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Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 276.510 - RJ (2013/0291689-4)

RELATOR :
MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
IMPETRANTE :
SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTROS
ADVOGADO :
SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTRO(S)
IMPETRADO :
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
PACIENTE : L A R (PRESO)
EMENTA
HABEAS CORPUS . ESTUPRO DE VULNERÁVEL. WRIT
IMPETRADO CONCOMITANTE À INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. VERIFICAÇÃO DE
EVENTUAL COAÇÃO ILEGAL À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO.
VIABILIDADE. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE
NULIDADE NOS DEPOIMENTOS COLETADOS POR MEIO DE
AUDIOVISUAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO EM MOMENTO
OPORTUNO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE
PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA, ADEMAIS, DE PREJUÍZO
EVIDENTE. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA.
PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
VULNERABILIDADE VERIFICADA APENAS NA OCASIÃO DA
SUPOSTA OCORRÊNCIA DOS ATOS LIBIDINOSOS. VÍTIMA QUE
NÃO PODE SER CONSIDERADA PESSOA PERMANENTEMENTE
VULNERÁVEL, A PONTO DE FAZER INCIDIR O ART. 225,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA
CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE
INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DA VÍTIMA NO SENTIDO DE VER
O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PROCESSADO.
INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. É inadmissível o emprego do habeas corpus em substituição ou
concomitante a recurso ordinariamente previsto na legislação
processual penal ou, especialmente, no texto constitucional
(precedentes do STJ e do STF).
2. Apesar de se ter solidificado o entendimento no sentido da
impossibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo do
recurso cabível, o Superior Tribunal de Justiça analisa, com a
devida atenção e caso a caso, a existência de coação manifesta à
liberdade de locomoção, não tendo sido aplicado o referido
entendimento de forma irrestrita, de modo a prejudicar eventual
vítima de coação ilegal ou abuso de poder e convalidar ofensa à
liberdade ambulatorial.
3. Em se tratando de nulidade, necessária a demonstração do
efetivo prejuízo, bem como a arguição em momento oportuno, sob
pena de preclusão. Precedente.
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Superior Tribunal de Justiça
4. Evidenciado que a defesa alegou o vício decorrente de cortes nos
depoimentos de testemunhas de acusação, coletados por meio de
audiovisual, apenas nas razões da apelação, não tendo
demonstrado prejuízo indispensável ao reconhecimento da
nulidade, não há falar em anulação da ação penal.
5. De acordo com o art. 225 do Código Penal, o crime de estupro,
em qualquer de suas formas, é, em regra, de ação penal pública
condicionada à representação, sendo, apenas em duas hipóteses,
de ação penal pública incondicionada, quais sejam, vítima menor de
18 anos ou pessoa vulnerável.
6. A própria doutrina reconhece a existência de certa confusão na
previsão contida no art. 225, caput e parágrafo único, do Código
Penal, o qual, ao mesmo tempo em que prevê ser a ação penal
pública condicionada à representação a regra tanto para os crimes
contra a liberdade sexual quanto para os crimes sexuais contra
vulnerável, parece dispor que a ação penal do crime de estupro de
vulnerável é sempre incondicionada.
7. A interpretação que deve ser dada ao referido dispositivo legal é a
de que, em relação à vítima possuidora de incapacidade
permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a
ação penal seria sempre incondicionada. Mas, em se tratando de
pessoa incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da
ocorrência dos atos libidinosos, a ação penal permanece
condicionada à representação da vítima, da qual não pode ser
retirada a escolha de evitar o strepitus judicii .
8. Com este entendimento, afasta-se a interpretação no sentido de
que qualquer crime de estupro de vulnerável seria de ação penal
pública incondicionada, preservando-se o sentido da redação do
caput do art. 225 do Código Penal.
9. No caso em exame, observa-se que, embora a suposta vítima
tenha sido considerada incapaz de oferecer resistência na ocasião
da prática dos atos libidinosos, esta não é considerada pessoa
vulnerável, a ponto de ensejar a modificação da ação penal. Ou
seja, a vulnerabilidade pôde ser configurada apenas na ocasião da
ocorrência do crime. Assim, a ação penal para o processamento do
crime é pública condicionada à representação.
10. Verificada a ausência de manifestação inequívoca da suposta
vítima de ver processado o paciente pelo crime de estupro de
vulnerável, deve ser reconhecida a ausência de condição de
procedibilidade para o exercício da ação penal.
11. Observado que o crime foi supostamente praticado em
30/1/2012, mostra-se necessário o reconhecimento da decadência
do direito de representação, estando extinta a punibilidade do
agente.
12. Writ não conhecido. Concessão de ordem de habeas corpus de
ofício, para anular a condenação e a ação penal proposta contra o
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paciente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de
Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio
Schietti Cruz não conhecendo do habeas corpus , mas concedendo a ordem
de ofício, em menor extensão, e os votos dos Srs. Ministros Nefi Cordeiro e
Maria Thereza de Assis Moura acompanhando o Sr. Ministro Relator, por
unanimidade, não conhecer do pedido de habeas corpus , expedindo, contudo,
ordem de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencido o Sr.
Ministro Rogerio Schietti Cruz, que concedia a ordem em menor extensão. Os
Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz (voto-vista), Nefi Cordeiro e Maria
Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator quanto ao não
conhecimento da ordem.
Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Maria Thereza de Assis Moura
votaram com o Sr. Ministro Relator quanto à concessão da ordem em maior
extensão.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Ericson Maranho
(Desembargador convocado do TJ/SP).
Brasília, 11 de novembro de 2014 (data do julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior


Relator

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HABEAS CORPUS Nº 276.510 - RJ (2013/0291689-4)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de


habeas corpus com pedido liminar impetrado em benefício de L A R, em que
se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Narram os autos que o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da


comarca de Rezende/RJ condenou o paciente como incurso no crime de
estupro de vulnerável, à pena de 10 anos de reclusão (fls. 233/238 – Ação
Penal n. 0000952-19.2012.8.19.0045).

Inconformados, a defesa e o Ministério Público estadual


interpuseram apelação criminal na colenda Corte de origem, que negou
provimento ao recurso do Parquet e deu parcial provimento ao recurso da
primeira para reduzir a pena-base, resultando a reprimenda definitiva em 8
anos de reclusão (fls. 337/344 – Apelação Criminal n.
0000952-19.2012.8.19.0045):

APELAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. Crimes contra a


dignidade sexual. Artigo 217-A, parágrafo 1.º do Código Penal. Ato
libidinoso diverso da conjunção carnal. Sentença de parcial procedência
da pretensão punitiva estatal. Preliminares suscitadas da tribunal pela
Defesa técnica. Supostas nulidades decorrentes de problema no sistema
de gravação de audiências e afronta às disposições contidas no artigo
400 do CPP. Gravação audiovisual da audiência de instrução e
julgamento que não apresenta os defeitos apontados. Eventual alteração
na ordem da oitiva de testemunhas que constitui mera irregularidade, não
se podendo extrair daí causa de nulidade processual. No mérito, a
Defesa técnica pleiteia a absolvição, sob invocação do princípio in dubio
pro reo e, subsidiariamente, a revisão na dosimetria para recondução das
penas ao patamar mínimo legal. Autoria do crime sexual configurada.
Declaração da ofendida que terão plena credibilidade, sendo
corroboradas pelo contexto fático-probatório formado com base nos
demais elementos de convicção. Materialidade. Delito que não deixa
vestígios. Auto de exame de corpo de delito que atesta as contusões.
Dosimetria. Exasperação indevida da pena-base. Anotações sem
resultado ou certificação de trânsito em julgado que não podem servir
para majoração da reprimenda. Circunstâncias e consequências do
evento que são inerentes ao tipo penal em apreço. Recondução da
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pena-base ao patamar mínimo legal e concretização naquele quantum
por falta de outras moduladoras. Recurso ministerial que persegue a
condenação pelo delito do artigo 12, caput da Lei n.º 10.826/2003.
Apreensão de duas munições (calibre 38 especial) e um estojo,
desacompanhados de arma compatível, que atrai a incidência do
princípio da insignificância. Recurso defensivo. Ausência de potencial
lesivo. Absolvição pelo crime do Estatuto do Desarmamento que se
mantém. Rejeição das preliminares e recurso ministerial desprovido,
sendo parcialmente provido o recurso defensivo, para operar a redução
da pena.

Foram opostos, ainda, embargos de declaração, os quais foram


rejeitados (fls. 367/376):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Apelação. Decisão unânime do


Colegiado que rejeitou as preliminares suscitadas na tribuna pela Defesa
técnica, negou provimento ao recurso ministerial e deu parcial provimento
ao recurso defensivo, para reduzir a pena final do ora embargante.
Alegação de omissão do acórdão acerca de argumentos defensivos
trazidos por ocasião da sustentação oral. Improcedência dos argumentos.
A sustentação oral constitui faculdade que poderá ser exercida pela
Defesa técnica do réu e trata da possibilidade de sustentar oralmente as
teses defensivas já postas nas razões recursais. A sustentação oral não é
o momento oportuno para inovação recursal, decorrendo daí a assertiva
de que não incorre em omissão o acórdão que eventualmente deixa de
se pronunciar sobre matéria nova suscitada em sustentação oral. De toda
sorte, as questões fáticas e processuais foram debatidas e devidamente
apreciadas, recebendo a necessária alusão no acórdão impugnado, que
não padece de vícios. Ademais, a tentativa de alterar a verdade dos fatos
amplamente comprovados nos autos, as alegações precipitadas acerca
da gravação da audiência de instrução e julgamento e, sobretudo, o
caráter nitidamente protelatório dos embargos de declaração tangenciam
o conceito de litigância de má-fé, estabelecido no artigo 17 do CPC,
sendo lamentável que não se apliquem as disposições do artigo 18, caput
do CPC, à falta de previsão na lei penal adjetiva. Pretendida rediscussão
do mérito da causa. Nítido caráter protelatório. Conhecimento e
desprovimento dos embargos de declaração.

Daí a presente impetração, em que se alega constrangimento ilegal


consistente na condenação do paciente pelo crime de estupro de vulnerável
em ação penal eivada de nulidade absoluta.

Argumenta os impetrantes que a ação penal foi instaurada sem


condição de procedibilidade, uma vez que não consta dos autos nenhuma

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manifestação, formal ou informal, da vítima, no sentido do processamento do
crime de estupro. Informam que a vítima manifestou o desejo de representar
contra o paciente apenas em relação à suposta agressão sofrida, não tendo
sequer assinado o boletim de ocorrência na delegacia.

Acrescentam que, embora a vítima estivesse supostamente


desacordada durante a prática do crime, tal circunstância não tem o condão
de modificar a ação penal do crime para pública incondicionada, pois a
situação não se amolda a nenhuma das situações previstas no art. 225,
parágrafo único, do Código Penal (vítima menor de 18 anos ou vulnerável).

Sustentam a existência de nulidade na instrução criminal, tendo em


vista a existência de cortes nas gravações dos depoimentos de testemunhas
da acusação.

Postulam, então, o deferimento da medida liminar para que seja


imediatamente restabelecida a liberdade do paciente. No mérito, requerem a
anulação da ação penal, desde o início, ou a partir da oitiva das testemunhas
da acusação.

Em 23/8/2013, indeferi o pedido liminar (fls. 477/481).

Prestadas informações pela autoridade apontada como coatora (fls.


486/516), o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento da
impetração (fls. 521/522).

É o relatório.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):


De início, observo que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça, em recentes decisões, não admitem mais a utilização do habeas
corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso
próprio, seja a revisão criminal, salvo em situações excepcionais.

Busca a impetração a anulação da ação penal e da condenação


imposta ao paciente, ao argumento de ausência de condição de
procedibilidade da ação penal, decorrente da inexistência de representação
da vítima, e de cerceamento de defesa, consistente na existência de cortes
nas gravações dos depoimentos de testemunhas da acusação.

No tocante à pretensão de reconhecimento de nulidade decorrente


de cortes nos depoimentos de testemunhas da acusação, registrados em
audiovisual, não verifiquei constrangimento ilegal capaz de justificar a
concessão de ordem de habeas corpus de ofício.

Primeiro, porque a suposta nulidade ocorrida em audiência de


instrução e julgamento deve ser suscitada até as alegações finais, o que não
ocorreu na situação dos autos, em que se alegou o vício apenas nas razões
do recurso de apelação dirigido ao Tribunal de origem (fls. 225/230).

Segundo, porque a própria impetração não logra demonstrar o


prejuízo decorrente da alegada nulidade, limitando-se a afirmar ofensa aos
princípios da ampla defesa e do devido processo legal (fls. 12/15).

Terceiro, porque, da oitiva do áudio das gravações dos


depoimentos, observa-se a ocorrência de cortes no depoimento de apenas
uma testemunha de acusação (Rodrigo Fortes de Oliveira); e, da análise do
termo de audiência de fls. 165/166, constata-se que a defesa estava presente
na ocasião do ato processual.
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E é cediço que, em se tratando de nulidade, necessária sua
arguição em momento oportuno, bem como a demonstração do efetivo
prejuízo.

A propósito:

ALEGADA AUSÊNCIA DE DEFENSOR AD HOC NA AUDIÊNCIA EM


QUE OUVIDA TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO. PRESENÇA DO
ACUSADO E DO SEU ADVOGADO REGISTRADAS EM ATA.
DEPOIMENTO QUE NÃO FOI UTILIZADO PELO MAGISTRADO
SENTENCIANTE PARA FUNDAMENTAR SUA CONVICÇÃO.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. MÁCULA NÃO
EVIDENCIADA.
1. De acordo com o termo da audiência na qual teria ocorrido a
mácula, os réus e seus defensores estariam presentes ao ato,
circunstância que afasta o alegado constrangimento ilegal.
2. Ainda que os acusados e seus patronos não houvessem participado
da inquirição da testemunha, e mesmo que não se tivesse procedido à
nomeação de defensor ad hoc para acompanhar a produção da prova
testemunhal, o certo é que não houve a demonstração do prejuízo
decorrente da inobservância da mencionada formalidade, especialmente
tendo-se em conta que, ao proferir sentença condenatória no feito, o
magistrado de origem não se utilizou de tais declarações para
fundamentar o seu convencimento.
3. Como se sabe, atualmente, até em casos de nulidade absoluta,
doutrina e jurisprudência têm exigido a comprovação de prejuízo
para que a mácula possa ser reconhecida.
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA ACERCA DA EXPEDIÇÃO
DE CARTA PRECATÓRIA PARA A OITIVA DE TESTEMUNHA
INDICADA PELO RÉU. EIVA RELATIVA. MÁCULA NÃO SUSCITADA
EM SEDE DE ALEGAÇÕES FINAIS. VÍCIO NÃO CARACTERIZADO.
1. De acordo com a Súmula 155 do Supremo Tribunal Federal, "é
relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da
expedição de precatória para inquirição de testemunha".
2. No caso dos autos, foi expedida carta precatória para a inquirição de
testemunha arrolada pelo acusado sem a necessária notificação da
defesa.
3. Todavia, da leitura da íntegra da ação penal em tela observa-se que
a defesa do paciente não se insurgiu contra a falta de intimação acerca
da expedição da precatória, somente arguindo a nulidade do feito em
sede de habeas corpus impetrado após o trânsito em julgado da
condenação.
4. Como se sabe, consoante o disposto no artigo 571, inciso II, do
Código de Processo Penal, as nulidades da instrução criminal nos
processos de competência do juiz singular devem ser suscitadas no
momento do oferecimento das alegações finais.
Documento: 1343799 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 01/12/2014 Página 8 de 24
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5. Assim, não tendo a mácula sido suscitada no momento
oportuno, conclui-se que se encontra sanada pelo instituto da
preclusão.
6. Habeas corpus não conhecido.
(HC n. 221.015/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe
23/8/2013 – grifo nosso)

Ademais, a questão foi analisada e rebatida nos autos do AREsp n.


454.105/RJ.

Em relação ao pleito de reconhecimento da ausência de condição


de procedibilidade da ação penal, verifico a ocorrência de constrangimento
ilegal apto a justificar a concessão de ordem de habeas corpus de ofício.

Analisando detidamente os autos, observa-se que ao paciente foi


imputado o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, § 1º, do CP).

De acordo com o art. 225 do Código Penal, o crime de estupro, em


qualquer de suas formas, é, em regra, de ação penal pública condicionada à
representação, sendo, apenas em duas hipóteses, de ação penal pública
incondicionada, quais sejam, vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.

Confira-se:

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título,


procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública
incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa
vulnerável.

Com efeito, a doutrina reconhece a existência de certa confusão na


previsão contida no art. 225, caput e parágrafo único, do Código Penal, o
qual, ao mesmo tempo em que prevê ser a ação penal pública condicionada à
representação a regra tanto para os crimes contra a liberdade sexual quanto
para os crimes sexuais contra vulnerável, parece dispor que a ação penal do
crime de estupro de vulnerável é sempre incondicionada.

Confira-se a lição de Cesar Roberto Bitencourt:

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Superior Tribunal de Justiça
2. A confusa previsão da natureza da ação penal nos crimes contra a
liberdade sexual e contra vítima vulnerável
A Lei n. 12.015/2009, que alterou a redação do art. 225 do Código
Penal, determina que a ação penal, para os crimes constantes dos
Capítulos I e II do Título VI ("Dos Crimes contra a liberdade sexual" e
"Dos crimes sexuais contra vulnerável", respectivamente), passa a ser
pública condicionada à representação. Inverte, dessa forma, sua
natureza, que era de exclusiva iniciativa privada. Contudo,
paradoxalmente, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal determina
que a ação penal é pública incondicionada se a vítima for menor de
dezoito anos ou pessoa vulnerável, ou seja, na hipótese dos crimes
previstos no Capítulo II do mesmo Título do Código Penal, o exercício da
ação penal não depende de qualquer condição, contrariando a previsão
do caput .
Afinal, nos crimes sexuais contra vulnerável (Capítulo II) a ação penal
será pública condicionada à representação, como determina o caput do
questionado art. 225, ou será pública incondicionada, como afirma o seu
parágrafo único?
Trata-se de um dos aspectos de uma verdadeira vexata quaestio deste
Capítulo IV, que cuida das disposições gerais; o outro aspecto reside na
contradição do ordenamento jurídico que, a pretexto de proteger um
direito constitucionalmente tutelado - a liberdade sexual do cidadão -,
restringe exatamente o exercício dessa liberdade, que era protegida pela
natureza da ação penal de exclusiva iniciativa privada, pois reconhecia,
nesses crimes, a prevalência do interesse individual em relação ao
interesse público.
(Tratado de Direito Penal, Parte Especial - Dos Crimes Contra a
Dignidade Sexual até os Crimes Contra a Fé Pública . 8ª ed., págs.
150/151)

Tal situação demanda análise e interpretação.

Em meu modo de ver, a interpretação que deve ser dada ao referido


dispositivo legal seria no sentido de que, em se tratando de pessoa
vulnerável, a ação penal é pública incondicionada, mas essa vulnerabilidade
deve ser aferida em cada caso concreto.

Em relação à vítima vulnerável, possuidora de incapacidade


permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a ação
penal é, sem sombra de dúvidas, incondicionada. Mas, em se tratando de
pessoa incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência dos
atos libidinosos, a ação penal permanece condicionada à representação da
vítima, da qual não pode ser retirada a escolha de evitar o strepitus judicii .
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Superior Tribunal de Justiça
Vale dizer, a vulnerabilidade detectada apenas nos instantes em
que ocorreram os atos libidinosos não é capaz, por si só, de atrair a incidência
do dispositivo legal em questão (art. 225, parágrafo único, do CP).

Com isso, afasta-se a interpretação no sentido de que qualquer


crime de estupro de vulnerável seria de ação penal pública incondicionada,
preservando-se o sentido da redação do caput do art. 225 do Código Penal.

No caso em exame, observa-se que, embora a suposta vítima tenha


sido considerada incapaz de oferecer resistência na ocasião da prática dos
atos libidinosos, esta não é considerada pessoa vulnerável, a ponto de
ensejar a modificação da ação penal. Ou seja, a vulnerabilidade pôde ser
configurada apenas na ocasião da ocorrência do crime. Assim, a ação penal
para o processamento do crime é pública condicionada à representação.

Ocorre que, da atenta análise dos autos, observa-se que não existe
nenhuma manifestação da vítima no sentido de representar pelo
processamento do crime de estupro de vulnerável.

Ao que se tem dos autos, o paciente é acusado de praticar atos


libidinosos diversos da conjunção carnal, com a vítima [...], a qual não podia
oferecer resistência, eis que estava desacordada em razão de ter sido
anteriormente agredida pelo acusado (fl. 19), tendo o denunciado sido
surpreendido por policiais no momento em que supostamente praticava os
atos libidinosos (fl. 20).

Da análise do registro de ocorrência que imputa a suposta prática


dos crimes de estupro e posse ilegal de arma de fogo de uso permitido,
observa-se que não consta assinatura da vítima (fl. 28), mas apenas do
policial responsável pela prisão em flagrante do paciente.

Dos termos de declarações prestadas na delegacia, observa-se que


a suposta vítima esclarece que "não foi estuprada" (fl. 35), situação que
demonstra a inequívoca ausência de vontade em ver o suposto autor do fato
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processado pelo crime de estupro de vulnerável.

Confira-se (fls. 35/36 – grifo nosso):

[...]
Que por volta das 14:30h da presente data, compareceu na residência
de [...], com a finalidade de comprar um "baseado de maconha";
Que chegando ao local, foi atendida por LUIZ, que estava sozinho, o
qual mexia em seu "lap top";
Que começou a conversar com ele, não pedindo a maconha, e do
nada, recebeu um soco no nariz, tendo sido jogada contra a mesa;
Que começou a pedir socorro;
Que tentou fugir do local correndo para a cozinha;
Que neste momento, [...] pegou a declarante pelos cabelos, perdendo
os sentidos;
Que rapidamente, Policiais Militares chegaram ao local,
encontrando a declarante na cozinha;
Que a declarante usava um vestido "tomara que caia", que estava
abaixo do seio e sem calcinha;
Que deseja esclarecer que não foi estuprada e que somente foi
agredida;
Que não viu [...] tirar a calcinha da declarante;
Que [...] dizia que a declarante estava em um complô contra ele,
juntamente com [...] e [...] e ainda um tal de [...];
Que [...] estava com muita raiva da declarante;
Que Policiais levaram a declarante para o Hospital de Emergência,
onde foi devidamente medicada;
Que indagada pela Autoridade Policial se já adquiriu droga de [...],
RESPONDEU que NÃO, mas que já consumiu muita droga com ele;
Que já manteve relações sexuais com [...], tendo o mesmo pago com 5
(cinco) gramas de CRACK;
Que não sabe onde o mesmo adquiriu a droga;
Que manifesta o desejo de representar criminalmente contra [...].
[...]

Assim, evidente a ausência de condição de procedibilidade para o


exercício da ação penal, situação que enseja sua anulação.

Evidenciado que o crime foi supostamente praticado em 30/1/2012,


mostra-se necessário o reconhecimento da decadência do direito de
representação, estando extinta a punibilidade.

Em face do exposto, não conheço da impetração. Concedo ordem


de habeas corpus de ofício, para anular a condenação e a ação penal
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proposta contra o paciente (Ação Penal n. 0000952-19.2012.8.19.0045 – 2ª
Vara Criminal da comarca de Rezende/RJ).

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

Número Registro: 2013/0291689-4 PROCESSO ELETRÔNICO HC 276.510 / RJ


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00009521920128190045 9521920128190045


EM MESA JULGADO: 26/08/2014
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTROS
ADVOGADO : SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTRO(S)
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : L A R (PRESO)
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a Dignidade Sexual - Estupro de vulnerável

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). SÉRGIO GUIMARÃES RIERA, pela parte PACIENTE: L A R
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Relator não conhecendo do habeas corpus, expedindo,
contudo, ordem de ofício, pediu vista o Sr. Ministro Rogerio Schitti Cruz. Aguardam os Srs.
Ministros Nefi Cordeiro, Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) e Maria
Thereza de Assis Moura.

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HABEAS CORPUS Nº 276.510 - RJ (2013/0291689-4)

VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
Cuida-se de habeas corpus em que o nobre impetrante postula
nulidade do processo que tramitou na justiça estadual do Rio de Janeiro contra
o paciente, pela acusação de estupro de vulnerável (art. 217-A do CPB), haja
vista a alegação de vício no registro da prova audiovisual e de ausência de
condição de procedibilidade.

Em seu judicioso voto, o relator, Ministro Sebastião Reis Júnior


refuta a primeira alegação de nulidade, relativa aos supostos defeitos da
instrução criminal, quer pela ausência de demonstração de prejuízo, quer
porque a defesa, presente à audiência onde teria ocorrido a irregularidade, nada
disse a respeito, quedando-se também inerte por ocasião das alegações finais.

Estou de pleno acordo com tais fundamentos de que se valeu o


Ministro Relator para afastar a pretendida nulidade, no tocante aos alegados
vícios da instrução.

Pedi vista para exame mais acurado da questão relativa à


conjecturada vulnerabilidade da vítima e da consequente definição da
natureza da ação penal pública – se incondicionada ou se condicionada à
representação da vítima – haja vista o reconhecimento, no voto apresentado, de
que não estaria caracterizada tal vulnerabilidade.

O caso realmente é peculiar.

A vítima e o paciente, o qual, aparentemente, cedia substância


entorpecente àquela em troca de favores sexuais, tiveram uma altercação verbal
na residência do último, a qual teria evoluído para uma agressão física à jovem,
que, desfalecida, teria sido vítima de incursão sexual pelo paciente – não
suficientemente comprovada quanto à sua natureza e extensão –, o qual foi
surpreendido por policiais quando se encontrava, sem cueca, sobre o corpo da
ofendida, seminua.

A aceitar-se que, no momento da agressão sexual – não há


espaço nesta sede, ressalte-se, para afastar a efetiva ocorrência do contato
sexual, suficiente, em qualquer grau, para configurar crime de estupro, ainda
que na modalidade típica positivada no art. 213 do CPB – a vítima estava
juridicamente em situação de vulnerabilidade, nos termos do art. 217-A, § 1º do
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CPB, a ação será pública incondicionada e, portanto, seria despicienda qualquer
análise sobre a ausência de representação da ofendida em relação ao crime
contra sua dignidade sexual.

Fato é que a vítima, ao ser ouvida na Delegacia de Polícia, foi


enfática em dizer que não havia sido estuprada, mas apenas agredida. Não
ficou totalmente induvidoso, a propósito, seu desejo de ver o agressor
processado também por crime de estupro, mas, a julgar por sua enfática
declaração, seu desejo era o de vê-lo responder tão somente pela agressão
física.

Tal manifestação de vontade, todavia, não guarda relevância


para o deslinde deste remédio constitucional. Explico.

É que, mesmo se admitirmos, gratia argumentandi , ter havido


apenas agressão de natureza leve – o laudo pericial acostado aos autos retrata
escoriações na região do tórax e no lábio da vítima, por ação contundente – e
também, por amor à argumentação (ou mesmo por acatamento ao favor
libertate ), ter a representação da vítima se limitado a expressar o desejo de ver
o réu processado tão somente pelo crime de lesões corporais (art. 129, caput , do
CPB), ainda assim, segundo penso, restaria incólume a ocorrência de crime de
estupro.

Até que ocorra uma clara e robusta sinalização do Supremo


Tribunal Federal, editor da Súmula n. 608, de que tal preceito sumular não mais
se aplica, ex vi da nova realidade normativa provocada pela entrada em vigor da
Lei n. 12.015/09, mantenho meu ponto de vista, já sinalizado alhures (RHC
39538/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Relatora p/ Acórdão Ministra
Maria Thereza de Assis Moura, 6ªT., DJe 25/4/2014), de que a ação penal no
crime de estupro é pública incondicionada, se presente a violência real.

Antes da entrada em vigor da Lei n. 12.015/2009, os crimes


contra a liberdade sexual eram, como regra, de ação penal privada, exceto nas
seguintes hipóteses: a) em caso de miserabilidade da vítima ou de sua família;
b) se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de
padrasto, tutor ou curador; c) se da violência empregada resultasse lesão grave
ou morte.

A última circunstância se infere da redação do art. 101 do CP,


que trata da ação penal nos crimes complexos:
Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou
circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem
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crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em
relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do
Ministério Público.

Logo, como a ação penal nos crimes de lesão corporal de


natureza grave e de homicídio era – e ainda é – pública incondicionada,
quando da violência empregada no delito sexual resulta à vítima lesão
grave ou morte, a ação penal é, igualmente, da mesma espécie.

Quanto a este particular é coincidente a opinião de Eduardo L.


S. Cabette, ao obervar – a despeito da letra do art. 225 do CPB, já sob a nova
redação conferida pela Lei n. 12.015/09 – não ser crível "que o legislador tenha
pretendido deixar ao alvedrio da vítima ou seus representantes ou sucessores
legais (artigo 31, ) a decisão de autorizar o procedimento em casos que
envolvem lesões graves e, principalmente, morte" (Ação penal nos crimes
contra a dignidade sexual, disponível em:
http://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937321/acao-penal-nos-crime
s-contra-a-dignidade-sexual, acesso em 21/10/14).

Se, por sua vez, da violência empregada na conduta delituosa


resultasse lesão corporal de natureza leve, aplicava-se a Súmula n. 608/STF
em detrimento do artigo 88 da Lei n. 9.099/95, o qual dispõe que a ação penal
nos crimes de lesões corporais leves e culposas é condicionada à representação.

Entendo que, não obstante a letra do disposto no art. 225 do


Código Penal, ainda incide a Súmula n. 608 do STF nos crimes praticados
mediante violência real, como no caso dos autos, em que a violência
empregada contra a vítima, ainda que de natureza leve, restou
incontroversa.

A conclusão é, também, de abalizado segmento da doutrina.

Confira-se:
De acordo com o entendimento de nossa Corte Maior, toda vez
que o delito de estupro for cometido com emprego de
violência real, a ação penal será de iniciativa pública
incondicionada, fazendo, assim, letra morta parte das
disposições contidas no art. 225 do CP, somente se exigindo a
representação do ofendido nas hipóteses em que o crime for
cometido com emprego de grave ameaça. (Rogerio Greco.Curso
de Direito Penal – Parte Especial - Volume III, 9ª edição.
Niterói/RJ: Editora Impetrus, 2013, p. 475, destaquei).
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No mesmo sentido, Fernando da Costa Tourinho Filho:


[...], a Súmula 608 do STF permanece incólume às críticas
doutrinárias: no estupro cometido com violência, pouco
importa se da 'vis compulsiva' resulta lesão grave, leve ou morte,
a ação penal será pública incondicionada. [...] O Supremo, em
decorrência da sua 'jurisprudential construction', erigiu a ação
penal, nesses casos, à qualidade de pública incondicionada
(Processo Penal - Volume I, 35ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2013, p. 444-445).

Em verdade, a subsistência da Súmula n. 608 do STF, como


fonte normativa bastante para afastar a literalidade do artigo 225 do Código
Penal, deriva de uma interpretação sistêmica e teleológica do preceito penal
sancionador, que, a toda evidência, não admite condicionar o exercício de
ação penal relativa a um crime que a Constituição da República qualificou
como hediondo.

Isso porque – parece-me evidente – a Lei Maior, em seu artigo


5º, XLIII, deixou clara sua opção por conferir um rigor muito maior para o
tratamento jurídico-penal dos crimes hediondos. Por sua vez, a Lei n. 8.072/90
robusteceu esse rigor penal e processual penal, estabelecendo regras que
tornam inequívoca a ideia de que esses crimes devem merecer atenção
prioritária do Poder Público para a sua repressão.

Ora, sendo certo que um dos crimes elencados na referida lei é


precisamente o de atentado violento ao pudor – cujas condutas típicas passaram
a integrar o delito de estupro, com a entrada em vigor da Lei n. 12.015/2009
(art. 1º, V, da Lei n. 8.072/90) –, como entender que a punição de tão grave
crime deva depender da vontade exclusiva da própria vítima para que o órgão
oficial de persecução penal possa promover a acusação contra o autor da
conduta?

Confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior:


HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ORDINÁRIO. NÃO-CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE
ENTENDIMENTO DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O DO
STF. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: MATÉRIA
DE DIREITO ESTRITO. PROCESSO PENAL. ESTUPRO
COMETIDO COM VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL
PÚBLICA INCONDICIONADA. ALEGAÇÃO DE QUE A
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NÃO CONFECÇÃO DE EXAME DE CORPO DE DELITO
IMPEDE O RECONHECIMENTO DA CONFIGURAÇÃO
DOS CRIMES. IMPOSSIBILIDADE DESTA CORTE
SOBREPOR-SE A QUAISQUER CONCLUSÕES DAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS NO PONTO, POR SEREM
SOBERANAS NA ANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA.
PALAVRA DA VÍTIMA, QUE, DE QUALQUER FORMA,
NOS CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO
PUDOR, É ELEMENTO PROBATÓRIO DE
CONSIDERÁVEL VALOR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
IMPOSSIBLIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE
OFÍCIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. [...].
2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo
Ministro MARCO AURÉLIO, no sentido de que, "no tocante a
habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso
constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a
possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de
ofício."
3. Não é o que ocorre no caso, no entanto, pois os crimes de
estupro e atentado violento ao pudor praticados com violência
real ou por meio de grave ameaça são de ação penal pública
incondicionada. Inteligência da Súmula n.º 608 do Supremo
Tribunal Federal.
4. [...]
5. [...].
6. Ausência de ilegalidade flagrante que permita a concessão da
ordem de ofício.
7. Habeas corpus não conhecido. (HC 254236/SP, Rel. Ministra
Laurita Vaz, 5ªT., DJe 28/2/2013, destaquei)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . PENAL.


ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA
INCONDICIONADA. SÚMULA 608/STF. RETRATAÇÃO
DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que, em
caso de estupro ou atentado violento ao pudor praticados
mediante violência real, como na hipótese dos autos - de acordo
com o afirmado pelas instâncias ordinárias, inclusive com o
respaldo do laudo de corpo de delito - a ação penal cabível é a
pública incondicionada, a teor do Enunciado nº 608 da súmula
do Supremo Tribunal Federal, não havendo que se cogitar de
ilegitimidade na atuação do Ministério Público.
2. Recurso Ordinário em Habeas Corpus desprovido.
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(RHC 22362/RO, Rel. Ministro Haroldo Rodrigues
(Desembargador convocado do TJ/CE), 6ªT., DJe 25/4/2011,
destaquei)

Reforço a observação de ser inviável desconsiderar a afirmação,


constante da sentença e do acórdão proferidos na origem, de que houve
violência real por parte do paciente, porquanto, como bem delineado em
decisão monocrática proferida pela Ministra Cármen Lúcia, do Supremo
Tribunal Federal,
[...]
Neste momento, para que se pudesse cogitar da incidência do
art. 225 do Código Penal, alterado pela Lei n. 12.015/2009, e
acolher a pretensão dos ora Impetrantes para declarar a
extinção da punibilidade pela decadência, seria necessário o
reexame dos fatos e das provas dos autos para afastar a
premissa de que o delito imputado foi praticado pelo
Paciente com violência real. Este Supremo Tribunal assentou
que o 'habeas corpus constitui remédio processual inadequado
para a análise da prova, para o reexame do material probatório
produzido, para a reapreciação da matéria de fato e, também,
para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no
processo penal de conhecimento' (HC 74.295, Relator o Ministro
Celso de Mello, DJ 22.6.2001).
(HC 118946, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Decisão
monocrática, DJe 21/8/2013, destaquei).

Assinalo, por lealdade, que esta Sexta Turma recentemente


entendeu – em aresto acima mencionado – que não mais se aplica a Súmula n.
608 do STF, em face da nova normativa introduzida pela Lei n. 12.015/09. Na
ocasião, fiquei vencido, tendo o acórdão recebido a seguinte ementa:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS


CORPUS . ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL.
NATUREZA. SÚMULA 608/STF. SUPERVENIÊNCIA DA
LEI Nº 12.015/2009. LEGISLAÇÃO POSTERIOR MAIS
BENÉFICA. RETROATIVIDADE. OFERECIMENTO DE
DENÚNCIA. IMPROPRIEDADE. ANULAÇÃO.
CONSEQUENTE RECONHECIMENTO DE DECADÊNCIA.
RECURSO PROVIDO.
1. Com a superveniência da Lei nº 12.015/2009, que deu nova
redação ao artigo 225 do Código Penal, a ação penal nos delitos
de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que praticados
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com violência real, passou a ser de natureza pública
condicionada à representação, exceto nas hipóteses em que a
vítima for menor de 18 (dezoito) anos
ou pessoa vulnerável, em que a ação será pública
incondicionada. 3. Em atenção ao princípio da retroatividade da
lei posterior mais benéfica, ex vi do disposto no art. 5º, inciso
XL, da Constituição Federal, de rigor sua aplicação a casos
como o presente. Com a anulação da ação penal, tem-se por
reconhecida a decadência do direito de representação, e a
extinção da punibilidade.
4. Recurso ordinário provido para, reconhecida a extinção da
punibilidade, nos moldes do artigo 107, IV, c.c. art. 103, todos
do Código Penal, trancar a ação penal n.º
0012161-21.2013.8.19.0054, da 1ª Vara Criminal da Comarca de
São João de Meriti/RJ - com dois votos vencidos, e um voto pelo
provimento sob outro fundamento.
RHC 39538 / RJ, Rel. Min ROGERIO SCHIETTI CRUZ,
Relator(a) p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, 6ª Turma, j. 8/4/2014, DJE 25/4/2014.
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as
acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do
Superior Tribunal de Justiça: Prosseguindo julgamento após o
voto-vista do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior dando
provimento ao recurso em habeas corpus , verificou-se empate
na votação, prevalecendo a decisão mais favorável ao réu, a
Sexta Turma, deu provimento ao recurso em habeas corpus , nos
termos do voto da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura,
que lavrará o acórdão, vencidos o Sr. Ministro Rogerio Schietti
Cruz e a Sra. Ministra Marilza Maynard. Votou com a Sra.
Ministra Maria Thereza de Assis Moura o Sr. Ministro Sebastião
Reis Júnior (Presidente). Não participou do julgamento o Sr.
Ministro Néfi Cordeiro.
(VOTO VISTA) (MIN. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR)
A ação penal é pública condicionada à representação na hipótese
de crime sexual do qual não resulta nem lesão corporal grave
nem homicídio, ainda que seja praticado com violência real. Isso
porque o simples fato de existir violência real não é suficiente
para autorizar a incidência do artigo 101 do CP. Deve-se aplicar
o artigo 88 da Lei 9.099/1995.

Por coerência a tal posicionamento pessoal e por ainda, repito,


não estar convencido da revogação tácita do verbete n. 608 da Súmula do STF,
peço vênia para não seguir o voto do Ministro Sebastião Reis Júnior, no
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particular.

Sem embargo, vejo necessidade de conceder, ex officio , ordem


de habeas corpus a favor do paciente, para reduzir-lhe a pena impingida na
instância de origem.

É que, muito embora entenda que a vulnerabilidade a que alude


o art. 217-A, na parte final do seu parágrafo primeiro (na hipótese em que a
vítima, "por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência"), não exija
que a vítima seja pessoa vulnerável – bastando que a situação concreta assim a
caracterize – no caso em exame a vítima não estava em situação que lhe
impossibilitou resistir, quando se iniciou a ação delitiva imputada ao ora
paciente. Deveras, tomando como incontroverso o que decidiu o juízo natural
da causa, o réu inicialmente agrediu a vítima para, quando esta, em
decorrência da violência real, desfalecera, manter com ela algum contato
sexual, cuja extensão, insisto, não foi possível delimitar, mas que, pelo contato
havido entre o os corpos, seminus, do paciente e da ofendida, já permitiu
configurar o crime de estupro.

Isso porque, com a migração da figura delitiva anteriormente


positivada no art. 214 do CPB (atentado violento ao pudor) para o art. 213 do
mesmo diploma legal, não mais é mister haver penetração vaginal para a
consumação do crime de estupro, bastando a prática de ato libidinoso de
qualquer espécie, inclusive o contato entre os corpos dos sujeitos ativo e
passivo da conduta, tal qual deixa claro o teor do art. 213 do CPB.

Sendo assim, a vulnerabilidade momentânea da vítima


decorreu da própria ação violenta do paciente, inerente ao tipo materializado
no art. 213 do CPP. Logo, não há mesmo de incidir a previsão do § 1º do art.
217-A, do CPB, pois em tal situação a vulnerabilidade já existia quando o
agente inicia a execução do crime (pense-se na vítima completamente
embriagada, ou sedada, ou em estado de coma). A diferença é sutil, mas há de
ser feita, sob pena de desconsiderar-se a violência empregada pelo agente
precisamente para subjugar a vítima e com ela praticar algum tipo de ato
libidinoso, estando ela ainda totalmente consciente ou não.

Logo – e reafirmando a impossibilidade de desconstituir, na


presente sede mandamental, os fatos sobre os quais se assentaram a sentença e
o acórdão proferidos na origem – considero ter ocorrido, na espécie, o crime
de estupro, em sua modalidade principal (art. 213 do CPB), cuja pena
mínima é de 5 anos de reclusão.

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Assim, certo que o paciente foi condenado – por força de


provimento de seu recurso de apelação – à pena mínima correspondente ao tipo
inscrito no art. 217-A, do CPB, deve a reprimenda ajustar-se à nova figura
delitiva que entendo melhor se subsumir ao caso ora julgado.

À vista do exposto, não conheço do habeas corpus . Todavia,


identificando coação ilegal, concedo a ordem, ex officio , para desclassificar a
conduta atribuída ao paciente para o art. 213 do CPB e, por conseguinte,
reduzir-lhe a pena imposta, que passa a ser de 5 anos de reclusão, em regime
inicial semiaberto, por ausência de fatores negativos a justificar a inflição de
regime mais gravoso.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

Número Registro: 2013/0291689-4 PROCESSO ELETRÔNICO HC 276.510 / RJ


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00009521920128190045 9521920128190045


EM MESA JULGADO: 11/11/2014
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. FATIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTROS
ADVOGADO : SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTRO(S)
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : L A R (PRESO)
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a Dignidade Sexual - Estupro de vulnerável

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz não
conhecendo do habeas corpus, mas concedendo a ordem de ofício, em menor extensão, e os votos
dos Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Maria Thereza de Assis Moura acompanhando o Sr. Ministro
Relator, a Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido de habeas corpus, expedindo,
contudo, ordem de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencido o Sr. Ministro
Rogerio Schietti Cruz que concedia a ordem em menor extensão.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz (voto-vista), Nefi Cordeiro e Maria Thereza de
Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator quanto ao não conhecimento da ordem.
Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr.
Ministro Relator quanto à concessão da ordem em maior extensão.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Ericson Maranho (Desembargador
convocado do TJ/SP).

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