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Mina de Ouro - Uma Transformação Lean em Romance - Cap - 01

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Capítulo Um

O LUCRO REINA, MAS O CAIXA MANDA

Primeiro, um telefonema.
– Mike? – disse Charlene. – O Phil está aí?
Havia uma certa ansiedade na sua voz, um tom de pânico.
– Não o vi – respondi. – Alguma coisa errada?
– Espero que não. Ele ligou dizendo que passaria na sua casa no fim
da tarde, mas não tive mais notícias.
Já passava das 11 da noite pelo meu relógio, motivo suficiente para
preocupar-se – mas não para tanta preocupação. Tentei fazê-la falar um
pouco mais, mas ela se limitou a me pedir para telefonar se Phil aparecesse.
Desliguei, intrigado. Philip Jenkinson era um amigo próximo. Nós nos
conhecíamos desde o segundo grau e, fazia poucas semanas, havíamos
tomado um drink juntos. Ele era aquele cara que tinha dado certo. Havia
conquistado o mundo. Tinha enriquecido. Eu sabia que ele estava passando
por muita pressão no trabalho ultimamente, mas fora os sinais comuns
de estresse de executivo, ele parecia muito bem. Imaginei se não havia
ocorrido algum acidente.
A campainha tocou. Um taxista irritado tentava conduzir Philip, que
oscilava de um lado para outro, bêbado e balbuciante.
– É amigo seu? – grunhiu o taxista. Carregamos Phil para dentro e o
largamos no sofá. Ele não só estava alcoolizado, mas tremia muito e es-
tava molhado pela forte chuva. Paguei o motorista, dei-lhe uma gorjeta e
fiquei observando enquanto ele sumia pela noite escura. Philip já roncava.
Sentindo-me um dedo-duro, telefonei para Charlene, não entrando em
detalhes, e lhe disse para não se preocupar. Eu levaria seu marido de volta
para casa na manhã seguinte. Podia ouvir as crianças brigando no fundo
e fiquei surpreso por estarem acordadas ainda, algo fora do comum num
dia de semana, mas, afinal, eu não tinha nada a ver com isso.
16 A mina de ouro

Tirei o casaco encharcado de Philip, lutei para remover suas botas


e deixei-o dormindo, esparramado no sofá. Ele parecia estranhamente
infantil, murmurando em seu estupor etílico, um eco distante daquele
adolescente magro e alto que fora na nossa juventude e, mais uma vez,
me perguntei por que diabos ainda mantinha o corte de cabelo e os óculos
de nerd daquela época. Até canetas ele tinha saindo do bolso da camisa!
Era um homem grande, loiro, de traços fortes, com algumas marcas que
a acne lhe deixara. Uma cara boa e um sujeito bom, pensei, irritado. Não
era particularmente sutil ou refinado, havia sido um bom amigo nesses
anos todos – terrivelmente crítico, daquele jeito unilateral dele. Tendia
a ser um pouco enfadonho, raramente bebia, nunca fumava e, fora uma
fraqueza por carros vistosos e uma compulsão por trabalho, não tinha
vícios específicos que eu pudesse lembrar. O que, me perguntei, o havia
levado a ficar nesse estado lamentável?
A manhã raiou, clara, agradável e bem mais quente do que nos últi-
mos dias. Havia chovido continuamente a semana toda e eu torcia para
que a primavera tivesse finalmente chegado para ficar. Adoro o norte da
Califórnia, mas detesto essa chuva de final de estação! Dei um cutucão
em Phil para que acordasse, ao mesmo tempo em que plantei um bule de
café preto, uma garrafa pequena de cerveja e um ovo cru em sua frente,
uma receita infalível contra a ressaca vinda de nossos tempos mais fes-
teiros. Ele entornou a cerveja, tomou o café, recusou o ovo e finalmente
sentou-se, afundado no sofá. Sentei-me, bebendo cuidadosamente da
minha xícara.
– Quer me contar o que está havendo?
Ele apenas sacudiu a cabeça. Era algo doloroso pelo jeito.
– Problemas com a família?
Ele me olhou, os olhos desolados, com surpresa.
– Não. Problemas no trabalho.
Eu arregalei os olhos. Problemas no trabalho? Como assim? Philip
era uma história de sucesso. Havia estudado em Berkeley, obtido seu
Ph.D. em física e criado alguma engenhoca de alta tecnologia que logo
patenteou. Além disso tudo, ele e um sócio haviam iniciado uma pequena
operação industrial bem sucedida na Costa Oeste. Eu estava estudando
O lucro reina, mas o caixa manda 17

para meu doutorado no Reino Unido na época, e não sabia muito a res-
peito, até que, por essas obras misteriosas da vida moderna, acabamos
vivendo na mesma cidade. Há dois anos atrás, Phil e seu sócio haviam
comprado uma empresa já estabelecida com o objetivo de integrar a
nova tecnologia à linha de produção existente. Quando consegui um
emprego numa faculdade conceituada, Sarah (uma antiga namorada) e
eu ficamos na casa de Phil e Charlene antes de acharmos um lugar para
morar nas redondezas. Ele ganhava mais dinheiro em um mês do que
eu em um ano com meu miserável salário de professor universitário, e
sua incessante conversa sobre ofertas públicas iniciais e o preço de ações
teria me enfadado até as lágrimas se eu não estivesse, na verdade, um
pouco invejoso.
Problemas no trabalho? Que tipo de problema no trabalho o levaria
a dormir podre de bêbado no sofá de um amigo?
– É tão ruim assim?
– É ainda pior.
Ele bebia uma segunda xícara de café, seus olhos vermelhos e vagos,
as linhas de sua face totalmente visíveis na luz da manhã. Esfregou a mão
no rosto.
– Não consigo lidar com mais nada. Não sei nem por onde começar.
É tudo muito pesado!
– Me conta.
– Você não entenderia – disse ele dando de ombros e prosseguiu mesmo
assim – Se não fizermos alguma coisa logo, iremos à falência em poucos
meses. Tudo o que possuímos está hipotecado. Os bancos se recusam a
nos dar um centavo a mais. Já tentamos tudo o que foi possível. Não há
mais jeito.
Pelo que entendi, Phil e seu sócio Matthew haviam apostado que pode-
riam comprar uma empresa em dificuldades financeiras em sua indústria por
uma pechincha, levantá-la com sua nova tecnologia e, basicamente, fazer
um extraordinário lucro. Com tudo que juntaram de seu próprio dinheiro
e muita dívida bancária, fecharam o negócio e, após uma arrancada inicial
entusiasmada, os dois caíram na dura realidade de dirigir uma empresa. Eu
nunca havia imaginado, no entanto, que as coisas estivessem tão difíceis.
18 A mina de ouro

Suponho que todos estavam sofrendo com as últimas crises econômicas


– empresários mais do que os outros, sem contar os desempregados.
– É demais – ele sussurrou, num tom de real desespero, novamente.
Como acadêmico, eu não conseguia entender completamente a am-
plitude de seus problemas e porque eles eram tão trágicos, mas sabia que,
para algumas pessoas, os negócios eram mais importantes do que a família,
a vida e o universo todos juntos. Eu sabia bem. Meu pai era uma dessas
pessoas e me criei com esse tipo de problema, ou melhor, apesar disso.
– Já analisei os números de todos os ângulos. Se não conseguirmos
que algum dinheiro entre rapidamente, podemos perder tudo o que te-
mos. Tudo!
– Deixa disso, é só dinheiro!
– Eu sabia que você não entenderia – ele disse com irritação – Olha,
os bancos estão cobrando os empréstimos, hipotecamos tudo que pos-
suímos e, neste momento, mal conseguimos pagar os juros do dinheiro
que pedimos emprestado. Se eles não estenderem a linha de crédito, não
poderemos pagar os salários, não poderemos pagar os fornecedores e será
o caos. Vamos falir!
– Droga – ele gemeu – tenho que ir para casa. Cara!
Ele pôs o rosto nas mãos, arranhando a cabeça com os dedos. Eu só
conseguia pensar que deveria achar alguma solução antes de levá-lo até a
Charlene naquele estado.
– Bom, tem uma coisa que podemos fazer, apesar de saber que vou me
arrepender – falei com receio. Ele me olhou sem parecer estar ouvindo.
– Podemos falar com meu pai.

Meu pai era a única pessoa que eu conhecia que poderia ajudar Phil,
mas, a medida em que nos dirigíamos à baía, comecei a reconsiderar minha
idéia. Meu pai estava aposentado agora e passava a maior parte do tempo
mexendo no seu barco no Iate Clube Bay. Em seus áureos tempos, havia
sido um bem-sucedido executivo na indústria de componentes automo-
tivos. Logo após sair do secundário, ele havia entrado na marinha e, após
dar baixa, usou uma bolsa de veteranos para se formar em engenharia
industrial. Depois, estranhamente, achou um emprego na Grã Bretanha
O lucro reina, mas o caixa manda 19

com a British Leyland. Isso foi mais ou menos na época da fusão entre
a Austin Morris e a Leyland – ou seja, no tempo em que o Reino Unido
ainda possuía uma indústria automobilística própria. Foi nessa época
que ele conheceu minha mãe e meu irmão e eu nos criamos na Inglaterra
até o papai conseguir um emprego melhor nos Estados Unidos com um
fornecedor automotivo sediado em Detroit.
A mudança foi terrível. De repente, perdi todos meus amigos e me
vi na companhia de estranhos. Eu não falava como eles, não me vestia
como eles. Cara, eu nem gostava deles – e eles sentiam o mesmo por mim
(para falar a verdade, acho que era até pior para meu irmão mais novo).
Naquela época, as pessoas “populares” rejeitavam Phil igualmente por ser
tão CDF e por ter tanto interesse pela ciência, isso sem falar nas roupas
de segunda mão que usava. De alguma forma, nos tornamos amigos, dois
patinhos feios na lagoa, e mantivemos a amizade mesmo quando voltei
para a Inglaterra para ir para a universidade e, em seguida, obter meu
Ph.D em psicologia.
Meu pai teve uma carreira fora do comum, especialmente pelo fato de
que logo se ligou à ofensiva industrial japonesa. Enquanto a maioria de
seus colegas ignorava ou fazia pouco dessas técnicas novas de manufatura,
ele havia ficado obcecado. Quando eu era adolescente parecia que a única
coisa de que falava eram palavras de sons pouco civilizados como kanban
e kaizen. Ele chegou a aprender mais ou menos a língua e viajou várias
vezes ao Japão, particularmente para visitar a Toyota. É claro que tudo
isso não fez com que ele se tornasse muito bem quisto entre seus colegas,
especialmente porque insistia em proferir as deficiências dos administra-
dores ocidentais. Os ingleses se ressentiam de sua franqueza americana,
os americanos simplesmente o ignoravam. Alguns o consideravam ran-
zinza, outros, apenas um chato. Como resultado, ele havia passado por
várias empresas, revolucionando operações e, eventualmente, perdendo
as inevitáveis batalhas políticas. No fim, era obrigado a sair, entrando em
mais outra empresa para mais uma briga.
Finalmente, ele se tornou vice-presidente de operações de um grande
fornecedor automotivo. Tudo ia bem até seu chefe se aposentar e meu pai
dar-se conta de que não seria considerado para o cargo porque o conselho
20 A mina de ouro

estava à procura de uma pessoa mais jovem. Desgostoso, ele se aposen-


tou muito magoado, e ainda diz, para quem quiser ouvir, que desde que
saiu, a empresa só se deu mal (o que é verdade, mas se tem relação com
sua saída ou não, não sei dizer). No fim das contas, meus pais decidiram
fixar-se perto de onde eu e meu irmão estávamos no ensolarado norte da
Califórnia e acharam uma casa nas colinas, num local de fácil acesso por
carro de onde eu moro atualmente.
Meu pai havia sido viciado em trabalho toda a vida e eu pensei que
continuaria a trabalhar como consultor. Uma vez mais, ele nos surpre-
endeu. Tão logo se aposentou, ele se afastou da indústria sem olhar para
trás. Sendo um homem de paixões, agora dedicava todo seu tempo a seu
primeiro amor: barcos. Ele sempre havia tido uma banheira velha atracada
ou instalada em algum lugar, mas, com tantas mudanças, nunca tinha tido
muito tempo para se dedicar à navegação. E, ainda por cima, acho que ele
ficou muito desapontado ao ver que nem meu irmão nem eu comparti-
lhávamos de seu entusiasmo por molhar-se, sentir frio e ficar nauseado,
como forma de diversão. Ele comprou um belo catamarã de madeira de
12 metros e passava a maior parte do tempo lidando com ele, falando sem
parar com quem quisesse ouvir sobre seus dias na marinha. Logo ele se
tornou qualquer coisa importante no Iate Clube Bay e passava mais tempo
lá do que em casa, para o alívio não expresso de minha mãe, que gostava
de ter a casa e o dia inteiro para si.
Enquanto eu dirigia, explicava tudo isso para Phil, que ouvia distrai-
damente. Ele falara por telefone com sua cara metade, e o que ouvira não
caiu bem junto com a bebida da noite, tornando sua cara ainda mais azeda.
Na verdade, acho que ele estava nauseado demais para discutir, e também
não estava muito disposto a ir para sua própria casa.

– Não pise aí que o verniz ainda não secou! – rosnou meu pai quando
eu já ia por o pé no barco.– Oi, pai – respondi com uma voz irônica,
após cumprimentar um homem espalhafatoso e corado que descansava
na cabina com uma caneca na mão. Meu pai, de costas para nós, passava
o pincel cuidadosamente no teto da cabina. Seu amigo vestia uma ca-
misa azul marinho e calças de sarja, bem no estilo do iatista de cartão
O lucro reina, mas o caixa manda 21

postal. Ele arrematou a figura usando um ridículo boné de marinheiro


colocado em um ângulo jovial, o que lhe dava um vago ar de pirata. Ele
estava lagarteando ao sol da manhã e sorrindo de contentamento, em
contraste total com meu pai que estava de joelhos, em trajes de trabalho,
um moleton cinza rasgado e calças de brim manchadas, exibindo sua
carranca habitual.
– Subam e nem liguem para ele. Vocês sabem como ele é! – disse
aquele pirata, fazendo um gesto efusivo em direção a meu pai. Subimos
cuidadosamente; sentei no convés enquanto Philip olhava a sua volta ator-
doado, tentando encontrar algum lugar no barco que poderia acomodar
seu corpanzil.
– Harry, este daqui é meu filho. Rapazes, este é o Harry – disse meu
pai, fitando-nos com seu olhar mal-humorado, enquanto cuidadosamente
molhava o pincel na tina.
– Harry – Phil acenou com educação. – Sr. Woods.
Meu pai virou-se e encarou Phil com seus dois olhos claros e o nariz
adunco (infelizmente, um traço de família) que lhe dava um ar de águia, e
fazia com que todos tivessem a vontade instintiva de endireitar-se e fazer
continência. Eu havia conseguido me livrar dessa sensação com o passar
dos anos e me diverti vendo Philip se remexendo todo.
– Tudo bem, Philip? – disse papai. – Estes malandros costumavam
roubar meu uísque achando que eu não notava – ele disse a Harry, vol-
tando a seu trabalho. Papai me revelou algo que eu nunca soubera. Philip
riu alto ao lembrar a pilhagem que fazíamos no escritório do meu pai e
finalmente o peso dos anos desapareceu de seu rosto, fazendo-o parecer
mais próximo de sua idade real.
– Você é filho do Bobby – disse Harry espremendo os olhos para me
olhar. – Veja só. Dá para dizer, o mesmo nariz – ele acrescentou com um
sorrisinho, tomando o resto do conteúdo de sua caneca.
– Bom, o que trás vocês aqui? – perguntou meu pai, resolutamente de
costas para nós mais uma vez, cuidadosamente aplicando verniz na antiga
e venerável madeira da cabina.
– É o seguinte, pai. Phil está tendo problemas com seus negócios e
pensei que você poderia conversar com ele e talvez ajudá-lo.
22 A mina de ouro

– Bem, então porque você não deixa Phil me contar seus problemas?
Sentei-me mais confortavelmente e, segurando meu fôlego um segundo,
deixei um vacilante Phil começar sua história.
– O senhor lembra da última vez em que conversamos, lhe contei
que havia desenvolvido a patente de uma nova tecnologia na área de
alta-voltagem que poderia ser aplicada, entre outras coisas, a disjuntores
industriais? Bem, achei um sócio e montamos uma pequena fábrica. Foi
muito bem, e há dois anos compramos um de nossos competidores que
estava pedindo falência.
– Por que faliu? – interrompeu Harry.
– Tinha um custo muito elevado – disse Phil com indiferença. – Tec-
nologia antiquada, operações ineficazes, gerentes em demasia e gestão
altamente ineficaz. Na época, estávamos recebendo mais pedidos do que
conseguíamos atender e precisávamos daquela capacidade a mais. Havia
muito que podia ser usado naquela fábrica velha, que tinha alguns em-
pregados altamente qualificados. Achamos que podíamos levantar aquele
negócio.
– Então vocês começaram a simplificar – continuou Harry, tirando um
cantil de metal do bolso da calça e olhando com ar de dúvida para o seu
copo vazio. – Mas, não foi tão fácil como pensaram e…
– Deixe o homem terminar! – bradou meu pai.
Eu me perguntava quem era esse Harry. Ele parecia estar se diver-
tindo. Apesar de sua vestimenta de marinheiro e sua pança, que o fazia
parecer o Falstaff de Shakespeare, seu olhar penetrante demonstrava uma
sabedoria mais profunda. Com um grande suspiro, ele fez um esforço
para se levantar e entrou na cabina para encher sua xícara. – Alguém
quer café?
– Não, obrigado – continuou Phil. – Sim, fomos bem no início. Meu
sócio Matt tem conhecimento na área de direito e deu um jeito de ne-
gociar a saída da equipe de gerência, o que realmente ajudou nos custos.
Conseguimos nos virar com o pessoal que ainda ficou, mas encontramos
alguns problemas. Matt havia assegurado um empréstimo bancário para
boa parte do valor, o que nos possibilitou a compra, mas ficamos com
pagamentos regulares para saldar o empréstimo. Como supúnhamos,
O lucro reina, mas o caixa manda 23

a empresa tinha pedidos que não eram atendidos. Então, fizemos uma
reunião com alguns antigos empregados e perguntamos o que estava
havendo. Nos contaram que a administração havia investido tão pouco
durante todos esses anos que as máquinas falhavam com freqüência e
que a produtividade sofria pela falta de ferramentas simples e por causa
de outras falhas. Eles tinham razão, e por um ano trabalhamos duro para
acertar as operações, enquanto instalávamos nossa nova tecnologia. Tam-
bém trabalhamos com consultores para melhorar o fluxo de produção na
planta.– Ele respirou fundo. – E funcionou por algum tempo, mas aí…
– sacudiu a cabeça, desesperançoso.
– Problemas de caixa? – perguntou Harry, batizando seu café com o
conteúdo de um pequeno frasco prateado.
– É. Parecia que nunca tínhamos dinheiro o suficiente. E os bancos
acabam de nos informar que não estenderão nosso crédito. Estamos com
enorme dificuldade para pagar os juros dos empréstimos, estamos tão
atrasados no pagamento de alguns de nossos fornecedores que entrega-
rão somente após o pagamento e, claro, estamos tendo problemas para
pagar salários. – Enquanto falava, Phil inclinou-se para frente, puxando
seu cabelo distraidamente.
O que há com seu negócio? – Harry continuou. – Os produtos não
dão lucro?
– Não é bem esse o problema. Os produtos geram lucro – quando
conseguimos produzi-los de forma contínua e no prazo. Mas os materiais
são caros e parece que nunca conseguimos fazer as coisas com a eficiência
necessária. É muito frustrante. Poderíamos fazer muito mais negócios,
mas isso significa investir em capacidade adicional e novos materiais o
que significa, é claro, mais dinheiro.
Achamos que poderíamos fazer um bom lucro com os produtos se
tivéssemos apenas custos padrão: nada de hora extra, ou materiais extras,
ou as milhões de despesas que surgem a toda hora. Se não estivéssemos
sempre nos defrontando com essas despesas, achamos que estaríamos
lucrando de uma maneira consistente.
– E que tal cortar despesas gerais? – perguntou Harry.
24 A mina de ouro

– Cortamos tudo o que podíamos. Não sei mais o que poderíamos


fazer para reduzir nossas despesas fixas.
– E o capital de giro?
– Fizemos tudo que podíamos nessa área. Quando assumimos, nos
concentramos nas contas a receber e fizemos os clientes pagar no prazo.
Agora somos nós que estamos atrasando pagamentos para nossos reven-
dedores que estão ameaçando nos cortar.
– O que nos leva ao estoque – disse meu pai, virando e acomodando-se
na cabina, enquanto limpava o pincel com um pano.
– O estoque é grande – Phil concordou. – Tentamos mantê-lo sob
controle, mas aí não conseguíamos fazer as entregas. No início, quando
compramos a empresa, não nos preocupamos demais, porque havia esto-
ques adequados num nível médio…
Isso fez o meu pai dar uma gargalhada, mas ele não fez nenhum co-
mentário.
– Então descobrimos que a média não queria dizer muito. Vimos que
eles tinham estoque demais de algumas peças e não tinham nada de ou-
tras. Como peças diferentes acabam em produtos finais diferentes, havia
interrupções de produção constantes por conta das peças que faltavam,
que eram compensadas trabalhando com outros pedidos, assim criando
estoques em processo. Fomos razoavelmente bem sucedidos em reduzir
o problema das peças faltantes, mas ao fazê-lo, vimos que é muito difícil
reduzir as peças existentes num estoque superdimensionado. Eram, em
geral, peças de lead time longo, na sua maioria provindas de países onde
o custo é baixo, e tivemos que aumentar o estoque de peças que mais
faltavam. No fim, nosso estoque crescia cada vez mais e não sabíamos
como diminuí-lo sem prejudicar nossa entrega.
– O que contribui para seu problema de fluxo de caixa – concluiu
Harry, com um sábio aceno de cabeça. – O aumento de pedidos também
aumentou o investimento de dinheiro necessário para fazer o produto,
o que se juntou ao problema do estoque e do pagamento de salários e de
equipamento, e, no fim, o capital inicial simplesmente desapareceu.
Phil ficou calado, sentado com aspecto desolador.
O lucro reina, mas o caixa manda 25

– Acontece sempre – disse Harry. – Eu trabalhava com compras. Já vi


mais de um fornecedor passar por isso e depois falir. O jogo industrial
não é muito complexo, mas é dureza. É basicamente uma questão de
economia de escala. Quanto mais você repete uma venda, menos custará.
Dobre seu volume e o custo baixa em torno de 10%, o que é a razão para
todos quererem crescer. A teoria é que enquanto você levar o capital a
crescer, tudo bem.
Olhei para meu pai procurando a confirmação disso, mas ele havia
voltado ao seu trabalho e lutava para conseguir abrir uma segunda lata de
verniz. A cena toda era um pouco surreal. Estávamos ouvindo uma palestra
sobre economia no convés de seu lindo iate nessa manhã amena e gloriosa.
Entendi motivos que meu pai tinha para passar tanto tempo aqui. O ar
estava límpido e fresco depois da chuva noturna, a água calma. Phil, no
entanto, estava ouvindo atentamente, seu queixo descansando na mão, sem
prestar atenção no cenário. Vi que havia tirado um caderno do casaco (desde
criança, ele sempre carregava um caderno) e estava anotando coisas.
– Mas há uma manha – continuou Harry. – Várias manhas, na verdade.
Primeiro, a economia de escala só funciona se você está sempre vendendo o
mesmo produto. A diversidade é custosa, e dobrar a diversidade geralmente
traz consigo um aumento de custo também de 10% ou mais. O problema
é que a maioria dos clientes de produtos industriais quer customização.
Então, apesar de você estar lidando com o mesmo produto ou tecnologia
básica, você não está, de fato, vendendo o mesmo produto, e a economia
de escala não se materializa. Seus custos aumentam com o volume –, ele
deu tempo para que essa idéia fosse absorvida e jogou o resto do que tinha
na caneca por cima da amurada.
– Segundo, quanto mais você cresce, mais coordenação é necessária, o
que significa mais despesas, portanto, as economias de escala custo-por-
venda devem ser pesadas em relação ao aumento do custo administrativo.
É por isso que apenas 20% das fusões e aquisições têm sucesso financei-
ro. Você pode dobrar o volume adquirindo uma empresa similar e todo
o mercado que a acompanha, mas se não há como se livrar de toda uma
estrutura administrativa, você não ganhou muito. Você começou bem,
pelo que está contando, mas, além do óbvio, se livrar de custos adminis-
26 A mina de ouro

trativos é bem mais difícil do que parece. No fim das contas, as firmas
precisam que seus sistemas operem, mesmo que estes sejam ineficientes
– ele arrematou, tomando um gole de seu cantil – Certo?
Phil concordou com desânimo.
– E aí vem a pegada. Quanto mais você vende, mais tem que financiar
o custo dos bens que vende, se, como você diz, o material de seu produ-
to tem alto custo. E para mal dos pecados, digamos que tudo isso tenha
sido resolvido bem, logo você descobre que a única forma de garantir a
entrega é manter um estoque alto para cobrir a variedade de revendedores
e clientes.
– Acertou em cheio – disse Phil, ajeitando seus óculos no nariz no-
vamente. – Pensamos que assumir essa empresa nos permitiria alavancar
nosso perfil tecnológico. E conseguimos lidar, razoavelmente bem, com
o custo de coordenação, sem dúvida. Reduzimos despesas drasticamen-
te, isso após investir muito dinheiro no equipamento e nas operações da
planta, que haviam sido totalmente negligenciadas. Trabalhamos muito
para reduzir a perda de produção devido a peças faltantes. Obtivemos
alguns resultados dessas ações, no que tange a conseguir que os produtos
cheguem nos clientes, mas não é o suficiente e nossa situação de caixa
está catastrófica, ainda mais porque já tivemos que arrochar muito nossa
primeira empresa para termos dinheiro suficiente para esse negócio.
– Já que você parece entender tudo sobre o assunto – perguntei a
Harry esperançosamente – não há nada que Phil possa fazer para sair
dessa situação?
Ele me olhou hesitantemente.
– É complicado – ele disse franzindo as sobrancelhas – de forma geral
há três maneiras de levantar uma firma industrial rapidamente quando
você está enfrentando um grave problema de caixa. Primeiro você deve
cortar qualquer atividade não-lucrativa e parar de pôr mais dinheiro num
mau negócio. Você precisa investir todo o dinheiro que puder naquilo que
é lucrativo, ou naquilo que tem o maior potencial no mercado. Segundo
aperte os fornecedores. Esse era o meu trabalho. E, terceiro, melhore as
operações da planta. Bom, eu não sei muito a esse respeito – seu pai é o
expert nessa área.
O lucro reina, mas o caixa manda 27

Ele sacudiu a cabeça.


– Infelizmente, eu não sei o que eles podem fazer. Não na área financeira,
pelo menos. Por que você acha que tantos negócios novos acabam falindo
todos os anos? Eles passam por este ciclo e entram em colapso – Harry
disse, enquanto mexia com seu frasco. – Eu já vi o suficiente para saber
porquê acontece, e como, mas isso não quer dizer que sei a solução. Bob
pode ter algumas idéias a respeito – ele acrescentou pensativo, jogando
a peteca para meu pai.
– Nem pense nisso! – protestou meu pai.
– Por que não?
Meu pai me encarou com seu duro olhar de águia, em silêncio, por
um longo e constrangedor tempo. Finalmente, ele abriu os braços num
gesto impotente.
– Existem tantas razões que nem saberia por onde começar.
– Tais como? – eu insisti. Silêncio.
– Bem, para começar, eu teria que ir até essa fábrica, – ele respondeu
com irritação. – E jurei que nunca mais colocaria meus pés em uma.
– O que vou fazer? – Philip disse com voz entrecortada. Para nossa
consternação, vimos que ele estava recurvado sobre as pernas, quase
chorando.
Do céu, uma gaivota soltou seu grito mais lamentoso.

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