AIDS e Doenças Oportunistas
AIDS e Doenças Oportunistas
AIDS e Doenças Oportunistas
INFECTOLOGIA
INTRODUÇÃO
➢ Como vimos, Aids é a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, uma vez que é causada por uma
infecção viral, pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV). Aids é definida laboratorialmente
como a contagem de CD4 menor de 350 células, ou clinicamente pela presença de doenças
oportunistas pré-estabelecidas (por critérios diagnósticos que começaram a ser relatados desde
os anos 80) definidoras de Aids. Lembrando que o tratamento precoce evita Aids e evita novos
casos de HIV (por isso a importância do diagnóstico precoce).
➢ Tudo o que falarmos sobre Aids está intimamente ligado a uma depleção de linfócitos T CD4.
Como vimos, o CD4 “virgem” (linfócito T helper) se diferencia em várias formas de CD4, como
Th1, Th17, Th2, Th9, etc., e cada uma possui uma função específica. No geral, basicamente, eles
ajudam a “chamar outras células” (por isso o nome helper) através de citocinas. O Th1 libera,
principalmente interferon gama, ativa macrófagos e células killer (imunidade celular), específicas
para alguns tipos de bactérias intracelulares (como a da tuberculose), fungos e protozoários. O
Th17, através de vários tipos de interleucinas, estimula neutrófilos, macrófagos, e também
acabam sendo importantes no controle de bactérias extracelulares, fungos, e um papel na asma
crônica. O Th2, através de interleucinas, estimula mastócitos e eosinófilos, se relacionando com
resposta de atopia quando está exagerado, além de ação em parasitas extracelulares. Após a
instituição do tratamento, com reconstituição das linhagens do CD4, pode haver uma piora de
quadros alérgicos prévios, além de sintomas inflamatórios novos (muitas vezes exagerados e
atípicos).
Sem os linfócitos CD4, ou suas linhagens específicas, devido à invasão pelo HIV, haverá infecção
bacteriana intracelular, bacteriana extracelular, fúngica, parasitária, melhora em doenças
imunológicas como asma e dermatite atópica, envelhecimento precoce (pela alteração da homeostasia
da pele), dermatites não atópicas, diarreia (pela alteração da mucosa intestinal), etc.
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➢ Portanto, o aparecimento de infecções oportunistas e neoplasias é definidor da Aids.
➢ Entre as infecções oportunistas, destacam-se: pneumocistose, neurotoxoplasmose (essas duas
são as mais frequentes no mundo), tuberculose pulmonar (endêmica no Brasil) atípica ou
disseminada, meningite criptocócica (endêmico no sul do Brasil, apresenta alta mortalidade),
retinite por citomegalovírus.
➢ As neoplasias definidoras de AIDS são aquelas que têm alguma correlação com uma etiologia
viral. Ou seja, essas doenças têm o gatilho viral e uma correlação com a imunodeficiência. As
neoplasias mais comuns são sarcoma de Kaposi (relacionado ao herpes vírus tipo 8), linfoma não
Hodgkin (relacionado ao Epstein-Barr vírus), e câncer de colo uterino, em mulheres jovens
(relacionado ao HPV). Nessas situações, a contagem de LT-CD4+ situa-se abaixo de 200
células/mm³, na maioria das vezes.
Existem neoplasias que têm gatilho viral e que são definidoras de Aids. Além dessas,
existem outras neoplasias que têm maior prevalências em pessoas portadoras de HIV.
➢ Além das infecções e das manifestações não infecciosas, o HIV pode causar doenças por dano
direto a certos órgãos, ou por processos inflamatórios, tais como miocardiopatia, nefropatia e
neuropatias, que podem estar presentes durante toda a evolução da infecção pelo HIV. Ou seja,
mais um motivo para tratarmos os pacientes, mesmo que estejam assintomáticos.
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levando a fungemia [leveduras no sangue] com possível tropismo pelo sistema nervoso central.
A principal forma extrapulmonar de criptococose é a cerebral na forma de meningite).
➢ Infecção disseminada por micobactérias não M. tuberculosis (são doenças raras no
imunocompetente, e quando acontecem geralmente fazem um quadro pulmonar localizado.
Também podem acontecer na medula óssea, no trato gastrointestinal [fígado e baço também]).
➢ Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP) (é uma lesão da substância branca
[semelhante à esclerose múltipla] multifocal [pega lobo frontal, temporal, parietal] progressiva. É
causada pelo vírus JC. É um diagnóstico diferencial da encefalopatia pelo HIV, a diferença é
que aqui só acomete substância branca).
➢ Criptosporidiose intestinal crônica (duração >1 mês) e isosporíase intestinal crônica (duração >1
mês). São dois protozoários encontrados durante uma diarreia expressiva e crônica.
➢ Micoses disseminadas (histoplasmose [comum no Brasil], coccidiomicose [não é comum no
Brasil]).
➢ Septicemia recorrente por Salmonella não thyphi (paciente apresenta diarreia e bacteremia).
➢ Linfoma não Hodgkin de células B ou primário do sistema nervoso central (ambos têm gatilho viral
com Epstein-Barr Virus)
➢ Carcinoma cervical invasivo (HPV como gatilho viral).
➢ Reativação de doença de Chagas (meningoencefalite grave e/ou miocardite aguda).
➢ Leishmaniose atípica disseminada (protozoário endêmico da região centro-oeste, interior do
nordeste, transmitido por picada de mosquito que faz um quadro sistêmico com
hepatoesplenomegalia, desnutrição, etc.).
➢ Nefropatia ou cardiomiopatia sintomática associada ao HIV.
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➢ COMO NOTIFICAR UM PACIENTE: há duas formas, ou usamos os critérios do CDC, ou os critérios do
Rio de Janeiro/Caracas. Lembrando que os critérios do CDC incluem as doenças definidoras, e os
critérios brasileiros são mais antigos, da época que não tínhamos aces.so frequente à biópsia,
PCR, cultura de tuberculose, etc., sendo mais sintomático.
➢ Além disso, sabemos hoje, que algumas doenças acontecem mesmo com CD4 alto, como as
abaixo especificadas. Outras, são mais comuns de vermos quando o CD4 está abaixo de 200, de
100 ou de 50.
➢ Manifestações do HIV sintomático (como os critérios do Rio de Janeiro/Caracas), mas que ainda
não são AIDS:
- Perda de peso inexplicada (>10% do peso)
- Diarreia crônica por mais de um mês
- Febre persistente inexplicada por mais de um mês (> 37,6°C, intermitente ou constante)
- Candidíase oral persistente
- Candidíase vulvovaginal persistente, frequente ou não responsiva à terapia
- Leucoplasia pilosa oral: lesão esbranquiçada no bordo lateral da língua
- Infecções bacterianas graves (por exemplo: pneumonia, empiema, meningite, piomiosite,
infecções osteoarticulares, bacteremia, doença inflamatória pélvica grave).
- Estomatite, gengivite ou periodontite aguda necrosante
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- Citopenias: anemia inexplicada (< 8 g/dL), neutropenia (< 500 células/µL) e/ou trombocitopenia
crônica (< 50.000 células/µL)
- Angiomatose bacilar
- Displasia cervical (moderada ou grave)/carcinoma cervical in situ
- Herpes zoster (≥ 2 episódios ou ≥ 2 dermátomos)
- Listeriose
- Neuropatia periférica
- Púrpura trombocitopênica idiopática (PTI)
A infecção crônica pelo HIV causa imunossupressão e causa inflamação crônica, e essa
informação crônica que justifica eventos adversos como a encefalopatia, a nefropatia, e a
cardiomiopatia pelo HIV. Ou seja, os efeitos do HIV estão ligados a imunossupressão e a
inflamação crônica (seja os seus efeitos diretos ou indiretos)
Tuberculose pulmonar e extra-pulmonar (cultura da secreção Criptococose extra-pulmonar (fungo/levedura mais comum, que
respiratória ou de algum tecido, ou teste rápido) quando não tratado faz a forma meníngea, com mau prognóstico. Encontraremos
Micobacteriose atípica (M. avium ou M. kansasii) extra- Histoplasmose disseminada (fungo inalatório, de forma leveduriforme,
pulmonar e sistêmico (pulmão + 1 órgão) que acomete vários órgãos. No laboratório é encontrado como “hifa”, e por isso é
chamado dimórfico)
Coccidiodomicose extra-pulmonar
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NEOPLASIAS VÍRUS (pesquisa de material genético)
Câncer de colo de útero (HPV) Citomegalovírus disseminado (que
reativa na retina, no pulmão, no SNC ou no trato
gastrointestinal)
Encefalopatia,, nefropatia e
miocardiomiopatia
Wasting syndrome – HIV
PROTOZOÁRIOS
Criptosporidiose (> 1mês) (diarreia persistente)
GASTROINTESTINAL PELE
Candidíase esofágica ou traqueal Criptococose extra-pulmonar (lesão
semelhante à molusco contagioso, elevada com
centro abaulado)
Tuberculose extra-pulmonar
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SISTÊMICAS
HIV
Salmonelose (bacteremia)
Citomegalovírus
Histoplasmose
Criptococose
CASOS CLÍNICOS
➢ CASO 1: Emagrecimento importante, astenia, candidíase oral há 3 semanas, febre intermitente e
persistente há 7 dias, dispneia progressiva e tosse seca há 4 semanas.
- Paciente tem perda de peso, astenia e febre, como ainda não completou 1 mês ainda não é
possível definir como síndrome consumptiva
- Dispneia progressiva e tosse seca há 4 semanas, ou seja, é um quadro subagudo
- Raio-x: lesões disseminadas, sem consolidação, com o padrão de infiltrado intersticial
- Provável diagnóstico: Pneumocistose (por Pneumocystis jiroveci → fungo atípico, sem ergosterol
na membrana, por isso usamos antibióticos que inibem a síntese de DNA).
- Conduta: solicitar teste diagnóstico de HIV (ELISA de 4ª geração anti-HIV ou teste rápido)
- Escarro: demonstrou cistos
* Nem sempre o escarro dá positivo e a biópsia é disponível para
diagnóstico de pneumocistose. Por isso, na suspeita de
pneumocistose (paciente com quadro respiratório subagudo, raio-x
característico, e sintomas de imunodeficiência) é possível realizar o
tratamento empírico, visto que é uma doença muito comum.
- Biópsia de pulmão: demonstra fungo corado pela coloração de
prata (isso define).
- Tratamento:
* Sulfametoxazol-trimetoprim: 15 mg/Kg (TMP)/dia IV 6/6h durante
21 dias
* Se pO2 < 70: prednisolona antes do SMX-TMP para diminuir a
mortalidade
* Devido à alta frequência desse fungo é possível realizar a
profilaxia primária em pacientes que ainda não tiveram, e profilaxia
secundária em pacientes que já tiveram (com SMX-TMP 400/80mg
ao dia ou 800/160mg 3x/semana).
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➢ CASO 2: Emagrecimento, astenia, histórico de candidíase oral, dispepsia e disfagia importantes,
diarreia crônica.
- É necessário solicitar exame anti-HIV devido à presença de diarreia, emagrecimento e fraqueza
por si só.
- Devido à presença de candidíase oral associada a sintomas de esofagite (dispepsia e disfagia)
é possível realizar o tratamento empírico de candidíase esofágica.
- Se disponível, é possível realizar endoscopia para confirmação do diagnóstico etiológico.
- Endoscopia: mucosa hiperemiada, e placas esbranquiçadas amareladas é característico de
candidíase.
* Se for mucosa mais pálida, com úlceras e bordas hiperemiadas é possível realizar biópsia para
diferenciar de neoplasias. Além disso, o herpes simples (1 ou 2) e o citomegalovírus também
fazem úlceras esofágicas.
- Paciente com lesões ulceradas na endoscopia + sintomas oculares, retinite com isquemia e
hemorragia + biópsia do esôfago ou do cólon com células gigantes → citomegalovírus!
- É uma doença disseminada e grave, afinal, o paciente pode ficar cego. Portanto, o tratamento
é urgente!
- Tratamento:
* Se candidíase esofágica: Fluconazol (VO) 200 mg/dia, seguido de 100 a 150 mg ao dia por
14 dias
* Se citomegalovirose: Ganciclovir 5mg/Kg IV 12/12h por 2 semanas. É necessário profilaxia
secundária também. O Valganciclovir pode ser o tratamento de manutenção, uma vez que ele
é feito via oral.
➢ CASO 3: Mulher de 27 anos com episódio de crise convulsiva que evolui nos próximos dias com
hemiparesia esquerda e disfasia.
- É um déficit neurológico focal, com provável lesão parietal ou em gânglios da base a direita
- Paciente jovem com déficit focal na emergência → exame de imagem para descartar doença
cerebrovascular
- Paciente jovem com lesão cerebral → obrigatório exame de imagem e Anti-HIV
- Resultado da tomografia: grande abcesso (lesão inflamatória) com grande área edemaciada.
- Resultado da ressonância: mesma lesão, além de múltiplas lesões arredondadas/císticas.
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- O protozoário neurotoxoplasmose é bem característico de lesão em gânglios da base e
múltiplas lesões em todo o encéfalo.
- Outras etiologias que fazem abcesso, como tuberculose extra-pulmonar, fariam lesões únicas
geralmente.
- Quando pensar em neurotoxoplasmose: paciente com HIV positivo e múltiplas lesões
inflamatórias no SNC. Como é uma etiologia muito comum, diante de suspeita é possível realizar
tratamento empírico (assim como pneumocistose)
- Tratamento:
* SPAF → Sulfadiazina 1,5 – 2g VO 6/6h (6-8g VO 1x/dia) + Pirimetamina 100-200mg VO de
“ataque” + 75-100mg VO 1x/dia. Esses medicamentos fazem anemia, plaquetopenia e
leucopenia, ou seja, são mielotóxicos, por isso adicionar Ácido folínico 10-25 mg VO 1x/dia.
* Sulfametoxazol/trimetoprim (8/8 horas)
* Profilaxia primária (idem pneumocistose) e profilaxia secundária com SPAF (se CD4 < 100 e
exame de imagem seguro).
➢ CASO 4: Homem de 35 anos com diagnóstico recente de infecção pelo HIV, iniciou terapia
antirretroviral com tenofovir, lamivudina e efavirenz por apresentar CD4 de 89 células (lembre-se
que menor que 350 define Aids) e carga viral de 159.000 cópias/ml. Usando também profilaxia
primária para pneumocistose e toxoplasmose com sulfametoxazol-trimetoprim. Apresenta febre
e cefaleia há 4 dias, está confuso e torporoso.
- Está tratando HIV e prevenindo as doenças oportunistas mais comuns
- Febre e dor de cabeça de forma aguda, rebaixamento do nível de consciência →
acometimento neurológico. Maior chance de neurotoxoplasmose devido ao quadro.
- Tomografia do SNC: Não apresentou lesões → neurotoxoplasmose excluída, uma vez que o
paciente está em prevenção e não apresentou lesões compatíveis na imagem.
- Diagnóstico possível: Meningite criptocócica.
- Conduta: Fazer punção de líquor (lembre-se de observar se há sinais de hipertensão
intracraniana) e pesquisa de antígeno criptocócico.
* A pesquisa do antígeno pode ser feita no sangue ou no líquor (imagem abaixo).
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- O fungo tem uma cápsula proteica que entope as cisternas de drenagem do líquor, causando
a alta pressão de abertura, podendo evoluir para hidrocefalia. Na imagem acima vemos a
presença de leveduras coradas por tinta nanquim. •
- Devido a obstrução das cisterna e a inflamação, esse paciente tem mau prognóstico
- Tratamento:
* 1ª escolha: Anfotericina B 0,7-1mg/Kg IV 1x/dia, por 2 semanas
* 2ª escolha: Fluconazol 400mg/dia por 8 semanas em casos mais leves (paciente sem
rebaixamento)
* Profilaxia secundária (CD4 < 200)
➢ CASO 5: Paciente com suspeita de infecção pelo HIV por apresentar anemia, leucopenia e
emagrecimento, aguarda sorologia confirmatória na unidade de saúde. Vem ao hospital
municipal por febre há 17 dias, e dor abdominal. Ao exame apresenta hepatoesplenomegalia.
- Febre + dor abdominal + hepatoesplenomegalia → possível doença sistêmica.
- Paciente também apresenta citopenias
- Diagnósticos prováveis: Micobacteriores (tuberculose e não tuberculose), histoplasmose
disseminada; leishmaniose atípica.
- Solicitar biópsia de medula devido a citopenias
- Biópsia demostrou a presença de micobactérias (BAAR)
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➢ CASO 6: Lembram do paciente com micobacteriose atípica disseminada? Após 17 dias de
tenofovir, lamivudina e efavirenz + claritromicina, rifampicina e etambutol + sulfametoxazol-
trimetoprim profilático, apresenta febre, piora da função hepática e astenia. E agora?
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