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Revista Guará 15 - Janeiro.23

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Conselho Editorial

Ana Paula S. de Vasconcellos Bittencourt (UFES)


Angelica Espinosa B. Miranda (UFES)
Ariadne Mara de Souza (UFES)
Paulo Sérgio de Paula Vargas Carolina Fiorin Anhoque (UFES)
Reitor Gloria Barreto (Universidade Nacional Caaguazú)
Gustavo Menendes (Universidad del Litoral)
Roney Pignaton da Silva Jaqueline Carolino (UFES)
Vice-Reitor João Meyer (UNICAMP)
Ligia Ribeiro e Silva Gomes(UFES)
Claúdia Maria Mendes Gontijo Mariana Duran Cordeiro (UFES)
Pró-Reitora de Graduação Maurice da Costa (UFES)
Patricia Moore (Universidad Pablo de Olavide)
Valdemar Lacerda Junior Rogério Dias Fraga (UFES)
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Viviana Borges Cortes(UFES)

Renato Rodrigues Neto Editora Executiva


Pró-Reitor de Extensão Paola Pinheiro Bernardi Primo

Teresa Cristina Janes Carneiro Equipe técnica


Pró-Reitora de Administração Cintia Costa
Thais Bruna Bento
Rogério Naques Faleiros
Pró-Reitor de Planejamento e Revisão
Desenvolvimento Institucional Thais Bruna Bento

Josiana Binda Ensaio Visual


Pró-Reitora de Gestão de Pessoas Constantino Buteri

Editoração
Gustavo Henrique Araújo Forde Helyza Teixeira Mattos
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis Karina Ellen Ramos Neves
e Cidadania

Revista Guará Pró-Reitoria de Extensão


Publicação Semestral da Editora
Universidade Federal do Espírito Santo Tiragem: 100 exemplares
Ano XI - nº 15 - Janeiro/2023 Endereço para correspondência:
Renato Rodrigues Neto Universidade Federal do Espírito Santo
Editor-Chefe Pró-Reitoria de Extensão
Av. Fernando Ferrari nº 514 -Vitória/ES
CEP 29075-910
E-mail: guaraextensao@gmail.com
SUMÁRIO
06 APRESENTAÇÃO
Fabiana Pinheiro Ramos

08 Departamento de ciências humanas, campus III UNEB: Um território de


identidades
Elenice Pereira Santos, Edmerson dos Santos Reis

24
Oficina sobre higiene das mãos e bucal para crianças em um projeto de
extensão universitária: Relato de experiência
Cristiane Priscila Campiolo, Silvio Luiz Rutz da Silva, Mario Cezar Lopes, Marilisa do Rocio Oliveira, Ana Paula Veber, Manoelito Ferreira Silva Junior

35
Ações extensionistas na pandemia da COVID-19 para divulgação da
prevenção e tratamento de traumatismos dentários
Lucí Regina Panka Archegas, Fernanddo José Spagnol, Letícia Devidé, Mariane Fagundes de Oliveira,Mary Aparecida Pereira Hec

Propostas de temas a serem abordados em atividades de educação ambiental


48 em trilhas interpretativas: Estudo de caso no Parque Ecológico Mauro Romano,
Vassouras-RJ
Fábio Souto de Almeida, Mariana Cunha Lemos, Jade Guimarães Ribeiro

63
Acolhe(dor): Relato de experiência de grupo de apoio on-line a
enlutados pela Covid-19
Luciana Bicalho Reis, Ana Luiza Magalhães Gonçalves, Karina da Silva Cajaiba, Maiara da Silva, Aline Rocha de Morais Fiorese ,

Carla Brunetti Lambert, Rafaela Augusta Magalhães Oziel

81 Curso preparatório Celpe-Bras na UNILA


Laura Marcia Luiza Ferreira

98
O tabu da morte e a prevenção do suicídio nas universidades federais
Graciella Pimentel Rangel Kock
110 Ação extensionista frente à pandemia de SARS-CoV-2: o papel do
Laboratório de Diagnósticos Moleculares da UFV-CRP e o protagonismo
universitário
Liliane Evangelista Visôtto, Luanda Medeiros Santana, Karine Frehner Kavalco, Rubens Pasa, Pedro Ivo Vieira Good God

123 Contribuições da iniciativa conjunta para promoção da abordagem


da saúde única na formação profissional e comunitária para o
enfrentamento da pandemia de Covid-19
Creuza Rachel Vicente, Mariana Abou Mourad Ferreira, Natalia de Oliveira Freitas

136
Tradução e conhecimento em tempos de pandemia de COVID-19 em
comunidade quilombola
Adriana Nunes Moraes-Partelli, José Marcos Amabiles Pazini, Aline Pestana Santos, Isabela Lorencini Santos, Marta Pereira Coelho

148
Interface do ensino de idiomas estrangeiros e extensão universitária no
contexto da pandemia de COVID-19
Bárbara Filomena da Silva, Jorge David Aguiar Bellido, Henrique dos Santos Gomes , Flaviana Pena Natividade

161
Promoção de Fonoaudiologia Educacional no enfrentamento da
pandemia COVID-19 na Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal
de Vila Velha
João Ricardo Ferreira Santos, Igor Mapa Silva, Bianca de Souza Conceição, Eduarda Biancardi Carneiro, Ellen Rafaela dos Santos Gomes

Karina Soares Pontes; Thais Knaack, Alessandra Brunoro Motta Loss, Carolina Fiorin Anhoque Comarela, Guiomar Silva De Albuquerque

Liliane Perroud Miilher, Aline Neves Pessoa Almeida, Andrea Alves Maia.

172 O Trabalho da/o Assistente Social no estado do Espírito Santo no


contexto da pandemia por Covid-19
Andréa Monteiro Dalton, Jeane Andréia Ferraz Silva, Sislene Pereira Gomes, Carlos Augusto da Silva Costa

183
Projeto alívio dor orofacial: relato do atendimento fisioterapêutico e
odontológico em pacientes com disfunção temporomandibular durante
o período de pandemia da COVID-19
Anne Karoliny Amparo Cardoso, Cintia Helena Santuzzi, Dhandara Araujo de Sousa, Fernanda Mayrink Gonçalves Liberato, Carlos

Henrique Cardoso Sarcinelli


APRESENTAÇÃO
A pandemia de COVID-19, apesar de ter deixado profundas marcas na
sociedade, também evidenciou o papel fundamental das universidades na produção
e disseminação de conhecimento científico, por meio da oferta de ações de extensão
visando mitigar os efeitos desta emergência de saúde pública na população. Este
número da Revista de extensão Guará, da Universidade Federal do Espírito Santo,
traz alguns relatos de ações realizadas em diferentes regiões brasileiras, contribuindo
para visibilizar o papel fundamental da extensão no contexto pandêmico.
No que se refere ao enfoque preventivo e de disseminação de conhecimento
para a população, tão necessário em tempos de emergência sanitária, temos os
artigos: “Contribuições da iniciativa conjunta para promoção da abordagem da
saúde única na formação profissional e comunitária no enfrentamento da pandemia
de COVID-19”, que relata o trabalho de capacitação profissionais de diferentes
áreas de atuação, para difundir a abordagem da Saúde Única para a população em
geral; “Promoção de Fonoaudiologia Educacional no enfrentamento da pandemia
de COVID-19 na Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Vila Velha”, com
estratégias remotas de prevenção e intervenção nos processos de comunicação
e de aprendizagem da leitura e da escrita voltados à comunidade escolar; e
“Ações extensionistas na pandemia para divulgação da prevenção e tratamento
dos traumatismos dentários”, que visou o compartilhamento de conhecimento
científico por meio de ferramentas tecnológicas para a prevenção e tratamento dos
traumatismos dentais para escolares, graduandos e profissionais da saúde.
Considerando as especificidades das comunidades tradicionais, o artigo:
“Tradução de conhecimento em tempos de pandemia de COVID-19 em comunidades
quilombolas” relata a produção de uma cartilha com informação sobre contágio,
disseminação e prevenção da COVID na comunidade quilombola, considerando
componentes étnicos, raciais e geográficos. Já no que se refere às alterações nas
competências profissionais trazidas pelo contexto pandêmico, temos o artigo:
“O trabalho da/o assistente social no Espírito Santo no contexto da pandemia de
COVID-19”.
Ainda dentro do contexto da pandemia, com foco no atendimento das
necessidades da população neste período, temos os manuscritos: “Acolhe(dor):
relato de experiência de grupo de apoio online a enlutados pela COVID-19”;
“Ação extensionista frente à pandemia de Sars-COV-2: o papel do Laboratório de
Diagnósticos Moleculares da UFV-CRP e o protagonismo universitário”; e “Projeto
alívio dor orofacial: relato do atendimento fisioterapêutico e odontológico em
pacientes com disfunção temporomandibular durante o período da pandemia
da COVID-19”, que relatam ações desenvolvidas para atender necessidades

6
psicológicas, de diagnóstico e tratamento no âmbito da saúde física e mental de
diferentes comunidades. Além disso, o manuscrito “Interface do ensino de idiomas
estrangeiros e extensão universitária no contexto da pandemia de COVID-19”
apresenta a adaptação de um projeto de idiomas anteriormente presencial para
o modo remoto, possibilitando o alcance e a participação de pessoas de diversas
localidades do Brasil e do exterior.
Mas nem só de pandemia vive a extensão! Há outras perspectivas de
transformar e impactar a sociedade, como pode ser visto nos artigos: “Oficina sobre
higiene das mãos e bucal para crianças em um projeto de extensão universitária:
relato de experiência” e “O tabu da morte e a prevenção do suicídio nas universidades
federais”, que integram a área temática da saúde; “Curso preparatório CELP-BRAS na
UNILA” e “Departamento de Ciências Humanas, Campus III UNEB: um território de
identidades”, que compõem a área da educação; e, por fim, “Propostas de temas a
serem abordados em atividades de educação ambiental em trilhas interpretativas:
estudo de caso no Parque Ecológico Mauro Romano, Vassouras-RJ”, na área temática
do Meio Ambiente.
Esperamos que a leitura deste volume seja instigante e demonstre as
contribuições inequívocas da extensão no contexto da pandemia e fora dele,
evidenciando os diversos “mundos” que a extensão cria e toca, parafraseando Paulo
Freire: “Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre
o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e o seu
trabalho pode criar um mundo próprio, seu Eu e as suas circunstâncias”.
Boa leitura! E uma excelente transformação da realidade!

Profa. Dra. Fabiana Pinheiro Ramos


Diretora de Política Extensionista - Proex

7
Andorinha-pequena, Constantino Buteri.

8
Departamento de ciências humanas, campus III
UNEB: Um território de identidades
Department of human siences, campus III UNEB: A territory of identities

Resumo
O presente artigo busca descortinar as propostas de consolidação
das ações pautadas nos preceitos da Educação Contextualizada Elenice Pereira dos Santos
para a Convivência com o Semiárido Brasileiro (ECSAB) através Edmerson dos Santos Reis
de ações de fomento desenvolvidas pelo Departamento de Ciên-
cias Humanas, Campus III, da Universidade do Estado da Bahia, nice.pereira10@gmail.com
que instigam a transgressão epistemológica capaz de suscitar
Universidade do Estado da
mudanças para a construção de novos saberes baseados na polí- Bahia
tica de convivência, cultura e diversidade dos sujeitos sociais do
Semiárido Brasileiro. Descreve a força da representatividade dos
projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão na trajetória formativa,
acadêmica e profissional dos futuros docentes, oportunizando
a atuação efetiva frente aos processos científicos e educacionais
enquanto campos de referência e preparação na atuação pro-
fissional. Desvela as ações do Projeto de Extensão Reflexão dos
Referencias Teóricos Práticos da Educação Contextualizada que
atua de forma inter-multi e transdisciplinar e contextualizada no
sentido de fortalecer as ações da ECSAB no âmbito do território
do Sertão do São Francisco. Traz como discussões reflexivas con-
cepções acerca de um território de identidade e sua inserção no
contexto social como fonte de significados simbólicos culturais
construídos coletivamente, espaço em que, a perspectiva da con-
textualização dos saberes e conhecimentos é o ponto de partida
das abordagens do projeto.

Palavras-chave: UNEB; CAMPUS III; território de identidade; edu-


cação contextualizada.

9
Abstract
The present article seeks to unveil proposals for the consolida-
tion of actions based on the precepts of Contextualized Educa-
tion for Living with the Brazilian Semi - arid (ECSAB) through
fomentation actions developed by the Department of Human
Sciences, Campus III, of the State University of Bahia, which ins-
tigate the epistemological transgression capable of provoking
changes for the construction of new knowledge based on the
politics of coexistence, culture and diversity of the social sub-
jects of the Brazilian Semiarid. It describes the strength of the
representation of teaching, research and extension projects in
the formative, academic and professional trajectory of the fu-
ture teachers, allowing effective action in front of the scientific
and educational processes as fields of reference and prepara-
tion in the professional performance. It reveals the actions of
the Extension Project Reflection of the Practical Theoretical Re-
ferences of Contextualized Education that acts in an inter-multi
and transdisciplinary and contextualized way in order to stren-
gthen the actions of ECSAB within the territory of the Sertão do
São Francisco. It brings as reflective discussions conceptions
about a territory of identity and its insertion in the social context
as a source of collectively constructed symbolic cultural mea-
nings, space in which, the perspective of the contextualization
of knowledge and knowledge is the starting point of the appro-
aches of the project.

Keywords: UNEB; CAMPUS III; territory of Identity; contextuali-


zed education

10
INTRODUÇÃO

Engajado na articulação de ações em prol da Educação Contextualizada para a


Convivência com o Semiárido Brasileiro, o Departamento de Ciências Humanas, Cam-
pus III, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em Juazeiro – Bahia, tem promo-
vido ações de fomento, fortalecimento e proliferação do saber contextualizado e para
a Convivência com o Semiárido Brasileiro, construindo pontes através de iniciativas
cujos propósitos se firmam na valorização da cultura, singularidade e diversidade dos
sujeitos sociais do Semiárido configurando-se como um território de identidade.
Pioneira nas ações interventivas de articulação com vistas a garantir a produ-
ção do conhecimento em educação contextualizada, dos estudos e pesquisas dire-
cionados à temática e desenvolvimento de ações que contemplem a valorização da
história, memória e do território, lugar, das vivências e experiências dos protagonis-
tas sociais do Semiárido, a instituição assume parte ativa nos processos de formação
trabalhando e problematizando os aspectos sócio–históricos, políticos, econômicos,
culturais e ambientais de valorização da natureza e do território Semiárido como cam-
po de possibilidades, potencialidades e riquezas, usando a lente que propaga conhe-
cimentos que aproximam os sujeitos das raízes de pertencimento, diferente da visão
distorcida construída historicamente por meio dos processos civilizatórios coloniza-
dores que disseminaram uma visão obscura que desconsidera a pluralidade, diversi-
dade e a riqueza cultural que congrega este território.
Posicionando-se contrária a lógica universalista sob uma visão de mundo hie-
rarquizado, competitivo e individualista, a ECSAB entra em defesa da convivência com
o Semiárido como um dos processos viáveis que enxerga a possibilidade de produção
da vida e dignidade da região e a contextualização do ensino como caminho fecundo
para a construção de novos saberes com vistas a superar as dizibilidades propagadas
no decorrer do tempo e ainda assimiladas e veiculadas pelos meios de comunicação
e materializadas nos livros didáticos, em obras literárias, músicas, em obras de arte,
entre outras que propagam o Semiárido como um lugar inóspito, um território de im-
possibilidades, desprovido de riquezas.
Assim, apropriando-se do conhecimento que se propõe a realizar uma releitura
com viés insurgente a lógica posta pela casta colonizadora dominante à universidade
propaga saberes acerca da ECSAB que se insere numa perspectiva que compreende
uma concepção de educação inovadora, alicerçada no potencial humano e na sus-
tentabilidade territorial, que considere o contexto, comprometido com a emancipa-
ção humana dos sujeitos sociais do Semiárido, como defendem Silva, Menezes e Reis
(2012, p. 13),
A Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido se pauta pela
insurgência propondo uma nova racionalidade e, portanto, compreende o contexto
implicado em uma teia muito mais ampla de referências, fluxos, conexões e sentidos
que extrapolam o recorte espacial de um território local; compreende que os conheci-
mentos não são isoláveis e nem isolados na realidade, mas que os sujeitos precisam
ampliar cada vez mais, a dimensão daquilo que já conhecem como ferramenta funda-
mental para a emancipação.

11
Intensas são as discussões, debates, reflexões e ações que vão constituindo a
ECSAB como uma insurgência no campo educacional, e o Departamento de Ciências
Humanas, Campus III, da Universidade do Estado da Bahia está inserido nesse contex-
to constituindo-se como um agente promotor com participação ativa frente às ações
e iniciativas que promulgam e advogam por princípios pautados na Educação Contex-
tualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro. A construção, socialização, e
divulgação das experiências em torno desta proposta se dão no interior de seus cur-
sos, além da forte contribuição advinda dos projetos de ensino, pesquisa e extensão.
Além dos Cursos de graduação o Departamento de Ciências Humanas, Campus
III, ofertou o curso a nível Lato-Sensu em Educação Contextualizada para a Convivên-
cia com o Semiárido Brasileiro formando duas turmas de especialistas e atualmente
oferece o Programa de Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos –
PPGESA, criado em 2014 a nível Stricto Sensu com inserção e impacto da pós-gradua-
ção e na formação de profissionais que passam a compreender o Semiárido Brasileiro
por outra lógica, não mais da inviabilidade, mas da semiaridez como possibilidade.
Desta feita, perspectivas e metas são traçadas a fim de promover a qualificação
de profissionais para atuarem no mercado de trabalho em Educação Contextualizada
para a Convivência com o Semiárido Brasileiro que se firmam na oferta de cursos de
graduação e pós-graduação, na pesquisa e na extensão com o intuito de construir prá-
ticas educativas pedagógicas contextualizadas.
Inúmeros trabalhos de pesquisa foram e são desenvolvidos a cada ano pelos
atores sociais que formam e são formados pela instituição apresentando a relevância
em suas abordagens de conhecer, participar, problematizar e propagar questões refe-
rentes às especificidades, potencialidades, limites e possibilidades naturais da região
cuidando assim da formação acadêmica profissional dos discentes que a integram.
Uma contribuição que não se limita ao espaço da universidade ou suas redondezas,
pois transita em toda a extensão do território Semiárido e abrangências externas a ele,
fazendo-se multiterritorial e atuando num campo de inserção de abrangência inter-
-multi e transdisciplinar propiciando novos e instigantes desafios intelectuais.
Neste sentido, a universidade se mostra como campo de significados para a
produção de conhecimento e para a formação inicial e contínua obtendo exequibili-
dade, potencial de consolidação na capacitação e qualificação dos agentes em forma-
ção profissionalizando-os para atuarem no mercado de trabalho.
Ao longo dos mais de 35 anos de história do Departamento, a instituição apre-
senta-se como um corpo presente na realidade social e cultural da região, com par-
ticipação efetiva em instâncias representativas, a exemplo da Secretaria Executiva da
Rede de Educação do Semiárido Brasileiro – (RESAB), o Conselho Editorial da RESAB,
o Fórum do Território do São Francisco, entre outros órgãos e instituições afins cola-
borando com a formação plena dos cidadãos do Semiárido em atendimento às de-
mandas das comunidades da área rural e urbana com atuação nos mais diversifica-
dos municípios circunvizinhos, entre eles estão, o município de Casa Nova, Curaçá,
Remanso, Sento-Sé, Canudos, Uauá e Sobradinho, ancorado no compromisso com a
qualidade e equidade social.

12
Neste sentido, as intervenções sistemáticas na realidade social e cultural da re-
gião têm sido constantes e constantes se fazem os esforços em desenvolver ações e
levantar reflexões críticas acerca dos fundamentos teóricos metodológicos ligados a
temática incluindo nos processos acadêmicos e sociais questões pertinentes ao ensi-
no contextualizado, desenvolvendo intervenções de forma integrada com programas,
ações e atividades ligadas a projetos de ensino, pesquisa e extensão que corroboram
de forma efetiva com os cursos de graduação e pós-graduação do Campus.
Assim, o presente trabalho se propõe a descortinar as propostas de consolida-
ção das ações pautadas nos preceitos da ECSAB no Campus III da UNEB, buscando
evidenciar o impacto desses processos no âmbito dos projetos de ensino, pesquisa e
extensão, bem como sua relevância para a construção da identidade e atuação profis-
sional dos futuros docentes tendo como base as experiências vivenciadas no âmbito
dos cursos e projetos ofertados pela instituição de ensino superior.

O funcionamento do departamento de ciências humanas, campus III da UNEB e


dos projetos de ensino, pesquisa e extensão em tempos de pandemia: Limites e
desafios

Desde o final de 2019, o mundo tem passado por uma crise de proporções
pandêmicas. Milhões de pessoas foram afetadas. Um impacto causado em todo o
mundo devido à ação de um vírus altamente contagioso, o SARS-COV-02, que pro-
move a Covid-19. Todo o cenário mundial foi afetado e teve suas atividades roti-
neiras alteradas. Centros comerciais, parques, espaços de entretenimento e aero-
portos foram fechados, a economia entrou em colapso, os índices de desemprego
aumentaram, instituições governamentais e não governamentais passaram por um
processo de readequação, escolas e universidades suspenderam temporariamente
as aulas presenciais e as orientações para o exercício das atividades foram modifica-
das. Governos municipais e estaduais orientaram a população para cumprir as de-
terminações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e assim evitar aglomerações e
permanecer em confinamento domiciliar sendo esta uma das principais medidas de
proteção à vida para conter o contágio. O uso de máscara e álcool gel passa a fazer
parte da realidade dos cidadãos e claro, em uma emergência mundial é instituída a
ideia do “novo normal”.
Empresas passaram a orientar seus funcionários a trabalhar no regime home
office enquanto os espaços educativos passaram por um processo de reinvenção
para que os itinerários pedagógicos não estagnassem e sua operacionalização
acontecesse dentro das possibilidades e limitações ocasionadas tão repentinamen-
te pelo novo coronavírus. Desta feita, para que a educação não fosse interrompida e
os estudantes pudessem continuar a estudar, algumas instituições aderiram a mo-
dalidade de ensino remoto.
Nesse movimento de reinvenção e inovação do espaço dialógico, durante a
pandemia, o Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), Campus III, passou a promover a disseminação da pesquisa através
dos canais de transmissão do youtube do Programa de Pós-Graduação Mestrado
em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), do Grupo de Pesquisa Po-
lifonia, do Grupo de Pesquisa Ecuss Cultural e do Canal do Colegiado de Pedagogia,
13
e a partir da promoção de rodas de conversas, lives, debates e experiências com-
partilhadas pensar e refletir criticamente sobre os desafios do contexto pandêmico
e pós pandêmico vividos no cenário educacional do mundo atual em conjunto com
os grupos de pesquisa e participação de pesquisadores nacionais e internacionais,
professores/as que integram a educação básica e o ensino superior, discentes, mo-
nitores/as, formadores/as, pesquisadores, dentre outros pares.
Nesse contexto, reflexões sobre a transformação dos sistemas de ensino de
natureza presencial para o ensino remoto; reflexões sobre a docência e as práticas
pedagógicas e condições precárias de acessos à internet e equipamentos tecnoló-
gicos por parte dos estudantes e professores/as durante a pandemia do Covid-19; a
docência e os desafios de trabalhos remotos; reflexões sobre atividades síncronas
e assíncronas; desafios do ensino remoto em domicilio durante o período de isola-
mento social; Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido em
tempos de Pandemia; a necessidade de acolhimento às pessoas para a continui-
dade dos processos educativos; foram estes os sentidos colocados em pauta nesse
ambiente/espaço de diálogo compartilhado e coletivo em meio a esse período.
Neste sentido, o modo como à educação era realizada pelos sistemas de ensi-
no ganhou uma nova configuração impondo as instituições de ensino, nas múltiplas
esferas e contextos (publico, privado, básico e superior), novas formas de atuação
por meio do manuseio de plataformas e aplicativos digitais para acesso as salas
virtuais.
Como exposto por Silva (2021),

[...] O contexto pandêmico nos (im)pôs uma nova realidade e uma, ain-
da que temporária, nova estrutura e realidade escolar, o que exige uma práti-
ca que muitos não conheciam até aqui. Até os professores mais experientes
precisam reaprender a como ser docentes nessa situação de distanciamento
social. Os professores iniciantes são, desse modo, levados a desenvolver a do-
cência em um processo em que todos precisamos (re)aprender a ser docen-
tes. (SILVA, 2021, p. 72).

Inserida nesse contexto, após um período sensível de escuta e olhar atento


as necessidades/particularidades dos professores/as, coordenadores/as, funcioná-
rios/as e alunos/as dos cursos de Jornalismo e Pedagogia e da pós-graduação do
DCH Campus III, houve a adesão às aulas na modalidade remota, bem como, as
atividades dos projetos de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidos no departa-
mento atribuindo o valor de dar continuidade à educação, ainda que remotamente
com base na Resolução nº 1406/2020 – CONSU/UNEB.
Dentre os principais desafios e contribuições encontrados e vivenciados no
período pandêmico, podemos destacar: o comprometimento do semestre letivo em
especial o primeiro semestre de 2020 quando eclodiu a pandemia, reajustes do ca-
lendário em virtude do retardo tempo necessário para adaptação, o longo período
de exposição à tela, encontros síncronos e assíncronos, vivência de novas meto-
dologias de ensino, problemas pontuais de acesso à internet, adesão de equipa-
mentos, continuidade das orientações e desenvolvimento das pesquisas, criação
de plataformas virtuais como meio de interação e construção de outra relação de

14
educação por meio das plataformas digitais de forma a manter contato ativo de vínculo/
conexão com alunos/as da universidade e adaptação dos projetos pautados no pilar
do ensino, pesquisa e extensão a nova conjuntura posta pela pandemia. Um panorama
novo de uma educação através da internet, em tempos que exigem novas posturas, mo-
delagens e dinâmicas.
Nessa perspectiva, o cenário pandêmico trouxe limites e desafios imprimidos
pelo distanciamento social, contudo, por outro lado o processo de reinvenção possibili-
tou reunir instituições públicas e privadas e estabelecer um diálogo colaborativo circular
com seus atores sociais, bem como, oportunizar a aproximação e formação de laços
por meio da utilização dos instrumentos que possibilitaram a diversidade, pluralidade
e a formação do cidadão reflexivo no movimento constante firmado na esperança para
além da crise.
Como exposto pelo grande educador e filósofo Paulo Freire:

É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem
gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é
esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é
construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é jun-
tar-se com outros para fazer de outro modo… (FREIRE, 1992).

Desta maneira, o Departamento de Ciências Humanas, DCH Campus III, da Uni-


versidade do Estado da Bahia, fundamentada na Resolução Consu 1.495/2021, retoma
gradativamente as aulas presenciais nos Colegiados dos cursos de graduação e pós-
-graduação no semestre 2022.1 num contexto excepcional, mantendo percentual de até
40% (quarenta por cento) de atividades acadêmicas com mediação tecnológica tendo
em vista o monitoramento dos indicadores epidemiológicos do Estado para o primeiro
semestre de 2022, e prevê a ampliação da presencialidade na sua integralidade no se-
gundo semestre do referido ano, caso a situação epidemiológica no Estado da Bahia em
relação à COVID-19 apresente indicadores favoráveis. Sendo assim, imbuídos do senti-
mento de esperança, esperança como sendo não a do verbo esperar mais a do verbo
esperançar, seguimos aprendendo, problematizando, avançando e superando desafios.
Vale frisar a importância social da vacina. A pandemia não acabou! O cenário
epidemiológico ainda inspira cuidados. Vacinem-se! Destarte, a luta continua por uma
educação libertadora, dialógica, problematizadora, e democrática.

MÉTODO

Ações em torno da proposta da ECSAB no âmbito dos projetos de ensino, pesquisa e


extensão da UNEB
Inserida no contexto de atender as funções da universidade concernentes ao en-
sino, pesquisa e extensão o Departamento de Ciências Humanas – DCH-III da Universi-
dade do Estado da Bahia – UNEB, comprometida em formar profissionais para atuarem
profissionalmente e produzir conhecimento científico socialmente relevante, oferece,
sob a coordenação do Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPE), suporte aos projetos de-
senvolvidos no interior da universidade com o intuito de incentivar as ações realizadas
no âmbito do departamento e concretizadas pela comunidade acadêmica.
15
A proposta da ECSAB tem sido amplamente discutida no âmbito dos projetos
constituindo-se como um campo de força significativo para ações de fomento e iniciativas
promissoras para os cursos de graduação e pós-graduação do Departamento de Ciências
Humanas, Campus III/ UNEB.
Criado em 2005 com atuação contínua até os dias atuais o projeto de pesquisa e ex-
tensão Reflexão dos Referenciais Teórico-Práticos da Educação Contextualizada, vinculado
à RESAB, promove discussões e ações que permeiam esse eixo temático sendo um agen-
te em potencial a desencadear ações sólidas e contribuir com os processos acadêmicos,
profissional, pedagógico, educacional do território do Sertão do São Francisco, cuja base é
a contextualização das práticas educativas. Assim, o projeto caracteriza-se como um leito
fecundo que oportuniza participação concreta e efetiva de monitores bolsistas e demais
interessados em se apropriar com maior profundidade na área de estudo e linha de pes-
quisa defendida pelo projeto, expandindo os horizontes no processo de busca e apropria-
ção do conhecimento e criando possibilidades para uma trajetória formativa sólida e uma
possível inclusão na vida acadêmica, uma ação que exerce influência no futuro profissio-
nal dos futuros professores com fortes inclinações para o campo científico e da pesquisa.
A seleção dos monitores bolsistas é feita a cada ano através da abertura de edital e
de acordo com a necessidade dos projetos e programas vinculados a Pró–Reitoria de Ex-
tensão (PROEX), para atuarem como colaboradores nas ações de pesquisa e extensão que
se encontra em execução na universidade. A divulgação do período de seleção e inscrições
é realizada pelo NUPE através de uma comissão que faz a análise de todos os critérios es-
tabelecidos em edital, seguindo o cronograma previsto para seleção e divulgação do re-
sultado. Uma vez atendidos os requisitos preestabelecidos, os bolsistas são convocados e
contratados. Cada monitor dedica 20 horas semanais para exercer a Monitoria de Extensão
participando assim das atividades inerentes ao projeto.
Experiências vividas advindas dos trabalhos exercidos no interior do projeto por in-
termédio das articulações e ações organizativas propostas incluem a promoção de cursos,
seminários, palestras, aulas, ciclo de estudos, reuniões, promoção de eventos, debates,
elaboração de relatórios semestrais, entre outros, que são socializados e repercutem de
maneira positiva estimulando seus participantes na elaboração de dissertações, trabalhos
de Conclusão de Curso (TCC), e participação nas publicações de livros ou capítulos de li-
vros, artigos científicos e eventos científicos relevantes.
Relevância da atuação de estudantes nos projetos de pesquisa e extensão

A participação de estudantes em projetos de pesquisa e extensão é essencial para


o fortalecimento da relação entre a teoria e a prática, bem como na relação mútua entre a
universidade e a comunidade ancorada no compromisso social e promoção da qualidade
de vida. O deslocar-se da sala de aula para a construção de novos saberes advindos das
articulações, proposições e ações participativas nas atividades extensionistas ocasionam
a mobilização e aguçam o sentido para perspectivas pulsantes que instigam a formação
da identidade profissional e pessoal do futuro professor agregando valores ao processo
acadêmico experienciado, oportunizando a inserção e convivência com a realidade social.
Destarte, criam-se possibilidades de socialização e democratização dos conhe-
cimentos construídos a partir da troca dialógica estabelecida com a sociedade obtendo
assim uma aplicação prática com a profissão que confere vigor a tríade ensino, pesquisa e
extensão tornando-os indissociáveis.
16
Neste contexto, firma-se no pilar educativo que compreende a curiosidade epistemológi-
ca, bem como a importância de refletir criticamente sobre o vivido convergindo para uma
formação cidadã pautada na descoberta e na consciência social.
A relevância das contribuições provenientes da participação de monitores bolsistas
em projetos extensionistas da UNEB pode ser observada no depoimento de um (a) ex-mo-
nitor (a) que atuou no projeto Reflexão ao realizar a seguinte afirmação:

[...] um projeto desse cunho tem muito a contribuir no espaço de formação


e de pesquisa em que estou inserida. Penso que todas as atividades propiciam edi-
ficações, não só na academia e enquanto profissional, mas em outros aspectos da
minha vida, sobretudo os relacionados à construção do conhecimento e ao melhor
entendimento da educação contextualizada e valorização do espaço Semiárido no
qual estou inserida. Nesse sentido, faço uma análise muito positiva, uma vez que
esta experiência é bastante enriquecedora e gratificante. Ser monitora desse projeto
é vivenciar uma oportunidade ímpar e riquíssima, pois através dela, tenho oportuni-
dade de conviver com pessoas renomadas e experientes, onde assimilo e construo
muitos conhecimentos. (B. F., 2012).

Como observado no depoimento o ingresso de estudantes na universidade e o


envolvimento em projetos de pesquisa amplia horizontes e oferece forte impacto no pro-
cesso formativo dos acadêmicos possibilitando uma formação calcada na cidadania, no
incentivo a pesquisa além de oportunizar maior enlace e proximidade com o ambiente
universitário conhecendo a sua dinâmica de forma prática e participativa. Vale ressaltar
também a importância do aprendizado pautado na didática diferenciada e contextualiza-
da com a realidade dos estudantes da graduação e da pós-graduação e egressos do De-
partamento de Ciências Humanas, Campus III, localizado em Juazeiro - BA e uma conexão
integradora com as vivências, memórias e histórias do local no qual está inserido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O projeto Reflexão possui uma estrutura organizativa que funciona de maneira in-
tegrada realizando ações que não se restringem ao campo de ação individual, mas que se
estendem a uma rede de alcance colaborativo e coletivo tecidas em articulações vincula-
das a ações desenvolvidas com outros projetos de pesquisa e extensão da universidade
com permeabilidade nos cursos de graduação e pós-graduação.
Assim, num processo de expansão das discussões e suporte a outras abordagens
associadas à ECSAB, novos projetos se inserem nesse campo de significação e trabalham
em ações conjuntas a exemplo do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação Contextu-
alizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro - NEPEC – SAB, que teve sua origem
dentro das ações desenvolvidas pelo projeto Reflexão e ganha vida independente sendo
um grande apoiador tanto nas discussões como nas ações e conquistas engendradas que
agregam ações conjuntas.

17
Além do NEPEC-SAB outros projetos tem se dedicado a estabelecer relação de par-
ceria com o projeto Reflexão configurando-se como um importante avanço para as
pesquisas e ações que atingem uma substancial importância na representação da
UNEB nos momentos discursivos de estudo e reflexão crítica sobre Educação Con-
textualizada.
Muitos são os frutos colhidos ampliando as perspectivas, intensificando as
ações e criando novos rumos para o conhecimento. Além dos já mencionados, cum-
pre destacar a criação do Curso de Especialização em Educação Contextualizada
para a Convivência com o Semiárido e do Programa de Pós-Graduação Mestrado
em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA que em 2022 entrou com
a 9ª Turma de aspirantes a mestres em processo formativo e seis turmas já forma-
das nos anos anteriores desde a sua criação; a promoção do Workshop Nacional
em Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro com
inserção e impacto regional, nacional e internacional caminhando para sua 11ª edi-
ção em 2022; Colóquio de Pós-Graduação do Vale do São Francisco, 4ª edição, que
também nasceram no âmbito das ações mobilizadas no projeto e ganharam vida
própria através das mediações interventivas realizadas pelo programa de pós-gra-
duação Stricto Sensu do Campus. Outros frutos dessa jornada mediada pelo ensino,
pesquisa e extensão foi o surgimento de Grupos de Pesquisas, como o Educação
Contextualizada, Cultura e Território (EDUCERE), o ECUSS Cultural, e as abordagens
que foram dadas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID),
desde 2013, e do Residência Pedagógica, que se fundamentaram na perspectiva da
Educação para Convivência com o Semiárido Brasileiro, assim como, inúmeras pu-
blicações (livros, artigos, capítulos de livros, participações em eventos) que vão fun-
damentando teoricamente este movimento.
Essas conquistas têm se materializado e obtido tamanha repercussão nos pro-
cessos educativos, formativos, discussões acadêmicas, científicas e culturais com
ricas experiências sentidas e vividas pelos corpos de docentes e discentes, veteranos
e egressos da instituição, em atuação ou que já atuaram nos projetos e nos cursos
de graduação e pós-graduação. Tais iniciativas oferecem respaldo para a relevância
do processo de formação inicial e contínua constituindo-se base para a profissio-
nalização docente preparando caminho para uma atuação profissional qualificada
em educação contextualizada exercendo papel proativo na construção de um novo
projeto de desenvolvimento para o Semiárido Brasileiro.
Importante se faz refletir sobre o link articulatório que os projetos de pesquisa
e extensão conseguem exercer e manter entre os cursos de graduação e pós-gradu-
ação na mobilidade de suas ações interventivas e educacionais obtendo impacto
significativo na profissionalização docente.
Uma articulação que se faz necessária também no interior dos cursos de li-
cenciatura e bacharelado ofertados pelo Campus III, que carecem dessa mesma
força de aproximação e impacto atribuindo maior representatividade no processo
formativo e profissional auxiliando os futuros professores para os desafios da pro-
fissão, pois se sabe que a participação dos graduandos em projetos ainda é mínima
em função do limitado número de vagas ofertadas se comparada ao fluxo de alunos
que adentram e compõem o corpo discente da universidade.

18
Pesquisas já foram realizadas tornando-se intenção investigativa trazendo como re-
sultado a necessidade de ampliar as iniciativas e o diálogo no interior dos cursos
de graduação a fim de oferecer maior preparação na atuação profissional como ex-
plicitado na narrativa abaixo destacada revelada através de pesquisa realizada em
2012 por uma estudante de pedagogia na elaboração de seu trabalho monográfico:

Penso que a universidade precisa fazer uma avaliação reflexiva para analisar a
necessidade de estar incluindo a ECSA na grade curricular do curso, pois ainda
tem feito muito pouco perto do que realmente pode ser feito contribuindo
desta forma para que a formação profissional de seus educandos seja mais
significativa, pois o departamento não tem oferecido subsídios para a aplica-
ção desses conhecimentos na prática escolar. (Graduanda V, 2012).

As potencialidades adquiridas pelo trabalho intensivo realizado nas


iniciativas incitadas através dos projetos revelam um movimento transcen-
dente de caráter voltado para a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
De acordo com Morin, (2003, p. 115),

[...] o importante não é apenas a ideia de inter e de transdisciplinari-


dade. Devemos “ecologizar” às disciplinas, isto é, levar em conta tudo o que
lhe é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que
meio elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-
-se. É necessário também o “metadisciplinar”; o termo “meta” significando
ultrapassar e conservar.

Contudo, os limites e desafios impostos por uma grade curricular desarticu-


lada incidem na carência de subsídios dos fazeres políticos pedagógicos que possi-
bilitem o conhecimento e capacitação plena a todos os estudantes, principalmente
no que tange a um saber que proporcione a inserção no contexto e nos princípios
pautados na convivência, ressaltando elementos da subjetividade no processo for-
mativo.
Nesse sentido, é imprescindível intensificar as ações vinculadas à perspecti-
va da contextualização para se proporcionar avanços ainda maiores na educação,
profissionalização e formação dos cidadãos do nosso país. Ações que precisam se
iniciar nas bases de conhecimento do ensino superior e alcançar as bases de conhe-
cimento da educação básica promovendo assim uma integração dos saberes e o
despertar do sentido e do significado daquilo que se aprende.
Para tanto, faz-se necessário encurtar o distanciamento que compartimenta-
liza e separa os sujeitos da compreensão do mundo em que estão inseridos e trazer
para o centro do ensino as problematizações de abordagens que proporcionam a
reflexão crítica acerca de uma ação inovadora de educação emancipadora fortale-
cedora dos aspectos identitários que contribui na ação transformadora de sua reali-
dade habilitando-os a obter uma compreensão holística do mundo.

19
A universidade é um cenário importante na ação protagonizadora de estímulo
e incentivo a formação de seus participantes, contudo, faz-se necessário contribuir e
incentivar ainda mais a comunidade escolar habilitando-os a atuar de forma prática,
fundamentada na contextualização através de metodologias que possibilitem mini-
mizar as fendas que sangram de um processo formativo descontextualizado, desco-
nectado, portanto do contexto e da convivência com o meio social, um desafio atual
para as comunidades acadêmicas e escolares espaços esses de atuação e formação
profissional do professor.

Concepções acerca de um Território de Identidades

A identidade não é estática é processo epistemológico tecido e construído


no processo relacional de uns com os outros e na produção dos saberes adquiridos
socialmente. O meio envolvente com todos os seus símbolos caracterizam uma pai-
sagem que se firma em determinado lugar no espaço onde se constrói uma identi-
dade, expressando seu patrimônio cultural e o princípio de pertinência ou pertença.
O enraizamento das experiências vividas no âmbito da universidade advém
da participação ativa dos estudantes nos processos formativos, suas associações
com o desenvolvimento profissional no espaço escolar e não-escolar que conferem
aos futuros profissionais um pertencimento que acarreta marcas de identificação
construídas historicamente provocando uma leitura crítica da realidade.
De acordo com Pimenta e Anastasiou (2014, p. 77), a construção de uma iden-
tidade profissional é tecida “com base na significação social da profissão; na revisão
constante dos significados socais da profissão; na revisão das tradições. Mas tam-
bém com base na reafirmação de práticas consagradas culturalmente que perma-
necem significativas”.
Assim, as marcas de experiências vivenciadas na passagem pelos cursos de
formação profissional na participação e realização de atividades acadêmicas peda-
gógicas ultrapassam os limites da racionalidade técnica e assistencialista inserindo-
-se nos aspectos sócio históricos e culturais que conferem sentido e significado para
a formação do profissional adotando como princípios a coletividade e a unidade
entre teoria e prática.
Neste sentido, os passos percorridos pelos sujeitos em sua trajetória forma-
tiva delineiam os processos identitários oportunizados pela atuação em atividades
acadêmicas pedagógicas atreladas à profissão no exercício de práticas sistematiza-
das em estudos, pesquisas, discussões, reflexões e ações mediadas pela participa-
ção atuante em projetos, estágios, aulas, eventos acadêmicos científicos que consti-
tuem base de referência e preparação para a profissionalização docente.
Partindo desse entendimento, pode-se afirmar que acarreta fundamentos
ideológicos, afetivos que são internalizados e produzem sentido e significado cons-
truídos coletivamente. Essa construção se dá na ação dos sujeitos em determinados
espaços e tempo que agregam conteúdos de natureza simbólica.

20
Nessa perspectiva, a universidade enquanto instituição responsável pela
produção e difusão do conhecimento científico do campo educacional, configura-
-se como um território de múltiplas identidades uma vez que dispõe de recursos
materiais e imateriais que se tornam fonte de significados para os agentes que a
compõem. Tais significados podem ser construídos através dos princípios organiza-
cionais que balizam suas ações, a exemplo, do currículo, metodologias, regimentos
e normas, como também, por intermédio da convivência com o ambiente onde são
compartilhados os saberes e experiências fazendo desse um território social, singu-
lar e plural de formação e abrangência comunitária.
Dentre as concepções e conceitos acerca de território está a sua inserção no
contexto social que o compreende numa perspectiva múltipla, multidimensional e
diversa na produção de significados de um espaço-tempo vivido que abrange ele-
mentos interculturais firmados na experiência, na relação dos sujeitos com o mun-
do em que vivem, nos valores e nas ações materiais e imateriais como fundantes da
história e memória de um povo.
De acordo com Haesbaert, (2004, p.79), “o território pode ser concebido a
partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das
relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais
estritamente cultural”. Neste sentido, os membros que ocupam esse espaço são
envolvidos pelo sentimento de pertencimento ao constituir-se parte do processo
e seres construtores de história e memória no compartilhamento de experiências,
aferindo sentido e consciência de sua participação, corroborando no princípio for-
mador de uma identidade pessoal, profissional e coletiva.
Segundo Santos, (2005, p. 96),

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sis-


temas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O
território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, a foto e o senti-
mento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho,
da resistência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele
influi.

Em face desse entendimento, o território não é limitado ao espaço físico, pois


se faz transcendente no campo de signos e relações entre as pessoas, comunidade
e sociedade comportando uma perspectiva relacional de cunho subjetivo e identi-
tários. Entendido para além de sua materialidade e campo de disputa econômico e
político vinculado às relações de poder, o território se insere numa lógica conceitual
que transpõe as marcas dicotomizantes impostas pela cultura dominante e absorve
produção de sentido no espaço de construção de identidade dos grupos sociais em
sua formação.
Pressupõe, portanto, uma territorialidade fundamentada nas experiências
dos grupos sociais com o espaço de construção de identidade que conduzem ao
acolhimento, expressos simbolicamente nas relações sociais no processo de busca
e sentido de pertencimento.

21
CONCLUSÕES

Comprometido com o desenvolvimento social em permanente diálogo com


a sociedade o Departamento de Ciências Humanas, Campus III, da Universidade do
Estado da Bahia, é uma instituição que procura fomentar práticas inovadoras para
o avanço científico com a atuação no campo do ensino, pesquisa e extensão que
oferecem relevante contribuição nos processos que constituem a formação acadê-
mica.
Uma instituição social que tem construído conhecimento na perspectiva da
Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido Brasileiro, uma
proposta cujo princípio norteador é o processo de formação dos sujeitos de for-
ma a qualificar profissionais para uma atuação mais ampla e eficaz, trabalhando
de maneira crítica e propositiva com temas relevantes à proposta de contextuali-
zação, contemplando múltiplos saberes e suas formas de produção, levando em
consideração os processos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais con-
templando as especificidades, limites, potencialidades, experiências, vivências e
demais aspectos do território.
Assim, é possível constatar que os Projetos promovem a aproximação com
a pesquisa aliando conhecimento científico, conhecimento pedagógico e saberes
tradicionais, a partir de suas práticas e ações, configurando-se como um espaço pri-
vilegiado de descobertas suscitando a inserção e diálogo com a realidade a partir
dos conhecimentos adquiridos.
As ações de fomento desenvolvidas no âmbito dos projetos têm obtido resul-
tados relevantes com forte impacto nos cursos de graduação e pós-graduação cal-
cadas na construção de conhecimento sólido e de estímulo ao pensamento crítico,
proporcionando aos universitários a preparação no campo de atuação profissional.
Conclui-se, portanto, que as ações de fomento desenvolvidas possuem uma
relevância significativa nos processos formativos e educacionais com bons resul-
tados alcançados e carecem de ampliação a fim de alcançar dimensões concretas
com a criação de uma ponte constituída e firme no interior dos cursos de ensino
superior para que a construção de saberes políticos e pedagógicos estejam em sin-
tonia com os princípios da proposta de contextualização do ensino e do paradigma
da Convivência, cujo poder de alcance dos processos de capacitação seja comum
a todos os agentes em formação, pautados na construção coletiva do conhecimen-
to e valorização dos saberes locais com o propósito de aprofundar o olhar sobre
os processos formativos e desenvolvimento da identidade docente e profissional e
atingir proporções fecundas na construção de diálogo e relações partindo do inte-
rior dos cursos de graduação desde o seu início, possibilitando assim, a aproxima-
ção da realidade.

22
REFERÊNCIAS

BAHIA. Resolução 1.406/2020. Regulamenta o Plano de Ação para o enfrentamento a pandemia COVID-19,
no âmbito da UNEB. Salvador: Universidade do Estado da Bahia, Conselho Universitário, 2020

________. Resolução 1.495/2021. Documento Referencial Relativo ao Retorno Gradual das Atividades Pre-
senciais nas Ações Acadêmicas, de Gestão de Pessoas e dos Procedimentos Administrativos, no âmbito da
UNEB. Salvador: Universidade do Estado da Bahia, Conselho Universitário, 2021.

FARIAS, Edileuza Nunes Sobral. Desvendando o processo Histórico do Projeto Reflexão dos Referencias Teó-
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HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de


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MARTINS, Josemar da Silva. Anotações sobre a interação em rede. In: Educação para a convivência com o
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MORIN, Edgar. A Cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Bra-
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PIMENTA, S.G; ANASTASIOU, L. das G. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2014.

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Pandêmico: Um Estudo de Caso com Professores do Semiárido Baiano: doi.org/10.29327/217514.7.1-5. Revista
IberoAmericana de Humanidades, Ciências e Educação, [S. l.], v. 7, n. 1, p. 17, 2021a. Disponível em: http://pe-
riodicorease.pro.br/rease/article/view/430. Acesso em: 28 mar. 2022.

AGRADECIMENTOS

À Universidade do Estado da Bahia, Campus III/UNEB.


À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB.

23
Andorinha em voo, Constantino Buteri.

24
Oficina sobre higiene das mãos e bucal para crianças
em um projeto de extensão universitária:
Relato de experiência
Hand and oral hygiene workshop for children in an university extension project: report of
experience

Resumo
O objetivo do presente estudo foi relatar o desenvolvimento de
uma oficina educativa sobre higiene das mãos e bucal para crian- Cristiane Priscila Campiolo
ças entre 3 e 12 anos, em uma atividade extensionista no municí- Silvio Luiz Rutz da Silva
pio de Teixeira Soares-PR, Brasil, em 2019. A oficina foi elaborada Mario Cezar Lopes
e realizada durante uma Operação Rondon da Universidade Esta- Marilisa do Rocio Oliveira
dual de Ponta Grossa, e envolveu três acadêmicos de Odontolo- Ana Paula Veber
gia, sob supervisão de dois docentes. Para alcançar habilidades Manoelito Ferreira Silva Junior
ao público-alvo, ao nível cognitivo (conhecimento), foi planejada manoelito_fsjunior@hotmail.com
uma abordagem dialógica e, em nível psicomotor (habilidades
técnicas), um momento prático supervisionado. Aproximada- Universidade Estadual de
mente 30 crianças participaram da oficina, cujas atividades foram Ponta Grossa
divididas em três grupos, por faixa etária, a fim de deixá-los mais
homogêneos. Ainda que os recursos didáticos tenham sido os
mesmos, a linguagem e a abordagem tornaram-se mais adequa-
das. A atividade teve como propósito capacitar as crianças sobre
informações de saúde bucal pertinentes a cada faixa etária, bem
como motivá-las a realizar a higiene das mãos e da boca, com
técnicas de higiene adequadas para a idade. A experiência possi-
bilitou o desenvolvimento de materiais com recursos recicláveis
interativos e de baixo custo, além de uma formação acadêmica
mais humana e articulada com a comunidade.

Palavras-chave: educação; lavagem de mãos; saúde bucal; crianças.

25
Abstract
The objective of this study was to report the development of an
educational workshop on hand and oral hygiene for children in
an extension activity. The educational workshop on hand and
oral hygiene was developed for children between 3 and 12 ye-
ars old in the municipality of Teixeira Soares-PR, Brazil, in 2019
during an Operation Rondon of the State University of Ponta
Grossa. The workshop was designed and carried out by three
academics from Dentistry under the supervision of two tea-
chers. To achieve skills in the target audience at a cognitive level
(knowledge), a dialogic approach and a psychomotor level (te-
chnical skills) were planned for a supervised practical moment.
Approximately thirty children participated in the workshop, and
the activity was divided into three groups, trying to make the
group more homogeneous by age group, because even using
the same didactic resources, the language and approach were
adequate became more appropriate. The activity trained chil-
dren on oral health information relevant to the age group, as
well as motivating them to perform hand and mouth hygiene
with age-appropriate hygiene techniques. The experience ena-
bled the development of materials with interactive, low-cost
recyclable resources and a more humane and articulated aca-
demic formation with the community.

Keywords: education; hand desinfection; oral health; child.

26
INTRODUÇÃO

A Universidade tem um papel fundamental no desenvolvimento pessoal e co-


munitário, e a extensão universitária tem sido fundamental para promover atividades
de interação com a comunidade (INSTITUTO ..., 2017). O Projeto Rondon Nacional, de
integração social, envolve a participação voluntária de estudantes universitários, na
busca de soluções que contribuam para o desenvolvimento sustentável de comuni-
dades carentes e ampliem o bem-estar da população. Outra preocupação da iniciativa
é fortalecer a formação humana e profissional dos estudantes e, ainda, trabalhar pela
qualidade e eficiência da administração municipal.
Nas primeiras operações entre os profissionais de saúde e acadêmicos, o pro-
jeto tinha um caráter mais assistencial e, atualmente, incentiva-se a prevenção, edu-
cação e difusão do conhecimento relativo a todas as áreas do conhecimento, para que
sejam multiplicadores entre a população assistida e essas, por sua vez, multipliquem
o que aprenderam (BRASIL, 2013).
As principais doenças bucais são não transmissíveis e estão entre as mais pre-
valentes no mundo (MARCENES et al., 2013), sendo a cárie dentária a doença crônica
mais comum que afeta a saúde de crianças (RABIEI et al., 2014). A forma mais simples
de prevenção da doença cárie é a desorganização regular do biofilme, por meio da
escovação dental com uso de dentifrício fluoretado e frio dental.(MAGALHÃES et al.,
2011).
A educação em saúde bucal é um preditor na melhoria dos comportamentos
de saúde (KAY; LOCKER, 1996) e, assim, pode reduzir os riscos das doenças bucais.
No entanto, uma correta escovação deve ser precedida com correta higienização das
mãos, pois possui comprovadamente alta eficácia na prevenção e controle de infec-
ções (BRASIL, 2008; BRASIL, 2009).
Apesar de parecer simples, a correta higienização das mãos e da higiene bucal
depende de motivação das pessoas, sendo as práticas educativas elementos-chave
para aumentar as habilidades das pessoas sobre comportamentos adequados. No
entanto, sabe-se que as atividades educativas têm um impacto em curto prazo de
tempo (STEIN et al., 2017) e, por isso, devem ser executadas várias vezes e de diferen-
tes formas (NASCIMENTO et al., 2017).
O objetivo do presente estudo foi relatar o desenvolvimento de uma oficina
educativa sobre higiene das mãos e bucal para crianças em uma atividade extensio-
nista da Operação Rondon da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Relato de experiência

As atividades ocorreram durante dois dias, em uma intervenção do Núcleo


Extensionista Rondon da Universidade Estadual de Ponta Grossa (NER-UEPG), com
crianças entre 3 e 12 anos, no município de Teixeira Soares-PR, Brasil. As atividades do
Projeto são articuladas em formato de oficinas específicas.
Esta oficina de saúde bucal foi planejada, elaborada e aplicada por três aca-
dêmicos, sob supervisão de dois docentes, e desenvolvida baseando-se em alcançar
habilidades em nível cognitivo (conhecimento) e psicomotor (habilidades técnicas)
do público-alvo.
27
Foi planejada uma atividade em três etapas, e para isso, foi necessário o desen-
volvimento de um macro modelo em formato de boca, utilizando-se materiais reciclá-
veis (Figura 1). Além disso, realizou-se na universidade uma campanha de arrecada-
ção de materiais de higiene bucal, escovas e dentifrícios para serem doados durante
a realização da oficina.

Figura 1. Macro
modelo e escova
feito com materiais
recicláveis para
demonstração da
técnica de higieni-
zação.

Fonte: Foto oficial


da operação. Teixei-
ra Soares, PR, Brasil,
2019.

Aproximadamente 30 crianças participaram da oficina, cujas atividades foram


divididas em três grupos, por faixa etária, a fim de deixá-los mais homogêneos. Ainda
que os recursos didáticos tenham sido os mesmos, a linguagem e a abordagem tor-
naram-se mais adequadas. Na primeira etapa da oficina, com o objetivo de alcançar a
habilidade cognitiva, houve um diálogo sobre a importância da escovação na preven-
ção da doença cárie, a influência da dieta, dando-se ênfase para os açúcares.
Na segunda etapa, ainda de caráter cognitivo, para aumentar o conhecimento
sobre as condições de saúde bucal, principalmente sobre a etiologia e os aspectos
comportamentais relacionadas à cárie dental - principal doença que afeta a faixa etá-
ria da ação, como veículo de aproximação do público, foi utilizado um macro modelo
de uma boca e uma escova de dentes feito com materiais recicláveis, para demonstrar
a técnica de escovação para as crianças. Esses materiais despertaram maior interesse
nas crianças e criaram a possibilidade de interação delas com o assunto (Figura 2).

28
Figura 2. Momento
de abordagem dia-
lógica sobre higie-
nização das mãos e
boca. Foto oficial da
operação.

Fonte: Foto oficial


da operação. Teixei-
ra Soares, PR, Brasil,
2019.

Na terceira etapa (psicomotor), foram realizadas atividades para o desenvol-


vimento de habilidade técnica entre as crianças, divididas em lavagem de mãos e a
higiene bucal.

Lavagem das mãos

Para ensinar a higienização das mãos, o primeiro passo foi pintar com tinta fos-
ca nas mãos (RIBEIRO et al., 2017) das crianças e, assim, simular bactérias; em seguida,
foi pedido para que elas se cumprimentassem, a fim de que percebessem a passagem
dessas bactérias de uma pessoa para outra. As crianças foram então conduzidas para
o lavatório, onde se despejou sabonete; seus rostos foram cuidadosamente vendados
e foi solicitado que elas lavassem as mãos do jeito que lavavam em casa e parassem
quando acreditassem que a lavagem já tinha sido suficiente. Depois disso, as vendas
foram retiradas e foi-lhes mostrado os locais onde ainda havia manutenção de tinta,
principalmente na região das unhas e entre os dedos. Assim, foi ensinada a técnica
de higienização simples das mãos às crianças. Por fim, foi solicitado que repetissem
todos os passos.
As recomendações da técnica de higienização seguiu o manual “Lavar as mãos”
do Ministério da Saúde (BRASIL, 2008), no qual se recomendam as seguintes etapas de
desenvolvimento da técnica de higienização simples das mãos: retirar adornos; abrir
a torneira e molhar as mãos, evitando encostar-se na pia; evitar água muito quente ou
29
muito fria, a fim de prevenir o ressecamento da pele; aplicar sabão líquido na palma
da mão, em quantidade suficiente para cobrir todas as superfícies (seguir a quanti-
dade recomendada pelo fabricante); realizar a fricção de todas as partes das mãos,
incluindo palmas, dorso, espaços interdigitais, dorso dos dedos, polegares, polpas
digitais e punhos; enxaguá-las, retirando os resíduos de sabão, no sentido dos dedos
para os punhos, evitando contato direto das mãos ensaboadas com a torneira. Para
finalizar, proceder a secagem com papel toalha descartável, iniciando pelas mãos e
seguindo em direção aos punhos; posteriormente, desprezar o papel tolha na lixeira
destinada a resíduos comuns. A duração do procedimento depende do tipo no caso
da higienização simples deve ser de, aproximadamente, 40 a 60 segundos.

Escovação Bucal

A técnica de escovação escolhida para ensinar as crianças foi a técnica de fones


(DYER; ADDY; NEWCOMBE, 2000), recomendada para crianças devido à sua facilidade
de realização. Foi feita uma demonstração de todos os movimentos no macro modelo
repetidamente e, ao mesmo tempo, promovendo o diálogo para tirar qualquer dúvida
que a criança apresentasse. Demonstrou-se, também, a quantidade de pasta que é
considerada suficiente para a escovação, e como passar o fio dental entre os dentes.
Neste momento, constatou-se a dificuldade de utilizarem o fio dental, tendo surgido
muitas dúvidas, as quais foram sanadas naquele momento.
Após esse diálogo e demonstração, as crianças foram conduzidas para realizar
uma escovação supervisionada. Ao final da oficina, cada criança recebeu uma escova
e teve a oportunidade de colocar em prática o que aprendeu. Nessa etapa, as crianças
eram estimuladas a reproduzir os movimentos de escovação ensinados, sob a super-
visão dos acadêmicos, momento em que foram corrigidas caso algum movimento
estivesse errado, e parabenizadas caso o movimento estivesse correto. Isso as levou
à estimulação em fazer os movimentos certos (Figura 3). Ao final, as crianças foram
orientadas a praticar a técnica em casa.

Figura 3: Criança re-


alizando escovação
supervisionada.

Fonte: Foto oficial


da operação. Teixei-
ra Soares, PR, Brasil,
2019.

30
DISCUSSÃO

No presente estudo, a oficina sobre saúde bucal contribuiu nas habilidades em


nível cognitivo e psicomotor para as crianças. Segundo Figueira e Leite (2008), a faci-
lidade de aprendizado presente nesta fase da vida torna o processo de educação em
saúde bucal mais propício. Entretanto, a presença dos responsáveis pelas crianças
nessa oficina poderia vir a beneficiá-las, pois, assim, além de também receberem a
orientação, poderiam auxiliá-las e supervisioná-las em casa. No entanto, outras ofici-
nas aconteciam ao mesmo tempo com os pais e/ou responsáveis, logo, isso não pôde
ser executado.
Apesar de os estudos demonstrarem que os programas educativos podem
melhorar as condições de saúde bucal de escolares por reduzirem a prevalência das
doenças bucais (TAKEUCHI et al., 2017; ESAN et al., 2015; ANOPA et al., 2015), uma revi-
são sistemática não verificou benefício em longo prazo (STEIN et al., 2017), e, possivel-
mente, as atividades educativas fossem mais efetivas fizessem parte de um programa
contínuo (NASCIMENTO et al., 2017). Atualmente, apresenta-se declínio da prevalên-
cia de cárie entre crianças brasileiras (AGNELLI, 2015), mas apresenta uma distribuição
extremamente desigual, sendo necessária atenção aos grupos de alto risco à doença e
relaciona-se às condições socioeconômicas do indivíduo (ARDENGHI; PIOVESAN; AN-
TUNES, 2013; FREIRE et al., 2013). Sendo assim, na ausência de projetos educativos
contínuos, a execução de atividades, como a oficina de saúde bucal para crianças e
adolescentes nesse relato de experiências, dentro de um projeto de extensão, torna-se
importante pois leva o conhecimento a uma população que possivelmente não tem
acesso as informações.
Na presente experiência, verificou-se maior adesão do público de crianças me-
nores, e houve diferença de participação conforme as etapas da realização da oficina e
os grupos etários formados para adaptar as informações. As crianças menores tiveram
maior atenção em relação ao material (macro modelo) realizado para a oficina. Esse
aspecto pode ser devido às atividades lúdicas, como o uso de macro modelos e de-
mais recursos, que conseguem prender a atenção do público, o que facilita a exempli-
ficação do modo correto de se realizar a escovação (MONTEIRO; DONADIO; SARTORI,
2013; PEREIRA et al., 2016; SANTOS; SOUZA; SILVA, 2016).
No entanto, as crianças mais velhas foram mais participativas na etapa dialó-
gica da oficina, aspecto que pode ser devido a não ser uma temática nova, ou seja,
apresentavam conhecimento prévio e, também, por apresentarem maior maturidade
para elaborar perguntas (CHAER; GUIMARÃES, 2012). Sendo assim, as atividades edu-
cativas devem considerar a idade do seu público-alvo e tentar corresponder ao que é
mais bem aceito e mais efetivo para atingir o objetivo de melhoria do conhecimento.
Vale ainda destacar que as atividades educativas de saúde bucal devem con-
templar a lavagem de mãos antes e depois da escovação bucal. A literatura tem de-
monstrado diversos métodos lúdicos para o ensino ou demonstração da necessidade
da lavagem das mãos, mesmo com um público-alvo mais velho ou de profissionais
(FERREIRA et al., 2010; RIBEIRO et al., 2017). O uso da tinta na oficina foi importante
para demonstrar como podemos, rapidamente, contaminar várias pessoas.

31
Após a lavagem, que foi feita de olhos vendados e encerrada quando as crian-
ças acreditavam ser satisfatória, foi demonstrado, após a remoção da venda, que a
técnica da lavagem não foi executada a contento. A lavagem das mãos é a providência
mais simples que uma pessoa pode tomar para reduzir o número de microrganismos
nas mãos e, assim, evitar doenças e propagação para outras pessoas. Muitas doenças
e condições se espalham por conta do simples passo de lavagem das mãos, com sa-
bão e água corrente limpa (CENTERS ..., 2015).
A interação do acadêmico com a comunidade, através de atividades realizadas
por projeto de extensão como o aqui apresentado, oportuniza ao aluno colocar em
prática os conhecimentos adquiridos durante sua formação acadêmica, sendo um
processo educativo e científico, que exerce função social na comunidade e que re-
sultará em aprendizado para ambos (SERRANO, 2016), sendo assim, essas atividades
devem ser estimuladas ao longo de todo o processo de formação profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência exitosa promoveu o objetivo de capacitar as crianças em nível


cognitivo sobre informações de saúde bucal pertinentes à faixa etária, bem como de
motivá-las. Elas também puderam adquirir habilidade em nível psicomotor, através da
atividade de higienização das mãos e da cavidade bucal. No entanto, a presença dos
responsáveis pela criança nessa oficina poderia vir a beneficiá-las, pois, assim, além
de também receberem a orientação, poderiam auxiliá-las e supervisioná-las em casa.
A experiência foi essencial, visto que se pode compartilhar acadêmicos envol-
vidos, e construir conhecimento sobre a saúde bucal na ludicidade, utilizando-se re-
cursos recicláveis interativos e de baixo custo, favorecendo a Odontologia preventiva.
Além disso, a realização da oficina permitiu uma interação entre acadêmicos e
comunidade, em que o universitário pôde compreender a realidade do lugar e trans-
mitir seus conhecimentos de forma integrativa e divertida.
Portanto, a interação entre a universidade e comunidade deve ser favorecida
para estimular uma formação mais humana e que seja capaz de responder necessi-
dades locais.

REFERÊNCIAS

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AGRADECIMENTOS

Associação Menonita de Assistência Social (AMAS), Superintendência Geral


de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), Programa Universidade Sem Fron-
teiras - Fundação Araucária, Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (PROEX) e
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

34
Batuira, Constantino Buteri.

35
Ações extensionistas na pandemia da COVID-19
para divulgação da prevenção e tratamento de
traumatismos dentários
Extension actions in the COVID-19 pandemic to publicize the prevention and treatment of
dental trauma

Resumo Lucí Regina Panka Archegas


O presente estudo é um relato de experiência das atividades dos Fernanddo José Spagnol
extensionistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na pre- Letícia Devidé
venção e tratamento dos traumatismos dentais, para criar: um Mariane Fagundes de Oliveira
Mary Aparecida Pereira Heck
guia de condutas clínicas sobre trauma dental para graduandos
e profissionais de Odontologia, materiais digitais de prevenção luci.archegas@ufpr.br
da avulsão dentária para escolares e evento de extensão sobre
traumatismo dental para os estudantes do Curso Técnico em Universidade Federal do
Agente Comunitário de Saúde, em Curitiba. A base deste trabalho Paraná
contou com a pesquisa em base de dados de Odontologia e li-
vros digitais. A avulsão dentária é uma ocorrência prevalente para
crianças e adolescentes, exigindo ações imediatas para manter o
dente neste público. Desta forma, foram confeccionados panfleto
educativo lúdico, vídeo e questionário on-line para cinco escolas
de ensino público e privado, de Curitiba-PR e Papanduva-SC, que
atingiram aproximadamente 3000 pessoas entre pais, educado-
res, gestores e alunos. Os participantes do projeto vivenciaram
a socialização pelo contato digital com colegas, orientadores e
comunidade durante a pandemia; e partilharam conhecimento
científico por meio de ferramentas tecnológicas para a prevenção
e tratamento dos traumatismos dentais para escolares, graduan-
dos e profissionais da saúde.

Palavras-chave: saúde bucal; traumatismo dentário; avulsão den-


tária; educação em saúde.

36
Abstract
The present study is an experience report on the activities of
extension workers at the Federal University of Paraná (UFPR),
in the prevention and treatment of dental trauma, to create: a
guide to clinical conduct on dental trauma for undergraduates
and professionals in Dentistry, digital materials of prevention of
tooth avulsion for schoolchildren and extension event on den-
tal trauma for students of the Technical Course in Community
Health Agents, in Curitiba. The basis of this work was research
in databases of Dentistry and digital books. Tooth avulsion is
a prevalent occurrence for children and adolescents, requi-
ring immediate actions to keep the tooth in this population.
In this way, a playful educational pamphlet, video, and online
questionnaire were made for five public and private schools in
Curitiba-PR and Papanduva-SC, which reached approximately
3000 people including parents, educators, administrators and
students. Project participants experienced socialization throu-
gh digital contact with colleagues, advisors and the community
during the pandemic; and shared scientific knowledge through
technological tools for the prevention and treatment of dental
trauma for schoolchildren, undergraduates and health profes-
sionals.

Keywords: oral health; dental trauma; tooth avulsion; health


education.

37
INTRODUÇÃO

A Extensão Universitária proporciona benefícios para a sociedade e para os acadê-


micos, com um caráter mais humano nas suas relações. A interação entre a Universidade e
a comunidade é transformadora, pois gera uma democratização do conhecimento acadê-
mico e oportunidades para que os membros do projeto possam ampliar seus horizontes,
sua capacidade de trabalhar em equipe e aumentar seu aprendizado na prática (FERNAN-
DES et al., 2012).
Conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultu-
ra (UNESCO), a crise causada pela Covid-19 resultou na transição do ensino para o modo
remoto, afetando mais de 90% dos estudantes do mundo (UNESCO, 2020). Os anos de
2020-2021 continuam trazendo incontáveis desafios à sociedade, nas mais diversas insti-
tuições, no Brasil e ao redor do mundo. Por conta disso, a educação presencial, do ensino
básico ao superior, precisou ser repensada e direcionada principalmente para um ambien-
te on-line, e isto não foi diferente para as ações extensionistas, que também se adaptaram
para atingir seu público-alvo com sucesso. O fato de os escolares estarem distantes das
atividades presenciais, fez necessário que a educação continuasse, e naquele momento,
os projetos de extensão tiveram que se reinventar e continuar suas ações dentro dos am-
bientes escolares.
A educação em saúde nas escolas possibilita a abertura de novos caminhos e cria
oportunidades, para que as crianças e adolescentes sejam capazes de promover e preser-
var sua saúde bucal (GRACIANO et al., 2015). Também, conduz esse conhecimento para
as outras esferas da sociedade (família, colegas, professores), aumentando o número de
pessoas aptas a tomar decisões adequadas para seus cuidados na saúde. Segundo Lo-
pes, Nogueira e Rocha (2018), melhores níveis de educação estão relacionados com uma
população mais saudável, assim como uma população saudável tem maiores chances de
absorver saberes e conhecimento pela educação formal e informal.
O contato com os estudantes e o incentivo aos hábitos saudáveis, e formas de
cuidados com a saúde, colaboram para estimular a continuidade das relações sociais que
são fundamentais para diminuir o impacto psicológico que a pandemia trouxe à maioria
da população. É importante lembrar que a saúde física é complementar à saúde mental,
e que a falta de contato pessoal aliada à prolongada duração da quarentena gera ainda
mais ansiedade, estresse e depressão (MAIA; DIAS, 2020). O ambiente on-line proporciona
vantagens como, por exemplo, uma maior abrangência do seu impacto com possibilida-
de de comunicação com alunos de diferentes escolas, e até mesmo em outras cidades e
estados. Não há necessidade de locomoção para o envio das informações e, desta forma,
otimiza-se também o tempo.
O projeto de extensão “Saúde Bucal: da prevenção às práticas restauradoras” da
Universidade Federal do Paraná, na cidade de Curitiba, incentiva a aproximação entre os
acadêmicos e a busca do conhecimento, com vistas às necessidades vivenciadas pela co-
munidade para transformação social da saúde bucal. Todos os participantes do processo,
extensionistas e a comunidade escolar, foram encorajados a se responsabilizar pela sua
saúde bucal e colaborarem em outros ambientes como agentes educadores, para práticas
bucais preventivas e mais saudáveis.

38
As lesões dentárias traumáticas são um problema de saúde pública, sendo mais
comuns em crianças e adolescentes, embora mencione-se que um terço da população
sofrerá algum tipo de trauma dentário durante a vida (HAMMEL; FISCHEL, 2019). Agres-
sões, acidentes de trânsito, atividades esportivas, entre outros, são as causas mais rela-
cionadas ao traumatismo dental. A prevalência desses traumas varia entre 9,4% e 62,1%
na dentição decídua, e entre 8,0% e 58,6% na dentição permanente (RODRIGUES et al.,
2015). É imprescindível também ter o conhecimento de que o tratamento para faixas etá-
rias mais jovens varia se comparado a indivíduos adultos, já que o crescimento da raiz e
o crescimento facial devem ser levados em consideração (BOURGUIGNON et al., 2020). A
compreensão dos princípios básicos das ações imediatas frente aos diferentes tipos de
traumas dentais é importante para que a população tome as medidas necessárias na ma-
nutenção do dente, visto que o manejo inicial possui grande influência no prognóstico do
tratamento (CHAUHAN et al., 2016).
Dentre todos os traumas dentais destaca-se a avulsão, definida como o desloca-
mento completo do dente para fora de seu alvéolo, sendo um trauma que causa danos
severos aos tecidos da polpa e do ligamento periodontal (ANDREASEN et al., 2012). Este
trauma possui uma ocorrência menos frequente, mas esta perda precoce pode causar gra-
ves sequelas na saúde, no comportamento, no estado psicológico e na qualidade de vida
do indivíduo afetado (RODRIGUES et al., 2015). Desta forma, observa-se a necessidade do
aprofundamento do tema, associada à divulgação desses conhecimentos para a socie-
dade em geral. Na avulsão, algumas simples ações são imprescindíveis para o sucesso do
tratamento e devem ser tomadas imediatamente após o trauma até o reimplante dental.
Os estudantes e profissionais da área de Odontologia devem habituar-se ao proto-
colo de atendimento frente aos diferentes traumas dentais, a fim de executar um diagnós-
tico e uma conduta clínica assertiva. O traumatismo dentário não tratado imediatamente,
ou tratado de forma inadequada, pode gerar graves sequelas, incluindo o escurecimento
do dente envolvido; a morte da polpa dental (responsável por garantir a vitalidade do ór-
gão); danos nos tecidos de sustentação do dente (responsável por absorver os impactos
da força mastigatória) e a reabsorção da raiz dentária, que pode levar à completa perda do
dente (ANDREASEN et al., 2012). Esta perda pode causar grandes impactos na qualidade
de vida do paciente, afetando tanto a estética facial quanto a função mastigatória e diges-
tiva (ANDREASEN et al., 2012).
Desta forma, o objetivo deste trabalho foi relatar ações extensionistas durante a
pandemia da COVID-19 para promover a prevenção e tratamento dos traumatismos den-
tais.

MÉTODO

As atividades de extensão do projeto “Saúde bucal: da prevenção às práticas res-


tauradoras - 2ª edição” da Universidade Federal do Paraná (UFPR), durante a pandemia da
COVID-19, foram adaptadas para o trabalho remoto. Os participantes, como professores e
acadêmicos do Curso de Odontologia, realizaram reuniões de planejamento e discussão
na plataforma Microsoft® Teams, viabilizada por esta universidade.

39
Primeiramente, os extensionistas do projeto, sob orientação de duas professoras
orientadoras, desenvolveram atividades de pesquisa sobre os traumatismos dentários, em
livros digitais, e busca de artigos científicos em base de dados, como o PubMed e biblioteca
virtual Scielo (Scientific Electronic Library Online). Foram levantadas as lesões de traumatis-
mo dentário, como: dos tecidos duros dos dentes e da polpa, dos tecidos periodontais,
da gengiva e da mucosa oral e do osso de sustentação, sua prevalência na população e a
importância da atuação imediata frente a esses acidentes.
Em seguida, os conteúdos obtidos deram origem ao desenvolvimento de um guia
de protocolo clínico para o atendimento de traumas dentais, com o objetivo de auxiliar
tanto os estudantes do curso de Odontologia quanto os cirurgiões dentistas, a expandirem
seus conhecimentos sobre o tema, facilitar o diagnóstico e tomar as medidas necessárias
em cada caso. Os membros do projeto se reuniam semanalmente de forma on-line com
seus orientadores, para um alinhamento dos conteúdos em relação a revisão de literatu-
ra. Para abranger o atendimento clínico emergencial foram definidos os seguintes tópicos:
introdução, classificação e conceitos dos traumatismos dentários; ações preventivas; ava-
liação diagnóstica; abordagem inicial e condutas clínicas. Para facilitar a compreensão do
guia, ilustrações dos diferentes tipos de traumas foram pesquisadas pelos extensionistas,
referenciadas e inseridas no material. O planejamento de divulgação deste material foi na
forma digital de Recurso Educacional Aberto (REA) no acervo bibliográfico da UFPR, para
que possa ser amplamente acessado por profissionais e acadêmicos da área de Odonto-
logia.
Uma nova fase do projeto se iniciou quando os extensionistas se sensibilizaram
para o fato de que a perda precoce do dente por trauma pode trazer graves consequências
para a vida do indivíduo, assim, outras iniciativas para a prevenção de avulsão dentária co-
meçaram a ser definidas. O ambiente escolar tornou-se o alvo da equipe do projeto de ex-
tensão em Saúde Bucal nesta fase, pois mesmo em época de Pandemia pelo Coronavírus,
o ambiente proporcionado pela escola continua a ser diferenciado e tem uma perspectiva
global (IPPOLITO-SHEPHERD; CERQUEIRA, 2005). Desta forma, o planejamento cerceou
primeiramente o desenvolvimento de um material ilustrativo em formato de folder digi-
tal, com linguagem acessível e didática direcionado à comunidade escolar, com o objetivo
de divulgar as medidas imediatas a serem tomadas pela comunidade frente aos casos de
avulsão dentária. A equipe programou e desenvolveu os desenhos necessários para sensi-
bilizar o público-alvo na ferramenta de design Adobe Illustrator.
Junto ao folder, também foi proposto a elaboração e encaminhamento de um
vídeo, com intuito de despertar o interesse da comunidade escolar a respeito do material
enviado, e sintonizar os integrantes do projeto com a comunidade. O vídeo, com duração
de um minuto e trinta segundos no formato MP4, foi gravado e editado pelos extensionis-
tas no aplicativo “InShot”, para a contextualização e reforço das informações mais impor-
tantes contidas no material ilustrativo de avulsão dental. Esta gravação foi enviada para os
representantes das escolas por e-mail e pelo aplicativo WhatsApp, e repassada aos pais e
alunos.
Outra proposta do planejamento para o ambiente escolar foi a elaboração de um
formulário avaliativo, material desenvolvido no Google Forms com questões sobre a avul-
são dentária (Tabela 1), para se medir o grau de esclarecimento da comunidade escolar e
a eficácia do folder e vídeo enviados.

40
Perguntas Respostas
Tabela 1: Questiona-
mentos de avulsão
dentária utilizados Você já tinha conhecimento sobre avulsão dentária? ( ) Sim ( ) Não
no formulário ava-
liativo
Após assistir ao vídeo e fazer leitura do folder sobre avul-
são dentária, você acha que essas informações aumenta- ( ) Sim ( ) Não
ram seu conhecimento sobre o assunto?
Se algum amigo ou conhecido sofrer um deslocamento
total do dente para fora do seu lugar, você saberia que ( ) Sim ( ) Não
medidas tomar?

Para finalizar as ações de traumatismo dental, também foi proposto um evento


on-line de extensão universitária, com o protagonismo dos extensionistas de Odonto-
logia para os estudantes do Curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde (TACS)
da mesma instituição. Considerou-se que esses discentes serão futuros profissionais
replicadores dessas informações, pois estarão em contato direto com a população.
Concluindo a organização das atividades do planejamento do Projeto de Saú-
de bucal durante a pandemia, todas as ações realizadas pela equipe foram planejadas
para serem apresentadas em Congressos e publicadas em periódicos da área.

RESULTADO
Por conta da pandemia do novo coronavírus, todo planejamento e ações do
projeto de extensão foram realizados de forma virtual, por meio de reuniões na pla-
taforma Microsoft® Teams. O desenvolvimento do guia de traumatismo dentário com
integração multidisciplinar e pesquisa científica, aprofundou consideravelmente o
conhecimento dos alunos participantes do projeto sobre esse tema, assim como
ampliou a visão das formas de abordagem divulgadas à população. Este guia intitu-
lado “Impactos, prevenção e condutas clínicas do traumatismo dentário” abordou
os conceitos dos traumas, sua classificação (quanto a lesões nos tecidos duros e
à polpa, lesões nos tecidos periodontais, na gengiva ou na mucosa oral e no osso
de sustentação), ações preventivas (como utilizar protetores bucais), avaliação diag-
nóstica e as condutas clínicas necessárias para o adequado atendimento, de acordo
com os dados mais recentes da literatura. Neste instrumento foram elaboradas di-
versas ilustrações autorais, assim como imagens de lesões dos tecidos envolvidos
e tabelas. Todas essas atividades relativas ao guia proporcionaram uma expansão
de conhecimento aos acadêmicos do projeto, assim como informações atualizadas
para profissionais e estudantes de Odontologia, com sua divulgação no repositório
aberto da UFPR.

41
Considerando que a avulsão possui maior prevalência em crianças na idade es-
colar (7 a 12 anos), os membros do projeto desenvolveram, concomitantemente ao guia,
um material ilustrativo lúdico em formato de folder digital com foco na avulsão de um
dente permanente, abordando o momento do trauma e as ações imprescindíveis a se-
rem tomadas, que são determinantes para um melhor prognóstico do caso. Os desenhos
nele contidos foram desenvolvidos exclusivamente pela equipe do projeto, desta forma
as imagens são autorais e traduzem as necessidades visuais requeridas para sensibilizar o
público atingido (Figura 1).

Figura 1: Folder
“Meu dente per-
manente caiu! E
agora?”

Fonte: Autoral, 2020.

Neste momento de pandemia do novo coronavírus foram contactadas de forma


on-line cinco escolas, para contextualizar esse assunto com a direção e promover a divul-
gação do folder, de caráter lúdico e de fácil compreensão, para democratizar o conheci-
mento das ações imprescindíveis que devem ser tomadas no momento do trauma dental.
Os diretores e gestores das escolas demonstraram imediato interesse nesta ação educati-
va. A distribuição do material foi realizada para 2988 alunos das cinco escolas que os exten-
sionistas e professores do projeto tinham contato: 1558 alunos de um colégio estadual no
município de Curitiba – PR, que atende alunos do Ensino Fundamental II (sexto ao nono
42
ano) e Ensino Médio (primeira a terceira série); 520 alunos de uma escola particular do mu-
nicípio de Curitiba - PR, que atende alunos desde a educação infantil ao ensino médio; e
910 alunos de 3 escolas da rede municipal de ensino do município de Papanduva – SC,
que atendem alunos da Educação Infantil (Pré-escolar) e Ensino Fundamental I (primeiro
ao quinto ano).
Associado ao folder, foi enviado um vídeo para despertar o interesse de professo-
res, pais e alunos que delineava as principais informações nele contidas. Com essa ativida-
de, os bolsistas e voluntários do projeto também se apropriaram de técnicas de oralidade
para a produção de vídeo, além de estabelecerem uma forma de interação direta com o
público-alvo, por meio de perguntas, tais como: “você sabe o que é avulsão dentária?” e
“você sabe como tratá-la?”.
O processo avaliativo desenvolvido no aplicativo Google Forms trouxe aos partici-
pantes do projeto uma interação e vivência no aprendizado sobre os formulários on-line,
e possibilitou o desenvolvimento de um instrumento de avaliação. Esse material foi enca-
minhado aos professores, que tomaram conhecimento do conteúdo e concordaram em
fazer a distribuição para os alunos. Porém, não foram obtidos um número de respostas
significantes com esses formulários. Isto provavelmente ocorreu porque a sua disponibi-
lização não foi realizada juntamente com o material instrutivo, e por coincidir com o final
do período letivo, época em que os alunos já estão mais dispersos. Este dispositivo poderá
ainda ser utilizado de forma integrada em outro evento de extensão escolar.
O projeto também proporcionou, no mês de julho de 2022, o desenvolvimento
de um evento de extensão sobre os traumatismos dentais para o Curso Técnico em Agente
Comunitário de Saúde da UFPR, intitulado “Urgências em traumatismo dentário: como
proceder”, pois, estes futuros profissionais, estarão em contato direto com a comunida-
de e serão replicadores do conhecimento. Esta atividade ocorreu de forma virtual, e dois
acadêmicos de Odontologia, integrantes do projeto de extensão universitária, foram os pa-
lestrantes. Ao final do evento houve uma mesa redonda juntamente com as orientadoras
do projeto e dúvidas foram esclarecidas. Muitos alunos do curso técnico expressaram de
forma positiva o reencontro com professores e colegas, mesmo de forma on-line, e um
conhecimento mais aprofundado sobre traumatismos dentais.
Todo o planejamento e as ações desenvolvidas neste projeto de extensão alme-
jaram tanto a comunidade escolar quanto os estudantes e profissionais da área da saúde,
fortalecendo o pilar entre o ensino, a pesquisa e a extensão. As ações de prevenção a res-
peito de traumatismo dentário foram apresentadas pelos extensionistas no 9o Congresso
Brasileiro de Extensão Universitária (CEBEU): Redes para Promover e Defender os Direitos
Humanos, onde o trabalho intitulado “Impactos, Prevenção e Tratamento do Traumatis-
mo Dentário” gerou um debate construtivo.

DISCUSSÃO
As atividades desenvolvidas por esse projeto de extensão mostraram a importân-
cia de se manter a relação universidade-comunidade durante a pandemia, principalmen-
te para a saúde mental dos extensionistas e orientadores. A socialização vivenciada pelo
grupo, mesmo de forma on-line, estimulou a todos para o estudo científico, preparo de
material didático preventivo e divulgação na comunidade.

43
A extensão promove a interação transformadora entre as instituições de en-
sino superior e outros setores da sociedade por meio da produção e aplicação do
conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa (FORPROEX,
2012). O uso de ferramentas tecnológicas para a saúde se mostrou um canal de co-
municação eficaz e de fácil utilização neste projeto, acordando com Campos et al.
(2020).
A forma on-line das ações extensionistas proporcionou vários pontos positi-
vos: otimização do tempo, pois não havia a necessidade de deslocamento dos seus
integrantes; agendamento prévio de reuniões; maior conforto aos participantes e
redução de custos em geral. Além dessas condições, também proporcionou a opor-
tunidade de trabalhar em grupo e o aprendizado de tomar decisões em conjunto. O
ambiente on-line desenvolvido durante a execução das atividades deste projeto de
extensão promoveu um aprendizado diferenciado, interessante, mais abrangente e
muito efetivo para toda a equipe do projeto.
Com a necessidade de aprimorar o antigo e, instantaneamente, aprender o
novo, a extensão universitária buscou neste trabalho on-line a perspectiva de inovar
os conhecimentos, e assim, permitiu que os acadêmicos e orientadores saíssem da
sua rotina universitária. Deste modo, foi possível a proximidade com as pessoas de
forma diferenciada, mesmo em época de pandemia. A interdisciplinaridade e indis-
sociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, diretrizes da extensão universitária,
foram vivenciadas pela equipe do projeto durante o desenvolvimento do guia de
traumatismo dentário. Esta foi uma atividade complementar da matriz curricular
dos extensionistas, com pesquisa em base de dados, e constituiu-se em um proces-
so interdisciplinar e tecnológico de interação transformadora dos integrantes, com
resultados positivos para aos profissionais e acadêmicos da área de Odontologia.
A disseminação do conhecimento de traumatismo dental, do tipo avulsão,
para a comunidade é de fundamental importância, pois a literatura é precisa quanto
ao fato de que o menor tempo de reposicionamento do dente no alvéolo é decisivo
no prognóstico e pode diminuir seu impacto na saúde bucal, bem como na estética
(FOUAD et al., 2020). Destaca-se, também, a importância prévia ao reimplante de lavar
suavemente o dente avulsionado em água corrente, sem tocar na raiz, para evitar a
destruição das fibras periodontais da sua superfície (ANDREASEN et al., 2012). Se o
reimplante não for possível imediatamente, o dente deverá ser armazenado em um
recipiente contendo leite ou soro fisiológico, meios adequados para a conservação
dos seus componentes até a procura pelo cirurgião-dentista. Quanto menor o tempo
até o reimplante, maior a chance de salvar a estrutura dental. Sempre será necessária
a procura pelo atendimento profissional odontológico para complementar as abor-
dagens terapêuticas. Todas essas ações são de grande importância para o sucesso do
tratamento. Desta forma, este tema foi abordado no folder para a comunidade escolar
com o objetivo de divulgar as ações frente a essas situações odontológicas de emer-
gência. Este folder também retomou a interdisciplinaridade dos conteúdos ministra-
dos no Curso de Odontologia, além de despertar o interesse na pesquisa, como forma
de aprofundamento em assuntos ainda não familiarizados.

44
A ideia de educação em saúde nas escolas oportuniza o desenvolvimento
de estratégias em conjunto, para que a sociedade conviva melhor e com mais saúde,
tanto bucal quanto geral. Considerando que o ensinamento sobre saúde é um pro-
cesso de capacitação dos indivíduos envolvidos, para que adquiram mais clareza
sobre assuntos ainda desconhecidos pela maioria, o ambiente escolar é um espaço
ideal para formação de atitudes saudáveis, de prevenção e introdução de conceitos
devido a sua abrangência, além de acolher as diferentes faixas etárias que mais so-
frem traumatismos dentários.
Embora não exista um consenso sobre a faixa etária acometida pela avulsão
dental, existe uma prevalência maior entre 7 e 12 anos de idade (MARKOVIC et al.,
2014), para o sexo masculino (MESQUITA et al., 2017). Nesta faixa etária, o indivíduo
já apresenta a dentição permanente, porém, não há o completo crescimento facial
e isto possibilita uma maior exposição dos dentes anteriores, para ocorrência do
trauma (ANDREASEN et al., 2012). Assim, a atuação deste projeto no ambiente es-
colar sedimenta a prevenção dos traumatismos dentais com atuação direta sobre
seu público-alvo, o que evidencia o impacto e transformação social gerados, da ex-
tensão universitária. As atividades do projeto na comunidade escolar contribuíram
para a formação ética e de cidadania dos acadêmicos, como profissionais capazes
de tomar decisões assertivas frente à diferentes situações de trauma dental, e na
formação enquanto agentes sociais geradores de conhecimento e transformação.
O retorno por parte dos gestores, diretores, professores e demais envolvidos
quanto ao material educativo divulgado foi imediatamente positivo, principalmente
por parte dos docentes, em relatos tais como: “Achei interessantíssimo. Isso sempre
acontece na escola. E é ótimo saber como proceder. Obrigada. Excelente trabalho e
sucesso”. Declarações como essas demonstram a real necessidade dos trabalhos ex-
tramuros dos projetos de extensão universitária para os docentes das escolas públi-
cas e privadas. A exposição deste tema com a comunidade escolar promoveu uma
reflexão sobre o acesso e inclusão social na esfera de saúde.
O evento de extensão on-line para os alunos do TACS aumentou ainda mais
a abrangência da prevenção, com profissionais disseminadores do conhecimento.
Todas as ações propostas colaboraram para a prevenção da saúde bucal com prá-
ticas assertivas frente a um traumatismo dental. O projeto conseguiu desenvolver
uma estreita relação entre alunos de diferentes períodos do curso de Odontologia
da UFPR, bem como a interrelação entre as diferentes disciplinas curriculares, e
mostrou sua aplicação prática para diferentes profissionais da saúde.

CONCLUSÃO

Os integrantes deste projeto passaram por experiências positivas durante o pe-


ríodo da Pandemia, desenvolveram materiais educativos e assumiram, com responsa-
bilidade, suas atividades dentro das possibilidades oferecidas, tanto em relação à sua
execução quanto à sua organização. Os extensionistas vivenciaram o contato digital com
colegas, orientadores e comunidade, e uma consequente democratização do acesso on-
-line ao conhecimento. Além disso, exerceram a cidadania partilhando conhecimento
científico por meio de ferramentas tecnológicas, com vistas a prevenção e tratamento
dos traumatismos dentais para escolares, graduandos e profissionais da área da saúde.
45
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46
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47
Garça, Constantino Buteri.

48
Propostas de temas a serem abordados em
atividades de educação ambiental em trilhas
interpretativas: Estudo de caso no Parque Ecológico
Mauro Romano, Vassouras-RJ
Proposals of themes to be used in environmental education activities in interpretative
trails: A case study in the Mauro Romano Ecological Park, Municipality of Vassouras, Rio
de Janeiro State

Resumo Fábio Souto de Almeida


Este estudo teve como objetivo apontar temas que podem ser Mariana Cunha Lemos
discutidos com os participantes das atividades de educação am- Jade Guimarães Ribeiro
biental nas trilhas do Parque Ecológico Mauro Romano da Asso-
fbio_almeida@yahoo.com.br
ciação Civil Vale Verdejante, Município de Vassouras, Estado do
Rio de Janeiro. Nesse sentido, foram realizadas visitas ao Parque Universidade Federal Rural do
para observar as suas características e propor abordagens em Rio de Janeiro
pontos de interesse nas atividades de educação ambiental, nas
trilhas existentes. Foram observadas, nas duas trilhas estudadas,
aqui denominadas “trilha do reflorestamento” e “trilha agroflo-
restal”, diversas características interessantes na disseminação de
informações e discussões sobre temas ambientais, incluindo a
diversidade de espécies e a importância da sua proteção, a con-
servação de recursos naturais e as práticas agroecológicas. Além
disso, as dinâmicas propostas no presente trabalho serão uteis
para a assimilação dos conhecimentos disseminados durante as
atividades no Parque.

Palavras-chave: agroecologia; biodiversidade; conservação.

49
Abstract
The study aimed to identify themes that can be discussed with
the participants of environmental education activities in the
trails of the Mauro Romano Ecological Park of the Vale Verde-
jante Civil Association, Municipality of Vassouras, Rio de Janei-
ro State. In this sense, visits were made to the Park to observe its
characteristics and propose themes that could be approached
at points of interest in the environmental education activities
in the trail of the Park. The two trails studied are called “refo-
restation trail” and “agroforestry trail”. Several interesting cha-
racteristics to be used in the dissemination of information and
generate discussions on environmental issues were suggested,
including the diversity of species and the importance of their
protection, the conservation of natural resources and agroe-
cological practices. In addition, the dynamics proposed in the
present work will be useful for assimilating the knowledge dis-
seminated during the activities in the Park.

Keywords: agroecology; biodiversity; conservation.

50
INTRODUÇÃO

A degradação ambiental tem aumentado com a intensificação das atividades


antrópicas e com o crescimento populacional, especialmente observado em ambien-
tes urbanos, acarretando em um modelo de desenvolvimento não sustentável (JA-
COBI, 2002). As áreas cobertas pelos ecossistemas naturais, incluindo as florestas tro-
picais, vêm sendo rapidamente reduzidas em função de variados empreendimentos
e pela expansão das áreas urbanas (RIBEIRO et al., 2011; SILVERIO NETO et al., 2015).
Além disso, as atividades industriais e a agropecuária convencional têm provocado
a degradação do solo, a poluição dos cursos d’água e de águas subterrâneas, além
de produzirem alimentos contaminados por agrotóxicos que provocam doenças em
seres humanos (FADINI; LOUZADA, 2001; JARDIM; ANDRADE, 2009; ALMEIDA; GARRIDO;
ALMEIDA, 2017). Esse cenário também acarreta na redução e fragmentação de popu-
lações bióticas, redução de recursos para a biota e consequente aumento das taxas
de extinção de espécies (ALMEIDA, GOMES; QUEIROZ, 2011; ALMEIDA; VARGAS, 2017).
Para reverter esse quadro, reflorestamentos que visam recuperar os ecossiste-
mas vêm sendo realizados (ALMEIDA; GOMES; QUEIROZ, 2011). Tais reflorestamentos,
contendo espécies nativas da região onde são efetivados, auxiliam na conservação
dos recursos naturais (SOUSA; SOBRINHO, 2016). Práticas de produção agropecuária
de viés conservacionista também auxiliam na proteção ambiental, sendo adotadas
principalmente por pequenos produtores rurais (ESTRADA, 2017). Nesse sentido, a
agroecologia e a produção orgânica de alimentos objetivam reduzir o uso de agrotó-
xicos, a degradação dos recursos hídricos e fomentar a produção de alimentos saudá-
veis (LOPES; LOPES, 2011; NODARI; GUERRA, 2015). Dentre os métodos aplicados na
produção de alimentos e de outros produtos, aliada à conservação ambiental, estão
os Sistemas Agroflorestais, em que essências florestais são cultivadas em conjunto
com plantas agrícolas, podendo ainda incluir a criação de animais (CASTRO et al.,
2009).
A Associação Civil Vale Verdejante vem realizando reflorestamentos ecológicos
e a implantação de um sistema agroflorestal agroecológico no Parque Ecológico Mau-
ro Romano, no município de Vassouras-RJ (DETERMINAÇÃO VERDE, 2019). Apesar de
não se tratar de uma Unidade de Conservação da Natureza, na data da execução do
presente estudo, a área é voltada à conservação e preservação ambiental. Além da re-
alização dos reflorestamentos, o espaço é utilizado para a realização de atividades de
educação ambiental (DETERMINAÇÃO VERDE, 2019), que é uma prática essencial para
reverter o quadro atual de degradação ambiental, pois através da sensibilização para
a problemática ambiental é possível obter mudanças de comportamento (MEDINA,
2017). Em consonância com as atividades de conservação desenvolvidas no Parque, a
educação ambiental pode gerar a ampliação da participação dos diversos grupos so-
ciais em ações em prol da conservação do meio ambiente (SANTOS; FLORES; ZANIN,
2012). O aumento do conhecimento sobre o meio ambiente, a mudança de valores e
a sensibilização sobre os problemas ambientais são proporcionadas pela educação
ambiental e constituem condições para que os cidadãos adquiram comportamentos
e assumam atitudes que evitem a degradação ambiental (SANTOS; FLORES; ZANIN,
2012).

51
Algumas das atividades de educação ambiental realizadas no Parque ocorrem
em trilhas ecológicas, que são caminhos onde a interpretação das características lo-
cais é utilizada como instrumento pedagógico e de sensibilização para as questões
ambientais (AMARAL; MUNHOZ, 2007). Nesse sentido, é interessante criar um roteiro
de temas a serem abordados nessas atividades. Assim, o objetivo desse trabalho foi
apontar temas que podem ser discutidos com os participantes das atividades de edu-
cação ambiental nas trilhas do Parque Ecológico Mauro Romano da Associação Civil
Vale Verdejante.

MÉTODO

Parque Ecológico Mauro Romano

O Parque Ecológico Mauro Romano (22°15’53.35”S, 43°22’16.85”O), administra-


do pela Associação Civil Vale Verdejante, está localizado em Andrade Costa, distrito do
Município de Vassouras, Estado do Rio de Janeiro. Apesar da denominação escolhida
pelos seus gestores apresentar a palavra Parque, na data de coleta de informações
para o presente estudo, não se tratava de uma Unidade de Conservação da Natureza,
como preconizado pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza,
Lei Nº 9.985 de 2000. Apresenta 30.000 m², com a sede alocada em uma área plana de
fácil acesso, mas a área também apresenta uma elevação de moderada declividade. A
vegetação natural é a Floresta Estacional Semidecidual, mas que foi expressivamente
reduzida na área do Parque, sendo realizados reflorestamentos em diferentes anos
– 2008, 2010 e 2012 (ARAGÃO, 2016). Foram utilizadas 38 espécies arbóreas nesses re-
florestamentos, com área total de 5323 m2 (ARAGÃO, 2016) e pretende-se que novos
plantios sejam efetuados. Além disso, apresenta um sistema agroflorestal implantado
a partir de 2016, que possui espécies agrícolas e florestais, sendo mantido com precei-
tos agroecológicos.
São realizadas atividades de educação ambiental no Parque inclusive visitas
guiadas pelas trilhas. Basicamente, existem duas trilhas, uma que perpassa os reflo-
restamentos e uma que inclui o sistema agroflorestal. Ambas apresentam trechos na
parte declivosa do terreno, dificultando o acesso de pessoas com deficiências moto-
ras.

Procedimentos para a indicação de temas para serem discutidos nas trilhas do


Parque

No ano de 2018 foram realizadas visitas ao Parque, percorrendo as suas trilhas e


observando as suas características. As visitas ocorreram no âmbito da disciplina Pes-
quisas em Ecologia, do curso de graduação em Gestão Ambiental, do Instituto Três
Rios, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Assim, houve a participa-
ção de discentes do curso de Gestão Ambiental e a atividade ocorreu pela cooperação
existente entre a Associação Civil Vale Verdejante e professores e alunos do Instituto
Três Rios da UFRRJ.

52
Foram propostos temas que possam ser abordados em pontos de interesse nas ativi-
dades de educação ambiental das trilhas. Essas etapas são necessárias, pois o suces-
so de atividades educativas em espaços não formais depende, dentre outros fatores,
do conhecimento prévio das características do local e do planejamento detalhado das
atividades que serão desenvolvidas (TERCI; ROSSI, 2015).
Além das informações que podem ser apresentadas e discutidas com os gru-
pos de visitantes, também foram propostas dinâmicas de grupo, para ilustrar as infor-
mações apresentadas ou que possibilitem estimular as discussões sobre as questões
ambientais. Visto que nas atividades de educação ambiental, além da transferência
de conhecimentos, é importante proporcionar experiências que possibilitem a per-
cepção da conexão entre os indivíduos e a natureza e a assimilação do conhecimento
(TOMAZELLO; FERREIRA, 2001).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram observadas nas duas trilhas estudadas, aqui denominadas “Trilha do
Reflorestamento” e “Trilha Agroflorestal”, diversas características interessantes para
serem utilizadas na disseminação de informações e gerar discussões sobre temas
ambientais, incluindo a diversidade de espécies e a importância da sua proteção, a
conservação de recursos naturais e as práticas agroecológicas.
Em ambas as trilhas, sugere-se alocar placas indicativas com a identificação
das espécies dos indivíduos arbóreos próximos das trilhas. Tal ação permite que
os visitantes possam conhecer as espécies na ausência de guias e tornar a trilha
autoguiada. Além disso, é interessante alocar placas em pontos da trilha com ca-
racterísticas relevantes. Tais placas podem conter informações consideradas rele-
vantes ambientalmente e que possam ser observadas na localidade. A prática de
instalar placas ou painéis contendo informações é bastante utilizada em trilhas in-
terpretativas (AMARAL; MUNHOZ, 2007; GARCIA; NEIMAN; PRADO, 2011), sendo úteis
para atingir o objetivo da interpretação ambiental (MOREIRA, 2011). Ressalta-se a
necessidade de evitar a utilização excessiva de jargões técnicos nas placas e nas dis-
cussões sobre as questões ambientais. Pois o uso descuidado de expressões pou-
co conhecidas pelas pessoas sem formação na área das ciências ambientais pode
dificultar a transferência de conhecimento. De acordo com Moreira (2011, p. 79), a
Interpretação Ambiental:

[...] facilita o conhecimento e a apreciação da natureza, pois é uma tra-


dução da linguagem dessa para a linguagem comum das pessoas. Ou seja, ela
traduz a linguagem técnica para os termos e ideias do público em geral, que
não são científicos. Por ser educativa, deve traduzir de maneira atrativa e com-
preensível os significados do patrimônio natural de uma área, assim, é a sua
abordagem que a diferencia de outras formas de transferência de informação.

53
Embora seja interessante evitar a utilização excessiva de jargão técnico du-
rante as atividades de educação ambiental nas trilhas, por dificultar o entendimento
dos participantes das atividades, a utilização de alguns termos seguida de explica-
ções e da continuidade do seu uso ao longo da atividade pode proporcionar o seu
aprendizado, além de gerar a adoção dos termos pelos participantes das atividades
(RABELO; ARAÚJO; CARVALHO, 2019).
Na Trilha do Reflorestamento, em seu início, pode-se explorar a influência das
florestas sobre o clima (Tabela 1). Em função da retenção de umidade e do sombre-
amento, as florestas mantêm o clima mais estável e ameno (LIMA, 2008). Como dinâ-
mica para exemplificar essa ação das florestas, foi proposto medir a temperatura do
ar, com auxílio de um termômetro, em local aberto antes de adentrar a floresta e ob-
ter novamente a temperatura após adentrar a floresta, para demonstrar a mudança
de temperatura. O efeito da vegetação sobre o clima é bastante conhecido, porém
a importância das trilhas interpretativas na educação ambiental inclui a capacida-
de de exemplificar questões teóricas em atividades práticas, com o uso dos fatores
ambientais (SANTOS; FLORES; ZANIN, 2012). Além disso, pode-se discutir as causas
do desmatamento na atualidade, muitas vezes associadas a questões econômicas,
e as consequências da redução da cobertura florestal sobre a qualidade de vida da
população, como em relação às mudanças no clima.

PONTO DE
TEMAS DINÂMICAS
INTERESSE
Entrada da
Demonstrar a mudança de tempera-
floresta/ início da Clima
Tabela 1. Pontos de tura ao adentrar a floresta
trilha
interesse, temas e
dinâmicas propos- Demonstrar diferenças no escoa-
tas na Trilha do Entrada da mento superficial em função da
Proteção do solo exer-
Reflorestamento no floresta/ início da cobertura do solo pela vegetação e
Parque Ecológico cida pela vegetação
trilha efeitos sobre o solo, com a experiên-
Mauro Romano, cia com auxílio de uma Garrafa PET
Vassouras, Estado
do Rio de Janeiro.
Após adentrar a Biodiversidade – Realizar perguntas sobre a biodi-
floresta importância versidade e a sua importância

Próximo a
Explicar a importância dessas espé-
espécies
cies e o motivo de estarem ameaça-
ameaçadas de Extinção de espécies
das de extinção e esclarecer sobre
extinção e/ou
o que são espécies endêmicas
endêmicas

Próximo a
Explicar o motivo de serem ameaças à
espécies exóticas Espécies exóticas
biodiversidade nativa
invasoras

54
Próximo a
espécies de Explicar a diferença na morfologia
Diversidade da
árvores com das plantas e os possíveis motivos
vegetação
características dessas diferenças
peculiares

Próximo a árvores
Árvores com impor- Perguntar ao grupo de visitantes se
com frutos
tância comercial e/ou conhecem as plantas e a sua utili-
comestíveis e/
características interes- zação. Comentar sobre as espécies,
ou de interesse
santes colher frutos e degustar
comercial

Próximo de árvo-
Comentar sobre as espécies e a sua
res utilizadas em Árvores com importân-
utilização em projetos paisagísticos
projetos paisagís- cia paisagística
e na arborização urbana
ticos

Comentar sobre a produção de mel,


enfatizando a produção por espé-
cies nativas e destacar a importân-
Próximo ao Produção de mel e cia das abelhas e as suas ameaças.
meliponário polinização Comentar sobre os polinizadores e
dispersores de sementes. Indagar
sobre como seria o mundo sem as
abelhas

Local com
Destacar a importância para a prote-
expressiva Importância ecológica
ção de recursos edáficos e hídricos,
quantidade de da serapilheira
além da biodiversidade associada
serapilheira

Comentar sobre o corredor ecoló-


Próximo ao
gico, focando nos seus objetivos e
corredor Fragmentação florestal
importância para a proteção da bio-
ecológico
diversidade

55
Ainda no início da Trilha do Reflorestamento, pode-se abordar as diferenças
no escoamento superficial e na infiltração da água em ambientes florestados e des-
matados. Deve-se enfatizar como as florestas auxiliam a reabastecer o lençol freático
e evitar a erosão do solo, auxiliando na perenidade dos rios e na melhor qualida-
de da água (BALBINOT et al., 2008). Também, pode-se mencionar que as florestas
auxiliam na proteção do solo, evitando a perda de solo e a consequente redução
da sua profundidade, além de proporcionar a manutenção da sua qualidade (BRA-
GA, 2005). Como dinâmica, garrafas PET cortadas ao meio, no sentido do seu maior
comprimento, podem ser utilizadas para simular o escoamento da água da chuva
em solo coberto por vegetação, coberto por serapilheira e em solo sem cobertu-
ra. Em uma das garrafas coloca-se apenas o solo, em outra sobre o solo é alocada
serapilheira e, em uma terceira garrafa, aloca-se grama representando a cobertu-
ra vegetal (PROGRAMA SOLO NA ESCOLA, 2011). O guia da trilha, com o auxílio de
um visitante, irá despejar igual quantidade de água nas três garrafas. Após todos os
participantes da atividade observarem o resultado do experimento, deve-se discutir
com o grupo as questões ambientais relacionadas à proteção do solo realizada pela
serapilheira e pela vegetação.
A importância das florestas para a conservação e preservação das espécies
nativas pode ser abordada na trilha. É importante mencionar que as florestas man-
têm maior biodiversidade (número de espécies) que áreas cultivadas, pastagens e
áreas urbanas e que essa biodiversidade é útil para os seres humanos (GOMES et al.,
2013; ALMEIDA; VARGAS, 2017). Durante as visitas guiadas, elementos da biodiversi-
dade, como insetos e pássaros, podem estar presentes nas proximidades das trilhas
e gerar indagações por parte dos participantes. Nesses casos, o guia deve conduzir a
discussão de forma transversal aos temas centrais apontados no presente trabalho,
de modo a ampliar a discussão acerca das questões ambientais, auxiliando na dis-
cussão, aprendizado e sensibilização dos participantes (RABELO; ARAÚJO; CARVA-
LHO, 2019). Na dinâmica proposta, o guia pergunta para o grupo de visitantes quais
são os benefícios que a humanidade obtém a partir da biodiversidade. Durante a
discussão, o guia pode citar, como benefícios da diversidade biológica, a obtenção
de alimentos, a polinização, o controle de pragas, a fixação biológica de nitrogênio,
a recreação em meio a natureza e a proteção da água e do solo (ALHO, 2012; ALMEI-
DA; VARGAS, 2017). O guia pode ainda mencionar as ações antrópicas que põem em
risco a diversidade biológica, incluindo grandes empreendimentos agropecuários
que estão ligados a mudanças de uso do solo, com as florestas nativas dando lugar
a pastagens e monoculturas, e empreendimentos que provocam poluição ambien-
tal. Além de abordar as consequências negativas da perda de biodiversidade para a
população e as ações que podem reverter esse quadro atual de elevada extinção de
espécies.
Ao longo da trilha, espécies de árvores próximas a trilha foram escolhidas
para serem destacadas e utilizadas para discutir temas importantes. Entre elas estão
as espécies endêmicas ou ameaçadas de extinção, as espécies exóticas, e as que
possuem características morfológicas interessantes (acúleos, bifurcações, cascas di-
ferenciadas, beleza cênica e que são utilizadas pelo ser humano). Nesse seguimen-
to, propõe-se uma dinâmica de discussões com as espécies ameaçadas de extinção
existentes próximo da trilha, utilizando o palmito-juçara (Euterpe edulis Mart.)
56
como exemplo, explicando que o principal motivo de estar ameaçada de extinção é
ser visada para a obtenção de palmito.
Acerca das espécies exóticas invasoras, o guia pode mencionar que geral-
mente não possuem inimigos naturais nos locais onde foram introduzidas e se re-
produzem rapidamente aumentando sua densidade populacional e suprimindo as
espécies nativas, podendo levar essas espécies a extinção. No caso da trilha estuda-
da, pode-se utilizar o exemplo da jaqueira (Artocarpus heterophyllus Lam.), mencio-
nando que não é nativa do local, sendo originária do sudeste asiático, possivelmen-
te da Índia (CHAVES et al., 1967; FERRÃO, 1993).
No que se refere às espécies com características interessantes, recomenda-se
utilizar os acúleos na paineira (Chorisia speciosa A. St.-Hil.), e informar como podem
ser úteis para as plantas na defesa contra herbívoros e também destacar a rugosi-
dade da casca do pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha (Mart. J. F. Macbr.). Também
pode-se mencionar a grande diversidade morfológica das espécies arbóreas e tratar
das variações na arquitetura das copas. O urucum (Bixa orellana L.) pode ser utiliza-
do para enfatizar as características morfológicas dos frutos e apontar que é utilizado
na cozinha e também para a produção de tinta vermelha, mencionando ainda o seu
uso por tribos indígenas. Como dinâmica, sugere-se perguntar ao grupo de visitan-
tes se conhecem o urucum e a sua utilização. Posteriormente pode-se solicitar que
voluntários colham as sementes e observem o seu potencial na produção de tintas.
As espécies com valor econômico podem ser indicadas ao longo da trilha,
incluindo as espécies úteis como fonte de alimento, sendo as seguintes espécies
exemplos existentes no reflorestamento em questão: Eugenia brasiliensis Lam.
(grumixama), A. heterophyllus (jaqueira), Eugenia uniflora L. (pitangueira), Maclura
tinctoria L. (amora) e E. edulis (palmito-juçara). Como proposta de dinâmica, é in-
dicado que o grupo possa colher e degustar alguns dos seus frutos. É importante
mencionar que a floresta, além de ser fonte de alimento, também é fonte de diversas
matérias-primas para a preparação de medicamentos e cosméticos, além de diver-
sos outros produtos biotecnológicos. Destaca-se a utilidade como fonte de madeira,
que é utilizada na construção civil e na fabricação de móveis, ferramentas em geral e
papel. O Ipê-amarelo (Tabebuia chrysotricha Mart.) pode ser indicado como uma es-
pécie com importância paisagística, assim o guia irá mencionar a sua beleza quan-
do em floração, informando também que muitas espécies nativas são utilizadas em
projetos paisagísticos. Essas discussões acerca das espécies florestais são úteis para
enfatizar que as florestas, além de apresentarem importância ecológica, também
possuem clara importância econômica, o que pode facilitar a conscientização e a
sensibilização dos indivíduos em relação à necessidade da sua conservação. Pode-
-se destacar que a redução da cobertura florestal nativa pode ser considerada um
desperdício de oportunidades de geração de produtos biotecnológicos, incluindo
novas biotecnologias, que poderiam proporcionar empregos, renda e melhorar a
qualidade de vida dos cidadãos. Então, o guia pode sugerir novamente uma discus-
são acerca dos interesses econômicos que provocam o desmatamento, agora com
foco em entender quais grupos sociais são os mais prejudicados pela supressão da
vegetação nativa, principalmente pensando-se a longo prazo.

57
No ponto próximo ao meliponário, é interessante que o guia explique sobre
as colmeias de abelhas enfatizando a produção de mel, principalmente a produção
por espécies de abelhas nativas do Brasil. Deve-se indicar a importância desses in-
setos como polinizadores e mencionar que as atividades antrópicas estão reduzin-
do grandemente as populações de abelhas, pondo em risco o equilíbrio dos ecos-
sistemas naturais e também a produção agrícola. Pode-se mencionar quais são os
polinizadores e dispersores de semente das espécies arbóreas próximas do local.
A dinâmica indicada é uma pergunta que pode ser feita pelo guia, indagando aos
participantes como seria o mundo sem as abelhas. O guia pode, então, mediar a
discussão que surgirá a partir dessa indagação.
Nos locais com bastante serapilheira, deve-se indicar que esse componente é
o habitat de inúmeras espécies, principalmente de invertebrados. Posteriormente, o
guia irá comentar sobre a importância ecológica da serapilheira e dessas espécies,
incluindo os seus efeitos sobre as características do solo, destacando a ciclagem de
nutrientes, a quantidade de matéria orgânica e a porosidade do solo, com conse-
quentes efeitos sobre o ciclo hidrológico.
O último ponto de interesse observado na Trilha do Reflorestamento é o cor-
redor ecológico, existente entre a floresta do Parque e um fragmento florestal pró-
ximo. Indica-se que seja abordado com o grupo de visitantes que essas faixas de
vegetação facilitam o trânsito de animais entre remanescentes florestais (ALMEIDA;
GOMES; QUEIROZ, 2011). Esse trânsito permite o aumento do fluxo gênico, reduzin-
do a perda de diversidade genética e a recolonização de áreas (ALMEIDA; VARGAS,
2017).
Já na Trilha Agroflorestal, pode-se explicar o que é o sistema agroflorestal,
enfatizando que é diferente das monoculturas por possuir uma ampla variedade de
espécies cultivadas. O guia irá indicar que nos sistemas agroflorestais busca-se apro-
veitar as interações entre as espécies cultivadas como, por exemplo, o café som-
breado com espécies arbóreas, incluindo leguminosas que formam associação com
bactérias fixadoras de nitrogênio, obtendo assim grãos de café de maior qualidade e
valor econômico e reduzindo a necessidade da adubação com nitrogênio (Tabela 2).

Tabela 2. Pontos de PONTO DE


TEMAS DINÂMICAS
interesse, temas e INTERESSE
dinâmicas propos-
tas na trilha do sis- Conceito e importância do Sistema
Início da Trilha Sistema Agroflorestal
tema agroflorestal Agroflorestal
no Parque Ecológico
Mauro Romano,
Vassouras, Estado
do Rio de Janeiro. Conceito e importância da Agroeco-
Início da Trilha Agroecologia
logia

58
Próximo às
Comentar sobre a interação entre
plantas de café Interações Ecológicas
as plantas de café e as árvores
sombreado

Próximo a outras Importância ecológi- Mencionar a sua utilidade e se é


plantas de ca e econômica das processada para agregar valor aos
interesse plantas produtos

Importância da compostagem. Per-


Procedimentos para a
Composteira guntas sobre materiais para a compos-
compostagem
tagem. Realizar a adubação.

Próximo a plantas
Plantas alimentícias Apresentar o conceito de PANCs
alimentícias não
não convencionais e indicar espécies consideradas
convencionais
(PANCs) como PANCs. Degustação.
(PANCs)

Degustação dos processados e


Próximo à sede
de alimentos in natura. Perguntas
do Parque Processamento dos
sobre produtos agroecológicos e as
Ecológico Mauro produtos
possíveis diferenças em relação aos
Romano
produtos da agricultura convencional

Ainda no início da trilha, pode-se explicar o manejo agroecológico, en-


fatizando que evita o uso de agrotóxicos. Mencionar a sua maior biodiversida-
de em relação as monoculturas e os benefícios advindo dessa característica,
como a presença de mais polinizadores e predadores de pragas. O guia tam-
bém poderá indicar os malefícios das monoculturas e do uso de pesticidas quí-
micos sintéticos, muitas vezes fornecidos por grandes empresas, enfatizando
os problemas para a saúde humana. Durante toda a trilha o guia pode indicar
as espécies cultivadas e explicar a sua utilidade. Como proposta de dinâmi-
ca para cativar o público, indica-se que sejam elaboradas perguntas sobre as
informações expostas pelo guia e oferecer prêmios como recompensa, como
mudas de hortaliças e frutos.
No trecho da trilha onde se encontra a composteira é possível exemplifi-
car como é realizada a compostagem e mencionar a sua utilidade. O guia irá re-
alizar perguntas sobre o que pode ser utilizado para a compostagem, mostrar o
material em diferentes fases do processo de compostagem e oferecer aos visi-
tantes a oportunidade de adubarem plantas com o material da compostagem.
59
Durante a Trilha Agroflorestal, o guia deve mencionar que nos sistemas
agroflorestais agroecológicos obtém-se alimentos mais saudáveis e que são
cultivos menos dependentes de insumos externos, ou seja, mais sustentá-
veis. Devido as diferentes épocas de colheita e a grande variedade de espé-
cies cultivadas, o produtor consegue obter renda com seus plantios em vá-
rias épocas ao longo do ano.
No ponto da trilha que apresenta o cultivo de PANCs (plantas alimen-
tícias não convencionais) o guia pode explicar o conceito de PANCs e dar
exemplos de espécies e da sua utilização na culinária. Como dinâmica é pro-
posta a degustação dessas PANCs. Pode-se abordar que várias plantas po-
dem ser processadas, agregando-se valor ao produto. Além disso, várias par-
tes de plantas cultivadas podem ser aproveitadas, como as folhas, o caule, as
cascas e as raízes. A dinâmica recomendada é mostrar os produtos criados
no Parque a partir das espécies cultivadas, podendo ocorrer a degustação, e
discutir as possíveis diferenças entre os produtos in natura que tenham sidos
cultivados no Parque, via métodos agroecológicos, e os cultivados via méto-
dos convencionais.
Cabe ressaltar que durante as atividades educativas realizadas nas
trilhas é interessante fomentar o contato com a natureza, o descanso opor-
tunizado e o usufruto do espaço, pois auxiliam na formação da consciência
ambiental (SIQUEIRA, 2004). Além disso, é útil obter a apreciação das pessoas
que participaram das atividades propostas para verificar a sua eficiência e
buscar o contínuo aprimoramento das atividades.

CONCLUSÕES

As atividades de educação ambiental propostas para o Parque nesse


trabalho, com ênfase na consolidação de roteiros para a prática das trilhas in-
terpretativas, são importantes para sensibilizar a população acerca da neces-
sidade da proteção do meio ambiente. Foram identificados vários pontos de
interesse nas trilhas do Parque que ainda não são explorados e que podem
ser úteis na disseminação de conhecimentos sobre a natureza. A utilização
de dinâmicas de grupo, desenvolvidas de maneira coerente e planejada, é
eficiente para a transferência de conhecimento, conscientização e sensibi-
lização ambiental e, assim, formar cidadãos propensos a contribuir para a
conservação ambiental. Dessa forma, as dinâmicas propostas no presente
trabalho poderão ser aproveitadas para assimilação das informações disse-
minadas durante as atividades no Parque e para proporcionar que os partici-
pantes das atividades apresentem mudanças de comportamento, adotando
práticas cotidianas ambientalmente corretas.

60
REFERÊNCIAS

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Associação Civil Vale Verdejante.

62
Noivinha-branca , Constantino Buteri.

63
Acolhe(dor): Relato de Experiência de Grupo de Apoio
On-line a Enlutados pela Covid-19
Reception: Covid-19 On-line Support Group Experience Report for the Bereaved

Resumo Luciana Bicalho Reis


Relata a experiência de extensão de Grupos de Apoio on-line a en- Ana Luiza Magalhães Gonçalves
lutados pela Covid-19. Foram realizados dez encontros semanais, Karina da Silva Cajaiba
com oito participantes. De abordagem breve e focal, objetivou Maiara da Silva
Aline Rocha de Morais Fiorese
apoiar enlutados na resolução de conflitos de separação e facili-
Carla Brunetti Lambert
tar a adaptação ao luto. As atividades foram pensadas a partir das Rafaela Augusta Magalhães
demandas do grupo e suas características. Com base nos relatos Oziel
dos participantes, percebeu-se que o grupo de apoio se consti-
tuiu espaço importante de expressão e validação das emoções e luciana.b.reis@ufes.br
sentimentos que compõem a experiência do luto, com possibili-
dade de aprendizagem sobre o luto e a construção de redes de Universidade Federal do
Espírito Santo
apoio social e emocional. Na pandemia, avolumam-se fatores de
risco para vivências mais difíceis do luto, como perdas múltiplas,
falta de suporte social e ausência de rituais tradicionais de despe-
dida. Propostas como a do Acolhe(dor) podem diminuir os riscos
para o luto complicado e produzir efeitos positivos sobre a saúde
mental dos enlutados.

Palavras-chave: luto; grupos de apoio; intervenção psicossocial;


covid-19.

64
Abstract
Reports the experience of Covid-19 bereaved online Support
Groups. 10 weekly meetings were held, with 8 participants.
With a brief and focal approach, it aimed to help the bereaved
to resolve separation conflicts and facilitate the adaptation to
grief. The activities were designed based on the demands of the
group and its characteristics. From the participants’ reports, it
was noticed that the support group constituted an important
space for the expression and validation of the emotions and fe-
elings that make up the experience of grief, with the possibility
of learning about grief and the construction of social support
networks and emotional. In the pandemic, risk factors increase
for more difficult experiences of mourning, such as multiple los-
ses, lack of social support and absence of traditional farewell
rituals. Proposals such as Acolhe(dor) can reduce the risks for
complicated grief and produce positive effects on the mental
health of the bereaved.

Keywords: bereavement; self-help groups; psychosocial inter-


vention; covid-19.

65
INTRODUÇÃO

A pandemia da Covid-19, reconhecida em 11 de março de 2020 pela Organi-


zação Mundial da Saúde (OMS), inaugurou mudanças de amplitudes globais para a
humanidade. Além da exigência de distanciamento social e de seus desdobramen-
tos nos âmbitos econômicos, emocionais e sociais, colocou a humanidade diante do
avassalador número de mortes, ampliando nossa consciência frente à finitude.
Com mais de 5 milhões de mortes ao redor do globo até o fim de julho de 2021,
instaura-se o luto coletivo, que diz da experiência de variados lutos de forma conco-
mitante, intensa e abrupta em determinada população (BOLASÉLL et al., 2020; DAN-
TAS et al., 2020), o que contribui com o agravamento da vivência do luto vinculado à
experiência da morte. A frustração de expectativas e planos, o desmantelamento do
mundo presumido (PARKES, 1998), o abalo de crenças centrais, a perda de sentidos
e significados, as alterações drásticas na rotina, o afastamento/rompimento de víncu-
los, a limitação da autonomia e da liberdade, a restrição das atividades de lazer e do
convívio social, a sensação de descontrole e impotência (DANTAS et al., 2020; FOGAÇA,
P. C.; AROSSI, G. A.; HIRDES, 2020) constituem traços desta complexa e heterogênea ex-
periência de luto que atingiu a todos, ainda que em maior ou menor grau (BOLASÉLL
et al., 2020).
Outro agravante relacionado com o quadro de luto em larga escala, refere-se à
forma como o isolamento influi diretamente nos processos de terminalidade, uma vez
que se tornaram inviáveis os rituais de despedida tradicionais e o acompanhamento
das pessoas adoecidas durante sua hospitalização e no fim da vida, dificultando tanto
a vivência e enfrentamento da experiência de luto dos sobreviventes quanto os pro-
cessos de morte dos infectados (BRASIL, 2020; FIOCRUZ, 2020; CREPALDI et al., 2020;
DANZMANN; SILVA; GUAZINA, 2021).
O luto resulta do rompimento de vínculos afetivos significativos, sendo consi-
derado um processo de aprendizagem e transição psicossocial (PARKES, 1998, FRAN-
CO, 2010; 2020). Para Worden (2013), o luto compreende uma variedade de respostas
que se dividem em 4 categorias, a saber: sentimentos - como tristeza, raiva, culpa, an-
siedade, saudade, solidão; sensações físicas - tais como aperto no peito e na garganta,
falta de ar e fraqueza muscular; alterações comportamentais - como busca pelo fale-
cido, choro, isolamento social, agitação; e cognições - por exemplo, confusão mental,
pensamentos intrusivos, sensação de presença do falecido, entre outros.
O luto requer empenho e implicação do enlutado (WORDEN, 2013). Essa com-
preensão do luto como um processo a ser enfrentado ativamente pelo enlutado pode
balizar a intervenção psicológica. Segundo Worden (2013), o trabalho do luto consiste
basicamente na resolução de quatro tarefas. A Tarefa I do luto consiste na aceitação
da realidade da perda e de suas implicações, reconhecendo a sua irreversibilidade, ou
seja, aceitar a morte da pessoa como um fato. Na Tarefa II, tem-se a necessidade de
processar a dor do luto e vivenciá-la, o que se opõe a um estado de entorpecimento,
indiferença, racionalidade fria e sem afetação. Depois, como tarefa III, está o ajusta-
mento a um mundo sem a pessoa morta, o que engloba ajustes externos referentes
aos papéis sociais e mudanças contextuais, de rotina e cotidiano; os ajustes internos
que demandam uma reestruturação do próprio self, a atualização do autoconceito,
autoestima e senso de eficácia com uma reconstrução identitária; e, por fim, os ajus-
66
tes espirituais que dizem do modo como a ausência da pessoa falecida influi na con-
cepção de mundo da pessoa enlutada, de seus valores fundamentais, suas crenças
estruturantes e compreensão global da organização do mundo e da vida. A Tarefa IV
evoca a necessidade de encontrar conexão duradoura com a pessoa morta em meio
ao início de uma nova vida. Ou seja, desenvolver uma nova configuração de vínculo,
um laço continuado não mais dependente e sustentado pela presença física, mas por
outras forças, realidades e mecanismos (WORDEN, 2013). Essas tarefas não se mos-
tram lineares, podendo se sobrepor ou serem retomadas durante o processo de luto.
Na perspectiva do mesmo autor, o desinvestimento, a alienação ou a negligência a
uma dessas tarefas pode avolumar-se e impor-se ao sujeito como um nó a ser des-
feito, podendo incorrer em uma condição de luto complicado, quando as exigências
do processo de luto perduram por tempo e com intensidade suficiente para compro-
meter a funcionalidade e saúde mental do enlutado (FRANCO, 2010; WORDEN, 2013).
Segundo Santos (2017), estudos epidemiológicos indicam que, para a maior
parte da população, o luto acontece satisfatoriamente na presença de suporte social
eficiente e de estratégias de enfrentamento do próprio sujeito enlutado. Entretanto,
algumas situações podem tornar as tarefas do luto mais difíceis exigindo intervenção
profissional. Entre os mediadores da experiência do luto, podemos citar aqueles liga-
dos à própria condição da morte, como ser repentina, perdas múltiplas, ou violenta;
aqueles ligados ao próprio sujeito que morreu, como quem ele era, o vínculo do en-
lutado com ele; aqueles ligados ao enlutado, como história prévia de sofrimento psí-
quico, estratégias de enfrentamento ao estresse menos adaptativas, falta de suporte
social adequado, entre outros (PARKERS, 1998; SANTOS, 2017; WORDEN, 2013). Nestes
casos, pode ser necessário suporte profissional ao enlutado para facilitar o enfrenta-
mento e a adaptação adequada à realidade advinda da perda.
Como discutido, o contexto da pandemia trouxe consigo diferentes fatores de
risco para o luto. Assim, com base nesta realidade, foram ofertados Grupos de Apoio
ao Luto no âmbito do Projeto de Extensão AcolheDor, vinculado ao curso de psicolo-
gia da Universidade Federal do Espírito Santo. Este artigo tem o objetivo de relatar a
experiência de um dos grupos de apoio a pessoas enlutadas mediado por estagiárias
do curso sob supervisão docente.

MÉTODO

Oito pessoas participaram do grupo. O critério de inclusão foi: I - ter perdido al-
guém pela Covid-19; e II - dispor de condições tecnológicas para participar dos encon-
tros (computador ou dispositivo móvel com antivírus). Pessoas com risco iminente de
suicídio e com transtornos mentais graves não foram admitidas, dado o formato on-line,
sendo acolhidas individualmente e encaminhadas a serviços de saúde locais.
Procedeu-se ao atendimento psicológico em grupos e on-line, atendendo às
orientações de distanciamento social vigentes. Os interessados em participar estabe-
leceram contato com o projeto e preencheram o Formulário de Inscrição para Atendi-
mento no Acolhedor (Instrumento 1), criado na plataforma Google docs para a obtenção
de dados pessoais e sociodemográficos, além de informações relacionadas ao próprio
processo de luto (quem perdeu, há quanto tempo, como o luto tem impactado a vida
da pessoa) e à saúde mental do inscrito, permitindo os critérios de inclusão e exclusão.
67
Ao fim da intervenção, os participantes responderam ao Formulário de Avaliação da
participação (Instrumento 2), desenvolvido também na plataforma Google docs, no
sentido de relatar os efeitos da participação no projeto.
Os grupos, em um total de dez encontros, tiveram frequência semanal, com
cerca de 1h e 30 minutos de duração e aconteceram entre maio e julho de 2021. As
atividades desenvolvidas foram planejadas e discutidas com a professora orienta-
dora, e norteadas pelo modelo de luto apresentado em Aconselhamento do Luto
e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental (WORDEN, 2013).
Assim, a proposta estruturou-se como uma intervenção breve e focada, cujo objeti-
vo foi apoiar o enlutado a resolver os conflitos de separação e facilitar a adaptação
ao luto. As atividades foram pensadas considerando-se as demandas evidenciadas
pelo grupo e suas características. A Tabela 1 destaca os objetivos, bem como os pro-
cedimentos realizados.

Tabela 1: Apresenta-
OBJETIVOS PROCEDIMENTOS ção dos objetivos e
dos procedimentos
Apresentação dos participantes, relatos Os participantes foram estimula- por Encontro (Enc.).
1 das perdas, estabelecimento de contra- dos a relatar como se sentiam no
to terapêutico. seu processo de luto.

Conhecer quem morreu e como era a


Apresentação de quem morreu
relação do enlutado com essas pesso-
2 por meio de um objeto pessoal
as. Favorecer a expressão de sentimen-
ou que fizesse lembrá-lo.
tos ligados ao morto.

Apresentação da imagem de
um guarda-chuva em um dia
Identificar, reconhecer e expressar emo-
chuvoso, em que cada gota de
3 ções e sentimentos referentes ao pro-
chuva deveria, à escolha dos
cesso de luto.
participantes, representar um
sentimento na vivência do luto.

Apresentação da mesma ima-


gem do guarda-chuva, porém
Identificar e nomear redes de apoio,
com foco nas hastes que o sus-
recursos psicológicos, e estratégias de
4 tentam, tomando-o como uma
enfrentamento dos participantes frente
metáfora que protege da tem-
ao processo de luto.
pestade de sentimentos e afetos
difíceis.

68
Apresentação do Modelo do Pro-
Compreender o processo de luto como cesso Dual do Luto descrito por
um movimento de investimentos tanto Stroebe e Schut (1999) a partir de
5
na dor como na vida numa perspectiva uma imagem dinâmica de um
da psicoeducação para o luto. pêndulo como metáfora entre dois
polos: da perda e da restauração.

Apresentação de um poema
que versa sobre saudade como
Compartilhar aspectos ligados à vivên-
disparador para a conversa. Os
6 cia da saudade que sentem dos familia-
participantes foram incentiva-
res falecidos.
dos a relatar o que sentiam a
partir da leitura do poema.

Compartilhamento de lembran-
Favorecer o contato com lembranças
ças significativas vividas com os
7 positivas presentes nas relações com
falecidos com foco em situações
os entes falecidos.
engraçadas, alegres, prazerosas.

Compartilhamento dos memoriais


Refletir sobre a possibilidade de constru- de despedida realizados pelos par-
8
ção de rituais de despedida alternativos. ticipantes, bem como dos afetos
relacionados a esse processo.

Compartilhamento do poema
Refletir sobre “quem eu me torno a “Tempo de travessia’’ que trata
partir do meu luto?”. Compartilhar as- do caminhar, de se estar aberto
9 pectos relativos à travessia de cada um para uma nova etapa da vida sem
pelo luto e os aprendizados advindos esquecer-se de tudo que viveu.
desse processo. Debate sobre os sentimentos e
ideias provocados pelo poema.
Apresentação de uma imagem
com o desenvolvimento de uma
borboleta desde o casulo como
metáfora para a experiência do
Encerrar as atividades grupais realizan-
luto como uma transformação.
do uma autoanálise em relação a como
Em seguida: apresentação das
estão em seu processo de luto, como se
10 questões: Quais as marcas que
percebem neste caminhar, bem como
meu ente querido deixou em mi-
o que ficou de seus falecidos familiares
nha vida? Quais as marcas que eu
em suas vidas.
deixei nele? Por fim, a composi-
ção de um poema coletivo sobre
a experiência de partilha no gru-
po de apoio ao luto e à vida.

69
Os grupos foram registrados em prontuário psicológico (Registro de sessão
grupal) e submetidos à Análise de Conteúdo do tipo de temática (BARDIN, 1977).
Vale ressaltar que os encontros não foram gravados (nem em áudio, nem em vídeo).
O que foi tomado como dados a serem exibidos e discutidos foram os Formulários
de Inscrição, os Formulários de Avaliação dos atendimentos do Acolhedor, assim
como os Registros de Sessão Grupal feitos imediatamente após cada encontro.
Para a apresentação dos resultados, tomou-se o cuidado de omitir dados e
informações que pudessem identificar os participantes. Ademais, todos deram con-
sentimento verbal (gravado em vídeo) autorizando o uso dos dados, depois de en-
cerrada a intervenção, já que a autorização prévia não foi uma condicionante para
receber assistência psicológica no projeto, conforme orientações éticas (CONEP,
2018; Resolução n° 510/2016). Este relato de experiência foi aprovado pelo comitê
de ética em pesquisa com seres humanos (Parecer nº 5.103.900).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tratou-se de um grupo fechado composto por seis mulheres e dois homens,


com idades variando de 24 a 48 anos. Todos perderam familiares em decorrência da
Covid-19. Os dados de caracterização dos participantes, com nomes fictícios, são
salientados a seguir na seguinte ordem - Nome (Idade, Quem perdeu, há quanto
tempo): Jorge (48a, pai, entre 3 e 6 meses); Paula (43a, pai e 2 irmãos, menos de 3
meses); Fernando (44a, pai e avó, menos de entre 6 e 12 meses); Roberta (47a, ma-
rido, menos de 3 meses); Joana (42a, Marido entre 6 e 12 meses); Carla (40a, mãe
menos de 3 meses); Fátima (24a, mãe e 3 tios, menos de 3 meses); e Maria (37a, mãe
e tio, menos de 3 meses).
No primeiro encontro, foi estabelecido o contrato grupal, incluindo questões
como sigilo, que não seriam dados “conselhos”, nem pelos mediadores, nem pelos
participantes. Trabalhou-se com o grupo já neste momento que o luto é sempre um
processo singular (FRANCO, 2021) e que cada sujeito poderá expressá-lo de modo
distinto, sendo todas as expressões legítimas.
Neste encontro, favoreceu-se no grupo a compreensão daquele espaço como
sendo um lugar seguro de trocas e apoio social, de expressão e validação dos afe-
tos. Durante a pandemia, muitos enlutados sentiram-se sobrecarregados com sua
perda. Ora porque perderam mais de um membro da família, como quatro dos par-
ticipantes, ora porque o contexto de vida, dadas as circunstâncias da pandemia, não
foi capaz de fornecer apoio social suficiente. Sobre esta última condição, Wallace et
al. (2020) afirmam que quando o luto não é lamentado publicamente ou sanciona-
do socialmente pela comunidade, os indivíduos podem sentir que estão passando
por seu luto privados de direitos. Assim, grupos de apoio podem ser espaços im-
portantes para pessoas enlutadas ao se constituírem rede de apoio e validação de
sua experiência (PORTER; CLARIDGE, 2019), porque as “pessoas têm necessidade de
expressar seus sentimentos e pensamentos sobre a perda” (PARKES, 1998, p. 205).
Nesta direção, Tavares (2018, p. 233) afirma que a “criação de contextos que favore-
çam a expressão da dor tende a contribuir para o enfrentamento e a elaboração do
processo de luto, minimizando o isolamento social e afastamento profissional”.
70
Este encontro foi marcado por grande manifestação emocional. Alguns parti-
cipantes relataram não ter espaço para expressar seus afetos, a exemplo de Paula,
que afirmou precisar ser forte pela família e que “isso chega a ser sufocante”. A exi-
gência de que o enlutado suprima a manifestação dos afetos decorrentes da perda
pode sobrecarregá-lo (PARKES, 1998), levando à vivência de um luto complicado,
mais especificamente um luto adiado ou suprimido, quando não é possível entrar
em contato de modo suficiente com as emoções e afetos decorrentes da perda, e
nem receber apoio social adequado (SUNDE; SUNDE, 2020; WORDEN, 2013). Para
Tavares (2018):

Inibir a expressão de dor acaba por transformá-la em sofrimento, em estagnação


(…). A permissão para expressar sentimentos, falar sobre as mudanças que se
processam e fazer menção à pessoa que morreu não é algo que fixa a perda; ao
contrário, passa a ser reconfortante, favorece a compreensão e se mostra uma
postura cuidadosa e organizadora (p. 235).

Neste momento, os participantes compartilharam as emoções e afetos vividos


em função da perda: tristeza, negação, raiva, revolta e culpa compareceram como sen-
do relevantes, como identificado nos relatos: “Sinto que minha ficha não caiu… tive
uma perda atrás da outra… não vi meu irmão doente nem pude velá-lo” (Paula); “(...)
tristeza e revolta, queria ter vivido mais coisas com meu pai… sinto que não aproveitei o
tempo que tinha com ele” (Fernando).
Todos relataram, ainda, que a ausência dos rituais de despedida, como veló-
rios, cultos religiosos e sepultamentos tradicionais, foi dolorosa e que estava dificul-
tando o luto, algo identificado também em outros estudos (GIAMATTEY et al., 2022;
SUNDE; SUNDE, 2020; WALLACE et al., 2020). É sabido que os rituais tradicionais de se-
pultamento têm uma função importante para o enlutado por ativar a rede de apoio e
solidariedade (SHIMANE, 2018), bem como permitir a expressão e validação de afetos
decorrentes do rompimento do vínculo afetivo (WALTER; BAILEY, 2020). Neste sentido,
a ausência destes rituais pode se constituir fonte adicional de estresse ao enlutado
(SUNDE; SUNDE, 2020).
Na perspectiva de Worden (2013), o enlutado tem como primeira tarefa reco-
nhecer a perda e, por isso, o autor salienta a importância dos rituais de despedida,
já que eles auxiliam o enlutado a entrar em contato e validar a morte. Nessa mesma
direção, Dantas et al. (2020, p. 516) afirmam que os “(...) rituais funerários estão cen-
trados na presença e no simbolismo invocados pelo corpo, que pode ser tocado, la-
vado, vestido e contemplado uma última vez. Ver o corpo traz concretude à morte e
nos prova que enterramos a pessoa certa”. Isso pode ser especialmente importante
para algumas pessoas cuja condição da morte cria obstáculos a essa tarefa, a exemplo
da Covid-19, em que não foi possível permanecer com o doente no hospital acom-
panhando seu processo de agravamento e morte, favorecendo o luto antecipatório
(WALLACE et al., 2020), nem foram realizados cortejos fúnebres, velórios, enterro com
caixão aberto, entre outros. Deste modo, algumas pessoas podem apresentar dificul-
dade de reconhecer a morte, oscilando entre sua negação e aceitação nos primeiros
momentos, como pode ser observado no relato do participante: “Não acredito que o
papai morreu. Pra onde o senhor foi? Por que cê não volta?” (Jorge).
71
A carência desses rituais dificulta a resolução do luto e tende a fomentar a sen-
sação de negligência e de tratamento desumano, o que pode agravar ainda mais os
riscos à saúde mental dos enlutados (CREPALDI et al., 2020; SUNDE; SUNDE, 2020).
Frente à esta vivência, os participantes demonstraram sentimentos de revolta: “O pro-
blema é que essa doença te afasta das pessoas” (Jorge); “Minha revolta maior foi ele
não ter ido para o hospital por causa da Covid” (Joana); “Eles foram arrancados da gen-
te!” (Fátima). A perda pela Covid-19 caracteriza-se como repentina na medida em que
os enlutados não desfrutaram de um anúncio antecipatório da morte (WALLACE et
al., 2020), recurso importante para a elaboração da primeira tarefa do luto (WORDEN,
2013), e não tiveram a possibilidade de se despedir adequadamente do doente, o que
constitui fator de risco adicional para o luto complicado (NIELSEN et al., 2017).
Somado a isso, as perdas múltiplas durante a pandemia, vivenciadas também
por quatro participantes deste estudo, podem acarretar sobrecarga (WORDEN, 2013),
o que foi observado em Paula, que demonstrou nos primeiros encontros dificuldade
para entrar em contato com os afetos produzidos pelas perdas dos dois irmãos e do
pai, dizendo frases como: “(...) o mais importante é seguir em frente e ser forte a todo
custo, por você e pelo outro. Quando a tristeza vem, eu não permito que ela entre” (Pau-
la).
A partir das atividades desenvolvidas do primeiro ao terceiro encontro, foi pos-
sível acessar o modo como os participantes sentiam e falavam de suas perdas, como
também conceder a todos oportunidade de, pela narrativa do vivido, apropriar-se de
sua história e entrar em contato com seus afetos e emoções, refletindo sobre eles. Sen-
timentos como raiva e culpa compareceram no relato de alguns deles. Worden (2013)
destaca que, em casos de relacionamento ambivalentes, com a existência de conflitos
não resolvidos, sentimentos como os mencionados, devido à existência de questões
inacabadas, podem se apresentar, como observado no seguinte relato: “A verdade é que
meu pai era um pé no saco… Fiquei com muita raiva quando ele morreu, porque ele par-
tiu sem a gente resolver uma série de coisas” (Fernando). Segundo Stroebe et al. (2014), a
culpa é comumente encontrada na experiência do luto, podendo envolver a autoculpa
ou o arrependimento, marcado por sentimentos e pensamentos associados a negócios
inacabados com o falecido, como se observa no relato de Fernando.
A culpa manifestada pela maior parte do grupo, entretanto, relacionou-se à
impossibilidade de fazer algo para evitar a morte de seus familiares pela Covid-19. O
relato a seguir ilustra: “Por que meu marido teve que morrer?(...) E seu eu não tivesse
levado ele para o hospital, ele teria vivido? É muito ‘se’ na vida da gente… Como eu
queria voltar no tempo” (Joana). Outros participantes culpavam-se por não ter bus-
cado assistência hospitalar mais cedo, como no caso de Roberta e Fátima.
O sentimento de culpa foi para alguns dos participantes um precursor de pen-
samentos ruminativos. O estilo ruminativo consiste no apego a pensamentos crôni-
cos que envolvem emoções negativas (STROEBE et al., 2007) e a tentativa ineficaz
de compreender a perda pode estar ancorada neles (WALLACE et al., 2020). Para
Worden (2013), a manutenção deste estado pode representar o apego à dor como
representante do último laço do enlutado com o falecido. Isto foi observado em al-
guns participantes e aqui se destaca o caso de Joana: “Antes eu achava que se eu não
pensasse nele 24h por dia, eu tava traindo ele”. Ao longo dos encontros, a participan-
te consegue se reposicionar frente a isso, como se discutirá à frente.
72
Ao abordarmos os fatores de proteção presentes no processo de luto, no quarto
encontro, o suporte social foi apontado pelos participantes como sendo importante.
Foram mencionados a família, os amigos, a comunidade religiosa e o próprio grupo de
apoio do Projeto AcolheDor. O suporte social percebido é relevante ao longo do pro-
cesso de luto, na medida em que contribuiu para suavizar os efeitos adversos da perda
(PARKES, 1998). Contudo, ele tende a diminuir com o passar dos primeiros meses após
a morte, apesar do enlutado ainda demandar apoio (WORDEN, 2013), o que pode oca-
sionar a insatisfação com a rede de apoio, como relataram alguns dos participantes:
“A minha família é muito grande, mas poucos têm me dado apoio” (Paula); “Parece que
eu tô no deserto, é um sentimento horrível… desabafar é só com vocês” (Roberta); “Eu
esperava mais dos meus amigos. Às vezes eu me sinto só” (Maria). Encontramos entre os
participantes heterogeneidade quanto a maior ou menor coesão de sua rede de apoio
e o quanto se sentiam amparados por ela. Trabalhou-se com eles a importância dessa
rede no processo de enfrentamento do luto e a necessidade de se identificar pessoas
que possam ser apoiadoras neste momento.
No quinto encontro, em uma perspectiva do que propõe Worden (2013) de uma
psicoeducação para o luto, apresentou-se e discutiu-se com os participantes o Modelo
do Processo Dual do Luto descrito por Stroebe e Schut (1999). Conforme tais autores, o
processo de luto não acontece de maneira linear, mas, ao contrário disso, o enlutado
oscila entre as estratégias de enfrentamento orientadas para a perda, como lembrar-
-se e lamentar-se pela morte, vivência da dor da perda, ruminação, entre outras; e as
estratégias voltadas para a restauração, como assumir novos papéis sociais, voltar a
engajar-se em atividades prazerosas, estabelecer novos relacionamentos, entre ou-
tros.
Worden (2013) frisa que ajudar o sujeito enlutado a compreender o que se pas-
sa com ele, identificando manifestações comportamentais, emocionais, cognitivas e
físicas, possíveis e esperadas no luto, pode ter efeito significante sobre seu processo
de enfrentamento. Com isso, em todos os encontros havia a preocupação de que o
grupo fosse um espaço de acolhimento, de validação e compartilhamento dos afetos,
de ressignificação da perda, mas também de aprendizagem sobre o que é o luto. Em
alguns encontros, a exemplo do quinto, esse momento de psicoeducação foi o foco
central da intervenção, sem perder de vista os outros objetivos. Apresentar e discutir
com eles o Modelo do Processo Dual, indagando-lhes se aquilo fazia sentido em rela-
ção à própria vivência, permitiu que eles compreendessem que o processo de luto é
composto por investimentos simultâneos na dor e na vida, e não acontece com uma
linearidade que culmina no fim definitivo do luto.
Isso foi importante para que os participantes entrassem em contato com aspec-
tos difíceis negligenciados em seu luto, ou que permitissem vivenciar prazeres com
a retomada de atividades em suas vidas, sem que isso produzisse culpa, tal como se
significasse o esquecimento de quem morreu. Neste sentido, chamou-nos a atenção
Paula que, tendo perdido três familiares, desde o primeiro encontro falava de suas
perdas sem entrar em contato com seus afetos: “Não tenho espaço pra sentir… é uma
questão de sobrevivência…” ou ainda “Estou totalmente na restauração… não dá para
chorar”. Esta participante demonstrava não entrar em contato com as dores advindas
de suas perdas, exigindo de si mesma ser forte por todos de sua família.

73
Neste encontro, mostrou-se bastante sensibilizada, chorando muito ao perceber
como ela evitava lidar com sua dor e sofrimento. À medida que os encontros se
sucederam, ela começou a apresentar mudanças em seu discurso, reconhecendo
posteriormente a necessidade de dar lugar aos afetos e pensamentos difíceis: “Eu
tô naquele processo de me permitir sentir, como vocês sabem eu tava muito bloque-
ada… Agora qualquer coisinha eu choro”, e ainda “Hoje eu vou me permitir pensar
neles” (Paula).
Em contraponto ao que trouxe Paula, outros participantes relataram ter sido
essencial nesse encontro perceber que retomar as atividades da vida, em seu tempo
e em seu ritmo; que descobrir novos prazeres; assumir novos papéis sociais; não
significava o fim do luto e o esquecimento de quem morreu, mas um processo na-
tural e esperado de reinvestimento na vida. A partir deste encontro, observou-se o
movimento de alguns deles em direção à retomada de atividades do dia a dia, como
a prática de atividades físicas e a volta ao trabalho, relatados nos encontros que se
sucederam.
Sobre esses processos de restauração, Joana, que assumiu a gestão de um
negócio que era administrado pelo falecido marido, relatou, ao fim dos encontros,
estar lidando melhor com essa responsabilidade e passou a administrá-lo à sua ma-
neira, sem a tentativa de fazê-lo como imaginava que o marido faria, nem se culpar
por isso. Este fato da vida da participante aponta para um importante aspecto da
experiência do luto: de que ele é também um processo de aprendizagem (PARKES,
1998). Por isso, é ilusório o enlutado esperar que, após algum tempo, ele voltará a
ser a pessoa que era antes da perda. Isso porque, enquanto uma transição psicos-
social, o luto exige do sujeito aprendizagens das mais variadas, incluindo os novos
papéis sociais, as estratégias de enfrentamento das emoções, sentimentos e estres-
sores advindos da perda, entre outros (PARKES, 1998; TAVARES, 2018). O relato de
outra participante ilustra isso: “Tô aprendendo com isso tudo” (Roberta).
Percebeu-se, como esperado, que o luto se dá de modo singular. Ao iniciar-
mos os encontros alguns participantes demonstraram estar centrados totalmente
na restauração, negligenciando aspectos indispensáveis de sua experiência emo-
cional, tal como Paula; outros tinham dificuldade de oscilar para o polo da restau-
ração e retomar atividades de sua vida. A reflexão sobre essa dinamicidade do luto
favoreceu a compreensão de que ambos os polos são importantes no enfrentamen-
to da perda.
Nos encontros seguintes, sexto e sétimo, trabalhou-se com os participantes a
construção da compreensão de que o vínculo afetivo com quem morreu não acaba,
mas deve tornar-se de uma outra natureza, constituindo-se um vínculo continuado
(WORDEN, 2013). A este respeito, Dantas et al. (2020) trazem uma importante contri-
buição:

Formulações mais recentes acerca do processo de elaboração do luto


tendem a enfatizar menos o rompimento de vínculos e o desapegar-se da
pessoa falecida, e mais a constituição de novas e significativas formas de
relacionamento, que continuam a evoluir e mudar. Dois processos comple-
mentares estão envolvidos no restabelecimento da relação, em um outro
nível, com a pessoa falecida: a incorporação/identificação e a represen-
74
tação. Pela identificação, a pessoa amada que morreu torna-se uma pre-
sença interna confortante, que não mais entra em conflito com a realidade
externa e não mais precisa ser buscada no exterior. Pela representação, a
perda é plenamente reconhecida e ao mesmo tempo se estabelece uma
conexão simbólica com o falecido (DANTAS et al., 2020, p. 526).

Nestes encontros, abriu-se espaço para falar da saudade e dos caminhos per-
corridos por todos ao entrar em contato com pertences dos falecidos. Buscou-se
favorecer a emergência da compreensão de que a ausência do sujeito amado será
sempre paradoxal, revelando-se uma ausência-presença, já que o amor não morre
(PARKES, 1998).
No que diz respeito a esta tarefa do luto, em encontrar uma conexão dura-
doura com a pessoa morta em meio à nova vida (WORDEN, 2013), observou-se que
cada participante fez, ou estava fazendo, à sua maneira. Paula percebeu seus laços
continuados com as pessoas falecidas por meio de sua aparência, ao afirmar que
“(...) olho no espelho e vejo eles”, relatando que suas mãos lembram o pai, já os olhos
e o sorriso os irmãos. Outra forma de estabelecer conexão duradoura com o familiar
falecido foi descrita pela participante Maria, que diz ver a mãe por intermédio do jar-
dim de sua casa, pois, após seu falecimento, flores que nunca haviam desabrochado
agora o fizeram, e isso a fez lembrar dela e sentir sua presença continuada em sua
vida. Já Joana percebeu seu laço continuado com o marido por meio das filhas, que
são as marcas que ele deixou em sua vida, estabelecendo para sempre sua presen-
ça, mesmo na ausência.
Ainda na perspectiva da criação de um vínculo continuado, no sétimo encontro
os participantes foram estimulados a trazer relatos de momentos felizes com os fami-
liares falecidos. O objetivo era que as lembranças ligadas a afetos positivos pudessem
tomar o lugar das lembranças difíceis ligadas aos últimos momentos de vida dos fa-
miliares. Como se sabe, a morte pela Covid-19 aconteceu em situação de isolamento,
sem a rede de afetos do doente. Isso é difícil tanto para o sujeito internado quanto
para os familiares, que podem, a partir de então, focar suas lembranças exclusivamen-
te nestes últimos momentos de vida, abrindo a possibilidade de um luto traumáti-
co (DANTAS et al., 2020). Buscou-se trabalhar com os participantes a ressignificação
desta ‘ausência final’, contrapondo-a a presença em outros momentos da vida de
quem morreu. Este encontro foi especialmente marcado por afetos leves e alegres. Os
participantes trouxeram lembranças de vivências felizes e muitas vezes engraçadas,
fazendo com que todos rissem dos relatos apresentados. Entende-se que o objetivo
estabelecido foi alcançado, levando à compreensão por parte deles que também há
lembrança e amor fora da dor.
Os últimos três encontros foram organizados de modo a iniciar o processo de
encerramento do grupo. Para o oitavo encontro, na semana anterior, foi proposto que
eles fizessem um memorial para o familiar falecido, de modo a homenageá-lo. Alguns
participantes não conseguiram fazê-lo, relatando ainda dor aguda ao entrar em conta-
to com certas lembranças e afetos. Isso foi acolhido e validado no grupo, evitando-se a
produção de um sentimento de fracasso, mas, ao contrário, reforçando a ideia de que
respeitar o próprio tempo, e limites, é também um ato de autocuidado.

75
Alguns apresentaram o que haviam preparado: uma apresentação de fotos
em powerpoint do familiar e do jardim de flores de que cuidava (Maria), e a tentativa
de escrever uma carta que não foi concluída (Paula). Os rituais simbólicos, tais como
os memoriais, podem ser importantes estratégias para que enlutados consigam en-
contrar, por meio da expressão simbólica, modos de manifestar seus afetos e dar
sentido à perda (DANTAS et al., 2020; WALLACE et al., 2020) e a ausência deles pode
intensificar sentimentos como raiva, tristeza e culpa (PARKES, 1998). Entretanto, per-
cebeu-se que para os participantes deste grupo, especificamente, a tarefa foi difícil
de ser realizada por completo, talvez por estarem em um momento inicial do luto,
com manifestação ainda bastante aguda do sofrimento. Ainda assim, não foi sem
efeito a sua proposição, pois mesmo as dificuldades relatadas foram compartilha-
das, acolhidas e colocadas em reflexão pelos participantes com auxílio dos media-
dores do grupo.
No nono encontro, objetivou-se refletir sobre quem os participantes têm se
tornado a partir de sua experiência de luto, compartilhando aspectos relativos à tra-
vessia de cada um e os aprendizados advindos desse processo. Retomou-se neste
encontro algo discutido no encontro inaugural do grupo: de que não se pretende
que ao final da participação no projeto o enlutado saia com seu processo de luto
‘encerrado’ ou ‘superado’, como, comumente, as pessoas esperam. Ao contrário
disso, a direção ética que sustentou esta intervenção foi a de que o luto, enquan-
to processo, não se encerra, dado que o amor pelo falecido não acaba e nem as
lembranças (PARKES, 1998), assim como afirmou o participante Jorge: “A saudade
nunca passa”. Entende-se que ao enfrentar o luto e, nos casos necessários, receber
suporte profissional, o enlutado torna-se capaz de lidar com os efeitos dessa perda,
de sustentar seu amor na ausência física, sem necessariamente sucumbir à tristeza
permanente (TAVARES, 2018; WORDEN, 2013). O que se espera que acabe, portanto,
é a tristeza paralisante tão característica do processo inicial de luto.
Ao serem estimulados, a partir do poema “Travessia”, de uma imagem de uma
ponte e a falar de sua experiência de luto, os participantes trouxeram relatos como:
“Tentar lembrar-se da pessoa que partiu como uma lembrança doce… é claro que o
tempo também ajuda, mas a ação ajuda. É preciso viver o luto e correr atrás dos outros
sentimentos bons” (Jorge); “[É preciso] Dar seguimento aos sonhos, aos desejos, tentar
construir algo novo, até mesmo para honrar ele né?!” (Joana). Ou ainda: “Há um tempo
em que a gente precisa passar por isso… sentir tudo isso… esse tem que passar na
vida da gente. A gente não pode ficar na acomodação, é preciso se desprender e ousar”
(Paula).
Como se percebe nos relatos acima, os participantes reconhecem o caráter
transformador do luto, da dor aguda como característica transitória, da retomada
da vida como possibilidade de honrar a memória de quem se foi e da importân-
cia de que o enlutado seja ativo neste processo, tal como propõe Worden (2013). A
perspectiva norteadora deste trabalho foi, portanto, que, no caso do luto, o tempo
sozinho não ‘é o senhor de todas as coisas’, cabendo ao enlutado uma postura ativa
em seu enfrentamento (WORDEN, 2013). “A elaboração requer esforço e coragem e,
se acontecer de forma articulada com a rede social, torna-se menos pesada” (TAVA-
RES, 2018, p. 236-237).
76
No último encontro, na perspectiva de um encerramento do grupo, e da ava-
liação dos efeitos da participação das pessoas no projeto, refletiu-se sobre o luto
como processo transformador, advogando, entretanto, que não há linearidade nem
tempo pré-definido para a resolução do conflito de separação (WORDEN, 2013). Os
participantes, a partir da atividade disparadora, foram estimulados a fazer uma ava-
liação retrospectiva do seu processo, identificando mudanças ao longo do tempo.
Ao avaliarem em retrospectiva seus processos de luto, os participantes de-
monstraram estar lidando com tarefas diferentes do processo. Jorge afirmou que
se sentia na fase de casulo, de uma borboleta ainda recolhida, que estava em so-
frimento, mas que tinha esperança em algo melhor. Joana, de posse da mesma
metáfora, afirmou estar saindo do casulo. Assim, grupos de apoio ao luto devem
ter também essa função, de instilar esperança para aqueles enlutados que ainda se
encontram em pleno sofrimento. Olhar adiante com essa perspectiva, de que o so-
frimento pode não ser permanente é algo que contribui para o processo de enfren-
tamento dos efeitos do luto, como demonstrou Joana: “Eu decidi não me martirizar.
Eu decidi que não vou mais ficar presa a obrigação de sofrer”.
Alguns participantes relataram como encontrar no grupo espaço de acolhi-
mento de sua vivência, de validação de seus afetos, de aprendizagem e, sobretudo,
de apoio mútuo, e como foi importante para lidar com sua experiência de perda: “Já
tô voando”, relatou Fernando ao dizer que a soma das experiências dos outros com
as dele trouxe alívio e crescimento.
Os participantes referiram-se ao grupo como espaço que possibilitou auto-
conhecimento, expressão dos afetos e obtenção de apoio social e emocional. Os
relatos a seguir demonstram isso e foram retirados do Formulário de avaliação dos
encontros: “Foi bastante significativo, eu me permiti entrar em contato com as minhas
emoções… Eu sei exatamente o que eu perdi, eu sei exatamente quais são os meus
planos e o que eu quero me tornar daqui pra frente” (Paula); “Vocês foram o melhor
remédio que eu tive, foram o abraço que eu não recebi, são as páginas que eu escrevi”
(Joana); E ainda: “Me sinto acolhido por vocês” (Jorge).
Para Worden (2013), é importante que se faça uma avaliação qualitativa dos
efeitos da intervenção no luto. Deve-se avaliar a experiência subjetiva do enlutado,
ou seja, verificar até que ponto ele percebe modificações dos afetos, cognições e
comportamentos que fizeram com que ele procurasse ajuda. É esperado que, como
efeito da participação nos grupos, os sujeitos relatem aumento da autoestima e dos
sentimentos positivos em relação ao morto, com diminuição de sentimentos como
culpa como expressado pela participante: “Saí de uma tristeza profunda a ponto de
chorar o dia todo, tinha um sentimento de culpa, raiva, impotência e hoje esta um
pouco mais leve” (Joana). Além disso, é um indicativo indispensável da eficácia da
intervenção o participante começar a relatar mudanças espontâneas de comporta-
mento.

77
Muitos foram os efeitos relatados pelos participantes a partir de sua inserção
nos grupos de apoio, como ampliação da rede social, a aprendizagem sobre o pro-
cesso de luto, a escolha de estratégias de enfrentamento mais adaptativas. Os relatos
a seguir ilustram isso: “A identificação com as outras pessoas que estão passando pela
mesma situação gerou um apoio mútuo e compreensão do que fazer” (Joana). “Aprendi
que o luto é individual, que precisa ser vivido, e que não tem tempo certo de acabar”
(Maria). “Aprendi que o luto não vai passar, mas que vamos aprender a conviver com ele
sem tanta dor. Também a me permitir sentir o luto, pois estava sofrendo ao bloquear mi-
nhas emoções. Hoje consigo chorar, expor melhor meus sentimentos” (Paula). E ainda:

... tive contato com outras pessoas enlutadas, que mostraram suas vivên-
cias e me permitiram ver o problema por diversos ângulos. Também senti
um acolhimento muito grande por parte de todos, o que nos fez criar um
laço capaz de dar muito conforto (Jorge).

Certamente que, ao apresentarmos os efeitos relatados pelos participantes,


não se supõe que todos tenham concluído sua participação no projeto sentindo-se
do mesmo modo; nem que pelo fato de terem relatado efeitos positivos da parti-
cipação tenham, como que em um ‘passe de mágica’, deixado de sofrer por suas
perdas, a exemplo de Carla que, ao final, ainda manifestava intenso sofrimento, com
presença de sintomas físicos e psíquicos, mas relatou: “Me sinto melhor que antes.
Consigo dormir um pouco melhor. Me dou a oportunidade de chorar quando estou
triste e com saudade, e de sorrir quando lembro de momentos felizes”.
Entende-se, entretanto, que a participação em grupos de apoio ao luto, espe-
cialmente no contexto da pandemia da Covid-19, pelos motivos já discutidos, pode
ser um importante fator de proteção para o desenvolvimento de um luto compli-
cado e de difícil elaboração, evitando-se, na perspectiva da prevenção secundária
(SANTOS, 2017), a intensificação do sofrimento e a cronificação do luto com efeitos
sobre a saúde física e mental do sujeito (FRANCO, 2010).

CONCLUSÕES

A oferta de um serviço de apoio ao luto na modalidade remota mostrou-se


importante, frente ao sofrimento intensificado durante a pandemia, associado aos
entraves impostos à oferta de serviços presenciais. Ademais, o aumento do núme-
ro de pessoas em situação de vulnerabilidade social, em decorrência dos efeitos
socioeconômicos da pandemia, atravancou a possibilidade de acesso aos serviços
psicológicos pagos. Sendo assim, a oferta gratuita de atendimento psicológico na
modalidade on-line, acolhendo as demandas espontâneas provenientes da comu-
nidade externa à universidade, mostrou-se de expressiva relevância social.

78
Como demonstrado nos resultados deste trabalho, o grupo de apoio pode
oferecer espaço importante de expressão e validação das emoções, e sentimentos
que compõem a experiência do luto, com possibilidade de ressignificação da per-
da, aprendizagem sobre essa experiência e a construção de redes de apoio social e
emocional, tal como relatado pelos participantes.
Pode ser interessante que pesquisas futuras lancem mão de instrumentos pa-
dronizados, para avaliar condições psicológicas antes e após a intervenção em situ-
ações de apoio ao luto, de modo a superar distorções da autoavaliação dos próprios
participantes em relação aos benefícios da intervenção. De qualquer modo, consi-
derar o que relatam os enlutados sobre como se sentiram ao participar dos grupos e
os resultados advindos já é um importante indicador qualitativo da proposta.
Este trabalho, amparado no que propõe Worden sobre a intervenção breve e
focal com enlutados, demonstrou que uma proposta estruturada a partir das neces-
sidades dos participantes, com número de encontros relativamente pequeno, pode
ter efeito fundamental sobre a saúde mental dos enlutados, evitando ou diminuin-
do-se com isso a possibilidade de luto complicado. Isso aponta para a possibilidade
de que grupos de apoio ao luto sejam oferecidos por profissionais habilitados nos
mais diferentes contextos, como Unidades Básicas de Saúde, hospitais e escolas, de
modo a beneficiar o maior número de pessoas possível.
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80
Chupin chopin, Constantino Buteri.

81
Curso Preparatório Celpe-Bras na UNILA
Celpe-Bras preparation course at UNILA

Resumo
A Língua Portuguesa e a Espanhola são as línguas de trabalho da Laura Marcia Luiza Ferreira
Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA) que tem o
laura.ferreira@unila.edu.br
bilinguismo institucional como um de seus pilares. Neste texto,
relato a experiência de coordenação do curso de extensão Prepa- Universidade Federal da
ratório para o exame Certificado de Proficiência em Língua Portu- Integração Latino-Americana
guesa para Estrangeiros, o Celpe-Bras, realizado no primeiro e no
segundo semestre de 2019 no contexto da UNILA. Inicialmente,
apresento informações sobre ações relacionadas ao exame Cel-
pe-Bras na UNILA, tais como as aplicações do exame e os primei-
ros cursos preparatórios para o exame Celpe-Bras da instituição
e, em seguida, discuto o processo de construção da metodolo-
gia que direcionou as edições do curso durante o ano de 2019 e
seus resultados, tanto para os cursistas quanto para a formação
de futuros professores de línguas. A ação atendeu futuros exami-
nandos da comunidade interna da universidade e da região da
Tríplice Fronteira e, ao mesmo tempo, foi espaço para realização
de estágio obrigatório para futuras professoras, fomentando o le-
tramento em avaliação de línguas. Espera-se que o relato possa
contribuir para o registro das ações de promoção da língua portu-
guesa em contextos universitários, bem como, oferecer informa-
ções para elaboração de novos cursos preparatórios para exames
de proficiência.

Palavra-chave: formação de professores; letramento em avalia-


ção de línguas; Celpe-Bras.

82
Abstract
Portuguese and spanish bilingualism is one of the institutio-
nal pillars of Federal University for Latin American Integration
(UNILA). These languages were chosen to be the working ones
at the university. In this paper, I report an coordination course
experience that was held at UNILA with the aim of preparing
examinees for the Certificate of Proficiency in Portuguese as a
Foreign Language (Celpe-Bras) in 2019. First, I present informa-
tion about the actions related to Celpe-Bras at UNILA such as
test administration and previews preparation courses. Then, I
discuss the course methodology construction process and its
results from the examinees perspective as well as for the lan-
guage teachers that were in charge for them. This action was
part of an University extension program that offered Celpe-Bras
preparation courses for the internal and external community
from Foz do Iguaçu, Puerto Iguazú and Ciudad Del Este. This
action was also an internship experience for under-gradua-
te students at UNILA. It is expected that this report could be a
testimony for portuguese language promotion in universitary
contexts and also offer information for Celpe-Bras preparation
courses program designs.

Keywords: teacher training; assessment literacy; celpe-Bras.

83
INTRODUÇÃO

Juntamente com as línguas indígenas, de imigração e as de sinais, a Língua


Portuguesa e a Espanhola fazem parte do patrimônio linguístico e cultural da Amé-
rica do Sul. Mais de 90% dos falantes de espanhol no mundo estão no nosso conti-
nente, da mesma forma, os brasileiros representam a grande maioria dos falantes
de português. Na cidade de Foz do Iguaçu, região de fronteira do Brasil com o Para-
guai e com a Argentina, o português, o espanhol, o guarani, o árabe e o chinês fazem
parte da paisagem linguística local. Neste contexto, situa-se a Universidade Federal
da Integração Latino-Americana (UNILA) que tem como missão a promoção da in-
tegração solidária entre os povos da América do Sul. O português e o espanhol são
as línguas de trabalho da instituição e, desde sua fundação em 2010, várias ações
de políticas linguísticas para promoção destas, e de outras línguas da nossa região,
foram levadas a cabo por docentes, discentes e técnicos da UNILA. A oferta do curso
de preparação para o exame Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para
Estrangeiros (Celpe-Bras) é uma das diversas ações oferecidas de promoção da lín-
gua portuguesa para falantes de outras línguas.
O Celpe-Bras e o exame Certificado de Español: Lengua y Uso (CELU) foram
elaborados no contexto de ações de integração regional fomentadas a partir do Tra-
tado de Assunção em 1991. Schlatter, Scaramucci e Prati (2008) explicam que os cer-
tificados de português e de espanhol são resultados das profícuas negociações de
ação de promoção destas línguas, pelo estado brasileiro e argentino, no âmbito do
Setor Educativo do Mercosul. A certificação de proficiência atestada por meio do Ce-
lpe-Bras e do CELU pode ser exigida a estudantes e profissionais que queiram seguir
com seus estudos em instituições de ensino no Brasil ou na Argentina. A depender
das legislações específicas, a certificação linguística pode ser um dos documentos
necessários para fins de revalidação de diplomas. A maior demanda por certificação
em português é dos falantes de espanhol, da mesma forma que a maioria dos inscri-
tos no exame CELU são os brasileiros. Como exemplo, temos a recente e crescente
demanda pelo CELU por brasileiros a partir do momento em que o ingresso e per-
manência nos cursos de medicina da Universidad de Buenos Aires e da Universidad
de Córdoba passou a estar condicionada à apresentação da certificação linguística
em espanhol para falantes de outras línguas. O Celpe-Bras é também uma exigência
de muitas universidades brasileiras para ingresso de estudantes estrangeiros tanto
na graduação quanto na pós-graduação.
A UNILA não exige o exame para estudantes internacionais e oferece-lhes a
oportunidade de aprender o português nos anos iniciais da graduação, e aos bra-
sileiros, a instituição oferta cursos de espanhol. Embora o Celpe-Bras não seja uma
exigência para ingresso e permanência na graduação da UNILA, sua procura é in-
tensa tanto da comunidade interna quanto externa desde sua fundação. Cabe aqui
fazer um breve parêntese sobre a composição populacional da Tríplice Fronteira. A
região é formada pelas cidades de Foz do Iguaçu, Puerto Iguazú e Ciudad del Este.
Juntas, as três cidades somam 902.166 habitantes, segundo dados populacionais de
2010. A cidade menos populosa é Puerto Iguazú, que representa 9% do total de pes-
soas da região, Foz do Iguaçu, 29%; e Ciudad del Este, 63%. Fazem parte dos interes-
sados nos cursos Preparatório Celpe-Bras cidadãos internacionais que pretendem
84
ingressar ou continuar seus estudos em instituições públicas brasileiras, professores
de língua portuguesa que atuam na educação básica da Argentina, profissionais em
processo de revalidação de diploma, especialmente os médicos, dentre outros.
O primeiro curso com objetivo de preparar interessados na certificação ocor-
reu em 2011, no ano seguinte de criação da UNILA, e vem sendo oferecido desde
então. A UNILA se credenciou junto ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) como posto aplicador do Celpe-Bras em 2014 e,
desde então, ofereceu gratuitamente uma média de 200 vagas anuais para interes-
sados de dentro e de fora da comunidade acadêmica em ter a sua certificação de
forma gratuita, mediante inscrições pelo site do INEP. Nos últimos três anos, o posto
atendeu 380 pessoas que puderam fazer o exame Celpe-Bras de forma gratuita. A
partir de 2019, por falta de força de trabalho para aplicação da prova oral, o posto
reduziu o número de vagas de aplicação de 100 para 60. No gráfico 01, as informa-
ções sobre as aplicações do exame na UNILA entre 2017 a 2019 estão sistematizadas.

Gráfico 01: Aplica-


ção do exame Ce-
lpe-Bras na UNILA
entre 2017 e 2019.

Fonte:
UNILA, 2019, p.3.

O principal objetivo das edições dos cursos de preparatórios de 2011 a 2018 foi
o de promover o conhecimento sobre o exame entre os futuros examinandos. Para
tanto, professores que atuam no ensino de língua portuguesa da UNILA, bem como
estudantes da graduação contribuíram para que o curso fosse oferecido durante nove
anos. Segundo informações da Pró-Reitoria de Extensão da UNILA, entre 2016 e 2018,
aproximadamente 87 pessoas foram atendidas pelo curso preparatório. De 2011 a
2018, doze bolsistas remunerados e três voluntários trabalharam na ação. O perfil dos
estudantes extensionistas que compuseram a força de trabalho da ação era diverso, a
maioria eram discentes do curso de Relações Internacionais, mas havia também gra-
duandos em Economia, Letras (bacharelado), Engenharia Civil e Ciências Biológicas.
Com a entrada dos primeiros discentes da UNILA em 2015 no curso de gradua-
ção em Letras Espanhol e Português como Línguas Estrangeiras, em grau de licencia-
tura, a coordenação da licenciatura procurou ampliar as possibilidades de campo de
estágio obrigatório para futuros professores de línguas. O Projeto Político Pedagógico
do curso de Licenciatura em Letras (UNILA, 2020) prevê em sua grade curricular ativi-
85
dades de estágio, extensão e pesquisa. O estágio curricular, está organizado em quatro
etapas com o foco na reflexão teórica sobre a prática por meio do planejamento das
atividades didáticas, da observação participante e da regência orientada. Por ser um
curso de licenciatura dupla, o estágio é previsto em cada uma das línguas (português
e espanhol). No estágio IV, por exemplo, quatro créditos semestrais ou 68 horas au-
las foram destinados para observação participante e regência de aulas de Português
como Língua Estrangeira. Por este motivo, os cursos preparatórios oferecidos em 2019
ampliaram seus objetivos para também ser uma alternativa de campo de estágio e for-
mação para que futuros professores pudessem aproximar teoria e prática de ensino e
avaliação em línguas. Pimenta e Lima (2006), ao discutir o papel do estágio nos cursos
de licenciatura, concluem que o estágio é um momento de reflexão sobre a docência
em que o(a) professor(a) crítico(a) e reflexivo(a) de sua própria prática se aproxima da
realidade e, a partir dela, o(a) docente pode sistematizá-la, pensá-la teoricamente e
refletir sobre condições e possibilidades reais de ensino. O grande desafio da ação foi
manter o principal objetivo do curso que é de oferecer uma preparação de qualidade
aos futuros examinandos do Celpe-Bras e, ao mesmo tempo, construir coletivamente
com as professoras-estagiárias um campo experimental de docência, relacionando-o
com o curso de graduação.
Cabe aqui ressaltar as potencialidades da ação em promover o letramento de
avaliação em línguas que diz respeito às habilidades, competências e conhecimentos
que os professores dominam sobre avaliações internas e externas. Taylor (2013) ex-
plica que com a demanda de profissionais para trabalhar em processos de aplicação
de exames de larga escala, o tema de como formar professores para avaliarem, não
só seus alunos em sala de aula, mas também, examinandos em processos de testes
internacionais de línguas se tornou presente na agenda de pesquisa da área de ava-
liação em línguas. Scarino (2013) sugere que a formação profissional dos professores
deva trabalhar a avaliação simultaneamente tanto como prática, que transforma ava-
liação em um benefício para o processo de ensino aprendizagem, tanto como para
desenvolver nos professores uma autocompreensão e conscientização da natureza
do próprio fenômeno de avaliação. Interrelacionar tais objetivos implicam em lidar
com preconceitos, crenças, compreensões e visões de mundo sobre avaliação que os
professores-avaliadores trazem do seu fazer profissional e de sua formação. Aprender
sobre avaliação, neste sentido, vai além de aprender conceitos teóricos sobre o tema
porque é preciso promover nos professores a prática real da avaliação e a reflexão
sobre esta prática. Neste sentido, a ação Preparatório Celpe-Bras teve como objetivo
também de explorar estratégias de desenvolvimento da compreensão sobre a ava-
liação pelas futuras professoras e avaliadoras, por meio da prática real e sua reflexão.
A seguir, detalharemos a metodologia da ação de extensão.

86
MÉTODO
O planejamento da oferta do curso foi elaborado em função da demanda das
edições do exame. Em 2019, ocorreram duas aplicações do exame Celpe-Bras, uma no
primeiro e outra no segundo semestre. Cinco estudantes de licenciatura em Letras, das
quais quatro estavam cumprindo a carga horária de estágio obrigatório, participaram das
equipes. O trabalho de coordenação da ação de extensão Preparatório Celpe-Bras foi com-
posto por dois eixos: o de administração do curso e o de gestão do trabalho pedagógico. A
administração envolveu o cadastro do projeto, a divulgação do curso, a abertura e homo-
logação de inscrições, o ensalamento, a seleção de professores-extensionistas, a gestão do
e-mail institucional da ação, a emissão dos certificados dos participantes e o envio de rela-
tórios da ação. Faziam parte do trabalho pedagógico a coordenação do planejamento das
aulas, a avaliação das aulas e coordenação de eventos semanais de correção e discussão
de discrepâncias das notas previamente atribuídas individualmente pelas professoras-es-
tagiárias às tarefas feitas pelos cursistas nas aulas anteriores.
A experiência de estágio na ação está diretamente relacionada com a formação
dos discentes de LEPLE, e se apresenta como uma oportunidade de integração dos varia-
dos componentes curriculares (UNILA, 2020), tais como: Linguística Textual, Laboratório de
Linguística Aplicada, Laboratório de Pesquisa e Prática Pedagógica e, especialmente, Ava-
liação em Língua Estrangeiras. A disciplina sobre avaliação trata também das avaliações
de larga escala de proficiência das quais Celpe-Bras e Celu fazem parte. Um dos requisitos
para estagiar no curso preparatório é ter cursado o componente sobre avaliação, por isso
os encontros de formação teórica são poucos e os textos são cuidadosamente seleciona-
dos para fundamentar o planejamento do curso. Nos encontros iniciais de planejamento,
estudamos relatos de experiências didáticas em outros preparatórios e resultados de pes-
quisa que contribuíram para delimitar o perfil das tarefas do exame para subsidiar a pre-
paração das aulas. Durante o ano de 2019, após leituras teóricas e experiências docente,
chegamos a um formato de aula que vem sendo aprimorado.
O principal objetivo do curso é potencializar as chances dos examinandos de-
monstrarem o que já sabem fazer na língua portuguesa nas situações de interação verbal
propostas na prova. Para tanto, o curso foi planejado de forma a desenvolver a consciência
sobre como e o que está sendo medido por meio do desenho do exame Celpe-Bras, ou
seja, estudam-se as características dos itens ou das tarefas e como a resposta é avaliada. O
Celpe-Bras avalia a proficiência oral e escrita dos examinandos por meio de quatro ques-
tões abertas que envolvem a redação de textos e uma interação oral, face a face, em situa-
ção de entrevista de proficiência oral. Segundo a Cartilha do Participante (BRASIL, 2019), a
parte escrita é composta por quatro itens ou tarefas que deve ser feita em até 3 horas. Na
primeira tarefa, o examinando assiste a um vídeo, na segunda, ouve um áudio e nas outras
duas, lê textos impressos para redigir um outro. Os textos de compreensão que compõem
a prova são retirados de veículos da mídia brasileira (FERREIRA, 2012; SCHOFFEN; MENDEL,
2018). Cada tarefa tem o objetivo de simular ações de linguagem (SCARAMUCCI, 2001), por
isso, em geral, no enunciado está delimitado um propósito e uma interlocução para o texto
que o examinando deve escrever e, em alguns casos, define-se também o gênero textual.
Para fazer a prova escrita é preciso compreender textos orais e escritos para redigir, em três
horas, quatro outros textos, cujas características são delimitadas no comando da tarefa.

87
Sobre a prova oral, trata-se de uma interação face a face em situação de entre-
vista de proficiência oral organizada de forma que haja um momento de quebra-gelo,
em que o examinando fala sobre suas informações pessoais, gostos, preferências e,
em seguida, é esperado que o examinando converse com o avaliador, a partir de re-
cortes de reportagem (FERREIRA, 2012) que funcionam como insumo para a interação
verbal. Na composição da nota final do exame, a nota da prova escrita tem sido a que
define a faixa de certificação, por isso grande parte da carga horária do curso é desti-
nada às tarefas escritas.
No planejamento do curso, cada uma das tarefas escritas e a prova oral fo-
ram abordadas. O curso teve uma carga horária de 15 horas, distribuídas em cinco
encontros de três horas. Na primeira aula, a coordenadora apresentou o curso e pro-
feriu uma breve palestra introdutória sobre o exame Celpe-Bras destinada a futuros
examinandos. Em seguida, as professoras-extensionistas assumiram a aula com o ob-
jetivo de desenvolver estratégias iniciais de leitura dos comandos das tarefas escrita
e a leitura do texto de insumo. Ao final, os estudantes redigiram e entregaram suas
respostas. Na segunda aula, eles receberam a tarefa avaliada e a aula se voltou para a
preparação e escrita da próxima tarefa. A terceira e a quarta aula seguiam as mesmas
etapas da segunda. No último encontro, a prova oral foi abordada. Uma nova comu-
nicação foi preparada com o objetivo de explicar o desenho de avaliação da prova
oral. Neste momento, vários dados de pesquisas levantados no âmbito do projeto de
pesquisa Avaliação em Línguas foram utilizados e adaptados para este público. Ainda
na última aula, convidamos membros do projeto de pesquisa Tandem: aproximando
línguas-culturas latino-americanas e caribenhas para compartilhar informações sobre
estratégias de interação face a face. No quadro 1, organizo o planejamento geral do
curso.
Quadro 1: Programa
Aula 01 Palestra introdutória sobre o exame Celpe-Bras. Apresentação
do curso Preparatório
do curso. Leitura de trechos do manual do examinando do Cel-
Celpe-Bras 2019.2
pe-Bras. Características gerais das tarefas escritas. Preparação e
aplicação de uma tarefa 01. Fonte: elaboração da
Aula 02 Retorno das respostas à tarefa 01. Explicação dos critérios de autora.
avaliação da prova escrita. Preparação e aplicação de uma tarefa
02. Estratégias de leitura dos comandos de prova. Estratégias de
compreensão de textos orais.
Aula 03 Retorno das tarefas avaliadas. Os critérios de avaliação de provas
escritas e sua relação com as faixas de certificação. Estratégias de
compreensão de texto escrito e leitura de comando de prova.

88
Aula 04 Retorno da tarefa respondida. Estratégias de textualização: coesão
e coerência.

Aula 05 Avaliação oral: apresentação da situação de entrevista de profi-


ciência oral do exame Celpe-Bras, apresentação dos critérios de
avaliação da entrevista oral, como a nota oral é composta. Palestra
sobre estratégias de interação face a face (Projeto Tandem) Simu-
lado de aplicação da entrevista de avaliação oral do Celpe-Bras,
retorno individualizado do desempenho dos estudantes. Retorno
de todas as produções escritas, avaliação da evolução das notas.

O fato das quatro aulas dedicadas à produção escrita terem o mesmo formato
e a mesma dinâmica auxiliou tanto os estudantes no acompanhamento do curso,
quanto os professores-extensionistas na elaboração e regência. A estrutura contem-
plava o retorno individualizado das avaliações; leitura e preparação para escrita de
uma nova tarefa e a escrita da tarefa propriamente dita. Para cada uma das etapas
um tempo de 40 a 60 minutos era dedicado.
A estrutura, assim como a metodologia e o conteúdo das aulas, foi sendo
construída pela equipe. O texto As especificações do exame Celpe-Bras e a descri-
ção das tarefas da parte escrita: convergências e divergências, de Schoffen e Men-
dell (2018), foi especialmente relevante para nortear a seleção de tarefas para serem
trabalhadas no curso, uma vez que as autoras sintetizam as principais característi-
cas das 156 tarefas analisadas que caíram na prova desde a primeira aplicação, de
1998 a 2016-2. Após compreender o perfil de tarefas mais recorrentes no exame, as
professoras selecionaram quatro tarefas que gostariam de trabalhar durante o cur-
so, mediante pesquisa em acervos pessoais de material do exame e acervos online
como o Acervo Celpe-Bras (UFRGS, 2020) e site do INEP. As aulas foram planejadas a
partir das tarefas de edições passadas do exame de forma que uma tarefa era previs-
ta para cada encontro. Iniciamos com as tarefas de compreensão oral, assim como
o faz o exame. O prévio planejamento de cada uma das aulas foi feito em duplas ou
individualmente pelas professoras-extensionistas com a orientação da coordenado-
ra. Após a leitura da coordenadora do plano de aula, caso necessário, mudanças
eram feitas antes da aula e reapresentadas à equipe. Os momentos de reunião de
planejamento fomentaram a reflexão sobre teoria e prática. Às vezes, remetia-se à
conceitos e leituras feitas em outras disciplinas do curso para justificar alguma esco-
lha do plano de aulas.
Ao longo da experiência, as professoras-extensionistas chegaram a uma me-
todologia de aulas organizadas em cinco etapas (Quadro 2). No primeiro momento,
era apresentado o retorno da correção das produções feitas pelos alunos, apon-
tando as principais dificuldades e possibilidades de reescrita dos textos. O objetivo
era oferecer um feedback individualizado a cada um dos que fizeram a tarefa. Neste
momento, pedia-se autorização para ler e comentar algumas respostas dos alunos,
apontando pontos positivos e negativos a serem superados nas próximas redações.

89
No segundo momento da aula, era realizada a leitura e interpretação do comando
da nova tarefa que seria realizada. O comando da tarefa era desmembrado em o que
escrever, para quê, para quem e quais informações do texto de leitura são relevantes
para o cumprimento da tarefa. No terceiro momento, realizava-se a compreensão
do texto, podendo ser texto impresso, vídeo ou áudio, seguido da exploração cole-
tiva das informações que poderiam ser retomadas na resposta à tarefa. No quarto
momento, era realizada a análise das principais características discursivo-textuais
solicitadas pela atividade, em algumas aulas, um texto autêntico similar ao requisi-
tado na tarefa foi compartilhado e analisado pelos cursistas. No quinto momento,
depois de explorar diversas informações pertinentes para o cumprimento da tarefa,
os cursistas finalmente colocavam a mão na massa e redigiam o texto. Todos os ma-
teriais utilizados nas aulas eram enviados por e-mail aos alunos, alguns dias antes
da aula, para que pudessem se preparar.

Etapas Atividades
Quadro 2: Planejamento
Primeiro momento: retorno das avaliações das tarefas reali- de aula sobre Tarefa 03 -
zadas na aula anterior Hortas, 2016.2
Segundo momento: leitura e análise do comando da tarefa:
quem escreve? por que escreve? para Fonte: Planejamento
de aula sobre Tarefa 03 -
que escreve? como escreve? quais
Hortas, 2016.2.
informações do texto de leitura são per-
tinentes para construção da resposta à
tarefa?
Terceiro momento: apresentação do gênero textual:
identidade de blogues de alimentação
saudável, características de postagem
neste tipo de blogue, a autoria do blo-
gue. Leitura e análise de uma postagem
de blogue com a temática de hortas
urbanas.
Quarto momento: leitura do texto de insumo da tarefa,
destacando os pontos mais importan-
tes que devem e/ou podem ser retoma-
dos na resposta à tarefa.

Quinto momento: produção textual (Tarefa 3 - Exame


Celpe-Bras 2016.2 )

90
Fonte: BRASIL, 2016

As tarefas foram corrigidas com base nas diretrizes de correção utilizadas


pelo exame tais como: adequação contextual, adequação discursiva e adequação
linguística (BRASIL, 2019). Cada professora atribuiu uma nota de 0 a 5 para cada re-
dação de forma individual, cada texto foi corrigido por, no mínimo, duas professoras
e todos foram corrigidos pela coordenadora. Semanalmente, todas da equipe se
encontravam para avaliar o andamento das aulas e eventuais alterações de planeja-
mento e, principalmente, para a discussão de discrepância entre as notas. Ou seja,
todos os textos produzidos no curso foram corrigidos simulando a maneira como
se corrige em situações reais de exame de larga escala, de forma a garantir a cor-
reção individual, e por pares, e a compreensão comum do que estamos avaliando.
Foi possível garantir uma correção que gerasse informações de qualidade para um
feedback individualizado do texto feito pelos cursistas. Nos resultados retomaremos
a discussão destas avaliações.

RESULTADOS

As inscrições das duas edições do curso foram gratuitas mediante o preenchimen-


to de um formulário online. Em média, 50 pessoas fizeram a matrícula online e metade
compareceu às aulas. Para ter um certificado de conclusão do curso, foi exigido a presença
em, no mínimo, três das cinco aulas e a entrega de, ao menos, três tarefas escritas. Foram
certificados 12 cursistas no primeiro semestre; e 16, no segundo; somando 28 futuros exa-
minandos atendidos pela ação em 2019.
Durante o primeiro semestre de 2019, o principal resultado da ação foi a consoli-
dação do planejamento do curso. Na avaliação das extensionistas, o fato de ministrar um
curso cujo objetivo é o de preparar para um exame foi muito positivo para o planejamento.

91
Sobre o processo de planejamento das aulas, uma das estudantes relatou que a prepara-
ção para sua primeira aula foi insuficiente, o que, segundo ela, influenciou negativamente
na regência. Na segunda aula, a professora estudou com mais detalhes a tarefa e suas pos-
síveis respostas o que fez diferença na sua performance, de acordo com sua percepção. A
outra extensionista também destaca a importância do planejamento, em especial, a revi-
são prévia da aula pela coordenação que apontava fragilidades e alternativas de revisão.
Ela ressalta ainda a relevância das reuniões pós-aula para a revisão das práticas didáticas.
Segundo a extensionista, um bom planejamento dá segurança não só ao professor, como
também ao cursista. A reflexão sobre o tema do planejamento e avaliação do planejamen-
to pós-aula foi um dos aspectos que mais apareceu nas reuniões de orientação e avaliação
final do curso, o que nos remete à discussão sobre o papel do estágio de aproximar teoria
e prática.
Na segunda edição de 2019, a equipe dobrou para atender a demanda inicial de
72 inscritos. Além da coordenação, participaram três estudantes que cumpriam a carga
horária de estágio e uma voluntária. As professoras do segundo semestre também ava-
liaram positivamente ter uma tarefa e uma estrutura prévia como ponto de partida para o
planejamento da aula. As professoras aprovaram o fato de cada aula ter uma responsável
pelo planejamento, embora todas pudessem participar da aula e dar sugestões de elabo-
ração e revisão do plano de aula. Um dos desafios iniciais para as professoras e, especial-
mente para os estudantes, foi entender o objetivo do curso. Muitos estudantes têm uma
ideia preliminar de que o Celpe-Bras avalia adequação linguística e que, por isso, o curso
deveria se voltar para explicações de aspectos formais da língua. O primeiro desafio foi
de esclarecer que o objetivo do preparatório é familiarizar os discentes com as tarefas de
avaliação, ou seja, prepará-los para entender o desenho da prova de forma a potencializar
suas chances de demonstrarem o que já sabem escrever e falar em português. Todas as
professoras destacam a dificuldade de informar aos estudantes sobre a parte teórica do
exame, por este motivo incorporamos ao planejamento do curso as palestras de professo-
ras especialistas no assunto.
Sobre as avaliações das tarefas dos cursistas ao longo do curso de 2019, as pro-
fessoras avaliaram que fornecer as notas e justificá-las auxiliou os cursistas a entenderem
o exame. Além disso, para as professoras foi uma etapa para aproximá-las da experiência
de correção de exames externos e também serviu como fonte de informação sobre a aula,
uma vez que, pelas respostas à tarefa, as professoras iam apontando falhas e potencialida-
des da aula ministrada, que preparou os cursistas para redação do texto corrigido.

Após as aulas, uma professora escaneava os textos e enviava a todas. Todas


corrigiam de forma individual, sem combinar uma nota. Nas reuniões de discussão
de discrepância, todas iam com sua planilha de notas para compartilhar e discu-
tir. Ao longo das discussões, a coordenadora apresentava algumas provas típicas,
ou seja, as redações que tinham muitas características de nota 05 ou 04, ou 03, ou
02. Quando havia divergência de notas e interpretação do desempenho, relíamos o
texto e os critérios e discutíamos no grupo até chegarmos a uma nota final. Este pro-
cesso é similar ao protocolo de refino de correção de provas abertas de larga escala,
segundo o qual se estabelece uma banca, uma coordenação, o estudo de provas
típicas e uma correção preliminar para promover a compreensão mais ou menos
consensual da grade de correção (FERREIRA, 2019).
92
Sobre o processo de compreensão dos critérios, uma professora informou
que demorou 1 hora e 40 minutos para corrigir 18 textos após a primeira aula, após
a segunda aula, ela gastou 40 minutos para corrigir 15. Ela explica que com o passar
do tempo foi ficando mais fácil atribuir notas, porque já dominava os critérios de
correção. Considero este relato como uma evidência sobre a aprendizagem da pro-
fessora sobre correção de questões abertas, uma das habilidades necessárias que
dizem respeito ao letramento de avaliação em línguas. As outras professoras tam-
bém avaliaram positivamente o processo de correção de textos para experienciar as
situações de bancas e refletir sobre interpretação individual e coletiva de critérios
de avaliação. As professoras afirmaram que se sentiriam preparadas caso fossem
assumir o mesmo curso sozinhas, sem coordenação de apoio.
O controle das notas foi importante não só para formação das professoras,
mas também para registrar e controlar as notas atribuídas. As professoras corrigiram
uma média de 40 textos cada uma durante todo o curso, a diferença de mais de 2
pontos entre as notas atribuídas por alguma das professoras não foi mais de 20%
com relação à nota atribuída pela coordenadora. Ou seja, ao longo das correções,
trabalhamos com um índice de confiabilidade entre as notas maior que 80%, o que é
satisfatório para correções escritas em contextos de larga escala (MCNAMARA, 2000).
Por meio do registro das notas dos textos avaliados no curso, foi possível
também avaliar o desenvolvimento dos cursistas. Ao todo, foram 69 tarefas avalia-
das, sendo que 30 correspondem à tarefa 01; 18, à tarefa 02; 12, à tarefa 03; e 9, à
tarefa 04. No gráfico 02, apresentamos os valores de moda e mediana do conjunto
de notas finais por tarefa. No gráfico, X diz respeito às tarefas e Y, às notas. A coluna
azul representa o valor da mediana e a vermelha, o da moda.
A nota mais frequente, ou a moda, atribuída à tarefa 01 é 3. Nas tarefas 02, 03
e 04, a nota 5 foi a mais frequente. A partir da análise da mediana do conjunto de no-
tas, também podemos perceber uma tendência crescente dos valores das notas das
tarefas 01, 02 e 03, sendo 3, 4 e 4,5 seus respectivos valores. Para a tarefa 04, o valor
da mediana foi de 4. Uma possível explicação para a quebra na tendência crescente
poderia ser as características da tarefa 04. O propósito da tarefa 04 nos pareceu um
pouco mais complexo do que os das outras, pois, exigiu-se retomar a tese exposta
no texto leitura e se posicionar, fundamentando sobre o ponto de vista exposto na
crônica lida como texto de insumo. Nas tarefas de 01 a 03, os propósitos variam mais
e podem exigir desde descrever, narrar, convidar e opinar e os textos de leitura des-
tas tarefas são majoritariamente reportagens (SCHOFFEN; MENDEL, 2018).
Ressalto que a hipótese sobre a diferença de complexidade entre as tarefas precisa
ser verificada em projetos futuros de pesquisa.
Voltando ao desenvolvimento das notas dos cursistas, selecionando apenas
as notas da tarefa 01 e 04 feitas pelos seis cursistas que fizeram todas as tarefas, po-
demos observar que a mediana das notas da tarefa 01 foi de 3 e, à tarefa 04, foi de 5.
Ou seja, a partir da análise destes valores, sugere-se que o curso pode ter ajudado os
estudantes que inicialmente estariam na faixa intermediário, que correspondem às
notas entre 2 e 3,5, para a faixa avançado, que se refere aos valores de 3,51 a 5. Seria
muito interessante se pudéssemos ter acesso ao desempenho real dos estudantes
na prova escrita do exame para compararmos ao desempenho no curso.

93
Apenas um estudante nos informou que em uma primeira aplicação havia se
certificado na faixa intermediário e após o curso, tornou a fazer o exame e conse-
guiu atingir a nota máxima, avançado-superior. Como se tratava de um médico em
processo de revalidação de diploma, a diferença de faixa é relevante para seu futuro
profissional.

Gráfico 02: Valores da


mediana e da moda das
notas da tarefa 01, 02, 03
e 04 realizadas durante o
Preparatório Celpe-BRAS

Fonte: elaboração da
autora

Ainda sobre os resultados da ação segundo a perspectiva dos cursistas, nove


estudantes avaliaram o curso respondendo a um questionário. Abaixo, sintetizo al-
guns resultados desta avaliação (Gráfico 03). O questionário foi respondido na últi-
ma aula do curso de forma voluntária e anônima. Podemos concluir pelas respostas
que, em geral, o curso atendeu ao seu propósito e foi possível perceber a necessi-
dade de pequenos ajustes na qualidade das explicações e na forma como oferece-
mos os retornos individualizados das tarefas escritas. Sobre a carga horária houve
diversas sugestões de ajuste, um cursista sugeriu reduzir a carga horária de forma a
oferecer uma explicação geral sobre o exame e dar as tarefas para serem feitas em
casa, outro sugeriu a mudança de turno das aulas, do período da tarde para manhã,
um outro sugeriu que, ao final, se propusesse fazer o simulado completo do exame.
Um cursista resume suas impressões gerais sobre o curso no seguinte relato:

“A ordem dos tópicos usados no curso foi bem consequente (sic), cumpriam
uma lógica para o estudante e facilitava a sua aprendizagem. Mesmo assim (sic), a
presença de mais instrutores no curso possibilitou uma avaliação mais estrita e deta-
lhada dando uma confiança maior no conteúdo ou informação plasmada na redação
e na estrutura da escrita” (cursista – preparatório Celpe-Bras, 2019.2)

A avaliação geral do estudante reforça dois aspectos positivos da ação: a con-


solidação do planejamento do curso e das aulas e a importância de fornecer infor-
mações de qualidade sobre a performance dos estudantes nas redações.

94
Gráfico 03: Síntese das
respostas do questioná-
rio de avaliação do curso
Preparatório 2019.2

Fonte: elaboração da
autora

CONCLUSÕES

O curso Preparatório Celpe-Bras procurou atender a procura por preparação


para o exame Celpe-Bras em 2019 de estudantes e profissionais na região da Tríplice
Fronteira. Além disso, a ação se consolidou como uma alternativa de campo de es-
tágio-obrigatório para os estudantes de licenciatura em letras poderem ter um espa-
ço de iniciação à docência com orientação direcionada ao propósito específico do
curso. Além da experiência de sala de aula, os momentos de orientação, discussão
de correção e reformulação dos planos de aula foram importantes para formação
da equipe. A partir da avaliação do curso, pudemos concluir que a construção cole-
tiva do curso e das aulas, bem como a discussão das notas, foi ponto de encontro
entre teoria e prática sobre ensino e avaliação de línguas. Ainda sobre o processo de
formação de professores, a ação ofereceu diversas oportunidades para o desenvol-
vimento da compreensão dos processos de avaliação de línguas, especialmente os
de larga escala.
Destaco a adaptação do protocolo de refino de correção de larga escala para
o propósito do curso, que serviu não só para gerar informação de qualidade sobre o
desempenho dos cursistas, mas também para desenvolver o letramento em avalia-
ção de línguas das professoras-extensionistas, de forma a ampliar as possibilidades
de atuação docente no que diz respeito aos processos de avaliação de provas dis-
sertativas. Saliento ainda o fato de as professoras afirmarem estar preparadas para
assumir o curso sozinhas e sem coordenação de apoio.

95
A experiência, tanto de elaborar o planejamento quanto de produzir mate-
riais para as aulas, gerou também um pequeno acervo para futuras edições do curso
e materiais para pesquisas sobre o tema. Além disso, a experiência levantou poten-
ciais questões de pesquisa sobre o desenho do exame Celpe-Bras e também sobre o
processo de desenvolvimento do letramento em avaliação de línguas, especialmen-
te no que se trata do processo de correção de avaliações abertas.
Do ponto de vista dos estudantes que frequentaram mais da metade das au-
las, a maioria afirma que após o curso eles se sentem mais preparados para a prova.
Ao analisar as planilhas de notas dos estudantes no começo e no final do curso,
percebemos uma tendência de aumento da nota. Ao analisar a nota dos cursistas
que fizeram todas as quatro tarefas, houve uma tendência de deslocamento de faixa
de classificação do intermediário para o avançado. Uma limitação da análise foi não
comparar as notas dos estudantes com a nota oficial do Celpe-Bras. Outra limitação
deste relato foi não esclarecer por que há uma grande procura do curso e poucos o
concluem.
Além de contribuir para o registro das ações de promoção no que se refere
ao Celpe-Bras, espero que o relato também possa contribuir para o debate sobre
formação de professores de línguas e oferecer informações para o planejamento de
futuros cursos preparatórios em outros contextos.

REFERÊNCIAS

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96
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acervocelpebras/acervo. Acesso em: 05 mai. 2020.

97
Saíra verde, Constantino Buteri.

98
O tabu da morte e a prevenção do suicídio nas
universidades federais
The death taboo and suicide prevention at federal universities

Resumo Graciella Pimentel Rangel Kock


A Organização Mundial de Saúde propôs um plano de Ação para
Saúde Mental com meta de redução em 10% da taxa global de graciella.rangel@ufes.br
suicídio. O Brasil tornou-se signatário desse planejamento e im- Universidade Federal do
plementou uma Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Espírito Santo
Prevenção do Suicídio e Promoção de Saúde, para o quadriênio
2017-2020. Nessa proposta, o segmento da educação foi inseri- 1 O presente estudo foi reali-
zado entre agosto de 2016 e
do como ator e agente de intervenção, dado que o número de maio de 2019, portanto os da-
extermínio da vida atinge também crianças, jovens adolescentes dos apresentados referem-se
e universitários. Diante disso, este artigo analisa como 15 univer- ao período analisado.
sidades federais das regiões Sudeste e Sul do Brasil atuam1 na
prevenção do suicídio dos membros da comunidade acadêmica
e apresenta sugestões para a implementação de um Programa
de Prevenção do Suicídio para a Universidade Federal do Espírito
Santo (Ufes).

Palavras-chave: universidade; suicídio; prevenção.

99
Abstract
The World Health Organization has proposed a Mental Health
Action Plan with a goal of reducing the global suicide rate by
10%. Brazil became a signatory to this plan and implemented
an Agenda of Strategic Actions for Surveillance and Suicide
Prevention and Health Promotion, for the 2017-2020 quadren-
nium. In this proposal, the education segment was inserted as
an actor and agent of intervention, given that the number of ex-
termination of life also affects children, young adolescents and
university students. In view of this, this article analyzes how 15
federal universities in the Southeast and South regions of Brazil
act in the prevention of suicide among members of the univer-
sity community and presents suggestions for the implementa-
tion of a Suicide Prevention Program for the Federal University
of Espirito Santo (Ufes).

Keywords: university; suicide; prevention.

100
INTRODUÇÃO

O processo natural para os seres humanos é o cumprimento do seu ciclo de


vida, que se inicia com o nascimento, passando para o desenvolvimento pelas fases
da adolescência, idade adulta, velhice, até a morte. Apesar do conhecimento sobre
esse caminho natural e sobre seu término com a morte, evita-se falar dela. O homem
não se prepara para a morte, nem para a perda de familiares e amigos (KOVÁCS, 2005).
Freud (2010) postulava que o ser humano necessita da imortalidade. Diante
desse fato, como seria possível ele aceitar se preparar para morrer? Para o autor,
seria necessário a todo sujeito pensar na própria morte todos os dias. Mas em sua
dificuldade em lidar com a morte, o ser humano, sabedor de que um dia sua vida
chegará ao fim, faz diversos questionamentos, devido ao desconhecimento e à in-
certeza quanto ao morrer.
Apesar de todos os estudos realizados em torno da relação do ser humano com
a morte, o tema ainda continua sendo um tabu em diversas culturas. Em seu aspecto
sociopsicológico, Ariès (2003) relata que a sociedade atual vive um interdito da morte
que tem origem na “necessidade da felicidade, o dever moral e a obrigação social
de contribuir para a felicidade coletiva, evitando toda causa de tristeza ou de abor-
recimento, mantendo um ar de estar sempre feliz, mesmo se estamos no fundo da
depressão. Demonstrando algum sinal de tristeza, peca-se contra a felicidade” (p.88).
Tal afastamento acentua-se ainda mais quando a morte está ligada ao suicídio,
talvez pelo fato da quebra desse ciclo natural da vida ser feita de forma espontânea por
quem tira a própria vida. Por isso, abordar essa temática não é algo simples, entretanto,
diante do aumento do número de casos de suicídio em todo o mundo, e em especial
nas universidades, faz-se necessário descortinar esse assunto para vencer o tabu.
Independentemente da abordagem teórica, o suicídio precisa ser estudado
dentro do contexto em que ocorre, no qual questões adversas podem interferir na
escolha do indivíduo sobre se autodestruir. Por isso, não faz sentido, segundo Gam-
mone et al. (2016), caracterizar o suicídio como uma perda instantânea da vontade
de viver, um impulso imediato gerado pelo isolamento. Os estudos sobre o tema são
unânimes ao caracterizar o ato como subjetivo, tanto na ideação como na atuação.
Como apontou o estudo de Teng e Pampanelli (2015), há algo em comum nas
ocorrências de suicídio, que é a convicção de que a vida “[...] seja então um espaço
e um tempo habitados somente pela dor e pela infelicidade, tendo perdido todas
as possibilidades de ser uma oportunidade de individuação e realização. O viver tor-
na-se um esforço insuportável, uma pena sem fim” (GAMMONE et al., 2016, p. 258).
Bahia et al. (2017) definem o suicídio como uma autoviolência, conduzida por ato
intencional, em que o indivíduo é, simultaneamente, agressor e agredido, cujo intento
dessa violência é eliminar o sofrimento, a angústia ou quaisquer outros problemas.
Em função da elevação do número de suicídios em diversas partes do mun-
do, muitas iniciativas foram tomadas no sentido de reduzir essas ocorrências, desta-
cando-se as ações preventivas, que se mostraram as opções mais eficazes.
Em 2013, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017) adotou o primeiro Pla-
no de Ação para Saúde Mental (2013-2020), cuja meta é reduzir a taxa de suicídios
em 10% até o final do período nos países que têm um sistema de informação qua-

101
lificado e estratégias desenvolvidas. Além disso, o documento também menciona
a necessidade do engajamento de instituições sociais e profissionais de diferentes
áreas, com o intuito de oferecer apoio a pessoas vulneráveis e àqueles que fizeram
pelo menos uma tentativa contra sua vida. Em linhas gerais, essas medidas podem
trazer conforto a pessoas que perderam alguém para o suicídio e também podem
ajudar a combater o estigma.
No Brasil, país que tornou-se signatário do plano de ação da OMS, conforme
dados descritos no Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em
2017, a estimativa é de que, por ano, 800 mil pessoas morrem pela via do suicídio. Os
dados apresentados nesse documento são preocupantes, pois o Brasil, atualmente,
encontra-se entre os dez países que registram os maiores números absolutos de
suicídios. Aproximadamente, um total de 11 mil pessoas cometem suicídio todos os
anos no Brasil. Só entre 2011 e 2015, ocorreram 55.649 mil casos no país.
Para enfrentar esse problema, o país conta com o Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan) e o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), os
quais disponibilizam dados epidemiológicos sobre as tentativas de suicídio. Esses
dados mostram que enxergar o suicídio como um problema de saúde pública possi-
bilita a utilização dos instrumentos mais adequados para as medidas de prevenção.
Em relação ao aumento do número de suicídios em ambientes específicos,
como as universidades, observa-se que há uma escassez de trabalhos sobre o tema,
a partir da perspectiva da Psicologia e de campos correlatos. No entanto, não são
raras as notícias veiculadas na imprensa e nas redes sociais sobre essas ocorrên-
cias em universidades públicas, a exemplo da Universidade Federal de Minas Gerais
(BHAZ, 2018) e da Universidade de Brasília (KLEIN, 2018).
Nessas duas instituições, os fatos se deram dentro do campus universitário. Na
universidade mineira, em maio de 2017, um aluno cometeu suicídio dentro do seu
quarto na moradia estudantil. Às vésperas de completar um ano desse acontecimen-
to, a instituição registrou mais dois casos de suicídio entre estudantes, os quais ocor-
reram no período de uma semana, no mês de abril de 2018. Até maio de 2019, já havia
ocorrido mais dois casos de suicídio na Universidade Federal de Minas Gerais. Em ju-
nho de 2018, na Universidade de Brasília, uma aluna estudante de Ciências Sociais su-
biu no topo de um dos edifícios da instituição e se jogou de uma altura de 15 metros.
Essas ocorrências não são casos isolados. Em um breve levantamento reali-
zado em sites de veículos de comunicação identificamos 15 casos de suicídios de
estudantes de universidades federais, entre o período de 2016 e 2018, incluindo-se
diferentes instituições, tais como: Universidade do Recôncavo Baiano (UFRB) em
2016; Universidade Federal de Minas Gerais, em 2017, 2018 e 2019; Universidade Fe-
deral do Espírito Santo (Ufes), em 2016 e 2018; Universidade Federal do Acre em
2018; e Universidade Federal do Tocantins em 2017, entre outras.
Mesmo esse número sendo significativo, sobretudo no que tange ao curto es-
paço de tempo em que se sucederam as ocorrências, acreditamos que ele está su-
bestimado. Isto porque, em pesquisa nas redes sociais neste mesmo período, perce-
bemos que o número de casos citados sobre suicídio de universitários foi maior do
que os publicados em sites de notícias, uma vez que este é um tema que a imprensa
não elenca entre os critérios de noticiabilidade para veiculação, justamente devido
aos tabus envolvendo a questão.
102
Ao expandir a pesquisa incluindo as universidades estaduais, esses números ten-
dem a aumentar, visto que somente na Universidade de São Paulo (USP), entre maio e
junho de 2018, foram registradas quatro mortes de estudantes por suicídio, o que levou
à criação imediata do escritório para acolhimento dos discentes (INFOMAR, 2018).
Considerando esse cenário, Dutra (2012) comunga da ideia acerca da obscuri-
dade que permeia a prática do suicídio em determinados locais, como o espaço aca-
dêmico. Para a autora, o suicídio entre jovens é comum e ocorre nas mais diferenciadas
regiões do Brasil, mas o registro de tais ocorrências não corresponde à realidade, pois
em muitos casos o problema acaba sendo ignorado, devido a tabus e preconceitos.
Neste contexto, diante do aumento de casos de suicídios entre os jovens e
considerando as diretrizes nacionais de prevenção do suicídio envolvendo as ins-
tituições acadêmicas, analisamos neste artigo como 15 universidades federais das
regiões Sul e Sudeste do país têm formulado políticas de prevenção do suicídio em
seus campi e como a Universidade Federal do Espírito Santo pode desenvolver esse
tipo de iniciativa.

Universidades contra o suicídio

As inquietações acerca do ato suicida ao longo dos séculos, aliadas às dife-


rentes abordagens dos estudos psiquiátricos, sociológicos e psicológicos, desperta-
ram o interesse em estudar esse fenômeno, o qual se apresenta como multifatorial,
o que requer a atenção por parte da ciência, dos governos e demais agentes envol-
vidos com as causas sociais (FERREIRA JUNIOR, 2015).
Mesmo com o desenvolvimento de pesquisas científicas, e com atenção es-
pecial das instituições sociais e órgãos governamentais, o número de suicídios não
parou de crescer, visto que na sociedade contemporânea ele se manifesta como um
grave problema de saúde pública (CRUZ; CAMARGO, 2017).
Como descrito por Barbosa, Macedo e Silveira (2011, p. 235), “[...] pensar em
suicídio é se entregar a uma busca incansável dos porquês. É refletir sobre quais
sentimentos, faltas, lacunas ou mistérios [...]” permeiam esse ato de autodestruição.
A preocupação com o suicídio se intensifica, sobremaneira, nas sociedades
democráticas, rompendo os preconceitos e tabus que, durante séculos, foram con-
siderados por muitas instituições, como a Igreja e o Estado, e até mesmo por estu-
diosos do assunto. Assim, muitas indagações ainda persistem, como por exemplo,
por que as pessoas se matam, o que aconteceu com aquela pessoa para desistir
de viver e se matar, etc. Com efeito, a ciência moderna, sobretudo pela influência
da interdisciplinaridade, desenvolve estudos com múltiplas abordagens, a fim de
esclarecer muitas questões ainda nebulosas e propor medidas de enfrentamento e
prevenção ao ato suicida (BARBOSA; MACEDO; SILVEIRA, 2011, p. 235).
A discussão é ampla, pois, mesmo que o suicídio seja visto como uma prática
consciente, que objetiva pôr fim à própria vida, considera-se que, nem sempre, o
objetivo dessa ação seja a autodestruição da vida (SCHLÖSSER; ROSA; MORE, 2014).
Assim, outras questões precisam ser esclarecidas, tal como o ciclo natural da vida,
as formas de controle da morte, os motivos que podem influenciar nesse ato violen-
to, dentre outros aspectos, cujo intuito dessas reflexões seja o de proporcionar mais
consistências às teorias e estudos desenvolvidos sobre o problema do suicídio.
103
O suicídio, que ocupa o primeiro lugar, entre as diversas causas de morte por
violência, permeia todas as faixas etárias e vem crescendo em todo o mundo, nos
últimos anos, principalmente entre jovens. Embora existam muitas controvérsias
sobre suas causas e possíveis explicações, para quem realiza a autodestruição de
si, é possível que fatores sociais, psicológicos e genéticos estejam envolvidos. A im-
pulsividade e a agressividade representam os principais indícios provocadores da
autoviolência (CHRISTANTE, 2010).
A respeito dos suicídios entre universitários, Medeiros (2012) identificou que
os jovens suicidas sofrem pressões de forças externas, específicas do ambiente aca-
dêmico, como rendimento escolar adequado para aprovação, realização de está-
gios e adequação ao perfil profissional, inserção no mercado de trabalho, dentre
outras questões. Considera-se, além desses fatores, outros de ordem individual,
como exigência da família, formação, personalidade, etc. A fusão desses diversos
fatores pode exercer uma pressão altamente comprometedora à dimensão psíquica
e à capacidade de controle do indivíduo.
Na mesma de linha de pensamento, Pereira e Cardoso (2015) identificaram
que o suicídio na população que frequenta as universidades tem crescido. E as cau-
sas apontadas foram semelhantes às encontradas por Medeiros (2012): a mudança de
contexto de vida e as exigentes atividades a serem realizadas ao longo da vida acadê-
mica geram intensas inquietações e alterações de comportamento nos jovens.
Pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Fe-
derais de Ensino Superior (Andifes, 2018) revela que 10% dos universitários apresen-
tam ou apresentaram em algum momento da vida acadêmica pensamento suicida ou
ideação de morte. Diante desse retrato, as universidades têm percebido a importante
e urgente necessidade de ampliar os programas de saúde mental para a comunidade
acadêmica, embora ainda haja um longo caminho de ações a ser percorrido.
Para uma melhor compreensão desse caminho, nesta pesquisa, foram con-
tatadas pelos e-mails institucionais 30 universidades federais das regiões Sudeste
e Sul do Brasil. Vinte delas autorizaram a coleta de dados. Dessa forma, foi enviado
por e-mail um questionário sobre políticas institucionais de prevenção ao suicídio
para ser respondido pelos pró-reitores de Assistência Estudantil e pelos pró-reitores
de Gestão de Pessoas das universidades. Um total de 15 universidades federais res-
ponderam os questionários. Desse modo, este estudo de abordagem mista quan-
ti-qualitativa realizou-se em duas fases: a primeira, com a coleta de dados entre as
instituições que concordaram em participar da pesquisa, e a segunda, com o estudo
de caso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em razão da insuficiência
de dados nas outras universidades para um tratamento matemático mais robusto.
Dentre as 15 universidades federais nas regiões Sul e Sudeste do Brasil anali-
sadas nesta pesquisa (Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Federal
de Ouro Preto; Universidade Federal de São João Del-Rei; Universidade Federal de
São Paulo; Universidade Federal de Viçosa; Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro; Universidade Federal do Triângulo Mineiro; Universidade Federal dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri; Universidade Federal Fluminense; Universidade
Federal da Fronteira Sul; Universidade Federal da Integração Latino-Americana;
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; Universidade Federal
de Pelotas; Universidade Federal de Santa Catarina; Universidade Federal do Rio
104
Grande), nove têm conhecimento sobre todas as diretrizes nacionais de prevenção
do suicídio contidas na Portaria nº 1.876 do Ministério da Saúde, de 14 de agosto
de 2006, seis informaram que possuem conhecimento de quase todas as diretrizes
nacionais, e apenas uma instituição registrou que conhece cerca de metade das di-
retrizes nacionais.
Contudo, somente uma instituição, a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), possui um programa institucional de prevenção do suicídio. Outras nove
universidades estão em fase de aprovação ou de elaboração de seus respectivos
programas e quatro não adotam nenhuma medida de prevenção do suicídio.
Na UFMG, a construção do programa existente na universidade traçou um
longo caminho de diálogo com a comunidade acadêmica, a partir da realização de
eventos sobre saúde mental, agenda de trabalhos, fóruns, redes de escuta, ações de
extensão, detecção das demandas dos alunos e servidores e união de esforços de
vários setores da instituição.
Dessa união, foi criada em 2015 a Comissão Institucional de Saúde Mental
(CISME), com a proposta de construir uma agenda de discussão e traçar diretrizes
para a constituição de uma política de saúde mental para toda a universidade.
Em 2016, após os trabalhos da comissão, foi institucionalizada a Política de
Saúde Mental da universidade, que tem como principais diretrizes: a construção
permanente e participativa de uma política de atenção em saúde mental capaz de
contemplar a diversidade da população-alvo e a diversidade de manifestações do
sofrimento mental em suas variadas situações, para articular estratégias de planeja-
mento e captação de recursos para o desenvolvimento de projetos e ações de pro-
moção, atenção e reabilitação psicossocial em saúde mental; a desestigmatização e
despatologização do sofrimento mental, de modo a construir uma cultura inclusiva,
acolhedora, humanista e não violenta; estimular as iniciativas de formação, exten-
são e pesquisa específicas para a área de saúde mental, fomentar maior informação
e comunicação sobre o sofrimento psíquico e a saúde mental; a promoção de qua-
lidade de vida e ambiente não adoecedor, de modo a valorizar os espaços de con-
vivência e de expressão cultural, acolher e acompanhar as pessoas em sofrimento
ou acometidas de transtornos mentais, propiciando pertencimento institucional; o
enfrentamento da cultura de autoritarismo, individualismo e produtivismo de modo
a contemplar estratégias de resposta ao assédio e situações que contrariem os di-
reitos humanos, equacionar os desafios concernentes à saúde mental nas relações
educacionais e de trabalho, viabilizar o incentivo ao diálogo e à participação ativa da
comunidade e das pessoas com sofrimento mental (UFMG, 2017).
Para a execução dessa política, a universidade construiu uma rede interna de aco-
lhimento para o atendimento de pessoas da comunidade em sofrimento mental e criou
um fluxo que informa à comunidade universitária o encaminhamento a ser seguido no
caso de pessoas em sofrimento mental e também no caso de urgência e emergência.
Nas demais instituições que ainda não implementaram um programa institu-
cional sobre essa questão, as principais atividades realizadas para enfrentar o pro-
blema do suicídio são a realização de rodas de conversa sobre saúde mental com
a comunidade acadêmica; a organização de grupos de acolhimento para receber
pessoas que queiram ajuda; oferta de atendimento psicológico aos estudantes e
servidores; realização de palestras informativas para desmistificar a temática; reali-
105
zação de ações relacionadas ao “Setembro Amarelo”, mês dedicado à prevenção do
suicídio, dando ênfase à necessidade de discutir o tema sem tabus e preconceitos;
e a realização de atividades de promoção à saúde mental, como oficinas e grupos
terapêuticos temáticos.
No bojo dessas atividades, três universidades contam com grupos de apoio
e programas específicos voltados para a saúde mental da comunidade acadêmica
com ações de caráter permanente e continuada.
A Universidade Federal de Ouro Preto possui uma agenda permanente de
saúde mental com atividades semanais durante todo o ano. Além disso, por meio
do Programa de Incentivo à Diversidade e Convivência, oferece dois projetos à co-
munidade acadêmica: o “Grupo de Acolhimento e Cuidado ao Estudante (ABRACE)”
e o de “Prevenção ao Suicídio Jovem: um Caminho Possível à Valorização da Vida”.
Já a Universidade Federal da Fronteira Sul possui um grupo de saúde mental
que conta com a participação de docentes e técnico-administrativos, que trabalham
em ações voltadas para a temática. E a Universidade Federal da Integração Latino-
-americana possui, desde 2017, uma Comissão de Saúde Mental que tem como ob-
jetivo instituir o Núcleo de Saúde Mental do qual participam representantes de toda
comunidade acadêmica.

Caminhos possíveis para a Ufes

A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) já conta com setores onde há


atendimento psicológico disponível para estudantes e servidores técnicos e docen-
tes nos quatro campi da instituição (Goiabeiras e Maruípe, ambos na capital, além
de Alegre e São Mateus, no interior do estado). Para institucionalizar a saúde mental
e o combate ao suicídio como uma política universitária, é preciso, em primeiro lu-
gar, ampliar a divulgação desses serviços junto aos colegiados de cursos e espaços
de convivência e melhorar a estrutura dos locais onde há atendimento.
A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania (Proaeci), que trata das
políticas voltadas para os eixos da assistência estudantil, das ações afirmativas e
da acessibilidade na Ufes, ainda carece de um núcleo de escuta que precederia o
atendimento psicológico ofertado, de modo a promover uma escuta sensível como
primeira abordagem de acolhimento.
Desse modo, o mapeamento dos programas e das ações de prevenção ao sui-
cídio realizados nas universidades supracitadas tem como objetivo subsidiar a Ufes
no processo de construção de suas ações afirmativas e políticas institucionais no que
tange o problema em questão, que ainda carece de uma abordagem efetiva por parte
da universidade, uma vez que esse serviço ainda é pouco divulgado na universidade.
Entre as principais ações identificadas nas 15 instituições analisadas que
podem servir como modelo sugestivo para a Ufes, citamos a realização de eventos,
seminário, congressos, workshops e rodas de conversa sobre saúde mental, neces-
sários para a mudança da cultura institucional e a quebra de tabus; a criação de nú-
cleos de apoio psicológico para alunos e servidores, bem como a divulgação massi-
va dos trabalhos realizados por esses núcleos para que a comunidade universitária
se sinta confortável em procurá-los; a realização de ações com maior publicidade e
envolvimento de múltiplos setores da universidade sobre o Setembro Amarelo; e a
106
publicação de uma guia ou de uma resolução que trata da questão da saúde mental
e do combate ao suicídio de forma institucional pela Ufes, com diretrizes e encami-
nhamentos práticos de procedimentos e setores a serem acionados por quem sofre
de algum tipo de adoecimento mental.
É imperioso destacar a importância da sensibilização de toda comunidade
acadêmica para a temática da saúde mental. Docentes e servidores administrativos
devem estar alinhados, precisam conhecer o tema e ter sensibilidade ao deparar-se
com sofrimento mental, principalmente de alunos. Assim como esses também pre-
cisam conhecer o tema e saber onde encontrar apoio dentro da universidade.
Além disso, para o êxito de um programa de prevenção do suicídio será pre-
ciso um esforço da administração central na sensibilização de toda a comunidade
para o tema da saúde mental e para sua discussão no dia a dia acadêmico. Será
necessário implementar diretrizes nesse sentido e trabalhar para que elas sejam
postas em prática por cada pessoa vinculada à universidade.
Por isso, para implementação de uma política de saúde mental, voltada
para a prevenção do suicídio é importante que a instituição compreenda a sua rea-
lidade e entenda a saúde mental como pauta do cotidiano, buscando ser uma uni-
versidade acolhedora e de fato promotora da saúde em todos os aspectos. Pouco
prosperará a implementação de uma política de prevenção do suicídio sem a parti-
cipação da comunidade acadêmica na construção dessa política. Nomear uma co-
missão para realizar o diagnóstico de toda a instituição com o objetivo de envolver
docentes que já pesquisam a área de saúde mental e suicídio e envolver os repre-
sentantes discentes e os representantes dos técnicos administrativos na construção
desse relatório institucional é o primeiro passo a ser adotado na universidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação da família, dos amigos e do sistema público de saúde é imprescin-


dível para o sucesso das medidas de prevenção do suicídio. Contudo, as universi-
dades possuem um papel importante na vida das pessoas que compõem a comu-
nidade universitária, seja provendo o vínculo empregatício e a carreira, no caso dos
servidores técnicos, docentes e terceirizados, seja formando futuros profissionais,
no caso dos estudantes. Portanto, as instituições de ensino não podem se furtar a
contribuir para o bem-estar de seus membros.
Além disso, é consenso entre os estudiosos da temática do suicídio que o
sofrimento é o gatilho que leva as pessoas a desistirem da vida, pela percepção de
uma impossibilidade de solucionar o problema que as aflige. Esse sofrimento pode
se manifestar por diversos sintomas, destacando-se a depressão, o fracasso, a frus-
tração, as perdas e a baixa autoestima, entre outros fatores. Como vimos, o suicídio
consiste em um fenômeno que ocorre em nível mundial e que tem preocupado não
só os governos, como todos os segmentos que trabalham em políticas de preven-
ção para situações de saúde pública. Entre eles está a educação, com papel fun-
damental nesse processo, representada neste estudo pelas universidades federais
brasileiras analisadas.
Diante disso, os resultados encontrados neste estudo demonstram que há
um amplo espectro de ações que podem ser adotadas de forma simples ou com-
107
binada, os quais têm logrado êxito no enfrentamento do problema no âmbito das
instituições de ensino superior pesquisadas. Essas ações se agrupam em duas di-
mensões: médico-psicológica e de apoio. No primeiro caso, são utilizados medi-
camentos para tirar a pessoa da crise a fim de estabilizá-la e obter um tratamento
psicológico que surta efeito.
No segundo, o qual se trata da esfera de atuação onde reside a importân-
cia das políticas universitárias sobre o tema, estão diversas ações que vão desde o
esclarecimento dos alunos e servidores quanto ao processo de depressão e adoe-
cimento mental, com a oferta de oportunidades para a comunidade universitária
receber acolhimento e apoio por meio de seminários, simpósios, rodas de conversa,
debates e atendimento psicológico em núcleos de atenção à saúde, entre outras
medidas. Salvar vidas requer empenho, planejamento e execução de medidas ins-
titucionais de enfrentamento ao adoecimento mental que desmistifiquem os tabus
e os preconceitos.

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Extension action in the face of the SARS-CoV-2 pandemic: the role of the UFV-CRP
Molecular Diagnostics Laboratory and university protagonism

Resumo
Com a crise sanitária instaurada no início de 2020, foi proposta Liliane Evangelista Visôtto
por membros da comunidade acadêmica da Universidade Fede- Luanda Medeiros Santana
ral de Viçosa - Campus Rio Paranaíba (UFV-CRP) a criação de um Karine Frehner Kavalco
laboratório de diagnóstico do SARS-CoV-2, por RT-qPCR. O obje- Rubens Pasa
tivo deste artigo é relatar como o esforço conjunto entre univer- Pedro Ivo Vieira Good God
sidade, instituições públicas e privadas promoveu, com sucesso,
lvisotto@ufv.br
a instalação de um laboratório de testagem em um campus, fora
da sede universitária, no enfrentamento da COVID-19. Nos quase Universidade Federal de
dois anos de atividade, o Laboratório de Diagnósticos Moleculares Viçosa/ Campus Rio Paranaíba.
(LDM) atendeu a 22 municípios da região do Alto Paranaíba/MG e
liberou 25.201 exames. Além destes, o LDM também realizou o trei-
namento de estudantes de graduação e pós-graduação nas técni-
cas moleculares de diagnóstico do coronavírus, atuou no combate
contra a propagação de informações falsas nas redes sociais e na
disseminação de métodos profiláticos da COVID-19. A instalação
do LDM proporcionou a criação de uma disciplina teórica e práti-
ca sobre a doença, e fortaleceu a pesquisa no campus, permitindo
que projetos de iniciação científica relacionados a COVID-19 fos-
sem executados, com resultados publicados em periódicos cientí-
ficos indexados internacionalmente.

Palavras-chave: pandemia; COVID-19. RT-qPCR; extensão univer-


sitária.

111
Abstract
With the health crisis established in early 2020, members of the
academic community of the Federal University of Viçosa - Cam-
pus Rio Paranaíba (UFV-CRP) proposed the creation of a SARS-
-CoV-2 diagnostic laboratory, by RT-qPCR. The purpose of this
article is to report how the joint effort between the university,
public and private institutions successfully promoted the ins-
tallation of a testing laboratory on a new campus, outside the
university headquarters, in the face of COVID-19. In almost two
years of activity, the Molecular Diagnostics Laboratory (MDL)
served 22 cities in the Alto Paranaíba/MG region and released
25,201 tests. In addition, MDL also trained undergraduate and
graduate students in molecular diagnostic techniques for the
coronavirus, acted in the fight against the spread of false in-
formation on social networks and the spread of COVID-19 pro-
phylactic methods. The installation of MDL provided the crea-
tion of a theoretical and practical discipline about the disease,
and strengthened research on campus, allowing scientific ini-
tiation projects related to COVID-19 to be carried out, with re-
sults published in internationally indexed scientific journals.

Keywords: pandemic; COVID-19. RT-qPCR; university extension.

112
INTRODUÇÃO

A COVID-19 é uma doença causada por um novo coronavírus, não identificado


anteriormente em seres humanos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi notifica-
da sobre casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República
Popular da China, em 31 de dezembro de 2019. No dia 07 de janeiro de 2020, foi confir-
mada pelas autoridades chinesas uma nova cepa do coronavírus, inicialmente nomea-
do 2019-nCoV e, em 11 de fevereiro de 2020, passou a ser chamada de SARS-CoV-2 (sigla
em inglês para Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) (OPAS, 2022). O mais
alto nível de alerta de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ES-
PII) foi declarado pela OMS em 30 de janeiro de 2020, mas somente no dia 11 de março
de 2020 a pandemia causada pelo SARS-CoV-2 foi reconhecida (WHO, 2022). No Brasil,
o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020. Desde então,
mais de 30 milhões de casos, e mais de 665 mil óbitos, foram registrados (BRASIL, 2022).
O agente causal da COVID-19 (SARS-CoV-2) é classificado como um vírus
da família Coronaviridae. Seu material genético, o ácido ribonucléico de fita sim-
ples e polaridade positiva (+RNA), contém menos de 30 mil nucleotídeos e co-
difica aproximadamente 29 proteínas diferentes, sendo a glicoproteína spike e a
proteína do nucleocapsídeo as mais relevantes (CERAOLO; GIORGE, 2020; UZU-
NIAN, 2020). Por se tratar de um vírus de RNA, o SARS-CoV-2 pode sofrer mutações
frequentes, ocasionando alterações nas proteínas virais e, consequentemente, o
surgimento de novas variantes mais transmissíveis e com capacidade de mitigar o
sistema imunológico (INSTITUTO BUTANTAN, 2021).
Devido as infecções respiratórias causadas por esse vírus, a transmissibilida-
de é muito rápida e elevada, o que ocasiona um aumento no número de hospitaliza-
ções em um curto espaço de tempo. Isso sobrecarrega o sistema de saúde, podendo
gerar grandes impactos sociais e econômicos. Dessa forma, foi recomendado pela
OMS que todos os países adotassem inúmeras intervenções não farmacológicas
de alcance individual, ambiental e comunitário, como lavagem das mãos, uso de
máscaras, restrição social, limpeza rotineira de ambientes e superfícies; restrição ou
proibição ao funcionamento de escolas e universidades, locais de convívio comuni-
tário, transporte público, além de outros espaços, afim de evitar a aglomeração de
pessoas (GARCIA; DUARTE, 2020). Além da adoção das intervenções não farmacoló-
gicas, outra forma bastante eficiente de controle da disseminação do vírus é a testa-
gem em massa. Especialistas destacam a importância de acompanhar a circulação
do coronavírus para o controle da propagação da COVID-19 e a prevenção de novos
casos.
Diante dessa nova realidade, as universidades e institutos federais brasileiros
iniciaram uma série de ações e remanejamentos financeiros a fim de contribuir com
o enfrentamento da pandemia. Dentre elas, pode-se citar a reestruturação de labo-
ratórios para a realização de testes de COVID-19, para o desenvolvimento de kits de
diagnósticos, para a produção de álcool em gel, para o conserto e manutenção de res-
piradores hospitalares, e até mesmo para o desenvolvimento de novos respiradores
de baixo custo e de equipamentos de proteção individual como: máscaras, protetores
faciais (face shields), entre outros. Todos os projetos contaram com a mão-de-obra de
docentes, técnicos administrativos e estudantes em vários níveis de formação
113
(GIMENEZ; SOUZA; FELTRIN, 2020). As universidades também criaram campa-
nhas para captação de doações de dinheiro, insumos (reagentes e outros) e materiais
de consumo (equipamentos de proteção individual - EPI, como máscaras, luvas, aven-
tais etc.). Também, incentivaram o trabalho em rede, bem como o redirecionamento
de recursos e de mão de obra para ações destinadas ao combate da COVID-19 (GIME-
NEZ; SOUZA; FELTRIN, 2020). Segundo o levantamento realizado pelo Ministério da
Educação (MEC), até julho de 2020, 1.665 ações estavam sendo realizadas pela comu-
nidade acadêmica nas universidades e nos institutos federais brasileiros, para o en-
frentamento da pandemia (LISBOA, 2020).
Dentro deste contexto, é importante ressaltar que várias instituições federais,
estaduais e privadas foram habilitadas, de forma temporária e emergencial, a rea-
lizar o diagnóstico da COVID-19, para aumentar o número de amostras analisadas.
Em Minas Gerais, a Fundação Ezequiel Dias (FUNED) foi responsável por ampliar a
rede de diagnóstico da COVID-19 através do credenciamento inicial de 19 laborató-
rios. Estes foram habilitados por atenderem os requisitos mínimos da RDC 302 de
2005, que estabeleceu o nível de segurança NB2 e a capacidade técnica e operacio-
nal, para execução de exames por RT-qPCR (FUNED, 2020). Dentre as instituições
credenciadas, a Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba (UFV-CRP)
passou a integrar a RedeLab Covid-19 em maio de 2020. O laboratório de análise
da COVID-19 da UFV-CRP foi chamado de Laboratório de Diagnósticos Moleculares
(LDM).
Além da realização dos exames, o LDM contribuiu no treinamento de estu-
dantes de graduação e pós-graduação, com técnicas moleculares de diagnóstico
do coronavírus e no combate contra a propagação de informações falsas nas re-
des sociais. Essas ações proporcionaram uma maior conscientização da população
quanto à importância da adoção das intervenções não farmacológicas, da testagem
e da vacinação neste momento de pandemia.
Dessa forma, o objetivo desse artigo é descrever como o esforço conjunto de
instituições públicas, privadas, prefeituras, secretarias de saúde e da comunidade
acadêmica da UFV-CRP tornaram realidade a execução da testagem do SARS-CoV-2
por RT-qPCR, auxiliando inúmeros municípios nas tomadas de decisões, bem como
no esclarecimento e conscientização da sociedade sobre temas relacionados a pan-
demia, contribuindo efetivamente no enfrentamento da COVID-19.

MÉTODO

Criação do LDM

A Funed abriu inscrições para que laboratórios interessados em integrar a


RedeLab Covid-19 enviassem os documentos no período de 23 e 26 de março de
2020. A documentação foi analisada levando em consideração o atendimento
dos requisitos mínimos da RDC 302 de 2005, e a capacidade técnica e operacio-
nal para executar exames de RT-qPCR. Às instituições selecionadas foi encami-
nhado o termo de compromisso para assinatura e reenvio a Funed.
Para a realização dos exames por RT-qPCR foram necessárias adequações na es-

114
trutura física do laboratório e a aquisição/empréstimo de vários equipamentos, reagen-
tes, materiais de consumo e EPI. Também foi feita a seleção de voluntários para atuarem
nas atividades do laboratório, baseando-se na experiência laboratorial prévia.

Seleção e treinamento pessoal

Foram selecionados voluntários (docentes, discentes e técnicos da UFV-


-CRP) para atuarem na realização dos testes de COVID-19 por RT-qPCR. As inscri-
ções foram feitas através da divulgação das atividades do laboratório nas redes
sociais e, posteriormente, os inscritos foram selecionados baseando-se na expe-
riência mínima nas técnicas laboratoriais.
Antes do início das atividades, os docentes e doutores envolvidos no pro-
jeto realizaram um treinamento pessoal com toda a equipe para todas as etapas
de execução dos testes - paramentação, recepção de amostras, aliquotagem e
identificação das amostras, extração do RNA e análise por RT-qPCR. Os discentes
sempre estavam acompanhados por professores durante as atividades.

Exames liberados e municípios atendidos

Os testes para detecção do SARS-CoV-2 foram realizados usando a técnica da


reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa e amplificação em tempo
real (RT-qPCR), conhecido como “Padrão Ouro” no diagnóstico da COVID-19, pois
detecta o vírus ainda nas vias respiratórias superiores do paciente, permitindo que
medidas rápidas de isolamento e prevenção à disseminação da doença sejam to-
madas (BRITO et al., 2020). Para a realização do teste, o LDM recebeu amostras da
nasofaringe, orofaringe, saliva e aspirado broncopulmonar de pacientes. O teste,
aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), permite à ampli-
ficação e a detecção do material genético viral em algumas horas. Até o momento,
esse é o teste mais confiável, apresentando uma sensibilidade que pode variar de
63,0% a 93,0% e especificidade de 100,0% (BRITO et al., 2020).
Os municípios atendidos pelo laboratório localizam-se na região do Alto Pa-
ranaíba/MG, onde também se encontra o município de Rio Paranaíba e a UFV-CRP.

RESULTADOS

Aproximadamente 120 laboratórios se cadastraram na Funed e 47 desses


encaminharam o checklist obrigatório para avaliação. Em 02 de abril de 2020,
após a avaliação da documentação, 19 laboratórios foram considerados aptos
a ingressarem na RedeLab Covid-19, dentre eles o Laboratório de Diagnósticos
Moleculares da UFV-CRP (Tabela 1). Posteriormente, outras instituições também
foram habilitadas e credenciadas à rede.

115
Tabela 1:
MUNICÍPIOS INSTITUIÇÕES
Laboratórios
credenciados pela
FUNED, em 02 de
Belo Horizonte FioCruz Minas
abril de 2020, para
Fundação Hemominas
participarem da Re-
deLab Covid-19 na São Marcos Saúde e Medicina Diagnóstica
execução de testes Simile Instituto de Imunologia Aplicada
de SARS-CoV-2 por Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
RT-qPCR. Diamantina Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e
Mucuri (UFVJM)
Ipatinga Hospital Márcio Cunha
Fundação São Francisco Xavier
Lagoa Santa Loci Genética Laboratorial
Montes Claros Unimontes
Pedro Leopoldo Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuá-
ria (MAPA)
Rio Paranaíba Universidade Federal de Viçosa - Campus Rio Para-
naíba (UFV-CRP)
Sete Lagoas Laboratório Santa Lúcia
Viçosa Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Durante o cadastramento ainda não havia um laboratório equipado totalmen-


te para tal fim. Os equipamentos multiusuários à disposição na UFV-CRP naquele
momento eram um termociclador em tempo real, um fluorômetro para quantifica-
ção de ácidos nucléicos, um purificador de água e uma máquina de gelo. Assim,
para a execução dos exames foram cedidos temporariamente pelos laboratórios
didáticos e de pesquisa da UFV, equipamentos e materiais extras necessários para
as análises como autoclave, estufa de secagem e esterilização, estação de trabalho
(workstation), geladeira, jogos de pipetas automáticas, banho seco, microcentrífu-
gas para microtubos, entre outros. A iniciativa privada também contribuiu doando
uma centrífuga de placas, um triturador de gelo, um freezer -20°C e concedeu, por
empréstimo, um termociclador em tempo real. Há também de ressaltar os altos in-
vestimentos feitos pela própria reitoria da UFV na compra de equipamentos e re-
agentes, para o laboratório dar início às suas atividades (Figura 1A). Nascia então
mais um importante laboratório na UFV - Campus Rio Paranaíba, que passou a pres-
tar um serviço qualificado para a região (Figura 1B). Posteriormente, outros apor-
tes financeiros importantes foram destinados ao laboratório, vindos do Ministério
Público Federal, Ministério Público do Trabalho, das Prefeituras Municipais de Ibiá,
Pratinha, Rio Paranaíba, São Gotardo e da Secretaria Estadual de Saúde do Estado
de Minas Gerais.

116
Figura 1:
Laboratório de Diag-
nósticos Moleculares
da UFV-CRP. (A)
Equipamentos ad-
quiridos para as ati-
vidades de testagem
do SARS CoV-2. (B)
Laboratório comple-
to, inaugurado em 28
de maio de 2020.
Fonte: Rubens Pasa
– acervo pessoal,
(2020/2022)

Além da realização dos exames, o LDM contribuiu com o treinamento nas


técnicas moleculares de diagnóstico do coronavírus de estudantes de gradua-
ção e pós-graduação, aumentando as possibilidades de atuação desses alunos
no mercado de trabalho. Mais de 50 pessoas da comunidade acadêmica foram
inscritas e 20 selecionadas para auxiliar na realização dos exames. Ao todo, o LDM
contou com a colaboração de seis docentes, uma doutora em Biologia Celular,
três doutorandos, um mestrando e dezesseis graduandos dos cursos de Ciências
Biológicas, Agronomia e Química da UFV-CRP (Figura 2). No início, todos atuaram
117
como voluntários do laboratório, no entanto, convênios foram assinados ao longo
do ano de 2020 e parte da verba foi revertida em bolsas para os discentes envol-
vidos. Os estágios realizados no LDM renderam bons frutos para alguns de seus
integrantes. Pode-se citar a admissão de um dos voluntários em um laboratório
particular na cidade de Belo Horizonte para atuar no diagnóstico da COVID-19 por
RT-qPCR; a contratação de outro em um laboratório de fertilidade humana em
Ribeirão Preto e a aprovação em programas de pós-graduação.
Figura 2:
Equipe integrante
do LDM durante
as atividades de
execução do teste
diagnóstico da CO-
VID-19 por RT-qPCR.
(A) Recebimento
e identificação
das amostras.
(B) Aliquotagem
das amostras. (C)
Extração do RNA.
(D) RT-qPCR. (Fonte:
Rubens Pasa –
acervo pessoal,
(2020/2021).

A expectativa inicial era realizar cerca de 50 testes por dia. Com o aumento
no número de casos de COVID-19 em todo o mundo e a alta demanda das secre-
tarias municipais de saúde da região, foi necessária a aquisição de um extrator
de ácidos nucléicos automatizado, que possibilitou quadruplicar o número de
exames realizados diariamente. Nos meses de pico da pandemia, foi necessário
um revezamento da equipe do LDM nos três turnos para atender toda a deman-
da dos municípios, que chegou a mais de 200 exames por dia.
Entre os meses de maio de 2020 a fevereiro de 2022, período de atividade
do LDM como membro da RedeLab Covid-19, foram realizados 25.201 testes de
COVID-19 por RT-qPCR (Figura 3). Nos primeiros doze meses de atividade (05/2020
a 05/2021) mais de 18 mil exames foram entregues aos municípios da região, sen-
do a média mensal de 1.417,5 testes. Já no segundo ano (06/2021 a 02/2022) fo-
ram realizados 6.773 exames, com média mensal de 752,5. Pode-se observar uma
variação mês a mês no número de exames liberados, devido às variações no nú-
mero de casos na região, a demanda das secretarias municipais de saúde e ao
contexto nacional da pandemia.

118
Figura 3:
Total de exames
mensais realizados
pelo LDM, no perío-
do de maio de 2020
a fevereiro de 2022.

Fonte: Rubens Pasa –


acervo pessoal, 2022

O LDM atendeu às secretarias de saúde de vinte e dois municípios da região


do Alto Paranaíba/MG (Figura 4), sendo Patos de Minas, Rio Paranaíba, Carmo Para-
naíba e São Gotardo os municípios com maior número de exames liberados (Figura
4). A alta demanda desses municípios, justifica-se pela facilidade de deslocamento
devido à proximidade do campus onde está localizado o LDM. No caso de Patos de
Minas, soma-se ainda o número de habitantes e a cidade ser pólo de atendimento
em saúde de outros pequenos municípios da região.

Figura 4:
Municípios atendi-
dos e número de
exames realizados
pelo LDM.

Fonte: Rubens Pasa –


acervo pessoal, 2022

119
DISCUSSÃO

Devido à crise mundial provocada pela pandemia da COVID-19, as universida-


des públicas brasileiras buscaram reorganizar várias de suas atividades e infraestru-
turas para atender às novas e inesperadas demandas da sociedade (GIMENEZ; SOU-
ZA; FELTRIN, 2020). Isso vai de encontro com um dos propósitos da Política Nacional
de Extensão Universitária, a qual busca efetivar ações de acordo com as exigências
da realidade local, nacional e mundial e contribuir para que a Extensão Universitária
seja parte da solução dos grandes problemas sociais vigentes (FORPROEX, 2012).
Questionamentos e reflexões impulsionaram alguns membros da UFV-CRP a
acreditarem e trabalharem arduamente por um propósito até então altruísta e, na
visão de muitos, impossível. Podemos citar as palavras da doutora em Epidemiolo-
gista Samanta Madruga publicada no editorial da revista Expressa Extensão (2020)
sobre a pandemia: “Estamos expostos a uma situação em que TODOS, sem exceção,
têm um papel a cumprir, e isso é a grande prova, TODOS seremos responsáveis pelo
desfecho final! Faça sua parte!” (MADRUGA, 2020). A ideia de criar um laboratório
para atender exclusivamente exames de COVID-19 e aumentar o número de indiví-
duos testados também foi decorrente da estratégia utilizada com sucesso pela Co-
reia do Sul. Nesse país, foi adotado um sistema de triagem rápida com o objetivo de
identificar o maior número possível de indivíduos assintomáticos, que são a prin-
cipal fonte de transmissão e que contribuem com a disseminação do vírus no país
(BRITO et al., 2020). Essa estratégia foi tão efetiva que o número de casos diminuiu
consideravelmente nesse país. Assim, movidos pelo sentimento de coletividade,
nasceu o Laboratório de Diagnósticos Moleculares da UFV-CRP. Vale ressaltar que
outras redes de testes de diagnóstico de COVID-19 foram criadas no Brasil, como a
“Plataforma de Laboratórios” criada pelo governo do Estado de São Paulo no início
do mês de abril de 2020, tendo como integrantes as três universidades estaduais
paulistas, UNICAMP, UNESP e USP (GIMENEZ; SOUZA; FELTRIN, 2020). Mas, mesmo
com tantos esforços da comunidade acadêmica, infelizmente o Brasil está entre os
países com o menor percentual de testes por milhão de habitantes, realizando me-
nos testes que países vizinhos, como, por exemplo, Peru e Uruguai.
Segundo Gattai e Bernardes (2013), a universidade deve atuar na realidade
social, contribuindo para a transformação dela e na produção de conhecimento
científico sobre esse processo. Assim, além de cumprir seu papel extensionista na
comunidade em que se insere, o LDM também contribuiu com o ensino e a pesqui-
sa, atendendo ao tripé universitário. Em relação ao ensino, pode-se ressaltar que os
estagiários, além do treinamento nas técnicas moleculares, tiveram a oportunidade
de vivenciar e aprender como é a rotina de um laboratório de análises, semelhante
ao que encontrarão no mercado de trabalho. Isso, sem dúvida, será um diferencial
na formação profissional desses estudantes. Foi também oferecida uma disciplina
optativa para os alunos da graduação, Aspectos Gerais sobre a COVID-19, que tra-
ta sobre os aspectos teóricos da doença e a prática do diagnóstico molecular. São
apresentadas aos alunos todas as etapas da testagem realizadas no LDM, através de
aulas práticas nas quais o aluno tem a oportunidade de aprender e exercitar as técni-
cas moleculares, desde o recebimento das amostras até a interpretação dos laudos.
No campo da pesquisa, projetos de iniciação científica envolvendo diagnóstico por
120
RT-LAMP do SARS-CoV-2 e validação do diagnóstico molecular da COVID-19 U utili-
zandoamostras de saliva foram desenvolvidos por discentes do LDM. Os resultados
desses estudos já foram publicados em periódicos científicos internacionais.
No dia 31 de março de 2022, o LDM encerrou suas atividades no enfrentamento
à Covid-19 como membro da RedeLab COVID-19. A partir de agora, o LDM será um
Centro Colaborador e realizará além do diagnóstico da COVID-19, exames diversos
com base em RT-qPCR (influenza A e B, dengue - subtipos, zika, chikungunya, febre
amarela) para os municípios das sub-regionais de saúde de São Gotardo e Araxá/MG.

CONCLUSÃO

A crise sanitária decorrente da pandemia do novo coronavírus é considerada


um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade no século XXI, e provocou
uma reviravolta em muitos setores da sociedade. Se por um lado a pandemia pro-
vocou medo, insegurança, revolta e dor, por outro ela fez despertar em muitos o
sentimento de solidariedade e a valorização do coletivo em detrimento aos valo-
res pessoais. Neste contexto, as ações implementadas pelas universidades federais
foram essenciais na mitigação dos problemas sociais e na contribuição ativa do
enfrentamento da COVID-19. A criação do LDM pela UFV-CRP é apenas um exemplo
de ação extensionista responsável por atender a comunidade que tanto espera da
universidade, especialmente em situações difíceis e impositivas, como a COVID-19.
Que o envolvimento, o trabalho e a dedicação da comunidade acadêmica em prol
de uma sociedade mais humana permaneçam incessantes!

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121
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https://www.who.int/emergencies/diseases/novelcoronavirus-2019. Acesso em: 29 abr. 2022.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a todos os voluntários, discentes, técnicos e docentes


da UFV-CRP, pela solidária participação nessa empreitada. Agradecem também a
todas as fontes de financiamento ou suporte, institucional e privadas.

FONTES DE FINANCIAMENTO

COOPADAP; COOPACER; Ministério Público Federal; Ministério Público do Tra-


balho; Prefeituras Municipais de Ibiá, Pratinha, Rio Paranaíba, São Gotardo; Secreta-
ria Estadual do Estado de Minas Gerais; Reitoria da Universidade Federal de Viçosa-
-UFV e Diretoria do Campus de Rio Paranaíba-UFV/CRP.

122
João de Barro, Constantino Buteri.

123
Contribuições da Iniciativa Conjunta para Promoção
da Abordagem da Saúde Única na formação
profissional e comunitária para o enfrentamento da
pandemia de Covid-19
Contributions of the Joint Initiative for the Promotion of the One Health Approach in
professional and community training to face the Covid-19 pandemic

Resumo Creuza Rachel Vicente


A abordagem de Saúde Única integra diversas esferas profissio- Mariana Abou Mourad Ferreira
nais com o intuito de solucionar problemas envolvendo a saúde Natalia de Oliveira Freitas
humana, animal e ambiental, sendo importante para a preven-
vicentecrachel@gmail.com
ção de pandemias, como a da Covid-19. Este relato de experiên-
cia descreve como nosso projeto de extensão em Saúde Única Universidade Federal do
teve impacto positivo na continuidade das atividades universitá- Espírito Santo
rias durante a pandemia de Covid-19, e na promoção de conhe-
cimento para a comunidade em geral. Tendo em vista o contex-
to do isolamento social, todas as atividades foram realizadas de
forma virtual. As tarefas, iniciadas em agosto de 2020, foram: (i)
webinars e grupos de estudo com professores, profissionais da
saúde e alunos da graduação e pós-graduação; (ii) curso inter-
nacional envolvendo profissionais e alunos do Brasil, Alemanha,
Moçambique e Kosovo; e (iii) divulgação de conteúdo educativo
nas redes sociais. Até o momento, foram realizados oito webinars;
dez grupos de estudo para discussão de temas atuais; produção
de mais de 70 conteúdos em redes sociais e duas edições do cur-
so internacional em Saúde Única. O presente projeto mostrou-se
bem-sucedido ao unir e capacitar uma gama de profissionais de
diferentes áreas de atuação, estados e países, e a difundir a abor-
dagem da Saúde Única para a população em geral.

Palavras-chave: saúde única; interdisciplinar; pandemia; educa-


ção; COVID-19.

124
Abstract
The One Health approach integrates several professionals to
solve problems involving human, animal, and environmental
health, and its implementation is important for the prevention
of pandemics, such as Covid-19. This experience report des-
cribes how our extension project in One Health had a positive
impact on the continuity of university activities during the Co-
vid-19 pandemic and on the promotion of knowledge for the
community in general. Due to social isolation, all activities
were carried out virtually. The tasks, which started in August
2020, were: (i) webinars and meetings with professors, health
professionals, and undergraduate and graduate students; (ii)
international course involving professionals and students from
Brazil, Germany, Mozambique, and Kosovo; and (iii) dissemi-
nation of educational content in posts on social networks. We
have done five webinars, 10 study groups to discuss current is-
sues, more than 70 content on social media, and two editions of
the international course on One Health. The project succeeded
in uniting and training a range of professionals from different
areas of activity, states, and countries, and in disseminating the
One Health approach to the general population.

Keywords: one health; interdisciplinary; pandemic; education;


COVID-19.

125
INTRODUÇÃO

O termo ‘Saúde Única’, do inglês “One Health”, caracteriza-se por uma aborda-
gem integrada e unificada que reconhece que a saúde de humanos, animais domésti-
cos e selvagens, plantas e o meio ambiente são intimamente ligados e interdependen-
tes . Esta abordagem é defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a
principal forma de evitar futuras pandemias em uma era de emergência e reemergên-
cia de doenças infecciosas, com potencial de rápida disseminação internacional (ONE
HEALTH HIGH LEVEL EXPERT PANEL, 2021).
Com a pandemia de Covid-19 pudemos ver lacunas de conhecimento, soma-
das à necessidade de respostas coordenadas e colaborativas para prevenção, pre-
paração e resposta a ameaças como esta (ONE HEALTH HIGH LEVEL EXPERT PANEL,
2021). Consequentemente, em março de 2022, quatro organizações mundiais firma-
ram um memorando para o enfrentamento de riscos à saúde usando o contexto da
Saúde Única (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2022). Contudo, seu sucesso depende-
rá do preparo constante dos sistemas de saúde de todos os países para lidarem com
epidemias cada vez mais frequentes, complexas e impactantes, em um ciclo integrado
de preparação, resposta e recuperação .
Os recursos humanos são um componente importante da abordagem da Saú-
de Única (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018), unindo áreas médicas, veterinárias
e ambientais aos governos, negócios e sociedade civil . No entanto, o pensamento
focado em áreas disciplinares específicas, as diferenças culturais e a falta de recursos
humanos capacitados dificultam iniciativas com esta abordagem (RIBEIRO; VAN DE
BURGWAL; REGEER, 2019). Desta forma, a capacitação para o trabalho interprofissio-
nal e intersetorial é essencial para que estudantes e profissionais desenvolvam habi-
lidades para atuação em um cenário de centralidade da Saúde Única como forma de
resposta aos desafios em saúde global. Além disso, o envolvimento da comunidade
e o financiamento da educação, diretamente influenciado por fatores políticos e eco-
nômicos, são primordiais para o sucesso destas ações (FOOD AND AGRICULTURE OR-
GANIZATION, 2011). Nesse contexto, práticas como a criação de projetos de extensão
dentro de universidades permitem implementar estratégias holísticas, em momento
oportuno, que é o início da capacitação profissional .
Dentre cursos e projetos em Saúde Única já realizados, podemos observar al-
gumas limitações, destacando-se as seguintes: inclusão de apenas alunos de medi-
cina humana ou veterinária; implementação somente nos últimos anos do curso de
graduação; ausência de internacionalização e de exposição a casos-problema reais
(treinamento prático), e falhas na comunicação . Ademais, temos uma atitude ainda
muito vista nos cursos, descrita como “mentalidade de silo”, que é caracterizada por
uma mentalidade limitada e fechada, onde pessoas inseridas em determinadas orga-
nizações tem dificuldade em dividir conhecimento e interagir com indivíduos de fora .
Neste artigo, abordamos o projeto de extensão “Iniciativa Conjunta para Pro-
moção da Abordagem da Saúde Única” (One Health Espírito Santo), iniciado em agos-
to de 2020, momento em que as atividades presenciais da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES) estavam restritas devido a pandemia de Covid-19. Dentre os par-
ticipantes, estavam estudantes de cursos de graduação, pós-graduação, professores
e profissionais.
126
O projeto possibilitou a continuidade das atividades de ensino e extensão, de forma
remota, com alcance também na comunidade em geral. Além disso, vem promoven-
do a discussão de tópicos necessários ao enfrentamento da pandemia de Covid-19
e de futuras emergências em saúde pública (PETTAN-BREWER et al., 2021) .

Tendo em vista o contexto mencionado, este artigo apresenta os impactos e desafios des-
te projeto de extensão na continuidade das atividades universitárias e na promoção do
conhecimento e discussões sobre Saúde Única entre profissionais, estudantes e a comu-
nidade em geral. Aqui, propomos identificar estratégias aplicadas que foram bem-suce-
didas, bem como aquelas que necessitam de aprimoramento, com o intuito de fornecer
recomendações e exemplos para projetos futuros.

MÉTODO

Delineamento do estudo

Este é um relato de experiência com caráter descritivo qualitativo e quantitativo sobre


a implementação do projeto de extensão intitulado “Iniciativa Conjunta para Promoção da
Abordagem da Saúde Única”, iniciado em agosto de 2020, de forma remota, pela UFES. Este
projeto tem como áreas temáticas a saúde e a educação. A linha de extensão é a de coo-
peração institucional. O projeto tem como coordenadora uma professora do Departamento
de Medicina Social e do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas da UFES e,
como assistente e bolsista da Pró-Reitoria de Extensão (ProEx/UFES), uma estudante de gra-
duação do curso de Odontologia da UFES. Informações sobre o projeto de extensão estão
disponíveis também através do link https://projetos.ufes.br/#/projetos/1813/informacoes.
Neste estudo, buscamos apresentar os objetivos do projeto, seu público-alvo e as atividades
executadas para a promoção do conhecimento em Saúde Única de forma interdisciplinar.
Ademais, avaliamos as ações realizadas e mostramos os problemas identificados no decor-
rer do tempo.

Público-alvo e atividades

O público-alvo das ações do projeto foram estudantes nos níveis de graduação,


mestrado e doutorado, professores e profissionais de diversas áreas e instituições, e
a comunidade em geral. As inscrições para participação no projeto foram feitas por
meio do preenchimento de um formulário no Google Forms, divulgados na página do
projeto no Instagram, por e-mail para instituições capixabas e diretórios acadêmicos
da UFES, e diretamente via WhatsApp. Neste formulário, os inscritos forneceram as
seguintes informações: (i) nome completo e CPF; (ii) e-mail e número de telefone; (iii)
instituição ao qual é vinculado; (iv) área e nível de formação; (v) disponibilidade, em
horas, para dedicação ao projeto; (vi) atividades em que poderia contribuir dentro do
projeto; (vii) como ficou sabendo sobre o projeto.
As atividades principais do projeto se dividiram em três grandes esferas. A pri-
meira envolvendo grupos de estudo e laboratório de projetos, tendo caráter acadêmi-
co, porém aberto ao público-geral. A segunda consistiu em comunicação científica por
meio de mídias sociais.
127
A terceira voltada para a internacionalização, pelo desenvolvimento de um curso com
cooperação de vários países, com produção de videoaulas, avaliações e apostilas.
As datas, horários e locais virtuais das reuniões foram difundidos pela página
do projeto no Google Classroom e pelo grupo de conversas no aplicativo WhatsApp
chamado “One Health Espírito Santo”.
As apresentações e discussões foram feitas via plataformas Google Meet ou
Zoom (plataformas com versões gratuitas), em reuniões mensais ou quinzenais, com
duração de aproximadamente 90 minutos.
Visando a capacitação profissional, foram estabelecidos grupos de estudo en-
volvendo estudantes da graduação, sob orientação de professores e coordenação de
estudantes de pós-graduação. A fim de possibilitar o trabalho interprofissional, a com-
posição destes grupos considerou a diversidade e a representatividade de diferentes
áreas profissionais. Os textos abordados nos grupos de estudo foram selecionados
considerando-se a relevância para o entendimento e a aplicação da abordagem da
Saúde Única. Após cada apresentação, eram realizados debates para aprofundamen-
to do conteúdo trabalhado.
Voltados à comunidade em geral, foram realizados webinars ao vivo transmiti-
dos pelo canal “One Health Espírito Santo” no Youtube, com palestrantes convidados
que possuem experiência sobre a aplicação da Saúde Única em diversos cenários e
problemas de saúde enfrentados no estado do Espírito Santo e no Brasil. Após as pa-
lestras, os presentes podiam fazer perguntas e compartilhar experiências e reflexões
sobre o tema abordado.

Divulgação

Os eventos foram divulgados nas redes sociais do One Health Espírito Santo no
Instagram (@one.health.es), Facebook, Twitter (OneHealthES) e via e-mail (one.health.
es@gmail.com). Também para divulgação de informações à comunidade em geral,
foram produzidos materiais educativos sobre Saúde Única e publicados no perfil do
Instagram, em formato de postagens e stories. A produção foi realizada pela equipe de
comunicação do projeto em conjunto com as equipes responsáveis por cada grupo
de estudo. Foram escolhidos temas considerados relevantes para a compreensão da
Saúde Única e da atuação interprofissional nesta abordagem, além de sua aplicação
em situações que fazem parte da realidade epidemiológica do estado do Espírito San-
to e do Brasil, aproximando o tema à comunidade, com linguagem clara, simples e
direta.

Internacionalização

Junto aos alunos de pós-graduação, foi estabelecido o projeto de coopera-


ção internacional “Joint Initiative for Teaching and Learning on Global Health Chal-
lenges and One Health - JITOH” com instituições da Alemanha (Ludwig-Maximilians-
-Universität, Technische Universität München), Brasil (UFES e Universidade Federal
do Paraná), Moçambique (Universidade Católica de Moçambique), e Kosovo (Kolegji

128
AAB). Dentro desse projeto foi lançado o curso “Global Health Challenges and One
Health”, disponível em plataforma Moodle, contendo exercícios, atividades e video-
aulas (VICENTE et al., 2021). Na UFES, o curso vem sendo ofertado desde 2021 pelo
Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas (PPGDI), com aulas síncronas
e assíncronas.

RESULTADOS

O projeto de extensão “Iniciativa Conjunta para Promoção da Abordagem da


Saúde Única” (One Health Espírito Santo), em quase dois anos de funcionamento,
reuniu 50 participantes entre estudantes de graduação (n = 23), pós-graduação (n =
4), professores (n = 8) e outros profissionais (n = 15). A formação profissional destes
participantes contemplou as áreas de Ciências Biológicas (14), Biomedicina (n = 1),
Farmácia (n = 9), Medicina (n = 8), Medicina Veterinária (n = 6), Nutrição (n = 1), Odon-
tologia (n = 7), Enfermagem (n = 1), Meio Ambiente (n = 2) e Psicologia (n = 1). Além
do Espírito Santo, os estados da Paraíba (n = 2), São Paulo (n = 1) e Maranhão (n = 1)
também estiveram representados.
Foram realizados 10 grupos de estudo, com equipes de, em média, seis estu-
dantes e de 25 ouvintes em cada evento. Inicialmente, os grupos de estudo discu-
tiram os cinco capítulos do livro “Preventing the next pandemic: zoonotic diseases
and how to break the chain of transmission” (UNITED NATIONS ENVIRONMENT PRO-
GRAMME, 2020). Posteriormente, foram abordados os artigos “Checklist for One Heal-
th epidemiological reporting of evidence (COHERE)” (DAVIS et al., 2017); “One Health
- its importance in helping to better control antimicrobial resistance” (COLLIGNON;
MCEWEN, 2019); “Antibiotic resistance in an Indian rural community: a ‘One-Health’
observational study on commensal coliform from humans, animals, and water” (PU-
ROHIT et al., 2017); “Developing a One Health approach by using a multi-dimensional
matrix” (KAHN, 2021); e “A One Health glossary to support communication and infor-
mation exchange between the human health, animal health and food safety sectors”
. A abordagem de outras referências foi planejada para grupos de estudo futuros.
Os oito webinars realizados abordaram os temas: (i) Introdução à Saúde Única e
à interprofissionalidade; (ii) Abordagem em Saúde Única na investigação e controle da
malária; (iii) Abordagem em Saúde Única na investigação e controle da toxoplasmose;
(iv) Aves selvagens: sentinelas ecológicas da saúde ambiental sob a perspectiva da
Saúde Única; (v) Esporotricose: aspectos gerais e vigilância no município de Anchieta
- Espírito Santo; (vi) Saúde Única e hanseníase; (vii) Mecanismos de sobrevivência bac-
teriana no contexto da Saúde Única e; (viii) Índice de Saúde Única como ferramenta
de gestão pública. Outros webinars foram planejados e confirmados para os próximos
meses. Atualmente, os webinars possuem uma audiência superior a 100 visualizações
no YouTube e, ao vivo, contaram com presença de, em média, 35 participantes.

129
Para o curso “Global Health Challenges and One Health” foram produzidos 48
vídeo-aulas de diversos temas compreendidos nos seguintes módulos: (i) Interpro-
fessional and collaborative practice in One Health; (ii) One Health; (iii) Healthcare, sur-
veillance, and One Health; (iv) Bioethics in One Health; e (v) Careers in Global Health.
Contribuíram para a elaboração das aulas professores, cientistas e outros profissio-
nais de 26 instituições das Américas (Brasil, Estados Unidos da América), África (Mo-
çambique, África do Sul, Gana), Europa (Alemanha, Irlanda, Portugal, Espanha, Suécia,
Kosovo) e Ásia (Singapura, Filipinas).
O curso, ofertado em língua inglesa, contou com aulas síncronas e assíncronas,
envolvendo alunos e professores de todas as instituições simultaneamente, utilizando
o método de Aprendizagem Online Internacional Colaborativa, em que os alunos dos
diversos locais participam de debates e realizam trabalhos em grupos, possibilitando
o desenvolvimento de competências interculturais, linguísticas e interprofissionais,
além de conhecimento teórico sobre a Saúde Única (VICENTE et al., 2021; VICENTE et
al., 2022). O piloto do curso foi implementado entre 27 de abril e 01 de julho de 2021,
envolvendo inicialmente 30 estudantes de pós-graduação da Ludwig-Maximilians-U-
niversität (n = 5), Technische Universität München (n = 5), UFES (n = 9), Universidade Fe-
deral do Paraná (n = 5), Universidade Católica de Moçambique (n = 5), e Kolegji AAB (n
= 1). Em sua segunda edição, ocorrida entre 26 de abril de 2022 a 28 de junho de 2022,
contou com 25 estudantes das instituições anteriormente mencionadas, além de cin-
co estudantes de pós-graduação bolsistas que atuaram como assistentes no projeto.
No Instagram, até setembro de 2022, foram produzidos e postados mais de 70
materiais educativos (postagens e stories) com as mais diversas temáticas, como o
papel dos diferentes profissionais nas equipes de Saúde Única, doenças zoonóticas,
saúde do meio ambiente e hábitos sustentáveis, fatores relacionados à emergên-
cia de doenças, entre outros. O perfil conta com 695 seguidores, até o momento da
elaboração deste artigo, das mais diversas faixas etárias: 13 a 17 (0,5%), 18 a 24 anos
(24,3%), 25 a 34 anos (34,3%), 35 a 44 anos (25,1%), 45 a 54 anos (11,1%), mais de 55
anos (4,3%)-- e que em sua maioria se identificam com o gênero feminino (71,7%). Os
principais países dos seguidores são Brasil (89,9%), Estados Unidos (2,2%), Colômbia
(1,6%), Canadá (1,1%) e Chile (1%).
Em um período de 90 dias (18 de junho a 15 de setembro de 2022), o perfil al-
cançou 595 contas pertencentes a indivíduos de diversas faixas etárias - 25 a 34 anos
(37,1%), 18 a 24 anos (26,7%), 35 a 44 anos (21,8%) e 45 a 54 anos (9,4%) - sendo que
76% se identificam com o gênero feminino. Além do Brasil, o perfil alcançou usuários
da Colômbia (1,9%), Estados Unidos (1,9%), e Peru (0,9%). Quanto ao engajamento,
houve envolvimento de 139 contas que realizaram 402 interações com o conteúdo,
sendo 260 curtidas, 69 compartilhamentos, 39 salvamentos, e nove comentários. O
engajamento ocorreu principalmente de usuários das faixas etárias de 25 a 34 anos
(30,9%), seguidos por 34 a 44 anos (25,8%), 18 a 24 anos (23%) e 45 a 54 anos (12,9%). A
maioria se identificava como gênero feminino (73,5%) e, além do Brasil (95,6%), foram
identificadas interações do Canadá (1,4%), Colômbia (0,7%) e Bolívia (0,7%). As quatro
publicações mais relevantes, com base no número de curtidas no último ano, foram:
(i) animais sinantrópicos (n = 43); (ii) o papel do médico na Saúde Única (n = 37); (iii) dia
mundial das zoonoses (n = 33); e (iv) a varíola dos macacos (n = 32).

130
DISCUSSÃO
O projeto de extensão “Iniciativa Conjunta para Promoção da Abordagem da Saú-
de Única” (One Health Espírito Santo) foi criado em agosto de 2020, ano em que a pan-
demia de Covid-19 se iniciou. Neste momento, diversos grupos de estudo e projetos de
extensão de caráter remoto também foram criados e, os já existentes, foram adaptados .
Nosso projeto apresentou consideráveis avanços na compreensão do que é e de
como aplicar a Saúde Única por alunos de diversos cursos da graduação, pós-gradua-
ção e profissionais. Este avanço deve-se principalmente ao foco interprofissional e da
participação colaborativa, com promoção do trabalho em equipe, que o coloca em des-
taque como um dos mais promissores projetos de extensão do Brasil sobre Saúde Única
(PETTAN-BREWER et al., 2021) . Foi demonstrado que profissionais de diferentes áreas
da saúde divergem no seu entendimento sobre o conceito de Saúde Única (HAYES; EL-
GELKE; STIELSTRA, 2014), o que reforça a necessidade de ações educativas interprofis-
sionais sobre esta abordagem na esfera acadêmica.
O uso de tecnologias de informação e comunicação, para viabilizar as atividades
no cenário de pandemia, permitiu a retomada e continuidade de atividades de ensino
e extensão de forma remota, bem como a participação de estudantes e profissionais
de diversas cidades do Espírito Santo e de diferentes estados do Brasil. Este resultado
evidencia o grande alcance das redes sociais do projeto e o interesse crescente pela te-
mática da Saúde Única no contexto da pandemia, que tem garantido uma participação
frequente e ativa de membros de instituições nacionais e internacionais nos grupos de
estudo.
Apesar do investimento em educação estar entre os Princípios de Berlim, formu-
lados para superar barreiras para implementação da Saúde Única (GRUETZMACHER et
al., 2021), este importante assunto ainda não é abordado em disciplinas da graduação,
o que reforça a importância da extensão para superar esta lacuna e promover a educa-
ção interprofissional, ainda incipiente na universidade (FURTADO et al., 2010). A inclusão
da temática de Saúde Única nos currículos impulsiona a reflexão aprofundada sobre
as causas de problemas complexos em saúde, buscando soluções integradas que vão
além de resultados imediatos, por meio da gestão de riscos e não a mera resposta às
emergências em saúde, que muitas vezes leva a resultados negativos não-intencionais
(ONE HEALTH COMMISSION, 2018). No contexto prático de Saúde Única, Righi et al. (2021)
destacam o papel interdisciplinar na prevenção e minimização de desastres e emergên-
cias em saúde, ao abordarem estratégias de educação e treinamento de profissionais.
No presente projeto de extensão, os estudantes e profissionais vêm sendo capacitados
e incentivados a integrarem seus conhecimentos de forma interdisciplinar, para a ela-
boração de ações visando à comunidade externa. As ações possibilitam ainda o desen-
volvimento de competências colaborativas, como comunicação e liderança, além de
oportunizar aos estudantes de pós-graduação atividades de orientação, integrando a
graduação e a pós-graduação. Algumas práticas utilizadas no projeto são reconhecidas
por proporcionarem melhores resultados em aprendizagem interprofissional, como o
foco em conceitos compartilhados e experiências, trabalho em pequenos grupos, e ên-
fase em competências similares necessárias às diferentes profissões (LARSEN, 2021).

131
O projeto de extensão ainda teve impacto na introdução do tema Saúde Úni-
ca na pós-graduação, por meio do curso Global Health Challenges and One Health,
que tem proporcionado o intercâmbio acadêmico, com participação de estudantes
de seis instituições de quatro países, contribuindo para internacionalização do ensi-
no na UFES. Além disso, os estudantes da pós-graduação que atuam como assisten-
tes tem papel fundamental no planejamento e acompanhamento das atividades do
curso, desenvolvendo competências necessárias à sua atuação como futuros docen-
tes (VICENTE et al., 2022). Fugindo das interpretações errôneas comumente feitas do
conceito de internacionalização (WIT, 2011) , este curso não apenas abordou assuntos
internacionais, reuniu estudantes de diferentes países e utilizou o inglês como língua
padrão, como, principalmente, desenvolveu atividades para aquisição de competên-
cias interculturais e compartilhamento de experiências.
O uso de mídias sociais para educação e comunicação em saúde é uma estraté-
gia de disseminação de informações que, além de acompanhar tendências tecnológi-
cas, é considerada uma ferramenta de baixo custo em relação aos canais de comuni-
cação tradicionais (STELLEFSON et al., 2020). A participação do projeto no Instagram
teve impacto crescente no engajamento da comunidade, tanto nacional quanto in-
ternacional. Entre as postagens com maior número de curtidas estava presente uma
da série sobre o papel das diferentes profissões no contexto da Saúde Única. Isso de-
monstra interesse na rotina interprofissional e em saber como cada especialista pode
contribuir a partir de sua bagagem educacional, para o objetivo comum de promover
a saúde. O perfil demográfico dos seguidores evidencia o alcance do público-alvo do
projeto, e as interações reforçam a percepção da relevância dos temas por usuários
das redes sociais, inclusive sobre emergências em saúde atuais, como a varíola dos
macacos.
Quanto às limitações do projeto de extensão, podemos citar a ausência de apli-
cação de questionários para avaliação dos alunos quanto a sua participação no proje-
to, com feedback sobre o que foi importante e sugestões de melhorias. Além disso, as
limitações de um ensino remoto incluem a impossibilidade de ações práticas, como
visitas a organizações e treinamentos; e o comprometimento do alcance e assiduida-
de dos alunos ao projeto, já que nem todos os participantes têm acesso a ferramentas
tecnológicas e internet de boa qualidade. Quanto ao curso internacional, sua realiza-
ção em língua inglesa é um impedimento de participação para aqueles alunos sem
domínio escrito e falado do idioma, o que limita o acesso de um público mais amplo,
apesar de propiciar uma melhora de comunicação em inglês, conforme relatado por
estudantes que concluíram o curso piloto (VICENTE et al., 2022).

CONCLUSÃO E PERSPECTIVAS FUTURAS

O presente projeto mostrou-se bem-sucedido ao unir e capacitar uma gama de


profissionais de diferentes áreas de atuação, estados e países, e difundir a abordagem da
Saúde Única para a população em geral, de maneira simples, clara e com foco nas proble-
máticas atuais, com o uso de tecnologias de informação e da comunicação. Com o retorno
das atividades presenciais na UFES e em outras instituições, planeja-se uma expansão das
atividades do projeto, enfatizando ações educativas e a pesquisa participativa comunitá-
ria, em especial com o envolvimento de escolas de ensino fundamental e médio.
132
Desta forma, espera-se que as ações do projeto continuem sensibilizando e capa-
citando atuais e futuros profissionais, além de aprimorar o conhecimento sobre a
Saúde Única e sua aplicação com envolvimento da comunidade, por meio da inte-
gração do ensino, pesquisa e extensão. Assim, o projeto pôde atingir uma de suas
metas, que é aprimorar o desempenho do Sistema Único de Saúde para prevenção,
preparação e resposta a emergências em saúde, incluindo pandemias.

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2022.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à toda da equipe do projeto de extensão


Iniciativa Conjunta para Promoção da Abordagem da Saúde Única (One Health Es-
pírito Santo), à equipe do projeto Joint Initiative for Teaching and Learning on Global
Health Challenges and One Health - JITOH (Luana Fiengo Tanaka, Fabian Jacobs, De-
nise Siqueira de Carvalho, Kajal Chhaganlal, Raquel Baroni de Carvalho, Sonia Mara
Raboni, Fatime Arënliu Qosaj, Paula Hanna Dau, Manuela Negrelli Brunetti, Gustavo
Almeida, Sabrina Patel, Suet Mei), e à equipe de coordenadores da One Health Brasil.

FONTES DE FINANCIAMENTO

O projeto contou com bolsa de extensão da Pró-Reitoria de Extensão da Uni-


versidade Federal do Espírito Santo (ProEx-UFES) e conta com financiamento da
Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado do Espírito Santo (FAPES - TO
795/2022). A colaboração internacional “Joint Initiative for Teaching and Learning on
Global Health Challenges and One Health – JITOH” recebeu financiamento do Cen-
ter for International Health da Ludwig-Maximilians-Universität München (CIHLMU)
a atualmente possui financiamento do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico
(DAAD), por meio do programa International Virtual Academic Collaboration (IVAC).
O CIHLMU é financiado pelo Federal Ministry for Economic Cooperation and Deve-
lopment (BMZ) e o DAAD por meio dos Excellence Centers for Exchange and Develo-
pment (EXCEED).

135
Sabiá da praia tamron, Constantino Buteri.

136
Tradução e conhecimento em tempos de pandemia
de COVID-19 em comunidade quilombola
Knowledge translation in times of the COVID-19 pandemic in quilombola community

Resumo
OBJETIVO: Ilustrar a tradução do conhecimento no formato de Adriana Nunes Moraes-Partelli
material educativo em saúde realizado em tempos de pandemia José Marcos Amabiles Pazini
para comunidade quilombola. METODOLOGIA: Estudo qualitati- Aline Pestana Santos
Isabela Lorencini Santos
vo e bibliográfico, desenvolvido nas etapas: 1) Levantamento dos
Marta Pereira Coelho
conteúdos científicos sobre o COVID-19 pela pesquisa bibliográfi-
ca; 2) Produção de cartilha com informação sobre contágio, dis- adrianamoraes@hotmail.com
seminação e como se prevenir da COVID-19 em comunidade qui-
lombola, considerando componentes de grupo com ancestrais Universidade Federal do
provenientes do continente africano; e 3) Entrega da cartilha à Espírito Santo
Secretaria Municipal de Saúde para distribuição nas Unidades de
Saúde que possuem comunidades quilombolas em seu território.
RESULTADOS: A revisão bibliográfica contribuiu cientificamente
com levantamento de temas para a composição da cartilha. Em
seguida, foi elaborado storyboard onde foram definidas as ilus-
trações, o conteúdo textual e a linguagem utilizada. Contratou-se
empresa que ilustrou e diagramou o produto final: “Comunidade
quilombola em foco: prevenção do contágio e disseminação do
Coronavírus”. A entrega de 680 exemplares impressos da carti-
lha foi realizada a Secretaria Municipal de Saúde de São Mateus.
CONCLUSÃO: Esse estudo foi desenvolvido aplicando o pilar da
universidade (ensino-pesquisa-extensão), que impactou direta-
mente na formação de estudantes de graduação e culminou na
produção de tecnologia educativa contendo conteúdo com pro-
blema social urgente e atual, contribuindo na inclusão de grupos
sociais em situação de vulnerabilidade.

Palavras-chave: Infecções por coronavírus; educação em saúde;


controle das doenças transmissíveis; grupo com ancestrais pro-
venientes do continente africano.

137
OBJECTIVE: To illustrate the translation of knowledge in the
format of educational health material carried out in times of a
pandemic for quilombola community. METHODOLOGY: Qualita-
tive and bibliographic study, developed in the following stages:
1) Survey of scientific content on COVID-19 through bibliographic
research; 2) Production of a booklet with information on conta-
gion, dissemination and how to prevent COVID-19 in the quilom-
bola community, considering the rgoup with ancestors from the
African continent.; and 3) Delivery of the booklet to the Municipal
Health Department for distribution to the Health Units that have
quilombola communities in their territory. RESULTS: The literatu-
re review contributed scientifically to the survey of themes for the
composition of the booklet. Afterwards, a storyboard was crea-
ted where the illustrations, the textual content and the language
used were defined. A company was hired that illustrated and dia-
grammed the final product: “Quilombola community in focus: on
preventing the contagion and spread of the Coronavirus”. The de-
livery of 680 printed copies of the booklet was made to the Muni-
cipal Health Department of São Mateus. CONCLUSION: This study
was developed by applying the university pillar (teaching-resear-
ch-extension), which directly impacted the training of undergra-
duate students and culminated in the production of educational
technology containing content with an urgent and current social
problem, contributing to the inclusion of social groups in a situa-
tion of vulnerability.

Keywords: coronavirus infections; health education; commu-


nicable disease control; group with ancestors from the african
continent.

138
INTRODUÇÃO

Ao final do ano de 2019, o mundo sofreu um grande impacto quando a cidade


de Wuhan, província de Hubeu, relatou a ocorrência de uma nova pneumonia viral,
denominada Coronavírus. Esse fato gerou grande preocupação nas diversas nações,
principalmente por ser uma infecção ainda desconhecida com alta capacidade de in-
fecção e disseminação (JIN et al., 2020; XU et al., 2020). Desde então, o mundo come-
çou a conhecer o Novo Coronavírus como COVID-19 (KENNETH, 2020).
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) descreveu a
situação da COVID-19 como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Inter-
nacional e, posteriormente, como uma pandemia mundial. Até aquele momento, 136
países relataram casos da doença. Mesmo com a gravidade dessa patologia, ainda
não havia informações concretas para o manejo clínico, por isso, a principal ação do
sistema de saúde foi informar à população sobre as possíveis formas de contágio e
disseminação do vírus, conhecidas até o momento (BELASCO; FONSECA, 2020).
Diante do cenário apresentado pela COVID-19, todos os setores de atenção à
saúde possuíam um importante papel na realidade da pandemia mundial, e não seria
diferente com a atenção primária. A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entra-
da do Sistema Único de Saúde (SUS) (DE PINHO BARBOSA; SILVA, 2020). Pela dinâmica
da epidemia e da produção de conhecimento associada a ela, é um desafio para os
profissionais de saúde trabalharem a educação em saúde da população de sua área
de abrangência, principalmente para os moradores do meio rural que se encontram
distantes da APS, com destaque para as comunidades quilombolas.
As comunidades quilombolas são formadas por grupos étnico-raciais, segundo
critérios de auto atribuição. Foram criadas pelos negros escravizados como forma de
resistência à opressão histórica sofrida durante o período da escravidão no Brasil. O
quilombo é a base da reprodução física, social, econômica e cultural da coletividade, e
os proprietários dessas terras são remanescentes que garantem toda essa reprodução
à comunidade (BRASIL, 2003).
Atualmente, materiais educativos impressos, como cartilhas, são utilizados
como instrumento de educação pelos profissionais de saúde, não apenas por pro-
moverem a mediação de conteúdos de aprendizagem, mas também por funcionarem
como recurso de fácil acesso à informação, sendo possível consultá-los sempre que
necessário. Porém, a maioria desses materiais são destinados à população dos gran-
des centros urbanos, e não contemplam os moradores da área rural e de comunida-
des quilombolas. Materiais educativos que apresentam a realidade sociocultural do
seu público-alvo permitem a potencialização da educação em saúde, uma vez que
proporcionam aos educandos maior aproximação com o tema trabalhado, por leva-
rem em consideração a sua realidade étnico-racial (SANTOS et al., 2018).
No Brasil, mais de 56,2% da população se autodeclara preta ou parda (IBGE,
2019). É comum, nos materiais educativos de divulgação científica em saúde, não con-
siderarem os componentes raça/cor, invisibilizando as desigualdades raciais, princi-
palmente em momento de pandemia pela COVID-19 (BRASIL, 2017).

139
Nesse sentido, as tecnologias educacionais favorecerem a elevação do nível de
conhecimento e confiança da população, dando-lhes a base e suporte para a realiza-
ção do autocuidado. Além disto, contribuem no processo de comunicação e interação
entre o profissional da saúde e a comunidade, com vistas a incentivar hábitos sau-
dáveis, como higienização das mãos e o uso de máscaras (NOAL; PASSOS; FREITAS,
2020).
O Knowledge Translation ou, em português, a Tradução do Conhecimento con-
siste em uma proposta que objetiva sintetizar, disseminar, trocar e aplicar o conheci-
mento eticamente produzido para melhorar e prover serviços de saúde mais efetivos,
de forma a impactar positivamente nos níveis de saúde da população (KHODDAM;
MEHRDAD; PEYROVI, 2014).
Neste contexto, surge a necessidade de produzir uma cartilha que possa, atra-
vés da tradução do conhecimento, embasar e fundamentar cientificamente a produ-
ção de um material educativo, que contenha informações e orientações. Assim, esse
material serviria de auxílio na educação em saúde da comunidade quilombola, com
base nos componentes étnico-geográficos, permitindo que essa população crie iden-
tidade pela união dos conhecimentos da cultura local e do conhecimento científico,
no que tange ao contágio e disseminação da COVID-19. Portanto, esse é o objetivo
desse estudo, através da pergunta norteadora: como traduzir o conhecimento científi-
co em informações e orientações que auxiliem na educação em saúde da população
quilombola, em tempos de COVID-19?

MÉTODO

Revisão Bibliográfica
A pesquisa bibliográfica gera a união e a composição do conhecimento de pes-
quisas relevantes, contribuindo diretamente para sua introdução e assimilação na práti-
ca clínica. Dessa forma, essa etapa foi desenvolvida nas fases: Elaboração das perguntas
norteadoras; Definição dos descritores; Busca na base de dados; Aplicação dos Critérios
de inclusão/exclusão dos artigos; Análise e Síntese dos achados (SILVA et al., 2017).
A revisão foi desenvolvida por meio do levantamento de material científico, no
período de maio a dezembro de 2020, com vista a responder à questão da pesquisa:
quais são as evidências científicas necessárias para embasar a produção de material
educativo sobre a temática COVID-19, para comunidades quilombolas?
A primeira etapa destinou-se a realizar a identificação do problema ou da temáti-
ca abordada, por meio do estabelecimento de descritores. Nesse contexto, adotaram-se
os seguintes termos: “Infecções por Coronavírus”, “prevenção & controle” e “educação
em saúde”.
Para sistematizar o panorama atual da literatura, abordando a temática proposta,
realizou-se uma busca sistemática em bases de dados por meio do Portal de Periódicos
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tais como:
Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latino-a-
mericana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Índice Bibliográfico Español em
Ciencias de la Salud (IBECS), Base de Dados em Enfermagem (BDENF), e a biblioteca
eletrônica Scientific Eletronic Library Online (SciELO).
140
É valido ressaltar que a investigação na literatura foi realizada através da combinação
dos descritores, utilizando o operador booleano and.
Foram incluídos na revisão os estudos originais, disponíveis em formato completo com
abordagem qualitativa ou quantitativa, que tinham relação direta com o objeto de es-
tudo, os quais envolveram COVID-19, prevenção e educação em saúde, estudos pu-
blicados no idioma Português, Inglês ou Espanhol. Como critérios de exclusão, foram
descartados estudos repetidos, teses, dissertações ou editoriais em que o método não
estivesse claro. Também, foram desconsiderados os trabalhos que não respondiam à
pergunta norteadora.
A seleção dos artigos deu-se, inicialmente, através da leitura dos títulos e, posteriormen-
te, pelo resumo, onde foram excluídos aqueles que não atendiam aos critérios para in-
vestigação. Os artigos cujos títulos e resumos surtiram dúvidas sobre sua inclusão ou
exclusão para a pesquisa, foram mantidos para uma leitura completa do trabalho.
Para análise, aplicou-se instrumento de elaboração própria, com inclusão dos seguintes
itens: Autores/País/Ano, objetivos do estudo e as implicações para a prática.

Produção do Material Educativo

A cartilha é um material educativo, didático e de caráter informativo. A car-


tilha, como material educativo, torna a temática aprazível e promove uma maior,
e melhor, incorporação do conhecimento científico, explanando e ratificando co-
nhecimentos ao público-alvo. O material foi construído de acordo com as recomen-
dações para materiais educativos, tais como: conteúdo, linguagem, ilustrações,
layout e design (ALMEIDA, 2017). Assim, na pré-produção do material educativo fo-
ram acrescidas imagens do ambiente onde a história se passa, com personagens
dialogando com o leitor, e estabelecidas as narrativas. Todo o material (storyboard
preliminar) foi apresentado em quadros de forma a organizá-lo. O conteúdo passou
por correção textual, por profissional habilitado, e, após o storyboard preliminar, foi
entregue a um designer gráfico, que ilustrou e diagramou a versão final do material
educativo.
Entrega da cartilha à Secretaria Municipal de Saúde, para distribuição nas Unida-
des de Saúde que possuem comunidades quilombolas em seu território, pois essa é a
porta de entrada do SUS.

RESULTADOS

A pesquisa, através de revisão bibliográfica, contribuiu cientificamente para o


levantamento dos temas e na composição do material educativo. Encontraram-se
1.429.240 artigos publicados, sendo 22 artigos selecionados para análise, com imersão
das categorias: informações sobre o vírus e formas de transmissão; medidas de preven-
ção e controle; educação em saúde direcionada à pandemia do Coronavírus.
Em seguida, foi elaborado o storyboard preliminar, com ilustrações e textos. O ro-
teiro foi organizado e estruturado em quadros numerados em sequência, com descrição
das cenas ao final da ilustração. As imagens utilizadas são de domínio livre, disponíveis
em meios eletrônicos, como material de consulta do ilustrador e como fonte de ideias
para os pesquisadores na composição da cartilha.
141
Assim, foi elaborado storyboard preliminar (Figura 1) e entregue ao ilustrador, e designer
gráfico, para a produção do storyboard definitivo.

Figura 1- Mosaico
do storyboard pre-
liminar com capa e
sumário da cartilha.
São Mateus, ES,
2021.

Fonte: Autoria
própria

O material educativo foi definido com a seguinte composição: capa, folha de rosto,
apresentação, sumário e os sete temas abordados na cartilha, os quais são: 1- Expli-
cando o coronavírus e a COVID-19; 2- Sinais e sintomas iniciais da COVID-19; 3- Formas
de transmissão do coronavírus; 4- Se possível, fique em casa!; 5- Vacina, sim!; 6- Quan-
do e onde procurar ajuda; e 7- Dicas importantes para o trabalho rural; as Referências
e, por fim, a contracapa. A cartilha intitulada “Comunidade quilombola em foco: na
prevenção do contágio e disseminação do Coronavírus” foi ilustrada e diagramada
por uma empresa contratada. O exemplar conta com 24 páginas, com tamanho pa-
drão de formatação de 21cm de altura por 15cm de largura, e está disponível gratuita-
mente pelo link: http://repositorio.ufes.br/handle/10/11780 (Figura 2).

142
Figura 2 - Capa e
apresentação da
cartilha “Comunida-
de quilombola em
foco: na preven-
ção do contágio e
disseminação do
Coronavírus”. São
Mateus, ES, Brasil,
2021.

Fonte: Autoria
própria

Com intuito de produzir, para além da cartilha, um material dialógico e inte-


rativo, foi criada a “enfermeira Maria” mediadora desse diálogo. Vale ressaltar, que a
personagem fictícia, Maria, teve como inspiração a vivência prática das enfermeiras
atuantes no meio rural.
As informações científicas foram incorporadas ao material educativo como
texto curto e direto, logo após a exposição da situação-problema pela personagem.
Dessa forma, a enfermeira Maria dialoga com o público leitor, estimulando-o a refle-
tir sobre cada tema dentro de sua realidade.
Foram impressos 680 exemplares da cartilha, pois a maioria das comunida-
des quilombolas localiza-se no meio rural e não possuem acesso à internet. A en-
trega dos impressos foi realizada no mês de outubro de 2021 para a Secretaria Mu-
nicipal de Saúde de São Mateus, que se responsabilizou em realizar a distribuição
do material nas Unidades de Saúde que atendem as comunidades quilombolas do
município (Figura 3).
A Figura 3 - A. Coorde-
nadoras e discentes
B participantes do
projeto. B. Re-
presentantes do
CEUNES com Secre-
tário de Saúde do
município de São
Mateus. São Mateus,
ES, Brasil, 2021.

Fonte: Autoria
própria

143
A cartilha foi finalizada e os objetivos do presente estudo foram alcançados.
Ressalta-se que pode ser utilizada no formato impresso e também online, por profis-
sionais de saúde e de educação, no contexto da prevenção do contágio e dissemi-
nação da COVID-19.

DISCUSSÃO
Os materiais educativos têm grande importância no processo ensino-apren-
dizagem e de promoção à saúde, constituem uma tecnologia de cuidado que po-
tencializa as intervenções de saúde e o trabalho da equipe, além de servirem como
ferramentas permanentes de cuidado, uma vez que podem ser consultadas sempre
que necessário (LEMOS; VERÍSSIMO, 2020). Tal relevância tem sido discutida por di-
versos autores que os qualificam como facilitadores da aprendizagem e não apenas
como um objeto que oferece informação, pois, além da transmissão do conheci-
mento, também passa a ser proporcionado ao profissional de saúde, responsável
pela educação em saúde, gerando adesão satisfatória dos conhecimentos adquiri-
dos (ROCHA et al., 2019; LIMA et al., 2020; MATOS et al., 2019).
No presente estudo foi produzido um material educativo no formato de car-
tilha, levando-se em consideração os componentes étnico-raciais e o modo de vida
do público-alvo, residentes em comunidade quilombola, sobre a prevenção do con-
tágio e disseminação da COVID-19 (COUTINHO; PADILLA, 2020).
Este estudo realizado no contexto escolar, evidencia que a cartilha é um ma-
terial relevante em relação às características que a compõem. Também confirma a
importância da utilização deste material com vistas a contribuir para a promoção de
educação em saúde (BRAGA et al., 2021).
Além disso, o material foi produzido no contexto da Tradução do Conheci-
mento, um dos vários termos usados para colocar a evidência em ação, e de en-
tender como essas práticas funcionam no mundo real. Trata-se de um processo
interativo do conhecimento que inclui a síntese, a disseminação, o intercâmbio e
a utilização do conhecimento com a finalidade de melhorar serviços e colocar à
disposição da população produtos eficazes e, assim, fortalecer o sistema de saúde
(ANDRADE; PEREIRA, 2020).
Para tanto, a criação da tradução do conhecimento tem 3 fases: investigação
do conhecimento, síntese do conhecimento, e geração de produtos e ferramentas
do conhecimento (GRAHAM et al., 2006). O saber é refinado a cada estágio e se torna
mais útil para os seus usuários.
Assim, para que a fundamentação dos temas elencados ocorresse de maneira
fidedigna e com base em conhecimentos científicos realizou-se uma pesquisa bi-
bliográfica, como um instrumento metodológico que almeja explicar e discutir um
assunto, tema ou problema, com base em diferentes referências, conforme aponta
a literatura. Além disso, a pesquisa bibliográfica propõe-se a conhecer, analisar e
elucidar as contribuições dos mesmos. Ainda, cita sua atuação no que tange a rea-
lizar a fundamentação teórica dos estudos, bem como identificar o estágio atual do
conhecimento de determinado tema (SANTOS, 2020).

144
Nesse contexto, a cartilha foi sistematizada buscando entender o processo
da transferência de saberes no âmbito da saúde sobre a COVID-19, evadindo-se da
transferência de conhecimentos e conteúdos técnicos, mas fundamentando-se na
criação de um processo educativo baseado no diálogo, como peça fundamental
para a construção do vínculo entre o educador e o educando (SANTOS, 2020).
Diante desse rigor metodológico, elaborou-se um produto educativo intitu-
lado “Comunidade Quilombola em foco: na prevenção do contágio e dissemina-
ção do Coronavírus”, de maneira a contribuir na educação em saúde ofertada pelos
profissionais da área, principalmente enfermeiros, como auxílio à educação dos re-
sidentes em comunidade quilombola, com informações científicas de maneira sim-
plificada. Após a elaboração, ilustração e diagramação, a cartilha foi entregue para
os gestores em saúde, para que fossem distribuídas.
O estudo teve como limitações a última etapa do processo de tradução de co-
nhecimento que é a avaliação do material pelo público-alvo, devido ao isolamento
social. Pretende-se dar continuidade ao estudo com a realização de validação de
aparência pelo público leitor e validação de conteúdo por juízes/especialistas, para
que, desta forma, a cartilha confira maior qualidade ao processo de ensino-aprendi-
zagem na assistência em saúde, reforçando a confiabilidade das orientações.

CONCLUSÃO

Este estudo foi desenvolvido aplicando o pilar da universidade: (ensino-pes-


quisa-extensão), que impactou diretamente na formação de estudantes de gradua-
ção e culminou na produção de tecnologia educativa no formato de cartilha, con-
tendo conteúdo com problema social urgente e atual (COVID-19), contribuindo para
a inclusão de grupos sociais em situação de vulnerabilidade, como as comunidades
quilombolas. O produto auxiliará profissionais e a sociedade com informações que
contribuirão na redução da disseminação do vírus, não somente no Espírito Santo,
mas em outras comunidades quilombolas do país, pois está disponível em formato
online.

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146
FONTE DE FINANCIAMENTOS

O projeto “Produção de material educativo contendo orientações para evitar


contágio e disseminação da COVID-19 na comunidade quilombola”, cadastrado na
PROEX nº 1694, contou com suporte financeiro no período 2020/2021 - Edital Cha-
mada de Propostas de Projetos e Ações de Pesquisa, Inovação e Extensão para o
combate à COVID-19, UFES.

AGRADECIMENTOS

Agradecimento às pessoas que contribuíram durante a realização do projeto,


como Maria Inês Dias de Freitas e a professora Drª Keila Cristina Mascarello. Agrade-
cimento especial à PROEX e a UFES.

147
Jaçana, Constantino Buteri.

148
Interface do ensino de idiomas estrangeiros e
extensão universitária no contexto da pandemia de
COVID-19
Interface of teaching foreign languages and university outreach in the context of the
Covid-19 pandemic

Resumo Bárbara Filomena da Silva


Este artigo trata de um relato de experiência sobre um projeto de Jorge David Aguiar Bellido
extensão intitulado “Núcleo de Conversação de Idiomas do CAP” Henrique dos Santos Gomes
durante a pandemia de COVID-19. Trata-se de um projeto de ex- Flaviana Pena Natividade
tensão da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Cam- jorgeb@ufsj.edu.br
pus Alto Paraopeba, que desde 2014 promove práticas para de-
mocratizar o conhecimento de línguas estrangeiras, por meio de Universidade Federal de São
atividades culturais e de ensino, sensibilizando a sociedade para João del-Rei
a necessidade de aprendizagem de uma segunda língua e para
a internacionalização. No período descrito, foi observado um
crescimento no número de cursos e de turmas ofertados, além
do aumento da equipe do projeto e de inscritos nos processos
seletivos, perfazendo um aumento de 533,75% no número de ins-
critos, se comparado o edital de 2020.1 e o de 2022.1. O objetivo
do artigo é investigar o impacto da oferta de cursos de idiomas.
Analisando os dados coletados de cada edital, foi possível obser-
var que essas ações trouxeram visibilidade ao projeto e, também,
à UFSJ, tornando possível a participação de pessoas de outras
Universidades e diversos estados do Brasil, cumprindo com o pa-
pel da extensão de difusão do conhecimento.

Palavras-chave: extensão universitária; COVID-19; comunicação;


ensino de idiomas; isolamento social.

149
Abstract
This article presents an experience report on the “CAP Langua-
ge Conversation Center,” an outreach project initiated by the
Federal University of São João del Rei, Alto Paraopeba campus,
aimed at democratizing the knowledge of foreign languages
through cultural and teaching activities. The project has been
active since 2014 and focuses on sensitizing society to the im-
portance of learning a second language and promoting inter-
nationalization. Amidst the COVID-19 pandemic, the project
observed a significant increase in the number of courses and
classes offered, as well as the team size and enrollment of in-
dividuals in the selection process. Compared to the 2020.1 and
2022.1 public calls, the number of students enrolled increased
by 533.75%. The article aims to investigate the impact of the
language courses offered by the project. Analyzing the data
collected from each public call, it was evident that the project
garnered greater visibility for both the project and UFSJ, ena-
bling participation from individuals from other universities and
states in Brazil, fulfilling its objective of outreach in knowledge
diffusion.

Keywords: university outreach; Covid-19; communication; lan-


guage teaching; social distancing.

150
INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, em Wuhan, China, um surto de pneumonia foi relata-


do e o seu patógeno foi classificado como SARS-CoV-2, que causou a nova infecção
nomeada de COVID-19. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) declarou a COVID-19 como uma pandemia (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2020a). O vírus chegou ao Brasil em fevereiro de 2020, com o primeiro óbito em 17
de março daquele mesmo ano (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).
Com o início da pandemia, novos desafios surgiram no âmbito social e educa-
cional. O isolamento social foi a medida sugerida pela OMS, comunidade científica
e diversos governos, como principal defesa contra a disseminação do SARS-CoV-2
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020b; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). Diante do
distanciamento social, a fim de conter a disseminação do vírus, as atividades pre-
senciais foram suspensas em diversos contextos, incluindo as universidades brasi-
leiras, o que levou à implantação de atividades remotas (BRASIL, 2020).
Nesse cenário, através da extensão, a Universidade tem o potencial de trazer
à sociedade em geral o conhecimento especializado produzido em âmbito acadê-
mico. É uma forma de socializar e democratizar o conhecimento, levando-o à co-
munidade externa. Para assim disseminar, criar e discutir o saber produzido dentro
da academia, considerando a realidade e as necessidades sociais do país (AMOR
DIVINO et al., 2012). A relação entre sociedade e universidade é imprescindível para
formar cidadãos comprometidos com a realidade social. Os projetos de extensão
devem atuar então como elo entre a universidade e a sociedade, principalmente em
contextos menos favorecidos (RODRIGUES et al., 2013).
Assim, um desafio foi imposto pelo isolamento social para a realização da
extensão. Diante desse isolamento, as instituições de ensino superior (IES) do Brasil
suspenderam as atividades presenciais de ensino e algumas implantaram ativida-
des remotas. Dessa forma, com a implantação do isolamento social e com as ati-
vidades presenciais suspensas nas universidades, alguns estudantes entraram em
confinamento em suas residências e outros retornaram ao seu estado, cidade e/ou
município de origem.
Segundo Moura (2020) e Mélo et al. (2021), a sociedade se torna vulnerável
durante a pandemia, mas a extensão universitária pode impactar a comunidade al-
cançando diversas faixas etárias, auxiliando vários segmentos da sociedade, como
saúde e educação, entre outros. A extensão universitária vem respondendo à pan-
demia através de ações sociais como confecção de máscaras, face shields (prote-
tores faciais), produção de álcool em gel para distribuição em hospitais e locais de
maior vulnerabilidade, construção de ventiladores mecânicos de baixo custo, elabo-
ração de seminários e cartilhas para informar a sociedade sobre cuidados a serem
tomados durante a pandemia, além de divulgação científica em diversas áreas do
conhecimento (CARDOSO et al., 2020; DA ROCHA et al., 2020; DA SILVA et al., 2020; DE
CARVALHO MARQUES, 2020; SERRÃO, 2020; NUNES et al., 2021; DINIZ, et al., 2020).
Nesse contexto, este relato de experiência é um registro das atividades do
projeto de extensão “Núcleo de Conversação de Idiomas do CAP” realizadas remo-
tamente, do início de julho de 2020 até maio de 2022. O Núcleo possibilita o acesso
à aprendizagem de idiomas, de modo gratuito e abrangente. O projeto possui duas
151
frentes de trabalho, sendo a primeira o Ensino, que conta com aulas e rodas de con-
versa, e a segunda sendo a Cultura, que leva educação e entretenimento às diversas
camadas sociais, atuando há mais de sete anos com um grupo de colaboradores
criativos e comprometidos. Devido à pandemia, os encontros presenciais foram im-
possibilitados de acontecer, sendo adaptados para a modalidade remota.
A relevância desse projeto de extensão se dá no reconhecimento da impor-
tância do domínio de uma segunda língua - o que antes era considerado um “di-
ferencial”, atualmente é visto como pré-requisito em programas de mestrado/dou-
torado e demais processos seletivos, e no cenário atual do mercado de trabalho
é esperado do profissional a fluência em, pelo menos, um idioma estrangeiro. No
âmbito acadêmico, é evidente sua importância, seja para intercâmbio no exterior
ou para interpretação de materiais técnicos e científicos. Esse projeto de extensão
surgiu da demanda de um grupo de estudantes recém-chegados ao Brasil, partici-
pantes do programa “Ciência sem Fronteiras” (CsF), em 2014, que buscavam formas
de praticar o que haviam aprendido (no que se refere a língua/cultura estrangei-
ra) e, principalmente, como forma de retribuir à sociedade o investimento que lhes
foi creditado via bolsa do CsF e demais benefícios desse programa. Instituído pela
Portaria nº 973/2014, o CsF foi um programa de iniciativa conjunta dos Ministérios
da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Educação (MEC), que
buscou promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tec-
nologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da
mobilidade internacional.
O Núcleo é também uma oportunidade de empreendimento social para a
transformação positiva da comunidade e para a democratização do conhecimento,
pois os participantes possuem oportunidades de avançar na carreira profissional e/
ou acadêmica, através da realização dos cursos de idiomas. Além disso, os colabo-
radores recebem treinamentos e capacitação profissional, com orientação pedagó-
gica, e acompanhamento semestral, via avaliação de desempenho dos professores
e dos monitores, aplicados aos alunos e por meio de autoavaliação.
O escopo do Núcleo de Conversação de Idiomas do CAP versa sobre a neces-
sidade da implantação de dois pilares (Ensino e Cultura), criando um ambiente favo-
rável para a aprendizagem de uma língua estrangeira no Campus e na comunidade
externa atua. Também, na abordagem de temáticas contemporâneas, que induzem
a um pensamento crítico, criativo e participativo ou na promoção de eventos cultu-
rais multilinguísticos abertos a toda comunidade.
O objetivo deste relato de experiência é investigar o impacto da oferta de cur-
sos de idiomas on-line, pelo projeto de extensão durante o período da pandemia de
COVID-19, de dezembro de 2020 a maio de 2022. Na próxima seção, será abordada a
metodologia adotada neste estudo.

MÉTODO

Este artigo é um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, que aborda


um estudo de caso com o objetivo de identificar os impactos da oferta de cursos de
idiomas do projeto de extensão universitária “Núcleo de Conversação de Idiomas do
CAP” no formato on-line. Com a metodologia pautada nas orientações de Yin (2005),
152
os dados foram coletados dos arquivos do Projeto e procurou-se preservar a identida-
de social e cultural dos componentes, e participantes das aulas.
Com o intuito de alinhar a prática de línguas estrangeiras, nos encontros/au-
las, aos objetivos do Núcleo, descritos anteriormente, observou-se a necessidade de
uma abordagem de ensino-aprendizagem colaborativa que mais se enquadrasse no
perfil desse projeto de extensão. Dentre as abordagens buscadas na literatura, a meto-
dologia colaborativa, ou cooperativa, mostrou-se como uma eficiente referência para
atividades educativas (DIAS; LIMA, 2011). Esse enfoque possibilita que a prática da lín-
gua estrangeira no Projeto se desvincule da imagem tradicional de sala de aula, cuja
abordagem geralmente torna o aluno passivo frente ao processo de aprendizagem. O
ambiente de aprendizagem é transformado então em um local colaborativo, em que
há a participação ativa dos alunos com objetivos compartilhados, para a prática e en-
sino da língua. Essa metodologia visa à independência positiva do aluno, assim como
à responsabilidade individual e preocupação com a aprendizagem, ensino direto de
habilidades sociais e acompanhamento pelo grupo de suas produções (TORRES,
2015). Sob um foco sociocultural, esse processo de aprendizagem é visto como efeito
colateral de uma interação social entre indivíduos do grupo, que desenvolvem uma
atividade interdependente. O método colaborativo, no entanto, é passível de múlti-
plas caracterizações, dinamismo e resultados de aprendizagens diferentes para cada
contexto específico (DIAS; LIMA, 2011). Todavia, se mantém como fundamento para o
Núcleo, pois os novos alunos podem se tornar os futuros monitores e professores, por
participarem e contribuírem neste formato instigante de aprender.
Desse modo, nas reuniões e treinamentos internos, os colaboradores são ins-
truídos a criar situações de aprendizagens propícias o sucesso dessa metodologia, por
meio da utilização de recursos audiovisuais como, por exemplo, filmes e documen-
tários internacionais, músicas, oficinas, entre outros, para estimular a percepção de
atividades culturais contemporâneas.
Além disso, durante o período de pandemia, foi considerada a questão da saúde
mental dos participantes do projeto, no qual o bem-estar dos alunos e colaboradores é
priorizado. Os encontros e aulas favorecem a prática de atividades que contribuem para a
interação e inclusão do público em atividades sociais, de forma remota. Também, favore-
ce na internacionalização e globalização, com a troca de ideias, conhecimentos, relações
entre os países, povos, culturas e instituições, permitindo ao público a compreensão de
novos valores, sob uma perspectiva linguística-cultural, ao mesmo tempo que incorpora
convivências, experiências e histórias dos participantes (PICCIN; FINARDI, 2019).
O projeto avalia ainda, as atividades realizadas em cada edital de seleção de
alunos para participar das aulas oferecidas, através da aplicação de questionários
anônimos pela coordenação do projeto, para os colaboradores e os alunos dos cursos
de idiomas. O intuito da avaliação é coletar dados sobre a satisfação e o envolvimento
dos participantes, e assim aprimorar as atividades do projeto.
A coordenadoria do projeto supervisiona e alinha suas atividades às diretrizes
estratégicas do Núcleo, quanto aos objetivos e metas estabelecidas para o projeto.
Essa também se responsabiliza pela garantia da continuidade dos trabalhos, na sele-
ção de novos colaboradores e realização de reuniões mensais com os participantes.
Cada turma do projeto é dirigida por um professor e um monitor, que podem
ser alunos da UFSJ – Campus Alto Paraopeba (CAP) ou membros da comunidade ex-
153
terna à Universidade. Os professores/monitores são selecionados em editais públi-
cos, e passam por alinhamento quanto às abordagens de sucesso nas aulas, de forma
compartilhadas com os demais membros, de acordo com as demandas do projeto.
A supervisora pedagógica auxilia na elaboração do material e do plano de aula
usado pelos professores e monitores. Além disso, realiza treinamentos, direcionados
às dificuldades discutidas nas reuniões e também às habilidades necessárias para o
bom desenvolvimento das aulas.
Cabe destacar que as redes sociais do projeto no Facebook e Instagram são fer-
ramentas de suma importância na comunicação com a comunidade e na investigação
da repercussão da imagem do projeto, além de serem um canal para tirar dúvidas dos
interessados nas aulas e para divulgação das atividades. Durante a pandemia, as re-
des sociais se tornaram a principal fonte de divulgação das atividades. O amplo alcan-
ce nas redes possibilitou a participação de pessoas de diversas localidades no Brasil e
no exterior, com a divulgação dos conteúdos/postagens da UFSJ em grupos de outras
universidades, nas redes sociais do projeto, no site da Universidade e nos perfis dos
colaboradores do projeto.
Para adaptar as atividades do Núcleo ao formato remoto, os colaboradores pas-
saram por treinamentos de comunicação e didática no ensino remoto. Autores como
Fernández Gutiérrez et al. (2022), Finardi, Hildeblando Junior e Guimarães (2020), en-
tre outros, tratam do uso de tecnologias para ensino de idiomas como uma aborda-
gem de troca intercultural e inclusiva. Com esse intuito, o projeto usou de diversas
ferramentas on-line, gratuitas, como o Google Meet para a realização das aulas, a pla-
taforma Google Classroom para postar os materiais e avaliações, grupos no WhatsApp
de cada turma para facilitar a comunicação entre os alunos e professores, e também
Google Forms ou Quizizz para a realização das atividades e avaliações.
Atualmente, os cursos de idiomas do Núcleo seguem as nomenclaturas de ní-
veis 1, 2 e 3 para definir as competências de cada nível. As escalas de competências
foram baseadas no Common European Framework of Reference for Languages (CEFR)
que descreve a proficiência de idiomas em seis níveis: A1 e A2, B1 e B2, C1 e C2 – do
nível mais elementar ao mais proficiente. Como as aulas de idiomas do projeto de
extensão ocorrem com uma carga horária de 24 horas, não seria possível atingir os
requisitos necessários para alcançar a pontuação de cada nível descrito pelo CEFR.
Sendo assim, foi definido que cada nível de curso se basearia nas competências de
seu respectivo nível CEFR, fazendo o possível para alcançar as competências e voca-
bulário durante a oferta do curso. Assim, o nível 1 é o nível iniciante do idioma, que é
suficiente para interações simples do dia a dia, como, por exemplo, as de um turista vi-
sitando um país de língua estrangeira e solicitando informações básicas. O nível 1 não
é suficiente para propósitos acadêmicos e/ou profissionais. Já o nível 2, o nível básico,
é suficiente para turismo internacional e para socializar-se com quem fala o idioma. O
nível 2 também permite que seja feito networking com colegas que falam o idioma, e
para consumo de mídias, como televisão, filmes, séries e músicas, no entanto ainda
é limitado a assuntos familiares ao nível 2 e não é suficiente para estudo acadêmico.
Já o nível 3, intermediário, é suficiente para interações sobre assuntos conhecidos,
para ler relatórios simples e escrever mensagens de e-mail sobre assuntos em sua área
de trabalho, e para estudo acadêmico básico. Porém, no nível 3, ainda não é possível
exercer todas as funções comunicativas de trabalho no idioma.
154
Os cursos ocorrem semanalmente com duas horas cada aula, mais duas ativi-
dades extras, em dez semanas, totalizando assim a carga horária de 24 horas. Cada
curso de idioma tem sua própria metodologia de avaliação, a critério do professor e
monitor, que consiste basicamente em atividades a cada aula, e uma ou duas avalia-
ções em formato textual e/ou oral. Todos os materiais são criados por cada professor
e monitor, baseados em literatura pertinente a cada idioma, e passam por revisão da
supervisora pedagógica. Seguindo a proposta do Núcleo, as aulas remotas são dinâ-
micas e interativas, com atividades de conversação e dinâmicas, nas quais o aluno
atua/participa ativamente.
As rodas de conversação oferecidos pelo projeto são o Habla (conversação em
espanhol), e Speak Up (conversação em inglês) e Parlez (conversação em francês).
Também é realizado o Yomimashou que são encontros nos quais os participantes fa-
zem a leitura de textos, são apresentados vídeos, filmes e músicas em japonês, e são
discutidos vocabulário e gramática referentes ao material apresentado nesses encon-
tros. Essas atividades são realizadas semanalmente pelo Google Meet, com duração
máxima de duas horas, e mediadas por colaboradores do projeto, que levam dinâmi-
cas, temas do dia a dia, cultura, culinária e outros temas sugeridos pelos próprios par-
ticipantes. Esses encontros propiciam a prática do idioma em questão e são abertos a
toda comunidade, mesmo para aqueles que não são alunos do Núcleo. Dessa forma,
as rodas de conversação tornam-se um importante instrumento para desenvolvimen-
to e aprimoramento das habilidades comunicativas, e para trocas de experiências,
uma vez que os participantes provêm de diversas localidades. Na próxima seção, se-
rão abordados os resultados deste estudo.

RESULTADOS

A partir do estudo de caso realizado no Núcleo, observou-se que no início


de julho de 2020 até maio de 2022 houve uma maior aproximação do Núcleo com
a comunidade externa. Nos cinco editais que ocorreram de julho de 2020 até maio
de 2022 para os cursos gratuitos de idiomas, muitos dos inscritos foram da comu-
nidade externa da UFSJ, com a participação de alunos e colaboradores de outras
universidades, estados e países. A seleção ocorreu através do preenchimento de um
formulário eletrônico disponibilizado nas redes sociais do Projeto, com inscrições
abertas por 48 horas e as vagas preenchidas pela ordem de inscrição, sendo 20%
das vagas reservadas para integrantes do projeto, ex-alunos dos cursos de idiomas,
técnicos e terceirizados da UFSJ. Após a seleção, os alunos preenchem um termo de
compromisso e os selecionados para os cursos Espanhol 2, Inglês 2 e Inglês 3 fazem
uma prova de nivelamento, para comprovar a aptidão/proficiência para realizar o
curso. A prova de nivelamento é preparada e aplicada pelos professores e monitores
dos respectivos cursos. Após o resultado da prova, os alunos selecionados enviam o
termo de compromisso preenchido e assinado por e-mail, para assegurar sua vaga.
O modelo on-line para as aulas, criado em virtude do cenário pandêmico,
impulsionou um expressivo crescimento do projeto, em termos de número de par-
ticipantes. No ano de 2020, foi realizado um edital de seleção de alunos para o perí-
odo de julho a novembro. No ano de 2021 foram trabalhados 3 períodos, devido ao
atraso no calendário acadêmico, por causa da pandemia. Os períodos são indica-
155
dos a seguir: Primeiro (2020.2) de 22/02/21 a 10/05/21; Segundo (2021.1) 07/06/21 a
13/08/21; e Terceiro (2021.2) de 27/09/21 a 03/12/21.
No período 2020.2 foram ofertados os cursos de: Inglês nos níveis 1 e 2; Es-
panhol no nível 1; e Libras nos níveis 1 e 2; totalizando 5 turmas, com 20 alunos
cada. Houve 110 inscritos nesse edital. No período 2021.1, os idiomas ministrados
no edital anterior foram mantidos, e foram incluídos os cursos de Alemão e Francês
(ambos no nível 1), e uma turma de nível 2 de Espanhol, perfazendo um total de 7
turmas e 140 alunos. No processo seletivo de 2021.1 foram inscritos um total de 216
pessoas. Já no período 2021.2 foram ofertados os cursos de Inglês (nos níveis 1, 2
e 3), sendo 2 turmas para inglês nível 1, devido à alta demanda. Também, foram
ofertados os cursos de Espanhol (nos níveis 1 e 2), de Francês, Alemão e Japonês
(todos em nível 1). Observou-se nesse período um aumento expressivo na procura
por vagas, chegando a 339 o número de inscritos. No segundo semestre de 2021, o
Projeto contou com 8 turmas, e foram atendidos aproximadamente 160 alunos de
forma direta. Os encontros de conversação de Speak Up (inglês) e Habla (espanhol)
e Parlez (francês) foram mantidos em todos os períodos. No ano de 2022, mesmo
com o retorno presencial das atividades na UFSJ, optou-se por permanecer com
o ensino remoto dos idiomas, uma vez que esta modalidade propicia uma maior
abrangência dos cursos oferecidos, não sendo restritos as limitações geográficas.
No período 2022.1, os cursos de Inglês (nos níveis 1, 2 e 3), Espanhol, Alemão, Fran-
cês, Japonês e Mandarim (todos no nível 1) foram ofertados. Observou-se novamen-
te um crescimento de inscritos no processo seletivo de 2022.1, perfazendo um total
de 426 candidatos. Em comparação ao edital de 2020.2, no edital de 2022.1 houve
um crescimento de 533.75% na procura pelos cursos de idiomas ofertados pelo pro-
jeto. No total, nos quatro editais o projeto contou com 1.061 inscritos, conforme
apresentado no Gráfico I.

Gráfico I: Total de ins-


critos nos cursos de
idiomas do Núcleo
durante o período de
2020 a 2022.

156
A troca de conhecimento e engajamento dos colaboradores é incentivada
pela participação em eventos e congressos. Em 2020, membros do Projeto subme-
teram propostas para o IX Congresso Brasileiro de Extensão Universitária (CBEU) e
foram aprovadas as apresentações de seis trabalhos. Em 2021 foram apresentados
dois trabalhos na XVIII Semana de Extensão Universitária da UFSJ e um trabalho no
IV Seminário de Internacionalização da UFSJ, em que foi possível discutir os enfren-
tamentos e desafios perante a pandemia, a partir da perspectiva da relação entre
Universidade e Sociedade. No intuito de incentivar a aprendizagem de idiomas, o
Núcleo também realizou oficinas de introdução ao Espanhol e Japonês, durante o
IV Seminário de Internacionalização da UFSJ. Todas essas atividades demonstraram
um gradual crescimento e consolidação das atividades do projeto.
Outra ação desenvolvida foi a confecção de um material para os cursos de
Inglês e Espanhol, em dezembro de 2020. O material é composto por 10 partes/uni-
dades/seções, sendo cada parte referente a uma aula. O conteúdo de cada aula gira
em torno do seu tema, com o objetivo de que, ao final daquele encontro, o aluno
tenha uma base interessante de vocabulário, sobre um assunto específico tratado
em aula. Esse material poderá ser expandido para outros níveis e idiomas.
Cabe destacar que o modelo virtual adotado para as aulas também possibi-
lita uma maior abrangência dos eventos promovidos pelo Núcleo. Foram ministra-
dos workshops de pronúncia em inglês e uma palestra sobre entrevistas no idioma,
ambos eventos abertos à toda a comunidade interna e externa à Universidade. Na
próxima seção, serão discutidos os resultados deste estudo.

DISCUSSÃO

As ações trouxeram visibilidade ao projeto e, também, à UFSJ, com destaque


na região do Alto Paraopeba na mentoria de uma proposta de ensino colaborativo e
de desenvolvimento sociocultural. É importante salientar que tudo foi possível gra-
ças aos esforços de todos, pelos membros da equipe e do apoio da PROEX (Pró-Rei-
toria de Extensão) da UFSJ.
Mesmo com os desafios do ensino remoto, foi possível uma grande expansão
do projeto, com a participação de um maior número de colaboradores e idiomas.
Atualmente, a equipe conta com 25 colaboradores ativos, sendo alunos do CAP -
UFSJ, alunos de outros campi da UFSJ, alunos de outras universidades como UFS-
Car, UFMG, UFOP e membros da comunidade externa.
O Núcleo defende que o investimento no conhecimento de idiomas e de cul-
tura seja um diferencial na obtenção de resultados profissionais e acadêmicos, a
curto e longo prazo, além de uma ferramenta de aproximação da Universidade com
a comunidade externa. Confirmando essa atuação positiva da Universidade, desta-
camos aqui alguns depoimentos das avaliações via formulário eletrônico, anônimo,
de avaliação dos cursos dos editais 2021.1 e 2021.2:

“Gosto muito da empolgação do professor em ensinar, ele sabe muito!


Gosto dos áudios pra descobrirmos o que foi dito e também das ilustra-
ções dos slides. Relacionar o francês com o dia a dia também.”

157
“Explicação bem feita, fácil de compreender. Professores muito empe-
nhados em ajudar.”
“O professor explica bem, o conteúdo é diversificado, o material comple-
mentar é bom e tem dicas de conteúdo extra para ficar familiarizado com
a cultura e a fonética do idioma.”
“Eu gosto que é ensinado o Espanhol do Peru ao invés do comumente es-
panhol europeu. A Larissa tem didática e dicção muito boas, o que facilita
a compreensão e entusiasmo para se envolver no conteúdo ensinado.”
“Gostei da atenção, paciência e do conteúdo trabalhado com a turma.”
“Explicação muito completa; didática excelente; dinamismo e exercícios
realizados durante as aulas; gosto que sempre estimulam os alunos a par-
ticiparem. ”
“Aulas leves e com uma duração adequada.”
“Eu de verdade estou amando tudo! As professoras Gabriela e Roberta ex-
plicam sempre muito bem e com muito cuidado, os comentários do Jorge
são perfeitos, os conteúdos são muito bons, o podcast que indicaram, tudo
é muito bom! Na nossa classe está sempre surgindo um assunto diferente
e importante durante a aula, seja por causa do tema seja por causa das
nossas conversas e interações, e isso é maravilhoso pois agrega muito
além do espanhol”
“Já fiz Inglês no núcleo também e gostaria de parabenizar pois, até ago-
ra, as professoras que tive/tenho possuem excelente didática. É realmente
muito importante que tenhamos momentos para descontrair e ‘brincar’ de
aprender, interagindo com os colegas e treinando a fala.”

Tais relatos são utilizados para o aprimoramento das técnicas de ensino e


evidenciam também o impacto positivo gerado nos alunos atendidos pelo projeto.
Em resumo, os comentários destacam que a metodologia aplicada nas aulas é sa-
tisfatória, envolvendo-os nas atividades de forma ativa, cumprindo as premissas do
projeto em incluir os alunos em uma vivência no idioma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível concluir que, no contexto pandêmico, o projeto descrito neste estu-


do contribui para a inclusão de pessoas de diversas camadas da sociedade, uma vez
que a modalidade on-line das aulas ofertadas propiciou um alcance maior na difusão
do ensino de idiomas, tanto para comunidade interna, quanto para a comunidade
externa à UFSJ. Destacamos que, a extensão universitária é de suma importância para
a sociedade como um todo, pois possibilita a difusão do conhecimento, gerando ex-
tensionistas aptos a atuar em espaços públicos, interessados na mudança positiva da
sociedade, além de contribuir para a troca de saberes entre alunos e sociedade.

158
REFERÊNCIAS

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CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não ter conflito de interesses.

AGRADECIMENTOS

À Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de São João del-Rei (PRO-


EX - UFSJ) pelo apoio. Aos colaboradores do projeto por todo empenho e trabalho
durante o período de pandemia.

FONTES DE FINANCIAMENTO
O projeto recebeu financiamento da UFSJ por meio do Programa Institucio-
nal de Bolsas de Extensão - PIBEX para sua realização.
160
Periquito-rei, Constantino Buteri.

161
Promoção de Fonoaudiologia Educacional no
enfrentamento da pandemia COVID-19 na Secretaria
de Educação da Prefeitura Municipal de Vila Velha

Promotion of Educational Speech Therapy in the face of the COVID-19 pandemic at the
Secretary of Education of the Municipal Prefecture of Vila Velha

Resumo João Ricardo Ferreira Santos


O Programa Saúde na Escola (PSE) propicia ações de integra- Igor Mapa Silva
ção entre Saúde e Educação. A pandemia da COVID-19 impac- Bianca de Souza Conceição
tou o sistema de ensino, pelas necessidades de readaptações Eduarda Biancardi Carneiro
Ellen Rafaela dos Santos
no processo de ensino e de aprendizagem. A partir da demanda
Gomes
da equipe de fonoaudiólogas do PSE da Prefeitura Municipal de Karina Soares Pontes;
Vila Velha (PMVV), elaborou-se este projeto com objetivo geral de Thais Knaack
promover a fonoaudiologia educacional, com estratégias remo- Alessandra Brunoro Motta
tas de prevenção e intervenção nos processos de comunicação e Loss
de aprendizagem da leitura e da escrita. Os principais resultados Carolina Fiorin Anhoque
obtidos foram: formação continuada dos professores; elaboração Comarela
e compartilhamento de materiais informativos e educativos, nas Guiomar Silva De
temáticas sobre saúde e educação, relacionados ao processo de Albuquerque
enfrentamento das consequências da pandemia COVID-19 no Liliane Perroud Miilher
Aline Neves Pessoa Almeida
sistema de ensino e de aprendizagem. Os indicadores avaliados
Andrea Alves Maia.
pelo levantamento de demandas, o apoio e acompanhamento
da gestão local e as avaliações durante o processo mostraram rykardojoao@gmail.com
novas perspectivas dos educadores, diante de atuais realidades
das temáticas expostas. Conclui-se que as atividades realizadas Universidade Federal do
tiveram impacto positivo para a educação pública do município, Espírito Santo
a partir de novos posicionamentos dos professores, com olhar
para as competências do estudante conforme possibilidades do
contexto econômico, político e social.

Palavras-chave: programa de saúde na escola; serviços de saúde


escolar; saúde pública; fonoaudiologia; Covid-19.

162
Abstract
The School Health Program (PSE) provides integration actions
between Health and Education. The COVID-19 pandemic im-
pacted the education system, due to the need for readaptations
in the teaching and learning process. Based on the demand of
the team of speech therapists from the PSE of the Municipality
of Vila Velha (PMVV), this project was elaborated with the ge-
neral objective of promoting educational speech therapy, with
remote strategies of prevention and intervention in the proces-
ses of communication and learning to read and writing. The
main results obtained were: continuing education of teachers;
preparation and sharing of informative and educational mate-
rials, on topics about health and education, related to the pro-
cess of facing the consequences of the COVID-19 pandemic in
the teaching and learning system. The indicators evaluated by
the survey of demands, the support and monitoring of the local
management and the evaluations during the process showed
new perspectives of the educators, in face of the current rea-
lities of the exposed themes. It is concluded that the activities
carried out had a positive impact on the municipality’s public
education, based on the new positions of the teachers, with a
view to the student’s competences according to the possibilities
of the economic, political and social context.

Keywords: school health program; school health services; pu-


blic health; speech therapy; Covid-19.

“Declaramos não ter conflito de interesse”.

163
INTRODUÇÃO

O Fonoaudiólogo pode atuar em qualquer ponto da Rede de Atenção à Saúde


(RAS) (CORREIA; COUTO; SILVIA, 2015), sendo um deles a Atenção Básica, como o
primeiro nível de atenção da rede. Sua ação deve seguir as premissas de promoção,
proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e
redução de danos (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE, 2011).
De acordo com a resolução do Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa) de
N° 605, do ano de 2021, as funções da atuação fonoaudiológica, dentro do ambien-
te escolar, estão centradas no auxilio das seguintes demandas: definir o perfil, as
necessidades e as prioridades institucionais concernentes aos aspectos fonoaudio-
lógicos, que possam afetar as condições de Saúde e de Educação; promover ações
com os profissionais envolvidos no acompanhamento dos educandos, para garantir
a flexibilização, adaptação e temporalidade curricular, favorecendo a comunica-
ção em prol da melhoria do ambiente organizacional e das relações interpessoais;
colaborar na realização de atividades promotoras de Saúde, que potencializam a
aquisição, o desenvolvimento e o aprimoramento dos aspectos relacionados à lin-
guagem em suas diferentes modalidades; e realizar ações formativas sobre assuntos
pertinentes à Fonoaudiologia para a comunidade escolar (CONSELHO FEDERAL DE
FONOAUDIOLOGIA, 2021).
O Programa Saúde na Escola (PSE) visa contribuir para o fortalecimento de
ações na perspectiva do desenvolvimento integral do indivíduo e busca proporcio-
nar à comunidade escolar a participação em programas e projetos que articulem
saúde e educação, para o enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem
o pleno desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens brasileiros. O seu obje-
tivo é implementar ações que envolvam a promoção e prevenção em saúde para a
comunidade escolar. Portanto, para que o programa funcione é necessário que haja
diálogo entre as escolas e Unidades Básicas de Saúde (UBS) e que as estratégias
trabalhadas estejam de acordo com as demandas (BRASIL, 2011).
Segundo Aquino et al. (2020), a pandemia da COVID-19 levou à necessidade
de distanciamento físico, como medida para diminuição da transmissão do vírus,
sendo a interrupção de atividades presenciais das instituições de ensino de todo
o mundo uma dessas estratégias. No dia 17 de março de 2020, o Ministério da Edu-
cação decretou a substituição das aulas presenciais por modalidades de ensino re-
moto, ou seja, através do meio digital. Essa alteração levantou várias problemáticas:
uma delas é que o sistema público de ensino não estava tecnológico, e humana-
mente, preparado para essa transição, escancarando ainda mais as discrepâncias
sociais encontradas nesse campo, tanto para os profissionais da educação quanto
para os estudantes.
É importante diferenciar o ensino remoto do ensino a distância (EaD), sendo
comum entre estes métodos de ensino apenas a utilização de tecnologia de comu-
nicação e informação digital no processo de ensino e de aprendizagem (GARCIA et
al., 2020, apud NAKANO; ROZA; OLIVEIRA, 2021). O ensino remoto foi a estratégia
de manutenção das atividades diante da necessidade do distanciamento, imposto
pela situação da Pandemia da COVID-19, onde houve uma necessidade de mudança
temporária e emergencial. Já o EaD é uma modalidade de ensino complexa, com
164
legislação própria, baseado em planejamento anterior e metodologias específicas
(HODGES et al., 2020).
A partir do decreto de distanciamento físico, como medida de saúde coletiva
na Pandemia da COVID-19, professores tiveram que aprender a utilizar os recursos
do ensino remoto, bem como adaptarem seus conteúdos e ensinamentos a esse
novo formato, profusas vezes, sem poder contar com o apoio de livros didáticos
que usualmente têm à disposição em sala de aula. Crianças se viram isoladas so-
cialmente em suas casas e com dificuldade de assistência presencial, buscando o
aprendizado dos conteúdos por meio de ferramentas de comunicação, sem o con-
tato próximo ao professor ou demais colegas da turma, sem os espaços usualmente
ocupados durante o horário escolar, havendo interrupção de aulas diversificadas
ou atividades extracurriculares. Consequentemente, os pais transformaram-se em
tutores no ensino dos seus filhos, mantendo ao mesmo tempo suas atividades labo-
rais. A rotina de todos esses atores foi radicalmente transformada. (NAKANO; ROZA;
OLIVEIRA, 2021, p. 1372).
Devido a demanda dos educadores em se adaptar à realidade remota e ga-
rantir a qualidade de ensino neste modelo, foi criado um projeto em parceria entre a
Universidade Federal do Espírito Santo e a Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV)
com objetivo geral de promover a Fonoaudiologia Educacional, com estratégias re-
motas de prevenção e intervenção nos processos de comunicação e de aprendiza-
gem da leitura e da escrita, à comunidade escolar atendida pelo programa saúde na
escola. O público-alvo desta intervenção foram os professores da educação infantil,
fundamental I e II da rede municipal, assistidos pelo PSE, da PMVV.
Entre os objetivos específicos, foram estruturados os seguintes pontos: Es-
tabelecer ferramentas digitais e estruturar serviço remoto para atender a comunida-
de escolar do PSE da PMVV, nas seguintes demandas: 1. Promover saúde vocal do
professor, considerando o uso de máscara de proteção em sala de aula; 2. Capacitar
o professor para o enfrentamento das dificuldades de aprendizagem: Questões e
Desafios; 3. Capacitar sobre a importância da estimulação precoce nos primeiros
anos de vida; 4. Sensibilizar a comunidade acadêmica para a conscientização das
interfaces entre a audição e a aprendizagem, comunicação compassiva e desenvol-
vimento humano em diferentes ciclos de vida.
Este artigo visou relatar os principais pontos trabalhados e os resultados
obtidos pelo projeto extensionista, composto por professores e estudantes da UFES
em conjunto com a equipe da PMVV.

MÉTODO

Todas as ações deste projeto foram realizadas de forma remota, com temáti-
cas de prevenção, promoção e atenção integral à comunidade escolar, utilizando a
formação continuada como aperfeiçoamento dos saberes necessários para a sala
de aula, alinhados ao enfrentamento dos impactos da pandemia da COVID-19.
O projeto foi engajado com a coordenação de 4 (quatro) docentes do Curso
de Fonoaudiologia da UFES e 3 (três) discentes do Colegiado de Fonoaudiologia,
além de 2 (duas) Fonoaudiólogas do PSE da PMVV, que foram as responsáveis pela
divulgação do projeto aos educadores de todas as escolas da rede municipal, para
165
levantamento das demandas, por meio do envio de um questionário online, pelo
qual perguntas abertas ou semi-dirigidas contemplavam o mapeamento de pos-
síveis desejos, perguntas ou necessidades por parte dos professores de educação
infantil a serem abarcadas: “Qual é a sua demanda a ser discutida que envolva o
trabalho do Fonoaudiólogo no âmbito escolar?”. Após a definição dos temas, e seus
redirecionamentos às docentes palestrantes responsáveis, foram realizadas reuni-
ões semanais para definição das estratégias de prevenção e promoção de saúde à
comunidade escolar, em que foram produzidos materiais, posteriormente citados e
discutidos, como forma de complementar as apresentações feitas aos professores
da PMVV. Estes eram enviados por meio das vias de comunicação oficiais da Secre-
taria de Educação Municipal após as exposições aos temas.
As respostas foram discutidas e sistematizadas em eixos temáticos de discussão
entre os participantes do projeto de extensão, que se reuniram sistematicamente para
traçar estratégias para oficinas, rodas de conversa, Live em canal da PMVV e materiais
didático-pedagógicos de apoio à capacitação de professores da rede. As categorias
contemplaram as grandes áreas de voz, audição, linguagem e aprendizagem da Fono-
audiologia, obtendo-se desta forma os seguintes temas para discussão: Comunicação
em sala de aula, Saúde e bem estar vocal - Saúde vocal e comunicação eficiente dian-
te do distanciamento físico e uso de máscara, Habilidades de Consciência Fonológica
para o processo de Alfabetização; Dificuldades de aprendizagem: questões e desafios;
Dislexia, disortografia, disgrafia e discalculia - conhecer para intervir; Interfaces entre
a audição e a aprendizagem: habilidades auditivas e aprendizado; Desenvolvimento
socioemocional na primeira infância; Comunicação compassiva e desenvolvimento
humano em diferentes ciclos de vida: brincadeira, linguagem e aprendizado. Os do-
centes responsáveis pelas atividades foram a Profª Drª Andréa Alves Maia, coordena-
dora e subcoordenadoras a Profª Drª Aline Neves Pessoa Almeida, Profª Drª Alessandra
Brunoro Motta Loss, Profª Drª Guiomar Silva de Albuquerque, Profª Drª Liliane Perroud
Miilher e Profª Drª Carolina Fiorin Anhoque. Tais temáticas foram desenvolvidas con-
forme cronograma acordado com gestão da equipe multiprofissional da PMVV, a com-
por, outrossim, estratégias de formação continuada.
As videoconferências Google Meet foram planejadas previamente para dura-
ção de 1 hora, e para cada atividade houve um roteiro de competências a serem tra-
balhadas que foi alinhado pelo diagnóstico apresentado. Os discentes integrantes
participaram de todas as ações e trabalharam de modo a executarem o roteiro/pla-
nejamento de cada ação, com estratégias de metodologias de Ensinagem e apren-
dizagem focado no participante, estimulando reflexão, autoanálise, em facilitação
à possíveis tomadas de decisões em seus dia-a-dia. Outrossim, acompanhavam o
registro de frequência dos participantes, manifestações via chat e/ou quaisquer de-
mandas existentes em ocasiões de ações síncronas. Para todo encontro de forma-
ção houve registro do feedback acolhido via formulários, relatos e/ou chat.
Destarte, contamos com relevante apoio na utilização de recursos de tecno-
logia de informação e comunicação da Secretaria de Educação Municipal de Vila
Velha, que foram utilizados para webconferências, banco dos produtos digitais e
para todo processo de interação com a comunidade de educadores. Os recursos
utilizados foram: plataforma do Ministério da Educação e Cultura – e-Proinfo, Google
Meet e StreamYard para transmissão direta ao canal no YouTube da PMVV.
166
O presente artigo se refere ao período inicial do projeto, de 04 de janeiro de
2021 até 31 de julho de 2021, mas houve a renovação para o período de agosto de
2021 até agosto de 2022.

RESULTADOS

De acordo com a supervisão dos orientadores do projeto, os extensionistas


produziram diversos produtos interativos e digitais, disponibilizados pela equipe de
comunicação da PMVV por meio de WhatsApp e e-mail aos professores da rede mu-
nicipal de ensino. Folders, cartazes, vídeos e questionários caracterizaram os forma-
tos de tais materiais. Elaborou-se também uma plataforma que aborda as temáticas
trabalhadas e que viabilizou melhor acesso aos conteúdos instrucionais da Socie-
dade Brasileira de Fonoaudiologia, Conselho Regional e Federal de Fonoaudiologia.
Os principais materiais educativos produzidos e disponibilizados foram: (a) fol-
der orientativo com o título “5 dicas para melhorar a comunicação na sala de aula
virtual”, contendo estratégias de oratória que podem ser utilizadas por educadores,
para melhorarem a saúde vocal dentro do ambiente virtual de aprendizagem; (b) ví-
deo com o tema “Saúde vocal, trabalho legal!”, onde foram abordados os principais
cuidados voltados à higiene vocal que os educadores precisam ter para manter a saú-
de da comunicação; (c) vídeo com o tema “Habilidades auditivas e educação”, con-
templando a importante interface entre os distúrbios da audição e como estes podem
influenciar no processo de aprendizagem; (d) vídeo com o tema “Como estimular a
linguagem em sala de aula?”, abordando diferentes estratégias que visam tornar o pro-
cesso de aprendizagem mais prazeroso e acessível a todos os alunos; e (e) Cartilha do
desenvolvimento infantil, contendo os principais marcos do desenvolvimento infantil
no que tange a audição, linguagem e desenvolvimento psicomotor.
Na Formação Continuada aos professores, conforme controle do Serviço, foi
preenchida a folha do E-sus - procedimento obrigatório no setor, para o programa
saúde na escola, que faz parte da gerência da equipe multiprofissional.
A seguir listamos as ações desenvolvidas conforme temáticas:

1. Campanha 2021: Amigos da Voz - Dia da Voz – 16/04/2021 às 09h. Duração


de 1 hora. Presença de 10 participantes;
2. Comunicação em sala de aula – 22/04/2021 às 09h. Duração de 1 hora. Pre-
sença de 15 participantes;
3. Live via Youtube: “Sua voz diz muito sobre você” – 30/04/2021 às 18h. Dura-
ção de 1 hora. Presença de 25 participantes. (Versão gravada da live, salva
no canal da SEMED - Secretaria Municipal de Educação da PMVV “O que sua
voz diz sobre você”, com 84 visualizações);
4. Comunicação: aulas e ruídos – 27/04/2021 às 9h. Duração de 1 hora. Pre-
sença de 28 participantes.
5. Voz e comunicação: Formação continuada dos professores de Educação Fí-
sica - 15/06/2021 matutino e vespertino (2 ações). Presença de 86 docentes
no turno matutino e 46 docentes no turno vespertino;
6. Interfaces entre a Audição e a Aprendizagem: desenvolvimento de habilida-
des auditivas e consciência fonológica na infância - 04/08/2021, às 18h30.
167
DISCUSSÃO/CONCLUSÕES

Este projeto foi avaliado, pelos servidores professores da rede da PMVV, como
fundamental para esta ocasião de ensino remoto e de retorno às atividades presen-
ciais, por atender assertivamente às necessidades trazidas e que envolvem o con-
texto biopsicossocial de saúde e educação da rede de ensino e dos profissionais
da equipe multidisciplinar, o que foi alicerçado em levantamento de dados sobre
a prática docente durante esse período e o compartilhamento dos seus resultados
pode permitir a evolução das estratégias aplicadas na área do ensino-aprendizagem
para que sejam alcançadas metodologias capazes de beneficiar todos os sujeitos
presentes nessa relação.
Isto posto, fica evidenciado que as ações deste projeto de extensão intitula-
do “Promoção de Fonoaudiologia Educacional no enfrentamento da pandemia da
COVID-19”, na Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Vila Velha, estão
alinhadas aos pressupostos regimentais e atuou em prol de impactos positivos na
qualidade de vida dos educandos.
Conforme demandas ocasionadas pela necessidade de distanciamento físico,
devido à pandemia da COVID-19, os professores da rede pública tiveram espaço para
aprendizados e reformulações de seus afazeres com as ações desenvolvidas pelo proje-
to. Assim, foram acolhidos e receberam materiais de respaldo científico, para elaboração
de estratégias, além de adquirirem conhecimento para enfrentar questões como as pos-
sibilidades metodológicas nesta nova condição de trabalho, o envolvimento emocional
do novo processo e as dificuldades dos estudantes no período da pandemia.
A pandemia da Covid19 trouxe a necessidade de uma reinvenção, recriação e
readaptação do corpo docente, uma vez que existe uma demanda pela continuida-
de da educação de forma ativa para todos(as) os(as) estudantes, embora com dis-
crepâncias entre o ensino público e privado no que tange a condição social e eco-
nômica dos(as) estudantes e docentes brasileiros(as) (COELHO et al., 2021, p. 21).
Durante a execução das atividades, questões que envolvem as dificuldades
de acessibilidade e inclusão digital em nosso país tornaram-se evidentes. Desta for-
ma, este novo contexto educacional trouxe fatores que estão além do campo da
educação, que interferiram em seu funcionamento, sendo a vulnerabilidade so-
cioeconômica o mais agravante. Dados da Secretaria Municipal de Educação da
Prefeitura de São Paulo (2021, p. 16) apontam desafios semelhantes no período de
readequação das modalidades de ensino durante a pandemia, em que a baixa co-
nectividade e a falta de dispositivos para obter acesso digital prejudicaram grande
parte da comunidade escolar e a elaboração de planejamentos pedagógicos capa-
zes de garantir acesso educacional igualitário. Vale ressaltar que o acesso à internet
com qualidade no sinal comprometeu o acesso de muitos indivíduos do público-al-
vo das ações e gerou muitos ruídos comunicativos.
A falta de formação e de infraestrutura adequada, de acesso, para realizar ati-
vidades remotas com os estudantes, em plataformas virtuais, afetou um número
significativo de professores que atuam na rede pública da Educação Básica, geran-
do estresse e ansiedade (SARAIVA; TRAVERSINI; LOCKMANN, 2020, p. 15).
Ao mesmo tempo, foi possível notar um reconhecimento positivo sobre as
possibilidades que a utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação
168
podem oferecer ao trabalho em educação, dando maior flexibilidade e permitindo
acessibilidade. Lèvy (2011, p.21) apud Secretaria Municipal de Educação da Prefei-
tura de São Paulo (2021, p. 20) traz os termos de sincronização e interconexão, para
falar de tempo e lugar no meio virtual, e que ferramentas informacionais permitiram
a implementação das estratégias educacionais como “lives”, videochamadas, uso
de plataformas de reunião síncrona, dentre outros. Destaca-se a possibilidade de
acesso aos materiais no tempo e demanda de cada sujeito, assim como gravações
das aulas em mídias digitais. Além disso, o relato dos participantes sobre as informa-
ções fornecidas foi notoriamente positivo, como observado pelos registros no chat/
comentário, das webconferências.
Todo material elaborado buscou sempre trazer conteúdos de relevância cien-
tífica e atualizados para o contexto proposto. É importante ressaltar, o acolhimento
gerado para essa equipe de professores, que se viu desafiada pela pandemia em to-
das as esferas sociais e, que para além de informações, foi possível levar reflexões e
ponderações, como verdadeiros espaços de troca. O acolhimento como ato ou efeito
de acolher expressa, em suas várias definições, uma ação de aproximação, um “estar
com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão. Essa atitude implica, por
sua vez, estar em relação com algo ou alguém (SILVA; MAIA, 2021, p. 540-541).
Nesta etapa do projeto, o trabalho foi realizado somente com os professores
inscritos na rede, não sendo viável a inclusão de pais e estudantes nas atividades.
Outras formas de acessar esse público foram pensadas, porém os trâmites dos ór-
gãos públicos não permitiram. Assim como outros tipos de materiais, um possível
podcast, por exemplo, foi inviabilizado por depender das plataformas governamen-
tais que, por um período, ficaram sem possibilidade de indexação, devido às condi-
ções políticas e de logística do serviço.
A parceria entre a UFES e a PMVV, desenvolvida neste projeto de extensão,
fomentou estratégias que impactaram de maneira significativa nos desafios e nas
demandas que surgiram, devido à situação de trabalho do professor, bem como no-
vas oportunidades de aprendizado dos estudantes a partir da nova realidade impos-
ta pela pandemia da COVID-19. As atividades do projeto forneceram à comunidade
escolar o apoio necessário ao enfrentamento de situações que possam comprome-
ter o processo de Ensino e Aprendizagem, além do desenvolvimento de crianças,
adolescentes e jovens a partir de fatores intervenientes, como: os impactos do uso
de máscara facial, acústica do ambiente e construções de habilidades auditivas e de
linguagem, uso de tecnologias e desenvolvimento de estratégias de metodologias
ativas, oportunas a este cenário de ensino emergencial remoto.
Por meio das ações realizadas neste projeto foi possível promover forma-
ção continuada aos professores da rede pública, com ações diretas às demandas
existentes, no enfrentamento dos impactos da pandemia da COVID-19, tais como:
impactos no processo de ensino e aprendizado gerados pela paralisação do siste-
ma; atraso no desenvolvimento das crianças; processos de comunicação em for-
mato remoto; estratégias de comunicação assertiva; distanciamento físico dentro
das escolas; utilização de máscaras faciais e voz; fadiga vocal; higiene vocal. Esses
tópicos puderam ser acolhidos, discutidos e posteriormente reavaliados e aprimo-
rados para serem trabalhados com os novos participantes após a renovação do pro-
jeto. Desta forma, consideramos que o objetivo deste projeto foi alcançado e foi de
169
grande relevância para a comunidade acadêmica da rede municipal de ensino da
Prefeitura Municipal de Vila Velha.

REFERÊNCIAS

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170
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CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não ter conflito de interesses.


FONTES DE FINANCIAMENTO
Declaramos que o projeto não recebeu financiamento para a sua realização.

171
Quiriquiri, Constantino Buteri.

172
O Trabalho da/o Assistente Social no estado do
Espírito Santo no contexto da pandemia por Covid-19
The work of the Social Worker in the state of Espírito Santo in the context of the Covid-19
pandemic

Resumo Andréa Monteiro Dalton


O presente artigo tem como objetivo socializar os resultado do Jeane Andréia Ferraz Silva
Projeto de Extensão intitulado “O trabalho da/o Assistente Social Sislene Pereira Gomes
no Espírito Santo no contexto da pandemia por Covid-19”1, proje- Carlos Augusto da Silva
Costa
to realizado em parceria entre o Lótus2 e o CRESS-ES3. Após levan-
tamento de dados através da COFI4 e, também, após a realização andrea.dalton@ufes.br
do Seminário “O trabalho profissional no contexto da Covid-19”5
observamos demandas que nos permitiram avaliar a necessida- Universidade Federal do
de do curso de formação que buscou atender a principal questão: Espírito Santo
Como enfrentar a diluição do trabalho profissional às demandas 1Projeto registrado na Proex
institucionais, sobretudo a partir dos impactos provocados pela sob o número 2763.
pandemia nas atribuições e competências profissionais. O traba- 2O Lótus – Grupo de Estudos
lho teve como objetivo contribuir para o processo de formação sobre os fundamentos da Po-
continuada de assistentes sociais atuantes nos diversos espaços lítica Social e Serviço Social é
vinculado ao Departamento de
sócio-ocupacionais, visando aprofundar o conhecimento dos Serviço Social da Universidade
fundamentos do Serviço Social no Espírito Santo. Federal do Espírito Santo-ES.
3O Conselho Regional de Servi-
Palavras-chave: serviço social; atribuições e competências; Espí- ço Social 17ª Região.
4COFI – Comissão de Orienta-
rito Santo e pandemia. ção e Fiscalização do CRESS-ES.
5Seminário realizado em
parceria Lótus e CRESS ES para
levantamento de demandas
para construção do curso “O
Trabalho da/o Assistente Social
no Espírito Santo no contexto
da pandemia por Covid-19”.

173
Abstract
This article is the result of the Extension Project entitled: “The
work of the Social Worker in Espírito Santo in the context of the
Covid 19 pandemic” project carried out in partnership between
Lótus and CRESS-ES. After data collection through of COFI and
also, after holding the Seminar “Professional work in the con-
text of Covid 19”, we observed demands that allowed us to as-
sess the need for the training course that sought to address the
main question: How to face the dilution of professional work to
institutional demands, especially from the impacts caused by
the pandemic on professional attributions and skills. The work
had to contribute to the process of continuing education of so-
cial workers actives in the various socio-occupational spaces,
aiming to deepen the knowledge of the fundamentals of social
work in Espirito Santo.

Keywords: social work; attributions and competencies; Espírito


Santo and pandemic.

174
INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo socializar os resultado do Projeto de Ex-


tensão intitulado “O trabalho da/o Assistente Social no Espírito Santo no contexto
da pandemia por Covid-19” projeto realizado em parceria entre o Lótus e o CRES-
S-ES. Após levantamento de dados por meio da COFI e também da realização do
Seminário “O trabalho profissional no contexto da Covid 19”, foram apontadas várias
questões e demandas. Dentre as demandas, a principal foi a necessidade de for-
mação continuada por meio de um espaço, onde as/os assistentes sociais pudes-
sem atualizar seus conhecimentos sobre os fundamentos do trabalho profissional
e fortalecer o Serviço Social nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais, princi-
palmente no contexto da pandemia por Covid-19. Algumas questões se colocavam
como centrais: Como atuar nestes espaços para além do atendimento às demandas
institucionais? Como fortalecer a organização coletiva em torno de uma determina-
da concepção de Serviço Social? Como criar estratégias para qualificar o trabalho
profissional?
Neste sentido, realizamos o Curso “Os Fundamentos do trabalho profissional
do/a assistente social no Espírito Santo em tempos de pandemia” que atendeu a ne-
cessidade de formação e, ainda, se tornou uma das possibilidades de retomada do
princípio ético profissional, qual seja, o de aprimoramento intelectual de forma per-
manente. Desta forma, criamos uma possibilidade de discussão coletiva com base
nos fundamentos da profissão, no sentido de enfrentar, principalmente, a diluição
do trabalho profissional às demandas institucionais e, sobretudo, os impactos pro-
vocados pela pandemia nas nossas atribuições e competências profissionais. Este
curso nasceu da necessidade posta pelas/os assistentes sociais participantes do
referido projeto, em aprimorarem seus conhecimentos e da própria dinâmica con-
traditória das políticas sociais, que desafia o conjunto dos trabalhadores que atuam
nesta área, comprometidos com as lutas e conquistas democráticas.
Por fim, o curso se justificou como forma de reconhecer e fortalecer os funda- 6 Resolução CFESS
mentos, e o Plano de Trabalho do Serviço Social, como estratégia importante de for- nº 512, publicada em
talecimento do Serviço Social nas instituições. Ainda, estabeleceu um compromisso de 29 de setembro de
ético e político em consolidar o perfil profissional em consonância com a dimen- 2007. Disponível em:
http://www.cfess.org.
são político-pedagógica, expressa na Política de Fiscalização do Conjunto CFESS/ br/arquivos/CFESS-PN-
CRESS6. Buscou também articular o exercício profissional ao processo de formação F2019-Revisada.pdf
do curso de Serviço Social da UFES, permitindo ampliar e aprimorar o papel da ins-
tituição de ensino no seu comprometimento com a realidade capixaba.

REFERENCIAL TEÓRICO

O conjunto de reflexões apresentadas neste texto advém da articulação entre


o campo profissional e acadêmico, por meio da realização de um Projeto de Exten-
são Universitária, em 2021, intitulado “Os fundamentos do trabalho profissional da/do
Assistente Social no contexto da pandemia por Covid-19” para assistentes sociais in-
seridos na seguridade social (saúde, assistência social e previdência social). Apresen-
tamos essa proposta de projeto de extensão, compreendendo que o papel da univer-
sidade é de empreender ações de enfrentamento aos impactos da Covid-19 em nosso
175
estado, com esforço coletivo entre a universidade e o CRESS-ES. O Serviço Social tem
muito a dizer e a fazer com a experiência que tem (conhecimento acumulado desde o
processo de renovação), mesmo em situações de catástrofes.
O desmonte das políticas sociais não é concebido como ocasional ou fruto de
uma crise datada, mas compõe as estratégias de contrarreforma neoliberal chancela-
das e geridas pelo Estado burguês. A relação simbiótica entre capital e Estado na obra
de Mészáros (2009) assegura a autorrealização do capital e tonifica sua natureza, que
é, ao mesmo tempo, expansiva e iminentemente destrutiva. Temos, então, não um
‘acidente de percurso’, mas uma crise que é estrutural, permanente e crônica, se mani-
festando cotidianamente no acirramento das expressões da questão social. A captura
do fundo público, materializa o papel do Estado na dinâmica da crise.
A classe trabalhadora, que tem nas políticas sociais uma forma de sobreviver
nesta perversa sociabilidade capitalista, fica ainda mais vulnerável e suscetível as con-
tingências, como restou comprovado nesta pandemia de Covid-19. Porções significati-
vas da classe trabalhadora, aprisionadas nos limites da existência física, material, sem
condições para se reproduzirem, não tardaram a entender: o evolver da Covid-19 ao
arrastar consigo dezenas de milhares de óbitos é, a um só tempo, a própria conta aos
sobrantes, a justificativa e a panaceia para todos os atos e as medidas de força de
todos os poderes nos diferentes momentos do Estado contra a classe trabalhadora.
E é na linha de frente que as/os assistentes sociais se deparam com velhos e no-
vos desafios do trabalho profissional. Inseridos majoritariamente nas duas principais
políticas sociais de enfretamento a Covid-19 (saúde e assistência social), esta catego-
ria tem as condições objetivas e subjetivas de seu trabalho atravessado pelo desmon-
te estrutural em curso. E, compreender o Serviço Social como um tipo de trabalho na
sociedade, possibilita-nos entender que esta profissão é também determinada pelas
mudanças históricas como a reestruturação produtiva, a contrarreforma do Estado, a
nova morfologia do trabalho, a pandemia por Covid-19, dentre outros.
A crise sanitária em curso amplia as contradições do capital, escancarando a
precarização da reprodução da vida de milhões de trabalhadoras e trabalhadores bra-
sileiros com o desemprego, péssimas condições de vida, desigualdades, pauperiza-
ção, criminalização da pobreza. Escancara também o desmonte das políticas sociais,
da seguridade social e revela o oportunismo da burguesia (SILVA, 2021).
7Resolução CFESS nº Ainda conforme Silva (2021), a pandemia representa a ponta do iceberg diante
512, publicada em de da crise estrutural do capital, crise econômica, social, política, cultural, ambiental. En-
29 de setembro de fim, uma crise civilizatória, pois coloca em risco a vida no planeta. Agudiza a contradi-
2007.
ção entre o lucro ou morte, economia e sociedade, o que podia ser ilustrado por meio
Fonte: Site da Secreta- dos dados do Painel da Covid-19-ES em 26.05.217, a saber: 167,9 milhões de casos
ria Estadual de Saúde confirmados e 3,48 milhões de mortes no mundo; no Brasil são 16,27 milhões de casos
do Espírito Santo - confirmados e 454,4 mil mortes, e no Espírito Santo são 475.079 casos confirmados e
SESA, disponível em:
10.649 mortes; além de um processo lento de vacinação.
<https://coronavirus.
es.gov.br/painel-covid- Silva (2021) apresenta ainda um agravante, em que surge um governo genoci-
-19-es>. da, anticiência, caracterizado como um governo (neo)conservador, que reitera traços
do passado assombrando o presente, como: machismo, racismo estrutural, hetero-
nomia, desenvolvimento desigual e combinado, dentre outros; governo ultraneoli-
beral com intensificação das medidas de ajuste estrutural de FHC, Lula, Dilma e Te-
mer; governo que implementa contrarreformas que destroem o aparelho do Estado,
176
principalmente na redução da sua dimensão social e um total desmonte das políticas
sociais pós Constituição Federal de 1988; processos antidemocráticos, antirrepublica-
nos e de radicalização dos ataques à classe trabalhadora e suas formas organizativas
como os partidos de esquerda, setores progressistas, movimentos sociais feministas/
mulheres, LGBTQIA+, indígenas, negros, imigrantes.
Diante deste quadro, quais seus impactos no trabalho profissional e, em espe-
cial, no exercício das competências e atribuições de assistentes sociais?
Entendemos o Serviço Social como um tipo de trabalho na sociedade, “[...] uma
especialização do trabalho, uma profissão em particular inscrita na divisão social e
técnica do trabalho coletivo [...]” (IAMAMOTO, 1999, p.22). Ter esta compreensão possi-
bilita-nos entender que o Serviço Social é parte e expressão das relações sociais.
Nesta direção, concordamos com Raichelis (2020) da importância da análise
crítica, dos fundamentos da profissão e das implicações éticas para o desenho de res-
postas profissionais às competências e atribuições.
Raichelis (2020, p. 18) aponta uma nova morfologia do trabalho no Serviço So-
cial no contexto de crise do capital, do profundo ataque ao trabalho e os direitos da
classe trabalhadora, e da pandemia por Covid-19. Esta nova morfologia constitui-se
num “[...] processo abrangente e complexo que atinge a totalidade da força de traba-
lho no espaço estatal das políticas sociais e portanto o trabalho de assistentes sociais”
A mercantilização e a financeirização dos serviços públicos, a transformação
das políticas sociais em nichos de mercado e de rentabilidade do capital, modificam a
forma e o conteúdo do trabalho de assistentes sociais.
Raichelis (2020) aponta que um dos aspectos que caracteriza a nova morfologia
do trabalho é a terceirização, que chancela e legaliza a precarização do trabalho por meio
da prestação de serviços individuais a organizações não governamentais, empresas de
serviços ou de assessoria, cooperativas etc. Assistentes sociais terceirizados experimen-
tam como trabalhadores eventuais e intermitentes, a angústia de relações de trabalho
não protegidas pelo contrato, a insegurança laboral, o sofrimento e o adoecimento, o
assédio moral, a baixa e incerta remuneração, a desproteção social e trabalhista. Tem-
-se também a flexibilização de vínculos, a alta rotatividade de profissionais, o que acaba
interferindo negativamente na qualidade dos serviços, prejudica a vida e a saúde dos
trabalhadores, dificultando a organização coletiva e a definição de pautas comuns.
Temos um contexto de desregulamentação do trabalho e das profissões em
que se agudizam cada vez mais a flexibilização, a intensificação, a polivalência e a
rotatividade, conduzindo à um quadro de desespecialização e desprofissionalização,
aprofundado pela pandemia por Covid-19.

MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido por meio da organização de um amplo trabalho


coletivo, através de duas equipes pertencentes ao Grupo de Estudos Lótus/UFES
e COFI/CRESS-ES. Para levantar as demandas no sentido de construir um trabalho
com as/os profissionais, foi realizado ao longo de um ano, várias reuniões de plane-
jamento com as equipes, como também um seminário com as/os profissionais do
estado. Este seminário intitulado “O trabalho profissional do/a assistente social no
Espírito Santo no contexto da Covid-19” integrou as atividades do XII Encontro Capi-
177
xaba de Assistentes Sociais, promovido pelo CRESS-ES no ano de 2021, e objetivou
analisar a realidade de trabalho dos profissionais atuantes no estado, em tempos
de pandemia.
A partir dos diálogos e demandas apresentadas por meio do seminário e de
dados da COFI, foi definida a realização de um curso de extensão que teve como
objetivo geral contribuir com o processo de formação continuada de assistentes so-
ciais atuantes nos diversos espaços sócio-ocupacionais, numa perspectiva crítico-
-propositiva, visando aprofundar o conhecimento sobre os fundamentos do Serviço
Social e suas particularidades no estado do Espírito Santo. E como objetivos especí-
ficos: apresentar os fundamentos teórico-metodológicos do Serviço Social ao longo
da sua construção histórica no Brasil e no estado do ES; refletir sobre os fundamen-
tos do Projeto Ético Político Profissional e os desafios postos a sua consolidação na
atual fase do capitalismo, dando ênfase à conjuntura brasileira; debater sobre as
atribuições e competências do assistente social na contemporaneidade, como for-
ma de fortalecer a profissão nos diversos espaços sócio-ocupacionais, dando ênfase
aos impactos provocados pela pandemia por Covid-19 no estado; problematizar so-
bre as formas de organização política da profissão; contribuir para a construção do
Plano de Trabalho do assistente social como estratégia de fortalecimento do Serviço
Social nas instituições.
O curso foi desenvolvido de forma on-line, via plataforma virtual Meet, quin-
zenalmente, considerando o participante como sujeito do processo pedagógico, fa-
cilitando a troca de experiências e de conhecimentos entre educador e educando.
Teve como público-alvo assistentes sociais inscritas/os com registro ativo no CRESS
que atuavam ou tinham atuado nas políticas sociais da Seguridade Social no ano de
2020, principalmente na saúde e na assistência social. Foram disponibilizadas 100
(cem) vagas visando a atender todos os 78 municípios do estado. Os conteúdos fo-
ram trabalhados em módulos com professores/profissionais convidados, com uma
carga horária total de 30 horas (síncrona e assíncrona), realizados entre agosto e
dezembro de 2021. Estes módulos foram distribuídos em 4 partes, a saber:
Módulo 1 – Nesse módulo o eixo norteador foi a discussão dos “Fundamentos
Teórico-Metodológico do Serviço Social brasileiro: sua construção histórica no Bra-
sil e Espírito Santo”. Nesse módulo utilizamos a escrevivência da escritora Carolina
Maria de Jesus, por meio de sua obra Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada,
para apresentarmos as análises acerca das relações sociais e o Serviço Social, tendo
as categorias trabalho, a questão social e suas particularidades como eixos centrais
para condução do diálogo coletivo e interativo.
Módulo 2 – O eixo condutor desse módulo foi o debate dos “Fundamentos
do Serviço Social Brasileiro na contemporaneidade: As atribuições e competências
profissionais e Projeto Ético Político em tempos de pandemia por Covid 19”. Nesse
módulo realizamos grupos de discussão e trocas de experiências para permitir um
embasamento a partir da práxis.
Módulo 3 – As discussões referentes a esse módulo tiveram como objetivo o
diálogo acerca da “Organização política da categoria: seus desafios e construção de
estratégias coletivas”.
O trabalho desse módulo permitiu uma profícua análise das particularidades
do trabalho profissional no estado e como a educação popular e a mobilização so-
178
cial possibilitam a construção de estratégias coletivas, não somente da categoria
profissional, mas sobretudo dos usuários.
Módulo 4 – Como forma de finalizarmos as atividades do curso, nessa etapa
final, apresentamos às/aos profissionais “Elementos para construção de Planos de
Trabalho Profissional” como sendo uma estratégia coletiva de afirmação das atribui-
ções e competências profissionais, tendo como base: o reconhecimento da matéria,
área e unidade.
Além dessas atividades, após o término dos módulos foi realizado um en-
contro com as/os participantes para apresentar uma síntese geral dos debates, e
inferências, sobre os fundamentos do trabalho profissional no Espírito Santo e a dis-
cussão da importância da construção de uma proposta que abarque as dimensões
teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa do Serviço Social.

RESULTADOS

O trabalho de extensão aqui apresentado foi sustentado pelos fundamentos


teórico-metodológicos; ético-político e técnico operativo do Serviço Social. Baseou-
-se nos princípios norteadores expressos no Projeto Ético-Político do Serviço Social,
sobretudo no compromisso da sua direção social, e também do permanente apri-
moramento intelectual como resposta ás demandas e aos desafios profissionais.
Desta forma, foi evidente o alcance dos objetivos propostos, especialmente no que
se refere a identificação e discussão das particularidades do trabalho profissional
no estado do Espírito Santo.
A participação massiva e efetiva no curso demonstra resultados positivos,
pois houve uma média de presença de 70 (setenta) assistentes sociais, em todos os
módulos. Deste universo de assistentes sociais participantes, foram identificadas a
Assistência e a Saúde enquanto áreas predominantes de atuação profissional.
Quando se trata de resultado qualitativo percebe-se que o curso contribuiu 8 Além do formulário,
positivamente na formação permanente das/os profissionais e também promoveu realizamos avaliação
de forma dialogada
contributos importantes no exercício profissional dos mesmos. A identificação des-
e espontânea onde
ses resultados se deram por meio de relatos das/dos participantes, que no momen- todas as devolutivas
to da avaliação8 destacaram: foram positivas, tanto
do ponto de vista da
“Foi de muito aprendizado, trocas de experiências vivenciadas no nosso lo- formação permanente
do assistente social
cal de trabalho, a abordagem foi de forma objetiva e clara de fácil entendi- (princípio do Projeto
mento, dando oportunidade para nós falarmos também. (participante A) Ético Político Profis-
“Todos os módulos trouxeram importantes reflexões sobre o processo cole- sional), quanto da
tivo de trabalho com as suas dificuldades e potencialidades que acabam qualidade do curso e
sua contribuição para
por cair no senso comum. Acredito que o ápice do Curso foi o chamar de
o exercício profissional.
atenção para que nós, assistentes sociais, literalmente, parássemos para
pensar sobre o que andávamos fazendo ou deixando de fazer... e isto foi
desesperador, mas também revigorante!!!” (participante B)

A própria articulação entre instituições (UFES e CRESS ES), bem como arti-
culação com a Universidade Federal Fluminense-UFF com a vinda da Profª. Eblin
Farage que ministrou o terceiro módulo, são resultados dessa profícua atividade.
179
Destaca-se ainda, enquanto resultado qualitativo, a troca de experiências e articula-
ções coletivas que se fizeram no decorrer do curso. Isso posto, nos parece evidente
que o resultado de maior relevância é o impacto na melhoria e qualidade do serviço
prestado à população usuária da seguridade social em nosso estado, dado a sua
significativa abrangência.
Além disso, as discussões geradas no curso de formação apontaram que o tra-
balho do assistente social integra uma dinâmica racionalizadora, que se aprofunda
na pandemia com rebatimentos nas atribuições e competências profissionais com
tendências que se expressam em: crescente rotinização e padronização de processos
de trabalho; prioridade de leituras dos manuais das políticas sociais como fonte exclu-
siva do conhecimento e referência para o trabalho, o que vem contribuindo para uma
reprodução acrítica dos textos oficiais/institucionais, uma diluição do Serviço Social
na política social e frágil apropriação dos fundamentos teórico-metodológicos do tra-
balho profissional; quantificação de atividades como número de visitas, entrevistas,
cadastros; fortalecimento de mecanismos de controle dos beneficiários dos serviços
e benefícios; incorporação de tecnologias de informação e comunicação. Além destas
tendências, a pandemia agravou ainda mais a distância do/a profissional com o tra-
balho político-pedagógico, de conhecimento e organização dos/as usuários/as dos
serviços. Temos ainda um contexto de ampliação da desregulamentação do trabalho
e das profissões com a flexibilização, intensificação, polivalência, rotatividade, propi-
ciando um quadro de desespecialização e desprofissionalização.
Diante deste quadro, quais os desafios e possibilidades podemos perspec-
tivar? Destaca-se como possibilidades: a) investimento do conjunto CFESS/CRESS
neste contexto, dotando de aportes de defesa das políticas sociais, do exercício
profissional, das condições éticas e técnicas do trabalho profissional, da defesa do
Projeto Ético-Político; com destaque especial das Comissões de Orientação e Fisca-
9Documento emitido lização dos Conselhos Regionais de Serviço Social que acompanham as demandas
no XXIX Encontro e respostas profissionais, buscando construir estratégias coletivas para a categoria;
Nacional CFESS/CRESS, b) relevância da cultura crítica do Serviço Social no campo das esquerdas em arti-
na cidade de Maceió
(AL), entre os dias 3 e 6 culação com as universidades; c) protagonismo do Serviço Social expresso na Carta
de setembro de 2000. de Maceió/20009 com defesa de uma visão ampliada da Seguridade Social brasi-
Disponível em: http:// leira, incorporando os demais direitos sociais; d) importância dos parâmetros para
www.cfess.org.br/arqui- atuação profissional que se constituem em documentos com direção do conjunto
vos/encontronacional_
CFESS/CRESS para o trabalho profissional. Nesta direção, reafirmamos a importân-
cartas_maceio.pdf
cia da análise crítica, dos fundamentos da profissão e das implicações éticas para o
desenho de respostas profissionais às competências e atribuições.

CONCLUSÃO

O projeto de extensão realizado promoveu a construção de um espaço de diá-


logo, troca de conhecimentos e experiências que resultaram na formação de várias/
os profissionais do estado do Espírito Santo. Concluímos a relevância do curso em
várias dimensões: a) no que se refere ao cumprimento da função social da universi-
dade, ao ofertar um curso que visa atender demandas dos profissionais do estado;
b) cumprimento do tripé universitário, onde vinculamos o ensino e a pesquisa com
a extensão; c) nos impactos bastante positivos em que os participantes avaliaram
180
como o curso contribuiu para o exercício profissional, bem como, pôde o CRESS
acompanhar as demandas que, reiteradamente, se expressam no cotidiano da Co-
missão de Orientação e Fiscalização, como as requisições institucionais indevidas,
que foram densamente debatidas nos encontros do curso. d) a abrangência, na pos-
sibilidade de profissionais de todo o estado participarem e, merece destaque, a par-
ticipação da Prof.ª Dr.ª Eblin Farage da escola de Serviço Social da UFF, que nos abri-
lhantou com o importante debate da Educação Popular e da organização política.
Ainda, vale ressaltar que as/os assistentes sociais inseridos, majoritariamente,
nas duas principais políticas sociais de enfretamento a Covid-19 (saúde e assistên-
cia social) se depararam com velhos e novos desafios do seu exercício profissional,
conforme já apontados neste texto. Nesse sentido, construir coletivamente espaços
de diálogo e discussão com as/os profissionais, atuantes nas políticas vinculadas
à seguridade social, tornou-se como uma das estratégias importantes no enfrenta-
mento as diversas demandas e desafios postos, não somente pelos usuários, mas
também pela própria condição de trabalhador da/o assistente social. Portanto, o
curso de formação “o trabalho da/o assistente social no Espirito Santo no contexto
da pandemia por Covid 19” buscou atender tais demandas e contribuiu para o pro-
cesso de formação continuada de assistentes sociais, atuantes nos diversos espaços
sócio-ocupacionais numa perspectiva crítica-propositiva, fortalecendo o aprofun-
damento do conhecimento dos fundamentos do Serviço Social e suas particulari-
dades no Espírito Santo.

REFERÊNCIAS

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maio, 2021.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não ter conflito de interesses.

181
AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todas/todos assistentes sociais participantes, que mesmo


com acúmulo de trabalho disponibilizaram seu tempo e presença para debaterem
sobre o trabalho profissional e seus fundamentos no contexto pandêmico.
Agradecemos a Prof.ª Eblin Farage pela participação mais que especial nas ati-
vidades do curso. Agradecemos ao CRESS-ES e, particularmente, a COFI (Comissão
de Orientação e Fiscalização) pela parceria que viabilizou a realização do trabalho.

FONTES DE FINANCIAMENTO

Declaramos que o projeto não recebeu financiamento para a sua realização.

182
Mimus gilvus, Constantino Buteri.

183
Projeto alívio dor orofacial: relato do atendimento
fisioterapêutico e odontológico em pacientes com
disfunção temporomandibular durante o período de
pandemia da COVID-19
Orofacial pain relief project: report of physiotherapy and dental care in patients with
temporomandibular dysfunction during the COVID-19 pandemic period

Resumo
Introdução: O projeto Alívio - Dor Orofacial surgiu em 2019 com Anne Karoliny Amparo
propósito de atender à demanda de uma condição de saúde Cardoso
muito subdiagnosticada, incapacitante e carente de tratamento Cintia Helena Santuzzi
especializado, a disfunção temporomandibular (DTM). A restri- Dhandara Araujo de Sousa
Fernanda Mayrink
ção física imposta pela pandemia suspendeu os atendimentos
Gonçalves Liberato
presenciais, porém iniciaram-se teleatendimentos visando ofere-
Carlos Henrique Cardoso
cer suporte aos pacientes através de orientação e estratégias de Sarcinelli
manejo para controle das DTM. Objetivo: Relatar a experiência do
projeto Alívio com o teleatendimento durante a Pandemia. Méto- nandamayrink@yahoo.com.br
do: Os pacientes eram triados através de formulário online e após
sorteio, convidados à consulta por videochamada na plataforma Universidade Federal do
Espírito Santo
Google Meet, assim como os pacientes que já participavam no
modo presencial. Discussão: Cinco pacientes estavam em acom-
panhamento quando as atividades presenciais foram suspensas
e todos continuaram de forma online. No período de isolamento
foram realizados 38 atendimentos contemplando 16 pacientes.
Durante as sessões online buscava-se incentivar hábitos saudá-
veis, enfrentamento das crenças limitantes, auto manejo da dor
e cessação de hábitos parafuncionais. Conclusões: O teleaten-
dimento foi fundamental para continuidade do tratamento das
DTM, uma vez que parte do tratamento consiste em mudança de
hábitos e estilo de vida, além de se mostrar útil no dia a dia do
projeto mesmo fora do isolamento social.

Palavras-chave: disfunção temporomandibular; teleatendimento;


multiprofissional; educação em saúde; Covid-19.

184
Abstract
Introduction: The Relief - Orofacial Pain project emerged in
2019 with the purpose of meeting the demand of a very under-
diagnosed, disabling health condition that lacks specialized
treatment, temporomandibular disorders (TMD). The physical
restriction imposed by the pandemic suspended face-to-face
calls, but teleservices were started to offer support to patients
through guidance and management strategies to control TMD.
Objective: Report the experience of the Relief project with tele-
service during the Pandemic. Method: Patients were screened
using an online form and, after a lottery, invited to the consulta-
tion by video call on the Google Meet platform, as were patients
who already participated in the face-to-face mode. Discussion:
Five patients were in follow-up when face-to-face activities
were suspended and all continued online. During the isolation
period, 38 consultations were performed, covering 16 patients.
During the online sessions, we sought to encourage healthy ha-
bits, coping with limiting beliefs, self-management of pain and
cessation of parafunctional habits. Conclusions: The teleservi-
ce was essential for the continuity of TMD treatment, since part
of the treatment consists of changing habits and lifestyle, in
addition to proving useful in the day to day of the project even
outside social isolation.

Keywords: temporomandibular disorders; telehealth; multipro-


fessional; health education; Covid-19.

185
INTRODUÇÃO

As disfunções temporomandibulares (DTM) são condições de saúde altamente pre-


valentes na população, atingindo aproximadamente 31% dos adultos/idosos e 11% de
crianças/adolescentes (VALESAN et al., 2021). Geram grande impacto na saúde dos indiví-
duos, nos serviços de saúde e na sociedade, além de apresentarem importantes particula-
ridades em seus tratamentos devido à sua etiologia multifatorial, podendo estar associada a
problemas de saúde geral, depressão e outras deficiências psicológicas (GIANNAKOPOULOS
et al., 2010; MOTTAGHI et al., 2011; CALIXTRE et al., 2014).
As DTM são definidas como um grupo heterogêneo de condições clínicas dolorosas
ou não, sendo uma minoria associada a alterações estruturais específicas, e muitas coexis-
tindo com dores em outras áreas anatômicas. Enquadram-se numa subclassificação das
desordens musculoesqueléticas e é considerada uma das principais causas de dor não den-
tária na região orofacial. Além disso, são caracterizadas pela dor craniofacial envolvendo a
articulação temporomandibular, os músculos mastigatórios e/ou inervações musculares
da cabeça e pescoço. Os pacientes geralmente relatam dor nas áreas pré-auriculares, face
ou têmporas, entretanto podem apresentar pontos dolorosos que se estendem a outras re-
giões, até mesmo áreas periféricas remotas devido à sensibilização periférica e central. Este
mecanismo de facilitação central do processamento nociceptivo pode culminar na cronifi-
cação da dor, levando os indivíduos a terem mais dor que indivíduos saudáveis. Relatos de
dor durante a abertura da boca ou mastigação são comuns. Alguns indivíduos podem até
apresentar dificuldade em falar ou cantar. Os sons da ATM também são queixas frequentes
e podem ser descritos como cliques, estalos, rangidos ou crepitação. Identifica-se distúrbios
relacionados à dor como mialgia, cefaleia atribuível à DTM e artralgia, bem como distúrbios
associados à articulação temporomandibular (ATM), principalmente deslocamentos de dis-
co e doenças degenerativas (DE LEEUW; KLASSER, 2013; OKESON; DE LEEUW, 2011; LIST;
JENSEN, 2017; TRIZE et al., 2018).
Esta condição de saúde pode gerar limitação nas atividades de vida diária e res-
trição de participação social dos indivíduos, impactando diretamente na sua qualidade
de vida, afetada negativamente pela presença da dor e de transtornos de saúde mental
(SILVA, et al, 2021, TRIZE et al., 2018). Devido à sua etiologia multifatorial e complexa, jus-
tifica-se a abordagem multiprofissional e interdisciplinar no diagnóstico e tratamento da
DTM, baseada no modelo biopsicossocial. A condução errônea dos manejos e interven-
ções terapêuticas podem resultar em iatrogenias, permitindo também a cronificação da
dor, além de fazer o paciente acreditar, erroneamente, que sua sintomatologia deveria ser
tratada por profissional de outro ramo (CAVALCANTE et al., 2020; NISZEZAK et al., 2019).
O projeto de extensão Alívio - Dor Orofacial tem como objetivo o atendimento inter-
disciplinar (fisioterapêutico e odontológico) gratuito a pacientes com dor orofacial. Conta
com a presença de docentes e alunos da Universidade Federal do Espírito Santo promo-
vendo o aprendizado e capacitação dos mesmos, bem como a produção científica por
meio de pesquisas, produção de artigos, trabalhos em eventos científicos e TCCs na área.
É apoiado pela PROEX com bolsa de extensão para aluno.
Os atendimentos ocorrem desde agosto de 2019, uma vez por semana nas
sextas-feiras pela manhã e conta com reuniões científicas quinzenais com temas
relacionados às dores orofaciais e demandas dos pacientes.

186
Devido à restrição imposta pela pandemia, em março de 2020, e a então sus-
pensão dos atendimentos presenciais houve a necessidade de adaptar as consultas
para o formato remoto, porém síncrono. Em conjunto, professores e alunos refor-
mularam o método do atendimento fisioterapêutico/odontológico para as platafor-
mas digitais, tornando o foco ainda maior das consultas no manejo e orientações
aos pacientes, visando a continuidade do tratamento e então o controle das DTM.
Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo relatar a experiência do projeto
Alívio com o teleatendimento durante a pandemia pelo COVID-19.

MÉTODOS

Os pacientes eram admitidos no projeto através de demanda espontânea, en-


caminhamentos de hospitais/clínicas e de inscrição no formulário de triagem dispo-
nível no perfil das redes sociais do projeto Alívio - Dor Orofacial. Assim que triados,
estes migravam para uma planilha e eram sorteados para 1ª consulta de acordo com
a agenda. Os pacientes novos eram abordados pelo telefone e a eles eram enca-
minhados os questionários a serem preenchidos online, como de costume. Após a
suspensão dos atendimentos presenciais, as primeiras consultas se deram através
de videochamadas na plataforma Google Meet e tinham duração entre 30 minutos
a 1 hora. Os integrantes do projeto abriam a sala virtual com 10 minutos de antece-
dência para aguardar os pacientes. Os atendimentos eram realizados de forma si-
multânea, na qual os preceptores acompanhavam os alunos e intercalavam entre as
salas. Os pacientes que já eram atendidos no projeto antes do período pandêmico
migraram para as teleconsultas, que ocorriam no mesmo horário dos atendimentos
presenciais, de 08:00 às 12:00, às sextas-feiras, bem como novas avaliações.
Nas teleconsultas não era possível fazer o exame físico composto pelo Diag-
nostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) (OHRBACH, 2021), critério
internacional validado para diagnóstico e categorização das DTM, e que foi posterga-
do para o atendimento presencial. Além do DC/TMD usamos formulários online para
aplicar questionários associados à DTM. São eles: Escala Tampa para Cinesiofobia
(AGUIAR et al., 2017), Escala de Pensamento Catastrófico sobre a Dor (PCS) (SEHN et
al., 2012), Questionário de Vigilância e Conscientização da Dor (PVAQ) (ROELOFS et
al., 2003), Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI) (BUYSSE et al., 1989),
Índice de Deficiência associada ao pescoço Neck Disability Index (NDI) (FALAVIGNA
et al., 2011), Índice de Limitação Funcional Mandibular (MFIQ) (CAMPOS; CARRASCO-
SA; MAROCO, 2012), Escala de Autoeficácia Dor Crônica (CPSS) (SALVETTI; PIMENTA,
2005), Escala Visual Analógica (EVA) (MARCO; MARCO, 2008) Lista de Verificação de
Comportamentos Hábitos Orais (OBC) (OHRBACH; MARKIEWICZ; MCCALL, 2008) e
Escala de Limitação Funcional Mandibular - 20 itens) (JFLS-20) (OHRBACH, 2008). A
partir da interpretação dos escores, da anamnese (queixas e história dos pacientes),
era possível direcionar as condutas ideais para cada indivíduo a fim de melhorar o
quadro álgico, eliminar limitações nas atividades e restrições de participação que
acometessem estes pacientes.

187
Durante os atendimentos online colocou-se em prática os manejos interdis-
ciplinares sobre educação em dor, auto manejo da dor (como termoterapia e alon-
gamentos), higiene do sono, conscientização acerca dos hábitos parafuncionais,
orientações sobre a importância da inserção do exercício físico na rotina diária,
estratégias de meditação guiada e relaxamento, exercícios específicos de acordo
com o tipo de DTM, além do acompanhamento semanal com os profissionais de
fisioterapia e odontologia sobre queixas específicas e particulares de cada paciente
(OLIVEIRA et al., 2020).

RESULTADOS

Em 2021, durante os dois meses de isolamento social, houve 27 teleconsultas


com 7 pacientes. Destes, 5 já eram atendidos no modo presencial (Foto 1), dando con-
tinuidade ao tratamento e 3 pacientes, novos, participaram da primeira consulta atra-
vés de videochamada (Fotos 2 e 3). No início de 2022, devido a um novo aumento do
número de casos de COVID-19, os atendimentos na clínica escola foram suspensos
por duas semanas e mais uma vez o atendimento remoto foi a solução para acompa-
nhar os 8 pacientes que estavam em tratamento. Considerando todos os períodos de
isolamento foram realizados 38 atendimentos contemplando 16 pacientes.

Foto 1
Atendimentos no
modo presencial

Foto 2
Consulta através de
videochamada

188
Foto 3
Consulta através de
videochamada

Os atendimentos na modalidade online são evidenciados na literatura como


uma alternativa viável de acompanhamento em saúde (ECCLESTON et al., 2020;
FLODGREN et al., 2015). As consultas online possibilitam a continuidade nas evolu-
ções dos pacientes, sendo capaz de reduzir a intensidade e interferência da dor na
vida diária (SLATTERY et al., 2019; DEAR et al., 2013), assim como melhora significati-
va nos níveis de catastrofização, enfrentamento da dor, locus de controle e aspectos
da qualidade de vida global relacionados à saúde ( DE BOER et al., 2014).
O teleatendimento tornou-se uma ferramenta imprescindível para o início
e manutenção do tratamento de indivíduos com DTM. Uma vez que este cenário de
emergência de saúde pública, repleto de incertezas, como a preocupação com a in-
fecção, o medo da morte, o aumento dos comportamentos higiênicos e de evitação,
a falta de informação e a desinformação alimentam o medo excessivo e criam um
ambiente de ansiedade e depressão que interfere nas atividades básicas diárias, in-
cluindo a qualidade do sono (ALMEIDA-LEITE; STUGINSKI-BARBOSA; CONTI, 2020).
No período pandêmico, evidenciou-se que pacientes com DTM exibiram níveis mais
elevados de sofrimento psicológico e de dor em comparação a população geral
(EMODI-PERLMAN; ELI, 2021). É fato consolidado a relevância e influência de fatores
psicossociais no desenvolvimento e perpetuação da DTM, além de correlação entre
distúrbios mentais como depressão e ansiedade, e DTM dolorosa (ALMEIDA-LEITE;
STUGINSKI-BARBOSA; CONTI, 2020). Especialistas afirmam que há um maior risco
para desenvolver, piorar ou perpetuar DTM e o bruxismo, tanto de vigília quanto o
bruxismo do sono, diante situações que fomentem ansiedade, como o isolamento
social (OLIVEIRA et al., 2020).
Observou-se que o formato de atendimento remoto apresenta algumas limi-
tações relacionadas à tecnologia em si (acesso à internet, problemas de conexão),
bem como a impossibilidade de aplicação de exame físico na primeira consulta e in-
tervenções diretas fisioterapêuticas e odontológicas. As intervenções fisioterapêuti-
cas baseadas nas terapias manuais, agulhamento a seco, laserterapia de baixa po-
tência e biofeedback com eletromiógrafo de superfície não puderam ser realizadas,
assim como as intervenções odontológicas como manutenção de placas oclusais e
prescrição medicamentosa.

189
Outra barreira encontrada foi a dificuldade de adesão por parte dos pacientes
à consulta remota, pois para a aplicação do teleatendimento era necessário conhe-
cimento mínimo de tecnologia para a utilização da ferramenta (Google Meet). Por-
tanto, antes de iniciarmos os atendimentos, enviávamos aos pacientes instruções
detalhadas de como fazer o download do aplicativo Google Meet no celular e como
utilizar a plataforma. Apesar disso, ainda houve obstáculos na implementação do
teleatendimentos como problemas de conexão, local inadequado para atendimen-
to (barulho e iluminação insuficiente), dificuldade dos terapeutas para demonstrar
alguns exercícios a serem feitos pelo paciente (a dosagem de força e localização
dos músculos a serem trabalhados). Para minimizar essas barreiras, foram realiza-
das orientações gerais e vídeos demonstrando a execução correta dos exercícios,
os quais foram enviados aos pacientes para que estes pudessem ver quantas vezes
quisessem.
Em 2021, após a diminuição dos casos de COVID-19, os atendimentos volta-
ram a ser realizados de forma presencial na Clínica Escola Interprofissional de Saúde
da UFES, e avaliações físicas dos pacientes, que foram atendidos apenas de forma
remota, foram efetuadas. Esta avaliação realizada após as sessões de atendimen-
to online não fornece informações precisas de como o paciente estava, porém foi
efetuada para verificação da condição de saúde do paciente, ajuste de condutas e
registro dos dados em prontuário. Mesmo com o retorno de atendimentos presen-
ciais, algumas consultas continuaram de forma remota com aqueles pacientes que
não tinham condições de se deslocarem até a Clínica Escola. Estes teleatendimen-
tos eram realizados também via Google Meet, num local separado da sala do projeto,
onde o aluno conseguia ouvir, entender e solucionar as demandas.
Apesar das barreiras relatadas, observou-se que o teleatendimento foi
essencial na continuidade do tratamento dos pacientes, bem como para início
de novos atendimentos. As faltas observadas nessa modalidade de atendimento
ocorriam com os mesmos pacientes que eram faltosos no atendimento presencial.
Tantos foram os benefícios observados que a modalidade remota hoje faz parte do
projeto para o atendimento de pacientes que não tem a possibilidade de compare-
cer presencialmente, aumentando o alcance dos atendimentos, sem renunciar ao
tratamento presencial, indispensável na maioria desses pacientes.

CONCLUSÃO

Diante do cenário proposto, a teleconsulta se tornou o único meio disponí-


vel para dar seguimento aos atendimentos de pacientes com dores orofaciais do
projeto de extensão Alívio - Dor Orofacial e mostrou-se uma ferramenta útil no dia
a dia, mesmo sem isolamento social, uma vez que permite o acompanhamento de
pacientes em diversas localidades ou que tenham dificuldade de locomoção para
a Clínica Escola Interprofissional de Saúde da UFES. Foram identificadas limitações
nessa modalidade, mas também benefícios que devem ser avaliados e adaptados a
cada tipo de paciente e situação.

190
REFERÊNCIAS

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CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não ter conflito de interesses.

FONTES DE FINANCIAMENTO

O projeto recebeu bolsa para aluno extensionista da PROEX-UFES.

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