MPRA Paper 14248
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MPRA Paper 14248
24 March 2009
Online at https://mpra.ub.uni-muenchen.de/14248/
MPRA Paper No. 14248, posted 25 Mar 2009 07:53 UTC
Introdução à Teoria do Consumidor
Pedro Cosme da Costa Vieira
Faculdade de Economia do Porto
pcosme@fep.up.pt
2009
1
Preâmbulo
Como, felizmente, vivemos numa sociedade que permite ao indivíduo liberdade de acção (sob
restrições), os modelos económicos construídos apenas com informação passada, i.e. os
modelos empíricos, não são suficientes para prever o sentido de evolução das variáveis
económicas em resposta a choques exógenos dissemelhante dos que aconteceram no passado.
Para ser possível desenvolver essa capacidade de previsão, é necessário expressar o
conhecimento económico em modelos teóricos que sejam suficientemente genéricos e
distantes da realidade empírica a ponto de abarcarem as situações novas, i.e., teremos que
construir modelos baseados em axiomas genéricos (Lucas, 1976)*. Como a realidade
económica resulta da agregação das decisões individuais, então os modelos genéricos mesmo
que macroeconómicos (e.g., Barro, 1984)** terão que ter por base teorias quanto à tomada de
decisão individual.
Infelizmente, por serem construções do intelecto que não resultam directamente por indução
da realidade observada, os modelos microeconómicos terão como limitação serem hipóteses
de explicativas que, por mais fundamentadas que estejam, estão longe do detalhe (i.e.,
variabilidade) que se observa nas decisões individuais.
Neste texto, será apresentada uma teoria do comportamento individual no qual o sistema de
preços relativos guiam as decisões dos agentes económicos. Tentaremos também explicar
como essas decisões individuais não conversadas se conjugam na explicação do que se
observa no mercado. Em termos de organização, no capítulo 1, apresentamos um modelo do
mercado que explica imediatamente a evidência empírica quanto à evolução dos preços e das
quantidades transaccionadas. Assim, desagregamos o mercado em três Leis da Natureza: i)
que a decisão dos vendedores quanto à quantidade que pretendem alienar se agrega na função
*
Lucas, Robert (1976). "Econometric Policy Evaluation: A Critique." Carnegie-Rochester Conference Series on
Public Policy 1: 19–46.
**
Barro, Robert J. (1984), Macroeconomics, John Wiley & Sons Inc
2
de oferta; ii) que a decisão dos compradores quanto à quantidade que pretendem adquirir se
agrega na função de procura; iii) que o preço de mercado equilibra as pretensões dos
compradores com as dos vendedores. Este capítulo serve de motivação para o capítulo 2 onde
é apresentada a Teoria do Consumidor em que é assumindo o princípio não observável de que
os agentes económicos são optimizadores (i.e., o Homo Economicus) sujeitos a restrições.
Assim, consideramos que os consumidores (que se denominam na Macroeconomia por
Famílias) maximizam o seu bem-estar individual (i.e., uma função de utilidade) sob restrição
do rendimento disponível e dos preços de mercado dos bens ou serviços.
Ressalva-se que este texto, não versando sobre a História do Pensamento Económico, não dá
perfeitos créditos aos autores originais dos conceitos que aqui são apresentados.
Em termos lectivos, este texto apoia entre 10 aulas (num curso semestral de introdução à
economia) até 20 aulas (num curso anual de Microeconomia).
No sentido de simplificar a apreensão dos conceitos económicos, tentei que o texto fosse o
mais simples possível de ler, apoiando a exposição em gráficos simples e num formalismo
matemático rudimentar (apenas se utilizando funções isoelásticas).
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Índice
4
II – Teoria do Consumidor 39
2.0. Introdução
2.1. Preferências e gostos dos consumidores
2.1.1 Curva de indiferença
Comparabilidade entre os cabazes de bens e serviços:
Transitividade da Comparação; Insaciabilidade
Taxa marginal de substituição
Evolução da taxa marginal de substituição com a quantidade
2.1.2. Função de utilidade
Função ordinal / cardinal
2.2. Restrição orçamental
Recta orçamental
Bens privados e públicos.
Efeito na RO da alteração do rendimento.
Efeito na RO da alteração dos preços.
2.3. Decisão do consumidor – Escolha do melhor cabaz possível.
Generalização a cabazes em IRn.
Formalização matemática do problema de optimização.
Efeito de uma alteração do preço.
Bens substitutos, complementares e independentes.
Efeito de uma alteração do rendimento.
Bens inferiores e bens normais (de primeira necessidade e de luxo).
Efeito substituição e efeito rendimento.
Determinação da curva de procura individual.
Função de utilidade indirecta.
Excedente do consumidor.
2.4. Aplicações
Combate à exclusão: Subsídio em dinheiro ou em espécie. Desconto no preço.
Função de oferta de trabalho.
Taxa de juro, consumo e poupança.
Risco. Lotaria. Aversão / neutralidade / atracção pelo risco.
Capital humano e crescimento endógeno.
Contabilidade do bem-estar
5
I – Modelo Empírico do Mercado
Sumário: Neste capítulo é apresentado um modelo do mercado que resulta muito
directamente do que se observa diariamente nos mercados (quanto à evolução dos preços e
das quantidades transaccionadas quando ocorrem em variáveis exógenas). O modelo empírico
contempla três Leis da Natureza: i) os compradores agregam-se na Curva de Procura, ii) os
vendedores agregam-se na Curva de Oferta, e iii) a transacção de mercado acontece no ponto
de intersecção destas duas curvas (ponto de Equilíbrio Walrassiano). Considerando o preço e
a quantidade como as variáveis endógenas do modelo empírico de mercado, apresento o efeito
no mercado das alterações na procura e na oferta (i.e., deslocamentos das curvas) e nas
políticas do governo (controlo de preços e impostos/subsídios). Neste capítulo não pretendo
racionalizar as Leis da Natureza apresentadas (i.e., qual a justificação teórica profunda para a
existência das curvas de oferta, de procura e do equilíbrio de mercado).
Objecto. A Microeconomia trata das decisões dos agentes económicos de pequena dimensão
(etimologicamente, micro que dizer pequeno). O estudo microeconómico pode ser feito à
escala do indivíduo ou a um nível mais agregado como, por exemplo, à escala da família, da
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empresa ou da indústria. Os bens ou serviços poderão ser perfeitamente homogéneos (e.g.,
Maça Golden calibre 40/45) ou ter um certo grau de agregação (e heterogeneidade), por
exemplo, ao nível de Maçãs, Fruta ou Produtos Vegetais Frescos.
À escala micro, sendo fixa a quantidade de recursos (bens e serviços), a decisão dos
indivíduos quanto à sua afectação tem como principal variável o preço relativo dos diversos
bens ou serviços. Neste sentido, a Microeconomia também a pode ser entendida como a
“teoria dos preços relativos”.
Por oposição, a Macroeconomia trata das grandezas agregadas ao nível do país (por exemplo,
o Produto que traduz o total de bens e serviços produzido no país) não havendo atenção no
estudo do efeito da alteração dos preços relativos dos diversos bens ou serviços. Chama-se à
atenção que, por dessemelhança com a Microeconomia, na Macroeconomia é a taxa de juro
que equilibra o mercado de bens e serviços (ver o ponto 2.4.3.).
Limitações da micro-teoria. É sabido que dois indivíduos aparentemente iguais não tomam
necessariamente a mesma decisão. Em termos epistemológicos não podemos distinguir se é o
modelo que erra (por falta de informação) ou se é o comportamento individual que tem uma
parcela de “erro” (por exemplo, 30% do comportamento é racionalizado e os restantes 70% é
aleatório). Em termos de falta de informação, podemos conjecturar que, apesar de parecerem
idênticos, os indivíduos têm diferenças que não conseguimos vislumbrar. Apenas se as
diferenças fossem controladas é que seria possível a previsão sem erro. Em termos de
racionalidade humana limitada, podemos conjecturar que a capacidade de cálculo do cérebro
humano não permite resolver problemas com muito elevada complexidade pelo que o
comportamento é aproximado ao que deveria ser, podendo mesmo acontecer que o
pensamento humano tenha uma componente aleatória: sendo o cérebro formado por células, é
necessária a divisão dos problemas em pequenas partes que serão processadas parcelarmente
podendo haver faltas ou repetições de parcelas, (semelhante ao Método de Monte Carlo).
Motivado pelo erro de previsão dos modelos, os resultados microeconomicos devem ser
interpretado como uma fundamentação para as tendências (e.g., de aumento, diminuição ou
manutenção) e não devem ser olhados no pormenor da magnitude estimada pelo modelo.
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escala próxima da empresa (ao nível dos preços e das quantidades) permite que os gestores
compreendam a evolução dos mercados em resposta à alteração das suas acções e
racionalizem como os outros agentes económicos vão responder.
Positivismo: Para que haja progresso do conhecimento terá que ser continuamente
acrescentado conhecimento novo.
Para que possa haver um continuo acrescentar de conhecimento, o conhecimento antigo tem
que poder ser retomado, criticado e aumentado por qualquer outro homem sem necessidade de
o refazer. Para que isso seja possível, terá que ser utilizado um método objectivo de criação de
conhecimento: o método científico. Por objectivo quer-se dizer que é universal e, tanto quanto
possível, não pessoal.
Considera-se que o método científico é positivo no sentido de que i) o investigador não emite
opinião moral sobre o fenómeno (i.e., se a Natureza está bem ou mal); ii) o conhecimento é
um modelo (matemático) da realidade (e não a realidade); iii) resultam dos modelos predições
que podem ser testadas empiricamente e; iv) apenas as hipóteses explicativas que estão
positivamente em acordo com a realidade é que podem ser aceites como válidas (não basta
não poder provar que são falsas). Por exemplo, eu não saber o que são os OVNIs
(exactamente Objectos Voadores Não Identificados) e não poder afirmar que não são
construídos por extraterrestre, não me permite concluir de que existem extraterrestres.
O conhecimento científico serão hipóteses sobre a realidade que vão sendo progressivamente
reforçadas e aceites por uma percentagem cada vez maior de pessoas, ou enfraquecidas e
aceites por uma percentagem cada vez menor de pessoas. Por exemplo, a teoria de evolução
das espécies de Darwin (1859)* é uma hipótese para explicar a existência, extinção e
aparecimento das espécies vivas que se tem tornado cada vez mais forte (i.e., mais apoiada na
evidência empírica) e aceite por maior percentagem de pessoas, apesar de haver muitas
pessoas que não a aceitam.
Conhecimento normativo: Além de haver muito conhecimento que não pode ser objectivo
(e.g., o conhecimento estético, religioso ou filosófico), o fim último do conhecimento é a
*
Darwin, Charles (1859), On the Origin of Species, Londres
8
tomada de decisão (i.e., a acção). Mas a tomada de decisão obriga a classificar as situações
como boas ou más e o sentido da alteração que melhora as situações. Por exemplo, eu dizer
que a pobreza tem que ser combatida pressupõe que é uma coisa má. Então, estou a adoptar
uma perspectiva normativa: o que fazer para transformar a realidade no sentido que eu penso
ser bom.
9
Os indivíduos, por apreciarem o consumo diversificado de bens e serviços, podem melhorar
globalmente o seu bem-estar se trocarem os bens que têm em grande quantidade pelos que
têm em pequena quantidade. Por exemplo, as pessoas que vivem à beira-mar têm muito peixe
e pouco cereal enquanto que as que vivem mais no interior têm muito cereal e pouco peixe.
Então, todas as pessoas melhoram se houver a possibilidade de trocar peixe por cereal.
Sendo que a troca implica a troca de determinadas quantidades de bens ou serviços, vamos
procurar construir um modelo que explique a decisão de troca em termos de quantidade
transaccionada e do preço. Havendo outras variáveis importantes (e.g., as facilidades de
pagamento), vou assumir o preço da transacção como o factor mais importante na
determinação da quantidade trocada.
O preço traduz a razão de troca entre cada par de bens, e.g., eu poder trocar três quilogramas
de cereal por cada quilograma de peixe. Como vivemos numa sociedade com moeda (que
funciona como unidade de valor), cada bem terá o seu preço monetário. Então, posso
imaginar, em vez da troca directa entre bens ou serviços, a transacção de cada bem ou serviço
contra uma quantidade de moeda (i.e., o seu preço).
Vou considerar um modelo do mercado de um bem ou serviço em que existe, por um lado, o
preço nominal e a quantidade transaccionada (que serão variáveis endógenas do modelo) e,
por outro lado, múltiplos parâmetros (que serão variáveis exógenas ao modelo).
A quantidade transaccionada num mercado é, geralmente, um fluxo, e.g., 100kg de maçãs por
hora (mercado contínuo no tempo). Existem também mercados que funcionam apenas
pontualmente no tempo (mercado por chamada). Assim sendo, tanto podemos representar a
quantidade transaccionada como “unidades de quantidade/unidades de tempo” como apenas
por “unidades de quantidade”. No caso do preço unitário, mesmo que as quantidades sejam
em “unidades/hora”, será sempre em unidades monetárias por unidade de quantidade do bem
ou serviço, por exemplo, “€/kg”.
Se não houvesse alteração das variáveis exógenas, o mercado ficaria sempre no mesmo ponto,
i.e., o preço de mercado e a quantidade transaccionada seriam invariantes no tempo. Por
exemplo, o preço das maçãs seria sempre de 1.00€/kg e vender-se-iam sempre 10000kg/hora
de maçãs. No entanto, as múltiplas variáveis exógenas ao mercado estão continuamente a
alterar de valor pelo que o mercado (i.e., o preço e a quantidade transaccionada) evolui ao
longo do tempo. Em termos empíricos, apresento na Fig. 1 a evolução diária de um mercado
de maçãs onde várias vendedoras competem pelos compradores que aparecem (dados
10
simulados com cada ponto a representar, e.g., um quarto de hora). Desta figura não é possível
descobrir qualquer regularidade que possa ser aproveitada na explicação da evolução das
variáveis endógenas (da quantidade transaccionada e do preço) quando ocorrem alterações
exógenas (e.g., da temperatura).
preço
2,00 €
1,50 €
1,00 €
0,50 €
0,00 €
0 5 10 Quantidade15
(t)
11
evolução do preço médio e das quantidades transaccionadas a cada ano (dados simulados para
servirem de ilustração). Neste exemplo, contrariamente ao da Fig.1.1, transparece uma
regularidade na evolução (as variáveis preço e quantidade estão positivamente
correlacionadas) que se acentua se representarmos num gráfico o preço de transacção com as
quantidades transaccionadas (ver, Fig.1.3): nos pontos em que o preço de mercado (em
€/tonelada) é maior, a quantidade transaccionada (em toneladas) também é maior.
400 € 130
Mt
Preço
350 € 125
300 € 120
250 € 115
Quantidade
200 € 110
150 € 105
100 € 100
1990 1995 2000 2005 Ano
preço
400 €
350 €
300 €
250 €
200 €
150 €
100 €
100 105 110 115 Quantidade 120
(Mt)
Vejamos outro exemplo que permite visualizar o mesmo tipo de relação entre preço e
quantidade transaccionada. Relativamente às verduras cruas, os consumidores apreciam-nas
12
mais no Verão que no Inverno (e supondo que não há diferenças na produção). Desta forma, o
mercado tem dois períodos distintos, o Verão e o Inverno, induzidos por alterações do padrão
de consumo. Na fig.1.4 apresento a evolução do mercado (quantidades e preços) dos últimos
15 anos (dados simulados com cada ponto a representa um semestre).
Preço
1,7
1,6
Verão
1,5
1,4
1,3
Inverno
1,2
1,1
100 110 120 130 140 150 Quantidade
160 170
Nas Fig.1.3 e Fig.1.4 observa-se que, em termos estilizados, existe uma associação entre a
quantidade transaccionada e o preço: a um preço mais elevado está associada uma
quantidade transaccionada maior. Vamos denominar esta correlação positiva por Curva A.
Alterações no padrão da oferta. Mas existem outros exemplos que parecem contrariar a Lei
da Natureza que denominei por Curva A. Por exemplo, a produção de leite está muito
condicionada pelas condições meteorológicas: Quando o Inverno é seco, a produção
enfraquece e vice-versa. No entanto, o consumo não se altera significativamente (com a
pluviosidade durante o Inverno). Apresento na Fig.1.5 a evolução do mercado quanto as
quantidades transaccionadas e preços do leite ao longo dos últimos 16 anos (dados
simulados).
13
Preço
400 (€/t)
390
Seco
380
370
Húmido
360
350
100 105 110 115 Quantidade (Mt)
120 125
Tal como nas Fig.1.3 e Fig.1.4, na Fig.1.5 também se observa, em termos estilizados, uma
associação entre a quantidade transaccionada e o preço mas de sentido contrário: um preço
mais elevado está associado com uma quantidade transaccionada menor. Vamos
denominar esta correlação negativa por Curva B.
O que podemos observar nas fig.1.3, fig.1.4 e fig.1.5? Aparentemente, não conseguimos
relacionar as quantidades transaccionadas com os preços, havendo duas possibilidades, a
relação ser positiva (a curva A) ou negativa (a curva B). (Há ainda a possibilidade de não se
observar qualquer regularidade, Fig.1.1)
*
A sistematização do mercado nestas três Leis da Natureza data-se na primeira metade do Sec. XIX e é uma
síntese dos trabalhos de Walras (1834-1910), Cournot (1801-77) e Marshall (1842-1924).
14
revelado pelo mercado é o comportamento dos vendedores: ficamos a saber que os
vendedores estarão disponíveis para vender uma maior quantidade se o preço for maior (maior
quantidade disponível implica maior preço).
130
Preço
C. Procura
120
Equilíbrio C. Oferta
110
100
90
100 105 110 115 120 125 Quantidade
130
15
Non-tâtonnement de Walras: No mercado apenas existem as transacções do ponto de
equilíbrio (tâtonnement: tentativa e erro): Enquanto o mercado está fechado, os agentes
calculam o ponto de equilíbrio e, quando o mercado abre, realizam-se as transacções. Não nos
vamos preocupar agora sobre uma teoria profunda para o equilíbrio de mercado. Aqui é
apenas uma Lei da Natureza a utilizar sem por em causa. Recordo que o conceito de equilíbrio
de Nash* (em que nenhum agente económico tem incentivos para alterar a sua acção) apenas
surge em 1951.
Ex1.2: Supondo que a curva de oferta de mercado é dada por S(p) = 50 + 0.25p e a curva de
procura de mercado é dada por D(p) = 100 – 0.75 p, qual será a quantidade transaccionada no
mercado e a que preço?
Deslocamento da curva de oferta. Quando acontecem alterações nos valores das variáveis
exógenas (qualquer variável menos o preço do bem ou serviço em estudo) que influenciam a
quantidade que os vendedores oferecem para cada preço, dizemos que acontece um
deslocamento da curva de oferta como um todo. Existe um enfraquecimento da oferta
quando, para cada preço, diminui a quantidade que os vendedores disponibilizam para venda
*
Nash, John (1951), “Non-Cooperative Games”, The Annals of Mathematics, 54(2), pp. 286-295.
16
(para cada preço). Por exemplo, quando o vento forte destrói as estufas da nossa região, a
curva de oferta de legumes desloca-se no sentido do enfraquecimento. Em termos gráficos,
traduz-se um enfraquecimento da oferta pelo deslocar para a esquerda e para cima da
curva de oferta (ver fig. 1.7).
Preço
130
C. Procura
120
o P. Equilíbrio muda
110
100
C. Oferta
90
100 105 110 115 120 125 Quantidade
130
Existe um fortalecimento da oferta quando, para cada preço, aumenta a quantidade que os
vendedores estão disponíveis para vender. Por exemplo, o acordo que permitiu ao chineses
vender camisas na União Europeia fez com que a curva de oferta de camisas se deslocasse no
sentido do fortalecimento. Em termos gráficos, um fortalecimento da oferta implica que a
curva de oferta se desloca para a direita e para baixo (ver fig.1.8).
A expressão latina ceteris paribus , como já referi, traduz a condição de que tudo o resto
(neste caso, a curva da procura) se mantém inalterado. É a condição imposta para se poder
levar a cabo a análise parcial (e o equilíbrio parcial) que estamos a apresentar. Na análise
parcial apenas temos em atenção metade de um mercado enquanto que no equilíbrio parcial
apenas temos em atenção o equilíbrio do mercado de um bem ou serviço (e assumimos tudo o
resto exógeno e constante). Em termos matemáticos consiste numa “análise de derivadas
parciais”.
17
Preço
130
C. Procura
120
110
o P. Equilíbrio muda
100
C. Oferta
90
100 105 110 115 120 125 Quantidade
130
Podemos confirmar visualmente nas Fig.1.7 e Fig.1.8 que quando há alterações na curva de
oferta, ceteris paribus, o equilíbrio de mercado torna visíveis pontos ao longo da curva de
procura. Associado a deslocações da curva de oferta está o aumento das quantidades
transaccionadas e a diminuição do preço de mercado (e vice-versa): do enfraquecimento
resulta um aumento do preço e diminuição da quantidade transaccionada e do fortalecimento
resulta uma diminuição do preço e um aumento da quantidade transaccionada.
Ex1.3: Referente a cada ano, a curva de oferta de leite (Mt) é positivamente influenciada pela
pluviosidade (mm), S(p) = 50 + 0.50p + 0.10h, enquanto que a curva de procura não, D(p) =
150 – 0.75 p. De que forma o preço (€/l) e a quantidade transaccionada no mercado se alteram
se num ano a pluviosidade for maior em 1mm?
Deslocamento da curva de procura. Quando acontecem alterações nos valores das variáveis
exógenas que influenciam a procura, dizemos que se observa um deslocamento na curva de
18
procura como um todo. Existe um enfraquecimento da procura quando, para cada preço,
diminui a quantidade que os compradores se disponibilizam a comprar. Por exemplo, no
Inverno existe um enfraquecimento da procura de gelados. Em termos gráficos, o
enfraquecimento faz com que a curva de procura se desloque para a esquerda e para baixo
(ver fig.1.9).
Preço
130
C. Procura
120
C. Oferta
110
o P. Equilíbrio muda
100
90
100 105 110 115 120 125 Quantidade
130
Existe um fortalecimento da procura quando, para cada preço, aumenta a quantidade que os
compradores se disponibilizam a adquirir. Por exemplo, quando chove, existe um
fortalecimento da procura de guarda-chuvas. Em termos gráficos, a curva de procura desloca-
se para a direita e para cima (ver Fig.1.10).
Podemos visualizar nas Fig.1.9 e Fig.1.10 que quando há alterações na curva de procura,
ceteris paribus, o equilíbrio de mercado torna visíveis pontos ao longo da curva de oferta.
Associado a alterações na curva de procura está o aumento (ou diminuição) das quantidades
transaccionadas e do preço de mercado: do enfraquecimento resulta uma diminuição do preço
e da quantidade transaccionada e no fortalecimento resulta um aumento do preço e da
quantidade transaccionada.
19
Preço
130
C. Procura
120
o P. Equilíbrio muda
110
100
C. Oferta
90
100 105 110 115 120 125 Quantidade
130
Ex1.4: Numa região, onde normalmente se consumem 100t/dia de pão a um preço unitário de
0.15€, têm-se ultimamente consumido 150t/dia de pão a um preço unitário de 0.18€. Será que
esta alteração é induzida por um padeiro estar doente?
20
Ex1.5: Numa mercado existem 1000 compradores idênticos cujas curvas de procura
individual são d(p) = 1 – 0.01p e 50 vendedores idênticos cujas curvas de oferta são
s(p) = –1 + 0.1p, quantidades em kg/hora e preço em cent./kg. Qual será a quantidade
adquirida por cada comprador e a que preço?
R: Primeiro, somamos para cada preço as quantidades. Com compradores idênticos temos
D(p) = 1000d(p) = 1000.( 1 – 0.01p) = 1000 – 10p. Com vendedores idênticos temos
S(p) =50s(p) = 50.(– 1 + 0.1p) = –50 + 5p. Segundo, o equilíbrio de mercado será em
D(p) = S(p) ⇔ 1000 – 10p = –50 + 5p ⇔ 15p = 1050 ⇔ p = 70 cent./kg e Q = 300 kg/hora.
Terceiro, o preço será o de mercado, p = 70 cent./kg, enquanto que a quantidade individual se
obtém dividindo o total transaccionado pelos 1000 compradores, q = 0.300 kg/hora/indivíduo.
Devemos notar que a soma das curvas individuais se faz sempre nas quantidades e nunca nos
preços. Supondo que temos a representação gráfica de dois grupos de consumidores (grupo 1
e 2), em termos gráficos, como o preço está representado no eixo vertical, a soma será feita na
horizontal (ver Fig. 1.11).
120
Preço
100
80
60
S = s1 + s2
40
s1 s2
20
0
0 10 20 30 40 Quantidade
50 60
Fig.1.11 – Curva de procura como soma horizontal de duas curvas de procura individuais.
Ex1.6: Num mercado de produtos higiénicos, a curva de procura é linear e passa por dois
pontos conhecidos, para mulheres e homens (ver tabela abaixo). Existindo 1000 mulheres e
21
1500 homens e sendo a curva de oferta S(p) = –2500 + 2000p, qual o género (homem ou
mulher) que adquire mais deste produto?
22
em torno do ponto médio, existe uma variação relativa da quantidade oferecida de
(90 – 110)/100 = 20% e uma variação relativa do preço de (7–5)/6 = 33.3% pelo que a
elasticidade preço da oferta será 20%/33% = 0.6.
Q2 − Q1 Q2 − Q1
Q 0.5(Q2 + Q1 )
ε p,Q = =
p2 − p1 p2 − p1
p 0.5( p2 + p1 )
Também poderíamos utilizar logaritmos (i.e., ajustar um função isoelástica). Partindo de dois
pontos, (y1, x1) e (y2, x2) determinamos ε ajustando Q = A.xε:
D2 − D1 D ( p + h) − D ( p )
D D ( p) D ( p + h) − D ( p ) p dD p
ε = lim = lim = lim =
D( p ) dp D
p 2 → p1 p2 − p1 h→0 h h →0
h
p p
x x
y ' ( x) = A.e.x e −1 =e
y A.xe
Procura elástica ou inelástica: Se a elasticidade da função de procura for menor que um,
diz-se que a procura é inelástica enquanto que se for superior a um diz-se que a procura é
elástica. No caso fronteira, a procura é de elasticidade unitária.
23
Ex1.7: Sendo a curva de procura D(p) = 100 – p e a curva de oferta S(p) = –10 + 10p,
relativamente ao ponto de equilíbrio, qual será a variação relativa da quantidade procurada se
o preço aumentar 1%?
Outro exemplo: Para a função de procura D(p) = 100 – 3p, determine a elasticidade preço da
procura. Determine o ponto em que a essa elasticidade vale –0.5.
dD p p −3p
R: Para um ponto genérico, temos = −3 = .
dp D 100 − 3 p 100 − 3 p
−3p
O ponto em que εp,D = –0.5 resolve = −0.5 ⇔ −3 p = −50 + 1.5 p ⇔ p = 11.11€ / u. ,
100 − 3 p
D(11.11) = 66.67u.
24
Alimento Elasticidade rendimento da procura
Natas 1.72
Maças 1.32
Ervilhas frescas 1.05
Cebolas 0.58
Manteiga 0.37
Margarina –0.20
Tab. 1.2 – Estimativa da elasticidade rendimento da procura (er,d)
(Fonte: Besanko, 2ªed, Table 2.4)
O governo, por vezes, julga que o mercado não está a funcionar de forma conveniente para o
bem da sociedade e decide intervir politicamente no sentido de alterar os preços e a
quantidade transaccionadas na direcção politicamente considerada como a mais conveniente*.
Vamos considerar, havendo outras, as politicas de imposição de um preço máximo ou mínimo
e a cobrança de um imposto (que se soma ao preço do vendedor) ou atribuição de um subsídio
(que se subtrai ao preço do vendedor).
*
Na Economia Pública estudam-se situações em que os governantes não procura o bem-estar da sociedade mas o
seu próprio bem-estar. Por exemplo, as alterações das políticas económicas no decorrer do ciclo eleitoral.
**
Enquanto que no equilíbrio walrassiano o mercado está fora do equilíbrio porque, àquele preço, os
compradores querem adquirir maior quantidade que os vendedores querem vender, no sentido de equilíbrio de
Nash, o mercado está em equilíbrio porque os compradores conformam-se com a imposição (que é
conhecimento público e perfeito) não havendo incentivos para que tentem adquirir maior quantidade.
25
Preço
2,4
D S
2,2
1,8
1,6
1,4
95 100 105 110 Quantidade
115
Nas situações de imposição de um preço máximo efectivo, o mercado vai ficar fora do ponto
do equilíbrio walrassiano e sobre a curva da oferta.
Ex1.9: Num mercado de pão, a curva de procura é D(p) = 280 – 6p e a curva de oferta é
S(p) = 80 + 4p (preço em cent./u. e quantidade em milhares de unidades). i) Qual o equilíbrio
de mercado e ii) que alterações induz o governo ao impor 16cent./u. como preço máximo?
26
Preço mínimo. Os governos também podem intervir no mercado pela imposição de um preço
mínimo. Por exemplo, o mercado aponta para que o preço da carne de vaca diminua de
5.00€/kg para 3.50€/kg mas o governo, pensando tal ser pernicioso para os agricultores,
decreta que o preço não pode ser inferior a 4.00€/kg.
Apenas existirão efeitos desta política se o preço mínimo for superior ao preço de equilíbrio.
Se, no exemplo, o governo impusesse que o preço da carne não podia ser menor que 1.00€/kg
não haveria qualquer alteração no mercado. Pelo contrário, a imposição de 4.0€/kg como
preço mínimo já terá efeitos no mercado.
Nas situações de imposição de um preço mínimo efectivo, o mercado vai ficar fora do normal
ponto do equilíbrio e apenas sobre a curva da procura.
Preço
4,5
D
4
S
3,5
3
100 102 104 106 108 110 112 Quantidade
114
27
Ex1.10: No mercado de carne, a curva de procura é D(p) = 430 – 60p e a curva de oferta é
S(p) = 80 + 40p (preço em €/kg e quantidade em milhares de kg). Qual o equilíbrio de
mercado e que alterações induz o governo ao impor 4€/kg como preço mínimo?
R: 1) O equilíbrio de mercado será D(p) = S(p) ⇔ 430 – 60p = 80 + 40p ⇒ 350 = 100p ⇔ p
= 3.5€ e Q = 220t. Se for imposto 4€/kg como preço mínimo, então haverá um aumento do
preço de transacção (4 < 3.5) acompanhada por uma diminuição da quantidade
transaccionada: Q = menor{430 – 60p; 80 + 40p} = menor{190; 240} = 190. O mercado vai
ficar sobre a curva de procura.
A cobrança de um imposto faz com que o preço que os compradores pagam seja superior (no
valor do imposto) ao preço que os vendedores recebem. Assim, o imposto aumenta o preço
que os consumidores pagam e diminui o preço que os vendedores recebem de forma que
28
diminui a quantidade transaccionada. Na Fig.1.14, inicialmente no mercado são
transaccionadas 110u. ao preço de 3.5€/u. e a introdução de um imposto de 1€/u. faz diminuir
a quantidade transaccionada para 105u., aumentar o preço que os compradores pagam para
4€/u. e diminuir o preço que os vendedores recebem para 3€/u.
Preço
4,5
D
4
S
3,5 Imposto
2,5
100 102 104 106 108 110 112 Quantidade
114
Ex1.12: No mercado de bacalhau, a curva de procura é D(p) = 1500 – 50p e a curva de oferta
é S(p) = 950 + 5p (preço em €/kg e quantidade em toneladas). Qual o equilíbrio de mercado e
que alterações induz a imposição de 3€/kg de imposto?
R: 1) O equilíbrio de mercado será D(p) = S(p) ⇔ 1500 – 50p = 950 + 5p ⇒ 550 = 55p ⇔
p = 10€/kg e Q = 1000t. 2.1) Se for cobrado o imposto de 3€/kg, o cálculo do novo ponto de
equilíbrio de mercado pode ser feito ao preço dos vendedores (o preço dos compradores será
maior que o preço dos vendedores, ver Fig.1.14). pc = pv + 3 ⇒ D(pv + 3) = S(pv)
⇔ 1500 – 50(pv+3) = 950 + 5pv ⇒ 400 = 55pv ⇔ pv = 7.27€/kg, pc = 10.27€/kg e Q = 986.4t.
O preço dos vendedores diminui de 10€/kg para 7.27€/kg, o preço dos compradores aumenta
de 10€/kg para 10.27€/kg e a quantidade transaccionada diminui de 1000t. para 986.4t.
2.2) De forma equivalente, podemos calcular o novo equilíbrio de mercado ao “preço dos
compradores”: D(pc) = S(pc – 3) ⇔ 1500 – 50pc = 950 + 5(pc – 3 ) ⇒ 565 = 55pc ⇔
pc = 10.27€/kg, pv = 7.27€/kg e Q = 990.9t.
29
A resolução do mercado “ao preço do vendedor” torna equivalente a introdução de um
imposto sobre o preço a um enfraquecimento da oferta (ver. Fig.1.14).
Preço
4,5
D
pc4 S
3,5 Imposto
pv3
2,5
100 102 104 106 108 110 112 Quantidade
114
Ex1.13: Num mercado de seguros, a curva de procura é D(p) = 3000 – 10p e a curva de oferta
é S(p) = –750 + 5p (preço em €/seguro e quantidade em seguros). i) Qual o equilíbrio de
mercado, ii) que alterações induz a imposição de 30€/s de imposto e iii) como é distribuído o
imposto?
R: i) O equilíbrio de mercado será D(p) = S(p) ⇔ 3000 – 10p = –750 + 5p ⇒ 3750 = 15p ⇔
p = 250€/s e Q = 500s. ii) Se for cobrado o imposto de 30€/s, o cálculo do novo ponto de
equilíbrio de mercado ao preço dos vendedores será pc = pv + 30 ⇒ D(pv + 30) = S(pv) ⇔
30
3000 – 10(pv+30) = –750 + 5pv ⇒ 3450 = 15pv ⇔ pv = 230€/s, pc = 260€/s e Q = 400s. iii) Os
compradores suportam (260–250)/30 = 1/3 e os vendedores (250–230)/30=2/3 do imposto.
Preço
4,5
S
3,5 Subsídio
D
2,5
108 110 112 114 Quantidade
116
Ex1.14: No mercado de bacalhau, a curva de procura é D(p) = 1500 – 50p e a curva de oferta
é S(p) = 950 + 5p (preço em €/kg e quantidade em toneladas). Qual o equilíbrio de mercado e
que alterações induz a atribuição de 3€/kg de subsídio?
31
Repartição do subsídio entre vendedores e compradores. O subsídio, S, é um imposto de
sinal negativo pelo que virá o preço que os compradores pagam, pc, menor que o preço que os
vendedores recebem, pv, de tal forma que pv – pc = S. O que pretendemos calcular neste ponto
é, em termos percentuais, a distribuição do efeito relativo do subsídio no preço dos
compradores e dos vendedores. Retomando o Ex.1.13, em termos absolutos, o subsídio de
3€/kg repartiu-se 0.27€/kg para os compradores e 2.73€/kg para os vendedores. Então, em
termos relativos, 9% do subsídio vai para os compradores e 91% do subsídio vai para os
vendedores. Quanto mais sensível for a curva ao preço, menor será a percentagem do subsídio
com que ficam beneficiados.
Ex1.15: Num mercado de “tomar conta de crianças ao fim de semana”, a curva de procura é
D(p) = 500 – 25p e a curva de oferta é S(p) = –250 + 50p (preço em €/criança e quantidade
em crianças). i) Qual o equilíbrio de mercado, ii) que alterações induz a atribuição pelo
governo de um subsídio de 5€/c. e iii) como é distribuído o subsídio?
R: i) O equilíbrio de mercado será D(p) = S(p) ⇔ 500 – 25p = –250 + 50p ⇒ 750 = 75p ⇔
p = 10€/c e Q = 250c. ii) Se for atribuído 30€/s de subsídio, o cálculo do novo ponto de
equilíbrio de mercado ao preço dos compradores será pc + 5 = pv ⇒ D(pc) = S(pc + 5) ⇔
500 – 25pc = –250 + 50(pc + 5) ⇒ 500 = 75pc ⇔ pc = 6.67€/c, pv = 11.67€/c e Q = 333c. iii)
Os compradores beneficiam (10–6.67)/5 = 2/3 e os vendedores (11.67–10)/5=1/3 do subsídio.
O preço do dinheiro e sua evolução. O valor do dinheiro não é intrínseco (excepto para os
coleccionadores de notas e moedas) mas resulta de ter poder aquisitivo. Assim, o valor de
uma soma de dinheiro é consequência de, com ela, se poder comprar bens e serviços que têm
valor (apesar de dependente da valoração que cada pessoa faz). O preço unitário de um bem
ou serviço é a quantidade de dinheiro necessária para adquirir uma unidade desse bem ou
serviço. Então, o preço unitário do dinheiro será uma unidade monetária (e.g., como para
comprar um euro é necessário pagar um euro, então o preço de um euro será um euro)
parecendo que esta discussão não faz sentido económico. A questão ganha sentido quando
retiramos à moeda a sua função de unidade de valor e a atribuirmos a outro activo: e.g.,
custando o milho 0.50€/kg e o frango 1.75€/kg, passando o milho a ser a unidade de valor,
então o preço do frango passará a ser 3.5kg de milho/kg e o preço do dinheiro a ser 2kg de
milho/euro. Considerando um bem compósito que agrega os bens e serviços que se
32
transaccionam numa zona monetária e assumindo uma unidade desse bem compósito como
unidade de valor, então o preço do dinheiro serão as unidades de bem compósito necessárias
para adquirir uma unidade de dinheiro (ou as unidades de bem composto que se obtêm pela
venda de uma unidade de dinheiro).
130 kg/€
preço
Curva de Procura de €
120
100
90
100 105 110 115 120 125 130
Quantidade 135
€/dia
Em termos verbais, definimos que o preço do dinheiro é o inverso do preço médio dos bens e
serviços transaccionados na zona monetária (e não a taxa de juro que é o preço do crédito).
Quando há um reforço da oferta de dinheiro (e.g., por o banco central emitir mais moeda) a
curva da oferta de dinheiro desloca-se para a direita pelo que diminui o preço do dinheiro (i.e.,
o dinheiro desvaloriza: aumenta a inflação) e aumenta a quantidade de dinheiro em circulação
(em termos nominais). Quando há um reforço da procura de dinheiro (e.g., as pessoas
aumentam o seu rendimento, i.e., a quantidade de bens e serviços que têm) a curva da procura
33
de dinheiro desloca-se para a direita pelo que aumenta o preço do dinheiro (i.e., o dinheiro
valoriza: existe deflação) e aumenta a quantidade de dinheiro em circulação (em termos
nominais).
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao preço de uma moeda em termos de unidades
monetárias de outra moeda (i.e., à taxa de cambio). Vamos supor o Brasil (Reais) e a Europa
(Euros). Se o preço unitário do Euro diminuir de 3 Reais/Euro para 2 Reais/Euro (o Euro fica
mais barato) então aumenta a quantidade procurada e diminui a quantidade oferecida de
Euros.
Exercícios de recapitulação
Ex1.16: No mercado das “Viagens à Terra Santa”, sabemos que em condições normais são
vendidas por ano 6000 viagens a 1500€ cada uma. Nos anos de intifada, há enfraquecimento
da procura de forma que são vendidas 1200 viagens a 1000€ cada uma. Sabemos ainda que,
quando o preço aumenta 1%, a quantidade procurada diminui em 0.5% e que o IVA é de 20%.
Determine o efeito no mercado de uma diminuição do IVA de 20% para 5% e como se
distribui o efeito sobre o preço.
B) Como há alterações na procura, os pontos (1500; 6000) e (1000, 1200) são da curva
de oferta. Para usar o preço dos vendedores, temos que retirar o IVA (de 20%) do preço dos
compradores de forma que 1500€→1250€ e 1000€→833.3€. Podemos estimar uma recta:
Segundo, determinamos o equilíbrio de mercado com a nova taxa de IVA (ao preço dos
compradores, podendo também ser calculado ao preço dos vendedores).
D(p) = S(p/1.05)
34
Apenas conseguimos resolver esta equação no Excel
B2: = 232379+8400*A2^0,5-10.97^A2^1,5
D( p ) = 200(1.75 p −0.5 4000.5 ) + 100(1.75 p −0.5 900 0.5 ) = 7000 p −0.5 + 5250 p −0.5 = 12250 p −0.5
A curva de oferta obtém-se multiplicando a curva individual por 50: S ( p) = 1000 p 0.25 .
ii) Os mais pobres consomem D( p ) = 1.75(28.239) −0.5 400 0.5 = 6.586kg por mês e os mais
iii) A quantidade transaccionada será o mínimo entre a quantidade que uns querem comprar e
a que outros querem vender.
{ }
menor{D( p ); S ( p )} ⇔ menor 12250 × 20 −0.5 ; 1000 × 200.25 = menor{2739.2; 2114.7} = 2114.7
35
A quantidade transaccionada no mercado diminui porque os vendedores diminuem a
quantidade oferecida.
iv) Como o preço de mercado é superior ao preço mínimo imposto, não tem qualquer efeito.
R. Com os três pontos podemos estimar uma curva de oferta do segundo grau.
400 = A + 3B + 9C 300 = 2 B + 8C C = 50
i) O preço pago aos pescadores é o de equilíbrio de mercado em que o preço dos compradores
é maior em 0.5€/kg (a margem é como se fosse um imposto): S ( p ) = D( p + 0.5)
ii) Esta política ajuda mais os consumidores que os pescadores já que o preço pago aos
pescadores aumenta 0.02€/kg e o preço pago pelos consumidores diminui 0.03€/kg.
ii) Se o governo quiser que as capturas diminuam em 20%, que imposto terá que impor?
36
R. i) D(p) = S(p) ⇔ 1000( 0.6 – 0.05p) = 40(–1.5 + 1.5p) ⇔ p = 6.00€/kg; Q = 300kg.
ii) D(pv + I) = S(pv) ⇔ 1000( 0.6 – 0.05(pv + I)) = 40(–1.5 + 1.5pv) ⇔ pv = 6 – 0.(45).
Resolvendo S(pv ) = 240 vem –60 + 60(6 – 0.(45)I) = 240 ⇔ I = 2.2€/kg.
iii) menor{S(8); D(8)} = menor{420; 200} = 200kg. Os compradores não querem adquirir
maior quantidade.
$/b
75
65
y = 0,3641x 2 - 53,627x + 1997,8
55
45
35
25
15
73 78 83 M.b/dia
ii) Será que podemos afirmar que a responsabilidade para o aumento dos preços foi a guerra
do Iraque (i.e., um enfraquecimento da oferta)?
iii) Sendo que em 2007 a quantidade consumida foi de 85.220 Milhões.barris/dia ao preço
médio de 72.4$/b, se em 2008 essa quantidade diminuir 5%, para quanto se prevê que evolua
o preço médio do barril de petróleo?
R. i) A recta ajustada é uma estimativa para a função de oferta inversa p(S) pois no eixo
vertical está o preço e no horizontal as quantidades transaccionadas. Se quiséssemos a função
procura teríamos que utilizar a formula resolvente da equação do 2º grau:
2 × 0.3641
37
ii) Como aconteceu em simultâneo um aumento do preço e da quantidade transaccionada, é o
resultado dum reforço da procura. Se fosse um enfraquecimento da oferta, observava-se um
aumento do preço associado a uma diminuição da quantidade transaccionada.
iii) Usando p(S) obtemos p = 0.3641 × (0.95 × 85) 2 − 53.627 × (0.95 × 85) + 1997.8 = 41.6$ / b .
38
II – Teoria do Consumidor
2.0 Introdução
39
estar que origina) com o custo de a implementar (i.e., o dispêndio de recursos escassos
disponíveis): ”La Nature a placé l’Humanité sous le gouvernement de deux souverains
maîtres, la douleur e le plaisir [...]. Par principe d’utilité, on entend ce principe qui approuve
ou désapprouve chaque action, quelle qu’elle soit, en fonction de la tendance qu’elle paraît
avoir à augmenter ou diminuer le bonheur de la partie dont l’intérêt est en cause.” Jeremy
Bentham (1789), Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. O filósofo
Bentham (1748-1832), seguido por John Stuart Mill (1806-73) e James Mill (1773-1836),
teorizou e difundiu o utilitarismo como o fundo ético do Homem que responde a todas as
questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da
felicidade individual sob restrição do permitido pela sociedade. Assim, insere-se num
movimento filosófico de libertação do Homem da esfera do sagrado (i.e., da moral cristã).
Princípio da Utilidade (dos bens ou serviços): Cada indivíduo tem necessidades que, quando
satisfeitas, lhe permitem viver numa situação de maior conforto, de maior bem-estar. Em
termos económicos, as necessidades humanas são satisfeitas com a apropriação e fruição de
bens e serviços. O valor económico dos bens e serviços resulta directamente da sua
capacidade em satisfazer essas necessidades humanas. Se um objecto não satisfaz nenhuma
necessidade humana, então não tem valor económico. De entre as coisas com valor
económico, a afectação das que estão disponíveis em quantidades ilimitadas não são um
problema porque o indivíduo consegue sempre apropriar a quantidade suficiente para
satisfazer as suas necessidades. Assim, a Economia concentra-se nos bens ou serviços úteis e
40
que são escassos. Também têm relevância económica as coisas que sendo prejudiciais ao
bem-estar, a sua destruição ou armazenamento obriga a despender recursos escassos, como
por exemplo, o lixo e a poluição.
O valor das coisas (i.e., a sua utilidade) é subjectiva pois depende dos gostos e preferências da
pessoa que as vai consumir ou fruir.
A aceitação do utilitarismo como princípio moral que rege a vida do indivíduo inviabiliza a
existência de uma economia centralizada eficiente. Isto porque, ao nível de um país, o agente
central não tem conhecimento sobre os gostos dos indivíduos.
41
quantidade de comida, preferíamos comida mais saborosa (i.e., de maior qualidade). A
insaciabilidade é importante na definição teórica das escolhas do indivíduo. Sendo o cabaz
A = (a1, a2) e o cabaz B = (b1, b2), pela insaciabilidade termos que (ver fig. 2.1) :
Taxa marginal de substituição: Sendo o cabaz A = (a1, a2), existe uma proporção k que faz o
cabaz B = (a1 + δ; a2 + δ.k) análogo a A (em que δ é uma quantidade infinitesimal e k uma
constante de valor negativo). Isto traduz que se eu substituir a quantidade infinitesimal δ do
bem 1 pela quantidade δ.k do bem 2, o indivíduo fica indiferentes entre os dois cabazes. Este
princípio permite-me começar a preencher as zonas “incomparáveis” da fig. 2.1. A proporção
k denomina-se por taxa marginal de substituição de a1 por a2 e traduz a inclinação da linha de
fronteira que separa a zona dos cabazes melhores que A da zona dos cabazes piores que A. O
principio da insaciabildiade obriga a que a proporção k seja negativa: quando aumenta a
quantidade de um bem, para eu ficar com um cabaz equivalente, tenho que diminuir a
quantidade do outro bem ou serviço (ver, fig.2.2). A insaciabilidade diz que o aumento de
quantidade de ambos os bens transforma o cabaz noutro melhor e vice-versa.
42
Fig.2.2 – Aplicação da substituibilidade na comparação de cabazes
Evolução da taxa marginal de substituição com a quantidade: Para termos uma “teoria
bem comportada” (i.e., de que resultem curvas de procura contínuas e decrescentes) é
necessário que qualquer linha que una dois cabazes da curva de indiferença passe apenas pela
zona dos cabazes melhores que A, o que, em termos matemáticos, traduz que a CI é convexa.
Esta característica obriga a que a taxa marginal de substituição (a inclinação da CI) diminua
da esquerda para a direita. Esta característica é aceitável em termos económicos já que traduz
que se eu tiver uma pequena quantidade do bem 1, apenas trocarei uma unidade desse bem
por uma quantidade grande do bem 2 (k será grande em grandeza). Se, pelo contrário, eu tiver
uma grande quantidade do bem 1, então estarei disponível para trocar uma unidade desse bem
por uma quantidade mais pequena do bem 2 (k será pequeno em grandeza): Em termos
relativos, quanto mais escasso for um bem ou serviço, maior será o seu valor unitário.
43
Fig.2.3 – Curva de indiferença
Exercício 2.2. Um indivíduo tem como curva de indiferença y = 100/x. Qual é, em A = (x, y)
= (5, 20), a taxa marginal de substituição do bem X pelo bem Y? E no cabaz B = (20, 5)?
R: TMSxy = y’ = –100/x2 ⇒ TMSA = –4: quando tenho 5 unidades do bem X, para compensar
a perda de uma unidade do bem X, necessito de adquirir 4 unidades do bem Y; TMSB = –
0.25: quando tenho 20 unidades do bem X, para compensar a perda de uma unidade do bem
X, apenas necessito de adquirir 0.25 unidades do bem Y.
44
As curvas de indiferença nunca se intersectam. Por
redução ao absurdo, observando a figura ao lado e
atendendo à insaciabilidade, o cabaz D é preferível ao
cabaz A porque contém mais do bem 1 e do bem 2. Mas,
o cabaz B que é análogo ao cabaz A (está sobre a mesma
C.I.) é preferível ao cabaz C que é análogo ao cabaz D,
resultando ser o cabaz A preferível ao cabaz D.
Poderíamos avançar com uma análise das escolhas do consumidor usando apenas a
representação gráfica das curvas de indiferença. No entanto, para modelizar de forma
matemática a Teoria do Consumidor, torna-se necessário atribuir um número a cada curva de
indiferença de tal forma que uma curva de indiferença com cabazes preferíveis terá que ter
associado um número superior. A esse número chama-se nível de utilidade e com ele
constrói-se uma Função de Utilidade que dá as curvas de indiferença de forma implícita.
45
Podemos obter a taxa marginal de substituição num determinado cabaz sem explicitar a forma
funcional da curva de indiferença que lá passa. Para isso usa-se o teorema da derivação da
função implícita (não nos vamos concentrar na apresentação deste teorema porque não tem
importância económica e o tema será tratado em Matemática I).
∂U ( x, y )
Sendo y(x) dada implicitamente por U ( x, y ) = q ⇒ TMSxy =
dy
=− ∂x .
dx ∂U ( x, y )
∂y
ii) V(5, 10) = ln(5) + ln(10) = 3,912 ⇔ ln(a2) = 3,912 – ln(a1) ⇔ a2 = 50/a1; Z(5, 10) =
6.25E6 ⇔ a24 = 6.25E6/a14 ⇔ a2 = 50/a1
iii) TMS = – U’a1/U’a2 = – a2/a1 = –10/5 = –2; TMS = – Z’a1/Z’a2 = – a12 a23/a13 a22 = a2/a1 =
–10/5 = –2, em A, preciso de 2u. do bem 2 para compensar a perda de 1u. do bem 1.
46
sendo também importantes os rendimentos do capital (e.g., dividendos) e as transferências do
estado (e.g., rendimento de inserção social). É normal usar a família como a célula individual
de decisão económica porque as decisões dos seus membros estão interligadas (em média,
metade dos seus membros não tem rendimento).
Sector de actividade principal Portugal Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve Açores Madeira
Todos os sectores 736 684 648 899 685 687 637 693
Agricultura, silvicultura e pesca 507 446 502 646 567 456 512 522
Indústria, construção, energia e água 662 619 591 883 676 656 551 635
Ex2.5: Um determinado aluno tem 600 € /mês de rendimento que pode gastar em alimentação
cujo preço é 5€/u., vestuário cujo preço é 10€/u. e habitação cujo preço é 100€/u.. Qual será o
cabaz que o aluno pode consumir em cada mês?
R: Qualquer cabaz X = (a, v, h) que custe menos que o rendimento, 5a + 10v + 100h = 600.
Tal como consideramos para as curvas de indiferença (e.g., fig.2.4), tomemos o exemplo de
um cabaz genérico com dois bens ou serviços, A = (a1, a2). Neste caso, a restrição orçamental
vem dada por p1.a1 + p2.a2 = r, podendo ser representada graficamente (ver, Fig.2.5).
47
Recta orçamental: Denomina-se a linha fronteira entre a zona dos cabazes que o indivíduo
pode adquirir da zona de cabazes que o indivíduo não pode adquirir por recta orçamental, RO.
O indivíduo ao adquirir um cabaz sobre a RO esgota o rendimento, p1.a1 + p2.a2 = r. Podemos
explicitar a RO, a2 = r/p2 – a1.p1/p2 e verificar que na intersecção com o eixo vertical (i.e., a1
= 0) a RO vale r/p2, na intersecção com o eixo horizontal (i.e., a2 = 0) a RO vale r/p1, e que a
inclinação da RO vale – p1/p2. A intersecção com o eixo vertical traduz o máximo que o
indivíduo pode comprar do bem 2 enquanto que a intersecção com o eixo horizontal traduz o
máximo que pode comprar do bem 1. A inclinação da RO traduz que para comprar mais uma
unidade do bem 1 eu tenho que abdicar de comprar – p1/p2 unidades do bem 2: é idêntico à
TMS mas aqui pretendo manter a despesa constante (e igual ao rendimento), enquanto na
TMS pretendo manter o nível de utilidade constante. Esta inclinação denomina-se por Custo
de Oportunidade (que é um conceito muito importante mas que não desenvolvo aqui por estar
mais associado à Teoria do Produtor).
R: i) amax = 1000/2.5 = 400u.; hmax = 1000/5=200u. ii) Para manter a despesa sobre a RO,
tem que abdicar de 2 unidades de a por cada unidade a mais de h: –ph/pa = –5/2.5 = –2. iii)
Não pode adquirir pois a despesa, 200*2.5+150*5 = 1250€, seria maior que os 1000€ de
rendimento disponível.
Bens privados e bens públicos. No exemplo anterior os bens são privados no sentido de que
o indivíduo para os consumir tem que gastar na sua aquisição parte do rendimento que tem
disponíveis (principio da exclusão: quem não paga, não tem) e, por outro lado, os outros
indivíduos deixam de o poder consumir (princípio da rivalidade: se eu consumo, mais
ninguém consome). No entanto, existem bens ou serviços que não têm estas características: os
Bens Públicos: e.g., eu posso usufruir da iluminação de uma rua que não prejudico o consumo
de outros bens (é-me gratuito pois é paga pela Câmara Municipal) e o meu consumo em nada
diminui as possibilidades dos outros indivíduos usufruírem da iluminação. Normalmente, o
48
custo marginal de produzir (ou usufruir) um bem público é próximo de zero e muito menor
que o custo fixo (conceitos a desenvolver no capítulo da teoria do produtor). Há ainda os bens
comuns (não-exclusão e rivalidade) e os bens de clube (exclusão e não-rivalidade).
Ex2.6: Sendo que um indivíduo tem de rendimento disponível 500€/mês que gasta em dois
bens, (x, y), cujos preços unitários são 2€/u. e 5€/u., respectivamente. i) Represente
graficamente a RO ii) Represente graficamente um aumento no rendimento de 100€/mês.
49
120
100
80
60
y
40
20
0
0 50 100 x 150 200 250 300
Efeito na RO da alteração dos preços: Quando um preço se altera, a intersecção com o eixo
que representa o bem ou serviço respectivo também se altera mas em sentido contrário. Esse
facto resulta de o ponto de intersecção ser a quantidade que eu posso comprar e por isso
inversamente proporcional ao preço, r/p: Quanto mais barato for o bem ou serviço, maior
quantidade posso comprar. Na Fig. 2.7, represento uma alteração da RO quando o preço do
bem representado no eixo dos yy diminui (mantendo-se o rendimento e o preço do bem
representado no eixo dos xx).
50
Fig.2.8 – Efeito da diminuição do preço do bem 1 na RO
mutatis mutandis: Expressão latina que traduz “mudando o que tem que ser mudado”. É
aplicado na comparação de situações que são diferentes mas entre as quais existe alguma
analogia. e.g., o ser humano, mutatis mutandis, é anatomicamente igual ao rato.
Ex2.7: Sendo que um indivíduo tem de rendimento disponível 500€/mês que gasta em dois
bens, (x, y), cujos preços unitários são 2€/u. e 5€/u., respectivamente. i) Represente
graficamente a RO e ii) o efeito na RO de o preço do bem y passar a ser 10€.
R: i) inicialmente, 2x + 5y = 500 ⇔ y = 100 – 0.4x ⇒ pontos extremos (0; 100) e (250; 0);
depois, ii) 2x + 10y = 500 ⇔ y = 50 – 0.2x ⇒ pontos extremos (0; 50) e (250, 0).
120
Y
100
py = 5€/u.
80
60
py = 10€/u.
40
20
0
0 50 100 150 200 250 X
300
51
Pela comparação das Fig.2.6, Fig.2.7 e Fig.2.8, vemos que uma alteração do rendimento é
equivalente a uma alteração proporcional e de sinal contrário de ambos os preços. Por
exemplo, o aumento do rendimento em 1% é equivalente à descida de ambos os preços em
1%. Isto traduz, e veremos com mais pormenor em ponto posterior, que uma alteração da RO
pode ser decomposta numa alteração dos preços relativos (a rotação da RO) e numa alteração
do rendimento (o deslocamento da RO).
Em termos gráficos, vamos reunir um exemplo de uma restrição orçamental com uma curva
de indiferença de nível de utilidade U1 (Fig.2.9). No caso representado, devido ao princípio da
insaciabilidade, qualquer cabaz à direita da CI e abaixo da RO é ainda possível de adquirir e
existem nessa área cabaz melhores que os que se localizam em U1, (os contidos na zona azul).
Então, o cabaz óptimo obriga a considerar outra CI mais à direita e acima, por exemplo a CI
de nível de utilidade U2 > U1. No entanto, ainda é possível a aquisição de cabazes melhores
que os da curva U2 (a zona vermelha da Fig.2.10).
52
Fig.2.10 – Escolha do consumidor (2)
Na melhor das hipóteses, o consumidor pode escolher um cabaz sobre a CI cujo nível de
utilidade é U3 > U2 > U1 (ver Fig.2.11). Neste caso limite, a CI é tangente à RO e o cabaz
óptimo encontra-se exactamente no ponto de tangencia. Em termos matemáticos, no cabaz
óptimo teremos que a taxa marginal de substituição (a inclinação da Curva de Indiferença) é
igual ao custo de oportunidade (a inclinação da Recta Orçamental): –U’x/U’y = –px/py.
Ex2.8: Sendo que um indivíduo tem de rendimento disponível 500€/mês que gasta em dois
bens, (x, y), cujos preços unitários são 2€/u. e 5€/u. respectivamente, e os seus gostos se
podem condensam-se na função de utilidade U(x,y) = x.y. i) Determine o cabaz óptimo. ii)
verifique que o cabaz óptimo não se altera se a utilidade se condensar em V(x,y) = x4.y4.
53
R: A inclinação da RO é –2/5 = –0.4. i) A TMSxy genérica é – U’x / U’y = –y/x. Então no
cabaz óptimo (y/x = 0.4 e 2x + 5y = 500) ⇒ (y = 0.4x e 2x + 2x = 500) ⇒ (x, y) = (125, 50);
ii) A TMSxy mantém-se, – U’x / U’y = – (3x2.y3)/(3x3.y3) = –y3/x3 = –y/x, pelo que o cabaz
óptimo também se mantém.
Esta condição também garante que, apesar de a função de utilidade ser diferente de
consumidor para consumidor, é possível que todos os consumidores igualem o mesmo preço
de mercado à sua utilidade marginal. Apesar da função de utilidade ser diferente de pessoa
para pessoa, utilidade marginal será igual para todos (a menos de um factor de escala).
Ex2.9: Um determinado aluno tem 600 € /mês de rendimento que pode gastar em alimentação
(5€/u.), vestuário (10€/u) e habitação (100€/u.). Sendo que as seus gostos se podem condensar
na função de utilidade U(a, v, h) = a.v.h, determine o cabaz óptimo do aluno.
R: (a, v, h) = (40, 20, 2). Como temos três bens, temos que ter um sistema com três equações:
10v = 5a a = 2v − a = 40
v.h a.h a.h a.v
= ; = ; − ⇔ 100h = 10v ⇔ h = 0.1v ⇔ − ⇔ h = 2
5 10 10 100 − − 10v + 10v + 10v = 600 v = 20
54
{( x, y) : V = MaxU ( x, y), sa x. p x + y. p y = r}
Este modelo de extremos com uma equação de ligação pode ser tratado genericamente
utilizando a equação Lagrangeana (tema tratado aprofundadamente em Matemática I).
Lx = 0 U x + λ . px = 0 U x U y
=
L = U ( x, y ) + λ .( x. px + y. p y − r ) ⇒ Ly = 0 ⇒ U y + λ . p y = 0 ⇒ px py
Lλ = 0 x. px + y. p y = r x. px + y. p y = r
A lagrangeana, por ser um método geral, permite introduzir várias restrições (com um
multiplicadores por restrição), contrariamente ao uso da igualdade de Jevon que apenas é
complementada pela restrição orçamental.
{x : V = MaxU ( x, r / p y − x. p x / p y )}
Ex2.10: Um indivíduo tem 1000 €/mês de rendimento que pode gastar em alimentação (5€/u.)
ou habitação (10€/u.) e os seus gostos condensam-se na função U(a, h) = a + 2h + a.h.
Determine i) o seu cabaz óptimo; e ii) a elasticidade preço da procura de alimentos e a
elasticidade preço-cruzado da procura de habitação.
[ ]
⇒ V = Max[(200 − 2h) + 2h + (200 − 2h).h ] ⇒ V = Max 200 + 200h − 2h 2 ⇒ 200 − 4h = 0
⇒ h = 50 e a = 100 .
ii) Vou aumentar o preço de a em 1%: {( a, h) : V = Max[a + 2h + a.h], sa 5.05a + 10h = 1000}
[
⇒ V = Max[(198.02 − 1.98h) + 2h + (198.02 − 1.98h).h] ⇔ V = Max 198.02 + 198.04h − 1.98h 2 ]
⇒ 198.04 − 3.96h ⇔ h = 50.005 e a = 99
99 − 100 50.005 − 50
ea pa = / 1% = −1.005; eh pa = / 1% = 0.010 .
99.5 50.0025
55
{( x, y) : V = Max[a + 2h + a.h], sa pa .a + 10h = 1000}
1 + h 2 + a 505
= pa .a = 10 + 10h − 2 pa − a = −1
pa 10 ⇔ ⇔ ⇔ pa
p .a + 10h = 1000 pa .a + 10h = 1000 10 + 10h − 2 pa + 10h = 1000 h = 49.5 + 0.1 p
a a
da pa 505 pa dh pa 0 .1 0 .1
ea pa = . =− 2 = −1; ehpa = . = = = 0.01
dpa a pa 505 / pa dpa h 49.5 / pa + 0.1 9.9 + 0.1
Efeito de uma alteração do preço: Quando se altera o preço de um bem ou serviço, resulta
uma alteração em sentido contrário na quantidade consumida do bem ou serviço respectivo
mas também é possível que ocorra uma alteração na quantidade consumida dos outros bens.
Do aumento do preço resulta sempre numa diminuição da quantidade consumida do bem
correspondente. Na Fig.2.12 representa-se uma diminuição do preço do bem 1.
56
Na Fig.2.12, quando o preço do bem 1 é px1, o cabaz óptimo a adquirir é o representado pelo
ponto A. Quando ocorre uma diminuição do preço do bem 1, a recta orçamental roda para a
esquerda (no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio) pelo que o indivíduo pode passar
para uma curva de indiferença mais à direita (melhor) da inicial. Desta forma passa a adquirir
o cabaz representado pelo ponto B que tem maior quantidade do bem 1 (e do bem 2).
Podemos ver o que acontece com o aumento do preço revertendo a análise (passar de px2 para
px1).
Apesar de parecer que é suficiente termos uma TMS decrescente para que os bens sejam
substitutos, tal não é verdade. Por exemplo, no caso da função de utilidade isoelástica,
u = xy , a TMS = − y / x vai diminuindo em grandeza mas veremos que os bens x e y são
sobre a determinação das curvas de procura, o aluno irá compreender melhor como se obtêm
esta duas funções de procura.
57
Fig.2.13 – Efeito de um aumento do rendimento
Bens inferiores e bens normais (de primeira necessidade e de luxo): Se, quando o
rendimento aumenta, a quantidade consumida aumentar, temos um bem ou serviço normal.
De entre os bens normais, se a quantidade adquirida aumentar pouco (se a elasticidade da
quantidade relativamente ao rendimento for menor que 1), temos um bem ou serviço de
primeira necessidade; se a quantidade adquirida aumentar muito (se a elasticidade da
quantidade relativamente ao rendimento for maior que 1), temos um bem ou serviço de luxo.
Se, pelo contrário, a quantidade consumida diminuir, temos um bem inferior. Um exemplo
de bem ou serviço inferior é a estadia em parques de campismo (em relação com a estadia em
hotéis).
Para um gestor de um produto interessa saber que tipo de bem coloca no mercado pois, por
exemplo, se o seu produto for de primeira necessidade, as suas vendas vão evoluir de forma
menos positiva que a economia no geral, passando-se o contrário em períodos de crise.
Efeito substituição e efeito rendimento: Quando se verifica uma alteração de um preço, por
um lado, a recta orçamental roda e, por outro lado, desloca-se. O efeito substituição (também
se pode considera como o efeito da alteração dos preços relativos) quantifica a alteração do
cabaz que resulta da rotação da recta orçamental mas compensado o rendimento de forma
que o indivíduo fica sobre a mesma curva de indiferença. O efeito rendimento (também se
pode considerar como o efeito da alteração do rendimento real, rever p. 52) quantifica a
alteração do cabaz que resulta do deslocamento da recta orçamental (depois de introduzido o
efeito substituição) e traduz passar-se de uma curva de indiferença para outra. Estes conceitos
58
são importantes porque estão por detrás do cálculo da taxa de inflação (i.e., na escolha dos
ponderadores utilizados no cálculo do índice de preço) e no cálculo do rendimento real (i.e., a
preços constantes) dos consumidores. Esta decomposição, apesar de se dever ao trabalho de
Hicks e Allen* e ser ligeiramente diferente do considerado no trabalho original de Slutsky**,
por ser este último ser o trabalho pioneiro, é normal denominar esta divisão do efeito da
alteração dos preços como decomposição de Slutsky.
Na Fig.2.14, inicialmente estamos na recta orçamental (e na CI) azul de que resulta o cabaz
óptimo representado pelo ponto A = (a1, a2). Posteriormente, acontece um aumento do preço
do bem 1 para o dobro, passando o cabaz óptimo a ser o representado pelo ponto B. Indo para
a Fig.2.15, vemos que o efeito substituição se traduz pela alteração do cabaz do ponto A para
o ponto A’ = (a1+ ESx, a2 + ESy) em que os preços são os novos mas o rendimento do
indivíduo é compensado de forma a manter o mesmo nível de utilidade (RO cor de laranja). O
efeito rendimento traduz-se pela passagem do cabaz do ponto A’ para o cabaz do ponto B =
(a1+ ESx + ERx, a2 + ESy + ERy) e mede quanto o indivíduo piora pela não compensação do
rendimento.
*
Hicks, J. e Allen (1934), “A reconsideration of the theory of Value”, Economica, 1, pp. 54-76 e 196-219
**
Slutsky, Yevgeni (1915), “Sulla teoria del bilancio del consumatore”. Giornale degli Economisti, 51: 1–26.
59
Fig.2.15 – Efeito substituição e efeito rendimento (2)
Reparar que o aumento do preço de um bem ou serviço tem como efeito substituição a
diminuição da quantidade procurada do bem cujo preço aumenta (na Fig.2.15, ESx < 0) e o
aumento da quantidade procurada de todos os outros bens ou serviços, (na Fig.2.15, ESy > 0)
e vice-versa.
dx ∂x ∂x
= dp + dR
dp ∂p U * dR p*
60
Também podíamos decompor o efeito total determinando primeiro o efeito rendimento
(mantendo os preços iniciais e deslocando a RO para a nova CI) e depois determinando o
efeito substituição (rodando a RO sempre tangente à nova CI). Os resultados não são
necessariamente iguais mas serão idênticos (Fig. 2.15, As–A ≈ B–Ar e Ar–A ≈ B–As).
Apesar de não haver uma alteração do rendimento (nominal), existe “efeito rendimento”
porque, em termos económicos, um aumento dos preços (e.g., para o dobro) é equivalente a
uma diminuição do rendimento (para metade), ver p. 52.
Os preços evoluem ao longo do tempo e, no fim de cada período (e.g., cada ano), nas
negociações salariais o trabalhador procura retornar, em termos de utilidade, pelo menos à
situação de partida, i.e., voltar do ponto B para o ponto A’. Sendo que nessa negociação é tido
em conta a evolução dos preços (i.e., a taxa de inflação), então, a compensação do rendimento
necessária para voltar à situação inicial, em termos percentuais, será a exacta medida dessa
taxa de inflação.
1 + y 2 + x x = 50
= 10(1 + y ) = 5(2 + x) 2 y = x
R: 5 10 ⇔ ⇔ ⇔ y = 25
5 x + 10 y = 500 − 10 y + 10 y = 500 U = 1350
Vou determinar o cabaz que, com os novos preços, mantém o nível de utilidade U = 1350:
1 + y 2 + x
10 = 10 10(1 + y ) = 10(2 + x) y = x +1
x + 2 y + x. y = 1350 ⇔ − ⇔ x + 2 x + 2 + x 2 + x = 1350 ⇔
10 x + 10 y = R − −
x 2 + 4 x − 1348 = 0 x = 34,77u.
− ⇒ y = 35,77u.
_ R = 705,40€
61
O efeito rendimento é a diferença para o novo cabaz óptimo:
U 'x U ' y 1 + y 2 + x
P = P = 10(1 + y ) = 10(2 + x) y = x +1
x y ⇔ 10 10 ⇔ ⇔
P .x + P . y = R 10 x + 10 y = 500 − 20 y + 10 = 500
x y
⇔ x = 24.5; y = 25.5
O efeito rendimento em x é 24.5 – 34.77 = –10.27u. e em y é 25.5–35.77 = – 10.17u.
ii) Para manter o nível de utilidade seria necessário (para adquirir x =34.77u. e y = 35.77u.),
aumentar o rendimento para 705.40€, logo, a inflação foi de 705.40/500–1 = 41.1%.
necessária para voltar a adquirir, aos novos preços (px,1; py,1), o cabaz de bens adquirido
inicialmente, i.e., o cabaz A = (x0; y0),:
I L = ( p x ,1 x0 + p y ,1 y0 )/ ( p x ,0 x0 + p y , 0 y0 ) .
Fica claro na figura que, se o rendimento for actualizado com a medida da taxa de inflação de
Laspeyres, quando a inflação é positiva, o consumidor fica numa situação melhor que a do
início do período (pois, com a RO cor de laranja, pode atingir uma curva de indiferença
superior à inicial).
62
Fig.2.17 – Compensação do rendimento com o índice de Laspeyres
adquirir, aos preços antigos (px,0; py,0), o cabaz de bens adquirido actualmente, i.e., o cabaz B
= (x1; y1):
I L = ( p x ,1 x1 + p y ,1 y1 )/ ( p x ,0 x1 + p y , 0 y1 ).
Com inflação positiva, como a situação no fim do período (cabaz B), é pior que a prevista
pela RO cor de laranja (pois esta permitiria adquirir um cabaz melhor que B), se o rendimento
for actualizado com a medida da taxa de inflação de Paasche, o consumidor fica numa
situação pior (pois, com a RO cor de laranja, poderia atingir uma curva de indiferença
superior à actual: quantifica-se na Fig.2.18 a perda de rendimento a verde).
As diferenças entre os índices dão uma medida do erro da estimativa da inflação. Para
alterações pequenas dos preços relativos, as diferenças entre os índices são pouco expressivas.
63
Fig.2.18 – Compensação do rendimento com o índice de Paasche
Apenas consideramos uma alteração dos preços (entre dois períodos). Se considerarmos mais
períodos (ver, tab. 2.3), o índice de Paasche vai ser calculado com um “cabaz variável” (o de
cada período), enquanto que o índice de Laspeyres vai ser calculado com um “cabaz fixo” (o
do período base).
64
Por ser mais fácil de construir e favorecer os consumidores, o índice de preços ao consumidor
usa o método de Laspeyres, actualizado o cabaz a intervalos de tempo espaçados. Em
Portugal, o Índice de preços no Consumidor é um índice de Laspeyres calculado com base em
2002 usando os seguintes ponderadores das classes de consumo (dados: INE, IPC - base 2002
- Nota Metodológica, 2003):
Classe Ponderação
Alimentação e bebidas não alcoólicas 20,081%
Bebidas alcoólicas e tabaco 3,017%
Vestuário e calçado 6,965%
Habitação, água, gás e outros combustíveis 10,029%
Acessórios para o lar, equipamento doméstico e manutenção corrente da habitação 8,055%
Saúde 5,642%
Transportes 19,130%
Comunicações 3,439%
Lazer, recreação e cultura 5,009%
Educação 1,502%
Restaurantes e hotéis 10,790%
Bens e serviços diversos 6,341%
Tab. 2.4 – Ponderadores do IPC - Portugal, 2002 como ano base (dados: www.ine.pt)
Vamos obter as funções de procura walrassiana (cujas variáveis são os preços dos bens e o
rendimento) resolvendo o problema de maximização da utilidade considerando o preço do
bem x como variável e o preço do bem y e o rendimento disponível como parâmetros
65
(variáveis exógenas). Já mostrei (ver p. 54) que, sendo o indivíduo optimizador, então resolve,
para preços e rendimento genéricos, o sistema e equações:
U x U y
=
x( p x , p y , r ), y ( p x , p y , r ) : p x py
x. p + y. p = r
x y
Ex2.12: Sendo que um indivíduo tem de rendimento disponível 500€ que gasta em dois bens,
A = (x, y), cujos preços unitários são px e 2€/u., respectivamente, e os seus gostos se
condensam na função de utilidade U(x,y) = x.y, determine a curva de procura individual x(px).
y x
= 2 y = x. px 250
R: A curva de procura será p x 2 ⇔ ⇔x= que é
x. p + 2 y = 500 x. p x + x. px = 500 px
x
Ex2.13: Um indivíduo tem de rendimento R que gasta no cabaz, A = (x, y), cujo preço unitário
é P = (px, py), e os seus gostos condensam-se na função de utilidade U(x, y) = x2.y. Classifique
os bens que fazem parte do cabaz.
p R
U 'x U ' y 2 x. y x 2 y = x. x y=
= = 2 x. y. p y = x px
2
2 py 3 py
px p y ⇔ px py ⇔ ⇔ ⇔
RO x. p + y. p = R x. px + y. p y = R x. px + x. px . p y = R x = 2R
x y
2 py 3 px
R 1 3p R 2 3p
err , y = y 'R . = .R. y = 1; er , x = x'R . = .R. y = 1; e py , x = 0; e px , y = 0
y 3 py R y 3 py 2R
66
Função de utilidade indirecta: O cabaz que o indivíduo vai adquirir está dependente do seu
rendimento (e dos preços). Então, matematicamente, eu posso calcular a função de utilidade
indirecta como o nível de utilidade que o indivíduo atinge para cada rendimento (sob a
suposição de que escolhe o cabaz óptimo). Esta função é crescente com o rendimento (o que
resulta da insaciabilidade).
Função despesa: Esta função retorna a despesa mínima para atingir um determinado nível de
utilidade. Assim, é a inversa da função de utilidade inversa: R(u). Não tem grande
importância. Em termos algébricos, determino as funções procura (com o nível de utilidade
como variável) e substituo na função despesa (i.e., na restrição orçamental).
Ex2.14: Sendo que um indivíduo tem de rendimento disponível r que gasta em dois bens, A =
(x, y), cujos preços unitários são px. e py, respectivamente, e os seus gostos se podem
condensam-se na função de utilidade U(x,y) = x.(1 + y).
i) Determine a curva de procura individual x(px) e y(py). ii) determine a elasticidade preço da
procura, a elasticidade preço cruzado da procura e a elasticidade rendimento da procura do
bem x quando r = 1000€/mês, px = 10€/u. e py = 10€/u.; iii) determine a função de utilidade
indirecta. iv) determine a função despesa.
R: i) Como temos 2 bens, temos que resolver um sistema com duas equações:
67
1 + y x
p = p (1 + y ). p y = x. p x r − py r − py
x y ⇔ ⇔ y( p y ) = ; x( p x ) = 1 +
x. p + y. p = r (1 + y ). p y + y. p y = r 2 py 2 px
x y
px r − py 2 px r − py 990
ii) ex( p x ) = x' ( px ) =− px =− =− < 0.
x 2 px
2
2 px + r − p y 2 px + r − p y 1010
py 1 2 px py 10
ex( p y ) = x' ( p y ) =− py =− =− < 0 (complementares).
x 2 px 2 Px + r − p y 2 Px + r − p y 1010
r 1 2 px r 1000
ex(r ) = x' (r ) = r = = que é >0 e <1 (primeira
x 2 px 2 px + r − p y 2 px + r − p y 1010
necessidade).
r − p y r − p y (2 Px + r − p y )(r + p y )
iii) V (r ) = x.(1 + y ) = 1 + 1 + =
2 p x 2 p y 4 px . p y
1 + y x
p = p u ⋅ p y / p x = x 2 . x(u ) = (u ⋅ p y / px )
0.5
u / x. p y = x. px
x y ⇔ ⇔ ⇔
iv) 1+ y = u / x y = u / x − 1 y (u ) = (u ⋅ px / p y ) − 1
0.5
x.(1 + y ) = u
R(u ) = x(u ) Px + y (u ) Py = (u ⋅ p y / px ) 0.5 Px + (u ⋅ px / p y )0.5 Py − Py
Sendo que U é uma função, então nesta expressão px deixa de ser um valor para ser a função
de procura explicitada em ordem ao preço (função de procura inversa). Se, e.g., a função de
procura fosse dada por x(p) = A + B.p, a função inversa viria dada em por p(x) = (x – A)/B e
teríamos U’x = (x – A)/B. Como existe esta relação entre o preço e a derivada da função de
utilidade, podemos algebricamente calcular o ganho de bem-estar invertendo a operação de
derivação:
∂U x
= k . px ⇔ ∂U = k . px .∂x ⇒ U ( x ) = U (0) + k .∫ p x .∂x
∂x 0
68
A partir da observação do mercado, não conseguimos estimar U(0) nem k. No entanto, como a
função de utilidade é ordinal, podemos construir uma função utilidade equivalente à que
termos gráficos, esta função, que é a utilidade em unidade monetárias, corresponde à área
abaixo da curva de procura.
Se à utilidade que o agente económico obtém pela aquisição dos bens ou serviços
descontarmos a despesa que incorre (área a amarelo da Fig.2.19), então obtemos o aumento
líquido de utilidade que se denomina por Excedente do Consumidor. É uma medida de
quando o indivíduo aumenta o seu bem-estar por poder comprar a quantidade x do bem ou
serviço ao preço p e vem dada em unidades monetárias (i.e., euros). Em termos gráficos, o
excedente do consumidor vem dado pela área que fica abaixo da curva de procura e acima do
preço de transacção (ver, Fig.2.19).
0 .2 2
= 20Q − .Q − p.q = 1000 − 250 − 500 = 250€
2
69
Se, relativamente ao equilíbrio, o preço de transacção aumentar, então o excedente do
consumidor diminui (ver, Fig.2.19). Se diminuir, inicialmente o excedente aumenta mas
depois diminui (não haverá quem queira vender).
2.4. Aplicações
Uma economia para progredir tem que criar incentivos para que os agentes económicos
revelem as suas capacidades, arrisquem novas soluções e criem novos bens ou serviços de
maior valor. Estes incentivos têm como efeito acessório o surgir de assimetrias no
rendimento: o motor do progresso tem a exclusão como dano colateral.
Não se pode pôr em causa o benefício que resulta da existência de liberdade económica (i.e., o
modelo capitalista) porque tem esta falha. Até porque o modelo económico alternativo (a
economia planificada) não funciona. Devemos antes imaginar mecanismos que, dentro da
economia de mercado, ultrapassem as suas (relativamente pequenas) falhas.
Por exemplo, vamos supor que existem dois polícias em que um deles corre muito mais
rápido que o outro (mas o “chefe” não sabe qual). Numa economia igualitária, como ambos
ganham o mesmo salário, então o que corre mais rápido vai esconder essa capacidade (para
não se cansar tanto). Numa economia de mercado, como será dado um salário maior ao
polícia que capturar mais fugitivos, então o que corre mais vai revelar a sua capacidade
(correndo a toda a velocidade atrás deles).
Sendo que a falta de recursos é a principal causa de exclusão, as políticas dos governos de
combate à exclusão passam pela atribuição de subsídios (em dinheiro ou em espécie). Em
Portugal no ano de 2009, a principal política de combate à exclusão social é o Rendimento
Social de Inserção que é atribuído a cerca de 3.5% da população e consiste num subsídio em
70
dinheiro até 187.18€/mês para os adultos e metade para as crianças. A atribuição de
subsídios em espécie traduzem-se na oferta de bens ou serviços de primeira necessidade
(alimentação, habitação, assistência médica, cabeleireiro, etc.), mas, pelas razões que vamos
explicar usando a Teoria do Consumidor, apenas se justifica a pessoas com uma
desarticulação social de especial gravidade (e.g., toxicodependentes, sem abrigo, dementes,
crianças e idosos abandonados). Acrescenta-se que, em Portugal, o Serviço Nacional de
Saúde e o Sistema Público de Ensino têm cobertura universal e são praticamente gratuitos
(e.g., uma consulta médica obriga ao pagamento de 2.20€).
Ex2.15: Uma família, formada por dois adultos e três crianças, tem como único rendimento
um salário líquido de 400€/mês que gasta em vestuário e alimentação cujos preços são 5€/u. e
2.5€/u., respectivamente. Os gostos e preferências da família podem ser condensados na
função de utilidade U(v, a) = a2.v0.5. Se lhes for atribuído 300€/mês de RSI, calcule em quanto
aumentará o consumo da família.
71
R: Vamos introduzir no sistema de equações o subsídio em dinheiro como o parâmetro s:
Subsídio em espécie: Neste caso, também vai existir um deslocamento da recta orçamental
para a direita mas não se desloca a totalidade da recta (supondo que o indivíduo não vende os
bens que recebe). Na Fig.2.21 podemos ver que o deslocamento da recta orçamental induzido
pela oferta da quantidade s do bem 1 causa uma quebra na RO. No exemplo apresentado da
Fig.2.21, a atribuição do subsídio em espécie é equivalente à atribuição do subsídio em
dinheiro (pois a CI atingida é a mesma).
72
Fig.2.22 – Efeito da atribuição de um subsídio em espécie (2)
Ex2.16: Uma família, formada por dois adultos e três crianças, tem como único rendimento
um salário líquido de 400€/mês que gastam em vinho e alimentação cujos preços são 5€/u. e
2.5€/u., respectivamente. Os gostos e preferências da família podem ser condensados na
função de utilidade U(v, a) = a.v10. Se lhes for atribuído um subsídio de 120u. de alimentação
(cujo valor pecuniário é 300€/mês), calcule em quanto aumentará o consumo da família.
Como a solução algébrica não verifica a condição a = s, o cabaz consumido será a = 120u.
(aumenta 102.38u.) e v = 400/5 = 80u. (aumenta 3.81u.). Se o subsídio fosse em dinheiro, a
maior parte iria para vinho (aumentava 57.14u.).
73
Desconto no preço: Será uma situação intermédia entre a atribuição de um subsídio em
dinheiro e um subsídio em espécie, havendo um reforço maior do bem cujo preço tem um
desconto. Em termos gráficos, vai induzir uma rotação da recta orçamental no sentido da
expansão das possibilidades de consumo.
Ex2.17: Supondo a mesma família formada por dois adultos e três crianças, tem como
rendimento um salário líquido de 400€/mês que gastam em vinho e alimentação cujos preços
são 5€/u. e 2.5€/u., respectivamente. Os gostos e preferências da família podem ser
condensados na função de utilidade U(v, a) = a.v10. Se lhes for atribuído um desconto no
preço da alimentação de 2.35€ calcule o aumento do consumo da família e o rendimento
equivalente.
Notar que, como se pretendia, a quantidade adquirida de alimentação aumentou sem aumentar
a quantidade adquirida de vinho. Assim, a atribuição de um desconto no preço também é
eficaz na condução do consumo na direcção pretendida (mas não aplicável, por exemplo, aos
dementes ou às crianças abandonadas).
74
A atribuição de um desconto no preço (do bem que se quer ver o consumo aumentado) tem a
vantagem de poder ser auxiliado pela imposição de um imposto no preço (do bem que se quer
ver o consumo diminuído) e assim tornar nula a despesa pública da política de alteração do
padrão de consumo. Exemplo desta combinação de políticas é a tributação dos combustíveis e
a atribuição de subsídios aos transportes públicos colectivos.
Para as famílias, o aumento do consumo tem um efeito positivo no seu nível de bem-estar
enquanto que o aumento das horas de trabalho tem um efeito negativo no bem-estar.
75
Considerando que i) podemos agregar todos os bens e serviços numa mercadoria compósita,
X, cujo preço unitário é 1 (é o numerário), ii) que o indivíduo nasce com uma quantidade de
tempo disponível, L0, que pode consumir como lazer, L, ou vender como trabalho, T = L0 – L,
cujo preço unitário é w (o salário real unitário por fazer o preço do bem igual a 1), então
podemos facilmente aplicar a Teoria do Consumidor na determinação da função de oferta de
trabalho do indivíduo.
Precisamos formalizar a função de utilidade para podermos determinar uma forma funcional
para L(w) e, consequentemente, uma curva de oferta de trabalho, T(w) = L0 – L(w)
A recta orçamental vem dada por X = (L0 – L).w (é gasto todo o salário na aquisição do bem X
ao preço unitário) e tem a forma explícita L = L0 – X/w (a RO intersecta o eixo do lazer em L0
e o eixo dos bens e serviços em L0.w (ver Fig.2.25).
Ex2.18: Supondo L0 = 100 horas/semana e que os gostos e preferências da família podem ser
condensados na função de utilidade U(X, L) = 2L + X.L. Determine a função oferta de
trabalho da família.
U ' x U ' L L 2 + X
= = X = Lw − 2 L = 50 + 1 / w
x
P P ⇔ 1 w ⇔ ⇔
Lw − 2 = (100 − L) w X = 50w − 1 .
L
R: X = (100 − L) w
X = (100 − L) w
⇒ T ( w) = L0 − L = 50 − 1 / w
76
É importante notar que uma alteração do salário unitário não altera o ponto de intersecção da
RO com o eixo do lazer porque esse ponto vale sempre L0. Assim, um aumento do salário é
equivalente a uma diminuição do preço dos bens e serviços e vice-versa pelo que não tem
como efeito, obrigatoriamente, um aumento da quantidade oferecida de trabalho (ver Fig.2.26
onde se representa uma situação em que o aumento do salário unitário induz uma diminuição
da quantidade oferecida de trabalho).
A evidência empírica é no sentido de corroborar que, nos países onde o salário unitário é
relativamente elevado, a curva de oferta de trabalho é decrescente (ver Fig.2.27, dados da
curva de oferta individual de trabalho dos USA retirados de Burda and Wyplosz, 2005, tabela
4.1, p. 76, transformados assumindo que cada ano tem 52 semanas, T em horas por semana e
w é um índice do salário real normalizado a w1870 = 1).
A teoria macroeconomica (e.g., Barro) distingue uma alteração do salário temporário (i.e., na
semana do carnaval, os salários do Rio de Janeiro aumentam) em que prevalece o efeito
substituição (haverá um aumento da quantidade oferecida de trabalho – diminuição do lazer)
de um aumento definitivo em que prevalece o efeito riqueza (haverá uma diminuição da
quantidade oferecida de trabalho – aumento do lazer).
77
8
w
2000
7
6
5
4
3
2
1870
1
0
30 35 40 45 50 55 T60
Último período: Assumindo que o indivíduo i) vive o seu último período, ii) no início do
qual recebe o activo S, iii) e durante o qual obtém o rendimento r0. O princípio da
insaciabilidade garante que o indivíduo gastará S + r0 na aquisição do bem ou serviço
compósito X0 ao preço p0. O índice zero traduz que já não lhe resta mais nenhum período de
vida (o índice diminuir é standard na Economia Dinâmica , Stokey, Lucas e Prescott, 1989)*.
X 0 = ( S + r0 ). p0
*
Stokey, NL, RE Lucas e EC Prescott (1989), Recursive Methods in Economic Dynamics, Harvard University
Press
78
Penúltimo período: Vamos agora assumir que o indivíduo i) vive o seu penúltimo período,
ii) no início do qual recebe a riqueza h1 (que também poderíamos denominas por S1), iii) e
durante o qual obtém o rendimento r1. O indivíduo tem como rendimento h1 + r1 podendo
gastar parte na aquisição de bens ou serviços (X1 ao preço p1) e poupar a parte S que transitará
para o período futuro (mais o juro). Sendo que condensamos os gostos e preferências do
indivíduo na função de utilidade U(x1, x2) = u(x1) +u(x0) e que a poupança é remunerada à
taxa de juro R por período, então a recta orçamental será x1.p1 + x0.p0 = h1 + r1 + S.R + r0 onde
S = (h1 + r1 – x1.p1) quantifica a poupança do período presente.
Apesar de o modelo incorporar o que se vai passar no período futuro (o período de índice
zero), a decisão quanto ao consumo e à poupança é tomada no período presente (o período de
índice um). Esta questão é importante se pensarmos que o rendimento e o preço do último
período são previsões (o modelo é aplicável no estudo da informação imperfeita: com
incerteza e expectativas).
Quando há um aumento da taxa de juro (de Ra para Rb, ver Fig.2.28), A RO roda em torno do
ponto (r0/p0, r1/p1) no sentido do bem futuro (porque o seu preço “diminui”, p0/(1 + R), e
desloca-se para baixo porque o “rendimento” futuro, r0/(1 + R), também diminui).
79
No caso de o indivíduo apenas ter rendimento no período presente (porque no futuro está
reformado), a alteração da RO apenas sofre o efeito da “diminuição” do preço futuro. No caso
de o indivíduo apenas ter rendimento no período futuro (crianças que andam a estudar), a
alteração da RO sofre o efeito do “aumento” do preço presente. Apesar de na realidade não
haver alterações dos preços ou dos rendimentos, a taxa de juro faz diminuir o consumo (no
período presente) e, consequentemente, aumentar a poupança e o consumo planeado para o
período futuro (ver Fig.2.29). Notar estar neste modelo a fundamentação teórica para, nos
modelos macroeconómicos, ser a taxa de juro que equilibra o mercado de bens e serviços. Por
outro lado, este modelo justifica os Bancos Centrais aumentarem a taxa de desconto quando
há pressões inflacionistas: Sendo que se pretende manter um nível de preços estáveis e, no
presente, há um excesso de consumo que pressiona uma subida de preços (i.e., inflação), a
forma de diminuir o consumo (e controlar a inflação) é através de uma subida da taxa de juro
(neste caso, inicialmente o indivíduo pretendia endividar-se mas o aumento da taxa de juro
faz com que equilibre o orçamento: o cabaz caminha no sentido do ponto de rotação).
Ex2.19: Supondo indivíduo cujo um rendimento é de r = 100€/mês, que vive este e mais
outro mês, que consome um bem ou serviço compósito X cujo preço é 5€/u., que os gostos e
preferências podem ser condensados na função de utilidade U(x1, x0) = √x1+√x0. Determine a
função de poupança.
80
0.5 / x1 0.5 / x0
= x0 = (1 + R) 2 x1 x0 = 20(1 + R)
5 5 /(1 + R ) 100 R
R:; ⇔ 2+ R ⇔ 20 ⇒ s ( R) =
5 100 x1 (2 + R) = 20 x1 = 1 + R 1+ R
5 x1 + x0 . = 100 + 1 + R
1+ R 1+ R
O modelo pode ser estendido a vários períodos, começando a análise sempre no último.
2.4.4. Risco.
O risco surge de o indivíduo não ter conhecimento perfeito do que vai acontecer no período
futuro. Assim, os modelos que o incorporam traduzem a relaxação de que existe
conhecimento público e perfeito. Existem autores quem distinguem o risco da incerteza mas,
aqui, não tem relevância.
Vamos considerar um modelo de uma lotaria simples. No entanto, este modelo é de aplicação
mais genérica.
Lotaria: O indivíduo pretende escolher entre a quantia r certa (sem risco) e uma lotaria P da
qual pode ganhar o valor P0 com a probabilidade q ou P1 com a probabilidade (1 – q)*. A
decisão vai ser em termos de valor esperado. Sendo V(r) o nível máximo de utilidade que o
indivíduo atinge com o rendimento r, V (r ) = Max U ( x, y ), sa x. px + y. p y = r , o indivíduo vai
comparar V(r) com a utilidade esperada da lotaria e escolher a opção a que corresponder
maior valor: {se V (r ) < V ( P0 ).q + V ( P1 ).(1 − q ) ⇒ Lotaria; senão ⇒ r}
*
P tem distribuição binomial com valor médio P0q+P1(1–q) e variância (P1–P0)2q(1–q).
81
se arranjar um novo emprego cujo salário é 1000€/mês mas pode não o arranjar e ficar
reduzido a ganhar apenas 400€/mês. Será de se despedir?
Segundo, comparamos o certo com o valor esperado: {V (600) ?? 0.4V (1000) + 0.6V (400)}
{ }
⇔ 0.020.5 × 600 ?? 0.4 × 0.020.5 × 1000 + 0.60 × 0.020.5 × 400 ⇒ {84.85 < 90.51}
Aversão / neutralidade / atracção pelo risco: Vamos supor a situação em que o rendimento
fixo (sem risco) é igual ao rendimento esperado (médio) da lotaria (com risco). Neste caso, se
o indivíduo preferir o rendimento fixo, é avesso ao risco (risk averse); se estiver indiferentes,
é neutro ao risco (risk neutral), se preferir a lotaria, é atraído pelo risco (risk lover).
No Ex2.20, o indivíduo é neutro ao risco: se a lotaria fosse ganhar 900€/mês com 40% de
probabilidade ou 600€/mês com 60% de probabilidade, o valor esperado (médio) seria
exactamente o que ganha agora, i.e., 600€/mês e teríamos uma igualdade nas utilidades:
{0.02 0.5
}
× 600 ?? 0.4 × 0.020.5 × 900 + 0.60 × 0.020.5 × 400 ⇒ {84.85 = 84.85}
A evidência empírica mostra que o aumento da escolaridade é o principal factor* que justifica
a tendência secular do crescimento económico per capita. Em termos estáticos, a capacidade
de um indivíduo criar riqueza é crescente com a sua escolaridade e, em termos dinâmicos, os
pais transmitem aos filhos um nível de escolaridade crescente com o seu próprio nível de
escolaridade. Como a escolarização dos filhos implica que os pais diminuam o rendimento
disponível para consumo, para racionalizarmos este comportamento teremos que assumir que
*
Os outros serão o capital per capita e mobilidade dos factores de produção (i.e., o comércio).
82
os pais incorporam na sua função de utilidade o bem-estar futuro dos filhos, i.e., os pais são
altruístas, assumindo a escolarização dos filhos como um investimento.
Vamos assumir, sem perda de generalidade, que i) o rendimento é linearmente crescente com
a escolaridade, R = k.E, e que ii) quem não tem filhos maximiza o bem-estar consumindo os
bens x e y cujos preços são unitários. iii) Sendo a função de utilidade U(x, y) = x.y, teremos
como função utilidade indirecta:
x y
= x = 0.5kE
1 1 ⇔ ⇒ V (k .E ) = 0.25k 2 E 2
x + y = kE y = 0.5kE
Vamos ainda supor que iv) quem tem filhos, gasta parte do rendimento na sua escolarização e
v) inclui na sua utilidade, a utilidade dos filhos. vi) Escolarizar os filhos tem um preço
unitário p. Sendo o nível de escolaridade dos pais E0, para os pais altruístas com n filhos, a
função de utilidade indirecta será, sem perda de generalidade:
Então, os pais altruístas vão determinar o nível de escolaridade dos filhos que maximiza esta
nova medida de bem-estar:
83
pequeno), se o aumento do rendimento com a escolaridade for elevada (k elevado) e se o
preço da escolarização for baixo (p pequeno):
k k
E > E0 sse >1⇔ p <
(1 + n). p 1+ n
Estes resultados estão de acordo com a evidência empírica: em média, os filhos de pais com
baixa escolaridade (e baixo rendimento), também têm baixa escolaridade (e baixo
rendimento) e os filhos de famílias numerosas têm baixa escolaridade. Também poderíamos
incluir no modelo que os pais antecipam que o bem-estar dos filhos vai depender da
escolaridade dos netos para modelizarmos um processo dinâmico de progresso económico.
Ex2.21: Existem dois indivíduos, I1 e I2, que gastam o seu rendimento em alimentação, a, e
em vinho, v. Actualmente, um tem 500€/mês de rendimento e os seus gostos condensam-se na
função de utilidade U(a, v) = 10.a0.3.v0.7 e outro tem 1000€/mês de rendimento e seus gostos
condensam-se na função de utilidade U(a, v) = a0.7.v0.3. Os preços da alimentação e do vinho
são 2€/kg e 5€/l, respectivamente. Supondo que a diminuição do consumo de vinho em 1%
aumenta o rendimento em 0.1%, deverá o governo cobrar um imposto de 1€/l de vinho?
84
Depois, determinamos a nova situação para um rendimento genérico:
Exercício de recapitulação
Ex2.22: Um homem que ganha 600€/mês está a pensar casar-se com uma mulher que ganha
1500€/mês. Agora é ele que decide o que comprar com o seu rendimento mas, depois de casar
será a mulher a gerir o lar. O dinheiro pode ser gasto em habitação (4€/m2/mês), alimentação
(3€/kg) ou diversões (10€/u.). Os gostos do homem condensam-se na função de utilidade
Uh(h, a, d) = 10h0.1a0.3d0.6; e os da mulher na função Um(h, a, d) = 10h0.5a0.3d0.1.
i) Sendo que quando casados, a habitação é desfrutada plenamente por ambos, a alimentação é
dividida por 2 e as diversões por 1.1, e.g., Um(h, a, d) = 10h0.5(a/2)0.3(d/1.1)0.1, devem casar?
85
h 0.1a 0.3d 0.6 3h 0.1a 0.3d 0.6
=
0.1 40h.3 0.6 3a
a = 4 h h = 15m 2
h a d 0.1 0.3 0.6
6h a d
= ⇔ d = 2.4h ⇔ a = 60kg ⇒ u = 448.1
4h 10d 4h + 12h + 24h = 600 d = 36u.
4h + 3a + 10d = 600
86