psicoterapêutico só o é quando promove a sensibilização do indivíduo
e abre possibilidades para compreensão de novos sentidos de entendimento com o
mundo, de resolução dos conflitos entre o indivíduo e a sociedade em que está
inserido. É nessa concepção de psicoterapia que entendemos que a arte
proporciona resultados satisfatórios de superação do sofrimento psíquico, e que só
foi possível, ainda de acordo com essa autora, após um novo entendimento de
saúde mental e da reforma psiquiátrica.
A arteterapia na esfera de políticas públicas é realizada principalmente na
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Porém, diversos estudos mostram sua
importância para a desinstitucionalização da saúde mental, uma vez que reinsere
com seus ateliês fora das sedes da RAPS o sujeito em sofrimento psíquico e esse
passa a ser visto por quem se é e não por sua “doença mental”. A reinserção desses
sujeitos no convívio social tem se mostrado um fator essencial para a saúde mental.
Um último ponto a ser abordado, como parte das estratégias socioculturais e
jurídico-políticas, devemos chamar a atenção para a nomeada, Segunda Reforma
Psiquiátrica, proposta pelo atual ministro da saúde, Ricardo Barros, e o governo do
15
qual faz parte, que mais uma vez, de forma manipulada, impele à população
retrocessos democráticos. Neste caso, a proposta do ministro, aprovada no dia 30
de dezembro de 2017, é de aumentar o investimento na saúde mental, o que seria
ótimo de fosse para incentivar mais estratégias de desinstitucionalização e de
promoção da saúde mental com a reinserção do sujeito em sofrimento psíquico na
sociedade.
Entretanto o que vimos, pela carta de protesto a essas medidas lançada pela
Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) e assinada por mais de cento e
vinte profissionais da área, é de que esse investimento será ofertado principalmente
a comunidades terapêuticas e ao aumento de leitos psiquiátricos em hospitais gerais
e particulares. Ou seja, o Brasil volta a priorizar a internação de longo prazo em
instituições que enchem o ministério público com denúncias de maus-tratos, ao
invés de terapias que levem em conta a humanização do indivíduo e sua reinserção
na sociedade.
REFERÊNCIAS
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(ou a falácia da segunda reforma psiquiátrica). Publicado em 01 de janeiro de 2018.
Disponível em: http://www.abrasme.org.br/informativo/view?ID_INFORMATIVO=372.
Acesso em: 10, jan. 2018.
ANDRADE, Liomar Quinto de. Terapias Expressivas. São Paulo: Vetor, 2000.
16
FRAYZE-PEREIRA, João A. Nise da Silveira: imagens do inconsciente entre
psicologia, arte e política. In: Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, pg. 197-
208, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S
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GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas,
2002.
17