4 - Eclesiologia - Conceitos de Igreja
4 - Eclesiologia - Conceitos de Igreja
4 - Eclesiologia - Conceitos de Igreja
CONCEITOS DE IGREJA
Neste capítulo iremos estudar a Igreja sob as três grandes figuras com que é
designada tanto no Novo Testamento como no Vaticano II: A Igreja 'Corpo de Cristo',
'Templo do Espírito' e 'Povo de Deus'. Ao final abordaremos a Igreja como lugar de
comunhão e como sociedade.
"Quando se chama à Igreja 'Corpo de Cristo', não se trata simplesmente de uma imagem
ou metáfora. Na realidade, através dos sacramentos e pela esperança da ressurreição, os
cristãos estão unidos a Cristo de uma maneira real embora inexpressável. E a Igreja, na
sua natureza íntima, não é senão uma e mesma coisa com o Corpo de Cristo"30.
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Designa o Corpo de Cristo na cruz, que pela sua morte reconciliou judeus e
pagãos, fez deles um homem novo e, uma vez santificados, apresentou-os a Deus: "E a
vós que também outrora éreis estranhos e inimigos pelos vossos pensamentos e más
obras, reconciliou-vos agora pela morte de Seu Filho, no Seu corpo carnal, para vos
apresentar santos, imaculados e irrepreensíveis perante Ele" (Col 1,21-22)."Ele é a
nossa paz... anulando pela sua carne, a lei, os preceitos e as prescrições, a fim de, em si
mesmo, fazer de dois um só homem novo, estabelecendo a paz, e reconciliando com
Deus, pela cruz, uns e outros num só Corpo, levando em si próprio, a morte à inimizade"
(Ef 2,14-16).
É a unidade formada por todos os membros numa comunidade local, que vivem
em solidariedade entre si, assumindo funções diversas e estabelecendo uma solidariedade
de acções e responsabilidades, tal como num corpo cada um dos membros trabalha para
a unidade de vida e de existência pessoal.
- "Pois, como em um só corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a
mesma função, assim nós, que somos muitos, constituímos um só corpo em Cristo, sendo
individualmente membros uns dos outros" (Rom 12,4-5).
- "Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Iria eu, então, tomar os
membros de Cristo para os fazer membros de uma prostituta?" (1Cor 6,15).
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- "Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque
todos participamos do mesmo pão" (1Cor 10,17).
- "Foi num só Espírito que todos nós fomos baptizados, a fim de formarmos um só corpo"
(1Cor 12,13).
- "Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um na parte que lhe toca" (1Cor 12,27).
À luz de todos estes textos aparece a unidade profunda entre as três formas
de existência do único corpo de Cristo: na cruz, na Eucaristia e na Igreja. Na cruz,
rompe as divisões e supera as distâncias dos homens em relação a Deus e atrai-os todos
para si, identificando-se com o destino de todos e integrando-os em si mesmo para
oferecer-se diante de Deus e ser justificados por Deus na ressurreição. Esse corpo, assim
glorificado, justificado em si mesmo e justificador de muitos é o mesmo que se entrega
na Eucaristia, 'para vida do mundo' (Jo 6,51). E entregue, constitui os homens numa
unidade de vida pessoal, num corpo.
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em Si mesmo e naqueles que se unem a Ele participando do Seu corpo. A unidade entre
Eucaristia e Igreja é manifesta, porque é o mesmo Cristo que actua nas duas. Estes dois
sacramentos constituem, um a nível individual e o outro a nível social, a fundação da
Igreja. Há Igreja ali onde os homens se fundam em Cristo e se expressam em Cristo.
Cristo existe assim, em si mesmo e nos outros, que são o Seu corpo. Ele e eles formam
uma única realidade: a Igreja.
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"Em todos estes temas, Paulo passa continuamente da pessoa de Cristo para o seu corpo;
o corpo representa a pessoa; o corpo não é mais que a pessoa manifestada e tornada
visível, e acessível, e actuante. O corpo ressuscitado manifestou Cristo na Sua glória e
Sua actividade espiritual; a ressurreição devolveu ao corpo o espírito santificante, que
actua sobre os nossos corpos para os santificar e também sobre as nossas pessoas para as
unir a Ele.
A união dos nossos corpos ao corpo de Cristo está concebida de uma maneira realista;
nós somos os membros do corpo de Cristo, ligados a Ele com o realismo, com que se
unem os membros ao corpo. Paulo dirá que um cristão, que se une fisicamente a uma
prostituta, arranca um membro a Cristo (1Cor 6,15)"31.
- "E vós estais repletos d'Ele que é a cabeça de todo o principado e potestade" (Col
2,10).
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- "Não se mantendo unido com a cabeça, pela qual todo o corpo, alimentado e unido
pelas junturas e articulações, se desenvolve com o crescimento dado por Deus" (Col
2,19).
- "Sob os seus pés sujeitou todas as coisas e constituiu-O cabeça de toda a Igreja que é
o Seu corpo e o complemento d'Aquele que preenche tudo em todos" (Ef 1,22-23).
- "O marido é a cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja, Seu corpo, do qual
Ele é o salvador" (Ef 5,23).
Estes textos têm em comum com os anteriores a ideia de que o corpo de Cristo
é Cristo em Seu corpo e que o corpo não é uma parte do homem mas o homem no seu
corpo. Por isso, também a ideia de presença, manifestação e actuação. O corpo é, assim,
o meio e o lugar da integração salvífica dos outros em si ou da extensão de si mesmo até
aos outros. Ao mesmo tempo está a ideia de frontalidade, de diversidade e de não
identificação. A Igreja já não é separável de Cristo mas não é sem mais identificável com
Ele. A relação cabeça corpo estabelece essa relação de diferença, de dependência e
coordenação entre Cristo e a Igreja.
Existe, portanto, uma correlação entre Cristo e a Igreja: Ele é superior a ela e
ela é inferior a Ele. Essa relação não é de domínio mas de vivificação. Aqui aparece
uma outra metáfora: esposo-esposa e Cristo-Igreja (Ef. 5,22-33). Cristo ama, alimenta e
abriga a Igreja como a Sua esposa: "... como Cristo amou a Igreja, e por ela se
entregou, para a santificar, purificando-a, no Baptismo da água pela palavra da vida,
para a apresentar a si mesmo como Igreja gloriosa sem mancha nem ruga, nem qualquer
coisa semelhante, mas santa e imaculada.... ninguém jamais aborreceu a Sua própria
carne; pelo contrário, nutre-a e cuida dela como também Cristo o faz à Sua Igreja, pois
somos membros do Seu corpo".
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" Como cabeça do Corpo, Cristo é também Aquele de quem e para quem o corpo cresce
(Ef 4,15). Cristo é o fundamento permanente e a permanente meta da Igreja. Ela enquanto
seu corpo vem sempre d'Ele e caminha para Ele. Ele é a origem e o fim de todo o seu
movimento interior. Ele é o seu princípio (Col 1,18). Só que, não se deve com isto pensar
nada de abstracto, mas ao Senhor Jesus Cristo crucificado e glorificado. Há que pensar
ainda que este princípio, como por outro lado, todo o princípio, precisamente por ser o
desde e para onde, representa o poder interno que a move. Mas se Cristo é a cabeça do
corpo, expressa-se ainda outro aspecto: que o corpo na terra torna acessível a cabeça no
céu e, portanto, nesse sentido a cabeça deixa-se encontrar pelos homens no corpo. Todos
nós chegamos, diz Paulo ao homem perfeito que é Cristo não de outra forma, que
deixando-nos integrar e edificar no Seu corpo, a Igreja, até Ele. Mas com isto torna-se
patente, finalmente, que a cabeça estabeleceu em Seu corpo também um caminho para si
mesma".
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A elevação de Cristo na cruz supõe a atracção de todos os homens para si, pela
solidariedade com eles no pecado e na morte. A ressurreição incorpora-os à Sua vida.
Esta nova ordem de existência é acessível aos homens mediante o Baptismo e a
Eucaristia. Neste sentido os Padres prolongam de forma especial as ideias do Evangelho
de João. Eucaristia e Igreja são realidades correlativas: nem há corpo de Cristo sem
corpo de Cristo que é a Igreja; nem se funda a Igreja sem o corpo de Jesus que lhe dá
fundamento. A Igreja é o corpo de Cristo, porque come o corpo de Cristo.
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A perspectiva central para ele é a graça, a vida divina que como princípio
comum une a Cristo e aos cristãos. O que é a cabeça no corpo humano é Cristo no corpo
místico. Esta tem em relação ao corpo: ordem, perfeição, eficácia. Aplicado a Cristo
quer dizer: "Estas três coisas correspondem a Cristo espiritualmente. Primeiro segundo
a proximidade de Deus, a sua graça é mais elevada e anterior, mesmo quando não na
ordem do tempo, porque todos os outros receberam a graça por relação à sua (Rom 8,29).
Em segundo lugar tem a perfeição porque tem a plenitude (Jo 1,14). E em terceiro lugar
tem a virtude de infundir a graça em todos os membros da Igreja (Jo 1,16).
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Pedro e Igreja que como corpo místico uniu a Ele na cruz. 2 - Que o Cristo glorioso e a
Igreja ou Cristo militante na terra formam em certo modo uma pessoa.
A Encíclica tem Três partes: a primeira explica o que significa afirmar que a
Igreja é o corpo místico de Cristo; a segunda expõe a união dos fieis com Cristo e a
terceira é uma exortação pastoral. É o seguinte o esquema da Encíclica:
A Igreja corpo
uno, indiviso, visível
orgânico e hierárquico
dotado de meios vivificadores de santificação, sacramentos
que consta de determinados membros sem que se excluam os pecadores
A Igreja corpo de Cristo
Cristo fundador
a) Pela pregação do Evangelho
b) Pelo sofrimento da cruz
c) Pela promulgação da Igreja em Pentecostes
Cristo Cabeça
a) Por razão de Sua excelência
b) Por razão de Seu governo
de maneira invisível e extraordinária
de maneira visível e ordinária através do Romano Pontífice e dos
Bispos em cada uma das Igrejas.
c) Por razão da necessidade mútua
d) por razão da conformidade
e) Por razão plenitude
f) Por razão do influxo: iluminando e santificando
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Cristo sustentador
Pela missão jurídica e comunicação do Espírito Santo.
O Espírito Santo é a alma do Corpo místico de Cristo Salvador.
A Igreja Corpo de Cristo 'místico'
O Corpo místico e o Corpo físico
O Corpo místico e o Corpo meramente moral
A Igreja do direito e a Igreja da caridade
Um epílogo situando a Virgem Maria dentro da Igreja
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1. Cristo, pela Sua morte e ressurreição, redimiu o homem e constituiu uma nova
humanidade. Comunicando o Seu Espírito aos homens fez de todos 'como que o Seu
Corpo' Aqui reassume-se a perspectiva dos Padres gregos sobre a nova humanidade.
O texto sublinha o carácter simbólico da afirmação ao dizer que a Igreja é 'como
que o Seu corpo'; e não coloca o adjectivo 'místico' mas o advérbio 'misticamente'
que na tradução portuguesa aparece como 'misteriosamente'. O texto pretende
relativizar a afirmação para a orientar ao essencial: os cristãos pelo Espírito recebem
uma nova existência em Cristo. São Cristo. É a perspectiva paulina de Cristo vivendo
em nós.
4. Cristo é a Cabeça deste corpo. Ele é o princípio de tudo e tem a primazia em tudo:
na ordem da criação e na ordem da redenção, no cosmos e na Igreja.
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5. Todos os membros têm que chegar a conformar-se com Cristo, por uma espécie de
nascimento de Cristo neles. Há uma conformação com a Cabeça; há uma
configuração com os seus mistérios; há uma esperança de consumação com Ele.
8. Essa relação de amor entre Cristo e a Igreja explicita-se através de uma nova imagem:
A Igreja é a Sua esposa. A relação que Cristo tem com a Igreja funda a relação dos
esposos. O dogma funda, por sua vez, a moral. Cristo ama a Igreja e enche-a da Sua
plenitude para que ela chegue à plenitude de Deus.
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necessário que o Espírito santo seja enviado sobre a oblação eucarística. Desta forma, a
Eucaristia é o meio pelo qual o Espírito Santo actua na Igreja e a reúne, isto é, a faz ser
aquilo que é.
Isto significa que, num lugar determinado, entre pessoas cuja fragilidade e
esperança se conhece de perto, acontece o mistério impressionante da Igreja: “Onde
estão dois ou três reunidos em meu nome, ali estou Eu no meio deles” (Mt 18,20).
4. A teologia pós-conciliar
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Ela é a que crê e que torna possível que nós creiamos. Cremos a partir dela e
com ela. A fé, o Baptismo e a Eucaristia são realidades constitutivamente eclesiais e
comunitárias. Não se crê sozinho nem a si mesmo; não administra cada um a si mesmo
o Baptismo; não se celebra só e só consigo a Eucaristia; não se perdoa cada um a si
mesmo os seus pecados.
32 A este propósito pode ver-se o que diz Juan Estrada, na sua obra Del misterio de la Iglesia al Pueblo de
Dios: "Creemos en Dios y sólo en Dios, de El nos fiamos incondicionalmente y en El ponemos nuestra
esperanza.
Esto no lo podemos decir de la Iglesia. Aunque haya en ella una dimensión divina (...) la Iglesia misma no
es divina. Ella es congregación de los fieles, humanidad elegida por Dios, grupo humano que proviene de
la vida y obra de Jesús de Nazaret y que se sabe dependiente de su Espíritu. Pero la Iglesia es humana, no
es objeto de nuestra fe como lo es Dios. Creer sólo podemos creer en Dios, y sólo de una forma derivada,
no incondicional y analógica, en el hombre y en la Iglesia. Por eso, el sentido del misterio eclesial, tal y
como lo entendía la Iglesia antigua, es "creo la Iglesia", es decir, creo que la Iglesia es obra de Dios, que
es algo querido y desarrollado por Dios, creo que en ella se hace presente el Espíritu y se conserva la
tradición y la herencia histórica de Dios con los hombres (...)
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A Igreja, é para a tradição o âmbito onde Deus realiza a Sua obra pelo Espírito
Santo. Obra de revelação, santificação, perdão dos pecados, unidade dos dispersos,
fortalecimento dos débeis, esperança dos que, sob a carne e o pecado temem a morte,
comunicação da Sua vida divina e dos seus dons a cada homem. Santo Irineu é o maior
expoente desta conecção profunda existente entre fé e Igreja, entre Espírito Santo e
comunidade eclesial. Segundo ele a acção de Deus na história da salvação continua viva
e vivificadora na Igreja.
À Igreja foi entregue o dom dessa vida para que o guarde. E, na verdade ela
pode guardá-lo, renová-lo e rejuvenescê-lo porque lhe foi dado também o Espírito Santo
como Aquele que anima o seu corpo. Esse Espírito derramado em plenitude vivifica, por
sua vez, a Igreja como o licor precioso que rejuvenesce e embeleza o vaso que o contém.
Creemos también "desde la Iglesia", es decir, somos conscientes de que la Iglesia nos transmite y nos pone
en contacto con la memoria histórica de Jesus. (...) Creemos "desde la Iglesia", o como también se dice
en algunas versiones del símbolo de la fe, "creemos por la Iglesia", la cual nos transmite y nos pone en
contacto con nuestras raíces cristianas, nos entrega su tradición, que arranca de la Escritura como el
lugar en el que se conserva su identidad histórica". Em J. ESTRADA, o.c., 27-28.
33 P. NAUTIN, Je crois à l'Esprit Saint dans la Saint Église pour la Résurrection de la chair, Paris, 1947,
67.
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Quem prefere cavar o seu próprio poço para beber a água e abandona as fontes vivas que
o Espírito faz fluir na Igreja, acaba por se afastar da vida, porque a sua sisterna não faz
brotar a água. Quem foge da Igreja recusa o Espírito Santo.
"À Igreja foi confiado este dom de Deus, tal como foi entregue ao corpo o espírito
vivificador, com o fim de que todos os membros que o percebem sejam vivificados. E
nela foi depositada a comunicação do Espírito de Cristo, isto é, o Espírito Santo, garantia
da incorrupção, confirmação da nossa fé e escala da nossa ascensão até Deus. Pois, diz a
Escritura (1Cor 12,28): 'Na Igreja colocou Deus Apóstolos, profetas e doutores' e todo o
resto da acção do Espírito Santo, do qual não participam todos os que não buscam a Igreja
mas se privam a si mesmos da vida devido às suas falsas doutrinas e à sua depravada
forma de vida.
Porque onde está a Igreja aí está o Espírito de Deus; e onde está o Espírito de
Deus está a Igreja e toda a graça: porque o Espírito é a verdade. Por isso, os que não
tomam parte n'Ele, nem se alimentam dos peitos da Igreja para alcançar a vida não
recebem a limpíssima fonte que mana do corpo de Cristo, mas cavam cisternas vazias e
bebem água enquinada e podrida, evitando a fé da Igreja para não serem desmascarados,
recusando o Espírito Santo para não ser ensinados" (Santo Irineu).
Esta relação entre Espírito e Igreja foi explicitada numa frase da tradição: "A
Igreja é Templo do Espírito Santo". Com ela pretende dizer-se precisamente isso: que
a Igreja é o lugar da presença, revelação e acção do Espírito Santo. Não um templo
material, este é já o lugar da presença de Deus, mas cada crente, e o corpo dos crentes
em Cristo. Desta forma leva-se ao limite a lógica profunda da aproximação de Deus em
relação à Sua criação.
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em Jesus e fará surgir uma humanidade pessoal, na qual habita a plenitude da divindade
(Col 1,19); fazendo Sua essa humanidade, toma a nossa carne e habita entre os homens
(Jo 1,14).
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"Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? Se
alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus é sagrado
e vós sois esse templo" (1Cor 3,16).
As ideias que estão por detrás destes textos são duas: a pessoa do cristão é
habitação e propriedade de Deus. As duas negativas são: Não é vazio ontológico e não é
pertença a si mesmo. O cristão é habitado pela plenitude e santidade de Deus. Não se
pertence a si mesmo, tem dono, Senhor e vigia da sua existência. Não necessita de viver
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sob o peso de ter que guardar e assegurar a sua existência. A sua tarefa é a de vigiar para
que o pecado não suplante o Espírito.
"Já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e
membros da família de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos profetas,
com Cristo por pedra angular. N'Ele qualquer construção, bem ajustada, cresce para
formar um templo santo do Senhor, em união com o qual também vós sois integrados na
construção, para vos tornardes, no Espírito, habitação de Deus" (Ef 2,19-22).
Este texto opera com toda uma série de referências simbólicas, que não é
possível reduzir à unidade. Ele pressupõe que a Igreja universal forma uma unidade, um
tecido, uma realidade formada por muitos elementos, uma vida em crescimento, um
plano orgânico que se realiza. Os termos aqui usados para designar a unidade, são os
seguintes: polis cidade; oikía edifício - família; oikodome edificação; naos templo -
santuário; Kataioketerion morada.
A ideia de casa, aplicada à comunidade aparece em Gal 6,10 (os que pertencem
à casa da mesma fé) e em 1Tim 3,15 (... saibas como deves portar-te na casa de Deus,
que é a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade) e 1Ped 2,5. O conceito de
casa em Gal 4,21s; Fil 3,20; Heb 11,10; 12,22; 13,14. A ideia de templo é inseparável
deste conjunto simbólico. É aplicada indiferentemente a Deus (1Cor 3,16), a Cristo o
Senhor ou ao Espírito /Ef 2,21-22). O espírito é o que aproxima, interioriza e personaliza
as realidades divinas; o que estabelece o laço de união entre Deus e os homens, porque
primeiro estabelece esse laço em Deus. É por isso, que a Igreja é o templo de Deus,
porque é o lugar onde o Espírito faz presente a Deus e deixa sentir a palavra e a pessoa
de Cristo, como pauta de comportamento e modelo de identificação.
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Jesus aparece como aquele que fez dos homens um homem novo e que uniu as
duas paredes ou povos: o judeu e os gentios, para fazer uma nova casa ou morada de
Deus (Ef 2,15-16), Deste templo, Cristo é a primeira pedra, a pedra angular. O templo
habitado pelo Espírito Santo tem forma de Corpo de Cristo. Não há acção nem
palavra do Espírito que não remeta ao fundamento de Cristo. Sem Ele não há início,
nem consistência, nem consumação da casa espiritual que é a Igreja.
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D. A Igreja impulsionada pelo Espírito, enriquecida pelos seus dons, é o lugar onde
se aprende a viver a fé e de atracção dos não crentes.
Ao longo de toda a sua história, Israel estava convicto de que Jahvé não tinha
revelado a Sua santidade apenas aos homens mas tinha santificado também coisas,
lugares, tempos o que significa que as reclamava para Si. No Novo Testamento a
santidade de Deus está em relação com a humanidade de Jesus, com o Seu Espírito
Santo que é dado a todos os que crêem n'Ele para que, como Ele sejamos propriedade
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de Deus, santidade de Deus, consagração a Deus. Isto significa que não se terá nada
a ver com os ídolos, nem com os poderes deste mundo, que negam a Deus, Sua
santidade e Sua revelação:
"Não vos prendais ao mesmo jugo com os infiéis. Que união pode haver entre a
justiça e a iniquidade? Ou que há de comum entre a luz e as trevas? Que acordo há
entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel? E que reconciliação há
entre o templo de Deus e os ídolos? Porque nós somos o templo do Deus vivo" (2Cor
6,14-16).
A vocação universal tem que ser personalizada e cada afirmação sobre a Igreja
é uma afirmação sobre o destino de graça e uma tarefa histórica do cristão. Este não
se pertence a si mesmo mas pertence a Deus. Nele, Deus quer morar e revelar-se ao
mundo. A pessoa é santa; o corpo está santificado porque é habitado pelo Espírito.
Por isso se diz que somos membros do corpo de Cristo e que pertencemos ao Espírito
Santo e não o podemos negar no nosso corpo:
"Fugi da imoralidade. Qualquer pecado que o homem comete é exterior ao seu
corpo; mas aquele que pratica a imoralidade, peca contra o seu próprio corpo. Não
sabeis, porventura, que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós,
que recebestes de Deus e que não vos pertenceis a vós mesmos?" (1Cor 6,18-19).
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Vivifica todo o corpo e confere a cada um dos seus membros a consciência da missão,
a capacidade para a realizar e a autoridade de cada um dentro da Igreja.
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Unifica, fazendo que a diversidade convirja na unidade e que esta não seja idêntica a
uniformidade. Cada parte no corpo tem a sua acção própria e todas colaboram na
única vida da Igreja, que não é exactamente cada uma delas mas que não existe sem
cada uma delas.
Leva cada um dos membros a descobrir a sua missão particular no corpo, a encontrar
a alegria nela e a descobrir que a sua autonomia e liberdade se concretizam
realizando-se como serviço dentro da comunidade eclesial.
No final do capítulo sobre o 'Povo de Deus” (17) aparece uma alusão ao Espírito
Santo e à Igreja como templo do Espírito Santo, fórmula que literalmente não se encontra
no Novo Testamento:
" É assim que a Igreja simultaneamente ora e trabalha para que toda a humanidade se
transforme em Povo de Deus, Corpo do Senhor e Templo do Espírito Santo, e em Cristo,
cabeça de todos, se dê ao Pai e criador de todas as coisas toda a honra e toda a glória"
(LG 17).
Com razão se pode falar de estrutura carismática permanente, mas isso não
significa que a inovação permanente, que o Espírito realiza pelos carismas, negue ou se
ponha em contradição com a estrutura originária da Igreja e com a que foi sendo
estabelecida nos Concílios e mediante outras decisões da autoridade suprema. Surge
também o problema de, em que medida o Espírito está ligado às estruturas eclesiais e em
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que medida as pode ultrapassar. Numa palavra, está em jogo a relação e interacção entre
o Espírito e o Apóstolo. H. Küng dedicou na sua obra "La Iglesia" uma larga reflexão a
estas perspectivas (182-245). A obra de L. Boff "Eclesiogénese" leva ao limite esta ideia,
desligando a acção do Espírito hoje da acção em situações anteriores da Igreja.
Na Igreja há carismas e autoridade. Ambas têm que ser vividas para a edificação
e não para destruição, como definia S. Paulo a autoridade apostólica (2Cor 10,8: "a
autoridade que me deu o Senhor para edificação e não para a vossa destruição"). O ponto
mais difícil é a relação entre iniciativa do apóstolo e iniciativa do carismático individual-
O apóstolo na comunidade é critério e garantia da autenticidade cristã dos carismas, por
isso, é juiz de cada um deles.
"E assim como todos os membros do corpo humano, apesar de serem muitos,
formam no entanto um só corpo, assim também os fiéis em Cristo. Também na edificação
do Corpo de Cristo existe diversidade de membros e funções. É um mesmo Espírito que
distribui os seus vários dons segundo a sua riqueza e as necessidades dos ministérios para
utilidade da Igreja. Entre esses dons, sobressai a graça dos apóstolos, a cuja autoridade o
mesmo Espírito submeteu também os carismas" (LG 7,3).
Aqui encontramo-nos com um desses problemas eclesiais, que não podem ser
resolvidos unicamente de forma jurídica nem apenas em análise conceptual. Esta posição
leva, por um lado ao autoritarismo e, por outro, ao iluminismo. Autoridade e indivíduo
têm que colocar-se sob a luz, a exigência, a autoridade e o impulso do único Espírito de
Cristo, que é comum a uns e a outros. Só nesse nível de religiosa conformação e
obediência ao Espírito será possível o exercício ou renúncia do carisma, o exercício ou
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renúncia da autoridade, e sobretudo se saberá como há-de ser o exercício concreto a fim
de que sirva para a edificação e não para a destruição do Corpo de Cristo.
O Espírito Santo dado a cada homem faz-nos perceber como real a Deus; a
revelação como declaração e como constituição de uma nova realidade para além da
palavra que anuncia; o Evangelho como criador e não só como declarador de salvação.
Esse Espírito actua no Apóstolo, que nos fala desde fora (instituição) e do impulso que
nos chama desde dentro (carisma). É o mesmo Espírito de Jesus, que habita na cabeça e
nos membros; em quem falam e em quem ovem. Por isso, Ele é a garantia última da
unidade da Igreja.
O nº4 citado anteriormente remete ao Espírito como origem de duas séries de
dons, tanto os hierárquicos como os carismáticos. Esta afirmação é chave, já que remete
ao único Espírito como fonte de todos os dons, e ao mesmo tempo mostra a Igreja como
destinatária deles. Uns e outros são um meio de instrução e direcção. Tanto os carismas
como a autoridade hierárquica são para a Igreja critério de orientação intelectual e de
orientação prática.
"Consumada a obra que o Pai confiou ao Filho para Ele cumprir na terra, foi
enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes, para que santificasse continuamente a
Igreja e deste modo os fiéis tivessem acesso ao Pai, por Cristo, num só Espírito. Ele é o
Espírito de vida, ou fonte de água que jorra para a vida eterna; por quem o Pai vivifica
os homens mortos pelo pecado, até que ressuscite em Cristo os seus corpos mortais. O
Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo, e dentro deles ora e
dá testemunho da adopção de filhos. A Igreja, que Ele conduz à verdade total e unifica
na comunhão e no ministério, enriquece-a Ele e guia-a com diversos dons hierárquicos e
carismáticos e adorna-a com os seus frutos. Pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja
e renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo. Porque o Espírito
e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: "Vem"" (LG 4).
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"Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de
anunciardes as virtudes (Ex 19,5-6; Is 43,20-21) d'Aquele que vos chamou das trevas a
Sua Luz admirável, vós, que outrora não éreis o Seu povo, mas que agora sois o povo de
Deus; vós que antes não tínheis alcançado misericórdia e agora a alcançasteis (alusão
aos nomes simbólicos dos filhos de Oseias: 1,6.9; 2,1.15)".
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" Povo é a associação de uns seres racionais em virtude de uma participação concorde
nuns interesses comuns. Se isto é assim, logicamente, para saber que classe de povo é,
devemos ver que classe de interesses tem. No entanto, sejam quais forem os interesses,
se se trata de um conjunto não de bestas mas de seres racionais e está associado em virtude
da participação amorosa dos bens que lhe interessam, pode-se chamar povo com todo o
direito. E, se se trata de um povo, será tanto melhor quanto mais o seu acordo é sobre
interesses mais nobres e tanto pior quanto mais baixos sejam estes".
Um povo supõe um direito e um direito supõe uma justiça. Por isso, onde não
há justiça não há direito e onde não há direito não há povo. Quando estas duas coisas
faltam temos uma multidão, um motím. João Paulo II dizia no discurso durante a sua
visita ao parlamento europeu (Outubro 1988): “Os antigos gregos tinham descoberto
já, que não há democracia sem a sujeição de todos a uma lei e que não há lei que
não esteja fundada na norma transcendente do verdadeiro e do bem".
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A categoria 'Povo de Deus' foi recuperada pela eclesiologia nos anos 1940 -
1960, durante os quais aparece uma espécie de saturação e insatisfação da categoria
'Corpo de Cristo'. Foi a que prevaleceu no Concílio Vaticano II e a que se constituiu em
categoria fundamental para compreender a Igreja. A Lumen Gentium depois de expor no
capítulo I a condição divina, a origem e o destino trinitário da Igreja e sua relação com
Cristo, isto é, a condição teológica e eterna da Igreja, tenta no capítulo II expor a sua
condição histórica, concreta, humana, temporal. Para isso utiliza o conceito 'Povo de
Deus'.
Que razões levaram a privilegiar esta categoria, que apenas aparece na Bíblia,
frente a outras que têm mais textos a seu favor, como por exemplo 'Corpo de Cristo?
Fundamentalmente diríamos que é uma reacção histórica frente a uma acentuação
excessivamente cristológica, que sublinhava a relação e quase identidade da Igreja com
Cristo.
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Estas são as razões para esta eleição ou as vantagens que oferece a categoria
'povo de Deus' em relação a outras:
2. Põe de relevo a continuidade entre as duas fases da revelação: o povo judeu e o povo
nascido de Cristo. Ambos são fruto de uma eleição, constituídos por uma Aliança,
consagrados a ser no mundo sinal e testemunho do amor de Deus, dotados com a
promessa de receber uma plenitude e redenção definitivas.
5. Diferentemente da categoria 'Corpo místico', que torna mais difícil resolver a questão
dos membros da Igreja, uma vez que só se pode resolver em alternativa (ou se é
membro de um corpo ou não se é), a categoria “povo” permite uma resposta mais
flexível: a integração no povo pode ter diferentes graus de intensidade.
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6. Ao mesmo tempo permite uma compreensão mais fácil da relação entre a Igreja e as
igrejas, formando uma unidade na catolicidade; onde aquela não significa
uniformidade mas plenitude nascida da diversidade. A catolicidade é assim algo mais
que a universalidade geográfica. A Igreja vive em e das igrejas LG 21.
8. Outro factor que acelerou e intensificou o seu uso foi a vontade de não separação,
solidariedade e colaboração com os outros povos da terra, partilhando uma história e
assumindo umas responsabilidades concretas, humaníssimas dos homens. Um certo
sentido do realismo e da exigência de tradução a este mundo dos ideais de Cristo,
frente à pura visão teológica ou escatológica, colaborou na introdução desta
categoria.
9. Finalmente ela torna mais compreensível a vida real da Igreja com o que tem de
limites, pecado e pobreza. Frente às grandes categorias de 'mistério', 'santidade',
'corpo de Cristo', 'templo do Espírito' esta põe o acento no humano e nos limites e
condicionamentos temporais dos cristãos.
A categoria da Igreja como Povo de Deus tem também os seus limites, são eles:
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Levou a uma fácil identificação da Igreja com o povo esquecendo que a qualificação
'de Deus' é constituinte: a Igreja é de Deus.
No segundo parágrafo chama a este povo, povo messiânico, que tem, como
mandamento, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou'; 4 - e, 'tem por fim o
Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser
também por Ele consumado no fim dos séculos'. Este povo messiânico, na sua realidade
de sinal, 'é para todo o género humano o mais firme germe de unidade, de esperança e de
salvação'.
O terceiro parágrafo abre luz sobre este povo messiânico dizendo que ele é o
novo Israel, é a 'Igreja de Cristo, que Ele adquiriu com o Seu próprio sangue, encheu com
o Seu Espírito e dotou de meios convenientes para a unidade visível e social'. A Igreja é
a congregação de todos os 'que se voltam com fé para Cristo' e que Ele chamou e
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constituiu como Igreja a fim de que sejam 'para todos e cada um sacramento visível desta
unidade salutar'. Tem um destino universal: 'Destinada a estender-se a todas as regiões,
ela entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as
fronteiras dos povos. Enquanto caminha no tempo vive situações de tentação e tribulação,
mas em tudo é 'confortada pela graça de Deus' concedida por Cristo, para que, sob a
acção do Espírito se mantenha como esposa fiel e se renove 'até chegar à luz que não tem
ocaso'.
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O Espírito Santo santifica e conduz o povo de Deus por meio dos sacramentos,
dos ministérios, das virtudes, e também através de 'graças especiais’, que distribui entre
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os fieis e que 'os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos
para a renovação e edificação da Igreja'. Estas graças especiais ou carismas, podem ser
elevados ou simples e comuns, devem ser recebidos 'com acção de graças e consolação'.
Os 'extraordinários não devem ser pedidos temerariamente, o juízo sobre eles pertence a
quem preside na Igreja, não devem ser extintos mas discernidos e mantidos.
Graças a esta catolicidade cada uma das partes está chamada a partilhar com as
outras os seus 'dons particulares', de modo que 'o todo e cada uma das partes aumentem
pela comunicação mútua entre todos e pela aspiração comum à plenitude na unidade'.
'Pois os membros do Povo de Deus são chamados a repartir entre si os bens, valendo para
cada igreja as palavras do Apóstolo: “cada um ponha ao serviço dos outros o dom que
recebeu, como bons administradores da multiforme graça de Deus”. A catolicidade
concretiza-se na diversidade de povos que formam a Igreja e na diversidade de ordens ou
funções que nela se realizam: funções e ministérios: leigos e ministério ordenado; formas
de vida: vida religiosa e vida secular; diversidade de Igrejas: Igreja universal com o
Romano Pontífice e igrejas locais.
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"São plenamente incorporados à sociedade que é a Igreja aqueles que, tendo o Espírito
de Cristo, aceitam toda a sua organização e os meios de salvação nela instituídos, e que,
pelos laços da profissão da fé, dos sacramentos, do governo eclesiástico e da comunhão,
se unem, na sua estrutura visível, com Cristo, que a governa por meio do Sumo Pontífice
e dos Bispos".
salvíficos de que ela dispõe, 3- união à estrutura visível presidida pelo Papa, 4-
aceitação dos vínculos concretos da realidade social: profissão de fé, sacramentos, regime
jurídico, comunhão eclesial. O facto de estar incorporado externamente não é, por si,
condição automática de salvação: "quem não persevera na caridade". Os catecúmenos
estão incorporados à Igreja e participam da sua salvação pela vontade explícita.
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Entre os que não são cristãos contam-se em primeiro lugar o Povo Judeu e os
muçulmanos. Mas estão também unidos de alguma forma com a Igreja os que no meio
de sombras e dúvidas buscam a Deus, os que não conhecem nem buscam a Deus mas
levam uma vida recta, e os que servem os ídolos e vivem sem Deus no mundo, pois diante
deles a Igreja sente a urgência de anunciar o Evangelho salvador.
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realidade possível mas redenção e sobretudo oferta de uma realidade nova insuspeitável
à inteligência humana e irrealizável pela vontade do homem (LG 13.17).
1. difundir a revelação e fazer que o conhecimento e o amor de Deus chegue aos homens,
pois é nisso que Deus é glorificado, e que, uma vez assumido volte em louvor
agradecido para Ele e também em agradecimento seja oferecido aos outros.
2. Para desmascarar os poderes negativos, desumanizadores, demoníacos que retêm o
homem sob o seu poder na injustiça, violentando a verdade e destroçando física, moral
ou espiritualmente o homem. A verdade evangélica revela o Deus vivo e identifica o
demónio em todas as suas expressões, desde a vontade pessoal tentadora aos poderes
e estruturas em que se expressa o poder do mal.
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A Igreja está pensada sob as categorias de povo que caminha para uma meta. É
a caravana que partindo de um lugar, atravessa uma extensão de terreno, deserto ou vales,
dirigindo-se para uma terra nova, que considera uma pátria definitiva, e guiada por um
pioneiro ou cabeça, que já chegou à meta desejada, e que, portanto, já goza de descanso.
Entrar no descanso de Deus, é a fórmula que orienta o acontecimento do Êxodo, até
chegar à terra prometida; que orientou o acontecimento Jesus até chegar ao seio de Deus
pela glorificação e que orienta o destino da Igreja, da comunidade e de cada cristão. A
pátria definitiva não é esta. A condição humana é militante, segundo a afirmação clássica
do humanismo: militia est vita hominis super terram" (Job 7,1) e itinerante. O homem
por definição é o Homo viator (G. Marcel).
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Ao reafirmar a lei do 'já - mas ainda não' descobriu-se a lógica mais profunda
do Novo Testamento. Aí encontramos a dupla tentação: os que afirmam que a
ressurreição já teve lugar, que estamos naturalmente santificados, que não é necessário o
esforço moral e que tudo é permitido. E, por outro lado, os rigoristas que continuam
mantendo a necessidade de atender à lei, como meio de justificação pelas obras. Há um
terceiro grupo de pessoas no Novo Testamento que sucumbe ao cepticismo, ao poder do
dia a dia normal e violento, isto é, à afirmação de que nada mudou, nem mudará porque
o supremo poder é a natureza e não a história, a necessidade e não a graça.
1. A Igreja está constituída por uma derivada não só da sua natureza mas também da sua
condição no tempo: ela partilha o 'já', por um lado, e o 'ainda não' deste entre tempo
da história da salvação que se estende desde a ressurreição até à parusia. Já está
afirmada e querida, sustentada e purificada pelo Senhor com um amor definitivo. Já
possui as primícias do Espírito Santo, mas ainda não o possui de maneira definitiva,
mas em perigo, em ameaça e em debilidade. Não pode apropriar-se d'Ele como se
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fosse seu e não pode gloriar-se d'Ele como se o não pudesse já perder. Tem os sinais
eficazes das realidades definitivas mas ainda não as possui definitivamente.
Por isso, a Igreja leva sobre si e reflecte no seu rosto a imagem do mundo que
há-de vir (condição escatológica) e não menos a imagem do mundo presente (condição
peregrina). Pelo primeiro é fundamentalmente santa e garantida por Deus. Pelo
segundo está, no entanto, sob a ameaça do pecado, na medida em que os pecados dos
seus membros a afectam, é pecadora. Vejam-se os textos chave do nº 48:
"Já chegou, pois, a nós, a plenitude dos tempos, a restauração do mundo foi já realizada
irrevogavelmente e, de certo modo, encontra-se já antecipada neste mundo: com efeito,
ainda aqui na terra, a Igreja está aureolada de verdadeira, embora imperfeita, santidade.
Enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra em que habita a justiça, a Igreja
peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem
temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem
e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus".
2. A Igreja, que é uma família, abarca todos os seus membros na mesma graça,
solidariedade e amor com independência da fase salvífica em que estão. Neste
sentido, o texto, evitando a terminologia clássica de Igreja militante, purgante e
triunfante, aceita, no entanto, que "dos seus discípulos uns peregrinam sobre a terra,
outros, passada esta vida, são purificados, outros, finalmente, são glorificados e
contemplam 'claramente Deus trino e uno, como Ele é'" (nº 49).
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3. Esta relação entre as três fases da Igreja leva o Concílio a situar aqui o fundamento
teológico e os critérios pastorais para fixar:
a) A relação da Igreja peregrina com os outros irmãos que já morreram: 'memória dos
defuntos'. Conteúdo, legitimidade e limites.
b) A relação da Igreja peregrina com os irmãos que já chegaram à meta. Aqui faz uma
pequena história da veneração dos santos e seu significado e exemplaridade e
intercessão para a Igreja ainda peregrina.
c) A referência aos santos faz-se sempre tendo diante Cristo cabeça da Igreja, fonte de
toda a santidade, origem de todo o martírio e virgindade, sabedoria e testemunho.
D'Ele dimana como fonte e cabeça, toda a graça e a vida do Povo de Deus.
d) Isto permite uma relação entre nós e os santos: amor, agradecimento, invocação
imitação.
e) O culto da Igreja na terra é união ao culto dos bem-aventurados. Unimo-nos uns aos
outros pois todos vivemos agradecidos, da mesma graça;
"Mas a nossa união com a Igreja celeste realiza-se de modo mais sublime quando,
sobretudo na sagrada liturgia, na qual a virtude do Espírito Santo actua sobre nós através
dos sinais sacramentais, concelebramos em comum exultação os louvores da divina
Majestade... Ao celebrar o sacrifício eucarístico, unimo-nos no mais alto grau ao culto
da Igreja celeste, comungando e venerando a memória, primeiramente da gloriosa sempre
Virgem Maria, de S. José, dos santos Apóstolos e mártires e de todos os santos".
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no meio dos povos do mundo, vive unido a eles o mesmo destino, e tem para com eles
uma obrigação que é a sua própria missão: ser testemunha da esperança aberta por Cristo
redentor. Desta forma, o Concílio torna a Igreja consciente dos muitos perigos que a
espreitam:
- Apropriação, como se a salvação fosse sua e não dada por Deus para ela e para
os outros. Ela é apenas mediadora e servidora.
- Esquecimento por verificar que tarda em chegar o final dos tempos. E perder
a consciência de que é sinal da redenção que é oferecida por Cristo.
5. Conclusão
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Dizer “Povo de Deus” é relacionar a Igreja com Israel, o povo da antiga Aliança.
O povo surge da eleição divina através da Aliança. Israel é só figura, uma vez que a vinda
do Messias e a comunicação do Espírito prometido colocaram os fiéis numa situação
completamente nova.
Que é que faz com que um grupo de homens se torne um povo? O sangue? A
língua? Os costumes comuns? O território comum? A cultura? As leis? A religião? A
história? O destino comum?
Esta expressão mostra com clareza a vontade divina de salvar os homens como
uma família, uma casa espiritual. A existência cristã possui uma estrutura comunitária.
Assim como a pessoa se realiza em sociedade e em comunidade, do mesmo modo o
cristão realiza-se em Igreja. Há uma dimensão eclesial que é constitutiva do ser cristão.
Simpliciano dizia muitas vezes ao filósofo Vitorino: “Não te contarei entre os cristãos,
enquanto não te vir na Igreja de Cristo”.
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A Igreja é ao mesmo tempo estrutura e vida. Tem uma história exterior e uma
consciência interior. Realiza-se mediante acções e instituições deste mundo e alimenta-
se de uma vida que lhe vem de Deus, que a faz comunicar com Ele na sua própria forma
de existência, não na ordem do ser, mas na ordem do viver e do actuar. Essa vida divina
que Deus comunica, na qual os fiéis participam, que, por conseguinte têm em comum
entre si e com Deus, é o elemento essencial da Igreja.
A Igreja foi, por isso, definida com estes termos: Koinonia - communio -
comunhão. Os três termos têm a mesma raiz. Koinonia significa comunidade, relação
estreita, participação. Comunio, derivada do adjectivo communis, significa também
colocar em comum, participação, carácter comum. O adjectivo 'comunis' pode fazer-se
derivar do adjectivo grego 'koinos', o que é comum a todos, o que é de todos.
Essa vida que remete a outra ordem, e que os alimenta com uma força nova, é o
essencial e o que a torna diferente. É necessário perguntar por esta realidade divina, por
esta vida quando se compara a Igreja com outras instituições. Com outras instituições a
Igreja pode ter em comum a maneira de organizar-se, as instituições de convívio e de
acção, mas entre elas a diferença é este espírito de vida, que é, não só uma promessa mas
uma realidade presente e actuante em cada um e em todos os membros. Ela é princípio
de vida, critério de acção, fundamento da unidade.
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A Igreja, dissemos, tem a Trindade como origem, forma e meta. A sua vida
deriva d'Ela, conforma-se a ela, tende a consumar-se nela. Portanto, o conteúdo último
da Igreja é a vida trinitária, que se comunicou aos homens, mediante a encarnação do
Verbo e mediante o envio do Espírito Santo. A unidade e diversidade de pessoas em Deus
é o fundamento e o modelo do que na Igreja é a realização da unidade na pluralidade. Aí
existe 1 participação na única vida e diversidade pessoal; 2 hierarquia na igualdade de
essência; 3 colaboração na diversidade de relações. A Igreja, portanto, compreende-se a
partir desta referência trinitária: do dom de Deus em Cristo e no Espírito Santo.
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Diante da tese que fazia surgir a Igreja de baixo, numa linha associativa, como
a reunião dos fieis (corporação); e diante de outra compreensão que a fazia surgir
puramente de cima como criação externa de Deus em Cristo, definindo-a como uma
instituição, eles procuraram um terceiro caminho. Preferiram defini-la a partir da relação
existente entre as pessoas, a partir da relação social, que surge como consequência da
participação numa nova ordem de realidade ou de vida, que é a vida divina, tal como
existiu na humanidade e na consciência de Cristo. A gratia Capitis Christi converte-se
em gratia membrorum. Noutro sentido o dom de Cristo por antonomásia: o Espírito
Santo.
"Por Igreja, entendemos os católicos, a comunidade visível de todos os fiéis, fundada por
Cristo; comunidade na qual, sob a direcção do seu Espírito e com a ajuda de um
apostolado ordenado por Ele, todas as acções desenvolvidas por Ele durante a Sua vida
terrena em ordem a reconciliar e a santificar os homens, são continuadas, de forma que
todos os povos são reorientados para Deus... Desta forma, a Igreja visível, é o Filho de
Deus que aparece continuamente em forma visível entre os homens, renovando-se e
rejuvenescendo-se continuamente. Ela é a encarnação continuada de Cristo, pelo que os
fieis na sagrada Escritura são chamados 'Corpo de Cristo'" (Mohler).
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"O verdadeiro carácter da Igreja é o de ser sociedade por comunhão, que não se realiza
mais que por dentro, por adesão cordialmente consentida"40.
Com isto chegamos a uma noção da Igreja que a compreende a partir do interior:
a vida divina em que participam e que renova os seus membros; a liberdade humana que
consente essa vida divina e que vive dela: dimensão vertical e horizontal.
“O principal interesse da Igreja antiga foi o de realizar a sua vida como uma comunidade
de crentes. E fê-lo com a criação de comunidades locais, com a organização das suas
funções, com a celebração litúrgica dos mistérios da fé, com a formulação e actualidade
da profissão da fé e com a praxis ética do cristianismo"41.
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em Jesus: "Eram assíduos, ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão,
e às orações. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras
e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada
um"(2,42-44). "A multidão dos que tinham abraçado a fé tinham um só coração e uma
só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas, entre eles, tudo era em
comum" (4,32).
A realidade pessoal do Filho, a Sua pessoa, é dada ao homem que assim participa
na vida entregue, na existência sacrificial, no corpo glorioso de Cristo. Cristo é o novo
Adão, e tal como Adão, Abraão e Moisés, constitui uma personalidade corporativa,
abarca em si mesmo os que procedem d'Ele ou se incorporam a Ele, formando o novo
corpo, a descendência, a nova família. O que é Seu é deles; o que Ele fez fizeram-no eles.
Por isso, identificados com Ele na dor e na esperança, gozarão, reinarão e ressuscitarão
com Ele (Fil 3,10).
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homens mas na união com o Pai. Mas essa comunhão com o Pai verifica-se a partir da
união com os irmãos: "O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também
vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com o Pai e com Seu
Filho Jesus Cristo... Se dissermos que temos comunhão com Ele e andarmos nas trevas,
mentimos e não praticamos a verdade. Mas se andarmos na luz como Ele está na luz,
estamos em comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, purifica-
nos de todo o pecado”.
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Desta forma aparecem três níveis de realidade: Comunhão com as pessoas
divinas, 2 comunhão derivada dos sacramentos e 3 comunhão entre os fiés. Na Igreja dão-
se ao mesmo tempo estes três níveis de koinonia. Por isso, o Credo, a seguir à Igreja
insere uma formula complexa: "a comunhão dos Santos", que pode ser interpretada de
fieis. c) Comunidade de pessoas santas, entendendo por estas, aquelas que hoje
entendemos por 'santos'. Isso quereria dizer que a Igreja abarca os que vivem neste
mundo e os que já participam na visão de Deus, os pecadores e os santos e que entre eles
existe uma solidariedade pela qual nós podemos contar com a sua ajuda e intercessão
junto de Deus.
"No nosso Credo, a acção global do Espírito terminou por determinar-se em quatro
efeitos. O primeiro de entre eles é a 'comunhão dos santos'. Trata-se de uma formula
sintética, que não é simplesmente sinónima de Igreja, mas abarca todo um conjunto de
bens que se encontram nela. A formula primitiva é grega e o seu lugar de origem é a Ásia
Menor. Parece claro que o seu primeiro sentido é este: a comunicação, ou a participação
nos sacramentos, isto é, em todos os bens sagrados pelos quais se obtém a consumação,
a perfeição final; o principal destes bens é a Eucaristia. Por ela realiza-se a comunhão dos
santos; dito de outra maneira a união dos fieis entre si. Este sentido derivado aparece
muito cedo, até ao ponto de que se pensou que era o primitivo... No seu comentário do
Credo, Calvino, reúne de certo modo os dois sentidos dizendo que a ‘comunhão dos
santos’ consiste na comunicação mútua entre todos os membros de todos os bens
salvíficos no interior da Igreja"42.
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1. Comunhão de realidades.
"Para isto Deus enviou finalmente também o Espírito de Seu Filho, Senhor e fonte de
vida, o qual é para toda a Igreja e para cada um dos crentes princípio de agregação e de
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Junto a este princípio divino, estão os princípios humanos, históricos, visíveis da Igreja:
a) A palavra de Deus
b) Os sacramentos (Baptismo, Eucaristia)
c) O ministério apostólico
d) Os ministérios e carismas pessoais
2. Comunhão de pessoas.
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consiste em fazer ouvir e mostrar como real e realizável o Evangelho. E ao mesmo tempo
diversidade funcional, ministerial ou de carismas.
Esse colégio tem uma cabeça, que preside na caridade antes de tudo, que
preserva a unidade e que ajuda nas necessidades, decidindo com autoridade. A expressão
suprema da autoridade como do colégio episcopal é o Concílio ecuménico. O Papa é o
garante da unidade na Igreja e, por isso, a comunhão com ele é essencial.
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4. Comunhão de igrejas.
O Concílio definiu a igreja local como 'portio' (LG 23; 28; CD 11; 28). Este
termo ao contrário do termo 'pars', designa uma parte, que conserva todas as qualidades
e propriedades do conjunto. A Igreja de Jesus Cristo encarna e toma corpo em cada lugar
onde se celebra a Eucaristia sob a presidência do legítimo Bispo, onde se anuncia a
Palavra de Deus, se invoca o Espírito Santo e se constrói a comunidade em Seu nome.
"Cada um dos Bispos é princípio e fundamento visível da unidade nas suas respectivas
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igrejas, formadas à imagem da Igreja universal, das quais e pelas quais existe a Igreja
católica, una e única" (LG 23).
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"O Bispo de Roma era o primeiro dos Bispos; o seu papel num direito público de
comunhão, era guardar superiormente a unidade, julgando os casos que a punham em
questão, segundo a tradição e os cânones que regulavam a vida das igrejas. Podia falar-
se neste sentido de um 'poder na Igreja', para o distinguir de um 'poder sobre' a Igreja.
Ou também de um poder executivo não constituído. Mas a história mostrou que o poder
em arrasta um certo poder sobre e que a dignidade do 'primeiro dos Bispos' se funda e se
consuma num primado jurisdicional fundado, não numa simples conveniência ou numa
exigência da unidade, mas numa instituição do Senhor"46.
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das outras comunidades. Com elas tem a Igreja elementos comuns. A LG 15 analisou
esses elementos comuns e o Decreto sobre o ecumenismo precisou cada um deles.
"Acrescenta-se a isto a comunhão de orações e outros bens espirituais; mais ainda, existe
uma certa união verdadeira no Espírito, o qual neles actua com os dons e graças do Seu
poder santificador, chegando a fortalecer alguns deles até ao martírio. Deste modo, o
Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e a prática efectiva em vista de
que todos, segundo o modo estabelecido por Cristo, se unam pacificamente num só
rebanho sob um só pastor". (LG 15).
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libertadora de Cristo para o mundo e neste sentido, sacramento da graça de Deus para o
mundo.
A Igreja é 'sacramento de unidade' (SC 26) e esta unidade não se reduz aos
próprios membros nem nos cristãos, mas abarca todos os homens. A todos está destinada.
Por isso, é sacramento da unidade do mundo, que é possível quando o Reino de Deus
chega. Unidade que por sua vez os homens necessitam para ser humanos, isto é, fraternos
e solidários. Por isso, é sacramento do Reino para o mundo.
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O Bispo de Roma foi reconhecido como o orgão querido por Cristo para que
essa unidade da Igreja tenha o seu conteúdo e eficácia. Por isso a comunhão existe com
Pedro e sob Pedro. O Papa não é superbispo. É sem mais Bispo de Roma e sucessor de
Pedro e enquanto tal, cabeça do colégio. E enquanto cabeça do colégio é garantia
qualificada e autorizada da comunhão.
Ora bem, este dado teológico não decide as formas de exercício que tal
autoridade pode ter. Uma eclesiologia de comunhão põe em relevo a autonomia, a
primordialidade de cada Bispo na sua igreja. O Papa não pode ignorar, relegar ou colocar
em segundo plano os Bispos. A Igreja nasce de baixo para cima. A iniciativa e a primeira
responsabilidade está nas igrejas locais, presididas pelos seus Bispos. O Papa nesta
ordem é segunda instância.
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1. Para os Padres dos primeiros séculos o termo 'Koinonia' usado no contexto religioso
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A IGREJA SOCIEDADE
1.1. Há uma compreensão da Igreja que acentua os elementos divinos que a constituem:
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a convocação que Deus faz por graça e soberana liberdade; 2 a Sua acção na história
chamando um povo primeiro e depois congregando todos os crentes em Cristo, com
independência da sua origem racial, cultural ou religiosa previa; 3 a Sua vida comunicada
aos membros da Igreja como forma nova de existência e exigência nova de acção; 4 as
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realidades sacramentais e pneumáticas; a própria pessoa de Cristo, como modelo e
realidade participada; 6 o Espírito Santo como princípio último de acção e operação na
Igreja; 7 os carismas com os quais esse Espírito qualifica os crentes para que realizem a
sua missão; 8 as virtudes teologais e morais que o Espírito suscita. Numa palavra, pode
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1.2. Tal como na vida individual existe uma tensão entre a ordem do espírito e a ordem
da carne, sem que sejam separáveis uma da outra, nem existam uma sem a outra, de
maneira semelhante acontece na Igreja. A revelação e santificação divinas têm que
articular-se com a acção, relações e poderes humanos. Ambas as ordens constituem a
Igreja. A Igreja é constituída pelas almas e os corpos; a ordem da graça e a instituição
humana. Cada geração e cada teologia se inclinarão a conferir a primazia a uma ordem
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"O que constitui a Igreja são as almas de que é composta e que foram congregadas num
corpo único pela graça secreta de Deus. Esta graça vem-lhes, sem dúvida, por meio de
instrumentos exteriores e visíveis e une-as a uma hierarquia, visivelmente constituída,
mas o que faz o corpo místico da Igreja não são os meios puramente exteriores, mas a
graça divina que deriva deles e por meio da qual se estabelece a comunhão das almas. O
que vemos não é o todo da Igreja; isto é só a parte visível"49
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2.1. A definição da Igreja como sociedade nasce num contexto de afirmação, de defesa
e de comparação da Igreja frente ao imperador primeiro, frente aos grupos espirituais
depois, frente ao estado e nações modernas. Há que entendê-la à luz do questionamento,
negação da autoridade, ou redução da Igreja ao poder político, negando-lhe auto-
suficiência na sua ordem e autonomia da sua própria vida, tanto na ordem do conteúdo
como na ordem da autoridade.
O choque entre imperador e Papa, que tem o seu ponto alto na luta das
investiduras, faz surgir a questão da soberania da Igreja a respeito dos seus fins, meios e
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orgãos de autoridade. A luta de Gregório VII, Inocêncio III, Bonifácio VIII, João XXII,
com os respectivos soberanos é pela soberania da Igreja na sua própria ordem. O
resultado destas largas lutas foi a compreensão da Igreja como um sujeito de direitos,
como uma pessoa jurídica, como uma ordem própria que enquanto tal está subtraída ao
imperador e que tem no Papa a cabeça de uma autoridade, de origem divina que procede
de Cristo, Cabeça invisível.
2.2. Um segundo facto histórico centra-se na realidade externa da Igreja e nos orgãos de
autoridade. Os movimentos reformadores e as heresias medievais questionam a Igreja
actual e negam-lhe o seu carácter cristão. A Igreja visível não pode ser a Igreja que Cristo
quis. A Igreja real não é a presidida pelos poderes eclesiásticos mas a dirigida pelo
Espírito Santo e que vive em santidade e pobreza, da graça do Evangelho, das bem-
aventuranças e não do poder.
Frente a uma Igreja visível apresenta-se como verdadeira outra que é invisível,
santa, pobre, de predestinados, que escapa ao controle e ao poder da hierarquia e que,
portanto, está para além de decisões e excomunhões. Os Cátaros, Valdenses, Wiclef, Hus
e finalmente Lutero representam um questionamento de visibilidade, autoridade e ordem
externa da Igreja, que como reacção vai produzir uma concentração precisamente nessas
ordens negadas.
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concreto, que pode ser verificado externamente. A esperança da vida eterna não é
dissociável da pertença à Igreja externa.
"A Nossa sentença é que a Igreja é só uma, não duas e que esta única e verdadeira é a
reunião de homens unidos pela profissão da mesma fé cristã, pela comunhão dos mesmos
sacramentos, sob o regime dos legítimos pastores e principalmente do Romano Pontífice,
Vigário do único Cristo na terra" (Tomo II. Livro III. Cap. II. Pg. 98-99).
Depois distingue com Sto Agostimho os dois níveis da Igreja: a alma e o corpo,
que formam um corpo vivo. A alma são os dons internos do Espírito Santo, a fé, a
esperança e a caridade. O corpo são a profissão externa da fé e a comunicação nos
sacramentos. Por isso, haverá diversas formas de pertença à Igreja: à alma e ao corpo
(união a Cristo e união à Igreja nas suas mediações exteriores); à alma e não ao corpo (os
catecúmenos e os excomungados, se não perderam a fé e a caridade); ao corpo e não à
alma (os que sem virtude alguma permanecem unidos, pelo temor ou a esperança, na fé
e sacramentos comuns da Igreja, sob a autoridade dos pastores). A definição que ele dá
de Igreja refere-se a esta terceira ordem e abarca o mínimo exigido.
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"A Igreja não é uma sociedade qualquer, não é de anjos nem de almas mas de homens.
Ora bem, não se pode chamar-lhe sociedade de homens a não ser que esteja formada por
sinais externos e visíveis, pois não há sociedade se não se conhecem os que que se
chamam seus membros. Ora bem, não se podem conhecer os homens, a não ser que
existam vínculos sociais, externos e visíveis. E isto confirma-se pelo costume de todas as
sociedades humanas, pois ao exército, à cidadania, a um reino e a outras instituições
semelhantes não se pertence de outra forma que por meio de sinais visíveis" (Id. 132).
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- Galicanismo
- Febronianismo
- Josefismo
- Revolução francesa
Em todos eles, sob distintas componentes nacionais e políticas, está uma questão
nova: a integração da pessoa e liberdade nas diferentes ordens da vida: política e
religiosa. O público pertence todo ao Estado? Como se realiza a pessoa e sob que
autoridade cai quando crê e quando realiza a sua fé mediante actos de culto, organização
pública da fé, instituições sociais e culturais derivadas dela? Qual é a autoridade do
Romano Pontífice em relação a essas articulações sociais, culturais e nacionais da fé?
Nesta problemática o Estado vai questionar a autoridade da Igreja e a sua liberdade para
organizar a vida dos crentes, considerando-a submetida ao Estado, dependente dele. A
soberania do Estado em todas as ordens da vida humana é a resposta do pensamento
moderno. A isso chama-se liberalismo ou laicismo.
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- "A república eclesiástica deve ser perfeita e por si suficiente em ordem ao seu fim".
(Belarmino, Controv I. Liv. V. Cap.7).
- "A sociedade perfeita é dupla, eclesiástica e civil" (B. Fragoso, Jesuita português (1559-
1639).
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- “A Igreja não é uma verdadeira e perfeita sociedade, completamente livre, nem está
provida de direitos próprios e constantes, que lhe conferiu o seu divino fundador; pelo
contrário, corresponde ao poder civil definir quais são os direitos da Igreja e os limites
dentro dos quais pode exercê-los" (Syllabus. Proposição condenada nº 19, por Pio IX.
1864).
- A Igreja é "uma sociedade distinta de toda a reunião de homens, que se dirige para o
seu próprio fim e por seus próprios meios e razões, a qual é absoluta, completa e
suficiente em si mesma para alcançar aquelas coisas que lhe pertencem, e que não está
submetida nem unida como parte, nem misturada, nem confundida com nenhuma outra
sociedade" (Esquema preparatório do Vaticano I)
- Os modernistas negam que Cristo tenha querido fundar a Igreja como sociedade, mais
ainda, que tenha querido fundar uma Igreja. (Decreto Lamentabili 1907). Proposição
condenada nº 52: "Foi alheio à mente de Cristo constituir a Igreja como uma sociedade
que duraria na terra por largos séculos; mais ainda, na mente de Cristo o reino dos céus
estava a ponto de chegar junto com o fim do mundo"
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"Esta sociedade, embora formada de homens como a comunidade civil, no entanto, pelo
fim que se estabeleceu e pelos meios que possui para atingir esse fim, é sobrenatural e
espiritual e, por isto, distingue-se e difere da sociedade civil. E, o que é mais interessante,
é no seu género e por direito perfeita, já que possui em si e por si mesma todos os auxílios
necessários para a sua acção, e isto por vontade e benefício do Seu fundador. Assim como
o fim para que tende a Igreja é muito mais nobre, assim o seu poder é muito mais elevado
que os outros, nem pode ser considerada inferior ao poder civil nem de maneira nenhuma
pode ser-lhe prejudicial" (DS 3167).
Esta doutrina é uma constante em Pio X, Bento XIV e Pio XI. Este fala de três
sociedades necessárias: duas naturais (família e comunidade civil) e uma sobrenatural: a
Igreja (Divini illius Magistri: 1929. DS 3685). Pio XII tenta fundir as duas noções: corpo
místico e sociedade, mostrando que a Igreja é sociedade visível e que essa sociedade
enquanto tal é o corpo de Cristo; e que por sua vez este não se refere a uma magnitude
espiritual invisível, mas a essa mesma realidade social, identificável no mundo como tal
Igreja.
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consigo a união de homens, que se propõem um fim, que fixam uns meios para os
conseguir, e que se unem entre si com uns vínculos, ao mesmo tempo que estabelecem
uma autoridade, que regula os direitos e deveres que existem entre eles.
a) Origem ou instituição
b) Constituição ou estrutura
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Sobre este esquema de fundo afirma-se que a Igreja é a união estável de homens,
fundada por Cristo para conseguir um fim sobrenatural (a salvação), perseguem este fim
com a ajuda dos sacramentos e sob a direcção dos pastores que a regem.
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chamamos Igreja". Desta perspectiva são três as qualidades que se sublinharam com
especial interesse. A Igreja é uma sociedade:
À luz destes três dados vão ficar em primeiro plano a dimensão externa e
hierarquizada, de forma que a distinção entre governantes e governados passa a primeiro
plano. Esse poder, que fundamenta a distinção pode ser situado no episcopado, como seu
lugar próprio, dele participando outros, ou pode ser situado no Papa. Quando se faz isto
e se absolutiza até ao ponto de considerá-lo como supremo, único e fazendo derivar dele
todo o poder na Igreja, temos uma compreensão monárquica.
A Igreja não é uma monarquia, porque o Papa não é o único poder do qual
derivaria todo o outro poder, de que poderia prescindir ou subjugar, uma vez que os
Bispos são igualmente de direito divino. Nem sequer a infalibilidade permite uma
compreensão monárquica da Igreja: que seja a autoridade suprema não quer dizer que
seja a única nem absoluta, enquanto que possa anular as outras. Quando se compreendeu
a Igreja equiparando-a a uma monarquia política e ao Papa como um monarca
constitucional ou hereditário desnaturalizou-se a Igreja (Cf. Karl Rahner, L'Episcopat,
541-564).
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necessitava: cultura, saúde, desporto. Numa palavra a Igreja como sociedade perfeita
acabou por significar um mundo cristão, ao lado do mundo pagão.
1. O Vaticano II manteve o termo 'societas' mas sem fazer dele o centro de compreensão
da Igreja. Este centro é o termo 'mysterium' 'comunio' 'populus messianicus'.
Algumas situações:
"Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade' (LG 8).
"São plenamente incorporados à sociedade que é a Igreja" (LG 14).
"Os Apóstolos trataram de estabelecer sucessores, nesta sociedade hierarquicamente
constituída" (LG 20).
"constituiu dentre os fiéis, alguns como ministros que, na sociedade dos crentes,
possuíssem o sagrado poder da Ordem" (PO 2).
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5. Neste sentido reconhece implicitamente que a Igreja é uma sociedade perfeita na sua
ordem própria, mas com isso não ratifica a concepção fechada da Igreja sobre si
mesma, como um mundo suficiente, que oferecia ao cristão todas as possibilidades
necessárias à sua humanidade em todas as ordens. A Constituição pastoral Gaudium
et Spes abriu a Igreja à situação histórica, convidando-a a partilhar em solidariedade
todas as necessidades e alegrias da história humana. A Igreja já não tem como
primeira tarefa as suas obras mas a obra única e comum da humanidade.
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6. O conceito de sociedade não pareceu ao Concílio apto para explicitar descobertas que
na consciência conciliar eram decisivas: a igreja local e o ecumenismo. A categoria
de sociedade perfeita era referida à Igreja universal, com o seu centro em Roma, a
única que tinha capacidade de legislar, reger e obrigar definitivamente e para todos.
As Dioceses neste sentido não seriam Igreja, porque não seriam sociedade perfeita.
Toda a teologia da Igreja local, exposta na Lumen Gentium vai contra esta orientação,
ao fazer da Igreja local o lugar de realidade e de realização da Igreja como plenitude
de graça.
A liberdade que pede para ela é a que pede para todos. Os pontos de partida são
os direitos da pessoa humana e a liberdade de agrupação num mundo pluralista. A
Igreja não reclama do Estado uma liberdade para ela como grupo privilegiado, mas
reclama para as pessoas o âmbito da sua afirmação plena, como indivíduos e como
grupos, na ordem eclesial e noutras ordens. Por isso, reclama liberdade para a missão;
liberdade para os seus ministros e suas instituições.
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VI
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A Igreja está situada como ponto de inserção de uma realidade divina e como
ponto de efusão ou comunicação dessa realidade divina aos homens. Essa é, portanto a
sua essência: a sua missão. Ontologia e funcionalismo aqui coincidem. A Igreja é aquilo
para o que existe: realidade cuja consistência consiste na disponibilidade nas mãos de
Deus para o serviço dos homens. Ser e serviço, realidade e missão coincidem.
SC 2: "A Liturgia, pela qual, especialmente no sacrifício eucarístico, «se opera o fruto
da nossa Redenção», contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e
manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja,
que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis,
empenhada na acção e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina,
mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o invisível
, a acção à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos. A Liturgia ... mostra
a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações".
SC 26: "As acções litúrgicas não são acções privadas, mas celebrações da Igreja, que é
"sacramento de unidade", isto é, Povo Santo reunido e ordenado sob a direcção dos
Bispos".
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LG 9: "Aos que se voltam com fé para Cristo, autor de salvação e princípio de unidade
e de paz, Deus chamou-os e constituiu-os em Igreja, a fim de que ela seja para todos e
cada um sacramento visível desta unidade salutar".
LG 48: "Na verdade, Cristo, elevado sobre a terra, atraiu todos a si; ressuscitado de entre
os mortos, infundiu nos discípulos o Seu Espírito vivificador e por Ele constituiu a Igreja,
Seu corpo, como universal sacramento da salvação".
GS 45: "Ao ajudar o mundo e recebendo dele ao mesmo tempo muitas coisas, o único
fim da Igreja é o advento do reino de Deus e o estabelecimento da salvação de todo o
género humano. E todo o bem que o Povo de Deus pode prestar à família dos homens
durante o tempo da sua peregrinação deriva do facto que a Igreja é o «sacramento
universal da salvação», manifestando e actuando simultaneamente o mistério do amor de
Deus pelos homens".
GS 43: "Ainda que a Igreja, pela virtude do Espírito Santo, se tenha mantido esposa fiel
do Senhor e nunca tenha deixado de ser um sinal de salvação no mundo".
AG 1: "A Igreja, enviada por Deus a todas as gentes para ser «sacramento universal de
salvação»".
A aplicação deste termo à Igreja situa-se entre outros dois termos, à luz dos
quais recebe o seu sentido: O 'mistério' e os 'sacramentos'. A Lumen Gentium tem este
significativo título: "Sobre o mistério da Igreja" e ao longo do capítulo chama à Igreja
'mistério'. O termo designa originariamente o plano de salvação de Deus realizado em
Cristo; depois designa a própria pessoa de Cristo; depois os momentos fundamentais da
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Aparecem aqui duas cosmovisões que vão ser decisivas para compreender a
afirmação da Igreja como 'sacrammentum'. A compreensão grega da realidade e da
encarnação que vê o mundo como 'símbolo' 'presença' 'manifestação' de outra ordem de
realidade, que se torna presente e acessível no mundo. Compreensão, portanto, 'epifânica
- monstrativa'. Frente a ela temos a compreensão que podíamos chamar aristotélica
ocidental, que vê a relação entre este mundo e o outro com categorias de causalidade, de
eficiência. Frente ao mistério grego está a causa latina.
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A fórmula tem duas partes: uma descreve a estrutura da Igreja ordenada a uma
função; a outra descreve o conteúdo dessa funcionalidade histórica: Os termos:
A) Sinal B) Salvação
Instrumento Unidade com Deus
Orgão Unidade entre os homens
Sacramento Graça
Encontro com Deus
Transcendência do homem
2. 'À maneira de' 'Veluti'. Com esta palavra pretende diferenciar-se a Igreja de cada
um dos sinais sacramentais, dos sete sacramentos. Não é, que agora haja mais um
sacramento junto aos sete. A Igreja é a realidade anterior, fundante e matriz de que
fluem os sacramentos e por meio dos quais se actualiza a sua virtude salvífica. A
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"A primeira coisa que se reflecte de maneira sempre variada, de sete maneiras
especificamente diferentes, na recepção de cada sacramento, é o contacto vivo com
a Igreja visível nas suas acções características de Igreja, as quais representam Cristo.
Isto implica já que a ordem fundamental dos sete sacramentos teve que ser
estabelecida por Cristo na fundação da Igreja. Pela fundação da Igreja, a plenitude da
graça redentora está ligada com o grande sinal externo, com a Igreja como facto
histórico e representativo da redenção cumprida. Desta maneira, a fundação da Igreja
como sacramento primeiro por Cristo significa também fundamentalmente a
instituição dos sete sacramentos. Os sete sacramentos não são mais que a
concretização e actualização do que a Igreja é essencialmente" (Schillebeeckx).
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Realidade, figura visível, que remete para outra invisível é o sinal. O nível
específico do sinal é a notificação e a apelação. Não se situa, no entanto, na pura
ordem da inteligência. O sinal é pessoal, enquanto que apela para a totalidade
perceptiva do homem e faz que este vá ao encontro dessa realidade. No nosso caso,
a visibilidade da Igreja, com toda a complexa realidade das suas formas de vida e
homens, torna possível que Deus os encontre, por meios conaturais à vida.
"O sinal sacramental - neste caso a Igreja visível - é o ponto de contacto onde
se há-de encontrar Deus com a sua graça e o homem com a sua entrega a Deus"
(Semmelroth). É, portanto, a totalidade histórica e a realização vivida o que se
converte em ocasião do encontro do homem com Deus. Este é resultado da iniciativa
divina que, quis fazer da Igreja o caminho para Ele chegar aos homens.
O sinal, é natural num sentido (uma vez que todo o homem é caminho para que
o próximo se encontre consigo mesmo, com o mundo e com Deus) mas é sobretudo
positivo, responde à vontade concreta de Cristo de querer que seja essa instituição,
esses sinais e esses homens, os que o tornem presente. De forma semelhante, Cristo
é o sacramento do encontro com Deus. É um homem (aspecto natural), mas é um
homem concreto e não outro através do qual Deus se nos dá (aspecto positivo).
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coisas que transporta dentro de si; que pode oferecer àqueles que nela se incorporam.
O mistério da salvação de que fala está presente no meio dela. O Reino de Deus já
começou a existir no seu seio, fazendo dela lugar de revelação e de doação e mediação
para os outros. O Reino de Deus não se identifica com a Igreja, mas não se pode
separar absolutamente a Igreja do Reino.
Por ser sinal, não primariamente intelectual mas pessoal, a Igreja torna possível
o encontro interpessoal com Deus. E é nesse encontro de pessoa a pessoa que tem
lugar a união com Deus e como resultado dela a salvação. É aí que o homem atinge
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a sua plenitude, isto é, a sua redenção. Esta é, por conseguinte, fruto do encontro com
Deus, do acolhimento da sua vida, da resposta em liberdade e da exercitação da
existência em conformidade com essa vida resultante da união com Deus.
A Igreja está no mundo para isso: para tornar possível o encontro de Deus que
se abre ao mundo e o encontro do homem que procura Deus. Os textos conciliares
põem a Igreja em relação com o Espírito Santo: "pelo Espírito Santo" é sacramento
universal de salvação. Ele é o agente que, por meio dos sinais e acções da Igreja leva
a cabo a união com Deus e a salvação. Não os homens por si mesmos.
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"A Igreja, que por razão da sua missão e da sua competência não se confunde de
modo nenhum com a comunidade política nem está ligada a sistema político nenhum,
é sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana" (GS 76,2).
E a LG 8:
"Assim como a natureza assumida serve ao Verbo divino de instrumento vivo de
salvação, a Ele indissoluvelmente unido, de modo semelhante a estrutura social da
Igreja serve ao Espírito de Cristo que a vivifica para o crescimento do corpo".
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2. A Igreja, tal como os sacramentos, significa e contém a graça. É, para os que nela
se integram e não colocam obstáculos à graça, o lugar de salvação em que podem
esperar confiados, já que, não é o seu esforço ou santidade pessoais o que garante a
amizade e reconciliação com Deus, mas a sua própria instituição. A Igreja tem, por
conseguinte, o perigo do objectivismo sacramental, a afirmação levada ao limite do
ex opere operato, deixando fora o sujeito. Mas essa atitude é só a caricatura de uma
dimensão da realidade: a validade objectiva da instituição querida por Deus, na qual
o homem pode confiadamente entregar-se, sem ter que velar desesperadamente pela
sua salvação.
A Igreja não é, por isso, o lugar onde uma pessoa se integra depois de ter
adquirido a perfeição, ou a mera manifestação da identidade cristã: ela é uma
realidade objectiva, anterior à decisão do homem, é uma instituição salvífica querida
por Cristo, e a sua validade não depende da perfeição dos que a formam, nem está à
mercê da santidade dos seus membros. Os seus actos estão apoiados e garantidos pelo
seu fundador e fundamento perene. Nem sequer o pecado dos seus membros pode
prevalecer contra ela:
"Se alguém disser que os sacramentos da nova lei não contêm a graça que significam,
ou que não concedem a graça a quem não coloca obstáculos, porque são somente
sinais externos da graça ou da justiça recebida pela fé, e certas notas da profissão
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cristã, pelas quais os crentes se distinguem dos não crentes: esse seja anátema"
(Concílio de Trento. DS 1606).
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unidade'. Essa é a sua vocação: convocar os homens para a união entre si, como
resultado da união com Deus.
"A Igreja é aqui na terra o sacramento de Jesus Cristo, como Jesus Cristo em si
mesmo é para nós, na sua humanidade, o sacramento de Deus"53.
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único mediador; risco de que a Igreja passe da sua atitude de ouvinte da palavra,
cumpridora do mandato e serva de Jesus Cristo, a dona da graça e coisificadora da
graça nos seus ritos; finalmente o risco de silenciar a acção do Espírito Santo nela.
Se é verdade que certas expressões podem dar motivo a isso, no entanto, o Concílio
sublinhou sempre que a Igreja é sacramento 'em Cristo' (LG 1) e a partir do Espírito
Santo (LG 48; 59). Ela existe como sinal, remetendo para Cristo, causa suprema e
se é causa é pela acção permanente do Espírito Santo nela.
CONCLUSÃO
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4. O sacramento e, por isso, a Igreja tem dois níveis de realidade explicitados nas duas
palavras: sinal e instrumento. O primeiro indica que a outra ordem de realidade se
mostra, se significa, convida o homem a transcender-se, a responder, a integrar-se
nela. O segundo indica que essa outra ordem de realidade não é só potência, mas
também comunicação. O sacramento, por isso, significa a causa. Os dois efeitos são
inseparáveis: nem há sentido sem causalidade, nem causalidade sem significação.
5. Esta definição engloba por igual tudo na Igreja: coisas e pessoas, instituição e
homens. Todo o povo de Deus é sujeito de salvação, é sacramento e transmite a
salvação nos diversos níveis de exercitação da sua existência cristã.
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No livro de Josué (cap. 2) conta-se que este enviou dois exploradores secretos a
Jericó para que estudassem a melhor maneira de atacar a cidade. Encontraram alojamento
e esconderijo na casa de uma prostituta, Rahab. Como recompensa prometeram-lhe que
tanto a sua casa como quantos nela se encontrassem seriam perdoados na destruição da
cidade. Deveria servir como sinal, uma fita vermelha pendurada na janela.
“Quem deste povo quiser salvar-se venha a esta casa na qual está o sangue de Cristo
como redenção. Ninguém tenha ilusões, ninguém se deixe enganar a si mesmo. Fora
desta casa, isto é, fora da Igreja não se salva ninguém. Se alguém sai dela, condena-se
a si mesmo à morte” (Jn 3: PG 12,841).
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ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Se pôde escapar algum que esteve
fora da arca de Noé, também escapará quem estiver fora da Igreja... Quem rompe a paz
e a concórdia da Igreja, actua contra Cristo; quem recolhe fora da Igreja, dispersa a Igreja
de Cristo”.
“Firmemente crê, prega e confessa que ninguém que não esteja dentro da Igreja
católica, não só pagãos, mas também judeus, hereges e cismáticos, pode participar da
vida eterna, mas irá para o fogo eterno que está aparelhado com o diabo e seus anjos, a
não ser que antes da morte se incorpore à Igreja” (DS 1351).
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“A Igreja sempre pregou o princípio de que fora da Igreja não há salvação. No entanto,
nem sempre se requer que quem tenha alcançado a salvação eterna se tenha incorporado
à Igreja como membro de facto, mas ao menos é necessário que tenha pertencido em
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desejo... Pois quando o homem é vítima de ignorância invencível, Deus aceita também
um desejo implícito...” (DS 3866-3873).
Ninguém duvida hoje de que os que não pertencem à Igreja visivelmente podem
salvar-se. O que se tornou problemático é a pertença à Igreja. Isto é, se os que estão fora
da Igreja se salvam, porque tenho eu que estar dentro da Igreja? Vejamos o que diz
Martín Velasco:
Porque não abandono a Igreja? Porque tem ainda solução? Porque a partir de dentro se
pode trabalhar na sua transformação? Não, por Deus! Que ela não me abandone a mim!
Que não me deixe às minhas luzes, às minhas forças, à minha iniciativa! Que faria com
as minhas culpas sem a solidariedade no perdão que vivo nela? Que faria com meus
temores sem a solidariedade na esperança em que me banha? Onde melhor que nela posso
tornar realidade a fraternidade universal a que aspiro?”54
Este desejo implícito é invisível pela sua própria natureza e aqui estamos tratando de
critérios visíveis para demonstrar a pertença à Igreja.
Este desejo implícito identifica-se com uma espécie muito vaga de boa vontade e boa
fé. E a boa vontade não basta para obter a salvação porque isso seria pelagianismo.
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