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86 Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente1 Brazilian series on Netflix: The dystopia chronotope in Onisciente Maria Cristina Palma Mungioli Professora Livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, Brasil. E-mail: crismungioli@usp.br Flavia Suzue de Mesquita Ikeda Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, Brasil. E-mail: flaviasuzue@gmail.com Resumo: O artigo analisa as relações espácio-temporais que enformam a construção discursiva da ficção distópica Onisciente (Netflix, 2020), série brasileira original da Netflix, realizada no contexto de internacionalização das produções da plataforma. Em sua primeira parte, o artigo apresenta um breve histórico das produções originais brasileiras de ficção realizadas pela Netflix. Em seguida, analisa os espaços da Cidade da série Onisciente com base no conceito de cronotopo de Bakhtin (2003; 2010), enquanto dimensão formal e temática. Martin-Barbero (1998; 2008) e Certeau (2007) embasam ainda as reflexões acerca do espaço da cidade e Terentowicz-Fotyga (2018) e Barros (2011) contribuem para a discussão de aspectos das cidades distópicas. A análise dos cronotopos da série evidencia visões de mundo, ideias e conceitos marcados pelas oposições entre o indivíduo e o Estado, o privado e o público, o dentro e o fora, e os signos de verdadeiro e falso, como na questão da segurança e infalibilidade do sistema que controla a Cidade. Palavras-chave: Séries distópicas; Cronotopo; Netflix; Série brasileira; Onisciente. Abstract: The article analyzes the spatiotemporal relations that shape the discursive construction of dystopian fiction Onisciente (Netflix, 2020), a Brazilian Netflix original series, made in the context of the internationalization of the platform's productions. In its first part, the paper presents a brief history of Brazilian original fiction productions made by Netflix. Next, based on Bakhtin's (2003; 2010) concept of chronotope as a formal and thematic dimension, we explore the spaces of the City in the series. TerentowiczFotyga (2018) and Barros (2011) add to the consideration of elements of dystopian cities, while Martin-Barbero (1998; 2008) and Certeau (2007) provide additional context for views on city space. The analysis of the chronotopes in the series focuses on worldviews, notions, and concepts characterized by oppositions between the individual and the State, the private and the public, the inside and the outside, and the 1 Uma versão deste artigo foi apresentada no 44º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, GP Ficção Seriada, 2021. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 87 indications of what is true and what is false, as in the case of the security and infallibility of the system that controls the City. Keywords: Dystopian series; Chronotope; Netflix; Brazilian series; Onisciente. 1 Introdução As indústrias de televisão e cinema se transformaram profundamente com o advento dos sistemas de vídeo sob demanda por assinatura (em inglês: Subscription Video on Demand, ou SVOD), popularmente conhecidos como streaming desde o início das operações da Netflix em nosso país em 2011. Considerada “a primeira rede global de televisão” (LOTZ, 2018, p. 117), a Netflix contabiliza mais de 230 milhões de assinantes em mais de 190 países no primeiro trimestre de 2023, aos quais poderiam ser adicionados mais 100 milhões de lares que compartilham a assinatura do serviço (NETFLIX, 2023). Para além dos números, cabe destacar, conforme pontuamos em outro artigo, que a Netflix “não apenas inaugurou um novo modelo de negócios de distribuição de vídeos via internet, mas também criou novos modelos de produção – em escala internacional e transnacional – e transformou formas de recepção (...).” (MUNGIOLI e IKEDA, 2020, p. 15). O objetivo de atender a um público formado por assinantes de diversos países e culturas levou a empresa a investir fortemente em conteúdos de gêneros e formatos distintos produzidos em diferentes países que pudessem agradar não apenas os públicos locais, mas também de outros países e regiões. Tal estratégia comercial é positivamente destacada pela empresa em seus balanços trimestrais. Em 2019, a plataforma creditava seu sucesso mundial a suas produções originais realizadas em diversos países e regiões do mundo e defendia essa política como essencial para sua manutenção como líder em um mercado cada vez mais competitivo (NETFLIX, 2019, p. 6). Em 2020, uma executiva da empresa informava que mais de 50% da receita da Netflix não provinha dos Estados Unidos (LOW, 2020). Esses dados dimensionam não apenas o alcance da Netflix como serviço de vídeo sob demanda por assinatura em escala mundial, mas também como produtora em uma perspectiva transnacional que INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 88 constrói sua marca com base nos produtos de seu catálogo. Ao tratar desse último aspecto, Lotz (2022) destaca que2 A proposta de valor da Netflix advém do fato de oferecer fácil acesso a conteúdo diferenciado dos EUA e de fornecer uma gama atraente de produções dramáticas multiterritoriais, muitas das quais atendem a gostos e sensibilidades que são inviáveis para os canais nacionais atenderem de forma econômica (LOTZ, 2022, p. 109).3 Considerando esse cenário, o presente artigo apresenta, em sua primeira parte, um breve histórico das séries originais brasileiras de ficção produzidas pela Netflix, com o intuito de refletir sobre o contexto de produção de séries brasileiras pela plataforma no qual se encontra a série Onisciente (Netflix, 2020), objeto de nossa análise. Posteriormente, o artigo se organiza em torno de seu objetivo principal: discutir as relações espaciotemporais que enformam a construção discursiva da ficção distópica Onisciente (Netflix, 2020), destacando a produção de sentido em torno das cidades da série. O enfoque tem como base as discussões de Bakhtin (2003; 2010) acerca do cronotopo, entendendo-o como uma dimensão formal e temática. O conceito, resumidamente, matiza e condiciona, em sua materialidade, as relações entre personagens e temporalidades discursivas com o tempo histórico e o cotidiano na obra artística. Embasam ainda nossas reflexões Martin-Barbero (1995, 1998, 2008) e Certeau (2007) para tratarmos do espaço da cidade, e Terentowicz-Fotyga (2018) e Barros (2011) para pensar os aspectos da espacialidade e temporalidade das cidades distópicas. Em uma primeira aproximação, destacamos a centralidade do conceito de cronotopo (BAKHTIN, 2010; 2003) como instrumental teórico para o estudo das relações espaciais e temporais no interior da série. Cabe salientar que, embora o pensador russo tenha criado o conceito para estudar obras literárias complexas, como o romance, entendemos que ele contribui de forma inequívoca para a análise de séries televisivas, como discutimos em outros textos (MUNGIOLI, 2013; 2020). O cronotopo bakhtiniano apreende a inseparabilidade das dimensões espaciais e 2 Os textos em língua estrangeira foram vertidos para o português pelas autoras do artigo. No original: “Netflix's value proposition derives from offering convenient access to distinctive US content and providing a compelling array of multi-territory drama production - much of which services tastes and sensibilities that are infeasible for national channels to service affordably”. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. 3 Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 89 temporais, fundindo-as como unidade indivisível que vincula a obra artística a uma realidade histórica e social na qual é concebida, localizando-a no processo dialógico. No cronotopo artístico-literário ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e concreto. Aqui o tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível; o próprio espaço intensificase, penetra no movimento do tempo, do enredo e da história (BAKHTIN, 2010, p. 211). A obra artística, como enunciado concreto, produz sentidos em um contexto social com o qual dialoga e pelo qual está impregnada. Para Bakhtin (2003, p. 300), o objeto do discurso “já está ressalvado, contestado, elucidado e avaliado de diferentes modos; nele se cruzam, convergem e divergem diferentes pontos de vista, visões de mundo, correntes”. Dessa forma, a “perspectiva de análise por meio do conceito de cronotopo insere trama, personagens e conflitos em situações (do cotidiano) que desnudam os embates sociais e tensionam visões de mundo e conflitos inerentes à vida social em sua perspectiva de construção histórica” (MUNGIOLI, 2020, p. 253). No nível figurativo, as cidades imaginadas nas distopias não só ambientam as ações, mas concretizam e são expressões das angústias e esperanças, dos receios, medos e desejos presentes na sociedade atual (BARROS, 2011). Em Onisciente, tais sentimentos são organizados em uma narrativa que especula sobre um futuro em que a divisão de classes não determina apenas uma desigualdade simbólica ou mesmo material, mas se manifesta espacialmente pela separação geográfica entre a utópica Cidade, iluminada e ordenada, onde não há violência nem pobreza, e o espaço fora dos seus limites, caracterizado pelas heterogeneidades de classes e estéticas, pelo barulho e pela insegurança. Dito de outra forma, ao longo do texto, procuramos refletir sobre as cidades imaginadas na série Onisciente, entendidas como lugares em que se condensam as dimensões espaciais e temporais que caracterizam ambientes distópicos que, por sua vez, fazem emergir visões de mundo marcadas por valores apreensíveis por seus cronotopos e, portanto, configuram universos imagináveis. Para Todorov (1981, p. 129), a noção de cronotopo “não [se] relaciona simplesmente à organização do tempo e do espaço, mas também à organização do mundo (que pode legitimamente se chamar cronotopo na medida em que o tempo e o espaço são as categorias fundamentais de INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 90 todo universo imaginável).” Assim, o conceito bakhtiniano pode ser entendido como elemento que configura não apenas o ambiente ficcional, mas também o acabamento temático. Como salienta Todorov (1981, p. 128-129), os gêneros apresentam cronotopos que lhes são característicos. Assim, os cronotopos da sala de estar e da alcova ganham relevância no romance de realista francês de Stendhal e Balzac (BAKHTIN, 2010, p. 246) e circunscrevem personagens e temas nele apresentados. 2 Séries brasileiras originais na Netflix A Netflix chegou ao Brasil em setembro de 2011, oferecendo a possibilidade, até então inédita no país, de assistir a conteúdos audiovisuais sob demanda e assinatura independentemente da contratação de outros serviços. No lançamento da plataforma em São Paulo, o presidente da Netflix, Reed Hastings, afirmou que a empreitada se justificava pelo crescimento econômico do país e pelo reconhecimento do grande interesse dos brasileiros no consumo de vídeos. Na ocasião, o alegado objetivo da empresa, em todo o mundo, não era concorrer com outras modalidades de serviço por assinatura, como a TV paga, mas ser um complemento e alternativa aos consumidores, pois na plataforma eram disponibilizados apenas episódios que já haviam sido veiculados na televisão, com acento em programas antigos. Na ocasião, a Netflix mantinha contratos de licenciamento com Paramount Pictures, Sony Pictures Television, NBC Universal International Television, ABC Television, CBS Television, MGM, BBC Worldwide e Disney (BRENTANO, 2011). Tal direcionamento, entretanto, se transformou em 2012, quando a empresa estadunidense, em resposta às iniciativas de estúdios de lançar serviços próprios, que limitavam novos acordos, a Netflix passou a investir em conteúdos próprios e iniciou a expansão internacional, também, no campo da produção. A primeira aposta foi dividir os custos da série Lilyhammer com a emissora norueguesa NRK1, que, entretanto, pode exibir a série um mês antes da plataforma. Já no ano seguinte, em 2013, produziu as primeiras séries originais do Netflix, uma nova temporada da até então extinta série Arrested Development, e sua primeira série original House of Cards (adaptação de minissérie britânica de 1990), publicando as temporadas completas (binge publishing). Com a expansão das produções para outros países, a Netflix chegou INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 91 em 2016 ao posto de maior produtora de séries do mundo. Nesse mesmo ano, 2016, a Netflix lançou sua primeira série original brasileira, a distopia 3%, criada por Pedro Aguilera. O Brasil foi o segundo país da América Latina onde a Netflix investiu em uma série original, um ano depois da série mexicana Club de Cuervos (2015). Ressalte-se que, em 2015, a empresa já tinha 2.5 milhões de usuários no Brasil e seu faturamento, em comparação com as operadoras de TV paga, estava atrás apenas da Net e Sky (CANAL TECH, 2015). Além disso, a dinamização do mercado trazida pelo novo modelo de televisão pela internet (LOTZ, 2017) influenciou em iniciativas dos grandes grupos nacionais. Exemplos são o NOW, serviço sob demanda da Net que desde 2014, podia ser acessado através de um aplicativo em aparelhos móveis com acesso à internet e ser contratado por não clientes da operadora, e o Globoplay, plataforma ligada à TV Globo, lançada em 2015. Assim, em novembro de 2016, 3% foi lançada nos 190 países em que a plataforma já estava presente, e chegou a ser a série de língua não inglesa mais assistida na Netflix no mundo. Apesar de receber algumas críticas desfavoráveis no Brasil após a estreia, a sua boa recepção internacional garantiu outras três temporadas (em 2018, 2019 e 2020). Em 2018, além da segunda temporada de 3%, estrearam as séries O Mecanismo, Samantha e a animação adulta Superdrags. O esforço de demarcar o caráter regional das produções já era flagrante, como visto em O Mecanismo (Zazen Produções, 2018 e 2019). Criada e dirigida por José Padilha, a série é inspirada na operação Lava-jato, que resultou em uma série de processos e condenações contra políticos, funcionários públicos e empresários, e ocupou posição central na história recente do Brasil. Por sua vez, Samantha! (Los Bragas, 2018 e 2019), dirigida por Luiz Pinheiro e Julia Jordão, tem como protagonista uma estrela mirim da televisão na década de 1980 que, no tempo atual, tenta recuperar a fama. Apesar de ser ambientada no tempo presente, a série, através da história de Samantha (Emmanuele Araújo), remete ao contexto da cultura midiática nacional dos anos 1980, quando grupos infantis como Balão Mágico e Trem da Alegria fizeram sucesso. Desde então, a Netflix incluiu séries originais brasileiras em seu catálogo todos os anos e, até dezembro de 2022, estrearam 22 títulos, totalizando ao longo do período 33 temporadas, conforme apresentado no Quadro 1. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 92 QUADRO 1 – Séries brasileiras originais NETFLIX – 2016 a 2022 2016 Título 3% Episódios Duração aprox. 8 45 min 2018 Gênero* Ficção científica Título Episódios Duração aprox. Gênero O Mecanismo 3% (2a temporada) Samantha! Superdrags 8 10 7 5 40 min 40 min 30 min 25 min Policial / política Ficção científica Comédia / sitcom Animação adulta Título Coisa Mais Linda Samantha! (2a temporada) O Mecanismo (2a temporada) Episódios 7 7 8 Duração aprox. 40 min 25 min 50 min Gênero Drama romântico Comédia Ação 3% (3a temporada) O Escolhido 8 6 45 min 40 min Ficção científica Suspense Sintonia Irmandade Ninguém Tá Olhando O Escolhido 2a temporada 6 8 8 6 40 min 50 min 25 min 45 min Policial /Teen Policial / drama / social Drama / fantasia Suspense 2019 2020 Episódios Duração aprox. 6 45 min 7 36-60 min 10 30 min Título Onisciente Spectros Reality Z Coisa Mais Linda 2a temporada Boca a Boca 3% 4a temporada Bom dia, Verônica 6 6 7 8 Gênero Ficção científica / suspense Terror / Fantasia Terror/ humor 35-56 min 45 min 36-74 min 45 min Drama romântico Mistério / teen Ficção Policial Episódios Duração aprox. Gênero 7 6 40 min 45 min Policial/ fantasia Policial 2021 Título Cidade Invisível Sintonia Título Maldivas Cangaceiro do Futuro Irmandade (2ª temporada) Nada Suspeitos A Sogra que te Pariu Só se For por Amor De Volta aos 15 Sintonia 3ª temporada Temporada de Verão 2022 Episódios Duração aprox. 7 30 min 7 35 min 6 50 min 9 30 min 10 25 min 6 60 min 6 35 min 6 45 min 8 48 min Gênero Mistério Comédia Policial Comédia de mistério Sitcom Música Adaptação Policial Teen INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 93 Bom dia, Verônica 2ª temporada 6 50 min Fonte: as autoras com base em dados fornecidos pela Netflix Brasil 4. Policial Referências à história recente do Brasil também são encontradas em séries como Irmandade (O2, 2019), que conta o surgimento de uma facção criminosa em um presídio de São Paulo, na década de 1990, guardando muitas similaridades com a história do PCC (Primeiro comando da capital); e em Coisa mais linda (Pródigo, 2019 e 2020), que se passa na década de 1960, ambientado no Rio de Janeiro no contexto do surgimento da Bossa Nova. Essas produções trazem representações do passado que condizem com uma instrumentalização mercadológica da nostalgia pela Netflix (CASTELLANO e MEIMARIDIS, 2017), recorrente nas produções internacionais da plataforma. Podemos mencionar ainda títulos como Cidade Invisível (2021), que colocou em cena personagens do folclore nacional, envolvidos em uma trama de investigação policial, e a comédia O Cangaceiro do Futuro (2022), a qual aborda o universo do Cangaço, como exemplos dos esforços da Netflix em garantir o que Straubhaar (2007) denomina de proximidade cultural. O autor identifica a atração dos públicos de diferentes países por produções com as quais se identifica por língua, fenótipo, estilo, humor, referências históricas ou outros conhecimentos compartilhados, acesso que conceitua como proximidade cultural. “Esse não é necessariamente um fenômeno nacional. Audiências podem ser atraídas ou sentir proximidade com a cultura local, culturas regionais dentro de sua nação, da cultura nacional e regiões e espaços transnacionais” (STRAUBHAAR, 2007, p. 26, tradução nossa5). Straubhaar pontua que, fora parcelas pequenas das elites que possuem um capital cultural “globalizado”, as classes médias e as com mais restrições econômicas dão preferência a programas próximos de suas referências culturais. Nessa perspectiva, a utilização de formas de gênero importadas inclui novos padrões na cultura de um lugar, cuja cultura “original”, contudo, persiste ainda que hibridizada com novos elementos. 4 A classificação dos gêneros foi realizada pelas autoras com base na nomenclatura utilizada pela Netflix. 5 Original: “This is not necessarily a national phenomenon. Audiences can be attracted or feel proximities to local culture, regional cultures within their nation, national culture, and transnational cultural regions or spaces”. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 94 Neste artigo, destacamos especialmente – o esforço da Netflix – no que podemos classificar como “séries de gênero”, que correspondem a produções com acabamentos temático e estético específicos, estabelecendo relações interdiscursivas com produções internacionais de sucesso, como o caso da já citada 3% e Onisciente, que apresentaram ao público da Netflix uma versão local do fenômeno das distopias seriais que já vinham se destacando com sucesso no mercado editorial, no cinema, na televisão e nas webséries na última década, incluindo produções internacionais da própria plataforma, como Black Mirror (2015) (IKEDA e MUNGIOLI, 2022). Além do gênero distópico, há outros casos de investimento inovador em relação ao que o público estava habituado em ver nas produções nacionais. O drama de suspense O escolhido (2019) mostra a história de uma equipe de saúde que se depara com uma seita ao tentar levar a vacina para o zika vírus (que, no mundo real, ainda não existe em uso) a um povoado, e é uma adaptação da série mexicana Niño Santo (2011). Por sua vez, Boca a boca (2020) tem como tema uma doença misteriosa transmitida entre jovens através do beijo. As duas séries são tramas de suspense com toques de fantasia que se passam em cidades remotas do interior do país. Como O escolhido, as séries Spectros (Moonshow, 2020) e Reality Z (Conspiração, 2020) chamam a atenção pela relação direta com obras estrangeiras, refletindo o diálogo entre formatos celebrados na cultura internacional com a ambientação e outros aspectos da cultura local. Nesse caso, trata-se de duas séries do gênero terror. Reality Z é adaptação de formato da série britânica Dead Set, crida por Charlie Brooker, e narra a história de participantes de um reality show que se veem no meio de um ataque zumbi no Rio de Janeiro. Já Spectros foi criada e dirigida por Douglas Petrie (conhecido por assinar a série estadunidense Buffy), e transportou o mote do terror jovem para o bairro paulistano da Liberdade (IKEDA, 2022). Essa tendência pode ser relacionada ao caráter multinacional do negócio da Netflix, que disponibiliza as produções das diferentes regiões do planeta nos catálogos dos países onde presta o serviço. Dessa maneira, as séries devem ter potencial para atingir não só o público nacional, mas sensibilizar espectadores de outros países e culturas, o que é facilitado por uma certa homogeneização das suas produções internacionais, mediado pelas matrizes culturais locais. Essas matrizes se expressam, INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 95 nas produções brasileiras observadas, por meio de aspectos cronotópicos de localização e diferentes figurações relacionadas à cultura e à sociedade locais. Em relatório de 2019, a Netflix atribuiu o seu sucesso mundial às produções originais em diversas regiões e países do mundo. “É por isso que começamos a investir em produções originais em 2012 e expandimos agressivamente desde então – através de categorias (gêneros) de programas com a ambição de compartilhar histórias do mundo para o mundo”6 (NETFLIX, 2019, p. 6). 3 Cidade como escritura e sistema de enunciação Consideramos as cidades da série analisada com base no enquadramento da metáfora da cidade como escritura, como sistema retórico que Certeau (2007) lhe atribui. Conforme discutimos em outro texto, o pensador francês entende a cidade como “texto urbano” no qual se enunciam os passos dos pedestres em um sistema retórico estruturado que contém um estilo do uso, maneira de ser e maneira de fazer. Essa forma de pensar a cidade permitiria a sua compreensão não como espaço racional, coerente, totalizador, mas como algo em construção/descontrução/construção permanentes de acordo com as práticas e usos que se fazem e que podem ser feitos dos espaços urbanos (MUNGIOLI e JAKUBAZKO, 2008, p. 6). Martin-Barbero, no texto Entre urbanías y ciudadanías (s/d, p. 1)7 discute o estudo da cidade como uma escritura que deve ser lida na (...) multiplicidade de suas camadas tectônicas e de sua polifonia de linguagens, em seu fecundo caos e seu desconcertante labirinto, transformando o palimpsesto em aposta metodológica: um lugar de vislumbre e fuga de sentidos, enquanto dispositivos do sentir, do ver, do cheirar, do tocar. No original: “It’s why we started investing in originals in 2012 and expanded aggressively ever since - across programming categories and countries with an ambition to share stories from the world to the world”. 7 Fazemos uso ao longo do texto de material impresso distribuído pelo autor durante o curso que ministrou na ECA-USP, em 2008, que foi resumido no artigo: MARTÍN-BARBERO, J. As novas sensibilidades: entre urbanias e cidadanias. MATRIZes, [S. l.], v. 1, n. 2, p. 207-215, 2008. DOI: 10.11606/issn.1982-8160.v1i2p207-215. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/38201>. Acesso em: 12/08/21. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. 6 Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 96 Camadas e linguagens que concretizam por meio de uma escritura que tem entrelinhas e paratextos8 que compõem uma complexa rede intertextual e interdiscursiva por meio do (1) espaço habitado, do (2) espaço produzido, do (3) espaço imaginado e do (4) espaço praticado, os quais, segundo Martín-Barbero (s/d, p. 4), seriam os espaços matriciais que possibilitariam a leitura da intrincada escrita da cidade contemporânea. Os espaços matriciais permitem pensar o espaço como uma escritura cuja tessitura guarda marcas e vestígios das escritas que lhe precederam (Martín-Barbero s/d). Dessa forma, podemos compreender que Os espaços matriciais, ou seja, essas quatro modalidades de compreensão do espaço, mesclam em seu interior muito mais que territórios e lugares; evidenciam a necessidade de se pensar o espaço não apenas como um lugar delimitado, mas em suas múltiplas dimensões - sociais, políticas, territoriais, sociais, identitárias e psicológicas – todas elas perpassadas por um traço comum: a necessidade de comunicação (MUNGIOLI e JAKUBAZKO, 2008, p. 6-7). Procuramos, dessa forma, ao longo do artigo, analisar os enunciados que compõem os espaços matriciais elencados por Martín-Barbero (2008) e que se configuram por meio de cronotopos que, por sua vez, materializam não apenas o universo imaginável da obra, mas também sentimentos de angústias e esperanças, de receios, medos e desejos presentes na sociedade atual (BARROS, 2011). 4 Cronotopo na obra artística Para Bakhtin (2010), na produção artística e literária as definições de espaço e tempo são inseparáveis e recebem sempre um “matiz emocional”. Toda obra está impregnada de valores cronotópicos que a determinam em torno da relação com a realidade. É quando esses valores adquirem regularidade discursiva em diferentes obras que se determinam os gêneros na literatura. Bakhtin considera a relação temporal e espacial como motivadora dos temas e enredos, uma categoria de conteúdo e forma 8 Compreendemos o termo paratexto, desenvolvido por Gerard Genette em Seuil (1979), como o conjunto dos discursos contendo comentários, apresentações ou acompanhamento sobre uma obra, seja ele feito por seu autor ou por críticos especializados ou mesmo na imprensa em geral. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 97 literária, e analisa os cronotopos com características tipológicas estáveis que determinam os gêneros do romance em dados momentos (BAKHTIN, 2010, p. 212). Ao tomar o emprego da linguagem como fenômeno social, que não se materializa de forma autônoma, mas a partir da interação dialógica, das trocas determinadas pelo contexto amplo dos indivíduos envolvidos e pelo contexto imediato de cada enunciação, Bakhtin destaca como cada enunciado reflete o ambiente, a situação e a finalidade na comunicação de cada grupo ou campo de atividade humana por seu tema, ou conteúdo, pelo estilo e pelas características composicionais empregadas. A determinação do cronotopo parte especialmente da essência temporal recorrente em determinadas obras de um período (2010, p. 212). Uma vez que todos os elementos se determinam mutuamente, um determinado princípio de enformação da personagem está vinculado a um determinado tipo de enredo, a uma concepção de mundo, a uma determinada composição do romance (BAKHTIN, 2018, p. 205). Bemong e Borghart (2015) resumem o cronotopo por meio da ideia de que um texto narrativo é composto dos eventos e das falas no interior da diegese e na construção de um mundo ficcional particular, mundo esse que é modelado pelo gênero (e pelos cronotopos que lhe dão forma). Para análise dos enunciados artístico-literários, aqui equiparados às séries televisuais, interessam os valores cronotópicos como organizadores dos temas e eventos, e os valores figurativos, quando o cronotopo é o palco no qual se materializam em imagem e se desenrolam em ações, as ideias, reflexões e conceitos intencionados pelo autor. Todos os elementos abstratos do romance - as generalizações filosóficas e sociais, as ideias, as análises das causas e dos efeitos, etc.- gravitam ao redor do cronotopo, graças ao qual se enchem de carne e de sangue, se iniciam no caráter imagístico da arte literária. Este é o significado figurativo do cronotopo (BAKHTIN, 2010, p. 356). Em uma mesma obra encontram-se numerosos cronotopos, os quais, por sua vez, podem incluir outros muitos pequenos cronotopos e inter-relações determinadas de obra e autor. “toda imagem de arte literária é cronotópica” (BAKHTIN, 2010, p. 356.). Isso inclui a posição sócio-histórica do enunciador/autor, posto que “a relação tempo-espaço é dinâmica e organicamente construída de maneira concomitante pelo INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 98 autor, obra e leitor na medida em que todos se inserem no quadro da comunicação dialógica” (MUNGIOLI, 2013, p. 107). Bakhtin (2018; 2010) identifica particularidades referentes a como o romance, no decorrer de diferentes fases, considera o tempo e o espaço (o mundo); como considera o homem nos contextos; e como se dá a construção da imagem da personagem central. Porém, destaca que o cronotopo real nunca é assimilado de forma homogênea e total, mas apenas em determinados aspectos nas obras, que reorganizam elementos de formas específicas em cada gênero, que pode ser identificado pela predominância de um ou outro cronotopo. Finalmente, quaisquer conceitos apenas têm existência através de uma expressão espaço-temporal, ou seja, forma sígnica: “Consequentemente, qualquer intervenção na esfera dos significados só se realiza através da porta dos cronotopos” (BAKHTIN, 2010, p. 362). Dessa maneira, consideramos que o conceito se presta à observação das narrativas audiovisuais, como um filme ou uma série. “Do ponto de vista formal, um filme é uma sucessão de pedaços de tempo e de pedaços de espaço” (BURCH, 1992, p. 24). A multiplicidade de possibilidade de organização temporal e espacial permite que, no audiovisual narrativo, uma mesma história, possa ser contada de diferentes maneiras (SPINELLI, 2005). A materialização dos cenários, as relações espaciais entre as cidades imaginadas e a forma estética de cada uma delas é elemento extraverbal da enunciação da série: “O extraverbal não se define de maneira mecânica, mas dentro de uma dialética que envolve o percurso que ‘articularia o verbal e o não verbal, o dito e o nãodito, o posto e o pressuposto, o entendido e o subentendido’” (MUNGIOLI, 2008, p. 4). No caso das distopias, independente da materialidade expressiva, se literatura, filme ou série, é fácil observar a centralidade das relações temporais e espaciais na constituição como gênero, conceitual e figurativamente. 5 Cronotopo das cidades distópicas Incialmente, pensamos o cronotopo das cidades distópicas com base na conceituação de distopia como uma negação da utopia. Esta, pode ser descrita como o sonho do mundo ideal que reflete os anseios e as vozes sociais e históricas de uma INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 99 época, como imaginado por Thomas More, em 1516, no livro Utopia. Nele, o autor imaginou uma sociedade que havia superado a maioria das deficiências e encontrado a felicidade e o equilíbrio. O termo utopia deriva do grego: “topos”, ou lugar, e “u”, redução de “ouk” – uma negação, e significa um lugar que não existe. A expressão “distopia”, que utiliza o prefixo grego “dis” (disfunção e estranheza) surgiu no século XIX, para descrever um lugar impossível não pela perfeição, mas pela absoluta imperfeição. A palavra foi usada pela primeira vez em um discurso de John Stuart Mill (BARROS, 2011). Em fins do século XIX, H.G. Wells lança A máquina do tempo, primeira aparição de uma viagem no tempo na literatura e um marco para o surgimento do gênero da ficção científica. No livro, não há apenas o deslocamento espacial, mas o deslocamento temporal para o futuro, onde um viajante do tempo encontra uma sociedade aparentemente harmoniosa, mas na qual, identifica uma relação indissociável entre a aparente perfeição e a desgraça. Fromm (2009) pontua os livros, Nós (1924), de Zamyatin, 1984 (1949), de George Orwell, Admirável Mundo Novo (1931), de Aldous Huxley como a trilogia das “utopias negativas de meados do século XX”, que “expressam o sentimento de impotência e desesperança do homem moderno assim como as utopias antigas expressavam o sentimento de autoconfiança e esperança do homem pós-medieval” (FROMM, 2009, p. 369). No cinema, Metrópolis (1927), de Fritz Lang pode ser considerado paradigmático das representações de uma cidade distópica. No filme, que se passa em 2026, uma cidade que se projeta às alturas com seus arranha-céus e carros voadores é, na realidade, dependente da exploração de operários que vivem no subterrâneo, reforçando a divisão e a desigualdade entre duas classes através de uma representação espacial. Trata-se de um mundo dividido entre um ambiente rico, superior e aéreo, repleto de arranha-céus, varandas suspensas, viadutos e aviões que rodeiam o gigantesco edifício Nova Babel e um ambiente subterrâneo, onde vivem os trabalhadores e de onde brota o sonho de transformar aquela realidade. Barros (2011) demarca a cidade do filme como estruturante para a trama e uma influência essencial na construção de um imaginário de cidade futurista no cinema. Conforme afirma Francisco (2015), a distopia permite uma nova forma de “relacionamento entre o tempo e o espaço, no qual o pensamento utópico não parece INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 100 estar ligado apenas ao futuro, mas sim à própria existência dos homens em qualquer tempo” (FRANCISCO, 2015, p. 158). Nesse horizonte, não há “futuro em aberto”, mas sim a ideia de que, inevitavelmente, todos padecerão sob Estados burocratizados, despersonalizados e totalitários. Seguindo a abordagem de Bakhtin, Terentowicz-Fotyga (2018) localiza 1984 como um exemplo canônico para constituição de um cronotopo distópico, a partir da identificação do que materializa a unidade da obra, da sua relação com a realidade e de como o ser humano é representado. “Distopia, como uma novela das ideias, sátira de uma ordem social particular, é um gênero particularmente apto para se considerar a função estrutural do cronotopo” (TERENTOWICZ-FOTYGA, 2018, p. 15). O cronotopo distópico se estrutura no tema do conflito entre o indivíduo e o Estado opressor contra o qual o protagonista tenta se rebelar, o que normalmente termina em frustração ou pequenos sinais de esperança. Assim, uma distopia, como encarnação de ideias e visões de mundo específicas de um tempo, precisa conter uma cena que apresente os principais aspectos e as regras do mundo imaginário. Por seu turno, no plano da construção de espacialidade, é central a questão dos limites entre o que é público e o que é privado. Dessa forma, a configuração dos espaços remete a situações sociais determinadas. A casa, nessa perspectiva, relacionase à vida privada, fora dos domínios do Estado e, por isso mesmo, o motivo cronotópico da destruição do lar é recorrente nas distopias. O choque entre o que é interior e exterior também está representado no controle sobre os corpos e as mentes. “O Estado quer manter o corpóreo sob controle, enquanto o indivíduo tenta proteger isso e, a princípio, quanto mais íntima a experiência do corpo, mais distópico é o efeito desse controle” (TERENTOWICZ-FOTYGA, 2018, p. 18, tradução nossa9). Como um exemplo recente, a série Handmaid´s Tale (Hulu, 2017), adaptação de sucesso de livro homônimo de Margaret Atwood (1985), centra-se especialmente nesse cronotopo, também essencial e estruturante em Onisciente, objeto empírico deste artigo. Entre as oposições características do cronotopo distópico elencadas por Terentowicz-Fotyga, estão alto e baixo, central e periférico, passado e presente, cidade e mundo natural e os signos verdadeiros e falsos. “The state wants to bring the corporeal under control, while the individual tries to protect it and in principle, the more intimate the experience of the body, the more dystopian is the effect of its control”. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. 9 Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 101 O sucesso de público e de crítica de distopias na literatura, no cinema e na televisão, a exemplo das séries Handmaid´s Tale e Black Mirror (Channel 4, 2011; Netflix, 2014), mostra como essas obras foram essenciais para sedimentar a noção das plataformas streaming como produtoras de séries de qualidade. Além disso, servem para atestar a relevância que as distopias mantêm no imaginário popular por entre e através de diferentes mídias. 6 A distopia em Onisciente A série Onisciente, do mesmo criador de 3%, Pedro Aguillera, e lançada em 2020 na Netflix, conta a história de Nina, jovem programadora que vive em uma grande cidade no futuro, onde o crime foi praticamente abolido com a implantação do sistema de vigilância individual que dá nome à série. Nascida já após a contratação da empresa, decidida por votação popular dos habitantes, Nina jamais experimentou a vida fora dos termos dessa sociedade, onde cada morador é acompanhado 24 horas por dia por um drone minúsculo, que lembra um inseto, com hélices em forma de asas que se movimentam incessantemente. O primeiro episódio inicia com um zoom lento que se aproxima de Nina, interpretada por Carla Salle, que dorme em sua cama. A lente fecha em um drone que a observa. A câmera, então, assume o ponto de vista do drone para mostrar cada ação íntima da rotina da manhã da protagonista: no banho, ao escovar os dentes, e ao encontrar com o pai, Inácio (Marco Antônio Pâmio) que faz ovos na cozinha. O mesmo recurso será usado em muitos outros momentos da série, que privilegia o plano plongée, conotando a observação de terceiros aos acontecimentos. O cronotopo futurista e tecnológico imprimido pelo drone, entretanto, contrasta com um ambiente doméstico mostrado, similar a um dos tempos atuais. É uma casa com planta aberta, com cozinha americana em madeira clara, na qual o verde das paredes e os tons terrosos conferem um clima aconchegante para o encontro familiar. É na casa que também é apresentado o irmão de Nina, Daniel (Guilherme Prates). A fala do pai expressa sua predileção pela filha, que é trainee programadora na mesma empresa em que ele atuou na manutenção até se aposentar: a Onisciente. INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 102 A caminho do trabalho, de bicicleta, Nina atravessa uma cidade limpa e arborizada, sem muros visíveis e por onde também transitam pequenos carros elétricos e pessoas manipulando seus aparelhos celulares em material transparente. Há telas nas ruas por onde caminham pedestres tranquilos acompanhados de seus drones. Em todo o trajeto, desde a saída da personagem de casa até a Onisciente, há sinais da sensação de segurança na cidade, como os transeuntes despreocupados ou a ação de Nina deixar objetos pessoais junto à bicicleta estacionada no seu prédio e, depois, na rua. Esse aspecto, ressalte-se, faz refletir se a percepção em relação a tais elementos como signos de segurança fez sentido para o público de países sem as taxas de violência do Brasil, considerando que os temas distópicos refletem as demandas e aspirações sóciohistóricas de uma época e de um lugar de enunciação. Para Martin-Barbero (1998), o medo é um fator determinante na forma como as cidades são ordenadas e, não estando ligado apenas à violência, é o que define os “modos de habitar e de comunicar”. o mais forte e sutil homogeneizador é a cidade, impedindo a expressão e o crescimento das diferenças. [...] Ao normalizar as condutas, tanto quanto os edifícios, a cidade destrói as identidades coletivas, as altera, e essa erosão rouba-nos a base cultural, joga-nos no vazio. Daí o medo. [...] a cidade impõe uma ordem precária, vulnerável, porém eficaz. [...] Paradoxalmente é uma ordem construída com a incerteza que nos produz o outro, inoculando-nos a cada dia a desconfiança perante aquele que passa ao meu lado na rua (MARTIN-BARBERO, 1998, p. 5-6). O prédio da Onisciente, onde Nina faz um programa de seleção para uma vaga, é muito amplo, com grandes salões abertos, com parcas divisórias transparentes e mobiliados com mesas altas de vidro e metal e muitas telas. O ambiente tem cadeiras e bancos rígidos e iluminação dura vinda do teto alto. Essas são as únicas características responsáveis pelo impacto visual em relação à casa da personagem, posto que o escritório persiste na mesma paleta vista anteriormente, com cinzas, terrosos e amarelos. A homogeneidade estética é percebida também em outros ambientes interiores da Cidade, como um bar de karaokê, onde prevalece o brilho do vidro e neons, um restaurante com paredes de vidro ou a sala onde fica o computador central, iluminada com painéis backlight brancos que contrastam com as paredes cinzas. Dessa forma, a relação entre os cenários remete à estrutura social, com comportamentos estritamente INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 103 determinados e totalmente controlados pelo sistema de vigilância. As tomadas panorâmicas mostram um mar de arranha-céus envidraçados, que elevam às alturas os habitantes da Cidade, mas não há carros voadores como sonhou Fritz Lang. A apresentação das regras do universo diegético acontece assim que Nina entra no prédio da Onisciente, ainda no início do primeiro episódio, logo após um alerta de crime ser exibido em uma tela imensa no hall. Na tela do elevador, um anúncio com voz feminina informa: Os números não param de melhorar. Nos últimos cinco anos, apenas quatro homicídios, todos pegos em flagrante. Não é privacidade ou segurança. É privacidade e segurança. Nenhum ser humano tem acesso às imagens do sistema. Só o computador central analisa com nanotecnologia de ponta toda imagem e informação (ONISCIENTE, 2020). À diferença do que acontece no livro 1984, nesta cidade distópica os habitantes, apesar de terem todos os movimentos registrados no sistema tecnológico, acreditam ter direito à vida privada e à liberdade, desde que dentro das leis, cujo cumprimento é vigiado pelo drone. Em outro momento, comentando sobre o crime de furto mostrado antes, Ricardo (Marcello Airoldi), chefe de Nina, lhe afirma: “Tem gente que foi criada fora do sistema, que não consegue se controlar”. Ao voltar para casa, Nina encontra o pai morto com um tiro nas costas. Sobre ele, voa um drone. Convicta da infalibilidade do Onisciente, que entretanto não deu alarme sobre o crime, e sem contar com estrutura de investigação há 15 anos, a polícia duvida do assassinato, mesmo diante do corpo baleado, que é levado e retido para exumação, o que impede a realização do sepultamento pelos filhos. Na certidão de óbito, entregue apenas dias depois, está o registro oficial de morte natural. Esse acontecimento é motivador de todas as atitudes que a protagonista vai tomar, afastando-se da correção moral e da crença cega no sistema que havia guiado sua vida até então. O rompimento e a revolta contra a estrutura caracterizam motivos cronotópicos essenciais na configuração da personagem da distopia. Neste caso, a passagem se dá, primeiro nos pensamentos de Nina, antes de se manifestar em sinais físicos (como a dilatação da pupila e aumento da pressão), que são percebidos pelo drone momentos antes de ela jogar uma estátua com o símbolo da Onisciente no chão do corredor do escritório. Soa, então, em um alto falante, a condenação para aplicação imediata: “Pela INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 104 sua localização, você tem 27 minutos para se apresentar ao tribunal e arcar com as consequências dos seus atos”. Essa atitude de Nina é apenas a primeira da personagem no sentido de modificar sua relação com a sociedade e com o espaço controlado em que vive. Novamente, cabe relacionar o enredo com o arco de Winston, em 1984. A segunda ousadia de Nina acontece quando ela sai da Cidade, levada por Judite, assessora do prefeito a quem ela recorre solicitando ajuda após a condenação. É quando, através de tomada aérea, é mostrado o limite entre a Cidade e um espaço exterior. Na passagem para o outro lado, uma marca no chão indica o fim da vigilância da cobertura do sistema Onisciente. “O observador sempre muda o comportamento do observado”, justifica Judite para convencer Nina da necessidade de saírem para conversar sobre o assassinato de seu pai. Separado da Cidade por um rio, sobre o qual passam duas pontes, o espaço fora representa o avesso da utopia da Cidade, sem as garantias de segurança e sem a vigilância. Ainda há árvores nas ruas, mas no lugar de espaços livres, muros e cercas conotam a necessidade de proteção. É lá que, instigada por Judite a burlar o sistema para conseguir as imagens do drone de seu pai e descobrir quem é o assassino, Nina começa a imaginar seu plano. Na sequência, em seu quarto, Nina chora pelo pai pela primeira vez. Diferente das cenas anteriores no mesmo cenário, o quarto é captado a partir de um plano mais baixo, sem inserções da perspectiva da câmera do drone e, no lugar de uma iluminação que se espalha pelo cômodo, uma luz indireta que projeta uma sombra dura de Nina. A cena, com tonalidade intimista, marca a grande virada do enredo, quando ela decide burlar a segurança que impede o acesso de pessoas aos registros feitos pelos drones e garante a privacidade de todos. Para isso, lança mão de estratégias para sabotar seu drone e conseguir alguns minutos sem ser observada. Além disso, ao longo da série, ela e Daniel seguem em busca de respostas e fazem outras excursões para o espaço fora da Cidade, operando a oportunidade de mostrar faces mais duras dessa área, como a sujeira, a confusão, a pobreza e a violência. A cada nova aparição, entretanto, vai ficando claro que se trata de um território urbano comum, onde se mistura uma diversidade de pessoas de classes, hábitos e intenções diferentes. Também é para lá onde vão as pessoas da Cidade em busca de extravasar seus impulsos reprimidos pelo regime, como ilustra uma cena do segundo episódio em que Ricardo espanca um mendigo, e onde, finalmente, Nina e o INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 105 irmão encontram o assassino de Inácio, que entrou na Cidade através do esgoto, escapando de ser acompanhado por uma câmera. “A cidade se esforça tanto pra se isolar, mas a rede de esgoto é a mesma”, explica o assassino, e expõe, metaforicamente, uma moral da história coerente ao contexto apresentado pela série. Finalmente, gravada em São Paulo, Onisciente parece, ao ilustrar seus espaços divididos, remeter às próprias divisões da cidade real, com bairros ricos e luminosos, como a Cidade, em oposição a regiões pobres, diversas e vulneráveis, como o fora da Cidade. Espaço-tempo que não se descola da realidade, mas é parte e determina a vida das pessoas. 7 Considerações Finais Apresentamos, na primeira parte do artigo, um breve histórico sobre as séries originais brasileiras de ficção produzidas pela Netflix, com intuito de refletir sobre o contexto no qual foi realizada a série Onisciente (Netflix, 2020), objeto principal de nossa análise. Como destacamos anteriormente, a Netflix possui como política comercial a produção de conteúdos originais de diferentes países como forma de ampliar e diversificar seu catálogo. Em nossa análise, salientamos o investimento da plataforma nas chamadas “séries de gênero”, que correspondem a produções com acabamentos temático e estético específicos, e que estabelecem relações interdiscursivas com produções internacionais de sucesso, como o caso de 3% e Onisciente. Tais séries apresentaram ao público da Netflix uma versão local do fenômeno das distopias seriais que tiveram sucesso, tanto no formato de filmes como de séries de ficção, catálogos Netflix de diversos países na última década. Na segunda parte do artigo, analisamos as cidades imaginadas na série Onisciente, entendidas como lugares em que se condensam as dimensões espaciais e temporais que marcam os ambientes distópicos que, por sua vez, fazem emergir visões de mundo marcadas por valores apreensíveis por seus cronotopos, configurando-se como universos imagináveis (TODOROV, 1981, p. 129). Desde o século XIX, o gênero das distopias caracteriza-se como matéria para concretização de ideias, medos, aspirações e frustrações em um mundo marcado por grandes conquistas e descobertas, mas também de grandes atos de privação de INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 106 liberdade, violência e covardia. Em face oposta do que ocorre nas utopias, o futuro distópico é um tempo-espaço em que se conforma o agravamento das questões que inquietam o ambiente sócio-histórico em que é imaginado, produzindo sentido por meio de seus mundos ficcionais. O sucesso constantemente renovado do gênero na literatura ou nos meios audiovisuais sugerem que ele continua funcionando nesse mesmo sentido no presente, em que persistem, como no pós-Segunda Guerra de Huxley, desenvolvimento e criações fantásticas e, ao mesmo tempo, grandes injustiças, desigualdades e regimes que atentam contra a liberdade, a privacidade e o direito à vida. Neste artigo, vimos que, nas distopias, as construções discursivas espaciais e sociais são inseparáveis, moldando ambientes e universos ficcionais por meio de cronotopos que se alinham a cronotopos desenvolvidos em outros textos ficcionais distópicos, conduzindo o fio narrativo não apenas da série analisada, mas também remetendo a outros mundos distópicos que habitam nossa enciclopédia. As características de topografia, arquitetura e as relações entre os diferentes espaços materializam valores de organização social, despersonalização e relação entre liberdade e opressão típicos. Dessa forma, motivos que caracterizam o cronotopo distópico, como as oposições entre o indivíduo e o Estado, o privado e público, o dentro e o fora, urbano e natural, comparecem em diferentes obras com maior ou menor proeminência. Em Onisciente, identificamos a centralidade da articulação cronotópica para a composição da série, tornando, como sugere Bakhtin (2010), o tempo “artisticamente visível”. Abordamos os valores cronotópicos como organizadores dos temas e eventos, centrais na concretização figurativa do enredo. Na Cidade da série, o sistema que controla incessantemente a vida de todos os habitantes - que tem valor cronotópico relacionado ao progresso tecnológico, mas também à vigilância – foi escolhido por estes em votação, ante a crença de que, pela automação do processamento dos julgamentos sobre o comportamento de cada um, estaria garantido o perene direito à privacidade, cuja perda é tema recorrente das distopias. Destacamos que, à ordenação, segurança e limpeza das ruas iluminadas da Cidade e à homogeneização estética de seus espaços, com cores, materiais e formas que se repetem tanto nos ambientes públicos quanto nos privados, se contrapõe a INTERIN, v. 28, n. 2, jul./dez. 2023. ISSN: 1980-5276. Maria Cristina Palma Mungioli; Flavia Suzue de Mesquita Ikeda. Séries brasileiras na Netflix: O cronotopo da distopia em Onisciente. p. 86-109. DOI 10.35168/1980-5276.UTP.interin.2023.Vol28.N2.pp86-109 107 heterogeneidade do espaço fora da Cidade, com suas ruas cheias de gente, tapumes, muros e cercas que identificam a necessidade de segurança, mas também a diversidade de classes, estilos e hábitos, a possibilidade de cada um decidir suas ações, ser livre. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética. A teoria do romance. São Paulo: Hucitec Editora, 2010. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BARROS, José D’Assunção. A Cidade-Cinema expressionista: uma análise das distopias urbanas produzidas pelo Cinema nas sete primeiras décadas do século XX. Em Questão, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 161-177, jan./jun. 2011. Disponível em: <https://brapci.inf.br/index.php/res/v/88290>. Acesso em: 13/06/23. BEMONG, Nele; BORGHART, Pieter. A teoria bakhtiniana do cronotopo literário. In: BEMONG, Nele et. al.(orgs.). 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