Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
IX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Nordeste – Salvador – BA
O Jornalismo e a verdade: relações da prática jornalística com a idéia filosófica de
verdade1
Isaac Lira de Almeida2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre as relações entre a prática
jornalística e a idéia filosófica de verdade, além de analisar suas possíveis
conseqüências na práxis da profissão. Parte-se da hipótese de que os procedimentos
tradicionalmente adotados pelos jornalistas se vinculam a uma idéia de verdade
subjacente a todo o projeto filosófico da modernidade, de raiz cartesiana e, mais
profundamente, positivista. A análise tem como parâmetro manuais e autores
consagrados no ensino universitário de jornalismo. A reflexão aponta para as possíveis
descaracterizações da atividade. Estas, advindas da adoção de conceitos mecânicos em
uma área tão subjetiva quanto a da veiculação de idéias com o objetivo de informar.
Palavras-chave:
Jornalismo; Teoria da Comunicação; Teoria do Jornalism; Objetividade
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre as relações do Jornalismo
com a idéia filosófica de verdade. Busca-se a genética de conceitos que servem de
parâmetro para a prática cotidiana de informar com critério, qual seja, o jornalismo.
Através do século XX, o Jornalismo se impôs como fonte de informação segura e
criteriosa. Partiu-se da retórica para a objetividade, da paixão para a razão. Apesar da
permanência do sensacionalismo e da busca do grotesco por parte da mídia mundial, o
objetivo da notícia, assumido como santa missão, é o relato confiável de fatos. Aos
leitores, o direito de saber, aos jornalistas, o dever de informar.
Foi no começo do século XX que jornalistas norte-americanos começaram a
delinear as diferenças entre o tratamento retórico da informação e o tratamento
jornalístico da informação. É aqui que nasce o quarto-poder. Em suma, a organização
1 Trabalho apresentado ao GT de Jornalismo, do IX Congresso de Ciências da Comunicação da Região
Nordeste
2 Cursando o sétimo período do curso de Comunicação Socia, habilitação em Jornalismo, pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Já trabalhou com a linha de pesquisa Corpus –
Corporeidade, Artifícios e Fluxos, da base de pesquisas Gemini. Na mesma base, trabalha hoje no
grupo de estudos “A informação científica nos meios de comunicação”.
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social que deveria fiscalizar os três poderes do estado na vida democrática. Para isso, a
verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade. Ou, para Nilson Lage, o relato, a
notícia, que “é também axiomática, se afirma como verdadeira, não argumenta”.
1. O Jornalismo
No começo do século XX, nos Estados Unidos, jornalistas preocupados em
diferenciar seu trabalho, conferindo-lhe critério, executam uma mudança na forma de se
publicar e reportar da época. Muitas publicações traziam estórias grotescas e aberrações,
enquanto outras se estendiam em textos editorializados, de cunho político, com
louvações ou críticas apaixonadas de ideologias e governos que mais pareciam pura
propaganda. A relação do Jornalismo com a referencialidade, ou seja, com um contexto
externo do “mundo dos acontecimentos” que desse crédito ao que estava sendo contado,
ainda não estava no cerne das preocupações dos donos de jornais e jornalistas.
Essa mudança de mentalidade, qual seja, procurar conferir status de credibilidade
às publicações norte-americanas do começo do século XX, se refletiu na busca por uma
técnica. O Jornalismo, desde sempre, teve seus parentescos com a oralidade,
principalmente com os relatos históricos, de viajantes que reportavam as novidades de
terras distantes, e, basicamente, pode ser associado ao ato de contar histórias. Para o
autor Felipe Pena: “A isso [contar histórias], sob certas circunstâncias éticas e estéticas,
posso denominar Jornalismo”. Escrever uma notícia, uma reportagem é contar uma
estória. Os seres humanos contam estórias desde sempre. O Jornalismo é primo-irmão
do relato histórico. Mas como decidir em que estória acreditar? Que estória merece
crédito? Ou melhor, como uma estória deve ser contada para merecer crédito?
Para diferenciar o Jornalismo nascente daquele que estava sendo feito, era
necessário criar um novo jeito de contar histórias que parecesse convincente. Era
preciso elaborar um método de contá-las mostrando que o que estava sendo escrito era
exatamente aquilo que tinha acontecido. A influência para esse Jornalismo era o método
científico que àquela época ainda parecia infalível, algo próximo do mito. O discurso
deste jornalismo era próximo disto aqui: “Leitor, existem essas publicações de conteúdo
duvidoso, sem procedência, mas nós estamos criando uma nova técnica de contar
histórias, confiável, onde só é dito o que realmente aconteceu”. Para dar crédito às
histórias contadas, criou-se uma técnica e uma atitude para diferenciar o que é confiável
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do que não é, o que é Jornalismo do que não é. Essas são as “circunstâncias éticas e
estéticas” do Jornalismo.
2. As técnicas
A técnica referida é a do lead e da pirâmide invertida, na definição de Nilson
Lage: . São procedimentos que podem ser incluídos num contexto maior: a atitude
jornalística. Durante o século XX, a “revolução jornalística” norte-americana se
expandiu para vários países, inclusive o Brasil. Com ela, entravam em vigor dois
conceitos bastante difundidos no Jornalismo mundial: a objetividade e a imparcialidade.
Junto com a apuração e a checagem, a objetividade e a imparcialidade são as
grandes ferramentas jornalísticas de busca da verdade. Durante a apuração, por
exemplo, o jornalista, dizem os manuais, deve ouvir várias versões do fato para chegar
ao mais veraz: “se duas fontes dão versões divergentes, a versão mais acertada está no
que a terceira disser”, esse é um ditado muito difundido pela tradição jornalística.
Segundo o cânone, o jornalista deve não tomar partido, não dar opinião e destinar o
mesmo espaço a todas as versões do ocorrido.
A ocorrência e a difusão desses procedimentos de forma quase dogmática é algo
que merece análise em dois eixos principais: análise da época e das idéias às quais esses
conceitos se vinculam.
O que significa ser imparcial e objetivo? Significa ser neutro. A aspiração de ser
neutro é uma aspiração de verdade, no sentido de uma verdade absoluta, axiomática,
que independe de argumentação, a verdade à qual Nilson Lage se referia ao falar da
notícia. Da seguinte forma: se eu vejo ou ouço algo e passo essas informações sem
deixá-las “contaminar-se” com o meu repertório pessoal, estou contando exatamente
aquilo que vi ou ouvi. É como se o próprio real encarnasse na transmissão da
mensagem. Em outras palavras: “a idéia ou enunciado corresponde exatamente a uma
realidade exterior”.
Segundo a filósofa Marilena Chauí, essa definição faz parte da concepção de
verdade como evidência. É uma concepção de origem grega que influenciou boa parte
da filosofia moderna. Filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, acreditavam que para
se chegar à verdade era necessário se chegar à essência das coisas, rompendo as
aparências e opiniões. Nas palavras de Chauí: “[nessa concepção], a verdade (...) exige
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que nos libertemos das opiniões estabelecidas e das ilusões de nossos órgãos dos
sentidos”. O caminho da verdade sendo a evidência.
Na atividade jornalística, os artifícios que correspondem à evidência são muitos. O
mais comum é o relato de quem presenciou ou participou de determinado fato bem
como o confronto de várias versões. Há também o uso de dados, estatísticas, análises
científicas e argumentos de autoridade. Todas são formas de atestar a correspondência
do enunciado com a “essência” do acontecimento. No geral, a base do Jornalismo está
na crença da verdade como verificável, calculável.
A raiz desse pensamento é eminentemente positivista. A realidade, para o
Positivismo, seria simplesmente mecânica. Através da renúncia à opinião e de um
método objetivo, a ciência poderia chegar à verdade única, universal e inquestionável.
Esse era o conjunto de idéias hegemônicas à época que o Jornalismo clássico foi
implementado.
O Positivismo influenciou todos os setores do conhecimento e da atividade
humana. O “progresso” tecnológico que marcou o século XIX espalhou uma onda de
otimismo e crença, com relação à ciência e à matemática, que se fez sentir em todo o
mundo e no começo do século XX, essa crença na onipotência e na infabilidade da
ciência começaria a ser questionada. Os sociólogos Philippe Breton e Serge Proulx
vêem nesse desenvolvimento mecânico matemático o que eles chamam de “cultura da
evidência” que é “inspirada em uma tradição que vai de Descartes à Wittgenstein (...)
[e] é fortemente marcada pela busca da evidência racional, da prova e da dedução
lógica, mas também de uma linguagem universal”.
A própria ciência se encarregou de desfazer o mito, principalmente com a Teoria
da Relatividade, de Einstein, e o Princípio da Incerteza, de Heisenberg. Mas a
concepção cientificista continua sendo base para inúmeros métodos e técnicas, inclusive
as do Jornalismo. “Essa tomada de posição filosófica ‘neomecanicista’ tem um sucesso
crescente e é um dos elementos constitutivos da ideologia da comunicação”.
3- Verdade e verdades
Muitas foram as descobertas que colocaram em cheque a crença positivista. A
física moderna, a atomística, demonstrou que os princípios universais da razão não eram
tão universais quanto se achava. A ciência se descobria impotente frente a várias
questões ao mesmo tempo em que admitia não haver método científico objetivo.
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O mito da objetividade científica se nutria da idéia de que era possível se despir de
sentimentos e opiniões, deixando agir unicamente uma consciência racional. É a crença
numa racionalidade autônoma e absoluta. Três pensadores refletiram de forma
determinante sobre essa questão: Freud, Nietzsche e Marx. Freud, por exemplo,
descobriu o inconsciente, a razão virou joguete de forças que fogem ao nosso controle.
A razão não era mais suficiente para o domínio da verdade.
Em decorrência desta mudança de paradigma, no século XX, o conceito de
verdade foi desatrelado da idéia de universalidade. A verdade muda porque existem
muitas verdades. Existem muitas verdades porque existem muitas realidades, muitas
focalizações, muitas formas de se ver a mesma coisa.
Então a forma de se chegar a conclusões também deveria mudar. Segundo Karl
Popper (...), filósofo da ciência, o método científico é impossível. Impossível no sentido
de uma fórmula única e imutável. O método se transformou em anti-método: deveria
mudar e se adaptar ao problema, não o contrário.
O desenrolar desses acontecimentos desembocaram no que se chama de crise da
modernidade. A crise possibilitou a relativização dos conceitos cientificistas e a
“descoberta do nada que nos fundamenta enquanto seres que refletem”, como diz
Villém Flusser. A possibilidade de ciência, e até mesmo de verdade, foi questionada.
Para Harry Pross: “todo conocimento es relativo. (...) todo conocimento descansa, em
última instancia, en premisas indemostradas”
4- A Herança
Ao longo do século XX, os estudiosos do Jornalismo também chegaram à
conclusão de que a objetividade e a imparcialidade não existem. Mas que eram
conceitos a serem perseguidos. Tanto que nas redações, entre os profissionais que, de
fato, produzem Jornalismo, a objetividade ainda tem crédito. Para tanto basta relembrar
a declaração do presidente da CBS News, Richard Salant: “Nossos repórteres não
cobrem notícias sob o ponto de vista deles. Eles as apresentam sob o ponto de vista de
ninguém”.
Na fundação do Jornalismo Clássico, esses ideais serviram para dar status de
confiável ao Jornalismo. Eram conceitos importantes para a fundação da atividade
profissional e para a aceitação da sociedade. Mas o que deveria ser entendido apenas
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dentro daquele contexto acabou se enraizando na tradição do Jornalismo. Existem
influências dessa tradição nas técnicas de codificação que os jornalistas utilizam.
A primeira influência desse desejo de ser objetivo do Jornalismo clássico que
perdura até hoje é a técnica do lead e da pirâmide invertida. Essas técnicas não são mais
dogmas, mas continuam a ser largamente utilizadas. A utilização de um lead, levando
também em consideração que este não conterá marcas lingüísticas do enunciador, dá a
impressão de que a notícia ou reportagem apareceu do nada, escrita por ninguém, as
marcas de seus atores e autores são apagadas, como se o relato fosse exatamente igual
ao que aconteceu. Exemplo: “O presidente Ronald Reagan atropelou uma cabra, ontem,
em Camp David, quando praticava seus habituais exercícios de guerra, no fim de
semana, dirigindo o carro de combate presidencial Reds Out” . Quem viu esse fato
ocorrer? O próprio jornalista? Ou ele ouviu de alguém? De quem? Toda a complexidade
do acontecimento é apagada para dar efeito de verdade ao relato.
Outro artifício utilizado para dar ao enunciado o status de ser igual ao
acontecimento é a ausência de marcas do sujeito que enuncia o texto. Num texto de
jornal não há o pronome “eu”. Muitas vezes não há sequer a assinatura, como se a
própria realidade tivesse se encarregado de escrever o texto. As marcas do autor não
estão presentes nem na adjetivação. Em um texto jornalístico, não é permitido o uso de
adjetivos. Ao invés de dizer “o réu estava visivelmente nervoso” diz-se “o réu fumou 45
cigarros em quatro horas”.
Esses artifícios servem como efeito de verdade. Nilson Lage, em seu livro “A
Estrutura da Notícia” atesta: “Não basta ser verdadeiro, é preciso parecer”. De forma
que o Jornalismo, por ter fugido do texto retórico característico do jornalismo de fim de
século XIX, acabou encontrando-o: a objetividade a imparcialidade só se realizam na
ausência de marcadores lingüísticos já citados. Pura retórica.
Embora uma notícia possa parecer objetiva, existe um pressuposto que a torna
subjetiva e que precisa ser levado em consideração. Não há com sairmos de nós mesmos
e do mundo no qual estamos. Como diriam os filósofos Jean-Paul Sartre e Maurice
Merleau-Ponty, “somos seres em situação”.
Além das questões já levantadas, existem outras normas estilísticas da tradição
jornalística que demonstra as relações do Jornalismo com a “verdade”. Tomando como
base a obra de Nilson Lage, o texto jornalístico deve evitar verbos e expressões que
denotem dúvida ou incerteza.
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Também merecem reflexão as considerações desse autor sobre a linguagem
jornalística. “O verbo central do lead, aquele que informa sobre a transformação
ocorrida no mundo objetivo, é perfectivo”. Desta forma o autor explica a construção
verbal do lead. Verbos perfectivos são os que expressam certeza, imperfectivos são os
que expressam dúvidas. Segundo Nilson Lage: “se digo li o livro, ou terei lido o livro,
entende-se que terminei, ou terei terminado de ler; se digo lia o livro ou estarei lendo o
livro, não informo se terminei ou terei terminado de ler em algum momento”.
Esse ofício de sempre ter certeza aliado à necessidade de encontrar uma
linguagem universal denotam o objetivo que o jornalista tem de se impor de ter que ser
absoluto. O texto de jornal deve ser escrito de forma a ser entendido por todos, o que se
chama linguagem jornalística, acessível e expressar a verdade do fato.
5. As conseqüências
A experiência de o Jornalismo tentar se ater aos fatos – referencialidade – em
contraposição ao que era feito como invenção – linguagem apelativa – gerou
conseqüências que merecem reflexão.
Uma coisa é ser proibido publicar mentiras. Tudo bem, isso é óbvio. Outra
bastante diferente é se incumbir de dizer a verdade, verdadeira verdade única. Tendo em
vista, o ser-no-mundo, em situação, que conforme adotamos neste trabalho, é o homem,
só existiria verdade-para-alguém. Sua ou minha, não de todos. A linguagem “objetiva”
do Jornalismo pode acabar travestindo a verdade-de-alguém como verdade-de-todos. O
resultado é uma linguagem diretiva, autoritária.
Os artifícios de verdade não deixam espaço para questionamento. Levando em
conta que o jornalista tem acesso a muito mais informação que o leitor, e que a notícia é
obviamente a redução de uma situação complexa, o receptor não teria condições de
discutir ou refletir sobre a notícia.
Se essa reflexão for pensada na perspectiva de um Jornalismo comprometido com
a transformação social, os questionamentos tomam outro rumo. Como um Jornalismo
diretivo pode esclarecer ao invés de alienar?
Harry Pross, no livro “Introduccion a la ciência de la comunicación”, utiliza
conceitos importantes para a análise: identificação e privação:
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“el proceso de comunicación permite que el individuo em
teoria, se sienta miembro de otros hombres (...) la
identificación es uno de los pólos de la comunicación. El
outro es el desplazamento de la comunicación (...) el silencio,
la soledad, em uma palavra, privación”
(PROSS, Harry,
BETH, Hanno, 1990, pág XX)
A articulação desses estados, na comunicação, deveria ser dialógica: a
coexistência de identificação e privação no processo comunicacional. A Teoria da
Comunicação clássica vê a comunicação apenas como identificação. O modelo formal
de Shannon e Weaver, por exemplo, coloca como objetivo que a mensagem não sofra
interferências e chegue ao receptor da forma que o emissor a codificou. Para Harry
Pross, o ruído também é importante, também comunica.
Quando a comunicação é pensada apenas como ajuste de termômetros, com o
objetivo de que receptor e emissor tenham a mesma idéia – a mensagem -, ela se torna
diretiva, autoritária. Elimina-se a discussão, o que deveria ter duas faces vira moeda de
face única.
O excesso de identificação produz excesso de determinação, outro conceito de
Harry Pross.
“El hombre (...) inmediatamente despúes de entrar em la
vida
terrena
se
le
imponen
las
cadenas
de
las
correspondientes relaciones políticas, economicas y sociales
en las que ha nacido. Estas relaciones, junto con sus valores y
normas, constituyen la base de las aspiraciones de
socialización que se le han concedido sin su intervencion, em
suma; a traves de ellas es determinado por otros” (PROSS,
Harry, BETH, Hanno, 1990, pág XX)
A relação da determinação também é dialógica com a autodeterminação.
Autodeterminação é a capacidade, limitada, do homem de se guiar, apesar das
determinações sociais, em suma, liberdade.
A preferência do Jornalismo pela identificação impede a formação crítica do
leitor. Publicar idéias lingüisticamente vestidas de objetividade, de verdade não deixa
espaço para questionamentos; a idéia é vendida pronta. Para o desenvolvimento da
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massa em massa crítica, deveria haver uma porcentagem de dúvida, incerteza, no que é
veiculado pelo Jornalismo. Nas palavras do teórico Peter Sloterdijk: “Como todos os
programas de desenvolvimento, esse também deve ofender seu destinatário tão logo o
faça entender que ele ainda não é o que deve ser”.
Ofender o leitor é um desafio que se coloca ao Jornalismo. Ofender no sentido de
deixar à mostra um estado de não-saber, de ignorância. Visto isso no contexto do jornalempresa, pode-se divisar as dificuldades que se impõem. Mas a tentativa é necessária na
busca de um Jornalismo formador de opinião e não conformador de opinião. “Na
alternativa entre desenvolver e mimar movem-se os discursos modernos, sobre o
homem como um fim em si mesmo”.
Conclusão
O presente trabalho visou estabelecer as relações de Jornalismo com a noção de
verdade. Noção essa vinculada aos ideais positivistas vigentes no século XIX e começo
do século XX, quando as técnicas jornalísticas modernas foram forjadas.
É claro que o vínculo do Jornalismo com os conceitos clássicos vem de uma
tradição fortemente arraigada. As conseqüências desses vínculos não serão apagadas da
noite para o dia. Da mesma forma, não é intenção do artigo propor um Jornalismo
completamente subjetivo, um compêndio de artigos. O que se faz necessário é repensar
a atividade como um todo. Esse é um desafio que vem rondando o Jornalismo há anos.
Referências Bibliográficas
Beth, Hanno, Pross, Harry. Introducción a la ciência de la comunicación. Barcelona:
Anthropos, 1990.
Chauí, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
Lage, Nilson. Linguagem Jornalística. São Paulo: Ática, 2001.
___________. Estrutura da Notícia. São Paulo: Ática, 1987.
Pena, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.
Sloterdjik, Peter. O desprezo das massas: ensaios sobre lutas culturais na sociedade
moderna. São Paulo: Estação Liberdade, 2002
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