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Ciência: & Saúde Coletiva

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Ciência & Saúde Coletiva

cienciaesaudecoletiva.com.br DOI: 10.1590/1413-81232024296.17132023


ISSN 1413-8123. v.29, n.6

Educação popular no SUS: desafios atuais 1

no olhar do Observatório de Educação Popular em Saúde


e Realidade Brasileira

ARTIGO TEMÁTICO
Popular education in the SUS: current challenges
from the perspective of the Observatory of Popular Health Education
and the Brazilian Reality

Pedro José Santos Carneiro Cruz (http://orcid.org/0000-0003-0610-3273) 1


Pedro Nascimento Araujo Brito (https://orcid.org/0000-0003-4710-7481) 1
Elôysa Laura Pereira de Santana (https://orcid.org/0000-0003-0450-8461) 1
José Carlos da Silva (https://orcid.org/0000-0002-4400-8608) 2
Daniella de Souza Barbosa (https://orcid.org/0000-0003-3533-146X) 1
Odara Alves Moraes (https://orcid.org/0009-0008-3578-5406) 1

Abstract This paper aims to bring reflections Resumo Este trabalho se propõe a trazer refle-
and notes for strengthening Brazilian structu- xões e apontamentos para o fortalecimento de po-
ring public policies, focusing on Popular Health líticas públicas estruturantes no Brasil, com foco
Education in the Unified Health System (SUS) na Educação Popular em Saúde no Sistema Único
from the perspectives built in the Observatory de Saúde (SUS), a partir das perspectivas cons-
of Popular Health Education and the Brazilian truídas no Observatório de Educação Popular em
Reality. The Observatory is a valuable space for Saúde e Realidade Brasileira. O Observatório é
sharing health professionals’ and popular educa- um espaço profícuo para o compartilhamento de
tors’ interpretations and experiences about local interpretações e experiências de profissionais de
and Brazilian realities from the perspective of Po- saúde e educadores populares sobre a realidade
pular Health Education. During its two years of local e realidade brasileira, a partir da ótica da
activity, the Observatory has gathered summary Educação Popular em Saúde. De forma dialógica
interpretations of Popular Health Education for e participativa, ao longo de seus 2 anos de ativi-
the crises that traverse the country’s recent his- dade, o Observatório foi capaz de reunir interpre-
tory in a dialogical and participatory way. In a tações sintéticas da Educação Popular em Saúde
panoramic view, the shared statements point to para as crises que atravessam a história recente
challenges for valuing the human approach to do país. De maneira panorâmica, as falas com-
health promotion, including respecting local and partilhadas apontam desafios para valorização
community knowledge and social practices. Mo- da abordagem humana na promoção da saúde,
reover, we underscore the importance of social com a inclusão e o respeito aos saberes e práticas
participation in constructing participatory social sociais locais e comunitárias. Além disso, desta-
processes in public health toward citizen auto- ca-se a importância da participação social na
nomy and expanded democratic dynamics in the construção de processos sociais participativos na
Brazilian State and its social equipment. saúde pública, visando à autonomia do cidadão e
1
Universidade Federal da Key words Popular Health Education, Collective à ampliação da dinâmica democrática no Estado
Paraíba. Campus I Lot. Health, Social Movements, Community Partici- brasileiro e em seus equipamentos sociais.
Cidade Universitária.
pation, Information and Communication Tech- Palavras-chave Educação Popular em Saúde,
58051-900 João Pessoa PB
Brasil. pedrojosecruzpb@ nologies Saúde Coletiva, Movimentos Sociais, Participa-
yahoo.com.br ção da Comunidade, Tecnologias da Informação
2
Universidade Federal de
e Comunicação
Pernambuco. Recife PE
Brasil.
Cien Saude Colet 2024; 29:e17132023
2
Cruz PJSC et al.

Introdução práticas e grupos, manteve-se ativo, mesmo em


face da pandemia da COVID-19.
O presente manuscrito apresenta e problematiza No período pandêmico, exatamente em
os desafios atuais para a Educação Popular em 2021, o PINAB/UFPB iniciou a experiência do
Saúde (EPS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Observatório de Educação Popular em Saúde e
Trata-se de um artigo de opinião, redigido a par- Realidade Brasileira em ambiente remoto, por
tir de construtos coletivamente produzidos no meio de videoconferências pelo Google Meet, na
âmbito da experiência do “Observatório de Edu- perspectiva de, em um momento de crise, man-
cação Popular em Saúde e Realidade Brasileira”. ter, promover e tornar possível o encontro entre
Desenvolvido há dois anos, ele é ancorado ins- os diferentes protagonistas das práticas de EPS. O
titucionalmente no Departamento de Promoção intento foi incentivar a participação dessas pes-
da Saúde do Centro de Ciências Médicas da Uni- soas em encontros virtuais, a fim de que juntas
versidade Federal da Paraíba (UFPB) por meio pudessem refletir sobre a conjuntura brasileira e
do Programa de Pesquisa e Extensão Práticas os desafios da realidade social e política, vislum-
Integrais de Promoção da Saúde e Nutrição na brando, por meio do diálogo, as possibilidades,
Atenção Básica (PINAB). E tem apoio do Grupo alternativas e estratégias de resistência e de supe-
de Pesquisa em Extensão Popular (EXTELAR), ração dos desafios, mantendo vivas as experiên-
vinculado ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa cias e suas potencialidades3.
e Extensão em Economia Solidária e Educação Assim, com o artigo em tela, pretendemos
Popular (NUPLAR) da UFPB. aprofundar esse processo que busca o aprimora-
As reflexões e os apontamentos aqui presen- mento dos princípios da integralidade, da equi-
tes visam a contribuir com o debate em torno da dade e da participação da comunidade no coti-
atual agenda de fortalecimento de políticas pú- diano do fazer das práticas locais de saúde.
blicas estruturantes, em especial aquelas voltadas
à constituição de processos sociais participativos Educação Popular em Saúde
e que valorizem a institucionalização de ações e e seu papel atual
serviços caracterizados por uma abordagem hu-
manística e promotora da emancipação da popu- As palavras formuladas e partilhadas no pre-
lação. E que incluam e respeitem – na ação dos sente manuscrito buscam constituir-se como
serviços públicos – os saberes e as práticas sociais contribuições às atividades de companheiros e
locais e comunitárias. companheiras de todo o país que persistem na
A EPS configura um amplo e histórico cam- caminhada pelo campo da Educação Popular
po de práticas, de experiências e de movimentos (EP) e sua interface com a saúde.
sociais que, ao longo das últimas seis décadas, É preciso situar que a EPS tem se apresentado
vêm acumulando saberes e difundindo ideias, como um referencial significativo na orientação
metodologias, abordagens e tecnologias de rela- da construção de espaços, iniciativas e experiên-
cionamento entre os profissionais de saúde e a cias concretas para o desenvolvimento crítico de
população. Esses últimos – profissionais de saúde trabalhos sociais e educativos, conectados com a
e população – apontam, efetivamente, para no- realidade social e com a vida que pulsa nos ter-
vas possibilidades de formatação dos serviços de ritórios4, particularmente o contexto da Atenção
saúde, construindo-os com um olhar dialógico, Primária à Saúde (APS).
humanizado e profundamente articulado com a Nesse contexto, a EP mobiliza as pessoas a se
escuta e a inclusão. organizarem na formulação e desenvolvimento
Nos últimos sete anos, o conjunto de retro- de um agir crítico, participativo e transformador
cessos civilizatórios aos quais a população bra- da realidade5, seja pela pesquisa, ensino e ação
sileira foi exposta, especialmente repercutindo social, seja por intermédio de grupos educativos
no desmantelamento e desestruturação de várias e terapêuticos, de projetos, de espaços de escuta
políticas públicas atingiu também as experiên- e encontro comunitário, de ações de apoio social
cias, os movimentos e as práticas de EPS. Tanto e solidariedade, de oficinas, cursos populares e
as iniciativas ancoradas nos serviços e gestão em criação de espaços de organização local. São seus
saúde das universidades e centros de pesquisa e protagonistas atores sociais de diferentes lugares
ensino como as protagonizadas pelos movimen- e com variadas experiências em movimentos so-
tos sociais e demais grupos populares e comuni- ciais, em práticas populares, por meio de estu-
tários1,2. Apesar dos recuos, o movimento de EPS dantes, técnicos e professores e professoras uni-
brasileiro, com sua diversidade e amplitude de versitários, trabalhadores e trabalhadores da área
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da saúde e demais áreas sociais, como educação, de debates em duas de suas reuniões. As reuni-
meio ambiente, assistência social, entre outras6. ões sistematizadas ocorreram no 8º encontro do
No agir dessas pessoas e de seus grupos, a EP Observatório, em 14/11/202214, e no 9º encontro,
vai se revelando como um conjunto de princípios realizado em 19/12/202215. Nas referidas reuni-
ético-políticos e pedagógicos que subsidiam a ões, estiveram presentes 74 pessoas com diferen-
construção compartilhada da ação social neces- tes inserções na área da saúde: conselheiros(as)
sária para o enfrentamento às iniquidades sociais de saúde, integrantes de movimentos sociais e de
locais e o desvelamento de alternativas e possi- práticas populares de saúde, trabalhadores(as) e
bilidades de novos horizontes para a vida com gestores de saúde com atuação nos serviços do
qualidade e dignidade. SUS, estudantes, docentes e pesquisadores(as) da
Se é verdade que a EP não pode chamar ape- área de saúde e áreas afins, oriundos(as) de insti-
nas para si a capacidade de mobilizar processos tuições de ensino superior.
de mudança ante às injustiças, também é verda- A primeira reunião contemplou uma ex-
deiro sinalizar que é próprio dessa perspectiva a posição formulada por Osvaldo Bonetti, (edu-
mobilização de estratégias de enfrentamento e cador popular e pesquisador da Fiocruz) e por
de superação que, necessariamente, passem por Eliana Cruz (educadora popular e pesquisadora
uma leitura crítica do mundo e da vida7. da área de Saúde Coletiva). Logo em seguida,
Assim, compreendemos que EP é um pro- foram abertos diálogos e debates, levantamento
cesso de ensino e de aprendizagem mediatizado de questões para reflexão, bem como com for-
pelo trabalho8, compreendido como uma ação mulação de proposições. Na segunda reunião,
transformadora sobre a realidade social para sua não houve exposições iniciais, de maneira que se
humanização permanente. A EP, na nossa visão abriu prioritariamente o espaço para propostas e
é um fazer educacional pautado pelo diálogo de sugestões para o fortalecimento da EPS no SUS.
saberes e práticas, pela participação ativa, crítica As reuniões foram gravadas e depois pos-
e propositiva das pessoas, na construção com- tadas no YouTube, no Canal do PINAB/UFPB.
partilhada de possibilidades de suplantação dos Para a sistematização, os pesquisadores e organi-
problemas sociais vividos no cotidiano. A EP é, zadores do Observatório realizaram a transcrição
assim, uma ação humana9 cujo conteúdo está na dos debates, seguindo-se a leitura do material e
realidade do concreto vivido e nas formas de sen- sua análise, na perspectiva de se identificarem
tir, de pensar e de agir das pessoas, no mundo propostas relevantes. Após enumerar as diversas
concreto da realidade social10, nas suas buscas proposições, os pesquisadores buscaram cons-
por autonomia e por emancipação. truir sínteses que reuniram as temáticas próxi-
Como fundamentado por Jara Holliday11, a mas. Após essa etapa, dividiu-se o conjunto de
EP configura-se como uma teoria do conheci- propostas em categorias, de maneira didática e
mento, que possui pressupostos e bases filosófi- amplamente compreensível.
cas específicas no sentido de orientar uma ação Como recomendado por Jara Holliday13, pau-
humana propositiva, consequente e socialmente tamos a análise pela perspectiva da concepção
referenciada. metodológica dialética. Para o autor, essa é “uma
maneira de conceber a realidade, de aproximar-
-se dela, para conhecê-la e atuar sobre ela para
Aspectos metodológicos transformá-la. É, por isso, uma maneira integral
de pensar e de viver: uma filosofia”13. Tal meto-
Trata-se de um artigo de opinião, construído dologia de análise, segundo o autor, envolve con-
com abordagem qualitativa12, à luz da perspec- siderar o objeto na perspectiva da realidade em
tiva metodológica da sistematização de experi- movimento, da historicidade, das contradições e
ências, nos termos fundamentados por Oscar da totalidade à luz da abordagem marxista.
Jara Holliday13, o qual indica, em seu método,
ser fundamental se explicitar a experiência a Propostas das pessoas que compõem
ser sistematizado e o fio condutor (foco) da sis- o Observatório
tematização. Como assinalado anteriormente, a
experiência analisada ocorreu no Observatório A construção das propostas apresentadas
de Educação Popular em Saúde e Realidade Bra- neste artigo é resultado das discussões dos mem-
sileira, e o foco da sistematização foram as pro- bros do Observatório de Educação Popular em
postas para a EPS no Governo Lula, formuladas Saúde e Realidade Brasileira, numa ação teci-
pelos participantes do Observatório no decurso da coletivamente com mais de uma centena de
4
Cruz PJSC et al.

pessoas atuantes na saúde pública do país. Nessa Política Nacional de Educação Popular em Saú-
perspectiva, buscamos colocar ênfase no fazer: i) de (PNEPS-SUS) de forma participativa, com os
do Estado, que pudesse romper com a perspec- vários coletivos, grupos, entidades e movimentos
tiva ante participativa; ii) das políticas públicas, que a defendem e a praticam;
que aprofundassem os processos de cuidado • Aprofundamentos das iniciativas de plane-
humanizado em saúde e, iii) das perspectivas de jamento em saúde de forma efetiva e participati-
construção participativa, democrática e integral va, priorizando-se assim, uma relação entre so-
da saúde. ciedade, governo e Sistema Único de Saúde mais
Fortalecimento e consolidação do campo da dialógica nos projetos de construção da saúde e
Educação Popular em Saúde: nos vários fóruns e instâncias de discussão e de
• Valorização das experiências e das práticas deliberação;
de EPS e sua potencialidade de apontar e propor • Restabelecimento da Política Nacional de
metodologias, abordagens e princípios ético-po- Gestão Participativa em Saúde, no âmbito federal;
líticos e pedagógicos capazes de contribuir com o • Valorização das iniciativas que, organica-
aprimoramento do cuidado, da gestão, da parti- mente, trazem a dimensão da cultura popular
cipação social e da formação em saúde no SUS; e dos saberes ancestrais nas ações de saúde nos
• Criação de espaços de discussão e de cons- territórios;
trução conjunta nacional com os vários coletivos, • Incentivo às estratégias de comunicação em
grupos, entidades e movimentos que defendem e saúde que valorizem a cultura popular e incluam/
praticam a EPS no Brasil, na perspectiva de res- envolvam seus mestres e mestras.
gatar questões e debates descontinuados desde Educação Popular na Atenção Primária à
que a EP saiu do cenário institucional nos últi- Saúde e seu apoio às equipes e dinamização de
mos anos; ações nos territórios:
• Mobilização de estratégias de diálogos e de • Valorização do papel da EPS, na organização
encantamento, na perspectiva de aproximação e das ações e dos serviços da APS, com o incentivo
integração de protagonistas mais jovens nas ações à realização de práticas educativas com esse olhar,
de EPS e de participação social em saúde, inclusi- com apoio e valorização para que os(as) profis-
ve com o objetivo de revitalizar as lideranças. sionais de saúde realizem práticas de cuidado, de
Educação Popular em Saúde, Garantia de Di- participação social, de gestão e de vigilância em
reitos e Defesa do SUS: saúde com o olhar dialógico nos territórios;
• Garantia de escuta dos(as) protagonistas • Criação de dispositivos institucionais que
das experiências e das práticas de EPS nos espa- garantam aos(às) trabalhadores(as) da APS dis-
ços de debate, de construção e de deliberação das ponibilidade de tempo para se dedicarem a ações
políticas de saúde no SUS; de práticas educativas junto à comunidade, a re-
• Valorização das experiências e das práticas alização de práticas de cuidado, de participação
de EPS e sua potencialidade de apontar e propor social, de gestão e de vigilância em saúde, com o
metodologias, abordagens e princípios ético-po- olhar dialógico nos territórios, transbordando a
líticos e pedagógicos capazes de contribuir com o vertente assistencial do pronto-atendimento;
aprimoramento do cuidado, da gestão, da parti- • Estímulo, valorização e apoio ao envolvi-
cipação social e da formação em saúde no SUS; mento ativo dos(as) agentes comunitários(as)
• Rememoração, na perspectiva de estudar e de saúde com ações de cuidado, de promoção à
analisar criticamente, do neofascismo, seus mo- saúde e de vigilância à saúde nos territórios, so-
vimentos e suas políticas, na perspectiva de não bretudo aquelas que enfatizam e desenvolvem o
apagar da memória dos sujeitos sociais os re- protagonismo comunitário na saúde;
trocessos civilizatórios e cuidar, nas práticas de • Fortalecimento de iniciativas de redes e de
saúde, do cultivo de relações e de ações que se experiências de apoio social nos territórios, na
contraponham explicitamente a essa vertente po- perspectiva do fortalecimento do cuidado cole-
lítica, não apenas não sendo fascistas, mas sendo tivo e da participação comunitária nas ações de
antifascistas. cuidado em saúde;
Educação Popular em Saúde, Institucionali- • Prioridade à capilarização da participação
zação e Gestão do SUS: popular nos territórios, especialmente por meio
• Reconstituição do Comitê Nacional de de conselhos locais, vigilância popular em saúde,
Educação Popular em Saúde (CNEPS), como agentes populares de saúde e outras iniciativas
instância de coordenação e de articulação nacio- locais e comunitárias de construção participativa
nal em torno da retomada e fortalecimento da da saúde.
5

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Educação Popular em Saúde, Trabalho em pulação em situação de rua, tanto na formação
Saúde e Educação Permanente: dos(das) profissionais que desvelam o cuidado
• Desenvolvimento de estratégias de proces- com essas pessoas, como dos(as) ativistas em
sos de educação permanente em saúde que inclu- seus movimentos e organizações;
am, em suas metodologias e bases pedagógicas, • Ênfase ao caráter antirracista, antimachista,
elementos como o diálogo e a criticidade; anticapacitista e antilgbtransfóbico nas práticas
• Valorização de processos de educação per- de saúde, tanto pela aplicação de estratégias co-
manente em saúde que enfatizem a perspectiva municativas como nas práticas de cuidado e nas
de saúde como construção compartilhada, além práticas educativas em saúde;
de dinâmicas, metodologias e possibilidades para • Mobilização da participação de protagonis-
que os(as) trabalhadores(as) reconheçam, valori- tas mulheres, de negras e negros, de indígenas e
zem e incluam o protagonismo da comunidade e de pessoas LGBTQIAP+ nas práticas de saúde,
de seus(suas) protagonistas no dia a dia dos ser- nas experiências de EPS e nas instâncias de parti-
viços de saúde, em especial na APS; cipação social em saúde;
• Realização de processos formativos em EPS, • Ampliação e facilitação do acesso às práticas
para profissionais da saúde, tanto em nível nacio- de cuidado em saúde para a comunidade LGBT-
nal, como nos estados e municípios; QIAP+ nos territórios, com enfoque na popula-
• Fortalecimento das iniciativas e das experi- ção transvestigênere, garantindo a participação
ências de trabalho de base na saúde, inspirando- dessa população na construção dessas políticas;
-se em projetos como o dos(a) agentes populares • Utilização e atualização dos Conselhos
de saúde; como estruturas que ultrapassam a rigidez ins-
• Valorização das experiências de Extensão, titucional, tornando os processos de discussões
com ênfase comunitária, na formação dos(as) mais atrativos;
profissionais de saúde; • Articulação de modo mais orgânico e coti-
• Difusão e ampliação, nas instituições forma- diano (à) a ação dos Conselhos institucionais e
doras, da discussão em torno dos fundamentos dos fóruns e espaços populares de participação
da Extensão Universitária e das abordagens, di- social em saúde, unificando as pautas comuns en-
nâmicas e metodologias extensionistas que, efe- tre essas experiências.
tivamente, remem na direção do fortalecimento Educação Popular em Saúde, Práticas de Cui-
do SUS, da integralidade e do enfrentamento às dados e Integralidade:
iniquidades; • Ampliação das estratégias de cuidado com
• Apoio à realização de projetos de extensão a saúde mental e emocional na APS, valorizando
universitária, construídos de forma compartilhada tanto a comunidade como os(as) próprios(as) tra-
nos territórios e equipes de saúde da família, como balhadores(as);
forma de apoiar experiências de EPS na APS; • Continuidade da valorização das Práticas
• Apoio a iniciativas de formação de profis- Integrativas e Complementares em Saúde (PICS)
sionais em saúde, na perspectiva da comunicação em diálogo com a EPS;
em saúde, de maneira a potencializar o encontro • Valorização da participação e contribuição
dialógico com a comunidade e o território. das práticas populares de saúde nas ações e nos
Educação Popular em Saúde, Políticas de serviços do SUS;
Equidade, Controle Social e Participação • Estruturação de estratégias de formação em
• Retomada das ações das políticas de equida- PICS, a partir dos saberes e fazeres da comuni-
de em saúde, construindo-as de forma integrada dade;
com as políticas de gestão participativa e de EPS, • Fortalecimento e propagação dos conheci-
considerando-se temas como: política de Saúde mentos e práticas dos povos tradicionais na saú-
da População Negra, Saúde da Pessoa com Defi- de, garantindo a participação desses povos na
ciência, Saúde da População LGBTQIAPN+, po- construção dos planos de ação;
lítica do campo, floresta e águas, população em • Viabilização de oportunidades de atuação
situação de rua, população cigana; da EPS nas políticas e ações de promoção da se-
• Fortalecimento da EP como um dos fun- gurança alimentar e nutricional, reconhecendo,
damentos primordiais para o controle social em valorizando e apoiando iniciativas de EPS, media-
saúde e para a ação de suas instâncias, em espe- tizadas pelo diálogo e pela participação popular,
cial nos Conselhos e nas Conferências de saúde; no enfrentamento à fome e à pobreza econômica.
• Desenvolvimento de estratégias de EP vol- Essas proposições, construídas coletivamen-
tadas à promoção integral da saúde junto a po- te, em diálogos remotos por meio do Observató-
6
Cruz PJSC et al.

rio permitem reconhecer as muitas possibilida- pressiva o suficiente. Alinhando esse pensamento
des dos educadores e das educadoras populares com as propostas formuladas coletivamente pelo
em saúde, bem como o uso das tecnologias vir- Observatório, vemos quanto devemos efetiva-
tuais colocadas à disposição dos processos edu- mente pautar o apoio financeiro como incentivo
cativos, organizativos e comunicativos próprios e para as práticas locais, na capilaridade dos terri-
necessários à EPS. tórios e das Comunidades.
Nessa direção, as propostas apresentadas
Lições aprendidas, desafios enunciam, de forma assertiva, a centralidade da
e perspectivas da agenda atual valorização do papel da EPS na APS. Fazemos
referência aqui à forma equivocada de gestão de
Os momentos de construção das propostas muitas unidades básicas de saúde atuando como
acima referidas relembraram a potência existente centros de pronto atendimento, muito na linha
nos fóruns e espaços quando de sua construção das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA),
compartilhada assim como das ideias e estraté- deixando de cumprir um importante papel no
gias para o fortalecimento de EPS no SUS, algo sentido da abordagem comunitária, das ações
que foi tão presente no processo de construção de promoção da saúde, da territorialização, da
da PNEPS-SUS, desde a criação do CNEPS, com vigilância em saúde, das ações de prevenção em
suas dezenas de representações de coletivos, mo- saúde, da participação social local, entre outras.
vimentos, grupos e áreas técnicas do Ministério Ficando muito centradas no pronto atendimento,
da Saúde e de outros Ministérios, passando por de cunho médico centralizado, parte numerosa
encontros regionais e nacionais16. das unidades básicas brasileiras na APS têm se
Este momento recupera a esperança e res- tornado, de certo modo, espaços permeados pela
tabelece o senso de compromisso profissional, doença e não pela saúde, pela tristeza e não pela
para formular propostas em consonância com os alegria, pela desesperança e não pela potência,
anseios da maior parte da população brasileira. pelo medo da morte e não pela ânsia de viver
Assim, a participação expressiva de muitas pes- mais e melhor. A EPS possui metodologias, di-
soas, de vários coletivos, práticas e movimentos nâmicas e estratégias capazes de subsidiar a ação
de EPS, nos encontros do Observatório resulta- dos profissionais e das lideranças comunitárias
ram nas propostas aqui elencadas as quais de- no sentido de colaborar com a construção das
monstram a força da sociedade na perspectiva da unidades básicas de saúde como centros de re-
reconstrução de políticas públicas estruturantes e ferência para a construção da vida e de projetos
da resiliência de tantos grupos, coletivos e movi- de felicidade6. Podemos, portanto, dinamizar e
mentos sociais. apoiar as experiências de EPS na APS, com gru-
Neste sentido, cabe destacar, no conjunto das pos, ações e projetos locais construídos de forma
propostas, a necessidade premente de se resgatar compartilhada nos territórios com as equipes de
o CNEPS, na medida em que, no período 2009- Saúde da família, como já é realidade em vários
2016, esse consistiu precisamente em uma das lugares do Brasil17,18.
marcas muito importantes da PNEPS-SUS como Compreendemos que a experiência do Ob-
um espaço democrático, público e aberto para servatório de Educação Popular em Saúde e Re-
a construção participativa, acompanhamento, alidade Brasileira tem apontado uma nova pers-
monitoramento e avaliação do desenvolvimento pectiva de construção de lugares de encontro, de
das principais ações contempladas em seu plano diálogos e de intercâmbios. Como diferencial em
operativo. relação a outros espaços, o Observatório tem a
Outra dimensão importante que as propostas característica de ser gerido coletivamente, porém
elencadas revelam é a da necessidade de a EPS e sem a demanda organizativa que muitos grandes
suas expressões na atual gestão do Ministério da movimentos e coletivos precisam ter. Nele não há
Saúde insistirem no caminho de apoiar e incenti- lugar para tensões em torno de disputas por re-
var práticas, experiências e movimentos locais de presentatividades ou gerências internas. As pes-
EPS, em especial no contexto da APS. Na experi- soas que frequentam esse espaço se encontram
ência anterior de implementação da PNEPS-SUS, para se conhecer, para partilhar reflexões, para
houve um grande apoio a projetos de relevância socializar invenções, descobertas e potências de
nacional e com escopo amplo, mas a dimensão seus fazeres, para aprender com os saberes e os
do apoio às práticas locais e comunitárias (em- fazeres dos outros e para aprender juntos e jun-
bora presente, especialmente pelo Prêmio Victor tas. Sem demérito de qualquer tipo às experiên-
Valla de Educação Popular em Saúde) não foi ex- cias de movimentos, coletivos e organizações de
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maior complexidade e de tensões políticas e or- tidos em uma das sessões do Observatório, estão
ganizativas, a experiência do Observatório apre- impactando nas nossas práticas, no sentido do
senta-se como um espaço mais leve de articula- enfrentamento ao racismo e às iniquidades; b)
ção e comunicação, na medida em que, sendo um como o aprofundamento da insegurança alimen-
projeto de extensão, a participação é feita, pelas tar e o desmantelamento das políticas públicas de
pessoas, de modo mais despretensioso e desape- segurança alimentar no Brasil estão impactando
gado de expectativas outras, inclusive do ponto nas práticas de EPS.
de vista das disputas de poder. No Observatório,
as pessoas se encontram para se conhecer, se re-
conhecer, aprender, reaprender, formular e reali- Considerações em movimento
zar coletivamente ações de EPS, experiências de
humanização e de recivilização. Os apontamentos trazidos pelas propostas cons-
Sob tal perspectiva, é fundamental se marcar, truídas pelo Observatório de Educação Popular
neste texto, as contribuições singulares trazidas em Saúde chamam a atenção para a necessidade
pelos participantes do Observatório, não apenas de ampliarmos e fortalecermos espaços, experi-
nos dois encontros já citados, mas durante todos ências, movimentos e práticas que mobilizem e
os 12 já ocorridos desde maio de 2021. Nos en- qualifiquem a participação social das pessoas nas
contros periódicos para avaliação crítica e pla- ações e nos serviços do SUS. O atual contexto
nejamento participativo da atuação, acolhemos brasileiro permite aprofundar uma cultura par-
orientações, possibilidades, proposições e novos ticipativa e cidadã mais próxima da democracia,
caminhos para melhorar o que fazemos. Tam- do diálogo, do respeito mútuo e da paz.
bém buscamos entender e acolher críticas sobre Temos, então, postos alguns princípios e
os limites de nossas ações. Assim, o Observatório possibilidades para a construção das ações da
tem se constituído em um lugar de compartilha- EPS no SUS, a partir da realidade específica da
mento de troca de impressões dos protagonis- população e seus modos de sentir, de pensar, de
tas do campo da EPS sobre os desafios de suas agir em saúde, pensando a ação em saúde como
práticas. Nos diálogos compartilhamos ideias e um trabalho que se dá em comunicação social e
reflexões, novidades e informações em rodas de significativa, em relacionamentos pautados pela
conversa virtuais de alcance nacional. troca, cooperação, e desenvolvimento comunitá-
A pandemia da COVID-19 nos mobilizou a rio. Cabe-nos vislumbrar que a EPS, bem como
fazer a EP de modo remoto. Sem perder de vista as ações do Observatório contribuam para apoiar
que EP exige presencialidade, interações huma- experiências e práticas no campo da APS, na vi-
nas, vínculos e conexões que só têm lugar em gilância à saúde, numa perspectiva emancipató-
um contexto de encontro humano presencial, ria, tanto nos processos de planejamento e gestão
reconhecemos o quanto os encontros virtuais do SUS bem como nas atividades de territoria-
possibilitaram o diálogo entre protagonistas de lização do modelo de atenção, na discussão do
diferentes lugares e contextos. Ademais, a ideia financiamento e do controle social.
proposta pelo Observatório, desde seu início, de
que cada sessão remota fosse acompanhada por
encontros presenciais contribuiu no sentido de
compreender esse remoto como parte importan-
te do processo educativo e mobilizador.
Em suma, a experiência do Observatório de
Educação Popular em Saúde e Realidade Brasi-
leira vem ensejando um espaço de maiores opor-
tunidades de encontro entre as pessoas que estão Colaboradores
construindo práticas de EP nos serviços de saúde,
nos movimentos sociais e nos territórios da vida. PJSC Cruz, PNA Brito, ELP Santana e JC Silva
Ela propicia intercâmbios, vivências, descober- contribuíram com a concepção, o delineamento,
tas, expressão de dilemas e perspectivas coletivas a análise e interpretação dos dados, bem como
e compartilhadas. A participação no Observató- com a redação do artigo e a aprovação da versão
rio também abre espaços para conversar sobre a a ser publicada. DS Barbosa contribuiu com a
conjuntura atual e como ela está impactando as revisão crítica, e a aprovação da versão a ser pu-
nossas práticas. Como exemplos dessa dinâmica, blicada. OA Moraes contribuiu com a análise e
citamos: a) como os processos de eugenia, discu- interpretação dos dados.
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Cruz PJSC et al.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-


fico e Tecnológico - EDITAL 01/2022/PROPESQ
- 2022-2023 PIBIC-CNPQ-UFPB.

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