Dignidade Da Pessoa Humana
Dignidade Da Pessoa Humana
Dignidade Da Pessoa Humana
E A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Siddharta Legale
Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no
campus de Governador Valadares/MG. Doutorando em Direito Internacional pela Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro/RJ). Mestre em Direito Constitucional
e Bacharel pela Universidade Federal Fluminense (Niterói/RJ).
Resumo: O conteúdo interamericano do princípio da dignidade da pessoa humana será estudado nos
tratados de direitos humanos e na jurisprudência da Corte IDH. A dignidade aparece normalmente nos
preâmbulos dos tratados na locução “inerente à pessoa humana”. Os dispositivos preveem a dignida-
de ao lado de direitos fundamentais, como a propriedade, vida, integridade física e honra, educação
e direitos de grupos em condições de vulnerabilidade, como a mulher e os indígenas. A jurisprudência
da Corte IDH costuma empregar pouco a dignidade de forma autônoma. Em geral, a dignidade vem
acoplada a um direito humano.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Sumário: 1 Introdução – 2 Da filosofia ao direito: a dignidade humana como princípio jurídico – 3 A
dignidade da pessoa humana no sistema interamericano de proteção aos direitos humanos – 4 A juris-
prudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – 5 Conclusão – Referências
1 Introdução
A dignidade da pessoa humana adquiriu uma importância incomensurável
dentre os princípios de direito público. No Direito Constitucional, consolidou-se
como o princípio fundamental dos ordenamentos jurídicos ocidentais contempo-
râneos, que confere unidade aos direitos fundamentais. Espraiou-se pelo mundo
especialmente depois da Lei Fundamental alemã de 1949, insculpida no art. 1º
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1
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 165 e ss.
2
Lei Fundamental de Bonn de 1949, Artigo 1 [Dignidade da pessoa humana – Direitos humanos – Vinculação
jurídica dos direitos fundamentais] (1) A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-
la é obrigação de todo o poder público. (2) O povo alemão reconhece, por isto, os direitos invioláveis e
inalienáveis da pessoa humana como fundamento de toda comunidade humana, da paz e da justiça no
mundo. (3) Os direitos fundamentais, discriminados a seguir, constituem direitos diretamente aplicáveis e
vinculam os poderes legislativo, executivo e judiciário. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional
da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio de Fabris, 1998, p. 109-111. Entre nós,
PIOVESAN, Flávia e VIEIRA, Renato Stanziola. A força normativa dos princípios constitucionais fundamentais:
a dignidade da pessoa humana. In: PIOVESAN, Flávia (Org.). Temas de direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 422. Há quem aponte a Constituição de Weimar, como precursora por conta do art. 151 que dispõe
que “A Economia deve ser organizada baseada nos princípios da justiça, com a meta de promover uma vida
digna para todos.” Também a Constituição Brasileira de 1934 no art. 115 previa, de forma semelhante,
que “a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida
nacional, de modo que possibilite a todos existência digna” É com a Constituição de 1988, que a dignidade
da pessoa humana é erigida a princípio fundamental da República no art. 1º, III. BARROSO, Luís Roberto. A
dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico
à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 20 e ss.
3
MCCRUDDEN, Christopher. Human Dignity and Judicial Interpretation of Human Rights. The European
Journal of International Law, v. 19, n. 4, 2008
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4
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. L´expansion de la juridiction internationale et la sauvegarde de la
dignité humaine. In: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto; LEAL, César Barros (Coord.). Le respect de la
dignité humaine: IV Cours Brésilien interdisciplnaire em Droits de l´homme. Fortaleza: IBDH, 2015.
5
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a
construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 32 e ss.
6
CASSETTI, Luisa. Il diritto di “vivere con dignità” nella giurisprudenza della Corte Interamericana dei Diritti
Umani. Disponível em: <http://www.unipv-lawtech.eu/lang1/files/vivereCONdignita.pdf>. MONSALVE,
Viviana Bohórquez; ROMÁN, Javier Aguirre. As tensões da dignidade humana: conceituação e aplicação no
direito internacional dos direitos humanos. SUR, v. 6, n. 11, p. 41-63, 2009.
7
Para um trabalho exaustivo sobre as dimensões da dignidade com foco no Brasil, sem prejuízo dos excelentes
aportes de direito comparado. Cf. SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana na ordem constitucional
brasileira: conteúdo, trajetórias e metodologia. Rio de Janeiro: Tese de Titularidade de Direito Constitucional
da UERJ, 2015.
8
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a cons-
trução de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2014. BARROSO,
Luís Roberto. Aqui, lá e em todo lugar: a dignidade da pessoa humana no direito contemporâneo e no
discurso transnacional. Revista dos Tribunais, v. 919, p. 127 e ss, 2012.
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Para um excelente panorama do princípio do Brasil Cf, SARLET, Ingo. Comentário ao art. 1º, III. IN:
9
CANTOTILHO, J.J. et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva-Almedina, 2013, p. 121
e ss.
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10
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a constru-
ção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 72 e ss.
11
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2008, p. 66: “Uma pessoa é um sujeito
cujas ações lhe podem ser imputadas. A personalidade moral não é, portanto, mais do que a liberdade de
um ser racional submetido a leis morais (...). Uma coisa é aquilo ao que nada pode ser imputado. Dá-se,
portanto, o nome de coisa (res corporalis) a qualquer objeto o livre arbítrio que seja ele próprio carente
de liberdade.” Em passagem mais ao final da obra, Kant coloca ainda: “Mas um ser humano conside-
rado como um pessoa, isto é, como um sujeito de uma razão moralmente prática, é guindado acima de
qualquer preço, pois como pessoa (homo noumenon) não é para ser valorado meramente como um meio
para o fim de outros ou menos para seus próprios fins, mas como um fim em si mesmo, isto é, possui
dignidade (um valor interno absoluto) através do qual cobra respeito por si mesmo de todos os outros
seres racionais do mundo. Pode avaliar a si mesmo conjuntamente a todos os outros seres desta espécie
e valorar-se em pé de igualdade com eles” (op. cit, p. 276.) A distinção é retomada ainda ao final do livro,
quando Kant afirma que “humanidade ela mesma é uma dignidade” que coloca o ser humano acima das
coisas (op. cit., p. 306).
12
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2008, p. 252-253.
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13
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2008, p. 175.
14
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2008, p. 235: “A faculdade de fixar-se um fim
– qualquer que seja – é o que caracteriza a humanidade (enquanto distinta da animalidade). Por conseguin-
te, está vinculada também ao fim de humanidade em nossa própria pessoa a vontade racional, e assim o
dever de tornar a nós mesmos dignos da humanidade pela cultura em geral, no sentido de procurar obter
ou estimular a faculdade de realizar todas as modalidades de fins possíveis, na medida em que isso é
para ser encontrado num ser humano ele mesmo”
15
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Coimbra: Edições
70, 1948, p. 69.
16
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2008, p. 83: “A liberdade (a independência
de ser constrangido pela escolha alheia), na medida em que pode coexistir com liberdade de todos os ou-
tros de acordo com uma lei universal, é o único direito original pertencente a todos os homens em virtude
da humanidade desses”.
17
É interessante a passagem em que Kant destaca que os animais podem ser propriedade do soberano,
mas o ser humano, não, porque a qualidade de cidadãos impõe que sejam considerados “membros co-
legisladores de um Estado (não meramente como meios, mas como fins em si mesmo) e devem oferecer
seu livre assentimento através de representantes” KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru:
Edipro, 2008, p. 188.
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18
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. In: Poder
Constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 144 e ss.
19
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a cons-
trução de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 28.
20
Sobre as dimensões ontológica e intersubjetiva, Cf. SARLET, Ingo. As dimensões da dignidade da pessoa
humana: construindo uma compreensão jurídico constitucional necessária e possível. Revista Brasileira
de Direito Constitucional n. 09, 2007.
21
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana na ordem constitucional brasileira: conteúdo, trajetórias
e metodologia. Rio de Janeiro: Tese de Titularidade de Direito Constitucional da UERJ, 2015, p. 87 e ss.
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22
Para uma visão mais ampla sobre o mínimo e seus aspectos conceituais, Cf. LOBO TORRES, Ricardo. O
Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 35 e ss.
23
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 239-488. RAWLS, John. Justiça
como equidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 12-18 e p. 30 e 33.
24
HABERMAS, Jurgen. Sobre a coesão interna entre Estado de direito e democracia. In: A inclusão do outro,
estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2007, p. 293-298.
25
Concebendo o mínimo como educação fundamental, saúde básica, assistência social e acesso à justiça,
Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 305 e ss.
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Optei por diluir o mínimo existencial dentre uma dessas três facetas.
26
No Brasil, compreende-se que o preâmbulo não tem força normativa, mas apenas interpretativa, conforme
27
ficou decidido em conhecido caso que não se declarou a inconstitucionalidade do preâmbulo da Constituição
do Acre que não reproduziu o “sob a proteção de Deus”, optando por empregar a expressão “inspirados
nos heróis da revolução acreana”. Cf. STF, ADI nº 2076, Rel. Min. Carlos Velloso, J. 15.08.2002.
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28
No plano internacional, o tratado deve ser interpretado de boa-fé e à luz de seu contexto, objetivo e
finalidade, incluindo-se no “contexto” não só o texto, anexos e instrumentos conexos, mas também o
preâmbulo, conforme dispõe o art. 31 da Convenção de Viena de Direito dos Tratados de 1969.
29
Perceba-se, que, no preâmbulo da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948,
a dignidade aparece como uma característica de todos os homens que nascem livres e iguais e cujos
deveres exprimem a dignidade dessa liberdade. Confira-se: Preâmbulo: “Todos os homens nascem livres
e iguais em dignidade e direitos e, como são dotados pela natureza de razão e consciência, devem proceder
fraternalmente uns para com os outros. O cumprimento do dever de cada um é exigência do direito de todos.
Direitos e deveres integram-se correlativamente em toda a atividade social e política do homem. Se os direitos
exaltam a liberdade individual, os deveres exprimem a dignidade dessa liberdade”.
30
Note-se, que, no preâmbulo da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 1985, a
dignidade humana repele todo ato de tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradan-
tes, reafirmando a “dignidade inerente à pessoa humana” e a necessidade de assegurar o exercício
pleno de liberdades e direitos fundamentais. Confira-se: “Reafirmando que todo ato de tortura ou outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes constituem uma ofensa à dignidade humana
e uma negação dos princípios consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos e na Carta
das Nações Unidas, e são violatórios dos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamados
na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do
Homem; Reiterando seu propósito de consolidar neste Continente as condições que permitam o reco-
nhecimento e o respeito da dignidade inerente à pessoa humana e assegurem o exercício pleno de suas
liberdades e direitos fundamentais”.
31
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência (1999), Preâmbulo: “Reafirmando que as pessoas portadoras de deficiência
têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos,
inclusive o direito de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade
e da igualdade que são inerentes a todo ser humano”.
32
Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância
de 2013, Preâmbulo: “OS ESTADOS PARTES NESTA CONVENÇÃO, CONSIDERANDO que a dignidade ineren-
te e a igualdade de todos os membros da família humana são princípios básicos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial”.
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33
Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas de 1994, Preâmbulo: “REA
FIRMANDO que o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança só pode ser o de
consolidar neste Hemisfério, no quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade individual
e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem;
CONSIDERANDO que o desaparecimento forçado de pessoas constitui uma afronta à consciência do
Hemisfério e uma grave ofensa de natureza hedionda à dignidade inerente à pessoa humana, em contra-
dição com os princípios e propósitos consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos;
CONSIDERANDO que o desaparecimento forçado de pessoas viola múltiplos direitos essenciais da pessoa
humana, de caráter irrevogável, conforme consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos
Humanos;
RECORDANDO que a proteção internacional dos direitos humanos é de natureza convencional coadjuvante
ou complementar da que oferece o direito interno, e tem como fundamento os atributos da pessoa humana;
REAFIRMANDO que a prática sistemática do desaparecimento forçado de pessoas constitui um crime de
lesa-humanidade”.
34
Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, Preâmbulo: “Reconhecendo que os direitos
essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do
fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção
internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno
dos Estados americanos”.
35
Convenção Americana Sobre Direitos Humanos de 1969, “Artigo 5. Direito à integridade pessoal 1. Toda
pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser
submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada
da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não
pode passar da pessoa do delinqüente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados,
salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de
pessoas não condenadas. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos
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adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As
penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos
condenados”.
36
“Artigo 6. Proibição da escravidão e da servidão 1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a ser-
vidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas
formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que
se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta
disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por
juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e inte-
lectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a. os
trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução
formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados
sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser pos-
tos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado; b. o serviço militar e,
nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer
em lugar daquele; c. o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o
bem-estar da comunidade; e d. o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.”
37
“Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao
reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em
sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais
à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais
ofensas.”
38
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, “Artigo XXIII. Toda pessoa tem direito à
propriedade particular correspondente às necessidades essenciais de uma vida decente, e que contribua
a manter a dignidade da pessoa e do lar”.
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39
Protocolo Adicional à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, de 1988, “Artigo 13 Direito à educação 1. Toda pessoa tem direito à educação.
E 2. Os Estados Partes neste Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se para o pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito
pelos direitos humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela
paz. Convêm, também, em que a educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente
de uma sociedade democrática e pluralista, conseguir uma subsistência digna, favorecer a compreensão,
a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover
as atividades em prol da manutenção da paz”.
40
Convenção de Belém do Pará de 1994, Preâmbulo: “PREOCUPADOS por que a violência contra a mulher
constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais
entre mulheres e homens”.
41
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra A Mulher, de 1994, “Artigo 4
Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e
liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos.
Estes direitos abrangem, entre outros: a. direito a que se respeite sua vida; b. direito a que se respeite sua
integridade física, mental e moral; c. direito à liberdade e à segurança pessoais; d. direito a não ser submeti-
da a tortura; e. direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família; f.
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direito a igual proteção perante a lei e da lei; g. direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente
que a proteja contra atos que violem seus direitos; h. direito de livre associação; i. direito à liberdade de
professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e j. direito a ter igualdade de acesso
às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões”.
42
“Artigo 8 Os Estados Partes convêm em adotar, progressivamente, medidas específicas, inclusive progra-
mas destinados a: (...) g. incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas de
divulgação, que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e
enalteçam o respeito pela dignidade da mulher;”
43
Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância
de 2013, Preâmbulo: “OS ESTADOS PARTES NESTA CONVENÇÃO, CONSIDERANDO que a dignidade ineren-
te e a igualdade de todos os membros da família humana são princípios básicos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial;
REAFIRMANDO o firme compromisso dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos
com a erradicação total e incondicional do racismo, da discriminação racial e de todas as formas de
intolerância, e sua convicção de que essas atitudes discriminatórias representam a negação dos valo-
res universais e dos direitos inalienáveis e invioláveis da pessoa humana e dos propósitos e princípios
consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na Carta Social das Américas,
na Carta Democrática Interamericana, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e na Declaração Universal
sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos;
CONVENCIDOS de que determinadas pessoas e grupos vivenciam formas múltiplas ou extremas de racis-
mo, discriminação e intolerância, motivadas por uma combinação de fatores como raça, cor, ascendência,
origem nacional ou étnica, ou outros reconhecidos em instrumentos internacionais;
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LEVANDO EM CONTA que uma sociedade pluralista e democrática deve respeitar a raça, cor, ascendência
e origem nacional ou étnica de toda pessoa, pertencente ou não a uma minoria, bem como criar condições
adequadas que lhe possibilitem expressar, preservar e desenvolver sua identidade;
CONSIDERANDO que a experiência individual e coletiva de discriminação deve ser levada em conta para
combater a exclusão e a marginalização com base em raça, grupo étnico ou nacionalidade e para proteger
o projeto de vida de indivíduos e comunidades em risco de exclusão e marginalização;
ALARMADOS com o aumento dos crimes de ódio motivados por raça, cor, ascendência e origem nacional
ou étnica;
RESSALTANDO o papel fundamental da educação na promoção do respeito aos direitos humanos, da
igualdade, da não discriminação e da tolerância; e
TENDO PRESENTE que, embora o combate ao racismo e à discriminação racial tenha sido priorizado em
um instrumento internacional anterior, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial, de 1965, os direitos nela consagrados devem ser reafirmados, desenvolvidos,
aperfeiçoados e protegidos, a fim de que se consolide nas Américas o conteúdo democrático dos princípios
da igualdade jurídica e da não discriminação”.
44
Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância
de 2013, “Artigo 1 Para os efeitos desta Convenção: 1. Discriminação racial é qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular
ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos
humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados
Partes. A discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica. 2.
Discriminação racial indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando
um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem
particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, com base nas razões estabelecidas no Artigo
1.1, ou as coloca em desvantagem, a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo
ou justificativa razoável e legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos. 3. Discriminação
múltipla ou agravada é qualquer preferência, distinção, exclusão ou restrição baseada, de modo
concomitante, em dois ou mais critérios dispostos no Artigo 1.1, ou outros reconhecidos em instrumentos
internacionais, cujo objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em
condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos
instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes, em qualquer área da vida pública ou privada.
4. Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um
vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços
intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial. O racismo
ocasiona desigualdades raciais e a noção de que as relações discriminatórias entre grupos são moral
e cientificamente justificadas. Toda teoria, doutrina, ideologia e conjunto de ideias racistas descritas
neste Artigo são cientificamente falsas, moralmente censuráveis, socialmente injustas e contrárias aos
princípios fundamentais do Direito Internacional e, portanto, perturbam gravemente a paz e a segurança
internacional, sendo, dessa maneira, condenadas pelos Estados Partes. 5. As medidas especiais ou de
ação afirmativa adotadas com a finalidade de assegurar o gozo ou exercício, em condições de igualdade,
de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais de grupos que requeiram essa proteção
não constituirão discriminação racial, desde que essas medidas não levem à manutenção de direitos
separados para grupos diferentes e não se perpetuem uma vez alcançados seus objetivos. 6. Intolerância é
um ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam desrespeito, rejeição ou desprezo à dignidade,
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pesquisas sobre o genoma humano para seleção ou clonagem humana que gere
discriminações fundadas em características genéticas (art. 4º45).
Nesse ano de 2016, a OEA aprovou a Declaração Americana sobre os direi-
tos dos Povos Indígenas, que destaca a importância da jurisdição de cada Estado
conduza o direito das pessoas indígenas com direito de plena representação com
dignidade e igualdade frente à lei (art. XXI), bem como que os direitos da conven-
ção sejam um standard mínimo para sua sobrevivência, dignidade e bem-estar
(art. XLI). Essa declaração e a jurisprudência em matéria de direitos indígenas co-
locam em evidência os limites, dado o caráter inevitavelmente antropocêntrico, de
pensar a dignidade da pessoa humana como chave central dos direitos humanos
fundamentais. É preciso de um lado acentuar a dimensão do reconhecimento para
incluir a proteção desse grupo vulnerável e, de outro, pensar em outras chaves
que incluam cosmologias biocêntricas ou geocêntricas.46
características, convicções ou opiniões de pessoas por serem diferentes ou contrárias. Pode manifestar-
se como a marginalização e a exclusão de grupos em condições de vulnerabilidade da participação em
qualquer esfera da vida pública ou privada ou como violência contra esses grupos”.
45
Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância
de 2013, “Artigo 4 Os Estados comprometem-se a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas
normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, todos os atos e manifestações de racis-
mo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância, inclusive: (...) xiii. realização de pesquisas ou
aplicação dos resultados de pesquisas sobre o genoma humano, especialmente nas áreas da biologia,
genética e medicina, com vistas à seleção ou à clonagem humana, que extrapolem o respeito aos direitos
humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana, gerando qualquer forma de discriminação
fundamentada em características genéticas”.
46
A esse respeito, seria positiva uma maior aproximação da Corte IDH com a experiência das Constituições
e jurisprudência da Corte Constitucional do Equador e do Tribunal Plurinacional da Bolívia com a pachama-
ma, a mãe terra nesse sentido é promissora. A Corte IDH deveria ampliar o diálogo com essa literatura
e jurisprudência quando se deparar com direitos dos povos originários. Cf. LEGALE, Siddharta. O que é
a vida nas Cortes do novo constitucionalismo latino-americano. Publicum, n. 2, 2016. Disponível em:
<http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/publicum/article/view/23684>.
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MONSALVE, Viviana Bohórquez; e ROMÁN, Javier Aguirre. As tensões da dignidade humana: conceituação
48
e aplicação no direito internacional dos direitos humanos. SUR, v. 6, n. 11, p. 53, 2009.
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esse seja o voto que melhor reflete expressamente sobre o conceito de dignidade
da pessoa humana no sistema interamericano. A partir do pensamento kantiano,
afirma:
Como bem destacou o prof. Daniel Sarmento, lembrando a fala do Ministro da Justiça José Eduardo
49
Cardoso, a situação dos presídios no Brasil é sem exagero semelhante às “masmorras medievais” ou
“infernos dantescos”. O cenário é composto por “celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação
de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de
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Vale lembrar a Opinião Consultiva nº 3/85, segundo a qual o registro obrigatório do jornalista pode impedir
50
o acesso aos meios de comunicação social como veículo para se expressar ou para transmitir informação
é incompatível com o artigo 13 sobre os direitos humanos.
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crianças de rua etc.51 Essa é, por assim dizer, a dimensão intersubjetiva da digni-
dade da pessoa humana no sistema interamericano.
Um caso particularmente relevante para compreender essa dimensão da dig-
nidade da pessoa humana é Villagrán Morales e outros vs. Guatemala, conhecido
como Meninos de Rua vs. Guatemala (1999), que envolveu a tortura, sequestro
e assassinato de cinco jovens, dentre eles dois menores, que viviam nas ruas.
Foram colocados no porta-malas do carro e depois assassinados em uma região
conhecida como “Las casetas”. A Corte Interamericana reconheceu a omissão do
Estado na investigação para localizar os responsáveis.
Constata-se, além da violação ao valor inerente à vida humana, que veda
a tortura nos termos do art. 5º da Convenção Americana, também a violação da
dignidade humana das crianças, prevista na Convenção sobre direitos da criança,
especialmente os arts. 2852 e 37.53 Sobressaem do caso dois elementos que a
Corte tem utilizado para identificar e definir a violação à dignidade humana, quais
sejam, (i) condições especiais de vulnerabilidade das pessoas; e (ii) contexto
dos fatos violadores. Em cuidadoso voto concorrente, Cançado Trindade e Abreu
Burelli, após consignarem que o direito à vida integra jus cogens, afirmam:
51
Vale a pena conferir, a propósito, o inspirado capítulo 9 de: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. The
access of individuals to international justice. Oxford: Oxford University Press, 2011.
52
Convenção sobre os direitos da Criança (1990): “Artigo 28 1. Os Estados Partes reconhecem o direito
da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições
esse direito, deverão especialmente: (...) 2. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas necessárias
para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana
da criança e em conformidade com a presente convenção”.
53
Convenção sobre os direitos da Criança (1990): “Artigo 37 Os Estados Partes zelarão para que: (...) c)
toda criança privada da liberdade seja tratada com a humanidade e o respeito que merece a dignidade
inerente à pessoa humana, e levando-se em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade.
Em especial, toda criança privada de sua liberdade ficará separada dos adultos, a não ser que tal fato seja
considerado contrário aos melhores interesses da criança, e terá direito a manter contato com sua família
por meio de correspondência ou de visitas, salvo em circunstâncias excepcionais”.
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Note-se que o direito à vida aqui foi tomado não apenas como o direito à
existência, mas o direito de viver com dignidade e de que o seu projeto existencial
não seja inviabilizado, o que é particularmente sensível na infância e adolescência
a exigir uma concepção interdependente de todos os direitos humanos.
No caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua (2001), a
Corte Interamericana reconheceu que a ocupação tradicional e os recursos natu-
rais da comunidade indígena deveriam ser respeitados. Condenou o Estado por
outorgar um contrato de concessão florestal de madeira em seu território sem
sequer ouvir a comunidade. O fato violou uma combinação de direitos, como, por
exemplo, o direito à vida, honra, dignidade e propriedade. Determinou-se a cria-
ção de um mecanismo efetivo para delimitar, demarcar e conferir titularidade das
propriedades das comunidades indígenas, de acordo com seu direito costumeiro,
valores e usos.
Determinou, ainda, que, enquanto não ocorrer tal demarcação, deve se pro-
ceder com a sua aquiescência e tolerância, de modo a não afetar seus valores
e gozo dos bens na região geográfica, chegando a citar, para tanto, o art. 5º da
Constituição da Nicarágua de 1995, que prevê o respeito à dignidade da pessoa
humana, o pluralismo político, social e étnico, bem como o reconhecimento das
distintas formas de propriedade. Chegou-se a reconhecer não só o dano material,
mas também imaterial à comunidade a ser reparado por meio de obras de interes-
se coletivo na comunidade.
Note-se que a delimitação da propriedade, a necessidade de aquiescência
do indígena e o reconhecimento do dano imaterial procuram proteger e modificar
a própria maneira de perceber e lidar com os indígenas, conferindo-lhes igual res-
peito e consideração, que constituem importantes elementos da dignidade como
reconhecimento.
Em interessante voto concorrente, o juiz Sérgio Ramírez relaciona o princípio pro
homine, da norma mais favorável ao indivíduo, à proteção da dignidade da pessoa
humana. Destaca esse como o objeto e finalidade da Convenção Americana, que se
concentra no reconhecimento da dignidade humana e das necessidades de proteção
e desenvolvimento das pessoas. Sopesa, que, apesar de existirem variados concei-
tos de propriedade na América, é preciso atentar para a Convenção nº 169 da OIT,
para o projeto de declaração sobre a discriminação contra populações indígenas e
para o projeto de declaração americana sobre direitos dos povos indígenas.
Esses documentos procuram preservar e fortalecer a relação própria espiritual
e material dos indígenas com suas terras, territórios, águas, mares. Estabelecer
esse respeito à propriedade comunal é relevante nos países da América Latina,
que vivenciaram um processo de liquidação desse tipo de propriedade, de gover-
nos autônomos dos povos indígenas e de desaparecimento físico e cultural, de
modo a resgatar, preservar e desenvolver um maior respeito à dignidade como
reconhecimento dos indígenas.
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O caso Atala Riffo e filhas vs. Chile (2012), por sua vez, retrata uma impor-
tante dimensão da dignidade humana, relacionada ao reconhecimento dos direitos
da população LGBTI. Os fatos envolvem a perda da guarda da senhora Karen Atala
Riffo de suas três filhas para o pai das meninas. A ação foi proposta pelo pai logo
após a sua separação, mais especificamente após a mãe assumir uma relação
homossexual e passar a dividir a casa com a sua companheira e as três filhas.
A Corte Suprema de Justiça do Chile havia fundamentado a decisão alegando a
discriminação que as filhas poderiam sofrer em seu meio social, a confusão das
filhas sobre a sexualidade e o impacto sobre os interesses das filhas. A Corte
Interamericana destacou não se tratar de uma mera questão de custódia das
filhas, que seria um tema de direito interno. Registrou que as autoridades públi-
cas violaram os direitos humanos, em especial a igualdade e não discriminação.
Destacou que esse princípio ingressou no campo do jus cogens e que o art.1º da
Convenção americana ao listar as formas discriminação não é taxativo.
A fundamentação foi bastante densa, iniciando pela necessidade de a
Convenção ser interpretada de forma evolutiva e mais protetiva às vítimas para
incluir a proteção contra a discriminação decorrente da orientação sexual. Em
primeiro lugar, o “interesse superior da criança” não pode servir para reproduzir
um “estigma social”, tal como o de considerar a mudança de orientação sexual
da mãe, como um dano válido ao desenvolvimento da criança por supostamente
causar confusão da orientação sexual. Em segundo lugar, a Convenção Americana
não protege um modelo específico de família, não podendo essa ser reduzida à
“família tradicional” dentro do matrimônio. Em terceiro lugar, os processos de
investigação, inclusive nos locais de trabalho, para constatar a orientação sexual
da mãe, representaram uma ingerência abusiva e desproporcional em seu direito
à vida privada, honra e a dignidade, previsto no art. 11 da Convenção Americana.
Por fim, a Corte Interamericana determinou a indenização por danos mate-
riais, danos morais, assistência médica e psicológica às vítimas de discriminação.
Consignou a responsabilidade internacional do Estado, fixando a obrigação de rea-
lizar um ato de desagravo público. Impôs, ainda, mudanças na legislação, adoção
de políticas públicas e outras medidas que capacitem as autoridades públicas,
inclusive judiciais para, a um só tempo, manter um ambiente de tolerância contra
minorias sexuais invisibilizadas e promover mudanças estruturais que ajudem a
desarticular estereótipos e práticas discriminatórias contra a população LGBTI.
5 Conclusão
Em desfecho, pretende-se compendiar as principais ideias do texto em for-
mulações sintéticas.
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Destaque-se, por fim, que, embora os casos tenham sido escolhidos de forma
exemplificativa, eles fornecem a exata dimensão de que, para além do valor intrínseco
e do respeito à autonomia estarem presentes no discurso da Corte Interamericana, é
a ideia de vulnerabilidade (ou de situações de vulnerabilidade) que opera como o fio
condutor e diferencial interpretativo que particulariza não só a dimensão intersubjeti-
va ou de reconhecimento da dignidade da pessoa humana, mas a própria maneira de
compreender a dignidade da pessoa humana no sistema interamericano.
The Human Dignity and the Case Law of Inter-American Court of Human Rights
Abstract: The Inter-American content of the principle of human dignity will be study in human rights
treaties and in the case law of the IACHR. Human dignity normally is in the preambles of treaties in
this way: “inherent in the human person.” The human dignity appears next of other fundamental rights,
such as property, life, honor, education and rights groups in vulnerable conditions, such as women
and indigenous. The case law of the Inter-American Court of Human Rights seldom employs the human
dignity itself without reference of other human right.
Keywords: Human Dignity and Inter-American Court of Human Rights.
Summary: 1 Introduction – 2 From philosophy to law: human dignity as a legal principle – 3 The human
dignity in the inter-American system for the protection of human rights – 4 The case law of the Inter-
American Court – 5 Conclusion – References
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