Mina de Ouro - Uma Transformação Lean em Romance - Cap - 01
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Mina de Ouro - Uma Transformação Lean em Romance - Cap - 01
Primeiro, um telefonema.
– Mike? – disse Charlene. – O Phil está aí?
Havia uma certa ansiedade na sua voz, um tom de pânico.
– Não o vi – respondi. – Alguma coisa errada?
– Espero que não. Ele ligou dizendo que passaria na sua casa no fim
da tarde, mas não tive mais notícias.
Já passava das 11 da noite pelo meu relógio, motivo suficiente para
preocupar-se – mas não para tanta preocupação. Tentei fazê-la falar um
pouco mais, mas ela se limitou a me pedir para telefonar se Phil aparecesse.
Desliguei, intrigado. Philip Jenkinson era um amigo próximo. Nós nos
conhecíamos desde o segundo grau e, fazia poucas semanas, havíamos
tomado um drink juntos. Ele era aquele cara que tinha dado certo. Havia
conquistado o mundo. Tinha enriquecido. Eu sabia que ele estava passando
por muita pressão no trabalho ultimamente, mas fora os sinais comuns
de estresse de executivo, ele parecia muito bem. Imaginei se não havia
ocorrido algum acidente.
A campainha tocou. Um taxista irritado tentava conduzir Philip, que
oscilava de um lado para outro, bêbado e balbuciante.
– É amigo seu? – grunhiu o taxista. Carregamos Phil para dentro e o
largamos no sofá. Ele não só estava alcoolizado, mas tremia muito e es-
tava molhado pela forte chuva. Paguei o motorista, dei-lhe uma gorjeta e
fiquei observando enquanto ele sumia pela noite escura. Philip já roncava.
Sentindo-me um dedo-duro, telefonei para Charlene, não entrando em
detalhes, e lhe disse para não se preocupar. Eu levaria seu marido de volta
para casa na manhã seguinte. Podia ouvir as crianças brigando no fundo
e fiquei surpreso por estarem acordadas ainda, algo fora do comum num
dia de semana, mas, afinal, eu não tinha nada a ver com isso.
16 A mina de ouro
para meu doutorado no Reino Unido na época, e não sabia muito a res-
peito, até que, por essas obras misteriosas da vida moderna, acabamos
vivendo na mesma cidade. Há dois anos atrás, Phil e seu sócio haviam
comprado uma empresa já estabelecida com o objetivo de integrar a
nova tecnologia à linha de produção existente. Quando consegui um
emprego numa faculdade conceituada, Sarah (uma antiga namorada) e
eu ficamos na casa de Phil e Charlene antes de acharmos um lugar para
morar nas redondezas. Ele ganhava mais dinheiro em um mês do que
eu em um ano com meu miserável salário de professor universitário, e
sua incessante conversa sobre ofertas públicas iniciais e o preço de ações
teria me enfadado até as lágrimas se eu não estivesse, na verdade, um
pouco invejoso.
Problemas no trabalho? Que tipo de problema no trabalho o levaria
a dormir podre de bêbado no sofá de um amigo?
– É tão ruim assim?
– É ainda pior.
Ele bebia uma segunda xícara de café, seus olhos vermelhos e vagos,
as linhas de sua face totalmente visíveis na luz da manhã. Esfregou a mão
no rosto.
– Não consigo lidar com mais nada. Não sei nem por onde começar.
É tudo muito pesado!
– Me conta.
– Você não entenderia – disse ele dando de ombros e prosseguiu mesmo
assim – Se não fizermos alguma coisa logo, iremos à falência em poucos
meses. Tudo o que possuímos está hipotecado. Os bancos se recusam a
nos dar um centavo a mais. Já tentamos tudo o que foi possível. Não há
mais jeito.
Pelo que entendi, Phil e seu sócio Matthew haviam apostado que pode-
riam comprar uma empresa em dificuldades financeiras em sua indústria por
uma pechincha, levantá-la com sua nova tecnologia e, basicamente, fazer
um extraordinário lucro. Com tudo que juntaram de seu próprio dinheiro
e muita dívida bancária, fecharam o negócio e, após uma arrancada inicial
entusiasmada, os dois caíram na dura realidade de dirigir uma empresa. Eu
nunca havia imaginado, no entanto, que as coisas estivessem tão difíceis.
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Meu pai era a única pessoa que eu conhecia que poderia ajudar Phil,
mas, a medida em que nos dirigíamos à baía, comecei a reconsiderar minha
idéia. Meu pai estava aposentado agora e passava a maior parte do tempo
mexendo no seu barco no Iate Clube Bay. Em seus áureos tempos, havia
sido um bem-sucedido executivo na indústria de componentes automo-
tivos. Logo após sair do secundário, ele havia entrado na marinha e, após
dar baixa, usou uma bolsa de veteranos para se formar em engenharia
industrial. Depois, estranhamente, achou um emprego na Grã Bretanha
O lucro reina, mas o caixa manda 19
com a British Leyland. Isso foi mais ou menos na época da fusão entre
a Austin Morris e a Leyland – ou seja, no tempo em que o Reino Unido
ainda possuía uma indústria automobilística própria. Foi nessa época
que ele conheceu minha mãe e meu irmão e eu nos criamos na Inglaterra
até o papai conseguir um emprego melhor nos Estados Unidos com um
fornecedor automotivo sediado em Detroit.
A mudança foi terrível. De repente, perdi todos meus amigos e me
vi na companhia de estranhos. Eu não falava como eles, não me vestia
como eles. Cara, eu nem gostava deles – e eles sentiam o mesmo por mim
(para falar a verdade, acho que era até pior para meu irmão mais novo).
Naquela época, as pessoas “populares” rejeitavam Phil igualmente por ser
tão CDF e por ter tanto interesse pela ciência, isso sem falar nas roupas
de segunda mão que usava. De alguma forma, nos tornamos amigos, dois
patinhos feios na lagoa, e mantivemos a amizade mesmo quando voltei
para a Inglaterra para ir para a universidade e, em seguida, obter meu
Ph.D em psicologia.
Meu pai teve uma carreira fora do comum, especialmente pelo fato de
que logo se ligou à ofensiva industrial japonesa. Enquanto a maioria de
seus colegas ignorava ou fazia pouco dessas técnicas novas de manufatura,
ele havia ficado obcecado. Quando eu era adolescente parecia que a única
coisa de que falava eram palavras de sons pouco civilizados como kanban
e kaizen. Ele chegou a aprender mais ou menos a língua e viajou várias
vezes ao Japão, particularmente para visitar a Toyota. É claro que tudo
isso não fez com que ele se tornasse muito bem quisto entre seus colegas,
especialmente porque insistia em proferir as deficiências dos administra-
dores ocidentais. Os ingleses se ressentiam de sua franqueza americana,
os americanos simplesmente o ignoravam. Alguns o consideravam ran-
zinza, outros, apenas um chato. Como resultado, ele havia passado por
várias empresas, revolucionando operações e, eventualmente, perdendo
as inevitáveis batalhas políticas. No fim, era obrigado a sair, entrando em
mais outra empresa para mais uma briga.
Finalmente, ele se tornou vice-presidente de operações de um grande
fornecedor automotivo. Tudo ia bem até seu chefe se aposentar e meu pai
dar-se conta de que não seria considerado para o cargo porque o conselho
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– Não pise aí que o verniz ainda não secou! – rosnou meu pai quando
eu já ia por o pé no barco.– Oi, pai – respondi com uma voz irônica,
após cumprimentar um homem espalhafatoso e corado que descansava
na cabina com uma caneca na mão. Meu pai, de costas para nós, passava
o pincel cuidadosamente no teto da cabina. Seu amigo vestia uma ca-
misa azul marinho e calças de sarja, bem no estilo do iatista de cartão
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– Bem, então porque você não deixa Phil me contar seus problemas?
Sentei-me mais confortavelmente e, segurando meu fôlego um segundo,
deixei um vacilante Phil começar sua história.
– O senhor lembra da última vez em que conversamos, lhe contei
que havia desenvolvido a patente de uma nova tecnologia na área de
alta-voltagem que poderia ser aplicada, entre outras coisas, a disjuntores
industriais? Bem, achei um sócio e montamos uma pequena fábrica. Foi
muito bem, e há dois anos compramos um de nossos competidores que
estava pedindo falência.
– Por que faliu? – interrompeu Harry.
– Tinha um custo muito elevado – disse Phil com indiferença. – Tec-
nologia antiquada, operações ineficazes, gerentes em demasia e gestão
altamente ineficaz. Na época, estávamos recebendo mais pedidos do que
conseguíamos atender e precisávamos daquela capacidade a mais. Havia
muito que podia ser usado naquela fábrica velha, que tinha alguns em-
pregados altamente qualificados. Achamos que podíamos levantar aquele
negócio.
– Então vocês começaram a simplificar – continuou Harry, tirando um
cantil de metal do bolso da calça e olhando com ar de dúvida para o seu
copo vazio. – Mas, não foi tão fácil como pensaram e…
– Deixe o homem terminar! – bradou meu pai.
Eu me perguntava quem era esse Harry. Ele parecia estar se diver-
tindo. Apesar de sua vestimenta de marinheiro e sua pança, que o fazia
parecer o Falstaff de Shakespeare, seu olhar penetrante demonstrava uma
sabedoria mais profunda. Com um grande suspiro, ele fez um esforço
para se levantar e entrou na cabina para encher sua xícara. – Alguém
quer café?
– Não, obrigado – continuou Phil. – Sim, fomos bem no início. Meu
sócio Matt tem conhecimento na área de direito e deu um jeito de ne-
gociar a saída da equipe de gerência, o que realmente ajudou nos custos.
Conseguimos nos virar com o pessoal que ainda ficou, mas encontramos
alguns problemas. Matt havia assegurado um empréstimo bancário para
boa parte do valor, o que nos possibilitou a compra, mas ficamos com
pagamentos regulares para saldar o empréstimo. Como supúnhamos,
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a empresa tinha pedidos que não eram atendidos. Então, fizemos uma
reunião com alguns antigos empregados e perguntamos o que estava
havendo. Nos contaram que a administração havia investido tão pouco
durante todos esses anos que as máquinas falhavam com freqüência e
que a produtividade sofria pela falta de ferramentas simples e por causa
de outras falhas. Eles tinham razão, e por um ano trabalhamos duro para
acertar as operações, enquanto instalávamos nossa nova tecnologia. Tam-
bém trabalhamos com consultores para melhorar o fluxo de produção na
planta.– Ele respirou fundo. – E funcionou por algum tempo, mas aí…
– sacudiu a cabeça, desesperançoso.
– Problemas de caixa? – perguntou Harry, batizando seu café com o
conteúdo de um pequeno frasco prateado.
– É. Parecia que nunca tínhamos dinheiro o suficiente. E os bancos
acabam de nos informar que não estenderão nosso crédito. Estamos com
enorme dificuldade para pagar os juros dos empréstimos, estamos tão
atrasados no pagamento de alguns de nossos fornecedores que entrega-
rão somente após o pagamento e, claro, estamos tendo problemas para
pagar salários. – Enquanto falava, Phil inclinou-se para frente, puxando
seu cabelo distraidamente.
O que há com seu negócio? – Harry continuou. – Os produtos não
dão lucro?
– Não é bem esse o problema. Os produtos geram lucro – quando
conseguimos produzi-los de forma contínua e no prazo. Mas os materiais
são caros e parece que nunca conseguimos fazer as coisas com a eficiência
necessária. É muito frustrante. Poderíamos fazer muito mais negócios,
mas isso significa investir em capacidade adicional e novos materiais o
que significa, é claro, mais dinheiro.
Achamos que poderíamos fazer um bom lucro com os produtos se
tivéssemos apenas custos padrão: nada de hora extra, ou materiais extras,
ou as milhões de despesas que surgem a toda hora. Se não estivéssemos
sempre nos defrontando com essas despesas, achamos que estaríamos
lucrando de uma maneira consistente.
– E que tal cortar despesas gerais? – perguntou Harry.
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trativos é bem mais difícil do que parece. No fim das contas, as firmas
precisam que seus sistemas operem, mesmo que estes sejam ineficientes
– ele arrematou, tomando um gole de seu cantil – Certo?
Phil concordou com desânimo.
– E aí vem a pegada. Quanto mais você vende, mais tem que financiar
o custo dos bens que vende, se, como você diz, o material de seu produ-
to tem alto custo. E para mal dos pecados, digamos que tudo isso tenha
sido resolvido bem, logo você descobre que a única forma de garantir a
entrega é manter um estoque alto para cobrir a variedade de revendedores
e clientes.
– Acertou em cheio – disse Phil, ajeitando seus óculos no nariz no-
vamente. – Pensamos que assumir essa empresa nos permitiria alavancar
nosso perfil tecnológico. E conseguimos lidar, razoavelmente bem, com
o custo de coordenação, sem dúvida. Reduzimos despesas drasticamen-
te, isso após investir muito dinheiro no equipamento e nas operações da
planta, que haviam sido totalmente negligenciadas. Trabalhamos muito
para reduzir a perda de produção devido a peças faltantes. Obtivemos
alguns resultados dessas ações, no que tange a conseguir que os produtos
cheguem nos clientes, mas não é o suficiente e nossa situação de caixa
está catastrófica, ainda mais porque já tivemos que arrochar muito nossa
primeira empresa para termos dinheiro suficiente para esse negócio.
– Já que você parece entender tudo sobre o assunto – perguntei a
Harry esperançosamente – não há nada que Phil possa fazer para sair
dessa situação?
Ele me olhou hesitantemente.
– É complicado – ele disse franzindo as sobrancelhas – de forma geral
há três maneiras de levantar uma firma industrial rapidamente quando
você está enfrentando um grave problema de caixa. Primeiro você deve
cortar qualquer atividade não-lucrativa e parar de pôr mais dinheiro num
mau negócio. Você precisa investir todo o dinheiro que puder naquilo que
é lucrativo, ou naquilo que tem o maior potencial no mercado. Segundo
aperte os fornecedores. Esse era o meu trabalho. E, terceiro, melhore as
operações da planta. Bom, eu não sei muito a esse respeito – seu pai é o
expert nessa área.
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